O que pode a Didática?
Reflexões em torno do convite à aprendizagem
What can Didactics? Reflections around the invitation to learning
¿Qué puede hacer la didáctica? Reflexiones en torno a la invitación al aprendizaje
1
Maria Amélia Santoro Franco1
Resumo: O presente artigo, tecido de forma ensaística, pretende responder à seguinte questão: o que pode a
Didática nos tempos atuais? E mais que isso: como a Didática pode dar sentido às atividades docentes
concretizadas no espaço/tempo de estar em aula? Realça as articulações entre Didática e Pedagogia, num processo
articulado pelas práticas pedagógicas, explorando as contradições do convite à aprendizagem como um dos pilares
fundamentais da prática Didática. Conclui considerando que a Didática, como Teoria de Ensino, valorizará a
compreensão de que não há ensino fora do sujeito que interpreta.
Palavras-chave: Didática. Pedagogia. prática docente.
Abstract: This article, written in an essay form, intends to respond to the following question: what can Didática
nos tempos atuais? E mais que isso: how can Didactics give meaning to the teaching activities concretized in the
space/time of being in the classroom? It highlights the articulations between Didactics and Pedagogy, a process
articulated by pedagogical practices, exploring the contradictions of the invitation to learning as two fundamental
pillars of Didactics practice. I concluded by considering that Didactics, as Teaching Theory, will value the
understanding that there is no teaching for the subject who interprets.
Keywords: Didactics. Pedagogy. teaching practice.
Resumen: Este artículo, tejido en forma de ensayo, pretende responder a la siguiente pregunta: ¿qué puede hacer
la Didáctica en los tiempos actuales? Y más que eso: ¿cómo puede la Didáctica dar sentido a las actividades
docentes realizadas en el espacio/tiempo de estar en clase? Enfatiza las conexiones entre Didáctica y Pedagogía,
en un proceso articulado por las prácticas pedagógicas, explorando las contradicciones de la invitación al
aprendizaje como uno de los pilares fundamentales de la práctica Didáctica. Concluye considerando que la
Didáctica, como Teoría de la Enseñanza, valorará la comprensión de que no hay enseñanza fuera del sujeto que
interpreta.
Palabras-clave: Didáctica. Pedagogía. práctica docente.
Submetido 10/06/2023 Aceito 17/07/2023 Publicado 18/07/2023
1
Professora/pesquisadora Universidade Católica de Santos; Pesquisadora CNPq; Doutora em Educação; Pós-
doutora em pedagogia. Email: [email protected]. ORCID http://orcid.org/0000-0003-3867-5452
Rev. Int. de Form.de Professores (RIFP), Itapetininga, v. 8, e023014, p.1-17, 2023.
Introdução
Uma das grandes questões sobre a qual me debruço há muito tempo é o que chamo de
o dilema de Comenius. Comenius nos convida a ousar e buscar uma maneira de ensinar tudo a
todos. Uma proposta à primeira vista, simples, singela, talvez perfeita. No entanto surgem
questões: quem são todos? Como se faz para ensinar? O que é tudo? Será que o filósofo sabia 2
tudo? Qual o tamanho do tudo? Tudo são coisas ou são sentidos, interpretações? Esse suposto
tudo cabe numa vida? Todos querem aprender tudo? O outro quer que eu o ensine?
Minhas pesquisas em salas de aula de diferentes espaços e tamanhos têm me conduzido
a considerar que o papel da Didática, embora muito necessário, é restrito, frente à imensidão de
circunstâncias que cercam o momento de ensinar; o momento pedagógico do ensinar. Frente a
tantos muros que separam a vida escolar da realidade; frente a tantos obstáculos para conduzir
o ensino às salas de aula, eu pergunto: o que pode a Didática? Isso porque, conforme já muito
escrevi, os ensinos estão sempre em elaboração; eles acontecem à nossa volta; de forma
espontânea e rebelde; posso dizer que aprendo o que consigo aprender e não aprendo muitas
coisas que supostamente deveria aprender, mesmo havendo muita insistência externa para isso.
Mais incrível ainda: aprendo sem nem saber que aprendi! De repente, algumas coisas começam
a criar sentido em minha subjetividade e eu percebo que sei mais do que pensava!
Já escrevi (Franco, 2017) que as práticas pedagógicas se configuram na mútua interação
com o outro, ou com os outros e é esse outro que oferece às práticas seu espaço de possibilidade.
Assim, as práticas podem funcionar como espaço de resistência e também de reverberação de
múltiplas dominações. É um espaço eivado de contradições. As práticas pedagógicas, dentre
essas, à docência, revelam o outro da relação educativa. O outro pode/deve, muitas vezes,
resistir e não entrar no jogo proposto pela prática pedagógica. No entanto, a compreensão ou
enfrentamento dessas resistências configuram à Pedagogia e à Didática um papel crítico
fundamental. Como circular e produzir sentido a partir das resistências, desistências e
insistências que a realidade do outro da educação nos coloca? Sempre realço que o professor
não interage com pedras, nem com máquinas, mas com o humano, com gente, com alunos.
