Lazer, Saúde E Ordem: Principais Programas Desenvolvidos Na Arquitetura Do Século XIX No Rio de Janeiro e No Recife
Lazer, Saúde E Ordem: Principais Programas Desenvolvidos Na Arquitetura Do Século XIX No Rio de Janeiro e No Recife
2009
.
UFRJ
Rio de Janeiro
Março / 2009
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora:
________________________________________
Profª Drª Cláudia Carvalho Leme Nóbrega (Orientadora)
________________________________________
Drª Cláudia S. Rodrigues de Carvalho (Fundação Casa de Rui Barbosa)
________________________________________
Profª Drª Beatriz Santos de Oliveira (FAU-UFRJ)
Rio de Janeiro
Março / 2009
Sobral Filha, Doralice Duque.
Uma dissertação nunca é única, pertence a todas as pessoas que estiveram comigo, perto ou
longe, durante esses dois anos de trabalho.
À Claudia Nóbrega pela excelente orientação, agradeço muitíssimo, especialmente por acreditar em
uma idéia que mesmo distante lhe pareceu interessar. Pela amizade e confiança.
Agradeço muitíssimo ao CNPq, pela bolsa de incentivo à pesquisa, que me ajudou com
financiamento dissertação, com livros, viagens, fotografias, praticamente todas as atividades de
mestrado.
Agradeço ao programa da FAU-Proarq, funcionários e professores pela ajuda e pela ampliação dos
conhecimentos pertinentes ou não à minha pesquisa.
Aos amigos do mestrado turma 2007-2009: Ana Paula, Benvinda, Silvino, Marise e Denise por
compartilhar conhecimento, amizade e força.
Aos meus sogros Terezinha e Antônio Carlos Romeo, pelas orações, incentivos e correções de
textos.
À minha família, mãe, pai e irmãos, que mesmo distantes, creditam empenho, discernimento, apoio
e carinho.
Meus agradecimentos, inestimáveis para todos os meus amigos em Pernambuco, que acreditaram
nas minhas idéias e esperanças. Espacialmente à Maria Reynaldo, Luziana Carvalho e a Pedro
Valadares, excelentes arquitetos, pelas conversas, pesquisas, livros e fotografias.
O sentimento em nós é brasileiro, a imaginação é européia.
Joaquim Nabuco
RESUMO
A dissertação tem por finalidade contribuir para uma visão crítica da arquitetura brasileira do século XIX, tendo como pressuposto a necessidade de
progresso e ordem nos espaços urbanos fruto de preocupações mundiais. Essas ‘necessidades’, estarão presentes em diversas cidades do país,
especialmente no decorrer da segunda metade do oitocentos.
A diversidade de programas em que se apresenta a produção arquitetônica do período, configuraram-se fontes de percepção das três prioridades políticas e
sociais, o lazer, a saúde e a ordem, que vieram a se destacar como principais vias de desenvolvimento urbano das principais capitais do país.
Por meio de duas das principais capitais do país, Rio de Janeiro e Recife, que procuramos ampliar a compreensão do fenômeno arquitetônico, apontando
seis exemplares mais representativos para a ordem urbana nessas duas cidades.
Os teatros como programas destinados ao lazer, e por terem uma conformação destinada ao público e o privado, se mostrou como um dos principais
emblemas civilizatórios que ambas cidades procuraram ostentar. Tanto o Real Teatro São João no Rio de Janeiro quanto o Teatro Santa Isabel no Recife,
apontam especificidades históricas próprias e características formais comuns e estão intimamente ligadas as fases em que foram construídas.
A inauguração dos programas de saúde diferenciados – no Rio de Janeiro com o Hospício Pedro II e no Recife como Hospital Pedro II – tiveram papel
importante na assistência pública e na salubridade dos ambientes, assim como para o desenvolvimento científico médico. Esses empreendimentos
mostraram-se como construções monumentais, inseridas dentro dos principais modelos internacionais.
O Asilo de Mendicidade no Rio e a Casa de Detenção no Recife, representaram a necessidade de segurança e ordem nos espaços públicos, e atuaram
como reformadores de indivíduos que não se integravam as regras de moral e ética da nova civilidade. Ambas construções souberam bem associar o
controle e a vigilância desses indivíduos pela integração entre forma e função.
Demonstramos com isso, que as tipologias apresentavam-se filiadas às soluções arquitetônicas mais modernas para a época, estando sempre inseridos
dentro dos principais modelos internacionais, associando as idéias de belo e útil, segundo os preceitos científicos vigentes.
The finality of the research is to give a contribution to a critical vision about brazilian architecture in the 19th century, under a scenery that manifested a world
concern about needs of order and progress in urban spaces. Those needs were present in several brazilian cities, specially along the second half of the
eighteen hundred years.
The diversity of programs that features the architectural prodution, in the period, were sources to the perception of the three political and social priorities:
leisure, health and order, that became the main ways of urban development in most brazilian capitals.
Through the study of two of them, Rio de Janeiro and Recife, the research trys to improve the understanding of the architectural phenomenon, pointing the six
more representative specimens of the order in both cities.
Theaters, wich are dedicated to public and private leisure, rose as symbols of civilization that both cities tried to show. Real Teatro São João, in Rio de
Janeiro, and Teatro Santa Isabel, in Recife, point historical peculiarities and formal common features, directly connected to the phases in wich they were built.
The opening of the health programs – in Rio, with Hospício Pedro II and, in Recife, with Hospital Pedro II – performed an important role in public assistance
and environments cleanliness, as much as in medical scientific development. Those enterprises showed themselves as monumental buildings, inserted in the
main internacional models.
Asilo de Mendicidade, in Rio, and Casa de Detenção, in Recife, represented the need of order and security in public spaces and acted as fixers of people that
did not integrate the rules of moral and ethics of the new civility. Both buildings gathered very well control and surveillance over those indivíduals, integrating
form and function.
With those arguments, the research demonstrates that tipologies were filiated to the most modern architectural solutions for their time, and were also inserted
in the main international models, gathering the ideas of beauty and usefulness, according to scientific principles of their time.
Key words: 19th century, urban ordering, architectural programs, form and functionality.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Detalhes de janelas, rótulas e muxarabiês de São Paulo Antigo ............................................................................................................... 031
Figura 02 – Portada do antigo Paço da Cidade do Rio de Janeiro ............................................................................................................................. 032
Figura 03 – Palácio da Ajuda – Lisboa – 1795 – Francesco S. Fabri e José da Costa e Silva .................................................................................. 033
Figura 04 – Passeio Público de Lisboa, séc. XVIII ......................................................................................................................................................... 033
Figura 05 – Palácio dos Governadores – Belém – Pará - 1767 - Antônio José Landi ................................................................................................. 034
Figura 06 – Igreja da Candelária - 1775. ....................................................................................................................................................................... 035
Figura 07 – Associação Comercial de Salvador - 1814. ........................................................................................................................................... 036
Figura 08 – Antigo Paço da Cidade do Rio de Janeiro em três fases distintas .............................................................................................................. 037
Figura 09 – O passeio Público – Rio de janeiro, em litografia aquarelada de Alfredo Martinet, 1847. .................................................................... 050
Figura 10 – Um funcionário a passeio com sua família - Registrado por Debret no séc. XIX .................................................................................. 062
Figura 11 – Teatro São João – Largo do Rocio – RJ - Início do século XIX ............................................................................................................... 062
Figura 12 – Teatro São João – Bahia, 1813 ....................................................................................................................................................................... 063
Figura 13 – Teatro São Pedro – Porto Alegre, 1858. ......................................................................................................................................................... 063
Figura 14 – Teatro da Paz– Belém, 1878 ....................................................................................................................................................................... 064
Figura 15 – Hospício São Pedro – Porto Alegre, 1884 ........................................................................................................................................... 064
Figura 16 – Hospital da Beneficência Portuguesa – Recife, 1855. ............................................................................................................................. 066
Figura 17 – Hospital da Beneficência Portuguesa – Porto Alegre, 1867. ............................................................................................................... 066
Figura 18 – Casa de Detenção – Recife, 1855 ......................................................................................................................................................... 067
Figura 19 – Cadeia Civil - Porto Alegre 1864. ......................................................................................................................................................... 068
Figura 20 – Estação Ferroviária – Rio de Janeiro, 1858 ........................................................................................................................................... 068
Figura 21 – Estação Ferroviária – Recife, 1888 ......................................................................................................................................................... 069
Figura 22 – Vista do Campo de Santana, segundo Franz Frühbeck – 1818. ............................................................................................................... 073
Figura 23 – Mapa do Rio de Janeiro – 1750 - Demarcação da ocupação ............................................................................................................... 078
Figura 24 – A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro - Litografia de Miguel Angelo Blasco .................................................................................. 079
Figura 25 – Palácio da Quinta da Boa Vista – 1870 ......................................................................................................................................................... 080
Figura 26 – Academia Militar do Rio de Janeiro – Joseph Pézérat ............................................................................................................................. 088
Figura 27 – Frontaria da Academia Imperial de Belas Artes – Grandjean de Montigny ................................................................................................. 090
Figura 28 – Jardim Botânico – 1895 – fotografia de Marc Ferrez ............................................................................................................................. 093
Figura 29 – Fachada do Hospital da Santa Casa de Misericórdia – Rio de Janeiro ................................................................................................. 094
Figura 30 – Mapa do Recife – séc. XVII ....................................................................................................................................................................... 095
Figura 31 – Cidade Maurícia, 1630. ....................................................................................................................................................................... 096
Figura 32 – Palácio da Boa Vista – concluído em 1643 – Gaspar Barleus ............................................................................................................... 097
Figura 33 – Rua do Imperador – Recife – litografia de Franz Heinnrich Carls – meados do século XIX. .................................................................... 098
Figura 34 – Recife – Palácio dos Governadores e Teatro Santa Isabel – litografia de Franz Heinnrich Carls – meados do século XIX. .......................... 099
Figura 35 – Vista do Recife tomada do Salão do Teatro Santa Isabel pelo desenhista Luiz Schlappriz, logo após a sua inauguração em 1850. ............ 108
Figura 36 – Assembléia Legislativa e Ginásio Provincial ........................................................................................................................................... 109
Figura 37 - Teatro São João no Largo do Rocio Rio de Janeiro. 1817 ............................................................................................................................. 119
Figura 38 – Teatro Santa Isabel, 1855 ....................................................................................................................................................................... 120
Figura 39 - Teatro São João, Rio de Janeiro. ......................................................................................................................................................... 120
Figura 40 – Plantas esquemáticas da Ópera Velha ......................................................................................................................................................... 121
Figura 41 – Mapa da Cidade do Rio de Janeiro, 1820. Localização do Teatro em sua configuração original. ...................................................... 122
Figura 42 – Teatro São João - RJ ...................................................................................................................................................................................... 125
Figura 43 – Teatro São Carlos – Lisboa - Fonte: Lima, 2000, p. 49 ............................................................................................................................. 125
Figura 44 – Teatro de la Scalla – Milão - Fonte: Toman, 2006, p. 106 ............................................................................................................................. 125
Figura 45 – Planta do Nível dos Camarotes - Teatro São João – RJ. ............................................................................................................................. 126
Figura 46 – Planta do Nível da Platéia - Teatro São Carlos – Lisboa. ............................................................................................................................. 126
Figura 47 – Teatro Tor di Nona – Itália, 1666. Carlo Fontana ........................................................................................................................................... 128
Figura 48 – Teatro Argentina – Itália, 1732. Marchese Teodoli ........................................................................................................................................... 128
Figura 49 – Teatro S. Carlo – Itália, 1737. G.A. Medrano ........................................................................................................................................... 128
Figura 50 – Teatro Scalla – Itália, 1776, Giuseppe Piermarini - Fonte : Pevsner, 1976, p.73-75. .................................................................................. 128
Figura 51 – Principais Teatros Europeus – Recueil, J.N.L. Durand, 1799, Pranchas. ................................................................................................. 129
Figura 52 – Esquema Funcional Teatro Scalla – Milão ........................................................................................................................................... 131
Figura 53 – Esquema Funcional Teatro São Carlos – Lisboa ........................................................................................................................................... 131
Figura 54 – Esquema Funcional Teatro São João – RJ. ........................................................................................................................................... 131
Figura 55 – Mapa de ocupação da cidade do Rio de Janeiro, 1817. localização do Teatro no Largo do Rocio em sua possível configuração original,
sem os dois volumes dos camarins. ...................................................................................................................................................................... 132
Figura 56 – Esquema do detalhe do lanternim e dos óculos para adaptação à ventilação e iluminação, detalhe tirado da aquarela de
Tomas Ender. .................................................................................................................................................................................................................. 133
Figura 57 – Teatro Scalla em meados do século XIX ......................................................................................................................................................... 134
Figura 58 – Teatro São Carlos meados do século XIX ........................................................................................................................................... 134
Figura 59 – Teatro São João ao fundo em 1825 ......................................................................................................................................................... 134
Figura 60 – Croqui dos arruamentos destacando a área do Largo do Rocio onde surgiram os teatros, tavernas e cafés. ........................................ 136
Figura 61 – Volumetria do São João articulada em cinco Blocos, galilé, foyer, esperas, platéia e palco. .................................................................... 137
Figura 62 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos teatros que se encontram entre as possíveis influencias
na adoção do partido arquitetônico do Real Teatro São João - RJ ............................................................................................................................ 137
Figura 63 – Esquema dos elementos básicos funcionais da Elevação Frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais. ............ 138
Figura 64 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização por adjacência. ........................................................................................................................................................ 138
Figura 65 – Relação planta-elevação das doseixos estruturais. Organização linear, possível distribuição de eixos configurando uma malha. ............ 139
Figura 66 – Traçado de eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da linearidade na
organização do Teatro. .................................................................................................................................................................................................... 139
Figura 67 – Traçado regulador da fachada em analogia com a planta baixa do Teatro, denotando total integração entre planta e elevação. ............ 140
Figura 68 – Análise do possível traçado regulador do Teatro, evidenciando o uso do retângulo áureo como forma de garantir a harmonia e a
proporcionalidade das partes com o todo. ...................................................................................................................................................................... 140
Figura 69 – Primeiro projeto para o Teatro de Pernambuco feito pelo engenheiro francês Boyer. .................................................................................. 141
Figura 70 – Reprodução do projeto do Teatro Santa Isabel – Recife ............................................................................................................................. 141
Figura 71 – Praça da Republica – Teatro Santa Isabel e ao Lado o Palácio dos Governadores. .................................................................................. 142
Figura 72 – Teatro Santa Isabel 1895-1905, já com a reforma e ampliação após o incêndio de 1869. .................................................................... 143
Figura 73 – Théàtre Odeon – París ...................................................................................................................................................................................... 146
Figura 74 – Grand Théàtre Bordeaux – França ......................................................................................................................................................... 146
Figura 75 – Teatro Scalla – Itália ...................................................................................................................................................................................... 147
Figura 76 – Teatro São Carlos – Portugal ....................................................................................................................................................................... 147
Figura 77 – Teatro Bordeaux – França ....................................................................................................................................................................... 147
Figura 78 – Teatro São João – Brasil ....................................................................................................................................................................... 147
Figura 79 – Esquema Funcional Teatro Scalla – Milão, baseado na planta apresentada por Pevsner, 1976, p. 75. ...................................................... 149
Figura 80 – Esquema Funcional Teatro São Carlos – Lisboa. Baseado na planta apresentada por Lima, 2000, p.51 ...................................................... 149
Figura 81 – Esquema Funcional Teatro Santa Isabel – Recife. Baseado no projeto original de 1840. .................................................................... 149
Figura 82 – Teatro Boudeaux – França ....................................................................................................................................................................... 150
Figura 83 – Teatro São João – Brasil ....................................................................................................................................................................... 150
Figura 84 – Teatro Santa Isabel – Brasil ....................................................................................................................................................................... 150
Figura 85 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Bordeaux. Fonte: Pevsner, 1976, p. 77. .................................................................................. 151
Figura 86 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Santa Isabel. Fonte: Moura, 2008, p.25. .................................................................................. 151
Figura 87 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Scalla. Fonte: Tenon, 2006, p. 106. .................................................................................. 151
Figura 88 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos teatros, que se encontram entre as possíveis influencias
na adoção do partido arquitetônico do Teatro Santa Isabel - Recife ............................................................................................................................. 152
Figura 89 – Volumetria do Santa Isabel articulada em quatro Blocos: galilé, foyer, platéia- palco e serviços. ...................................................... 153
Figura 90 – Atual Implantação do Teatro Santa Isabel na Praça da República ............................................................................................................... 153
Figura 91 – Esquema dos elementos básicos funcionais da Elevação Frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais. ............ 154
Figura 92 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal, definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização por adjacência. ......................................................................................................................................................... 154
Figura 93 – Relação planta-elevação doseixos estruturais. Organização linear, possível distribuição de eixos configurando uma malha. ............ 155
Figura 94 – Traçado de eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da linearidade na
organização do Teatro. .................................................................................................................................................................................................... 155
Figura 95 – Traçado regulador da fachada em analogia com a planta baixa do Teatro, denotando total integração entre planta e elevação ............ 156
Figura 96 – Análise do possível traçado regulador do Teatro, evidenciando o uso de quadrados como elementos unificadores, e um dodecágono
determinando o recuo do bloco central, como forma de garantir a harmonia e a proporcionalidade das partes com o todo. ........................................ 156
Figura 97 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos ................................................................................................. 160
Figura 98 – Análise Comparativa entre os principais teatros franceses e os teatros brasileiros segundo padrões tipológicos. .......................... 161
Figura 99 – Análise Comparativa entre os principais teatros Scalla e San Carlo na Itália, Teatro São Carlos em Lisboa e os teatros brasileiros
segundo padrões tipológicos. ...................................................................................................................................................................................... 162
Figura 100 – Desenho para o Hotel Dieu – Bernard Poyet – França , 1785 ............................................................................................................... 165
Figura 101 – Royal Hospital, Stonehouse, 1756-64. De Rowehead ............................................................................................................................. 165
Figura 102 – Hospital Pedro II - Recife, cartão postal do início do século XX ............................................................................................................... 166
Figura 103 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, fotografia de Victor Fornd, 1859 ................................................................................................. 166
Figura 104 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, 1905 ........................................................................................................................................... 167
Figura 105 – Configuração do Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, 1905 ............................................................................................................... 169
Figura 106 – Frontaria do Hospício ...................................................................................................................................................................................... 170
Figura 107 – Detalhes de combinações horizontais. Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. .................................................................... 173
Figura 108 – Detalhes de combinações horizontais. Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. .................................................................... 174
Figura 109 – Planta do Ospedale Maggiore – Milão - Filarete, 1456 ............................................................................................................................. 175
Figura 110 – Planta do Hospício Pedro II, segundo sua configuração original. ............................................................................................................... 175
Figura 111 – Hotel dos Inválidos, Paris, 1670. Libéral Bruant e Jules Hardouin-Mansart ................................................................................................ 176
Figura 112 – Possível Esquema Funcional do Hospício Pedro II, conforme descrições do Dr. Manuel José Barbosa, diretor do serviço clinico do
hospício em 1853 e de Moreira de Azevedo em 1864. ........................................................................................................................................... 177
Figura 113 – Fachada do Ospedale Maggiore ......................................................................................................................................................... 178
Figura 114 – Fachada do Hospício Pedro II ....................................................................................................................................................................... 178
Figura 115 – Pórtico de acesso principal todo em cantaria de pedra ............................................................................................................................. 179
Figura 116 – Detalhe da distribuição das aberturas. Esquema retirado do levantamento físico da fachada feito pelo Escritório Técnico da UFRJ ....... 180
Figura 117 – Volumetria de base retangular, horizontalizada, com forte marcação de eixo principal feito por meio do pórtico de acesso. ............ 181
Figura 118 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de hospitais que se encontram entre
as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Hospício Pedro II. ................................................................................................. 182
Figura 119 – Detalhes de fechamentos em pátio, Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. .................................................................... 183
Figura 120 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização ...................................................................................................................................................................................... 184
Figura 121 – Elementos configuradores dos espaços fechados, os quais remetem a ambientes de reclusão, cuja vigilância é fundamental. ............ 185
Figura 122 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da organização
linear ................................................................................................................................................................................................................................ 186
Figura 123 – Traçado dos eixos estruturais, segundo uma malha quadrada, e sua correspondência com a elevação. ........................................ 187
Figura 124 – Vista do Pátio Interno do Hospital Pedro II , Recife, 2006 ............................................................................................................................. 189
Figura 125 – Planta da Cidade do Recife em 1878 ......................................................................................................................................................... 190
Figura 126 – Cartão Postal com Vista a Esquerda do Hospital Pedro II ............................................................................................................................. 191
Figura 127 – Desenho para um hospital de J.N.L. Durand, (Précis des Leçons, 1809) ................................................................................................. 193
Figura 128 – Hospital Lariboisiere - 1846 ....................................................................................................................................................................... 194
Figura 129 – Royal Hospital Naval, Ingleterra, 1756, (Durand, Précis, 1801) ............................................................................................................... 194
Figura 130 – Desenho para o hospital La Roquette de Tenon e Poyet – 1788 ............................................................................................................... 195
Figura 131 – Possível Esquema Funcional do Hospital, desenvolvido a partir de descrições do projeto original e por analogia ao programa existente
no Hospital Lariboisiere. .................................................................................................................................................................................................... 196
Figura 132 – Plano térreo do Hospital Pedro II desenvolvido a partir do projeto original ................................................................................................. 197
Figura 133 – Planta do Laribiosiere – Paris ....................................................................................................................................................................... 197
Figura 134 – Fachada frontal e lateral do Hospital Pedro II – projeto original ............................................................................................................... 198
Figura 135 – Fachada frontal e lateral do Lariboisiere ......................................................................................................................................................... 198
Figura 136 – Escadaria e Portal de Acesso ....................................................................................................................................................................... 199
Figura 137 – Hospital Pedro II no inicio do século XX ......................................................................................................................................................... 199
Figura 138 – Volumetria recortada entre os vazios dos pátios de base retangular, horizontalizada, com forte marcação de eixo principal feito por meio
do pórtico de acesso. ................................................................................................................................................................................................... 200
Figura 139 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de hospitais que se encontram entre
as possíveis influências na adoção do partido arquitetônico do Hospital Pedro II. ................................................................................................ 201
Figura 140 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal, definidores dos ambientes internos e hierarquias .... 202
Figura 141 – Trecho da Fachada principal mostrando a regularidade nas disposições das aberturas e a forte marcação empregada pelas linhas
horizontais, das cornijas e cimalhas. ....................................................................................................................................................................... 203
Figura 142 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da
organização linear .................................................................................................................................................................................................... 204
Figura 143 – Traçado regulador segundo ortogonal retangular possivelmente associada à figura do retângulo √2, e sua correspondência com
a elevação. .................................................................................................................................................................................................................. 205
Figura 144 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos ................................................................................................ 210
Figura 145 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos. .......................... 211
Figura 146 – Desenho da Prisão Panótica feita por Jeremy Benthan em 1791. ............................................................................................................... 214
Figura 147 – Prisão Estadual de Auburn – New York ......................................................................................................................................................... 215
Figura 148 – Eastern Penitentiary – Philadelphia. Projetada por John Havilland – 1821 ................................................................................................. 216
Figura 149 – Pentonville Prison – Inglaterra. ......................................................................................................................................................... 216
Figura 150 – Plano da Casa de Correção de Burry St. Edmonds – Inglaterra. Projetada por Joshua Jebb – 1840. ...................................................... 217
Figura 151 – Projeto da Casa de Correção da Corte. ......................................................................................................................................................... 217
Figura 152 – Vista do conjunto do Asilo de Mendicidade, atual Hospital São Francisco de Assis – 1938. .................................................................... 218
Figura 152 – Planta da Cidade do Rio de Janeiro – 1867. Localização da área do mangue e da Casa de Correção da Corte. .......................... 219
Figura 153 - Estação de Ferro Pedro II em 1870, projeto de Heitor Rademacker Grunewald (In: LIMA, 1990) ...................................................... 222
Figura 154 – London Millbank Prison – Inglaterra-1813 ........................................................................................................................................... 223
Figura 155 - La Petite Roquette Prison – França -1826 ............................................................................................................................................. 223
Figura 156 – Hôtel Dieu (hospital) – Antoine Petit – França -1774 ............................................................................................................................. 224
Figura 157 – New Jersey State Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 ............................................................................................................... 224
Figura 158 – Possível Esquema Funcional do Asilo feito a partir de dados do projeto listado em fotografia da planta datada do início do séc. XX do
edifício antigo. Modelo da Planta foi reproduzido com base no levantamento planimétrico feito pelo Escritório Técnico da UFRJ. .......................... 225
Figura 159 –Fotografia do Asilo apresentando a planta datada do início do séc. XX do edifício antigo. .................................................................... 226
Figura 160 - Detalhe da fachada principal ....................................................................................................................................................................... 227
Figura 161 – Localização da área de implantação do em 1885 já apresentando uma área urbanizada desenvolvida dez anos após a desobstrução,
prolongamento e urbanização do Mangue iniciada em 1875. ........................................................................................................................................... 228
Figura 162 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de prisões que se encontram entre
as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Asilo de Mendicidade ................................................................................................. 229
Figura 163 – Volumetria articulada em sete blocos, e três funções primordiais; administração, central de vigilância e morada dos asilados. ............ 230
Figura 164 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias
espaciais. Configuração da organização proximidade. ........................................................................................................................................... 230
Figura 165 – Esquema gráfico do traçado linear do conjunto, apontando unidades em relação ao plano horizontal e vertical. ........................................ 232
Figura 166 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação das duas formas
de organização envolvidas: a linear e a radial. ......................................................................................................................................................... 232
Figura 167 – Esquema gráfico das relações com o retângulo áureo segundo o modelo ao lado. .................................................................................. 234
Figura 168 – Possível organização do conjunto, segundo a lógica do polígono regular circunscrito. Observação do polígono de dez lados e sua
especificidade com a relação áurea. Organização por adjacência dos retângulos áureos conformadores dos volumes. ........................................ 234
Figura 169 – Fachada Principal da Casa de Detenção do Recife. ............................................................................................................................. 235
Figura 170 – Vista Aérea do conjunto mostrando a fachada posterior do edifício. ................................................................................................. 236
Figura 171 – Cherry Hill Prison – Philadelphia –1823-9 ........................................................................................................................................... 239
Figura 172 – Plano da New Jersey State Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 ................................................................................................ 239
Figura 173 – Fachada Principal da New Jersey State Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 .................................................................................. 240
Figura 174 – Vista da lateral da Casa de Detenção ......................................................................................................................................................... 240
Figura 175 – Vista da fachada principal do Hospital Pedro II ........................................................................................................................................... 241
Figura 176 – Vista da fachada do Ginásio pernambucano ........................................................................................................................................... 241
Figura 177 – Possível Esquema Funcional da Casa de Detenção do Recife desenvolvido a partir de dados do histórico do processo de
tombamento. .................................................................................................................................................................................................................. 242
Figura 178 – Plantas dos três níveis do projeto da Casa de Detenção. ............................................................................................................................. 243
Figura 179 – Vista do hall central mostrando a sacada de vigilância e as aberturas aos blocos pavilhonares. ...................................................... 244
Figura 180 – Vista aérea do conjunto após sua restauração ........................................................................................................................................... 244
Figura 181 – Vista entrada principal do presídio ......................................................................................................................................................... 245
Figura 182 – Vista do bloco administrativo ....................................................................................................................................................................... 245
Figura 183 – Vista lateral do hall central e das alas ......................................................................................................................................................... 245
Figura 184 – Planta da Cidade do Recife em 1878 ......................................................................................................................................................... 246
Figura 185 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de prisões que se encontram
entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico da Casa de Detenção ................................................................................................. 247
Figura 186 – Volumetria articulada em cinco blocos, e três funções primordiais; administração, central de vigilância e celas dos detentos. ............ 248
Figura 187 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias
espaciais. Configuração da organização proximidade. ........................................................................................................................................... 248
Figura 188 – Esquema gráfico do traçado linear do conjunto, apontando unidades em relação ao plano horizontal e vertical. ........................................ 250
Figura 189 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da predominante
organização linear do conjunto e sua associação de medidas. ............................................................................................................................. 250
Figura 190 – Esquema gráfico das relações de proporção segundo o modelo ao lado. ................................................................................................. 252
Figura 191 – Possível organização do conjunto, segundo a organização de quadrados e do quadrado √2, e cujo centro identificamos a quadratura
do octógono como outro articulador das partes com o todo. ........................................................................................................................................... 252
Figura 192 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos ................................................................................................ 255
Figura 193 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos formais ............ 256.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – IMPLANTAÇÂO DOS PRIMEIROS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTOS DO BRASIL. .................................................................... 055
TABELA 2 – PRINCIPAIS TEATROS CONSTRUÍDOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX. ................................................................................................ 065
TABELA 3 – HOSPÍCIOS CONSTRUÍDOS NO SÉCULO XIX ........................................................................................................................................... 066
TABELA 4 – HOSPITAIS CONSTRUÍDOS NO SÉCULO XIX ........................................................................................................................................... 067
TABELA 5 – CADEIAS CONSTRUÍDAS NO SÉCULO XIX ........................................................................................................................................... 068
TABELA 6 – ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS CONSTRUÍDAS NO SÉCULO XIX ............................................................................................................... 069
TABELA 7 – PRINCIPAIS ASPECTOS ENTRE AS DUAS URBES. ............................................................................................................................. 077
TABELA 8 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E
TIPOLOGIAS EXISTENTES ...................................................................................................................................................................................... 113
TABELA 9 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E
TIPOLOGIAS EXISTENTES ...................................................................................................................................................................................... 114
TABELA 10 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E
TIPOLOGIAS EXISTENTES ...................................................................................................................................................................................... 115
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e em Recife
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPITULO 1 – ARQUITETURA DO SÉCULO XIX NO BRASIL 030
1.1 Premissas de Modernização 041
1.2 Principais programas arquitetônicos 062
CAPITULO 2 – LAZER, SAÚDE E ORDEM NO RIO DE JANEIRO E RECIFE 072
2.1 Rio panorama do século XIX 078
2.1.1 Os projetistas da Corte 088
2.1.2 Rio de Janeiro – Principais programas 093
2.2 Recife panorama do século XIX 095
2.2.1 Os ‘agentes técnicos’ a presença de Vauthier no Recife 104
2.2.2 Recife – Principais programas 109
2.3 Rio de Janeiro e Recife – Parâmetros de Modernidade 111
CAPITULO 3 – LAZER – OS TEATROS 117
3.1 O Teatro São João 121
3.1.1 Suas influências 125
3.1.2 Principais características do partido 132
3.1.3 Morfologia do Teatro 136
3.2 O Teatro Santa Isabel 141
3.2.1 Suas influências 145
3.2.2 Principais características do partido 150
3.2.3 Morfologia do Teatro 152
3.3 Considerações sobre os Teatros 157
CAPITULO 4 – SAÚDE – O HOSPÍCIO E O HOSPITAL 164
4.1 O Hospício Pedro II 167
4.1.1 Suas influências 173
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e em Recife
INTRODUÇÃO
“Sem dúvida, muitas vezes o mais difícil de uma arte é mostrar sua rede de pensamentos” Boullée (1728- 1799) 1
Ao tratar aqui de construções civis, muitas das quais constituem Patrimônio Histórico sejam a nível nacional, estadual ou municipal, estamos lidando com –
além de um documento – um produto cultural cujos atributos estéticos são pertinentes a obras de arte 2 , visto que apontam a um momento de
desenvolvimento artístico e acadêmico brasileiro. Neste sentido, a paisagem urbana constituiu-se como resultado desse complexo fazer cultural e a
Arquitetura, compreendida como um dos seus componentes, pode ser estudada como fonte potencial de informações multidisciplinares, elementos ativos,
interagindo de maneira dinâmica com o homem e fazendo parte da sua história.
Ao procurar compor o mundo das idéias e conceitos a cerca da produção arquitetônica do século XIX no Brasil, procuramos situá-la a um caminho que segue
a história e a cultura inserida no contexto de cada cidade. Além disso, como afirma Argan (1998, p. 15): “Não se faz história sem critica, e o julgamento critico não
estabelece a qualidade artística de uma obra a não ser na medida em que reconhece que ela se situa, através de um conjunto de relações, numa determinada situação
histórica”.
De uma maneira geral, a ‘situação histórica' do oitocentos foi bastante peculiar, como coloca Santos (2007, p. 29) “a presença da Corte portuguesa no Brasil dá à
história desta colônia um caráter diferente”. De 1808 a 1821 foram inúmeras transformações promovidas pelos Bragança e pelo projeto de transformar o país
num grande império ou em uma “Europa possível” (Ibid). Junto a isso, a abertura dos portos as nações amigas (1808), a elevação do Brasil à categoria de
Reino Unido a Portugal (1815), a Independência de Brasil (1822), o Império (1822-1889) e a República (1889), determinam quão importante e contraditório é
classificado o período.
Tudo isso representou, para a arquitetura, características e especificidades próprias, advindas da necessidade de uma nova ordem social promovida pelo
intercâmbio, seja comercial ou cultural, entre os principais países que detinham o comércio ultramarino no país, França e Inglaterra (SALGUEIRO, 2004).
1
Etienne-Louis Boullée, arquiteto, teórico e professor francês, já frisava, na época dos seus ensinamentos, que Arquitetura é uma arte pela qual são satisfeitas as necessidades mais importantes
da vida em sociedade.
2
Entendemos aqui como Arte “o modo particular de manifestação do espírito” conforme definição de Hegel (1770-1831). Hegel, 1974, p.83.
20
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Vale salientar, entretanto, que a adaptação dos modelos construtivos se ajustaram às exigências que não existiam na fase colonial e suas estruturas foram
sendo acomodadas às necessidades da nova elite burguesa, apresentando-se como estruturas intimamente ligadas ao contexto público e privado.
É seguindo o cenário de progresso e civilidade, bastante enfocado pelos historiadores do século XIX (FREYRE, 1940; AZEVEDO, 1996; SANTOS, 2007),
que a pesquisa se delineia buscando caracterizar os principais fatores de modernização das capitais brasileiras e seu reflexo na produção arquitetônica do
período. Partimos da afirmativa de Argan (Ibid, p.256) de que “a grande cidade é uma concentração de valores culturais: monumentos, museus, bibliotecas, arquivos,
etc. Esses valores ainda constituem uma base insubstituível da pesquisa moderna, inclusive em seus ramos mais especificamente científicos”.
Neste sentido podemos observar a ‘Cidade’ como protagonista do processo de construção do Estado Imperial e que se constituiu no alvo preferencial das
idealizações e ações públicas (SANTOS, 2007), onde a grande parcela administrativa se concentrou na promoção das obras ligadas à saúde, ordenamento,
saneamento, policiamento, entre outras tarefas, lideradas por novas concepções qualidade de vida, segundos os preceitos de salubridade, linearidade e
cientificidade. Procuramos, entretanto, evidenciar o importante papel que as cidades portuárias como, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belém, Porto Alegre,
São Luis dentre outras que se faziam também presentes no cenário político, ao se empenharem na tentativa de ‘civilizar’ o meio urbano.
Azevedo (1996) vai afirmar que “entre os fatores que mais contribuem para a produção dos fenômenos da cultura, o desenvolvimento das cidades é um dos mais
importantes”. É, sobretudo na busca de identificar a arquitetura como componente do processo cultural da cidade, mas não como componente único e
isolado, mas integrado a uma rede de relações que possibilitaram a sua evolução e diversificação, que o estudo se insere identificando os fatores sócio-
culturais mais imbricados na formulação de novas construções.
As cidades brasileiras no inicio dos oitocentos careciam de infra-estrutura básica – esgoto, água, iluminação pública e transportes – o que causavam
problemas urbanos graves. Com o aumento populacional, devido a grande movimentação comercial das capitais, a abolição progressiva da escravatura, a
imigração dentre outros fatores, acarretou em uma série de transformações do espaço urbanos, respaldados especialmente nas ações dos setores políticos
e sociais.
Novas formas de sociabilidade e de lazer surgem – salões elegantes, teatros, as festas da Corte, chás, passeios públicos – como forma de demonstrar um
novo padrão de comportamento, civilizado e moderno. Diversas instituições culturais são criadas tais como: Escola de Medicina, Academia Militar, Imprensa
Régia, Academia da Marinha, Academia de Belas Artes, Faculdades de Direito, Biblioteca Real, Museu Real, Instituto Histórico e Geográfico, Conservatório
21
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
de Musica, dentre outras. Tais instituições possibilitaram o acesso ao conhecimento artístico, técnico e científico para a elite burguesa como expressão de
um país pautado nas idéias iluministas baseadas na crença do poder e do progresso, liberdade de pensamento e na emancipação política.
Com a abertura dos portos (1808) as capitais litorâneas do país buscam garantir maior dinamismo, intensificando o comércio com a entrada de mercadorias
européias, o gosto pelo progresso e civilização é destacado entre a nova elite burguesa que se refinava com as novidades chegadas do Ocidente. A
paisagem, então, foi sendo moldada de acordo com essas necessidades e a sociedade, então mais complexa, passa a exigir melhores condições espaciais
para desfrutar no novo modus vivendi urbano que aspiravam segundo as civilizações modernas.
Com a lei de 1º de Outubro de 1828, que regulariza a atuação dos municípios brasileiros, o país busca maior autonomia para as cidades como uma forma de
dinamizar os processos de desenvolvimento. A necessidade de organizar o espaço de convívio público, livrá-lo da má aparência, do mau cheiro e da falta de
asseio encontravam-se nas bases dos discursos sobre a salubridade da época. A partir de 1830, com a criação dos Códigos de Posturas as cidades
passam a regulamentar e estabelecer parâmetros gerais sobre o convívio em sociedade e o espaço construído das urbes, “os alagados e as águas estagnadas
nos quintais, a questão do saneamento da cidade – o abastecimento d’água, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e o destino dos resíduos sólidos, além das condições
de salubridade das edificações. Estas por sua vez, contribuíram para os novos padrões de edificações se instalem, num processo paulatino de ocupação dos subúrbios”
(SOUZA, 2002, p. 10).
