Editorial
A Escola de Veterinária e o Conselho Regional de Medicina Veterinária
de Minas Gerais têm a satisfação de encaminhar à comunidade veterinária e
zootécnica mineira um volume dos Cadernos Técnicos dedicado ao “Manejo
ético populacional de cães e gatos em campi universitários”.
A vigilância e o controle das populações de cães não domiciliados são
fundamentais para assegurar o bem-estar animal e a preservação da saúde
pública, animal e ambiental, em conformidade com o conceito integrado de
Saúde Única.
Desde 1991, na Itália, o manejo de cães de rua com o princípio de “sem-
-eutanásia canina”, mantém um conflito ético quanto à melhor escolha, entre
a “prisão perpétua” ou “pena capital”, para cães sem chance de adoção, embo-
ra a atuação do serviço público neste país seja precisa e funcional. De acordo
com as normas legais no capítulo III artigo 12, da Legislação Europeia para o
controle de cães e gatos, determina-se a redução de números quando um país
membro avalia que os números de animais errantes configuram problema.
Medidas apropriadas devem ser tomadas para a redução, com alternativas que
não causem dor, estresse ou sofrimento. O sistema público deve proporcionar
expertise e infraestrutura, assegurando a manutenção de estratégias perma-
nentes. Problemas podem ser evitados por atores públicos com a atribuição
legal de monitoração, prevenção e resolução. As estratégias de combate ao
abandono de cães e gatos incluem a adoção responsável e, considerando as
zoonoses, asseguram importantes aspectos para a Saúde Única 2,3.
As políticas para a prevenção do abandono de cães e gatos incluem es-
tratégias que promovam a guarda responsável, estruturada na promoção da
saúde e bem-estar animal, incluindo seres humanos. A ações de mitigação e
prevenção de cães e gatos em situação de rua exigem a eliminação do aban-
dono, aumento do cuidado às populações, castração para evitar nascimentos
errantes, e monitoração da dinâmica populacional, morbidade e mortalidade.
A prevenção de doenças em animais e eventuais zoonoses deve considerar
a política de conscientização, educação, participação e empoderamento po-
pular, com destinação ética e humanizada. As intervenções devem ser im-
plementadas em nível municipal, sustentáveis em longo prazo e requerem a
reavaliação constante1.
Neste volume, são descritos os principais aspectos do manejo popula-
cional de cães e gatos em campi universitários, para a educação continuada e
material de consulta à monitoração e controle dos principais animais domés-
ticos errantes em áreas públicas e privadas, um problema antigo que conflita
com a preservação da saúde integrada ambiental e animal, incluindo humana.
1
Garcia, Rita de Cássia. Dogs and Cats Populations Management: An Approach of
Universidade Federal One Health. World Small Animal Veterinary Association Congress Proceedings,
de Minas Gerais 2016. https://www.vin.com /apputil/content/defaultadv1.aspx?pId=19840&catId=
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Fundação de Estudo e Pesquisa em
Medicina Veterinária e Zootecnia
2
Natoli E, Cariola G, Dall’Oglio G, Valsecchi P. Considerations of ethical aspects of
- FEPMVZ Editora control strategies of unowned free-roaming dog populations and the No-Kill policy
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Conselho Regional de
Medicina Veterinária do 3
Voslářvá E, Passantino A. Stray dog and cat laws and enforcement in Czech
Estado de Minas Gerais Republic and in Italy. Annali dell’Istituto superiore di sanità. 2012;48:97-104.
- CRMV-MG Méd. Vet. Bruno Divino Rocha
www.vet.ufmg.br/editora Presidente do CRMV-MG – CRMV-MG 7002
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CADERNOS TÉCNICOS DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
Edição da FEPMVZ Editorada em convênio com o CRMV-MG
Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia – FEPMVZ
Editor da FEPMVZ Editora:
Prof. Marcelo Resende de Souza
Editor de Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia:
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Organizadores:
Danielle Ferreira de Magalhães Soares e Camila Stefanie Fonseca Oliveira
Autores:
Ailton Junior Antunes da Costa, Camila de Valgas e Bastos, Camila Stefanie Fonseca
de Oliveira, Danielle Ferreira de Magalhães Soares, Gustavo Canesso Bicalho, Juliana
Tozzi de Almeida, Lucas Belchior Souza de Oliveira, Maria Paula Vieira Rodrigues,
Otávia Augusta de Mello, Raquel de Abreu Pereira, Yara Freitas de Oliveira, Werik
Santos Barrado
Agradecimento:
Comissão Permanente de Políticas para animais dos campi da UFMG (CPPA/UFMG).
Revisores:
Bianca Moreira de Souza, Camila Siqueira Costa, Camila Stefanie Fonseca Oliveira,
Danielle Ferreira de Magalhães Soares, Graciela Kunrath Lima, Fernanda do Carmo
Magalhães, Helena de Castro Teotônio, Luana Clarice das Neves, Vânia de Fátima
Plaza Nunes
Tiragem desta edição:
1.000 exemplares
Layout e editoração:
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Impressão:
Imprensa Universitária da UFMG
Permite-se a reprodução total ou parcial,
sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.
Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia. (Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da UFMG)
N.1- 1986 - Belo Horizonte, Centro de Extensão da Escola deVeterinária da UFMG, 1986-1998.
N.24-28 1998-1999 - Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1998-1999
v. ilustr. 23cm
N.29- 1999- Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1999¬Periodicidade irregular.
1. Medicina Veterinária - Periódicos. 2. Produção Animal - Periódicos. 3. Produtos de Origem
Animal, Tecnologia e Inspeção - Periódicos. 4. Extensão Rural - Periódicos.
I. FEP MVZ Editora, ed.
Prefácio
Apresentamos aos leitores dos
Cadernos Técnicos um número sobre
Manejo ético populacional de cães e ga-
tos em campi universitários. O tema é
emergente no Brasil, em virtude da su-
perpopulação de animais em situação
de rua na maior parte dos municípios do
país e da ausência ou ineficiência de po-
líticas públicas para conter o abandono e
o crescimento descontrolado dessa po-
pulação. Muitos desses cães e gatos aden-
tram ou são abandonados nos campi,
e encontram ali condições mínimas de
sobrevivência. No entanto, sabemos que
esses não são locais apropriados para a
manutenção e a sobrevivência segura de
animais domésticos. Todos deveriam ter
um lar. Os conflitos com a fauna silves-
tre e a comunidade acadêmica são relatos
constantes e envolvem a predação da fau-
na local, as agressões às pessoas e outros
animais, a transmissão de doenças, espe-
cialmente as zoonóticas, os atropelamen-
tos e os maus-tratos. É dever do poder
público garantir uma vida digna a todos
os animais domésticos, mas a maior par-
te dos municípios não possuem políticas
públicas para isso. Dessa forma, cabe às
universidades implantar Programas de
Manejo ético humanitário em seu terri-
tório, e em parceria com o poder público
municipal e estadual, ampliar as áreas de
vigilância, educação, controle sanitário
e reprodutivo, para que o abandono seja
reduzido, e os animais residentes nos
campi possam envelhecer de forma se-
gura e com melhores condições de bem
estar.
Portanto, espera-se que esse volume
dos Cadernos Técnicos possa auxiliar
outras universidades a implantarem uma
Política interna de Manejo populacional
de cães e gatos, em consonância com as
políticas públicas vigentes no país. E que
essas ações sejam duradouras, efetivas e
sustentáveis para a redução de conflitos
entre animais domésticos, silvestres e se-
res humanos.
Sumário
1. Introdução............................................................................ 9
2. Problemática da superpopulação e do abandono..............12
3. Dinâmica populacional de cães e gatos..............................15
4. Bases do manejo ético populacional..................................22
5. A educação humanitária e o conhecimento sobre
comportamento animal.....................................................29
6. Educação sobre guarda responsável e prevenção de
abandono...........................................................................38
7. Implementação de um programa de manejo de
animais em campi...............................................................45
8. Avaliação e monitoramento................................................60
9. O programa cão comunitário como estratégia para
o manejo populacional de cães em instituições de
ensino superior..................................................................69
10. Decisão de adoção e introdução de novos
animais em um lar..............................................................77
1. Introdução
Dexter Otavia Mello - CPPA/UFMG
Yara de Freitas Oliveira1, Gustavo Canesso Bicalho2, Otávia Augusta de Mello3, Lucas Belchior Souza de
Oliveira4, Camila Stefanie Fonseca de Oliveira5, Danielle Ferreira de Magalhães Soares6
1 Médica veterinária (PUC Minas), especializada em saúde pública com ênfase em zoonoses e manejo populacional de cães e gatos
(UFMG). CRMV 23414
2 Médico veterinário (UFMG), especializado em saúde pública com ênfase em zoonoses e manejo populacional de cães e gatos (UFMG),
mestrando em ciência animal na área de concentração epidemiologia (UFMG), Analista em Vigilância Sanitária e Epidemiológica na
Prefeitura Municipal de Barueri. CRMV MG 21.649 / CRMV SP 63.735
3 Fundadora do C.E.D. BRASIL, médica veterinária (Faculdade Pio Décimo), mestranda em Epidemiologia (UFMG), CRMV-MG 26599
4 Médico veterinário pela PUC-MG, mestre em Biologia de Vertebrados (Comportamento e conservação) pela PUC-MG, doutorando em
Ciência Animal (Epidemiologia) pela UFMG. CRMV-MG 19.363
5 Médica Veterinária (Vet-UFMG), Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciência Animal com Área de Concentração em Epidemiologia
(Vet-UFMG). Espacialização em Estatística com ênfase em Estatística (ICEX-UFMG). Professora de Saúde Pública Veterinária (Vet-
-UFMG). CRMV-MG 12124
6 Médica Veterinária, doutora em Ciência Animal (UFMG), Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de
Veterinária da UFMG. CRMV-MG 7296
A convivência en- e psicossocial (Headey,
[A] cooperação
tre seres humanos, cães Grabka, 2006; Mueller
entre as espécies
e gatos é relatada des- et al., 2018) dos seres
animais humanas e
de os tempos antigos e humanos, assim como
não humanas traz
continua a ser uma par-
benefícios para a saúde para os cães (Odendaal,
te importante da vida e Meintjes, 2003) e os
física ... e psicossocial
cultura (Davey, 2018). gatos (Dinis, Martins,
... dos seres humanos,
A característica de coo- 2016). Em consequência
assim como para os
peração entre as espécies da convivência cada vez
cães ... e os gatos.
animais humanas e não mais frequente, surgiram
humanas traz benefícios
problemas como o crescimento desen-
para a saúde física (Allen, 2001; Arhant-
freado das populações desses animais e
Sudhir et al., 2011; Lentino et al., 2012)
o abandono.
1. Introdução 9
O crescimento po- prometimento do bem-
O crescimento
pulacional, somado a -estar de cães e gatos
populacional, [sem]
um pobre exercício da com limitação de acesso
guarda responsável ...
guarda responsável en-
[e] populações de cães à alimentação, a abrigos
tre as pessoas, faz com e gatos em situação de adequados e com sus-
que existam populações rua em todo o mundo, ceptibilidade a maus-tra-
de cães e gatos em situa- sobretudo nos países tos, existem também os
ção de rua em todo o menos desenvolvidos, impactos negativos para
mundo, sobretudo nos [ocasiona] impactos ... a fauna silvestre, o que
países menos desenvol- no meio ambiente e na gera conflitos com toda
vidos O impacto dessas saúde pública ... a comunidade acadêmi-
populações em desequi- ca, além dos sofrimentos
líbrio no meio ambiente e na saúde pú- emocional e físico da população humana
blica bem como a insuficiência no pro- que convive com esses animais de es-
vimento de bem-estar adequado a esses timação em vulnerabilidade (Oliveira,
animais tornam essenciais os esforços 2019; Bicalho et al., 2021).
para manejo populacional dessas espé- No Brasil, o manejo ético huma-
cies (Levy, 2003). nitário de animais de forma institucio-
O desafio para a realização dessas nalizada nas universidades ainda não é
iniciativas é dificultado nos grandes uma realidade. Os campi não deveriam
centros urbanos, onde esses animais es- ser moradia de cães ou gatos, mas, se
tão presentes em locais estão nesses espaços,
públicos e de maior cir- Com um histórico de por abandono, falta de
culação de pessoas. Os abandonos, conflitos e controle reprodutivo ou
campi universitários, em até mesmo relatos de ausência de socialização
sua maioria inseridos maus-tratos contra os com impossibilidade de
nos centros urbanos, animais, a Universidade adoção responsável, as
que podem apresentar Federal de Minas universidades podem
características e porte de Gerais (UFMG) criou, manter esses animais
um município, possuem em 2018, de forma saudáveis, zelando pelo
sistemas ecológicos pró- pioneira, uma comissão bem-estar e reduzindo
prios e complexos e, por para formular e instituir interações que possam
isso, também sofrem im- as políticas de animais causar quaisquer tipos
pactos pela superpopu- da UFMG (Comissão de riscos para a saú-
lação de cães e gatos. Permanente de Política de dos animais, assim
Nos espaços univer- de Animais nos Campi como da população.
sitários, além do com- - CPPA-UFMG). Com um histórico
10 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
de abandonos, conflitos e até mesmo re- 4. BICALHO, G. Análise da implantação do pro-
grama de manejo ético populacional de cães e
latos de maus-tratos contra os animais, gatos no campus Pampulha UFMG. 2021. 80
a Universidade Federal de Minas Gerais f. Monografia (Especialização em Medicina
Veterinária) – Universidade Federal de Minas
(UFMG) criou, em 2018, de forma pio- Gerais, Belo Horizonte, 2021.
neira, uma comissão para formular e ins- 5. BINI, J.K., COHN, S.M., ACOSTA, S.M. et al.
tituir as políticas de animais da UFMG Mortality, mauling, and maiming by vicious dogs.
