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Lazer, Saúde E Ordem: Principais Programas Desenvolvidos Na Arquitetura Do Século XIX No Rio de Janeiro e No Recife

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LAZER, SAÚDE E ORDEM

Principais programas desenvolvidos


na arquitetura do século XIX no
Rio de Janeiro e no Recife

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


Programa de pós-graduação em arquitetura
PROARQ - FAU / UFRJ

Doralice Duque Sobral Filha

2009
.

UFRJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA – PROARQ – FAU

LAZER, SAÚDE E ORDEM


Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Mestranda: Doralice Duque Sobral Filha

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade


de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em Arquitetura.
Linha de pesquisa em Pensamento, História e Crítica da Arquitetura.

Orientadora: Profª Drª Cláudia Carvalho Leme Nóbrega

Rio de Janeiro
Março / 2009
FOLHA DE APROVAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA – PROARQ – FAU – UFRJ

LAZER, SAÚDE E ORDEM


Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Mestranda: Doralice Duque Sobral Filha


Orientadora: Profª Drª Cláudia Carvalho Leme Nóbrega

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade


de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em Arquitetura.
Linha de pesquisa em Pensamento, História e Crítica da Arquitetura.

Banca Examinadora:

________________________________________
Profª Drª Cláudia Carvalho Leme Nóbrega (Orientadora)

________________________________________
Drª Cláudia S. Rodrigues de Carvalho (Fundação Casa de Rui Barbosa)

________________________________________
Profª Drª Beatriz Santos de Oliveira (FAU-UFRJ)

Rio de Janeiro
Março / 2009
Sobral Filha, Doralice Duque.

Lazer, Saúde e Ordem: Principais programas desenvolvidos


na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife /
Doralice Duque Sobral Filha. Rio de Janeiro: UFRJ / FAU /
PROARQ, 2009.

XVIII, 244f. il.; 21 cm

Orientadora: Claudia Carvalho Leme Nóbrega. Dissertação


de Mestrado – UFRJ / PROARQ / Programa de Pós Graduação
em Ciências em Arquitetura, 2009. Referências Bibliográficas: f.
236-241.

1. História da Arquitetura. 2. Século XIX. 3. Dissertação. I.


Nóbrega, Claudia Carvalho Leme. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de
Pós-graduação. III. Título.
À Glauco, pelo amor, companhia, ajuda e incentivo.
Agradecimentos

Uma dissertação nunca é única, pertence a todas as pessoas que estiveram comigo, perto ou
longe, durante esses dois anos de trabalho.

À Claudia Nóbrega pela excelente orientação, agradeço muitíssimo, especialmente por acreditar em
uma idéia que mesmo distante lhe pareceu interessar. Pela amizade e confiança.

Agradeço muitíssimo ao CNPq, pela bolsa de incentivo à pesquisa, que me ajudou com
financiamento dissertação, com livros, viagens, fotografias, praticamente todas as atividades de
mestrado.

Agradeço ao programa da FAU-Proarq, funcionários e professores pela ajuda e pela ampliação dos
conhecimentos pertinentes ou não à minha pesquisa.

Aos amigos do mestrado turma 2007-2009: Ana Paula, Benvinda, Silvino, Marise e Denise por
compartilhar conhecimento, amizade e força.

Aos meus sogros Terezinha e Antônio Carlos Romeo, pelas orações, incentivos e correções de
textos.

À minha família, mãe, pai e irmãos, que mesmo distantes, creditam empenho, discernimento, apoio
e carinho.

Meus agradecimentos, inestimáveis para todos os meus amigos em Pernambuco, que acreditaram
nas minhas idéias e esperanças. Espacialmente à Maria Reynaldo, Luziana Carvalho e a Pedro
Valadares, excelentes arquitetos, pelas conversas, pesquisas, livros e fotografias.
O sentimento em nós é brasileiro, a imaginação é européia.
Joaquim Nabuco
RESUMO

A dissertação tem por finalidade contribuir para uma visão crítica da arquitetura brasileira do século XIX, tendo como pressuposto a necessidade de
progresso e ordem nos espaços urbanos fruto de preocupações mundiais. Essas ‘necessidades’, estarão presentes em diversas cidades do país,
especialmente no decorrer da segunda metade do oitocentos.

A diversidade de programas em que se apresenta a produção arquitetônica do período, configuraram-se fontes de percepção das três prioridades políticas e
sociais, o lazer, a saúde e a ordem, que vieram a se destacar como principais vias de desenvolvimento urbano das principais capitais do país.

Por meio de duas das principais capitais do país, Rio de Janeiro e Recife, que procuramos ampliar a compreensão do fenômeno arquitetônico, apontando
seis exemplares mais representativos para a ordem urbana nessas duas cidades.

Os teatros como programas destinados ao lazer, e por terem uma conformação destinada ao público e o privado, se mostrou como um dos principais
emblemas civilizatórios que ambas cidades procuraram ostentar. Tanto o Real Teatro São João no Rio de Janeiro quanto o Teatro Santa Isabel no Recife,
apontam especificidades históricas próprias e características formais comuns e estão intimamente ligadas as fases em que foram construídas.

A inauguração dos programas de saúde diferenciados – no Rio de Janeiro com o Hospício Pedro II e no Recife como Hospital Pedro II – tiveram papel
importante na assistência pública e na salubridade dos ambientes, assim como para o desenvolvimento científico médico. Esses empreendimentos
mostraram-se como construções monumentais, inseridas dentro dos principais modelos internacionais.

O Asilo de Mendicidade no Rio e a Casa de Detenção no Recife, representaram a necessidade de segurança e ordem nos espaços públicos, e atuaram
como reformadores de indivíduos que não se integravam as regras de moral e ética da nova civilidade. Ambas construções souberam bem associar o
controle e a vigilância desses indivíduos pela integração entre forma e função.

Demonstramos com isso, que as tipologias apresentavam-se filiadas às soluções arquitetônicas mais modernas para a época, estando sempre inseridos
dentro dos principais modelos internacionais, associando as idéias de belo e útil, segundo os preceitos científicos vigentes.

Palavras-chave: século XIX, ordenamento urbano, programas arquitetônicos, forma e funcionalidade.


ABSTRACT

The finality of the research is to give a contribution to a critical vision about brazilian architecture in the 19th century, under a scenery that manifested a world
concern about needs of order and progress in urban spaces. Those needs were present in several brazilian cities, specially along the second half of the
eighteen hundred years.

The diversity of programs that features the architectural prodution, in the period, were sources to the perception of the three political and social priorities:
leisure, health and order, that became the main ways of urban development in most brazilian capitals.

Through the study of two of them, Rio de Janeiro and Recife, the research trys to improve the understanding of the architectural phenomenon, pointing the six
more representative specimens of the order in both cities.

Theaters, wich are dedicated to public and private leisure, rose as symbols of civilization that both cities tried to show. Real Teatro São João, in Rio de
Janeiro, and Teatro Santa Isabel, in Recife, point historical peculiarities and formal common features, directly connected to the phases in wich they were built.

The opening of the health programs – in Rio, with Hospício Pedro II and, in Recife, with Hospital Pedro II – performed an important role in public assistance
and environments cleanliness, as much as in medical scientific development. Those enterprises showed themselves as monumental buildings, inserted in the
main internacional models.

Asilo de Mendicidade, in Rio, and Casa de Detenção, in Recife, represented the need of order and security in public spaces and acted as fixers of people that
did not integrate the rules of moral and ethics of the new civility. Both buildings gathered very well control and surveillance over those indivíduals, integrating
form and function.

With those arguments, the research demonstrates that tipologies were filiated to the most modern architectural solutions for their time, and were also inserted
in the main international models, gathering the ideas of beauty and usefulness, according to scientific principles of their time.

Key words: 19th century, urban ordering, architectural programs, form and functionality.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Detalhes de janelas, rótulas e muxarabiês de São Paulo Antigo ............................................................................................................... 031
Figura 02 – Portada do antigo Paço da Cidade do Rio de Janeiro ............................................................................................................................. 032
Figura 03 – Palácio da Ajuda – Lisboa – 1795 – Francesco S. Fabri e José da Costa e Silva .................................................................................. 033
Figura 04 – Passeio Público de Lisboa, séc. XVIII ......................................................................................................................................................... 033
Figura 05 – Palácio dos Governadores – Belém – Pará - 1767 - Antônio José Landi ................................................................................................. 034
Figura 06 – Igreja da Candelária - 1775. ....................................................................................................................................................................... 035
Figura 07 – Associação Comercial de Salvador - 1814. ........................................................................................................................................... 036
Figura 08 – Antigo Paço da Cidade do Rio de Janeiro em três fases distintas .............................................................................................................. 037
Figura 09 – O passeio Público – Rio de janeiro, em litografia aquarelada de Alfredo Martinet, 1847. .................................................................... 050
Figura 10 – Um funcionário a passeio com sua família - Registrado por Debret no séc. XIX .................................................................................. 062
Figura 11 – Teatro São João – Largo do Rocio – RJ - Início do século XIX ............................................................................................................... 062
Figura 12 – Teatro São João – Bahia, 1813 ....................................................................................................................................................................... 063
Figura 13 – Teatro São Pedro – Porto Alegre, 1858. ......................................................................................................................................................... 063
Figura 14 – Teatro da Paz– Belém, 1878 ....................................................................................................................................................................... 064
Figura 15 – Hospício São Pedro – Porto Alegre, 1884 ........................................................................................................................................... 064
Figura 16 – Hospital da Beneficência Portuguesa – Recife, 1855. ............................................................................................................................. 066
Figura 17 – Hospital da Beneficência Portuguesa – Porto Alegre, 1867. ............................................................................................................... 066
Figura 18 – Casa de Detenção – Recife, 1855 ......................................................................................................................................................... 067
Figura 19 – Cadeia Civil - Porto Alegre 1864. ......................................................................................................................................................... 068
Figura 20 – Estação Ferroviária – Rio de Janeiro, 1858 ........................................................................................................................................... 068
Figura 21 – Estação Ferroviária – Recife, 1888 ......................................................................................................................................................... 069
Figura 22 – Vista do Campo de Santana, segundo Franz Frühbeck – 1818. ............................................................................................................... 073
Figura 23 – Mapa do Rio de Janeiro – 1750 - Demarcação da ocupação ............................................................................................................... 078
Figura 24 – A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro - Litografia de Miguel Angelo Blasco .................................................................................. 079
Figura 25 – Palácio da Quinta da Boa Vista – 1870 ......................................................................................................................................................... 080
Figura 26 – Academia Militar do Rio de Janeiro – Joseph Pézérat ............................................................................................................................. 088
Figura 27 – Frontaria da Academia Imperial de Belas Artes – Grandjean de Montigny ................................................................................................. 090
Figura 28 – Jardim Botânico – 1895 – fotografia de Marc Ferrez ............................................................................................................................. 093
Figura 29 – Fachada do Hospital da Santa Casa de Misericórdia – Rio de Janeiro ................................................................................................. 094
Figura 30 – Mapa do Recife – séc. XVII ....................................................................................................................................................................... 095
Figura 31 – Cidade Maurícia, 1630. ....................................................................................................................................................................... 096
Figura 32 – Palácio da Boa Vista – concluído em 1643 – Gaspar Barleus ............................................................................................................... 097
Figura 33 – Rua do Imperador – Recife – litografia de Franz Heinnrich Carls – meados do século XIX. .................................................................... 098
Figura 34 – Recife – Palácio dos Governadores e Teatro Santa Isabel – litografia de Franz Heinnrich Carls – meados do século XIX. .......................... 099
Figura 35 – Vista do Recife tomada do Salão do Teatro Santa Isabel pelo desenhista Luiz Schlappriz, logo após a sua inauguração em 1850. ............ 108
Figura 36 – Assembléia Legislativa e Ginásio Provincial ........................................................................................................................................... 109
Figura 37 - Teatro São João no Largo do Rocio Rio de Janeiro. 1817 ............................................................................................................................. 119
Figura 38 – Teatro Santa Isabel, 1855 ....................................................................................................................................................................... 120
Figura 39 - Teatro São João, Rio de Janeiro. ......................................................................................................................................................... 120
Figura 40 – Plantas esquemáticas da Ópera Velha ......................................................................................................................................................... 121
Figura 41 – Mapa da Cidade do Rio de Janeiro, 1820. Localização do Teatro em sua configuração original. ...................................................... 122
Figura 42 – Teatro São João - RJ ...................................................................................................................................................................................... 125
Figura 43 – Teatro São Carlos – Lisboa - Fonte: Lima, 2000, p. 49 ............................................................................................................................. 125
Figura 44 – Teatro de la Scalla – Milão - Fonte: Toman, 2006, p. 106 ............................................................................................................................. 125
Figura 45 – Planta do Nível dos Camarotes - Teatro São João – RJ. ............................................................................................................................. 126
Figura 46 – Planta do Nível da Platéia - Teatro São Carlos – Lisboa. ............................................................................................................................. 126
Figura 47 – Teatro Tor di Nona – Itália, 1666. Carlo Fontana ........................................................................................................................................... 128
Figura 48 – Teatro Argentina – Itália, 1732. Marchese Teodoli ........................................................................................................................................... 128
Figura 49 – Teatro S. Carlo – Itália, 1737. G.A. Medrano ........................................................................................................................................... 128
Figura 50 – Teatro Scalla – Itália, 1776, Giuseppe Piermarini - Fonte : Pevsner, 1976, p.73-75. .................................................................................. 128
Figura 51 – Principais Teatros Europeus – Recueil, J.N.L. Durand, 1799, Pranchas. ................................................................................................. 129
Figura 52 – Esquema Funcional Teatro Scalla – Milão ........................................................................................................................................... 131
Figura 53 – Esquema Funcional Teatro São Carlos – Lisboa ........................................................................................................................................... 131
Figura 54 – Esquema Funcional Teatro São João – RJ. ........................................................................................................................................... 131
Figura 55 – Mapa de ocupação da cidade do Rio de Janeiro, 1817. localização do Teatro no Largo do Rocio em sua possível configuração original,
sem os dois volumes dos camarins. ...................................................................................................................................................................... 132
Figura 56 – Esquema do detalhe do lanternim e dos óculos para adaptação à ventilação e iluminação, detalhe tirado da aquarela de
Tomas Ender. .................................................................................................................................................................................................................. 133
Figura 57 – Teatro Scalla em meados do século XIX ......................................................................................................................................................... 134
Figura 58 – Teatro São Carlos meados do século XIX ........................................................................................................................................... 134
Figura 59 – Teatro São João ao fundo em 1825 ......................................................................................................................................................... 134
Figura 60 – Croqui dos arruamentos destacando a área do Largo do Rocio onde surgiram os teatros, tavernas e cafés. ........................................ 136
Figura 61 – Volumetria do São João articulada em cinco Blocos, galilé, foyer, esperas, platéia e palco. .................................................................... 137
Figura 62 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos teatros que se encontram entre as possíveis influencias
na adoção do partido arquitetônico do Real Teatro São João - RJ ............................................................................................................................ 137
Figura 63 – Esquema dos elementos básicos funcionais da Elevação Frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais. ............ 138
Figura 64 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização por adjacência. ........................................................................................................................................................ 138
Figura 65 – Relação planta-elevação das doseixos estruturais. Organização linear, possível distribuição de eixos configurando uma malha. ............ 139
Figura 66 – Traçado de eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da linearidade na
organização do Teatro. .................................................................................................................................................................................................... 139
Figura 67 – Traçado regulador da fachada em analogia com a planta baixa do Teatro, denotando total integração entre planta e elevação. ............ 140
Figura 68 – Análise do possível traçado regulador do Teatro, evidenciando o uso do retângulo áureo como forma de garantir a harmonia e a
proporcionalidade das partes com o todo. ...................................................................................................................................................................... 140
Figura 69 – Primeiro projeto para o Teatro de Pernambuco feito pelo engenheiro francês Boyer. .................................................................................. 141
Figura 70 – Reprodução do projeto do Teatro Santa Isabel – Recife ............................................................................................................................. 141
Figura 71 – Praça da Republica – Teatro Santa Isabel e ao Lado o Palácio dos Governadores. .................................................................................. 142
Figura 72 – Teatro Santa Isabel 1895-1905, já com a reforma e ampliação após o incêndio de 1869. .................................................................... 143
Figura 73 – Théàtre Odeon – París ...................................................................................................................................................................................... 146
Figura 74 – Grand Théàtre Bordeaux – França ......................................................................................................................................................... 146
Figura 75 – Teatro Scalla – Itália ...................................................................................................................................................................................... 147
Figura 76 – Teatro São Carlos – Portugal ....................................................................................................................................................................... 147
Figura 77 – Teatro Bordeaux – França ....................................................................................................................................................................... 147
Figura 78 – Teatro São João – Brasil ....................................................................................................................................................................... 147
Figura 79 – Esquema Funcional Teatro Scalla – Milão, baseado na planta apresentada por Pevsner, 1976, p. 75. ...................................................... 149
Figura 80 – Esquema Funcional Teatro São Carlos – Lisboa. Baseado na planta apresentada por Lima, 2000, p.51 ...................................................... 149
Figura 81 – Esquema Funcional Teatro Santa Isabel – Recife. Baseado no projeto original de 1840. .................................................................... 149
Figura 82 – Teatro Boudeaux – França ....................................................................................................................................................................... 150
Figura 83 – Teatro São João – Brasil ....................................................................................................................................................................... 150
Figura 84 – Teatro Santa Isabel – Brasil ....................................................................................................................................................................... 150
Figura 85 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Bordeaux. Fonte: Pevsner, 1976, p. 77. .................................................................................. 151
Figura 86 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Santa Isabel. Fonte: Moura, 2008, p.25. .................................................................................. 151
Figura 87 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Scalla. Fonte: Tenon, 2006, p. 106. .................................................................................. 151
Figura 88 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos teatros, que se encontram entre as possíveis influencias
na adoção do partido arquitetônico do Teatro Santa Isabel - Recife ............................................................................................................................. 152
Figura 89 – Volumetria do Santa Isabel articulada em quatro Blocos: galilé, foyer, platéia- palco e serviços. ...................................................... 153
Figura 90 – Atual Implantação do Teatro Santa Isabel na Praça da República ............................................................................................................... 153
Figura 91 – Esquema dos elementos básicos funcionais da Elevação Frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais. ............ 154
Figura 92 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal, definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização por adjacência. ......................................................................................................................................................... 154
Figura 93 – Relação planta-elevação doseixos estruturais. Organização linear, possível distribuição de eixos configurando uma malha. ............ 155
Figura 94 – Traçado de eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da linearidade na
organização do Teatro. .................................................................................................................................................................................................... 155
Figura 95 – Traçado regulador da fachada em analogia com a planta baixa do Teatro, denotando total integração entre planta e elevação ............ 156
Figura 96 – Análise do possível traçado regulador do Teatro, evidenciando o uso de quadrados como elementos unificadores, e um dodecágono
determinando o recuo do bloco central, como forma de garantir a harmonia e a proporcionalidade das partes com o todo. ........................................ 156
Figura 97 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos ................................................................................................. 160
Figura 98 – Análise Comparativa entre os principais teatros franceses e os teatros brasileiros segundo padrões tipológicos. .......................... 161
Figura 99 – Análise Comparativa entre os principais teatros Scalla e San Carlo na Itália, Teatro São Carlos em Lisboa e os teatros brasileiros
segundo padrões tipológicos. ...................................................................................................................................................................................... 162
Figura 100 – Desenho para o Hotel Dieu – Bernard Poyet – França , 1785 ............................................................................................................... 165
Figura 101 – Royal Hospital, Stonehouse, 1756-64. De Rowehead ............................................................................................................................. 165
Figura 102 – Hospital Pedro II - Recife, cartão postal do início do século XX ............................................................................................................... 166
Figura 103 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, fotografia de Victor Fornd, 1859 ................................................................................................. 166
Figura 104 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, 1905 ........................................................................................................................................... 167
Figura 105 – Configuração do Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, 1905 ............................................................................................................... 169
Figura 106 – Frontaria do Hospício ...................................................................................................................................................................................... 170
Figura 107 – Detalhes de combinações horizontais. Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. .................................................................... 173
Figura 108 – Detalhes de combinações horizontais. Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. .................................................................... 174
Figura 109 – Planta do Ospedale Maggiore – Milão - Filarete, 1456 ............................................................................................................................. 175
Figura 110 – Planta do Hospício Pedro II, segundo sua configuração original. ............................................................................................................... 175
Figura 111 – Hotel dos Inválidos, Paris, 1670. Libéral Bruant e Jules Hardouin-Mansart ................................................................................................ 176
Figura 112 – Possível Esquema Funcional do Hospício Pedro II, conforme descrições do Dr. Manuel José Barbosa, diretor do serviço clinico do
hospício em 1853 e de Moreira de Azevedo em 1864. ........................................................................................................................................... 177
Figura 113 – Fachada do Ospedale Maggiore ......................................................................................................................................................... 178
Figura 114 – Fachada do Hospício Pedro II ....................................................................................................................................................................... 178
Figura 115 – Pórtico de acesso principal todo em cantaria de pedra ............................................................................................................................. 179
Figura 116 – Detalhe da distribuição das aberturas. Esquema retirado do levantamento físico da fachada feito pelo Escritório Técnico da UFRJ ....... 180
Figura 117 – Volumetria de base retangular, horizontalizada, com forte marcação de eixo principal feito por meio do pórtico de acesso. ............ 181
Figura 118 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de hospitais que se encontram entre
as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Hospício Pedro II. ................................................................................................. 182
Figura 119 – Detalhes de fechamentos em pátio, Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. .................................................................... 183
Figura 120 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização ...................................................................................................................................................................................... 184
Figura 121 – Elementos configuradores dos espaços fechados, os quais remetem a ambientes de reclusão, cuja vigilância é fundamental. ............ 185
Figura 122 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da organização
linear ................................................................................................................................................................................................................................ 186
Figura 123 – Traçado dos eixos estruturais, segundo uma malha quadrada, e sua correspondência com a elevação. ........................................ 187
Figura 124 – Vista do Pátio Interno do Hospital Pedro II , Recife, 2006 ............................................................................................................................. 189
Figura 125 – Planta da Cidade do Recife em 1878 ......................................................................................................................................................... 190
Figura 126 – Cartão Postal com Vista a Esquerda do Hospital Pedro II ............................................................................................................................. 191
Figura 127 – Desenho para um hospital de J.N.L. Durand, (Précis des Leçons, 1809) ................................................................................................. 193
Figura 128 – Hospital Lariboisiere - 1846 ....................................................................................................................................................................... 194
Figura 129 – Royal Hospital Naval, Ingleterra, 1756, (Durand, Précis, 1801) ............................................................................................................... 194
Figura 130 – Desenho para o hospital La Roquette de Tenon e Poyet – 1788 ............................................................................................................... 195
Figura 131 – Possível Esquema Funcional do Hospital, desenvolvido a partir de descrições do projeto original e por analogia ao programa existente
no Hospital Lariboisiere. .................................................................................................................................................................................................... 196
Figura 132 – Plano térreo do Hospital Pedro II desenvolvido a partir do projeto original ................................................................................................. 197
Figura 133 – Planta do Laribiosiere – Paris ....................................................................................................................................................................... 197
Figura 134 – Fachada frontal e lateral do Hospital Pedro II – projeto original ............................................................................................................... 198
Figura 135 – Fachada frontal e lateral do Lariboisiere ......................................................................................................................................................... 198
Figura 136 – Escadaria e Portal de Acesso ....................................................................................................................................................................... 199
Figura 137 – Hospital Pedro II no inicio do século XX ......................................................................................................................................................... 199
Figura 138 – Volumetria recortada entre os vazios dos pátios de base retangular, horizontalizada, com forte marcação de eixo principal feito por meio
do pórtico de acesso. ................................................................................................................................................................................................... 200
Figura 139 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de hospitais que se encontram entre
as possíveis influências na adoção do partido arquitetônico do Hospital Pedro II. ................................................................................................ 201
Figura 140 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal, definidores dos ambientes internos e hierarquias .... 202
Figura 141 – Trecho da Fachada principal mostrando a regularidade nas disposições das aberturas e a forte marcação empregada pelas linhas
horizontais, das cornijas e cimalhas. ....................................................................................................................................................................... 203
Figura 142 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da
organização linear .................................................................................................................................................................................................... 204
Figura 143 – Traçado regulador segundo ortogonal retangular possivelmente associada à figura do retângulo √2, e sua correspondência com
a elevação. .................................................................................................................................................................................................................. 205
Figura 144 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos ................................................................................................ 210
Figura 145 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos. .......................... 211
Figura 146 – Desenho da Prisão Panótica feita por Jeremy Benthan em 1791. ............................................................................................................... 214
Figura 147 – Prisão Estadual de Auburn – New York ......................................................................................................................................................... 215
Figura 148 – Eastern Penitentiary – Philadelphia. Projetada por John Havilland – 1821 ................................................................................................. 216
Figura 149 – Pentonville Prison – Inglaterra. ......................................................................................................................................................... 216
Figura 150 – Plano da Casa de Correção de Burry St. Edmonds – Inglaterra. Projetada por Joshua Jebb – 1840. ...................................................... 217
Figura 151 – Projeto da Casa de Correção da Corte. ......................................................................................................................................................... 217
Figura 152 – Vista do conjunto do Asilo de Mendicidade, atual Hospital São Francisco de Assis – 1938. .................................................................... 218
Figura 152 – Planta da Cidade do Rio de Janeiro – 1867. Localização da área do mangue e da Casa de Correção da Corte. .......................... 219
Figura 153 - Estação de Ferro Pedro II em 1870, projeto de Heitor Rademacker Grunewald (In: LIMA, 1990) ...................................................... 222
Figura 154 – London Millbank Prison – Inglaterra-1813 ........................................................................................................................................... 223
Figura 155 - La Petite Roquette Prison – França -1826 ............................................................................................................................................. 223
Figura 156 – Hôtel Dieu (hospital) – Antoine Petit – França -1774 ............................................................................................................................. 224
Figura 157 – New Jersey State Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 ............................................................................................................... 224
Figura 158 – Possível Esquema Funcional do Asilo feito a partir de dados do projeto listado em fotografia da planta datada do início do séc. XX do
edifício antigo. Modelo da Planta foi reproduzido com base no levantamento planimétrico feito pelo Escritório Técnico da UFRJ. .......................... 225
Figura 159 –Fotografia do Asilo apresentando a planta datada do início do séc. XX do edifício antigo. .................................................................... 226
Figura 160 - Detalhe da fachada principal ....................................................................................................................................................................... 227
Figura 161 – Localização da área de implantação do em 1885 já apresentando uma área urbanizada desenvolvida dez anos após a desobstrução,
prolongamento e urbanização do Mangue iniciada em 1875. ........................................................................................................................................... 228
Figura 162 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de prisões que se encontram entre
as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Asilo de Mendicidade ................................................................................................. 229
Figura 163 – Volumetria articulada em sete blocos, e três funções primordiais; administração, central de vigilância e morada dos asilados. ............ 230
Figura 164 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias
espaciais. Configuração da organização proximidade. ........................................................................................................................................... 230
Figura 165 – Esquema gráfico do traçado linear do conjunto, apontando unidades em relação ao plano horizontal e vertical. ........................................ 232
Figura 166 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação das duas formas
de organização envolvidas: a linear e a radial. ......................................................................................................................................................... 232
Figura 167 – Esquema gráfico das relações com o retângulo áureo segundo o modelo ao lado. .................................................................................. 234
Figura 168 – Possível organização do conjunto, segundo a lógica do polígono regular circunscrito. Observação do polígono de dez lados e sua
especificidade com a relação áurea. Organização por adjacência dos retângulos áureos conformadores dos volumes. ........................................ 234
Figura 169 – Fachada Principal da Casa de Detenção do Recife. ............................................................................................................................. 235
Figura 170 – Vista Aérea do conjunto mostrando a fachada posterior do edifício. ................................................................................................. 236
Figura 171 – Cherry Hill Prison – Philadelphia –1823-9 ........................................................................................................................................... 239
Figura 172 – Plano da New Jersey State Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 ................................................................................................ 239
Figura 173 – Fachada Principal da New Jersey State Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 .................................................................................. 240
Figura 174 – Vista da lateral da Casa de Detenção ......................................................................................................................................................... 240
Figura 175 – Vista da fachada principal do Hospital Pedro II ........................................................................................................................................... 241
Figura 176 – Vista da fachada do Ginásio pernambucano ........................................................................................................................................... 241
Figura 177 – Possível Esquema Funcional da Casa de Detenção do Recife desenvolvido a partir de dados do histórico do processo de
tombamento. .................................................................................................................................................................................................................. 242
Figura 178 – Plantas dos três níveis do projeto da Casa de Detenção. ............................................................................................................................. 243
Figura 179 – Vista do hall central mostrando a sacada de vigilância e as aberturas aos blocos pavilhonares. ...................................................... 244
Figura 180 – Vista aérea do conjunto após sua restauração ........................................................................................................................................... 244
Figura 181 – Vista entrada principal do presídio ......................................................................................................................................................... 245
Figura 182 – Vista do bloco administrativo ....................................................................................................................................................................... 245
Figura 183 – Vista lateral do hall central e das alas ......................................................................................................................................................... 245
Figura 184 – Planta da Cidade do Recife em 1878 ......................................................................................................................................................... 246
Figura 185 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de prisões que se encontram
entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico da Casa de Detenção ................................................................................................. 247
Figura 186 – Volumetria articulada em cinco blocos, e três funções primordiais; administração, central de vigilância e celas dos detentos. ............ 248
Figura 187 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores dos ambientes internos e hierarquias
espaciais. Configuração da organização proximidade. ........................................................................................................................................... 248
Figura 188 – Esquema gráfico do traçado linear do conjunto, apontando unidades em relação ao plano horizontal e vertical. ........................................ 250
Figura 189 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos acessos. Observação da predominante
organização linear do conjunto e sua associação de medidas. ............................................................................................................................. 250
Figura 190 – Esquema gráfico das relações de proporção segundo o modelo ao lado. ................................................................................................. 252
Figura 191 – Possível organização do conjunto, segundo a organização de quadrados e do quadrado √2, e cujo centro identificamos a quadratura
do octógono como outro articulador das partes com o todo. ........................................................................................................................................... 252
Figura 192 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos ................................................................................................ 255
Figura 193 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos formais ............ 256.

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – IMPLANTAÇÂO DOS PRIMEIROS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTOS DO BRASIL. .................................................................... 055
TABELA 2 – PRINCIPAIS TEATROS CONSTRUÍDOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX. ................................................................................................ 065
TABELA 3 – HOSPÍCIOS CONSTRUÍDOS NO SÉCULO XIX ........................................................................................................................................... 066
TABELA 4 – HOSPITAIS CONSTRUÍDOS NO SÉCULO XIX ........................................................................................................................................... 067
TABELA 5 – CADEIAS CONSTRUÍDAS NO SÉCULO XIX ........................................................................................................................................... 068
TABELA 6 – ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS CONSTRUÍDAS NO SÉCULO XIX ............................................................................................................... 069
TABELA 7 – PRINCIPAIS ASPECTOS ENTRE AS DUAS URBES. ............................................................................................................................. 077
TABELA 8 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E
TIPOLOGIAS EXISTENTES ...................................................................................................................................................................................... 113
TABELA 9 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E
TIPOLOGIAS EXISTENTES ...................................................................................................................................................................................... 114
TABELA 10 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E
TIPOLOGIAS EXISTENTES ...................................................................................................................................................................................... 115
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e em Recife

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
CAPITULO 1 – ARQUITETURA DO SÉCULO XIX NO BRASIL 030
1.1 Premissas de Modernização 041
1.2 Principais programas arquitetônicos 062
CAPITULO 2 – LAZER, SAÚDE E ORDEM NO RIO DE JANEIRO E RECIFE 072
2.1 Rio panorama do século XIX 078
2.1.1 Os projetistas da Corte 088
2.1.2 Rio de Janeiro – Principais programas 093
2.2 Recife panorama do século XIX 095
2.2.1 Os ‘agentes técnicos’ a presença de Vauthier no Recife 104
2.2.2 Recife – Principais programas 109
2.3 Rio de Janeiro e Recife – Parâmetros de Modernidade 111
CAPITULO 3 – LAZER – OS TEATROS 117
3.1 O Teatro São João 121
3.1.1 Suas influências 125
3.1.2 Principais características do partido 132
3.1.3 Morfologia do Teatro 136
3.2 O Teatro Santa Isabel 141
3.2.1 Suas influências 145
3.2.2 Principais características do partido 150
3.2.3 Morfologia do Teatro 152
3.3 Considerações sobre os Teatros 157
CAPITULO 4 – SAÚDE – O HOSPÍCIO E O HOSPITAL 164
4.1 O Hospício Pedro II 167
4.1.1 Suas influências 173
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e em Recife

4.1.2 Principais características do partido 178


4.1.3 Morfologia do Hospício 181
4.2 O Hospital Pedro II 189
4.2.1 Suas influências 193
4.2.2 Principais características do partido 197
4.2.3 Morfologia do Hospital 200
4.3 Considerações sobre o Hospício e o Hospital 207
CAPITULO 5 – ORDEM – O ASILO DE MENDICIDADE E A CASA DE DETENÇÃO 213
5.1 O Asilo de Mendicidade 218
5.1.1 Suas influências 222
5.1.2 Principais características do partido 226
5.1.3 Morfologia do Asilo 228
5.2 Casa de Detenção 235
5.2.1 Suas influências 239
5.2.2 Principais características do partido 243
5.2.3 Morfologia do Hospital 246
5.3 Considerações sobre os edifícios 253
CONSIDERAÇÕES FINAIS 258
BIBLIOGRAFIA 262
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

INTRODUÇÃO

“Sem dúvida, muitas vezes o mais difícil de uma arte é mostrar sua rede de pensamentos” Boullée (1728- 1799) 1

Ao tratar aqui de construções civis, muitas das quais constituem Patrimônio Histórico sejam a nível nacional, estadual ou municipal, estamos lidando com –
além de um documento – um produto cultural cujos atributos estéticos são pertinentes a obras de arte 2 , visto que apontam a um momento de
desenvolvimento artístico e acadêmico brasileiro. Neste sentido, a paisagem urbana constituiu-se como resultado desse complexo fazer cultural e a
Arquitetura, compreendida como um dos seus componentes, pode ser estudada como fonte potencial de informações multidisciplinares, elementos ativos,
interagindo de maneira dinâmica com o homem e fazendo parte da sua história.

Ao procurar compor o mundo das idéias e conceitos a cerca da produção arquitetônica do século XIX no Brasil, procuramos situá-la a um caminho que segue
a história e a cultura inserida no contexto de cada cidade. Além disso, como afirma Argan (1998, p. 15): “Não se faz história sem critica, e o julgamento critico não
estabelece a qualidade artística de uma obra a não ser na medida em que reconhece que ela se situa, através de um conjunto de relações, numa determinada situação
histórica”.

De uma maneira geral, a ‘situação histórica' do oitocentos foi bastante peculiar, como coloca Santos (2007, p. 29) “a presença da Corte portuguesa no Brasil dá à
história desta colônia um caráter diferente”. De 1808 a 1821 foram inúmeras transformações promovidas pelos Bragança e pelo projeto de transformar o país
num grande império ou em uma “Europa possível” (Ibid). Junto a isso, a abertura dos portos as nações amigas (1808), a elevação do Brasil à categoria de
Reino Unido a Portugal (1815), a Independência de Brasil (1822), o Império (1822-1889) e a República (1889), determinam quão importante e contraditório é
classificado o período.

Tudo isso representou, para a arquitetura, características e especificidades próprias, advindas da necessidade de uma nova ordem social promovida pelo
intercâmbio, seja comercial ou cultural, entre os principais países que detinham o comércio ultramarino no país, França e Inglaterra (SALGUEIRO, 2004).

1
Etienne-Louis Boullée, arquiteto, teórico e professor francês, já frisava, na época dos seus ensinamentos, que Arquitetura é uma arte pela qual são satisfeitas as necessidades mais importantes
da vida em sociedade.
2
Entendemos aqui como Arte “o modo particular de manifestação do espírito” conforme definição de Hegel (1770-1831). Hegel, 1974, p.83.

20
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Vale salientar, entretanto, que a adaptação dos modelos construtivos se ajustaram às exigências que não existiam na fase colonial e suas estruturas foram
sendo acomodadas às necessidades da nova elite burguesa, apresentando-se como estruturas intimamente ligadas ao contexto público e privado.

É seguindo o cenário de progresso e civilidade, bastante enfocado pelos historiadores do século XIX (FREYRE, 1940; AZEVEDO, 1996; SANTOS, 2007),
que a pesquisa se delineia buscando caracterizar os principais fatores de modernização das capitais brasileiras e seu reflexo na produção arquitetônica do
período. Partimos da afirmativa de Argan (Ibid, p.256) de que “a grande cidade é uma concentração de valores culturais: monumentos, museus, bibliotecas, arquivos,
etc. Esses valores ainda constituem uma base insubstituível da pesquisa moderna, inclusive em seus ramos mais especificamente científicos”.

Neste sentido podemos observar a ‘Cidade’ como protagonista do processo de construção do Estado Imperial e que se constituiu no alvo preferencial das
idealizações e ações públicas (SANTOS, 2007), onde a grande parcela administrativa se concentrou na promoção das obras ligadas à saúde, ordenamento,
saneamento, policiamento, entre outras tarefas, lideradas por novas concepções qualidade de vida, segundos os preceitos de salubridade, linearidade e
cientificidade. Procuramos, entretanto, evidenciar o importante papel que as cidades portuárias como, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belém, Porto Alegre,
São Luis dentre outras que se faziam também presentes no cenário político, ao se empenharem na tentativa de ‘civilizar’ o meio urbano.

Azevedo (1996) vai afirmar que “entre os fatores que mais contribuem para a produção dos fenômenos da cultura, o desenvolvimento das cidades é um dos mais
importantes”. É, sobretudo na busca de identificar a arquitetura como componente do processo cultural da cidade, mas não como componente único e
isolado, mas integrado a uma rede de relações que possibilitaram a sua evolução e diversificação, que o estudo se insere identificando os fatores sócio-
culturais mais imbricados na formulação de novas construções.

As cidades brasileiras no inicio dos oitocentos careciam de infra-estrutura básica – esgoto, água, iluminação pública e transportes – o que causavam
problemas urbanos graves. Com o aumento populacional, devido a grande movimentação comercial das capitais, a abolição progressiva da escravatura, a
imigração dentre outros fatores, acarretou em uma série de transformações do espaço urbanos, respaldados especialmente nas ações dos setores políticos
e sociais.

Novas formas de sociabilidade e de lazer surgem – salões elegantes, teatros, as festas da Corte, chás, passeios públicos – como forma de demonstrar um
novo padrão de comportamento, civilizado e moderno. Diversas instituições culturais são criadas tais como: Escola de Medicina, Academia Militar, Imprensa
Régia, Academia da Marinha, Academia de Belas Artes, Faculdades de Direito, Biblioteca Real, Museu Real, Instituto Histórico e Geográfico, Conservatório

21
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

de Musica, dentre outras. Tais instituições possibilitaram o acesso ao conhecimento artístico, técnico e científico para a elite burguesa como expressão de
um país pautado nas idéias iluministas baseadas na crença do poder e do progresso, liberdade de pensamento e na emancipação política.

Com a abertura dos portos (1808) as capitais litorâneas do país buscam garantir maior dinamismo, intensificando o comércio com a entrada de mercadorias
européias, o gosto pelo progresso e civilização é destacado entre a nova elite burguesa que se refinava com as novidades chegadas do Ocidente. A
paisagem, então, foi sendo moldada de acordo com essas necessidades e a sociedade, então mais complexa, passa a exigir melhores condições espaciais
para desfrutar no novo modus vivendi urbano que aspiravam segundo as civilizações modernas.

Com a lei de 1º de Outubro de 1828, que regulariza a atuação dos municípios brasileiros, o país busca maior autonomia para as cidades como uma forma de
dinamizar os processos de desenvolvimento. A necessidade de organizar o espaço de convívio público, livrá-lo da má aparência, do mau cheiro e da falta de
asseio encontravam-se nas bases dos discursos sobre a salubridade da época. A partir de 1830, com a criação dos Códigos de Posturas as cidades
passam a regulamentar e estabelecer parâmetros gerais sobre o convívio em sociedade e o espaço construído das urbes, “os alagados e as águas estagnadas
nos quintais, a questão do saneamento da cidade – o abastecimento d’água, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e o destino dos resíduos sólidos, além das condições
de salubridade das edificações. Estas por sua vez, contribuíram para os novos padrões de edificações se instalem, num processo paulatino de ocupação dos subúrbios”
(SOUZA, 2002, p. 10).

No Brasil, entre 1815 a 1880, proliferam, especialmente na capital do Império, trabalhos visando aspectos físicos e sanitários da cidade como
um todo. Desde 1835, começa a ser publicada a Revista Médica Fluminense, que se transformou num fórum de debate e divulgação dos temas
em questão. A partir de meados do século, o problema das epidemias passa a ser abordado com freqüência. E os trabalhos médicos e relatórios
de engenheiros constituem-se elementos importantes que irão influenciar nas decisões das Câmaras Municipais, que passam a elaborar
posturas de acordo com as idéias reinantes.(Ibid, p. 216)

O uso dos saberes médicos-higienistas como meio de propiciar embasamento político nas ações dos poderes públicos, foram norteados em direção a
transformação e padronização da paisagem urbana e na construção de estabelecimentos de saúde apropriados para o tratamento dos doentes. Hospitais,
hospícios, cemitérios, matadouros, açougues, mercados públicos e prisões foram alvos de debates sobre suas implantações, construções no sentido de
modernidade e cientificismo. A Comissão de Salubridade Geral (1830) foi um dos principais agentes que se empenharam em alertar e defender a criação de
espaços limpos e salubres, sem epidemias, e também saneado das classes ditas perigosas, criminosos, bêbados, loucos, vadios dentre outros.

22
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Para isso exige-se, também, uma sofisticação e atualização nos discursos de ordem moral e policial, iniciados com a policia urbana por meio da Intendência
Geral da Policia da Corte (1808). Segundo as ações da justiça e da policia unidos ao discurso médico-sanitarista, a questão da criminalidade é apontada
como um dos problemas da ordem social a ser resolvido. Inicia-se a atualização na legislação com a promulgação do Código Criminal (1830), em prol de
reformas nos métodos de correção e punição. O processo já havia iniciado, na legislação de 1824, que determinava em seu artigo 179 parágrafo 18, que as
cadeias públicas necessitavam de reformas e novas instalações, seguras, limpas e arejadas. Em 1831 começa a construção da primeira instituição prisional
do país, a Casa de Correção da Corte, segundo os conceitos mais modernos vigentes fundamentados pelo jurista inglês Jeremy Bentham 3 .

É valido salientar que adentramos em um período dominado pelas idéias iluministas de racionalidade de pensamento e ação, onde o homem se apresenta
com centro das discussões sobre sua própria existência. Nessa busca pelos meios eficazes de satisfazer as reais necessidades de sua existência que a
ciência buscou apoiar-se na temática de como o meio pode interagir de forma a subsidiar a integração dos fatores sociais, econômicos e políticos.

Como representante do progresso, configuraram-se uma rede de relações entre os principais agentes das mudanças tais como: as sociedades científicas, a
burguesia, os administradores públicos, os arquitetos e engenheiros, dentre outros que colaboraram para a intensificar as mudanças na paisagem urbana. A
arquitetura passa, a representar um papel social e político, construído dentro de uma nova perspectiva de vida. Para tanto, é válido salientar que no final do
século anterior, a Europa passa por grandes mudanças, entre elas a crise do Antigo Regime, exploração do novo mundo, análise crítica dos estudos
arqueológicos, a difusão das idéias iluministas, o papel dos imperadores e o pensamento político da época.

Para solucionar os problemas emergentes das cidades era preciso na maioria das vezes a contratação de profissionais preparados, e atualizados com as
novas demandas. Arquitetos e engenheiros se destacam na construção de edifícios utilitários e atividades relacionadas a administração da cidade. Neste
sentido a busca pela qualidade estética caminhava ao lado com a cientificidade, a praticidade e a inserção de novos métodos construtivos e novos materiais.

3
Jeremy Bentham (1748 – 1832) foi um filósofo e jurista inglês. Juntamente com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que
fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade. Conhecido também pela idealização do pan-optismo, que corresponde à observação total, a tomada
integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Aos 41 anos de idade, era um dos maiores gênios de toda história humana quando publicou “Uma Introdução aos Princípios da
Moral e da Legislação”. Essa, uma das maiores obras da humanidade, foi eclipsada porque o ano era 1789 e em 14 de julho eclodiu a Revolução Francesa cujas idéias simples de liberdade,
igualdade e fraternidade, contagiaram todo mundo. Na urgência de mudanças por que passou o mundo não havia espaço para uma análise tão profunda e perfeita do funcionamento da sociedade
humana visando seu aperfeiçoamento. (

23
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

A racionalidade na arte e na técnica é associada, então, a inserção de uma arquitetura dedicada a viabilizar as novas funções aos modelos clássicos numa
busca por uma base universal de composição, expressando também uma simplicidade de formas.

No início do século XIX, um dos grandes reformadores do ensino francês Jean-Nicholas-Louis Durand, arquiteto formado pela École des Beuax-Arts e
professor da École des Pontes et Chaussées, publica o Livro “Recueil et Parallèle des Edifices Ancies et Modernes” no qual mostrava de forma metodológica
e racional uma classificação de diversos programas arquitetônicos segundo a sua história evolutiva, demonstrando, no entanto, os modelos mais
significativos, com diversas adaptações, permutações e combinações 4 . O arquiteto foi um dos que procuraram qualificar os profissionais para atuarem na
infra-estrutura das cidades e especialmente na construção de obras importantes fornecendo elementos que variam com cada idéia arquitetônica.

Neste sentido, é válido salientar para um maior entendimento da produção brasileira que a França deteve grande influência na cultura brasileira em geral e
nas artes em particular. Muitos dos arquitetos e engenheiros que aqui atuaram, tinha por base a formação francesa, o que nos força a buscar indícios sobre
essa associação, ou mesmo de outras possíveis, diretamente nas obras mais importantes desenvolvidas no país.

É dentro desse panorama que buscamos identificar a produção arquitetônica do século XIX, fruto das necessidades emergentes e das condições impostas
pelo meio. Identificamos como principais ‘necessidades’ o lazer, a saúde e a ordem, tendo a plena consciência da existência de outros fatores que poderiam
ser identificados e trabalhados. Procurando entender, entretanto, quais foram as principais questões imbricadas na dinâmica pela atualização das cidades,
no que se refere a inserção de edifícios construídos com finalidades específicas, que limitamos a avaliar essas três vias de modernidades como atuantes no
processo de conformação das cidades.

Partindo do pressuposto que é nas capitais que essa produção se deu de forma mais profícua optamos por trabalhar duas cidades litorâneas, de grande
importância portuária, distintas e distantes geograficamente, o Rio de Janeiro e o Recife, por estarem presentes entre as principais capitais brasileiras que
obtiveram considerável desenvolvimento no século XIX. E ainda procuramos por em evidencia a afirmativa de Sousa (2000, p. 9) de que o Rio de Janeiro e
o Recife (à época a capital e a terceira cidade do Império, respectivamente) foram as urbes que mais contribuíram para o florescimento da produção
arquitetônica oitocentista.

4
Durand escreveu com objetivo de prover de informações os engenheiros trabalhando nas colônias francesas no estrangeiro, fornecendo um método projetivo realmente útil, que não poderia ser
ambíguo, porém deveria ser relativamente fácil de aplicar em diversas circunstâncias. Seus livros serviam como divulgação dos modelos vigentes na França na época, em especial aos modelos
utilitários que permeavam numa lógica racional, permitindo a todos terem esse tipo de conhecimento.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O estudo pretende, assim, responder, como se deu o desenvolvimento dos programas arquitetônicos no Brasil no século XIX, tomando como partido o
desenvolvimento de duas das principais capitais do país, Rio de Janeiro e Recife.

Intimamente ligada a esse ideário de modernidade a Arquitetura brasileira do século XIX surgiu com uma variedade de programas diferenciadas do período
colonial (TELLES, 1975; BARATA, 1983; SOUSA, 1994; ROCHA-PEIXOTO, 2000). Assim, ao longo dos dezenove, diversos edifícios públicos e privados
foram sendo construídos, apontando sempre como destaque edifícios públicos de cunho utilitário (SALGUEIRO, 2004) e dotados de monumentalidade
emblemática, o que nos leva a refletir sobre necessidade desses equipamentos na dinâmica das cidades como símbolo de prosperidade.

Sobre esses tipos de construções, Pevsner (1982, p. 366) vai frisar que a construção de edifícios públicos especialmente projetados havia sido
extremamente raro antes de 1800, e que a fase de maior produtividade se deu no decorrer do dezenove. Tirando partido desta afirmativa, consciente das
temporalidades impostas pela realidade brasileira, buscamos perceber neste estudo, o país inserido dentro do contexto mundial no que se refere a adoção
de novos programas e suas tipologias específicas. O autor ainda aponta que:

Por outro lado se tomarmos o século XIX e tentarmos destacar os melhores exemplos da arquitetura urbana de todos os períodos
e de todos os países, muitas igrejas deverão ser incluídas, palácios raramente, e casas particulares obviamente; mas a grande
maioria do que poderíamos selecionar seriam edifícios para órgãos governamentais, prédios municipais e, posteriormente,
edifícios privados, para escritórios, museus, galerias, bibliotecas, universidades e escolas, teatros e casas de concerto, bancos e
bolsas, estações ferroviárias, lojas de departamentos, hotéis e hospitais, ou seja, todas construções executadas não para o culto
ou a ostentação, mas para o benefício e o uso diário do povo, representado por diversos grupos de cidadãos (Ibid, p. 366).

É, sobretudo por essa assertiva que buscamos identificar o país integrado no desenvolvimento arquitetura considerando-a com um produto das mudanças de
mentalidade de uma época (Ibid). É, sobretudo com as construções utilitárias construídas para suprir as deficiências existentes, que a se apoiaram às
questões de concepção de cidade organizada e regular do século XIX, em que os arquitetos e engenheiros, deitariam sua criatividade para a resolução de
problemas práticos da vida em sociedade.(SALGUEIRO, 2004, p. 167).

As três questões propostas como análise o Lazer, a Saúde e a Ordem podem ser associadas a diversas construções do período. Com o objetivo de limitar a
gama de possibilidades associações optamos por destacar apenas um tipo de programa para cada questão, assim temos:

25
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O Lazer – com programas de finalidade sócio-culturais –destacando o programa dos teatros;

A Saúde – com programas de finalidade assistencial e científica – destacando os programas com finalidade hospitalares;

A Ordem – com programas de finalidades reformadoras da ética e da moral pública – destacando os programas com finalidade corretiva;

Para os programas arquitetônicos escolhidos buscamos tratar segundo dois pontos de vista complementares:

1. As motivações sócio-culturais que determinam os sentidos de sua existência;

2. As características formais (geométricas principalmente) dos edifícios, produtos dessas motivações.

Como parâmetros culturais que envolvem essas construções diversas bibliografias tiveram papel fundamental na identificação do papel cultural em que elas
estiveram associadas. Sobre o Rio de Janeiro, cidade capital brasileira, de importância crucial para o desenvolvimento das cidades merece destaque os
estudos mais atuais sobre a produção arquitetônica da cidade entre eles TELLES (1975), ROCHA-PEIXOTO (2000), LIMA (2000), CAVALCANTI (2001) e
SANTOS (2007). Para o Recife obtivemos diversas referencias e em especial destacamos FREYRE (1940), SOUSA (2000), (SOUSA, 2002) e PONTUAL E
SÁ CARNEIRO (2005).

No sentido de identificação das diversas tipologias, sem adentrarmos na noção taxonômica do termo, adotaremos a noção de ‘tipologias de programas’ de
Pevsner (1976). Para o critério de classificação dos programas segundo a evolução do seu estilo bem como a sua função, adotamos a seleção do livro “A
History of Building Types”, norteador no sentido de identificação das construções mais emblemáticas, que evoluíram e se destacaram ao longo do século XIX
no mundo. Outra contribuição na identificação dos programas foi a da MAHFUZ (1995) que vai salientar que “se até o século XVIII a arquitetura era concebida
como imitação da natureza, depois disso ela se tornou uma recitação de cultura através da qual a arquitetura de outros lugares e épocas era imitada a fim de transmitir algum
significado pela associação de idéias”.

É sobretudo na idéia perceber que para cada tipo de construção exigiu-se um tratamento específico. Tendo por base essa questão foi necessário estabelecer
critérios de leitura para os diferentes programas. Adentrando, assim no espaço da crítica ao concordarmos com Montaner (2007, 2°ed, p.19) que vai salientar
que toda crítica arquitetônica tem que entrar a fundo na análise estritamente formal, superando aquelas leituras que se desenvolvem pela generalidade. As

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

características espaciais, a relação entre lógica estrutural e composição, as questões funcionais, os caminhos e as percepções, a linguajem e materiais
empregados, devem estar presentes no discurso sobre arquitetura.