No Brasil, entre 1815 a 1880, proliferam, especialmente na capital do Império, trabalhos visando aspectos físicos e sanitários da cidade como
um todo. Desde 1835, começa a ser publicada a Revista Médica Fluminense, que se transformou num fórum de debate e divulgação dos temas
em questão. A partir de meados do século, o problema das epidemias passa a ser abordado com freqüência. E os trabalhos médicos e relatórios
de engenheiros constituem-se elementos importantes que irão influenciar nas decisões das Câmaras Municipais, que passam a elaborar
posturas de acordo com as idéias reinantes.(Ibid, p. 216)
O uso dos saberes médicos-higienistas como meio de propiciar embasamento político nas ações dos poderes públicos, foram norteados em direção a
transformação e padronização da paisagem urbana e na construção de estabelecimentos de saúde apropriados para o tratamento dos doentes. Hospitais,
hospícios, cemitérios, matadouros, açougues, mercados públicos e prisões foram alvos de debates sobre suas implantações, construções no sentido de
modernidade e cientificismo. A Comissão de Salubridade Geral (1830) foi um dos principais agentes que se empenharam em alertar e defender a criação de
espaços limpos e salubres, sem epidemias, e também saneado das classes ditas perigosas, criminosos, bêbados, loucos, vadios dentre outros.
22
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Para isso exige-se, também, uma sofisticação e atualização nos discursos de ordem moral e policial, iniciados com a policia urbana por meio da Intendência
Geral da Policia da Corte (1808). Segundo as ações da justiça e da policia unidos ao discurso médico-sanitarista, a questão da criminalidade é apontada
como um dos problemas da ordem social a ser resolvido. Inicia-se a atualização na legislação com a promulgação do Código Criminal (1830), em prol de
reformas nos métodos de correção e punição. O processo já havia iniciado, na legislação de 1824, que determinava em seu artigo 179 parágrafo 18, que as
cadeias públicas necessitavam de reformas e novas instalações, seguras, limpas e arejadas. Em 1831 começa a construção da primeira instituição prisional
do país, a Casa de Correção da Corte, segundo os conceitos mais modernos vigentes fundamentados pelo jurista inglês Jeremy Bentham 3 .
É valido salientar que adentramos em um período dominado pelas idéias iluministas de racionalidade de pensamento e ação, onde o homem se apresenta
com centro das discussões sobre sua própria existência. Nessa busca pelos meios eficazes de satisfazer as reais necessidades de sua existência que a
ciência buscou apoiar-se na temática de como o meio pode interagir de forma a subsidiar a integração dos fatores sociais, econômicos e políticos.
Como representante do progresso, configuraram-se uma rede de relações entre os principais agentes das mudanças tais como: as sociedades científicas, a
burguesia, os administradores públicos, os arquitetos e engenheiros, dentre outros que colaboraram para a intensificar as mudanças na paisagem urbana. A
arquitetura passa, a representar um papel social e político, construído dentro de uma nova perspectiva de vida. Para tanto, é válido salientar que no final do
século anterior, a Europa passa por grandes mudanças, entre elas a crise do Antigo Regime, exploração do novo mundo, análise crítica dos estudos
arqueológicos, a difusão das idéias iluministas, o papel dos imperadores e o pensamento político da época.
Para solucionar os problemas emergentes das cidades era preciso na maioria das vezes a contratação de profissionais preparados, e atualizados com as
novas demandas. Arquitetos e engenheiros se destacam na construção de edifícios utilitários e atividades relacionadas a administração da cidade. Neste
sentido a busca pela qualidade estética caminhava ao lado com a cientificidade, a praticidade e a inserção de novos métodos construtivos e novos materiais.
3
Jeremy Bentham (1748 – 1832) foi um filósofo e jurista inglês. Juntamente com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que
fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade. Conhecido também pela idealização do pan-optismo, que corresponde à observação total, a tomada
integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Aos 41 anos de idade, era um dos maiores gênios de toda história humana quando publicou “Uma Introdução aos Princípios da
Moral e da Legislação”. Essa, uma das maiores obras da humanidade, foi eclipsada porque o ano era 1789 e em 14 de julho eclodiu a Revolução Francesa cujas idéias simples de liberdade,
igualdade e fraternidade, contagiaram todo mundo. Na urgência de mudanças por que passou o mundo não havia espaço para uma análise tão profunda e perfeita do funcionamento da sociedade
humana visando seu aperfeiçoamento. (
23
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A racionalidade na arte e na técnica é associada, então, a inserção de uma arquitetura dedicada a viabilizar as novas funções aos modelos clássicos numa
busca por uma base universal de composição, expressando também uma simplicidade de formas.
No início do século XIX, um dos grandes reformadores do ensino francês Jean-Nicholas-Louis Durand, arquiteto formado pela École des Beuax-Arts e
professor da École des Pontes et Chaussées, publica o Livro “Recueil et Parallèle des Edifices Ancies et Modernes” no qual mostrava de forma metodológica
e racional uma classificação de diversos programas arquitetônicos segundo a sua história evolutiva, demonstrando, no entanto, os modelos mais
significativos, com diversas adaptações, permutações e combinações 4 . O arquiteto foi um dos que procuraram qualificar os profissionais para atuarem na
infra-estrutura das cidades e especialmente na construção de obras importantes fornecendo elementos que variam com cada idéia arquitetônica.
Neste sentido, é válido salientar para um maior entendimento da produção brasileira que a França deteve grande influência na cultura brasileira em geral e
nas artes em particular. Muitos dos arquitetos e engenheiros que aqui atuaram, tinha por base a formação francesa, o que nos força a buscar indícios sobre
essa associação, ou mesmo de outras possíveis, diretamente nas obras mais importantes desenvolvidas no país.
É dentro desse panorama que buscamos identificar a produção arquitetônica do século XIX, fruto das necessidades emergentes e das condições impostas
pelo meio. Identificamos como principais ‘necessidades’ o lazer, a saúde e a ordem, tendo a plena consciência da existência de outros fatores que poderiam
ser identificados e trabalhados. Procurando entender, entretanto, quais foram as principais questões imbricadas na dinâmica pela atualização das cidades,
no que se refere a inserção de edifícios construídos com finalidades específicas, que limitamos a avaliar essas três vias de modernidades como atuantes no
processo de conformação das cidades.
Partindo do pressuposto que é nas capitais que essa produção se deu de forma mais profícua optamos por trabalhar duas cidades litorâneas, de grande
importância portuária, distintas e distantes geograficamente, o Rio de Janeiro e o Recife, por estarem presentes entre as principais capitais brasileiras que
obtiveram considerável desenvolvimento no século XIX. E ainda procuramos por em evidencia a afirmativa de Sousa (2000, p. 9) de que o Rio de Janeiro e
o Recife (à época a capital e a terceira cidade do Império, respectivamente) foram as urbes que mais contribuíram para o florescimento da produção
arquitetônica oitocentista.
4
Durand escreveu com objetivo de prover de informações os engenheiros trabalhando nas colônias francesas no estrangeiro, fornecendo um método projetivo realmente útil, que não poderia ser
ambíguo, porém deveria ser relativamente fácil de aplicar em diversas circunstâncias. Seus livros serviam como divulgação dos modelos vigentes na França na época, em especial aos modelos
utilitários que permeavam numa lógica racional, permitindo a todos terem esse tipo de conhecimento.
24
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O estudo pretende, assim, responder, como se deu o desenvolvimento dos programas arquitetônicos no Brasil no século XIX, tomando como partido o
desenvolvimento de duas das principais capitais do país, Rio de Janeiro e Recife.
Intimamente ligada a esse ideário de modernidade a Arquitetura brasileira do século XIX surgiu com uma variedade de programas diferenciadas do período
colonial (TELLES, 1975; BARATA, 1983; SOUSA, 1994; ROCHA-PEIXOTO, 2000). Assim, ao longo dos dezenove, diversos edifícios públicos e privados
foram sendo construídos, apontando sempre como destaque edifícios públicos de cunho utilitário (SALGUEIRO, 2004) e dotados de monumentalidade
emblemática, o que nos leva a refletir sobre necessidade desses equipamentos na dinâmica das cidades como símbolo de prosperidade.
Sobre esses tipos de construções, Pevsner (1982, p. 366) vai frisar que a construção de edifícios públicos especialmente projetados havia sido
extremamente raro antes de 1800, e que a fase de maior produtividade se deu no decorrer do dezenove. Tirando partido desta afirmativa, consciente das
temporalidades impostas pela realidade brasileira, buscamos perceber neste estudo, o país inserido dentro do contexto mundial no que se refere a adoção
de novos programas e suas tipologias específicas. O autor ainda aponta que:
Por outro lado se tomarmos o século XIX e tentarmos destacar os melhores exemplos da arquitetura urbana de todos os períodos
e de todos os países, muitas igrejas deverão ser incluídas, palácios raramente, e casas particulares obviamente; mas a grande
maioria do que poderíamos selecionar seriam edifícios para órgãos governamentais, prédios municipais e, posteriormente,
edifícios privados, para escritórios, museus, galerias, bibliotecas, universidades e escolas, teatros e casas de concerto, bancos e
bolsas, estações ferroviárias, lojas de departamentos, hotéis e hospitais, ou seja, todas construções executadas não para o culto
ou a ostentação, mas para o benefício e o uso diário do povo, representado por diversos grupos de cidadãos (Ibid, p. 366).
É, sobretudo por essa assertiva que buscamos identificar o país integrado no desenvolvimento arquitetura considerando-a com um produto das mudanças de
mentalidade de uma época (Ibid). É, sobretudo com as construções utilitárias construídas para suprir as deficiências existentes, que a se apoiaram às
questões de concepção de cidade organizada e regular do século XIX, em que os arquitetos e engenheiros, deitariam sua criatividade para a resolução de
problemas práticos da vida em sociedade.(SALGUEIRO, 2004, p. 167).
As três questões propostas como análise o Lazer, a Saúde e a Ordem podem ser associadas a diversas construções do período. Com o objetivo de limitar a
gama de possibilidades associações optamos por destacar apenas um tipo de programa para cada questão, assim temos:
25
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A Saúde – com programas de finalidade assistencial e científica – destacando os programas com finalidade hospitalares;
A Ordem – com programas de finalidades reformadoras da ética e da moral pública – destacando os programas com finalidade corretiva;
Para os programas arquitetônicos escolhidos buscamos tratar segundo dois pontos de vista complementares:
Como parâmetros culturais que envolvem essas construções diversas bibliografias tiveram papel fundamental na identificação do papel cultural em que elas
estiveram associadas. Sobre o Rio de Janeiro, cidade capital brasileira, de importância crucial para o desenvolvimento das cidades merece destaque os
estudos mais atuais sobre a produção arquitetônica da cidade entre eles TELLES (1975), ROCHA-PEIXOTO (2000), LIMA (2000), CAVALCANTI (2001) e
SANTOS (2007). Para o Recife obtivemos diversas referencias e em especial destacamos FREYRE (1940), SOUSA (2000), (SOUSA, 2002) e PONTUAL E
SÁ CARNEIRO (2005).
No sentido de identificação das diversas tipologias, sem adentrarmos na noção taxonômica do termo, adotaremos a noção de ‘tipologias de programas’ de
Pevsner (1976). Para o critério de classificação dos programas segundo a evolução do seu estilo bem como a sua função, adotamos a seleção do livro “A
History of Building Types”, norteador no sentido de identificação das construções mais emblemáticas, que evoluíram e se destacaram ao longo do século XIX
no mundo. Outra contribuição na identificação dos programas foi a da MAHFUZ (1995) que vai salientar que “se até o século XVIII a arquitetura era concebida
como imitação da natureza, depois disso ela se tornou uma recitação de cultura através da qual a arquitetura de outros lugares e épocas era imitada a fim de transmitir algum
significado pela associação de idéias”.
É sobretudo na idéia perceber que para cada tipo de construção exigiu-se um tratamento específico. Tendo por base essa questão foi necessário estabelecer
critérios de leitura para os diferentes programas. Adentrando, assim no espaço da crítica ao concordarmos com Montaner (2007, 2°ed, p.19) que vai salientar
que toda crítica arquitetônica tem que entrar a fundo na análise estritamente formal, superando aquelas leituras que se desenvolvem pela generalidade. As
26
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
características espaciais, a relação entre lógica estrutural e composição, as questões funcionais, os caminhos e as percepções, a linguajem e materiais
empregados, devem estar presentes no discurso sobre arquitetura.
Partimos no primeiro capitulo a identificar as mudanças ocorridas no cenário da arquitetura brasileira, após o período colonial, apontando como o ideal de
modernidade/civilidade acarretou em transformações nos principais centros urbanos. Pelas premissas de modernização, lazer, saúde e ordem traduzidos
nos discursos dos setores sociais que formavam as elites intelectuais, comerciais e políticas que apontamos os principais programas existentes nas capitais
litorâneas. Evidenciamos com isso o importante papel das duas cidades em estudo, Rio e Recife, no panorama nacional, identificando o final da primeira
metade do dezenove, como a fase de surgimento do processo de implantação de novos modelos arquitetônicos no país.
No segundo capítulo buscamos demonstrar as principais características culturais duas cidades estudadas, identificando os processos de desenvolvimento de
cada urbe. Apontamos a influência francesa existente no processo de aculturamento, destacando o importante papel dos profissionais como agentes diretos
na disseminação dos programas pautados relativos ao lazer, a saúde e a ordem. Por meio da identificação das tipologias mais usuais, determinados tanto
no primeiro quanto no segundo, delimitamos os estudos dos edifícios, apresentando seis construções emblemáticas, em ambas cidades: os teatros, o
hospício e o hospital, o asilo e a casa de detenção. Construções, estas que participaram ostensivamente na identificação de uma capital moderna e
civilizada.
Seguindo a esse caminho, adentramos na leitura dos edifícios do Rio de Janeiro e do Recife, respectivamente: o Teatro Real São João e o Teatro Santa
Isabel (lazer); o Hospício Pedro II e o Hospital Pedro II (saúde); o Asilo de Mendicidade e a Casa de Detenção (ordem), distribuídos no terceiro, quarto e no
quinto capitulo, elucidando razões pertinentes à forma materializada, sua idéia e seu conteúdo na tentativa de expressar a riqueza dessa produção
arquitetônica nas duas cidades.
Para leitura dos objetos de estudo optamos por trabalhar os conceitos prescritos por Mahfuz (1995), no seu ‘Ensaio sobre a Razão Compositiva’, no qual
percebemos que os conceitos inseridos no seu discurso são pertinentes a diversas associações e abarcam as construções estudadas numa rede de relações
determinantes para compreensão do ato projetivo. Para o autor “a arquitetura é uma síntese formal de vários fatores e influências, internas e externas, e que é no
contexto com seus interesses e condições, que podemos determinar o lócus da forma”. (Ibid, p.91 - 27), È por meio dessa definição que procuramos expor, quais as
reais ‘fatores e influências’ presentes nos seis edifícios.
27
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Temos por base nos os dois conceitos de tipologia definidos pelo autor: 1) a partir dos tipos morfológicos básicos baseados em constantes formais tendo a
geometria como elemento primário do objeto arquitetônico e 2) pelos tipos funcionais como aqueles baseados em constantes organizacionais e estruturais.
Estas categorias de classificação sugerem a existência de um repertório tipológico que se refere diretamente aos aspectos formais da arquitetura, não ao seu
uso, e um segundo repertório que vincula cada tipo a uma definição histórica determinada pelas condições de tempo e lugar, permitindo o estabelecimento
de uma relação dialética entre o edifício e a forma urbana. Tirando partido dessas definições optamos por seguir a seguinte sistemática para descrição e
caracterização dos edifícios:
O contexto – envolvendo as circunstâncias sócio-culturais, o seu lugar na história da cidade e a contribuição individual de cada autor;
As influências – demonstrando algumas particularidades do universo compositivo de cada autor e fazendo uma relação dos programas com outros da
mesma classificação dentro do panorama internacional;
Partido – os imperativos do projeto, interpretados e hierarquizados pelos autores, assim como o repertório arquitetônico, representando o conceito de
tradição, imagem criativa, inovação. (Ibid., p. 28)
Morfologia – pelas propriedades físicas dos objetos, pela analogia de padrões morfológicos e segundo noção de organização por topologia
(proximidade, fechamento e continuidade) e principalmente por geometria (implantação, volume, elementos básicos, estrutura e unidade). (Ibid., p. 116)
Um uma observação final sobre as constantes formais dos elementos buscamos demonstrar o pensamento projetivo dos engenheiros e arquitetos do império
através da comparação entre construções da mesma tipologia já existentes em diversos pontos do mundo, muitos dos quais serviram de modelo evolutivo
para as inovações técnicas e científicas vigentes no pensamento do período (PEVSNER, 1976).
A título de conclusão buscamos procuramos fazer uma releitura sintética das questões pautadas na pesquisa, lazer, saúde e ordem e seu envolvimento nos
diversos setores sociais, culturais e políticos apontando para o desenvolvimento da arquitetura do século XIX. Identificar os padrões de desenvolvimento
existentes nas capitais e compreender a existência, assim como nos países europeus, de uma unidade de programas existentes entre elas Pela analise das
edificações entre as duas Capitais o Rio de Janeiro e Recife nos propusemos a apontar questões de identificação da arquitetura brasileira produzida nos
28
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
oitocentos, demonstrando as diferenças e semelhanças encontradas nas análises e descrições dos seis edifícios, sob a forma de ampliar ao conhecimento
geral da arquitetura do século XIX no Brasil.
Procuramos propiciar no texto apresentado, um conteúdo expressivo que auxilie na compreensão da produção arquitetônica de um período constantemente
aberto às criticas e a abordagens múltiplas. Sabendo de antemão da extensão desse tema, buscamos interagir num contexto com diversas associações de
idéias com o objetivo de diversificar o discurso arquitetônico e demonstrar a multidisciplinaridade que este envolve.
Sobretudo procuramos contribuir para a valorização desse patrimônio construído, fruto de um momento de idealização dos mais variados agentes
envolvidos.
“Tudo agora depende de nós mesmos, da nossa prudência, moderação e energia; continuemos como principiamos e seremos apontados com admiração entre as Nações
mais cultas” – Diário de Pernambuco, 02-01-1840.
29
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
CAPITULO 1
“O estudo da arquitetura deveria, sobretudo, ser exigido às pessoas que aspirassem os altos postos do Estado, porque
quando se trata de edifícios públicos estas pessoas são os juizes das produções ordenadas pelo Governo” Boullée (1728-
1799).
O século XIX foi, sem dúvida, o período de grande desenvolvimento da arquitetura brasileira,
transfigurada no progresso de uma jovem nação independente na busca das transformações sócio-
culturais e do rompimento das relações coloniais. É nesse sentido, na busca pela configuração de
“cidade ideal 1 ”, sob a configuração do belo e do útil, que grandes reformas e empreendimentos
estiveram na pauta dos administradores e das elites públicas no sentido da ordem e do domínio
dos espaços urbanos 2 .
1
Sobre o processo criação de cidades modernas Picon, (2001, p. 70) irá salientar que: “A cidade irregular ligada pela idade
média e pela época clássica [ou no nosso caso o período colonial], deveriam suceder entidades urbanas concebidas
segundo uma geometria rigorosa, destinada a facilitar a circulação dos homens e das mercadorias” Grifo nosso.
2
“A busca de uma nova ordem social é uma das mais significativas imagens práticas dos conceitos iluministas de lei e
ordem. Gestada nos círculos do pensamento europeu (principalmente francês), ela extravasa o seu perímetro e vibra com o
pensamento comum do povo insatisfeito” Rocha-Peixoto, 2000, p. 186.
30
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Presumia-se, para isso, uma estética e ou atitude arquitetônica diferente dos modelos coloniais.
Para tanto, a reformulação da paisagem foi um dos principais alvos para a realização de melhorias
urbanas decorrentes principalmente do poder público.
Para que possamos entender o processo de grandes reformas é importante colocar o que foi a
arquitetura no Brasil colonial, e como sucedeu essa transposição de valores no final do século XVIII
e início do século XIX.
Figura 01 – Detalhes de janelas, rótulas e traçado urbano, nas quais foi previsto nas Cartas Régias esse tipo de homogeneidade. Estas
muxarabiês de São Paulo Antigo.
Fonte: Rodrigues, 1945, p. 19.
determinavam posturas municipais com a finalidade de manter padronizada a aparência
portuguesa em todas as vilas e cidades brasileiras. (REIS FILHO, 2006)
Os padrões construtivos foram trazidos de Portugal, tais como: o controle nas dimensões dos lotes,
seus alinhamentos, número e altura de pavimentos e tamanhos das edificações, formas de
disposição de esquadrias, caracterizando uma transposição do modelo português para a colônia.
(REIS FILHO, 2006)
31
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
ruas de aspecto uniforme, com residências construídas no alinhamento das vias pública e paredes laterais
sobre os limites dos terrenos” (Reis Filho, 2006, p.22).
Além dessas questões, o que também confere a simplicidade da arquitetura colonial, está ligado à
precariedade do nível tecnológico construtivo, como o uso da mão-de-obra escrava e a falta de
matéria-prima. Nas construções de cunho mais erudito – igrejas e prédios públicos como os paços
municipais, as casas de câmara e cadeia e as fortificações – eram utilizados materiais trazidos de
Portugal e alguns artífices apresentavam algum conhecimento técnico e ou mais específico 3 .
Segundo Dangelo (2006, p. 225) toda a arte portuguesa a partir do século XVI estrutura-se
basicamente no conhecimento das regras básicas da Geometria, nas relações de proporção,
especialmente na seção áurea e do retângulo √2 (TOMÁS, 2007). Ademais, também se baseavam
na Estereometria, no conhecimento da Aritmética, das medidas do ofício vinculadas ao sistema
Figura 02 – Portada do antigo Paço da Cidade do
Rio de Janeiro. craveiro e suas variáreis e, principalmente, na teoria das ordens com seus elementos constituintes
Fonte: Rodrigues, 1945, p. 194.
e regras de proporção na qual se estruturava a maioria da tratadística mais popular.
3
“De acordo com Bluteau e Moraes [ambos padres e mestres de ofícios], os ofícios, no decorrer do século XVIII, foram se
especializando e se diferenciando por pequenas particularidades que, aos olhos leigos, se tornaram praticamente
imperceptíveis, de modo a levar à confusão no momento em que eram citados ou definidos. Tais diferenças se
apresentavam ainda com maior dubiedade quando um mesmo indivíduo as acumulava. Mestre Valentim, por exemplo, fpo
um representante típico desses artífices polivalentes, pois se apresentava simultaneamente como entalhador, marceneiro de
móveis, escultor, estatuário, arquiteto, paisagista e desenhista de objetos CAVALCANTI, 2004, p. 302)”. Grifo nosso.
32
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Carvalho, Nóbrega, Sá (2000, p.5) também apontam para o uso da linguagem clássica a partir das
formas geométricas básicas, com proporção da fachada próximas ao quadrado, forte contraste
entre linhas marcadas pelo uso de pedra e paramento branco e ainda subordinação da
ornamentação à estrutura.
Com a decisão da Coroa portuguesa de treinar e capacitar aqui seus profissionais 4 , é que no
decorrer do Século XVIII, iriam lentamente ocorrer as alterações de cunho construtivo e técnico.
Os engenheiros militares, responsáveis pelas obras importantes nas capitanias, iriam se destacar
ao longo do período. Segundo Cavalcanti (2004, p. 291), “no Rio de Janeiro setentista, os profissionais
Figura 03 – Palácio da Ajuda – Lisboa – 1795 – – projetistas, artistas, artesãos etc – ligados à arquitetura liam em geral obras de Vignola, Manuel de Azevedo
Francesco S. Fabri e José da Costa e Silva.
Fortes, Luiz Serrão Pimentel e José Fernandes Pinto Alpoin”. É importante frisar que estes três últimos
Fonte: Toman, 2007, p. 143.
foram profissionais portugueses encarregados pela capacitação de diversos profissionais de
engenharia militar sendo o ultimo bastante atuante no Brasil.
Com a reconstrução de Lisboa, ocorrida após o terremoto de 1755, grandes alterações foram feitas
nesta cidade, segundo os conceitos iluministas que vinham sendo praticados em várias capitais
européias. Foi necessário reerguer igrejas, importantes prédios públicos, palácios e o teatro,
destruídos pela tragédia que assolou a cidade (CAVALCANTI, 2004). Para o contexto dessas
reformulações, utilizou-se de uma arquitetura mais arrojada que já vinha sendo utilizada nos países
europeus, e que cuja proposta estava pautada na modernização tanto dos espaços urbanos o que
5
incluía os edifícios civis .
4
Em 1696, foram criados cursos de engenharia militar em Salvador, Recife, Rio de Janeiro e em São Luiz do Maranhão. Os
Figura 04 – Passeio Público de Lisboa, séc. XVIII cursos seguiam o ensino da escola de Lisboa, nos quais eram baseados na leitura de lições retiradas dos livros adotados, na
(Mendes, Veríssimo e Bittar,2007,p.22)
discussão delas pelos lentes e os estudantes, e na reprodução de desenhos. SOUSA, 2001, p.39.
5
Ver FRANÇA, José Augusto. Lisboa pombalina e o Iluminismo. Lisboa: Bertrand, 1987.
33
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No Brasil algumas construções do final do século XVIII e início do XIX já apresentam uma proporta
compositiva diferenciada da arquitetura colonial predominante. Para Gomes (In Montezuma, 2002,
p. 142) “Na realidade, o neoclassicismo não chegou à Colônia com a Corte portuguesa. Lisboa, após o
terremoto de 1755, foi reconstruída no estilo conhecido como pombalino, do Marques de Pombal, que já era
Figura 05 – Palácio dos Governadores – Belém – Pará
uma linguagem formal classicizante, em franca oposição ao rococó, já ultrapassado no continente europeu”.
1767 - Antônio José Landi. (Montezuma, 2002, p.142)
6
Vale destacar, entretanto, as construções do arquiteto Antônio José Landi em Belém, como o
Palácio do Governo, construído em 1767; a igreja de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de
6
O arquiteto italiano Antonio José Landi (1713–1791), aos 19 anos já era aluno premiado da Academia Clementina de
Bolonha. Em 1750, Landi, a convite do enviado do rei de Portugal segue para Lisboa juntamente com outros estrangeiros e
integra a delegação portuguesa que demarcaria os limites entre os domínios de Castela e de Portugal na América. Após
período de espera na capital portuguesa, Landi parte com a comissão demarcadora de limites chefiada por Francisco Xavier
de Mendonça Furtado (governador nomeado do Grão Pará e Maranhão) para Belém, onde chega em 20 de julho de 1753.
Inicia sua atividade como arquiteto e construtor atividade que deixa profundas arquitetônicas na paisagem da cidade. Ao
longo de mais de 20 anos Landi participa das obras de conclusão da catedral de Belém, da nave central da igreja do
convento dos Carmelitas, da Capela de São João Batista, da Igreja de Santana da Campina, da capela da ordem terceira do
Carmo, Palácio dos Governadores Gerais do Grão-Pará, palacinho de Souza de Azevedo e residência de Alves da Cunha,
Capela do Engenho Murutucu, estão entre os trabalhos.
34
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Janeiro, projetada em 1775, pelo engenheiro militar Francisco João Rocio 7 ; a Associação Comercial
de Salvador, projeto do engenheiro militar Cosme Damião da Cunha Fidié 8 , construído entre 1814 e
1816 (ROCHA-PEIXOTO, 2000). Essas construções refletiam a progressiva mudança de
mentalidade do governo Português em relação à modernização da colônia, o que também nos
pressupõem um reflexo das preocupações e transformações ocorridas após o terremoto de Lisboa.
A vinda da Corte Portuguesa ao Brasil em 1808 se configuraria um passo importante para o início
das reformas urbanas fora dos parâmetros coloniais, no que concerne na transformação da sede da
monarquia, e para o domínio do território.
O importante episódio do início do século XIX foi à chegada da Missão Artística Francesa em 1816,
que representou uma atitude definitiva a favor das mudanças que vinham ocorrendo na capital
carioca. Com essa missão viriam diversos artistas como pintores, escultores e arquitetos que
pretendiam alterar a paisagem colonial. A presença desses artistas franceses confirmava o
interesse do monarca D. João VI, para o que julgava ser moderno e civilizado na organização do
Figura 06 – Igreja da Candelária - 1775.
(Montezuma, 2002, p.143) novo Império, inaugurando conseqüentemente a fase de implantação e desenvolvimento do ensino
artístico no País.
7
Francisco João Roscio foi um engenheiro-militar português de destacada atuação no Brasil colonial. Nascido na Ilha da
Madeira, veio ao Brasil na segunda metade do século XVIII como capitão para trabalhar em projetos de fortificações. É autor
de mapas da cidade do Rio de Janeiro e do projeto, datado de 1775, da Igreja da Candelária na mesma cidade. Em finais do
século, com a patente de tenente-coronel, chefia a Segunda Sub-Divisão da Comissão Demarcadora de Limites,
encarregada de mapear a região Sul da colônia e resolver conflitos fronteiriços com as colônias espanholas. Com o título de
brigadeiro, Roscio governou interinamente a Província de Rio Grande de São Pedro (Rio Grande do Sul) entre 1801 e 1803.
Faleceu em Porto Alegre em 1805.
8
O arquiteto português Cosme Damião da Cunha Fidié inspirou-se na obra do arquiteto inglês Robert Adams, numa
celebração de "colônia comercial" à grande potência econômica de então, já apresentando uma composição híbrida de
recursos clacissizantes.
35
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Com a inauguração da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro em 1826, aos moldes
da Academia Francesa, o avanço cultural foi bastante significativo para a arquitetura, com
demonstram os exemplares de grande apuro técnico e formal, feitos pelo arquiteto francês
Grandjean de Montigny nos quais serviu, também, na divulgação do estilo neoclássico no país. No
mais eram poucos países na Europa, que possuíam a sua própria Academia, fato que vem a somar
para o destaque da produção arquitetônica brasileira do século XIX.
Porém, antes mesmo da Missão Francesa, a Corte portuguesa já havia dado um grande passo para
as mudanças com a inauguração da Real Academia Militar em 1810 9 , no Rio de Janeiro. Esta tinha
como objetivo formar oficiais das Armas e Engenheiros que serviriam em obras estatais por todo
Figura 07 – Associação Comercial de Salvador - 1814.
(Montezuma, 2002, p.143) país. O curso de engenharia durava seis anos, sendo que, no último ano, eram lecionadas as
cadeiras de Arquitetura Civil, Materiais de Construção, Caminhos e Calçadas, Hidráulica, Pontes,
Canais, Diques e Comportas. Com a inauguração dessa escola foram extintos os cursos existentes
nas cidades de Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, passando a ser a única escola do
Brasil a fornecer profissionais capacitados para trabalhar nas demais províncias.
Para Rios Filho (1946, p.375): “Muito embora o estudo de engenharia militar fosse feito no Brasil desde o
tempo da colônia, foi somente com a criação da Academia Real Militar, a 4 de dezembro de 1810, que o
conhecimento das ciências exatas e de observação teve realmente incremento”. Especialmente com a
associação do método português de construir e as tendências internacionais em voga. O autor vai
colocar ainda que na Academia Militar o ensino francês estava presente nos livros mestres como o
Précis dês leçons d’architecture de J.N.L. Durand, o Dictionnaire d’architecture de Quatremère de
Quincy e o Dictionaire dês Beaux-Arts de Boutard.
9
A Academia mudou de nome quatro vezes: Imperial Academia Militar em 1822, Academia Militar da Corte em 1832, Escola
Militar em 1840 e Escola Central a partir de 1858.
36
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Outra grande preocupação foi a qualificação da mão de obra que durante um longo período
continuou a ser escrava, utilizando-se ainda o método construtivo colonial. Com o surgimento dos
Liceus de Artes e Ofícios, buscou-se uma melhor especialização e capacitação dos profissionais
atuantes na área das construções.
Na malha urbana o processo de implantação dos novos modelos arquitetônicos aconteceu de forma
lenta no inicio dos oitocentos, não constituindo um total rompimento com a tradição colonial. Muitas
construções sofreram adaptações para a nova estética vigente ou ao gosto neoclássico. Essas
inovações ficaram mais evidenciadas nas construções civis e residenciais, onde a nova sociedade
burguesa que surgia e como principal clientela, pois, que podiam pagar pelas inovações.
Alguns elementos construtivos tornaram-se habituais, tais com o uso das platibandas, e, com isso,
o fato de que obrigava o uso de calhas e tubulações importadas. Sobre as platibandas colocavam
elementos em louças do Porto como estátuas, pináculos e pinhas. As portas e janelas em arco
pleno e com painéis de vidro, balcões de ferro nas sacadas passaram a dominar as antigas vergas
retas usuais na arquitetura colonial. No Nordeste, por motivos climáticos e ou de tradição, utilizou-
se o azulejo português nas paredes internas e externas de diversas construções, especialmente
nas residenciais.
37
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
(2) insere o período da chegada da Família Real Portuguesa (1808-1831), com as realizações de
Grandjean de Montigny, José Pezerat, Joaquim Candido Guilhobel, Fidé, José da Costa e Silva e
Manuel Costa (todos com formação acadêmica em engenharia, menos Grandjean).
(3) período iniciado no segundo reinado, cuja arquitetura apresenta uma índole propriamente
brasileira, e foi representada por profissionais brasileiros e estrangeiros, arquitetos e engenheiros.
Estes contribuíram com a implantação de diversos programas diferenciados e melhorias na infra-
estrutura das cidades.
Pereira (2005) observa que do contexto evolutivo da prática arquitetônica, percebe-se uma rede de
ligações complexas em que vários elementos estão imbricados tais como:
38
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
as províncias vão exigir condições condignas para as instituições públicas, tais como assembléias,
hospitais, escolas, faculdades, teatros etc.
Rocha-Peixoto (2000, p. 65) aponta que é na arquitetura produzida a partir do final da primeira
metade do século que “surgem então os cânones autóctones de composição, a forma imponente e
palaciana das construções de partido constante”. O autor ainda vai salientar que “essa fase é responsável
pela reedição de alguns valores artísticos brasileiros, anteriormente explorados pela nossa ultima arquitetura
barroca e que foram olvidados ou recusados na primeira fase - 1800-1831”.[grifo nosso]
Segundo Sousa (2000 p. 14) as principais características formais encontradas nas construções
surgidas no século XIX sugerem o uso da racionalidade e economia, simplificação das ordens e
geometrização do desenho. Para o autor tais recursos foram herdadas pela escola lusitana,
apontando uma produção híbrida cujas principais matrizes foram a portuguesa em particular e a
francesa devido ao ensino acadêmico e idealização sócio-política.
Entre os autores citados, o que transparece é que o uso da tradição arquitetônica colonial foi
empregado com uma nova roupagem ou mesmo adotando uma estética particular européia para as
construções do período, porém não configurou uma total alteração dos modelos coloniais. A
tradição construtiva portuguesa utilizada na arquitetura colonial, estaria sendo reinterpretada dentro
de um vocabulário moderno, e associado aos modelos europeus realizados desde o século XVIII,
trazidos especialmente via França.
39
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Desse silogismo Rocha-Peixoto (2008) 10 aponta para um sistema em que poderia enquadrar a
produção arquitetônica do século XIX, compreendendo os seguintes atores:
Fazendo uma analogia entre a produção dessa arquitetura aos seus realizadores e idealizadores
talvez possamos compreender um nível maior de influência da relação entre a pratica arquitetônica
dos profissionais baseando-se na formação acadêmica.
Para melhor especificidade dessa produção, foi preciso espelhar-se nas atitudes modernizadoras
ocorridas nos países ocidentais, especialmente França e Inglaterra, que possuíam estreitas
ligações comerciais e políticas com o país. Contudo, não apenas a economia viu-se influenciada
10
Em palestra proferida no 1° Encontro de Estudos sobre Ambiente Construído do Brasil do século XIX. Rio de Janeiro,
Fundação Casa de Rui Barbosa, 2008.
40
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
por esses países, a cultura também foi impregnada de novas atitudes de pensar e agir sobre a
cidade e novos costumes urbanos (FREYRE, 1940).
Assim surgem no decorrer do XIX, estruturas utilitárias de enorme envergadura tais como Teatros,
Sedes de Governo, Hospitais, Prisões, Estações Ferroviárias..., onde, pela proporção de suas
formas e sua inserção urbana é possível perceber a importância que estes edifícios
desempenharam. Logo essas construções vieram alterar definitivamente a paisagem das cidades,
equipando-as com empreendimentos indispensáveis a nova civilidade, especialmente patrocinadas
pelas instituições públicas e órgãos estaduais.
Com a chegada da Família Real em 1808 e a abertura dos portos às “nações amigas”, iniciou-se no
país um período de intenso intercâmbio com os países ocidentais, acelerando o crescimento do
país, especialmente para a cidade do Rio de Janeiro.
41
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O projeto de transformar a colônia em sede da Monarquia portuguesa não era novo (Rocha-
Peixoto, 2001; Cavalcanti, 2004; Santos, 2007). A cidade do Rio de Janeiro 11 já vinha
demonstrando uma efervescência cultural iniciada com o Marquês de Lavradio 12 , criando a
Academia Científica em 1772, antes mesmo da Academia das Ciências de Lisboa, iniciada em 1779
(Cavalcanti, 2004, p.224).
A reforma pombalina chega no final do século XVIII, com a eliminação das capitanias hereditárias e
uma administração moderna e centralizadora de inspiração iluminista. Para demarcar as fronteiras
da colônia, deslocaram-se para o Brasil seis missões científica sob o comando dos engenheiros
militares de boa formação acadêmica e integrada por astrônomos, desenhistas, cirurgiões e
capelães (Rocha-Peixoto, 2000, p.28).
A cidade passa a ser lugar ideal para a circulação dos paradigmas da ordem moderna baseados na
ciência, progresso e civilização, e torna-se um espaço de intervenções urbanísticas e também de
11
“A capitania do Rio de Janeiro apresentava as melhores condições para a implantação desse projeto econômico-científico
da Monarquia portuguesa, pois possuía homens de negócios com capital, terrenos férteis e elemento humano capacitado
tecnicamente”. CAVALCANTI, 2004, p. 224.
12
O marquês de Lavradio veio para a colônia como vice-rei acompanhado por seu médico particular, Dr. José Henrique
Ferreira para governar a capitania do Rio de Janeiro, e desenvolver diversas atividades progressistas nesta colônia, tais
como: fundar a Academia Científica, desenvolver culturas agrícolas, preparar e administrar um horto botânico.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
controle sobre a população e suas práticas. É nesse ritmo que adentramos no inicio do século
onde longe dos acontecimentos da Corte as províncias tentavam lentamente modificar as condições
locais e as aparências do período colonial 13 .