Ann Surg, v. 253, n. 4, p. 791-7, 2011. Disponível
(Comissão Permanente de Política de em: <10.1097/SLA.0b013e318211cd68>.
Animais nos Campi - CPPA-UFMG). 6. CASEY, R.A., LOFTUS, B., BOLSTER, C. et al.
Essa comissão se tornou permanente Inter-dog aggression in a UK owner survey: prev-
em 2019 e passou a gerenciar, de forma alence, co-occurrence in different contexts and
risk factors. Vet Rec., v. 172, n. 5, 2013.
humanitária e ética, a população de cães
7. DAVEY, G.; ZHAO, X. Free-Roaming Cat (Felis
e gatos em situação de rua em seus cam- catus) Management and Welfare Policies in
pi , além de monitorar a fauna silvestre, Two University Campuses in Beirut, Lebanon:
Strengths, Weaknesses, and Opportunities.
baseada na política “No Kill”. Journal of Applied Animal Welfare Science, 2018.
Diante dos acertos e erros dessa DOI:10.1080/1088870 5.2018.1550721
experiência em curso na UFMG, este 8. FATJO, J., AMAT, M., MARIOTTI, V.M. et al.
Analysis of 1040 cases of canine aggression in a
Caderno Técnico tem o objetivo de referral practice in Spain. J VetBehav., v. 2, n. 5, p.
descrever os fatores determinantes para 158-165, 2007.
o aumento de animais em campus uni- 9. GARCIA, R. C. M. Estudo da dinâmica po-
pulacional canina e felina e avaliação de ações
versitário, as bases técnicas e científicas para o equilíbrio dessas populações em área
para a criação de um programa ético e da cidade de São Paulo, SP, Brasil. 2009. 265p.
Teste (Doutorado em Medicina Veterinária) –
eficiente para gerenciamento da popula- Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia,
ção de cães, de gatos e da fauna silvestre Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
em campi universitários e servir de apoio 10. HAMMERLE, M., HORST, C., LEVINE, E.
para outras instituições interessadas em et al. 2015 AAHA Canine and Feline Behavior
Management Guidelines. Veterinary Practice
estabelecer políticas semelhantes. Guidelines, American Animal Hospital
Association, p. 205-221, 2015.
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12. ODENDAAL, J.S.J.; MEINTJES, R.A.
2. ARHANT-SUDHIR, K.; ARHANT-SUDHIR, Neurophysiological correlates of affiliative behav-
R.; SUDHIR, K. Pet ownership and cardiovascu- ior between humans and dogs. Vet. J. 2003, 165,
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ing data, and underlying mechanisms. Clin. Exp.
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3. BERNSTEIN, P.L. The Human-Cat DF. Medicina Veterinária do Coletivo: fundamen-
Relationship. Animal Welfare, 47–89, 2007. tos e práticas. São Paulo: Integrativa Vet; 2019. p.
doi:10.1007/978-1-4020-3227-1_3 200-208.
1. Introdução 11
2. Problemática
da superpopulação
e do abandono
Ônix Otavia Mello - CPPA/UFMG
Yara de Freitas Oliveira1, Camila Stefanie Fonseca Oliveira2
1 Médica veterinária (PUC Minas), especializada em saúde pública com ênfase em zoonoses e manejo populacional de cães e gatos
(UFMG). CRMV 234142
2. Médica Veterinária (Vet-UFMG), Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciência Animal com Área de Concentração em Epidemio-
logia (Vet-UFMG). Espacialização em Estatística com ênfase em Estatística (ICEX-UFMG). Professora de Saúde Pública Veterinária
(Vet-UFMG). CRMV-MG 12124
O Brasil é hoje o ainda mais escassos.
O Brasil é hoje o
segundo país no mun- Devido à grande exten-
segundo país no mundo
do em população de são territorial e à grande
em população de cães e
cães e gatos. No entan- circulação de pessoas,
gatos.
to, não existem dados geralmente existem nes-
oficiais sobre a estima- ses locais fontes cons-
tiva do número de animais abandona- tantes de água e alimentos que favore-
dos, o que compromete a definição da cem a permanência e a multiplicação
estratégia de combate a essa prática das populações animais, como a presen-
no país (Alves et al., 2013; Nunes et ça de abrigos, o descarte inadequado de
al., 2019). resíduos orgânicos ou os restos de ali-
Os dados em universidades são mentos servidos por pessoas.
12 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
O abandono é uma das principais cau- de animais. Outros comportamentos re-
sas de aumento do número de animais nos lacionados a uma prática inadequada da
campi, sobretudo quando estes possuem guarda responsável, como a não restri-
grandes extensões territoriais e muitas ção de movimentação dos animais, pos-
áreas arborizadas, distantes de olhares da sibilitam o acesso às ruas sem supervi-
vigilância permanente. Nossa sociedade, são, favorecem as fugas, e esses animais,
ainda com inadequados conhecimentos e desacompanhados nas ruas, podem aca-
atitudes para guarda responsável, entende bar adentrando e se instalando em cam-
que nesses espaços há proteção e atenção pi universitários.
à saúde, depositando ali A dificuldade de
animais, na esperança de O abandono é uma das acesso de humanos a
que serão cuidados por principais causas de alguns locais (Figura 1)
outros. aumento do número de cria esconderijos e abri-
A divulgação de animais nos campi ... gos para animais não
ações de manejo, quan- humanos, os quais nem
do já existem essas iniciativas nas uni- sempre são adequados para a espécie
versidades, como feiras, “cãominhadas”, mas permitem que os animais sobrevi-
bem como a presença de um progra- vam e se multipliquem em um campus
ma de manejo de animais já instalado universitário, o que pode gerar uma
(Bicalho, 2021) e a presença do curso superpopulação com inadequada ou
de Medicina Veterinária são fatores que nenhuma situação de bem-estar animal
também podem encorajar o abandono (Oliveira, 2019; Bicalho, 2021).
A B
Figura 1: (A) Filhotes de gatos em local de difícil acesso. (B) Abrigo de uma cadela no campus Pampulha
da UFMG, sendo o resgate realizado com o auxílio dos Oficiais de Controle Animal da Prefeitura de Belo
Horizonte. Fonte: CPPA, 2022.
2. Problemática da superpopulação e do abandono 13
Além da inadequação dos abrigos rua em campi, por meio da capacitação
encontrados, o comprometimento de de porteiros e vigilantes para coibição
bem-estar do animal em situação de de abandono, da regulamentação dos
rua em campi universitários se relacio- locais de alimentação, da quantidades
na também à falta, insuficiência ou ina- e dos tipos de alimentos fornecidos, do
dequação das fontes de alimentos, de monitoramento da população presente
água e à susceptibilidade à crueldade, a com a criação e a atualização de um ban-
ferimentos e a adoecimentos (Oliveira, co de dados e de registro dos animais,
2019; Nunes e Macgregor, 2019; do recolhimento seletivo, dos contro-
Michelsen de Andrade e Faraco, 2017). les reprodutivo e sanitário, entre outras
A presença de animais em campi ações que devem integrar as políticas
impacta negativamente não apenas os públicas para manejo ético de animais
indivíduos abandonados, mas também em campi universitários.
pode causar conflitos com toda a co-
munidade acadêmica. Incômodos com Referências
a presença desses animais, o barulho 1. ALVES, A. J. S.; GUILOUX, A. G. A.; ZETUN,
C. B.; POLO, G.; BRAGA, G. B.; PANACHÃO,
gerado, a poluição ambiental (fezes, L. I.; SANTOS O.; DIAS R.A. Abandono de cães
urina), a transmissão de doenças, os aci- na América Latina: revisão de literatura. Revista
de Educação Continuada
dentes e as mordeduras,
bem como os atrope- A presença de animais em Medicina Veterinária e
Zootecnia do CRMV-SP. São
lamentos e os conflitos em campi impacta Paulo: Conselho Regional de
Medicina Veterinária, v. 11, n. 2
com a fauna silvestre, negativamente não (2013), p. 34 – 41, 2013.
são outros problemas apenas os indivíduos 2. BICALHO, G.
frequentemente vi- abandonados mas Análise da implantação do pro-
venciados. É ainda im- também a comunidade grama de manejo ético popula-
cional de cães e gatos no campus
portante ressaltar os acadêmica, pois pode Pampulha UFMG. 2021. 80
constantes sofrimentos provocar conflitos com f. Monografia (Especialização
em Medicina Veterinária) –
emocional e físico da
ela. Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2021.
população empática
3. BICALHO, G. et al. Captura-esterilização-
aos animais, que convive com animais devolução como método de manejo populacional
abandonados nos campi, sem conseguir em campi universitários. Revista V&Z Em Minas,
Ano XXXIX, Número 148, Jul/Ago/Set, 2021.
resolver o problema de forma efetiva
4. MICHELSEN DE ANDRADE E FARACO, 2017
(Oliveira, 2019; Bicalho et al., 2021).
5. NUNES E MACGREGOR, 2019
Diante dos tantos aspectos negati-
vos que carregam, as universidades de- 6. OLIVEIRA, H. V. G. Epidemiologia do abandono
animal. In: Garcia RCM, Calderón N, Brandespim
vem trabalhar constantemente para evi- DF. Medicina Veterinária do Coletivo: fundamen-
tos e práticas. São Paulo: Integrativa Vet; 2019. p.
tar a presença de animais em situação de 200-208.
14 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
3. Dinâmica
populacional
de cães e gatos
Pretinha Otavia Mello - CPPA/UFMG
Lucas Belchior Souza de Oliveira1, Maria Paula Vieira Rodrigues2, Otávia Augusta de Mello3, Danielle Ferreira
de Magalhães Soares4, Camila Stefanie Fonseca de Oliveira5
1 Médico veterinário pela PUC-MG, mestre em Biologia de Vertebrados (Comportamento e conservação) pela PUC-MG, doutorando em
Ciência Animal (Epidemiologia) pela UFMG. CRMV-MG 19.363
2 Médica Veterinária pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH), Mestranda em Medicina Veterinária Preventiva pela UFMG,
Técnica Superior de Saúde pela Prefeitura de Belo Horizonte. CRMV-MG: 2367
3 Fundadora do C.E.D. BRASIL, médica veterinária (Faculdade Pio Décimo), mestranda em Epidemiologia (UFMG), CRMV-MG 26599
4 Médica Veterinária, doutora em Ciência Animal (UFMG), Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de
Veterinária da UFMG. CRMV-MG 7296
5 Médica Veterinária (Vet-UFMG), Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciência Animal com Área de Concentração em Epidemiologia
(Vet-UFMG). Espacialização em Estatística com ênfase em Estatística (ICEX-UFMG). Professora de Saúde Pública Veterinária (Vet-
-UFMG). CRMV-MG 12124
A dinâmica popula- discutidos com rela-
A dinâmica
cional (DP) dos animais ção aos cães e aos gatos
populacional (DP) dos
refere-se às variações no encontrados em campi
animais refere-se às
espaço e no tempo, do universitários e com
variações no espaço e
tamanho e da densidade acesso livre às áreas de
no tempo, do tamanho
populacional de uma ou ocupação humana.
e da densidade
mais espécies em deter- Alguns fatores de-
populacional de uma
minado local ( Juliano, terminantes têm im-
ou mais espécies em
2007). portância na dinâmica
determinado local.
Para a finalidade populacional e podem
deste Caderno Técnico, ter origem biológica,
os aspectos relacionados à DP vão ser ambiental, socioeconômica e cultural
3. Dinâmica populacional de cães e gatos 15
(Sparkes et al., 2014; Garcia et al., 2018; do da dinâmica populacional, a flutua-
Garcia et al., 2019; Baquero, Ferreira, ção de alguns indivíduos é dependente
2019; Benka et al., 2021). Esses fatores das relações complexas e inter-relacio-
estão representados na Figura 2: nadas das variáveis de influência na po-
Em termos de manejo populacional pulação (Clark, Luis, 2019).
de cães e gatos, um aspecto de muita Considerando-se as forças que mo-
importância e atenção dificam a dinâmica de
é o controle reproduti-
Em termos de manejo uma população, situa-
vo ético. Essa temática ções como abandono,
populacional de cães
possui relevância devi-
e gatos, um aspecto de manutenção de forma
do ao entendimento de semidomiciliada ou em
muita importância e
que quanto mais rápido condição feral também
atenção é o controle
é o ciclo reprodutivo de favorecem a renovação
reprodutivo ético.
uma espécie, maior a elevada das populações,
probabilidade de apre- pelas taxas altas de ferti-
sentar uma distribuição não linear e de lidade e de fecundidade em cães e gatos,
elevada dimensão; ou seja, em se tratan- o que possibilita aumento na taxa de
Figura 2: Fatores determinantes para a dinâmica populacional de uma população animal. Fonte: CPPA,
2022.