Alunos, como pessoas, carregam em si humanidades, e faz parte do ser humano a possibilidade
de resistir, de desejar, de ser mais, do não desejo.
Rev. Int. de Form.de Professores (RIFP), Itapetininga, v. 8, e023014, p.1-17, 2023.
Para a Psicanálise2, a Educação é uma tarefa impossível, uma vez que não é possível
garantir que o sentido daquele que fala terá o mesmo significado para aquele que escuta. Algo
sempre foge do controle nesse encontro entre quem fala e quem escuta. Sabemos que Freire
(1999) não irá considerar que o encontro pedagógico seja entre um professor que fala e um
aluno que escuta. Considera-os como sujeitos em comunhão. Sujeitos tecidos pelo 3
diálogo/escuta. Se estiverem em diálogo, esse encontro adquire outra perspectiva.
A proposta freireana de considerar a Didática como práxis do ensinando-se, pode nos
orientar a discutir a questão: o que pode a Didática nos tempos atuais? E mais que isso: como
a Didática pode nos ajudar a dar sentido às atividades docentes concretizadas no espaço/tempo
de estar em aula?
Pedagogia e Didática como práxis: a esfera do imponderável....
Considero que Pedagogia e Didática são duas práticas que estão muito interligadas; diria
até que são práticas-irmãs, que atuam em correspondência; no entanto, possuem esferas de
atuação com alguma particularidade que precisa ser considerada quando as pesquisamos.
A Pedagogia tem por foco de pesquisa o fenômeno educativo considerado como práxis
pedagógica. Um dos aspectos fundamentais que concretiza o fenômeno educativo são as
práticas docentes em espaço escolar e mesmo não escolar. Essas práticas docentes carregam e
reverberam os sentidos dos conhecimentos pedagógicos; estes, por sua vez, vão além das
práticas docentes ao pesquisarem os condicionantes teórico práticos desta atividade. Assim,
compreendo que os estudos e pesquisas da Pedagogia como ciência subsidiam os estudos e
pesquisas das práticas docentes. A Pedagogia faz a leitura crítica das práticas pedagógicas e
docentes e a Didática, concretizada na práxis docente, oferece os ingredientes que serão objeto
de estudo da Pedagogia.
A Pedagogia e a Didática são da ordem da práxis; ocorrem em meio a processos que
estruturam a vida e a existência. A Pedagogia caminha por entre culturas, subjetividades;
sujeitos e práticas; caminha pela escola, mas a antecede, acompanha-a e caminha além. A
Didática caminha circundando o encontro de sujeitos; nas dinâmicas curriculares; nos espaços
onde um professor tem a intencionalidade de ensinar algo, a alguém ou a muitos.
2
Ideia especialmente citada por Freud e depois ressignificada por Lacan.
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A Didática possui uma abrangência menor, mais focada nos processos escolares, dentro
das salas de aula escolares ou não. A Pedagogia coloca intencionalidades, projetos alargados;
perspectivas críticas; a Didática compromete-se em operar sobre aquilo que se instituiu chamar
de saberes escolares. A lógica da Didática é a lógica da produção da aprendizagem (nos alunos),
a partir de processos de ensino previamente planejados. A prática da Didática é, portanto, uma 4
prática pedagógica. A prática pedagógica inclui a Didática e a transcende.
Aqui nos defrontamos com o dilema de Comenius: é possível um método para organizar
metodologicamente o processo ensinoaprendizagem ou apenas será possível, planejar
atividades que talvez, possivelmente, conduzam à aprendizagem?
Trabalha a Didática na perspectiva do imponderável? A Didática pode controlar a
aprendizagem que decorre do ensino? Ou isso é uma tarefa impossível?
Aprender é algo que se pode produzir didaticamente num sujeito ou as aprendizagens
são caminhos construídos pelos sujeitos, a partir de suas interpretações e vivências nas
diferentes esferas de vida?
O professor concretiza sua ação pedagógica ao dar aula ou a concretiza quando consegue
garantir que ensinou alguma coisa a alguém? É possível essa garantia?
O aluno precisa aprender. Aprender o que o professor deseja ou aprender o que o
momento lhe permite aprender?3
Posso/devo/consigo como professor controlar o que o aluno aprende?
Planeja-se o ensino na intencionalidade da aprendizagem futura do aluno. No entanto, o
grande desafio da Didática tem sido a impossibilidade de controle ou previsão da qualidade e
da especificidade das aprendizagens que decorrem de determinadas situações de ensino. Já dizia
Sócrates: o ensino é sempre mais que o ensino!!!!!