A criação da imprensa régia (1808) representou, também, um passo inicial para divulgação e
comunicação de idéias modernas advindas dos países ocidentais. Embora até 1822 tenha
funcionado em regime de censura prévia, deu inicio à publicação dos jornais que passaram a
circular pelo país. O primeiro jornal publicado no país a “Gazeta do Rio de Janeiro” de 1808, foi o
jornal oficial, dedicado aos comunicados de governo e aos louvores à família real, permaneceu em
circulação até 1822.
13
é importante frisar a passagem dos holandeses em Pernambuco fundando a Cidade Maurícia em 1630 que executou na
cidade do Recife grandes reformas urbanas modificando a face de cidade colonial portuguesa, e dotando a cidade de infra
estrutura e edifícios monumentais.
Salvador também teve importante configuração no desenvolvimento do país como sede do governo português desde sua
colonização até o Rio de Janeiro assumir o posto de vice-reinado e sede da monarquia. N.da.A.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O papel dos jornais na divulgação de notícias e integração com as demais províncias, tiveram
grande importância na expansão dos acontecimentos sociais e dos fatos políticos e econômicos,
bem como e expressão da opinião publica. Jornais como Diário do Rio de Janeiro (1821), Diário
Constitucional (Bahia – 1821), Diário de Pernambuco (1825), O Farol Paulistano (São Paulo –
1827), O Catarinense (Santa Catarina – 1831), O Progresso (Maranhão – 1846) dentre outros,
tiveram grande importância na divulgação dos acontecimentos do período.
A criação dos cursos jurídicos representou mais um fator importante na formação cultural do povo
brasileiro e na preparação dos intelectuais. A fundação desses cursos, já na fase do Império,
resultou de debates parlamentares, até mesmo com respeito às cidades onde eles seriam
localizados. Instalados em antigos conventos, em São Paulo e no Recife (1825), esses cursos
tornaram-se provedores de quadros para as assembléias legislativas e para os governos das
províncias e do país, ao longo do Império (SOUZA, 2002).
Um dos fatores de grande importância para divulgação de acontecimentos foi a abertura dos portos
junto com o tratado de livre comércio (1808), que vão impulsionar a economia do País, estreitando
as atividades de comércio e de comunicação principalmente com países como França e Inglaterra.
As províncias, especialmente as portuárias, ganham maior movimentação nas alfândegas,
recebendo diretamente naus com mercadorias advindas dos países ocidentais, acentuando-se a
relação de venda e a compra de matérias primas e demais produtos.
44
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Vale salientar, entretanto que a forma centralizadora do governo, durante a fase do reinado de D.
Pedro I (1822-1834), apresentou grandes conflitos em quase todo o território brasileiro. No Diário
de Pernambuco de 26/04/1827, é publicado um artigo sobre a necessidade de progresso nas
províncias e critica a maneira como vem sendo encaminhado às reais necessidades dos cidadãos
brasileiros onde percebemos o grande contraste entre as mudanças ocorridas na sede da
monarquia e nas demais capitais.
A primeira constituição do Brasil (outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março de 1824) não previa
a delegação de poderes legislativos às províncias do império, o que confere, ainda, a forma de
centralização do poder e a pouca autonomia das capitais do Império. Por outro lado, estabelecia
órgãos deliberativos sobre assuntos de seu interesse, os chamados Conselhos Gerais, feitos por
conselheiros de diversas províncias, que mantinham sob controle as atividades administrativas e de
comércio. No Capitulo V da Constituição já descrevia as províncias mais importantes do Império,
que se tornaram representantes nos Conselhos Gerais:
45
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A partir da Lei de 01 de Outubro de 1828, ficou estabelecido a criação das “Posturas Municipais”
para cada localidade sendo organizado por sua vez pelas Câmaras Municipais. Estas tinham
dentre outras funções cuidar do ordenamento das cidades, estabelecer critérios de saúde pública,
fomentar leis que auxiliam no desenvolvimento e criação de estabelecimentos públicos dentre
outras atividades.
Somente com a criação das Assembléias Legislativas Provinciais, pelo Ato Adicional de 1834. é que
se instaura um período de maior autonomia administrativa para as províncias, acelerando o
desenvolvimento e representatividade das mesmas dentro do cenário nacional.
A função estabelecida para as Assembléias era de legislar sobre assuntos municipais e provinciais
administrativos tais como educação pública, desapropriação por utilidade pública; orçamentos;
fiscalização dos gastos públicos; criação de cargos e definição dos salários; obras públicas,
estradas e navegação no interior da Província; construção de prisões, casas de socorros públicos e
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
associações religiosas; controle dos atos do Presidente da Província em relação aos empregados
provinciais; etc. (MELO, 1996).
Diferente do que previa a Constituição de 1824 o Ato Adicional n. 16 visava diminuir a centralização
do poder e legitimou o direito das províncias de elaborar suas próprias leis.
Mesmo com essas atitudes de dissipação da forte centralização do poder, nos primeiros momentos
do império as revoltas e insurreições também serviram para demonstrar a verdadeira insatisfação
existente em todo país. No que concerne as atitudes políticas, especialmente em relação a
obrigatoriedade do pagamento dos tributos, esses iniciativas apontam as inquietações frente às
mudanças ocorridas desde chegada da Corte.
Dos vários conflitos podemos observar que essas inquietações estariam presentes em várias
províncias espalhadas pelo país, denotando a falta de integração das atitudes progressistas no
Império, entre as quais podemos destacar: Revolução Pernambucana - revolta independentista e
republicana, Pernambuco (1817); Confederação do Equador - revolta separatista, Nordeste (1823-
1824); Cabanagem - insurreição popular, Pará (1834-1840); Revolução Farroupilha - revolta
separatista e republicana, Rio Grande do Sul (1835-1845); Insurreição Praieira - revolta socialista,
Pernambuco (1848-1850).
Em quase todo oitocentos as palavras ciência e civilização estiveram presentes nos diálogos
intelectuais, impresso nos jornais e revistas que circulavam pelo país, vinculados, por sua vez, em
47
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
sair do atraso civilizador em que se encontravam as cidades. A nova ordem urbana, que as elites
almejavam para a cidade, esteve pautada nos mais diversos setores, sob condições de reestruturar
a paisagem urbana, dotá-la de equipamentos utilitários e corrigir a moralidade nos espaços.
A Sociedade de Medicina, inaugurada em 1829 no Rio de Janeiro (CAVALCANTI, 2004), cujo corpo
médico vai fornecer os primeiros intelectuais a atuarem diretamente nas intervenções públicas, foi
um grande fomentador de consciência para as mudanças no sistema de saúde existente. A partir
dela, outras sociedades de medicina vão surgir nas demais províncias do império, como aconteceu
em Pernambuco em 1842 e em São Paulo em 1895.
No Rio de Janeiro teve grande destaque a figura de José Clemente Ferreira (1787-1854), bacharel
em Direito, inicia sua vida política atuando desde o Primeiro Reinado como Ministro Imperial e
posteriormente Provedor da Santa Casa de Misericórdia, no qual se dedicou especialmente as
questões da saúde pública, mantendo as relações entre os médicos e a sociedade.
A segunda metade do século XIX foi um período de consolidação política e crescente expansão
econômica e demográfica (SODRÈ, 1939). A partir de 1850, com o fim do tráfico de escravos,
houve disponibilidade de capitais, os quais foram redirecionados para investimentos em infra-
estrutura. De 1854 a 1858, foram estabelecidas estradas de ferro, linhas telegráficas e de
navegação, iluminação a gás nas cidades e começou a crescer o número de estabelecimentos de
instrução (SCHWARCZ, 2000, p. 102). Por outro lado, em 1850 ocorreu a primeira grande epidemia
de febre amarela na capital do Império.
Esse período tornou-se de afirmação da comunidade científica nacional, evidenciada pela criação,
em 1850, da Sociedade Vellosiana, que tinha por objetivo desenvolver estudos na área da história
natural, considerando os saberes indígenas.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Entre 1859 e 1861, a primeira Comissão Científica de Exploração do Império foi organizada pelo
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) criado desde 1838, com a participação de
naturalistas do Museu Nacional, tendo por objetivo inventariar as riquezas do país. Essa mesma
instituição foi criada em diversas províncias do país como na São Paulo, Pernambuco e Rio Grande
do Sul.
Vale a pena também destacar que, a partir de 1862, o Brasil passou a participar de “Exposições
Universais” que tinham o objetivo de apresentar os feitos tecnológicos e industriais das nações
capitalistas (SCHWARCZ, 2000).
È dentro desse quadro progressista que as cidades, aos poucos, despontaram para a experiência
civilizatória nos quais evidencia-se pelo quadro intelectual anteriormente descrito. É com esse
quadro que as cidades vão procurar espelhar as atitudes modernizadoras, advindas do pensamento
científico e intelectual.
É desse panorama que nos propomos destacar os fenômenos sociais como lazer, a salubridade e
a ordem, que se apresentaram dentre as principais atitudes imbricadas desenvolvimento da nação
fortemente influenciada pelas sociedades intelectuais, científicas e nas ações os homens públicos.
O LAZER
Um dos principais pré-requisitos de modernidade foi o embelezamento das cidades foi dotá-las de
ambiências confortáveis, monumentos aprazíveis circulados pela ordem e regularidade nos
espaços públicos, especialmente para a nova burguesia que almejavam locais em que pudessem
desfrutar do convívio social e dos seus atrativos longe dos ambientes litúrgicos das igrejas.
49
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 09 – O passeio Público – Rio de janeiro, em Quanto aos ambientes públicos, uma das primeiras manifestações a esse respeito surgiu no Rio de
litografia aquarelada de Alfredo Martinet, 1847.
Acervo da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Janeiro, com a construção do Passeio Público, que foi contemporâneo ao surgimento dos primeiros
Fonte: Segawa, 1996, p. 101.
jardins públicos europeus na segunda metade do século XVIII. Esses jardins, símbolos do
pensamento iluminista, procuraram invocar formas de sociabilidade nas quais a aristocracia e a
burguesia encontravam um lugar comum (Segawa, 1996, p. 108).
14
O aparecimento das casas especialmente destinadas aos espetáculos teatrais e, posteriormente, a vinda da Corte
portuguesa para o Brasil e a inauguração de diversos estabelecimentos espalhados pelo país possibilitaram a formação de
grupos regulares de teatro, que atuavam nos principais centros, a se destacar a figura do teatrólogo João Caetano no Rio de
Janeiro.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No final do século XVIII a coroa portuguesa empenhou-se em organizar no Brasil uma série de
estabelecimentos botânicos de acordo com a sua primeira implantação em Belém – Pará em 1796.
Surgiram então nas capitanias de Rio de Janeiro (1808). Pernambuco (1811), Bahia (1815), Minas
Gerais (1825) e São Paulo (1827) os primeiros Jardins Botânicos brasileiros 15 patrocinados pela
Coroa que ilustravam o esforço português na política de fomento do desenvolvimento de plantas
“úteis” à economia lusa (SEGAWA, 1996).
Os programas como teatros, salões de músicas, clubes e cassinos serviriam como continuidade da
vida pública, local de celebração, reunião intelectual, recreação, de vida política e de incentivo às
atividades literárias. Esse programa foi logo recebido como um dos primeiros empreendimentos
que apontariam para uma sociedade com costumes modernos e civilizados, onde seu espaço
interno se configuraria muitas vezes a extensão da praça com um maior apelo ao ver e ser visto por
seus freqüentadores.
É importante frisar que para a organização desses espaços de lazer, especialmente os destinados
ao público, haveriam necessidades a serem cobertas para o desfrute, tais como a saúde e ordem,
segurança pública, limpeza e iluminação. Essas necessidades seriam as bases para a
reformulação urbana que permaneceriam em pauta durante todo o século XIX e início do século
XX.
15
Nas Américas as primeiras organizações de jardins botânicos empreendidos pelos colonizadores europeus foram: o
holandês no Recife, 1630; o espanhol na Cidade do México, 1787; o inglês na Filadélfia, 1730; o francês nas ilhas Saint
Vicent e Saint Thomas, 1764. (SEGAWA, 1996)
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Outro importante papel de divulgação para as novas ambiências, foram as festas comemorativas
dos eventos nacionais, casamentos, nascimentos, batismos e aniversários da família real.
Realizadas sempre em praças públicas e com muita pompa, prolongavam-se por dias, com carros
alegóricos e uma apresentação majestosa na Casa Real (Paço Imperial). Para tanto eram
construídos cenários representativos – arquiteturas efêmeras – como eram comuns nas festas da
corte na Europa do Antigo Regime (SILVA, 2007).
Muitos desses festejos foram relatados na Gazeta do Rio de Janeiro como o do casamento real de
D. Leopoldina e D. Pedro em 1818, na nova praça da cidade (Campo de Santana). Segundo Silva
(2007, p.50) tal praça foi desenhada por Grandjean de Montigny e dirigida pelo arquiteto Manuel da
Costa e executada pelo mestre de obras públicas José Feliciano de Oliveira.
A SAÚDE
A questão da saúde pública foi um dos fatores mais importantes no desenvolvimento das cidades
iniciados durante o século XIX. Para tanto, serviriam de suporte as idéias de polícia médica,
medicina urbana e medicina social, evidenciadas pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro,
como suporte tanto da higiene dos espaços quanto na higiene dos próprios cidadãos (Miranda,
2002).
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A polícia médica surge da necessidade de organização do corpo médico existente. Desse modo,
instituições como a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina da Bahia e
a Academia Militar do Rio de Janeiro tornaram-se responsáveis pela formação do saber científico
que passaram a ser considerados prioritários na produção dos discursos dos novos intelectuais
brasileiros.
É também, a partir daí que surge a figura do médico como administrador da saúde, interferindo nos
espaços públicos, nas moradias, na limpeza pública, na traçado das ruas, alicerçando as idéias de
sanitaristas das áreas centrais. Por meio dessa nova atitude dos profissionais podemos observar o
Relatório da Comissão de Salubridade Geral da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro de
16
1831 , onde o corpo médico faz as seguintes considerações:
16
Surgindo, inicialmente, na Alemanha, na transição do século XVII para o XVIII, a medicina social se estende,
posteriormente, para a França, no final do século XVIII, e, depois, para a Inglaterra, no início do século XIX. Na Alemanha,
ela se caracteriza pela criação de uma instituição responsável pelo controle dos elementos causadores das doenças, pela
regulamentação do exercício da medicina e pelo levantamento da estatística médica. (SOUZA, 2002)
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Outras preocupações partem do arejamento da cidade e o alargamento das suas ruas, a colocação
dos diversos elementos necessários à vida na cidade e permitir a circulação das pessoas: área para
praças, mercados, circulação dos transportes e animais, bem como locais para despejo dos dejetos
humanos e lavagem de roupa, sem que a água das fontes fosse contaminada.
A Comissão Geral de Salubridade no Relatório de 1831 escrevia que “o ar que vivemos nesta
cidade se acha infectado” e que era não apenas uma preocupação das autoridades públicas, que
deveria ser uma tomada de consciência de toda a sociedade.
Iniciam-se lentamente, nas diversas cidades brasileiras, as obras de melhoramentos, por meio de
planos de modernização, saneamento, distribuição de água e expansão por vias férreas. No Brasil,
os primeiros sistemas de abastecimento de água e serviços de esgotos se deram principalmente
após a primeira metade do dezenove, em cada momento de maior desenvolvimento das províncias.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No decorrer do período o aumento populacional nas camadas urbanas, especialmente nas áreas
centrais, acarretaria em ocupações desordenadas e uma série de epidemias gerada por ambientes
insalubres e pela falta de higiene. As epidemias foram as grandes responsáveis pelo surgimento de
uma consciência da interdependência sanitária entre as elites e o poder público e foram tomadas
como uma das principais providências da Sociedade de Medicina.
Especialmente nos programas assistenciais, hospitais, prisões, asilos tiveram uma extensa revisão
tanto no seu aspecto clinico quanto nas instalações das construções. Questões como ventilação e
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
iluminação tiveram um papel de grande importância nos desígnios dos novos projetos que vieram a
surgir no decorrer do dezenove.
No inicio do século apenas as Santas Casas e os Hospitais Militares eram utilizados para qualquer
tipo de especificidade médica e as atividades eram feitas em instalações físicas inadequadas.
Ocorre desse fato a intensa campanha para a criação de outros estabelecimentos necessários para
a demanda da desordem pública causada pelo aumento populacional. Em diversas províncias tais
como Bahia, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul se movimentaram em prol das mudanças
dos estabelecimentos de saúde, o que foi enriquecedor no processo de modernização das mesmas.
Além das especificidades dos novos estabelecimentos de saúde outro problema a se resolver foi o
grande vulto de pessoas amontoava-se nas áreas centrais: bêbados, mendigos, órfãos, loucos,
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
velhos, e toda sorte de pessoas sem amparo social. A retirada dessas pessoas das áreas públicas,
ficando a cargo da Intendência Geral de Polícia da Corte, esteve presentes nas demandas de
ordenamento preconizados pelos médicos, especialmente os doentes mentais e mendigos.
A mesma Comissão de 1831, manifestou-se contra o tratamento cruel e desumano que eram
reservados aos alienados, entregues a toda a sorte nas casas de caridade existentes e nas cadeias
públicas. Tal fato levou a uma grande movimentação política em torno da criação de um
estabelecimento destinado ao cuidado desses doentes, iniciado principalmente pelo então provedor
da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, José Clemente Ferreira.
A criação do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro em 1852, segundo uma escala monumental de
construção, simbolizou uma das conquistas médicas relevantes para a área e significativas para o
Império no sentido simbólico de civilidade. Vale reforçar que tal empreendimento teve for fim tanto
as necessidades da política médica, quanto pelo viés social, o sentido de manter a paz e
tranqüilidade almejada pelas elites para os espaços públicos.
A iniciativa da Corte para o estabelecimento de um hospício destinado aos alienados refletiu nas
demais províncias apontando um quadro deficiente que estava presente nas dificuldades de
manutenção da ordem pública tanto no que concerne à salubridade quanto ao lazer.
MORAL E ÉTICA
Outro importante fator pautado no ideário de modernidade das cidades foi a questão da ordem nos
espaços públicos e privados. Esta compreende tanto a questão social como moral, caracterizando
por incluir razões de salubridade pública, como descritos anteriormente, e uma nova conduta
civilizada para a população dentro das posturas sociais exigidas pela sociedade emergente.
57
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A maneira em que se criou essa nova ordem, com padrões preestabelecidos de conduta, se deu
exatamente através de imposição de certas normas disciplinadoras dos cidadãos. Junto a isso, a
domesticação dos hábitos através da intervenção no espaço urbano, estabelecendo definitivamente
a separação do público e do privado e impondo limites à sua circulação, foi um dos grandes
reguladores da ordem nas áreas centrais (Müller, 2002, p. 26).
Em 1825 é lançado um regulamento para os Comissários da Polícia do Império fora da Corte onde
prescrevia no Artigo 3 a seguinte instrução:
O ordenamento dos espaços, especialmente de lazer, praças, jardins, largos, também esteve
inserido nos conceitos modernos da medicina urbana preconizadas no inicio do século. Porém a
sua principal área de atuação seria o trabalho nos ambientes assistenciais de amparo para órfãos,
cegos e especialmente nos estabelecimentos carcerários.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Considerando que essas idéias circulavam entre as elites que detinham o poder podemos perceber
que a questão da ordem pública teve grande prestígio administrativo, estando presente desde a
primeira Constituição do Brasil de 1824. A nova organização política previu a elaboração de um
código civil e penal, o que ocorreu com a promulgação do Código Criminal em 1830 e o Código de
Processo Criminal em 1832, baseados nas doutrinas iluministas sobre vigilância e controle das
camadas mais pobres, em função do bem estar geral.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Além disso, a Constituição de 1824 determinava em seu artigo 179 parágrafo 18 que “As cadeias
serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas
circunstâncias e natureza dos seus crimes”. Isso implicava a construção de novos edifícios com fins
bastante específicos como as Casas de Correção para os condenados à prisão, Casas de
Detenção para os detidos sujeitos a processo penal, além de outros estabelecimentos destinados
aos alienados, aos menores e aos detidos por vadiagem e mendicidade com contravenções
menores.
Com isso, construções como Casas de Correção tiveram grande importância tanto na ordem dos
espaços públicos quanto a questão da sua salubridade. Essas construções serviram de aparato
para uma nova estética provinda dos ideais iluministas, e configuraram monumentos de caráter
público cuja função estaria pautada nas mais modernas inovações arquiteturais e nos programas
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Edifícios com funções de abrigos, asilos, acomodações carcerárias, hospícios e hospitais ganham
essa nova especificidade, configurando ambientes reformadores que, por sua vez, foram
compreendidas por meio de reformas com bases prescritas pelas academias científicas e
respaldadas por sua vez pela Constituição de 1824. Tais mudanças ocorreram tanto na separação
dessas tipologias, – antes poucas construções mantinham uma hierarquia – quanto na organização
interna de cada estabelecimento que se destinava a um fim específico.
Além do mais, a arquitetura presente nesse ideário serviu para representar posturas diferenciadas
das províncias no que concerne a atitudes das políticas públicas, especialmente sobre o
comprometimento com aos assuntos pautados na Constituição. Sem adentrar nessas questões –
fato que não coube tratar na pesquisa por ser um assunto extenso – o que é bastante evidente é
que existiu uma resposta arquitetônica aos anseios sociais pela civilidade e ordem nos espaços
como uma tentativa de colocar no patamar igualitário da modernidade, prevista pela elite científica,
dos países europeus o Império brasileiro.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Um dos grandes ganhos para a nova inserção de tipologias e programas foi a vinda dos
profissionais franceses, com a Missão Artística, que refletiram uma mudança qualitativa no quadro
geral da cidade do Rio de Janeiro logo nas primeiras décadas do século, cuja intenção foi de
transformar a fisionomia da paisagem colonial para uma moderna e civilizada.
GrandJean de Montigny, um dos expoentes dessa fase, deu os primeiros passos rumo a inserção
de novos programas destinados ao ordenamento e embelezamento da cidade. O arquiteto francês
elaborou projetos neoclássicos de remodelação urbana, e, embora nunca tivessem sido
construídos, mostrava uma nova atitude e posicionamento ordenador dentro dos parâmetros dos
Figura 11 – Teatro São João – Largo do Rocio – RJ
Início do século XIX
Fonte: Cavalcanti, 2004, p.227.
62
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A fase que sucede esse período (1808-1831) corresponde ao início de desenvolvimento das outras
províncias, fase de grandes discussões urbanas nas pautas das Assembléias Gerais e locais,
assim como a criação de códigos de posturas. Com a consolidação de D. Pedro II, as questões
nacionais se intensificam, e a Corte e as capitais vão exigir condições condignas para diversas
instituições tais como: secretarias de governo, hospitais, escolas, teatros, casas de correção,
instituições de crédito dentre outras construções que não existiam na fase anterior e que a
Figura 13 – Teatro São Pedro – Porto Alegre, demanda crescente das cidades apresentavam essa necessidade (BARATA, 1983).
1858.
Disponível em:
http://www.sejalider.com.br/familia/baptista/images/1ca1
02.JPG
Segundo Santos (1976) é a partir de 1840 que vai iniciar, no Rio de Janeiro, a fase de várias
implantações nos serviços públicos e a instalação de várias construções seguindo os programas
mais diversos. A cidade sempre esteve à frente nas preocupações com a salubridade pública, e
com o urbanismo disciplinar, e no tocante aos comportamentos sociais tanto nos espaços públicos
quanto nos ambientes privados, procurando se posicionar dentro das idéias higienistas e
reformadoras vigentes nos países mais desenvolvidos, que estiveram sendo preconizadas pelas
elites científicas.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No âmbito da cultura o lazer apresentou-se como foco de interesse dos governantes no que se
refere à construção de uma nova ordem social. Programas como Teatros, Casas de Opera,
Cassinos, estes abertos para as Praças e Jardins arborizados e iluminados, serviram como
espaços de propaganda de civilidade que a nova burguesia queria ostentar. Vale salientar que para
este tipo de necessidade social o ordenamento urbano seria imprescindível, pela justa localização
em que estariam na malha urbana.
Especialmente o Teatro foi um dos principais carros chefes dos governos estaduais, e muito
utilizados como local de celebração oficial e reuniões políticas. Desenvolvidos com
monumentalidade e com configurações plásticas modernas, representaram um novo conceito de
sociabilidade, diferente da igreja. Nesse ambiente profano se une também às atividades literárias,
Figura 14 – Teatro da Paz– Belém, 1878
Disponível em: http://andreas- e musicais, conforme motivos de distração. Um Teatro para cidade significava uma movimentação
praefcke.de/carthalia/world/images/br_belem_paz_3.jpg>
artística e cultural, e sua plasticidade geralmente em frente às praças públicas denotava um sentido
apropriação particular nos cidadãos.
No Brasil, essas construções foram, em sua grande maioria, inspirados em modelos dos teatros
italianos a exemplo do Teatro São João no Rio de Janeiro (1813) e o Teatro União em São Luiz
(1815). Essas edificações, dentre outras, mantiveram a monumentalidade externa e internamente
foi provido de maior conforto e luxo, presentes, sobretudo, na decoração dos ambientes.
Externamente são completamente isolados, com tratamento arquitetônico que pretende valorizá-los
e destacá-los do ambiente urbano circundante. Concebidos com forma simples e clara articulação
de volumes, possuíam arcadas, pórticos para acesso de coches, e terraços para a tomada de ar
puro pelos espectadores durante o intervalo.
Figura 15 – Hospício São Pedro – Porto Alegre, 1884.
Projeto construído segundo tipologia pavilhonar.
Fonte: Segawa, 2002, p. 66.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo o quadro a seguir podemos perceber que esse programa esteve presente nas primeiras
fases de desenvolvimento das principais capitais do Império em períodos distintos, o que nos leva a
crer como fases de inicio de grande movimentação artística e cultural de cada cidade.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O Hospício foi um dos grandes aliados nesta mudança, especialmente por ser um programa
totalmente novo cuja estrutura estava destinada a um fim específico. Ali estava inserido, em torno
da polícia médica, todo aparato de funcionamento e tratamento segundo o preceito mais moderno.
Com a inauguração do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro em 1852, ficou claro a importância
desse tipo de programa tanto para manter a ordem social quanto para garantir uma medicina
socialmente moderna para a época, inserindo o país entre as sociedades ocidentais que detinham
esses equipamentos.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Sob os auspícios da salubridade, como meio eficaz de manter a limpeza e a ordem nos espaços
públicos destacaram-se no período o saneamento das ruas e a criação de mercados públicos com
áreas exclusivas para o comércio de produtos perecíveis limitando o acúmulo de sujeira mantendo
o asseio das vias. Cemitérios também foram projetados para aliviar a demanda nas igrejas, e isolar
os mortos por epidemias, mantendo salubre essa área de convívio social. Matadouros públicos
foram projetados segundo os conceitos higienistas e implantados longe das áreas centrais.
A ordem, com as casas de punição, vigia e correção mantiveram um partido constante, baseado
nas principais tendências européias para este tipo de função, como observaremos mais adiante.
Igrejas, residências, construções governamentais participam também de uma estética inerente não
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
apenas à época em que foram construídas, mas como uma proposta de remodelação padronizada.
Para as residências, por exemplo, buscou-se a separação entre lotes recuo do limite frontal,
inserção de quintais e jardins e todas com um vocabulário arquitetônico no qual se buscava uma
uniformidade com o uso de elementos clássicos tais como: colunas, frontões triangulares dentre
outros equipamentos que mantiveram constante e identificadoras dessa nova estética.
Outra preocupação no que concerne à questão da ordem dos espaços públicos foi a noção de
reformadora e punitiva segundo requisitos científicos para os cidadãos transgressores – bêbados,
loucos, vadios, ladrãos –, nas quais constituíram atitudes necessárias para livrar essa sociedade
Figura 19 – Cadeia Civil - Porto Alegre 1864.
Disponível em: dos perigos e inconstâncias que começavam a se fazer presente nas áreas centrais. Foram
http://www.pc.rs.gov.br/deic/museu/cadeia/seq3.jpg
criados, assim, Asilos para os pobres e mendigos, Orfanatos, Casas de Correção ou Detenções e
Penitenciárias para a punição dos infligidores da lei civil.
Esses programas serviram muitas vezes da função da vigilância e controle na tentativa de manter
uma postura civilizada. È importante por em parêntese que desde o período colonial esses serviços
sempre estiveram atrelados à Santa Casa de Misericórdia, e que com o aumento populacional, a
mesma já não comportaria mais a demanda. Foi preciso a construção de edificações de grande
magnitude destinadas a fins específicos, juntamente com o ordenamento do entorno como forma de
manter as cidades livres das auguras que empobreciam o aspecto das áreas centrais.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
È com essa variedade de programas, que as principais cidades litorâneas vão apresentar e
representar como a paisagem moderna especialmente nas áreas centrais. É de perceber, também,
que grande parte dessa arquitetura, teve um impulso inicial na primeira metade do século XIX e
desenvolveu-se de maneira progressiva ao longo do período. Conquanto a relativa temporalidade
da inserção de determinados programas, apresentam um quadro bastante significativo para
percebermos quais foram as capitais que estiveram mais empenhadas em transformar sua
paisagem colonial em outra, civilizada e autônoma e os principais empreendimentos que se faziam
necessários.
Outra questão importante, imtimamente ligada a essas construções foi a salubridade pública, que,
no contexto das cidades, foi uma atitude paralela ao arcabouço teórico discutido entre profissionais
da saúde e da polícia do Império.
Com isso, a Arquitetura do século XIX aparece como fruto de uma posição ideológica das elites
sociais e científicas e dos governantes, na conformação de uma paisagem civilizada. Esta se
caracterizou pela inserção de programas variados possuidores de uma estética plástica
monumental cuja funcionalidade estava pautada nos ideais higienistas confirmados como marcos
referenciais de modernidade do país.
Vale salientar que grande parte dessa produção arquitetônica esteve ligada a obras estatais e
esteve muitas vezes financiada pela elite política e econômica dos estados. As construções
surgem com a necessidade de edifícios de porte considerável, até então inexistentes nas
províncias. Tais configurações vão evidenciar o papel dos governadores e de seus responsáveis
técnicos, engenheiros e arquitetos, como grandes introdutores dessa nova ordem social.
Outra proposição que podemos relacionar é que estes programas apresentavam-se sob grandes
reformas sociais, dentro dos quais evidenciamos o papel “do lazer, da saúde e da ordem” como
70
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
caminhos determinantes para solidificação de uma sociedade moderna aos moldes oitocentistas.
Essas três prioridades estabelecidas na pesquisa estão imbricadas numa série de programas, como
mostrado anteriormente, que podem subsidiar a afirmativa de que essas necessidades eram
constantes e se faziam pelo meio social, político, intelectual, cujos projetistas do Império deveriam
debruçar conhecimento artístico e técnica específica para cada construção.
Das demais capitais podemos perceber que o Recife, São Paulo, Bahia e Porto Alegre foram as
que mais se destacaram no panorama geral. Da necessidade de restrição enfocaremos nas
análises seguintes as duas cidades Rio de Janeiro e Recife, apontando dois pólos distintos e
distantes geograficamente, que integram o panorama dos principais demandas arquitetônicas e
evidenciam os programas arquitetônicos que tiveram grande importância na reformulação do
cenário das cidades e assumem um papel importante de divulgação desse novo parâmetro social.
71
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
CAPITULO 2
“A arte de produzir o grande na arquitetura provém da combinação engenhosa das partes com o todo” Boullée (1728-
1799)
O século XIX foi sem dúvida o século da modernidade para as cidades litorâneas em especial para
o Rio de Janeiro (capital do Império) e Recife (cidade portuária de grande importância comercial e
política). É por meio dessas duas cidades, e de seus processos de desenvolvimento durante o
século XIX que buscamos integrar neste capítulo o papel da arquitetura na modernização da sua
paisagem.
Como foram apontadas no capítulo anterior, as características coloniais foram se perdendo aos
poucos nas grandes cidades e a tradição assumiu paulatinamente o progresso advindo dos novos
atores integradores desse processo e de suas atitudes político-sociais, das novas técnicas
construtivas e da inserção de uma estética particular a cada construção imbuída de novos
materiais. As novidades foram implementadas principalmente nas edificações de grande porte, que
demandavam de especificidades particulares a cada programa e que detinham maior incentivo
financeiro das autoridades públicas.
72
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
da nova sociedade urbana a favor da civilidade das principais metrópoles, segundo o modelo
europeu, foi determinante para surgirem obras com finalidade de embelezamento, ordenamento,
saúde publica e assistenciais.
Ao perceber a relação tanto das desigualdades existentes, quanto às distancias geográficas que
separam as diversas regiões do país, o caráter plural da cultura brasileira é um caminho perceber
as diferenças cronológicas consideráveis em função do desenvolvimento e da modernidade.
Entretanto, se pensamos em termos da organização espacial na primeira metade do século XIX,
percebemos a interação que os ideais modernos se apresentavam, muitas vezes nem tão distintos
a se apresentarem nas principais capitais do País, como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto
Figura 22 – Vista do Campo de Santana, segundo Franz
Frühbeck – 1818. Alegre e São Paulo, todas as cidades ansiavam por mudanças.
Fonte: Segawa, 1996, p. 161.
Na segunda metade dos oitocentos, as mesmas cidades brasileiras, já com um considerável
aumento populacional, buscaram alterar expressivamente a fisionomia de suas construções. Novos
empreendimentos tais como palacetes e residências luxuosas, teatros, casas de ópera, hospitais
públicos e privados, escolas, prisões, estações férreas, dentre outros programas que denotassem
civilidade, serviram como modeladores do tecido urbano e detentores de uma nova ordem social.
O Rio de Janeiro, capital do Brasil Imperial, foi onde se deu o inicio do processo de modernização
das cidades brasileira, teve como marco inicial a chegada da Corte portuguesa em 1808. Iniciam-
se desse processo para o país, a simbologia da ‘cidade capital’ e sua adequação ao modelo de
cidade européia. O meio urbano passa a ser objeto de atenção e interesse das autoridades
públicas, surgindo a partir daí a concretização de obras de interesses públicos.
Recife, terceira capital do Império Brasileiro, e cidade portuária de grande importância nacional
pela proximidade com o continente ocidental e passagem dos navios que iam para o Sul e
Sudeste, não ficou imune às influencias do progresso europeu. A cidade, por onde se exportava
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
açúcar e o algodão de quase toda região do nordeste, era de fato um portão aberto para à
crescente europeização que vinha ocorrendo nas cidades a partir da abertura dos portos. Além
desses aspectos, a cidade esteve sempre ligada às atividades políticas do país, nas
representações das assembléias gerais e do senado.
As duas capitais tiveram grande importância na adoção de novos programas para a arquitetura
civil. Como afirma Sousa (2000, p.09) o Rio de Janeiro e o Recife (a época, a capital e a terceira
cidade do Império, respectivamente) foram as urbes que mais contribuíram para o florescimento da
arquitetura oitocentista.
Outro grande fator que respalda a intenção de se trabalhar as duas capitais foram às modificações
de cunho político que ocorreu após a independência brasileira. As posturas municipais,
1
implementadas a partir da Lei Imperial de Outubro de 1828 , foi um dos primeiros passos para o
processo de modernização das cidades brasileiras. Segundo Souza (2002):
1
A Lei de 1º de Outubro regulamenta a atuação dos municípios brasileiros e dispõe sobre suas posturas, caracterizando as
novas bases institucionais em que as posturas são elaboradas, no contexto da Câmara Municipal que perde o seu poder de
julgar, tornando-se uma instituição de caráter meramente administrativo, mas que preserva a prerrogativa de elaborar suas
leis, submetendo-as à aprovação do governo provincial. (SOUZA, 2002)
74
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo a autora, mesmo mantendo as bases das posturas portuguesas na sua forma e na
matéria a ser regulada, as posturas dos municípios brasileiros, ao longo do século XIX, vão,
também, incorporando idéias modernizadoras, em pauta nos discursos da época. De certa forma,
expressam, também, a dinâmica da cidade que regulamentam, ao estabelecer medidas que
decorrem de necessidades locais. E é isso que, por outro lado, confere singularidade às posturas
das distintas cidades do país.
Desenvolvidas sob direção institucional das Câmaras Municipais, contribuiu para definir um padrão
arquitetônico para as cidades, e expressavam preocupações higienistas que passaram a respaldar
os melhoramentos urbanos relacionados á salubridade e segurança pública. A estética urbana,
sobretudo, esteve como foco de interesse, sob critérios de saúde e conforto, esse conjunto de
normas visava a regulação modernizadora para as casas de moradia e comércio da cidade,
ordenação de espaços públicos, dentre eles, praças, matadouros, cemitérios, hospitais e prisões.
É a partir dessa fase de autonomia que se inicia ainda na primeira metade do século XIX a
formulação de planos de melhoramentos para a modernização das áreas centrais sob a
coordenação dos governos provinciais. As atenções voltam especialmente para o espaço
75
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
construído da cidade: ”os alagados e as águas estagnadas nos quintais, a questão do saneamento da
cidade – abastecimento d’água, o esgoto sanitário, a limpeza urbana e o destino dos resíduos sólidos, além
das condições de salubridade das edificações” (SOUZA, 2002).
Para tanto, foi necessário estar consolidado um corpo de profissionais capacitados para atuarem
nas obras públicas das cidades, como a Academia Militar e a Academia Imperial de Belas Artes do
Rio de Janeiro, que demandavam a mão de obra qualificada para outros estados. Além desses
profissionais brasileiros atuando nos estados, havia também os estrangeiros, contratados na busca
de uma mão-de-obra especializada, que muito contribuíram para a inserção de novos métodos de
trabalho e de administração pública 2 .
E a partir desse panorama que podemos observar a que a multiplicidade dos fatos estão
encadeados numa busca de mudança da paisagem urbana colonial para uma cidade progressista
e civilizada. Seja pelas necessidades da nova sociedade burguesa, pela consolidação das leis de
uso do solo, pelos planos de melhoramentos urbanos, pelos profissionais nacionais e estrangeiros,
perpetuando técnicas modernas até então, que a paisagem urbana foi se alterando ao longo do
século XIX, nos fazendo entender um pouco a origem das diversas intervenções ocorridas nas
cidades no inicio do século XX.