Partimos no primeiro capitulo a identificar as mudanças ocorridas no cenário da arquitetura brasileira, após o período colonial, apontando como o ideal de
modernidade/civilidade acarretou em transformações nos principais centros urbanos. Pelas premissas de modernização, lazer, saúde e ordem traduzidos
nos discursos dos setores sociais que formavam as elites intelectuais, comerciais e políticas que apontamos os principais programas existentes nas capitais
litorâneas. Evidenciamos com isso o importante papel das duas cidades em estudo, Rio e Recife, no panorama nacional, identificando o final da primeira
metade do dezenove, como a fase de surgimento do processo de implantação de novos modelos arquitetônicos no país.

No segundo capítulo buscamos demonstrar as principais características culturais duas cidades estudadas, identificando os processos de desenvolvimento de
cada urbe. Apontamos a influência francesa existente no processo de aculturamento, destacando o importante papel dos profissionais como agentes diretos
na disseminação dos programas pautados relativos ao lazer, a saúde e a ordem. Por meio da identificação das tipologias mais usuais, determinados tanto
no primeiro quanto no segundo, delimitamos os estudos dos edifícios, apresentando seis construções emblemáticas, em ambas cidades: os teatros, o
hospício e o hospital, o asilo e a casa de detenção. Construções, estas que participaram ostensivamente na identificação de uma capital moderna e
civilizada.

Seguindo a esse caminho, adentramos na leitura dos edifícios do Rio de Janeiro e do Recife, respectivamente: o Teatro Real São João e o Teatro Santa
Isabel (lazer); o Hospício Pedro II e o Hospital Pedro II (saúde); o Asilo de Mendicidade e a Casa de Detenção (ordem), distribuídos no terceiro, quarto e no
quinto capitulo, elucidando razões pertinentes à forma materializada, sua idéia e seu conteúdo na tentativa de expressar a riqueza dessa produção
arquitetônica nas duas cidades.

Para leitura dos objetos de estudo optamos por trabalhar os conceitos prescritos por Mahfuz (1995), no seu ‘Ensaio sobre a Razão Compositiva’, no qual
percebemos que os conceitos inseridos no seu discurso são pertinentes a diversas associações e abarcam as construções estudadas numa rede de relações
determinantes para compreensão do ato projetivo. Para o autor “a arquitetura é uma síntese formal de vários fatores e influências, internas e externas, e que é no
contexto com seus interesses e condições, que podemos determinar o lócus da forma”. (Ibid, p.91 - 27), È por meio dessa definição que procuramos expor, quais as
reais ‘fatores e influências’ presentes nos seis edifícios.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Temos por base nos os dois conceitos de tipologia definidos pelo autor: 1) a partir dos tipos morfológicos básicos baseados em constantes formais tendo a
geometria como elemento primário do objeto arquitetônico e 2) pelos tipos funcionais como aqueles baseados em constantes organizacionais e estruturais.
Estas categorias de classificação sugerem a existência de um repertório tipológico que se refere diretamente aos aspectos formais da arquitetura, não ao seu
uso, e um segundo repertório que vincula cada tipo a uma definição histórica determinada pelas condições de tempo e lugar, permitindo o estabelecimento
de uma relação dialética entre o edifício e a forma urbana. Tirando partido dessas definições optamos por seguir a seguinte sistemática para descrição e
caracterização dos edifícios:

contexto influências partido morfologia

 O contexto – envolvendo as circunstâncias sócio-culturais, o seu lugar na história da cidade e a contribuição individual de cada autor;

 As influências – demonstrando algumas particularidades do universo compositivo de cada autor e fazendo uma relação dos programas com outros da
mesma classificação dentro do panorama internacional;

 Partido – os imperativos do projeto, interpretados e hierarquizados pelos autores, assim como o repertório arquitetônico, representando o conceito de
tradição, imagem criativa, inovação. (Ibid., p. 28)

 Morfologia – pelas propriedades físicas dos objetos, pela analogia de padrões morfológicos e segundo noção de organização por topologia
(proximidade, fechamento e continuidade) e principalmente por geometria (implantação, volume, elementos básicos, estrutura e unidade). (Ibid., p. 116)

Um uma observação final sobre as constantes formais dos elementos buscamos demonstrar o pensamento projetivo dos engenheiros e arquitetos do império
através da comparação entre construções da mesma tipologia já existentes em diversos pontos do mundo, muitos dos quais serviram de modelo evolutivo
para as inovações técnicas e científicas vigentes no pensamento do período (PEVSNER, 1976).

A título de conclusão buscamos procuramos fazer uma releitura sintética das questões pautadas na pesquisa, lazer, saúde e ordem e seu envolvimento nos
diversos setores sociais, culturais e políticos apontando para o desenvolvimento da arquitetura do século XIX. Identificar os padrões de desenvolvimento
existentes nas capitais e compreender a existência, assim como nos países europeus, de uma unidade de programas existentes entre elas Pela analise das
edificações entre as duas Capitais o Rio de Janeiro e Recife nos propusemos a apontar questões de identificação da arquitetura brasileira produzida nos

28
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

oitocentos, demonstrando as diferenças e semelhanças encontradas nas análises e descrições dos seis edifícios, sob a forma de ampliar ao conhecimento
geral da arquitetura do século XIX no Brasil.

Procuramos propiciar no texto apresentado, um conteúdo expressivo que auxilie na compreensão da produção arquitetônica de um período constantemente
aberto às criticas e a abordagens múltiplas. Sabendo de antemão da extensão desse tema, buscamos interagir num contexto com diversas associações de
idéias com o objetivo de diversificar o discurso arquitetônico e demonstrar a multidisciplinaridade que este envolve.

Sobretudo procuramos contribuir para a valorização desse patrimônio construído, fruto de um momento de idealização dos mais variados agentes
envolvidos.

“Tudo agora depende de nós mesmos, da nossa prudência, moderação e energia; continuemos como principiamos e seremos apontados com admiração entre as Nações
mais cultas” – Diário de Pernambuco, 02-01-1840.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

CAPITULO 1

“O estudo da arquitetura deveria, sobretudo, ser exigido às pessoas que aspirassem os altos postos do Estado, porque
quando se trata de edifícios públicos estas pessoas são os juizes das produções ordenadas pelo Governo” Boullée (1728-
1799).

1. ARQUITETURA DO SÉCULO XIX NO BRASIL

O século XIX foi, sem dúvida, o período de grande desenvolvimento da arquitetura brasileira,
transfigurada no progresso de uma jovem nação independente na busca das transformações sócio-
culturais e do rompimento das relações coloniais. É nesse sentido, na busca pela configuração de
“cidade ideal 1 ”, sob a configuração do belo e do útil, que grandes reformas e empreendimentos
estiveram na pauta dos administradores e das elites públicas no sentido da ordem e do domínio
dos espaços urbanos 2 .

1
Sobre o processo criação de cidades modernas Picon, (2001, p. 70) irá salientar que: “A cidade irregular ligada pela idade
média e pela época clássica [ou no nosso caso o período colonial], deveriam suceder entidades urbanas concebidas
segundo uma geometria rigorosa, destinada a facilitar a circulação dos homens e das mercadorias” Grifo nosso.
2
“A busca de uma nova ordem social é uma das mais significativas imagens práticas dos conceitos iluministas de lei e
ordem. Gestada nos círculos do pensamento europeu (principalmente francês), ela extravasa o seu perímetro e vibra com o
pensamento comum do povo insatisfeito” Rocha-Peixoto, 2000, p. 186.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Presumia-se, para isso, uma estética e ou atitude arquitetônica diferente dos modelos coloniais.
Para tanto, a reformulação da paisagem foi um dos principais alvos para a realização de melhorias
urbanas decorrentes principalmente do poder público.

Para que possamos entender o processo de grandes reformas é importante colocar o que foi a
arquitetura no Brasil colonial, e como sucedeu essa transposição de valores no final do século XVIII
e início do século XIX.

Nossas primeiras construções foram de caráter militar e religioso, seguindo os modelos


portugueses, que apresentavam configuração bastante regular em todo território brasileiro. As
construções militares, os fortes e fortalezas, provinham dos estudos de defesa, sendo
equipamentos imprescindíveis para as cidades litorâneas. As religiosas ligavam-se,
especialmente, às ordens monásticas e as irmandades religiosas existentes, nas quais produziram
uma arquitetura particular a cada uma, criando assim, suas especificidades, traduzidas no “estilo
jesuítico”, a escola “franciscana” dentre outras.

Para a arquitetura civil, também prevaleceu uma regularidade em relação às habitações e ao

Figura 01 – Detalhes de janelas, rótulas e traçado urbano, nas quais foi previsto nas Cartas Régias esse tipo de homogeneidade. Estas
muxarabiês de São Paulo Antigo.
Fonte: Rodrigues, 1945, p. 19.
determinavam posturas municipais com a finalidade de manter padronizada a aparência
portuguesa em todas as vilas e cidades brasileiras. (REIS FILHO, 2006)

Os padrões construtivos foram trazidos de Portugal, tais como: o controle nas dimensões dos lotes,
seus alinhamentos, número e altura de pavimentos e tamanhos das edificações, formas de
disposição de esquadrias, caracterizando uma transposição do modelo português para a colônia.
(REIS FILHO, 2006)

Em relação ao ordenamento da paisagem urbana, não havia arruamentos se não houvesse


habitações. “Aproveitando antigas tradições urbanísticas de Portugal, nossas vilas e cidades apresentavam

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

ruas de aspecto uniforme, com residências construídas no alinhamento das vias pública e paredes laterais
sobre os limites dos terrenos” (Reis Filho, 2006, p.22).

Além dessas questões, o que também confere a simplicidade da arquitetura colonial, está ligado à
precariedade do nível tecnológico construtivo, como o uso da mão-de-obra escrava e a falta de
matéria-prima. Nas construções de cunho mais erudito – igrejas e prédios públicos como os paços
municipais, as casas de câmara e cadeia e as fortificações – eram utilizados materiais trazidos de
Portugal e alguns artífices apresentavam algum conhecimento técnico e ou mais específico 3 .

Para as construções mais elaboradas e de importância nas colônias, os engenheiros militares


recebiam a incumbência de executá-las. Esses profissionais utilizavam uma tratadística baseada
especialmente em Alberti e Sérlio, atentando para o uso das formas austeras na busca da clareza,
ordem, proporção, simplicidade e economia construtiva (KUBLER, 1972; CAVALCANTI, 2004;
DANGELO, 2006).

Segundo Dangelo (2006, p. 225) toda a arte portuguesa a partir do século XVI estrutura-se
basicamente no conhecimento das regras básicas da Geometria, nas relações de proporção,
especialmente na seção áurea e do retângulo √2 (TOMÁS, 2007). Ademais, também se baseavam
na Estereometria, no conhecimento da Aritmética, das medidas do ofício vinculadas ao sistema
Figura 02 – Portada do antigo Paço da Cidade do
Rio de Janeiro. craveiro e suas variáreis e, principalmente, na teoria das ordens com seus elementos constituintes
Fonte: Rodrigues, 1945, p. 194.
e regras de proporção na qual se estruturava a maioria da tratadística mais popular.

3
“De acordo com Bluteau e Moraes [ambos padres e mestres de ofícios], os ofícios, no decorrer do século XVIII, foram se
especializando e se diferenciando por pequenas particularidades que, aos olhos leigos, se tornaram praticamente
imperceptíveis, de modo a levar à confusão no momento em que eram citados ou definidos. Tais diferenças se
apresentavam ainda com maior dubiedade quando um mesmo indivíduo as acumulava. Mestre Valentim, por exemplo, fpo
um representante típico desses artífices polivalentes, pois se apresentava simultaneamente como entalhador, marceneiro de
móveis, escultor, estatuário, arquiteto, paisagista e desenhista de objetos CAVALCANTI, 2004, p. 302)”. Grifo nosso.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Carvalho, Nóbrega, Sá (2000, p.5) também apontam para o uso da linguagem clássica a partir das
formas geométricas básicas, com proporção da fachada próximas ao quadrado, forte contraste
entre linhas marcadas pelo uso de pedra e paramento branco e ainda subordinação da
ornamentação à estrutura.

Com a decisão da Coroa portuguesa de treinar e capacitar aqui seus profissionais 4 , é que no
decorrer do Século XVIII, iriam lentamente ocorrer as alterações de cunho construtivo e técnico.
Os engenheiros militares, responsáveis pelas obras importantes nas capitanias, iriam se destacar
ao longo do período. Segundo Cavalcanti (2004, p. 291), “no Rio de Janeiro setentista, os profissionais
Figura 03 – Palácio da Ajuda – Lisboa – 1795 – – projetistas, artistas, artesãos etc – ligados à arquitetura liam em geral obras de Vignola, Manuel de Azevedo
Francesco S. Fabri e José da Costa e Silva.
Fortes, Luiz Serrão Pimentel e José Fernandes Pinto Alpoin”. É importante frisar que estes três últimos
Fonte: Toman, 2007, p. 143.
foram profissionais portugueses encarregados pela capacitação de diversos profissionais de
engenharia militar sendo o ultimo bastante atuante no Brasil.

Com a reconstrução de Lisboa, ocorrida após o terremoto de 1755, grandes alterações foram feitas
nesta cidade, segundo os conceitos iluministas que vinham sendo praticados em várias capitais
européias. Foi necessário reerguer igrejas, importantes prédios públicos, palácios e o teatro,
destruídos pela tragédia que assolou a cidade (CAVALCANTI, 2004). Para o contexto dessas
reformulações, utilizou-se de uma arquitetura mais arrojada que já vinha sendo utilizada nos países
europeus, e que cuja proposta estava pautada na modernização tanto dos espaços urbanos o que
5
incluía os edifícios civis .

4
Em 1696, foram criados cursos de engenharia militar em Salvador, Recife, Rio de Janeiro e em São Luiz do Maranhão. Os
Figura 04 – Passeio Público de Lisboa, séc. XVIII cursos seguiam o ensino da escola de Lisboa, nos quais eram baseados na leitura de lições retiradas dos livros adotados, na
(Mendes, Veríssimo e Bittar,2007,p.22)
discussão delas pelos lentes e os estudantes, e na reprodução de desenhos. SOUSA, 2001, p.39.
5
Ver FRANÇA, José Augusto. Lisboa pombalina e o Iluminismo. Lisboa: Bertrand, 1987.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Diversos palácios portugueses foram reconstruídos e reconfigurados, durante o período do


Marques de Pombal, o pombalino. Tal empreitada representou a abertura de Portugal às novas
composições arquitetônicas neoclássicas, colocando Portugal em igualdade diante dos demais
países ocidentais, com as construções imponentes como o Palácio de Queluz, em Sintra, de 1755,
o Palácio da Ajuda de 1795, o Teatro São Carlos de 1793, o Hospital Santo Antônio em Porto, de
1769.

No Brasil algumas construções do final do século XVIII e início do XIX já apresentam uma proporta
compositiva diferenciada da arquitetura colonial predominante. Para Gomes (In Montezuma, 2002,
p. 142) “Na realidade, o neoclassicismo não chegou à Colônia com a Corte portuguesa. Lisboa, após o
terremoto de 1755, foi reconstruída no estilo conhecido como pombalino, do Marques de Pombal, que já era
Figura 05 – Palácio dos Governadores – Belém – Pará
uma linguagem formal classicizante, em franca oposição ao rococó, já ultrapassado no continente europeu”.
1767 - Antônio José Landi. (Montezuma, 2002, p.142)
6
Vale destacar, entretanto, as construções do arquiteto Antônio José Landi em Belém, como o
Palácio do Governo, construído em 1767; a igreja de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de

6
O arquiteto italiano Antonio José Landi (1713–1791), aos 19 anos já era aluno premiado da Academia Clementina de
Bolonha. Em 1750, Landi, a convite do enviado do rei de Portugal segue para Lisboa juntamente com outros estrangeiros e
integra a delegação portuguesa que demarcaria os limites entre os domínios de Castela e de Portugal na América. Após
período de espera na capital portuguesa, Landi parte com a comissão demarcadora de limites chefiada por Francisco Xavier
de Mendonça Furtado (governador nomeado do Grão Pará e Maranhão) para Belém, onde chega em 20 de julho de 1753.
Inicia sua atividade como arquiteto e construtor atividade que deixa profundas arquitetônicas na paisagem da cidade. Ao
longo de mais de 20 anos Landi participa das obras de conclusão da catedral de Belém, da nave central da igreja do
convento dos Carmelitas, da Capela de São João Batista, da Igreja de Santana da Campina, da capela da ordem terceira do
Carmo, Palácio dos Governadores Gerais do Grão-Pará, palacinho de Souza de Azevedo e residência de Alves da Cunha,
Capela do Engenho Murutucu, estão entre os trabalhos.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Janeiro, projetada em 1775, pelo engenheiro militar Francisco João Rocio 7 ; a Associação Comercial
de Salvador, projeto do engenheiro militar Cosme Damião da Cunha Fidié 8 , construído entre 1814 e
1816 (ROCHA-PEIXOTO, 2000). Essas construções refletiam a progressiva mudança de
mentalidade do governo Português em relação à modernização da colônia, o que também nos
pressupõem um reflexo das preocupações e transformações ocorridas após o terremoto de Lisboa.

A vinda da Corte Portuguesa ao Brasil em 1808 se configuraria um passo importante para o início
das reformas urbanas fora dos parâmetros coloniais, no que concerne na transformação da sede da
monarquia, e para o domínio do território.

O importante episódio do início do século XIX foi à chegada da Missão Artística Francesa em 1816,
que representou uma atitude definitiva a favor das mudanças que vinham ocorrendo na capital
carioca. Com essa missão viriam diversos artistas como pintores, escultores e arquitetos que
pretendiam alterar a paisagem colonial. A presença desses artistas franceses confirmava o
interesse do monarca D. João VI, para o que julgava ser moderno e civilizado na organização do
Figura 06 – Igreja da Candelária - 1775.
(Montezuma, 2002, p.143) novo Império, inaugurando conseqüentemente a fase de implantação e desenvolvimento do ensino
artístico no País.

7
Francisco João Roscio foi um engenheiro-militar português de destacada atuação no Brasil colonial. Nascido na Ilha da
Madeira, veio ao Brasil na segunda metade do século XVIII como capitão para trabalhar em projetos de fortificações. É autor
de mapas da cidade do Rio de Janeiro e do projeto, datado de 1775, da Igreja da Candelária na mesma cidade. Em finais do
século, com a patente de tenente-coronel, chefia a Segunda Sub-Divisão da Comissão Demarcadora de Limites,
encarregada de mapear a região Sul da colônia e resolver conflitos fronteiriços com as colônias espanholas. Com o título de
brigadeiro, Roscio governou interinamente a Província de Rio Grande de São Pedro (Rio Grande do Sul) entre 1801 e 1803.
Faleceu em Porto Alegre em 1805.
8
O arquiteto português Cosme Damião da Cunha Fidié inspirou-se na obra do arquiteto inglês Robert Adams, numa
celebração de "colônia comercial" à grande potência econômica de então, já apresentando uma composição híbrida de
recursos clacissizantes.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Com a inauguração da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro em 1826, aos moldes
da Academia Francesa, o avanço cultural foi bastante significativo para a arquitetura, com
demonstram os exemplares de grande apuro técnico e formal, feitos pelo arquiteto francês
Grandjean de Montigny nos quais serviu, também, na divulgação do estilo neoclássico no país. No
mais eram poucos países na Europa, que possuíam a sua própria Academia, fato que vem a somar
para o destaque da produção arquitetônica brasileira do século XIX.

Porém, antes mesmo da Missão Francesa, a Corte portuguesa já havia dado um grande passo para
as mudanças com a inauguração da Real Academia Militar em 1810 9 , no Rio de Janeiro. Esta tinha
como objetivo formar oficiais das Armas e Engenheiros que serviriam em obras estatais por todo
Figura 07 – Associação Comercial de Salvador - 1814.
(Montezuma, 2002, p.143) país. O curso de engenharia durava seis anos, sendo que, no último ano, eram lecionadas as
cadeiras de Arquitetura Civil, Materiais de Construção, Caminhos e Calçadas, Hidráulica, Pontes,
Canais, Diques e Comportas. Com a inauguração dessa escola foram extintos os cursos existentes
nas cidades de Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, passando a ser a única escola do
Brasil a fornecer profissionais capacitados para trabalhar nas demais províncias.

Para Rios Filho (1946, p.375): “Muito embora o estudo de engenharia militar fosse feito no Brasil desde o
tempo da colônia, foi somente com a criação da Academia Real Militar, a 4 de dezembro de 1810, que o
conhecimento das ciências exatas e de observação teve realmente incremento”. Especialmente com a
associação do método português de construir e as tendências internacionais em voga. O autor vai
colocar ainda que na Academia Militar o ensino francês estava presente nos livros mestres como o
Précis dês leçons d’architecture de J.N.L. Durand, o Dictionnaire d’architecture de Quatremère de
Quincy e o Dictionaire dês Beaux-Arts de Boutard.

9
A Academia mudou de nome quatro vezes: Imperial Academia Militar em 1822, Academia Militar da Corte em 1832, Escola
Militar em 1840 e Escola Central a partir de 1858.

36
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

A importância na consolidação do ensino dessas duas academias para o enriquecimento da


produção arquitetônica foi fundamental, especialmente para a inserção de novos métodos
compositivos, novas tecnologias e materiais.

Outra grande preocupação foi a qualificação da mão de obra que durante um longo período
continuou a ser escrava, utilizando-se ainda o método construtivo colonial. Com o surgimento dos
Liceus de Artes e Ofícios, buscou-se uma melhor especialização e capacitação dos profissionais
atuantes na área das construções.

Na malha urbana o processo de implantação dos novos modelos arquitetônicos aconteceu de forma
lenta no inicio dos oitocentos, não constituindo um total rompimento com a tradição colonial. Muitas
construções sofreram adaptações para a nova estética vigente ou ao gosto neoclássico. Essas
inovações ficaram mais evidenciadas nas construções civis e residenciais, onde a nova sociedade
burguesa que surgia e como principal clientela, pois, que podiam pagar pelas inovações.

Alguns elementos construtivos tornaram-se habituais, tais com o uso das platibandas, e, com isso,
o fato de que obrigava o uso de calhas e tubulações importadas. Sobre as platibandas colocavam
elementos em louças do Porto como estátuas, pináculos e pinhas. As portas e janelas em arco
pleno e com painéis de vidro, balcões de ferro nas sacadas passaram a dominar as antigas vergas
retas usuais na arquitetura colonial. No Nordeste, por motivos climáticos e ou de tradição, utilizou-
se o azulejo português nas paredes internas e externas de diversas construções, especialmente
nas residenciais.

Segundo os momentos de desenvolvimento da arquitetura do século XIX Rocha-Peixoto (2001 p.


64-70) ela pode ser traduzida em três fases distintas:
Figura 08 – Antigo Paço da Cidade do Rio de (1) teve início no final do século XVIII, com uma nova linguagem das obras de A G. Landi no Pará;
Janeiro em três fases distintas.
Fonte: Rodrigues, 1945, p. 192. de F.J. Roscio no Rio de Janeiro e em Ouro Preto; e de Alpoim no Rio de Janeiro;

37
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

(2) insere o período da chegada da Família Real Portuguesa (1808-1831), com as realizações de
Grandjean de Montigny, José Pezerat, Joaquim Candido Guilhobel, Fidé, José da Costa e Silva e
Manuel Costa (todos com formação acadêmica em engenharia, menos Grandjean).

(3) período iniciado no segundo reinado, cuja arquitetura apresenta uma índole propriamente
brasileira, e foi representada por profissionais brasileiros e estrangeiros, arquitetos e engenheiros.
Estes contribuíram com a implantação de diversos programas diferenciados e melhorias na infra-
estrutura das cidades.

Pereira (2005) observa que do contexto evolutivo da prática arquitetônica, percebe-se uma rede de
ligações complexas em que vários elementos estão imbricados tais como:

a persistência de formas e técnicas coloniais; a necessidade de novos


programas e funções; a incorporação de materiais importados; a
diversificação dos agentes; os novos processos de formação profissional
de arquitetos e engenheiros; além da sincronicidade de várias linguagens
formais - a recorrência aos estilos do passado (barroco e rococó) e a
apreensão dos estilos contemporâneos (neoclassicismo e outros
revivalismos, além do ecletismo e art nouveau). Portanto, em lugar de
uma só feição dominante, coexistem técnicas, programas e estilos do
passado e do presente, evidenciando a permanência da tradição colonial,
entrelaçada no desejo de modernização e a necessidade de construção da
identidade nacional.

Especialmente na fase correspondente ao Segundo Reinado, com o país já independente, que a


arquitetura iniciada a partir daí irá se destacar como fruto ideológico e progressivo nas principais
capitais brasileiras. Barata (1983, p.04) vai afirmar que com a consolidação de D Pedro II a corte e

38
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

as províncias vão exigir condições condignas para as instituições públicas, tais como assembléias,
hospitais, escolas, faculdades, teatros etc.

Rocha-Peixoto (2000, p. 65) aponta que é na arquitetura produzida a partir do final da primeira
metade do século que “surgem então os cânones autóctones de composição, a forma imponente e
palaciana das construções de partido constante”. O autor ainda vai salientar que “essa fase é responsável
pela reedição de alguns valores artísticos brasileiros, anteriormente explorados pela nossa ultima arquitetura
barroca e que foram olvidados ou recusados na primeira fase - 1800-1831”.[grifo nosso]

Segundo Sousa (2000 p. 14) as principais características formais encontradas nas construções
surgidas no século XIX sugerem o uso da racionalidade e economia, simplificação das ordens e
geometrização do desenho. Para o autor tais recursos foram herdadas pela escola lusitana,
apontando uma produção híbrida cujas principais matrizes foram a portuguesa em particular e a
francesa devido ao ensino acadêmico e idealização sócio-política.

Entre os autores citados, o que transparece é que o uso da tradição arquitetônica colonial foi
empregado com uma nova roupagem ou mesmo adotando uma estética particular européia para as
construções do período, porém não configurou uma total alteração dos modelos coloniais. A
tradição construtiva portuguesa utilizada na arquitetura colonial, estaria sendo reinterpretada dentro
de um vocabulário moderno, e associado aos modelos europeus realizados desde o século XVIII,
trazidos especialmente via França.

Sobretudo, no período decorrente ao Segundo Reinado, a arquitetura brasileira apontava para um


desenvolvimento mais maduro, configurando uma evolução das tradições impostas pelas
academias, e tirando proveito das necessidades de progresso e da civilidade almejada pelas elites
públicas.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Desse silogismo Rocha-Peixoto (2008) 10 aponta para um sistema em que poderia enquadrar a
produção arquitetônica do século XIX, compreendendo os seguintes atores:

Fazendo uma analogia entre a produção dessa arquitetura aos seus realizadores e idealizadores
talvez possamos compreender um nível maior de influência da relação entre a pratica arquitetônica
dos profissionais baseando-se na formação acadêmica.

Para melhor especificidade dessa produção, foi preciso espelhar-se nas atitudes modernizadoras
ocorridas nos países ocidentais, especialmente França e Inglaterra, que possuíam estreitas
ligações comerciais e políticas com o país. Contudo, não apenas a economia viu-se influenciada

10
Em palestra proferida no 1° Encontro de Estudos sobre Ambiente Construído do Brasil do século XIX. Rio de Janeiro,
Fundação Casa de Rui Barbosa, 2008.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

por esses países, a cultura também foi impregnada de novas atitudes de pensar e agir sobre a
cidade e novos costumes urbanos (FREYRE, 1940).

Nessa relação a arquitetura associou-se às idéias de progresso e civilidade fazendo-se presente


com equipamentos fundamentais para auxiliar a necessidade de ordem nos espaços públicos e nas
atividades sociais. Porém, foi nos diferentes programas arquitetônicos associados às
necessidades de uma nova ordem social que a produção do período se integrou aos modelos mais
modernos da arquitetura ocidental.

Assim surgem no decorrer do XIX, estruturas utilitárias de enorme envergadura tais como Teatros,
Sedes de Governo, Hospitais, Prisões, Estações Ferroviárias..., onde, pela proporção de suas
formas e sua inserção urbana é possível perceber a importância que estes edifícios
desempenharam. Logo essas construções vieram alterar definitivamente a paisagem das cidades,
equipando-as com empreendimentos indispensáveis a nova civilidade, especialmente patrocinadas
pelas instituições públicas e órgãos estaduais.

A seguir buscamos evidenciar os principais fomentadores do processo de modernização da


arquitetura e suas principais vias de adequação as necessidades que imperavam nas principais
províncias do país.

1.1 PREMISSAS DE MODERNIZAÇÃO DA ARQUITETURA

Com a chegada da Família Real em 1808 e a abertura dos portos às “nações amigas”, iniciou-se no
país um período de intenso intercâmbio com os países ocidentais, acelerando o crescimento do
país, especialmente para a cidade do Rio de Janeiro.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Em apenas um século, o Brasil passa de Colônia a Vice-reino, adquire a independência política de


Portugal e proclama a República Federativa. Portanto, é de se considerar que este período de
crescimento irá reincidir sob o processo de desenvolvimento da arquitetura, e também, sob os
processos internos de cada região de forma diferenciada, devido à grande extensão territorial do
país.

O projeto de transformar a colônia em sede da Monarquia portuguesa não era novo (Rocha-
Peixoto, 2001; Cavalcanti, 2004; Santos, 2007). A cidade do Rio de Janeiro 11 já vinha
demonstrando uma efervescência cultural iniciada com o Marquês de Lavradio 12 , criando a
Academia Científica em 1772, antes mesmo da Academia das Ciências de Lisboa, iniciada em 1779
(Cavalcanti, 2004, p.224).

A reforma pombalina chega no final do século XVIII, com a eliminação das capitanias hereditárias e
uma administração moderna e centralizadora de inspiração iluminista. Para demarcar as fronteiras
da colônia, deslocaram-se para o Brasil seis missões científica sob o comando dos engenheiros
militares de boa formação acadêmica e integrada por astrônomos, desenhistas, cirurgiões e
capelães (Rocha-Peixoto, 2000, p.28).

A cidade passa a ser lugar ideal para a circulação dos paradigmas da ordem moderna baseados na
ciência, progresso e civilização, e torna-se um espaço de intervenções urbanísticas e também de

11
“A capitania do Rio de Janeiro apresentava as melhores condições para a implantação desse projeto econômico-científico
da Monarquia portuguesa, pois possuía homens de negócios com capital, terrenos férteis e elemento humano capacitado
tecnicamente”. CAVALCANTI, 2004, p. 224.
12
O marquês de Lavradio veio para a colônia como vice-rei acompanhado por seu médico particular, Dr. José Henrique
Ferreira para governar a capitania do Rio de Janeiro, e desenvolver diversas atividades progressistas nesta colônia, tais
como: fundar a Academia Científica, desenvolver culturas agrícolas, preparar e administrar um horto botânico.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

controle sobre a população e suas práticas. É nesse ritmo que adentramos no inicio do século
onde longe dos acontecimentos da Corte as províncias tentavam lentamente modificar as condições
locais e as aparências do período colonial 13 .

A reestruturação político-administrativa deu início à construção de um aparato burocrático


necessário para a organização ocorrida no estabelecimento da sede da monarquia. Entre as
mudanças efetuadas figuram a abertura dos portos às “nações amigas” (1808), a revogação dos
decretos que proibiam as manufaturas no Brasil (1808) e a criação de uma série de instituições,
como as Escolas de Medicina da Bahia (1808) e do Rio de Janeiro (1809), as Academias da
Marinha (1808) e Militar (1810) e a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil
(1808).

A criação da imprensa régia (1808) representou, também, um passo inicial para divulgação e
comunicação de idéias modernas advindas dos países ocidentais. Embora até 1822 tenha
funcionado em regime de censura prévia, deu inicio à publicação dos jornais que passaram a
circular pelo país. O primeiro jornal publicado no país a “Gazeta do Rio de Janeiro” de 1808, foi o
jornal oficial, dedicado aos comunicados de governo e aos louvores à família real, permaneceu em
circulação até 1822.

A imprensa, fundada em 1808, constitui-se um outro espaço de abertura


para a instalação desse processo de expansão cultural, quando foram
lançados os primeiros jornais e livros, organizada a primeira biblioteca

13
é importante frisar a passagem dos holandeses em Pernambuco fundando a Cidade Maurícia em 1630 que executou na
cidade do Recife grandes reformas urbanas modificando a face de cidade colonial portuguesa, e dotando a cidade de infra
estrutura e edifícios monumentais.
Salvador também teve importante configuração no desenvolvimento do país como sede do governo português desde sua
colonização até o Rio de Janeiro assumir o posto de vice-reinado e sede da monarquia. N.da.A.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

destinada ao público, criados os primeiros cursos superiores,


principalmente aqueles destinados à formação de quadros militares.
Voltada para o atendimento de exigências imediatas e práticas, a reforma
joanina rompia, assim, com o sentido escolástico e literário da época
colonial (SOUZA, 2002).

O papel dos jornais na divulgação de notícias e integração com as demais províncias, tiveram
grande importância na expansão dos acontecimentos sociais e dos fatos políticos e econômicos,
bem como e expressão da opinião publica. Jornais como Diário do Rio de Janeiro (1821), Diário
Constitucional (Bahia – 1821), Diário de Pernambuco (1825), O Farol Paulistano (São Paulo –
1827), O Catarinense (Santa Catarina – 1831), O Progresso (Maranhão – 1846) dentre outros,
tiveram grande importância na divulgação dos acontecimentos do período.

A criação dos cursos jurídicos representou mais um fator importante na formação cultural do povo
brasileiro e na preparação dos intelectuais. A fundação desses cursos, já na fase do Império,
resultou de debates parlamentares, até mesmo com respeito às cidades onde eles seriam
localizados. Instalados em antigos conventos, em São Paulo e no Recife (1825), esses cursos
tornaram-se provedores de quadros para as assembléias legislativas e para os governos das
províncias e do país, ao longo do Império (SOUZA, 2002).

Um dos fatores de grande importância para divulgação de acontecimentos foi a abertura dos portos
junto com o tratado de livre comércio (1808), que vão impulsionar a economia do País, estreitando
as atividades de comércio e de comunicação principalmente com países como França e Inglaterra.
As províncias, especialmente as portuárias, ganham maior movimentação nas alfândegas,
recebendo diretamente naus com mercadorias advindas dos países ocidentais, acentuando-se a
relação de venda e a compra de matérias primas e demais produtos.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Vale salientar, entretanto que a forma centralizadora do governo, durante a fase do reinado de D.
Pedro I (1822-1834), apresentou grandes conflitos em quase todo o território brasileiro. No Diário
de Pernambuco de 26/04/1827, é publicado um artigo sobre a necessidade de progresso nas
províncias e critica a maneira como vem sendo encaminhado às reais necessidades dos cidadãos
brasileiros onde percebemos o grande contraste entre as mudanças ocorridas na sede da
monarquia e nas demais capitais.

Estamos em um país pequeno, pobre, mal povoado, mal educado. Certo


é, ainda mais que certo; pequenos somos, pobre nos fizeram,
despovoados nos deixaram, pessimamente nos tem educado. Mas são
esses males tão graves, tão renitentes, tão incuráveis como a ignorância,
ou a má fé, se não que ambas juntas, nos pregam todos os dias? Por sem
dúvida não. Somos pequenos mas a grandeza dos estados não mede as
varas, nem a soma de sua importância é igual a soma das milhares
quadras de seu território. DIARIO DE PERNAMBUCO, 26-04-1827.

A primeira constituição do Brasil (outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março de 1824) não previa
a delegação de poderes legislativos às províncias do império, o que confere, ainda, a forma de
centralização do poder e a pouca autonomia das capitais do Império. Por outro lado, estabelecia
órgãos deliberativos sobre assuntos de seu interesse, os chamados Conselhos Gerais, feitos por
conselheiros de diversas províncias, que mantinham sob controle as atividades administrativas e de
comércio. No Capitulo V da Constituição já descrevia as províncias mais importantes do Império,
que se tornaram representantes nos Conselhos Gerais:

Art. 73. Cada um dos Conselhos Geraes constará de vinte e um Membros


nas Provincias mais populosas, como sejam Pará, Maranhão, Ceará,
Pernambuco, Bahia, Minas Geraes, S. Paulo, e Rio Grande do Sul; e nas

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

outras de treze Membros. CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO


de 25 de março de 1824.

Apesar do regime centralizador do Império de D. Pedro I, com a Constituição buscou-se iniciar um


importante passo para a aproximação e união do território nacional, sob o contexto de
independência.

Foi a partir daí, e buscando o desenvolvimento das demais capitais especialmente as


representantes do Conselho Geral, que diversas leis foram sendo implementadas, com a finalidade
de abranger certos aspectos não definidos na primeira constituição. Com a Lei de 29 de Agosto de
1828, por exemplo, foram estabelecidas regras para construção das obras públicas, que tiverem
por objetivo a navegação dos rios, abertura de canais, edificação de estrada, pontes, calçadas e
aquedutos.

A partir da Lei de 01 de Outubro de 1828, ficou estabelecido a criação das “Posturas Municipais”
para cada localidade sendo organizado por sua vez pelas Câmaras Municipais. Estas tinham
dentre outras funções cuidar do ordenamento das cidades, estabelecer critérios de saúde pública,
fomentar leis que auxiliam no desenvolvimento e criação de estabelecimentos públicos dentre
outras atividades.

Somente com a criação das Assembléias Legislativas Provinciais, pelo Ato Adicional de 1834. é que
se instaura um período de maior autonomia administrativa para as províncias, acelerando o
desenvolvimento e representatividade das mesmas dentro do cenário nacional.

A função estabelecida para as Assembléias era de legislar sobre assuntos municipais e provinciais
administrativos tais como educação pública, desapropriação por utilidade pública; orçamentos;
fiscalização dos gastos públicos; criação de cargos e definição dos salários; obras públicas,
estradas e navegação no interior da Província; construção de prisões, casas de socorros públicos e

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

associações religiosas; controle dos atos do Presidente da Província em relação aos empregados
provinciais; etc. (MELO, 1996).

Diferente do que previa a Constituição de 1824 o Ato Adicional n. 16 visava diminuir a centralização
do poder e legitimou o direito das províncias de elaborar suas próprias leis.

Mesmo com essas atitudes de dissipação da forte centralização do poder, nos primeiros momentos
do império as revoltas e insurreições também serviram para demonstrar a verdadeira insatisfação
existente em todo país. No que concerne as atitudes políticas, especialmente em relação a
obrigatoriedade do pagamento dos tributos, esses iniciativas apontam as inquietações frente às
mudanças ocorridas desde chegada da Corte.

Dos vários conflitos podemos observar que essas inquietações estariam presentes em várias
províncias espalhadas pelo país, denotando a falta de integração das atitudes progressistas no
Império, entre as quais podemos destacar: Revolução Pernambucana - revolta independentista e
republicana, Pernambuco (1817); Confederação do Equador - revolta separatista, Nordeste (1823-
1824); Cabanagem - insurreição popular, Pará (1834-1840); Revolução Farroupilha - revolta
separatista e republicana, Rio Grande do Sul (1835-1845); Insurreição Praieira - revolta socialista,
Pernambuco (1848-1850).

Um dos parâmetros importante para o desenvolvimento do país, concerne às atitudes científicas e


intelectuais, especialmente com a instalação das academias médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro
(1813) e da Bahia (1815) e, posteriormente, a transformação dessas instituições em faculdades de
medicina (1832). Tais atividades deram inicio a atuação dessas sociedades cientificas no corpo
político e nos aspectos urbanos das cidades.

Em quase todo oitocentos as palavras ciência e civilização estiveram presentes nos diálogos
intelectuais, impresso nos jornais e revistas que circulavam pelo país, vinculados, por sua vez, em

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

sair do atraso civilizador em que se encontravam as cidades. A nova ordem urbana, que as elites
almejavam para a cidade, esteve pautada nos mais diversos setores, sob condições de reestruturar
a paisagem urbana, dotá-la de equipamentos utilitários e corrigir a moralidade nos espaços.

A Sociedade de Medicina, inaugurada em 1829 no Rio de Janeiro (CAVALCANTI, 2004), cujo corpo
médico vai fornecer os primeiros intelectuais a atuarem diretamente nas intervenções públicas, foi
um grande fomentador de consciência para as mudanças no sistema de saúde existente. A partir
dela, outras sociedades de medicina vão surgir nas demais províncias do império, como aconteceu
em Pernambuco em 1842 e em São Paulo em 1895.

No Rio de Janeiro teve grande destaque a figura de José Clemente Ferreira (1787-1854), bacharel
em Direito, inicia sua vida política atuando desde o Primeiro Reinado como Ministro Imperial e
posteriormente Provedor da Santa Casa de Misericórdia, no qual se dedicou especialmente as
questões da saúde pública, mantendo as relações entre os médicos e a sociedade.

A segunda metade do século XIX foi um período de consolidação política e crescente expansão
econômica e demográfica (SODRÈ, 1939). A partir de 1850, com o fim do tráfico de escravos,
houve disponibilidade de capitais, os quais foram redirecionados para investimentos em infra-
estrutura. De 1854 a 1858, foram estabelecidas estradas de ferro, linhas telegráficas e de
navegação, iluminação a gás nas cidades e começou a crescer o número de estabelecimentos de
instrução (SCHWARCZ, 2000, p. 102). Por outro lado, em 1850 ocorreu a primeira grande epidemia
de febre amarela na capital do Império.

Esse período tornou-se de afirmação da comunidade científica nacional, evidenciada pela criação,
em 1850, da Sociedade Vellosiana, que tinha por objetivo desenvolver estudos na área da história
natural, considerando os saberes indígenas.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Entre 1859 e 1861, a primeira Comissão Científica de Exploração do Império foi organizada pelo
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) criado desde 1838, com a participação de
naturalistas do Museu Nacional, tendo por objetivo inventariar as riquezas do país. Essa mesma
instituição foi criada em diversas províncias do país como na São Paulo, Pernambuco e Rio Grande
do Sul.

Vale a pena também destacar que, a partir de 1862, o Brasil passou a participar de “Exposições
Universais” que tinham o objetivo de apresentar os feitos tecnológicos e industriais das nações
capitalistas (SCHWARCZ, 2000).

È dentro desse quadro progressista que as cidades, aos poucos, despontaram para a experiência
civilizatória nos quais evidencia-se pelo quadro intelectual anteriormente descrito. É com esse
quadro que as cidades vão procurar espelhar as atitudes modernizadoras, advindas do pensamento
científico e intelectual.

É desse panorama que nos propomos destacar os fenômenos sociais como lazer, a salubridade e
a ordem, que se apresentaram dentre as principais atitudes imbricadas desenvolvimento da nação
fortemente influenciada pelas sociedades intelectuais, científicas e nas ações os homens públicos.

 O LAZER

Um dos principais pré-requisitos de modernidade foi o embelezamento das cidades foi dotá-las de
ambiências confortáveis, monumentos aprazíveis circulados pela ordem e regularidade nos
espaços públicos, especialmente para a nova burguesia que almejavam locais em que pudessem
desfrutar do convívio social e dos seus atrativos longe dos ambientes litúrgicos das igrejas.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Reunir-se: fazer-se público de sua presença, exibir pompa, ver homens e


mulheres bem vestidas e bonitos, contar e ouvir novidades assistir a
apresentações musicais, mostrar filhas na busca de maridos, homens
finos admirando e fazendo a corte a cortesãs. Os jogos sociais e sexuais
— com a tácita concordância entre seus praticantes — o plaisir de la
promenade, tinha um palco magnífico nos jardins públicos. SEGAWA,
1996, p.47)

As grandes transformações ocorreram especialmente nas áreas centrais, onde surgiram


preocupações em criar diversas ambiências sociais nos passeios, largos, praças ajardinadas,
monumentos públicos e privados 14 , dotados de arruamentos, arborização, paisagismo, iluminação.

Figura 09 – O passeio Público – Rio de janeiro, em Quanto aos ambientes públicos, uma das primeiras manifestações a esse respeito surgiu no Rio de
litografia aquarelada de Alfredo Martinet, 1847.
Acervo da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Janeiro, com a construção do Passeio Público, que foi contemporâneo ao surgimento dos primeiros
Fonte: Segawa, 1996, p. 101.
jardins públicos europeus na segunda metade do século XVIII. Esses jardins, símbolos do
pensamento iluminista, procuraram invocar formas de sociabilidade nas quais a aristocracia e a
burguesia encontravam um lugar comum (Segawa, 1996, p. 108).

As praças e jardins tiveram papel importante na conformação do entorno da paisagem urbana.


Nelas foram surgindo expressivas edificações que obedeciam por sua vez a diferentes tipologias e
programas, principalmente destinados aos teatros, palacetes, cafés e ao pequeno comércio.
Diversos equipamentos públicos como bebedouros, fontes, chafarizes, marcos, etc. faziam parte do
contexto desses ambientes de lazer.

14
O aparecimento das casas especialmente destinadas aos espetáculos teatrais e, posteriormente, a vinda da Corte
portuguesa para o Brasil e a inauguração de diversos estabelecimentos espalhados pelo país possibilitaram a formação de
grupos regulares de teatro, que atuavam nos principais centros, a se destacar a figura do teatrólogo João Caetano no Rio de
Janeiro.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No final do século XVIII a coroa portuguesa empenhou-se em organizar no Brasil uma série de
estabelecimentos botânicos de acordo com a sua primeira implantação em Belém – Pará em 1796.
Surgiram então nas capitanias de Rio de Janeiro (1808). Pernambuco (1811), Bahia (1815), Minas
Gerais (1825) e São Paulo (1827) os primeiros Jardins Botânicos brasileiros 15 patrocinados pela
Coroa que ilustravam o esforço português na política de fomento do desenvolvimento de plantas
“úteis” à economia lusa (SEGAWA, 1996).

Os Jardins Botânicos, também funcionavam como espaço de recreação, deleite e contemplação


além de se configurar um local para a exploração e investigação natural da fauna e da flora, pela
medicina científica, onde se permeavam o caráter público e privado.

Os programas como teatros, salões de músicas, clubes e cassinos serviriam como continuidade da
vida pública, local de celebração, reunião intelectual, recreação, de vida política e de incentivo às
atividades literárias. Esse programa foi logo recebido como um dos primeiros empreendimentos
que apontariam para uma sociedade com costumes modernos e civilizados, onde seu espaço
interno se configuraria muitas vezes a extensão da praça com um maior apelo ao ver e ser visto por
seus freqüentadores.

É importante frisar que para a organização desses espaços de lazer, especialmente os destinados
ao público, haveriam necessidades a serem cobertas para o desfrute, tais como a saúde e ordem,
segurança pública, limpeza e iluminação. Essas necessidades seriam as bases para a
reformulação urbana que permaneceriam em pauta durante todo o século XIX e início do século
XX.

15
Nas Américas as primeiras organizações de jardins botânicos empreendidos pelos colonizadores europeus foram: o
holandês no Recife, 1630; o espanhol na Cidade do México, 1787; o inglês na Filadélfia, 1730; o francês nas ilhas Saint
Vicent e Saint Thomas, 1764. (SEGAWA, 1996)

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Outro importante papel de divulgação para as novas ambiências, foram as festas comemorativas
dos eventos nacionais, casamentos, nascimentos, batismos e aniversários da família real.
Realizadas sempre em praças públicas e com muita pompa, prolongavam-se por dias, com carros
alegóricos e uma apresentação majestosa na Casa Real (Paço Imperial). Para tanto eram
construídos cenários representativos – arquiteturas efêmeras – como eram comuns nas festas da
corte na Europa do Antigo Regime (SILVA, 2007).

Muitos desses festejos foram relatados na Gazeta do Rio de Janeiro como o do casamento real de
D. Leopoldina e D. Pedro em 1818, na nova praça da cidade (Campo de Santana). Segundo Silva
(2007, p.50) tal praça foi desenhada por Grandjean de Montigny e dirigida pelo arquiteto Manuel da
Costa e executada pelo mestre de obras públicas José Feliciano de Oliveira.

Mandou erigir, no vastíssimo Campo de Santana, uma praça magnífica construída


com o mais apurado gosto, a fim de dar ao povo, em públicos divertimentos por seis
dias sucessivos de touros e de cavalhadas interpoladamente, um dilatado teatro para
ostentar seus leais sentimentos. (Gazeta do Rio de Janeiro, 1818, n. 82, Apud.
SILVA, 2007).

 A SAÚDE

A questão da saúde pública foi um dos fatores mais importantes no desenvolvimento das cidades
iniciados durante o século XIX. Para tanto, serviriam de suporte as idéias de polícia médica,
medicina urbana e medicina social, evidenciadas pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro,
como suporte tanto da higiene dos espaços quanto na higiene dos próprios cidadãos (Miranda,
2002).

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

A polícia médica surge da necessidade de organização do corpo médico existente. Desse modo,
instituições como a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina da Bahia e
a Academia Militar do Rio de Janeiro tornaram-se responsáveis pela formação do saber científico
que passaram a ser considerados prioritários na produção dos discursos dos novos intelectuais
brasileiros.

A evolução do ensino, juntamente com os novos pensamentos e atitudes das sociedades


científicas, (MÜLLER 2002), viriam a modificar radicalmente o processo de criação da arquitetura
especialmente de determinados programas de utilidade pública tais como: hospitais, prisões, asilos,
hospícios, matadouros, mercados públicos dentre outros, agora voltados ao contexto social e
urbano. Com isso, foi incorporando o novo vocabulário formal segundo tipologias específicas para
cada programa e às necessidades impostas pelo meio existente nas cidades.

É também, a partir daí que surge a figura do médico como administrador da saúde, interferindo nos
espaços públicos, nas moradias, na limpeza pública, na traçado das ruas, alicerçando as idéias de
sanitaristas das áreas centrais. Por meio dessa nova atitude dos profissionais podemos observar o
Relatório da Comissão de Salubridade Geral da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro de
16
1831 , onde o corpo médico faz as seguintes considerações:

A comissão de Salubridade Geral atenta ao desempenho de um dos


principais deveres desta Sociedade, qual é de comunicar as Autoridades
Públicas competentes, pareceres sobre a Higiene Pública e observando

16
Surgindo, inicialmente, na Alemanha, na transição do século XVII para o XVIII, a medicina social se estende,
posteriormente, para a França, no final do século XVIII, e, depois, para a Inglaterra, no início do século XIX. Na Alemanha,
ela se caracteriza pela criação de uma instituição responsável pelo controle dos elementos causadores das doenças, pela
regulamentação do exercício da medicina e pelo levantamento da estatística médica. (SOUZA, 2002)

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

que o grande manancial etiológico de maior numero, e das mais terríveis


enfermidades desta capital, é a infecção de sua atmosfera. (COMISSÂO
GERAL DE SALUBRIDADE, 1831, p. 07).

A medicina urbana teve fundamental importância na organização e divulgação dos equipamentos


passíveis de serem transmissores de doenças como a intervenção no sepultamento nas igrejas e
transferência dos matadouros e cemitérios para áreas separadas da malha urbana, grandes
responsáveis pelas doenças.

Outras preocupações partem do arejamento da cidade e o alargamento das suas ruas, a colocação
dos diversos elementos necessários à vida na cidade e permitir a circulação das pessoas: área para
praças, mercados, circulação dos transportes e animais, bem como locais para despejo dos dejetos
humanos e lavagem de roupa, sem que a água das fontes fosse contaminada.

A Comissão Geral de Salubridade no Relatório de 1831 escrevia que “o ar que vivemos nesta
cidade se acha infectado” e que era não apenas uma preocupação das autoridades públicas, que
deveria ser uma tomada de consciência de toda a sociedade.

Iniciam-se lentamente, nas diversas cidades brasileiras, as obras de melhoramentos, por meio de
planos de modernização, saneamento, distribuição de água e expansão por vias férreas. No Brasil,
os primeiros sistemas de abastecimento de água e serviços de esgotos se deram principalmente
após a primeira metade do dezenove, em cada momento de maior desenvolvimento das províncias.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

TABELA 1 – IMPLANTAÇÂO DOS PRIMEIROS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTOS DO


BRASIL. Fonte: Müller, 2002, p.39.

No decorrer do período o aumento populacional nas camadas urbanas, especialmente nas áreas
centrais, acarretaria em ocupações desordenadas e uma série de epidemias gerada por ambientes
insalubres e pela falta de higiene. As epidemias foram as grandes responsáveis pelo surgimento de
uma consciência da interdependência sanitária entre as elites e o poder público e foram tomadas
como uma das principais providências da Sociedade de Medicina.

O ar estava infectado por emanações animais ou vegetais conjuntamente


que se desenvolvem dos cemitérios, catacumbas, sepulcros das Igrejas,
dos animais mortos não enterrados dos monturos, das cloacas e vasilhas
de despejo, dos canos e valas de esgotos e depósito de urinas, dos Arrais,
cavalherices, matadouros, açougues, mercados de peixe, armazéns de
carnes secas, toucinho, queijo, dos depósitos de azeite de peixe, das
fabricas de velas, dos costumes, hospitais e prisões. (Ibid, p. 07. Grifo
nosso).

Especialmente nos programas assistenciais, hospitais, prisões, asilos tiveram uma extensa revisão
tanto no seu aspecto clinico quanto nas instalações das construções. Questões como ventilação e

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

iluminação tiveram um papel de grande importância nos desígnios dos novos projetos que vieram a
surgir no decorrer do dezenove.