O planejamento do ensino, por mais eficiente que seja, não poderá controlar a imensidão
de possibilidades das aprendizagens possíveis que cercam um aluno. Como saber o que o aluno
aprendeu? Como planejar o próximo passo de sua aprendizagem? Precisamos de planejamento
de ensino ou de acompanhamento crítico e dialógico dos processos formativos dos alunos?
3
“Aprendo contigo, mas você pensa que eu aprendi com tuas lições, pois não foi, aprendi o que você nem
sonhava em me ensinar” (p. 157). Clarice Lispector: Uma aprendizagem.IN: GALLO, Silvio: Múltiplas
Aprendizagens. 2012
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A contradição sempre está posta nos processos educativos: o ensino só se concretiza nas
aprendizagens que produz!!! E as aprendizagens, em seu sentido alargado e bem estudadas
pelos pedagogos cognitivistas, decorrem de sínteses interpretativas realizadas nas relações
dialéticas do sujeito com seu meio. Não são imediatas, não são previsíveis, ocorrem por
interpretação do sujeito, dos sentidos criados, das circunstâncias atuais e antigas, enfim: não há 5
correlação direta entre ensino e aprendizagem.
Quase que se pode dizer que as aprendizagens ocorrem sempre para além, ou para
aquém do planejado; ocorrem nos caminhos tortuosos, lentos, dinâmicos das trajetórias dos
sujeitos. Radicalizando essa posição, Deleuze afirma que jamais será possível saber e controlar
como (e o que) alguém aprende (2006, p. 237).
Os processos de concretização das tentativas de ensinaraprender ocorrem por meio das
práticas pedagógicas. Essas são vivas, existenciais, por natureza, interativas e impactantes. As
práticas pedagógicas são aquelas práticas que se organizam para concretizar determinadas
expectativas educacionais. São práticas carregadas de intencionalidade e isto ocorre porque o
próprio sentido de práxis configura–se por meio do estabelecimento de uma intencionalidade,
que dirige e dá sentido à ação, solicitando uma intervenção planejada e científica sobre o objeto,
com vistas à transformação da realidade social. Tais práticas por mais planejadas que sejam são
imprevisíveis porque nelas “nem a teoria, nem a prática tem anterioridade, cada uma modifica
e revisa continuamente a outra”. (Carr, 1996, p. 101)
As aprendizagens ocorrem entre os múltiplos ensinos que estão presentes,
inevitavelmente, nas vidas das pessoas e que competem ou potencializam o ensino escolar. Há
sempre concomitâncias de ensino. Aí está o desafio da tarefa pedagógica hoje: tornar o ensino
escolar tão desejável e vigoroso quanto outros “ensinos” que invadem a vida dos alunos.
Desta forma pode-se perceber a inadequação que caracteriza os processos de ensino
quando este se torna excessivamente técnico, duramente planejado e avaliado apenas em seus
produtos finais.
A educação se faz em processo, em diálogos, nas múltiplas contradições que são
inexoráveis entre sujeitos e natureza que mutuamente se transformam. Medir apenas resultados
e produtos de aprendizagens, como forma de avaliar o ensino, pode se configurar como uma
grande falácia! E temos visto essa situação ganhar força: os vestibulares basicamente se
preocupam com concepções unívocas do conhecimento. Só um conhecimento é considerado
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válido, só uma epistemologia – a técnico-científica – é considerada ortodoxa, só uma
interpretação é autêntica; outras interpretações ficam fora!
A ação educativa verdadeira só pode ser vista como práxis que integra, conforme Kosik,
dois aspectos: o laborativo e o existencial e se manifesta tanto na ação transformadora do
homem, como na formação da subjetividade humana. Quando se deixa de considerar o lado 6
existencial, a práxis se perde como significado e permite ser utilizada como manipulação.
(Franco, 2001)
Considero que as relações entre professor, aluno, currículo e escola são relações que
impõem uma convivência, tensional e contraditória, entre o sujeito que aprende e o professor
que se organiza e prepara as condições para ensinar. O professor pode encontrar meios para
viver a dissonância das resistências e resignações postas pelo aluno, quer atuando como
desencadeador de processos de aprendizagem quer como “acompanhador” das possibilidades
múltiplas de retorno de sua ação.
Como a vida, o que decorre da ação de um bom ensino serão sempre situações
imponderáveis! O importante é acompanhar, vigiar, recompor e readequar o planejado inicial.
Essa dinâmica, que vai do desencadear nos alunos de situações desafiadoras, intrigantes,
exigentes, aos retornos que os alunos produzem, misturando vida, experiência atual e
interpretações dos desafios postos, é a marca da identidade do processo ensino-aprendizagem,
visto em sua complexidade e amplitude.
Considero que as práticas pedagógicas devam se estruturar como instâncias críticas das
práticas educativas, na perspectiva de transformação coletiva dos sentidos e significados das
aprendizagens.