16 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
natalidade. Porém, pelas condições ge- ciado à identificação dos indivíduos
ralmente críticas do ambiente ausente seja em um período definido de tem-
de cuidado humano, também ocorre au- po, utilizando-se das diferentes estra-
mento das taxas de mortalidade de ani- tégias citadas abaixo, sendo conside-
mais jovens (Fei et al., 2012; Belo et al., rada principalmente a diversidade de
2015; Garcia et al., 2018; Trouwborst et animais em termos de comportamen-
al., 2020). to. Para isso, podem-
Os fatores que po- -se aplicar diferentes
dem afetar a dinâmica
Na situação de
métodos de coleta de
das populações de cães
campi universitários,
dados populacionais
e gatos podem ser ob-
a compreensão
(OIE, 2011 e Belo et
servados nas Figura 3.
da dinâmica das
al., 2015).
Na situação de cam-
populações animais
Os tipos de meto-
pi universitários, a com-
depende da elaboração
dologias para a coleta de
preensão da dinâmica
de um censo
dados estão explicados
das populações animais
populacional ...
no Quadro 1, a seguir:
depende da elaboração O melhor cenário é
de um censo populacional para enten- a junção dos métodos de acordo com o
der o fluxo de renovação, saídas, assim perfil de área foco de atenção. É impor-
como de desenvolvimento e crescimen- tante que as formas de identificação e
to dos animais foco, respeitando-se a marcação sejam estabelecidas durante a
capacidade de suporte da área (OIE, fase de levantamento populacional para
2011). permitir identificar os indivíduos e o pa-
Assim, sugere-se que o método pel deles no estabelecimento da dinâmi-
de levantamento demográfico asso- ca de uma população.
Figura 3: Modelos de dinâmica populacional de cães e gatos.
Fonte: Imagens cedidas por Maria Paula Vieira Rodrigues.
3. Dinâmica populacional de cães e gatos 17
De forma menos
... em avaliação preliminar tes com áreas muito
invasiva e em avalia-
de um programa de antropizadas, assim
ção preliminar de um
manejo, a maneira mais como em áreas de pre-
programa de manejo,
prática de identificar servação, é importante
a maneira mais prática animais seria por ... reconhecer e entender
de identificar animais fotoidentificação, da os padrões de compor-
seria por meio da fo- resenha de cada animal tamento e de desloca-
toidentificação, da re- e do diálogo com as mento dos animais, já
senha de cada animal pessoas que mantêm que a localização e a
e do diálogo com as contato direto ... Outras utilização do espaço se
pessoas que mantêm técnicas definitivas alteram de acordo com
contato direto com os são a microchipagem, as relações estabeleci-
animais. Outras téc- ... encoleiramento, a das pelos indivíduos
nicas definitivas são marcação de orelha em (Mccarthy, Levine,
a microchipagem as- gatos e a utilização de Reed, 2013; Bridges,
sociada ao encoleira- brincos ou tatuagens. Sanchez, Biteman,
mento, a marcação de 2015).
orelha em gatos e a utilização de brincos Existem ainda muitas questões a
ou tatuagens. serem debatidas sobre o comporta-
Grande parte dos estudos que avaliam mento de cães e gatos comunitários,
a dinâmica populacional de animais do- errantes e ferais, devido à ausência
mésticos se preocupa com fatores repro- de cuidado contínuo pelo ser huma-
dutivos e de densidade no (Paul, Bhadra,
demográfica apenas, ou ... em ambientes com 2018). O sucesso das
seja, o quantitativo de áreas muito antropizadas, medidas de mane-
animais em determina- assim como em áreas jo também depende
do local, antes, durante de preservação, é de alguns aspectos
e/ou após intervenções importante reconhecer comportamentais,
de relevância, como e entender os padrões como o reconheci-
procedimentos de de comportamento mento dos animais
esterilização cirúrgica, e de deslocamento com elevado ranking
eutanásia ou remoção, dos animais, já que a hierárquico entre os
ou na ausência de- localização e a utilização indivíduos da mesma
las (Belo et al., 2015; do espaço se alteram de espécie (Mccarthy et
Garcia et al., 2018). acordo com as relações al., 2013) e da rela-
Contudo, princi- estabelecidas pelos ção dos animais com
palmente em ambien- indivíduos. os seres humanos.
18 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Quadro 1
A busca ativa envolve o deslocamento em transecto* por área/
quadrante predeterminado, na intenção de observar e registrar o
CONTAGEM DIRETA avistamento de animais e diferenciar suas características físicas dos
POR BUSCA ATIVA demais. Nesse cenário, é importante não apenas o registro da espé-
cie animal, mas também a fotoidentificação, o georreferenciamento,
a distinção sexual e de faixa etária (Argenton et al., 2022).
O monitoramento remoto pode também auxiliar na contabilização
de animais pouco avistados, seja pelo comportamento feral ou por
habitar áreas com recursos que não motivam o animal à aproxima-
ção humana. A estratégia pode ser feita por meio de câmeras trap ou
por veículo aéreo não tripulado (VANT). Na Comissão Permanente da
MONITORAMENTO UFMG, por exemplo, foi utilizado monitoramento por câmeras trap.
REMOTO POR VANT ou O uso de câmera trap é viável e considera o monitoramento sem a
CÂMERA TRAP presença do observador no momento de instalação, permitindo a
análise das imagens e dos vídeos coletados posteriormente. Existem
diversos modelos disponíveis que podem e devem ser analisados
para emprego em cada realidade específica. Local e altura de instala-
ção, fluxo de pessoas e maneiras para prevenir furtos são variáveis a
se considerar na utilização de uma câmera de monitoramento.
Esse método é amplamente utilizado para a determinação da popu-
LEVANTAMENTO lação domiciliada de animais (Baquero et al., 2018). Porém, consi-
POR QUESTIONÁRIO derando-se o perfil de animais em campi universitários, a restrição é
COM PESSOAS QUE maior, visto que são animais de vida livre. Esse levantamento, entre-
INTERAGEM COM OS tanto, pode ser feito junto aos cuidadores/protetores que interagem
ANIMAIS com eles, principalmente durante as atividades de alimentação,
contato social, entre outras.
*Transecto: a distância percorrida é a principal forma de medir o esforço amostral. Após definir a área
de estudo, são traçados transectos, linhas retas (quando possível) e com uma extensão predefinida.
A pessoa que realizará o estudo caminhará ao longo da linha em um ritmo constante, registrando os
animais foco de seu trabalho.
Perante as mais variadas formas mente o comportamento e as relações
de impacto na dinâmica populacional sociais.
de cães e gatos, as decisões por estra- Dentro das estratégias de manuten-
tégias que se adequam ao manejo de- ção das populações existentes de cães e
vem focar não apenas no quantitativo gatos, principalmente no que se refere a
de animais, mas também nos aspectos animais comunitários em ambiente de
que influenciam direta ou indireta- campi universitários, algumas medidas
3. Dinâmica populacional de cães e gatos 19
podem ser implementadas, reduzindo- metrites e da ocorrência periódica da
-se a variabilidade da dinâmica popula- pseudociese. Essa intervenção tam-
cional dos grupos presentes, entre elas: bém diminui significativamente a in-
• PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM cidência de neoplasias mamárias. Nos
SAÚDE ÚNICA, AMBIENTAL E machos, a remoção de ambos os tes-
HUMANITÁRIA - para discutir os tículos elimina as chances de tumores
principais efeitos sanitários, tanto testiculares e diminui a incidência de
para a fauna silvestre local quanto hipertrofia prostática benigna. Além
para o próprio animal em situação de dos benefícios para a saúde, a OSH e
abandono, e evidenciar os reflexos da a orquiectomia reduzem ou eliminam
reprodução exacerbada, tanto para o a maioria dos comportamentos asso-
público da universidade como para ciados com atividade sexual nos cães e
a população que vive no entorno do nos gatos, bem como o risco de lesões,
campus (ICAM, 2019) complicações e sofrimento associados
• CONDICIONAMENTO DOS a brigas e fugas (Shelter Medicine for
ANIMAIS - por meio das abordagens Veterinarians and Staff, 2012).
clássica e operante, com a finalidade
de facilitar o manejo, mediante o mé-
Referências
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serão devolvidos aos campi (Tenório, práticas, 2019, p. 506-506.
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20 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
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3. Dinâmica populacional de cães e gatos 21
4. Bases do manejo ético
populacional
Ritinha Otavia Mello - CPPA/UFMG
Raquel de Abreu Pereira1, Otávia Augusta de Mello2, Camila Stefanie Fonseca de Oliveira3, Danielle Ferreira de
Magalhães Soares4
1 Médica veterinária (UNIVERTIX), mestranda em ciência animal na area de concentração epidemiologia (UFMG), Coordenadora de
Vigilância Sanitária, Epidemiológica e Ambiental na Prefeitura Municipal de Ipanema/MG. CRMV-MG 23.705
2 Médico veterinário pela PUC-MG, mestre em Biologia de Vertebrados (Comportamento e conservação) pela PUC-MG, doutorando em
Ciência Animal (Epidemiologia) pela UFMG. CRMV-MG 19.363
3 Médica Veterinária (Vet-UFMG), Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciência Animal com Área de Concentração em Epidemiologia
(Vet-UFMG). Espacialização em Estatística com ênfase em Estatística (ICEX-UFMG). Professora de Saúde Pública Veterinária (Vet-
-UFMG). CRMV-MG 12124
4 Médica Veterinária, doutora em Ciência Animal (UFMG), Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de
Veterinária da UFMG. CRMV-MG 7296
Breve Histórico Os primeiros registros de
Os primeiros
registros de contro-
As estratégias de controle da população
errante e de vida livre le da população er-
manejo ético populacio-
ocorreram em 1973, com rante e de vida livre
nal de cães e gatos em si-
tuação de rua ainda são a criação do Programa ocorreram em 1973,
recentes no Brasil. Para Nacional de Profilaxia da com a criação do
discutirmos, de fato, Raiva (PNPR). Este tinha Programa Nacional
sobre essas ações, é im- por objetivo prevenir a de Profilaxia da Raiva
portante compreender raiva humana e controlar (PNPR). Este tinha
o histórico do manejo essa doença nos animais por objetivo prevenir
populacional no país.
de companhia. a raiva humana e con-
22 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
trolar essa doença nos animais de com- xas. Se em três dias não fossem resgata-
panhia (Figura 4). dos, seriam mortos/eliminados.
As estratégias eram, além da vacina- As determinações de mudança do
ção antirrábica em massa, a captura e a controle populacional vieram dos do-
eliminação dos animais, principalmente cumentos oficiais dos especialistas da
relacionadas aos cães, estimando-se, se- OMS, que já apontavam a necessidade
gundo a Organização Mundial de Saúde de mudança, reconhecendo, desde me-
(OMS), que pelo menos 30% da popula- ados da década de 80 do século XX, a
ção animal do município deveria ser eli- importância de manter os animais den-
minada. Os programas contemplavam o tro do ambiente doméstico, a castração,
recolhimento e a manutenção por três o recolhimento de animais das ruas e o
dias, para que os responsáveis pudessem controle do ambiente (OMS, 1984). Na
resgatar seus animais, pagar multas e ta- década seguinte à implementação do
Figura 4: Laçadores capturando cães e a carrocinha no início do século 19.
Fonte: https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0374.htm.
4. Bases do manejo ético populacional 23
programa, observou-se de manejo foram se apri-
Em 1990, a OMS e a
uma redução significa- morando, mas sempre
World Society for the
tiva na taxa de mortali-
Protection of Animals mantendo os pilares pre-
dade de raiva humana
(WSPA) reconheceram conizados no documen-
(Souza, 2019). a importância da to citado anteriormente.
Em 1990, a OMS e interação homem- Portanto, o programa
a World Society for the animal e publicaram de manejo ético popu-
Protection of Animals o Guidelines for lacional consiste em um
(WSPA) reconheceram dog population conjunto de ações que
a importância da inte- management' ... visam prevenir o aban-
ração homem-animal e foi apresentado dono, além de promo-
publicaram o Guidelines um conjunto de ver a guarda responsável
for dog population mana- ações ... criação de sob o enfoque da Saúde
gement’’, reconhecendo legislações específicas, Única (Garcia, Calderón
a necessidade de mu- educação comunitária,
dança nas estratégias esterilização, vacinação e Ferreira, 2012).
de manejo usadas até em massa, registro
então. Assim, foi apre- e identificação e o
Pilares de um
sentado um conjunto acompanhamento das programa de
de ações, preconizadas colônias. manejo
até hoje, que são: cria-
Os pilares para um
ção de legislações específicas, educação
programa de manejo efetivo consistem
comunitária, esterilização, vacinação
em ações integradas, conforme Figura 5.
em massa, registro e identificação e o
acompanhamento das colônias (WHO, Diagnóstico situacional
WSPA, 1990).