A medicina social, também teve fundamental importância na administração e reorganização dos


estabelecimentos de saúde segundo especificidades diferentes. As Santas Casas de Misericórdias,
existentes no Brasil desde o período colonial, tiveram grande influencia nas mudanças ocorridas,
especialmente com o papel de seus provedores que contribuíram para dar inicio a grandes
reformas nesses ambientes. Essas reformas foram necessariamente reforçadas pelas inspeções
feitas pela Comissão de Salubridade como descreve no texto a seguir.

Dos hospitais atualmente existentes nesta cidade (Rio de Janeiro), o da


Misericórdia é o mais infecto. Sua estreiteza, a proporção do grande
número de enfermos que entretem, a humanidade, a falta de ventilação de
algumas de suas enfermarias, a péssima posição, a construção de suas
latrinas, sua continuidade com o mais infecto cemitério (Misericórdia),
tudo coopera para que neste foco se preparem as mais virulentas e
abundantes emanações que se derramam todos os dias pelo centro da
cidade. (Ibid, 29. Grifo nosso).

No inicio do século apenas as Santas Casas e os Hospitais Militares eram utilizados para qualquer
tipo de especificidade médica e as atividades eram feitas em instalações físicas inadequadas.
Ocorre desse fato a intensa campanha para a criação de outros estabelecimentos necessários para
a demanda da desordem pública causada pelo aumento populacional. Em diversas províncias tais
como Bahia, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul se movimentaram em prol das mudanças
dos estabelecimentos de saúde, o que foi enriquecedor no processo de modernização das mesmas.

Além das especificidades dos novos estabelecimentos de saúde outro problema a se resolver foi o
grande vulto de pessoas amontoava-se nas áreas centrais: bêbados, mendigos, órfãos, loucos,

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

velhos, e toda sorte de pessoas sem amparo social. A retirada dessas pessoas das áreas públicas,
ficando a cargo da Intendência Geral de Polícia da Corte, esteve presentes nas demandas de
ordenamento preconizados pelos médicos, especialmente os doentes mentais e mendigos.

A mesma Comissão de 1831, manifestou-se contra o tratamento cruel e desumano que eram
reservados aos alienados, entregues a toda a sorte nas casas de caridade existentes e nas cadeias
públicas. Tal fato levou a uma grande movimentação política em torno da criação de um
estabelecimento destinado ao cuidado desses doentes, iniciado principalmente pelo então provedor
da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, José Clemente Ferreira.

A criação do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro em 1852, segundo uma escala monumental de
construção, simbolizou uma das conquistas médicas relevantes para a área e significativas para o
Império no sentido simbólico de civilidade. Vale reforçar que tal empreendimento teve for fim tanto
as necessidades da política médica, quanto pelo viés social, o sentido de manter a paz e
tranqüilidade almejada pelas elites para os espaços públicos.

A iniciativa da Corte para o estabelecimento de um hospício destinado aos alienados refletiu nas
demais províncias apontando um quadro deficiente que estava presente nas dificuldades de
manutenção da ordem pública tanto no que concerne à salubridade quanto ao lazer.

 MORAL E ÉTICA

Outro importante fator pautado no ideário de modernidade das cidades foi a questão da ordem nos
espaços públicos e privados. Esta compreende tanto a questão social como moral, caracterizando
por incluir razões de salubridade pública, como descritos anteriormente, e uma nova conduta
civilizada para a população dentro das posturas sociais exigidas pela sociedade emergente.

57
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

A maneira em que se criou essa nova ordem, com padrões preestabelecidos de conduta, se deu
exatamente através de imposição de certas normas disciplinadoras dos cidadãos. Junto a isso, a
domesticação dos hábitos através da intervenção no espaço urbano, estabelecendo definitivamente
a separação do público e do privado e impondo limites à sua circulação, foi um dos grandes
reguladores da ordem nas áreas centrais (Müller, 2002, p. 26).

Em 1825 é lançado um regulamento para os Comissários da Polícia do Império fora da Corte onde
prescrevia no Artigo 3 a seguinte instrução:

Compete dotar, ou deprecar as providencias necessárias para a boa


ordem, tranqüilidade e decência nas festas religiosas, divertimentos
públicos ou outros quaisquer lícitos ajuntamentos; prevenido o que
poderem para que não hajam desastres. (ARAGÂO, Francisco Alberto
Teixeira de. Intendente Geral de Polícia da Corte e do Estado do
Brasil, 1825)

O ordenamento dos espaços, especialmente de lazer, praças, jardins, largos, também esteve
inserido nos conceitos modernos da medicina urbana preconizadas no inicio do século. Porém a
sua principal área de atuação seria o trabalho nos ambientes assistenciais de amparo para órfãos,
cegos e especialmente nos estabelecimentos carcerários.

Com a criação da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência em 1831, um passo maior


foi dado no sentido da criação de novas construções segundo o viés moderno pautado nas
questões punitivas e espaciais. “A intenção dos defensores era tornar o império civilizado, manter a ordem
pública, reprimir a mendicidade e principalmente erradicar o vício da vadiagem transformando os detentos em
pobres de bons costumes” (ARAÙJO, 2009).

58
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Sendo assim, os membros da Sociedade Defensora da Liberdade tomaram para si a


responsabilidade de construir uma Casa de Correção na capital do Império. Essa construção
representava o que havia de modernidade e civilidade para as instituições prisionais (Lassarot,
2006). Pretendia-se implantar um novo modelo de prisão baseado no modelo Panoptico muito
utilizado pelos norteamericanos e europeus.
O General Bentham foi o que deo a primeira idea deste plano e depois o
venerável J. Bentham seo irmão foi quem no-lo expoz no seo Panopticon
ou casa de inspecção. Esta espécie de cadea he hum edifício circular e
vasio no centro; as prisões estão dispostas em roda; e tem só huma porta
com huma grade de ferro, e a luz he disposta de maneira que do centro
do edifício se pode ver tudo o que se passa em todo âmbito de cada
prisão, no centro do espaço vago se forma huma torre estreita chamada
torre de inspecção, ou de vigia onde residem os guardas ou carcereiros,
os quaes por meio de janelas com jelosias podem ser vistos, observar

tudo o que se passa dentro de cada prisão. (O Homem e a América:


Jornal da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência
Nacional do Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional: PR-SOR 00416,
Apud. LASSAROT, 2006).

Considerando que essas idéias circulavam entre as elites que detinham o poder podemos perceber
que a questão da ordem pública teve grande prestígio administrativo, estando presente desde a
primeira Constituição do Brasil de 1824. A nova organização política previu a elaboração de um
código civil e penal, o que ocorreu com a promulgação do Código Criminal em 1830 e o Código de
Processo Criminal em 1832, baseados nas doutrinas iluministas sobre vigilância e controle das
camadas mais pobres, em função do bem estar geral.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Além disso, a Constituição de 1824 determinava em seu artigo 179 parágrafo 18 que “As cadeias
serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas
circunstâncias e natureza dos seus crimes”. Isso implicava a construção de novos edifícios com fins
bastante específicos como as Casas de Correção para os condenados à prisão, Casas de
Detenção para os detidos sujeitos a processo penal, além de outros estabelecimentos destinados
aos alienados, aos menores e aos detidos por vadiagem e mendicidade com contravenções
menores.

Um dos primeiros indícios da situação em que encontravam as construções carcerárias foi


publicado pela Comissão de Salubridade Geral da Sociedade de Medicina no seu já referido
relatório de teor bastante crítico publicado em 1831.

O horroroso caos chamado Aljube é uma verdadeira sétima de males, que


manifesta nesta cidade o mais vergonhoso padrão de atraso da
civilização. A comissão não pode fazer desta Infernal Cadeia um quadro
nem mais vivo, nem mais detalhado, que o esboçado no Relatório da
comissão de exame, em visita dos hospitais e prisões. Não só a
salubridade, como a moral pública, exige que se fechem quanto antes as
infames e imundas enxovias desta prisão. Para o fim de a substituir por
uma Casa de Correção convenientemente construída, a comissão julga os
cidadãos bem dispostos a reforçarem os fundos públicos com seus
donativos. Este objeto é urgente mesmo pelo que respeita a desinfecção
do ar (Ibid, p. 31).

Com isso, construções como Casas de Correção tiveram grande importância tanto na ordem dos
espaços públicos quanto a questão da sua salubridade. Essas construções serviram de aparato
para uma nova estética provinda dos ideais iluministas, e configuraram monumentos de caráter
público cuja função estaria pautada nas mais modernas inovações arquiteturais e nos programas

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

científicos específicos. Os primeiros estados a assumirem esse tipo de responsabilidade social de


construção de ambientes prisionais reformulados foram o Rio de Janeiro (1834), a Bahia (1844),
Pernambuco (1848) e São Paulo (1852).

Edifícios com funções de abrigos, asilos, acomodações carcerárias, hospícios e hospitais ganham
essa nova especificidade, configurando ambientes reformadores que, por sua vez, foram
compreendidas por meio de reformas com bases prescritas pelas academias científicas e
respaldadas por sua vez pela Constituição de 1824. Tais mudanças ocorreram tanto na separação
dessas tipologias, – antes poucas construções mantinham uma hierarquia – quanto na organização
interna de cada estabelecimento que se destinava a um fim específico.

A criação das instituições tais como a Comissão de Salubridade, a Inspetoria de Polícia e a


Sociedade Defensora da Liberdade e independência tiveram fundamental importância na
administração urbana e ordenamento das cidades no século XIX. Tal fato nos possibilita a entender
um pouco mais o ideário presente no cenário da Corte carioca no inicio dos oitocentos e seu reflexo
nas demais províncias do país.

Além do mais, a arquitetura presente nesse ideário serviu para representar posturas diferenciadas
das províncias no que concerne a atitudes das políticas públicas, especialmente sobre o
comprometimento com aos assuntos pautados na Constituição. Sem adentrar nessas questões –
fato que não coube tratar na pesquisa por ser um assunto extenso – o que é bastante evidente é
que existiu uma resposta arquitetônica aos anseios sociais pela civilidade e ordem nos espaços
como uma tentativa de colocar no patamar igualitário da modernidade, prevista pela elite científica,
dos países europeus o Império brasileiro.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

1.2 PRINCIPAIS PROGRAMAS ARQUITETÔNICOS

No Brasil do início do século poucas cidades possuíam empreendimentos diferenciados das


arquiteturas coloniais. O Rio de Janeiro, por ser sede da Monarquia, apontou como primeiro estado
a sofrer grandes modificações. Assim, logo no início dos oitocentos, esta cidade já começava a
inserir novas ambiências, especialmente relativas à moradia, com os palácios e palacetes,
passeios públicos, teatros, Academia Militar, Academia de Medicina dentre outros
empreendimentos, todos com uma plasticidade compositiva diferenciada dos modelos coloniais
existentes, e mais próximos das tipologias mais modernas para esses programas.

Um dos primeiros pontos a destacar é a sociedade burguesa emergente que começava a


Figura 10 – Um funcionário a passeio com sua família transparecer nos centros, configurando a clientela principal dessa arquitetura. Fomentadores de
Registrado por Debret no séc. XIX
(Mendes, Veríssimo e Bittar, 2007, p.31) opinião pública ansiavam ares modernos para as cidades, onde pudessem desfrutar e compartilhar
acontecimentos. Dos anseios sociais se formaram os principais programas da arquitetura civil que
se destacaram na paisagem urbana durante todo o século XIX, intensificando-se no final desse
século e inicio do próximo.

Um dos grandes ganhos para a nova inserção de tipologias e programas foi a vinda dos
profissionais franceses, com a Missão Artística, que refletiram uma mudança qualitativa no quadro
geral da cidade do Rio de Janeiro logo nas primeiras décadas do século, cuja intenção foi de
transformar a fisionomia da paisagem colonial para uma moderna e civilizada.

GrandJean de Montigny, um dos expoentes dessa fase, deu os primeiros passos rumo a inserção
de novos programas destinados ao ordenamento e embelezamento da cidade. O arquiteto francês
elaborou projetos neoclássicos de remodelação urbana, e, embora nunca tivessem sido
construídos, mostrava uma nova atitude e posicionamento ordenador dentro dos parâmetros dos
Figura 11 – Teatro São João – Largo do Rocio – RJ
Início do século XIX
Fonte: Cavalcanti, 2004, p.227.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

principais centros europeus. Dentre suas realizações destacaram-se a construção de um Solar,


sua residência, a Praça do Comércio, a Academia de Belas Artes, edifícios de grande apuro formal
construtivo que viriam a se destacar no cenário carioca.

A fase que sucede esse período (1808-1831) corresponde ao início de desenvolvimento das outras
províncias, fase de grandes discussões urbanas nas pautas das Assembléias Gerais e locais,
assim como a criação de códigos de posturas. Com a consolidação de D. Pedro II, as questões
nacionais se intensificam, e a Corte e as capitais vão exigir condições condignas para diversas
instituições tais como: secretarias de governo, hospitais, escolas, teatros, casas de correção,
instituições de crédito dentre outras construções que não existiam na fase anterior e que a
Figura 13 – Teatro São Pedro – Porto Alegre, demanda crescente das cidades apresentavam essa necessidade (BARATA, 1983).
1858.
Disponível em:
http://www.sejalider.com.br/familia/baptista/images/1ca1
02.JPG
Segundo Santos (1976) é a partir de 1840 que vai iniciar, no Rio de Janeiro, a fase de várias
implantações nos serviços públicos e a instalação de várias construções seguindo os programas
mais diversos. A cidade sempre esteve à frente nas preocupações com a salubridade pública, e
com o urbanismo disciplinar, e no tocante aos comportamentos sociais tanto nos espaços públicos
quanto nos ambientes privados, procurando se posicionar dentro das idéias higienistas e
reformadoras vigentes nos países mais desenvolvidos, que estiveram sendo preconizadas pelas
elites científicas.

Para as capitais, as construções passam a simbolizar os cenários representativos de progresso e


civilidade – cemitérios, escolas, hospitais, hospícios, estações de trem, observatórios, solares,
prédios administrativos e comerciais –, partindo de uma linguagem universal, criando um sentido
Figura 12 – Teatro São João – Bahia, 1813
Disponível em < http://www.inquice.ufba.br/ico/00foto05.jpg>
próprio e característico em cada região do País. Essa pluralidade, calcada na heterogeneidade
dos espaços conflui com uma busca em comum: sair do atraso em que se encontravam.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No âmbito da cultura o lazer apresentou-se como foco de interesse dos governantes no que se
refere à construção de uma nova ordem social. Programas como Teatros, Casas de Opera,
Cassinos, estes abertos para as Praças e Jardins arborizados e iluminados, serviram como
espaços de propaganda de civilidade que a nova burguesia queria ostentar. Vale salientar que para
este tipo de necessidade social o ordenamento urbano seria imprescindível, pela justa localização
em que estariam na malha urbana.

Especialmente o Teatro foi um dos principais carros chefes dos governos estaduais, e muito
utilizados como local de celebração oficial e reuniões políticas. Desenvolvidos com
monumentalidade e com configurações plásticas modernas, representaram um novo conceito de
sociabilidade, diferente da igreja. Nesse ambiente profano se une também às atividades literárias,
Figura 14 – Teatro da Paz– Belém, 1878
Disponível em: http://andreas- e musicais, conforme motivos de distração. Um Teatro para cidade significava uma movimentação
praefcke.de/carthalia/world/images/br_belem_paz_3.jpg>
artística e cultural, e sua plasticidade geralmente em frente às praças públicas denotava um sentido
apropriação particular nos cidadãos.

No Brasil, essas construções foram, em sua grande maioria, inspirados em modelos dos teatros
italianos a exemplo do Teatro São João no Rio de Janeiro (1813) e o Teatro União em São Luiz
(1815). Essas edificações, dentre outras, mantiveram a monumentalidade externa e internamente
foi provido de maior conforto e luxo, presentes, sobretudo, na decoração dos ambientes.

Externamente são completamente isolados, com tratamento arquitetônico que pretende valorizá-los
e destacá-los do ambiente urbano circundante. Concebidos com forma simples e clara articulação
de volumes, possuíam arcadas, pórticos para acesso de coches, e terraços para a tomada de ar
puro pelos espectadores durante o intervalo.
Figura 15 – Hospício São Pedro – Porto Alegre, 1884.
Projeto construído segundo tipologia pavilhonar.
Fonte: Segawa, 2002, p. 66.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Segundo o quadro a seguir podemos perceber que esse programa esteve presente nas primeiras
fases de desenvolvimento das principais capitais do Império em períodos distintos, o que nos leva a
crer como fases de inicio de grande movimentação artística e cultural de cada cidade.

Figura 17 – Hospital da Beneficência Portuguesa – Porto


Alegre, 1867.
Disponível em:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/bf
/Beneficência_Portugueza.jpg/400px-
Beneficência_Portugueza.jpg

TABELA 2 – PRINCIPAIS TEATROS CONSTRUÍDOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX.


Fonte: Teatros do Brasil, disponível em < http://www.ctac.gov >

Os programas relativos à saúde como o hospital, o hospício, asilos de mendicidade e albergues,


destacaram-se como construções salutares engajadas nas idéias higienistas no controle de
diversas mazelas sociais que prejudicavam a saúde e o bem estar da população. Essas
construções mantiveram a expressão emblemática do poder público a ser observada pela
monumentalidade em que se apresentaram na paisagem urbana. Para tanto, não faltou nos
projetos o cuidado com a funcionalidade a que se destinavam, foram projetados segundo os
modelos dos modernos hospitais europeus (Figura 15).

65
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O Hospício foi um dos grandes aliados nesta mudança, especialmente por ser um programa
totalmente novo cuja estrutura estava destinada a um fim específico. Ali estava inserido, em torno
da polícia médica, todo aparato de funcionamento e tratamento segundo o preceito mais moderno.
Com a inauguração do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro em 1852, ficou claro a importância
desse tipo de programa tanto para manter a ordem social quanto para garantir uma medicina
socialmente moderna para a época, inserindo o país entre as sociedades ocidentais que detinham
esses equipamentos.

Figura 16 – Hospital da Beneficência


Portuguesa – Recife, 1855.
Fonte: Fundaj

TABELA 3 – HOSPÍCIOS CONSTRUÍDOS NO SÉCULO XIX

Dentre os estabelecimentos de saúde privados construídos no período o Real Hospital Português


de Beneficência esteve presente em várias cidades, constituindo uma das primeiras organizações
privadas no império. Os primeiros edifícios só vão surgir a partir do início da segunda metade do
século e vão demonstrar a necessidade e importância que esse empreendimento se fazia presente
nas diversas províncias do Império como demonstra o quadro a seguir.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

TABELA 4 – HOSPITAIS CONSTRUÍDOS NO SÉCULO XIX

Figura 18 – Casa de Detenção – Recife, 1855


Fonte: Fundarpe No decorrer do século as Santas Casas de Misericórdia iriam se modernizar tanto no sentido da sua
implantação, aumentando consideravelmente o porte e o tamanho de suas sedes, quanto nos
equipamentos e no atendimento social. Com o aumento populacional, principalmente após a
abolição da escravatura, a demanda hospitalar não comportaria mais sob o controle das Santas
Casas, assumindo assim, as autoridades governamentais, a atitude de construir novos hospitais,
para atender a crescente demanda.

Sob os auspícios da salubridade, como meio eficaz de manter a limpeza e a ordem nos espaços
públicos destacaram-se no período o saneamento das ruas e a criação de mercados públicos com
áreas exclusivas para o comércio de produtos perecíveis limitando o acúmulo de sujeira mantendo
o asseio das vias. Cemitérios também foram projetados para aliviar a demanda nas igrejas, e isolar
os mortos por epidemias, mantendo salubre essa área de convívio social. Matadouros públicos
foram projetados segundo os conceitos higienistas e implantados longe das áreas centrais.

A ordem, com as casas de punição, vigia e correção mantiveram um partido constante, baseado
nas principais tendências européias para este tipo de função, como observaremos mais adiante.
Igrejas, residências, construções governamentais participam também de uma estética inerente não

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

apenas à época em que foram construídas, mas como uma proposta de remodelação padronizada.
Para as residências, por exemplo, buscou-se a separação entre lotes recuo do limite frontal,
inserção de quintais e jardins e todas com um vocabulário arquitetônico no qual se buscava uma
uniformidade com o uso de elementos clássicos tais como: colunas, frontões triangulares dentre
outros equipamentos que mantiveram constante e identificadoras dessa nova estética.

Outra preocupação no que concerne à questão da ordem dos espaços públicos foi a noção de
reformadora e punitiva segundo requisitos científicos para os cidadãos transgressores – bêbados,
loucos, vadios, ladrãos –, nas quais constituíram atitudes necessárias para livrar essa sociedade
Figura 19 – Cadeia Civil - Porto Alegre 1864.
Disponível em: dos perigos e inconstâncias que começavam a se fazer presente nas áreas centrais. Foram
http://www.pc.rs.gov.br/deic/museu/cadeia/seq3.jpg
criados, assim, Asilos para os pobres e mendigos, Orfanatos, Casas de Correção ou Detenções e
Penitenciárias para a punição dos infligidores da lei civil.

Esses programas serviram muitas vezes da função da vigilância e controle na tentativa de manter
uma postura civilizada. È importante por em parêntese que desde o período colonial esses serviços
sempre estiveram atrelados à Santa Casa de Misericórdia, e que com o aumento populacional, a
mesma já não comportaria mais a demanda. Foi preciso a construção de edificações de grande
magnitude destinadas a fins específicos, juntamente com o ordenamento do entorno como forma de
manter as cidades livres das auguras que empobreciam o aspecto das áreas centrais.

Figura 20 – Estação Ferroviária – Rio de Janeiro,


1858
Fonte: Revista Renscença, 1905 TABELA 5 – CADEIAS CONSTRUÍDAS NO SÉCULO XIX

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

A estações ferroviárias também estiveram presentes com construções de porte monumental,


inaugurando um período de interligação entre as cidades e suas vizinhanças, traduzindo em
empreendimentos de grande importância, trazendo um aparato moderno das companhias
internacionais como a Great Western Company da Inglaterra, e inserindo uma fase de mudanças
urbanísticas e de expansão.

Figura 21 – Estação Ferroviária – Recife, 1888


Fonte: Fundaj

TABELA 6 – ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS CONSTRUÍDAS


NO SÉCULO XIX

Palácios, palacetes, sobrados remodelados e solares ampliaram a gama de programas e tipologias


que constituíam o facies urbano das construções residenciais. Muitas dessas construções já
apresentavam integração das atitudes sociais higienistas, no que concerne à ventilação e insolação
em todos os cômodos, muitas possuindo porões altos e afastadas dos limites do lote. As áreas
rurais, também apresentavam uma tipologia diferenciada durante esse período, com as fazendas e
os engenhos que sofreram remodelações, modernizando o aspecto plástico das construções
segundo as tipologias palacianas.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

È com essa variedade de programas, que as principais cidades litorâneas vão apresentar e
representar como a paisagem moderna especialmente nas áreas centrais. É de perceber, também,
que grande parte dessa arquitetura, teve um impulso inicial na primeira metade do século XIX e
desenvolveu-se de maneira progressiva ao longo do período. Conquanto a relativa temporalidade
da inserção de determinados programas, apresentam um quadro bastante significativo para
percebermos quais foram as capitais que estiveram mais empenhadas em transformar sua
paisagem colonial em outra, civilizada e autônoma e os principais empreendimentos que se faziam
necessários.

Outra questão importante, imtimamente ligada a essas construções foi a salubridade pública, que,
no contexto das cidades, foi uma atitude paralela ao arcabouço teórico discutido entre profissionais
da saúde e da polícia do Império.

Com isso, a Arquitetura do século XIX aparece como fruto de uma posição ideológica das elites
sociais e científicas e dos governantes, na conformação de uma paisagem civilizada. Esta se
caracterizou pela inserção de programas variados possuidores de uma estética plástica
monumental cuja funcionalidade estava pautada nos ideais higienistas confirmados como marcos
referenciais de modernidade do país.

Vale salientar que grande parte dessa produção arquitetônica esteve ligada a obras estatais e
esteve muitas vezes financiada pela elite política e econômica dos estados. As construções
surgem com a necessidade de edifícios de porte considerável, até então inexistentes nas
províncias. Tais configurações vão evidenciar o papel dos governadores e de seus responsáveis
técnicos, engenheiros e arquitetos, como grandes introdutores dessa nova ordem social.

Outra proposição que podemos relacionar é que estes programas apresentavam-se sob grandes
reformas sociais, dentro dos quais evidenciamos o papel “do lazer, da saúde e da ordem” como

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

caminhos determinantes para solidificação de uma sociedade moderna aos moldes oitocentistas.
Essas três prioridades estabelecidas na pesquisa estão imbricadas numa série de programas, como
mostrado anteriormente, que podem subsidiar a afirmativa de que essas necessidades eram
constantes e se faziam pelo meio social, político, intelectual, cujos projetistas do Império deveriam
debruçar conhecimento artístico e técnica específica para cada construção.

No tocante às principais capitais litorâneas, o Rio de Janeiro sobressai em quase todos os


requisitos de modernidade, que foram apontadas para o desenvolvimento da arquitetura do século
XIX, especialmente por ser uma capital que já vinha sendo preparada para a chegada da corte
portuguesa e posteriormente para se tornar sede do Império.

Das demais capitais podemos perceber que o Recife, São Paulo, Bahia e Porto Alegre foram as
que mais se destacaram no panorama geral. Da necessidade de restrição enfocaremos nas
análises seguintes as duas cidades Rio de Janeiro e Recife, apontando dois pólos distintos e
distantes geograficamente, que integram o panorama dos principais demandas arquitetônicas e
evidenciam os programas arquitetônicos que tiveram grande importância na reformulação do
cenário das cidades e assumem um papel importante de divulgação desse novo parâmetro social.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

CAPITULO 2

“A arte de produzir o grande na arquitetura provém da combinação engenhosa das partes com o todo” Boullée (1728-
1799)

2 LAZER, SAÚDE E ORDEM NO RIO DE JANEIRO E EM RECIFE

O século XIX foi sem dúvida o século da modernidade para as cidades litorâneas em especial para
o Rio de Janeiro (capital do Império) e Recife (cidade portuária de grande importância comercial e
política). É por meio dessas duas cidades, e de seus processos de desenvolvimento durante o
século XIX que buscamos integrar neste capítulo o papel da arquitetura na modernização da sua
paisagem.

Como foram apontadas no capítulo anterior, as características coloniais foram se perdendo aos
poucos nas grandes cidades e a tradição assumiu paulatinamente o progresso advindo dos novos
atores integradores desse processo e de suas atitudes político-sociais, das novas técnicas
construtivas e da inserção de uma estética particular a cada construção imbuída de novos
materiais. As novidades foram implementadas principalmente nas edificações de grande porte, que
demandavam de especificidades particulares a cada programa e que detinham maior incentivo
financeiro das autoridades públicas.

Conquanto, a co-participação dos saberes médicos, da engenharia, da arquitetura e a atuação dos


administradores públicos, implicou na modificação do tecido urbano das cidades definindo uma
nova estrutura de organização e funcionamento. Junto a isso, a integração das reais necessidades

72
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

da nova sociedade urbana a favor da civilidade das principais metrópoles, segundo o modelo
europeu, foi determinante para surgirem obras com finalidade de embelezamento, ordenamento,
saúde publica e assistenciais.

Ao perceber a relação tanto das desigualdades existentes, quanto às distancias geográficas que
separam as diversas regiões do país, o caráter plural da cultura brasileira é um caminho perceber
as diferenças cronológicas consideráveis em função do desenvolvimento e da modernidade.
Entretanto, se pensamos em termos da organização espacial na primeira metade do século XIX,
percebemos a interação que os ideais modernos se apresentavam, muitas vezes nem tão distintos
a se apresentarem nas principais capitais do País, como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto
Figura 22 – Vista do Campo de Santana, segundo Franz
Frühbeck – 1818. Alegre e São Paulo, todas as cidades ansiavam por mudanças.
Fonte: Segawa, 1996, p. 161.
Na segunda metade dos oitocentos, as mesmas cidades brasileiras, já com um considerável
aumento populacional, buscaram alterar expressivamente a fisionomia de suas construções. Novos
empreendimentos tais como palacetes e residências luxuosas, teatros, casas de ópera, hospitais
públicos e privados, escolas, prisões, estações férreas, dentre outros programas que denotassem
civilidade, serviram como modeladores do tecido urbano e detentores de uma nova ordem social.

O Rio de Janeiro, capital do Brasil Imperial, foi onde se deu o inicio do processo de modernização
das cidades brasileira, teve como marco inicial a chegada da Corte portuguesa em 1808. Iniciam-
se desse processo para o país, a simbologia da ‘cidade capital’ e sua adequação ao modelo de
cidade européia. O meio urbano passa a ser objeto de atenção e interesse das autoridades
públicas, surgindo a partir daí a concretização de obras de interesses públicos.

Recife, terceira capital do Império Brasileiro, e cidade portuária de grande importância nacional
pela proximidade com o continente ocidental e passagem dos navios que iam para o Sul e
Sudeste, não ficou imune às influencias do progresso europeu. A cidade, por onde se exportava

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

açúcar e o algodão de quase toda região do nordeste, era de fato um portão aberto para à
crescente europeização que vinha ocorrendo nas cidades a partir da abertura dos portos. Além
desses aspectos, a cidade esteve sempre ligada às atividades políticas do país, nas
representações das assembléias gerais e do senado.

As duas capitais tiveram grande importância na adoção de novos programas para a arquitetura
civil. Como afirma Sousa (2000, p.09) o Rio de Janeiro e o Recife (a época, a capital e a terceira
cidade do Império, respectivamente) foram as urbes que mais contribuíram para o florescimento da
arquitetura oitocentista.

Destacando os principais equipamentos arquitetônicos das cidades desenvolvidos ao longo dos


oitocentos no Rio de Janeiro e Recife, observamos uma forte ligação às três questões pautadas no
estudo em questão: o lazer, a saúde e a ordem. Além da interligação com esses aspectos,
considerados de grande importância na realização da produção arquitetônica de grande porte, os
programas e os partidos assemelhavam, especialmente por estarem integrados aos modelos mais
modernos para cada tipologia, segundo referenciais europeus, como veremos mais adiante.

Outro grande fator que respalda a intenção de se trabalhar as duas capitais foram às modificações
de cunho político que ocorreu após a independência brasileira. As posturas municipais,
1
implementadas a partir da Lei Imperial de Outubro de 1828 , foi um dos primeiros passos para o
processo de modernização das cidades brasileiras. Segundo Souza (2002):

1
A Lei de 1º de Outubro regulamenta a atuação dos municípios brasileiros e dispõe sobre suas posturas, caracterizando as
novas bases institucionais em que as posturas são elaboradas, no contexto da Câmara Municipal que perde o seu poder de
julgar, tornando-se uma instituição de caráter meramente administrativo, mas que preserva a prerrogativa de elaborar suas
leis, submetendo-as à aprovação do governo provincial. (SOUZA, 2002)

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No quadro de formação da Nação brasileira, a definição dessas matérias


das posturas municipais consolida, no seu sentido mais amplo, as
posturas que vinham sendo impostas nas Câmaras dos municípios do
Brasil Colônia, sob a égide das Ordenações do Reino português. Ao
estabelecer com detalhe estas matérias para todos os municípios do
Brasil Império, esta Lei, de um lado, consagra a tradição íbero-lusitana,
que se perpetua por mais um século, até que a nova ordem moderna a
substitui, e, de outro, confere certa unidade às posturas elaboradas nas
diversas cidades brasileiras. (Ibid.)

Segundo a autora, mesmo mantendo as bases das posturas portuguesas na sua forma e na
matéria a ser regulada, as posturas dos municípios brasileiros, ao longo do século XIX, vão,
também, incorporando idéias modernizadoras, em pauta nos discursos da época. De certa forma,
expressam, também, a dinâmica da cidade que regulamentam, ao estabelecer medidas que
decorrem de necessidades locais. E é isso que, por outro lado, confere singularidade às posturas
das distintas cidades do país.

Desenvolvidas sob direção institucional das Câmaras Municipais, contribuiu para definir um padrão
arquitetônico para as cidades, e expressavam preocupações higienistas que passaram a respaldar
os melhoramentos urbanos relacionados á salubridade e segurança pública. A estética urbana,
sobretudo, esteve como foco de interesse, sob critérios de saúde e conforto, esse conjunto de
normas visava a regulação modernizadora para as casas de moradia e comércio da cidade,
ordenação de espaços públicos, dentre eles, praças, matadouros, cemitérios, hospitais e prisões.

É a partir dessa fase de autonomia que se inicia ainda na primeira metade do século XIX a
formulação de planos de melhoramentos para a modernização das áreas centrais sob a
coordenação dos governos provinciais. As atenções voltam especialmente para o espaço

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

construído da cidade: ”os alagados e as águas estagnadas nos quintais, a questão do saneamento da
cidade – abastecimento d’água, o esgoto sanitário, a limpeza urbana e o destino dos resíduos sólidos, além
das condições de salubridade das edificações” (SOUZA, 2002).

Para tanto, foi necessário estar consolidado um corpo de profissionais capacitados para atuarem
nas obras públicas das cidades, como a Academia Militar e a Academia Imperial de Belas Artes do
Rio de Janeiro, que demandavam a mão de obra qualificada para outros estados. Além desses
profissionais brasileiros atuando nos estados, havia também os estrangeiros, contratados na busca
de uma mão-de-obra especializada, que muito contribuíram para a inserção de novos métodos de
trabalho e de administração pública 2 .

E a partir desse panorama que podemos observar a que a multiplicidade dos fatos estão
encadeados numa busca de mudança da paisagem urbana colonial para uma cidade progressista
e civilizada. Seja pelas necessidades da nova sociedade burguesa, pela consolidação das leis de
uso do solo, pelos planos de melhoramentos urbanos, pelos profissionais nacionais e estrangeiros,
perpetuando técnicas modernas até então, que a paisagem urbana foi se alterando ao longo do
século XIX, nos fazendo entender um pouco a origem das diversas intervenções ocorridas nas
cidades no inicio do século XX.

Para compreendermos um pouco mais acerca das duas cidades estudadas, o quadro abaixo nos
dá uma idéia como as cidades se configuravam dentro de suas especificidades, ou mesmo dentro

2
“A inclinação pelo mecânico ou técnico estrangeiro, principalmente o engenheiro, vinha se fazendo sentir há anos entre os
brasileiros mais esclarecidos, influindo sobre o animo dos governantes desejosos de promover o progresso material do país.
Nos livros Mss de Oficio do Governo e de correspondências dos presidentes das províncias com os cônsules – os cônsules
estrangeiros no Brasil e os ministros e cônsules brasileiros na Europa – como os que temos conseguido examinar, eu e
meus auxiliares de pesquisa nos arquivos oficiais de Pernambuco e da Bahia, nota-se aquela inquinação desde 1827”
(FREYRE, 1940, p. 98)

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

do seu regionalismo, e ao mesmo tempo se integram no panorama histórico do país. É importante


colocar que, essa associação é possível em diversas outras cidades brasileiras, o que demonstra
um o país inserido num quadro relativamente unitário em nível de desenvolvimento.

TABELA 7 – PRINCIPAIS ASPECTOS ENTRE AS DUAS URBES.


Fontes: RABHA, Nina Maria C. E. (coord). Planos Urbanos – Rio de Janeiro – Século XIX. Rio de Janeiro,
Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, 2008.
PONTUAL, Virginia. CARNEIRO, Ana Rita Sá (org). História e Paisagem – Ensaios Urbanísticos do Recife e de
São Luiz. Recife, Bagaço, 2005.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

2.1 RIO DE JANEIRO – PANORAMA DO SÉCULO XIX

A vila de São Sebastião do Rio de Janeiro constitui-se logo no inicio de sua implantação uma área
militar cujo assentamento foi decisivo para salvaguarda do território e controle da ocupação do sul
da colônia. Nasceu em meio às adversidades, seja na luta contra os franceses, contra os nativos
ou mesmo a natureza local.

Sua geografia configurou ser um dos mais difíceis de transpor para quem aportava em suas terras,
cercadas pelo mar, tendo ao fundo uma barreira de montanhas, morros e um terreno alagadiço.
Porém a colônia tinha uma função administrativa e portuária, devido a localização do seu porto em
relação aos demais do litoral sul.

A cidade cresceu a partir de um pequeno núcleo ou povoado localizado entre os morros Cara de
Cão e o Pão de Açúcar, local de ancoradouro de navios e de defesa constituída de barreiras
fortificadas. Após a expulsão dos franceses em 1567, a cidade é transferida para o morro do
Castelo.
Figura 23 – Mapa do Rio de Janeiro - 1750
Demarcação da ocupação No século XVII, a cidade já era considerada a segunda cidade mais importante da monarquia
(Mendes, Veríssimo e Bittar, 2007, p.62)
portuguesa (Cavalcanti, 2004), depois de Salvador na Bahia e seu núcleo urbano vai se consolidar
em 1733 a 1763. Com a fundação da Colônia de Sacramento (1680) e a descoberta do ouro em
Minas Gerais, no final do século XVII, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro torna-se o
principal porto da colônia portuguesa. (CARVALHO, NÓBREGA, SÁ, 2000, p.13)

No século XVIII a cidade já dá indícios de grandes transformações urbanas e sociais. No que


concerne a produção arquitetônica desse período, por falta de investimentos públicos, diversos
estabelecimentos administrativos foram organizados em construções já existentes, e mesmo os
construídos, como a Alfândega, o Senado da Câmara e a Cadeia pública tinham configurações

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

mais simples, denunciando poucos recursos existentes em termos de estética compositiva e


materiais construtivos. (CAVALCANTI, 2004, p. 54)

Por essa razão, salvo o belo aqueduto da Carioca, a mais importante


obra pública do século XVIII na cidade – além do Paço, que apresentava
alguma monumentalidade –, os melhores e mais importantes prédios
construídos no Rio de Janeiro colonial pertenciam a particulares, tanto
os palácios residenciais dos ricos da época, como as igrejas, conventos,
mosteiros e seminários edificados pelas irmandades, ordens religiosas ou
pelo clero secular. (CAVALCANTI, 2004, p.54)

Segundo Santos (2007) a formação econômico-social da Colônia portuguesa na América, desde a


sua gênese, estará inserida nas articulações do antigo sistema colonial, ajustando-se à demanda
Figura 24 – A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro dos produtos tropicais, de matéria-prima e de metais preciosos no mercado europeu. Nestas
Litografia de Miguel Angelo Blasco.
Fonte: Cavalcanti, 2004, p. 231. articulações é que se dá a ocupação do solo, a relação e a escolha dos produtos e a organização
do trabalho.

É, sobretudo nesse aspecto, que a Cidade vai crescer, com sua relação entre a aristocracia rural e
o comércio, subsidiando melhores meios de desenvolvimento tanto para a cidade quanto para
Portugal. Em 1763 São Sebastião do Rio de Janeiro torna-se a capital da colônia e sede do vice-
reino, e começa uma fase de grandes transformações tanto sociais quanto urbanísticas.

É na crise do Antigo Regime que a monarquia portuguesa se transfere para a sua colônia
americana no inicio dos oitocentos, quase de improviso, fugindo dos exércitos napoleônicos que,
em novembro de 1807, invadem e ocupam Portugal, (Ibid, p. 27)

A cidade passa a ser a “única cidade colonial da história a se tornar capital do seu império” (Rocha-
Peixoto, 2000, p. 29). Com a corte instalada, o Rio de Janeiro ganha em aumento populacional, e

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

tal fato refletiu nas primeiras medidas de transformação da capital visando atender os anseios de
uma nova classe social e facilitar o desempenho das atividades econômicas, políticas e ideológicas.

No inicio foi preciso tomar uma série de medidas para equipar a cidade e manter um padrão
civilizado, como ordenamentos urbanísticos e posturas municipais que visavam impor um padrão
construtivo para a arquitetura. Segundo Rocha-Peixoto (2000). uma das proibições mais
conhecidas foi as tradicionais gelosias ou muxarabies logo na chegada da família real em 1808 3 .

O Rio de Janeiro tornou-se um grande laboratório de novidades para o país sendo a primeira a
iniciar o processo de modernização das cidades brasileiras. A sua paisagem começou a ser
composta por palácios, palacetes, edifícios de grande porte, edificações comerciais, e toda uma
infra-estrutura diferenciada do período colonial. Logo de início grandes construções marcam a sua
Figura 25 – Palácio da Quinta da Boa Vista – 1870
Fonte: Parente & Monte-Mór, 1994, p. 32. paisagem como o Palácio da Quinta da Boa Vista (1808), o Teatro Real São João (1813) e a
Academia Militar (1810). A arquitetura se atualizava segundo adotando uma nova estética
construtiva, novos programas e novos materiais construtivos.

Na Gazeta do Rio de Janeiro (20-03-1819), aparece a seguinte descrição de um estabelecimento


residencial da Rua Valongo em que podemos observar as mudanças no desenvolvimento da
arquitetura logo no inicio do dezenove:

Na loja tem três salas, cozinha, quintal, poço, muro de pedra e cal, um
telheiro para cavalharice. No primeiro sobrado, grades de ferro e
vidraças, três salas, duas alcobas, quatro quartos, sua cozinha e forno,
seis armários grandes introduzidos nas paredes, vidraças na área, com
escada para o quintal. No segundo andar, janelas de peitoril, vidraças,

3
O desembargador Paulo Fernandes Viana, Intendente Geral da Polícia de D. João VI, ficou encarregado de ‘limpar’ a
cidade dos guarnecimentos mouriscos. N. da. A.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

duas salas, duas alcobas, um quarto, cozinha, três armários grandes


introduzidos na parede, e vidraças na área. No mirante, uma sala, uma
copa, tem duas portas com serventia para as águas furtadas, que dá
bastante cômodo, e vidraças. Toda a casa é construída de pedra e cal até
os freixais, e as melhores e boas ferragens.(SILVA, 2007, p. 30)

Esta nota permite-nos perceber, também, que novos materiais já estavam sendo utilizados nas
construções de pequeno porte da cidade, e a importância dos materiais, como o vidro e o ferro, foi
dado na descrição do imóvel é fundamental para representar uma moradia diferenciada e moderna.
Além disso, as distribuições dos espaços internos nos dão uma noção das mudanças ocorridas nos
ambientes das moradias burguesas.

A chegada da França, em 1816, de uma Missão Artística foi um dos marcos mais representativos
de progresso para a cidade. A tinha como uma das principais funções alicerçar a capital carioca às
cidades modernas européias, condignas da sede da Monarquia e representante de Império.

Integraram a Missão, sob a responsabilidade de Joachim Lebreton, Jean-Baptiste Debret, pintor de


história; Nicolas-Antoine Taunay, pintor de paisagense batalhas; Auguste Henri Victor Grandjean de
Montigny, Charles Lavasseur e Louis Ueier, arquitetos; August Marie Taunay e François Bonrepos,
escultores; Charles Simon Pradier, gravador; François Ovide, mecânico; Jean Baptiste Leve,
ferreiro; Nicolas Magliori Enout, serralheiro; Pelite e Fabre, curtidores; Louis Jean Roy e seu filho
Hypolite, carpinteiros. Seis meses depois, chegariam os irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, o escultor
e o gravador de medalhas.

Durante a sua permanecia a Missão Artística Francesa sofreu com a insatisfação dos portugueses
que aqui se encontravam, especialmente dos engenheiros militares. Porém muitos dos artistas
serviram a corte nas festas comemorativas, casamentos, batizados, aniversários, criando uma

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

arquitetura ‘efêmera’ que pouco restou como recordação histórica, no qual estavam imbuídos de um
simbolismo representativo de sedes Imperiais.

A Gazeta Extraordinária de 16 de Fevereiro de 1818, traz em nota uma descrição dos monumentos
erigidos para as festas de aclamação de D. João VI, entre eles dois produzidos por Debret e
Montigny:

Ao longo do caes, que forma a face da praça do lado do mar, se levantou


hum arco do triunfo de 70 palmos de largo, e 60 de alto, em honra do
Augusto Soberano. De ambos os lados havia columnas isoladas, com
coroas sobrepostas, que continhão a sifra de S.M. (J. VI), enlaçadas entre
si por grinaldas, que prendião nos pedestaes, que formavão a base dos
grandes mastros, nos quaes, flutuava a bandeira do Reino Unido. Em
cada face do arco havia 4 columnas de ordem corinthia, collocadas sobre
pedestaes, que sustentavão a cimalha. A abertura do arco na cimalha do
meio tinha 20 palmos de largo. Os entrecolumneos dos lados erão
ornados de nichos, onde se notavam estatuas de Minerva e Ceres,
alludindo as Sciencias e a Agricultura. Em cima destes nichos, entre a
imposta e a cimalha, havia baixos relevos, representando um
desembarque de sua Majestade expresso pela Cidade do Rio de Janeiro,
apresentando-lhes as chaves, e sostentanda pela América, erguida das
Capitanias; o outro representava a EL-REI agasalhando as artes e o
commercio, que ao pé de Seu Throno, lhe vinhão offerecer suas
homenagens. Sobre as columnas se ostentavão as 4 partes, do mundo,
dividindo os 3 baixos relevos, que ornavão o remate, e tinham por
motivos os escudos dos três reinos, estribados sobre grinaldas, e a cifra
de Sua Majestade sustentada por gênios. O segundo arco, que só
compreendia a cimalha do meio, servia de pedestal ao rio Tejo e Janeiro,

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

sustentando em uma coroa as armas dos três Reinos Unidos (Brasil,


Portugal e Algaves). No friso se encontrava a inscrição – Ao Libertador
do Commercio.
Aos lados deste monumento havia duas columnas da ordem Dórica
Romana, de 30 palmos de alto, e que sobião somente a altura da imposta
do arco, bem como os pedestaes que sustentavão os mastros.
No centro da praça se elevava hum obelisco, a imitação das agulhetas do
Egyto, de cem palmos de alto.
Ambos estes monumentos estiverão illuminados com grande copia de
luzes nas três noites sucessivas de 6, 7 e 8, fazendo uma perspectiva
verdadeiramente admirável.
Mr. Grandjean de Montigny, e Mr. Debret, de que já fizemos menção em
outro lugar, forão o Arquiteto e o Pintor dessa obra. GAZETA
EXTRAORDINÁRIA DO RIO DE JANEIRO – 16-02-1818. Acervo
Digital da Biblioteca Nacional.

É de observar por meio desta descrição (que continua com mais monumentos erigidos durante o
evento), a pompa que as festas se apresentavam, sobrepondo uma nova estética à paisagem do
entorno. Vale salientar, também, que essas festas tornaram-se eventos majestosos divididos em
diversos pontos da cidade e especialmente na Praça da Aclamação e em frente ao Real teatro São
João, inaugurado em 12 de outubro de 1813, dia do aniversário de D. Pedro, e serviam como forma
de lazer para a população urbana que assistia.

A presença dos artistas como Montigny e Debret, na produção de uma cultura teve grande
importância social. Especialmente na realização dessa arquitetura efêmera, que funcionou como
uma maneira aristocrática de “atualizar o gosto e a técnica do novo Império” (SANTOS, 2007, p. 36) e
dar a Corte portuguesa a dignidade e a monumentalidade correspondente a Europa burguesa com

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

sua concepção de arte e organização do espaço mantendo maior relação entre a arquitetura e o
sistema de poder 4 .

Somente em 1826, é fundada a Academia Imperial de Belas Artes, que tinha como principal objetivo
formar os artistas do Império, qualificados dentro do modelo de ensino francês preconizado pelos
mestres da missão artística. O surgimento da Academia representou grande avanço cultural – não
apenas para a cidade do Rio de janeiro, mas para todo o país –, para as artes em geral, e
especialmente para a produção arquitetônica dos próximos anos seguintes, com a inserção de
novos métodos de projetos e de composição.

Segundo Santos (Ibid, p. 51) “a Academia Imperial de Belas Artes ocupou, neste panorama, um lugar de
grande centralidade – onde a imaginação ordenada deveria civilizar por meio da criação de um sistema
artístico, cujos resultados seriam muitas vezes criticados”. Embora muitos dos projetos do arquiteto
Montigny, por exemplo, tivessem ficado no papel, serviram como exemplos do ensino acadêmico
que eram desenvolvidos para seus alunos da Academia de Belas Artes, onde lecionava, e foram
fontes inspiradoras para os novos lentes que dali se formavam.

Um dos projetos do arquiteto francês, a Praça do Comércio, é considerado um dos programas


arquitetônicos mais inovadores surgidos na capital na primeira metade do século. A construção foi
encomendada por D. João VI em 1819, para abrigar a Real Junta de Comércio, Agricultura,
Fábricas e Navegação (uma espécie de Bolsa de Valores), denotava o crescimento em que o
comércio estava passando desde a abertura dos portos.

4
“Grandjean de Montigny, bonapartista por convicção, foi aluno de Percier e Fontaine na Beaux-Arts. Vivenciando o
ambiente francês da era de Napoleão pelo lado de Percier e Fontaine, teria razoes políticas e acadêmicas para aderir ao
decorativismo do Style Empire” (Rocha-Peixoto, 2000, p. 227)

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Segundo Rocha-Peixoto (2000, p. 113), “quando a classe burguesa está organizada a ponto de necessitar
de uma bolsa de comércio desse gênero, isso significa que ela atingiu aquele grau de racionalidade objetiva”.
Tal fato demonstra um quadro de modernidade e progresso no qual a cidade ‘comerciante’ estava
passando, que viria a refletir na adoção de programas específicos para as necessidades públicas.

Com o desenvolvimento mercantil, trazido pela instalação do governo


entre nós, a abertura dos portos etc., a praça do comércio tornou-se uma
necessidade burguesa. Isso fica claro se conferirmos que, em 1811, o
governo de D. João VI autorizava a edificação de uma Praça de
Comércio em Salvador (Ibid)

Embora os artistas da Missão Francesa estivessem presentes no desenvolvimento artístico da


capital carioca, outro agente que muito contribuiu para o desenvolvimento da cidade foi o
engenheiro militar. O papel desses profissionais no desenvolvimento das atividades de campo, e
construções de obras públicas relacionadas ao saneamento, estradas, ordenamento, ferrovias,
pontes, etc., foram de fundamental importância nas intervenções do tecido urbano.

Tudo que dizia respeito ao funcionamento da administração da cidade cabia ao engenheiro.


Capacitados para responder de forma objetiva as necessidades de infra-estrutura que a cidade
estava passando, foram encarregados da construção da maioria das obras públicas utilitárias,
(hospitais, cemitérios, matadouros, prisões, estação férrea, etc.).

O processo de normatização dos espaços da cidade, a partir da implementação do primeiro código


de posturas em 1830, configurou-se um dos marcos iniciais para a atuação efetiva dos engenheiros
direção das obras públicas. Embora as posturas regulamentassem a construção de edifícios
comuns, construídos, na sua maioria, pelos mestres-de-obras, a fiscalização e a ordenação ficavam
a cargo dos poucos profissionais especializados e da Intendência Geral da Polícia.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Em 1843, o Rio de Janeiro tem seu primeiro plano documento oficial propositor de modificações no
espaço urbano, intitulado “Remodelação do Rio de Janeiro” desenvolvido por um engenheiro militar,
Henrique de Beaupaire Rohan. Diretor de obras municipais, no seu trabalho o meio urbano passa a
ser objeto de atenção e interesse do Estado segundo os estudos já desenvolvidos pela Comissão
de Salubridade Geral da Sociedade de Medicina (1830). (RABHA, MURICY, HOUAISS, REGO,
ARAÚJO, OLIVEIRA, 2008)

O plano previa a adequação da capital a novo padrão urbano, buscando solucionar a problemática
da cidade naquela ocasião. Compreendia na criação de um levantamento estatístico do município,
enfatiza o estado de abandono das áreas interioranas, recomendando a criação de um órgão para a
inspeção e manutenção de estradas e sugere o incremento de impostos, transferindo-os para a
5
municipalidade, como meio de viabilizar as obras necessárias .

Sobre o plano o engenheiro Beaurepaire 6 coloca que era “para que melhor se possa aproveitar do que
ai houver de utilidade” (Ibid), e busca atender um conjunto de intervenções ligadas à salubridade
pública, aformoseamento do município e cômodo dos seus habitantes. É colocado em destaque as
preocupações de ordem sanitária, ordenamento e arborização das ruas e praças e nova locação
para os estabelecimentos insalubres da cidade como, matadouros, açougues, cemitérios, dentre
outros.

5
Ver Planos Urbanos – Rio de janeiro – o século XIX. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, Instituto
Municipal de Urbanismo Pereira Passos, 2008.
6
Engenheiro Militar, formado pela Academia Militar do Rio de Janeiro, foi Diretor de Obras Publicas do Município, presidente
das províncias do Pará e Paraíba entre 1856 e 1857, participa da guerra do Paraguai e em 1873, prepara a Carta Geral do
Império com levantamento planimétrico do Brasil para a Exposição de Viena. Colabora com Glaziou nos estudos sobre as
espécies brasileiras.é ministro do Supremo Tribunal Militar e vice-presidente do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. (RABHA, MURICY, HOUAISS, REGO, ARAÚJO, OLIVEIRA, 2008)

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

É importante colocar que os projetos de melhoramentos da cidade vão tomar mais força no decorrer
da segunda metade do século, especialmente com a criação da Comissão de Melhoramentos em
1874. Um dos grandes fatores para a formulação dos novos planos de melhoramentos, as
constantes epidemias que faziam presentes na cidade a partir de 1850 e a necessidade de
crescimentos dos bairros vizinhos às áreas centrais com a implantação de um sistema de linhas
ferroviárias.