Para compreendermos um pouco mais acerca das duas cidades estudadas, o quadro abaixo nos
dá uma idéia como as cidades se configuravam dentro de suas especificidades, ou mesmo dentro
2
“A inclinação pelo mecânico ou técnico estrangeiro, principalmente o engenheiro, vinha se fazendo sentir há anos entre os
brasileiros mais esclarecidos, influindo sobre o animo dos governantes desejosos de promover o progresso material do país.
Nos livros Mss de Oficio do Governo e de correspondências dos presidentes das províncias com os cônsules – os cônsules
estrangeiros no Brasil e os ministros e cônsules brasileiros na Europa – como os que temos conseguido examinar, eu e
meus auxiliares de pesquisa nos arquivos oficiais de Pernambuco e da Bahia, nota-se aquela inquinação desde 1827”
(FREYRE, 1940, p. 98)
76
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A vila de São Sebastião do Rio de Janeiro constitui-se logo no inicio de sua implantação uma área
militar cujo assentamento foi decisivo para salvaguarda do território e controle da ocupação do sul
da colônia. Nasceu em meio às adversidades, seja na luta contra os franceses, contra os nativos
ou mesmo a natureza local.
Sua geografia configurou ser um dos mais difíceis de transpor para quem aportava em suas terras,
cercadas pelo mar, tendo ao fundo uma barreira de montanhas, morros e um terreno alagadiço.
Porém a colônia tinha uma função administrativa e portuária, devido a localização do seu porto em
relação aos demais do litoral sul.
A cidade cresceu a partir de um pequeno núcleo ou povoado localizado entre os morros Cara de
Cão e o Pão de Açúcar, local de ancoradouro de navios e de defesa constituída de barreiras
fortificadas. Após a expulsão dos franceses em 1567, a cidade é transferida para o morro do
Castelo.
Figura 23 – Mapa do Rio de Janeiro - 1750
Demarcação da ocupação No século XVII, a cidade já era considerada a segunda cidade mais importante da monarquia
(Mendes, Veríssimo e Bittar, 2007, p.62)
portuguesa (Cavalcanti, 2004), depois de Salvador na Bahia e seu núcleo urbano vai se consolidar
em 1733 a 1763. Com a fundação da Colônia de Sacramento (1680) e a descoberta do ouro em
Minas Gerais, no final do século XVII, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro torna-se o
principal porto da colônia portuguesa. (CARVALHO, NÓBREGA, SÁ, 2000, p.13)
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
É, sobretudo nesse aspecto, que a Cidade vai crescer, com sua relação entre a aristocracia rural e
o comércio, subsidiando melhores meios de desenvolvimento tanto para a cidade quanto para
Portugal. Em 1763 São Sebastião do Rio de Janeiro torna-se a capital da colônia e sede do vice-
reino, e começa uma fase de grandes transformações tanto sociais quanto urbanísticas.
É na crise do Antigo Regime que a monarquia portuguesa se transfere para a sua colônia
americana no inicio dos oitocentos, quase de improviso, fugindo dos exércitos napoleônicos que,
em novembro de 1807, invadem e ocupam Portugal, (Ibid, p. 27)
A cidade passa a ser a “única cidade colonial da história a se tornar capital do seu império” (Rocha-
Peixoto, 2000, p. 29). Com a corte instalada, o Rio de Janeiro ganha em aumento populacional, e
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
tal fato refletiu nas primeiras medidas de transformação da capital visando atender os anseios de
uma nova classe social e facilitar o desempenho das atividades econômicas, políticas e ideológicas.
No inicio foi preciso tomar uma série de medidas para equipar a cidade e manter um padrão
civilizado, como ordenamentos urbanísticos e posturas municipais que visavam impor um padrão
construtivo para a arquitetura. Segundo Rocha-Peixoto (2000). uma das proibições mais
conhecidas foi as tradicionais gelosias ou muxarabies logo na chegada da família real em 1808 3 .
O Rio de Janeiro tornou-se um grande laboratório de novidades para o país sendo a primeira a
iniciar o processo de modernização das cidades brasileiras. A sua paisagem começou a ser
composta por palácios, palacetes, edifícios de grande porte, edificações comerciais, e toda uma
infra-estrutura diferenciada do período colonial. Logo de início grandes construções marcam a sua
Figura 25 – Palácio da Quinta da Boa Vista – 1870
Fonte: Parente & Monte-Mór, 1994, p. 32. paisagem como o Palácio da Quinta da Boa Vista (1808), o Teatro Real São João (1813) e a
Academia Militar (1810). A arquitetura se atualizava segundo adotando uma nova estética
construtiva, novos programas e novos materiais construtivos.
Na loja tem três salas, cozinha, quintal, poço, muro de pedra e cal, um
telheiro para cavalharice. No primeiro sobrado, grades de ferro e
vidraças, três salas, duas alcobas, quatro quartos, sua cozinha e forno,
seis armários grandes introduzidos nas paredes, vidraças na área, com
escada para o quintal. No segundo andar, janelas de peitoril, vidraças,
3
O desembargador Paulo Fernandes Viana, Intendente Geral da Polícia de D. João VI, ficou encarregado de ‘limpar’ a
cidade dos guarnecimentos mouriscos. N. da. A.
80
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Esta nota permite-nos perceber, também, que novos materiais já estavam sendo utilizados nas
construções de pequeno porte da cidade, e a importância dos materiais, como o vidro e o ferro, foi
dado na descrição do imóvel é fundamental para representar uma moradia diferenciada e moderna.
Além disso, as distribuições dos espaços internos nos dão uma noção das mudanças ocorridas nos
ambientes das moradias burguesas.
A chegada da França, em 1816, de uma Missão Artística foi um dos marcos mais representativos
de progresso para a cidade. A tinha como uma das principais funções alicerçar a capital carioca às
cidades modernas européias, condignas da sede da Monarquia e representante de Império.
Durante a sua permanecia a Missão Artística Francesa sofreu com a insatisfação dos portugueses
que aqui se encontravam, especialmente dos engenheiros militares. Porém muitos dos artistas
serviram a corte nas festas comemorativas, casamentos, batizados, aniversários, criando uma
81
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
arquitetura ‘efêmera’ que pouco restou como recordação histórica, no qual estavam imbuídos de um
simbolismo representativo de sedes Imperiais.
A Gazeta Extraordinária de 16 de Fevereiro de 1818, traz em nota uma descrição dos monumentos
erigidos para as festas de aclamação de D. João VI, entre eles dois produzidos por Debret e
Montigny:
82
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
É de observar por meio desta descrição (que continua com mais monumentos erigidos durante o
evento), a pompa que as festas se apresentavam, sobrepondo uma nova estética à paisagem do
entorno. Vale salientar, também, que essas festas tornaram-se eventos majestosos divididos em
diversos pontos da cidade e especialmente na Praça da Aclamação e em frente ao Real teatro São
João, inaugurado em 12 de outubro de 1813, dia do aniversário de D. Pedro, e serviam como forma
de lazer para a população urbana que assistia.
A presença dos artistas como Montigny e Debret, na produção de uma cultura teve grande
importância social. Especialmente na realização dessa arquitetura efêmera, que funcionou como
uma maneira aristocrática de “atualizar o gosto e a técnica do novo Império” (SANTOS, 2007, p. 36) e
dar a Corte portuguesa a dignidade e a monumentalidade correspondente a Europa burguesa com
83
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
sua concepção de arte e organização do espaço mantendo maior relação entre a arquitetura e o
sistema de poder 4 .
Somente em 1826, é fundada a Academia Imperial de Belas Artes, que tinha como principal objetivo
formar os artistas do Império, qualificados dentro do modelo de ensino francês preconizado pelos
mestres da missão artística. O surgimento da Academia representou grande avanço cultural – não
apenas para a cidade do Rio de janeiro, mas para todo o país –, para as artes em geral, e
especialmente para a produção arquitetônica dos próximos anos seguintes, com a inserção de
novos métodos de projetos e de composição.
Segundo Santos (Ibid, p. 51) “a Academia Imperial de Belas Artes ocupou, neste panorama, um lugar de
grande centralidade – onde a imaginação ordenada deveria civilizar por meio da criação de um sistema
artístico, cujos resultados seriam muitas vezes criticados”. Embora muitos dos projetos do arquiteto
Montigny, por exemplo, tivessem ficado no papel, serviram como exemplos do ensino acadêmico
que eram desenvolvidos para seus alunos da Academia de Belas Artes, onde lecionava, e foram
fontes inspiradoras para os novos lentes que dali se formavam.
4
“Grandjean de Montigny, bonapartista por convicção, foi aluno de Percier e Fontaine na Beaux-Arts. Vivenciando o
ambiente francês da era de Napoleão pelo lado de Percier e Fontaine, teria razoes políticas e acadêmicas para aderir ao
decorativismo do Style Empire” (Rocha-Peixoto, 2000, p. 227)
84
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo Rocha-Peixoto (2000, p. 113), “quando a classe burguesa está organizada a ponto de necessitar
de uma bolsa de comércio desse gênero, isso significa que ela atingiu aquele grau de racionalidade objetiva”.
Tal fato demonstra um quadro de modernidade e progresso no qual a cidade ‘comerciante’ estava
passando, que viria a refletir na adoção de programas específicos para as necessidades públicas.
85
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Em 1843, o Rio de Janeiro tem seu primeiro plano documento oficial propositor de modificações no
espaço urbano, intitulado “Remodelação do Rio de Janeiro” desenvolvido por um engenheiro militar,
Henrique de Beaupaire Rohan. Diretor de obras municipais, no seu trabalho o meio urbano passa a
ser objeto de atenção e interesse do Estado segundo os estudos já desenvolvidos pela Comissão
de Salubridade Geral da Sociedade de Medicina (1830). (RABHA, MURICY, HOUAISS, REGO,
ARAÚJO, OLIVEIRA, 2008)
O plano previa a adequação da capital a novo padrão urbano, buscando solucionar a problemática
da cidade naquela ocasião. Compreendia na criação de um levantamento estatístico do município,
enfatiza o estado de abandono das áreas interioranas, recomendando a criação de um órgão para a
inspeção e manutenção de estradas e sugere o incremento de impostos, transferindo-os para a
5
municipalidade, como meio de viabilizar as obras necessárias .
Sobre o plano o engenheiro Beaurepaire 6 coloca que era “para que melhor se possa aproveitar do que
ai houver de utilidade” (Ibid), e busca atender um conjunto de intervenções ligadas à salubridade
pública, aformoseamento do município e cômodo dos seus habitantes. É colocado em destaque as
preocupações de ordem sanitária, ordenamento e arborização das ruas e praças e nova locação
para os estabelecimentos insalubres da cidade como, matadouros, açougues, cemitérios, dentre
outros.
5
Ver Planos Urbanos – Rio de janeiro – o século XIX. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, Instituto
Municipal de Urbanismo Pereira Passos, 2008.
6
Engenheiro Militar, formado pela Academia Militar do Rio de Janeiro, foi Diretor de Obras Publicas do Município, presidente
das províncias do Pará e Paraíba entre 1856 e 1857, participa da guerra do Paraguai e em 1873, prepara a Carta Geral do
Império com levantamento planimétrico do Brasil para a Exposição de Viena. Colabora com Glaziou nos estudos sobre as
espécies brasileiras.é ministro do Supremo Tribunal Militar e vice-presidente do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. (RABHA, MURICY, HOUAISS, REGO, ARAÚJO, OLIVEIRA, 2008)
86
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
É importante colocar que os projetos de melhoramentos da cidade vão tomar mais força no decorrer
da segunda metade do século, especialmente com a criação da Comissão de Melhoramentos em
1874. Um dos grandes fatores para a formulação dos novos planos de melhoramentos, as
constantes epidemias que faziam presentes na cidade a partir de 1850 e a necessidade de
crescimentos dos bairros vizinhos às áreas centrais com a implantação de um sistema de linhas
ferroviárias.
É, entretanto, dentro das questões de utilidade e funcionalidade pública que a engenharia ganha
força com a necessidade de profissionais atuantes nas obras do município. Muitos dos quais,
ligados ao cenário político, nacional e local, dispuseram de uma postura intervencionista
promovendo obras públicas de grande envergadura.
É nesse meio artístico e tecnológico que uma nova produção arquitetônica vai despontar, engajada
as necessidades dos mais variados programas inserindo na paisagem uma tipologia comum, a
palaciana aos moldes da Academia Imperial e no tocante à funcionalidade ligados à Academia
Militar. Buscando compreender as bases em que se desenvolviam os profissionais atuantes na
sede do império daremos caminho a um discurso que amplia o conhecimento da produção
arquitetônica do período e consolida fatos que reúnem posturas distintas, mas confere uma busca
comum, a civilidade.
87
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A ligação da Corte com a França não estava configurada apenas nas ações políticas e econômicas,
mas, também nas culturais. Para as artes em geral, e para a arquitetura em particular, o processo
foi intenso, especialmente com a criação da Academia de Belas Artes que confirmou a adoção de
uma nova estética compositiva para as construções, diferenciada dos modelos coloniais e engajada
numa plasticidade moderna para os novos programas, como vinha acontecendo na capital
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Estudou na Escola Politécnica e Real de Paris, e sua obra se destacou na arquitetura da cidade do
Rio de Janeiro na década de 1820/1830. Por contrato com por D. Pedro I, foi elevado à condição
de arquiteto do Imperador em 1828. Foi autor da reforma do Palácio da Boa Vista, em São
Cristóvão, atual Quinta da Boa Vista, e também a reforma do edifício da fazenda de Santa Cruz.
Entre outras obras, é também autor do projeto do edifício da Academia Militar no Largo de São
Francisco de Paula e o Solar da Marquesa de Santos. (BARATA, 1973)
Nos projetos desse arquiteto observa-se o pouco uso das ordens clássicas, e uma arquitetura mais
severa aos moldes da influência portuguesa, como no edifício da Academia Militar. Nesse projeto
ele inseriu uma frontaria mais clássica e moderna para a época, mas também optou pelo uso de
vergas retas com balcões nas aberturas das janelas e o forte uso das marcações estruturais
característico das construções luso-brasileiras. (SOUSA, 2007)
Outro importante arquiteto francês foi o já mensionado GrandJean de Montigny, formado na École
de Beaux-Arts francesa. O arquiteto foi aluno de Percier e Fontaine principais arquitetos de
7
Durand foi aluno de Boullée e um herdeiro dos ideais da arquitetura do iluminismo que o havia precedido. Professor de
composição da École Royale Polythecnique de 1795 a 1830, opunha-se radicalmente à maneira da Académie de estudar
arquitetura pela cópia e analise de edifícios diferentes, era improdutivo e inoperante trabalhar sem uma noção clara dos
princípios gerais da arquitetura.
89
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo Rocha-Peixoto (2000, p. 227\) num dos projetos mais importantes do arquiteto, a
Academia Imperial de Belas Artes, percebemos uma vaga inclinação para a criação de um estilo
imperial aos moldes franceses. Poucas obras foram construídas de Grandjean, porém algumas que
ficaram como registro físico, demonstram uma simplicidade diferenciada dos seus projetos, como o
caso da sua residência na Gávea e da Praça de Comércio.
Talvez possamos indagar que os dois arquitetos franceses, souberam bem aplicar os ensinamentos
das academias, e previram um adaptação dos modelos compositivos ocidentais para a realidade e
o clima tropical brasileiro.
O importante legado do Grandjean foi os anos que se dedicou como professor da Academia, onde
formou uma leva de arquitetos que iriam se destacar no cenário carioca, especialmente no decorrer
do segundo reinado, quando este já estava ausente da instituição.
Um dos alunos do arquiteto francês que despontou como grande reformador do ensino deixado
pelo mestre foi o carioca Manoel de Araújo Porto Alegre. Terminados os estudos na capital carioca
Figura 27 – Frontaria da Academia Imperial de Belas este arquiteto, vai para a França de onde traz, possivelmente, novas influências em voga na época,
Artes – Grandjean de Montigny
Fonte: Rodrigues, 1975, p. 202. como o Romantismo, e lá ele se familiariza com os movimentos socialistas utópicos e progressistas.
Sua influencia estará presente no reflexo de modernidade em que a academia irá apresentar diante
das inovações tecnológicas.
Dos vários discípulos de Grandjean, muitos optaram por manter duas formações, como Pézérat
havia feito, o de arquiteto e engenheiro. Entre eles se destacaram, Joaquim Candido Guilhobel e
José Maria Rebello que tiveram forte atuação nas obras desenvolvidas na cidade, confirmando o
papel desses profissionais na nova configuração da paisagem urbana.
90
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No inicio do século XIX, os engenheiros militares comandavam as obras públicas a todos os limites
de sua formação. Estes permaneceram ao longo do período como principais administradores das
melhorias na infra-estrutura das cidades, na formulação de planos de melhoramentos onde muitas
obras foram assinadas por esses profissionais.
Entretanto, foi com a inauguração, em 1810, da Academia Real Militar que se deu a primeira grande
influência francesa no ensino, especialmente quando essa começa a se impor na formação do
corpo de engenheiros diferenciados do período colonial. Seu regulamento era baseado em grande
parte na École Polytechnique de Paris, especialmente com as matérias básicas e a obrigatoriedade
dos entes escreverem livros.(BARATA, 1973; TELLES, 1984)
91
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Dentre os numerosos arquitetos e engenheiros formados pelas Academias carioca, vão ressaltar a
presença de vários profissionais estrangeiros que tanto assimilaram como contribuíram para as
influências construtivas da produção da capital do Império. É importante apontar também que
esses profissionais assumiram posturas modernas diante dos programas mais variados exigidos
para o desenvolvimento da capital.
Sousa (2001, p. 84-85) vai observar que, na fase imperial, os padrões estilísticos da Escola Militar e
da Academia de Belas Artes tornaram-se dominantes. O autor ainda acrescenta que muitos dos
projetos entregues a engenheiros e arquitetos treinados no exterior compõem o cenário brasileiro
bastante diversificado.
Na verdade seis dos dez melhores exemplares desse acervo seleto foram
concebidos, no todo ou em parte, por engenheiros de formação nacional:
o Palácio Imperial de Petrópolis, o Hospital da Santa Casa e o Hospício
Pedro II, nos quais trabalharam os militares Cândido Guilhobel e Jacinto
Rebelo; a Casa da Moeda, de Teodoro de Oliveira (...) (Ibid)
A presença na cidade desses profissionais, foi de grande importância na concepção dos novos
programas, pois denotavam atitudes estéticas diferenciadas e integradoras no cenário mundial.
Além deles, é importante destacar a ação dos arquitetos e engenheiros estrangeiros, como Luiz
Hosxe, Julio Frederico Köller, Charles Phillipe Garçon Riviere, Gustavo Waeneldt, dentre outros.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O Rio de Janeiro como capital do Império, configurou-se desde cedo como uma cidade adiantada
ao ritmo nacional, tanto por meio de sua evolução social e cultural, quanto na introdução dos
programas arquitetônicos mais modernos para o período. Destacaremos a seguir uma lista
referencial dos principais programas que envolvem questões do lazer, saúde e ordem, no qual
buscamos compreender quais foram as principais demandas ocorridas no decorrer do século XIX
na principal cidade do país.
Teatro: São João (1813); São Francisco de Paula (1832); São Januário (1836); Lírico
Figura 28 – Jardim Botânico – 1895 – fotografia de
Marc Ferrez (1871)
Fonte: Parente & Monte-Mór, 1994, p. 37.
Tratamento paisagístico do cais, largos, pátios, praças no centro;
93
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Monumentos e chafarizes.
Cemitérios públicos;
94
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Transportes (1840);
Telégrafos (1852);
Para compreendermos a cidade do Recife e como ela se insere nas capitais importantes do século
XIX no Brasil, temos que recorrer a sua história e a sua constituição urbana desde a fundação da
Aos olhos dos forasteiros, porém, a paisagem era tão somente as águas
do delta, o verde dos manguezais, a vegetação nativa dos morros com
seus canaviais, safrejando no massapé das várzeas do Beberibe, do
Jiquiá, do Pirapama e do Capibaribe. Nada muito especial, nenhuma
beleza extraordinária, naquele burgo insalubre onde os habitantes de
Olinda pisavam com cuidado para não sujar as suas custosas sedas.
95
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Assim era o Recife até os primeiros anos do século XVII. Um porto por
excelência, o de maior movimento da América portuguesa, escoadouro
das riquezas da mais promissora de todas as capitanias: Pernambuco.
(SILVA, 1993, p. 12)
Maurício de Nassau 8 , governador do Brasil holandês, chegou ao Recife em 1637 trazendo em sua
comitiva botânicos, latinistas, humanistas, médicos, pintores arquitetos e cartógrafos. Durante sua
permanência a cidade sofreu grandes transformações, já delineando as estruturas da futura capital
de Pernambuco. Desses artistas e cientistas dois pintores se destacaram por representar a vida e
os hábitos da população daquela época, são eles Frans Post e Albert Eckout. O cartógrafo Cornelis
Figura 31 – Cidade Maurícia, 1630.
Fonte: Pontual, 2005, p.45.
Sebastianszoon Goliath deixou um rico legado em levantamentos e mapas topográficos da região.
(LUCIO, 2000, p.80).
Segundo Pontual (2005, p. 29) o plano da Cidade Maurícia, ou Mauritsstad, atribuído ao arquiteto
Pieter Post, seguiu um padrão renascentista, geométrico perfeito, estabelecendo ligações entre
diversos pontos da cidade. Para a ilha foi previsto o parcelamento urbano interligado ao sistema de
canais ao de defesa com as fortificações, fosso e muralha; assim como, a praça central com o
8
O Príncipe João Maurício de Nassau-Siegen era um nobre alemão. Nascera em 1604, no Castelo de Dillenburgo na
Westphalia e faleceu em Cleve em 1679. Ao retornar à Europa mandou escrever um livro com a narrativa dos oito anos do
seu governo no Brasil, e tendo distribuído este livro pelas casas nobres da Europa que muito contribuiu para a disseminação
das informações sobre a terra e a gente do Brasil. Esse livro, obra monumental da autoria de Gaspar van Baerle (Gaspar
Barleus 1584-1648), ”Rerum Per Octum in Brasília Et Álibi nuper Gestarum, Sub Prefectura Illustrissimi Comitis I Mauriti
Nassoviae...” foi publicado em Amsterdã em 1647. Salgado, 2000, p.79.
96
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
mercado, o palácio de Friburgo, a ponte de ligação com a ilha do Recife e outra comunicação com o
continente, o jardim botânico, o Palácio da Boa Vista e o museu. Além desses empreendimentos
Nassau organizou um hospital, a alfândega e uma escola. Em apenas nove anos, o Recife passou
de povoado à cidade fortificada e progressista, dentro dos moldes europeus mais atuais para a
época, com 2.000 casas. (LUCIO, 2000, p. 82)
Quando da retirada dos holandeses todas as obras construídas foram arruinadas pelos
portugueses. Porém o traçado e os altos e estreitos sobrados, característicos da região guardam
aspectos do passado progressista.
Após domínio holandês, no século XVII, o Recife só passou por intervenções urbanas na primeira
metade do século XIX, especialmente durante o governo do Presidente da Província Francisco do
Rego Barros, o Conde da Boa Vista.
Pernambuco foi uma das províncias mais influentes na política nacional, e estava entre as principais
representantes dos Conselhos Gerais, junto com a Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo.
Desde a Revolução Pernambucana em 1817, passa a estar sob forte atenção do Império e a ter
grande número de representantes nas Assembléias Gerais, encabeçando o grupo das cinco
províncias que tiveram o direito a 36 membros no Parlamento. (MELO, 1996, p. 35)
97
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo Carvalho (1992, p. 41) Província estava estrategicamente colocado no caminho para a
Europa, e era o centro polarizador da extensa região do nordeste, onde, desde cedo, preocupou-se
em embelezar sua nova capital, o Recife. Segundo Zancheti (1989) a cidade foi uma das primeiras
a ter uma gestão pública urbana depois da Independência.
A ausência de normas para ordenamento do traçado viário urbano, aliada à prática espontânea dos
agentes construtores, constitui-se o primeiro grande desafio que a administração pública urbana do
Recife passa a enfrentar no início do período imperial. A exemplo da Capital do Império, a capital
pernambucana, em 1831 já possuía um Código de Posturas aos moldes da Corte. Nesse sentido, a
primeira referência feita pela Câmara Municipal do Recife à Lei Imperial de 1828 evidencia a
atribuição que esta lei lhe confere de regulamentar e embelezar a cidade. A questão estética
assume, desde então, destaque nas ações municipais, inclusive nas posturas elaboradas. (SOUZA,
2002, p. 153)
Figura 33 – Rua do Imperador – Recife – litografia de
Franz Heinnrich Carls – meados do século XIX. Com a passagem das atribuições da Repartição de Obras do Governo
Fonte: Freyre, 2006, 16 °ed. p.640.
Provisório para a Câmara Municipal, em 1830, esta contrata o
engenheiro militar João Bloem para o cargo de “Encarregado da
Arquitetura da Cidade”, passando este engenheiro a ser responsável pelo
estabelecimento de regras sobre a edificação e o traçado urbano. Bloem
inicia, de imediato, uma regulamentação para as novas construções, que
deveriam seguir um padrão de alinhamento das suas fachadas, de
conformidade com o novo traçado das ruas. Tais normas foram
recebidas com resistência pelos habitantes do Recife, uma vez que a
introdução de normas técnico-científicas para normatização do espaço
urbano se constituía uma prática recente, ocorrendo no Brasil somente
no século XIX. (Ibid.)
98
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo Freyre (1940, p. 94) a nomeação de um engenheiro alemão, Joao Bloem, apresentava o
fato de que a província não dispunha de profissionais capacitados para promover a urbanização da
cidade. “Convencida de que não pode desempenhar as atribuições que lhe são encarregadas (a Câmara
Municipal do Recife) pelo parágrafo 1º do artigo 66 e Art. 71 da Carta de Lei do 1º de 8bro. de 1828, sem a
intervenção de um Empregado entendido” (Livro da Câmara Municipal do Recife, 1840, Apud. FREYRE,
1940). Grifo nosso.
99
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
9
Coronel Imperial do Corpo de Engenheiros e então Inspetor das Obras Públicas da Província de Pernambuco. Após a
chegada do Engenheiro Vauthier o coronel foi afastado da chefia da repartição. Freyre, 1940, p. 31.
100
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Em outro convite do governador Rego Barros, vieram para a província de Pernambuco um grupo de
técnicos e engenheiros franceses liderados pelo engenheiro Louis Léger Vauthier para chefiar a
Repartição de Obras Públicas na tentativa de alinhar a cidade às cidades modernas francesas,
afirmando idéias de mobilidade e salubridade. Segundo Freyre (1975, p.9)
A partir das mudanças ocorridas de inicio com a vinda desses profissionais para Recife, as
modificações se intensificam alterando a paisagem urbana com edificações monumentais inseridas
no programa de modernidade e progressos das capitais civilizadas.
O papel dos gestores públicos teve grande importância no processo. O Recife do Governador
Francisco do Rego Barros ganhou em animação e teve um progresso até então nunca vistos. Com
101
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
seus engenheiros franceses, incentivou as artes e as ciências seguindo o papel do D. Pedro II,
levando o Recife ao conceito das grandes cidades modernas da época como o Rio de Janeiro.
Logo no início de seu governo, destaca a falta de infra-estruturas produtivas como ponto a ser
priorizado, visando à solução de problemas econômicos da Província. E é com o objetivo de
realizar obras estruturadoras que o engenheiro francês Vauthier assume a direção da Repartição de
Obras Públicas, no período de 1842-46, impulsionando o programa de obras do governo, cujas
realizações foram significativas e marcaram a história da modernização do Recife. (SOUZA, 2002)
Foram construídas durante o seu governo, estradas ligando a capital às áreas produtoras de açúcar
do interior; a ponte pênsil de Caxangá, sobre o rio Capibaribe; o Teatro de Santa Isabel; o edifício
da Penitenciária Nova, depois chamada de Casa de Detenção do Recife; o edifício da Alfândega;
canais; estradas urbanas; um sistema de abastecimento d’água potável; reconstrução das pontes
Figura 34 –Recife – Palácio dos Governadores e Teatro
Santa Isabel – litografia de Franz Heinnrich Carls – meados Santa Isabel, Maurício de Nassau e Boa Vista e mandou construir aterros para a expansão da
do século XIX.
Fonte: Freyre, 1940. cidade.
A presença dos franceses em Recife não deixou apenas marcas arquitetônicas, mas também
imprimiu seu caráter em costumes e hábitos da população da cidade, principalmente entre as elites.
Os europeus nos deixaram novas maneiras de comer, de vestir, de comportar-se em público, novos
hábitos alimentares etc... 10
10
Ver Gilberto Freyre, Sobrados e Mocambos.
102
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
expressão pública. Porém deram continuidade aos planos de melhoramentos da cidade elaborados
principalmente por Vauthier.
(...)
Importa, portanto, por mão a obra. A mortalidade que desola hoje nosso
pais deve ser a cultura de expiação de nossa negligencia – esperamos
acaso para sanear nossas cidades e melhorar a condição dos pobres que
daqui a 10 anos a peste venha de novo aterrar e dizimar nossas
populações? Entre a vida e a morte a escolha não lhe é duvidosa.
Obremos bem, como exigem a saúde pública e a humanidade.
Segundo Souza (2002) se, de um lado, as pressões por uma modernização das infra-estruturas
produtivas se tornam mais fortes, de outro, as pressões para mudanças na qualidade dos serviços
urbanos, especialmente os de saúde aumentam, em face das marcas deixadas pelas epidemias de
febre amarela e cólera-morbo. Assim, ao lado das preocupações com os melhoramentos materiais
dos portos, se colocam aquelas que se referem a outras estruturas subsidiárias, como os
transportes, o abastecimento d’água, a armazenagem, cujos impactos são diretos na estrutura
urbana. A ligação entre obras portuárias e obras hidráulicas, em especial as de saneamento e
drenagem, favorece o levantamento de questões relativas às reformas urbanas necessárias para a
melhoria das condições de salubridade das cidades.
103
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
É sobretudo nessas questões que o papel dos engenheiros qualificados frente à Repartição de
Obras Públicas tiveram grande importância no desenvolvimento da obras arquitetura oitocentista
recifense. Em resposta às pressões sobre melhores condições sanitárias que dá inicio a
construção de empreendimentos importantes, cemitério, hospital, presídio, matadouros etc.
Antes de 1830, não havia na província de Pernambuco mais do que dois engenheiros encarregados
pelos serviços públicos foram eles, o Coronel Moraes Âncora (engenheiro militar) e o inglês Major
João Bloem (engenheiro alemão) encarregado da arquitetura da cidade. Outro engenheiro
estrangeiro contratado para instalação de poços artesianos da província foi engenheiro francês J.
Boyer, ou Mr. Boyer como ficou conhecido. A contratação desse profissional dentre outros causou
grande insatisfação por parte da população. Diversos anúncios no Diário de Pernambuco que
11
relatava essas querelas entre os estrangeiros contratados e a sociedade .
11
(...) fizera ele ou algum outro estrangeiro alguma coisa de extraordinário que não pudesse ser concluído pelos nossos
Oficiais dirigidos pelo mui hábil Sr. Coronel Moraes Âncora? Diário de Pernambuco, 16/11/1841, In, Freyre, 1940, p.102)
104
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Foi nesse clima que em 1841, o governador Francisco do Rego Barros anuncia a contratação de
“engenheiros para o serviço da Província, um dos quais discípulo da Escola Politécnica de Paris”
(FREYRE, 1940).
O engenheiro francês foi teve formação na École Potytechnique (fundada em 1794) de Paris na
qual ingressou em 1835 após ter concluído o curso fez especialização na École des Ponts et
Chaussées (fundada em 1775). Antes de vir ao Brasil trabalhava em Vannes, no Departamento de
Morbihan como oficial do “Corps des Ponts et Chaussées”, cargo que pediu licença temporária para
vir trabalhar na província.
Um terço dos alunos que saia da École Polytechnique ia trabalhar nos Serviços Públicos, e aqueles
que quisessem se especializar, após terminar o curso, atendiam às aulas das escolas de aplicação,
onde a Ponts et Chaussées era a escolhida pelos interessados em trabalhar em obras públicas.
105
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
dois princípios, a conveniência que previa solidez, comodidade e salubridade, e economia onde
tiraria partido da simetria, regularidade e da simplicidade 12 .
Conquanto é muito plausível que Vauthier tenha se utilizado dos ensinamentos de Durand, na
realização dos seus projetos, especialmente no projeto do Teatro Santa Isabel. Entretanto, como
estava definido no seu contrato com a província de Pernambuco, que seus livros ficariam na
Repartição de Obras Públicas, não foi encontrado nenhum dos livros do mestre francês, apenas há
13
um registro do livro de J-L. Mandar “Etudes d’Architecture civile ou plans, elevations, coupes et
details de 1826.
É importante colocar que os profissionais ligados as duas escolas francesas eram responsáveis
pela administração, construção e controle das obras públicas em todo o território da França. Dentro
das suas responsabilidades estavam englobados diversos serviços como levantamento topográfico
do território, o projeto de novas vias de comunicação, fossem elas estradas, canais, rios ou portos,
bem como todas as obras auxiliares que advinham desses trabalhos.(LUCIO, 2000)
12
É preciso lembrar que Durand fora discípulo de Boullée, e, portanto que o método analítico do professor da Ecole
Polytechnique representa a sistematização dos fundamentos teóricos e práticos da composição buscados por Boullée e
Ledoux no último quartel do século XVIII.
13
Mandar foi professor de arquitetura da École des Ponts et Chaussées de 1804 a 1820, que defendia o uso da perspectiva
no desenvolvimento do projeto.
106
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O conhecimento dos meios operacionais mais modernos e mais abrangentes para esses
profissionais ou “agentes técnicos como frisava Vauthier” (FREYRE, 1940) era imprescindível.
Segundo Picon (2001, p. 66-70) a presença dos engenheiros nas cidades durante quase todo o
século XIX equivale ao período da técnica e do preparo das principais obras de realizações
públicas. É nesse momento que a cidade deixa de ser uma entidade imóvel correspondente a
descrições da sua história e de seus monumentos, para tornar-se sede de funções políticas e
econômicas.
Outro engenheiro que ganharia fama logo após a partida de Vauthier de volta à França em 1846, foi
José Alves Mamede Ferreira, pernambucano, que teve seus estudos feitos em Lisboa e na École
des Pontes et Chaussées na França. Com a presença do engenheiro garantiu a mesma maneira
de se trabalhar na Repartição de Obras Públicas iniciadas pelo francês, porém foi nas construções
civis que Mamede viria a se destacar como grande construtor da paisagem recifense durante sua
permanência na administração pública de 1850 a 1856.
Segundo Sousa (2000, p. 73-78) os projetos de Mamede Ferreira, nos apontam muitas atitudes do
ensino da academia francesa próximas ao racionalismo, idealizados por Boullée e Ledoux, filtrando,
também influências compositivas da tradição lusitana. Dos projetos realizados pelo engenheiro
107
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
percebemos que os programas se integrariam aos modelos mais modernos vigentes na Europa,
sendo seu universo projetivo não apenas limitado à França, o que o confere ser um profissional que
partia dos meios operacionais para resolução dos seus projetos.
Outro engenheiro engajado nas idéias modernas foi Tibúrcio de Magalhães, formado pela Escola
Militar carioca, também mostrou-se muito integrado nas transformações urbanistas em que a cidade
passava. Um das importantes contribuições do engenheiro foi a reconstrução com alterações de
projeto para o Teatro de Santa Isabel em 1869, no qual incorporou estruturas de ferro e nova
decoração interna, tudo plenamente aprovado por Vauthier.
A construção que validou méritos à Vauthier, e deu permanência ao Recife da predominância nos
projetos franceses foi a contratação do projeto para o mercado público da cidade (1875).
Figura 35 – Vista do Recife tomada do Salão do Teatro Santa
Isabel pelo desenhista Luiz Schlappriz, logo após a sua Construído totalmente em ferro, fabricado na França, que teve como responsável na capital
inauguração em 1850.
Fonte: Freyre, 1940, p.139. francesa o próprio Vauthier, o que julgamos que mesmo distante o engenheiro permaneceu
presente como consultor das obras na província.
Entre outros atores outro engenheiro francês que aportaria na região a pedido do Governo Imperial
foi Victor Fournié, também formado pela École des Ponts et Chaussées, que a partir de 1874 torna-
se diretor da Repartição de Obras Públicas. É do engenheiro a construção do Hospício de
Alienados. Para o projeto o engenheiro utilizou a planta em forma de cruz com quatro blocos
retangulares com pátios centrais. Esse tipo de composição foi muito usado na França para esse
tipo de programa (SOUSA, 2000).
Por meio das atividades desses profissionais percebemos a emergência que a cidade se
encontrava na busca de uma nova civilidade urbana, na realização de obras de utilidade pública
que denotassem o grau de civilidade da capital. Entretanto, se percebermos num panorama geral
108
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A partir da década de 1840, que o recife inaugura o inicio da construção várias empreendimentos
que iriam alinhar a cidade às idéias de progresso e modernidade preconizadas para as cidades
capitais do século XIX. A capital pernambucana foi prosperando gradualmente, com construções
de diferentes naturezas que serviriam de suporte para a nova camada urbana que surgia,
integrando-se no panorama do país aos principais programas desenvolvidos no Rio de Janeiro.
Figura 36 – Assembléia Legislativa e Ginásio Provincial
Fonte: Alepe.
No que se refere ao lazer e fruição as principais construções do período foram:
109
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Quartel (1891);
Iluminação Pública.
No final do império a cidade do recife contava com diversos estabelecimentos públicos, cais
margeavam o rio nas áreas centrais. Árvores amenizavam as vias públicas, iluminadas a gás.
Praças bem cuidadas ocupavam os vazios dos largos. Água encanada e uma rede ampla de
110
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
transportes coletivos (SOUSA, 2000). Além desses aspectos, a cidade mais densa, começa a dar
sinais de metrópole englobando os demais bairros adjacentes.
A França, como referencial para a cultura do século XIX, especialmente no que concerne ao ensino,
posturas administrativas e técnicas, estreita os laços entre as cidades, em busca da modernidade e
civilidade os profissionais se atualizam. Os engenheiros tornaram-se figuras atuantes desse
processo, estando presentes como atuantes nas mudanças do cenário colonial desde os primeiros
anos das províncias.