Avaliar as populações de cães e gatos
No Brasil, a partir de meados dos
é fundamental para nortear as ações que
anos 90, houve mudanças no controle
da raiva, em especial no estado de São serão realizadas, bem como para conhe-
Paulo, as quais viabilizaram o início de cer a dinâmica das matilhas e/ou colô-
iniciativas pioneiras no final dos anos nias e suas interações com outros grupos
90, relacionadas ao controle reproduti- populacionais. Tanto os cães quanto os
vo e às ações para educação. No entan- gatos têm classificações de acordo com o
to, somente no início dos anos 2000 foi modo de vida, e a realização de um estudo
possível recomendar esses programas de populacional é essencial para o conhe-
forma oficial e com ampla implantação. cimento dessas populações (MPMG,
Com o passar dos anos, as estratégias 2019; Bicalho, G. C., 2021).
24 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Figura 5: Bases do manejo populacional de cães e gatos.
Fonte: Werik Barrado, adaptado de Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo
Legislação A Lei Estadual de Minas Gerais
Nº 21.970/16 garante o bem-estar
Leis para regulamentar e embasar
animal em programas de manejo ético
as ações de manejo são primordiais
populacional, demonstrando que vá-
para, de fato, torná-las uma política pú- rias estratégias são necessárias para um
blica (Garcia, Calderón, programa de manejo
Ferreira, 2012; Bicalho, A Lei Federal Nº efetivo, como a imple-
2021). 14.228/21 dispõe da mentação de estraté-
A Lei Federal Nº proibição da eliminação gias específicas, como
14.228/21 dispõe da de cães e gatos como as que compõem o
proibição da eliminação forma de controle programa cão comu-
de cães e gatos como for- populacional pelos nitário, a implantação
ma de controle popula- órgãos de zoonoses, de um sistema de re-
cional pelos órgãos de zo- canis públicos e gistro e identificação
onoses, canis públicos e
estabelecimentos dos animais, mesmo os
estabelecimentos oficiais.
oficiais. sem tutor único, ou no
4. Bases do manejo ético populacional 25
caso dos comunitários, regulamentação negativos para os seres humanos e o am-
do comércio, C.E.D. (captura, esterili- biente, além de prejudicar o bem-estar
zação e devolução), adoção e ações de animal e elevar a taxa de mortalidade.
educação transformadora para a guarda Assim, a esterilização visa reduzir a taxa
responsável. de natalidade e, como consequência, o
abandono de animais, permitindo o en-
Registro e identificação velhecimento da população.
Propicia o armazenamento de di-
versas informações importantes sobre Manejo sanitário
o animal, além de auxiliar na constru- Consiste em estratégias voltadas
ção de dados e no acompanhamento de para a manutenção da sanidade desses
indicadores. Os meios de identificação animais, por exemplo: controle de ecto
devem ser preferencialmente associados e endoparasitos, vacinação, realização
entre métodos permanentes que permi- de testes diagnósticos para doenças es-
tem a geração de um número para re- pécie-específicas, como para zoonoses,
gistro individual e métodos visuais que e realização da eutanásia, quando neces-
permitem, a distância, reconhecer que sária (Bicalho, G. C., 2021).
aquele cão ou gato passou por ações de
manejo populacional ético - Figura 6.
Recolhimento e relocação
A realização de um manejo dos ani-
Manejo reprodutivo mais abandonados deve visar ao cuida-
O controle reprodutivo de cães e do, ao bem-estar e, quando possível, à
gatos é essencial para o manejo popu- ressocialização, por meio de programas
lacional, pois uma superpopulação de específicos e por profissional qualifica-
animais nas ruas aumenta também as do/capacitado, mantendo-se um acom-
chances de zoonoses e outros impactos panhamento de médio a longo prazo dos
1 2 3
Figura 6 – Diferentes tipos de identificação para animais domésticos: 1- Cadela comunitária do campus
pampulha com coleira personalizada (nome do animal e rede social para contato). 2- Marcação de
ponta de orelha e tatuagem para gatos de vida livre. 3- Microchip subcutâneo.
Fonte: imagens 1 e 2 cedidas por Otávia Mello; imagem 3 - https://foxhillvet.com/2019/08/15/the-benefits-of-microchipping/.
26 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
indivíduos alvo da ação, bem como um seguida, as ações de educação devem
recolhimento seletivo, para que possam ser implementadas, baseadas nesse co-
ser direcionados à adoção responsável nhecimento prévio, de forma coletiva,
(MPMG, 2019; Bicalho, G. C., 2021). seguindo o conceito de saúde única e
bem-estar animal. Assim, a população
Controle de comércio sensibilizada colocará em prática as
Fiscalizar o comércio de animais, ações de guarda responsável (Batista,
por meio de legislação específica, busca E, 2019; MPMG, 2019; Bicalho, G. C.,
controlar o uso de animais com finali- 2021).
dade reprodutiva para venda de forma Desenvolver um programa de mane-
indiscriminada, evitando-se a compra jo populacional ético duradouro e de su-
compulsiva e o possível abandono. A cesso é um desafio que engloba diversas
lei também deve regulamentar os tipos variáveis. Assim, o monitoramento do
de estabelecimentos que devem ser fis- programa é imprescindível para avaliar
calizados. Uma estratégia importante os resultados e delinear ações futuras,
é a venda desses animais já castrados e realizando-se mudanças, quando neces-
microchipados (MPMG, 2019; Bicalho, sárias, para que o programa realimente
G. C., 2021). se adeque à realidade do local e às no-
vas necessidades que possam surgir. É
Educação transformadora importante sempre atentar para os in-
As ações de educação ambiental e dicadores relacionados à população ani-
da guarda responsável, isto é, a adoção mal, às interações humano-animal, aos
de uma estratégia integrada entre os di- serviços públicos e às principais zoono-
ferentes saberes que se complementam ses presentes na região (MPMG, 2019;
para a efetivação da mudança de com- Garcia, Calderón, Ferreira, 2012).
portamento da sociedade humana na re-
lação com seus animais, são primordiais Referências
para que todo o programa de manejo 1. BEGALLI, José Honorato et al. Manejo popula-
cional de cães e gatos: análise do controle repro-
tenha êxito em longo prazo. Para isso, dutivo em Belo Horizonte–Minas Gerais. 2020.
é importante conhecer a comunidade e 2. BENKA, V. A. et al. Guidance for management
a sua relação com os animais. Aspectos of free-roaming community cats: A bioeconomic
analysis. Journal of Feline Medicine and Surgery,
culturais devem ser considerados para p. 1098612X211055685, 2021.
facilitar que as abordagens sejam as 3. BICALHO, G. C. Análise da implantação do pro-
mais resolutivas possíveis, esclarecedo- grama de manejo ético populacional de cães e ga-
tos no campus Pampulha da UFMG, 2021.
ras e que permitam que a maior parte
4. BOONE, John D. et al. A long-term lens:
da população seja envolvida na transfor- Cumulative impacts of free-roaming cat manage-
mação da relação humano-animal. Em ment strategy and intensity on preventable cat
4. Bases do manejo ético populacional 27
mortalities. Frontiers in Veterinary Science, p.
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5. BRASIL. Presidência da República. Lei no
14.228, de 20 de outubro de 2021. Dispõe sobre
a proibição da eliminação de cães e gatos pelos
órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e
estabelecimentos oficiais congêneres; e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília,
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6. GARCIA RCM, CALDERÓN N, FERREIRA
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proposta de indicadores para seu gerenciamento.
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28 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
5. A educação
humanitária
e o conhecimento sobre
comportamento animal
Papaya Otavia Mello - CPPA/UFMG
Lucas Belchior Souza de Oliveira1, Maria Paula Vieira Rodrigues2, Camila Stefanie Fonseca Oliveira3
1 Médico veterinário pela PUC-MG, mestre em Biologia de Vertebrados (Comportamento e conservação) pela PUC-MG, doutorando em
Ciência Animal (Epidemiologia) pela UFMG. CRMV-MG 19.363
2 Médica Veterinária pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH), Mestranda em Medicina Veterinária Preventiva pela UFMG,
Técnica Superior de Saúde pela Prefeitura de Belo Horizonte. CRMV-MG: 23672
3 Médica Veterinária (Vet-UFMG), Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciência Animal com Área de Concentração em Epidemiologia
(Vet-UFMG). Espacialização em Estatística com ênfase em Estatística (ICEX-UFMG). Professora de Saúde Pública Veterinária (Vet-
-UFMG). CRMV-MG 12124
O aumento do número de cães e Independentemente das formas de
gatos nas residências brasileiras (GFK, interação às quais os animais são sub-
2016) reflete diretamente no aumento metidos, devem-se primeiramente con-
do contato e na interação entre as duas siderar as perspectivas emocionais dos
espécies e os seres humanos, ou seja, cães e dos gatos como um ponto chave
aumenta (amplia) os riscos pela comu- da relação com o seu meio. A senciên-
nicação falha e pela in- cia animal é um fato
A senciência animal científico irrefutável,
teração inadequada, as-
é um fato científico ou seja, os animais têm
pectos centrais a serem irrefutável, ou seja, os capacidade de experi-
abordados nas ações da animais têm capacidade
mentar dor ou prazer,
educação em saúde e de experimentar dor ou
e essa constatação foi
humanitária. prazer ... oficialmente acorda-
5. A educação humanitária e o conhecimento sobre comportamento animal 29
da em 7 de julho de O estudo do com-
... entende-se a
2012, na Universidade portamento animal, ou
agressividade
de Cambridge, Reino Etologia, é uma discipli-
como parte do
Unido, durante a na que deve ser imple-
comportamento
Memorial Conference mentada na realidade
agonístico normal de
on Consciousness in da população humana
um animal quando
Human and non-Hu- devido ao extenso con-
associado, de forma
man Animals, resul- tato e às distintas formas
branda, a relações
tando na Declaração de interação entre se-
intraespecíficas de
de Cambridge sobre res humanos e animais
estímulo (guarda de
a Consciência em (Fatjó et al., 2021). O
recurso alimentar,
Animais Humanos e entendimento das dife-
físico, sexual, entre
Não Humanos, assina- rentes formas de comu-
outros), ou a relações
da pelos mais concei- nicação que os animais
interespecíficas (seres
tuados neurocientistas, podem manifestar, de-
humanos ou outros
neurofarmacologistas, monstrando situações
animais).
neurofisiologistas, neu- de risco, tende a redu-
roanatomistas e neu- zir os comportamentos de exposição
rocientistas cognitivos da atualidade por parte das pessoas, ou seja, aqueles
(Pipitone, 2019). comportamentos que muitas vezes são
Com base nesses aspectos, um dos adotados sem entendimento dos riscos
pontos importantes que pautam o pro-
relacionados.
cesso de ensino-aprendizagem da edu-
Esse fator se torna muito importan-
cação em saúde e humanitária deve ser
te principalmente para comportamen-
a compreensão das distintas formas de
tos como a agressividade. Por exemplo,
interação e reconhecimento de sinais
entende-se a agressividade como parte
comportamentais nas relações entre
do comportamento agonístico normal
animais e seres humanos (Hammerle et
de um animal quando associado, de
al., 2015). As formas de manifestação
forma branda, a relações intraespecí-
dos estados emocionais dos animais nas
ficas de estímulo (guarda de recurso
diferentes espécies são diferentes entre
alimentar, físico, sexual, entre outros),
si, e a prevenção de situações de conflito
está no entendimento dos humanos que ou a relações interespecíficas (seres
convivem com esses animais de como humanos ou outros animais) (Haug,
cada um desses estados é demonstrado 2008; Kocis, Tibru, 2015). Quando o
fisicamente por meio do comportamen- comportamento agressivo se exacerba
to em cada situação. de maneira anormal em intensidade e
contexto, pode gerar riscos aos con-
30 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
tactantes, tornando-se uma questão que necessitam apenas de atendimen-
de agravo à saúde do próprio animal to primário, cuidados de enfermagem,
e à saúde coletiva (Haug, 2008). Esse orientação, tratamento de suporte com
fato se agrava quando consideramos antibióticos, anti-inflamatórios, anal-
que a prevalência de acidentes por gésicos e curativos por tempo determi-
agressividade pode chegar a até 35% nado; mas outros podem necessitar de
das ocorrências, constituindo até 61% tempo variável de internação e eventual
das reclamações sobre problemas que procedimento cirúrgico, e até mesmo
os cães podem causar. Pessoas, entre atenção complementar de fisioterapia
elas crianças, que tentam separar bri- e terapia ocupacional, o que pode pro-
gas entre animais e/ou as tentativas de porcionar uma variação de custo entre
auxiliar os animais com quadro de dor $1,880 - $81,926 (aproximadamen-
e desconforto constituem as maio- te entre R$ 9.830 – 428.000,00) nos
res vítimas de ocorrência de aciden- Estados Unidos (Benson et al., 2006),
tes, tanto pela falta de percepção do até $7,200 - $10,500 (aproximadamen-
comportamento dos animais quanto te entre R$ 37.650 – 54.910) (Bini et
pela crença em mitos geracionais trans- al., 2011). Importante lembrar que no
mitidos por outras pessoas da família Brasil o atendimento clássico é pelo
ou comunidade (Bamberger, Houpt, Sistema Único de Saúde e os valores são
2006; Benson et al., 2006; Fatjo et al., distintos. Nos EUA a assistência à saúde
2007; Casey et al., 2013). em geral não é pública e, portanto, nos
Como consequência dessas relações casos mais graves, os valores apontados
conflituosas ou pouco compreendidas são as médias encontradas.
quanto aos aspectos do entendimento As Figuras 7, 8 e 9, a seguir, exem-
dos sinais comportamentais dos ani- plificam algumas descrições da exibi-
mais das diferentes espécies que convi- ção do comportamento de medo, an-
vem com humanos, como os cães e os siedade e respostas ao estresse (MAE)
gatos, acidentes como mordeduras e em cães.
arranhaduras podem ocorrer, gerando Entre os comportamentos exem-
não apenas impactos nessas interações plificados, devem ser ressaltados, a fim
com os seres humanos mas também de evitar a disseminação de “mitos” ou
no sistema de saúde como um todo. equívocos:
Por exemplo, nas distintas graduações • o abanar de cauda;
de graus de mordedura por cães e ga- • a exibição de dentes;
tos, diferentes desfechos podem ocor- • a exibição da esclera (parte branca
rer para o paciente humano. A maioria dos olhos).
pode ser registrada como casos leves, As respostas de medo, ansiedade e
5. A educação humanitária e o conhecimento sobre comportamento animal 31
respostas ao estresse (MAE) em gatos • a associação entre vocalizações, ex-
podem ser exemplificadas nas Figuras pressão facial e movimentos da cauda
10 e 11 a seguir. e posição das orelhas.