O professor, no exercício de sua prática docente, pode ou não se exercitar
pedagogicamente. Ou seja, sua prática docente, para se transformar em prática pedagógica
requer, pelo menos dois movimentos: o da reflexão crítica de sua prática e o da consciência das
intencionalidades que presidem suas práticas. A consciência ingênua de seu trabalho impede-o
de caminhar nos meandros das contradições postas e, além disso, impossibilita sua formação
na direção de um profissional crítico.
Heidegger, em 1950, dizia que ensinar é mais difícil que aprender, porque ensinar
significa, na verdade, convidar o outro a aprender. Gosto desta consideração da Didática como
convite ao outro; convite ao sujeito; convite para que o outro aceite ou não a possibilidade de
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aprender com. É nesta dimensão que tenho pensado a Didática Crítica e que agora especifico
que desejo, neste artigo, explorar as contradições do convite à aprendizagem como um dos
pilares fundamentais da prática Didática.
Uma aula dentro da perspectiva da Didática crítica 7
Parto do pressuposto de que só encontro a Didática na presença do Outro. Se não
encontro o Outro, a Didática servirá apenas para instrumentalizar a prática e formar mercadorias
e não sujeitos. Daí minha convicção de que a Didática, para ser crítica e emancipatória, deve
encontrar meios de trazer o sujeito, pretenso alvo de meu ensino, para estar presente; estando
presente poder estar no exercício de sua alteridade: estar inteiro, desejo e emoção; interesse e
partilha.
Em recente pesquisa que realizei (FRANCO, 2022) pude compreender que os docentes
de escola estadual do Ensino Básico associam a Didática ao fenômeno ensino; no entanto, a
compreensão e a prática desse fenômeno ensino cristaliza-se como uma atividade dissonante,
precária e desvinculada das necessidades e urgências do momento atual. Ou seja, sabem que é
a Didática que pesquisa o ensino; mas não sabem o que fazem para realmente ensinar, quando
se defrontam com esta tarefa. Acabam descomplicando essa situação dissonante e buscam
fórmulas antigas e gastas de se ensinar, predominantemente vinculadas à uma prática bancária.
Uma das atividades culminantes da prática docente é a sala de aula, é o momento de
fazer acontecer uma aula. A Didática, como campo de conhecimento, tem se debruçado para
compreender o funcionamento da aula e analisar sua importância para a aprendizagem dos
sujeitos presentes. Numa aula convergem concepções, expectativas, práticas e teorias. Pode-se
pensar que a sala de aula reverbera e traduz possibilidades Didáticas. Talvez se possa dizer que
a práxis da aula seja o critério de verdade de múltiplas teorias e concepções que se articulam e
se concretizam neste momento mágico da aula.
Deleuze considerava que a aula deveria ser um momento esteticamente belo; construído
com monumentalidade; um momento de culminância de muitas convicções, subjetividades;
inspirações, atraências, que pudessem iniciar o convite ao aprender.
Ele se dizia um professor apaixonado por estar em aulas. Assim se refere:
As aulas foram uma parte da minha vida, eu as dei com paixão. Não são de modo algum
como as conferências, porque implicam uma longa duração, e um público relativamente
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constante, às vezes durante vários anos. É como um laboratório de pesquisas: dá-se um curso
sobre aquilo que se busca e não sobre o que se sabe. É preciso muito tempo de preparação
para obter alguns minutos de inspiração. Fiquei satisfeito em parar quando vi que precisava
preparar mais e mais para ter uma inspiração mais dolorosa. (DELEUZE, 2013, p.1774).
Em um vídeo5, bastante popular, gravado por algum de seus alunos, ele enfatiza algumas 8
compreensões sobre a questão da aula, que eu gostaria de considerar à luz do pensamento
didático:
1- Para mim, uma aula não tem como objetivo ser entendida totalmente.
2- Uma aula é uma espécie de matéria em movimento. É por isso que é musical.
3- Numa aula, cada grupo ou cada estudante pega o que lhe convém. Uma aula ruim é a
que não convém a ninguém. Não podemos dizer que tudo convém a todos.
4- Uma aula é emoção. É tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção, não há nada,
não há interesse algum.
5- É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos
centros de interesse, que pulam de um para outro.
6- Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma espécie de textura.
Vou tentar compreender essas afirmações, realçando dois princípios inerentemente didáticos:
1) Princípio da não homogeneização
Diz Deleuze que uma aula não tem por objetivo ser entendida por todos. E essa questão,
eu acredito, é uma constatação e não uma exclusão. Ou seja, uma aula não é nunca
compreendida por todos da mesma forma. Na realidade, a compreensão das individualidades
nos leva a perceber que cada sujeito carrega uma história de especificidades, particularidades,
subjetividades. Assim, ele interpreta e compreende dentro de sua lógica, criando diversidades
inerentes ao ser humano.