Entretanto, vieram a se destacar a influencia francesa no processo das duas cidades com o
arquiteto francês Grandjean de Montigny, no Rio de Janeiro, e o engenheiro Vauthier, no Recife.
Ambos já apontados como figuras presentes no discurso da arquitetura de ambas as cidades e do
Brasil, devido às inovações teóricas e práticas herdadas pela produção posterior.
Com o país independente, especialmente no decorrer da regência do Imperador D. Pedro II, cujo
projeto civilizatório muito engrandeceu as artes e os ofícios, as cidades aumentaram virtuosamente
111
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
È importante frisar nesse processo a integração das cidades nesse ideário de progresso cultural.
Tirando o exemplo das duas cidades, podemos perceber o grau de abrangentes assuntos que
assumiam grande importância na apropriação de idéias modernas e civilizadoras.
Das construções que podemos destacar, quase todas, mesmo com as diferenças cronológicas do
período, seguiam uma tipologia moderna, dentro dos seus respectivos programas. Entretanto, é
bom frisar que em muitas cidades, e inclusive no Rio e em Recife, para efetivar muitos programas
acabavam sendo utilizados adaptações de edificações já existentes.
112
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
TABELA 8 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E TIPOLOGIAS EXISTENTES
113
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
TABELA 9 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E TIPOLOGIAS EXISTENTES
114
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
TABELA 10 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E TIPOLOGIAS EXISTENTES
115
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Tendo em visa à redução sistemática do conteúdo, trataremos nos próximos capítulos de apenas
três tipos de programas que estão totalmente envolvidos nos aspectos preconizados na pesquisa: o
lazer, a saúde e a ordem. Procuramos evidenciar, por meio da análise de seis construções do
período, os caminhos que fizesse compreender algumas das principais características dessa
produção. Nos capítulos que seguem, destacaremos a importância das seguintes construções:
116
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
CAPITULO 3
“Um teatro é um monumento consagrado ao prazer. Com que delicadeza, com que cuidado e gosto deve ser presidida sua
construção!. Boullée
3. OS TEATROS
1
Segundo Cavalcanti (2004, p. 172-173) as “Casas de Ópera” eram assim designadas por apresentarem peças teatrais,
cujas encenações teriam o tom musical, quer fossem dramáticas, cômicas-trágicas ou comédias, significando, de um modo
geral, desde os tempos coloniais, o mesmo que teatro.
2
A Igreja desempenhou, durante os tempos da colônia, um papel relevante nas atividades sociais públicas, com as
celebrações litúrgicas, encenações de peças, quermesses e procissões. O caráter profano do teatro, desde os setecentos,
já aponta uma mudança de atitude e comportamento de uma pequena camada urbana; esse desejo de novas formas de
convívio social será consolidado no início do século XIX, não apenas em relação ao teatro, mas também às artes em geral.
N. da A.
117
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Essas casas de espetáculos agitavam camada burguesa emergente, devido ao status social a que
se ligava a cena cultural intelectualizada das cidades. A monumentalidade externa destas
edificações denotava a importância que era dada a esse tipo de programa. Geralmente isolados e
abertos para praças e jardins, apresentavam tratamento arquitetônico de cunho plástico refinado,
cujo impacto causado pretendia modificar, valorizar e destacar o ambiente urbano circundante.
Nesse sentido, a arquitetura, como monumento, eleva-se à categoria de representante dessa nova
ordem social, simbolizando algo além da sua funcionalidade, mostrando-se com uma roupagem
moderna e se associando aos principais modelos internacionais.
A influência italiana nas tipologias de teatro, no qual havia se consolidado desde o século XVI e
XVII na Europa, tiveram papel importante nas alterações internas dos espetáculos, no que dia
respeito à forma de representar. Dentre as principais, podemos destacar a mudança da forma
semicircular do teatro grego, para outras mais inusitadas, como palco em forma de U, oval ou a
elipse truncada, além da alteração nas platéias e na colocação dos camarotes de vários níveis no
lugar das galerias. Além disso, esses teatros eram, em grande parte, providos com uma luxuosa
decoração interna e externa. (LIMA, 2006).
Um dos grandes exemplos a se destacar é o Teatro San Carlo de Nápoles (1737), com seu
auditório em forma de ferradura e seis ordens de camarotes, o teatro de Turim (1738/1740) com um
118
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
auditório de forma elíptica truncada e seis ordens de camarotes e o “clímax” do teatro italiano, o
Scala de Milão (1763-1770) (Pevsner, 1976, p.72-74).
Outros modelos que dominavam o panorama europeu foram os teatros franceses, por sua vez
também influenciados pelos modelos italianos. Segundo Pevsner (1976, p. 76), o Grand Théàtre
Bordeaux (1777-1780) foi o teatro mais ambicioso da França, que colaborou como tipologia de
diversos outros. Nos franceses, prevalece o uso da forma circular truncada para platéia, o largo
uso de colunas colossais, tanto internamente quanto externamente, como forte marcação estrutural,
gerando um único bloco independente.
No Rio de Janeiro, um dos exemplos mais marcantes foi o Teatro Real São João (1813),
considerado, à época, pela historiografia, o mais importante da cidade do Rio de Janeiro
119
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
(Cavalcanti, 2004; Lima, 2000), fato que, por mais de um século, fez com que sua volumetria
representasse um marco simbólico do Largo do Rocio3, dominando a paisagem e enobrecendo
aquele espaço. A monumentalidade da edificação, frente à paisagem edificada do Largo,
polarizava a atenção dos transeuntes, pela clara legibilidade de seus aspectos morfológicos (LIMA,
2006).
Essa configuração espacial seria empregada em quase todos os principais teatros erguidos nas
demais capitais brasileiras. A sua construção também se apresentou como uma nova tipologia,
seguindo os modelos internacionais, que influenciou as demais províncias do país, alterando as
ambiências sociais e ampliando o convívio para os largos e as praças.
Figura 38 – Teatro Santa Isabel, 1855 No Recife, o Teatro Santa Isabel, construído entre 1840 e 1850, inaugura um novo momento de
Fonte: Sousa, 2000, p. 59.
modernização na paisagem da capital, apresentando uma proposta estética diferenciada das
demais existentes, trazendo no seu repertório influências italianas e francesas. Sua consolidação
na paisagem recifense estimulou as atividades artísticas e sociais e se consolidou como palco de
diversos acontecimentos históricos. Segundo Arrais (2000, p. 26), o teatro recifense não foi só
centro irradiador das atividades artísticas da região norte do Império, como também incentivou a
própria construção de teatros em outras cidades.
Para darmos seqüência ao discurso, destacaremos, a seguir, a importância social e construtiva que
se deu com o surgimento dessas duas construções: o Teatro São João, no Rio de Janeiro, e o
Teatro Santa Isabel, no Recife. Apesar da diferença cronológica, tais construções nos vêm apontar
caminhos para compreender o fenômeno ocorrido para o desenvolvimento da arquitetura do século
120
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
XIX, nas duas cidades, ampliando-se para todo o país, a nos fazer perceber até que ponto um
pensamento unitário estava presente na transformação da paisagem colonial para a moderna
oitocentista.
Localizado no Largo do Rocio, o Real Teatro São João, inaugurado em 1813, representou, para a
cidade do Rio de Janeiro, o conceito de monumentalidade em obras públicas, destinado ao lazer,
que serviria de rompimento com o caráter construtivo da arquitetura colonial para esse tipo de
programa.
Segundo Cavalcanti (2004, p.173-174), na cidade do Rio de Janeiro já existiam dois teatros,
surgidos desde o século XVIII, o Ópera Velha e Ópera Nova, ambos pertencentes ao mesmo dono,
Boaventura Dias Lopes. Ambas as construções, segundo o autor, já faziam alusão, em plantas, às
distribuições hierárquicas dos espaços, porém com configuração plástica bem simples.
121
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
muros que encerram a construção, para o Largo em frente, onde a praça ganha grande
importância4.
Cavalcanti (2004, p.178) aponta que os pontos de localização dos teatros, no Largo do Rocio,
refletem uma nova organização do espaço urbano. Logo sua forma monumental modificou a
paisagem e se destacou como referência para muitas outras casas de espetáculos posteriormente
inauguradas no Largo e em suas redondezas. “O Real Teatro São João atraiu para o Largo do Rocio o
genius loci da teatralidade, tanto que permeia todo o século XIX”. (LIMA, s/d).
Apesar da vida curta do teatro em sua forma original – três vezes incendiado e reconstruído –, ele
representou, para a cidade, um dos marcos da arquitetura civil no final do período colonial. A sua
linguagem compositiva em muito se assemelhava à tradição portuguesa, o que fez com que fosse
considerado, por alguns historiadores, um exemplar da arquitetura luso-brasileira (Smith, 1969;
Sousa, 2000). Não se pode negar, entretanto, a moderna e imponente roupagem nele empregada,
4
“A presença do principal teatro da Cidade e das residências aristocráticas que surgiram ao redor do Largo impulsionaram
as atividades intelectuais públicas e privadas que se desenvolveram naquela área”. LIMA, Evelyn Furquim Werneck. “A
Figura 41 – Mapa da Cidade do Rio de Janeiro, 1820. Arquitetura do Espetáculo – Teatros e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia”. Rio de Janeiro: UFRJ
Localização do Teatro em sua configuração original. editora, 2000. P. 41.
Fonte: <http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html>
acessado em 05/01/2009.
122
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Tudo isso que nos leva a crer que, além de representar uma alteração na paisagem da capital, o
teatro configurou-se como um modelo para os grandes empreendimentos públicos que surgiriam no
decorrer do século. Em termos compositivos, ele se apresentaria como um exemplar híbrido,
associando valores tradicionais da arquitetura lusitana e da nova estética internacional.
123
Iconografia Elevação
Teatro Real São João
Dados do Imóvel
Local Largo do Rocio - Praça da Aclamação Fachada principal. Aquarela Thomas Ender, 1817.
Fonte: Lima, 2007, p. 49.
0 1 5
Tombamento
1863 - falece João Caetano e o São Pedro de Alcântara perma- Trecho recortado do Mapa francês ”Plan de la Ville de S. Sebastiao”
datado de 1820 do Atlas Historique e publicado em 1825.
nece aberto, sendo um dos mais frequentados da cidade; Fonte: http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html
O projeto do teatro ficou a cargo do Marechal de Campo João Manoel da Silva, primeiro
comandante do Real Corpo de Engenheiros do Brasil, posto que ocupou entre 1809 e 1821, e um
dos fundadores da Academia Real Militar (1810), dirigindo a mesma instituição em dois momentos
distintos, de 1814 a 1815 e de 1820 a 1821 (Sousa, 38-39). Sobre sua biografia e suas ações
projetuais nas obras públicas da Corte, encontra-se pouca literatura.
Vale salientar que essa nova linguagem arquitetônica, trazida pelo engenheiro, já vinha sendo
Figura 42 – Teatro São João - RJ utilizada em Portugal, de acordo com os parâmetros dos teatros mais modernos da Europa, como o
Scala e o Nápoles na Itália. Um dos grandes teatros neoclássicos de Portugal, o São Carlos de
Lisboa, tinha sido edificado em 1793, nos moldes dos principais teatros italianos, pelo engenheiro
português José da Costa e Silva5, que veio para o Brasil à época da construção do teatro carioca,
em 1811, e se tornou, durante esse período, Arquiteto Geral de Todas as Obras Reais no Brasil.
5
O arquiteto-engenheiro (1747-1819) foi autor do Palácio da Ajuda e do Teatro São Carlos, duas das construções mais
importantes de Portugal, formou-se pela Academia Clementina de Bologna e foi professor da Universidade de Lisboa. N.daA.
125
Figura 44 – Teatro de la Scalla – Milão - Fonte: Toman, 2006, p. 106
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Smith (1969), Azevedo (1969), Lima (2000) e Cavalcanti (2004) apontam que o engenheiro
português José da Costa e Silva participou da construção do teatro, pelas semelhanças formais que
apresenta em relação ao Teatro São Carlos. Nesse sentido, Lima (2000, p. 50) acrescenta que:
O importante no contexto da sua projetação é que ambos os engenheiros, João Manuel da Silva e
José da Costa e Silva, assumiram posturas frente às obras públicas do estado e salientaram o
importante papel dos engenheiros militares que, durante o longo período colonial e o inicio do
Império, buscaram associar seu conhecimento técnico, a fim de capacitar as cidades para uma
nova urbanidade.
A tradição lusitana de ensino militar buscou, desde sua origem, optar pela formação interdisciplinar
dos engenheiros, o que fez com que as obras refletissem interpretações particularizadas do
Renascimento, resultando na hibridez da arquitetura portuguesa. Eles eram capacitados a
Figura 46 – Planta do Nível da Platéia
desenvolver qualquer tarefa requerida pela administração pública, como: orçamentos, vistorias,
Teatro São Carlos – Lisboa.
Fonte : Lima, 2000, p.51.
126
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Vale salientar que o ensino da Academia Militar Portuguesa foi transplantado para o Brasil à época
da inauguração da Real Academia Militar em 1811, priorizando-se, consequentemente, a
racionalidade técnica, e se fazendo uso dos recursos da aritmética e da geometria. A Academia
“abrangia, em sentido lato, o ensino de matemática e ciências, não só útil às aplicações militares no sentido
atual dessa expressão, mas também destinado a profissionais de atividade de engenharia tipicamente civil, de
serviço público”. (BARATA, 1973, p. 46)
Dangelo (2006, p.270) coloca algumas características na mudança da formação dos engenheiros
militares no século XVIII, época em que eles estavam “vinculados, de maneira geral, a uma formação
pragmática, rigorosa, eficiente, baseada na Matemática, na Geometria, e na tratadística clássica mais
conservadora como ponto teórico fundamental, foi difícil para eles se desvencilharem dessa tradição de origem
militarista, ligada à urgência prática”.
O fato do engenheiro José Manoel da Silva ser um dos fundadores da Real Academia Militar nos
força a crer nas suas influências quanto ao partido do teatro, tendo em vista o apuro que esse
demonstra em termos formais6, o que pode ser observado pelas aquarelas de Ender e Debret, além
da historiografia apontar as semelhanças do São João com o lisboeta São Carlos.
A erudição construtiva do teatro, junto com sua tipologia referente aos mais modernos da Europa,
demonstra que seu projetista e idealizador estava bem informado das principais tendências, ao
6
Segundo Nireu Cavalcanti (2004, p. 285) no Rio de Janeiro setentista “os profissionais – projetistas, artistas, artesões etc –
ligados à arquitetura liam, em geral, obras de Vignola, Manoel de Azevedo Fortes, Luiz Serrão Pimentel e José Fernandes
Pinto Alpoim, cujos livros, em língua portuguesa, eram oferecidos pelos diversos livreiros do Rio de Janeiro, de Lisboa e do
Porto”.
127
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
mesmo tempo em que suas referências internacionais simbolizavam o auge desse programa, com
bastante sucesso e prestígio social e político.
No século XVII, na Itália, surgiram significativas mudanças nos partidos e no programa do teatro,
que perduraram e influenciaram várias construções até o final do século XVIII, com a introdução
dos bastidores e a substituição das galerias pelos camarotes, alterações na caixa cênica,
maquinaria, a introdução da galilé.
Para o auditório, foram introduzidas formas seguindo novos estudos para melhor visibilidade, como
o uso de semicircunferência e reta ou “U” alongado, formas sinuosas com concordâncias simétricas
aparentando uma ferradura, sino ou lira, e a geometria da oval ou elíptico truncado, apropriado do
estudo mais aprofundado das curvas cônicas, ou mesmo poligonais regulares. Tais alterações,
Figura 47 – Teatro Tor di Figura 48 – Teatro Argentina
Nona – Itália, 1666. Carlo – Itália, 1732. Marchese diferenciadas da circular dos modelos gregos e romanos, viriam a ser uma das novas marcas da
Fontana Teodoli
modernidade construtiva para esse tipo de programa.
Dentre os modelos italianos mais difundidos, que traziam em seu repertório formal tais
modificações, podem se destacar o Tor di Nona Teatro em Roma, projetado por Carlo Fontana, em
1666; Teatro Argentina, em Roma, projetado por Marchese Teodoli, em 1732; o Teatro San Carlo
em Nápoles, de Medrano e Caresale, de 1737; o Teatro Scala em Milão, de Giuseppe Piermarini,
de 1776. (Pevsner, 1976, p. 72-73)
129
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No final do século XVIII, J.N.L. Durand7 apresenta, no seu "Receuil et parallele des édifices en tout
genre, anciens et modernes" (1799-1801), modelos de tipos arquitetônicos antigos e modernos que
serviriam de referência aos projetistas; e, em 1802-1805, no "Precis des lecons d'architecture
données à l'ecole polythechnique" expõe um método completo de análise e composição construtiva,
onde são expostos os teatros europeus, entre eles, italianos e franceses, como os principais
modelos a serem seguidos pelos formados na École Polytechnique de Paris, cujo regulamento foi
empregado na Real Academia Militar.
Vale salientar, também, que os teatros construídos em Lisboa antes da inauguração do São Carlos,
em 1792, seguiam os modelos compositivos da cena italiana, como o Real Teatro da Ópera do
Tejo, projetado pelo arquiteto e cenógrafo italiano Giovanni Carlo Bibiena, inaugurado em 1755 e já
demolido.
O projeto do Teatro Real São João, já apresentava as modificações ocorridas no programa, sendo
sua planta embasada nos modelos italianos, assim como no teatro de Portugal, com definição
7
Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834) “foi aluno de Boullée e um herdeiro dos ideais da arquitetura do Iluminismo que o
havia precedido. Professor de composição da Ecole Royale Polythecnique de 1795 a 1830, opunha-se radicalmente à
maneira da Académie de estudar a arquitetura pela cópia e analise de edifícios, bem como a divisão de seus cursos em
partes distintas: decoração, distribuição e construção. Alegava que por serem os edifícios diferentes, era improdutivo e
inoperante trabalhar sem uma noção clara dos princípios gerais da arquitetura. Essa divisão, longe de informar o aluno,
conferia-lhe uma visão segmentada da arquitetura tornando-o incapaz da compreensão total desta arte”. OLIVEIRA, Beatriz
Santos de. “A construção de um método para a arquitetura – procedimentos e princípios em Vitruvio, Alberti e Durand”. São
Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, 2002.
130
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
hierarquizada dos espaços internos, na distribuição do público por meio de diversos acessos e,
ainda, limites bem demarcados entre palco e platéia, separados pela orquestra
131
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A semelhança do programa funcional do Real Teatro São João com o Teatro Scala, em Milão, e
com o São Carlos, em Lisboa, demonstra a erudição e apuro técnico do autor do projeto, cujo
empreendimento notabilizou-se pelas características formais adotadas, sendo que poucas
construções civis daquela época ostentavam essa magnitude, o que facilitou o desenvolvimento das
questões referentes ao partido adotado.
Não há registro das plantas originais do Teatro São João; os registros pesquisados foram de fontes
textuais e mapas da época. A planta apresentada está na configuração do nível dos camarotes,
datada de 1908 e, segundo Lima (2000, p. 50), “obedece à mesma projeção da planta original, como foi
possível observar através das análises iconográficas e das descrições de época”. Entretanto, vale salientar
que em alguns mapas anteriores ao primeiro incêndio o prédio não apresentava os dois volumes
laterais dos camarotes; desse modo, diante da hipótese desses volumes, pela falta de iconografia
com que se descreve a aparência exterior e, ainda, por aparentar ser um corpo estranho à
composição como um todo, preferimos não colocá-la nas análises do edifício.
O modelo da fachada principal apresentado foi desenvolvido por meio da aquarela de Thomas
Ender, datada de 1817; segundo nos informa o historiador Moreira de Azevedo (1969), que
descreve externamente a edificação, suas medidas são 300 palmos de comprimento (66m), 130
palmos de largura (28,60m) e 99,5 palmos de altura (21,89m). Por meio dessas informações
secundárias, chegamos a um possível esquema gráfico de como seria sua frontaria, sem nos
aprofundarmos nas outras, pois as imagens e descrições encontradas apresentaram-se vagas
demais para possíveis esquemas.
Figura 55 – Mapa de ocupação da cidade do Rio de Janeiro, 1817. O Teatro São João era dotado de quatro níveis de camarotes, comportava 1.200 pessoas, seguindo
localização do Teatro no Largo do Rocio em sua possível
configuração original, sem os dois volumes dos camarins. a forma elíptica conformando um “U” alongado nos balcões e com seu interior luxuosamente
Fonte: <http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html> acessado em
05/01/2009.
132
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
adornado, como descreve Lima (2000, p. 52): “o novo teatro da Corte tinha o pano de boca pintado por
Jose Leandro da Costa, representando a esquadra da Família Real entrando na Baia da Guanabara. As
pinturas de teto eram de Francisco Muzzi, Manuel da Costa, Jose Leandro e Francisco Pedro do Amaral”.
O partido adotado pelo teatro articulava-se em três corpos: a galilé, com pórticos formados por
arcos plenos em cantaria rustificada, servindo de anteparo às carruagens e que dava acesso direto
ao vestíbulo. O segundo corpo, com dois pavimentos, comportava, no primeiro, o vestíbulo com
ante-salas e escada lateral dando acesso direto ao segundo pavimento, ao salão nobre e ao terraço
sobre a galilé. A caixa de cena elevava-se, formando o terceiro corpo, contendo os acessos aos
quatro lances de camarotes, que apresentavam a forma de “U” alongado – ou fazendo referência à
forma em ferradura ou lira –, galerias de circulação, a platéia, a orquestra, o palco e o apoio e
serviços.
Na fachada principal sobre a galilé articulavam-se as aberturas ao terraço e, acima, três janelas
emolduradas com sobrevergas retangulares, seguidas de um frontão triangular, encimado por
estátuas. Os planos laterais apresentavam duas janelas nos dois pavimentos, encimados por um
telhado em rincão, de uso comum na arquitetura do período colonial. As divisões horizontais das
cimalhas, separando os pavimentos, marcam os planos das fachadas.
As fachadas laterais tinham aberturas, seguindo a disposição em altura das aberturas do corpo
central e, no pavimento de maior altura, havia óculos que permitiam a ventilação dos camarotes
superiores. Outro elemento fortemente empregado na fachada foram os cunhais rustificados em
cantaria, separando em três planos a fachada principal e, separando as aberturas do corpo central,
quatro colunas toscanas apoiavam o frontão triangular sem entablamento e encimado por acrotérios
nas extremidades e ao centro. Pela aquarela de Thomas Ender, pode-se ainda perceber elementos
Figura 56 – Esquema do detalhe do lanternim e dos óculos ou insígnias no frontão triangular e telhas canais na cobertura do teatro.
para adaptação à ventilação e iluminação, detalhe tirado da
aquarela de Tomas Ender.
133
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Ventilações zenitais, ou lanternins, também aparecem nas referências iconográficas, como forma
de ventilação, solucionando o problema da fumaça dos candeeiros que serviam de iluminação, ou
para adaptação aos trópicos, pois esses tipos de programa que se fecham internamente para
apresentações tendem a manter outro micro-clima nos ambientes internos.
Confrontando as volumetrias dos teatros São João, São Carlos e Scala, podemos perceber várias
semelhanças que apontam o tipo do partido adotado, confirmando a importância da localização
hierarquizada, em relação ao espaço circundante com a fachada principal voltada para o Largo do
Rocio, no carioca, para o Largo de São Carlos, no português, e para a Praça de Scala, em Milão.
O corpo central, com galilé e três arcos apontando o acesso e o pavimento térreo rustificado,
encimados com balaustres de pedra no corrimão do terraço panorâmico, é presente nos três
teatros. Ainda no corpo central, fazendo alusão às ordens clássicas, quatro pilares adossadas de
capitel toscano dão ritmo e separam as aberturas na fachada do Teatro São João, iguais ao do
Teatro São Carlos, sendo que, nesse último, no lugar dos pilares, optou-se por colunas. O Scala
apresenta-se com colunas duplas coríntias na parte superior, pilares da ordem toscana. A
rusticidade foi aplicada no teatro carioca apenas no bloco da galilé e nos cunhais, demarcando
estruturalmente a composição diferente dos outros, que seguiram todo pano térreo da fachada
principal.
Para as aberturas, no carioca e no lisboeta, optou-se por trabalhar um número maior de janelas no
segundo pavimento do bloco principal, possivelmente pelas questões climáticas, para melhor
comodidade. Ainda podemos apontar como semelhança entre esses dois teatros o prolongamento
vertical do corpo central diferenciado apenas pelo frontão triangular do Teatro São João e pelo
coroado no São Carlos.
Já no Scala, os três lances de janelas são separadas pelo entablamento, seguindo os preceitos
clássicos, seguido de um frontal triangular e uma platibanda de balaustradas, identificando a
construção com o tipo palaciano neoclássico. Tanto no teatro do Rio de Janeiro quanto no de
Lisboa, não foi adotado o uso de platibanda, elemento em voga nos edificios neoclássicos da
Europa, o que denota uma arquitetura ainda ligada à simplicidade da tradição construtiva
portuguesa.
Segundo Smith (1969, p.123) ambos os edificios acentuam a severidade e a singeleza, não por
motivos arqueológicos utilizados em construções desse tipo para a época, mas sim por adotarem
velhos traços da arquitetura portuguesa, como pilatras dóricas, frontõs lisos, os coruchéus e as
vergas retas com cimalha.
No que concerne aos materiais empregados, sabe-se que Fernando Manuel de Almeida, dono do
teatro, tinha boas relações com as elites no Império e “o construiu com a ajuda de incentivos fiscais,
doações de material de obra – inclusive de pedras das ruínas da Sé Catedral - e de contribuições
da Corte” (CAVALCANTI, 2004, p. 178).
Entretanto, vale salientar que, no inicio dos oitocentos, no Rio de Janeiro, a mão de obra
especializada vinha diretamente de Portugal e passava pelos ensinamentos e práticas de campo.
Além disso, os materiais empregados na decoração interna para esse tipo de construção
possivelmente seriam importados, tendo em vista os poucos recursos materiais das províncias.
135
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O Teatro Real São João demonstrou ser, na época, um dos grandes monumentos da cidade do Rio
de Janeiro, alterando a paisagem e as ambiências do Largo do Rocio. Sua localização estava
próxima a várias outras edificações que, no decorrer do século XIX, iriam suplantar as atividades
importantes da província, como o quartel militar, a Academia Militar, o Paço Imperial e a Igreja,
dentre outras importantes construções. Logo sua imponente composição viria refletir uma nova
organização no espaço urbano, quando vários outros teatros começavam a ser instalados nas suas
proximidades.
A planta de base retangular surge de volumes separados que se articulam em cinco, cujas funções
englobam e definem o programa (figura 61). Essa articulação dava à fachada principal uma
movimentação cuja topologia evidenciava a finalidade da construção. Separados em blocos
retangulares, distribuíam-se no térreo, respectivamente, com a galilé, foyer, bilheterias, sala de
espera e a nave principal, que comportava a platéia o palco e os bastidores. Outra característica
era o fator dinâmico gerado pelos acessos largos aos ambientes, feitos por meio das escadas
distribuídas internamente.
136
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Traduzindo suas influências italianas, podemos observar que o teatro apresenta um padrão
morfológico, segundo a circulação interna do público, muito próximo ao do Teatro de Veneza e o
Teatro Scalla, fato que demonstra uma integração projetual aos cânones, associando os elementos
mais modernos, sem que se perca a autenticidade criativa do seu projetista.
Figura 62 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos teatros que se
encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Real Teatro São João - RJ
137
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A articulação interna dos volumes contingentes também é reforçada pela individualidade de cada
espaço cumprindo papeis distintos, segundo as exigências funcionais e simbólicas, onde cada
ambiente atua dentro desse simbolismo de forma homogênea.
Apesar da configuração linear, tendo em vista o fluxo interno, observamos que a forma elíptica, ou o
quadrado que a circunscreve, representa elemento central, do qual sobressai a maneira da
disposição dos camarotes e da platéia, para defender a melhor visibilidade e acústica. No São
João, não faltou esse cuidado onde optou-se por um desenho mais simples; sua forma elíptica foi
suavizada e alongada, apresentando um “U” levemente curvado nas pontas. (figura 66)
138
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Na busca da unidade das partes com o todo, observamos, pela análise, indícios que nos levam a
crer no uso de retângulos áureos simétricos, fazendo centralidade com quadrado gerador
circunscrito à elipse e agregando os demais ambientes. O mesmo indício é evidenciado na
fachada, conseguindo manter planta e elevação na mesma lógica construtiva.
139
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
140
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No inicio, foi contratado um engenheiro alemão, João Bloem, para coordenar os serviços de obras
públicas; logo depois, em 1840, o francês Louis Léger Vauthier e mais uma equipe de engenheiros
franceses chegam à cidade, bem como, vinda de Hamburgo, uma companhia de 105 artistas
mecânicos e operários, dirigidos pelo engenheiro alemão Augusto Koersting. Com a vinda desses
profissionais especializados, novas técnicas administrativas, construtivas e compositivas são
introduzidas, o que veio contribuir para o aprimoramento da mão de obra local e para a melhor
qualidade e refinamento das construções.
141
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O teatro Santa Isabel, concebido pelo engenheiro Louis Léger Vauthier, diretor-geral de obras
públicas, representou a obra de maior vulto dentro do projeto de modernização idealizado pelo
governador; foi, também, síntese de polêmicas e expectativas da sociedade8.
Marcando a paisagem do Campo do Erário, atual Praça da República, local do antigo Parque de
Friburgo, construído por Maurício de Nassau, foram implantados o Teatro de Pernambuco – como
era chamado antes de sua inauguração – e o Palácio do Governo, construção que participava da
monumentalidade proposta para época, projetado pelo engenheiro Firmino de Morais Ancora9, em
cima das ruínas do Palácio das Torres. A estratégica localização dessas construções, local
bastante privilegiado pelo mar e pontes, ostentou uma nova forma de monumentalidade em
Figura 71 – Praça da Republica – Teatro Santa Isabel e
construções e ordenações espaciais na cidade.
ao Lado o Palácio dos Governadores.
Fonte: Acervo do Instituto Arqueológico de Pernambuco Assim descrevia Pereira da Costa à época (1966, p. 177),
8
“Quando se encontrava ainda nos alicerces, criticas já eram feitas às técnicas e materiais utilizados por Vauthier. Essas
críticas eram feitas, muitas vezes, através da imprensa e, geralmente, traziam os ressentimentos dos profissionais da
Província em relação à contratação dos engenheiros europeus”. Arrais, Isabel Concessa. Teatro Santa Isabel. Recife,
Prefeitura do Recife, 2000.
9
Esse engenheiro, formado pela Academia Militar, era Coronel do Imperial Corpo de Engenheiros e, na época, Inspetor de
Obras Públicas da Província da Pernambuco. Após a chegada do engenheiro Vauthier, o Presidente Rego Barros reformou
a Repartição de Obras públicas e lhe deu novo regimento. Em virtude dessa reforma, o Coronel Moraes Ancora foi afastado
da chefia daquela repartição. (Freire, 1940, p.31, em nota)
142
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Inaugurado em 1850, após nove anos de trabalho, o teatro significou o mais importante espaço de
divertimento e de contato social. Surgia, assim, uma nova era de esplendor, que muito devia às
disposições e beleza plástica do edifício e às excelentes companhias teatrais que por ali passaram,
como a do tão esperado carioca João Caetano, recebido com clima de festa, em 1857. Em 1859, o
teatro recebeu o Imperador D. Pedro II, em visita às províncias do Norte, numa noite de gala
ostentada pela sociedade pernambucana. Segundo Arrais (2000, p.35),
10
Engenheiro formado, em 1855, pela Academia Militar do Rio de Janeiro, serviu como 2º tenente do corpo imperial de
engenheiros e trabalhou no Recife, ocupando o cargo de adjunto de Engenheiro-chefe da Repartição de Obras Públicas de
Pernambuco. Projetou, em 1868, o Teatro da Paz, em Belém do Pará, ganhando status e notoriedade como projetista de
várias obras importantes na província.
143
Iconografia Elevação
Teatro Santa Isabel
Dados do Imóvel
1880 - grande parte das conferências abolicionistas, proferidas Trecho recortado da «Planta da Cidade do Recife e de seus Arrabaldes»,
por Joaquim Nabuco, são feitas no Teatro; 1878. Lithographia a Vapor de F. H. Carls.
Fonte: Museu da Cidade do Recife
1916 - uma grande intervenção é feita para dotar o teatro de
melhor infraestrutura e para reparos gerais;
Referências Bibliográficas
1936 - outras intervenções são feitas dando andamento ao pro- 1 - COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos - 1834 -1850.
jeto de reformas gerais da capital; Vol. X. Recife, Arquivo Público Estadual, 1966.
0 1 5
1949 - o teatro é Tombado pelo Sphan; 2 - FREYRE, Gilberto. Um Engenheiro Francês no Brasil. Rio de
Janeiro, Ed. José Olimpio, 1940.
1950 - comemoração do centenário do Santa Isabel;
3 - ARRAIS, Isabel Concessa. Teatro de Santa Isabel. Recife,
1970-77 e 1983-85 - obras de restauração são feitas; Fundação da Cultura da Cidade do Recife, 2000.
2000 - foi iniciada uma outra reforma que exigiu intervenções 4 - Arquivo Público Estadual de Pernambuco.
para assegurar a preservação do prédio e retomar
algumas feições originais.
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Louis Léger Vauthier (1815-1877) chega ao Recife em setembro de 1840, com 26 anos de idade,
convidado pelo governador da Província para o cargo de engenheiro de Obras Públicas, ocupado
até então por outro engenheiro francês, J. Boyer11. Logo recebe a tarefa de projetar o Teatro
Pernambucano, a construção que evidenciaria a postura modernista da atual administração.
11
Boyer foi o autor do primeiro projeto para o Teatro de Pernambuco, sendo recusado pelo governo, em 1840
145
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo Lucio (2000, p. 20), seu contrato inicial com o governo da Província de Pernambuco era
de três anos, de 1840 a 1843, renovado, em seguida, por mais três, até 1846. Terminado o
compromisso, retornou à França, de onde, à distância, acompanhou o andamento das obras por ele
encaminhadas para o plano de melhoramentos da cidade, como a reconstrução do teatro e a
construção do Mercado de São José, todo projetado em ferro pelo engenheiro J. Louis Lieuthier, em
1871.
Figura 73 – Théàtre Odeon – París
Segundo Freire (1940, p. 127), para o projeto do teatro, o engenheiro tomou como modelo
Fonte: Sousa, 2000, p. 54
modernos teatros franceses, adaptando-o às condições climáticas da região. Na França, os
modelos seguiam o estilo neoclássico; construídos no século XVIII, já traziam as mudanças dos
principais teatros italianos e mantinham suas especificidades, ostentando a monumentalidade
plástica dos templos greco-romanos nas fachadas e decorações internas. Dentre os mais famosos
e influentes destacam-se o Lyons Théàtre, de J.-G. Soufflot (1754), o Grand Théàtre de Bordeaux,
de Victor Louis (1777-1780) e a Théàtre de l’Odeon, de Marie-Joseph Peyre e Charles De Wailly
(1779-1782), dos quais o engenheiro Louis Léger teria conhecimento.
É importante frisar que tanto as construções francesas quanto as italianas estariam presentes no
repertório do livro de J.N.L. Durand, “Récueil et parallèle des édifices de tout genre, anciens et
146
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
modernes, remarquables par leur grandeur ou par leur singularité, et dessinés sur une même
échelle”, publicado em Paris, em 1799-1801, tendo sido tal livro bastante difundido nas Academias
durante o século XIX e adotado na École Polytechnique. (Ver figura 51)
Em seus escritos, Vauthier também cita dois importantes teatros europeus, o Teatro de la Scala de
Milão e o Teatro português São Carlos (Sousa, 2000, p.53), apontando possíveis influências para a
adoção do partido arquitetônico, que externamente pouco aparentava com os principais exemplares
franceses.
Segundo Sousa (2000, p.53), o engenheiro francês tinha conhecimento dos três teatros importantes
que já haviam sido construídos no país, no Rio de Janeiro, em Salvador e em São Luís13, e que lhe
serviram de inspiração na adoção do seu partido, “mas ele estava ciente dos condicionantes ponderáveis
impostos pelo meio recifense, entre os quais se destacavam a tradição das práticas construtivas e a limitação
dos recursos materiais, humanos e financeiros” .
O projeto do teatro já em planta foi alvo de polêmicas e expectativas por parte da população, pela
contratação de mão de obra estrangeira, pelos custos elevados, técnicas e materiais que seriam
empregados. Queixas nos jornais que circulavam à época eram constantes, com dúvidas sobre a
construção de um bom teatro, onde eram solicitadas alterações e modificações no projeto. Muitos
conservadores não queriam tanto afrancesamento nas tradições locais.
13
Na tradução do Diário de Vauthier, publicado em 1940, por Gilberto Freyre, segue uma passagem que informa o
conhecimento do engenheiro sobre os principais exemplares do Brasil: “Não há muito tempo, o Teatro de Pernambuco era o
Figura 75 (topo esquerda) – Teatro Scalla – Itália
Figura 76 (topo direita) – Teatro São Carlos – Portugal mais belo do Brasil, mas agora o de São Luiz do Maranhão, Baía e Rio de Janeiro o suplantam consideravelmente. Esses
Figura 77 (inferior esquerda) – Teatro Bordeaux – França vários teatros são recentes”. VAUTHIER, In FREIRE, 1940, p. 58)
Figura 78 (inferior direita) – Teatro São João – Brasil
Fontes: Pevsner, 1976, p.75; Lima, 2000, p.51
147
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Durante sua permanência na Repartição de Obras Públicas, ele cuidou da construção do Teatro
Apolo14, projetado pelo arquiteto carioca Joaquim Lopes Barros Cabral e Teive, formado pela
Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e que, posteriormente, foi chamado para
elaborar algumas pinturas do interior do Santa Isabel. A importância desse fato sugere já uma
possível comunicação com os acontecimentos na capital Imperial, colocando possíveis
investigações feitas pelo engenheiro durante o processo construtivo do Teatro.