Os médicos higienistas são os primeiros a relacionar em seus discursos as condições de vida da


população com o espaço da cidade, propondo intervenções na paisagem visando à salubridade do
ambiente, com a finalidade de corrigir “disfunções do organismo urbano” e disciplinar as relações e
comportamentos entre seus membros. Desta forma, o saneamento toma caráter prioritário para o
desenvolvimento e expansão da cidade, sendo criadas Comissões de Saúde Pública a fim de
intervir na urbe.

É, entretanto, dentro das questões de utilidade e funcionalidade pública que a engenharia ganha
força com a necessidade de profissionais atuantes nas obras do município. Muitos dos quais,
ligados ao cenário político, nacional e local, dispuseram de uma postura intervencionista
promovendo obras públicas de grande envergadura.

É nesse meio artístico e tecnológico que uma nova produção arquitetônica vai despontar, engajada
as necessidades dos mais variados programas inserindo na paisagem uma tipologia comum, a
palaciana aos moldes da Academia Imperial e no tocante à funcionalidade ligados à Academia
Militar. Buscando compreender as bases em que se desenvolviam os profissionais atuantes na
sede do império daremos caminho a um discurso que amplia o conhecimento da produção
arquitetônica do período e consolida fatos que reúnem posturas distintas, mas confere uma busca
comum, a civilidade.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

2.1.1 OS PROJETISTAS DA CORTE

A atuação dos profissionais, engenheiros e arquitetos, engajados na modificação da paisagem da


cidade teve decisiva importância para dinamizar o processo de transformação da cidade colonial
para a moderna. Esta passa a ser o cenário representativo de grandes construções caracterizando
na erudição e evolução dos conhecimentos artísticos e técnicos oriundos principalmente da França.

A ligação da Corte com a França não estava configurada apenas nas ações políticas e econômicas,
mas, também nas culturais. Para as artes em geral, e para a arquitetura em particular, o processo
foi intenso, especialmente com a criação da Academia de Belas Artes que confirmou a adoção de
uma nova estética compositiva para as construções, diferenciada dos modelos coloniais e engajada
numa plasticidade moderna para os novos programas, como vinha acontecendo na capital

Figura 26 – Academia Militar do Rio de Janeiro – Joseph parisiense.


Pézérat
Fonte: Rocha-Peixoto, 2000, p. 129. A presença de arquitetos franceses no inicio dos oitocentos, como Grandjean de Montigny e Pierre
Joseph Pézérat, teve grande importância para a cidade, pois dinamizaram o processo de
modernização e trouxeram inovações tanto construtivas como estéticas. Neste sentido, foram
favorecidos tanto o lado artístico, quanto a técnica e a prática profissional, logo que ambos
profissionais, executaram obras de grande valor, alterando a paisagem segundo modelo europeu
muitas vezes adaptados ao clima local.

Pézérat (1800-1872) possuía a característica de arquiteto-engenheiro. Foi contratado como


engenheiro, através de concurso, pelo governo brasileiro em 1825, e enviado à Inglaterra para
aperfeiçoar-se em engenharia hidráulica para atuar em obras dessa envergadura na Corte, voltando
em 1826. (SOUSA, 2007)

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Estudou na Escola Politécnica e Real de Paris, e sua obra se destacou na arquitetura da cidade do
Rio de Janeiro na década de 1820/1830. Por contrato com por D. Pedro I, foi elevado à condição
de arquiteto do Imperador em 1828. Foi autor da reforma do Palácio da Boa Vista, em São
Cristóvão, atual Quinta da Boa Vista, e também a reforma do edifício da fazenda de Santa Cruz.
Entre outras obras, é também autor do projeto do edifício da Academia Militar no Largo de São
Francisco de Paula e o Solar da Marquesa de Santos. (BARATA, 1973)

O arquiteto-engenheiro foi aluno do famoso teórico racionalista J.L.Durand 7 grande reformador do


ensino francês, e suas prerrogativas projetuais apontavam fortemente essa influência. Segundo
Sousa (2007) num discurso para a Associação de Arquitetos Portugueses em 1866, Pézérat vai
afirmar que para ele a procura do belo, do útil e do sublime deveria estar sempre guiado pelo
discernimento e pela razão. Ele era partidário da utilização das ordens clássicas, por motivos
históricos e estéticos, mas achava que elas deveriam ser adaptadas às circunstâncias modernas.

Nos projetos desse arquiteto observa-se o pouco uso das ordens clássicas, e uma arquitetura mais
severa aos moldes da influência portuguesa, como no edifício da Academia Militar. Nesse projeto
ele inseriu uma frontaria mais clássica e moderna para a época, mas também optou pelo uso de
vergas retas com balcões nas aberturas das janelas e o forte uso das marcações estruturais
característico das construções luso-brasileiras. (SOUSA, 2007)

Outro importante arquiteto francês foi o já mensionado GrandJean de Montigny, formado na École
de Beaux-Arts francesa. O arquiteto foi aluno de Percier e Fontaine principais arquitetos de

7
Durand foi aluno de Boullée e um herdeiro dos ideais da arquitetura do iluminismo que o havia precedido. Professor de
composição da École Royale Polythecnique de 1795 a 1830, opunha-se radicalmente à maneira da Académie de estudar
arquitetura pela cópia e analise de edifícios diferentes, era improdutivo e inoperante trabalhar sem uma noção clara dos
princípios gerais da arquitetura.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Napoleão Bonaparte e praticantes de uma arquitetura decorativa que ostentava o emblema do


Império.

Segundo Rocha-Peixoto (2000, p. 227\) num dos projetos mais importantes do arquiteto, a
Academia Imperial de Belas Artes, percebemos uma vaga inclinação para a criação de um estilo
imperial aos moldes franceses. Poucas obras foram construídas de Grandjean, porém algumas que
ficaram como registro físico, demonstram uma simplicidade diferenciada dos seus projetos, como o
caso da sua residência na Gávea e da Praça de Comércio.

Talvez possamos indagar que os dois arquitetos franceses, souberam bem aplicar os ensinamentos
das academias, e previram um adaptação dos modelos compositivos ocidentais para a realidade e
o clima tropical brasileiro.

O importante legado do Grandjean foi os anos que se dedicou como professor da Academia, onde
formou uma leva de arquitetos que iriam se destacar no cenário carioca, especialmente no decorrer
do segundo reinado, quando este já estava ausente da instituição.

Um dos alunos do arquiteto francês que despontou como grande reformador do ensino deixado
pelo mestre foi o carioca Manoel de Araújo Porto Alegre. Terminados os estudos na capital carioca
Figura 27 – Frontaria da Academia Imperial de Belas este arquiteto, vai para a França de onde traz, possivelmente, novas influências em voga na época,
Artes – Grandjean de Montigny
Fonte: Rodrigues, 1975, p. 202. como o Romantismo, e lá ele se familiariza com os movimentos socialistas utópicos e progressistas.
Sua influencia estará presente no reflexo de modernidade em que a academia irá apresentar diante
das inovações tecnológicas.

Dos vários discípulos de Grandjean, muitos optaram por manter duas formações, como Pézérat
havia feito, o de arquiteto e engenheiro. Entre eles se destacaram, Joaquim Candido Guilhobel e
José Maria Rebello que tiveram forte atuação nas obras desenvolvidas na cidade, confirmando o
papel desses profissionais na nova configuração da paisagem urbana.

90
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No inicio do século XIX, os engenheiros militares comandavam as obras públicas a todos os limites
de sua formação. Estes permaneceram ao longo do período como principais administradores das
melhorias na infra-estrutura das cidades, na formulação de planos de melhoramentos onde muitas
obras foram assinadas por esses profissionais.

Entretanto, foi com a inauguração, em 1810, da Academia Real Militar que se deu a primeira grande
influência francesa no ensino, especialmente quando essa começa a se impor na formação do
corpo de engenheiros diferenciados do período colonial. Seu regulamento era baseado em grande
parte na École Polytechnique de Paris, especialmente com as matérias básicas e a obrigatoriedade
dos entes escreverem livros.(BARATA, 1973; TELLES, 1984)

Embora fosse um estabelecimento militar, a Academia destinava-se como


está declarado no preâmbulo da lei, ao ensino das ciências exatas e da
Engenharia em geral no sentido mais amplo da sua época, formando não
só oficiais de engenharia e artilharia como também ”engenheiros
geógrafos, topógrafos que também possam ter o uti emprego de dirigir os
objetivos administrativos de minas, caminhos, portos, canais, pontes,
fontes e calçadas”. Teria para isso um curso completo de ciências
matemáticas e de observação, quais a física, química, mineralogia,
metalurgia e historia natural, além das ciências militares em “toda a sua
extensão”. (TELLES, 1984, p. 69)

Na França enquanto a Real Academia de Arquitetura formava profissionais ligados à construção de


edificações monumentais, como palácios e obras para o império, os profissionais da Ponts et
Chaussées eram responsáveis pela administração, construção e controle das obras públicas
utilitárias. No Rio de Janeiro, pelas especificidades projetivas e ação dos engenheiros, percebe-se
que ambas as funções foram associadas, traduzindo em uma produção peculiar à sua realidade.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Dentre os numerosos arquitetos e engenheiros formados pelas Academias carioca, vão ressaltar a
presença de vários profissionais estrangeiros que tanto assimilaram como contribuíram para as
influências construtivas da produção da capital do Império. É importante apontar também que
esses profissionais assumiram posturas modernas diante dos programas mais variados exigidos
para o desenvolvimento da capital.

Sousa (2001, p. 84-85) vai observar que, na fase imperial, os padrões estilísticos da Escola Militar e
da Academia de Belas Artes tornaram-se dominantes. O autor ainda acrescenta que muitos dos
projetos entregues a engenheiros e arquitetos treinados no exterior compõem o cenário brasileiro
bastante diversificado.

Na verdade seis dos dez melhores exemplares desse acervo seleto foram
concebidos, no todo ou em parte, por engenheiros de formação nacional:
o Palácio Imperial de Petrópolis, o Hospital da Santa Casa e o Hospício
Pedro II, nos quais trabalharam os militares Cândido Guilhobel e Jacinto
Rebelo; a Casa da Moeda, de Teodoro de Oliveira (...) (Ibid)

Dentre os numerosos arquitetos e engenheiros responsáveis pelas mudanças ocorridas na


produção arquitetônica do período é de se destacar o papel desses profissionais assumindo
posturas bastante diversificadas. Fazendo uma referência a essa diversificação, por exemplo,
Rocha-Peixoto (2004) aponta que o arquiteto Joaquim Bethencourt da Silva – “arquiteto múltiplo,
projetou desde mobiliário até um bairro” – seria um exemplo do profissional multifacetado e atualizado
na profissão, que se apresentavam os projetistas do império.

A presença na cidade desses profissionais, foi de grande importância na concepção dos novos
programas, pois denotavam atitudes estéticas diferenciadas e integradoras no cenário mundial.
Além deles, é importante destacar a ação dos arquitetos e engenheiros estrangeiros, como Luiz
Hosxe, Julio Frederico Köller, Charles Phillipe Garçon Riviere, Gustavo Waeneldt, dentre outros.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Mesmo engenheiros, capacitados a responder às necessidades urbanas como, Pedro d’Alcantara


Bellegard, André Rebouças, César Rainville, Heitor Rademaker Grunewald, tiveram papel de
destaque nas mudanças da paisagem da cidade.

2.1.2 RIO DE JANEIRO – PRINCIPAIS PROGRAMAS

O Rio de Janeiro como capital do Império, configurou-se desde cedo como uma cidade adiantada
ao ritmo nacional, tanto por meio de sua evolução social e cultural, quanto na introdução dos
programas arquitetônicos mais modernos para o período. Destacaremos a seguir uma lista
referencial dos principais programas que envolvem questões do lazer, saúde e ordem, no qual
buscamos compreender quais foram as principais demandas ocorridas no decorrer do século XIX
na principal cidade do país.

No que se refere ao lazer e fruição as principais construções do período foram:

 Jardim Botânico (1808);

 Passeio Público (reforma 1868);

 Parque da Quinta da Boa Vista (reforma 1866);

 Praças: Constituição, Aclamação, Carmo e Largos;

 Palácios: Palácios, palacetes, solares e chalés;

 Teatro: São João (1813); São Francisco de Paula (1832); São Januário (1836); Lírico
Figura 28 – Jardim Botânico – 1895 – fotografia de
Marc Ferrez (1871)
Fonte: Parente & Monte-Mór, 1994, p. 37.
 Tratamento paisagístico do cais, largos, pátios, praças no centro;

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

 Cassino Fluminense (1855)

 Conservatório de Música (1872)

 Monumentos e chafarizes.

No que se refere à saúde e a salubridade pública, destacamos como principais obras:

 Praça de Comercio (1820)

 Hospício Pedro II (1852);

 Hospital da Santa Casa de Misericórdia (1852)

 Real Hospital Português de Beneficência (1858);


Figura 29 – Fachada do Hospital da Santa Casa de
Misericórdia – Rio de Janeiro
 Mercados públicos
Disponível em: <http://www.almacarioca.com.br/hist09.htm>
 Matadouro;

 Hospital do Carmo (1870)

 Cemitérios públicos;

 Sistema de abastecimento de água e esgoto (1864 e 1864).

A ordem urbana se configuraria nas seguintes obras:

 Academia de Belas Artes (1826);

 Academia Militar (1834);

 Casa da Moeda (1858)

 Asilo de mendicidade (1879);

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

 Transportes (1840);

 Telégrafos (1852);

 Estação Ferroviária (1858);

 Iluminação Pública (1854);

 Aterros nas áreas de Mangue (iniciados em 1850)

 Fabrica de gás (1851)

 Liceu de Artes e Ofícios (1878)

 Casa das Meninas Órfãs (1877)

 Instituto dos Meninos Cegos

2.2 RECIFE – PANORAMA DO SÉCULO XIX

Para compreendermos a cidade do Recife e como ela se insere nas capitais importantes do século
XIX no Brasil, temos que recorrer a sua história e a sua constituição urbana desde a fundação da

Figura 30 – Mapa do Recife – séc. XVII


cidade. A região que circundava Olinda, capital da capitania de Pernambuco, serviu por bastante
Fonte: Mendes, Veríssimo e Bittar, 2007, p.65. tempo como escoadouro das riquezas da região devido sua configuração estratégica de porto.

Aos olhos dos forasteiros, porém, a paisagem era tão somente as águas
do delta, o verde dos manguezais, a vegetação nativa dos morros com
seus canaviais, safrejando no massapé das várzeas do Beberibe, do
Jiquiá, do Pirapama e do Capibaribe. Nada muito especial, nenhuma
beleza extraordinária, naquele burgo insalubre onde os habitantes de
Olinda pisavam com cuidado para não sujar as suas custosas sedas.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Assim era o Recife até os primeiros anos do século XVII. Um porto por
excelência, o de maior movimento da América portuguesa, escoadouro
das riquezas da mais promissora de todas as capitanias: Pernambuco.
(SILVA, 1993, p. 12)

Em 1630 os holandeses invadiram as terras de Pernambuco incendiando a sua capital Olinda, e se


instalaram na região do Recife, permanecendo até 1654. Recife, a partir de então, passou a ser
sede administrativa do território Pernambucano iniciando uma fase de grande desenvolvimento.

Maurício de Nassau 8 , governador do Brasil holandês, chegou ao Recife em 1637 trazendo em sua
comitiva botânicos, latinistas, humanistas, médicos, pintores arquitetos e cartógrafos. Durante sua
permanência a cidade sofreu grandes transformações, já delineando as estruturas da futura capital
de Pernambuco. Desses artistas e cientistas dois pintores se destacaram por representar a vida e
os hábitos da população daquela época, são eles Frans Post e Albert Eckout. O cartógrafo Cornelis
Figura 31 – Cidade Maurícia, 1630.
Fonte: Pontual, 2005, p.45.
Sebastianszoon Goliath deixou um rico legado em levantamentos e mapas topográficos da região.
(LUCIO, 2000, p.80).

Segundo Pontual (2005, p. 29) o plano da Cidade Maurícia, ou Mauritsstad, atribuído ao arquiteto
Pieter Post, seguiu um padrão renascentista, geométrico perfeito, estabelecendo ligações entre
diversos pontos da cidade. Para a ilha foi previsto o parcelamento urbano interligado ao sistema de
canais ao de defesa com as fortificações, fosso e muralha; assim como, a praça central com o

8
O Príncipe João Maurício de Nassau-Siegen era um nobre alemão. Nascera em 1604, no Castelo de Dillenburgo na
Westphalia e faleceu em Cleve em 1679. Ao retornar à Europa mandou escrever um livro com a narrativa dos oito anos do
seu governo no Brasil, e tendo distribuído este livro pelas casas nobres da Europa que muito contribuiu para a disseminação
das informações sobre a terra e a gente do Brasil. Esse livro, obra monumental da autoria de Gaspar van Baerle (Gaspar
Barleus 1584-1648), ”Rerum Per Octum in Brasília Et Álibi nuper Gestarum, Sub Prefectura Illustrissimi Comitis I Mauriti
Nassoviae...” foi publicado em Amsterdã em 1647. Salgado, 2000, p.79.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

mercado, o palácio de Friburgo, a ponte de ligação com a ilha do Recife e outra comunicação com o
continente, o jardim botânico, o Palácio da Boa Vista e o museu. Além desses empreendimentos
Nassau organizou um hospital, a alfândega e uma escola. Em apenas nove anos, o Recife passou
de povoado à cidade fortificada e progressista, dentro dos moldes europeus mais atuais para a
época, com 2.000 casas. (LUCIO, 2000, p. 82)

Quando da retirada dos holandeses todas as obras construídas foram arruinadas pelos
portugueses. Porém o traçado e os altos e estreitos sobrados, característicos da região guardam
aspectos do passado progressista.

O alinhamento com as concepções portuguesas, embora fossem eivadas


Figura 32 – Palácio da Boa Vista – concluído em 1643 de influencias do barroco italiano, era dominante. A civilização da
– Gaspar Barleus
Fonte: Gomes, 2006, p. 147. colônia do Brasil, em particular da Província de Pernambuco, segue os
modos vivenciados na metrópole portuguesa. A experiência estrangeira
como uma mitificação, a ser imitada talvez não tenha sido bem
aquilatada até a atualidade. (PONTUAL, 2005, p. 31)

Após domínio holandês, no século XVII, o Recife só passou por intervenções urbanas na primeira
metade do século XIX, especialmente durante o governo do Presidente da Província Francisco do
Rego Barros, o Conde da Boa Vista.

Pernambuco foi uma das províncias mais influentes na política nacional, e estava entre as principais
representantes dos Conselhos Gerais, junto com a Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo.
Desde a Revolução Pernambucana em 1817, passa a estar sob forte atenção do Império e a ter
grande número de representantes nas Assembléias Gerais, encabeçando o grupo das cinco
províncias que tiveram o direito a 36 membros no Parlamento. (MELO, 1996, p. 35)

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Segundo Carvalho (1992, p. 41) Província estava estrategicamente colocado no caminho para a
Europa, e era o centro polarizador da extensa região do nordeste, onde, desde cedo, preocupou-se
em embelezar sua nova capital, o Recife. Segundo Zancheti (1989) a cidade foi uma das primeiras
a ter uma gestão pública urbana depois da Independência.

A ausência de normas para ordenamento do traçado viário urbano, aliada à prática espontânea dos
agentes construtores, constitui-se o primeiro grande desafio que a administração pública urbana do
Recife passa a enfrentar no início do período imperial. A exemplo da Capital do Império, a capital
pernambucana, em 1831 já possuía um Código de Posturas aos moldes da Corte. Nesse sentido, a
primeira referência feita pela Câmara Municipal do Recife à Lei Imperial de 1828 evidencia a
atribuição que esta lei lhe confere de regulamentar e embelezar a cidade. A questão estética
assume, desde então, destaque nas ações municipais, inclusive nas posturas elaboradas. (SOUZA,
2002, p. 153)
Figura 33 – Rua do Imperador – Recife – litografia de
Franz Heinnrich Carls – meados do século XIX. Com a passagem das atribuições da Repartição de Obras do Governo
Fonte: Freyre, 2006, 16 °ed. p.640.
Provisório para a Câmara Municipal, em 1830, esta contrata o
engenheiro militar João Bloem para o cargo de “Encarregado da
Arquitetura da Cidade”, passando este engenheiro a ser responsável pelo
estabelecimento de regras sobre a edificação e o traçado urbano. Bloem
inicia, de imediato, uma regulamentação para as novas construções, que
deveriam seguir um padrão de alinhamento das suas fachadas, de
conformidade com o novo traçado das ruas. Tais normas foram
recebidas com resistência pelos habitantes do Recife, uma vez que a
introdução de normas técnico-científicas para normatização do espaço
urbano se constituía uma prática recente, ocorrendo no Brasil somente
no século XIX. (Ibid.)

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Segundo Freyre (1940, p. 94) a nomeação de um engenheiro alemão, Joao Bloem, apresentava o
fato de que a província não dispunha de profissionais capacitados para promover a urbanização da
cidade. “Convencida de que não pode desempenhar as atribuições que lhe são encarregadas (a Câmara
Municipal do Recife) pelo parágrafo 1º do artigo 66 e Art. 71 da Carta de Lei do 1º de 8bro. de 1828, sem a
intervenção de um Empregado entendido” (Livro da Câmara Municipal do Recife, 1840, Apud. FREYRE,
1940). Grifo nosso.

Segundo Freyre (1940, p. 96):

Bloem iniciou um plano de eupeização e modernidade do Recife, que


seria continuado pelo francês Boyer, dentro da mesma preocupação –
também da Câmara Municipal - de alargar ruas, alinhar edifícios,
acabar com altos e baixos. Verdadeiro plano militar de urbanização. O
sargento-mor e depois major Bloem, prussiano amigo da regularidade e
da disciplina, deixara de comandar soldados para comandar casas: não
sendo estas de carne nem se movendo com a mesma facilidade dos
homens, foi-lhe mais fácil reformar biqueiras e impor cornijas aos
prédios que fazer avançar ou recuar sobradões portugueses de pedra e
cal: edifícios como que arrogantes de sua individualidade. (Ibid)

Durante a gestão do governador Francisco do Rego Barros (1837/44), o Recife conheceu um


período de grande desenvolvimento urbano. Rego Barros foi um político ligado ao Partido
Conservador pernambucano, que teve formação acadêmica francesa, tendo entrado diretamente
em contato com os modelos de modernização europeus, principalmente o francês. Desta forma, a
grande pretensão do governador era desenvolver no Recife obras de urbanismo de modo a fazer
dele uma bela cidade, porque, acreditava, assim a sociedade pernambucana, os ricos senhores de
engenho e seus filhos, se afeiçoariam à idéia de viver em sua terra.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Em 1838 no pleito à Assembléia Legislativa ele indaga a necessidade de contratação de mão de


obra especializada para o desenvolvimento das atividades de modernização da cidade.

A falta de pessoas capazes de levantar plantas, formar os orçamentos, e


de se encarregar da direcção e inspecção das Estradas, Pontes, calçadas,
e Edifícios públicos, torna-se muito sensível nesta Província, sendo tantas
as obras que se devem fazer, e tão limitado o número de Engenheiros que
nella existem. Os males que d’aqui resultão são palpáveis, e inútil fora
expensel-os. Ora tendo esta Província quatro estradas principaes, a do
Norte, a do Sul, e as duas do centro, que necessitam de grandes reparos,
afim de se tornarem commodamente transitáveis, e devendo estes
concertos serem incumbidos a Engenheiros hábeis e activos, torna- se de
urgenete necessidade, que autoriseis o Governo para se poder engajar
dentro ou fora do Império, sob condicções rasoaveis em numero
sufficiente as necessidades da Província.
(wwwcrl.uchicago.Edu/info/Brazil/pindex.htm - Pernambuco
(Província). Presidente (Rego Barros) Falla. 1.mar.1838 p. 50,
Apud. SOUZA, 2002).

Em 21 de julho de 1839, desembarcam na província um número de 105 artífices e trabalhadores


alemãs que trabalhariam na Repartição de Obras Públicas, organizados pelo engenheiro chefe
Firmino Herculano de Moraes Ancora 9 .

Segundo Pereira da Costa (1966, vol.10, p. 155):

9
Coronel Imperial do Corpo de Engenheiros e então Inspetor das Obras Públicas da Província de Pernambuco. Após a
chegada do Engenheiro Vauthier o coronel foi afastado da chefia da repartição. Freyre, 1940, p. 31.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Todo o pessoal da companhia era alemão, tendo por chefe ou diretor um


habilíssimo arquiteto, o engenheiro Augusto Koersting, e logo que chegou começou
os seus trabalhos nas diversas obras públicas então em execução na cidade, como
o Teatro Santa Isabel, alfândega, cais e outras, e no interior da província, na
construção de pontes e estradas.

Em outro convite do governador Rego Barros, vieram para a província de Pernambuco um grupo de
técnicos e engenheiros franceses liderados pelo engenheiro Louis Léger Vauthier para chefiar a
Repartição de Obras Públicas na tentativa de alinhar a cidade às cidades modernas francesas,
afirmando idéias de mobilidade e salubridade. Segundo Freyre (1975, p.9)

Várias novidades européias haviam sido introduzidas na Província de


Pernambuco desde 1839 quando, contratada por Francisco do Rego
Barros... é aqui chegada de Hamburgo uma companhia de cento e cinco
artistas mecânicos e operários dirigidos pelo alemão Augusto Koersting.
Este acabaria, aliás, a serviço de Vauthier. Também a serviço de
Vauthier ficariam numerosos operários alemães – um deles o excelente
mestre de carpintaria Andre Zacher – introdutores no Brasil de várias
inovações nas artes de pedreiro e carpinteiro; de técnicas ignoradas
pelos bons mestres portugueses.

A partir das mudanças ocorridas de inicio com a vinda desses profissionais para Recife, as
modificações se intensificam alterando a paisagem urbana com edificações monumentais inseridas
no programa de modernidade e progressos das capitais civilizadas.

O papel dos gestores públicos teve grande importância no processo. O Recife do Governador
Francisco do Rego Barros ganhou em animação e teve um progresso até então nunca vistos. Com

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

seus engenheiros franceses, incentivou as artes e as ciências seguindo o papel do D. Pedro II,
levando o Recife ao conceito das grandes cidades modernas da época como o Rio de Janeiro.

Logo no início de seu governo, destaca a falta de infra-estruturas produtivas como ponto a ser
priorizado, visando à solução de problemas econômicos da Província. E é com o objetivo de
realizar obras estruturadoras que o engenheiro francês Vauthier assume a direção da Repartição de
Obras Públicas, no período de 1842-46, impulsionando o programa de obras do governo, cujas
realizações foram significativas e marcaram a história da modernização do Recife. (SOUZA, 2002)

Foram construídas durante o seu governo, estradas ligando a capital às áreas produtoras de açúcar
do interior; a ponte pênsil de Caxangá, sobre o rio Capibaribe; o Teatro de Santa Isabel; o edifício
da Penitenciária Nova, depois chamada de Casa de Detenção do Recife; o edifício da Alfândega;
canais; estradas urbanas; um sistema de abastecimento d’água potável; reconstrução das pontes
Figura 34 –Recife – Palácio dos Governadores e Teatro
Santa Isabel – litografia de Franz Heinnrich Carls – meados Santa Isabel, Maurício de Nassau e Boa Vista e mandou construir aterros para a expansão da
do século XIX.
Fonte: Freyre, 1940. cidade.

A presença dos franceses em Recife não deixou apenas marcas arquitetônicas, mas também
imprimiu seu caráter em costumes e hábitos da população da cidade, principalmente entre as elites.
Os europeus nos deixaram novas maneiras de comer, de vestir, de comportar-se em público, novos
hábitos alimentares etc... 10

É ainda na gestão do governador que se inaugura a Sociedade de Medicina de Pernambuco em


1841 e em 1845 é criado o Conselho-Geral de Salubridade da cidade do Recife. Após a saída de
Rego Barros do governo pernambucano os demais políticos não tiveram tanta vitalidade e

10
Ver Gilberto Freyre, Sobrados e Mocambos.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

expressão pública. Porém deram continuidade aos planos de melhoramentos da cidade elaborados
principalmente por Vauthier.

A partir da década de 50, intensifica-se as discussões sobre as questões de salubridade pública na


cidade. Em longo artigo retirado do Times sobre o Cólera Morbus, o Diário de Pernambuco (02-01-
1850), evidencia a importância da divulgação desses textos para o conhecimento geral da
sociedade e para a reivindicação de medidas efetivas contra as novas epidemias que surgiram no
período.

(...)

Importa, portanto, por mão a obra. A mortalidade que desola hoje nosso
pais deve ser a cultura de expiação de nossa negligencia – esperamos
acaso para sanear nossas cidades e melhorar a condição dos pobres que
daqui a 10 anos a peste venha de novo aterrar e dizimar nossas
populações? Entre a vida e a morte a escolha não lhe é duvidosa.
Obremos bem, como exigem a saúde pública e a humanidade.

Segundo Souza (2002) se, de um lado, as pressões por uma modernização das infra-estruturas
produtivas se tornam mais fortes, de outro, as pressões para mudanças na qualidade dos serviços
urbanos, especialmente os de saúde aumentam, em face das marcas deixadas pelas epidemias de
febre amarela e cólera-morbo. Assim, ao lado das preocupações com os melhoramentos materiais
dos portos, se colocam aquelas que se referem a outras estruturas subsidiárias, como os
transportes, o abastecimento d’água, a armazenagem, cujos impactos são diretos na estrutura
urbana. A ligação entre obras portuárias e obras hidráulicas, em especial as de saneamento e
drenagem, favorece o levantamento de questões relativas às reformas urbanas necessárias para a
melhoria das condições de salubridade das cidades.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

É sobretudo nessas questões que o papel dos engenheiros qualificados frente à Repartição de
Obras Públicas tiveram grande importância no desenvolvimento da obras arquitetura oitocentista
recifense. Em resposta às pressões sobre melhores condições sanitárias que dá inicio a
construção de empreendimentos importantes, cemitério, hospital, presídio, matadouros etc.

2.2.1 OS ‘AGENTES TÉCNICOS’ – A PRESENÇA DE VAUTHIER NO RECIFE

Antes de 1830, não havia na província de Pernambuco mais do que dois engenheiros encarregados
pelos serviços públicos foram eles, o Coronel Moraes Âncora (engenheiro militar) e o inglês Major
João Bloem (engenheiro alemão) encarregado da arquitetura da cidade. Outro engenheiro
estrangeiro contratado para instalação de poços artesianos da província foi engenheiro francês J.
Boyer, ou Mr. Boyer como ficou conhecido. A contratação desse profissional dentre outros causou
grande insatisfação por parte da população. Diversos anúncios no Diário de Pernambuco que
11
relatava essas querelas entre os estrangeiros contratados e a sociedade .

A ação dos técnicos estrangeiros provoca competições, despeitos e até


ódios. Ela não se desenvolve sem choques com a rotina regional, com as
tradições nacionais, com os interesses econômicos feridos ou arranhados
pelas inovações.

No caso da influencia da cultura francesa sobre a sub área em que


operou a técnica de Vauthier e de seus colaboradores, intensificando
aqui a expansão comercial de produtos da industria francesa (desde os
primeiros dias do império em competição com o comercio e a industria

11
(...) fizera ele ou algum outro estrangeiro alguma coisa de extraordinário que não pudesse ser concluído pelos nossos
Oficiais dirigidos pelo mui hábil Sr. Coronel Moraes Âncora? Diário de Pernambuco, 16/11/1841, In, Freyre, 1940, p.102)

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

britânica), vemos aqueles antagonismos se dramatizarem a ponto de


concorrerem para uma explosão de nativismo: a chamada Revolta
Praieira. Nativismo não só antilusitano – como se tem dito – como
antieuropeu. (FREYRE, 1940, p. 37)

Foi nesse clima que em 1841, o governador Francisco do Rego Barros anuncia a contratação de
“engenheiros para o serviço da Província, um dos quais discípulo da Escola Politécnica de Paris”
(FREYRE, 1940).

Louis Leger Vauthier chega a Pernambuco em 08 de setembro de 1840, à convite do Governador,


trazendo consigo engenheiros assistentes, Pierre Bolitreau, Louis Ferriol, Buessard, Jean Joseoh
Morel, Florian Desiré Porthier e Henrique Augusto Milet, e logo inicia-se o processo de
modernização do Recife.

O engenheiro francês foi teve formação na École Potytechnique (fundada em 1794) de Paris na
qual ingressou em 1835 após ter concluído o curso fez especialização na École des Ponts et
Chaussées (fundada em 1775). Antes de vir ao Brasil trabalhava em Vannes, no Departamento de
Morbihan como oficial do “Corps des Ponts et Chaussées”, cargo que pediu licença temporária para
vir trabalhar na província.

Um terço dos alunos que saia da École Polytechnique ia trabalhar nos Serviços Públicos, e aqueles
que quisessem se especializar, após terminar o curso, atendiam às aulas das escolas de aplicação,
onde a Ponts et Chaussées era a escolhida pelos interessados em trabalhar em obras públicas.

Um dos grandes reformadores do ensino francês o J.N. L. Durand, professor da cadeira de


composição da École Polytechnique de 1795 a 1830, já previa uma metodologia construtiva na qual
os engenheiros formados pudessem utilizar, sistematizando de forma “prática”, o processo
compositivo onde as partes seriam organizadas para formar o todo. Os projetos deveriam seguir

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

dois princípios, a conveniência que previa solidez, comodidade e salubridade, e economia onde
tiraria partido da simetria, regularidade e da simplicidade 12 .

Conquanto é muito plausível que Vauthier tenha se utilizado dos ensinamentos de Durand, na
realização dos seus projetos, especialmente no projeto do Teatro Santa Isabel. Entretanto, como
estava definido no seu contrato com a província de Pernambuco, que seus livros ficariam na
Repartição de Obras Públicas, não foi encontrado nenhum dos livros do mestre francês, apenas há
13
um registro do livro de J-L. Mandar “Etudes d’Architecture civile ou plans, elevations, coupes et
details de 1826.

É importante colocar que os profissionais ligados as duas escolas francesas eram responsáveis
pela administração, construção e controle das obras públicas em todo o território da França. Dentro
das suas responsabilidades estavam englobados diversos serviços como levantamento topográfico
do território, o projeto de novas vias de comunicação, fossem elas estradas, canais, rios ou portos,
bem como todas as obras auxiliares que advinham desses trabalhos.(LUCIO, 2000)

Não só de engenharia eles entendam, mas de tudo um pouco, e não só de


ouvir falar, mas de fato, profundamente, nos detalhes. Quando se fala em
maquinas, descrevia-se os processos de forma, que o leigo entendesse;
sobre a química, biologia, matemática pura, astronomia, medicina, de
tudo um pouco entendia o engenheiro, e mesmo não tendo aplicação

12
É preciso lembrar que Durand fora discípulo de Boullée, e, portanto que o método analítico do professor da Ecole
Polytechnique representa a sistematização dos fundamentos teóricos e práticos da composição buscados por Boullée e
Ledoux no último quartel do século XVIII.
13
Mandar foi professor de arquitetura da École des Ponts et Chaussées de 1804 a 1820, que defendia o uso da perspectiva
no desenvolvimento do projeto.

106
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

imediata para cada ramo do seu conhecimento, participava do debate,


emitindo opiniões, e disseminando o conhecimento, divulgado noticias da
ciência e comentando as novas descobertas. Este era o nível de
conhecimento dos homens de Ponts et Chaussées dos quais Vauthier era
um exemplo. Entretanto, se Vauthier era um homem representante desta
cultura profissional, os técnicos (engenheiros), aqui atuantes na época de
sua vinda representavam uma outra tradição, aquela advinda da
engenharia militar. (SALGADO, 2000, p.151)

O conhecimento dos meios operacionais mais modernos e mais abrangentes para esses
profissionais ou “agentes técnicos como frisava Vauthier” (FREYRE, 1940) era imprescindível.
Segundo Picon (2001, p. 66-70) a presença dos engenheiros nas cidades durante quase todo o
século XIX equivale ao período da técnica e do preparo das principais obras de realizações
públicas. É nesse momento que a cidade deixa de ser uma entidade imóvel correspondente a
descrições da sua história e de seus monumentos, para tornar-se sede de funções políticas e
econômicas.

Outro engenheiro que ganharia fama logo após a partida de Vauthier de volta à França em 1846, foi
José Alves Mamede Ferreira, pernambucano, que teve seus estudos feitos em Lisboa e na École
des Pontes et Chaussées na França. Com a presença do engenheiro garantiu a mesma maneira
de se trabalhar na Repartição de Obras Públicas iniciadas pelo francês, porém foi nas construções
civis que Mamede viria a se destacar como grande construtor da paisagem recifense durante sua
permanência na administração pública de 1850 a 1856.

Segundo Sousa (2000, p. 73-78) os projetos de Mamede Ferreira, nos apontam muitas atitudes do
ensino da academia francesa próximas ao racionalismo, idealizados por Boullée e Ledoux, filtrando,
também influências compositivas da tradição lusitana. Dos projetos realizados pelo engenheiro

107
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

percebemos que os programas se integrariam aos modelos mais modernos vigentes na Europa,
sendo seu universo projetivo não apenas limitado à França, o que o confere ser um profissional que
partia dos meios operacionais para resolução dos seus projetos.

Outro engenheiro engajado nas idéias modernas foi Tibúrcio de Magalhães, formado pela Escola
Militar carioca, também mostrou-se muito integrado nas transformações urbanistas em que a cidade
passava. Um das importantes contribuições do engenheiro foi a reconstrução com alterações de
projeto para o Teatro de Santa Isabel em 1869, no qual incorporou estruturas de ferro e nova
decoração interna, tudo plenamente aprovado por Vauthier.

A construção que validou méritos à Vauthier, e deu permanência ao Recife da predominância nos
projetos franceses foi a contratação do projeto para o mercado público da cidade (1875).
Figura 35 – Vista do Recife tomada do Salão do Teatro Santa
Isabel pelo desenhista Luiz Schlappriz, logo após a sua Construído totalmente em ferro, fabricado na França, que teve como responsável na capital
inauguração em 1850.
Fonte: Freyre, 1940, p.139. francesa o próprio Vauthier, o que julgamos que mesmo distante o engenheiro permaneceu
presente como consultor das obras na província.

Entre outros atores outro engenheiro francês que aportaria na região a pedido do Governo Imperial
foi Victor Fournié, também formado pela École des Ponts et Chaussées, que a partir de 1874 torna-
se diretor da Repartição de Obras Públicas. É do engenheiro a construção do Hospício de
Alienados. Para o projeto o engenheiro utilizou a planta em forma de cruz com quatro blocos
retangulares com pátios centrais. Esse tipo de composição foi muito usado na França para esse
tipo de programa (SOUSA, 2000).

Por meio das atividades desses profissionais percebemos a emergência que a cidade se
encontrava na busca de uma nova civilidade urbana, na realização de obras de utilidade pública
que denotassem o grau de civilidade da capital. Entretanto, se percebermos num panorama geral

108
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

do Brasil as demais capitais seguiam o mesmo padrão representativo no que concerne a


transformações do espaço urbano.

2.2.2 RECIFE – PRINCIPAIS PROGRAMAS

A partir da década de 1840, que o recife inaugura o inicio da construção várias empreendimentos
que iriam alinhar a cidade às idéias de progresso e modernidade preconizadas para as cidades
capitais do século XIX. A capital pernambucana foi prosperando gradualmente, com construções
de diferentes naturezas que serviriam de suporte para a nova camada urbana que surgia,
integrando-se no panorama do país aos principais programas desenvolvidos no Rio de Janeiro.
Figura 36 – Assembléia Legislativa e Ginásio Provincial
Fonte: Alepe.
No que se refere ao lazer e fruição as principais construções do período foram:

 Praças: Praça dezessete, Praça Marciel Pinheiro, Praça da República.

 Palácios: Palácio Episcopal da Soledade (1831), Palácio do Governo (1841), palacetes e


solares;

 Teatro: Teatro Apolo(1842), Teatro Santa Isabel (1841-1850);

 Tratamento paisagístico do cais, largos, pátios, praças no centro.

No que se refere à saúde e a salubridade pública, destacamos como principais obras:

 Asilo de Alienados Santa Isabel (1864);

 Hospital Pedro II (1861);

 Cemitério Público (1855);

 Real Hospital Português de Beneficência (1855);

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

 Mercados; São José, Madalena, Boa Vista (1850-80);

 Hospício de Alienados (1888);

 Sistema de abastecimento de água e esgoto (1837 e 1875).

A ordem urbana se configuraria nas seguintes obras:

 Aterros das áreas de Mangue (a partir de 1850);

 Companhia Pernambucana de Navegação (1867);

 Quartel (1891);

 Casa de detenção (1855);

 Asilo de mendicidade (1876);

 Assembléia Legislativa (1875);

 Ponte Pênsil (1842);

 Ginásio Pernambucano (1866);

 Liceu Provincial (1871);

 Estação Ferroviária (1888);;

 Sistema de trem urbano (maxambomba)

 Iluminação Pública.

No final do império a cidade do recife contava com diversos estabelecimentos públicos, cais
margeavam o rio nas áreas centrais. Árvores amenizavam as vias públicas, iluminadas a gás.
Praças bem cuidadas ocupavam os vazios dos largos. Água encanada e uma rede ampla de

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

transportes coletivos (SOUSA, 2000). Além desses aspectos, a cidade mais densa, começa a dar
sinais de metrópole englobando os demais bairros adjacentes.

2.3 RIO DE JANEIRO E RECIFE – PARAMETROS DE MODERNIDADE

Destacando os principais programas que fizeram florescer na arquitetura do Rio de Janeiro e


Recife, observamos que diversas construções estavam integradas ao ideário de modernidade
preconizado para as capitais civilizadas. Questões sobre o aformoseamento, saúde pública e
ordenamento dos espaços foram os grandes fomentadores de projetos. Tal fato condiz com o
momento progressista que ocorria nas principais províncias que, à época já autônomas,
conseguiam alcançar o patamar de civilidade sugerida nas sociedades européias modernas,
promulgando suas leis e interferindo no urbanismo das áreas centrais.

A França, como referencial para a cultura do século XIX, especialmente no que concerne ao ensino,
posturas administrativas e técnicas, estreita os laços entre as cidades, em busca da modernidade e
civilidade os profissionais se atualizam. Os engenheiros tornaram-se figuras atuantes desse
processo, estando presentes como atuantes nas mudanças do cenário colonial desde os primeiros
anos das províncias.

Entretanto, vieram a se destacar a influencia francesa no processo das duas cidades com o
arquiteto francês Grandjean de Montigny, no Rio de Janeiro, e o engenheiro Vauthier, no Recife.
Ambos já apontados como figuras presentes no discurso da arquitetura de ambas as cidades e do
Brasil, devido às inovações teóricas e práticas herdadas pela produção posterior.

Com o país independente, especialmente no decorrer da regência do Imperador D. Pedro II, cujo
projeto civilizatório muito engrandeceu as artes e os ofícios, as cidades aumentaram virtuosamente

111
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

a quantidade de construções monumentais, espaços públicos nas áreas centrais, e a ordenação de


diversos bairros próximos a esses. A modernização via novos programas arquitetônicos, ganha
vulto e importância de estado, agora representando pelos primeiros arquitetos e engenheiros
formados pelas Academias.

È importante frisar nesse processo a integração das cidades nesse ideário de progresso cultural.
Tirando o exemplo das duas cidades, podemos perceber o grau de abrangentes assuntos que
assumiam grande importância na apropriação de idéias modernas e civilizadoras.

Ao assumirem posturas de ordenadores do espaço da cidade, a arquitetura produzida no decorrer


do dezenove ganha um caráter representativo da nova nação caracterizando-se numa produção
particular e simbólica dentro do contexto histórico em que o país estava passando.

Das construções que podemos destacar, quase todas, mesmo com as diferenças cronológicas do
período, seguiam uma tipologia moderna, dentro dos seus respectivos programas. Entretanto, é
bom frisar que em muitas cidades, e inclusive no Rio e em Recife, para efetivar muitos programas
acabavam sendo utilizados adaptações de edificações já existentes.

No quadro a seguir apresentamos uma pequena analogia na arquitetura do Rio de Janeiro e do


Recife, onde percebemos a unidade presente nos programas arquitetônicos existentes em ambas
cidades. Vale salientar também que, apesar das diferentes cronologias, buscamos evidenciar que o
período produtivo de maior destaque e importância na mudança da paisagem urbana foi a segunda
metade do século XIX.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

TABELA 8 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E TIPOLOGIAS EXISTENTES

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

TABELA 9 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E TIPOLOGIAS EXISTENTES

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

TABELA 10 – ANALOGIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA DO RIO DE JANEIRO E DE RECIFE – SEGUNDO OS PRINCIPAIS PROGRAMAS E TIPOLOGIAS EXISTENTES

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Tendo em vista a apresentação dessa variedade de programas e tipologias existentes, o tema


proposto constitui-se bastante vasto e abrangente, apenas no tocante às duas cidades. Todas as
analogias citadas nas tabelas anteriores são passiveis de abordagens múltiplas, e impossível caber
de maneira substancial na pesquisa, o que configura ser ainda, um rico acervo disponível para a
compreensão da arquitetura do século XIX.

Tendo em visa à redução sistemática do conteúdo, trataremos nos próximos capítulos de apenas
três tipos de programas que estão totalmente envolvidos nos aspectos preconizados na pesquisa: o
lazer, a saúde e a ordem. Procuramos evidenciar, por meio da análise de seis construções do
período, os caminhos que fizesse compreender algumas das principais características dessa
produção. Nos capítulos que seguem, destacaremos a importância das seguintes construções:

 Rio de Janeiro  Recife

Real Teatro São João Teatro Santa Isabel

Hospício Pedro II Hospital Pedro II

Asilo de Mendicidade Casa de Detenção

Buscaremos apresentar que esses programas representaram as principais demandas existentes na


sociedade, partindo do pré-requisito que essas construções simbolizaram uma nova estrutura social
e representaram a inserção das capitais na nova ordem social prevista pelo ideário de civilidade.
Além do mais, esses programas evidenciam a projeção dos seus criadores, engenheiros, arquitetos
e gestores como principais articuladores do progresso nas principais capitais do país.

116
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

CAPITULO 3

“Um teatro é um monumento consagrado ao prazer. Com que delicadeza, com que cuidado e gosto deve ser presidida sua
construção!. Boullée

3. OS TEATROS

A criação de novos estabelecimentos teatrais, ou Casas de Ópera1, em substituição aos pequenos


recintos privados que existiam desde o século XVIII, refletiu uma mudança na mentalidade das
elites sociais e políticas; esses “novos teatros” configuravam-se, muitas vezes, como refúgios para
o convívio social, não voltados para atividades das igrejas2. Segundo Lima (2006):

“O aparecimento das primeiras Casas de Ópera, entre 1760 e 1795, na Bahia, no


Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e no Rio
Grande do Sul, despertou o desejo de se profissionalizar o teatro que era feito aqui,
fato constatado nos relatos deixados pelos viajantes estrangeiros que se referiram
ao repertório e às construções”.

1
Segundo Cavalcanti (2004, p. 172-173) as “Casas de Ópera” eram assim designadas por apresentarem peças teatrais,
cujas encenações teriam o tom musical, quer fossem dramáticas, cômicas-trágicas ou comédias, significando, de um modo
geral, desde os tempos coloniais, o mesmo que teatro.
2
A Igreja desempenhou, durante os tempos da colônia, um papel relevante nas atividades sociais públicas, com as
celebrações litúrgicas, encenações de peças, quermesses e procissões. O caráter profano do teatro, desde os setecentos,
já aponta uma mudança de atitude e comportamento de uma pequena camada urbana; esse desejo de novas formas de
convívio social será consolidado no início do século XIX, não apenas em relação ao teatro, mas também às artes em geral.
N. da A.

117
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Teatros de partido neoclássico, inspirados em modelos franceses e italianos do século XVIII,


apareceram no cenário brasileiro no decorrer de todo o século XIX, especialmente nas principais
capitais litorâneas. Bem maiores e monumentais do que as Casas de Ópera do período colonial,
eram providos internamente de grande conforto e luxo, presentes, sobretudo, na decoração dos
ambientes e na ornamentação.

Essas casas de espetáculos agitavam camada burguesa emergente, devido ao status social a que
se ligava a cena cultural intelectualizada das cidades. A monumentalidade externa destas
edificações denotava a importância que era dada a esse tipo de programa. Geralmente isolados e
abertos para praças e jardins, apresentavam tratamento arquitetônico de cunho plástico refinado,
cujo impacto causado pretendia modificar, valorizar e destacar o ambiente urbano circundante.

Nesse sentido, a arquitetura, como monumento, eleva-se à categoria de representante dessa nova
ordem social, simbolizando algo além da sua funcionalidade, mostrando-se com uma roupagem
moderna e se associando aos principais modelos internacionais.

A influência italiana nas tipologias de teatro, no qual havia se consolidado desde o século XVI e
XVII na Europa, tiveram papel importante nas alterações internas dos espetáculos, no que dia
respeito à forma de representar. Dentre as principais, podemos destacar a mudança da forma
semicircular do teatro grego, para outras mais inusitadas, como palco em forma de U, oval ou a
elipse truncada, além da alteração nas platéias e na colocação dos camarotes de vários níveis no
lugar das galerias. Além disso, esses teatros eram, em grande parte, providos com uma luxuosa
decoração interna e externa. (LIMA, 2006).

Um dos grandes exemplos a se destacar é o Teatro San Carlo de Nápoles (1737), com seu
auditório em forma de ferradura e seis ordens de camarotes, o teatro de Turim (1738/1740) com um

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

auditório de forma elíptica truncada e seis ordens de camarotes e o “clímax” do teatro italiano, o
Scala de Milão (1763-1770) (Pevsner, 1976, p.72-74).

Outros modelos que dominavam o panorama europeu foram os teatros franceses, por sua vez
também influenciados pelos modelos italianos. Segundo Pevsner (1976, p. 76), o Grand Théàtre
Bordeaux (1777-1780) foi o teatro mais ambicioso da França, que colaborou como tipologia de
diversos outros. Nos franceses, prevalece o uso da forma circular truncada para platéia, o largo
uso de colunas colossais, tanto internamente quanto externamente, como forte marcação estrutural,
gerando um único bloco independente.

Em Portugal, os teatros seguiam os modelos italianos, já que D. João V (1706-1750) mandara os


músicos mais notáveis de sua corte estudarem na Itália. A arquitetura dos teatros lisboetas tomou
como modelo os mais famosos arquitetos e cenógrafos do Settecento italiano, como Petronio
Figura 37 - Teatro São João no Largo do Rocio Mazzoni, Jacopo Azzolini, Giancarlo Bibiena, Nicolau Servandoni e Salvatore Colonelli. Esses
Rio de Janeiro. 1817
acabaram por preparar os discípulos portugueses, como Simão Caetano Nunes, autor do Teatro do
Fonte: Lima: 2000, p.39
Bairro Alto, Teatro dos Condes, Salitre e da Graça e, entre outros arquitetos de renome, José da
Costa e Silva, responsável pelo risco do Teatro São Carlos. Com a inauguração da Academia da
Trindade, onde se apresentavam companhias italianas, aumentou o interesse pela ópera em
Portugal, difundido principalmente entre os aristocratas. (LIMA, 2006, Apud: Cruz, 2001, p. 94).

Portugal manteve-se inserido no panorama da arquitetura teatral européia como demonstra a


própria construção do teatro São Carlos, projetado em 1792, demonstrando a capacidade criativa
dos seus engenheiros militares; com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, os modelos
internacionais começam a ser implantados nas províncias, no decorrer do século XIX.

No Rio de Janeiro, um dos exemplos mais marcantes foi o Teatro Real São João (1813),
considerado, à época, pela historiografia, o mais importante da cidade do Rio de Janeiro

119
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

(Cavalcanti, 2004; Lima, 2000), fato que, por mais de um século, fez com que sua volumetria
representasse um marco simbólico do Largo do Rocio3, dominando a paisagem e enobrecendo
aquele espaço. A monumentalidade da edificação, frente à paisagem edificada do Largo,
polarizava a atenção dos transeuntes, pela clara legibilidade de seus aspectos morfológicos (LIMA,
2006).

Essa configuração espacial seria empregada em quase todos os principais teatros erguidos nas
demais capitais brasileiras. A sua construção também se apresentou como uma nova tipologia,
seguindo os modelos internacionais, que influenciou as demais províncias do país, alterando as
ambiências sociais e ampliando o convívio para os largos e as praças.
Figura 38 – Teatro Santa Isabel, 1855 No Recife, o Teatro Santa Isabel, construído entre 1840 e 1850, inaugura um novo momento de
Fonte: Sousa, 2000, p. 59.
modernização na paisagem da capital, apresentando uma proposta estética diferenciada das
demais existentes, trazendo no seu repertório influências italianas e francesas. Sua consolidação
na paisagem recifense estimulou as atividades artísticas e sociais e se consolidou como palco de
diversos acontecimentos históricos. Segundo Arrais (2000, p. 26), o teatro recifense não foi só
centro irradiador das atividades artísticas da região norte do Império, como também incentivou a
própria construção de teatros em outras cidades.