Essa constatação significa que é da natureza do fenômeno educativo se fazer na
polissemia e multidimensionalidade de perspectivas. O que não se deve, é esperar que uma aula
seja plenamente absorvida pelo outro. Ela é disponibilizada a todos, mas produz
4
DELEUZE, Gilles. Conversações (1972-1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. 3. ed. São Paulo: Editora 34,
2013.
5
https://www.facebook.com/watch/?v=556506218370248
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reconhecimentos diferentes em cada um. No entanto, historicamente as escolas têm buscado a
homogeneização. A mesma aula para todos e todas e a mesma avaliação para todos. Assim tem
sido em toda história da Pedagogia e Prática de Ensino nas escolas: uniformizam-se as práticas
e espera-se que cada um chegue à mesma compreensão do que foi verbalizado o proposto pelo
mestre. No entanto, nem todos poderiam ter compreendido a aula da mesma forma. Isso requer 9
que se procure o outro da aprendizagem. Quem é o outro?
Carlos Skliar (2003) faz um texto interessante, perguntando pelo outro da Educação:
Não temos, nunca, compreendido o outro'. O temos, sim, massacrado, assimilado,
ignorado, excluído e incluído, e, por isso, para negar nossa invenção do outro, preferimos hoje
afirmar que estamos frente a frente com um novo sujeito. Mas, é preciso dizer: com um novo
sujeito da mesmice'. Porque se multiplicam suas identidades a partir de unidades já
conhecidas; se repetem exageradamente os nomes já pronunciados; são autorizados,
respeitados, aceitos e tolerados apenas uns poucos fragmentos da sua alma.
A Pedagogia esteve sempre estruturada a partir de um suposto sujeito (ou objeto)
universal, que precisa aprender sempre do mesmo jeito, sempre ser como todos e desviar-se da
norma o mínimo possível.
Assim, a Didática tradicional sempre representou esse esforço de padronização de um
modo de aprender e de ensinar.
Já a Didática que se faz crítica busca a individualidade, a presença do outro na prática,
a parceria com o outro estabelecida em diálogos e práticas de escuta.
A presença do Outro nos momentos educativos sempre foi uma insistência de Freire.
Toda sua Pedagogia insiste em quebrar a lógica linear e opressiva, das relações pedagógicas
que se fazem na perspectiva do não outro, que desta forma se coisifica no processo. Até porque
a perspectiva freireana de Educação é formar sujeitos conscientes de seu lugar no mundo;
sujeitos que, no processo educativo, aprendem a dar nome e sentido ao mundo; jamais sujeitos
despersonalizados e objetos à mercê de um processo que lhe é estranho; a grande questão será
sempre a de que ensinar é também educar, numa simbiose que lhe dá sentido e direção.
Insistir na presença do outro numa aula ou atividade educativa é considerar que não há
ensino fora do sujeito que o interprete. Sendo assim, será preciso que num espaço de ensino
sejam criados circuitos de aprendizagem com trocas mútuas de interpretações.
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O que seriam esses circuitos de aprendizagem? Seriam atividades coletivas,
investigativas, organizadas em torno de situações-problemas que tragam e façam sentido a cada
um; no entanto, os sentidos serão múltiplos e diversos e nos espaços de aula poderão se cruzar,
e assim, dinamizam-se, ampliam-se, criando novos conhecimentos coletivos, que mais uma vez
serão interpretados pelos sujeitos presentes, fazendo da sala um espaço de produção e 10
socialização de conhecimento, onde cada qual fica autor e produtor de conhecimento. Seria uma
forma de convite para encontro e expressão do outro e de cada um.
Nesse circuito, eminentemente dialógico, o ensino-aprendizagem adquire outra
perspectiva: a da construção cointencionada de conhecimentos autênticos, críticos,
emancipatórios, em que cada sujeito pôde expressar a sua palavra autêntica, original, de si e do
seu mundo, e ressignificada neste encontro.
Kincheloe (1997) analisa que essas práticas coletivas em sala de aula sugerem a
superação de uma concepção essencialista da Educação e exigem pensamentos e práticas mais
complexos por parte dos professores. Ele afirma que, quando os professores conseguem lidar
com a complexidade de alunos únicos e diferentes numa sala, ele os desafia mais; busca mais
argumentações dos próprios, incentiva problematizações e práticas investigativas; assim se
expressa: os professores que se sentem confortáveis com a ambiguidade, que preferem a
complexidade, operam num nível pós-formal que parece ser mais tolerante, flexível e
adaptativo, empregando um repertório mais amplo de modelos de ensino. (1997, p.104)
Segundo esse autor, esta concepção mais adequada da cognição dos alunos, ou seja, a
consideração de que eles aprendem pela busca, no coletivo e nos movimentos investigativos,
quando incorporada por docentes, pode produzir uma profunda mudança pedagógica. E ele
assim se expressa: se o conhecimento, entretanto, é visto simplesmente como um corpo externo
de informações, independente dos seres humanos, então o papel do professor é tomar este
conhecimento e inseri-lo na mente dos estudantes. (1997,151).