Sousa (2000, p. 55) vai apontar que é com o Real Teatro São João do Rio de Janeiro que o Teatro
Pernambucano mais se assemelhava, segundo a concepção volumétrica, bastante diferenciada das
concepções francesas, as quais o autor preferiu usar no interior. Sobre os dois teatros, o autor
coloca que:
Vale salientar que o Real Teatro São João configurou-se como um exemplar da construção luso-
brasileira, a qual seguia alguns aspectos compositivos dos engenheiros militares brasileiros, como a
simplicidade pela geometrização das formas, a racionalidade e economia, além do pouco uso dos
recursos clássicos. É importante frisar, também, que a presença na época do engenheiro militar
14
Segundo Sousa (2000, p. 42): “o Teatro Apolo mostrou ao Recife uma forma de compor arquitetura classicista adotada no
Rio de Janeiro e ligada a influencias oriundas da Academia imperial de Belas Artes”.
148
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Moraes Âncora, que tinha forte influencia, sobre os aspectos políticos e construtivos da capital. O
fato de ser formado pela Academia Militar do Rio de Janeiro, demonstra que ele tivera contato com
o modelo do Teatro São João e possivelmente pode ter abordado tal configuração como exemplar.
149
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Acompanhando o programa funcional característico dos teatros modernos europeus, seu autor
apresentou a proposta formal singular à província de Pernambuco. Poucas construções
apresentavam tal monumentalidade e apuro construtivo, fato que ganhou desde cedo projeção de
grande importância. Localizado em uma área de grande importância histórica – jardins do antigo
palácio das Torres de Nassau – às margens do Capibaribe e fazendo frontaria para a antiga Praça
do Erário Régio, posterior Praça da República.
Diferente dos teatros franceses, cujas fachadas configurariam grandes templos gregos, envoltos de
colunas colossais, ambientes se articulavam dentro de um imenso bloco retangular. Externamente,
o exemplar recifense possuía volumetria movimentada por blocos retangulares, que distribuem as
funções de cada ambiente, apresentando-se distintos nas elevações, como no Teatro Scala e no
Teatro São João.
O edifício apresentava dois andares rodeados de portas e janelas em arco pleno; óculos elípticos
acima das janelas do primeiro pavimento, lembrando às do Grand Theatre Bordeaux, destacavam o
corpo central que se elevava dos demais volumes.
As divisões das funções internas seguiam os mesmos padrões dos teatros italianos, já utilizados
pela tradição luso-brasileira, como a galilé ou proteção de acesso de entrada, cuja estrutura serviria
de suporte para um terraço aberto e, na parte superior, um salão nobre, decorado e mobiliado
luxuosamente, para pequenas apresentações ou reuniões sociais.
de Lisboa, cujo critério de adoção poderia ter sido para assegurar o uso da tradição local. Por
motivos de economia, o emprego da pedra ficou limitado à galilé e ao primeiro plano da fachada,
mais especificadamente nos pilares, colunas, entablamento e cercaduras das aberturas.
A galilé estava disposta com cinco aberturas em arco pleno, ornada com dez colunas encimadas
por um terraço ladrilhado de mármore e corrimão de balaústres e pilastras de cantaria levemente
rustificada, de uso comum, como já citado, nos teatros italianos. O bloco do foyer distribuía as
funções da bilheteria, guarda, e espera. No bloco principal, corredores largos ladeavam a platéia
para facilitar o acesso aos camarotes nas extremidades.
Um dos materiais utilizados por Vauthier, encomendados da França, foi a ardósia, até então nunca
utilizada na província, cujo travejamento cobria todo o plano da coberta, dividida em apenas duas
águas, cercado por platibanda cheia. A fineza dos acabamentos e da ornamentação deu-se pela
mão de obra francesa, introduzindo novas técnicas de construtivas diferentes das praticadas na
província, como a modelagem de ornamentos em formas separadas e especificas e o
madeiramento da estrutura do teatro, dentre outras.
O teatro possuía quatro ordens de camarotes, cada um com 21 unidades, incluindo dois proscênios.
Na primeira ordem de camarotes, grades de ferro com motivos florais circulavam toda sua
extensão, sendo que, ao centro deles, encontrava-se uma pequena galeria, o que se repetia na
quarta ordem de camarotes.
Em cada ângulo da platéia existiam colunas da ordem coríntia, que se estendiam do chão ao teto e
destacavam as pinturas de figurações teatrais e o teto ornamentado, cujo partido muito se
aproximava do teatro francês Bordeaux, assim como a configuração da platéia e dos camarotes,
Figura 85 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro que, em planta, seguiam a lógica circular (Pevsner, 1976, p.78), concordando nas extremidades
Bordeaux. Fonte: Pevsner, 1976, p. 77.
Figura 86 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Santa arredondadas e remetendo à figuração tradicional da lira ou ferradura.
Isabel. Fonte: Moura, 2008, p.25.
Figura 87 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro
Scalla. Fonte: Tenon, 2006, p. 106.
151
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Nas plantas originais, encontradas do projeto do teatro, observamos especificidades deixadas por
ser autor e logo percebemos alguns indícios de sua proposta compositiva. Embora seu projetista e
construtor fosse um engenheiro francês, algumas características peculiares demonstram uma
integração não apenas com seu universo projetivo, mas com o da província ou mesmo do país.
Segundo o padrão apresentado na figura abaixo, percebemos a integração dos diversos modelos, o
francês, o italiano e o brasileiro, Teatro São João, estando mais próximo desses dois últimos no que
concerne às distribuições das circulações internas.
Figura 88 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos teatros, que se
encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Teatro Santa Isabel - Recife
152
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Como era comum para esse tipo de programa, a planta de base retangular e simétrica, postos que
não irão faltar na composição do teatro; sua configuração plástica distancia-se dos modelos
franceses, formando suas ambiências internas através de um imenso bloco retangular, geralmente
ladeado de colunas colossais.
A volumetria do Teatro de Santa Isabel articula-se em quatro blocos de distintas funções, a galilé de
entrada, o bloco do foyer e salão nobre, a platéia, camarotes e palco e o quarto bloco englobando
os demais serviços de apoio do edifício. (figura 89)
Dos quatro volumes, o terceiro bloco, maior, destaca-se por sua principal função e, ainda, por
apresentar uma forma diferenciada dos demais blocos retangulares, próxima a um prisma
Figura 89 – Volumetria do Santa Isabel articulada em quatro hexagonal deitado. Dessa figura central os contingentes com ela se articulam simetricamente e se
Blocos: galilé, foyer, platéia- palco e serviços.
destacam por apresentarem conteúdos individualizados.
Outro ponto a destacar é que, apesar dessa centralidade, a distribuição e movimentação interna se
fazem por um caminho linear, cujo acesso é destacado pelo bloco da galilé. Tal linearidade vai ao
encontro do dinamismo e ordenamento impostos pelo programa, em que uma das funções seria a
de abrigar um considerável número de pessoas acomodadas.
Largas circulações apontam uma busca por ordenamento, juntamente com a localização das
escadarias de acesso aos camarotes superiores. Acessos laterais, no plano geral, também se
articulam segundo a distribuição do eixo de circulação principal. O cuidado com a boa visibilidade
das apresentações também é tomado, segundo o eixo principal. (figura 94)
A estrutura do edifício também participa de uma organização linear (figura 93 e 94), que se
apresenta traduzida em um sistema de coordenadas de maneira simétrica e equilibrada em relação
ao seu eixo longitudinal, evidenciando as extremidades dos encontros como principais pontos de
apoio e de força, reforçando a individualização dos espaços e, ao mesmo tempo, unem de maneira
154
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 93 – Relação planta-elevação dos Figura 94 – Traçado de eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e
eixos estruturais. Organização linear, possível indicações dos acessos. Observação da linearidade na organização do Teatro.
distribuição de eixos configurando uma malha.
A busca pela unidade fica bastante clara, tanto na linearidade proposta quanto na conformação de
sua estrutura e sua implantação. Ao procurarmos indícios de um traçado regulador na busca de
uma unificidade das partes com o todo construído, observamos que o seu volume principal gera
uma articulação criteriosamente geométrica; tomando partido dessa especificidade, tanto na planta
geral quanto na elevação principal, surge um padrão compositivo, segundo as formas elementares
do hexágono e dodecágono.
155
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Os dois teatros apresentados, o Real Teatro São João e o Teatro de Santa Isabel,
empreendimentos de grande importância de valor histórico, foram marcos de um novo tipo
construtivo, diferente dos anteriores existentes até o momento de suas construções nas duas
cidades.
Dentro do universo compositivo dos seus projetistas, o engenheiro português João Manuel da Silva
e o engenheiro francês Louis Léger Vauthier, os modelos internacionais foram trazidos para cá
como símbolo de modernidade, traduzidos sob as especificidades de cada profissional e
157
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
demonstrando que para cada projeto não havia uma única influência. Ambos construtores,
souberam utilizar os modelos mais consagrados para a configuração plástica dos seus teatros.
(figuras 98 e 99).
O predomínio do partido dos teatros italianos é uma evidencia encontrada nas duas construções,
especialmente pela presença de elementos como a galilé, encimada por terraço panorâmico, e de
um salão nobre para pequenas apresentações e reuniões sociais. (figura 99)
Tal fato demonstra a integração dos seus projetistas ao panorama mundial, e até local no caso do
Teatro Santa Isabel, e as preferências compositivas individuais, assumindo, com suas
particularidades, um caráter específico para o contexto de cada capital.
Observando os aspectos formais das duas construções, encontramos pontos em comum entre os
dois teatros tais como:
presença de material nobre como a cantaria em pedra portuguesa sob um trabalho rústico;
frontão triangular;
158
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
articulação dos espaços internos sob organização linear feita por meio de eixos estruturais;
As diferenças entre as duas construções parte das afinidades do Teatro de Santa Isabel aos
modelos franceses (figura 97), onde podemos destacar:
presença da platibanda;
159
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 98 – Análise Comparativa entre os principais teatros franceses (Bordeaux, Comédie Française, Lyon) e os teatros brasileiros segundo padrões tipológicos.
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 99 – Análise Comparativa entre os principais teatros Scalla e San Carlo na Itália, Teatro São Carlos em Lisboa e os teatros brasileiros segundo padrões tipológicos.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Das afinidades entre os dois teatros, podemos perceber e concluir visualmente, fazendo uma
analogia entre ambas as construções e sua organização espacial e plástica, o seguinte:
Os seus construtores souberam bem mesclar os ensinamentos das Academias, que tinham se
destinado a associar o conhecimento técnico ao apuro formal, traduzidos em dois exemplares que
configurariam modelos singulares dentro do panorama internacional.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
CAPITULO 4 – SAÚDE
“A arte de produzir imagens na arquitetura provém dos efeitos dos corpos e é o que constitui a poesia”. Boullée
4. O HOSPÍCIO E O HOSPITAL
No século XVIII, na Europa, a questão da salubridade pública foi tema de discussões, por parte de
governadores, médicos, engenheiros e arquitetos, sobre pesquisas e empreendimentos, com a
intenção de amenizar a situação caótica causada pelas grandes epidemias. Dessas discussões,
medidas importantes foram desenvolvidas sobre melhorias salutares da paisagem urbana e dos
ambientes de tratamento de doenças.
Segundo Pevsner (1976, p.139), hospital, hospício, albergues e hotéis são termos derivados do
latim hospes, o hospedeiro ou o hóspede. A variedade de termos traduz a variedade de funções
que eram exercidas pelo hospital medieval e vai durar por um longo tempo, até os estudos de J.R.
Tenon e Bernard Poyet 1 . O trabalho desses dois autores proporcionou melhoramentos, em termos
funcionais e técnicos, para os problemas insalubres dos ambientes internos das casas de saúde;
além disso, serviu de base para as mudanças ocorridas na estrutura hospitalar nos períodos
subsequentes.
1
J. R. Tenon – cirurgião francês publicou em 1788, Mémoires sur les hôpitaux de Paris. Estudo que trouxe recomendações e
normas para os ambientes internos dos hospitais dentro da perspectiva terapêutica. O arquiteto Bernard Poyet, que
trabalhou com Jacques Tenon no desenvolvimento de soluções espaciais apresentadas na obra Mémoires sur les hôpitaux
de Paris, também desenvolveu teoricamente as questões acerca do funcionamento dos hospitais (SILVA, 2001).
164
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo Silva (2001), diversos hospitais projetados e construídos a partir da segunda metade do
século XVII e durante todo o século XVIII já foram concebidos sob a ótica dos problemas de
higienização dos espaços. Segundo o autor, “à época, já existia uma preocupação de propor e de
resolver, ao nível do projeto, questões tais como a salubridade da edificação (aeração, iluminação, disposição
dos leitos, limitação do número de pacientes por leito e por enfermaria)”.(SILVA, 2001)
Figura 100 – Desenho para o Hotel Dieu –
Bernard Poyet – França , 1785 Em 1456, Florentine Filarete projeta o Ospedale Maggiore de Milão, cuja distribuição das alas, em
Fonte: Pevsner, 1976, p. 152.
forma de cruz, seria o tipo de composição usada por muito tempo até os estudos de Tenon e o
surgimento do conceito panótico introduzido por Jeremy Benthan 2 , presente no modelo idealizado
no projeto de Bernard Poyet para o Hotel-Dieu de Paris em 1785.
Um dos fatores de maior avanço nos estudos dos ambientes hospitalares foi a separação dos
ambientes em pavilhões, distinguido os ambientes masculinos e femininos, por enfermidades e
pelos diversos serviços inseridos no contexto médico. O modelo sublimar, carregado dos preceitos
de Tenon, sobre melhor aproveitamento dos espaços e distinções das funções internas, foi o
hospital Lariboisière (1839-1854) de Paris projetado pelo arquiteto M.P. Gauthier.
2
Jeremy Benthan (1748 – 1832), foi filósofo e jurista Inglês que difundiu a teoria do utilitarismo ou panoptismo que
corresponde à observação total, a tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo.
165
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Um aspecto importante a se destacar foi o papel das elites intelectuais no desenvolvimento das
atitudes e do pensamento higienista do Império, inspiradas pelas mudanças ocorridas nas cidades
européias, especialmente em Paris, e pelos conhecimentos provenientes da Academia Francesa de
Medicina. A atuação dessas elites ficou marcada pela influência política nas discussões sociais da
época, o que intensificou a necessidade de mudanças nas instituições existentes e estimulou a
criação de novos equipamentos públicos.
O Hospital Pedro II, no Recife, configurou-se como mais um símbolo da fase de grandes
construções ocorrida no século XIX; sua implantação foi iniciada pelo governador Francisco do
Rego Barros, a partir dos Planos de Melhoramento da Cidade, e dos estudos de Vauthier, que
deram à cidade o título de capital da província. A inauguração do Grande Hospital, como era
chamado na época, serviu para as mais variadas funções de um ambiente de saúde, tais como,
Figura 103 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, fotografia de asilo, hospital, hospício, dentre outras, indicando a carência desse tipo de programa em que se
Victor Frond, 1859
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ encontrava a região do nordeste.
166
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Desde a sua fundação, o Hospício exerceu uma função específica no que concerne às questões de
ordem e salubridade, além de representar um dispositivo médico, legal e social para as demandas
emergenciais da Santa Casa de Misericórdia. Tanto sua função quanto sua forma monumental
funcionaram como requisito de uma paisagem civilizada, que refletiu nas demais províncias do
Império.
Sua localização, separada do zoneamento urbano, onde, aliás, já existia uma enfermaria para os
alienados sustentada pela Santa Casa, foi estratégica. No entorno do local existiam poucas
construções, deixando o Hospício praticamente isolado entre o mar, à frente com seu porto, e as
montanhas limítrofes, tendo de um lado a estrada que ia para o forte da Praia Vermelha e, do outro,
Figura 104 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, 1905 o caminho de Copacabana. Essa situação era reforçada não apenas pela posição geográfica, uma
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ
vez que o Hospício era afastado da cidade, mas também por sua organização espacial interna, pois
se constituía num espaço fechado, com uma única entrada vigiada.
O terreno comprado pela Santa Casa de Misericórdia, das chácaras de Vigário Geral e da Capela,
3
foi cedido pelo então provedor José Clemente Pereira grande idealizador do empreendimento.
Como ator principal da construção de um edifício exemplar para abrigo dos alienados – que, por
sua vez, encontrava-se em péssimas condições de acomodação e cuidados nas poucas
3
José Clemente Pereira nasceu em 17 de fevereiro de 1787, em Trancoso, Bispado do Pinhel, em Portugal. Estudou na
Universidade de Coimbra, onde se graduou em Direito e Cânones. Durante a invasão napoleônica, em 1809, lutou como
soldado do Batalhão Acadêmico, cujo comandante era José Bonifácio de Andrada e Silva, chegando a tornar-se oficial. Para
não se manter longe do centro da Monarquia, José Clemente veio para o Brasil no rastro da Corte portuguesa, chegando ao
Rio de Janeiro em 12 de Outubro de 1815. Na capital, viveu alguns anos praticando a advocacia, até iniciar sua carreira
pública e política.
167
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A Academia Imperial de Medicina também teve papel importante na construção do hospital, sendo
uma de suas prioridades implementar um hospital moderno, segundo os padrões científicos de
tratamento dos doentes da época. Entre as idéias preconizadas pelos médicos da Academia,
estavam a mudança de local do cemitério, a criação de enfermarias separadas para as doenças
contagiosas e a construção de um espaço de tratamento específico para os alienados.
Caetano, (1993, p.76) vai salientar que “no Brasil, o Hospício de Pedro II assinala a gênese da psiquiatria
brasileira. A criação do Hospício está diretamente ralacionada com a implantação das Faculdades de
Medicina, em 1832”.
A pedra fundamental é lançada em 1842, tendo como chefe o engenheiro-arquiteto José Domingos
Monteiro, autor do traçado do projeto, que também teve participação de mais dois engenheiros-
arquitetos, Joaquim Cândido Guillobel e José Maria Jacinto Rebelo 4 , que fizeram acréscimos e
modificações no decorrer de sua execução.
4
Domingos Monteiro era arquiteto-engenheiro, militar e integrante do Real, depois Imperial Corpo de Engenheiros. Foi
nomeado arquiteto das Obras Nacionais por Decreto de 16 de março de 1830, em substituição a Pedro Alexandre Cavroé,
para atender às obras do Salão do prédio do Senado, antigo Palácio do Conde dos Arcos.
o
Joaquim Cândido Gulhobel, engenheiro português veio para o Brasil em 1811, com 24 anos de idade, foi promovido a 2
Tenente ‘para exercer as funções de desenhador do Arquivo Militar. Em 2 de janeiro de 1834, foi nomeado ajudante do
Professor de Desenho da Imperial Academia Militar, tendo sido efetivado, dois anos após, como Professor da Cadeira de
Desenho Descritivo e de Arquitetura Militar. Foi aluno de Grandjean de Montgny nas aulas de arquitetura civil da Academia
de Belas Artes. Em 1835, assumiu o cargo de Inspetor das Obras Públicas.
José Maria Jacinto Rebelo, também cursou a Imperial Academia das Belas Artes, durante três anos, tendo sido premiado na
classe de Pintura de Paisagem, em 1835 e 1836. Em 1838, matriculou-se na Academia Militar, formando-se em novembro
168
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O edifício foi inaugurado em 5 de dezembro de 1852, com metade da obra concluída, sendo que a
solenidade de inauguração teve a presença da Família Imperial, do Corpo Diplomático, Ministros de
Estado e Irmãos da Santa Casa. As obras foram concluídas em 1855, ocasião em que o hospital
passa a funcionar com sua capacidade máxima de operação, atendendo a todo o estado do Rio de
Janeiro e, também, a Minas Gerais. Em 1862, o Pedro II comportava 384 alienados em tratamento,
quantidade maior do que a capacidade para o qual foi projetado, que era de 300 pessoas.
(Caetano, 1993, p. 95)
Segundo Caetano (1993, p. 90) a organização terapêutica dos espaços seguia três distribuições
básicas: sexual, econômica e, finalmente, comportamental. A divisão sexual seguia a divisão de
lados separados para homes e mulheres. A divisão econômica baseava-se em pensionistas de
primeira classe, com quarto individual, segunda classe, com quarto para dois alienados, terceira
classe e indigentes, com enfermarias para quinze pessoas. A divisão comportamental separava os
alienados tranqüilos limpos dos agitados, imundos, e acometidos de moléstias acidentais.
Esse sistema de organização interna configurou-se como um dos principais atributos da construção,
pautado nas idéias relacionadas à garantia da salubridade. Essas idéias foram difundidas na
França, desde o século XVII, sendo que, no Brasil, a Academia de Medicina toma a iniciativa de
defendê-las e trazê-las à realidade do país. Vale salientar que, na época em que estava sendo
idealizado o projeto do hospital, o provedor da Santa Casa, Clemente Pereira, no intuito de facilitar
o desenvolvimento de tal programa, enviou para a Europa, em 1845, o médico Antônio José Pereira
169
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
das Neves, com a missão de estudar detalhadamente o tratamento recebido pelos alienados na
França, Bélgica, Alemanha, Inglaterra e Itália.
A função terapeutica, que se configurava como uma das tomadas de posição segundo os modernos
métodos de tratamento, foi fortalecida, em 1854, com a criação de oficinas de trabalho para os
pacientes, cujos resultados foram bem evidenciados no decorrer do desenvolvimento das terapias,
durante as quais sempre era solicitada do hospício mão de obra para diversos serviços domésticos
e profissionais.
O hospital cumpre sua função, a demanda que sustentava reflete as necessidades daquele
momento de desenvolvimento da capital, tanto na ordem de organização e limpeza quanto de
saúde e desenvolvimento científico.
O edificio, como se encontra atualmente, foi consolidado a partir das reais necessidades de
ampliação segundo as melhorias nos tratamentos; de 1890 a 1893, foram acrescidas mais seis
alas, com dois pátios internos e duas novas construções anexas. Sobre as mudanças, Caetano
(1993, p.156) vai salientar que:
Figura 106 – Frontaria do Hospício Pedro II. foram construídas guaritas de vigia para observar os alienados que
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ circulavam nos dois pátios. Era uma recriação modesta da torre de
Panóptico, citada por Foucault. Entretanto, os corpos que ligavam os ex-
torreões ao corpo da capela continuaram com um pavimento.
É nesse período, também, que o Pedro II torna-se o Hospício Nacional dos Alienados,
desvinculando-se da Santa Casa de Misericórdia, passando a fazer parte do corpo institucional do
Estado.
170
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Com a continuidade das novas administrações do hospital, séries de mudanças foram sendo feitas,
dotando-o de melhorias na infra-estrutura e de novos espaços anexos, destinados a outras
especialidades de tratamento, segundo as atitudes médicas vigentes em cada período.
Calmon (2004, 3° ed. p. 85) irá observar que o hospício foi um marco importante no contexto
histórico daquela região e, ainda, que sem funcionar, “ficava deserto, com os extensos sinais de ruína
dando-lhe o aspecto lamentável de um casarão do passado, sem serventia, sem utilidade, o palácio que
perdera o motivo de subsistir entre as luzes e os ruídos de um bairro moderno: abandonado, imprestável,
imenso...”
171
Hospício Pedro II Elevação
Dados do Imóvel
Cronologia Histórica
1857 - construção de casas anexas para oficinas de trabalho; Esquema gráfico da cronologia construtiva do conjunto arquitetônico
O projeto do Hospício Pedro II contou com três arquitetos, que emprestaram especificidades
particulares, representando o universo projetivo de cada um.
O primeiro autor do projeto, José Domingos Monteiro, era engenheiro militar português, integrante
do Real Corpo de Engenheiros, foi encarregado tanto da execução do projeto quando das obras de
construção. Após a saída de Monteiro, mais dois engenheiros militares, com formação artística da
Academia Imperial de Belas Artes, colaboraram com modificações importantes para melhor
concepção da obra. Foram eles, Joaquim Cândido Guilhobel, que contribuiu com o desenho do
pórtico do acesso principal e os sistemas infra-estruturais do edifício, e José Maria Jacinto Rebelo,
autor do volume destacado da Capela, dentre outras contribuições estéticas.
Os três projetistas tinham experiência no que concerne a grandes obras e trabalharam no setor de
obras públicas da capital. Participaram, também, do projeto de reconstrução do Hospital Geral da
Figura 107 – Detalhes de combinações horizontais Santa Casa de Misericórdia, cuja planta seguiu os preceitos e distribuições internas de um edifício
Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand,
1823. pavilhonar, demonstrando que estavam atentos aos modelos vanguardistas da época; além disso,
Fonte: BOR – Biblioteca de Obras Raras da UFRJ
esses modelos circulavam no meio intelectual médico, segmento que ao qual pertenciam os
principais clientes desses empreendimentos.
Rocha-Peixoto (2004) faz importante abordagem sobre o universo projetista dos dois últimos
autores do projeto, apontando que, apesar de terem sido discípulos de Grandjean de Montigny,
seus projetos tinham diferenças substanciais em relação às realizações do mestre francês.
Segundo o autor:
173
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O que chama atenção, também, é a forma modular em que se configuram tais construções,
formuladas dentro de um enquadramento sistematizado e definido. No seu Recueil et parallèle,
J.N.L. Durand cita alguns hospitais importantes pela sua primazia; entre eles estão o Ospedale
Maggiore, em Milão e o Stonehouse, em Plymouth, Inglaterra, colocados em pranchas, como
Figura 108 – Detalhes de combinações horizontais
Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. exemplos a serem seguidos. Ambas as construções de partidos diferenciados representaram
Fonte: BOR – Biblioteca de Obras Raras da UFRJ
174
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
grandes avanços para a época e foram utilizadas sucessivamente em diversos hospitais pelo
mundo.
Podemos notar que, segundo o ensino da Academia Militar, preconizado pela Escola Politécnica
francesa, os ensinamentos estavam baseados nos pensamentos modernos, pautados nas questões
econômicas e racionais que sustentavam características funcionais, para cuja escolha do partido
seguiam-se sempre as construções mais consagradas.
O Hospício Pedro II conta com uma planta de base retangular, com alas que ladeiam um pátio
central, cujos eixos simétricos seguem o princípio das plantas em forma de cruz, segundo o modelo
Ao fazer uma analogia entre a planta do Pedro II e a do Maggiore, percebemos algumas afinidades
tais como: a composição dividida em três partes com eixo central de simetria; três acessos na
fachada principal; o uso de alas que circundam um pátio central; ambas possuem uma capela ao
centro e uma grande extensão horizontal. A distribuição dos ambientes constitui-se de alas ou
braços da cruz, sendo que no hospício carioca optou-se por usar uma composição reduzida ou com
meia cruz.
Figura 110 – Planta do Hospício Pedro II, segundo sua concepção Segundo Pevsner o modelo de planta em cruz perdurou até inicio do século XVIII, quando o modelo
original.
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ panótico radial e a composição pavilhonar o sobrepujaram. Vale salientar que muitas construções
seguindo essa tipologia de planta adaptaram torreões nas extremidades dos blocos retangulares,
como forma de controle e vigilância da população interna, como aconteceu na França com o
Hospital dos Incuráveis (1635-1649).
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Outra analogia que podemos apresentar foi o destaque dado por Rebelo ao volume elevado da
capela, cuja configuração segue muitas características das casas de saúde francesas, como o
Hotel dos Inválidos (1670), o Hotel Dieu (1741) e o Hospital Saint-Louis (1788).
Segundo sua função específica, outra característica do projeto foi sua idealização segundo os
conceitos de hospitais terapêuticos europeus. Na Europa, durante os séculos XVII e XVIII, diversos
asilos foram substituídos por manicômios, destinados somente aos doentes mentais, com
tratamento seguindo os padrões de salubridade prescritos por Tenon.
Desenvolveram-se, com isso, várias experiências e formas de tratamento nos hospitais La Bicêtre e
Salpêtrière 5 , que se difundiram da França para o resto da Europa. Ambas as construções sofreram
adaptação do seu uso original para a nova função psiquiátrica, evidenciando novos métodos de
controle e vigilância dos alienados. Sabe-se, pela historiografia, que esses hospitais franceses
Figura 111 – Hotel dos Inválidos, Paris, 1670
Libéral Bruant e Jules Hardouin-Mansart estiveram presentes nos discursos da Academia de Medicina carioca e, ainda, que foram utilizados
Fonte: Pevsner, 1976, p.146
pelos projetistas, não na forma de composição plástica, mas complementando as funções
específicas às quais o Hospício Pedro II se destinava.
5
Bicêtre e Salpetrière eram estabelecimentos do Hospital Geral de Paris (1656), que tinham função de hospício, pensionato,
casa de detenção, ou seja, um espaço que abrigava uma população diversificada. Em 1793, Phillippe Pinel assume a
direção dos hopitais e lança seu tratamento moral e educativo. O Bicêtre foi construído como um hospital militar e, ao se
tornar um hospício, assume a função de cuidar de mulheres. O Salpetrière, foi construído para ser uma casa de pólvora e
transformado em casa de recolhimento em 1656.
176
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A planta retangular e simétrica possui quatro pátios internos, ladeados por alas, constituindo
quartos e áreas de serviços e administração. As longas circulações foram dispostas em torno dos
pátios internos para facilitar o acesso dos alienados a esse espaço livre e melhorar a visibilidades.
O corpo central, em planta, é destacado com uma escadaria de acesso à capela, à sala de visitas e
ao salão do fundador, no segundo pavimento. As laterais correspondem aos alojamentos,
enfermarias e outros ambientes que constituem o programa do hospício, possuindo também
escadarias de acesso às dependências do segundo pavimento, distintas da principal.
As entradas do edifício também são separadas, contando com três acessos, segundo as distinções
Figura 113 – Fachada do Ospedale Maggiore acima, sendo uma entrada principal e duas laterais. O volume da capela também se destaca e
Fonte: Pevsner, 1976, p. 143
ganha importância de eixo principal, distribuindo simetricamente os demais espaços.
Seguindo as características dos hospitais com planta em forma de cruz, percebe-se a junção de
dois blocos, conforme soluções advindas da planta do Ospedale Maggiore de Milão, mantendo uma
longa extensão longitudinal de circulação, ligando os blocos em dois braços principais, cuja
definição mantém-se em unidade com a fachada horizontalizada.
É importante ressaltar que, na época de sua implantação, o edifício fora construído dentro do limite
máximo disponível para seu uso, como era comum nas construções coloniais 6 , nas quais não era
6
Segundo Reis Filho (2006, 11° ed., p.34), “As construções dos começos do século XIX avançavam sobre os limites laterais
e sobre o alinhamento das ruas, como as casas coloniais”. Sobre o Hospício, ele ainda comenta que “embora dentro dos
mais adiantados padrões da época, deixa perceber que, aos avanços técnicos e às dimensões excepcionais do prédio, não
correspondiam qualquer nova maneira de implantação em relação à via pública”.
Figura 114 – Fachada do Hospício Pedro II
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ
178
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Segundo Caetano (1993, p. 148), o edificio fora desenvolvido de acordo com o consenso médico da
época, segundo o qual “para atender a esses quesitos, o conjunto arquitetônico foi projetado basicamente
na forma de uma paralelogramo com dois pavimentos, exceto o corpo da capela, que contém três, e os corpos
que fechavam os pátios na parte posterior do edifício, que possuíam apenas um pavimento.”
A extensa fachada de dois pavimentos, voltada para o local principal de acesso, o mar, marca de
maneira emblemática a composição 7 , destacando-se, no pórtico de entrada, contendo as ordens
arquitetônicas dórica e jônica no primeiro e segundo pavimento, respectivamente, nos pilares das
Figura 115 – Pórtico de acesso principal todo laterais e nas colunas e no entablamento do frontão triangular. O pórtico central possui sacadas
em cantaria de pedra
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ com balaustradas em mármore. Na escadaria do acesso principal – destaca-se também – foi
utilizada cantaria de pedra gnaisse bege, ladeada por estátuas simbólicas da ciência e da caridade,
feitas em mármore pelo escultor alemão Ferdinand Pettrich. 8
7
O novo edifício da Santa Casa também ficava na beira mar, por onde era usual o acesso durante o século XIX. N.da A.
8
Pettrich (1798-1872) era natural de Dresden na Alemanha, onde seu pai, escultor de fama, Johann Franz Seraph Nepomuk
Pettrich, era conhecido em toda Europa pelos seus trabalhos. Pettrich trabalhou para o Imperador e fez excelentes serviços
encomendados pelo provedor da Santa Casa, Clemente Pereira. (CALMON, 2004, 3ed, p.67).
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Uma das características construtivas da fachada é o uso de cantaria em pedra gnaisse proveniente
da região, aplicada nas aberturas dos vãos das janelas e portas das laterais, nos cunhais, em todo
o pórtico de entrada, nas escadas de acesso e também em alguns elementos do interior.
Outra observação é a marcada diferença existente entre os pavimentos, sendo o superior mais
rebuscado, com sacadas em balcões e uma contínua faixa horizontal entre os arcos das janelas,
encimados por uma platibanda cheia. No pavimento inferior, as janelas apresentam uma moldura
retangular, em volta dessa outra, arqueada, de dimensões maiores do que as do vão acima,
ocasionando, nos planos separados entre cunhais, o uso apenas de moldura retangular nas
aberturas das janelas. Tais diferenças podem ser justificadas pelas opções compositivas dos
diferentes autores do projeto. Segundo Caetano (1993, p. 152), “o conjunto volumétrico deste edifício
não possuía um discurso único, uma vez que as fachadas principal e laterais tinham uma linguagem diferente
da linguagem da fachada posterior”.
Figura 116 – Detalhe da distribuição das aberturas. superior, tem sua feição rustificada pelo uso da cantaria em pedra e é composto por portas em arco
Esquema retirado do levantamento físico da fachada feito pelo
Escritório Técnico da UFRJ
pleno, dispostas entre colunas, contendo uma sacada de balaustradas compondo toda a ordem
arquitetônica junto com ao frontão triangular. Outra marcação empregada na fachada é o uso de
linhas verticais, em forma de pilastras, separando os planos das aberturas, uma a uma, no segundo
pavimento, compostas por jarros; na sua extensão, os cunhais apresentam uma estrutura marcada
nas divisões dos espaços entre os pátios.
180
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Por sua localização, o Hospício representou um grande volume de massa construída numa área
destinada à vigilância. No local existiam apenas a fortificação e a Escola Militar de Engenharia.
A organização das formas básicas, que define o todo, segue o partido decomposto, em cuja
subtração das partes evidencia-se uma movimentação dos volumes, caracterizada pela
funcionalidade, muito embora o predomínio da estática linha horizontal se configure na fachada,
com a elegância e a austeridade das configurações palacianas.
O conjunto arquitetônico divide-se em três partes, possuindo um eixo de simetria bilateral, como
ponto central e, nas laterais, o pátio quadrado representa o centro organizativo dos espaços. Tal
configuração nos mostra que os ambientes que ladeiam o pátio, além de não se misturarem com os
demais, garantem núcleos estáveis, facilitando visibilidade para a fiscalização e o controle.
Os dois pátios laterais ao bloco central possuem a função salutar nos ambientes internos, além de
Figura 117 – Volumetria de base retangular, horizontalizada, possuírem um volume inferior na parte posterior, facilitando a ventilação, a iluminação e a
com forte marcação de eixo principal feito por meio do pórtico
de acesso. separação do corpo central com os demais. A função de cada bloco apresenta-se bem definida em
planta, o que sugere também o uso inteligente dos agrupamentos para formar o todo. Na fachada,
a separação é pouco evidenciada pela sua composição em um único plano. Os elementos que
conformam sua plasticidade interna e representam os blocos individualizados são definidos pelas
delimitações dos cunhais.
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núcleos organizativos. Tal disposição facilita a vigilância interna, garante a ventilação e iluminação
interna e funciona também como espaço recreativo para os internos.
Figura 118 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de
hospitais que se encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Hospício Pedro II.
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Vale salientar, ainda, a possível associação das disposições internas às combinações de plantas
horizontalizadas e fechadas em pátio, sugeridas por J.N.L. Durand, no Précis des léçons (1823),
conforme o tipo de composição palaciana. (figura 119)
Figura 119 – Detalhes de fechamentos em pátio, Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823.
Fonte: BOR – Biblioteca de Obras Raras da UFRJ
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Figura 121 – Elementos de marcação dos espaços fechados, os quais remetem a ambientes de reclusão, cuja
vigilância é fundamental.
Os eixos mantêm uma relação importante na união das partes com o todo construído e na
configuração estrutural do prédio. O arranjo regular apresentado permite equilíbrio nas partes do
conjunto, delimita espaços de transição entre os blocos adjacentes e aponta eixos de circulação
fixos, indicando direção e movimento interno, determinado pelas funções específicas dos espaços.
185
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Figura 122 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e
indicações dos acessos. Observação da organização linear
A repetição da estrutura de eixos apontada (figura 122) serve para relacionar outra característica
morfológica possivelmente adotada pelos autores do projeto, que foi a utilização de uma malha
regulada por um padrão quadrado, constituindo base para as dimensões internas dos ambientes e
funcionando como sistema estrutural regulado.
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Figura 123 – Traçado dos eixos estruturais, segundo uma malha quadrada, e sua correspondência com a elevação.
Segundo os ensinamentos de J.N.L. Durand, o uso desse recurso compositivo garante que o
edifício seja sereno e estático, de acordo com das feições palacianas que se pretenderam. A malha
quadrada também subordina a configuração das partes e do todo, mantendo a unidade e a
harmonia do conjunto. Tais arranjos podem ser evidenciados nos tratados de Durand, sob forma de
melhor adaptação da forma ao uso, sem prejuízo da funcionalidade prevista pelo programa.
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Tal fato nos leva a crer que o uso desses conceitos era comum entre os projetistas brasileiros,
especialmente os engenheiros formados pela Academia Militar. A propósito, vale destacar a
afirmativa de Rocha-Peixoto (2004), de que, apesar da ligação com a Academia de Belas Artes, os
arquitetos dosavam os ensinamentos, de modo que, na prática, tais construções evidenciem o
racionalismo e a economia, com o apuro formal do decoro, advindo da direta influência do ensino
técnico e artístico que existia no país.
A organização espacial do Hospício Pedro II, dito emblema de modernização da capital dentro dos
parâmetros higienistas que pairaram sobre o século XIX, pleiteava todos os requisitos descritos
acima, cuja conformação foi de fundamental expressão para as demais capitais do país.
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O edifício fora concebido em fins de 1846, época em que na cidade existiam pouquíssimos
hospitais e edifícios públicos de tamanha grandiosidade. Sua pedra fundamental foi lançada em
1847, num cenário que apontava as necessidades da salubridade pública e tinha como pano de
fundo o plano de melhoramentos da cidade do Recife, iniciado no Governo do Barão da Boa Vista,
com o engenheiro francês Louis Léger Vauthier e sua equipe.