Para darmos seqüência ao discurso, destacaremos, a seguir, a importância social e construtiva que
se deu com o surgimento dessas duas construções: o Teatro São João, no Rio de Janeiro, e o
Teatro Santa Isabel, no Recife. Apesar da diferença cronológica, tais construções nos vêm apontar
caminhos para compreender o fenômeno ocorrido para o desenvolvimento da arquitetura do século

Figura 39 - Teatro São João, Rio de Janeiro.


3
Aquarela de 1812. Fonte: Barata, 1973, p. 114. O Largo do Rocio atualmente Praça Tiradentes em meados do século XX perdeu seu prestígio de espaço de lazer sendo
transferido nesse período para a Praça Floriano Peixoto que já vinha se transformando em pólo de lazer desde o início da
República

120
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

XIX, nas duas cidades, ampliando-se para todo o país, a nos fazer perceber até que ponto um
pensamento unitário estava presente na transformação da paisagem colonial para a moderna
oitocentista.

3.1 O TEATRO SÃO JOÃO

Localizado no Largo do Rocio, o Real Teatro São João, inaugurado em 1813, representou, para a
cidade do Rio de Janeiro, o conceito de monumentalidade em obras públicas, destinado ao lazer,
que serviria de rompimento com o caráter construtivo da arquitetura colonial para esse tipo de
programa.

A iniciativa de sua construção partiu do empreendedor português Fernando Jose de Almeida


(Cavalcanti, 2004, p.178), que cedeu a área para que nela fosse levantado o Real Teatro, cujo
empreendimento seria necessário para equipar a cidade com uma nova civilidade à qual a Corte
estava acostumada; no decorrer dos anos, a Casa viria a ser a mais bem freqüentada da Corte.

Segundo Cavalcanti (2004, p.173-174), na cidade do Rio de Janeiro já existiam dois teatros,
surgidos desde o século XVIII, o Ópera Velha e Ópera Nova, ambos pertencentes ao mesmo dono,
Boaventura Dias Lopes. Ambas as construções, segundo o autor, já faziam alusão, em plantas, às
distribuições hierárquicas dos espaços, porém com configuração plástica bem simples.

A inauguração do novo Teatro representou um florescimento cultural para a cidade, alterando as


ambiências e funcionando como espaço destinado não apenas à representação em forma de
divertimento, mas, também, ao convívio social e ao exercício da cidadania, que se estendiam, dos

Figura 40 – Plantas esquemáticas da Ópera Velha


Fonte: Cavalcanti, 2004, p. 175.

121
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

muros que encerram a construção, para o Largo em frente, onde a praça ganha grande
importância4.

“A Praça, desde a inserção do imponente volume do Teatro São João, na


esquina da Rua do Sacramento, figurava, no imaginário dos fluminenses,
como local de reunião, da troca de sociabilidade, do desfile social.
Espaço de representação, portanto espaço dos habitantes, dos usuários
da Praça, espaço experimentado, que tenta modificar e se apropria da
imaginação, utilizando simbolicamente os objetos arquiteturais e
paisagísticos do espaço físico”. (LIMA, 2000, p.60)

Cavalcanti (2004, p.178) aponta que os pontos de localização dos teatros, no Largo do Rocio,
refletem uma nova organização do espaço urbano. Logo sua forma monumental modificou a
paisagem e se destacou como referência para muitas outras casas de espetáculos posteriormente
inauguradas no Largo e em suas redondezas. “O Real Teatro São João atraiu para o Largo do Rocio o
genius loci da teatralidade, tanto que permeia todo o século XIX”. (LIMA, s/d).

Apesar da vida curta do teatro em sua forma original – três vezes incendiado e reconstruído –, ele
representou, para a cidade, um dos marcos da arquitetura civil no final do período colonial. A sua
linguagem compositiva em muito se assemelhava à tradição portuguesa, o que fez com que fosse
considerado, por alguns historiadores, um exemplar da arquitetura luso-brasileira (Smith, 1969;
Sousa, 2000). Não se pode negar, entretanto, a moderna e imponente roupagem nele empregada,

4
“A presença do principal teatro da Cidade e das residências aristocráticas que surgiram ao redor do Largo impulsionaram
as atividades intelectuais públicas e privadas que se desenvolveram naquela área”. LIMA, Evelyn Furquim Werneck. “A
Figura 41 – Mapa da Cidade do Rio de Janeiro, 1820. Arquitetura do Espetáculo – Teatros e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia”. Rio de Janeiro: UFRJ
Localização do Teatro em sua configuração original. editora, 2000. P. 41.
Fonte: <http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html>
acessado em 05/01/2009.
122
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

destinada a referenciar construções monumentais, associada aos ideais de modernidade do


Império, simbolizada pelos grandes teatros neoclássicos europeus (Lima, 2000).

Tudo isso que nos leva a crer que, além de representar uma alteração na paisagem da capital, o
teatro configurou-se como um modelo para os grandes empreendimentos públicos que surgiriam no
decorrer do século. Em termos compositivos, ele se apresentaria como um exemplar híbrido,
associando valores tradicionais da arquitetura lusitana e da nova estética internacional.

123
Iconografia Elevação
Teatro Real São João
Dados do Imóvel

Projeto José Manoel da Silva

Pedra fundamental - 1810


Datas Inauguração - 1813
Inicial - Teatro
Usos Atual - Demolido

Local Largo do Rocio - Praça da Aclamação Fachada principal. Aquarela Thomas Ender, 1817.
Fonte: Lima, 2007, p. 49.
0 1 5
Tombamento

Cronologia Histórica Situação Plano Geral

1810 - teve início a construção do Teatro;

1812 - chega ao Rio de Janeiro o autor do risco do Teatro São


Carlos, José da Costa e Silva, assumindo o cargo de
Arquiteto Geral de Todas as Obras Reais, falecendo na
mesma cidade em 1819;

1813 - o Teatro é inaugurado;

1824 - primeiro grande incêndio destruiu o prédio;

1826 - o Teatro é reaberto como Teatro Imperial São Pedro de


Alcântara com alterações na volumetria e na fachada;

1831 - devido a Abdicação de D. Pedro I e a onda de naciona-


lismo foi determinada a modificação do seu nome para
Teatro Constitucional Fluminense;

1838 - o Teatro é fechado para uma grande reforma interna que


conferiu à sala de espetáculos um teto com painéis de
Olivier e pano de boca de Araújo Porto Alegre;

1839 - é reaberto com o nome de São Pedro de Alcântara;

1843 - João Caetano compra o São Pedro dotando-lhe de nova


vitalidade e modernidade teatral;

1851 - um novo incêndio causou destruição total do imóvel,


sendo reconstruído com financiamento de João Caetano; 50 200
0 100
1856 - o Teatro é consumido pelas chamas pela terceira vez;

1863 - falece João Caetano e o São Pedro de Alcântara perma- Trecho recortado do Mapa francês ”Plan de la Ville de S. Sebastiao”
datado de 1820 do Atlas Historique e publicado em 1825.
nece aberto, sendo um dos mais frequentados da cidade; Fonte: http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html

1888 - alterações internas são feitas com intuito de modernizar


as instalações prediais ultrapassadas; Referências Bibliográficas
1923 - o Teatro passa a ser chamado de João Caetano; 1 - AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Pequeno Panorama
ou descrição dos principais edifícios do Rio de Janeiro. Rio de
1929 - é demolido com base nas propostas de Agache para Janeiro: Tipografia Paula Brito: 1862.
alargar a rua Luiz de Camões e a Av. Passos.
2 - LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do Espetáculo:
Teatros e cinemas na formação da Praça Tiradentes e Cine-
lândia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. 0 1 5

3 - Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro - AGCRJ.


LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

3.1.1 SUAS INFLUÊNCIAS

O projeto do teatro ficou a cargo do Marechal de Campo João Manoel da Silva, primeiro
comandante do Real Corpo de Engenheiros do Brasil, posto que ocupou entre 1809 e 1821, e um
dos fundadores da Academia Real Militar (1810), dirigindo a mesma instituição em dois momentos
distintos, de 1814 a 1815 e de 1820 a 1821 (Sousa, 38-39). Sobre sua biografia e suas ações
projetuais nas obras públicas da Corte, encontra-se pouca literatura.

Vale salientar que essa nova linguagem arquitetônica, trazida pelo engenheiro, já vinha sendo
Figura 42 – Teatro São João - RJ utilizada em Portugal, de acordo com os parâmetros dos teatros mais modernos da Europa, como o
Scala e o Nápoles na Itália. Um dos grandes teatros neoclássicos de Portugal, o São Carlos de
Lisboa, tinha sido edificado em 1793, nos moldes dos principais teatros italianos, pelo engenheiro
português José da Costa e Silva5, que veio para o Brasil à época da construção do teatro carioca,
em 1811, e se tornou, durante esse período, Arquiteto Geral de Todas as Obras Reais no Brasil.

Segundo Smith (1969, p. 123-124) o edifício seria partidário do:

Estilo clássico propriamente português, de fins do século XVIII e começo


do aparentada á do São Carlos de Lisboa, edificado em 1792 pelo

Figura 43 – Teatro São Carlos – Lisboa - Fonte: Lima, 2000, p. 49


arquiteto real José da Costa e Silva, também vindo ao Brasil, que uma
bem pode ter sido feita como réplica da outra. Ambos os edifícios
acentuam a severidade e a singeleza, não por meio dos motivos
arqueológicos (...), mas sim por de novo adotarem velhos traços da
arquitetura portuguesa do passado, como pilastras dóricas, frontões

5
O arquiteto-engenheiro (1747-1819) foi autor do Palácio da Ajuda e do Teatro São Carlos, duas das construções mais
importantes de Portugal, formou-se pela Academia Clementina de Bologna e foi professor da Universidade de Lisboa. N.daA.

125
Figura 44 – Teatro de la Scalla – Milão - Fonte: Toman, 2006, p. 106
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

lisos, os coruchéus e as vergas retas com cimalha. Não se trata aqui,


pois, de um estilo neo-clássico baseado na imitação da antiguidade grega
ou romana, como a maneira que Grandjean e seus companheiros
trouxeram de Paris, mas antes de um estilo, que, neo-renascentista do
fins do século XVI, época em que as diversas correntes do renascimento
português se cristalizavam num ambiente de italianismo nacionalizado.

Smith (1969), Azevedo (1969), Lima (2000) e Cavalcanti (2004) apontam que o engenheiro
português José da Costa e Silva participou da construção do teatro, pelas semelhanças formais que
apresenta em relação ao Teatro São Carlos. Nesse sentido, Lima (2000, p. 50) acrescenta que:

Pelas características arquiteturais dos dois teatros, sendo a sociedade


Figura 45 – Planta do Nível dos Camarotes
fluminense da época bastante coesa em sua convivência, e tendo o
Teatro São João – RJ.
Fonte : Lima, 2000, p.51.
arquiteto português chegado ao Brasil um ano antes do término das
obras do Real Teatro São João, percebem-se indícios de colaboração
entre os dois mentores do belo exemplar neoclássico, que por longo
tempo seria um marco na paisagem urbana.

O importante no contexto da sua projetação é que ambos os engenheiros, João Manuel da Silva e
José da Costa e Silva, assumiram posturas frente às obras públicas do estado e salientaram o
importante papel dos engenheiros militares que, durante o longo período colonial e o inicio do
Império, buscaram associar seu conhecimento técnico, a fim de capacitar as cidades para uma
nova urbanidade.

A tradição lusitana de ensino militar buscou, desde sua origem, optar pela formação interdisciplinar
dos engenheiros, o que fez com que as obras refletissem interpretações particularizadas do
Renascimento, resultando na hibridez da arquitetura portuguesa. Eles eram capacitados a
Figura 46 – Planta do Nível da Platéia
desenvolver qualquer tarefa requerida pela administração pública, como: orçamentos, vistorias,
Teatro São Carlos – Lisboa.
Fonte : Lima, 2000, p.51.

126
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

saneamento, arruamento, levantamentos, mapas cartográficos, construção de edifícios públicos e


de caráter privado, dentre outras.

Vale salientar que o ensino da Academia Militar Portuguesa foi transplantado para o Brasil à época
da inauguração da Real Academia Militar em 1811, priorizando-se, consequentemente, a
racionalidade técnica, e se fazendo uso dos recursos da aritmética e da geometria. A Academia
“abrangia, em sentido lato, o ensino de matemática e ciências, não só útil às aplicações militares no sentido
atual dessa expressão, mas também destinado a profissionais de atividade de engenharia tipicamente civil, de
serviço público”. (BARATA, 1973, p. 46)

Dangelo (2006, p.270) coloca algumas características na mudança da formação dos engenheiros
militares no século XVIII, época em que eles estavam “vinculados, de maneira geral, a uma formação
pragmática, rigorosa, eficiente, baseada na Matemática, na Geometria, e na tratadística clássica mais
conservadora como ponto teórico fundamental, foi difícil para eles se desvencilharem dessa tradição de origem
militarista, ligada à urgência prática”.

O fato do engenheiro José Manoel da Silva ser um dos fundadores da Real Academia Militar nos
força a crer nas suas influências quanto ao partido do teatro, tendo em vista o apuro que esse
demonstra em termos formais6, o que pode ser observado pelas aquarelas de Ender e Debret, além
da historiografia apontar as semelhanças do São João com o lisboeta São Carlos.

A erudição construtiva do teatro, junto com sua tipologia referente aos mais modernos da Europa,
demonstra que seu projetista e idealizador estava bem informado das principais tendências, ao

6
Segundo Nireu Cavalcanti (2004, p. 285) no Rio de Janeiro setentista “os profissionais – projetistas, artistas, artesões etc –
ligados à arquitetura liam, em geral, obras de Vignola, Manoel de Azevedo Fortes, Luiz Serrão Pimentel e José Fernandes
Pinto Alpoim, cujos livros, em língua portuguesa, eram oferecidos pelos diversos livreiros do Rio de Janeiro, de Lisboa e do
Porto”.

127
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

mesmo tempo em que suas referências internacionais simbolizavam o auge desse programa, com
bastante sucesso e prestígio social e político.

No século XVII, na Itália, surgiram significativas mudanças nos partidos e no programa do teatro,
que perduraram e influenciaram várias construções até o final do século XVIII, com a introdução
dos bastidores e a substituição das galerias pelos camarotes, alterações na caixa cênica,
maquinaria, a introdução da galilé.

Para o auditório, foram introduzidas formas seguindo novos estudos para melhor visibilidade, como
o uso de semicircunferência e reta ou “U” alongado, formas sinuosas com concordâncias simétricas
aparentando uma ferradura, sino ou lira, e a geometria da oval ou elíptico truncado, apropriado do
estudo mais aprofundado das curvas cônicas, ou mesmo poligonais regulares. Tais alterações,
Figura 47 – Teatro Tor di Figura 48 – Teatro Argentina
Nona – Itália, 1666. Carlo – Itália, 1732. Marchese diferenciadas da circular dos modelos gregos e romanos, viriam a ser uma das novas marcas da
Fontana Teodoli
modernidade construtiva para esse tipo de programa.

A alteração do auditório resultou também na alteração da estrutura de elevação, com a separação


em blocos construtivos, e no movimento interno dos acessos, feito por meio de um eixo principal
que divide os espaços simétricos.

Dentre os modelos italianos mais difundidos, que traziam em seu repertório formal tais
modificações, podem se destacar o Tor di Nona Teatro em Roma, projetado por Carlo Fontana, em
1666; Teatro Argentina, em Roma, projetado por Marchese Teodoli, em 1732; o Teatro San Carlo
em Nápoles, de Medrano e Caresale, de 1737; o Teatro Scala em Milão, de Giuseppe Piermarini,
de 1776. (Pevsner, 1976, p. 72-73)

Figura 49 – Teatro S. Carlo


– Itália, 1737. G.A. Medrano

Figura 50 – Teatro Scalla – Itália, 1776, Giuseppe


Piermarini - Fonte : Pevsner, 1976, p.73-75.
128
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

1 - Teatro Régio - italia


2 - Teatro Italiano - não identificado
3 - Théàtre Bordeaux - França
4 - Teatro de Londres - Inglaterra
5 - Ópera Versailles - França
6 - Théàtre Lyon - França
7 - Teatro Argentina - Itália
8 - Teatro de Parma - Itália
9 - Comedie Française - França
10 - Opera Palais Royal - França
11 - Teatro de Metz - França
12 - Teatro de Bayonne - França
13 - Teatro San Carlos - Itália
14 - Théàtre de la repúblique - França
15 - Teatro Italiano - não identificado

Figura 51 – Principais Teatros Europeus – Recueil, J.N.L. Durand, 1799, Pranchas.


Fonte: Pevsner, 1976, p.63

129
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No final do século XVIII, J.N.L. Durand7 apresenta, no seu "Receuil et parallele des édifices en tout
genre, anciens et modernes" (1799-1801), modelos de tipos arquitetônicos antigos e modernos que
serviriam de referência aos projetistas; e, em 1802-1805, no "Precis des lecons d'architecture
données à l'ecole polythechnique" expõe um método completo de análise e composição construtiva,
onde são expostos os teatros europeus, entre eles, italianos e franceses, como os principais
modelos a serem seguidos pelos formados na École Polytechnique de Paris, cujo regulamento foi
empregado na Real Academia Militar.

Vale salientar, também, que os teatros construídos em Lisboa antes da inauguração do São Carlos,
em 1792, seguiam os modelos compositivos da cena italiana, como o Real Teatro da Ópera do
Tejo, projetado pelo arquiteto e cenógrafo italiano Giovanni Carlo Bibiena, inaugurado em 1755 e já
demolido.

O projeto do Teatro Real São João, já apresentava as modificações ocorridas no programa, sendo
sua planta embasada nos modelos italianos, assim como no teatro de Portugal, com definição

7
Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834) “foi aluno de Boullée e um herdeiro dos ideais da arquitetura do Iluminismo que o
havia precedido. Professor de composição da Ecole Royale Polythecnique de 1795 a 1830, opunha-se radicalmente à
maneira da Académie de estudar a arquitetura pela cópia e analise de edifícios, bem como a divisão de seus cursos em
partes distintas: decoração, distribuição e construção. Alegava que por serem os edifícios diferentes, era improdutivo e
inoperante trabalhar sem uma noção clara dos princípios gerais da arquitetura. Essa divisão, longe de informar o aluno,
conferia-lhe uma visão segmentada da arquitetura tornando-o incapaz da compreensão total desta arte”. OLIVEIRA, Beatriz
Santos de. “A construção de um método para a arquitetura – procedimentos e princípios em Vitruvio, Alberti e Durand”. São
Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, 2002.

130
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

hierarquizada dos espaços internos, na distribuição do público por meio de diversos acessos e,
ainda, limites bem demarcados entre palco e platéia, separados pela orquestra

Figura 53 – Esquema Funcional


Teatro São Carlos – Lisboa
Figura 52 – Esquema Baseado na planta apresentada
Funcional Teatro Scalla – por Lima, 2000, p.51
Milão, baseado na planta
apresentada por Pevsner,
1976, p. 75.

Figura 54 – Esquema Funcional Teatro São João – RJ.


Baseado na Planta do Arquivo Público da Cidade do Rio de
Janeiro de 1908, citada em Lima, 2000, p.51.

ESQUEMA DO PROGRAMA FUNCIONAL – TEATRO REAL SÃO JOÃO

131
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

3.1.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO

A semelhança do programa funcional do Real Teatro São João com o Teatro Scala, em Milão, e
com o São Carlos, em Lisboa, demonstra a erudição e apuro técnico do autor do projeto, cujo
empreendimento notabilizou-se pelas características formais adotadas, sendo que poucas
construções civis daquela época ostentavam essa magnitude, o que facilitou o desenvolvimento das
questões referentes ao partido adotado.

Não há registro das plantas originais do Teatro São João; os registros pesquisados foram de fontes
textuais e mapas da época. A planta apresentada está na configuração do nível dos camarotes,
datada de 1908 e, segundo Lima (2000, p. 50), “obedece à mesma projeção da planta original, como foi
possível observar através das análises iconográficas e das descrições de época”. Entretanto, vale salientar
que em alguns mapas anteriores ao primeiro incêndio o prédio não apresentava os dois volumes
laterais dos camarotes; desse modo, diante da hipótese desses volumes, pela falta de iconografia
com que se descreve a aparência exterior e, ainda, por aparentar ser um corpo estranho à
composição como um todo, preferimos não colocá-la nas análises do edifício.

O modelo da fachada principal apresentado foi desenvolvido por meio da aquarela de Thomas
Ender, datada de 1817; segundo nos informa o historiador Moreira de Azevedo (1969), que
descreve externamente a edificação, suas medidas são 300 palmos de comprimento (66m), 130
palmos de largura (28,60m) e 99,5 palmos de altura (21,89m). Por meio dessas informações
secundárias, chegamos a um possível esquema gráfico de como seria sua frontaria, sem nos
aprofundarmos nas outras, pois as imagens e descrições encontradas apresentaram-se vagas
demais para possíveis esquemas.

Figura 55 – Mapa de ocupação da cidade do Rio de Janeiro, 1817. O Teatro São João era dotado de quatro níveis de camarotes, comportava 1.200 pessoas, seguindo
localização do Teatro no Largo do Rocio em sua possível
configuração original, sem os dois volumes dos camarins. a forma elíptica conformando um “U” alongado nos balcões e com seu interior luxuosamente
Fonte: <http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html> acessado em
05/01/2009.

132
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adornado, como descreve Lima (2000, p. 52): “o novo teatro da Corte tinha o pano de boca pintado por
Jose Leandro da Costa, representando a esquadra da Família Real entrando na Baia da Guanabara. As
pinturas de teto eram de Francisco Muzzi, Manuel da Costa, Jose Leandro e Francisco Pedro do Amaral”.

O partido adotado pelo teatro articulava-se em três corpos: a galilé, com pórticos formados por
arcos plenos em cantaria rustificada, servindo de anteparo às carruagens e que dava acesso direto
ao vestíbulo. O segundo corpo, com dois pavimentos, comportava, no primeiro, o vestíbulo com
ante-salas e escada lateral dando acesso direto ao segundo pavimento, ao salão nobre e ao terraço
sobre a galilé. A caixa de cena elevava-se, formando o terceiro corpo, contendo os acessos aos
quatro lances de camarotes, que apresentavam a forma de “U” alongado – ou fazendo referência à
forma em ferradura ou lira –, galerias de circulação, a platéia, a orquestra, o palco e o apoio e
serviços.

Na fachada principal sobre a galilé articulavam-se as aberturas ao terraço e, acima, três janelas
emolduradas com sobrevergas retangulares, seguidas de um frontão triangular, encimado por
estátuas. Os planos laterais apresentavam duas janelas nos dois pavimentos, encimados por um
telhado em rincão, de uso comum na arquitetura do período colonial. As divisões horizontais das
cimalhas, separando os pavimentos, marcam os planos das fachadas.

As fachadas laterais tinham aberturas, seguindo a disposição em altura das aberturas do corpo
central e, no pavimento de maior altura, havia óculos que permitiam a ventilação dos camarotes
superiores. Outro elemento fortemente empregado na fachada foram os cunhais rustificados em
cantaria, separando em três planos a fachada principal e, separando as aberturas do corpo central,
quatro colunas toscanas apoiavam o frontão triangular sem entablamento e encimado por acrotérios
nas extremidades e ao centro. Pela aquarela de Thomas Ender, pode-se ainda perceber elementos

Figura 56 – Esquema do detalhe do lanternim e dos óculos ou insígnias no frontão triangular e telhas canais na cobertura do teatro.
para adaptação à ventilação e iluminação, detalhe tirado da
aquarela de Tomas Ender.

133
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Ventilações zenitais, ou lanternins, também aparecem nas referências iconográficas, como forma
de ventilação, solucionando o problema da fumaça dos candeeiros que serviam de iluminação, ou
para adaptação aos trópicos, pois esses tipos de programa que se fecham internamente para
apresentações tendem a manter outro micro-clima nos ambientes internos.

Confrontando as volumetrias dos teatros São João, São Carlos e Scala, podemos perceber várias
semelhanças que apontam o tipo do partido adotado, confirmando a importância da localização
hierarquizada, em relação ao espaço circundante com a fachada principal voltada para o Largo do
Rocio, no carioca, para o Largo de São Carlos, no português, e para a Praça de Scala, em Milão.

O corpo central, com galilé e três arcos apontando o acesso e o pavimento térreo rustificado,
encimados com balaustres de pedra no corrimão do terraço panorâmico, é presente nos três
teatros. Ainda no corpo central, fazendo alusão às ordens clássicas, quatro pilares adossadas de
capitel toscano dão ritmo e separam as aberturas na fachada do Teatro São João, iguais ao do
Teatro São Carlos, sendo que, nesse último, no lugar dos pilares, optou-se por colunas. O Scala
apresenta-se com colunas duplas coríntias na parte superior, pilares da ordem toscana. A
rusticidade foi aplicada no teatro carioca apenas no bloco da galilé e nos cunhais, demarcando
estruturalmente a composição diferente dos outros, que seguiram todo pano térreo da fachada
principal.

Para as aberturas, no carioca e no lisboeta, optou-se por trabalhar um número maior de janelas no
segundo pavimento do bloco principal, possivelmente pelas questões climáticas, para melhor
comodidade. Ainda podemos apontar como semelhança entre esses dois teatros o prolongamento
vertical do corpo central diferenciado apenas pelo frontão triangular do Teatro São João e pelo
coroado no São Carlos.

Figura 57 (topo)– Teatro Scalla em meados do século XIX


Fonte: <http://www.freemasons-freemasonry.com>
Figura 58 (meio) – Teatro São Carlos meados do século XIX
Fonte: <http://purl.pt/1064/1/e-3413-p_JPG/e-3413-
p_JPG_24-C-R0075/e-3413-p_0001_t24-C-R0075.jpg>
Figura 59 (inferior) – Teatro São João ao fundo em 1825 134
Fonte: Lima, 2000, p. 40.
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Já no Scala, os três lances de janelas são separadas pelo entablamento, seguindo os preceitos
clássicos, seguido de um frontal triangular e uma platibanda de balaustradas, identificando a
construção com o tipo palaciano neoclássico. Tanto no teatro do Rio de Janeiro quanto no de
Lisboa, não foi adotado o uso de platibanda, elemento em voga nos edificios neoclássicos da
Europa, o que denota uma arquitetura ainda ligada à simplicidade da tradição construtiva
portuguesa.

Segundo Smith (1969, p.123) ambos os edificios acentuam a severidade e a singeleza, não por
motivos arqueológicos utilizados em construções desse tipo para a época, mas sim por adotarem
velhos traços da arquitetura portuguesa, como pilatras dóricas, frontõs lisos, os coruchéus e as
vergas retas com cimalha.

No que concerne aos materiais empregados, sabe-se que Fernando Manuel de Almeida, dono do
teatro, tinha boas relações com as elites no Império e “o construiu com a ajuda de incentivos fiscais,
doações de material de obra – inclusive de pedras das ruínas da Sé Catedral - e de contribuições
da Corte” (CAVALCANTI, 2004, p. 178).

Entretanto, vale salientar que, no inicio dos oitocentos, no Rio de Janeiro, a mão de obra
especializada vinha diretamente de Portugal e passava pelos ensinamentos e práticas de campo.
Além disso, os materiais empregados na decoração interna para esse tipo de construção
possivelmente seriam importados, tendo em vista os poucos recursos materiais das províncias.

135
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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3.1.3 MORFOLOGIA DO TEATRO

O Teatro Real São João demonstrou ser, na época, um dos grandes monumentos da cidade do Rio
de Janeiro, alterando a paisagem e as ambiências do Largo do Rocio. Sua localização estava
próxima a várias outras edificações que, no decorrer do século XIX, iriam suplantar as atividades
importantes da província, como o quartel militar, a Academia Militar, o Paço Imperial e a Igreja,
dentre outras importantes construções. Logo sua imponente composição viria refletir uma nova
organização no espaço urbano, quando vários outros teatros começavam a ser instalados nas suas
proximidades.

A planta de base retangular surge de volumes separados que se articulam em cinco, cujas funções
englobam e definem o programa (figura 61). Essa articulação dava à fachada principal uma
movimentação cuja topologia evidenciava a finalidade da construção. Separados em blocos
retangulares, distribuíam-se no térreo, respectivamente, com a galilé, foyer, bilheterias, sala de
espera e a nave principal, que comportava a platéia o palco e os bastidores. Outra característica
era o fator dinâmico gerado pelos acessos largos aos ambientes, feitos por meio das escadas
distribuídas internamente.

A forma elementar que predomina no projeto, a retangular, apresenta agrupamentos de volumes


Figura 60 – Croqui dos arruamentos destacando a área individualizados de uma composição aditiva (figura 64). O partido decomposto mostra-nos uma
do Largo do Rocio onde surgiram os teatros, tavernas e necessidade de adaptar o programa aos limites de área, ou mesmo manifestar os diversos
cafés. Fonte: Lima, 2000, p. 72
componentes do programa de forma hierárquica, o que o mantém numa escala de
monumentalidade que o destaca e valoriza o espaço aberto da sua implantação. Tal fato irá
apontar ao meio circundante uma nova estética construtiva e arrojada, segundo um ideário de
modernidade almejado pela Corte e pela elite.

136
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Traduzindo suas influências italianas, podemos observar que o teatro apresenta um padrão
morfológico, segundo a circulação interna do público, muito próximo ao do Teatro de Veneza e o
Teatro Scalla, fato que demonstra uma integração projetual aos cânones, associando os elementos
mais modernos, sem que se perca a autenticidade criativa do seu projetista.

Figura 61 – Volumetria do São João articulada em cinco


Blocos, galilé, foyer, esperas, platéia e palco.

Figura 62 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos teatros que se
encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Real Teatro São João - RJ

137
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

A articulação interna dos volumes contingentes também é reforçada pela individualidade de cada
espaço cumprindo papeis distintos, segundo as exigências funcionais e simbólicas, onde cada
ambiente atua dentro desse simbolismo de forma homogênea.

Figura 63 – Esquema dos elementos básicos


funcionais da Elevação Frontal definidores dos
ambientes internos e hierarquias espaciais.
Figura 64 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção
horizontal definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização por adjacência.

Apesar da configuração linear, tendo em vista o fluxo interno, observamos que a forma elíptica, ou o
quadrado que a circunscreve, representa elemento central, do qual sobressai a maneira da
disposição dos camarotes e da platéia, para defender a melhor visibilidade e acústica. No São
João, não faltou esse cuidado onde optou-se por um desenho mais simples; sua forma elíptica foi
suavizada e alongada, apresentando um “U” levemente curvado nas pontas. (figura 66)

138
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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A demarcação da estrutura mantém-se em equilíbrio, por meio da disposição simétrica e regular em


relação ao eixo longitudinal e gerando um sistema organizado, cujos cruzamentos das
extremidades constituem-se pontos de força e suporte, assim como também na elevação frontal.

Figura 65 – Relação planta-elevação das dos


eixos estruturais. Organização linear, possível
distribuição de eixos configurando uma malha. Figura 66 – Traçado de eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e
indicações dos acessos. Observação da linearidade na organização do Teatro.

Na busca da unidade das partes com o todo, observamos, pela análise, indícios que nos levam a
crer no uso de retângulos áureos simétricos, fazendo centralidade com quadrado gerador
circunscrito à elipse e agregando os demais ambientes. O mesmo indício é evidenciado na
fachada, conseguindo manter planta e elevação na mesma lógica construtiva.

139
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Outro ponto a destacar na composição é o uso da configuração eliptica, determinada na seção


horizontal, encaixada na mesma escala de proporção ao todo da fachada, possibilitando mais uma
associação de unidade entre as partes e o todo construído.

Figura 67 – Traçado regulador da fachada em


analogia com a planta baixa do Teatro, Figura 68 – Análise do possível traçado regulador do Teatro, evidenciando o uso do retângulo
denotando total integração entre planta e áureo como forma de garantir a harmonia e a proporcionalidade das partes com o todo.
elevação.

Ao percebemos um pouco do que conferia ao universo projetivo do autor do projeto, observamos


nitidamente uma configuração geométrica e racional, com o uso de formas rígidas como conteúdo
da tradição arquitetônica portuguesa, além de uma disposição volumétrica que evidencia a
simplicidade das formas e a associação entre elas.

140
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

3.2 O TEATRO SANTA ISABEL

O fenômeno dos monumentos públicos representativos da autonomia de governo teve impulso em


Pernambuco, a partir de 1840, especialmente com a construção do Teatro Santa Isabel, inaugurado
em 1850, idealizado no período do governo de Francisco do Rego Barros (1837-1844).

“É evidente, a partir do pronunciamento do presidente da Província, na


Assembléia Legislativa, em março de 1839, quando anuncia a intenção de
construir um teatro público para a cidade, a relação entre a sua
construção e a formação de valores morais importantes para a edificação
de uma ordem social fundada nos valores do Progresso e Civilização do
século XIX”. (ARRAIS, 2000, p. 11)
Figura 69 – Primeiro projeto para o Teatro de Pernambuco
feito pelo engenheiro francês J. Boyer.
Fonte: Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
A administração do Governador acarretou grandes modificações que afetaram a estrutura urbana
da cidade, alterada com o intuito de livrá-la da sua condição colonial e modernizá-la como
metrópole progressista. A proposta tinha como principal objetivo à transformação da paisagem
urbana e da realidade material da província, sendo que, para isso, o setor de obras públicas teve
total atenção, firmando idéias de mobilidade e salubridade.

No inicio, foi contratado um engenheiro alemão, João Bloem, para coordenar os serviços de obras
públicas; logo depois, em 1840, o francês Louis Léger Vauthier e mais uma equipe de engenheiros
franceses chegam à cidade, bem como, vinda de Hamburgo, uma companhia de 105 artistas
mecânicos e operários, dirigidos pelo engenheiro alemão Augusto Koersting. Com a vinda desses
profissionais especializados, novas técnicas administrativas, construtivas e compositivas são
introduzidas, o que veio contribuir para o aprimoramento da mão de obra local e para a melhor
qualidade e refinamento das construções.

Figura 70 – Reprodução do projeto do Teatro Santa Isabel –


Recife
Fonte: Arquivo Público do Estado de Pernambuco.

141
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O teatro Santa Isabel, concebido pelo engenheiro Louis Léger Vauthier, diretor-geral de obras
públicas, representou a obra de maior vulto dentro do projeto de modernização idealizado pelo
governador; foi, também, síntese de polêmicas e expectativas da sociedade8.

Marcando a paisagem do Campo do Erário, atual Praça da República, local do antigo Parque de
Friburgo, construído por Maurício de Nassau, foram implantados o Teatro de Pernambuco – como
era chamado antes de sua inauguração – e o Palácio do Governo, construção que participava da
monumentalidade proposta para época, projetado pelo engenheiro Firmino de Morais Ancora9, em
cima das ruínas do Palácio das Torres. A estratégica localização dessas construções, local
bastante privilegiado pelo mar e pontes, ostentou uma nova forma de monumentalidade em
Figura 71 – Praça da Republica – Teatro Santa Isabel e
construções e ordenações espaciais na cidade.
ao Lado o Palácio dos Governadores.
Fonte: Acervo do Instituto Arqueológico de Pernambuco Assim descrevia Pereira da Costa à época (1966, p. 177),

O belo edifício, que recebeu a denominação de Teatro de Santa Isabel,


em homenagem à princesa imperial D. Isabel, herdeira presuntiva da
coroa, e com a qual foi já inaugurado, fica situado no lado oeste da
Praça da República, à margem direita do rio Capibaribe, tendo a sua
fachada principal olhando para o ocidente.

8
“Quando se encontrava ainda nos alicerces, criticas já eram feitas às técnicas e materiais utilizados por Vauthier. Essas
críticas eram feitas, muitas vezes, através da imprensa e, geralmente, traziam os ressentimentos dos profissionais da
Província em relação à contratação dos engenheiros europeus”. Arrais, Isabel Concessa. Teatro Santa Isabel. Recife,
Prefeitura do Recife, 2000.
9
Esse engenheiro, formado pela Academia Militar, era Coronel do Imperial Corpo de Engenheiros e, na época, Inspetor de
Obras Públicas da Província da Pernambuco. Após a chegada do engenheiro Vauthier, o Presidente Rego Barros reformou
a Repartição de Obras públicas e lhe deu novo regimento. Em virtude dessa reforma, o Coronel Moraes Ancora foi afastado
da chefia daquela repartição. (Freire, 1940, p.31, em nota)

142
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Inaugurado em 1850, após nove anos de trabalho, o teatro significou o mais importante espaço de
divertimento e de contato social. Surgia, assim, uma nova era de esplendor, que muito devia às
disposições e beleza plástica do edifício e às excelentes companhias teatrais que por ali passaram,
como a do tão esperado carioca João Caetano, recebido com clima de festa, em 1857. Em 1859, o
teatro recebeu o Imperador D. Pedro II, em visita às províncias do Norte, numa noite de gala
ostentada pela sociedade pernambucana. Segundo Arrais (2000, p.35),

Um dos momentos, porém, mais expressivos da história do Teatro de


Santa Isabel foi a fase marcada pela presença de Castro Alves e Tobias
Barreto. Essas duas figuras simbolizaram uma época no Recife. Naquele
tempo, a cidade recebia rapazes de várias províncias do Norte, atraídos
Figura 72 – Teatro Santa Isabel 1895-1905, já com a pelas possibilidades que a aquisição de um diploma de bacharel em
reforma e ampliação após o incêndio de 1869. Direito lhes abria, sobretudo na carreira política.
Fonte: Acervo Fundaj In. Arrais, 2000, p.45.
Em 1869, o teatro foi quase completamente destruído por um incêndio, restando de pé apenas as
paredes laterais, o alpendre e o pórtico. Mal o assunto tomou conta da província, já se
providenciara sua reconstrução. A empreitada ficou a cargo do então diretor-geral de obras
públicas, engenheiro José Tibúrcio de Magalhães10, que foi pessoalmente a Paris para firmar uma
parceria com o autor do primeiro traçado, Vauthier, encarregando-o da revisão dos planos
elaborados pelo engenheiro pernambucano. O projeto de reconstrução estava pronto em 1871,
com algumas alterações significativas, permanecendo, a partir daí, inalterado até os dias atuais.

10
Engenheiro formado, em 1855, pela Academia Militar do Rio de Janeiro, serviu como 2º tenente do corpo imperial de
engenheiros e trabalhou no Recife, ocupando o cargo de adjunto de Engenheiro-chefe da Repartição de Obras Públicas de
Pernambuco. Projetou, em 1868, o Teatro da Paz, em Belém do Pará, ganhando status e notoriedade como projetista de
várias obras importantes na província.

143
Iconografia Elevação
Teatro Santa Isabel
Dados do Imóvel

Projeto Louis Léger Vauthier

Pedra fundamental - 1841


Datas Inauguração - 1850
Inicial - Teatro
Usos Atual - Teatro

Local Praça da República, Centro, Recife


Processo nº 401-T/49. Livro Histórico, Teatro Santa Isabel. Litogravura de F.H. Carls. 0 1 5
Tombamento Fonte: Fundaj.
v. 1 , nº 260, em 31-10-1949

Cronologia Histórica Situação Plano Geral

1839 - autorizada a construção do Teatro pelo governador


Francisco do Rego Barros;

1840 - sua construção inicia;

1841 - criticas sobre obra são publicadas pelo Gamboa no Diário


de Pernambuco;

1846 - Vauthier sai da Repartição de Obras Públicas e volta à


França;

1848 - tem início a Rebelião Praieira e as obras do Teatro segue


em ritmo lento;

1850 - o Teatro é inaugurado;

1857 - o público recifense recebe em clima de festa a presença do


ator carioca João Caetano;

1859 - D. Pedro I em visita à província, comemora em festa de


gala o aniversário no Santa Isabel ;

1869 - um grande incêndio o consome, restando-lhe apenas as


paredes laterais, o alpendre e o pórtico ;

1871 - tem início as obras de reconstrução, com algumas mudan-


ças substanciais de projeto, inclusive sua estrutura passa 250

a ser de ferro; 0 500

1880 - grande parte das conferências abolicionistas, proferidas Trecho recortado da «Planta da Cidade do Recife e de seus Arrabaldes»,
por Joaquim Nabuco, são feitas no Teatro; 1878. Lithographia a Vapor de F. H. Carls.
Fonte: Museu da Cidade do Recife
1916 - uma grande intervenção é feita para dotar o teatro de
melhor infraestrutura e para reparos gerais;
Referências Bibliográficas
1936 - outras intervenções são feitas dando andamento ao pro- 1 - COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos - 1834 -1850.
jeto de reformas gerais da capital; Vol. X. Recife, Arquivo Público Estadual, 1966.
0 1 5
1949 - o teatro é Tombado pelo Sphan; 2 - FREYRE, Gilberto. Um Engenheiro Francês no Brasil. Rio de
Janeiro, Ed. José Olimpio, 1940.
1950 - comemoração do centenário do Santa Isabel;
3 - ARRAIS, Isabel Concessa. Teatro de Santa Isabel. Recife,
1970-77 e 1983-85 - obras de restauração são feitas; Fundação da Cultura da Cidade do Recife, 2000.

2000 - foi iniciada uma outra reforma que exigiu intervenções 4 - Arquivo Público Estadual de Pernambuco.
para assegurar a preservação do prédio e retomar
algumas feições originais.
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

3.2.1 SUAS INFLUÊNCIAS

Louis Léger Vauthier (1815-1877) chega ao Recife em setembro de 1840, com 26 anos de idade,
convidado pelo governador da Província para o cargo de engenheiro de Obras Públicas, ocupado
até então por outro engenheiro francês, J. Boyer11. Logo recebe a tarefa de projetar o Teatro
Pernambucano, a construção que evidenciaria a postura modernista da atual administração.

A 15 de dezembro de 1841, Vauthier envia ao Barão da Boa Vista,


presidente da Província, longo relatório. Recorda que fora de inicio
encarregado pelo governo: 1.° de dirigir as obras do Teatro Nacional;
2.° de levantar a planta da cidade do Recife e de apresentar “hum
projecto completo de novos alinhamentos”; 3.° de dirigir a execução da
ponte de Santo Amaro; 4.° de continuar as obras de estabelecimento, no
Convento do Carmo, do Lyceu Nacional da Província; 5.° de estudar o
projeto da estrada de Apipucos desde os subúrbios do Recife até o “rio
da Prata”; 6.° de estudar planos de consertos da ponte do Recife, do”
caes do Collegio” e da “estrada dita de Luiz do Rego nas vizinhanças da
sobredita parte de S.° Amaro. (FREIRE, 1940, p.116)

Formou-se entre os primeiros colocados na École Polytechnique de Paris, em 1834, e especializou-


se na École des Ponts et Chaussées – escola encarregada de formar profissionais para atuarem na
administração pública –, integrando-se ao corpo de engenheiros dessa instituição. Antes de vir
para o Brasil, trabalhava no Departamento de Morbihan, como oficial. Muitos dos dados
encontrados sobre sua vida e obra devem-se aos escritos do seu diário intimo, existente até os dias
atuais e fonte de pesquisas para diversas áreas, pois contém informações preciosas, não apenas

11
Boyer foi o autor do primeiro projeto para o Teatro de Pernambuco, sendo recusado pelo governo, em 1840

145
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

da arquitetura pernambucana ou nordestina, mas, também, sobre os modos e costumes da


época.12

Segundo Lucio (2000, p. 20), seu contrato inicial com o governo da Província de Pernambuco era
de três anos, de 1840 a 1843, renovado, em seguida, por mais três, até 1846. Terminado o
compromisso, retornou à França, de onde, à distância, acompanhou o andamento das obras por ele
encaminhadas para o plano de melhoramentos da cidade, como a reconstrução do teatro e a
construção do Mercado de São José, todo projetado em ferro pelo engenheiro J. Louis Lieuthier, em
1871.
Figura 73 – Théàtre Odeon – París
Segundo Freire (1940, p. 127), para o projeto do teatro, o engenheiro tomou como modelo
Fonte: Sousa, 2000, p. 54
modernos teatros franceses, adaptando-o às condições climáticas da região. Na França, os
modelos seguiam o estilo neoclássico; construídos no século XVIII, já traziam as mudanças dos
principais teatros italianos e mantinham suas especificidades, ostentando a monumentalidade
plástica dos templos greco-romanos nas fachadas e decorações internas. Dentre os mais famosos
e influentes destacam-se o Lyons Théàtre, de J.-G. Soufflot (1754), o Grand Théàtre de Bordeaux,
de Victor Louis (1777-1780) e a Théàtre de l’Odeon, de Marie-Joseph Peyre e Charles De Wailly
(1779-1782), dos quais o engenheiro Louis Léger teria conhecimento.

É importante frisar que tanto as construções francesas quanto as italianas estariam presentes no
repertório do livro de J.N.L. Durand, “Récueil et parallèle des édifices de tout genre, anciens et

Figura 74 – Grand Théàtre Bordeaux – França


Fonte: Sousa, 2000, p. 54 12
Vauthier escreveu um diário que foi publicado com o título Diário íntimo do engenheiro Vauthier, 1840-1844, publicado pelo
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e reproduzido também na revista Contraponto, Recife, ano 5, n.12,
edição comemorativa ao centenário do Teatro de Santa Isabel. Gilberto Freyre escreveu um livro sobre ele intitulado “Um
engenheiro francês no Brasil”, publicado, no Rio de Janeiro, pela editora José Olympio, em 1940, que pode ser consultado
na Biblioteca Central Blanche Knopf, da Fundação Joaquim Nabuco.

146
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

modernes, remarquables par leur grandeur ou par leur singularité, et dessinés sur une même
échelle”, publicado em Paris, em 1799-1801, tendo sido tal livro bastante difundido nas Academias
durante o século XIX e adotado na École Polytechnique. (Ver figura 51)

Em seus escritos, Vauthier também cita dois importantes teatros europeus, o Teatro de la Scala de
Milão e o Teatro português São Carlos (Sousa, 2000, p.53), apontando possíveis influências para a
adoção do partido arquitetônico, que externamente pouco aparentava com os principais exemplares
franceses.

Segundo Sousa (2000, p.53), o engenheiro francês tinha conhecimento dos três teatros importantes
que já haviam sido construídos no país, no Rio de Janeiro, em Salvador e em São Luís13, e que lhe
serviram de inspiração na adoção do seu partido, “mas ele estava ciente dos condicionantes ponderáveis
impostos pelo meio recifense, entre os quais se destacavam a tradição das práticas construtivas e a limitação
dos recursos materiais, humanos e financeiros” .

O projeto do teatro já em planta foi alvo de polêmicas e expectativas por parte da população, pela
contratação de mão de obra estrangeira, pelos custos elevados, técnicas e materiais que seriam
empregados. Queixas nos jornais que circulavam à época eram constantes, com dúvidas sobre a
construção de um bom teatro, onde eram solicitadas alterações e modificações no projeto. Muitos
conservadores não queriam tanto afrancesamento nas tradições locais.

13
Na tradução do Diário de Vauthier, publicado em 1940, por Gilberto Freyre, segue uma passagem que informa o
conhecimento do engenheiro sobre os principais exemplares do Brasil: “Não há muito tempo, o Teatro de Pernambuco era o
Figura 75 (topo esquerda) – Teatro Scalla – Itália
Figura 76 (topo direita) – Teatro São Carlos – Portugal mais belo do Brasil, mas agora o de São Luiz do Maranhão, Baía e Rio de Janeiro o suplantam consideravelmente. Esses
Figura 77 (inferior esquerda) – Teatro Bordeaux – França vários teatros são recentes”. VAUTHIER, In FREIRE, 1940, p. 58)
Figura 78 (inferior direita) – Teatro São João – Brasil
Fontes: Pevsner, 1976, p.75; Lima, 2000, p.51

147
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Durante sua permanência na Repartição de Obras Públicas, ele cuidou da construção do Teatro
Apolo14, projetado pelo arquiteto carioca Joaquim Lopes Barros Cabral e Teive, formado pela
Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e que, posteriormente, foi chamado para
elaborar algumas pinturas do interior do Santa Isabel. A importância desse fato sugere já uma
possível comunicação com os acontecimentos na capital Imperial, colocando possíveis
investigações feitas pelo engenheiro durante o processo construtivo do Teatro.

Sousa (2000, p. 55) vai apontar que é com o Real Teatro São João do Rio de Janeiro que o Teatro
Pernambucano mais se assemelhava, segundo a concepção volumétrica, bastante diferenciada das
concepções francesas, as quais o autor preferiu usar no interior. Sobre os dois teatros, o autor
coloca que:

Em ambos havia um corpo central principal (abrigando o auditório e a


cena) de planta retangular e telhado em duas águas, que era precedido
por um bloco contíguo mais baixo (contendo o foyer) de cujo centro se
projeta o terceiro volume, ainda mais baixo e ocupando apenas parte da
fachada: um pórtico com arcos encimado por um terraço descoberto
(esse elemento também aparece tanto no teatro lisboeta quanto no
milanês).

Vale salientar que o Real Teatro São João configurou-se como um exemplar da construção luso-
brasileira, a qual seguia alguns aspectos compositivos dos engenheiros militares brasileiros, como a
simplicidade pela geometrização das formas, a racionalidade e economia, além do pouco uso dos
recursos clássicos. É importante frisar, também, que a presença na época do engenheiro militar

14
Segundo Sousa (2000, p. 42): “o Teatro Apolo mostrou ao Recife uma forma de compor arquitetura classicista adotada no
Rio de Janeiro e ligada a influencias oriundas da Academia imperial de Belas Artes”.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Moraes Âncora, que tinha forte influencia, sobre os aspectos políticos e construtivos da capital. O
fato de ser formado pela Academia Militar do Rio de Janeiro, demonstra que ele tivera contato com
o modelo do Teatro São João e possivelmente pode ter abordado tal configuração como exemplar.

Figura 80 – Esquema Funcional


Teatro São Carlos – Lisboa
Baseado na planta apresentada
por Lima, 2000, p.51
Figura 79 – Esquema Funcional
Teatro Scalla – Milão, baseado na
planta apresentada por Pevsner,
1976, p. 75.

Figura 81 – Esquema Funcional Teatro Santa Isabel – Recife


Baseado no projeto original de 1840 localizado no Arquivo
Público da Cidade do Recife.

ESQUEMA DO PROGRAMA FUNCIONAL – TEATRO DE SANTA ISABEL

149
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

3.2.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO

Acompanhando o programa funcional característico dos teatros modernos europeus, seu autor
apresentou a proposta formal singular à província de Pernambuco. Poucas construções
apresentavam tal monumentalidade e apuro construtivo, fato que ganhou desde cedo projeção de
grande importância. Localizado em uma área de grande importância histórica – jardins do antigo
palácio das Torres de Nassau – às margens do Capibaribe e fazendo frontaria para a antiga Praça
do Erário Régio, posterior Praça da República.

Diferente dos teatros franceses, cujas fachadas configurariam grandes templos gregos, envoltos de
colunas colossais, ambientes se articulavam dentro de um imenso bloco retangular. Externamente,
o exemplar recifense possuía volumetria movimentada por blocos retangulares, que distribuem as
funções de cada ambiente, apresentando-se distintos nas elevações, como no Teatro Scala e no
Teatro São João.

O edifício apresentava dois andares rodeados de portas e janelas em arco pleno; óculos elípticos
acima das janelas do primeiro pavimento, lembrando às do Grand Theatre Bordeaux, destacavam o
corpo central que se elevava dos demais volumes.

As divisões das funções internas seguiam os mesmos padrões dos teatros italianos, já utilizados
pela tradição luso-brasileira, como a galilé ou proteção de acesso de entrada, cuja estrutura serviria
de suporte para um terraço aberto e, na parte superior, um salão nobre, decorado e mobiliado
luxuosamente, para pequenas apresentações ou reuniões sociais.

Na fachada, as ordens arquitetônicas seguiam a toscana, no térreo, e a dórica, no superior


encimado por um frontão triangular com uma abertura em óculo no tímpano. Tanto as colunas
como o entablamento, cunhais e a moldura das janelas eram revestidas de cantaria em lioz, vinda
Figura 82 (topo) – Teatro Boudeaux – França
Figura 83 (meio) – Teatro São João – Brasil
Figura 84 (inferior) – Teatro Santa Isabel – Brasil
150
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

de Lisboa, cujo critério de adoção poderia ter sido para assegurar o uso da tradição local. Por
motivos de economia, o emprego da pedra ficou limitado à galilé e ao primeiro plano da fachada,
mais especificadamente nos pilares, colunas, entablamento e cercaduras das aberturas.

A galilé estava disposta com cinco aberturas em arco pleno, ornada com dez colunas encimadas
por um terraço ladrilhado de mármore e corrimão de balaústres e pilastras de cantaria levemente
rustificada, de uso comum, como já citado, nos teatros italianos. O bloco do foyer distribuía as
funções da bilheteria, guarda, e espera. No bloco principal, corredores largos ladeavam a platéia
para facilitar o acesso aos camarotes nas extremidades.