Kincheloe coloca o foco de sua análise na cognição dos alunos. No entanto, sua proposta
é bastante similar aos conceitos freireanos de uma aula bancária e de uma aula
problematizadora.
Certa vez entrevistei Phillipe Meirieu e lhe perguntei sobre os pressupostos que ele
considerava ao elaborar a proposta de uma Pedagogia diferenciada e ele assim me respondeu:
Rev. Int. de Form.de Professores (RIFP), Itapetininga, v. 8, e023014, p.1-17, 2023.
- Todos precisam e devem aprender, devem ser educados, devem partilhar a cultura do
mundo; no entanto, não se aprende por decisão dos outros: é preciso que as pessoas queiram
aprender, possam aprender e o façam com prazer.
Realça ainda precisar a Pedagogia de um fazer especial, que implica arte e ciência e que
permite incluir todos em algum desejo e nas possibilidades de aprendizagem, desde que 11
consideradas as condições reais de cada aluno.
Pergunto a ele sobre o ato pedagógico e ele me afirma que o ato pedagógico contém
uma contradição essencial: transita entre emancipação e domesticação, uma relação muito
delicada, que se estabelecerá a partir da consideração da liberdade do outro. Diz ele: querer
ensinar é crer na educabilidade do outro; no entanto, querer aprender é, também, crer nas
possibilidades que o outro pode oferecer! Assim, esse autor considera que a Pedagogia deve
possuir uma insustentável leveza inerente à sua epistemologia, ou seja, essa leveza decorre
precisamente de sua recusa em ser tutelada por regimes de verdade prévios, sejam eles
científicos ou filosóficos, assim como, a Pedagogia nega-se também a ser uma mera expressão
da prática e, muito menos, aplicação de uma teoria.
Será, portanto, fundamental que essa leveza, quase uma dança de intenções e
expectativas, de cada um e com todos, revista a práxis da aula, das aulas, das práticas
pedagógicas.
2) O princípio do movimento: a dialética da aula
Acredito que as práticas escolares dependem de como o fenômeno ensino é interpretado,
tanto nas subjetividades dos atores sociais, quanto nas políticas públicas e mais ainda nas
práticas institucionais escolares.
Supostamente, a prática do ensino tende à concretização de aprendizagens previamente
selecionadas, quer pela instituição de ensino, quer pelos professores, tendo em vista a
construção de conhecimentos, no entanto, muitas vezes considerada como transmissão de
informações. Há diferenças entre o processo que busca a construção de conhecimento e outro
que pretende repassar informações já previamente escolhidas? Sim, claro, há diferenças cruciais
e a Pedagogia tem se debatido há séculos com esta questão. Essa prática, à princípio tão trivial,
está prenhe de complexidades e (im) possibilidades. Kincheloe (1997, p. 152) analisa que o
conhecimento pode ser construído nos alunos se, e somente se, a informação das disciplinas
Rev. Int. de Form.de Professores (RIFP), Itapetininga, v. 8, e023014, p.1-17, 2023.
interseccionar com os entendimentos e as experiências que os indivíduos carregam com eles
para a escola. Assim, o autor considera fundamental que o professor contemporâneo seja
formado de modo a saber ajudar os alunos a reinterpretarem suas próprias vidas e descobrirem
novos talentos como resultado de seu encontro com o conhecimento escolar.
Essa concepção de ensino como um processo de criação de conhecimento pressagia uma 12
mudança pedagógica profunda. Requer um esforço imenso da Didática para navegar por esta
perspectiva, de modo a superar a trivializarão da aprendizagem nos processos escolares. É
preciso urgentemente superar a concepção de transmissão de informação ou mesmo
conhecimento quando falamos em processo de ensino.
Desde Paulo Freire e da origem da Pedagogia do oprimido, há um consenso pedagógico
em torno da educação não bancária, não apenas transmissiva, não domesticadora do sujeito que
aprende. O consenso é epistemológico, e não significa que as práticas pedagógicas escolares
sejam consensuais nisso. Ao contrário, pode-se até dizer que Freire como práxis, ainda não é
consenso entre instituidores educacionais e nem mesmo entre alguns educadores.
Lembremos também que Freire não dissocia, não dicotomiza ensino e pesquisa; são dois
aspectos de um mesmo processo que é o de produzir conhecimentos entre sujeitos. Então, seria
exigido à Didática assumir, em seus pressupostos, a necessidade de desenvolver no ‘momento
ensino’ o mesmo rigor exigido ao ‘momento pesquisa’, bem como a intencionalidade de superar
a consciência ingênua do educando para atingir a consciência epistemológica crítica e dialética.
Mas há ainda, no mundo atual, uma forte compreensão de que o ensinar seja transmitir
algo para uma cabeça vazia, para um sujeito ahistórico.