Entre os comportamentos que de-
vem ser observados para a interação Entender os riscos comportamen-
com gatos, pode-se reforçar, a fim de tais, sanitários e econômicos das falhas
evitar a disseminação de mitos: dessa comunicação soma ainda mais na
• o movimento da cauda; importância de uma educação básica
• a posição das vibrissas (pelos da face); em comportamento animal. Assim, é
Figura 7 - Escala de medo, ansiedade e respostas ao estresse (MAE) em cães.
Adaptado de Martin e Martin, 2018 (Fear Free).
32 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Figura 8 - Representação de alguns comportamentos caninos da escala MAE.
Adaptado de Martin e Martin, 2018 (Fear Free).
necessário considerar e ampliar o reco- não se tem histórico comportamental
nhecimento, mesmo que sutil, de sinais conhecido previamente, como no caso
que possam indicar medo, ansiedade dos cães e gatos encontrados e mantidos
e respostas ao MAE, em cães e gatos, em campi universitários.
principalmente para animais dos quais
5. A educação humanitária e o conhecimento sobre comportamento animal 33
Figura 9 - Representação de outros comportamentos caninos da escala MAE.
Adaptado de Sophia Yin, 2011.
34 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Figura 10 – Escala de medo, ansiedade e respostas ao estresse (MAE) em gatos. Adaptado de Martin e
Martin, 2018 (Fear Free).
5. A educação humanitária e o conhecimento sobre comportamento animal 35
Figura 11 - Representação de alguns comportamentos felinos da escala MAE.
Adaptado de Martin e Martin, 2018 (Fear Free).
36 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
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5. A educação humanitária e o conhecimento sobre comportamento animal 37
6. Educação sobre
guarda responsável e
prevenção de abandono
Pequeno Otavia Mello - CPPA/UFMG
Raquel de Abreu Pereira1, Danielle Ferreira de Magalhães Soares2, Camila Stefanie Fonseca Oliveira3
1 Médica veterinária (UNIVERTIX), mestranda em ciência animal na area de concentração epidemiologia (UFMG), Coordenadora de
Vigilância Sanitária, Epidemiológica e Ambiental na Prefeitura Municipal de Ipanema/MG. CRMV-MG 23.705
2 Médica Veterinária, doutora em Ciência Animal (UFMG), Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de
Veterinária da UFMG. CRMV-MG 7296
3 Médica Veterinária (Vet-UFMG), Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciência Animal com Área de Concentração em Epidemiologia
(Vet-UFMG). Espacialização em Estatística com ênfase em Estatística (ICEX-UFMG). Professora de Saúde Pública Veterinária (Vet-
-UFMG). CRMV-MG 12124
O abandono de como nos casos dos
Além dos riscos de
animais de companhia animais apresentados
doenças, o abandono
afeta direta e indire- nas fotos das Figuras
de animais propicia
tamente a dinâmica 12 e 13. Além dos
acidentes de trânsito,
populacional de uma riscos de doenças, o
poluição ambiental e
comunidade, gerando
agressões, sendo um abandono de animais
impactos ambientais,
grave problema de propicia acidentes de
além de predispor à
saúde pública. trânsito, poluição am-
transmissão de doenças
espécie-específicas e biental e agressões, sen-
zoonóticas, causando sofrimento para do um grave problema de saúde pública
os animais humanos e não humanos, (Nunes e Macgregor, 2019; Michelsen
de Andrade e Faraco, 2017).
38 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Figura 12 – Gato com esporotricose abandonado em campus universitário. Fonte: CPPA-UFMG.
Figura 13 – Animal abandonado com ferida, miíase e positivo para leishmaniose visceral em campus
universitário. Fonte: CPPA-UFMG.
O abandono ocorre muitas vezes As principais causas de abandono
pela ignorância humana e pela falta de para ambas as espécies estão expostas
condições de prover cuidados aos ani- no Quadro 2.
mais, e traz consequências de saúde e Entre os problemas relacionados ao
comportamentais. Segundo Scheffer, abandono observados por médicos ve-
em 2020, as maiores causas de abando- terinários, estão atropelamentos, apatia,
no de gatos foram alergias na família, inapetência, vômitos, doenças infeccio-
sujeira na casa e incompatibilidade com sas por queda da imunidade devido ao
outros animais. Com relação aos cães, as estresse, que muitas vezes são seguidas
causas mais citadas foram tutores sem de óbito. Existe ainda o risco de ataques,
tempo para o animal, comportamento pelo fato de o animal estar assustado, e
agressivo e doenças. de zoonoses (Scheffer, 2020).
6. Educação sobre guarda responsável e prevenção de abandono 39
PRINCIPAIS CAUSAS DE ABANDONO PARA CÃES E GATOS
Mudança de endereço
Falta de permissão do marido para animais de estimação
Custo de manutenção dos animais
Problemas pessoais
Instalações inadequadas
Falta de lugar para ninhadas
Quadro 2: Principais causas de abandono. Fonte: Scheffer, G.K, 2020.
A revisão feita por têm um cão e 17,7% têm
Silva e Bicalho (2022) ... a epidemia do um gato. Isso demons-
expõe a epidemia do abandono de animais tra o estreitamento dos
abandono de animais de companhia no Brasil laços entre os seres hu-
de companhia no Brasil e no mundo ... como manos e seus animais,
e no mundo. Diversas Goiânia, registraram representando a família
cidades brasileiras, um aumento de multiespécie. Todavia,
como Goiânia, regis-
60% nos casos de de 10 a 30% desses
traram um aumento de
abandono, em 2020, animais vivem em si-
60% nos casos de aban-
devido à pandemia tuação de rua, aban-
dono, em 2020, devido
do coronavírus. Belo dono, sofrendo maus-
à pandemia do corona-
Horizonte apresentou -tratos e sem garantias
vírus. Belo Horizonte
um aumento de de bem-estar (Nunes e
40% nos índices de
apresentou um aumen- Macgregor, 2019).
abandono, também em
to de 40% nos índices Para prevenir o
2020, e Curitiba teve
de abandono, também abandono e desenvol-
um aumento de 50%
em 2020, e Curitiba ver ações de educação
teve um aumento de efetivas, é necessário
50% (MINAS GERAIS, 2020; Scheffer, conhecer o perfil de quem abandona e
2020; Villa, 2020). maltrata. O estudo realizado por Gomes
Segundo dados do IBGE de 2013, et al. (2021) entre 2016 e 2018, em
pelo menos 44,3% dos lares brasileiros Belo Horizonte, mostrou que os auto-
40 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
res dos abusos foram, dendo noções de ética
O abandono de animais
em sua maioria, do sexo
é crime, previsto na Lei sobre a guarda respon-
masculino, com ida-
de Crimes Ambientais sável (BRASIL,1998;
de entre 18 e 24 anos e 9.605/1998, com pena BRASIL, 2017). Nas
2,5 vezes mais chances de dois (2) a cinco (5) Figuras 14 e 15, encon-
de não terem educação anos de reclusão. tram-se materiais edu-
universitária (Gomes et cativos produzidos pela
al., 2021). Escola de Veterinária da UFMG sobre o
O abandono de animais é crime, abandono.
previsto na Lei de Crimes Ambientais Para mitigar o problema, diversas
9.605/1998, com pena de dois (2) a ações, além das campanhas de adoção,
cinco (5) anos de reclusão. Portanto, fazem-se necessárias. É preciso ofe-
ações educativas por meio de projetos recer programas de educação e cons-
de extensão e grupos de estudos quando cientização para os tutores, organizar
esses casos ocorrem em campi, por campanhas de castração e desenvolver
exemplo, devem ser promovidas, conce- e executar medidas que garantam o
Figura 14: Folder Abandono Animal do Programa de Residência Integrada da EV-UFMG, 2019. Disponível
em www.vet.ufmg.br/departamentos/dmvp/materialdidatico.
Figura 15: Vídeo educativo –
Epidemia do Abandono realizado
para a disciplina de Planificação
em Saúde Animal, EV-UFMG,
2020. Disponível em: www.vet.
ufmg.br/departamentos/dmvp/
materialdidatico.
6. Educação sobre guarda responsável e prevenção de abandono 41
bem-estar animal com
... as Cinco Liberdades o controle reprodutivo
benefícios à socieda- e o registro e a identi-
para o Bem-Estar
de, além de melhorar a ficação de cães e gatos
Animal ... são: livre
qualidade de vida dos são ações que visam
de fome, sede e má
animais (Mota-Rojas prevenir o abandono,
nutrição; livre de dor
et al., 2021). além de evitar novas
e doença; livre de
Em março de 2020, gestações indesejadas.
desconforto; livre de
na cidade de Salvador Portanto, é essencial
medo e estresse; livre
(BA), houve um au- que os animais sejam
para expressar seu
mento de 860% dos reconhecidos e res-
comportamento.
casos de abandono peitados como seres
em comparação com o mesmo perí- sencientes (Broom &
odo no ano anterior. Para tentar re- Molento, 2004; Nunes e Macgregor,
duzir esse número e conscientizar a 2019).
população, o Conselho Regional de Com o conceito de guarda respon-
Medicina Veterinária do Estado da sável instituído, a comunidade passa
Bahia (CRMV-BA) lançou a campa- a compreender a importância de não
nha “Seu pet não transmite o novo deixar seus animais soltos em vias
coronavírus. Fique com ele. Fique públicas, visto que esse ato pode oca-
tranquilo” (Conselho sionar acidentes de trânsito, ataques
Regional de Medicina com outros animais,
Veterinária da Bahia,
... a educação em saúde desaparecimentos, fu-
2020). Este é um
deve estar presente em gas, entre vários outros
exemplo de ação para
todos os segmentos riscos. Para que esse
da sociedade, da senso crítico seja esti-
sensibilizar e cons-
educação infantil às mulado na população,
cientizar a população.
universidades. a educação em saúde
Dessa forma, é fun-
deve estar presente em
damental que a popu-
todos os segmentos da sociedade, da
lação tenha em mente o conceito de
educação infantil às universidades,
guarda responsável, que é o dever éti-
bem como em capacitações para pro-
co do tutor em relação ao seu animal,
fissionais de saúde. A educação trans-
garantindo as Cinco Liberdades para
formadora faz com que a comunidade
o Bem-Estar Animal, que são: livre de
se sinta parte do problema, instigando
fome, sede e má nutrição; livre de dor a buscar soluções individuais e co-
e doença; livre de desconforto; livre letivas (Nunes e Macgregor, 2019).
de medo e estresse; livre para expres- Na Figura 16, a seguir, encontram-
sar seu comportamento. Além disso,
42 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
ção: a educação do tutor. Revista de Educação
Continuada em Medicina Veterinária e
Zootecnia do CRMV-SP, v. 15, n. 1, p. 78-79,
2017.
3. GARCIA, Rita de Cássia Maria; CALDERÓN,
Néstor; BRANDESPIM, Daniel Friguglietti.
Medicina Veterinária do coletivo: fundamentos
e práticas. In: Medicina veterinária do cole-
tivo: fundamentos e práticas. Pág. 506-506,
2019.
4. BRASIL. Presidência da República. Lei nº
13.426, de 30 de março de 2017. Dispõe sobre
a política de controle da natalidade de cães e
gatos e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 31 mar. 2017.
5. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as san-
ções penais e administrativas derivadas de con-
dutas e atividades lesivas ao meio ambiente e
dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 12 fev. 1998.
6. MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS
(Ed.). Políticas de manejo ético populacional de
cães e gatos em Minas Gerais. Belo Horizonte,
2019
7. MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS.
Atenção aos acumuladores de animais, leishma-
niose visceral canina e esporotricose zoonótica.
Informe Técnico. Belo Horizonte, 2021.
Figura 16 - Cartilha e vídeo educativo sobre guar- 8. MICHELSEN DE ANDRADE E FARACO,
da responsável - EV - UFMG, 2017. Disponível 2017.
em: www.vet.ufmg.br/departamentos/dmvp/
materialdidatico. 9. NUNES E MACGREGOR, 2019.
10. SCHEFFER, G.K. O direito animal em tempos
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de educação para guarda responsável Justiça, 4:118-153, 2020.
produzidos pela Escola de Veterinária 11. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA
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relacionadas - revisão. Archives of veterinary 12. VILLA, Mirian. Durante pandemia do corona-
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2. DE ANDRADE, F. Michelsen; FARACO, C.