Um dos materiais utilizados por Vauthier, encomendados da França, foi a ardósia, até então nunca
utilizada na província, cujo travejamento cobria todo o plano da coberta, dividida em apenas duas
águas, cercado por platibanda cheia. A fineza dos acabamentos e da ornamentação deu-se pela
mão de obra francesa, introduzindo novas técnicas de construtivas diferentes das praticadas na
província, como a modelagem de ornamentos em formas separadas e especificas e o
madeiramento da estrutura do teatro, dentre outras.

O teatro possuía quatro ordens de camarotes, cada um com 21 unidades, incluindo dois proscênios.
Na primeira ordem de camarotes, grades de ferro com motivos florais circulavam toda sua
extensão, sendo que, ao centro deles, encontrava-se uma pequena galeria, o que se repetia na
quarta ordem de camarotes.

Em cada ângulo da platéia existiam colunas da ordem coríntia, que se estendiam do chão ao teto e
destacavam as pinturas de figurações teatrais e o teto ornamentado, cujo partido muito se
aproximava do teatro francês Bordeaux, assim como a configuração da platéia e dos camarotes,
Figura 85 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro que, em planta, seguiam a lógica circular (Pevsner, 1976, p.78), concordando nas extremidades
Bordeaux. Fonte: Pevsner, 1976, p. 77.
Figura 86 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro Santa arredondadas e remetendo à figuração tradicional da lira ou ferradura.
Isabel. Fonte: Moura, 2008, p.25.
Figura 87 – Panorama Interno dos Camarotes – Teatro
Scalla. Fonte: Tenon, 2006, p. 106.

151
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

3.2.3 MORFOLOGIA DO TEATRO

Nas plantas originais, encontradas do projeto do teatro, observamos especificidades deixadas por
ser autor e logo percebemos alguns indícios de sua proposta compositiva. Embora seu projetista e
construtor fosse um engenheiro francês, algumas características peculiares demonstram uma
integração não apenas com seu universo projetivo, mas com o da província ou mesmo do país.

Segundo o padrão apresentado na figura abaixo, percebemos a integração dos diversos modelos, o
francês, o italiano e o brasileiro, Teatro São João, estando mais próximo desses dois últimos no que
concerne às distribuições das circulações internas.

Figura 88 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos teatros, que se
encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Teatro Santa Isabel - Recife

152
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Como era comum para esse tipo de programa, a planta de base retangular e simétrica, postos que
não irão faltar na composição do teatro; sua configuração plástica distancia-se dos modelos
franceses, formando suas ambiências internas através de um imenso bloco retangular, geralmente
ladeado de colunas colossais.

A volumetria do Teatro de Santa Isabel articula-se em quatro blocos de distintas funções, a galilé de
entrada, o bloco do foyer e salão nobre, a platéia, camarotes e palco e o quarto bloco englobando
os demais serviços de apoio do edifício. (figura 89)

Dos quatro volumes, o terceiro bloco, maior, destaca-se por sua principal função e, ainda, por
apresentar uma forma diferenciada dos demais blocos retangulares, próxima a um prisma
Figura 89 – Volumetria do Santa Isabel articulada em quatro hexagonal deitado. Dessa figura central os contingentes com ela se articulam simetricamente e se
Blocos: galilé, foyer, platéia- palco e serviços.
destacam por apresentarem conteúdos individualizados.

A implantação do teatro também favorece o condicionamento e articulação simétrica dos blocos,


cuja demarcação apresenta-se numa área livre e pontual, ele está situado de frente para uma
grande área livre, segundo a divisão de eixos circulatórios mais importantes e é movimentado tanto
para a época quanto atualmente (figura 90). No seu entorno foram construídas algumas das
edificações mais imponentes da cidade, como o Palácio dos Governadores, a Assembléia
Legislativa, o Liceu de Artes e Ofícios e o Tribunal de Justiça, dentre outras.

Outro ponto a destacar é que, apesar dessa centralidade, a distribuição e movimentação interna se
fazem por um caminho linear, cujo acesso é destacado pelo bloco da galilé. Tal linearidade vai ao
encontro do dinamismo e ordenamento impostos pelo programa, em que uma das funções seria a
de abrigar um considerável número de pessoas acomodadas.

Figura 90 – Atual Implantação do Teatro


Santa Isabel na Praça da República
153
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 91 – Esquema dos elementos básicos


Figura 92 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção
funcionais da Elevação Frontal definidores dos
horizontal, definidores dos ambientes internos e hierarquias espaciais.
ambientes internos e hierarquias espaciais.
Configuração da organização por adjacência.

Largas circulações apontam uma busca por ordenamento, juntamente com a localização das
escadarias de acesso aos camarotes superiores. Acessos laterais, no plano geral, também se
articulam segundo a distribuição do eixo de circulação principal. O cuidado com a boa visibilidade
das apresentações também é tomado, segundo o eixo principal. (figura 94)

A estrutura do edifício também participa de uma organização linear (figura 93 e 94), que se
apresenta traduzida em um sistema de coordenadas de maneira simétrica e equilibrada em relação
ao seu eixo longitudinal, evidenciando as extremidades dos encontros como principais pontos de
apoio e de força, reforçando a individualização dos espaços e, ao mesmo tempo, unem de maneira

154
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

adjacente. Na elevação as linhas verticais e horizontais demarcam a distribuição dos esforços e


seguem um ritmo.

Figura 93 – Relação planta-elevação dos Figura 94 – Traçado de eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e
eixos estruturais. Organização linear, possível indicações dos acessos. Observação da linearidade na organização do Teatro.
distribuição de eixos configurando uma malha.

A busca pela unidade fica bastante clara, tanto na linearidade proposta quanto na conformação de
sua estrutura e sua implantação. Ao procurarmos indícios de um traçado regulador na busca de
uma unificidade das partes com o todo construído, observamos que o seu volume principal gera
uma articulação criteriosamente geométrica; tomando partido dessa especificidade, tanto na planta
geral quanto na elevação principal, surge um padrão compositivo, segundo as formas elementares
do hexágono e dodecágono.

155
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 95 – Traçado regulador da fachada em


analogia com a planta baixa do Teatro,
Figura 96 – Análise do possível traçado regulador do Teatro, evidenciando o uso de
denotando total integração entre planta e
quadrados como elementos unificadores, e um dodecágono determinando o recuo do bloco
elevação.
central, como forma de garantir a harmonia e a proporcionalidade das partes com o todo.

O Dodecágono inscrito ao quadrado define os limites do bloco principal e estabelece um centro e as


articulações das partes, ele também garante uma relação de proporção áurea com o todo. (figura
96). Entretanto, vale salientar que a malha quadrada encontrada na composição seria outro indício
de organização unitária, de uso em voga desde os ensinamentos de J.N.L. Durand e adotado pelas
Academias francesas. Essa mesma malha define os principais eixos de articulações e agrega as
partes e o todo de maneira modular, embora os volumes se articulem dinamicamente.

Na elevação frontal, a mesma configuração da planta também sugere uma unidade de


correspondência entre ambas as partes, a qual observamos também nas marcações estruturais,
que evidenciam uma organização em malha para distribuição dos elementos conformadores.

156
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TEATROS

Os dois teatros apresentados, o Real Teatro São João e o Teatro de Santa Isabel,
empreendimentos de grande importância de valor histórico, foram marcos de um novo tipo
construtivo, diferente dos anteriores existentes até o momento de suas construções nas duas
cidades.

Nessas mudanças, tanto a sociedade quanto seus empreendedores e seus construtores


participavam das intenções dessa nova plasticidade, pautadas em dotar as capitais de edificações
que se pretendiam atuar na nova dinâmica e espacialidade urbana.

Ambas as construções ostentam monumentalidade destacada no espaço urbano, cuja ordenação


plástica e volumes são específicos e definidos pelo seu programa, definindo em exemplares cuja
utilidade social perpassa o domínio público e o privado.

Devido ao grande impacto da composição na paisagem circundante, tornaram-se marcos


representativos de uma nova ordem cultural e estética, que viria a ter outros exemplares
construtivos na região e nas demais províncias.

Configurando espaços destinados ao lazer, se integraram às necessidades de convívio social,


atividades intelectuais e foram cenários de momentos célebres na história brasileira. O caráter
cultural de ambas as construções – o Teatro São João sempre recebendo as ilustres figuras da
Corte Portuguesa, o Teatro Santa Isabel tornando-se palco de discursos abolicionistas – tornaram-
se pautas freqüentes na historiografia arquitetônica e na própria história das cidades.

Dentro do universo compositivo dos seus projetistas, o engenheiro português João Manuel da Silva
e o engenheiro francês Louis Léger Vauthier, os modelos internacionais foram trazidos para cá
como símbolo de modernidade, traduzidos sob as especificidades de cada profissional e

157
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

demonstrando que para cada projeto não havia uma única influência. Ambos construtores,
souberam utilizar os modelos mais consagrados para a configuração plástica dos seus teatros.
(figuras 98 e 99).

O predomínio do partido dos teatros italianos é uma evidencia encontrada nas duas construções,
especialmente pela presença de elementos como a galilé, encimada por terraço panorâmico, e de
um salão nobre para pequenas apresentações e reuniões sociais. (figura 99)

Tal fato demonstra a integração dos seus projetistas ao panorama mundial, e até local no caso do
Teatro Santa Isabel, e as preferências compositivas individuais, assumindo, com suas
particularidades, um caráter específico para o contexto de cada capital.

No que concerne à morfologia e a conformação externa, observamos nitidamente uma configuração


geométrica e racional, com o uso de formas rígidas derivadas do quadrado, além de uma
disposição volumétrica que evidencia a simplicidade a associação das formas. (figura 97)

Observando os aspectos formais das duas construções, encontramos pontos em comum entre os
dois teatros tais como:

 Implantação no espaço central aberto uma praça, facilitando a visibilidade e a


acessibilidade;

 volumetria movimentada por blocos retangulares e funcionalista;

 pouco uso do vocabulário clássico;

 presença de material nobre como a cantaria em pedra portuguesa sob um trabalho rústico;

 frontão triangular;

 aberturas superiores laterais em formato elíptico;

158
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

 predomínio do uso da geometria na definição dos espaços;

 composição aditiva por agrupamentos de volumes individualizados;

 planta de base retangular e simétrica;

 articulação dos espaços internos sob organização linear feita por meio de eixos estruturais;

 o predomínio das linhas horizontais das cimalhas;

 distribuição das circulações internas;

 elemento central em analogia entre planta e elevação;

 o uso da simetria, regularidade e simplicidade;

As diferenças entre as duas construções parte das afinidades do Teatro de Santa Isabel aos
modelos franceses (figura 97), onde podemos destacar:

 aberturas das janelas e portas em arco pleno;

 presença da platibanda;

 o uso das ordens superpostas, toscana e dórica externamente e coríntia internamente;

 a cobertura em pedra francesa, ardósia;

 sistema de proporção próximo a retícula duraniana;

 mão de obra importada;

 decoração interna próxima a dos teatros franceses;

 configuração circular do desenho da platéia, usual nos teatros franceses.

159
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 97 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos

160
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 98 – Análise Comparativa entre os principais teatros franceses (Bordeaux, Comédie Française, Lyon) e os teatros brasileiros segundo padrões tipológicos.

161
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 99 – Análise Comparativa entre os principais teatros Scalla e San Carlo na Itália, Teatro São Carlos em Lisboa e os teatros brasileiros segundo padrões tipológicos.

162
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Das afinidades entre os dois teatros, podemos perceber e concluir visualmente, fazendo uma
analogia entre ambas as construções e sua organização espacial e plástica, o seguinte:

 configuraram tipologias representativas de uma nova estética, ditada nos principiais


modelos internacionais para esse tipo programa, sobretudo pelos teatros italianos, no qual dominou
a cena do país;

 participavam das mudanças pretendidas para a arquitetura do século XIX, no Brasil,


dotadas de monumentalidade e a espacialidade alterando a paisagem colonial;

 souberam demarcar o espaço como um ambiente pictórico de lazer, onde ambas as


construções sempre foram registradas como cartões postais ou modelo de civilidade existente na
época, ou mesmo que se pretendia exercer.

Os seus construtores souberam bem mesclar os ensinamentos das Academias, que tinham se
destinado a associar o conhecimento técnico ao apuro formal, traduzidos em dois exemplares que
configurariam modelos singulares dentro do panorama internacional.

163
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

CAPITULO 4 – SAÚDE

“A arte de produzir imagens na arquitetura provém dos efeitos dos corpos e é o que constitui a poesia”. Boullée

4. O HOSPÍCIO E O HOSPITAL

No século XVIII, na Europa, a questão da salubridade pública foi tema de discussões, por parte de
governadores, médicos, engenheiros e arquitetos, sobre pesquisas e empreendimentos, com a
intenção de amenizar a situação caótica causada pelas grandes epidemias. Dessas discussões,
medidas importantes foram desenvolvidas sobre melhorias salutares da paisagem urbana e dos
ambientes de tratamento de doenças.

Segundo Pevsner (1976, p.139), hospital, hospício, albergues e hotéis são termos derivados do
latim hospes, o hospedeiro ou o hóspede. A variedade de termos traduz a variedade de funções
que eram exercidas pelo hospital medieval e vai durar por um longo tempo, até os estudos de J.R.
Tenon e Bernard Poyet 1 . O trabalho desses dois autores proporcionou melhoramentos, em termos
funcionais e técnicos, para os problemas insalubres dos ambientes internos das casas de saúde;
além disso, serviu de base para as mudanças ocorridas na estrutura hospitalar nos períodos
subsequentes.

1
J. R. Tenon – cirurgião francês publicou em 1788, Mémoires sur les hôpitaux de Paris. Estudo que trouxe recomendações e
normas para os ambientes internos dos hospitais dentro da perspectiva terapêutica. O arquiteto Bernard Poyet, que
trabalhou com Jacques Tenon no desenvolvimento de soluções espaciais apresentadas na obra Mémoires sur les hôpitaux
de Paris, também desenvolveu teoricamente as questões acerca do funcionamento dos hospitais (SILVA, 2001).

164
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Segundo Silva (2001), diversos hospitais projetados e construídos a partir da segunda metade do
século XVII e durante todo o século XVIII já foram concebidos sob a ótica dos problemas de
higienização dos espaços. Segundo o autor, “à época, já existia uma preocupação de propor e de
resolver, ao nível do projeto, questões tais como a salubridade da edificação (aeração, iluminação, disposição
dos leitos, limitação do número de pacientes por leito e por enfermaria)”.(SILVA, 2001)
Figura 100 – Desenho para o Hotel Dieu –
Bernard Poyet – França , 1785 Em 1456, Florentine Filarete projeta o Ospedale Maggiore de Milão, cuja distribuição das alas, em
Fonte: Pevsner, 1976, p. 152.
forma de cruz, seria o tipo de composição usada por muito tempo até os estudos de Tenon e o
surgimento do conceito panótico introduzido por Jeremy Benthan 2 , presente no modelo idealizado
no projeto de Bernard Poyet para o Hotel-Dieu de Paris em 1785.

Um dos fatores de maior avanço nos estudos dos ambientes hospitalares foi a separação dos
ambientes em pavilhões, distinguido os ambientes masculinos e femininos, por enfermidades e
pelos diversos serviços inseridos no contexto médico. O modelo sublimar, carregado dos preceitos
de Tenon, sobre melhor aproveitamento dos espaços e distinções das funções internas, foi o
hospital Lariboisière (1839-1854) de Paris projetado pelo arquiteto M.P. Gauthier.

O pensamento moderno de organização espacial em que se desenvolviam as cidades européias é


evidenciado aqui no Brasil, a partir da chegada da família Real Portuguesa. A saúde pública virou
um dos temas das mudanças sociais, especialmente na segunda metade do século XIX, devido à
crescente demanda populacional, às necessidades de ordenação dos espaços e de especificidade
dos conhecimentos médicos. “O hospital civil foi transformado também: seu papel social começava a
aumentar. A partir do surgimento da medicina científica, resultado da convergência entre a clínica e a cirurgia,
Figura 101 – Royal Hospital, Stonehouse, 1756-64
De Rowehead o hospital torna-se importante para o aprendizado”. (SILVA, 2001).
Fonte: Pevsner, 1976, p. 151

2
Jeremy Benthan (1748 – 1832), foi filósofo e jurista Inglês que difundiu a teoria do utilitarismo ou panoptismo que
corresponde à observação total, a tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo.

165
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Um aspecto importante a se destacar foi o papel das elites intelectuais no desenvolvimento das
atitudes e do pensamento higienista do Império, inspiradas pelas mudanças ocorridas nas cidades
européias, especialmente em Paris, e pelos conhecimentos provenientes da Academia Francesa de
Medicina. A atuação dessas elites ficou marcada pela influência política nas discussões sociais da
época, o que intensificou a necessidade de mudanças nas instituições existentes e estimulou a
criação de novos equipamentos públicos.

Grandes empreendimentos hospitalares são inaugurados no decorrer do século XIX, especialmente


no Segundo Reinado, contando com monumentalidade e modernas instalações, subsidiando o
desenvolvimento das especialidades médicas e a necessidade de simbolizar cenário representativo
de civilidade. A maior parte dessas construções apoiava-se em instituições de caridade, como a
Figura 102 – Hospital Pedro II - Recife, cartão postal do início
do século XX reforma do hospital da Santa Casa de Misericórdia no Rio de Janeiro.
Fonte: Fundaj
O empreendimento de maior notoriedade, tanto pela plástica formal, quanto pela sua função, foi o
Hospício Pedro II, primeiro hospício do Brasil, inaugurado, em 1852, no Rio de Janeiro. O hospício
representou um marco no período de Império de D. Pedro II, fortalecendo sua política de progresso
e reforma da cidade. Outro importante edifício do período foi o Hospital da Santa Casa de
Misericórdia (1854), que também serviu de fundo representativo dessa nova ordem social.

O Hospital Pedro II, no Recife, configurou-se como mais um símbolo da fase de grandes
construções ocorrida no século XIX; sua implantação foi iniciada pelo governador Francisco do
Rego Barros, a partir dos Planos de Melhoramento da Cidade, e dos estudos de Vauthier, que
deram à cidade o título de capital da província. A inauguração do Grande Hospital, como era
chamado na época, serviu para as mais variadas funções de um ambiente de saúde, tais como,
Figura 103 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, fotografia de asilo, hospital, hospício, dentre outras, indicando a carência desse tipo de programa em que se
Victor Frond, 1859
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ encontrava a região do nordeste.

166
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

4.1 O HOSPÍCIO PEDRO II

Desde a sua fundação, o Hospício exerceu uma função específica no que concerne às questões de
ordem e salubridade, além de representar um dispositivo médico, legal e social para as demandas
emergenciais da Santa Casa de Misericórdia. Tanto sua função quanto sua forma monumental
funcionaram como requisito de uma paisagem civilizada, que refletiu nas demais províncias do
Império.

Sua localização, separada do zoneamento urbano, onde, aliás, já existia uma enfermaria para os
alienados sustentada pela Santa Casa, foi estratégica. No entorno do local existiam poucas
construções, deixando o Hospício praticamente isolado entre o mar, à frente com seu porto, e as
montanhas limítrofes, tendo de um lado a estrada que ia para o forte da Praia Vermelha e, do outro,
Figura 104 – Hospício Pedro II – Rio de Janeiro, 1905 o caminho de Copacabana. Essa situação era reforçada não apenas pela posição geográfica, uma
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ
vez que o Hospício era afastado da cidade, mas também por sua organização espacial interna, pois
se constituía num espaço fechado, com uma única entrada vigiada.

O terreno comprado pela Santa Casa de Misericórdia, das chácaras de Vigário Geral e da Capela,
3
foi cedido pelo então provedor José Clemente Pereira grande idealizador do empreendimento.
Como ator principal da construção de um edifício exemplar para abrigo dos alienados – que, por
sua vez, encontrava-se em péssimas condições de acomodação e cuidados nas poucas

3
José Clemente Pereira nasceu em 17 de fevereiro de 1787, em Trancoso, Bispado do Pinhel, em Portugal. Estudou na
Universidade de Coimbra, onde se graduou em Direito e Cânones. Durante a invasão napoleônica, em 1809, lutou como
soldado do Batalhão Acadêmico, cujo comandante era José Bonifácio de Andrada e Silva, chegando a tornar-se oficial. Para
não se manter longe do centro da Monarquia, José Clemente veio para o Brasil no rastro da Corte portuguesa, chegando ao
Rio de Janeiro em 12 de Outubro de 1815. Na capital, viveu alguns anos praticando a advocacia, até iniciar sua carreira
pública e política.

167
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

dependências da Santa Casa de Misericórdia –, Clemente Pereira assumiu as negociações frente à


administração pública, adquirindo status durante o Império de D. Pedro II.

A Academia Imperial de Medicina também teve papel importante na construção do hospital, sendo
uma de suas prioridades implementar um hospital moderno, segundo os padrões científicos de
tratamento dos doentes da época. Entre as idéias preconizadas pelos médicos da Academia,
estavam a mudança de local do cemitério, a criação de enfermarias separadas para as doenças
contagiosas e a construção de um espaço de tratamento específico para os alienados.

Caetano, (1993, p.76) vai salientar que “no Brasil, o Hospício de Pedro II assinala a gênese da psiquiatria
brasileira. A criação do Hospício está diretamente ralacionada com a implantação das Faculdades de
Medicina, em 1832”.

A pedra fundamental é lançada em 1842, tendo como chefe o engenheiro-arquiteto José Domingos
Monteiro, autor do traçado do projeto, que também teve participação de mais dois engenheiros-
arquitetos, Joaquim Cândido Guillobel e José Maria Jacinto Rebelo 4 , que fizeram acréscimos e
modificações no decorrer de sua execução.

4
Domingos Monteiro era arquiteto-engenheiro, militar e integrante do Real, depois Imperial Corpo de Engenheiros. Foi
nomeado arquiteto das Obras Nacionais por Decreto de 16 de março de 1830, em substituição a Pedro Alexandre Cavroé,
para atender às obras do Salão do prédio do Senado, antigo Palácio do Conde dos Arcos.
o
Joaquim Cândido Gulhobel, engenheiro português veio para o Brasil em 1811, com 24 anos de idade, foi promovido a 2
Tenente ‘para exercer as funções de desenhador do Arquivo Militar. Em 2 de janeiro de 1834, foi nomeado ajudante do
Professor de Desenho da Imperial Academia Militar, tendo sido efetivado, dois anos após, como Professor da Cadeira de
Desenho Descritivo e de Arquitetura Militar. Foi aluno de Grandjean de Montgny nas aulas de arquitetura civil da Academia
de Belas Artes. Em 1835, assumiu o cargo de Inspetor das Obras Públicas.
José Maria Jacinto Rebelo, também cursou a Imperial Academia das Belas Artes, durante três anos, tendo sido premiado na
classe de Pintura de Paisagem, em 1835 e 1836. Em 1838, matriculou-se na Academia Militar, formando-se em novembro

168
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O edifício foi inaugurado em 5 de dezembro de 1852, com metade da obra concluída, sendo que a
solenidade de inauguração teve a presença da Família Imperial, do Corpo Diplomático, Ministros de
Estado e Irmãos da Santa Casa. As obras foram concluídas em 1855, ocasião em que o hospital
passa a funcionar com sua capacidade máxima de operação, atendendo a todo o estado do Rio de
Janeiro e, também, a Minas Gerais. Em 1862, o Pedro II comportava 384 alienados em tratamento,
quantidade maior do que a capacidade para o qual foi projetado, que era de 300 pessoas.
(Caetano, 1993, p. 95)

Segundo Caetano (1993, p. 90) a organização terapêutica dos espaços seguia três distribuições
básicas: sexual, econômica e, finalmente, comportamental. A divisão sexual seguia a divisão de
lados separados para homes e mulheres. A divisão econômica baseava-se em pensionistas de
primeira classe, com quarto individual, segunda classe, com quarto para dois alienados, terceira
classe e indigentes, com enfermarias para quinze pessoas. A divisão comportamental separava os
alienados tranqüilos limpos dos agitados, imundos, e acometidos de moléstias acidentais.

Esse sistema de organização interna configurou-se como um dos principais atributos da construção,
pautado nas idéias relacionadas à garantia da salubridade. Essas idéias foram difundidas na
França, desde o século XVII, sendo que, no Brasil, a Academia de Medicina toma a iniciativa de
defendê-las e trazê-las à realidade do país. Vale salientar que, na época em que estava sendo
idealizado o projeto do hospital, o provedor da Santa Casa, Clemente Pereira, no intuito de facilitar
o desenvolvimento de tal programa, enviou para a Europa, em 1845, o médico Antônio José Pereira

Figura 105 – Estudo feito pelo ETU demarcando o


edifício atual a as construções do seu entorno de 1844. Rebelo foi nomeado pelo ministério do Império, em 1845, para ser ajudante do Inspetor Geral de Obras Públicas. O
segundo planta de 1905
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ engenheiro recebeu a medalha de prata na exposição de 1851, tornou-se professor honorário da Academia das Belas Artes
em 1858 e professor de matemática da Escola Central em 1861. (CALMON, 2002, p. 45-47)

169
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

das Neves, com a missão de estudar detalhadamente o tratamento recebido pelos alienados na
França, Bélgica, Alemanha, Inglaterra e Itália.

A função terapeutica, que se configurava como uma das tomadas de posição segundo os modernos
métodos de tratamento, foi fortalecida, em 1854, com a criação de oficinas de trabalho para os
pacientes, cujos resultados foram bem evidenciados no decorrer do desenvolvimento das terapias,
durante as quais sempre era solicitada do hospício mão de obra para diversos serviços domésticos
e profissionais.

O hospital cumpre sua função, a demanda que sustentava reflete as necessidades daquele
momento de desenvolvimento da capital, tanto na ordem de organização e limpeza quanto de
saúde e desenvolvimento científico.

O edificio, como se encontra atualmente, foi consolidado a partir das reais necessidades de
ampliação segundo as melhorias nos tratamentos; de 1890 a 1893, foram acrescidas mais seis
alas, com dois pátios internos e duas novas construções anexas. Sobre as mudanças, Caetano
(1993, p.156) vai salientar que:

Na ampliação,, os corpos intermediários, que tinham um pavimento e


ligavam os antigos torreões, passaram a ser usados como terraços, onde

Figura 106 – Frontaria do Hospício Pedro II. foram construídas guaritas de vigia para observar os alienados que
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ circulavam nos dois pátios. Era uma recriação modesta da torre de
Panóptico, citada por Foucault. Entretanto, os corpos que ligavam os ex-
torreões ao corpo da capela continuaram com um pavimento.

É nesse período, também, que o Pedro II torna-se o Hospício Nacional dos Alienados,
desvinculando-se da Santa Casa de Misericórdia, passando a fazer parte do corpo institucional do
Estado.

170
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Com a continuidade das novas administrações do hospital, séries de mudanças foram sendo feitas,
dotando-o de melhorias na infra-estrutura e de novos espaços anexos, destinados a outras
especialidades de tratamento, segundo as atitudes médicas vigentes em cada período.

Calmon (2004, 3° ed. p. 85) irá observar que o hospício foi um marco importante no contexto
histórico daquela região e, ainda, que sem funcionar, “ficava deserto, com os extensos sinais de ruína
dando-lhe o aspecto lamentável de um casarão do passado, sem serventia, sem utilidade, o palácio que
perdera o motivo de subsistir entre as luzes e os ruídos de um bairro moderno: abandonado, imprestável,
imenso...”

Em 1944, o edifício é desativado e incorporado à Universidade Federal do Rio de Janeiro,


permanecendo, até os dias atuais, no acervo patrimonial da Universidade.

171
Hospício Pedro II Elevação

Dados do Imóvel

Domingos Monteiro, Joaquim Cândido


Projeto Guilhobel e José Maria Jacinto Rebello
U N I V E R S I D A D E DO B R A S I L

Datas Pedra fundamental - 1842


Inauguração - 1852
Inicial - Hospício de alienados
Usos Atual - Palácio Universitário - UFRJ

Local Av. Pasteur, 250, Urca - RJ. 0 1 5 10

Tombamento Processo 503-T, insc. nº 438, Livro Plano Geral


Histórico, fls. 72 de 11-07-72

Cronologia Histórica

1841 - O provedor da Santa Casa, José Clemente Pereira envia


um oficio ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios,
Candido José de Araújo Viana, sugerindo a construção de um
hospital de alienados;

1842 - lançamento da pedra fundamental;

1844 - Clemente Pereira teria enviado à Europa o médico Antônio


José Pereira das Neves para estudar os principais hospitais e
tratamentos dos alienados;

1852 - inauguração do Hospício Pedro II;

1854 - criação das oficinas de serviços masculinos e lavanderia;

1855 - Conclusão das obras do hospício;


0 1 5 10

1857 - construção de casas anexas para oficinas de trabalho; Esquema gráfico da cronologia construtiva do conjunto arquitetônico

1880 - construção de dois torreões dentro dos pátios; LEGENDA


1852
1890-1893 - o edifício principal teve sua área expandida com 1855
acréscimo de seis alas entorno de dois pátios, além de duas
novas construções anexas, para abrigar a escola de enfermeiras,
e outra para servir como pavilhão de observação dos pacientes
recém-chegados e ser sede da Clínica Psiquiátrica; Situação Iconografia Referências Bibliográficas
1904 - melhorias foram feitas sob medidas higienistas ;
1 -TELLES, Augusto Carlos da Silva. “Atlas dos
1911 - a instituição muda de nome para Hospital de Alienados; Monumentos Históricos do Brasil”. Rio de Janeiro,
MEC/FENAME, 1975.
1940 -o governo da República cede o edifício à Universidade do
Brasil; 2 -Escritório Técnico da UFRJ - ETU - DIPRIT -
Divisão de Preservação de Imóveis Tombados.
1944-46 - fase de reconstrução, adaptação e restauração do
edifício; 3 -CAETANO, Lucinda Oliveira. "Palácio
Universidade do Brasil ex-Hospício Pedro II -
1949 - transferência da sede da Universidade do Brasil; Imagens & Mentalidades". 1993. 524f. Dissertação
de Mestrado (Mestrado em Belas Artes) - Escola de
1972 - tombamento do Palácio Universitário; Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
RJ.
1990 - inicio das obras de restauração do edifício;
4 -CALMON, Pedro. "O Palácio da Praia Vermelha -
1852-1952". 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2002.
Detalhe da planta da cidade do Rio de Janeiro e subúrbios Hospício Pedro II - 1859 - Victor Frond,
1890 - Do cosmógrafo ao satélite, 2000, p. 66. In: Revista de História, n. 2, ago. 2005, p. 34.
Fonte : ETU - Escritorio Técnico da UFRJ Fonte: ETU - Escritório Técnico da UFRJ
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

4.1.1 SUAS INFLUÊNCIAS

O projeto do Hospício Pedro II contou com três arquitetos, que emprestaram especificidades
particulares, representando o universo projetivo de cada um.

O primeiro autor do projeto, José Domingos Monteiro, era engenheiro militar português, integrante
do Real Corpo de Engenheiros, foi encarregado tanto da execução do projeto quando das obras de
construção. Após a saída de Monteiro, mais dois engenheiros militares, com formação artística da
Academia Imperial de Belas Artes, colaboraram com modificações importantes para melhor
concepção da obra. Foram eles, Joaquim Cândido Guilhobel, que contribuiu com o desenho do
pórtico do acesso principal e os sistemas infra-estruturais do edifício, e José Maria Jacinto Rebelo,
autor do volume destacado da Capela, dentre outras contribuições estéticas.

Os três projetistas tinham experiência no que concerne a grandes obras e trabalharam no setor de
obras públicas da capital. Participaram, também, do projeto de reconstrução do Hospital Geral da
Figura 107 – Detalhes de combinações horizontais Santa Casa de Misericórdia, cuja planta seguiu os preceitos e distribuições internas de um edifício
Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand,
1823. pavilhonar, demonstrando que estavam atentos aos modelos vanguardistas da época; além disso,
Fonte: BOR – Biblioteca de Obras Raras da UFRJ
esses modelos circulavam no meio intelectual médico, segmento que ao qual pertenciam os
principais clientes desses empreendimentos.

Rocha-Peixoto (2004) faz importante abordagem sobre o universo projetista dos dois últimos
autores do projeto, apontando que, apesar de terem sido discípulos de Grandjean de Montigny,
seus projetos tinham diferenças substanciais em relação às realizações do mestre francês.
Segundo o autor:

A arquitetura do mestre francês incorporava uma erudita teorização. O


caráter arqueológico da arquitetura de Montigny é indício da crença em

173
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

valores universais da arquitetura da Antigüidade. A percepção da


natureza e da civilização foi metaforizada conscientemente nas
construções e projetos seus no Brasil. Em vez dessa doutrina, ou mesmo
da romântica com que Porto-alegre pretendeu preteri-la, prevalece entre
os engenheiros-arquitetos uma arquitetura pragmática baseada em Jean
Nicolas Louis Durand..

Rocha-Peixoto também observa que:

Não se pode notar nas enfilades sistemáticas da distribuição interna do


hospital nenhuma alusão extrínseca como a do espaço central da Praça
de Comércio, que é uma idealização metafórica da cidade, baseada nas
relações sociais civilizadas e regidas por uma placidez contida. Não há
analogia possível para a vontade de Montigny de estabelecer uma
relação espacial com a basílica romana de Maxêncio (s. iv d.C.), a fim de
evidenciar as origens romanas do tipo de função comercial secundária a
ser praticada na Praça do Comércio. Tampouco existe na arquitetura do
discípulo qualquer tentativa de ajustar o volume ou sequer a planta-baixa
a algum traçado geométrico baseado no número de ouro e na simetria
dinâmica, fatos determinantes do projeto do mestre. No Hospital-geral,
Rebello e Guillobel (como, antes, Monteiro) ouviram antes a lição de
Durand.

O que chama atenção, também, é a forma modular em que se configuram tais construções,
formuladas dentro de um enquadramento sistematizado e definido. No seu Recueil et parallèle,
J.N.L. Durand cita alguns hospitais importantes pela sua primazia; entre eles estão o Ospedale
Maggiore, em Milão e o Stonehouse, em Plymouth, Inglaterra, colocados em pranchas, como
Figura 108 – Detalhes de combinações horizontais
Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823. exemplos a serem seguidos. Ambas as construções de partidos diferenciados representaram
Fonte: BOR – Biblioteca de Obras Raras da UFRJ

174
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

grandes avanços para a época e foram utilizadas sucessivamente em diversos hospitais pelo
mundo.

Podemos notar que, segundo o ensino da Academia Militar, preconizado pela Escola Politécnica
francesa, os ensinamentos estavam baseados nos pensamentos modernos, pautados nas questões
econômicas e racionais que sustentavam características funcionais, para cuja escolha do partido
seguiam-se sempre as construções mais consagradas.

O Hospício Pedro II conta com uma planta de base retangular, com alas que ladeiam um pátio
central, cujos eixos simétricos seguem o princípio das plantas em forma de cruz, segundo o modelo

Figura 109 – Planta do Ospedale Maggiore – Milão - Filarete, 1456


do Ospedale Maggiore, de Floretine Filarete, edifício de grande magnitude, construído por volta de
Fonte: Pevsner, 1976, p.143. 1460. Segundo Pevsner (1976, p.147) e Lima (2001), a planta cruciforme foi utilizada como modelo
de edifício hospitalar até o século XIX, especialmente para os hospícios. Suas ambiências foram
evoluindo em termos de controle e disciplina espacial para melhor funcionalidade interna.

Ao fazer uma analogia entre a planta do Pedro II e a do Maggiore, percebemos algumas afinidades
tais como: a composição dividida em três partes com eixo central de simetria; três acessos na
fachada principal; o uso de alas que circundam um pátio central; ambas possuem uma capela ao
centro e uma grande extensão horizontal. A distribuição dos ambientes constitui-se de alas ou
braços da cruz, sendo que no hospício carioca optou-se por usar uma composição reduzida ou com
meia cruz.

Figura 110 – Planta do Hospício Pedro II, segundo sua concepção Segundo Pevsner o modelo de planta em cruz perdurou até inicio do século XVIII, quando o modelo
original.
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ panótico radial e a composição pavilhonar o sobrepujaram. Vale salientar que muitas construções
seguindo essa tipologia de planta adaptaram torreões nas extremidades dos blocos retangulares,
como forma de controle e vigilância da população interna, como aconteceu na França com o
Hospital dos Incuráveis (1635-1649).

175
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Outra analogia que podemos apresentar foi o destaque dado por Rebelo ao volume elevado da
capela, cuja configuração segue muitas características das casas de saúde francesas, como o
Hotel dos Inválidos (1670), o Hotel Dieu (1741) e o Hospital Saint-Louis (1788).

Segundo sua função específica, outra característica do projeto foi sua idealização segundo os
conceitos de hospitais terapêuticos europeus. Na Europa, durante os séculos XVII e XVIII, diversos
asilos foram substituídos por manicômios, destinados somente aos doentes mentais, com
tratamento seguindo os padrões de salubridade prescritos por Tenon.

Desenvolveram-se, com isso, várias experiências e formas de tratamento nos hospitais La Bicêtre e
Salpêtrière 5 , que se difundiram da França para o resto da Europa. Ambas as construções sofreram
adaptação do seu uso original para a nova função psiquiátrica, evidenciando novos métodos de
controle e vigilância dos alienados. Sabe-se, pela historiografia, que esses hospitais franceses
Figura 111 – Hotel dos Inválidos, Paris, 1670
Libéral Bruant e Jules Hardouin-Mansart estiveram presentes nos discursos da Academia de Medicina carioca e, ainda, que foram utilizados
Fonte: Pevsner, 1976, p.146
pelos projetistas, não na forma de composição plástica, mas complementando as funções
específicas às quais o Hospício Pedro II se destinava.

5
Bicêtre e Salpetrière eram estabelecimentos do Hospital Geral de Paris (1656), que tinham função de hospício, pensionato,
casa de detenção, ou seja, um espaço que abrigava uma população diversificada. Em 1793, Phillippe Pinel assume a
direção dos hopitais e lança seu tratamento moral e educativo. O Bicêtre foi construído como um hospital militar e, ao se
tornar um hospício, assume a função de cuidar de mulheres. O Salpetrière, foi construído para ser uma casa de pólvora e
transformado em casa de recolhimento em 1656.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 112 – Possível Esquema Funcional do Hospício Pedro II,


conforme descrições do Dr. Manuel José Barbosa, diretor do serviço
clinico do hospício em 1853 e de Moreira de Azevedo em 1864. ESQUEMA DO PROGRAMA FUNCIONAL – HOSPÍCIO PEDRO II
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

4.1.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO

A planta retangular e simétrica possui quatro pátios internos, ladeados por alas, constituindo
quartos e áreas de serviços e administração. As longas circulações foram dispostas em torno dos
pátios internos para facilitar o acesso dos alienados a esse espaço livre e melhorar a visibilidades.
O corpo central, em planta, é destacado com uma escadaria de acesso à capela, à sala de visitas e
ao salão do fundador, no segundo pavimento. As laterais correspondem aos alojamentos,
enfermarias e outros ambientes que constituem o programa do hospício, possuindo também
escadarias de acesso às dependências do segundo pavimento, distintas da principal.

As entradas do edifício também são separadas, contando com três acessos, segundo as distinções
Figura 113 – Fachada do Ospedale Maggiore acima, sendo uma entrada principal e duas laterais. O volume da capela também se destaca e
Fonte: Pevsner, 1976, p. 143
ganha importância de eixo principal, distribuindo simetricamente os demais espaços.

Seguindo as características dos hospitais com planta em forma de cruz, percebe-se a junção de
dois blocos, conforme soluções advindas da planta do Ospedale Maggiore de Milão, mantendo uma
longa extensão longitudinal de circulação, ligando os blocos em dois braços principais, cuja
definição mantém-se em unidade com a fachada horizontalizada.

É importante ressaltar que, na época de sua implantação, o edifício fora construído dentro do limite
máximo disponível para seu uso, como era comum nas construções coloniais 6 , nas quais não era

6
Segundo Reis Filho (2006, 11° ed., p.34), “As construções dos começos do século XIX avançavam sobre os limites laterais
e sobre o alinhamento das ruas, como as casas coloniais”. Sobre o Hospício, ele ainda comenta que “embora dentro dos
mais adiantados padrões da época, deixa perceber que, aos avanços técnicos e às dimensões excepcionais do prédio, não
correspondiam qualquer nova maneira de implantação em relação à via pública”.
Figura 114 – Fachada do Hospício Pedro II
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ

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respeitada a necessidade de se obter um afastamento propício à fruição do volume arquitetônico


como um todo. (CAETANO, 1993, p. 147).

As questões de salubridade foram resolvidas seguindo as divisões dentro de uma funcionalidade


específica para os doentes, classificando os ambientes em duas prioridades: os alojamentos e os
serviços. O tipo de distribuição dos espaços, em torno dos pátios, seguia as necessidades dos
pressupostos médicos e higienistas da época, de uso muito difundido nos principais hospitais
franceses durante o século XIX, nos quais todos os aposentos recebiam iluminação e ventilação
direta e o controle visual a que todos os pacientes deviam ser submetidos.

Segundo Caetano (1993, p. 148), o edificio fora desenvolvido de acordo com o consenso médico da
época, segundo o qual “para atender a esses quesitos, o conjunto arquitetônico foi projetado basicamente
na forma de uma paralelogramo com dois pavimentos, exceto o corpo da capela, que contém três, e os corpos
que fechavam os pátios na parte posterior do edifício, que possuíam apenas um pavimento.”

A extensa fachada de dois pavimentos, voltada para o local principal de acesso, o mar, marca de
maneira emblemática a composição 7 , destacando-se, no pórtico de entrada, contendo as ordens
arquitetônicas dórica e jônica no primeiro e segundo pavimento, respectivamente, nos pilares das
Figura 115 – Pórtico de acesso principal todo laterais e nas colunas e no entablamento do frontão triangular. O pórtico central possui sacadas
em cantaria de pedra
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ com balaustradas em mármore. Na escadaria do acesso principal – destaca-se também – foi
utilizada cantaria de pedra gnaisse bege, ladeada por estátuas simbólicas da ciência e da caridade,
feitas em mármore pelo escultor alemão Ferdinand Pettrich. 8

7
O novo edifício da Santa Casa também ficava na beira mar, por onde era usual o acesso durante o século XIX. N.da A.
8
Pettrich (1798-1872) era natural de Dresden na Alemanha, onde seu pai, escultor de fama, Johann Franz Seraph Nepomuk
Pettrich, era conhecido em toda Europa pelos seus trabalhos. Pettrich trabalhou para o Imperador e fez excelentes serviços
encomendados pelo provedor da Santa Casa, Clemente Pereira. (CALMON, 2004, 3ed, p.67).

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Uma das características construtivas da fachada é o uso de cantaria em pedra gnaisse proveniente
da região, aplicada nas aberturas dos vãos das janelas e portas das laterais, nos cunhais, em todo
o pórtico de entrada, nas escadas de acesso e também em alguns elementos do interior.

Outra observação é a marcada diferença existente entre os pavimentos, sendo o superior mais
rebuscado, com sacadas em balcões e uma contínua faixa horizontal entre os arcos das janelas,
encimados por uma platibanda cheia. No pavimento inferior, as janelas apresentam uma moldura
retangular, em volta dessa outra, arqueada, de dimensões maiores do que as do vão acima,
ocasionando, nos planos separados entre cunhais, o uso apenas de moldura retangular nas
aberturas das janelas. Tais diferenças podem ser justificadas pelas opções compositivas dos
diferentes autores do projeto. Segundo Caetano (1993, p. 152), “o conjunto volumétrico deste edifício
não possuía um discurso único, uma vez que as fachadas principal e laterais tinham uma linguagem diferente
da linguagem da fachada posterior”.

O corpo principal, onde se localiza o vestíbulo, no primeiro pavimento, e a sala de visitas, no

Figura 116 – Detalhe da distribuição das aberturas. superior, tem sua feição rustificada pelo uso da cantaria em pedra e é composto por portas em arco
Esquema retirado do levantamento físico da fachada feito pelo
Escritório Técnico da UFRJ
pleno, dispostas entre colunas, contendo uma sacada de balaustradas compondo toda a ordem
arquitetônica junto com ao frontão triangular. Outra marcação empregada na fachada é o uso de
linhas verticais, em forma de pilastras, separando os planos das aberturas, uma a uma, no segundo
pavimento, compostas por jarros; na sua extensão, os cunhais apresentam uma estrutura marcada
nas divisões dos espaços entre os pátios.

O conjunto arquitetônico é marcado por uma volumetria geometrizada e simétrica, evidenciando,


nas linhas horizontais, a opção pela escala de monumentalidade e as feições palacianas. O corpo
central destaca-se como um eixo principal, pela distinção do pórtico e pela volumetria da capela,
contendo um pavimento a mais em relação ao restante do edifício.

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4.1.3 MORFOLOGIA DO HOSPÍCIO

Por sua localização, o Hospício representou um grande volume de massa construída numa área
destinada à vigilância. No local existiam apenas a fortificação e a Escola Militar de Engenharia.

Sua volumetria estende-se paralelamente à baía, conformando um espaço marcado pela


composição horizontal, cuja monumentalidade é facilmente percebida pelo sólido retangular.

A organização das formas básicas, que define o todo, segue o partido decomposto, em cuja
subtração das partes evidencia-se uma movimentação dos volumes, caracterizada pela
funcionalidade, muito embora o predomínio da estática linha horizontal se configure na fachada,
com a elegância e a austeridade das configurações palacianas.

O conjunto arquitetônico divide-se em três partes, possuindo um eixo de simetria bilateral, como
ponto central e, nas laterais, o pátio quadrado representa o centro organizativo dos espaços. Tal
configuração nos mostra que os ambientes que ladeiam o pátio, além de não se misturarem com os
demais, garantem núcleos estáveis, facilitando visibilidade para a fiscalização e o controle.

Os dois pátios laterais ao bloco central possuem a função salutar nos ambientes internos, além de
Figura 117 – Volumetria de base retangular, horizontalizada, possuírem um volume inferior na parte posterior, facilitando a ventilação, a iluminação e a
com forte marcação de eixo principal feito por meio do pórtico
de acesso. separação do corpo central com os demais. A função de cada bloco apresenta-se bem definida em
planta, o que sugere também o uso inteligente dos agrupamentos para formar o todo. Na fachada,
a separação é pouco evidenciada pela sua composição em um único plano. Os elementos que
conformam sua plasticidade interna e representam os blocos individualizados são definidos pelas
delimitações dos cunhais.

Segundo o padrão morfológico baseado nas circulações internas, percebemos a integração do


Hospital aos modelos em forma de cruz, que fecham em pátios cujos espaços configuram-se como

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núcleos organizativos. Tal disposição facilita a vigilância interna, garante a ventilação e iluminação
interna e funciona também como espaço recreativo para os internos.

Figura 118 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de
hospitais que se encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Hospício Pedro II.

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Vale salientar, ainda, a possível associação das disposições internas às combinações de plantas
horizontalizadas e fechadas em pátio, sugeridas por J.N.L. Durand, no Précis des léçons (1823),
conforme o tipo de composição palaciana. (figura 119)

Figura 119 – Detalhes de fechamentos em pátio, Précis des léçons d’architecture, J.N.L Durand, 1823.
Fonte: BOR – Biblioteca de Obras Raras da UFRJ

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Figura 120 – Esquema dos elementos básicos funcionais da


seção horizontal e elevação frontal definidores dos ambientes
internos e hierarquias espaciais. Configuração da organização

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Figura 121 – Elementos de marcação dos espaços fechados, os quais remetem a ambientes de reclusão, cuja
vigilância é fundamental.

Os eixos mantêm uma relação importante na união das partes com o todo construído e na
configuração estrutural do prédio. O arranjo regular apresentado permite equilíbrio nas partes do
conjunto, delimita espaços de transição entre os blocos adjacentes e aponta eixos de circulação
fixos, indicando direção e movimento interno, determinado pelas funções específicas dos espaços.

No contexto disciplinar, esse tipo de organização produz espaços funcionais e hierárquicos,


assegurando a fixação e permitindo a circulação entre eles, além de estabelecerem ligações
operacionais. Apontam os lugares definidos pelas especialidades e indicam os valores de ordem
social, garantem a obediência dos indivíduos, mas também proporcionam economia de tempo e de
gestos.

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Figura 122 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e
indicações dos acessos. Observação da organização linear

A repetição da estrutura de eixos apontada (figura 122) serve para relacionar outra característica
morfológica possivelmente adotada pelos autores do projeto, que foi a utilização de uma malha
regulada por um padrão quadrado, constituindo base para as dimensões internas dos ambientes e
funcionando como sistema estrutural regulado.

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Figura 123 – Traçado dos eixos estruturais, segundo uma malha quadrada, e sua correspondência com a elevação.

Segundo os ensinamentos de J.N.L. Durand, o uso desse recurso compositivo garante que o
edifício seja sereno e estático, de acordo com das feições palacianas que se pretenderam. A malha
quadrada também subordina a configuração das partes e do todo, mantendo a unidade e a
harmonia do conjunto. Tais arranjos podem ser evidenciados nos tratados de Durand, sob forma de
melhor adaptação da forma ao uso, sem prejuízo da funcionalidade prevista pelo programa.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Tal fato nos leva a crer que o uso desses conceitos era comum entre os projetistas brasileiros,
especialmente os engenheiros formados pela Academia Militar. A propósito, vale destacar a
afirmativa de Rocha-Peixoto (2004), de que, apesar da ligação com a Academia de Belas Artes, os
arquitetos dosavam os ensinamentos, de modo que, na prática, tais construções evidenciem o
racionalismo e a economia, com o apuro formal do decoro, advindo da direta influência do ensino
técnico e artístico que existia no país.

De acordo com a funcionalidade impressa no programa e na morfologia do hospício, a abordagem


dada era pautada nos ideais modernos para esse tipo de arquitetura hospitalar, prevendo-se
inclusive os impactos internos e externos que essa configuração plástica viria a sofrer com relação
à questão da salubridade pública, não apenas na capital carioca, mas em todo país. Nesse sentido
Lima (2001) salienta que:

Primeiramente, é necessário que os indivíduos sejam distribuídos no


espaço, isto é, é necessário que haja uma delimitação espacial, uma
circunscrição, de modo que seja estabelecida uma ordem. A
circunscrição não implica num enclausuramento, num isolamento,
embora ela seja definida como superfície limitada e fechada, pois cada
indivíduo ocupa um lugar definido e cada lugar é ocupado por um
indivíduo em particular; é organizado, então, um espaço analítico.

A organização espacial do Hospício Pedro II, dito emblema de modernização da capital dentro dos
parâmetros higienistas que pairaram sobre o século XIX, pleiteava todos os requisitos descritos
acima, cuja conformação foi de fundamental expressão para as demais capitais do país.

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4.2 O HOSPITAL PEDRO II

O edifício fora concebido em fins de 1846, época em que na cidade existiam pouquíssimos
hospitais e edifícios públicos de tamanha grandiosidade. Sua pedra fundamental foi lançada em
1847, num cenário que apontava as necessidades da salubridade pública e tinha como pano de
fundo o plano de melhoramentos da cidade do Recife, iniciado no Governo do Barão da Boa Vista,
com o engenheiro francês Louis Léger Vauthier e sua equipe.

O projeto do Grande Hospital do Recife, como era conhecido, visava ao atendimento das demandas
da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital Militar, que já não as comportavam nos seus espaços.
Na época de sua construção, a cidade contava com poucas construções de vulto monumental 9 .

Figura 124 – Vista do Pátio Interno do Hospital Com a consolidação da Sociedade de Medicina Pernambucana, inaugurada em 1841, as questões
Pedro II , Recife, 2006
Foto da Autora pautadas na higiene pública ganham força e persistem mesmo após a saída do governador
Francisco do Rego Barros. Em 1845, é criado o Conselho-Geral de Salubridade Pública, cuja
finalidade era de inspecionar, vigiar e prover todos os assuntos que se referissem à higiene pública
e à polícia médica.

A iniciativa do projeto havia partido das idéias modernistas iniciadas na gestão anterior e foi
empreendida com grande carga no decorrer da década de 50 dos oitocentos. Vale salientar que
esse período foi fértil para a província de Pernambuco, devido à intensificação do comércio de cana
de açúcar, o que gerou um momento de grande prosperidade.

O local de implantação do Hospital, o Sítio dos Coelhos, era localizado no Bairro da Boa Vista,
situado nas proximidades zona central do Recife, margeando o Rio Capibaribe. O terreno pertencia

9
No inicio de sua construção, ainda estavam sendo concluídas as obras do Teatro de Santa Isabel. N. da A.

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aos descendentes da família Coelhos Cintra e antes havia sido habitado durante a invasão
holandesa, pelos judeus, funcionando no local um cemitério 10 . Pouco antes da construção do
Pedro II, existia ali o Hospital São Pedro Alcântara (1828), que funcionava em instalações precárias
e foi desativado, com os doentes sendo, conseqüentemente, transferidos para o novo hospital.

O Hospital Pedro II é inaugurado em 1861, com grande parte ainda a ser construída, situação
evidenciada ainda hoje. Antes da inauguração do prédio, houve nos salões do hospital um baile em
homenagem a D. Pedro II, que passava pela cidade. A visita do Imperador resultou na liberação de
recursos para hospitais e orfanatos.