O projeto do Grande Hospital do Recife, como era conhecido, visava ao atendimento das demandas
da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital Militar, que já não as comportavam nos seus espaços.
Na época de sua construção, a cidade contava com poucas construções de vulto monumental 9 .
Figura 124 – Vista do Pátio Interno do Hospital Com a consolidação da Sociedade de Medicina Pernambucana, inaugurada em 1841, as questões
Pedro II , Recife, 2006
Foto da Autora pautadas na higiene pública ganham força e persistem mesmo após a saída do governador
Francisco do Rego Barros. Em 1845, é criado o Conselho-Geral de Salubridade Pública, cuja
finalidade era de inspecionar, vigiar e prover todos os assuntos que se referissem à higiene pública
e à polícia médica.
A iniciativa do projeto havia partido das idéias modernistas iniciadas na gestão anterior e foi
empreendida com grande carga no decorrer da década de 50 dos oitocentos. Vale salientar que
esse período foi fértil para a província de Pernambuco, devido à intensificação do comércio de cana
de açúcar, o que gerou um momento de grande prosperidade.
O local de implantação do Hospital, o Sítio dos Coelhos, era localizado no Bairro da Boa Vista,
situado nas proximidades zona central do Recife, margeando o Rio Capibaribe. O terreno pertencia
9
No inicio de sua construção, ainda estavam sendo concluídas as obras do Teatro de Santa Isabel. N. da A.
189
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
aos descendentes da família Coelhos Cintra e antes havia sido habitado durante a invasão
holandesa, pelos judeus, funcionando no local um cemitério 10 . Pouco antes da construção do
Pedro II, existia ali o Hospital São Pedro Alcântara (1828), que funcionava em instalações precárias
e foi desativado, com os doentes sendo, conseqüentemente, transferidos para o novo hospital.
O Hospital Pedro II é inaugurado em 1861, com grande parte ainda a ser construída, situação
evidenciada ainda hoje. Antes da inauguração do prédio, houve nos salões do hospital um baile em
homenagem a D. Pedro II, que passava pela cidade. A visita do Imperador resultou na liberação de
recursos para hospitais e orfanatos.
10
Segundo Vainsencher (2003), durante o século XVI, as cidades do Recife e Olinda receberam muitos imigrantes judeus,
que fugiam das perseguições inquisitórias existentes na Península Ibérica. (...). Com a invasão holandesa e a chegada do
conde Maurício de Nassau em Pernambuco, os judeus passaram a usufruir a liberdade disponibilizada para as suas práticas
Figura 125 – Planta da Cidade do
Recife em 1878 religiosas e costumes próprios.
Fonte: Museu da Cidade do Recife 11
“Resolvido instalar o asilo, provisoriamente, no andar térreo do Hospital Pedro II, teve lugar, solenemente, a 23 de
dezembro do mesmo ano de 1859, a cerimônia do ato, a que assistiu o imperador, já então de visita entre nós, sendo então
ali recolhidos mendigos que vagavam pela cidade” (PEREIRA DA COSTA, 1966, p. 103).
190
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O hospital foi concebido dentro dos princípios mais modernos do gênero na Europa. O autor do
projeto, o engenheiro pernambucano José Mamede Ferreira, recém chegado dos estudos da
França, assume, após a saída de Vauthier, a direção da Repartição de Obras Públicas (1846) e dá
continuidade aos trabalhos desenvolvidos pelo engenheiro francês.
As instalações do hospital passaram muitos anos sob a administração das irmãs de caridade da
Santa Casa de Misericórdia, instituição que, não apenas no Recife, mas em muitas cidades
brasileiras e desde o período colonial, preocupou-se com a assistência médica para os menos
favorecidos. Vale salientar que grande parte do corpo médico da cidade trabalhou no Pedro II,
Figura 126 – Cartão Postal com Vista a Esquerda sendo que muitos profissionais davam assistência gratuita aos enfermos.
do Hospital Pedro II
Fonte: Fundaj
O hospital Pedro II serviu de aparato ao desenvolvimento científico da época, operando, desde
logo, com o tratamento de diversas doenças e realizando diversas operações cirúrgicas.
Entretanto, várias dificuldades fizeram parte da sua história, como, por exemplo, o fato de ter sido
construído apenas parcialmente. Porém, no final do século XIX, o Pedro II era referência, tanto no
Recife quanto nas cidades vizinhas e demais capitais do nordeste, com seus três pavimentos
ocupados e funcionando, totalizando 483 pacientes e 146 empregados internos.
Por volta de 1920, o hospital passa a pertencer a Faculdade de Medicina, passando a servir como
escola, transformando-se mais tarde em Hospital das Clínicas da Universidade de Pernambuco e
funcionando, durante mais 50 anos na instituição, como centro de excelência e vanguarda na
medicina nordestina. Nesse período, a edificação sofreu, na sua composição, acréscimos
desordenados que descaracterizaram o projeto original.
191
Elevação
Hospital Pedro II Iconografia
Dados do Imóvel
O hospital Pedro II foi projetado pelo engenheiro pernambucano José Mamede Ferreira (1820-
1865), dentro dos parâmetros europeus, seguindo as preocupações com higiene, ventilação e
iluminação, categorias essenciais nas concepções mais modernas do período oitocentista.
Segundo Costa e Acioli (1985, p. 23), “a formação francesa acompanharia toda sua vida profissional (...).
O material para os trabalhos técnicos procedia da França e, do próprio Mamede, há uma relação de materiais
escrito inteiramente em francês”. Os ensinamentos da escola francesa, para o engenheiro, eram
imprescindíveis para realização das atividades públicas.
Segundo Sousa, (2000, p.105) seria possível que esse contato tenha sido um dos fatores que
contribuíram para impregná-lo do espírito racionalista que o caracterizou como arquiteto, quando
teve conhecimento das tendências e das idéias de Boullée e Ledoux, preconizadas, em livros, por
J.N.L. Durand. Pela sua formação, o engenheiro bebeu da fonte direta dos ensinamentos do
Figura 127 – Desenho para um hospital de J.N.L. mestre francês, cujos modelos mais famosos de hospitais estariam estampados nas pranchas do
Durand, (Précis des Leçons, 1809)
Fonte: Pevsner, 1976, p.153. Recueil e do Precis de J.N.L. Durand. (figura 127)
O Hospital Pedro II foi projetado segundo o conceito de edifício pavilhonar, muito utilizado no final
do século XVIII e inicio do XIX, na Europa, configurando por um longo tempo a tipologia mais usual
para esse tipo de programa e substituindo a tipologia em forma de cruz nas plantas hospitalares.
193
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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As primeiras construções desse gênero foram o Royal Hospital Naval, em Greenwich (Sir
Christopher Wren - 1694) , e o Royal Hospital Naval, em Plymouth (Rowehead - 1756), ambos na
Inglaterra. Pevsner (1976, p. 154) aponta o Stonehouse como o modelo mais defendido por
Durand. Esse modelo foi aplicado nos desenhos de Tenon e Poyet para o La Roquette, em 1787-
1788.
Durand, no seu Precis des leçons (1809), coloca, como demonstração, um projeto elaborado por
ele, contendo planta e elevação de um hospital com tipologia pavilhonar, seguindo as
configurações do hospital inglês Stonehouse, nas quais longos corredores distribuem alas ou
Figura 128 – Hospital Lariboisiere - 1846
Fonte: Penna, 2004, p.40. enfermarias, formando blocos independentes.
Porém, no edifício hospitalar que mais se assemelha ao hospital recifense, seria construído entre
1839 a 1854, o Lariboisiere (Hôpital Louis-Philippe) de Paris, cuja semelhança é constatada tanto
no partido do plano geral quanto no programa. Esse fato leva a crer que o engenheiro teve acesso
ao projeto do hospital parisiense ou, então, que tal projeto teria sido bastante difundido, por conta
das inovações que trazia na sua concepção arquitetônica, sendo muito elogiado pelos cientistas na
época de sua construção. Esse aspecto também demonstra a total integração do arquiteto aos
modelos mais atuais, onde mantém a produção brasileira num patamar de igualdade segundo a
temporalidade construtiva.
194
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O Hospital Lariboisiere de Paris representou uma síntese dos ensinamentos de Tenon e Poyet,
apresentando uma concepção funcionalista e adequada às questões da higiene interna, além de
priorizar o aspecto da ventilação cruzada e da iluminação natural nos ambientes.
Vale salientar que o engenheiro voltou ao Recife, em 1846, fase em que o edifício parisiense
estava em construção. È nessa época, também, que a cidade do Recife vivia uma fase de pleno
desenvolvimento urbano, com as mudanças ocorridas na gestão do governador Rego Barros.
Nesse período, Vauthier ainda era Diretor da Repartição de Obras Públicas e Mamede o auxiliava
nos trabalhos de ordenamento da cidade. Em 1850, Mamede é nomeado para o cargo do arquiteto
francês, ao qual viria a dedicar seis anos da sua carreira profissional (1850-1856).
Figura 130 – Desenho para o hospital La Roquette
de Tenon e Poyet - 1788 Entre 1847 e 1855, Mamede projetou quatro edifícios de natureza monumental: o Cemitério Público
Fonte: Pevsner, 1976, p.153.
da cidade, com destaque para a Capela em estilo gótico, o Hospital Pedro II, o Ginásio
Pernambucano e a Casa de Detenção. Segundo Gomes (1987, in Fabris, p.183), todas as
construções projetadas pelo engenheiro são quase que inteiramente despojadas de ornamentação,
tanto interna quanto externa. Procurando sobriedade e economia, o que é característico de um
engenheiro com sua formação, ele aplicou de forma restrita as regras de composição clássicas,
“sem permitir a ousadia da reinterpretação” (GOMES, 1987, p. 183).
195
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
ESQUEMA DO PROGRAMA FUNCIONAL – HOSPITAL PEDRO II Figura 131 – Possível Esquema Funcional do Hospital, desenvolvido a partir de descrições do
projeto original e por analogia ao programa existente no Hospital Lariboisiere.
Fontes: Arquivo Público do Estado de Pernambuco; Penna, 2004, p.40.
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O edifício possui três pavimentos, número ideal, segundo os princípios de Tenon, para a edificação
pavilhonar, e cinco pavilhões (apenas três foram construídos); ambas as configurações foram
utilizadas também no hospital de Gauthier.
Os blocos pavilhonares foram dispostos perpendicularmente a uma longa circulação que circunda
um pátio aberto. O eixo longitudinal principal (entrada/capela) estabelece divisão simétrica dos
blocos e é auxiliado por mais dois eixos secundários, que cortam os dois corredores. No sentido
transversal, o edifício foi estruturado por cinco eixos principais, segundo a distribuição das
enfermarias.
A fachada principal foi dividida em três planos movimentados em relação a distribuição interna do
conjunto; nela, a horizontalidade é intensificada pelas linhas de marcação das cimalhas, cornijas e
platibanda, cuja modenatura simples é desprovida de ornamentos. Segundo a planta encontrada,
estava previsto no projeto um único acesso na fachada principal, sendo que na posterior não foi
possível identificar onde seriam os acessos.
Figura 133 – Planta do Laribiosiere – París
Disponível em: <http://www. olhares.uncovering.org>
Acessado em 19-01-2008
197
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A abertura dos vãos das janelas, em arco pleno e moldura simples, segue um ritmo simétrico, com
distribuição segundo os ambientes internos, na elevação principal e posterior. Essas aberturas, de
modenatura simples, compõem-se apenas de moldura e se interligam umas com as outras por uma
cimalha, marcando horizontalmente a fachada. As aberturas laterais apresentam apenas uma
janela de eixo nos blocos de três pavimentos e três janelas nos blocos térreos intermediários.
As marcações verticais dos cunhais (muito usadas nas construções coloniais) definiam os espaços
internos e demarcavam estruturalmente sua composição, tanto na elevação frontal quanto nas
laterais (não foram construídas todas as marcações dos cunhais, aparecendo, pela iconografia
encontrada e pela configuração atual, apenas nas extremidades).
A capela, cuja nave possuía dois pavimentos, não sobressaia na elevação principal, como era
comum nas grandes construções hospitalares cuja disposição espacial apontava para o eixo
principal.
Ao contrário das grandes obras públicas executadas a época, no Recife, para as quais era comum
a importação de materiais de construção, no hospital foi empregado quase que exclusivamente
material disponível no mercado local, com exceção do pórtico principal e da escadaria, que tinha
colunas dóricas e um frontão com baixos relevos esculpidos no tímpano, com figura da caridade,
tudo em pedra lioz talhada em Portugal. (SOUSA, 2000, p. 85).
O imponente prédio branco (SOUSA, 2000, p. 85) estava elevado do nível exterior, o que supõe a
Figura 135 – Fachada frontal e lateral do Lariboisiere edificação possuir toda sua fundação sobre um porão elevado (embora não seja possível, nas
Fonte: Pevsner, 1976, p. 154.
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
plantas das elevações, identificar possíveis aberturas) ou, então, tal elevação dar-se devido às
corriqueiras enchentes que assolavam aquelas regiões.
O Lariboisiere tinha, na sua morfologia, uma planta estruturada pela funcionalidade das
necessidades do programa. Na fachada principal, os recursos plásticos foram utilizados de maneira
monumental: platibandas coroadas com vasos e uma forte marcação de entrada, cujos blocos
laterais apresentam rustificação nas estruturas dos cunhais e frontões triangulares, típicos de
construções neoclássicas. Um grande pórtico marca a entrada principal da edificação.
O aspecto austero da fachada, com pouco uso de componentes clássicos e a simplicidade das
formas, que representou uma das marcas compositivas de Mamede, mostra que, no aspecto do
decoro, o engenheiro distanciou-se das composições francesas. Isso nos leva a crer quer, que
apesar das reais influências para o partido do hospital, no aspecto externo e na severidade das
Figura 136 – Escadaria e Portal de Acesso
Foto da Autora formas, ele procurou dar outro caráter para a construção, talvez apoiado em algumas construções
locais, sem sequer interferir na imponência do conjunto.
A configuração plástica da fachada e a volumetria monumental (embora não concluída, ver pág 00)
do conjunto marcou a paisagem da capital, onde perdurou por um longo tempo como um dos
poucos exemplares desse programa, cuja forma serviu de representação para o momento de
prosperidade da capital recifense se encontrava trazendo a “nova civilidade” para a conformação
urbana.
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A grande massa construída do hospital – mesmo incompleta –, com sua imponente fachada,
representou uma nova morfologia construtiva para a cidade, em termos de escala monumental, que
seus idealizadores queriam imprimir, demonstrando estarem em plena ascensão as mudanças
ocorridas na paisagem urbana.
Sua Implantação e a escolha do local, onde já havia um hospital (São Pedro de Alcântara) de
pequenas dimensões, revelam a extensão do programa de melhoramentos do Recife, no qual o
papel dos engenheiros servia de suporte de técnico para a realização dos grandes
empreendimentos e, ainda, “para alinhar a cidade às cidades modernas francesas, afirmando idéias de
mobilidade e salubridade” (PONTUAL, 2005, p.33).
A adoção do partido – seguindo os conceitos franceses mais atuais para o programa – sugere uma
integração às primeiras atitudes empreendidas na província desde a chegada do engenheiro
francês Vauthier. A formação francesa de José Mamede Ferreira muito colaborou para manter uma
unidade construtiva que viria a prevalecer na região, com grandes edifícios de natureza pública,
Figura 138 – Volumetria recortada entre os vazios dos pátios
de base retangular, horizontalizada, com forte marcação de dentro dos moldes mais atualizados de desenvolvimento e com respeito às características locais.
eixo principal feito por meio do pórtico de acesso.
A volumetria é gerada, segundo uma composição subtrativa, de um grande bloco retangular, que se
articula entre três disposições: os dois blocos de pavilhões simétricos, que guiam as separações
funcionais internas e conteúdo central recuado dos demais.
Como já mencionado, Mamede partiu das suas diretas influências para a adoção do partido, o
hospital Laribiosiere de Paris, apontando assim uma transferência desse modelo para a capital
recifense, onde foi mesclado pelas influências do meio construtivo e das especificidades pessoais
do autor do projeto, que o subordinou segundo seus conhecimentos compositivos.
200
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Segundo o quadro dos padrões morfológicos dos hospitais mais famosos, podemos perceber a
interação do modelo recifense às vanguardas européias.
Figura 139 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de
hospitais que se encontram entre as possíveis influências na adoção do partido arquitetônico do Hospital Pedro II.
201
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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202
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Segundo Sousa (2000, p.81), a principal característica que Mamede imprimiu à fachada frontal foi a
imponência incomum, obtida pela combinação de seus 115 metros de extensão com sua altura de
quase 20 metros.
203
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
204
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205
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A partir do sistema de eixos articulados, observamos que a malha quadrada não definia as
dimensões e delimitações dos espaços internos, o que nos leva a crer que o engenheiro tenha se
baseado nos eixos como traçado regulador. Outra analogia possível, demonstrada na figura 143, é
o uso do módulo de agrupamentos de retângulos e quadrados segundo uma proporção irracional,
muito usado nas construções renascentistas 12 .
Sobre tal configuração de eixos, que no geral cria uma malha organizacional, pode-se também dizer
vinculada aos ensinamentos de J.N.L Durand. Esse tipo de configuração assegura a unidade e a
proporção do conjunto, mantendo planta e elevação em analogia, caracterizando união das partes
com o todo construído.
12
São retângulos que crescem em proporção descontínua, gerados pelos rebatimentos das diagonais, cujos valores partem
de √2, com incremento constante de 1 ao número sob o radical.
206
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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O Hospício Pedro II, por ser a primeira construção hospitalar de uso específico, marcou a
necessidade desse tipo de programa que comportaria as questões de ordem e salubridade pública
e seriam transplantados nas diversas capitais do Império. Monumento de loucura e saber que
207
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
perdurou até os dias atuais com sua característica principal de palácio, sendo uma das construções
mais admiradas do Rio de Janeiro desde sua inauguração.
Os dois edifícios guardam particularidades em comum, primeiro por terem sido construções feitas
por profissionais brasileiros e encarregados das seções de obras públicas das capitais. Segundo,
por seus respectivos locais de implantação, margeando a Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro, e
o rio Capibaribe, no Recife, caminhos inseridos na paisagística histórica e urbana das cidades,
destacando-se o isolamento da área apontada no Hospício e o afastamento do aglomerado urbano
do Hospital. Por constituírem exemplares característicos aos seus respectivos programas.
Vale salientar que as alterações no decorrer dos anos e o aumento da densidade da malha urbana
no entorno dessas construções não impediram que elas representassem – e que ainda
representem atualmente – lugares pontuais no espaço urbano.
ambos foram nomeados Pedro II, dada importância que seus programas representavam;
estão inseridos nas preocupações salutares no que diz respeito a iluminação, ventilação,
fluxo interno e separação por sexo;
208
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Composição aditiva no hospital Pedro II pela clara articulação dos volumes, e subtrativa no
hospício Pedro II cuja distribuição interna partiu de um único sólido elementar.
Tal fato é possivelmente percebido segundo o gráfico das morfologias apresentado a seguir:
209
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
210
Figura 144 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 145 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos.
211
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No quadro anterior percebemos que as duas construções são coletâneas aos principais modelos,
integrando a associação entre um tipo consagrado e a atuação particular de cada profissional,
traduzindo em exemplares que participam da arquitetura internacional oitocentista.
Apesar de não participarem do mesmo programa, dada a importância para a história do momento
em que ambas foram construídas, identificamos que a arquitetura brasileira permaneceu um híbrido
das idéias vanguardistas das especificidades, tanto construtivas quanto das necessidades locais.
Tal fato demonstrou a total integração dos seus projetistas a tarefa de construir dois exemplares
que fazia parte das necessidades urbanas, onde denotavam aspectos progressistas e de
vanguarda.
212
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
CAPITULO 5 - ORDEM
“A proporção e a harmonia dos corpos se estabelece por meio da natureza, e que por analogia que esta tem com nossa
organização social as propriedades que se deduzem dos corpos tem poder sobre os nossos sentidos” Boullée (1728- 1799)
Pevsner (1976, p. 159) vai afirmar que “os programas de hospitais e acomodações para prisão tem muito
em comum. Ambos os casos um número de pessoas eram confinadas em um lugar em particular”. Esses
ambientes acomodaram, de forma desordenada, todo tipo de pessoa e situação.
Os asilos e prisões (ou casas de correção) tiveram grande importância na questão das devidas
punições e isolamentos para a população “insociável”. Para os asilos, o recolhimento era apontado
como uma maneira de retirar das ruas todos aqueles que não contribuíam para a moral e para
higiene pública: loucos, vadios, bêbados etc. Para as prisões, eram destinados os casos de graves
delitos. Os programas assemelhavam-se, pois constituíam formas de punição por uma situação
causada, quer seja pela moralidade ou pela impunidade, servindo-se, não raro, mutuamente.
Segundo Foucault (1989, 2° ed., p. 500) a vida asilar esteve inserida numa estrutura cuja célula
essencial foi a loucura, daí sua ligação com o ambiente médico; além disso, as questões policiais
213
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
também adquirem importância na retirada dos doentes das ruas, remediando a falta de castigo,
justiça imediata, loucura e desordem moral e social.
John Howard (1726-1790) 1 , um dos grandes reformadores do sistema carcerário inglês, sustentou
diversas análises desse sistema. Em muitas publicações, aponta a necessidade de construções
específicas para cada finalidade. Suas reformas tinham a função de diminuir as atrocidades feitas
aos prisioneiros, instituindo uma legislação que assegurasse algum tipo de direito, segundo
princípios de regeneração moral e de trabalho.
Howard fundou o princípio de trabalho para correção e defendeu algumas questões humanizadoras
nos ambientes prisionais, tais como: o isolamento dos presos durante a noite, de modo que cada
um pudesse dormir isolado do outro; a valorização do silêncio, que entendia favorecer a reflexão e
o arrependimento (embora ele próprio não fosse partidário do isolamento absoluto); e, a difusão da
religião como mecanismo de reforma moral. Um dos poucos países em que as idéias de correção
foram seriamente aplicadas foi a Holanda.
Em 1791, Jeremy Bentham publica o Panopticon, figura arquitetural, cujo princípio era de vigiar e
controlar todas as ações das pessoas inseridas nos ambientes carcerários. Esse modelo tinha a
configuração de um bloco circular, com celas dispostas no entorno e, ao centro, uma torre elevada;
Figura 146 – Desenho da Prisão Panótica feita
por Jeremy Benthan em 1791.
seu desenho previa que o vigia colocado na torre central pudesse ver todos os movimentos dos que
Fonte: Pevsner, 1976, p. 163 estivessem nas celas, sem que eles pudessem ver seu incontinente observador.
1
O filantropo inglês John Howard trabalhou intensamente para modificação dos ambientes de prisões na Inglaterra.
Publicou, em 1777, The State of the Prions, em 1788, Appendix to the State of the Prisons e, em 1789, An Account of the
Principal Lazarretos in Europe. Howard iniciou algumas das propostas, objetivando a humanização da pena e a melhoria do
tratamento nas prisões.
214
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Para Foucault (1983, 2°ed.p.181), esse sistema teve polivalentes aplicações: “serve para emendar
prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar loucos, fiscalizar
os operários, fazer trabalhar mendigos e ociosos”.
No inicio do século XIX, os Estados Unidos tomaram a liderança nos modelos “panóticos radiais”,
adaptando-os aos modelos funcionais existentes e criando novos empreendimentos, que se
tornaram modelos desse tipo arquitetônico e foram transferidos para Europa. Outro ponto a se
destacar dessa liderança é a aplicação de dois tipos de sistemas corretivos em duas prisões
distintas: Auburn (1816-1825), em New York City, e Eastern Penitentiary (1825), Cherry Hill –
Figura 147 – Prisão Estadual de Auburn – New York
Fonte: disponível em <http://www.correctionhistory.org> Philadelphia.
acessado em 05/01/2009
Em Auburn, a correção era feita pelo sistema de trabalho, ou Workhouses, modelo trazido da
Holanda desde o século XVII 2 , cuja função interna seria conduzida da seguinte forma: celas à noite,
para dormir, salas de trabalho ou oficinas, separadas, e total silêncio nos ambientes. O sentido de
trabalho, para a disciplina, configurar-se-ia necessário para que os indigentes se tornassem dignos
e úteis à sociedade, resultando, mais do que uma ordem individual, uma ordem social.
2
Segundo Pevsner (1976, p. 161), o único país onde o princípio de trabalho para correção foi aplicado seriamente foi a
Holanda, em Amsterdan, no século XVII, provavelmente uma das cidades mais prósperas da Europa, possuindo uma casa
de correção somente para homens, desde 1596, e outra para mulheres, desde 1597.
215
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Já a Eastern Penitentiary seguiu a linha das celas individuais de reclusão ou confinamento, à noite;
durante o dia, o trabalho era feito nas mesmas celas, sem que presos mantivessem contato entre
si. Tal modelo de encarceramento estabelecia um tipo de disciplina segundo a qual o indivíduo
deveria redimir-se pelos seus erros isolando-se totalmente do meio social. Esse modelo teve quase
unanimidade de aceitação em todo século XIX. Exportado para Inglaterra, ficou conhecido como
Pentonville System, ou sistema penitenciário, amplamente difundido na Europa, sendo a Pentonville
Prison a prisão mais conhecida, construída, em 1840, por Joshua Jebb.
Outro fato importante, que demonstra o real interesse político e social, foi a criação de um código
penal, em 1830, no qual bem mais da metade das punições previstas fixavam as penas de prisão
3
No Rio de Janeiro, essas prisões recebiam todo tipo de indivíduo e de várias localidades das províncias onde funcionavam
como prisão civil e militar. A cadeia do Aljube (prisão eclesiástica), mais do que qualquer outra prisão do estado, constituiu-
se, em 1824, no centro para onde convergiam as diferentes classes de delinqüentes. Fora esse estabelecimento, havia: a
prisão para mulheres na Ilha de Santa Bárbara, a Fortaleza da Ilha de Cobras, o Arsenal da Marinha, a Ribeira, o Calabouço
do morro do Castelo e a fortaleza de Santa Cruz (Consolidações das Leis e Posturas Municipais, 1° parte da Legislação
Figura 149 – Pentonville Prison – Inglaterra
Projetada por Joshua Jebb – 1840. Federal, Rio de Janeiro, 1905, p. 325-326). Em Pernambuco, existiam, no inicio do século XIX, uma Cadeia Pública, no
Fonte: JEBB cf. MARKUS, 1993, p.127. In Recife e diversas Casas de Câmara e Cadeia – Aljubes –, em Olinda. Os presos das Rebeliões de 1817 e 1824 foram
Nascimento, 2008 p. 91.
enviados para as prisões cariocas, confirmando-se, assim, a constatação de que elas recebiam presos de todas as
províncias.
216
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
simples e prisão com trabalho. Segundo Legislação de 1905, em 1850, o regime penitenciário de
Auburn passa a funcionar como forma disciplinar em diversas instituições no Rio de Janeiro.
A Casa de Correção da Corte, no Rio de Janeiro, iniciada em 1834, teve seu projeto arquitetônico
seguindo o modelo panótico radial, cuja configuração estava próxima ao modelo da House of
Correction of Bury St. Edmonds (1803), na Inglaterra. Porém, seu projeto, que previa uma planta
de quatro raios em torno de um ponto central 4 , em 1840, foi inaugurado com apenas o primeiro raio,
só com dois pavimentos, enquanto que, segundo o projeto cada raio teria quatro; o restante da
construção caminhou em passos lentos e descaracterizados do projeto original, nunca chegando a
Casa de Correção da Corte a ser totalmente concluída.
Figura 150 – Plano da
Casa de Correção de Em 1876, inicia-se a construção de outra edificação nos moldes panóticos, o Asilo de Mendicidade,
Burry St. Edmonds –
Inglaterra. - Disponível cujos projeto e programa seguiam à risca as construções prisionais européias. Uma das principais
em: http://www.
olhares.uncovering.org> funções desse estabelecimento era manter a ordem nos espaços públicos, retirando e abrigando,
Acessado em 19-01-2008
em suas instalações, mendigos, loucos, pobres, velhos e outros pequenos infratores que estariam
lotados na Casa de Correção da Corte.
4
Segundo Koerner, 2006, p. 211, “adotou-se um projeto elaborado em 1826 por uma sociedade inglesa de melhoramentos
das prisões, o qual previa uma construção “estilo panótico”, com quatro raios, com duzentos cubículos cada um, totalizando
800 celas. Cada raio haveria quatro andares, que comportariam cinqüenta cubículos por andar cada qual com 2,64 m de
comprimento, 1,65 m de largura, 3,08 de altura. Como regime disciplinar, adotava-se o trabalho em comum durante o dia,
em completo silêncio, e isolamento á noite (Auburn) as oficinas seriam intercaladas com os raios, enquanto, na torre central
Figura 151 – Projeto da se situariam a casa do diretor e a capela”.
Casa de Correção da
Corte. - Disponível em:
http://www.seap.rj.gov
Acessado em 19-01-2008
217
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O asilo de Mendicidade conta sua história, permeando dois principais capítulos de desenvolvimento
da cidade do Rio de Janeiro: a saúde e a ordem dos espaços públicos. Nesse sentido, tanto teve
importância, para a sua fundação, a Sociedade de Medicina quanto a diretoria da Casa de Correção
da Corte.
Desde o inicio de seu funcionamento, manteve a função de cuidar dos loucos mais brandos, já que
o Hospício Pedro II não os comportava, além dos demais indigentes que se encontravam nas
dependências – lotadas – da Casa de Correção. È importante frisar que o ato de mendigar era
considerado delito pela constituição de 1830, fato que vinha aumentando o número de
encarcerados na Casa de Correção, cujas características poderiam enquadrá-los como ociosos ou
loucos.
Figura 152 – Vista do conjunto do Asilo de Mendicidade,
atual Hospital São Francisco de Assis – 1938. A necessidade de um asilo já vinha sendo cogitado antes de 1854, quando foi criado um albergue
Fonte: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
de mendigos provisório para controlar a situação de mendicância nas ruas. A instalação desse
edifício foi no prédio do antigo Matadouro de Santa Luzia 5 , que fora adaptado e transformado em
albergaria.
5
Em 1854, entendimentos entre o Ministro e Secretário de Negócios da Justiça, José Thomas Nabuco e o Chefe da Polícia
José Joaquim de Siqueira criaram um albergue de mendigos para controlar a situação de mendicância de rua. Após algumas
218
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Nessa época, já existia um regulamento que previa uma organização interna para esses
estabelecimentos. Durante a noite, deveriam ser recolhidos todos os mendigos que fossem
encontrados nas ruas, praças públicas e adros de igrejas; os que fossem encontrados doentes
seriam levados à Santa Casa de Misericórdia e os que pudessem trabalhar deveriam ser enviados
à Casa de Correção.
obras de adaptação, o antigo Matadouro de Santa Luzia foi transformado em albergaria, capaz de alojar 70 mendigos (40
homens e 30 mulheres). O Asilo de Santa Luzia funcionou precariamente por cerca de 20 anos, período em que permaneceu
como a única instituição social de assistência na cidade. Aguinaga, 1977, p.44.
219
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
delas foi o prédio de grande porte, sede da antiga Companhia de Gás, fundada em 1854, pelo
Barão de Mauá, onde teve inicio o aterramento da área.
Segundo os jornais da época, o edifício causou grande admiração, à época, pela sua concepção
arrojada e monumental, sendo uma das primeiras construções desse porte edificada na área e,
sobretudo, pela ousadia de ter sido levantado no mangue. Jornal do Comércio; 11/07/1879.
O edifício fora concebido pelo engenheiro Heitor Rademacker Grünewald, segundo os modelos de
prisões européias, partindo da tipologia panótica, preconizada por Bentham, como forma
reformadora dos asilados. Em 1875, foi concedido ao engenheiro, por parte do Ministério da
Justiça, uma viagem para Europa, para uma série de visitas técnicas aos principais
estabelecimentos prisionais da Bélgica, Holanda, França, Itália e, especialmente, Inglaterra,
Alemanha e Suécia. (AGUINAGA, 1976, p.76)
De volta ao Rio de Janeiro, o engenheiro apresentou um projeto que logo foi aceito, iniciando-se,
em seguida, os trabalhos de construção (1876). O edifício foi sendo construído sem muitos
recursos, sendo que os poucos que se conseguiam partiam dos cofres da Casa de Correção, a qual
forneceu, também, mão de obra e matéria prima.
O Asilo foi inaugurado em 1879, ainda incompleto, concluídos apenas o pavilhão central, os dois
raios laterais, o corpo do meio e a capela. O edifício só ficaria completamente pronto em 1895, mas
já funcionava em condições precárias. Nesse mesmo ano, o Asilo de Mendicidade muda de nome
e passa a ser chamado de Asilo São Francisco de Assis.
Em 1917, o edifício já apresentava espaço interno insuficiente e comportava 400 internos em suas
dependências. Devido à mudança do perfil do atendimento, que passou a ser diversificado, o Asilo,
em 1922, foi transformado em Hospital São Francisco de Assis, segundo os esforços de Carlos
220
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Chagas, então Diretor de Saúde Pública. O edifício foi inaugurado com 13 pavilhões, que seguiam
leitura parcial do primeiro projeto apresentado por Grünewald.
Com as novas funções, foi surgindo a necessidade de ampliação, que, com o passar dos anos,
englobou não apenas as principais instalações do prédio, mas também outras diversas construções
anexas a ele. Concomitante ao crescimento do próprio hospital, o aumento da densidade da malha
urbana, em seu entorno, aumentou de maneira considerável.
Em 1946, o Hospital é adquirido pela União e entregue à Universidade Federal do Rio de Janeiro,
então Universidade do Brasil. O HESFA, como é conhecido até os dias atuais, tornou-se um dos
grandes hospitais públicos do Rio de Janeiro, demonstrando que, por muito, a construção serviu de
aparato às necessidades sociais e ao desenvolvimento urbano.
221
Elevação
Asilo de Mendicidade Iconografia
Dados do Imóvel
1895 - mudança de nome de Asilo da Mendicidade para Asilo São Planta da Cidade do Rio de Janeiro, 1884.
Francisco de Assis; Arquivo da Biblioteca nacional.
Fonte: ETU - Escritório Técnico da UFRJ
1922 - com a reforma no sistema nacional de saúde elaborada
por Carlos Chagas, o Asilo da Mendicidade é transformado em
Hospital Geral São Francisco de Assis. Referências Bibliográficas 0 1 5 10
Lançada a pedra fundamental do edifício da Escola de
Enfermagem na Rua Afonso Cavalcante, atrás do HESFA; 1 -AGUINAGA, Hélio. Hospital São Francisco de
Assis – História. Rio de Janeiro: Companhia Esquema gráfico da cronologia construtiva do conjunto arquitetônico
1946 -o edifício anexa-se à Universidade do Brasil e transforma- Brasileira de Artes Gráficas, 1977.
se em Hospital Escola São Francisco de Assis; LEGENDA
2 -SANTOS, Paulo. “Quatro séculos de Arquitetura”. 1879
1978 - Inaugurado o Hospital Universitário Clementino Fraga, na Barra do Piraí, FABP, FERP, 1976.
Ilha do Fundão. O HESFA é desativado; 1892
3 -Escritório Técnico da UFRJ - ETU - DIPRIT -
1988 -Por motivo de calamidade pública, provocada pelas Divisão de Preservação de Imóveis Tombados.
enchentes na cidade, o HESFA é reaberto;
4 -IPHAN - Arquivo Central - RJ.
2003-04- o escritório Ernani Freire Arquitetos Associados elabora
um plano diretor para a restauração do conjunto. 5 -AGCRJ - Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro.
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Sobre o projetista do Asilo, o engenheiro Heitor Rademacker Grünewald, vale destacar que pouco
se conhece da sua biografia, fato que requer um maior aprofundamento, o que dificultou relacionar
sua vida intelectual e acadêmica às soluções projetuais por ele assumidas em seus projetos.
Sempre mencionado como engenheiro, poder-se-ia caracterizá-lo como dileto da Academia Militar,
sendo que seus trabalhos sempre apareceram vinculados às atividades públicas do Estado.
Figura 153 - Estação de Ferro Pedro II em 1870, projeto de Segundo Pinto (1902, p. 40), de 1867 a 1870, o engenheiro participou da construção da estação
Heitor Rademacker Grunewald (In: LIMA, 1990)
férrea que ligava Rio Grande e Jacarey em São Paulo. Segundo esse mesmo autor, o engenheiro
trabalhou juntamente com outros empreiteiros contratados pela Companhia Paulista de viação
férrea, desenvolvendo ostensivos trabalhos naquela cidade.
Outros trabalhos identificados foram a reforma da Estação de Ferro Pedro II, em 1870 – cuja
movimentação volumétrica adotada identifica-se com a utilizada no projeto do Asilo – e um projeto
de ajardinamento do Campo da Aclamação, desenvolvido por ele e Jorge Rademaker Grünewald 6 ,
também no inicio de 1870, que não saiu do papel. (Segawa, 1996, p. 170)
6
Segundo Pereira (2001) Jorge Rademaker Grünewald estudou na Escola de Belas Artes Francesa, sendo, possivelmente,
discípulo de Henri Labrouste, a partir de 1854. Na França, ele também freqüentava a Escola de Matemática e Desenho, em
favor das Artes Mecânicas.
222
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
È sabido que em 1875, Grünewald, viaja à Europa, financiado pelo Diretor Geral da Diretoria de
Justiça, A.A. de Paula Fleury (Aguinaga, 1977, p.76), com a finalidade de estudar os principais
estabelecimentos prisionais existentes nos países ocidentais, que serviriam de modelo para a
construção do asilo.
Para tanto, foi designado a visitar, especialmente, os presídios da Inglaterra, Irlanda, Alemanha e
Suécia, mundialmente conhecidos por possuírem melhores estruturas e por adotarem diferentes
Figura 154 – London Millbank Prison – Inglaterra-1813 tipos de sistema carcerário. Nesses países, existia uma grande variedade de prisões que já haviam
Disponível em: http://www.45millbank.com/images/history-45-
millbank.jpg adotado o modelo panótico, sendo que muitas outras ainda estavam sendo construídas.