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dono-animais-curitiba[1]pandemia-coronavi-
rus/. Acesso em: 01 dez. 2022.
14. MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa.
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tps://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/
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9, p. 2371, 2021.
16. GOMES, L. B., PAIVA, M. T., DE OLIVEIRA
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tutomvc.org.br/site/index.php/2022/12/01/
epidemiologia-do-abandono-cenario-mundial-
-do-abandono/>. Acesso em: 01 dez. 2022.
44 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
7. Implementação
de um programa de
manejo de animais
em campi
pixabay.com
Gustavo Canesso Bicalho1, Werik dos Santos Barrado2, Danielle Ferreira de Magalhães Soares3
1 Médico veterinário (UFMG), especializado em saúde pública com ênfase em zoonoses e manejo populacional de cães e gatos (UFMG),
mestrando em ciência animal na área de concentração epidemiologia (UFMG), Analista em Vigilância Sanitária e Epidemiológica na
Prefeitura Municipal de Barueri. CRMV MG 21.649 / CRMV SP 63.735
2 Werik dos Santos Barrado, Médico Veterinário (UFMG), residente em Saúde Pública com ênfase em Zoonoses e Manejo Populacional de
Cães e Gatos. CRMV-MG 26273
3 Médica Veterinária, doutora em Ciência Animal (UFMG), Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de
Veterinária da UFMG. CRMV-MG 7296
O primeiro passo para 8.1- Criação
Após a leitura dos
capítulos anteriores e a da Comissão
iniciar ... programa de
compreensão dos fato-
res importantes relacio-
manejo [animal em de Políticas
nados à superpopulação
campi] é a criação de Públicas
... comissão [sobre
de cães e gatos, a dinâ- O primeiro passo
a] causa animal, ...
mica populacional e as
[com] profissionais de para iniciar seu progra-
bases do manejo ético ma de manejo é a cria-
diferentes áreas...
observadas na literatura, ção de um comitê, ou
especialmente a educação humanitária, comissão, que reunirá
o comportamento animal, a guarda res- pessoas engajadas com a causa animal,
ponsável e o abandono, iremos discutir além de profissionais de diferentes
a seguir os passos para implantar um áreas, capacitados para o planejamento
programa de manejo ético de cães e ga- e a execução das ações. Sugere-se bus-
tos e vigilância da fauna silvestre no seu car na universidade pessoas com capa-
território. cidade decisória para implantação de
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 45
política ética de controle populacional, exemplificado no diagrama a seguir
para a negociação de recursos materiais, (Figura 17) (Gebara, 2019; Bicalho, G.
financeiros e humanos. Devem ser con- C. et al., 2021).
vidados preferencialmente professores
e funcionários dos departamentos de 8.2- Diagnóstico de
gestão ambiental, dos cursos de medici- situação inicial:
na veterinária e ciências biológicas pela O segundo passo é o diagnóstico
proximidade com o tema tratado. Por da situação inicial, importante para que
ser um trabalho multidisciplinar, tam- se conheçam caracte-
bém podem contribuir rísticas demográficas
colaboradores de outros ... o diagnóstico da básicas de cães e gatos.
cursos e departamentos situação ... [com] Os dados inicialmen-
que já estejam envolvi- ... características
te coletados a respeito
dos ou desejam partici- demográficas ... de
dos animais devem ser
par no cuidado e mane- cães e gatos ... devem
armazenados em um
jo dos animais presentes
ser armazenados em
banco de dados, que
um banco de dados
no campus, além de ou- deve ser constantemen-
... constantemente
tras atividades ligadas te atualizado.
atualizado.
à comissão, conforme Para compor esse
Figura 17: Diagrama contendo a estrutura recomendada para a comissão de política de animais da
universidade.
46 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
diagnóstico, é necessário conhecer a re- como essas pessoas se relacionam com
lação humano-animal naquela unidade, os animais e como percebem as ações
se há registros de conflitos com esses de manejo. Esses dados informam so-
animais, casos de maus-tratos e aban- bre quais estratégias devem ser toma-
donos, quais espécies estão presentes das para enfrentar os desafios naquele
no campus, entre outras. Formulários local, bem como suas ações educativas
podem ser usados para facilitar essa (Gebara, 2019).
captação de informações. Estimar es- São também importantes as locali-
sas características e seus parâmetros, zações dos animais no campus, as ida-
além de contribuir para o planejamento, des (mesmo que estimadas), o sexo, as
também colabora na construção de in- características físicas, se os animais são
dicadores importantes para a avaliação castrados ou não, bem como as catego-
da eficácia das ações do programa de rias comportamentais (Figura 18).
manejo (Ferreira, 2010; Baquero et al., A fim de se realizar o diagnóstico da
2015). situação, dividimos as ações de coleta de
As características demográficas a se- informações em quatro etapas, descritas
rem levantadas de-
vem trazer dados e
informações para
além do simples
valor numérico de
animais presentes
nos campi universi-
tários, sendo tam-
bém necessário en-
tender a percepção
das pessoas que
compõem a uni-
versidade. Estudos
e pesquisas podem
ser realizados para
entender a crença
e o comportamen-
to da comunidade
universitária, vi-
sando, por meio de
análise científica, a Figura 18: Diagrama contendo os principais indicadores que devem ser
levantados no diagnóstico de situação.
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 47
a seguir, conforme o fluxograma abaixo disponíveis para a ação, mais de uma
(Figura 19). unidade pode ser visitada nas mesmas
datas. Com uma câmera, mesmo que
Figura 19: Fluxograma de smartphone, as pessoas devem per-
com as etapas para correr as unidades ou os espaços, re-
diagnóstico de situação. gistrando cada animal que avistarem e,
quando não for possível fotografá-los,
1. Estimando a população devem anotar suas características de pe-
Para conhecer o lagem, para diferenciá-
número de animais
Visita e registro -los de outros animais.
fotográfico: ... consiste Ao se compararem as
presentes no campus
em visitas em dois fotografias e/ou as ca-
universitário, sugerem-
turnos diferentes, racterísticas anotadas,
-se duas metodologias,
normalmente início da conclui-se o número de
que serão escolhidas
manhã e final da tarde animais naquela unida-
baseadas nos recursos
ou da noite, quando o de ou local. A vantagem
humanos e materiais
movimento de pessoas do método é que pou-
disponíveis.
for menor, durante dois cos recursos materiais
a) Visita e registro
dias. são necessários, porém
fotográfico: essa me-
todologia consiste em muitos recursos huma-
visitas em dois turnos diferentes, nor- nos são indispensáveis, uma vez que o
malmente início da manhã e final da tempo das visitas em todo o campus não
tarde ou da noite, quando o movimen- pode ser grande, para não ter variação
to de pessoas for menor, durante dois significativa da população durante a
dias. A depender do número de pessoas execução da ação. Sugere-se a realização
do censo em um período máximo de 30
dias. Outra desvantagem é que alguns
animais evitam o contato com o ser
humano, escondendo-se e, assim, im-
possibilitando o registro. Como muitos
animais podem não estar facilmente
identificáveis no ambiente, permane-
cendo escondidos, é importante pensar
estratégias que auxiliem a visualização
do maior número de indivíduos, como
Figura 19: Fluxograma com as etapas para diagnóstico
a instalação de câmeras-trap próximas
de situação. aos possíveis pontos de alimentação,
48 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
para registro de animais tionários para quanti-
Aplicação de
que andam pelo local e ficar quantos animais
questionários ...
não são observáveis em
cuidadores de animais circulam por aquela
horários de maior mo- unidade. A vantagem é
... podem aplicar
vimentação. Temos que que não são necessários
questionários para
considerar os compor- muitos recursos huma-
quantificar quantos
tamentos naturais das
animais circulam por nos e materiais. Para ser
espécies, como nos ga-
aquela unidade ... possível usar essa me-
tos, que têm hábitos de
todologia, é necessária
maior movimentação
uma organização prévia de cuidadores e
crepuscular ou em locais de alimentação
disponível durante o dia. Para registro informantes. Como desvantagem dessa
desses animais, devemos buscar esses técnica, dificilmente há cuidadores co-
locais nesses momentos reservados e nhecidos no momento de diagnóstico
manter distância, de forma que não os inicial, além de poder ocorrer animais
intimide, a fim de capturar a foto com duplicados se circularem em mais de
segurança e silêncio . É fundamental uma unidade, os quais serão identifica-
repetir essa estratégia com pequenas va- dos por diferentes cuidadores.
riações de horário e de posicionamento Ex.: um animal pode ser conhecido
para garantir acesso. em uma unidade por um nome, enquan-
b) Aplicação de questionários: se to, em outra unidade, o mesmo animal é
no campus houver cuidadores de ani- conhecido por outro nome.
mais que atendam a maior parte das As vantagens e as desvantagens da
unidades e existir canal de comuni-
aplicação de cada método estão descri-
cação com eles, podem-se aplicar ques-
tas no Quadro 3.
Quadro 3 - Vantagens e desvantagens de diferentes métodos para estimativa da
população animal em campi universitários
Método Descrição Vantagem Desvantagem
Percorrer toda a Necessário equipe nume-
Visita e registro Poucos recursos materiais
unidade e registrar os rosa; animais assustados se
fotográfico necessários.
animais observados. escondem.
Entrega de questio- Pouco contato com os
Aplicação de Poucos recursos humanos
nários à comunidade cuidadores no diagnóstico
questionário e materiais necessários.
local. inicial.
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 49
2. Levantando as animal visualmente, bem como pro-
características demográficas curar evidências que possam informar
se o animal foi esterilizado, como, por
Para conhecer a população alvo do
exemplo, a marcação de ponta de ore-
seu programa de manejo, deve-se aten-
lha nos gatos, sinal universal de felinos
tar para características importantes,
que poderão gerar in- manejados e ausência de testículos em
formações para a com- a) Padrão de pelagem e machos. Se o animal
preensão, por exemplo, permitir aproximação,
sinais de identificação: pode-se tentar passar
da dinâmica popula- ... Marcar sinais ... de
cional. Sugerem-se as cada indivíduo [para] a a leitora de microchip
seguintes: e detectar se foi mi-
identificação individual. crochipado em algum
a) Padrão de pela-
gem e sinais de identificação: usar pa- momento, dado que
drões consagrados de pelagem prefe- informa que o animal foi manejado de
rencialmente com fotos que facilitem a alguma forma previamente.
comparação quando necessário, crian- Para facilitar a identificação do
do uma linguagem comum e de co- sexo em filhotes de gatos, podemos
nhecimento de todos observar a distância
os envolvidos. Marcar b) Sexo e estado do órgão genital até o
sinais identificáveis de reprodutivo: identificar ânus, quando observa-
cada indivíduo, como o sexo ... bem como ... do pela direção caudal.
algo peculiar que pode informar se o animal A distância do pênis
auxiliar a identificação foi esterilizado ... como até o ânus nos machos
individual. Descrever a ... a marcação de ponta é maior que da vulva
pelagem do animal em de orelha nos gatos ... e até o ânus nas fêmeas
curta, média ou longa, ausência de testículos (Figura 20). As geni-
suas cores preponde- em machos. tais estão indicadas
rantes e marcas que pela seta preta, e o ânus
podem diferenciar o animal de ou- pela seta branca.
tros com pelagem parecida, como, por c) Estimativa de idade: tentar esti-
exemplo, uma mancha no pescoço ou mar a idade dos animais ajuda a com-
a ponta das patas com preender se há nasci-
cores diferentes do res- c) Estimativa de idade: mentos nos “focos” e
to do corpo. ... estimar a idade ... [e] permite que o envelhe-
b) Sexo e estado re- ... se há nascimentos ... cimento da população
produtivo: tentar iden- e ... envelhecimento da possa ser acompanha-
tificar o sexo de cada população ... do. Sugerem-se as se-
50 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Conhecer as características, marcas particulares e locais de uma população de animais no campus
auxilia na construção de um banco de dados e fotos fidedigno, mesmo que os cães e gatos tenham
um mesmo padrão de pelagem. A) Luizinho – CAD 2 (Mancha no canto superior do olho direito). B)
Liu – Química (Sardas no focinho). C) Jabuticaba – Belas Artes (Marcação na orelha direita – fêmea). D)
Eclipse – Química (Marcação na orelha esquerda – macho)
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 51
A B
Figura 20: Região caudal do corpo de gatos para identificação do sexo de (a) uma filhote fêmea e (b) um
filhote macho (Fonte: O Gato - Medicina Interna, Susan E. Little).
guintes fases de desenvolvimento de Duas classes de comportamento
cães e gatos no Quadro 4, adaptado de podem ser definidas quando pensa-
Ley (2021): mos no contato com pessoas: ani-
A Figura 21 apresenta uma forma mais cooperativos e animais não
simples de identificação da idade em cooperativos. Animais cooperativos
filhotes de gatos. são aqueles que têm interações posi-
d) Comportamento: compreender tivas com seres humanos, como, por
o padrão comporta- exemplo, procuram a
mental dos animais que d) Comportamento sua companhia, fazem
compõem sua colônia ... dos animais que contato direto ou ao
ou matilha é importante compõem sua colônia menos ficam próxi-
para que as ações de re- ou matilha .. [para] ... mos, além de respon-
colhimento ou captura e ações de recolhimento derem positivamente
as estratégias de cuidado ou captura ... cuidado ao contato iniciado
e alimentação sejam pla- e alimentação ... [para]
nejadas adequadamente. diagnóstico situacional. pelas pessoas. Os ani-
mais não cooperati-
Nesse momento inicial [e que] os animais
de diagnóstico situacio- sejam classificados vos não respondem
nal, pode ser que não seja segundo suas interações ou respondem nega-
possível aprofundar nes- com humanos. tivamente a contatos
sas características, mas iniciados por seres hu-
sugere-se que ao menos os animais sejam manos, podendo, por exemplo, reagir
classificados segundo suas interações com agressivamente ou fugir (Vojtkovská
humanos. et al., 2020).