A Didática, como Teoria de Ensino, precisa continuar insistindo na compreensão de que
não há ensino fora do sujeito que interpreta. Nesta perspectiva, todo ensino será sempre um
processo formativo, que induz à autoformação, que reinterpreta convicções e atualiza
concepções de mundo.
A construção do conhecimento só pode se realizar na prática dialógica; na vivência
crítica da tensão entre teoria e prática e jamais como transmissão de informações sem
vinculação à realidade dos educandos ou dos educadores; o que implica a
construção/reinvenção de uma Didática crítica que tenha por pressupostos os processos
emancipatórios e a dialética opressor/oprimido.
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O diálogo é, para Freire (1980, p. 67), a forma de construção do mundo humano:
comunicar é comunicar-se em torno do significado e significante e a “comunicação é diálogo,
assim como o diálogo é comunicativo”.
Como estabelecer esse diálogo em sala de aula e como produzir a comunicação que
entre professores e alunos de forma a se criar um espaçotempo de movimento entre saberes, 13
poderes e sentidos?
A aula requer um espaço dialógico, dialético de construção/transformação; de
individualidades à construção de coletivos; de troca e socialização de saberes; um espaço eivado
de contradições e desafios. Para vivenciá-lo como práxis de formação há que se superar a
concepção de que este espaço seja um local de domesticação dos corpos e de repasse de
informações.
As práticas pedagógicas e, como tais as práticas docentes, são práticas sociais que se
organizam para dar conta de determinadas expectativas educacionais de um grupo social e isto
significa que há necessidade de articulação com as expectativas do grupo de referência. O
professor nem sempre consegue atuar como desejaria; sua autonomia é relativa como já nos
alertou Sacristán, ao afirmar que o professor não escolhe sua plenitude de atuação, mas é muito
condicionado pelas condições de trabalho que encontra e das políticas curriculares que o
atingem no cotidiano de suas práticas.
O que se quer realçar é o fato de que as práticas pedagógicas só podem ser
compreendidas na perspectiva da totalidade, ou seja, as práticas pedagógicas e práticas docentes
estruturam-se em relações dialéticas pautadas nas mediações entre totalidade e particularidade.
Esta categoria da totalidade é essencial ao sentido de prática pedagógica: é expressão de um
dado momento/espaço histórico, permeada pelas relações de produção, relações culturais,
sociais e ideológicas. Desse modo, como prática social, a prática pedagógica produz e reverbera
uma dinâmica social entre o dentro e o fora (dentrofora) da escola. Isto significa, de um lado,
que o professor sozinho não transforma a sala de aula; e de outro, que as práticas pedagógicas
funcionam como espaço de contradição, como ressonância e reverberação das mediações entre
sociedade e sala de aula.
Uma aula informativa apenas está desconsiderando essa dialética inerente à realidade
social. A sala de aula é um espaço onde acorrem as múltiplas determinações decorrentes da
cadeia de práticas pedagógicas que a circundam. Quando se considera a necessidade de olhar
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essas práticas na perspectiva da totalidade, compreende-se melhor essas relações, tal como
realça Lukács, 1967, p.240:
A categoria de totalidade significa (....), de um lado, que a realidade objetiva
é um todo coerente em que cada elemento está, de uma maneira ou de outra, 14
em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam,
na própria realidade objetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades,
ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre
determinadas[...] (LUKÁCS, 1967, p. 240).
Este todo é composto de partes, leis, lógicas mediadas entre si e, quando se desconectam,
produzem desarticulações que prejudicam o sentido original que possuíam. Desse modo, não é
da natureza das práticas docentes encontrarem-se avulsas, desconectadas de um todo, sem o
fundamento das práticas pedagógicas que lhe dão sentido e direção. A prática docente avulsa,
sem ligação com o todo, perde o sentido. É esta uma das razões que justifica a presença de um
projeto político pedagógico, real e construído pelo coletivo nas escolas, que tem por finalidade
explicitar as finalidades do trabalho pedagógico, organizar espaços e possibilidades de conexão,
de articulação, de sentido, entre a prática docente e a prática pedagógica.
Essa questão referenda um dos pontos essenciais da teoria de Freire, a de que é no
movimento dialético que ensinar e aprender vão se configurando como processos de conhecer
e reconhecer. O educando vai conhecendo o ainda não conhecido e o educador reconhecendo
o antes sabido (FREIRE, 1993, p. 119). Por isso a aula é um encontro dialético de construção
de conhecimentos mútuos.
A sala de aula precisa reviver os movimentos dialéticos de transformação e partilha. A
aula engessada, sem a participação dos saberes de todos, sem a interpretação coletiva dos dados,
sem a negociação consensuada dos sentidos, será sempre uma aula morta, sem significado para
alunos e professores.