Acessado em 19-01-2008
Os modelos que se destacaram trazendo esse princípio, no inicio do século XIX, na Europa, foram:
London Millbank Prison (1813-21), na Inglaterra, de Thomas Hardwick; La Petite Roquette Prison
(1826-30), em Paris, de Hippolyte Lebas; Pentonville Prison (1840), na Inglaterra, de Joshua Jebb.
Esse último trouxe significativas alterações na sua constituição física e disciplinar, muito próximas
às características do sistema norteamericano, que, posteriormente, serviu de modelo para diversos
exemplares na Europa no decorrer dos oitocentos.
Entretanto, vale salientar que diversos hospitais, no final do século XVIII, já apresentavam
disposições pavilhonares com finalidade de vigilância, como torres ou elementos centrais, ou nas
extremidades, antes mesmo do panótico de Bentham, demonstrando que essa tipologia formal tinha
multiplas especificidades. Dentre os principais projetos, podemos destacar o Hotel Dieu, de Antoine
Petit (1774), além do Hospital de Poyet.
223
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Tal configuração foi muito utilizada nos modelos de presídios panóticos radiais e, como no caso do
Asilo de Mendicidade, havia corredores ou passarelas que circundavam o bloco central e
interligavam os demais pavilhões. Esse tipo de disposição espacial, além de favorecer a vigilância
e manter a organicidade da construção, no caso das prisões, facilitou o entrecruzamento das
ventilações e dotou de melhor iluminação natural os ambientes internos.
Uma das principais características do projeto de Grünewald é a disposição dos blocos de forma
independente, o que garantia, por meio dos acessos e das passarelas, a centralidade e a ordem
interna. Tal disposição espacial também viria a facilitar a interdependência dos usuários e a
Figura 156 – Hôtel Dieu (hospital) –
Antoine Petit – França -1774 separação hierárquica dos asilados. A torre central isolada dos ambientes reclusos remete
Fonte: Ching, 2005, p. 209.
diretamente ao modelo ideal do panótico feito por Bentham.
É importante frisar o cuidado que teve o projetista, no sentido de garantir a unicidade do conjunto e
a sua centralização por meio da disposição espacial dos blocos, tendo em vista a prioridade com o
uso que a construção viria ter e sua finalidade, ou seja, asilar e reformadora de indivíduos.
Na época da construção do Asilo, o modelo norteamericano que tirava partido dos blocos radiais, já
se havia difundido pela Europa, onde muitas construções foram erguidas seguindo o exemplo
utilizado na Pentonville na Inglaterra. Uma das prisões norte americanos mais conhecidas foi a
New Jersey Penitentiary, de John Haviland (1833), cuja dstribuição, em cinco alas e corpo central,
muito se assemelha ao projeto do Asilo.
224
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
construção, mesmo em diferentes programas. Tal fato é evidenciado pela escolha dos elementos
compositivos e dos materiais e, ainda, pelas especificidades técnicas de cada região.
O Asilo apresenta uma composição em planta de dois pavimentos, na forma radial, seguindo os
modelos provindos do panótico, possuindo cinco pavilhões independentes, destinados aos internos,
que serviam de dormitórios, oficinas, enfermarias. Os pavilhões foram dispostos simetricamente,
prevendo separação de sexo e entorno do volume central, com espaços para a vigilância dos
blocos e para a capela. O bloco principal compõe o sétimo volume e configura a entrada e as
porções administrativas do prédio.
O único acesso na entrada principal demonstra o grau de reclusão que deveriam ter os internos
cujos ambientes eram limitados. Uma grande escadaria interna dava acesso ao primeiro piso do
bloco central, como também fazia distribuição das circulações para os demais. Os acessos aos
blocos pavilhonares são feitos por meio de galerias cobertas que os circundam, possuindo duas
escadarias, simétricas em relação ao eixo principal, em estrutura de ferro, que também serviam de
acesso ao pátio. Os poucos acessos internos denotam carência de organização espacial
segregaria, necessária para distribuição dos transeuntes, além de possuírem a intenção de circular
Figura 159 –Fotografia do Asilo apresentando a planta
datada do início do séc. XX do edifício antigo. pelos pavilhões sem passar pelo centro denotando que ali apresentava-se uma hierarquia.
Fonte: IPHAN – RJ.
A disposição das aberturas dos vãos seguiu o sistema de ventilação cruzada, muito usado em
hospitais, pois mantinha a renovação do ar, garantindo a salubridade nos ambientes internos.
O bloco de entrada apresenta uma configuração diferenciada dos demais do conjunto, articulando
dois volumes laterais que avançam do corpo central, mantendo uma movimentação bastante
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
parecida com a do prédio da Estação Ferroviária Pedro II, cuja reforma é do mesmo autor do
projeto do Asilo.
Na composição de sua fachada principal, verifica-se um maior apuro formal, com elementos
compositivos, evidenciados nas pilastras, marcando a estrutura do edifício, nas cornijas salientes
apoiadas em consolos e nas cimalhas, fazendo separação entre os pavimentos e suas aberturas.
Nos blocos pavilhonais, preferiu-se trabalhar a simplicidade, sem muito uso de recursos plásticos
decorativos, o que correspondia com a sua função. Vale salientar que muitas dessas construções
faziam pouco uso de elementos clássicos, pela severidade imposta no caráter da edificação.
A configuração do bloco central impõe uma característica diferenciada, na qual o uso de alguns
elementos decorativos deu ao edifício aspecto palaciano, como particularidade impressa pelo autor
do projeto, ou mesmo a intenção de harmonizar o imóvel com o conjunto de monumentos que a
cidade apresentava.
Outra característica do prédio foi o uso da cantaria em pedra gnaisse, fortemente empregada nas
construções cariocas, em todo plano térreo, cuja rusticação adotada impõe maior severidade à
composição. Dando continuidade a rustificação do térreo, as pilastras do pavimento superior
Figura 160 - Detalhe da fachada principal também apresentavam a mesma configuração, embora em alvenaria.
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ.
Para as aberturas dos vãos, optou-se pelo uso de vergas retas, sem molduras, no pavimento térreo
e, no pavimento superior, em arco abatido. Como já salientado, as cimalhas e cornijas apontam
maior severidades das envasaduras, marcando fortemente a horizontalidade da construção, sem
correspondência com as ordens clássicas, denunciando um gosto romântico-eclético. A platibanda
é vazada por série de balaústres no bloco principal, sendo cheia nos demais. Ainda na fachada
principal, apenas três janelas recebem comodulação diferenciada das demais e uma sacada com
peitoril de balaústres, denotando importantes funções para esses ambientes.
227
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A implantação do Asilo seguiu as decisões da diretoria da Casa de Correção da Corte, que cedeu a
área para sua construção, cuja localização ficou nas suas proximidades, o que facilitava o
transporte dos presos condenados a penas mais leves, locados naquele estabelecimento.
Além disso, pelo pouco vulto de construções no local, os dois empreendimentos estariam ligados
entre si, tanto pelas funções quanto pelo emblema de ordem e disciplina, determinando uma área
propícia a esse fim. Com as demandas sociais e o crescimento dos bairros, as intermediações no
entorno do edifício foram, aos poucos, aumentando em sua densidade urbana, especialmente pelo
projeto inconcluso da Casa de Correção e pela perda da função específica do Asilo.
Por meio de um núcleo central, foram dispostos cinco blocos pavilhonares, cujas disposições de
direção e movimentação tendiam para um único eixo, situado no bloco central. Segundo os
Figura 161 – Localização da área de implantação do em 1885
já apresentando uma área urbanizada desenvolvida dez anos
modelos mais consagrados, de distribuição das alas radiais, a configuração morfológica do Asilo se
após a desobstrução, prolongamento e urbanização do aproxima dos modelos norteamericano e inglês.
Mangue iniciada em 1875.
Fonte: Arquivo da Biblioteca Municipal.
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 162 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de prisões
que se encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Asilo de Mendicidade
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Figura 164 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores
dos ambientes internos e hierarquias espaciais. Configuração da organização proximidade.
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O edifício é composto por três conjuntos de elementos, com distintas funções e hierarquias,
organizados topologicamente por proximidade. Cada atividade é abrigada e realizada dentro do
seu volume específico. Os blocos pavilhonares articulam-se em série, possuindo uma relação
específica com a forma do centro irradiador, estabelecendo uma orientação rotacional em torno dos
seus eixos.
A geometria do conjunto indica uma repetição radial, ordenada por dois eixos que se relacionam a
duas formas básicas, o dodecágono e o quadrado, que, associados, constituem o elemento central.
Essa associação de formas permitiu uma organização centralizada e estável para o conjunto. Os
eixos também relacionam-se com os arranjos regulares dos espaços e trabalham na direção dos
acessos e movimentos internos. (figura 166)
Segundo sua forma básica, os elementos retangulares predominam na composição como um todo.
Apenas no formato do núcleo optou-se por trabalhar a união de dois elementos distintos, já citados
anteriormente. Outro elemento importante no conjunto é o desenho das circulações, contorno
interno,que interliga os volumes adjacentes ao centro. (figura 164)
È importante frisar que, apesar da organização centralizada, ou mesmo a partir dela, assume-se
uma série de relações lineares e de transformação geométrica. No projeto, é visível a importância
das linhas estruturais das paredes laterais dos pavilhões na conformação do desenho hexagonal
das circulações, e vice-versa, que, por sua vez, configura-se uma inversão à forma do centro,
constituída a partir de um polígono de doze lados.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 166 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e
indicações dos acessos. Observação das duas formas de organização envolvidas: a linear e a radial.
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Os cincos blocos dos pavilhões possuem uma configuração diferenciada das tipologias de prisão –
mas quais eram mais alongados longitudinalmente e mais estreitos por conta das celas individuais
–, comportando um ambiente mais espaçoso e sugerindo uma distribuição de leitos ou outras
atividades que requeressem mais espaço para os internos.
Na fachada principal, as linhas verticais dos pilares do bloco central apontam para uma
preocupação em diferenciar essa estrutura à dos demais volumes, apresentando um padrão
simétrico similar à planta baixa. Sua configuração retangular sugere uma organização feita por
meio de malha, ou eixos, mantendo-se em mesmo sistema de coordenada com seus dois blocos
laterais. (figuras 164 e 166). Outra particularidade do conjunto, ou mesmo outra possibilidade de
agrupamento, pode ser apontada pelo uso de retângulos áureos na conformação dos blocos
pavilhonares adjacentes e na forma hexagonal homotética ao desenho do centro.
Vale salientar que é comum o uso de polígonos regulares como contorno dos blocos radiais, como
o hexágono e o octógono. No desenho da planta do Asilo, ele se apresenta seguindo do sólido
regular de dez lados concêntrico ao sólido do núcleo. Essa configuração apresenta-se de forma
bastante inusitada, não apenas dentro das tipologias mais famosas, mas também na mudança de
relação com da forma do núcleo central, fato que se integra perfeitamente nas relações com os
retângulos áureos. Nesse sentido, partimos para duas opções de organização espacial do conjunto
na busca por sua unidade: uma extrovertida, na qual o centro é o elemento definidor, e uma
introvertida, cujo desenvolvimento partiu do polígono regular envoltório, que mantêm uma relação
áurea, garantindo a proporcionalidade das partes com o todo.
Diante dessas especulações, podemos, de antemão, apontar que o seu projetista partiu das
possibilidades compositivas particulares, utilizadas segundo sua própria escolha ou segundo o
caráter que queria impor à construção, garantindo a autenticidade projetiva e compositiva.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Figura 168 – Possível organização do conjunto, segundo a lógica do polígono regular circunscrito.
Observação do polígono de dez lados e sua especificidade com a relação áurea. Organização por
adjacência dos retângulos áureos conformadores dos volumes. 234
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Construída numa área de aterro às margens do rio Capibaribe, trata-se de uma das mais
significativas construções levantadas no século XIX, na cidade do Recife, que alterou a paisagem
urbana e até mesmo a planta da cidade.
O caráter civilizatório dos ordenamentos dos espaços também estava contido na limpeza das ruas e
na retirada dos ociosos e loucos que perturbavam a paz e a moral da sociedade. Na cidade do
Recife, existia a Cadeia Velha, como ficou conhecida após a inauguração da Casa de Detenção
(Cadeia Nova). A Cadeia Velha foi desativada logo após a inauguração do edifício, sendo os
presos enviados para as suas novas instalações.
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
O prédio foi inaugurado em 1855, com apenas um raio pronto, porém dotado de toda coerência, no
que concerne à comodidade, asseio e salubridade – preocupações do seu construtor – e começa a
funcionar em 1856.
Um dos acontecimentos importantes para a história da cidade do Recife, no século XIX, foi a visita
do Imperador D. Pedro II, em 1859, que não deixou de conhecer a construção e ficou
impressionado com a vultuosidade da obra. Nessa época, também a Casa de Detenção já recebia
presos de diversas províncias do norte, fato que levou o Imperador a achar que a obra deveria ser
feita pelo Governo Geral.
A Casa de Detenção foi projetada pelo engenheiro pernambucano José Mamede Alves Ferreira,
segundo as tipologias de construções carcerárias vigentes na época. O modelo funcional previsto
Figura 170 – Vista Aérea do conjunto mostrando a fachada para a Penitenciária inseria-se dentro do sistema prisional aplicado na Eastern Penitentiary, da
posterior do edifício.
Fonte: Fundarpe Philadelphia, com confinamento solitário à noite em celas individuais, sendo que, durante o dia, os
trabalhos poderiam ser feitos no mesmo local. As celas, que foram projetadas para comportar de
dois a cinco indivíduos, tinham até 12 presos em 1859. A obra só viria a ser concluída após a
morte do engenheiro, em 1867, e, ao longo dos 17 anos de construção, sofreu alterações e
modificações.
O edifício estabeleceu-se como um dos monumentos públicos da cidade desde sua inauguração,
funcionando ininterruptamente por quase 120 anos, até ser fechado em 1973, sendo, por quase
todo esse tempo, a única grande penitenciária do estado.
O edifício sofreu uma grande restauração, por meio da qual lhe foram atribuídas melhorias no seu
sistema estrutural, a exemplo da cúpula – inexistente na época da restauração, em 1974 –, que foi
reconstruída graças ao projeto original ainda existente no Arquivo Público da cidade. Após a
236
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
restauração, vem funcionando, desde 1976, como Casa da Cultura, na qual foi instalado, um
grande número de galerias nas celas, para o comércio artístico, além do Museu do Frevo.
237
Elevação
Casa de Detenção Iconografia
Dados do Imóvel
O autor do projeto da Casa de Detenção, José Mamede Alves Ferreira, comentado, no capitulo
anterior, por também ter projetado o Hospital Pedro II em Recife, tornou-se à época de inicio da
construção da penitenciaria, Diretor da Repartição das Obras Públicas da Província (1850- 1856).
Marcou a paisagem recifense com várias obras de melhorias, dando andamento às idéias
modernizadores surgidas na gestão de seu antecessor Vauthier. Tais projetos o vieram agraciar
como um dos mais competentes profissionais da capital, sendo que, até a atualidade, seu edifício
ainda é considerado como parte importante na historiografia arquitetônica da cidade.
A Casa de Detenção, em particular, mereceu grandes elogios, na época, pela sua concepção
arrojada e moderna 7 , cujo partido o autor preferiu buscar nos tipos mais aprimorados do sistema
panótico. O engenheiro preferiu adotar um modelo já consagrado para esse tipo de programa,
Figura 171 – Cherry Hill Prison – Philadelphia –1823-9
Disponível em: <http://www. olhares.uncovering.org>
assim como o fez para o Hospital Pedro II, na mesma cidade.
Acessado em 19-01-2008
Segundo o próprio Mamede, o partido adotado foi o “panótico radiante, construído no sistema da
Pensilvânia, contendo três raios, nos quais existem um corredor no centro e celas de um e outro lado, com
8
capacidade para conter 1, 3 e 5 indivíduos”. (COSTA & ACIOLI, 1985, p. 33).
A Eartern Penitentiary foi construída, entre 1823-1829, por John Haviland, e previa um modelo de
confinamento em celas individuais dia e noite para os detentos, distribuídos em pavilhões radiais,
7
“Começou a funcionar a Casa de Detenção em 1856 e, segundo Gilberto Ferrez ‘era um dos melhores, senão o primeiro
estabelecimento do gênero no país, por suas instalações e métodos modernos’”. Citação de Ferrez ao prefácio de Álbum de
Pernambuco. Apud. Costa & Acioli, 1985, p. 35.
8
Mamede deixou relatórios descritivos das obras que realizara. Estes estão disponíveis, no Arquivo Público do Estado de
Pernambuco e também foi colocado em algumas passagens da sua biografia “José Mamede Alves Ferreira: sua vida – sua
obra, 1820-1865”, publicada em 1985 pelo próprio Arquivo Público Estadual.
Figura 172 – Plano da New Jersey State Penitentiary –
John Haviland – EUA – 1833
Fonte: Sousa, 2000, p.88.
239
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
possuindo um único centro de vigia, e cujo sistema de disciplina previa o trabalho, o silêncio e a
penitência. O modelo de prisão de Haviland foi bastante difundido, não apenas nos Estados
Unidos, mas em quase toda Europa, no decorrer do século XIX, especialmente a partir do modelo
Inglês Pentonville Prison, construído, em 1840, por Joshua Jebb.
Segundo Sousa (2000, p. 87) Mamede adotou como modelo o projeto original da New Jersey State
Penitentiary 1833-1836, de John Haviland, para o esquema de distribuição dos pavilhões e
conformação plástica da planta da Casa de Detenção. Segundo Nascimento (2008, p.91), sabe-se
que as soluções utilizadas nas construções prisionais respondiam fielmente a um conjunto de
indicativos em voga nos meios de criminologia e penalogia do século XIX.
O engenheiro preferiu adotar uma disposição cruciforme para os pavilhões de celas, radiando a um
núcleo octogonal, dispensando os blocos em diagonais e a configuração circular do bloco central,
Figura 173 – Fachada Principal da New Jersey State
Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 apresentados na penitenciária americana. A quantidade de celas também foi menor no presídio
recifense e a disposição do terreno seguiu o plano de aterramento feito pelo próprio engenheiro,
que também previa novos arruamentos e a construção de um cais na frente.
Todavia, Mamede volta dos seus estudos na Europa por volta de 1846, trazendo de lá, na
bagagem, todo o conhecimento adquirido para sua profissão, o qual fazia justiça ao destino dos
engenheiros que trabalhavam para o Estado. Tais conhecimentos, tanto na parte de gestão
administrativa quanto na área do projeto, apontam para um profissional altamente qualificado para
as atividades públicas.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A semelhança, em planta, com o modelo norteamericano pouco tinha a ver com sua elevação,
tendo o engenheiro optado por lhe dar um caráter palaciano, diferente dos exemplos
norteamericanos, ou mesmo dos europeus, que utilizavam formas mais carregadas, fazendo alusão
a fortificações, fortalezas e outras composições do gênero. Esse tipo de associação historicista
também não faltou na composição da Casa de Detenção, onde se optou pelo uso de elementos
solidamente marcantes, com uso inusitado de linhas curvas e retas na platibanda, uma cúpula cuja
base é um octógono truncado, além de pouquíssimos recursos clássicos, tanto externamente
Figura 175 – Vista da fachada quanto internamente, identificando o autor do projeto com a linha dos arquitetos racionalistas
principal do Hospital Pedro II
Fotos da Autora, 2008. franceses, como Bollée e Ledoux.
É nesse sentido que o engenheiro garantiu a originalidade do conjunto e conseguiu dar caráter
próprio a construção, que se inseria dentro do panorama das construções recifenses da época,
muitas por ele mesmo projetadas, como o Ginásio Provincial e o Hospital Pedro II. O próprio tipo
de composição radial, opção de Mamede, nos faz crer que ele estava bem atualizado com as
principais tendências em voga, segundo as quais muitas dessas construções ainda estariam sendo
construídas.
Segundo Nascimento (2008, p. 92), “a Casa de Detenção do Recife era um típico exemplo de uma
penitenciária ideal do século XIX, com todas as suas particularidades, especificidades, qualidades e
limitações”.
241
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A planta, em forma de cruz, foi dividida em quatro braços e um centro, seguindo o sistema panótico
radial. Os três blocos de celas possuem cantos arredondados, semelhantes ao da planta do New
Jersey Penitentiary (figura 172), com três pavimentos. Para a distribuição das celas, originalmente
foi previsto que todas fossem individuais; porém, a demanda foi maior do que a prevista no projeto,
tendo sido preciso fazer adaptações para que em cada cela pudessem caber dois ou mais detentos.
A planta foi composta por quatro alas – norte, sul, leste e oeste –, que possuíam funções
específicas tais como:
1) na ala oeste, à entrada, dois torreões octogonais de guarda, com dois andares – ao lado de cada
um funcionavam guaritas para os vigias –, ladeados por uma muralha de proteção de quatro metros
de altura; um bloco principal retangular, com dois pavimentos que comportavam todo o setor
administrativo, no térreo, e, no segundo andar, a morada do administrador e a capela;
2) nas alas norte, sul e leste, os três raios de celas divididas lado a lado, com três andares cada,
que comportavam celas individuais no primeiro pavimento e, no segundo e no terceiro, celas em
grupo. No terceiro pavimento da ala sul também ocupariam espaços as enfermarias, postos de
vacinação, banhos e sala para pequenas cirurgias.
O hall principal, com pé direito triplo, apresenta-se como o intermediário entre as alas, destinado à
vigilância contínua dos pavilhões e encimado por uma cúpula de formato diferenciado. Nesse vazio
do espaço central, a vigilância era feita por meio de uma sacada que ficava no nível do segundo
pavimento (figura 179). Esse posto de observação possuía o mesmo desenho do espaço central,
“sendo concebido em forma de púlpito – tal característica é a que demonstra maior similaridade do edifício com
o Panótico”. (NASCIMENTO, 2008, p. 92).
Figura 178 – Plantas dos três níveis do projeto da Casa de
Detenção. - Fonte: Fundarpe
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Todos os acessos internos davam para o hall central, que apontava para a saída principal da
construção. No pavimento térreo do hall central, duas portas davam acesso aos pátios nordeste e
sudoeste da Casa de Detenção.
As escadarias localizavam-se em cada extremidade lateral das alas pavilhonares. Elas conduziam
a estreitos corredores de acesso às celas, tanto no segundo pavimento quanto no terceiro. No
bloco principal da administração, outro acesso vertical facilitava a circulação interna dos
funcionários, configurando espaços bastante hierarquizados.
No que concerne à salubridade interna, foi prevista, no projeto, água em todas as celas, que seria
fornecida por meio de um tanque situado nas extremidades dos raios, que, por sua vez, eram
cheios por um sistema de bombas. Os banheiros para presos e empregados também foram
colocados nas extremidades das alas, para melhor funcionalidade e, ainda, na intenção de manter
Figura 179 – Vista do hall central mostrando a sacada de os ambientes limpos e salubres. (COSTA & ACIOLI, 1985).
vigilância e as aberturas aos blocos pavilhonares.
Fonte: Nascimento, 2008, p.94.
A fachada principal apresenta-se horizontalmente desenvolvida, pela extensão simétrica das alas
norte e sul, possuindo um corpo central avançado para fora, com uma frontaria remetendo aos
moldes clássicos, constituído de um frontão triangular com um brasão no tímpano. Os cunhais lisos
fazem a marcação estrutural, apresentada apenas no volume do bloco central.
Uma grande cúpula de volume elevado e o lanternim adotam o mesmo formato octogonal truncado,
existente no hall principal do edifício, compondo as fachadas de formatos diferentes. Vale salientar
que a cúpula foi inicialmente construído em alvenaria e, no momento de sua restauração, em 1974,
ela não mais existia, sendo colocada, em seu lugar, outra em estrutura metálica, seguindo o projeto
existente elaborado por Mamede.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No acesso principal, há dois pórticos de cantaria de pedra portuguesa, com modenatura rustificada,
e um portão em ferro fundido trabalhado, marcando a severidade da construção, ladeados pelos
torreões, o que remete à configuração das seteiras das construções fortificadas.
Em toda a extensão das fachadas, a linha da cimalha que arremata a platibanda é fortemente
marcada, estando presente em todos os volumes, apontando a horizontalidade do conjunto. A
platibanda cheia também aponta o lado mais severo da construção, projetada de forma inusitada
nos blocos pavilhonares, com uma curvatura saliente nas extremidades, de forma a deixar aparente
Figura 181 – Vista entrada principal do presídio
Foto da Autora. a cobertura de duas águas, e insinuando frontões nas fachadas laterais.
As aberturas dos vãos das alas norte sul e leste constituem dois tipos de configuração: quadrada,
nas laterais, e em arco pleno, nas extremidades das circulações. Na ala oeste, bloco
administrativo, as aberturas apresentam-se em arco pleno, assim como nas laterais do hall central.
As torres da entrada do presídio são cercadas de aberturas em todos os lados da sua forma
poligonal, lembrando seteiras usadas em construções fortificadas.
Quanto aos materiais, optou-se por usar molduras simples em cantaria de pedra em todas as
janelas, com grades de ferro, apenas nos blocos pavilhonares, desenhadas pelo engenheiro. As
passarelas de acesso às celas possuíam piso em reguado de madeira, com corrimãos em ferro,
assim como a sua estrutura, também confeccionada em ferro, com as mãos francesas denotando,
também, caráter decorativo.
Na cobertura, foi previsto um sistema de ventilação zenital e de iluminação natural onde foram
usadas telhas de vidro, dispostas nos corredores das alas de celas.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
A Casa de Detenção situa-se na zona central do Recife, às margens do Rio Capibaribe, área
constantemente alagada, em função das cheias, tendo sido preciso um trabalho de aterramento
para sua construção. O local foi escolhido pelo engenheiro José Mamede, numa área isolada,
porém próxima das autoridades policiais e judiciais.
O edifício seguiu os modelos consagrados para esse tipo de programa, segundo a lógica de
distribuição radial. Sua organização planimétrica foi em forma de cruz, na qual foram distribuídas
as alas norte, sul, leste e oeste, sendo os três primeiros raios destinados às celas e o ultimo ao
setor administrativo do presídio.
Apesar da sua configuração não circular, a disposição do bloco central em relação às alas de celas
resolve perfeitamente a questão da máxima visibilidade requerida pelo programa. Um outro fator
que beneficia a vigilância e o controle são as amplas aberturas nos acessos aos raios, que
Figura 184 – Planta da
Cidade do Recife em 1878 alcançavam pé direito triplo.
Fonte: Museu da Cidade do
Recife
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Figura 185 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de
prisões que se encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico da Casa de Detenção
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Figura 187 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores
dos ambientes internos e hierarquias espaciais. Configuração da organização proximidade.
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O conjunto é composto por três tipos de elementos de distintas funções e hierarquias, organizados
topologicamente por proximidade, com um núcleo central em comum. Cada atividade é realizada
dentro do seu volume específico. Os três blocos de celas são distribuídos conforme rotação de 90°
graus em torno do núcleo central, configurando elementos idênticos.
O edifício apresenta uma geometria ortogonal articulada nas definições dos eixos, que mantêm uma
estrita relação de centralidade com o núcleo. O desenho do elemento central sobressai na
elevação frontal e se configura num prisma, cuja base é um octógono truncado, encimado por uma
cúpula do mesmo formato. (figuras 186 e 187)
É das arestas desse prisma que saem os demais volumes que vão se adequar ao conjunto,
mantendo o equilíbrio pela simetria. Os três tipos de elementos, segundo sua forma básica,
apresentam desenhos diferenciados, apontando uma movimentação bem equilibrada na sua
elevação.
Por meio dessa disposição, essa opção já aponta um dos caminhos que o autor pode ter utilizado
para garantir a unicidade das partes com o todo, ou mesmo pode sugerir o uso de uma malha
ortogonal – muito embora seu módulo não seja a forma quadrada –, que gera um sistema no qual
podemos identificar também sua relação com a elevação frontal. É importante frisar que a
composição tinha o propósito de manifestar, no seu volume, os diversos componentes do
programa, gerando uma conformação dinâmica.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Figura 189 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos
acessos. Observação da predominante organização linear do conjunto e sua associação de medidas.
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As linhas que definem a estrutura dos blocos pavilhonais assumem os alinhamentos principais,
possuindo distâncias fixas entre eles, tanto no sentido horizontal quanto no vertical, além de se
relacionarem com as elevações (figura 189). O bloco administrativo diferencia-se dos demais,
possuindo características lineares próprias e, ao mesmo tempo, comuns com o bloco central. Esse
último articula-se com as demais estruturas, conformando o todo. Os dois torreões, na muralha de
acesso, também constituem parte importante na composição, indicando a entrada da edificação, e
estão dispostos simetricamente segundo o eixo principal. Seus volumes apresentam-se como
prismas de base octogonal, cujos eixos articulam-se com as laterais do bloco administrativo.
Segundo o sistema proporcional, podemos sugerir outra possibilidade de organização das partes
com o todo construído, cuja disposição apresenta-se intimamente ligada à figura do polígono
central, o octógono, demonstrando ser ela o principal articulador do conjunto, tanto em planta
quanto em elevação. (figura 191).
A série de quadrados encontrados e retângulos √2 apontam uma busca por uma razão associativa
das partes com o todo, que poderia ter sido inicializada pela quadratura do octógono central. Tal
conformação evidencia um apuro matemático geométrico, característico do engenheiro, cujo
cuidado em transmitir uma singularidade formal a sua obra garantiu-lhe um trabalho de grande
maestria.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
Os dois edifícios estiveram ligados às reais necessidades de ordem nos espaços públicos e
atuaram como reformadores de indivíduos que não se adequavam às normas da sociedade vigente.
O Asilo de Mendicidade, no Rio de Janeiro, apresentou-se como uma instituição ligadas às práticas
corretivas, seguindo para o sentido da caridade, na qual seus ambientes não comportam a clausura
das prisões individualizadas, mas uma lógica de acomodação paga pelo trabalho. O sistema
panótico radial demonstrou ser uma opção para a manutenção da ordem interna e também da
externa, demonstrada pelo fechamento que sua configuração plástica aponta.
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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife
No caso da Casa de Detenção do Recife, a opção pelo modelo panótico foi mais direta, pois, como
uma instituição prisional, precisaria adotar um sistema mais eficaz de vigilância, de acordo com os
mais modernos da época. A necessidade dessa construção surgiu da demanda provocada pelas
constantes rebeliões no estado de Pernambuco; em função dessa demanda pela ordem, optou-se
por uma construção de tamanho considerável, que por muito tempo serviu ao estado com sua
função inicial.
possuem influência dos modelos panóticos radiais, com organização pavilhonar, mais
importantes do cenário prisional;
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Figura 193 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos formais.
Imagens aéreas atuais disponíveis em: < http://maps.google.com.br>
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Segundo a figura 193, constatamos que os dois projetos inseriram-se no panorama internacional
como duas construções que mantém a mesma tipologia, porém fazem parte de um contexto
característico a cada um.
Seus projetistas optaram por uma configuração plástica, adequada às finalidades a que se
propunham e souberam manter um caráter próprio, tanto para o programa quanto para as
especificidades compositivas dos autores do projeto.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro dos parâmetros de desenvolvimento da arquitetura brasileira em meados do século XIX, muitos edifícios erigidos com o léxico clássico, demonstram
erudição de cunho acadêmico e evidenciam a inserção de novos programas, denotando características de progresso e civilização para as cidades em
desenvolvimento.
Observando o Brasil no início do século XIX, ainda em fase de estruturação das capitais, as cidades ainda mantinham a aparência colonial em suas
construções. Porém, algumas edificações se destacaram com uma plasticidade e função diferenciada como o ‘Palácio dos Governadores’ em Belém do
Pará (1767), Igreja da Candelária no Rio de Janeiro (1775), Associação Comercial de Salvador na Bahia (1814), Associação Comercial no Rio de Janeiro
(1816), Residência do Monarca na Quinta da Boa Vista Rio de Janeiro (1808), Palácio Episcopal no Recife (1830).
Após a Independência e especialmente com a formulação da primeira Constituição do País, o crescimento começa a despontar timidamente, tendo grande
impulso com a formação da elite burguesa que vai exigir condições condignas para as novas formas de convívio social e cultural que começava a exercer
forte influência na dinâmica das cidades. Foi preciso, entretanto, iniciar uma grade modificação na paisagem urbana – ordenando, saneando,
embelezamento – de maneira a atender diretamente às reais necessidades de uma sociedade moderna e culta.
Os centros litorâneos do país tiveram maior destaque na produção arquitetônica brasileira. Cidades como: Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belém, Porto
Alegre e São Paulo, estiveram à frente quanto à adoção de novos estabelecimentos de caráter utilitarista, e destacaram como prioridades: o lazer, a saúde e
a ordem dentre outras questões, demonstrando nítido interesse pela modificação da paisagem colonial e nas atitudes civilizadas da sociedade.
Grande parte da produção arquitetônica do país está ligada às obras estatais locais que, desnecessárias na fase colonial, surgem com a necessidade de
construção de edifícios de porte considerável, comunicando muitas vezes os aspectos progressistas do desenvolvimento, tendo em vista, também, o
crescente aumento da vida intelectual. O papel dos governantes com seus responsáveis técnicos, arquitetos e engenheiros, à frente dos estabelecimentos
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públicos destinados à administração urbana e ao ordenamento das cidades também se apresenta como importante contexto para se compreender essa
produção.
Programas utilitários com finalidades sociais, assistenciais e reformadoras tiveram maior empenho, demonstrando ser as principais vias de civilidade
almejadas para as cidades no decorrer do século XIX. (PEVSNER, 1976) Considerando, também, o percurso da evolução do ensino e da arte de projetar,
seja para os arquitetos ou para os engenheiros envolvidos na dinâmica das grandes modificações ocorridas, percebemos que a atuação desses profissionais
denota uma integração e conhecimento da sua arte ao cenário internacional. As experiências vividas por cada profissional bem como a relação com o
aprendizado recebido, é demonstrado por meio dos exemplares construídos.
A arquitetura no decorrer do dezenove, pela sua monumentalidade, configurou-se como marcos referenciais cuja semelhança de programas encontrados nas
principais capitais já citadas, apontam para uma relativa unidade existente no país. Relativa em relação às diferentes cronologias em que foram surgindo
levando em consideração as fases de desenvolvimento de cada capital.
O Rio de Janeiro e o Recife como duas das principais capitais do período, evidenciam a inserção de diversos programas, no qual observamos que muitas
dessas construções assemelhavam-se tanto nos partidos, quanto na estética classicista especialmente. Tal fato condiz com o momento progressista que
ocorria nas principais províncias que, à época já autônomas, conseguiam alcançar o patamar de civilidade sugerida nas sociedades européias modernas.
Uma das formas de se perceber a integração desses centros às idéias vigentes no século XIX foi o desenvolvimento que sofreram a partir da abertura dos
portos, dada a importância das cidades portuárias durante o período colonial, e, especialmente, com o livre comércio, onde se tornam autônomas e
começam a fomentar melhores estruturas para a elite burguesa que surgia. As cidades mantiveram-se em constantes negociações comerciais com países
europeus, especialmente França e Inglaterra, onde intensificaram o comercio de importação e exportação assim como a absorção de culturas desses dois
países.
A busca por uma linguagem própria para cada programa, sob um julgamento universal e atual para a época, demonstrou a integração desses profissionais
atuantes no Rio de Janeiro e no Recife, aos principais modelos e tipologias internacionais, o que compreende uma visão homogênea das necessidades e
anseios do profissional da época, especialmente os que deveriam estar a frente obras públicas do Estado.
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Dos seis edifícios analisados percebemos que eles se inserem dentro do panorama mundial, onde alguns exemplares são coetâneos aos modelos mais
consagrados, o que traduz ser a produção brasileira bastante rica e desenvolvida, tanto no aspecto técnico quanto artístico. Segundo os estudos dos
exemplares podemos apontar as seguintes considerações sobre a arquitetura oitocentista brasileira:
2. As influências não partem de uma única fonte, onde para o mesmo programa podem-se associar conteúdos formais e funcionais diferentes;
3. Matriz deixa de ser exclusivamente a portuguesa, traduzindo em um rompimento com as raízes coloniais;
4. É uma arquitetura que participa do panorama internacional, pois os exemplares apresentados configuram-se outros modelos pertencentes a uma
tipologia formal consagrada;
5. As fontes configuram padrões de modernidade a seguir, como principal parâmetro de desenvolvimento e progresso que as capitais e seus
governantes queriam ostentar;
6. Os programas permanecem segundo os mais modernos métodos de funcionamentos em vigor nos países europeus;
7. Não havia modelo específico a seguir e os padrões se diversificam de acordo com cada programa;
8. Configuram modelos monumentais evidenciados por meio dos aspectos formais especialmente os referentes à horizontalidade (cornijas e cimalhas);
9. Simplicidade nos elementos constitutivos (opção construtiva, prazos de construções relativos à gestão dos empreendedores ou falta de recursos);
10. Primeiras construções serviam de modelo para as demais províncias, configurando um tipo, especialmente o teatro;
11. O desenvolvimento da produção se inicia a partir do final da primeira metade do século, fase de implantação das obras de melhoramentos das
cidades;
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12. Os setores sociais empenhados na mudança da paisagem das cidades foram a classe política, a elite burguesa, a classe comercial e a classe
médica.
França – pelos modelos consagrados e métodos de funcionamentos segundo preceitos científicos modernos, e especialmente pelo método
de ensino e a prática profissional adotado nas academias brasileiras;
Muitos dos programas existentes na paisagem das cidades se configurariam imagens que se deseja constituir como símbolo de progresso e civilidade. Para
imagem da cidade associaram uma dialética entre arte e ciência, belo e útil, antigo e novo. Contudo evidenciamos os apontamentos de Salgueiro (2001) que
vai esclarecer que “as representações sobre as quais se apóia a concepção dessa cidade não são nem cronologicamente ordenadas, nem claramente formuladas – o que
não impede, porém, o reconhecimento dos modelos culturais em que elas se inscrevem”
Talvez num aprofundamento mais substancial, referente a produção arquitetônica das demais províncias, poderemos mostrar as discrepâncias e as
coerências encontradas nas mudanças das realidades físicas das cidades. Compreendendo as relatividades do histórico de cada região, apontando
semelhanças que podem surtir em um maior entendimento do processo constitutivo da Arquitetura do século XIX no Brasil e porque não dizer, da Arquitetura
brasileira do século XIX.
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