Durante a construção do Hospital, já havia expectativas quanto as suas especificidades. Ele


11
funcionou como casa de caridade, asilo provisório e hospício de alienados, acomodando toda a
sorte de pacientes.

Transferidos para o novo edifício do Hospital Pedro II, que é


aquele Grande Hospital de que trata o mencionado
Regulamento, os enfermos do Hospital de S. Pedro de
Alcântara, foi resolvido que ali ficassem os alienados, até que a
Santa Casa de Misericórdia, autorizada pela Presidência, por

10
Segundo Vainsencher (2003), durante o século XVI, as cidades do Recife e Olinda receberam muitos imigrantes judeus,
que fugiam das perseguições inquisitórias existentes na Península Ibérica. (...). Com a invasão holandesa e a chegada do
conde Maurício de Nassau em Pernambuco, os judeus passaram a usufruir a liberdade disponibilizada para as suas práticas
Figura 125 – Planta da Cidade do
Recife em 1878 religiosas e costumes próprios.
Fonte: Museu da Cidade do Recife 11
“Resolvido instalar o asilo, provisoriamente, no andar térreo do Hospital Pedro II, teve lugar, solenemente, a 23 de
dezembro do mesmo ano de 1859, a cerimônia do ato, a que assistiu o imperador, já então de visita entre nós, sendo então
ali recolhidos mendigos que vagavam pela cidade” (PEREIRA DA COSTA, 1966, p. 103).

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ato de julho de 1864, instalasse um hospício privativo para os


mesmos alienados. (PEREIRA DA COSTA, 1966, p. 372)

O hospital foi concebido dentro dos princípios mais modernos do gênero na Europa. O autor do
projeto, o engenheiro pernambucano José Mamede Ferreira, recém chegado dos estudos da
França, assume, após a saída de Vauthier, a direção da Repartição de Obras Públicas (1846) e dá
continuidade aos trabalhos desenvolvidos pelo engenheiro francês.

As instalações do hospital passaram muitos anos sob a administração das irmãs de caridade da
Santa Casa de Misericórdia, instituição que, não apenas no Recife, mas em muitas cidades
brasileiras e desde o período colonial, preocupou-se com a assistência médica para os menos
favorecidos. Vale salientar que grande parte do corpo médico da cidade trabalhou no Pedro II,
Figura 126 – Cartão Postal com Vista a Esquerda sendo que muitos profissionais davam assistência gratuita aos enfermos.
do Hospital Pedro II
Fonte: Fundaj
O hospital Pedro II serviu de aparato ao desenvolvimento científico da época, operando, desde
logo, com o tratamento de diversas doenças e realizando diversas operações cirúrgicas.
Entretanto, várias dificuldades fizeram parte da sua história, como, por exemplo, o fato de ter sido
construído apenas parcialmente. Porém, no final do século XIX, o Pedro II era referência, tanto no
Recife quanto nas cidades vizinhas e demais capitais do nordeste, com seus três pavimentos
ocupados e funcionando, totalizando 483 pacientes e 146 empregados internos.

Por volta de 1920, o hospital passa a pertencer a Faculdade de Medicina, passando a servir como
escola, transformando-se mais tarde em Hospital das Clínicas da Universidade de Pernambuco e
funcionando, durante mais 50 anos na instituição, como centro de excelência e vanguarda na
medicina nordestina. Nesse período, a edificação sofreu, na sua composição, acréscimos
desordenados que descaracterizaram o projeto original.

191
Elevação
Hospital Pedro II Iconografia

Dados do Imóvel

Projeto José Mamede Alves Ferreira

Pedra fundamental - 1847


Datas
Inauguração - 1861
Inicial - Hospital
Usos Atual - Escola Politécnica de Saúde 0 1 5 10

Local Rua dos Coelhos, 300, Boa Vista, Recife


Hospital Pedro II - Postal datado de 1907.
Tombamento Edifício em fase de tombamento Fonte: Fundação Joaquim Nabuco

Cronologia Histórica Situação Plano Geral

1845 - é criado o Conselho de Salubridade Pública com o objetivo


de dotar o Recife de melhores condições sanitárias e de
combater as epidemias reinantes na época;

1847 - lançamento da pedra fundamental;

1859 - em visita às obras do Hospital, o Imperador D. Pedro II é


recebido com festa em sua homenagem nos salões do edifício, e
libera para a capital, recursos para o setor de saúde pública;

1861 - inauguração do Hospício Pedro II, com menos da metade


da sua construção concluída;

1864 - Instala-se um hospício provisório nas dependências do


hospital, e que já servia também como abrigo de mendigos;

1872 - Concluídas as obras o Asilo de Mendicidade da Província,


os asilados são transferidos para o novo edifício;

1883 - inaugura-se o Hospício da Tamarineira;

1890~- o edifício torna-se referência no atendimento médico do 250


Norte e Nordeste e funciona com os três pavimentos ocupados 0 500
com 483 pacientes e 146 empregados internos; Trecho recortado da «Planta da Cidade do Recife e de seus
Arrabaldes», 1878. Lithographia a Vapor de F. H. Carls.
1920 - passa a funcionar a Faculdade de Medicina de Fonte: Museu da Cidade do Recife
Pernambuco e várias construções anexas são construídas no
entorno do hospital ; Referências Bibliográficas
1946 - passa a ser chamado de Hospital das Clinicas da UFPE; 1 -SOUSA, Alberto."O Classisicmo Arquitetônico
no Recife Imperial". João Pessoa: Editora
1982 -é concluída a transferência para o Campus da UFPE, Universitária - UFPb, Salvado: Fundação João
depois da construção do novo edifício do Hospital das Clínicas e Fernandes Cunha, 2000.
o Pedro II é desativado;
1 5 10
2 -FUNDAJ - Fundação Joaquim Nabuco
1982 - o edifício é parcialmente ocupado pela Diretoria Regional FUNDARPE - Fundação do Patrimônio Histórico e Esquema gráfico da cronologia construtiva do conjunto arquitetônico
da Secretaria Estadual de Saúde; Artistico de Pernambuco.
2007 - Inicia-se as obras de restauro para instalação do hospital- LEGENDA
3 -FRANCA, Rubem. "Monumentos do Recife".
escola, pertencente à Faculdade de Boa Viagem e parte das Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977. 1861
instalações para o Imip - Instituto Materno-Infantil de após 1900
Pernambuco. 4 -ALBUQUERQUE e COSTA, Cleonir Xavier de; não foi executado
ACIOLY, Vera Lúcia Costa. "José Mamede Alves
Ferreira - sua vida e sua obra - 1820 a 1865".
Recife: Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes,
Arquivo Público Estadual, 1985.
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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4.2.1 SUAS INFLUÊNCIAS

O hospital Pedro II foi projetado pelo engenheiro pernambucano José Mamede Ferreira (1820-
1865), dentro dos parâmetros europeus, seguindo as preocupações com higiene, ventilação e
iluminação, categorias essenciais nas concepções mais modernas do período oitocentista.

Mamede Ferreira formou-se Bacharel em Matemática, na Universidade de Coimbra, em 1843, e em


Engenharia, na École des Ponts et Chaussées de Paris. Duas experiências seriam decisivas na
sua identidade arquitetônica (Sousa, 2000, p. 73): pois primeiro se familiariza com a arquitetura
lusitana, o estilo chão; posteriormente, na França, onde pode absorver uma experiência do cenário
de modernização europeu.

Segundo Costa e Acioli (1985, p. 23), “a formação francesa acompanharia toda sua vida profissional (...).
O material para os trabalhos técnicos procedia da França e, do próprio Mamede, há uma relação de materiais
escrito inteiramente em francês”. Os ensinamentos da escola francesa, para o engenheiro, eram
imprescindíveis para realização das atividades públicas.

Segundo Sousa, (2000, p.105) seria possível que esse contato tenha sido um dos fatores que
contribuíram para impregná-lo do espírito racionalista que o caracterizou como arquiteto, quando
teve conhecimento das tendências e das idéias de Boullée e Ledoux, preconizadas, em livros, por
J.N.L. Durand. Pela sua formação, o engenheiro bebeu da fonte direta dos ensinamentos do
Figura 127 – Desenho para um hospital de J.N.L. mestre francês, cujos modelos mais famosos de hospitais estariam estampados nas pranchas do
Durand, (Précis des Leçons, 1809)
Fonte: Pevsner, 1976, p.153. Recueil e do Precis de J.N.L. Durand. (figura 127)

O Hospital Pedro II foi projetado segundo o conceito de edifício pavilhonar, muito utilizado no final
do século XVIII e inicio do XIX, na Europa, configurando por um longo tempo a tipologia mais usual
para esse tipo de programa e substituindo a tipologia em forma de cruz nas plantas hospitalares.

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Os princípios dessa composição preconizavam a decomposição da planta em duas fileiras de


pavilhões simétricos, dispostos perpendicularmente a uma grande circulação e separadas por um
pátio central (divisão dos sexos). (Sousa, 2000, p. 81).

As primeiras construções desse gênero foram o Royal Hospital Naval, em Greenwich (Sir
Christopher Wren - 1694) , e o Royal Hospital Naval, em Plymouth (Rowehead - 1756), ambos na
Inglaterra. Pevsner (1976, p. 154) aponta o Stonehouse como o modelo mais defendido por
Durand. Esse modelo foi aplicado nos desenhos de Tenon e Poyet para o La Roquette, em 1787-
1788.

Durand, no seu Precis des leçons (1809), coloca, como demonstração, um projeto elaborado por
ele, contendo planta e elevação de um hospital com tipologia pavilhonar, seguindo as
configurações do hospital inglês Stonehouse, nas quais longos corredores distribuem alas ou
Figura 128 – Hospital Lariboisiere - 1846
Fonte: Penna, 2004, p.40. enfermarias, formando blocos independentes.

Porém, no edifício hospitalar que mais se assemelha ao hospital recifense, seria construído entre
1839 a 1854, o Lariboisiere (Hôpital Louis-Philippe) de Paris, cuja semelhança é constatada tanto
no partido do plano geral quanto no programa. Esse fato leva a crer que o engenheiro teve acesso
ao projeto do hospital parisiense ou, então, que tal projeto teria sido bastante difundido, por conta
das inovações que trazia na sua concepção arquitetônica, sendo muito elogiado pelos cientistas na
época de sua construção. Esse aspecto também demonstra a total integração do arquiteto aos
modelos mais atuais, onde mantém a produção brasileira num patamar de igualdade segundo a
temporalidade construtiva.

Sousa (2000, p. 81) observa que:

“este projeto era então o que existia de mais moderno no mundo em


matéria de arquitetura hospitalar. Ele representava uma das mais
Figura 129 – Royal Hospital Naval, Ingleterra,
1756, (Durand, Précis, 1801)
Fonte: Pevsner, 1976, p.151.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
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corretas aplicações dos princípios arquitetônicos ditados pela higiene


que haviam sido defendidos, já nos anos 1780, pelos franceses Tenon e
Poyet e cuja adoção fora recomendada em 1786, pela Academia de
Ciências da França, para a edificação de novos hospitais”.

O Hospital Lariboisiere de Paris representou uma síntese dos ensinamentos de Tenon e Poyet,
apresentando uma concepção funcionalista e adequada às questões da higiene interna, além de
priorizar o aspecto da ventilação cruzada e da iluminação natural nos ambientes.

Vale salientar que o engenheiro voltou ao Recife, em 1846, fase em que o edifício parisiense
estava em construção. È nessa época, também, que a cidade do Recife vivia uma fase de pleno
desenvolvimento urbano, com as mudanças ocorridas na gestão do governador Rego Barros.
Nesse período, Vauthier ainda era Diretor da Repartição de Obras Públicas e Mamede o auxiliava
nos trabalhos de ordenamento da cidade. Em 1850, Mamede é nomeado para o cargo do arquiteto
francês, ao qual viria a dedicar seis anos da sua carreira profissional (1850-1856).
Figura 130 – Desenho para o hospital La Roquette
de Tenon e Poyet - 1788 Entre 1847 e 1855, Mamede projetou quatro edifícios de natureza monumental: o Cemitério Público
Fonte: Pevsner, 1976, p.153.
da cidade, com destaque para a Capela em estilo gótico, o Hospital Pedro II, o Ginásio
Pernambucano e a Casa de Detenção. Segundo Gomes (1987, in Fabris, p.183), todas as
construções projetadas pelo engenheiro são quase que inteiramente despojadas de ornamentação,
tanto interna quanto externa. Procurando sobriedade e economia, o que é característico de um
engenheiro com sua formação, ele aplicou de forma restrita as regras de composição clássicas,
“sem permitir a ousadia da reinterpretação” (GOMES, 1987, p. 183).

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

ESQUEMA DO PROGRAMA FUNCIONAL – HOSPITAL PEDRO II Figura 131 – Possível Esquema Funcional do Hospital, desenvolvido a partir de descrições do
projeto original e por analogia ao programa existente no Hospital Lariboisiere.
Fontes: Arquivo Público do Estado de Pernambuco; Penna, 2004, p.40.

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4.2.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO

O edifício possui três pavimentos, número ideal, segundo os princípios de Tenon, para a edificação
pavilhonar, e cinco pavilhões (apenas três foram construídos); ambas as configurações foram
utilizadas também no hospital de Gauthier.

Em planta, o engenheiro preferiu seguir um caminho diferente do hospital parisiense: repetiu o


bloco que compõe a fachada principal na posterior, diminuindo assim o tamanho do pátio central e
provocando um contorno simétrico em torno do conjunto arquitetônico. Nos blocos laterais, segue a
guisa das seqüências de pavilhões das enfermarias, com os gabinetes de serviços e banheiros
formando um T invertido, colocado na extremidade oposta em relação ao Lariboisiere. Entre os
Figura 132 – Plano térreo do Hospital Pedro II
desenvolvido a partir do projeto original blocos pavilhonares, volumes menores destinados a circulações os interligam, servindo também de
Fonte: Arquivo Público Estadual
fechamento para os pátios internos, facilitando a iluminação e a ventilação cruzada.

Os blocos pavilhonares foram dispostos perpendicularmente a uma longa circulação que circunda
um pátio aberto. O eixo longitudinal principal (entrada/capela) estabelece divisão simétrica dos
blocos e é auxiliado por mais dois eixos secundários, que cortam os dois corredores. No sentido
transversal, o edifício foi estruturado por cinco eixos principais, segundo a distribuição das
enfermarias.

A fachada principal foi dividida em três planos movimentados em relação a distribuição interna do
conjunto; nela, a horizontalidade é intensificada pelas linhas de marcação das cimalhas, cornijas e
platibanda, cuja modenatura simples é desprovida de ornamentos. Segundo a planta encontrada,
estava previsto no projeto um único acesso na fachada principal, sendo que na posterior não foi
possível identificar onde seriam os acessos.
Figura 133 – Planta do Laribiosiere – París
Disponível em: <http://www. olhares.uncovering.org>
Acessado em 19-01-2008

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A abertura dos vãos das janelas, em arco pleno e moldura simples, segue um ritmo simétrico, com
distribuição segundo os ambientes internos, na elevação principal e posterior. Essas aberturas, de
modenatura simples, compõem-se apenas de moldura e se interligam umas com as outras por uma
cimalha, marcando horizontalmente a fachada. As aberturas laterais apresentam apenas uma
janela de eixo nos blocos de três pavimentos e três janelas nos blocos térreos intermediários.

As marcações verticais dos cunhais (muito usadas nas construções coloniais) definiam os espaços
internos e demarcavam estruturalmente sua composição, tanto na elevação frontal quanto nas
laterais (não foram construídas todas as marcações dos cunhais, aparecendo, pela iconografia
encontrada e pela configuração atual, apenas nas extremidades).

Estavam previstos nove acessos verticais, distribuídos internamente segundo as especificidades


dos ambientes, dispostos ao longo das circulações. Como o edifício não foi concluído, apenas dois
acessos verticais, nas laterais do bloco principal, ainda permanecem em coerência com o projeto
Figura 134 – Fachada frontal e lateral do Hospital Pedro II –
projeto original - Fonte: Arquivo Público Estadual original.

A capela, cuja nave possuía dois pavimentos, não sobressaia na elevação principal, como era
comum nas grandes construções hospitalares cuja disposição espacial apontava para o eixo
principal.

Ao contrário das grandes obras públicas executadas a época, no Recife, para as quais era comum
a importação de materiais de construção, no hospital foi empregado quase que exclusivamente
material disponível no mercado local, com exceção do pórtico principal e da escadaria, que tinha
colunas dóricas e um frontão com baixos relevos esculpidos no tímpano, com figura da caridade,
tudo em pedra lioz talhada em Portugal. (SOUSA, 2000, p. 85).

O imponente prédio branco (SOUSA, 2000, p. 85) estava elevado do nível exterior, o que supõe a
Figura 135 – Fachada frontal e lateral do Lariboisiere edificação possuir toda sua fundação sobre um porão elevado (embora não seja possível, nas
Fonte: Pevsner, 1976, p. 154.

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plantas das elevações, identificar possíveis aberturas) ou, então, tal elevação dar-se devido às
corriqueiras enchentes que assolavam aquelas regiões.

O Lariboisiere tinha, na sua morfologia, uma planta estruturada pela funcionalidade das
necessidades do programa. Na fachada principal, os recursos plásticos foram utilizados de maneira
monumental: platibandas coroadas com vasos e uma forte marcação de entrada, cujos blocos
laterais apresentam rustificação nas estruturas dos cunhais e frontões triangulares, típicos de
construções neoclássicas. Um grande pórtico marca a entrada principal da edificação.

O aspecto austero da fachada, com pouco uso de componentes clássicos e a simplicidade das
formas, que representou uma das marcas compositivas de Mamede, mostra que, no aspecto do
decoro, o engenheiro distanciou-se das composições francesas. Isso nos leva a crer quer, que
apesar das reais influências para o partido do hospital, no aspecto externo e na severidade das
Figura 136 – Escadaria e Portal de Acesso
Foto da Autora formas, ele procurou dar outro caráter para a construção, talvez apoiado em algumas construções
locais, sem sequer interferir na imponência do conjunto.

A configuração plástica da fachada e a volumetria monumental (embora não concluída, ver pág 00)
do conjunto marcou a paisagem da capital, onde perdurou por um longo tempo como um dos
poucos exemplares desse programa, cuja forma serviu de representação para o momento de
prosperidade da capital recifense se encontrava trazendo a “nova civilidade” para a conformação
urbana.

Figura 137 – Hospital Pedro II no inicio do século XX


Fonte: Fundaj

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4.2.3 MORFOLOGIA DO HOSPITAL

A grande massa construída do hospital – mesmo incompleta –, com sua imponente fachada,
representou uma nova morfologia construtiva para a cidade, em termos de escala monumental, que
seus idealizadores queriam imprimir, demonstrando estarem em plena ascensão as mudanças
ocorridas na paisagem urbana.

Sua Implantação e a escolha do local, onde já havia um hospital (São Pedro de Alcântara) de
pequenas dimensões, revelam a extensão do programa de melhoramentos do Recife, no qual o
papel dos engenheiros servia de suporte de técnico para a realização dos grandes
empreendimentos e, ainda, “para alinhar a cidade às cidades modernas francesas, afirmando idéias de
mobilidade e salubridade” (PONTUAL, 2005, p.33).

A adoção do partido – seguindo os conceitos franceses mais atuais para o programa – sugere uma
integração às primeiras atitudes empreendidas na província desde a chegada do engenheiro
francês Vauthier. A formação francesa de José Mamede Ferreira muito colaborou para manter uma
unidade construtiva que viria a prevalecer na região, com grandes edifícios de natureza pública,
Figura 138 – Volumetria recortada entre os vazios dos pátios
de base retangular, horizontalizada, com forte marcação de dentro dos moldes mais atualizados de desenvolvimento e com respeito às características locais.
eixo principal feito por meio do pórtico de acesso.
A volumetria é gerada, segundo uma composição subtrativa, de um grande bloco retangular, que se
articula entre três disposições: os dois blocos de pavilhões simétricos, que guiam as separações
funcionais internas e conteúdo central recuado dos demais.

Como já mencionado, Mamede partiu das suas diretas influências para a adoção do partido, o
hospital Laribiosiere de Paris, apontando assim uma transferência desse modelo para a capital
recifense, onde foi mesclado pelas influências do meio construtivo e das especificidades pessoais
do autor do projeto, que o subordinou segundo seus conhecimentos compositivos.

200
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Segundo o quadro dos padrões morfológicos dos hospitais mais famosos, podemos perceber a
interação do modelo recifense às vanguardas européias.

Figura 139 – Padrões Morfológicos, com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de
hospitais que se encontram entre as possíveis influências na adoção do partido arquitetônico do Hospital Pedro II.

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Figura 140 – Esquema dos elementos básicos


funcionais da seção horizontal e elevação frontal,
definidores dos ambientes internos e hierarquias

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Os recortes dos vazios, configurando os pátios internos, dispõem-se simetricamente em relação ao


eixo central e permitem maior iluminação interna, o que apóia, por sua vez, o sistema de ventilação
cruzada, definindo um cuidado com a questão da saúde dos ambientes. Nas laterais, blocos
menores e intermediários, entre os pavilhões, também servem de apoio à ventilação e iluminação,
interligando as enfermarias.

A forma retangular do conjunto arquitetônico predomina constantemente entre todos os ambientes,


dividindo-se em dois volumes laterais idênticos, constituindo basicamente dos pavilhões divididos
simetricamente por um bloco central, recuado dos demais. Tal configuração é posta na fachada de
maneira sutil, de modo a que as marcações das linhas horizontais predominem sobre as verticais,
destacadas apenas na marcação estrutural dos cunhais.

Segundo Sousa (2000, p.81), a principal característica que Mamede imprimiu à fachada frontal foi a
imponência incomum, obtida pela combinação de seus 115 metros de extensão com sua altura de
quase 20 metros.

O sistema de organização tem suporte na linearidade constante entre os ambientes internos, em


relação ao seu sistema estrutural. A seqüência em que se desenvolvem as linhas estruturais
Figura 141 – Trecho da Fachada principal mostrando a
aparecem de maneira regular, seguindo uma repetição de distâncias fixas que evidenciam a
regularidade nas disposições das aberturas e a forte marcação
distribuição das circulações internas.
empregada pelas linhas horizontais, das cornijas e cimalhas.
Fonte: Levantamento da Autora.
Esses eixos formam uma malha e estruturam o "sistema" de circulação de todo o edifício, tanto em
nível dos blocos individualmente quanto para o conjunto do hospital. Além da estruturação da
circulação, esses eixos estão na origem da própria organização dos usos internos de todos os
compartimentos, assim como de sua hierarquização funcional, mantendo uma unidade no conjunto,
seja no plano horizontal, seja no vertical.

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Figura 142 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição


das circulações internas e indicações dos acessos. Observação
da organização linear

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Figura 143 – Traçado regulador segundo ortogonal retangular


possivelmente associada à figura do retângulo √2, e sua
correspondência com a elevação.

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A partir do sistema de eixos articulados, observamos que a malha quadrada não definia as
dimensões e delimitações dos espaços internos, o que nos leva a crer que o engenheiro tenha se
baseado nos eixos como traçado regulador. Outra analogia possível, demonstrada na figura 143, é
o uso do módulo de agrupamentos de retângulos e quadrados segundo uma proporção irracional,
muito usado nas construções renascentistas 12 .

Sobre tal configuração de eixos, que no geral cria uma malha organizacional, pode-se também dizer
vinculada aos ensinamentos de J.N.L Durand. Esse tipo de configuração assegura a unidade e a
proporção do conjunto, mantendo planta e elevação em analogia, caracterizando união das partes
com o todo construído.

A racionalidade, a funcionalidade e o uso das formas simples estão impressas na volumetria do


hospital, cuja configuração plástica permeou entre as intenções pessoais e as características do
ensino do Ècole des Ponts e Chaussées, traduzido num exemplar típico do seu momento, da sua
idealização e da sua tendência.

12
São retângulos que crescem em proporção descontínua, gerados pelos rebatimentos das diagonais, cujos valores partem
de √2, com incremento constante de 1 ao número sob o radical.

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4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O HOSPÍCIO E O HOSPITAL

As duas construções simbolizaram uma nova plasticidade compositiva, dentro do plano de


modernidade das cidades do século XIX, como equipamentos de uso público, destinados a manter
a salubridade dos espaços médicos e do próprio espaço urbano.

Ambos os empreendimentos intitulados Pedro II partiram da iniciativa da Sociedade de Medicina e


das autoridades locais, e estiveram apoiados, por um longo período, pelos serviços da Santa Casa
de Misericórdia.

Marcaram definitivamente a fase do Segundo Reinado, época em que os profissionais brasileiros


tinham a formação pautada no ensino francês, tanto direta quanto indiretamente, procurando
mesclar as características locais às necessidades do programa.

Os partidos adotados confirmariam a importância internacional que tiveram diversas tipologias,


encontradas em diversas partes da Europa e da América, sendo que a transferência de modelos se
deu mais em relação ao programa do que em função das formas e materiais compositivos. (figura
145).

Os profissionais buscaram traduzir em criatividade suas influências projetuais, e souberam colocar


as marcas pessoais nas construções, imbuindo-lhes do caráter próprio a que se destinam.
Optaram, também, por imprimir monumentalidade palaciana, introduzindo nessa nova estética
equipamentos públicos que serviram de marcos para um dos períodos mais profícuos da arquitetura
oitocentista.

O Hospício Pedro II, por ser a primeira construção hospitalar de uso específico, marcou a
necessidade desse tipo de programa que comportaria as questões de ordem e salubridade pública
e seriam transplantados nas diversas capitais do Império. Monumento de loucura e saber que

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perdurou até os dias atuais com sua característica principal de palácio, sendo uma das construções
mais admiradas do Rio de Janeiro desde sua inauguração.

O hospital Pedro II tornou-se um empreendimento que preenchia todas as lacunas e necessidades


de programas hospitalares na região. Mesmo sem ter sido concluído, já iniciara suas atividades,
assumindo diversas finalidades e mantendo uma das questões fundamentais às quais se destinara,
que era servir de caridade aos menos favorecidos.

Os dois edifícios guardam particularidades em comum, primeiro por terem sido construções feitas
por profissionais brasileiros e encarregados das seções de obras públicas das capitais. Segundo,
por seus respectivos locais de implantação, margeando a Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro, e
o rio Capibaribe, no Recife, caminhos inseridos na paisagística histórica e urbana das cidades,
destacando-se o isolamento da área apontada no Hospício e o afastamento do aglomerado urbano
do Hospital. Por constituírem exemplares característicos aos seus respectivos programas.

Vale salientar que as alterações no decorrer dos anos e o aumento da densidade da malha urbana
no entorno dessas construções não impediram que elas representassem – e que ainda
representem atualmente – lugares pontuais no espaço urbano.

Numa analogia entre os dois edifícios podemos apontar que:

 ambos foram nomeados Pedro II, dada importância que seus programas representavam;

 tomaram como partido os principais modelos existentes para cada programa;

 estão inseridos nas preocupações salutares no que diz respeito a iluminação, ventilação,
fluxo interno e separação por sexo;

 uso dos conhecimentos compositivos dentro da programática duraniana;

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 implantação relativamente afastada da malha urbana;

 utilização da pedra como elemento nobre;

 suas formas são determinadas pela simetria, regularidade e simplicidade;

 massa articulada entre cheios e vazios;

 rustificação nos elementos estruturais como cunhais;

 horizontalidade marcadamente empregada pelo uso de cornijas e cimalhas.

 sistema de organização linear;

 aberturas de portas e janelas entre os eixos estruturais;

 possuem três divisões hierárquicas, uma central e duas laterais simétricas;

Das diferenças podemos apontar:

 Programas deferentes, funções diferentes;

 A configuração diferenciada das fachadas;

 Partido em planta seguem modelos diferentes;

 Opção pela simplicidade e poucos elementos clássicos no recifense e um apuro formal


maior no carioca;

 Composição aditiva no hospital Pedro II pela clara articulação dos volumes, e subtrativa no
hospício Pedro II cuja distribuição interna partiu de um único sólido elementar.

Tal fato é possivelmente percebido segundo o gráfico das morfologias apresentado a seguir:

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Figura 144 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos
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Figura 145 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos.

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No quadro anterior percebemos que as duas construções são coletâneas aos principais modelos,
integrando a associação entre um tipo consagrado e a atuação particular de cada profissional,
traduzindo em exemplares que participam da arquitetura internacional oitocentista.

Apesar de não participarem do mesmo programa, dada a importância para a história do momento
em que ambas foram construídas, identificamos que a arquitetura brasileira permaneceu um híbrido
das idéias vanguardistas das especificidades, tanto construtivas quanto das necessidades locais.
Tal fato demonstrou a total integração dos seus projetistas a tarefa de construir dois exemplares
que fazia parte das necessidades urbanas, onde denotavam aspectos progressistas e de
vanguarda.

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CAPITULO 5 - ORDEM

“A proporção e a harmonia dos corpos se estabelece por meio da natureza, e que por analogia que esta tem com nossa
organização social as propriedades que se deduzem dos corpos tem poder sobre os nossos sentidos” Boullée (1728- 1799)

5. O ASILO DE MENDICIDADE E A CASA DE DETENÇÃO

Os hospitais, hospícios e casas de correção, tiveram um papel importante na manutenção da


disciplina e da ordem, estando sempre pautados nas questões higienistas e no poder da sociedade,
servindo, muitas vezes, de múltiplas funções.

Pevsner (1976, p. 159) vai afirmar que “os programas de hospitais e acomodações para prisão tem muito
em comum. Ambos os casos um número de pessoas eram confinadas em um lugar em particular”. Esses
ambientes acomodaram, de forma desordenada, todo tipo de pessoa e situação.

Os asilos e prisões (ou casas de correção) tiveram grande importância na questão das devidas
punições e isolamentos para a população “insociável”. Para os asilos, o recolhimento era apontado
como uma maneira de retirar das ruas todos aqueles que não contribuíam para a moral e para
higiene pública: loucos, vadios, bêbados etc. Para as prisões, eram destinados os casos de graves
delitos. Os programas assemelhavam-se, pois constituíam formas de punição por uma situação
causada, quer seja pela moralidade ou pela impunidade, servindo-se, não raro, mutuamente.

Segundo Foucault (1989, 2° ed., p. 500) a vida asilar esteve inserida numa estrutura cuja célula
essencial foi a loucura, daí sua ligação com o ambiente médico; além disso, as questões policiais

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também adquirem importância na retirada dos doentes das ruas, remediando a falta de castigo,
justiça imediata, loucura e desordem moral e social.

John Howard (1726-1790) 1 , um dos grandes reformadores do sistema carcerário inglês, sustentou
diversas análises desse sistema. Em muitas publicações, aponta a necessidade de construções
específicas para cada finalidade. Suas reformas tinham a função de diminuir as atrocidades feitas
aos prisioneiros, instituindo uma legislação que assegurasse algum tipo de direito, segundo
princípios de regeneração moral e de trabalho.

Howard fundou o princípio de trabalho para correção e defendeu algumas questões humanizadoras
nos ambientes prisionais, tais como: o isolamento dos presos durante a noite, de modo que cada
um pudesse dormir isolado do outro; a valorização do silêncio, que entendia favorecer a reflexão e
o arrependimento (embora ele próprio não fosse partidário do isolamento absoluto); e, a difusão da
religião como mecanismo de reforma moral. Um dos poucos países em que as idéias de correção
foram seriamente aplicadas foi a Holanda.

Em 1791, Jeremy Bentham publica o Panopticon, figura arquitetural, cujo princípio era de vigiar e
controlar todas as ações das pessoas inseridas nos ambientes carcerários. Esse modelo tinha a
configuração de um bloco circular, com celas dispostas no entorno e, ao centro, uma torre elevada;
Figura 146 – Desenho da Prisão Panótica feita
por Jeremy Benthan em 1791.
seu desenho previa que o vigia colocado na torre central pudesse ver todos os movimentos dos que
Fonte: Pevsner, 1976, p. 163 estivessem nas celas, sem que eles pudessem ver seu incontinente observador.

1
O filantropo inglês John Howard trabalhou intensamente para modificação dos ambientes de prisões na Inglaterra.
Publicou, em 1777, The State of the Prions, em 1788, Appendix to the State of the Prisons e, em 1789, An Account of the
Principal Lazarretos in Europe. Howard iniciou algumas das propostas, objetivando a humanização da pena e a melhoria do
tratamento nas prisões.

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Para Foucault (1983, 2°ed.p.181), esse sistema teve polivalentes aplicações: “serve para emendar
prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar loucos, fiscalizar
os operários, fazer trabalhar mendigos e ociosos”.

Diversos estabelecimentos – hospitais, hospícios, albergues, asilos e prisões –, no século XIX,


foram criados segundo o sistema disciplinar iniciado por Bentham, seguindo a lógica de distribuição
radial, com separação de celas em blocos pavilhonares, interligados por um volume central ou torre
de vigia.

No inicio do século XIX, os Estados Unidos tomaram a liderança nos modelos “panóticos radiais”,
adaptando-os aos modelos funcionais existentes e criando novos empreendimentos, que se
tornaram modelos desse tipo arquitetônico e foram transferidos para Europa. Outro ponto a se
destacar dessa liderança é a aplicação de dois tipos de sistemas corretivos em duas prisões
distintas: Auburn (1816-1825), em New York City, e Eastern Penitentiary (1825), Cherry Hill –
Figura 147 – Prisão Estadual de Auburn – New York
Fonte: disponível em <http://www.correctionhistory.org> Philadelphia.
acessado em 05/01/2009
Em Auburn, a correção era feita pelo sistema de trabalho, ou Workhouses, modelo trazido da
Holanda desde o século XVII 2 , cuja função interna seria conduzida da seguinte forma: celas à noite,
para dormir, salas de trabalho ou oficinas, separadas, e total silêncio nos ambientes. O sentido de
trabalho, para a disciplina, configurar-se-ia necessário para que os indigentes se tornassem dignos
e úteis à sociedade, resultando, mais do que uma ordem individual, uma ordem social.

2
Segundo Pevsner (1976, p. 161), o único país onde o princípio de trabalho para correção foi aplicado seriamente foi a
Holanda, em Amsterdan, no século XVII, provavelmente uma das cidades mais prósperas da Europa, possuindo uma casa
de correção somente para homens, desde 1596, e outra para mulheres, desde 1597.

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Já a Eastern Penitentiary seguiu a linha das celas individuais de reclusão ou confinamento, à noite;
durante o dia, o trabalho era feito nas mesmas celas, sem que presos mantivessem contato entre
si. Tal modelo de encarceramento estabelecia um tipo de disciplina segundo a qual o indivíduo
deveria redimir-se pelos seus erros isolando-se totalmente do meio social. Esse modelo teve quase
unanimidade de aceitação em todo século XIX. Exportado para Inglaterra, ficou conhecido como
Pentonville System, ou sistema penitenciário, amplamente difundido na Europa, sendo a Pentonville
Prison a prisão mais conhecida, construída, em 1840, por Joshua Jebb.

No Brasil, a questão do aprisionamento foi importante na consolidação da burguesia emergente e


no papel do Estado para organização e disciplina das cidades e do próprio sistema de
Figura 148 – Eastern Penitentiary – Philadelphia
Projetada por John Havilland – 1821 aprisionamento existente. As casas de correção estiveram presentes como novos
Fonte: BAL, RIBA cf. MARKUS, 1993, p.126. In
Nascimento, 2008 p. 91. estabelecimentos, em substituição às antigas Casas de Câmara e Cadeia, Aljubes, antigas
acomodações das fortificações e bases militares 3 .

Outro fato importante, que demonstra o real interesse político e social, foi a criação de um código
penal, em 1830, no qual bem mais da metade das punições previstas fixavam as penas de prisão

3
No Rio de Janeiro, essas prisões recebiam todo tipo de indivíduo e de várias localidades das províncias onde funcionavam
como prisão civil e militar. A cadeia do Aljube (prisão eclesiástica), mais do que qualquer outra prisão do estado, constituiu-
se, em 1824, no centro para onde convergiam as diferentes classes de delinqüentes. Fora esse estabelecimento, havia: a
prisão para mulheres na Ilha de Santa Bárbara, a Fortaleza da Ilha de Cobras, o Arsenal da Marinha, a Ribeira, o Calabouço
do morro do Castelo e a fortaleza de Santa Cruz (Consolidações das Leis e Posturas Municipais, 1° parte da Legislação
Figura 149 – Pentonville Prison – Inglaterra
Projetada por Joshua Jebb – 1840. Federal, Rio de Janeiro, 1905, p. 325-326). Em Pernambuco, existiam, no inicio do século XIX, uma Cadeia Pública, no
Fonte: JEBB cf. MARKUS, 1993, p.127. In Recife e diversas Casas de Câmara e Cadeia – Aljubes –, em Olinda. Os presos das Rebeliões de 1817 e 1824 foram
Nascimento, 2008 p. 91.
enviados para as prisões cariocas, confirmando-se, assim, a constatação de que elas recebiam presos de todas as
províncias.

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simples e prisão com trabalho. Segundo Legislação de 1905, em 1850, o regime penitenciário de
Auburn passa a funcionar como forma disciplinar em diversas instituições no Rio de Janeiro.

A Casa de Correção da Corte, no Rio de Janeiro, iniciada em 1834, teve seu projeto arquitetônico
seguindo o modelo panótico radial, cuja configuração estava próxima ao modelo da House of
Correction of Bury St. Edmonds (1803), na Inglaterra. Porém, seu projeto, que previa uma planta
de quatro raios em torno de um ponto central 4 , em 1840, foi inaugurado com apenas o primeiro raio,
só com dois pavimentos, enquanto que, segundo o projeto cada raio teria quatro; o restante da
construção caminhou em passos lentos e descaracterizados do projeto original, nunca chegando a
Casa de Correção da Corte a ser totalmente concluída.
Figura 150 – Plano da
Casa de Correção de Em 1876, inicia-se a construção de outra edificação nos moldes panóticos, o Asilo de Mendicidade,
Burry St. Edmonds –
Inglaterra. - Disponível cujos projeto e programa seguiam à risca as construções prisionais européias. Uma das principais
em: http://www.
olhares.uncovering.org> funções desse estabelecimento era manter a ordem nos espaços públicos, retirando e abrigando,
Acessado em 19-01-2008
em suas instalações, mendigos, loucos, pobres, velhos e outros pequenos infratores que estariam
lotados na Casa de Correção da Corte.

Na província de Pernambuco, a decisão da construção da Casa de Detenção, em 1848, deu-se


pelo fato de que as Casas de Câmara e Cadeia não suportavam a demanda de aprisionados. A
Casa de Detenção foi também idealizada a partir das mais modernas concepções penitenciárias,

4
Segundo Koerner, 2006, p. 211, “adotou-se um projeto elaborado em 1826 por uma sociedade inglesa de melhoramentos
das prisões, o qual previa uma construção “estilo panótico”, com quatro raios, com duzentos cubículos cada um, totalizando
800 celas. Cada raio haveria quatro andares, que comportariam cinqüenta cubículos por andar cada qual com 2,64 m de
comprimento, 1,65 m de largura, 3,08 de altura. Como regime disciplinar, adotava-se o trabalho em comum durante o dia,
em completo silêncio, e isolamento á noite (Auburn) as oficinas seriam intercaladas com os raios, enquanto, na torre central
Figura 151 – Projeto da se situariam a casa do diretor e a capela”.
Casa de Correção da
Corte. - Disponível em:
http://www.seap.rj.gov
Acessado em 19-01-2008
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seguindo o caminho dos modelos norteamericanos. Serviu como instituição disciplinar e


reformadora, em que os detidos deveriam receber orientação moral e religiosa, além de educação
formal e trabalho, tudo isso visando à sua correção e futura reinserção no meio social.

5.1 O ASILO DE MENDICIDADE

O asilo de Mendicidade conta sua história, permeando dois principais capítulos de desenvolvimento
da cidade do Rio de Janeiro: a saúde e a ordem dos espaços públicos. Nesse sentido, tanto teve
importância, para a sua fundação, a Sociedade de Medicina quanto a diretoria da Casa de Correção
da Corte.

Desde o inicio de seu funcionamento, manteve a função de cuidar dos loucos mais brandos, já que
o Hospício Pedro II não os comportava, além dos demais indigentes que se encontravam nas
dependências – lotadas – da Casa de Correção. È importante frisar que o ato de mendigar era
considerado delito pela constituição de 1830, fato que vinha aumentando o número de
encarcerados na Casa de Correção, cujas características poderiam enquadrá-los como ociosos ou
loucos.
Figura 152 – Vista do conjunto do Asilo de Mendicidade,
atual Hospital São Francisco de Assis – 1938. A necessidade de um asilo já vinha sendo cogitado antes de 1854, quando foi criado um albergue
Fonte: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
de mendigos provisório para controlar a situação de mendicância nas ruas. A instalação desse
edifício foi no prédio do antigo Matadouro de Santa Luzia 5 , que fora adaptado e transformado em
albergaria.

5
Em 1854, entendimentos entre o Ministro e Secretário de Negócios da Justiça, José Thomas Nabuco e o Chefe da Polícia
José Joaquim de Siqueira criaram um albergue de mendigos para controlar a situação de mendicância de rua. Após algumas

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Nessa época, já existia um regulamento que previa uma organização interna para esses
estabelecimentos. Durante a noite, deveriam ser recolhidos todos os mendigos que fossem
encontrados nas ruas, praças públicas e adros de igrejas; os que fossem encontrados doentes
seriam levados à Santa Casa de Misericórdia e os que pudessem trabalhar deveriam ser enviados
à Casa de Correção.

Sua administração ficou a cargo da Secretaria da Justiça do Império e da Casa de Correção, e


funcionou precariamente por cerca de 20 anos, período em que permaneceu como a única
instituição social de assistência na cidade. Em 1876, após novos pedidos e demandas, baseados
nas evidências de que o espaço existente não comportava o número de asilados, foi promulgada a
lei 2.670, visando à construção de um novo edifício, apropriado à função de asilo.

“Por aviso de 25 de abril de 1876 recomendou o Ministro Diogo Velho


ao Chefe de Polícia Miguel Calmon du Pin e Almeida que, de acordo com
o diretor da Casa de Correção, tratasse quanto antes de levar efeito a
construção do Asilo para Mendigos no terreno da rua Visconde de
Itaúna, pertencente aquele estabelecimento, observando-se a maior
economia devido à insuficiência de verba de cem contos e devendo
aquela prisão fornecer pessoal e o material que pudesse dispor”.
(AGUINAGA, 1977, p.22-23)
Figura 152 – Planta da Cidade do Rio de Janeiro – 1867
Localização da área do mangue e da Casa de Correção No mesmo ano, foi lançada a pedra fundamental, em um terreno alagadiço pertencente à Casa de
da Corte. Fonte: disponível em:
<http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html> acessado Correção, cujo local antes pertenceu a Joaquim Henrique de Araújo, Barão de Piracinunga. A área
em 05/01/2009.
do mangue era relativamente afastada do centro, com poucas construções em seu entorno. Uma

obras de adaptação, o antigo Matadouro de Santa Luzia foi transformado em albergaria, capaz de alojar 70 mendigos (40
homens e 30 mulheres). O Asilo de Santa Luzia funcionou precariamente por cerca de 20 anos, período em que permaneceu
como a única instituição social de assistência na cidade. Aguinaga, 1977, p.44.

219
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

delas foi o prédio de grande porte, sede da antiga Companhia de Gás, fundada em 1854, pelo
Barão de Mauá, onde teve inicio o aterramento da área.

Segundo os jornais da época, o edifício causou grande admiração, à época, pela sua concepção
arrojada e monumental, sendo uma das primeiras construções desse porte edificada na área e,
sobretudo, pela ousadia de ter sido levantado no mangue. Jornal do Comércio; 11/07/1879.

O edifício fora concebido pelo engenheiro Heitor Rademacker Grünewald, segundo os modelos de
prisões européias, partindo da tipologia panótica, preconizada por Bentham, como forma
reformadora dos asilados. Em 1875, foi concedido ao engenheiro, por parte do Ministério da
Justiça, uma viagem para Europa, para uma série de visitas técnicas aos principais
estabelecimentos prisionais da Bélgica, Holanda, França, Itália e, especialmente, Inglaterra,
Alemanha e Suécia. (AGUINAGA, 1976, p.76)

De volta ao Rio de Janeiro, o engenheiro apresentou um projeto que logo foi aceito, iniciando-se,
em seguida, os trabalhos de construção (1876). O edifício foi sendo construído sem muitos
recursos, sendo que os poucos que se conseguiam partiam dos cofres da Casa de Correção, a qual
forneceu, também, mão de obra e matéria prima.

O Asilo foi inaugurado em 1879, ainda incompleto, concluídos apenas o pavilhão central, os dois
raios laterais, o corpo do meio e a capela. O edifício só ficaria completamente pronto em 1895, mas
já funcionava em condições precárias. Nesse mesmo ano, o Asilo de Mendicidade muda de nome
e passa a ser chamado de Asilo São Francisco de Assis.

Em 1917, o edifício já apresentava espaço interno insuficiente e comportava 400 internos em suas
dependências. Devido à mudança do perfil do atendimento, que passou a ser diversificado, o Asilo,
em 1922, foi transformado em Hospital São Francisco de Assis, segundo os esforços de Carlos

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Chagas, então Diretor de Saúde Pública. O edifício foi inaugurado com 13 pavilhões, que seguiam
leitura parcial do primeiro projeto apresentado por Grünewald.

Com as novas funções, foi surgindo a necessidade de ampliação, que, com o passar dos anos,
englobou não apenas as principais instalações do prédio, mas também outras diversas construções
anexas a ele. Concomitante ao crescimento do próprio hospital, o aumento da densidade da malha
urbana, em seu entorno, aumentou de maneira considerável.

Em 1946, o Hospital é adquirido pela União e entregue à Universidade Federal do Rio de Janeiro,
então Universidade do Brasil. O HESFA, como é conhecido até os dias atuais, tornou-se um dos
grandes hospitais públicos do Rio de Janeiro, demonstrando que, por muito, a construção serviu de
aparato às necessidades sociais e ao desenvolvimento urbano.

221
Elevação
Asilo de Mendicidade Iconografia

Dados do Imóvel

Projeto Heitor Rademacker Grünewald (engenheiro)

Datas Pedra fundamental - 1876


Inauguração - 1879
Inicial - Asilo de Mendicidade
Usos Atual - Hosp. Escola São Francisco de Assis

Local Avenida Presidente Vargas, 2863 Centro - RJ 0 1 5 10

Foto do Hospital Escola São Francisco de Assis, 1970.


Tombamento nº 978-T-78 Livro Histórico: inscrição nº490,fl. 86 Fonte: ETU- Escritório Técnico da UFRJ.
Belas Artes: inscrição nº 554, fl. 5 vol. II nivel federal

Cronologia Histórica Situação Plano Geral

1854 - criado o primeiro albergue para mendigos na cidade,


instalado no antigo edifício do Matadouro de Santa Luzia;

1860 - inaugurado o Canal do Mangue;

1876 - pedra fundamental do Asilo da Mendicidade;

1879 - o Asilo da Mendicidade é inaugurado ainda inacabado,


estando prontos pavilhão central, os dois raios laterais da
fachada principal

1880 - ordem para remover para o Asilo os velhos e doentes da


Casa de Detenção;

1885 - reiniciadas as obras de construção do Asilo;

1892 - término da construção dos pavilhões posteriores;

1894- regulamento de funcionamento do Asilo entra em vigor. É


criada a Associação Protetora do Asilo da Mendicidade, cuja
presidência foi entregue ao Barão de São Francisco;

1895 - mudança de nome de Asilo da Mendicidade para Asilo São Planta da Cidade do Rio de Janeiro, 1884.
Francisco de Assis; Arquivo da Biblioteca nacional.
Fonte: ETU - Escritório Técnico da UFRJ
1922 - com a reforma no sistema nacional de saúde elaborada
por Carlos Chagas, o Asilo da Mendicidade é transformado em
Hospital Geral São Francisco de Assis. Referências Bibliográficas 0 1 5 10
Lançada a pedra fundamental do edifício da Escola de
Enfermagem na Rua Afonso Cavalcante, atrás do HESFA; 1 -AGUINAGA, Hélio. Hospital São Francisco de
Assis – História. Rio de Janeiro: Companhia Esquema gráfico da cronologia construtiva do conjunto arquitetônico
1946 -o edifício anexa-se à Universidade do Brasil e transforma- Brasileira de Artes Gráficas, 1977.
se em Hospital Escola São Francisco de Assis; LEGENDA
2 -SANTOS, Paulo. “Quatro séculos de Arquitetura”. 1879
1978 - Inaugurado o Hospital Universitário Clementino Fraga, na Barra do Piraí, FABP, FERP, 1976.
Ilha do Fundão. O HESFA é desativado; 1892
3 -Escritório Técnico da UFRJ - ETU - DIPRIT -
1988 -Por motivo de calamidade pública, provocada pelas Divisão de Preservação de Imóveis Tombados.
enchentes na cidade, o HESFA é reaberto;
4 -IPHAN - Arquivo Central - RJ.
2003-04- o escritório Ernani Freire Arquitetos Associados elabora
um plano diretor para a restauração do conjunto. 5 -AGCRJ - Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro.
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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5.1.1 SUAS INFLUÊNCIAS

Segundo a historiografia do edifício, o projeto do Asilo de Mendicidade trazia como influências os


modelos panóticos europeus, com uso das plantas radiais, seguindo a lógica de alocação
pavilhonar, especialmente para os presídios, porém desprovidos das celas individuais, nas quais
permeava a idéia fundamental reformadora, segundo a via da assistência pelo trabalho.

Sobre o projetista do Asilo, o engenheiro Heitor Rademacker Grünewald, vale destacar que pouco
se conhece da sua biografia, fato que requer um maior aprofundamento, o que dificultou relacionar
sua vida intelectual e acadêmica às soluções projetuais por ele assumidas em seus projetos.
Sempre mencionado como engenheiro, poder-se-ia caracterizá-lo como dileto da Academia Militar,
sendo que seus trabalhos sempre apareceram vinculados às atividades públicas do Estado.

Figura 153 - Estação de Ferro Pedro II em 1870, projeto de Segundo Pinto (1902, p. 40), de 1867 a 1870, o engenheiro participou da construção da estação
Heitor Rademacker Grunewald (In: LIMA, 1990)
férrea que ligava Rio Grande e Jacarey em São Paulo. Segundo esse mesmo autor, o engenheiro
trabalhou juntamente com outros empreiteiros contratados pela Companhia Paulista de viação
férrea, desenvolvendo ostensivos trabalhos naquela cidade.

Outros trabalhos identificados foram a reforma da Estação de Ferro Pedro II, em 1870 – cuja
movimentação volumétrica adotada identifica-se com a utilizada no projeto do Asilo – e um projeto
de ajardinamento do Campo da Aclamação, desenvolvido por ele e Jorge Rademaker Grünewald 6 ,
também no inicio de 1870, que não saiu do papel. (Segawa, 1996, p. 170)

6
Segundo Pereira (2001) Jorge Rademaker Grünewald estudou na Escola de Belas Artes Francesa, sendo, possivelmente,
discípulo de Henri Labrouste, a partir de 1854. Na França, ele também freqüentava a Escola de Matemática e Desenho, em
favor das Artes Mecânicas.

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È sabido que em 1875, Grünewald, viaja à Europa, financiado pelo Diretor Geral da Diretoria de
Justiça, A.A. de Paula Fleury (Aguinaga, 1977, p.76), com a finalidade de estudar os principais
estabelecimentos prisionais existentes nos países ocidentais, que serviriam de modelo para a
construção do asilo.

Para tanto, foi designado a visitar, especialmente, os presídios da Inglaterra, Irlanda, Alemanha e
Suécia, mundialmente conhecidos por possuírem melhores estruturas e por adotarem diferentes
Figura 154 – London Millbank Prison – Inglaterra-1813 tipos de sistema carcerário. Nesses países, existia uma grande variedade de prisões que já haviam
Disponível em: http://www.45millbank.com/images/history-45-
millbank.jpg adotado o modelo panótico, sendo que muitas outras ainda estavam sendo construídas.
Acessado em 19-01-2008
Os modelos que se destacaram trazendo esse princípio, no inicio do século XIX, na Europa, foram:
London Millbank Prison (1813-21), na Inglaterra, de Thomas Hardwick; La Petite Roquette Prison
(1826-30), em Paris, de Hippolyte Lebas; Pentonville Prison (1840), na Inglaterra, de Joshua Jebb.
Esse último trouxe significativas alterações na sua constituição física e disciplinar, muito próximas
às características do sistema norteamericano, que, posteriormente, serviu de modelo para diversos
exemplares na Europa no decorrer dos oitocentos.

Entretanto, vale salientar que diversos hospitais, no final do século XVIII, já apresentavam
disposições pavilhonares com finalidade de vigilância, como torres ou elementos centrais, ou nas
extremidades, antes mesmo do panótico de Bentham, demonstrando que essa tipologia formal tinha
multiplas especificidades. Dentre os principais projetos, podemos destacar o Hotel Dieu, de Antoine
Petit (1774), além do Hospital de Poyet.