52 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Quadro 4 – Características das fases do desenvolvimento de cães e gatos para
estimativa de idade
Fase Cães Gatos Caracterizada por
Neonatal 0 a 14 dias 0 a 7 dias surdez, cegueira, mobilidade limitada.
Transicional 14 a 21 dias 7 a 14 dias ouvidos e olhos abertos, em pé e andando.
interação com animais da mesma espécie e com
21 dias a 12 14 dias a 7
Socialização o ambiente, corpo adulto, comunicação pode ser
semanas semanas
vista.
término ao início da puberdade, quando o
sistema reprodutivo amadurece; já podem se re-
produzir. Lembrar que tanto cães como gatos, em
12 semanas a 7 semanas a especial as fêmeas, já estão aptas a reproduzir ao
Juvenil
12-18 meses 6-12 meses redor dos 6 meses, podendo, inclusive, o primei-
ro cio, já fértil, ocorrer aos 5 meses, dependendo
dos estímulos que poderão receber no ambiente
onde vivem.
aumento da independência, aumento do
6-12 meses até comportamento impulsivo, do tempo de
Adolescência 12 a 24 meses
36-48 meses aprendizagem, de exploração do ambiente e de
reprodução.
12-24 meses 36-48 meses período de estabilidade, buscando explorar terri-
Adulto
até 8-12 anos até 10 anos tórios e se reproduzir.
declínio de habilidades sensoriais e cognitivas, de
Senil 8-12 + anos 10+ anos
força e imunidade.
Adaptado de Ley, 2021
3. Entendendo o espaço que a ocupado pela população e a sua distri-
população está inserida buição espacial.
Gatos de vida livre podem formar
Para compreender melhor o que colônias em territórios com fontes de
ocorre dentro do espaço do campus, su- alimento e água e abrigo. Locais com
gere-se que um infográfico ou mapa seja depósitos de lixo e restaurantes são áre-
construído, facilitando a visualização e as em que as colônias geralmente se ins-
o entendimento do espaço geográfico talam devido à abundância de alimen-
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 53
Figura 21 - Estratégias para estimativa de idade em filhotes de gatos. Adaptado de: kittenlady.org.
tos descartados e de roedores (Griffin, espécie). As diferentes localidades em
2012). que os animais se concentram é deno-
No campus, deve-se compreender minada foco. Mello (2021) descreve
que essa distribuição se dá por meio de como focos os territórios felinos indivi-
uma colônia ou matilha (a depender da duais que subdividem uma colônia. Os
54 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
machos errantes atra- ... [o] bairro e ... cidade gráfico e compreender
vessam esse território como seus cães e gatos
em que o campus está
com fins de procriação e estão distribuídos pelo
inserido também são
defesa de outros machos importantes, incluindo campus, é possível pla-
invasores (Figura 22). a legislação municipal, nejar, pela concentração
Como exemplo, se uma vez que os animais de animais, por exem-
sua universidade possui ao redor influenciam na plo, quais áreas serão
10 unidades e um espa- dinâmica populacional prioritárias para reali-
ço de 1 km², todos os ... Animais em situação zação das intervenções
animais nessa área, so- de rua podem migrar planejadas com maior
mados, compõem sua para o campus e ou menor urgência.
colônia ou matilha, e os pessoas da vizinhança 4. Entendendo
animais em cada uma das podem pensar no o espaço que
unidades ou localizações campus como um lugar circunda a
específicas são focos des- viável para abandonar população (fora
sa colônia ou matilha (de animais. do campus)
Mello, 2021). É funda-
Entender o que
mental realizar o mapeamento da colônia
ocorre no bairro e na cidade em que o
onde irá executar a técnica captura-este-
campus está inserido também são im-
rilização e devolução (CED).
portantes, incluindo a legislação muni-
Ao observar seu mapa e/ou info-
Figura 22- Esquematização de uma colônia e focos (cedida por C.E.D. BRASIL).
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 55
cipal, uma vez que os animais ao redor analisados, o comitê ou comissão cria-
influenciam na dinâmica populacional do para o planejamento e a realização/
de sua colônia e matilha. Animais em implantação das ações pode tomar deci-
situação de rua podem migrar para o sões mais embasadas a respeito das eta-
campus e pessoas da vizinhança podem pas seguintes.
pensar no campus como um lugar viável
para abandonar animais. Deve, portan-
5. Regulamentação das
políticas públicas
to, existir comunicação com o serviço
público municipal para conhecimento Para assegurar a continuidade das
das ações realizadas pela prefeitura, e, ações de manejo dos animais em campi,
em seguida, realizar ações conjuntas é importante que a comissão de política
(universidade + serviço público) de de animais do campus se torne perma-
educação sobre guarda nente na universidade,
responsável destinada para prosseguimento do
... a comissão de apoio institucional à co-
aos espaços que circun-
política de animais
dam a população mane- missão, independente-
do campus ... [deve
jada, além de um bom mente de mudanças na
ser] ... permanente
alinhamento com a vi- direção da universida-
na universidade, para
gilância e as portarias da de ou de suas unidades
prosseguimento do
universidade, coibindo, apoio institucional (Gebara, 2019; MPMG,
assim, o abandono por à comissão, 2019; Bicalho et al.,
meio de duas estratégias independentemente de 2021). O programa
diferentes. mudanças na direção da deve estabelecer políti-
Seguindo a mesma universidade ou de suas cas públicas específicas,
linha de raciocínio, a unidades. garantindo a continui-
estrutura física da uni- dade das ações dentro
versidade também impacta na migra- de um padrão estabelecido, que deve ser
ção de animais para dentro dos campi; embasado cientificamente.
deve-se entender se há muros, cercas ou Em um programa de manejo ético
nenhum aparato que impeça a entrada populacional em campi universitários,
dos animais. Havendo muros e cercas, pode-se pensar em estratégias para que
devem-se procurar locais que possam haja uma normatização/portaria/regula-
estar danificados e permitam a entrada mentação interna específica. Como pri-
de cães e gatos, objetivando-se sua ma- meiro passo, o comitê ou comissão deve
nutenção para que o impacto dessas mi- levantar a legislação vigente em questões
grações também seja mitigado. inerentes ao manejo. Como exemplo, o
Com todos os dados levantados e Quadro 5 apresenta legislações estaduais
56 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Quadro 5 – Síntese das legislações estaduais e federais relacionadas ao manejo
ético populacional de animais, vigentes em Minas Gerais, 2022
Local Ano Lei Descrição Referências
Dispõe sobre o direito de pessoas com
deficiência visual acompanhadas de cão-
guia de ingressar e de permanecer com o
Lei federal nº animal em todos os meios de transporte e em
Brasil 2005 BRASIL, 2005
11.126 estabelecimentos abertos ao público, de uso
público e privados de uso coletivo, desde que
observadas as condições impostas por esta
Lei.
Dispõe sobre a proteção, a identificação e o
controle populacional de cães e gatos, veda a
eutanásia como medida de controle popu-
lacional em todo território de Minas Gerais,
Minas Lei estadual nº além de definir como devem ser realizadas MINAS
2016
Gerais 21.970/2016 ações de identificação e registro. Outra de- GERAIS, 2016a
finição importante é a de que cães comuni-
tários apreendidos devem ser identificados,
esterilizados e devolvidos à sua comunidade
de origem.
Dispõe sobre a definição de maus-tratos con-
Minas Lei estadual nº MINAS
2016 tra animais no Estado, reconhece a senciência
Gerais 22.231/2016 GERAIS, 2016b
dos animais e define as penalidades
Torna o fornecimento de água e alimento a
Minas Lei estadual nº MINAS
2016 animais em situação de rua um direito dos
Gerais 28.836/2021 GERAIS, 2021
cidadãos mineiros.
Dispõe sobre a política de controle de nata-
lidade de cães e gatos, por método seguro e
permanente, e determina que os programas
Lei federal nº
Brasil 2021 devem realizar estudo da localidade e da BRASIL, 2017
13.426/2017
população, para definir a meta de animais a
serem esterilizados, além da obrigatoriedade
de desenvolver ações educativas.
Dispõe sobre a proibição da eliminação de
cães e gatos pelos órgãos de controle de zoo-
noses, canis públicos e estabelecimentos ofi-
Lei federal nº
Brasil 2021 ciais congêneres, exceto em casos de males, BRASIL, 2021
14.228/2021
doenças graves ou enfermidades infectocon-
tagiosas incuráveis que coloquem em risco a
saúde humana e a de outros animais.
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 57
e federais do estado de Minas Gerais. cia com as leis vigentes e embasada na
Ao se elaborar a normatização in- literatura, a metodologia a ser aplicada
terna para realização do programa de é descrita, em seus detalhes, para que o
manejo populacional dos animais nos trabalho possa sempre ocorrer de forma
campi, deve-se atentar anteriormente uniforme e com qualidade. Sugere-se a
para que esteja em consonância com a criação de Procedimentos Operacionais
legislação levantada , garantindo a le- Padrão (POPs) e Plano de Trabalho/
galidade das ações. Ação anual.
Em uma universidade, sugere-se Participantes: devem-se descrever as
uma portaria de nomeação e a aprova- pessoas que estarão envolvidas (docen-
ção de um Programa de Extensão. Isso te ou técnico), as quais serão represen-
permite o planejamento e a execução tantes da comissão permanente. Deve
das ações, por meio da elaboração das ser descrita a função que cada pessoa
políticas e ações do programa, bem exerce, garantindo a qualidade e a conti-
como o recebimento de aporte finan- nuidade das ações. É fundamental haver
ceiro pela Reitoria da universidade. participação do órgão/departamento
Essa normatização deve responsável pelas ques-
contemplar: tões ambientais de cada
Em uma universidade,
Justificativa para as campus, para operacio-
sugere-se uma
ações: com as informa- nalizar as ações, e de ter
portaria de nomeação
pessoal especializado
ções levantadas inicial- e a aprovação de
lotado nesse setor. Vale
mente a respeito dos um Programa de
destacar que a comis-
animais, justificam-se Extensão. Isso permite
são permanente possui
as ações com argumen- o planejamento e a
função administrativa,
tos concretos e análises execução das ações,
e a execução das ações
científicas. Possíveis por meio da elaboração
do programa fica sob
justificativas levantadas das políticas e ações do
responsabilidade das
pelo programa são: re- programa, bem como o
gistros de conflitos en- recebimento de aporte subcomissões e de seus
coordenadores e mem-
tre animais e humanos, financeiro pela Reitoria
bros. Ao se delegarem
registros de maus-tratos da universidade.
as funções de cada gru-
contra os animais, le- po de trabalho, deve-
vantamento do número de animais pre- -se considerar a estrutura já presente
sentes no campus (censo animal) e con- na universidade relacionada a questões
trole de zoonoses. ambientais ou aos animais, para opera-
Metodologia: também com base no cionalizar as ações, com a participação
diagnóstico situacional, em consonân-
58 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
de profissionais experientes ou especia- Referências
lizados em manejo populacional, que 1. BRASIL. Presidência da República. Lei nº.
serão lotados nesse setor. 13.426, de 30 de março de 2017. Dispõe sobre a
política de controle da natalidade de cães e gatos
Resultados alcançados: deve-se atu- e dá outras providências. Diário Oficial da União,
alizar periodicamente o(a) reitor(a), Brasília, DF, 31 mar. 2017.
por meio de um relatório anual de ati- 2. BRASIL. Presidência da República. Lei nº.
vidades contendo os resultados alcan- 14.228, de 20 de outubro de 2021. Dispõe sobre
a proibição da eliminação de cães e gatos pelos
çados, bem como de uma descrição no órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e
programa de extensão, atualizando os estabelecimentos oficiais congêneres; e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília,
tópicos que forem necessários após ava- DF, 21 out. 2017.
liações dele. O programa sempre deve 3. MINAS GERAIS (a). Lei n°. 21.970, de 15 de ja-
manter suas políticas em acordo com neiro de 2016. Dispõe sobre a proteção, a identi-
ficação e o controle populacional de cães e gatos.
as legislações estaduais e federais mais Diário Oficial do Executivo de Minas Gerais, Belo
recentes. Horizonte, MG, 18 jan. 2016.