Considerações6:
Penso que o dilema de Comenius, na tentativa de encontrar o método, o caminho ‘certo’
de ensinar tudo a todos, leva-nos, inexoravelmente, para o ethos da imponderabilidade, pois
estamos todos, cotidianamente, mergulhados num oceano de impossíveis - a relação eu-tu, a
6
Em reflexões partilhadas com Prof. Dra. Guadalupe Mota, a quem agradeço.
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relação pessoal-social, a relação singular-universal, o que nos induz a caminhar por entre tantas
(im)possibilidades didáticas e pedagógicas. E se a teleologia da Pedagogia não é a de produzir
controle, eficiência, resultados quantificáveis e verificáveis sobre as práticas educativas, por
que deveria ser o das didáticas?
Faço minhas as palavras de Sandra Corazza (2021, p. 5), para analisar algumas reflexões 15
sobre a Didática como convite à aprendizagem, nesta perspectiva de imponderabilidade:
Docência que cria um mundo próprio, como uma máquina de fazer sonhar acordado;
Docência que emite gritos de pavor e cantos de guerra contra o idealismo religioso, a retórica
política e as besteiras morais. Docência como proliferação de devaneios, retificação da
realidade, criação de um rendilhado feito com pedrinhas de brilhante. Docência como oceano
de impossíveis, tão surpreendente, que não necessitaríamos mais de nenhum além.
Ao situar o objeto da Didática – a produção da aprendizagem através do ensino - no
âmbito do fenômeno educativo, estamos nos situando no campo da complexidade existencial
de sujeitos cognoscentes não passíveis de serem homogeneizados em suas respostas cognitivas:
não é possível, do ponto de vista de uma pretensa ‘eficiência didática universal científica’, que
todos alcancem da mesma maneira, com a mesma intensidade subjetiva, os mesmos resultados
preconizados a priori nos planejamentos pedagógicos. A quem atenderia esse propósito? É
próprio da condição humana a hermenêutica empírica inicial, subjetiva e, posteriormente
crítica, se forem observadas determinadas condições no ‘momento ensino’. Daí que, cada um,
a seu termo, ‘aprenderá’ na mesma aula o que melhor lhe convém e o que for mais significativo
para a sua existência concreta e rejeitará também conteúdos insignificantes.
Esse fato, ao invés de nos causar angústia e desconforto, por talvez não estarmos sendo
fiéis a tal teoria de aprendizagem ou por nos sentirmos incompetentes e não dominando tais
métodos de ensinos, deveria nos habilitar para aquele exercício da busca permanente de
aprender no coletivo com os círculos de aprendizagem, pois não há ensino fora do sujeito que
o interprete.
Nesse circuito, eminentemente dialógico, o ensino-aprendizagem adquire outra
perspectiva: a da construção cointencionada de conhecimentos autênticos, críticos,
emancipatórios, em que cada sujeito pôde expressar a sua palavra autêntica, original, de si e do
seu mundo, e ressignificada neste encontro. Não se trata mais de uma perspectiva meramente
‘aplicacionista’ de conteúdos predefinidos, ahistóricos, exógenos ao universo existencial dos
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educandos e, que, por isso, provoca pouco ou quase nenhum engajamento prazeroso no
processo ensino-aprendizagem em sala de aula ou em outro ambiente educativo.
É preciso superar urgentemente a concepção bancária, transmissiva, aplicacionista da
educação. A Pandemia da Covid-19, nos mostrou que o isolamento e o distanciamento físico,
geográfico entre alunos e professores no ‘momento ensino’ tem resultado em perda expressiva 16
de qualidade cognitiva e de aprendizagem entre os alunos. E mais: tem havido também uma
situação de estranhamento não salutar em relação ao ambiente escolar neste tempo de retorno
ao ensino presencial nas escolas: nossas crianças e jovens precisam ser ouvidas em sua condição
existencial concreta antes de serem acionadas a ouvir – e nessa perspectiva avaliativa,
punitivista de aferição de aprendizagem que vige em nossas práticas educativas – conteúdos
absolutamente alheios às suas necessidades cognitivas presentes.
Essa necessidade decorre da consciência da dimensão dialética da aula, em que o ‘todo’
envolvido no processo ensino-aprendizagem se reconhece, se identifica, se ressignifica em
relação às partes em interação. E neste ‘todo’ encontram-se crianças, adolescentes, jovens,
educandos e educadores de todas as condições sociais, culturais profundamente marcados por
essa experiência de pandemia que colocou em xeque não apenas nossos sistemas e métodos de
ensino, mas, sobretudo, nossos objetivos educacionais neste espaçotempo histórico tão
desafiador.
Afinal, o que Comenius nos provoca quando nos questiona qual o melhor caminho para
ensinar tudo a todos, é o que queremos constituir com práticas pedagógicas emancipatórias, que
podem reforçar a humanidade nos homens e assim, quem sabe, poderemos construir uma
sociedade mais justa, com oportunidades a todos, com menor desigualdade social, em
ambientes inclusivos e tecidos democraticamente.
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