Segundo Nascimento (2008, p. 86), no edifício de Poyet, a maximização da vigilância é


acompanhada pelo uso de uma estrutura anelar no perímetro do edifício, o que sugere a
possibilidade de acesso de uma ala para outra, sem que seja necessário passar pelo centro do
Figura 155 – La Petite Roquette Prison – França -1826
Disponível em: <http://www. olhares.uncovering.org>
Acessado em 19-01-2008

223
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conjunto, mantendo-se várias possibilidades de percurso para os médicos, apesar da primazia da


noção de centralidade.

Tal configuração foi muito utilizada nos modelos de presídios panóticos radiais e, como no caso do
Asilo de Mendicidade, havia corredores ou passarelas que circundavam o bloco central e
interligavam os demais pavilhões. Esse tipo de disposição espacial, além de favorecer a vigilância
e manter a organicidade da construção, no caso das prisões, facilitou o entrecruzamento das
ventilações e dotou de melhor iluminação natural os ambientes internos.

Uma das principais características do projeto de Grünewald é a disposição dos blocos de forma
independente, o que garantia, por meio dos acessos e das passarelas, a centralidade e a ordem
interna. Tal disposição espacial também viria a facilitar a interdependência dos usuários e a
Figura 156 – Hôtel Dieu (hospital) –
Antoine Petit – França -1774 separação hierárquica dos asilados. A torre central isolada dos ambientes reclusos remete
Fonte: Ching, 2005, p. 209.
diretamente ao modelo ideal do panótico feito por Bentham.

É importante frisar o cuidado que teve o projetista, no sentido de garantir a unicidade do conjunto e
a sua centralização por meio da disposição espacial dos blocos, tendo em vista a prioridade com o
uso que a construção viria ter e sua finalidade, ou seja, asilar e reformadora de indivíduos.

Na época da construção do Asilo, o modelo norteamericano que tirava partido dos blocos radiais, já
se havia difundido pela Europa, onde muitas construções foram erguidas seguindo o exemplo
utilizado na Pentonville na Inglaterra. Uma das prisões norte americanos mais conhecidas foi a
New Jersey Penitentiary, de John Haviland (1833), cuja dstribuição, em cinco alas e corpo central,
muito se assemelha ao projeto do Asilo.

As diversas construções do modelo panótivo radial, no tocante ao partido da planta, em muito se


assemelhavam; porém, é importante apontar para as características particulares de cada
Figura 157 – New Jersey State Penitentiary
– John Haviland – EUA – 1833
Fonte: Sousa, 2000, p.88.

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construção, mesmo em diferentes programas. Tal fato é evidenciado pela escolha dos elementos
compositivos e dos materiais e, ainda, pelas especificidades técnicas de cada região.

Figura 158 – Possível Esquema Funcional do Asilo, feito a


partir de dados do projeto listado em fotografia da planta,
datada do início do séc. XX, do edifício antigo. Modelo da
Planta foi reproduzido com base no levantamento
planimétrico feito pelo Escritório Técnico da UFRJ.
Fonte: Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro –
História e Estatísticas 1922.

ESQUEMA DO PROGRAMA FUNCIONAL – ASILO DE MENDICIDADE


225
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5.1.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO

O Asilo apresenta uma composição em planta de dois pavimentos, na forma radial, seguindo os
modelos provindos do panótico, possuindo cinco pavilhões independentes, destinados aos internos,
que serviam de dormitórios, oficinas, enfermarias. Os pavilhões foram dispostos simetricamente,
prevendo separação de sexo e entorno do volume central, com espaços para a vigilância dos
blocos e para a capela. O bloco principal compõe o sétimo volume e configura a entrada e as
porções administrativas do prédio.

A horizontalidade, característica das construções da época, foi solucionada, alinhando-se,


simetricamente, os volumes laterais dos pavilhões ao volume principal da edificação.

O único acesso na entrada principal demonstra o grau de reclusão que deveriam ter os internos
cujos ambientes eram limitados. Uma grande escadaria interna dava acesso ao primeiro piso do
bloco central, como também fazia distribuição das circulações para os demais. Os acessos aos
blocos pavilhonares são feitos por meio de galerias cobertas que os circundam, possuindo duas
escadarias, simétricas em relação ao eixo principal, em estrutura de ferro, que também serviam de
acesso ao pátio. Os poucos acessos internos denotam carência de organização espacial
segregaria, necessária para distribuição dos transeuntes, além de possuírem a intenção de circular
Figura 159 –Fotografia do Asilo apresentando a planta
datada do início do séc. XX do edifício antigo. pelos pavilhões sem passar pelo centro denotando que ali apresentava-se uma hierarquia.
Fonte: IPHAN – RJ.
A disposição das aberturas dos vãos seguiu o sistema de ventilação cruzada, muito usado em
hospitais, pois mantinha a renovação do ar, garantindo a salubridade nos ambientes internos.

O bloco de entrada apresenta uma configuração diferenciada dos demais do conjunto, articulando
dois volumes laterais que avançam do corpo central, mantendo uma movimentação bastante

226
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

parecida com a do prédio da Estação Ferroviária Pedro II, cuja reforma é do mesmo autor do
projeto do Asilo.

Na composição de sua fachada principal, verifica-se um maior apuro formal, com elementos
compositivos, evidenciados nas pilastras, marcando a estrutura do edifício, nas cornijas salientes
apoiadas em consolos e nas cimalhas, fazendo separação entre os pavimentos e suas aberturas.
Nos blocos pavilhonais, preferiu-se trabalhar a simplicidade, sem muito uso de recursos plásticos
decorativos, o que correspondia com a sua função. Vale salientar que muitas dessas construções
faziam pouco uso de elementos clássicos, pela severidade imposta no caráter da edificação.

A configuração do bloco central impõe uma característica diferenciada, na qual o uso de alguns
elementos decorativos deu ao edifício aspecto palaciano, como particularidade impressa pelo autor
do projeto, ou mesmo a intenção de harmonizar o imóvel com o conjunto de monumentos que a
cidade apresentava.

Outra característica do prédio foi o uso da cantaria em pedra gnaisse, fortemente empregada nas
construções cariocas, em todo plano térreo, cuja rusticação adotada impõe maior severidade à
composição. Dando continuidade a rustificação do térreo, as pilastras do pavimento superior

Figura 160 - Detalhe da fachada principal também apresentavam a mesma configuração, embora em alvenaria.
Fonte: Escritório Técnico da UFRJ.
Para as aberturas dos vãos, optou-se pelo uso de vergas retas, sem molduras, no pavimento térreo
e, no pavimento superior, em arco abatido. Como já salientado, as cimalhas e cornijas apontam
maior severidades das envasaduras, marcando fortemente a horizontalidade da construção, sem
correspondência com as ordens clássicas, denunciando um gosto romântico-eclético. A platibanda
é vazada por série de balaústres no bloco principal, sendo cheia nos demais. Ainda na fachada
principal, apenas três janelas recebem comodulação diferenciada das demais e uma sacada com
peitoril de balaústres, denotando importantes funções para esses ambientes.

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5.1.3 MORFOLOGIA DO ASILO

A implantação do Asilo seguiu as decisões da diretoria da Casa de Correção da Corte, que cedeu a
área para sua construção, cuja localização ficou nas suas proximidades, o que facilitava o
transporte dos presos condenados a penas mais leves, locados naquele estabelecimento.

Além disso, pelo pouco vulto de construções no local, os dois empreendimentos estariam ligados
entre si, tanto pelas funções quanto pelo emblema de ordem e disciplina, determinando uma área
propícia a esse fim. Com as demandas sociais e o crescimento dos bairros, as intermediações no
entorno do edifício foram, aos poucos, aumentando em sua densidade urbana, especialmente pelo
projeto inconcluso da Casa de Correção e pela perda da função específica do Asilo.

Seguindo o pensamento disciplinar, o conjunto foi composto de blocos retangulares concêntricos,


que se distribuem em suas funções distintas e mantêm uma simetria em relação ao eixo principal,
local de vigilância. A partir desse eixo é que se organizam as linhas e matrizes estruturais. Apesar
das duas combinações de organização, linear e centralizada, o espaço central predomina em planta
como o núcleo organizacional. (figuras 164 e 166)

Por meio de um núcleo central, foram dispostos cinco blocos pavilhonares, cujas disposições de
direção e movimentação tendiam para um único eixo, situado no bloco central. Segundo os
Figura 161 – Localização da área de implantação do em 1885
já apresentando uma área urbanizada desenvolvida dez anos
modelos mais consagrados, de distribuição das alas radiais, a configuração morfológica do Asilo se
após a desobstrução, prolongamento e urbanização do aproxima dos modelos norteamericano e inglês.
Mangue iniciada em 1875.
Fonte: Arquivo da Biblioteca Municipal.

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LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Figura 162 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de prisões
que se encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico do Asilo de Mendicidade

Os padrões morfológicos, segundo a disposição radial das circulações internas, apresentam-se de


maneira similar uns com os outros, demonstrando que o autor de cada projeto procurava adaptá-lo
as necessidades do programa e à demanda a que se destinava. Tal fato é perfeitamente
perceptível no Asilo, cujo conjunto conseguiu expressar a criatividade do seu autor diante das
“diversidade” tipológicas surgidas pelo panótico.

229
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Figura 163 – Volumetria articulada em sete blocos, e


três funções primordiais; administração, central de
vigilância e morada dos asilados.

Figura 164 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores
dos ambientes internos e hierarquias espaciais. Configuração da organização proximidade.
230
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O edifício é composto por três conjuntos de elementos, com distintas funções e hierarquias,
organizados topologicamente por proximidade. Cada atividade é abrigada e realizada dentro do
seu volume específico. Os blocos pavilhonares articulam-se em série, possuindo uma relação
específica com a forma do centro irradiador, estabelecendo uma orientação rotacional em torno dos
seus eixos.

O bloco de acesso, ou administrativo, articula-se com os demais estabelecendo um limite, externo


interno, com disposição geométrica diferente dos demais. Suas delimitações apresentam-se como
resultado das distribuições do conjunto interno, notando-se sua simetria em relação ao núcleo
dominante irradiador do conjunto. (figuras 163 e 164)

A geometria do conjunto indica uma repetição radial, ordenada por dois eixos que se relacionam a
duas formas básicas, o dodecágono e o quadrado, que, associados, constituem o elemento central.
Essa associação de formas permitiu uma organização centralizada e estável para o conjunto. Os
eixos também relacionam-se com os arranjos regulares dos espaços e trabalham na direção dos
acessos e movimentos internos. (figura 166)

Segundo sua forma básica, os elementos retangulares predominam na composição como um todo.
Apenas no formato do núcleo optou-se por trabalhar a união de dois elementos distintos, já citados
anteriormente. Outro elemento importante no conjunto é o desenho das circulações, contorno
interno,que interliga os volumes adjacentes ao centro. (figura 164)

È importante frisar que, apesar da organização centralizada, ou mesmo a partir dela, assume-se
uma série de relações lineares e de transformação geométrica. No projeto, é visível a importância
das linhas estruturais das paredes laterais dos pavilhões na conformação do desenho hexagonal
das circulações, e vice-versa, que, por sua vez, configura-se uma inversão à forma do centro,
constituída a partir de um polígono de doze lados.

231
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Figura 165 – Esquema gráfico do traçado linear


do conjunto, apontando unidades em relação ao
plano horizontal e vertical.

Figura 166 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e
indicações dos acessos. Observação das duas formas de organização envolvidas: a linear e a radial.
232
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Os cincos blocos dos pavilhões possuem uma configuração diferenciada das tipologias de prisão –
mas quais eram mais alongados longitudinalmente e mais estreitos por conta das celas individuais
–, comportando um ambiente mais espaçoso e sugerindo uma distribuição de leitos ou outras
atividades que requeressem mais espaço para os internos.

Na fachada principal, as linhas verticais dos pilares do bloco central apontam para uma
preocupação em diferenciar essa estrutura à dos demais volumes, apresentando um padrão
simétrico similar à planta baixa. Sua configuração retangular sugere uma organização feita por
meio de malha, ou eixos, mantendo-se em mesmo sistema de coordenada com seus dois blocos
laterais. (figuras 164 e 166). Outra particularidade do conjunto, ou mesmo outra possibilidade de
agrupamento, pode ser apontada pelo uso de retângulos áureos na conformação dos blocos
pavilhonares adjacentes e na forma hexagonal homotética ao desenho do centro.

Vale salientar que é comum o uso de polígonos regulares como contorno dos blocos radiais, como
o hexágono e o octógono. No desenho da planta do Asilo, ele se apresenta seguindo do sólido
regular de dez lados concêntrico ao sólido do núcleo. Essa configuração apresenta-se de forma
bastante inusitada, não apenas dentro das tipologias mais famosas, mas também na mudança de
relação com da forma do núcleo central, fato que se integra perfeitamente nas relações com os
retângulos áureos. Nesse sentido, partimos para duas opções de organização espacial do conjunto
na busca por sua unidade: uma extrovertida, na qual o centro é o elemento definidor, e uma
introvertida, cujo desenvolvimento partiu do polígono regular envoltório, que mantêm uma relação
áurea, garantindo a proporcionalidade das partes com o todo.

Diante dessas especulações, podemos, de antemão, apontar que o seu projetista partiu das
possibilidades compositivas particulares, utilizadas segundo sua própria escolha ou segundo o
caráter que queria impor à construção, garantindo a autenticidade projetiva e compositiva.

233
LAZER, SAÚDE E ORDEM
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Figura 167 – Esquema gráfico das relações com o retângulo


áureo segundo o modelo ao lado.

Figura 168 – Possível organização do conjunto, segundo a lógica do polígono regular circunscrito.
Observação do polígono de dez lados e sua especificidade com a relação áurea. Organização por
adjacência dos retângulos áureos conformadores dos volumes. 234
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

5.2 A CASA DE DETENÇÃO

Construída numa área de aterro às margens do rio Capibaribe, trata-se de uma das mais
significativas construções levantadas no século XIX, na cidade do Recife, que alterou a paisagem
urbana e até mesmo a planta da cidade.

Sua implantação, dentre outras construções, deve-se ao Projeto de Melhoramentos da Cidade do


Recife, iniciado na gestão do Governador Francisco do Rego Barros, e pela demanda da província,
e até mesmo das cidades vizinhas, por estabelecimentos prisionais. Vale salientar a grande
quantidade de rebeliões que naquela época aconteciam na região norte, nas quais muitos presos
rebeldes ficavam detidos nas Casas de Câmara e Cadeia espalhadas pelos municípios, sem
Figura 169 – Fachada Principal da Casa de Detenção do Recife. qualquer norma de organização.
Fonte: Fundarpe
Dentro do Plano de Melhoramentos, estavam previstos diversos equipamentos de ordenação dos
espaços como: um ginásio provincial ou liceu, um cemitério público, um hospital, um hospício,
asilos, sistema de transporte ferroviário, melhoramentos no porto da cidade e outras obras ligadas a
infra-estrutura. Outros estabelecimentos que viriam a auxiliar na demanda da Casa de Detenção
foram o Asilo de Mendicidade (1872-1892) e o Hospício de Alienados (1883), construídos na
segunda metade do século XIX, no Recife.

O caráter civilizatório dos ordenamentos dos espaços também estava contido na limpeza das ruas e
na retirada dos ociosos e loucos que perturbavam a paz e a moral da sociedade. Na cidade do
Recife, existia a Cadeia Velha, como ficou conhecida após a inauguração da Casa de Detenção
(Cadeia Nova). A Cadeia Velha foi desativada logo após a inauguração do edifício, sendo os
presos enviados para as suas novas instalações.

235
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O prédio foi inaugurado em 1855, com apenas um raio pronto, porém dotado de toda coerência, no
que concerne à comodidade, asseio e salubridade – preocupações do seu construtor – e começa a
funcionar em 1856.

Um dos acontecimentos importantes para a história da cidade do Recife, no século XIX, foi a visita
do Imperador D. Pedro II, em 1859, que não deixou de conhecer a construção e ficou
impressionado com a vultuosidade da obra. Nessa época, também a Casa de Detenção já recebia
presos de diversas províncias do norte, fato que levou o Imperador a achar que a obra deveria ser
feita pelo Governo Geral.

A Casa de Detenção foi projetada pelo engenheiro pernambucano José Mamede Alves Ferreira,
segundo as tipologias de construções carcerárias vigentes na época. O modelo funcional previsto
Figura 170 – Vista Aérea do conjunto mostrando a fachada para a Penitenciária inseria-se dentro do sistema prisional aplicado na Eastern Penitentiary, da
posterior do edifício.
Fonte: Fundarpe Philadelphia, com confinamento solitário à noite em celas individuais, sendo que, durante o dia, os
trabalhos poderiam ser feitos no mesmo local. As celas, que foram projetadas para comportar de
dois a cinco indivíduos, tinham até 12 presos em 1859. A obra só viria a ser concluída após a
morte do engenheiro, em 1867, e, ao longo dos 17 anos de construção, sofreu alterações e
modificações.

O edifício estabeleceu-se como um dos monumentos públicos da cidade desde sua inauguração,
funcionando ininterruptamente por quase 120 anos, até ser fechado em 1973, sendo, por quase
todo esse tempo, a única grande penitenciária do estado.

O edifício sofreu uma grande restauração, por meio da qual lhe foram atribuídas melhorias no seu
sistema estrutural, a exemplo da cúpula – inexistente na época da restauração, em 1974 –, que foi
reconstruída graças ao projeto original ainda existente no Arquivo Público da cidade. Após a

236
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

restauração, vem funcionando, desde 1976, como Casa da Cultura, na qual foi instalado, um
grande número de galerias nas celas, para o comércio artístico, além do Museu do Frevo.

237
Elevação
Casa de Detenção Iconografia

Dados do Imóvel

Projeto José Mamede Alves Ferreira

Datas Pedra fundamental - 1850


Inauguração - 1855
Inicial - Casa de Detenção
Usos Atual - Casa da Cultura de Pernambuco

Local R. Floriano Peixoto, s/n, Centro, Recife


Fachada Frontal voltada para o rio Capibaribe. 0 1 5 10
Decreto Estadual nº 6.687 de 03.09.80, Reprodução de uma gravura de Luiz Schlappriz.
Tombamento Acervo FUNDARPE, 1975.
Livro II, nº 64, fl. 5.
Cronologia Histórica Situação Plano Geral

1848 - lei provincial autoriza a construção da Cadeia Nova.


Apresentação do projeto à comissão de autorização;

1850 - o projeto é aprovado desde que seguisse apenas uma


modificação: as celas não deveriam ser individuais. é lançada a
pedra fundamental;

1851 - concluídos os aterros e o alicerce da construção;

1853 - as obras seguiam em ritmo lento devido aos gastos da


primeira fase da obra;

1855 - o prédio é inaugurado incompleto, são alocados presos do


estado e de outras regiões do nordeste;

1859 - visita do Imperador Pedro II a província de Pernambuco e


ao edifício, cuja obra ficou impressionado;

1865 - morre Mamede Ferreira autor do projeto;

1867 - conclusão das obras da Casa de Detenção, onde já


funcionava com todo aparato que se destinaria na sua 250
implantação; 0 500
Trecho recortado da «Planta da Cidade do Recife e de seus
1855-1970 - o edifício funciona com a ùnica grande penitenciária Arrabaldes», 1878. Lithographia a Vapor de F. H. Carls.
do estado, recebendo toda sorte de infratores e presos políticos. Fonte: Museu da Cidade do Recife

1973 - o prédio é desativado e os presos são transferidos para Referências Bibliográficas


outros estabelecimentos da cidade;
0 1 5 10
SOUSA, Alberto."O Classisicmo Arquitetônico no
1974 - projeto para restauração do antigo complexo foi elaborado Recife Imperial". João Pessoa: Editora Universitária Esquema gráfico da cronologia construtiva do conjunto arquitetônico
pela arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, juntamente com - UFPb, Salvador: Fundação João Fernandes
Jorge Martins Junior. A restauração e o aparelhamento ficaram Cunha, 2000. LEGENDA
sob a responsabilidade da Fundarpe;
1855
FUNDARPE - Fundação do Patrimônio Histórico e
1976 - o edifício é inaugurado como Casa da Cultura, segundo Artistico de Pernambuco. 1867
seu principal mentor Francisco Brennand , que em 1963 exercia
a Chefia da Casa Civil; ALBUQUERQUE e COSTA, Cleonir Xavier de;
ACIOLY, Vera Lúcia Costa. "José Mamede Alves
1976-2009 - o local é um centro de cultura regional e ponto Ferreira - sua vida e sua obra - 1820 a 1865". Recife:
turístico obrigatório da cidade. Suas antigas celas são ocupadas Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes, Arquivo
por lojas de artesanato, livraria e lanchonetes. É um espaço para Público Estadual Jordão Emereciano, 1985.
shows e representações folclóricas regionais e abriga também o
museu do Frevo. BARBOSA, Antônio. "Relíquias de Pernambuco -
Guia dos Monumentos de Olinda e Recife". São
Paulo: Ed. Fundo Educativo Brasileiro, 1983.
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

5.2.1 SUAS INFLUÊNCIAS

O autor do projeto da Casa de Detenção, José Mamede Alves Ferreira, comentado, no capitulo
anterior, por também ter projetado o Hospital Pedro II em Recife, tornou-se à época de inicio da
construção da penitenciaria, Diretor da Repartição das Obras Públicas da Província (1850- 1856).
Marcou a paisagem recifense com várias obras de melhorias, dando andamento às idéias
modernizadores surgidas na gestão de seu antecessor Vauthier. Tais projetos o vieram agraciar
como um dos mais competentes profissionais da capital, sendo que, até a atualidade, seu edifício
ainda é considerado como parte importante na historiografia arquitetônica da cidade.

A Casa de Detenção, em particular, mereceu grandes elogios, na época, pela sua concepção
arrojada e moderna 7 , cujo partido o autor preferiu buscar nos tipos mais aprimorados do sistema
panótico. O engenheiro preferiu adotar um modelo já consagrado para esse tipo de programa,
Figura 171 – Cherry Hill Prison – Philadelphia –1823-9
Disponível em: <http://www. olhares.uncovering.org>
assim como o fez para o Hospital Pedro II, na mesma cidade.
Acessado em 19-01-2008
Segundo o próprio Mamede, o partido adotado foi o “panótico radiante, construído no sistema da
Pensilvânia, contendo três raios, nos quais existem um corredor no centro e celas de um e outro lado, com
8
capacidade para conter 1, 3 e 5 indivíduos”. (COSTA & ACIOLI, 1985, p. 33).

A Eartern Penitentiary foi construída, entre 1823-1829, por John Haviland, e previa um modelo de
confinamento em celas individuais dia e noite para os detentos, distribuídos em pavilhões radiais,

7
“Começou a funcionar a Casa de Detenção em 1856 e, segundo Gilberto Ferrez ‘era um dos melhores, senão o primeiro
estabelecimento do gênero no país, por suas instalações e métodos modernos’”. Citação de Ferrez ao prefácio de Álbum de
Pernambuco. Apud. Costa & Acioli, 1985, p. 35.
8
Mamede deixou relatórios descritivos das obras que realizara. Estes estão disponíveis, no Arquivo Público do Estado de
Pernambuco e também foi colocado em algumas passagens da sua biografia “José Mamede Alves Ferreira: sua vida – sua
obra, 1820-1865”, publicada em 1985 pelo próprio Arquivo Público Estadual.
Figura 172 – Plano da New Jersey State Penitentiary –
John Haviland – EUA – 1833
Fonte: Sousa, 2000, p.88.

239
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

possuindo um único centro de vigia, e cujo sistema de disciplina previa o trabalho, o silêncio e a
penitência. O modelo de prisão de Haviland foi bastante difundido, não apenas nos Estados
Unidos, mas em quase toda Europa, no decorrer do século XIX, especialmente a partir do modelo
Inglês Pentonville Prison, construído, em 1840, por Joshua Jebb.

Segundo Sousa (2000, p. 87) Mamede adotou como modelo o projeto original da New Jersey State
Penitentiary 1833-1836, de John Haviland, para o esquema de distribuição dos pavilhões e
conformação plástica da planta da Casa de Detenção. Segundo Nascimento (2008, p.91), sabe-se
que as soluções utilizadas nas construções prisionais respondiam fielmente a um conjunto de
indicativos em voga nos meios de criminologia e penalogia do século XIX.

O engenheiro preferiu adotar uma disposição cruciforme para os pavilhões de celas, radiando a um
núcleo octogonal, dispensando os blocos em diagonais e a configuração circular do bloco central,
Figura 173 – Fachada Principal da New Jersey State
Penitentiary – John Haviland – EUA – 1833 apresentados na penitenciária americana. A quantidade de celas também foi menor no presídio
recifense e a disposição do terreno seguiu o plano de aterramento feito pelo próprio engenheiro,
que também previa novos arruamentos e a construção de um cais na frente.

Todavia, Mamede volta dos seus estudos na Europa por volta de 1846, trazendo de lá, na
bagagem, todo o conhecimento adquirido para sua profissão, o qual fazia justiça ao destino dos
engenheiros que trabalhavam para o Estado. Tais conhecimentos, tanto na parte de gestão
administrativa quanto na área do projeto, apontam para um profissional altamente qualificado para
as atividades públicas.

Sobre a configuração panótica, Sousa (2000, p.87) vai apontar que:

Na verdade o uso de plantas panóticas radiais parecidas não induzia os


arquitetos a produzir arquiteturas de aparências semelhantes, tendo
Figura 174 – Vista da lateral da
Casa de Detenção permitido, ao contrário, a criação de uma variedade delas. O próprio
Fotos da Autora, 2008.

240
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Haviland deu fisionomias completamente distintas aos seus projetos (...):


no primeiro, os blocos de celas tinham feição puramente utilitária e a
muralha envoltória lembrava um castelo medieval: já o segundo foi
construído num pesado e soturno estilo egípcio.

A semelhança, em planta, com o modelo norteamericano pouco tinha a ver com sua elevação,
tendo o engenheiro optado por lhe dar um caráter palaciano, diferente dos exemplos
norteamericanos, ou mesmo dos europeus, que utilizavam formas mais carregadas, fazendo alusão
a fortificações, fortalezas e outras composições do gênero. Esse tipo de associação historicista
também não faltou na composição da Casa de Detenção, onde se optou pelo uso de elementos
solidamente marcantes, com uso inusitado de linhas curvas e retas na platibanda, uma cúpula cuja
base é um octógono truncado, além de pouquíssimos recursos clássicos, tanto externamente
Figura 175 – Vista da fachada quanto internamente, identificando o autor do projeto com a linha dos arquitetos racionalistas
principal do Hospital Pedro II
Fotos da Autora, 2008. franceses, como Bollée e Ledoux.

É nesse sentido que o engenheiro garantiu a originalidade do conjunto e conseguiu dar caráter
próprio a construção, que se inseria dentro do panorama das construções recifenses da época,
muitas por ele mesmo projetadas, como o Ginásio Provincial e o Hospital Pedro II. O próprio tipo
de composição radial, opção de Mamede, nos faz crer que ele estava bem atualizado com as
principais tendências em voga, segundo as quais muitas dessas construções ainda estariam sendo
construídas.

Segundo Nascimento (2008, p. 92), “a Casa de Detenção do Recife era um típico exemplo de uma
penitenciária ideal do século XIX, com todas as suas particularidades, especificidades, qualidades e
limitações”.

Figura 176 – Vista da fachada do Ginásio pernambucano


Fotos da Autora, 2008.

241
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 177 – Possível Esquema Funcional da Casa de


Detenção do Recife desenvolvido a partir de dados do
histórico do processo de tombamento.
Fontes: Fundarpe e Arquivo Público da Estadual de
Pernambuco.

ESQUEMA DO PROGRAMA FUNCIONAL – CASA DE DETENÇÃO


242
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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

5.2.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO

A planta, em forma de cruz, foi dividida em quatro braços e um centro, seguindo o sistema panótico
radial. Os três blocos de celas possuem cantos arredondados, semelhantes ao da planta do New
Jersey Penitentiary (figura 172), com três pavimentos. Para a distribuição das celas, originalmente
foi previsto que todas fossem individuais; porém, a demanda foi maior do que a prevista no projeto,
tendo sido preciso fazer adaptações para que em cada cela pudessem caber dois ou mais detentos.

A planta foi composta por quatro alas – norte, sul, leste e oeste –, que possuíam funções
específicas tais como:

1) na ala oeste, à entrada, dois torreões octogonais de guarda, com dois andares – ao lado de cada
um funcionavam guaritas para os vigias –, ladeados por uma muralha de proteção de quatro metros
de altura; um bloco principal retangular, com dois pavimentos que comportavam todo o setor
administrativo, no térreo, e, no segundo andar, a morada do administrador e a capela;

2) nas alas norte, sul e leste, os três raios de celas divididas lado a lado, com três andares cada,
que comportavam celas individuais no primeiro pavimento e, no segundo e no terceiro, celas em
grupo. No terceiro pavimento da ala sul também ocupariam espaços as enfermarias, postos de
vacinação, banhos e sala para pequenas cirurgias.

O hall principal, com pé direito triplo, apresenta-se como o intermediário entre as alas, destinado à
vigilância contínua dos pavilhões e encimado por uma cúpula de formato diferenciado. Nesse vazio
do espaço central, a vigilância era feita por meio de uma sacada que ficava no nível do segundo
pavimento (figura 179). Esse posto de observação possuía o mesmo desenho do espaço central,
“sendo concebido em forma de púlpito – tal característica é a que demonstra maior similaridade do edifício com
o Panótico”. (NASCIMENTO, 2008, p. 92).
Figura 178 – Plantas dos três níveis do projeto da Casa de
Detenção. - Fonte: Fundarpe

243
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Todos os acessos internos davam para o hall central, que apontava para a saída principal da
construção. No pavimento térreo do hall central, duas portas davam acesso aos pátios nordeste e
sudoeste da Casa de Detenção.

As escadarias localizavam-se em cada extremidade lateral das alas pavilhonares. Elas conduziam
a estreitos corredores de acesso às celas, tanto no segundo pavimento quanto no terceiro. No
bloco principal da administração, outro acesso vertical facilitava a circulação interna dos
funcionários, configurando espaços bastante hierarquizados.

No que concerne à salubridade interna, foi prevista, no projeto, água em todas as celas, que seria
fornecida por meio de um tanque situado nas extremidades dos raios, que, por sua vez, eram
cheios por um sistema de bombas. Os banheiros para presos e empregados também foram
colocados nas extremidades das alas, para melhor funcionalidade e, ainda, na intenção de manter
Figura 179 – Vista do hall central mostrando a sacada de os ambientes limpos e salubres. (COSTA & ACIOLI, 1985).
vigilância e as aberturas aos blocos pavilhonares.
Fonte: Nascimento, 2008, p.94.
A fachada principal apresenta-se horizontalmente desenvolvida, pela extensão simétrica das alas
norte e sul, possuindo um corpo central avançado para fora, com uma frontaria remetendo aos
moldes clássicos, constituído de um frontão triangular com um brasão no tímpano. Os cunhais lisos
fazem a marcação estrutural, apresentada apenas no volume do bloco central.

Uma grande cúpula de volume elevado e o lanternim adotam o mesmo formato octogonal truncado,
existente no hall principal do edifício, compondo as fachadas de formatos diferentes. Vale salientar
que a cúpula foi inicialmente construído em alvenaria e, no momento de sua restauração, em 1974,
ela não mais existia, sendo colocada, em seu lugar, outra em estrutura metálica, seguindo o projeto
existente elaborado por Mamede.

Figura 180 – Vista aérea do conjunto após sua restauração


Fonte: Fundarpe

244
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No acesso principal, há dois pórticos de cantaria de pedra portuguesa, com modenatura rustificada,
e um portão em ferro fundido trabalhado, marcando a severidade da construção, ladeados pelos
torreões, o que remete à configuração das seteiras das construções fortificadas.

Em toda a extensão das fachadas, a linha da cimalha que arremata a platibanda é fortemente
marcada, estando presente em todos os volumes, apontando a horizontalidade do conjunto. A
platibanda cheia também aponta o lado mais severo da construção, projetada de forma inusitada
nos blocos pavilhonares, com uma curvatura saliente nas extremidades, de forma a deixar aparente
Figura 181 – Vista entrada principal do presídio
Foto da Autora. a cobertura de duas águas, e insinuando frontões nas fachadas laterais.

As aberturas dos vãos das alas norte sul e leste constituem dois tipos de configuração: quadrada,
nas laterais, e em arco pleno, nas extremidades das circulações. Na ala oeste, bloco
administrativo, as aberturas apresentam-se em arco pleno, assim como nas laterais do hall central.
As torres da entrada do presídio são cercadas de aberturas em todos os lados da sua forma
poligonal, lembrando seteiras usadas em construções fortificadas.

Quanto aos materiais, optou-se por usar molduras simples em cantaria de pedra em todas as
janelas, com grades de ferro, apenas nos blocos pavilhonares, desenhadas pelo engenheiro. As
passarelas de acesso às celas possuíam piso em reguado de madeira, com corrimãos em ferro,
assim como a sua estrutura, também confeccionada em ferro, com as mãos francesas denotando,
também, caráter decorativo.

Na cobertura, foi previsto um sistema de ventilação zenital e de iluminação natural onde foram
usadas telhas de vidro, dispostas nos corredores das alas de celas.

Figura 182 – Vista do bloco administrativo


Figura 183 – Vista lateral do hall central e das alas
Fonte: Fundarpe.

245
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5.2.3 MORFOLOGIA DA CASA DE DETENÇÃO

A Casa de Detenção situa-se na zona central do Recife, às margens do Rio Capibaribe, área
constantemente alagada, em função das cheias, tendo sido preciso um trabalho de aterramento
para sua construção. O local foi escolhido pelo engenheiro José Mamede, numa área isolada,
porém próxima das autoridades policiais e judiciais.

É importante frisar que diversas construções do período, especialmente as de grande


monumentalidade, estariam situadas nas proximidades do rio, como o Palácio dos Governadores, o
Teatro de Santa Isabel, a Biblioteca Pública, o Ginásio Provincial, a Assembléia Legislativa, o
Hospital Pedro II e o Liceu de Artes e Ofício, marginando suas encostas.

Tal disposição é importante para se compreender a importante espacialidade da cidade, permeável


em entorno do rio e das pontes, originada no período holandês.

O edifício seguiu os modelos consagrados para esse tipo de programa, segundo a lógica de
distribuição radial. Sua organização planimétrica foi em forma de cruz, na qual foram distribuídas
as alas norte, sul, leste e oeste, sendo os três primeiros raios destinados às celas e o ultimo ao
setor administrativo do presídio.

Apesar da sua configuração não circular, a disposição do bloco central em relação às alas de celas
resolve perfeitamente a questão da máxima visibilidade requerida pelo programa. Um outro fator
que beneficia a vigilância e o controle são as amplas aberturas nos acessos aos raios, que
Figura 184 – Planta da
Cidade do Recife em 1878 alcançavam pé direito triplo.
Fonte: Museu da Cidade do
Recife

246
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O edifício apresenta um padrão morfológico, segundo a disposição das circulações internas,


próximo à proposta do modelo norteamericano, apresentando-se como mais um tipo, associativo do
panótico radial, no qual se apresenta dentro das especificidades pessoais e culturais nele inseridas.
A partir dessa variedade de tipologias, também podemos perceber que as formas predominantes
são muito parecidas umas com as outras; o que as irá distinguir, com originalidade, é o
desenvolvimento projetual, que seguirá uma linha de escolha compositiva particular.

Figura 185 – Padrões Morfológicos com base na distribuição das circulações internas dos principais modelos de
prisões que se encontram entre as possíveis influencias na adoção do partido arquitetônico da Casa de Detenção

247
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 186 – Volumetria articulada em cinco blocos, e


três funções primordiais; administração, central de
vigilância e celas dos detentos.

Figura 187 – Esquema dos elementos básicos funcionais da seção horizontal e elevação frontal definidores
dos ambientes internos e hierarquias espaciais. Configuração da organização proximidade.
248
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

O conjunto é composto por três tipos de elementos de distintas funções e hierarquias, organizados
topologicamente por proximidade, com um núcleo central em comum. Cada atividade é realizada
dentro do seu volume específico. Os três blocos de celas são distribuídos conforme rotação de 90°
graus em torno do núcleo central, configurando elementos idênticos.

O edifício apresenta uma geometria ortogonal articulada nas definições dos eixos, que mantêm uma
estrita relação de centralidade com o núcleo. O desenho do elemento central sobressai na
elevação frontal e se configura num prisma, cuja base é um octógono truncado, encimado por uma
cúpula do mesmo formato. (figuras 186 e 187)

É das arestas desse prisma que saem os demais volumes que vão se adequar ao conjunto,
mantendo o equilíbrio pela simetria. Os três tipos de elementos, segundo sua forma básica,
apresentam desenhos diferenciados, apontando uma movimentação bem equilibrada na sua
elevação.

Apesar da organização centralizada, facilmente identificada pela composição radial, a linearidade


da construção é evidenciada quando assume a ortogonalidade do conjunto. Uma das principais
características dessa organização linear está relacionada ao seu esquema estrutural, no qual
podemos perceber uma seriação das linhas estruturais dos blocos das celas de módulo constante,
assim como no bloco administrativo e central (figura 189).

Por meio dessa disposição, essa opção já aponta um dos caminhos que o autor pode ter utilizado
para garantir a unicidade das partes com o todo, ou mesmo pode sugerir o uso de uma malha
ortogonal – muito embora seu módulo não seja a forma quadrada –, que gera um sistema no qual
podemos identificar também sua relação com a elevação frontal. É importante frisar que a
composição tinha o propósito de manifestar, no seu volume, os diversos componentes do
programa, gerando uma conformação dinâmica.

249
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 188 – Esquema gráfico do traçado linear


do conjunto, apontando unidades em relação ao
plano horizontal e vertical.

Figura 189 – Traçado dos eixos estruturais, eixos de distribuição das circulações internas e indicações dos
acessos. Observação da predominante organização linear do conjunto e sua associação de medidas.
250
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No projeto da Casa de Detenção, a disposição cruciforme é determinante para a distribuição e


permeabilidade das circulações, que seguem a mesma leitura dos eixos. Essa disposição assume
um ponto central, em cujo local o projetista colocou o balcão de vigilância, garantindo o perfeito
controle de todos os espaços internos.

As linhas que definem a estrutura dos blocos pavilhonais assumem os alinhamentos principais,
possuindo distâncias fixas entre eles, tanto no sentido horizontal quanto no vertical, além de se
relacionarem com as elevações (figura 189). O bloco administrativo diferencia-se dos demais,
possuindo características lineares próprias e, ao mesmo tempo, comuns com o bloco central. Esse
último articula-se com as demais estruturas, conformando o todo. Os dois torreões, na muralha de
acesso, também constituem parte importante na composição, indicando a entrada da edificação, e
estão dispostos simetricamente segundo o eixo principal. Seus volumes apresentam-se como
prismas de base octogonal, cujos eixos articulam-se com as laterais do bloco administrativo.

Segundo o sistema proporcional, podemos sugerir outra possibilidade de organização das partes
com o todo construído, cuja disposição apresenta-se intimamente ligada à figura do polígono
central, o octógono, demonstrando ser ela o principal articulador do conjunto, tanto em planta
quanto em elevação. (figura 191).

A série de quadrados encontrados e retângulos √2 apontam uma busca por uma razão associativa
das partes com o todo, que poderia ter sido inicializada pela quadratura do octógono central. Tal
conformação evidencia um apuro matemático geométrico, característico do engenheiro, cujo
cuidado em transmitir uma singularidade formal a sua obra garantiu-lhe um trabalho de grande
maestria.

251
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

Figura 190 – Esquema gráfico das relações de proporção


segundo o modelo ao lado.

Figura 191 – Possível organização do conjunto, segundo a organização de quadrados e do


quadrado √2, e cujo centro identificamos a quadratura do octógono como outro articulador das
partes com o todo. 252
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

5.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS EDIFÍCIOS

Os dois edifícios estiveram ligados às reais necessidades de ordem nos espaços públicos e
atuaram como reformadores de indivíduos que não se adequavam às normas da sociedade vigente.

Ambas as construções adotaram para seus respectivos programas os exemplares mais


consagrados de prisões, segundo as melhores adequações e soluções do modelo panótico
prescrito por Bentham, no sentido da salubridade, viabilidade e a permeabilidade.

Os edifícios procuraram manter características particulares, segundo as preferências compositivas


dos seus projetistas. Percebemos, no entanto, uma maior preocupação em imprimir, nas suas
fachadas, uma marcada horizontalidade e linhas palacianas, o que os diferencia dos modelos
estrangeiros e os aproximam da estética construtiva da arquitetura oitocentista brasileira. Essa
peculiaridade compositiva afirmou-se como uma necessidade de manter um caráter nessas
arquiteturas. Logo, ambas apresentam-se como nítidos exemplares brasileiros, especialmente por
estarem associadas às demandas sócio-culturais, pertinentes ao desenvolvimento urbano do século
XIX no Brasil.

A necessidade desses empreendimentos estava associada, também, ao desejo de alcançar o


patamar de civilidade e progresso, tanto no sentido paisagístico quanto humano.

O Asilo de Mendicidade, no Rio de Janeiro, apresentou-se como uma instituição ligadas às práticas
corretivas, seguindo para o sentido da caridade, na qual seus ambientes não comportam a clausura
das prisões individualizadas, mas uma lógica de acomodação paga pelo trabalho. O sistema
panótico radial demonstrou ser uma opção para a manutenção da ordem interna e também da
externa, demonstrada pelo fechamento que sua configuração plástica aponta.

253
LAZER, SAÚDE E ORDEM
Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

No caso da Casa de Detenção do Recife, a opção pelo modelo panótico foi mais direta, pois, como
uma instituição prisional, precisaria adotar um sistema mais eficaz de vigilância, de acordo com os
mais modernos da época. A necessidade dessa construção surgiu da demanda provocada pelas
constantes rebeliões no estado de Pernambuco; em função dessa demanda pela ordem, optou-se
por uma construção de tamanho considerável, que por muito tempo serviu ao estado com sua
função inicial.

Dentre as semelhanças entre as duas construções, podemos citar:

 são construções importantes na conformação urbana do entorno;

 são obras de caráter público que estão sob a administração do Estado;

 foram assentadas em áreas de mangue, relativamente afastada da malha urbana, o que


estabelece uma necessidade de aterramento e uma estrutura diferenciada de suporte;

 foram inauguradas inacabadas;

 possuem influência dos modelos panóticos radiais, com organização pavilhonar, mais
importantes do cenário prisional;

 cuidados com a salubridade e a segurança nos ambientes e no conjunto;

 separação por sexo;

 horizontalidade garantida com o alinhamentos dos blocos pavilhonares laterais ao corpo


central e pelo forte emprego das cornija e cimalhas como linhas demarcadoras;

 aberturas dispostas em relação aos eixos;

 classificação hierárquica segundo os elementos distintos da fachada principal;

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e no Recife

 tipo de organização linear e central

 topologia por proximidade;

 uso de material nobre, como a pedra;

 corpo central da fachada diferente dos demais;

Dentre as diferenças, podemos destacar:

Asilo de Mendicidade Casa de Detenção

 não era para o encarceramento  destinava-se ao isolamento do


indivíduo;
 cinco blocos pavilhonares
independentes;  disposição cruciforme;

 circulação por galerias internas  o polígono gerador é o octógono;

 pavilhões compostos por blocos  três blocos pavilhonares;


concêntricos;
 possuía três pavimentos;
 o polígono gerador é o dodecágono;
 proporção segundo quadrado √2;
 possuía dois pavimentos;
 platibanda curvada;
 proporção próxima ao retângulo
 cúpula destacada na fachada;
áureo;
No que concerne às características morfológicas, identificamos, nas duas construções, que o
tratamento formal esteve ligado a opções individuais, sendo que em ambas prevalece o uso da
geometria na organização dos espaços, como podemos perceber no o quadro analógico a seguir:

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Figura 192 – Análise Comparativa entre os teatros segundo padrões morfológicos

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Figura 193 – Análise Comparativa entre os principais modelos internacionais e os edifícios brasileiros segundo padrões tipológicos formais.
Imagens aéreas atuais disponíveis em: < http://maps.google.com.br>

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Segundo a figura 193, constatamos que os dois projetos inseriram-se no panorama internacional
como duas construções que mantém a mesma tipologia, porém fazem parte de um contexto
característico a cada um.

Seus projetistas optaram por uma configuração plástica, adequada às finalidades a que se
propunham e souberam manter um caráter próprio, tanto para o programa quanto para as
especificidades compositivas dos autores do projeto.

As duas construções partiram da iniciativa de auxiliar os trabalhos das Casas de Correções


existentes em ambas as províncias, sendo que no Asilo seriam abrigados os pequenos infratores
que atrapalhavam a ordem pública e, na Casa de Detenção, os infratores mais graves.

Os modelos norteamericanos serviram de influência, tanto para os edifícios quanto no sistema


reformador aplicado, demonstrando uma atualização dos seus projetistas com os modelos e
propostas de funcionamento mais atuais da época.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro dos parâmetros de desenvolvimento da arquitetura brasileira em meados do século XIX, muitos edifícios erigidos com o léxico clássico, demonstram
erudição de cunho acadêmico e evidenciam a inserção de novos programas, denotando características de progresso e civilização para as cidades em
desenvolvimento.

Observando o Brasil no início do século XIX, ainda em fase de estruturação das capitais, as cidades ainda mantinham a aparência colonial em suas
construções. Porém, algumas edificações se destacaram com uma plasticidade e função diferenciada como o ‘Palácio dos Governadores’ em Belém do
Pará (1767), Igreja da Candelária no Rio de Janeiro (1775), Associação Comercial de Salvador na Bahia (1814), Associação Comercial no Rio de Janeiro
(1816), Residência do Monarca na Quinta da Boa Vista Rio de Janeiro (1808), Palácio Episcopal no Recife (1830).

Após a Independência e especialmente com a formulação da primeira Constituição do País, o crescimento começa a despontar timidamente, tendo grande
impulso com a formação da elite burguesa que vai exigir condições condignas para as novas formas de convívio social e cultural que começava a exercer
forte influência na dinâmica das cidades. Foi preciso, entretanto, iniciar uma grade modificação na paisagem urbana – ordenando, saneando,
embelezamento – de maneira a atender diretamente às reais necessidades de uma sociedade moderna e culta.

Os centros litorâneos do país tiveram maior destaque na produção arquitetônica brasileira. Cidades como: Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belém, Porto
Alegre e São Paulo, estiveram à frente quanto à adoção de novos estabelecimentos de caráter utilitarista, e destacaram como prioridades: o lazer, a saúde e
a ordem dentre outras questões, demonstrando nítido interesse pela modificação da paisagem colonial e nas atitudes civilizadas da sociedade.

Grande parte da produção arquitetônica do país está ligada às obras estatais locais que, desnecessárias na fase colonial, surgem com a necessidade de
construção de edifícios de porte considerável, comunicando muitas vezes os aspectos progressistas do desenvolvimento, tendo em vista, também, o
crescente aumento da vida intelectual. O papel dos governantes com seus responsáveis técnicos, arquitetos e engenheiros, à frente dos estabelecimentos

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públicos destinados à administração urbana e ao ordenamento das cidades também se apresenta como importante contexto para se compreender essa
produção.

Programas utilitários com finalidades sociais, assistenciais e reformadoras tiveram maior empenho, demonstrando ser as principais vias de civilidade
almejadas para as cidades no decorrer do século XIX. (PEVSNER, 1976) Considerando, também, o percurso da evolução do ensino e da arte de projetar,
seja para os arquitetos ou para os engenheiros envolvidos na dinâmica das grandes modificações ocorridas, percebemos que a atuação desses profissionais
denota uma integração e conhecimento da sua arte ao cenário internacional. As experiências vividas por cada profissional bem como a relação com o
aprendizado recebido, é demonstrado por meio dos exemplares construídos.

A arquitetura no decorrer do dezenove, pela sua monumentalidade, configurou-se como marcos referenciais cuja semelhança de programas encontrados nas
principais capitais já citadas, apontam para uma relativa unidade existente no país. Relativa em relação às diferentes cronologias em que foram surgindo
levando em consideração as fases de desenvolvimento de cada capital.

O Rio de Janeiro e o Recife como duas das principais capitais do período, evidenciam a inserção de diversos programas, no qual observamos que muitas
dessas construções assemelhavam-se tanto nos partidos, quanto na estética classicista especialmente. Tal fato condiz com o momento progressista que
ocorria nas principais províncias que, à época já autônomas, conseguiam alcançar o patamar de civilidade sugerida nas sociedades européias modernas.

Uma das formas de se perceber a integração desses centros às idéias vigentes no século XIX foi o desenvolvimento que sofreram a partir da abertura dos
portos, dada a importância das cidades portuárias durante o período colonial, e, especialmente, com o livre comércio, onde se tornam autônomas e
começam a fomentar melhores estruturas para a elite burguesa que surgia. As cidades mantiveram-se em constantes negociações comerciais com países
europeus, especialmente França e Inglaterra, onde intensificaram o comercio de importação e exportação assim como a absorção de culturas desses dois
países.

A busca por uma linguagem própria para cada programa, sob um julgamento universal e atual para a época, demonstrou a integração desses profissionais
atuantes no Rio de Janeiro e no Recife, aos principais modelos e tipologias internacionais, o que compreende uma visão homogênea das necessidades e
anseios do profissional da época, especialmente os que deveriam estar a frente obras públicas do Estado.

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Dos seis edifícios analisados percebemos que eles se inserem dentro do panorama mundial, onde alguns exemplares são coetâneos aos modelos mais
consagrados, o que traduz ser a produção brasileira bastante rica e desenvolvida, tanto no aspecto técnico quanto artístico. Segundo os estudos dos
exemplares podemos apontar as seguintes considerações sobre a arquitetura oitocentista brasileira:

1. Não é uma cópia, pois participam de tipologias aceitas mundialmente;

2. As influências não partem de uma única fonte, onde para o mesmo programa podem-se associar conteúdos formais e funcionais diferentes;

3. Matriz deixa de ser exclusivamente a portuguesa, traduzindo em um rompimento com as raízes coloniais;

4. É uma arquitetura que participa do panorama internacional, pois os exemplares apresentados configuram-se outros modelos pertencentes a uma
tipologia formal consagrada;

5. As fontes configuram padrões de modernidade a seguir, como principal parâmetro de desenvolvimento e progresso que as capitais e seus
governantes queriam ostentar;

6. Os programas permanecem segundo os mais modernos métodos de funcionamentos em vigor nos países europeus;

7. Não havia modelo específico a seguir e os padrões se diversificam de acordo com cada programa;

8. Configuram modelos monumentais evidenciados por meio dos aspectos formais especialmente os referentes à horizontalidade (cornijas e cimalhas);

9. Simplicidade nos elementos constitutivos (opção construtiva, prazos de construções relativos à gestão dos empreendedores ou falta de recursos);

10. Primeiras construções serviam de modelo para as demais províncias, configurando um tipo, especialmente o teatro;

11. O desenvolvimento da produção se inicia a partir do final da primeira metade do século, fase de implantação das obras de melhoramentos das
cidades;

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Principais programas desenvolvidos na arquitetura do século XIX no Rio de Janeiro e em Recife

12. Os setores sociais empenhados na mudança da paisagem das cidades foram a classe política, a elite burguesa, a classe comercial e a classe
médica.

Nos edifícios estudados concluímos como principais fontes de influências:

 Portugal – por meio da tradição construtiva;

 França – pelos modelos consagrados e métodos de funcionamentos segundo preceitos científicos modernos, e especialmente pelo método
de ensino e a prática profissional adotado nas academias brasileiras;

 Itália – por meio de modelos consagrados;

 Inglaterra – por meio de modelos consagrados e métodos de funcionamento modernos;

 Estados Unidos – por meio de modelos consagrados e métodos de funcionamento modernos;

Muitos dos programas existentes na paisagem das cidades se configurariam imagens que se deseja constituir como símbolo de progresso e civilidade. Para
imagem da cidade associaram uma dialética entre arte e ciência, belo e útil, antigo e novo. Contudo evidenciamos os apontamentos de Salgueiro (2001) que
vai esclarecer que “as representações sobre as quais se apóia a concepção dessa cidade não são nem cronologicamente ordenadas, nem claramente formuladas – o que
não impede, porém, o reconhecimento dos modelos culturais em que elas se inscrevem”

Talvez num aprofundamento mais substancial, referente a produção arquitetônica das demais províncias, poderemos mostrar as discrepâncias e as
coerências encontradas nas mudanças das realidades físicas das cidades. Compreendendo as relatividades do histórico de cada região, apontando
semelhanças que podem surtir em um maior entendimento do processo constitutivo da Arquitetura do século XIX no Brasil e porque não dizer, da Arquitetura
brasileira do século XIX.

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ARQUIVOS, BIBLIOTECAS E INSTITUIÇÕES CONSULTADAS.

RIO DE JANEIRO:
RECIFE:
Arquivo Nacional
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro Arquivo Público Estadual
Biblioteca Nacional Biblioteca do Centro de Artes e Comunicação – UFPE
Biblioteca Fau – UFRJ Biblioteca da UNICAP
BOR – Biblioteca de Obras Raras –– UFRJ Museu da Cidade do Recife
Biblioteca da PUC Fundação Joaquim Nabuco – Fundaj
ETU - Escritório Técnico da UFRJ Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe
Real Gabinete Português de Leitura IPHAN – PE.
IPHAN – RJ.

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