Autorização do conselho de ética: 4. MINAS GERAIS (b). Lei 22.231, de 20 de julho
de 2016. Dispõe sobre a definição de maus-tratos
considerando se tratar de um ambien- contra animais no Estado e dá outras providên-
te universitário, em que as ações estão cias. Diário Oficial do Executivo de Minas Gerais,
Belo Horizonte, MG, 21 jul. 2016.
intricadas com pesquisa e extensão, re-
5. MINAS GERAIS. Lei 28.836, de 30 de julho
comenda-se que o trabalho de vigilân- de 2021. Diário Oficial do Executivo de Minas
cia e manejo de animais em campi seja Gerais, Belo Horizonte, MG, 31 jul. 2016.
acompanhado de possíveis projetos de 6. MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS
pesquisa afins que ocorrem dentro da (Ed.). Políticas de manejo ético populacional de
cães e gatos em Minas Gerais. Belo Horizonte,
universidade. Uma das primeiras etapas 2019.
dos projetos de pesquisa com animais
envolve apresentar o programa para
aprovação no CEUA e no Comitê Local
dos campi. Esse ponto é fundamental
para a garantia do bem-estar dos animais
manejados, bem como para a divulga-
ção do trabalho a ser realizado, a atuali-
zação periódica de etapas já cumpridas,
as dificuldades, os ajustes necessários e
a divulgação científica dos resultados do
programa instalado na universidade.
7. Implementação de um programa de manejo de animais em campi 59
8. Avaliação e
monitoramento
Helena
Werik dos Santos Barrado1, Gustavo Canesso Bicalho2, Ailton Junior Antunes da Costa3, Lucas Belchior Souza
de Oliveira4, Otávia Augusta de Mello5, Camila Stefanie Fonseca Oliveira6, Danielle Ferreira de Magalhães
Soares7
1 Médico Veterinário (UFMG), residente em Saúde Pública com ênfase em Zoonoses e Manejo Populacional de Cães e Gatos. CRMV-
-MG 26273
2 Médico veterinário (UFMG), especializado em saúde pública com ênfase em zoonoses e manejo populacional de cães e gatos (UFMG),
mestrando em ciência animal na área de concentração epidemiologia (UFMG), Analista em Vigilância Sanitária e Epidemiológica na
Prefeitura Municipal de Barueri. CRMV MG 21.649 / CRMV SP 63.735
3 Médico veterinário - CRMV-MG 16563
4 Médico veterinário pela PUC-MG, mestre em Biologia de Vertebrados (Comportamento e conservação) pela PUC-MG, doutorando em
Ciência Animal (Epidemiologia) pela UFMG. CRMV-MG 19.363
5 Fundadora do C.E.D. BRASIL, médica veterinária (Faculdade Pio Décimo), mestranda em Epidemiologia (UFMG), CRMV-MG 26599
6 Médica veterinária pela ufmg, residente em saúde pública , crmv mg 25214
7 Médica Veterinária, doutora em Ciência Animal (UFMG), Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de
Veterinária da UFMG. CRMV-MG 7296
Os programas de manejo ético po- interpreta esses resultados para que se
pulacional de cães e gatos devem ser ava- identifique como a intervenção afetou a
liados e monitorados constantemente. vida dos animais manejados. Ambos os
O monitoramento consiste em mensu- processos devem ser periódicos, pois as
rar o progresso da intervenção por meio mudanças nas dinâmicas dessas popula-
de indicadores que refletem impactos na ções são frequentes.
população animal manejada, bem como Com este capítulo, pretende-se
o registro de fatores ambientais que in- identificar parâmetros a serem ava-
fluenciam na vida dos animais, além das liados na população manejada e re-
próprias ações de manejo. A avaliação comendar métodos de coleta desses
de uma intervenção utiliza os dados dados de maneira válida, confiável,
coletados durante o monitoramento e prática e viável de se avaliar, adaptados
60 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
dos princípios descritos por Gunther et zados para:
al., 2020; Teng et al., 2018; Hiby et al., • informar à comunidade sobre os im-
2017 e ICAM, 2015. pactos benéficos da intervenção para
9.1- Por que monitorar os animais;
e avaliar cães e gatos • reunir evidências de que a política
residentes? de manejo de animais no campus é
O monitoramento e a avaliação necessária;
levantam dados que podem ser utili- • retornar aos doadores e aos volun-
Figura 23: Diagrama de monitoramento periódico do programa de manejo (ICAM, 2015).
8. Avaliação e monitoramento 61
tários os resultados pais objetivos da inter-
Os grupos de impactos
das ações pelo apoio venção na população,
desejados são:
recebido;
• melhora no bem-estar descritos nas etapas an-
• registrar e comparar a teriores de planejamen-
dos animais;
intervenção e os im- to e estruturação do pro-
• melhora nos
pactos relacionados a grama. Neste Caderno
cuidados prestados
ela; Técnico, agrupamos os
aos animaisredução da
• permitir o aprimora-
densidade populacional indicadores em cin-
mento da intervenção
e estabilização co grupos de impac-
atual e das futuras
da renovação da tos mais comuns dos
ações, entendendo
população; programas de manejo
quais estratégias são
• redução de riscos para populacional nas popu-
adequadas para o
a saúde pública; lações animais. A es-
contexto do campus e
• redução de impactos colha dos indicadores
quais devem ser revi-
negativos dos animais avaliados depende pri-
sadas e aprimoradas,
manejados na fauna meiramente de quanto
conforme o diagrama
local. o parâmetro avaliado
a seguir (Figura 23)
(Hiby, 2017; ICAM, é representativo para o
2015). resultado que se deseja e, em segundo
É natural que o programa de manejo lugar, de quais métodos de mensuração
dos animais nos campi tenha seu início para aquele parâmetro a equipe de tra-
em populações nas quais o conhecimen- balho tem disponível, considerando via-
to da dinâmica das colônias seja escasso. bilidade prática e financeira.
Dessa forma, o planejamento das ações Os grupos de impactos desejados
se baseia nos problemas encontrados na são:
convivência entre os animais e a comu- • melhora no bem-estar dos animais;
nidade local e pode ser realizado com o • melhora nos cuidados prestados aos
auxílio dos responsáveis pelo programa animais;
de manejo, gerando evidências de quais • redução da densidade populacio-
estratégias são bem-sucedidas e quais
nal e estabilização da renovação da
devem ser alteradas.
população;
9.2- Quais parâmetros • redução de riscos para a saúde pública;
• redução de impactos negativos dos
avaliar? animais manejados na fauna local.
Os parâmetros escolhidos para ava- Os indicadores a serem avaliados
liação devem considerar quais os princi- em cada categoria são descritos a seguir:
62 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
1. Melhora no A avaliação de bem- deles e pode explicar
bem-estar dos estar ... [inclui] ... o a origem de intercor-
animais estado mental e afetivo, rências; como exemplo,
feridas causadas por bri-
A avaliação de bem- as funções biológicas
gas. Podemos classificar
-estar dos animais con- e o comportamento
as interações entre ani-
sidera fatores como o natural da espécie.
estado mental e afetivo, mais adultos da mesma
as funções biológicas e o comportamen- espécie como: amigá-
to natural da espécie. Essa avaliação de vel, neutra, de acasalamento ou agressiva.
bem-estar descrita neste material con- Esses indicadores de comportamento
sidera os indicadores presentes direta- social podem ser avaliados por observa-
mente nos animais. ção direta, mas as interações observadas
O escore de condição corporal é um tendem a registros de atividades mais
parâmetro seguro e rápido de ser avalia- barulhentas, e provavelmente as intera-
do. Trata-se de uma mensuração prática, ções mais sutis terão menor frequência
isto é, que não requer exame. A pontua- de observação.
ção pode variar de 1 a 5 e tem como base 2. Melhora nos cuidados
a cobertura de gordura corporal (Figura prestados aos animais
2) (Teng, 2018 e ICAM, 2015).
Os cuidados oferecidos a esses ani-
As condições da pelagem dos ani-
mais podem ser avaliados por indica-
mais podem ser afetadas por diversas
dores baseados nos re-
causas. É um parâmetro
clínico de fácil avaliação, As interações humano- cursos disponíveis aos
animal devem ser animais, considerando
necessitando apenas de
registradas, pois o que é fornecido a eles
observação direta. Além
e em como isso afeta o
disso, a pele e o pelo dos refletem os impactos na
seu bem-estar.
animais domésticos são comunidade em relação
As interações huma-
indicadores que podem ao programa de manejo
realizado. no-animal devem ser re-
mostrar bem-estar ani-
gistradas, pois refletem
mal e a saúde subjacen-
os impactos na comunidade em relação
te: falhas no pelo, feridas na pele, desca-
ao programa de manejo realizado. Uma
mações, sujidades, entre outros, podem
interação positiva, como alimentar e aca-
demonstrar como é o nicho em que es-
riciar os animais, terá impacto positivo
ses animais estão vivendo.
no bem-estar deles, bem como intera-
O comportamento social desses ani-
ções negativas podem desencadear nos
mais é um possível indicador de bem-
animais um comportamento de agressi-
-estar. Ele reflete o estado emocional
8. Avaliação e monitoramento 63
Figura 24: Escore de condição corporal (ECC) em cães e gatos (Adaptado de Teng, 2018 e ICAM, 2015)
64 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
vidade e medo dos humanos. Esse pro- lidade de cuidados veterinários em caso
blema requer atenção especial nos cães, de intercorrências à saúde e à integrida-
pois são animais que constantemente es- de desses animais. Para esse indicador,
tão na presença de pes- consideramos apenas a
soas. Para esse indicador É comum que os disponibilidade de aten-
de interação humano- programas de manejo dimento veterinário,
-animal, registramos os de cães e gatos tenham pois deixamos a ocor-
comportamentos inten- como principal objetivo rência de atendimentos
sos positivos (como o reduzir a densidade propriamente dita para
fornecimento de alimen- populacional dos um tópico seguinte.
to) e negativos (como animais no território a As condições am-
tentativas de agressões) ser trabalhado. bientais devem ser mo-
das pessoas com os ani- nitoradas a fim de se
mais. O indicador será o percentual de avaliarem os cuidados prestados a esses
comportamentos humanos positivos e animais. A segurança e a acessibilidade
negativos em relação a todos os compor- dos abrigos para os cães e os gatos devem
tamentos registrados. ser garantidas a fim de não só monitorar
O outro indicador relacionado aos a quantidade de abrigos disponíveis para
cuidados com os animais se refere ao os animais no campus como se avaliar as
fornecimento de recursos. Deve-se re- condições desses locais de repouso dos
gistrar o manejo de alimentação desses animais, pois são indicadores que afetam
animais e as intercorrências a respei- diretamente o bem-estar deles.
to desse indicador ao longo do tempo,
considerando que a falta de alimentação
3. Reduzir a densidade
causará desequilíbrio nas populações, populacional e estabilizar
levando à saída de animais de seus res- a renovação da população
pectivos focos, e o excesso de alimento É comum que os programas de
favorece a entrada de novos animais em manejo de cães e gatos tenham como
um ambiente cuja população animal principal objetivo reduzir a densidade
já atingiu seu equilíbrio. populacional dos animais no território
O fornecimento de água e as con- a ser trabalhado. Conforme descrito na
dições dos recipientes e do local de seção de diagnóstico de situação deste
disponibilidade também devem ser mo- Caderno Técnico, deve-se realizar um
nitorados, a fim de se avaliar a sustenta- monitoramento do número de animais
bilidade do fornecimento de alimento e que se estabelece em cada unidade do
água para esses animais. Por fim, outro campus, pois a superpopulação animal
recurso a ser considerado é a disponibi- predispõe a ocorrência de diversos con-
8. Avaliação e monitoramento 65
flitos no local. Esse le- segurança nos possíveis
vantamento do número
A transmissão da raiva locais de abandono para
é ... preocupação no registro do ato. A parti-
de animais deve ser rea-
contexto do manejo cipação da comunidade
lizado em cada unidade
populacional. Os
do campus, por meio acadêmica na atenção
registros de casos de
de um inquérito com a esses casos também
raiva para o ser humano
a comunidade local da aumenta a vigilância e
no Brasil nos últimos
unidade, especialmente a coibição de abando-
10 anos mostram que
com as informações dos no de animais em campi
tanto os cães quanto
funcionários locais, e da universitários.
os gatos se tornam
observação direta, per- Por fim, os registros
possíveis fontes de
correndo um trajeto que transmissão da doença. de mortalidade e de es-
cubra toda a unidade, A vacinação preventiva trutura etária desses ani-
em diferentes horários mais são indicadores das
deve ocorrer nos
do dia, a fim de se avis- condições de vida que o
animais manejados ...
tarem os animais. ambiente do campus ofe-
Também devem ser registrados dados rece. Espera-se que, em
referentes a fêmeas prenhes, lactantes e programas de manejo, ocorra uma queda
ao número de ninhadas dos animais re- na mortalidade dos animais por diversas
gistrados no campus, bem como deve ser razões, como a prevenção de brigas, a ofer-
acompanhada a evolução desse número. A ta periódica de alimentos de qualidade, a
queda no número de cada um desses in- vacinação e a disponibilidade de atendi-
dicadores representa um sucesso no con- mento veterinário. Os dados de mortali-
trole reprodutivo realizado no programa, dade são monitorados considerando-se
reforçando a necessidade de se realizar a número de óbitos que ocorrem no cam-
castração desses animais e a restrição do pus, no local onde ocorreu o evento, na
movimento. proximidade do local com o ponto onde o
Outro parâmetro de interesse para animal se estabeleceu anteriormente e na
monitoramento da densidade populacio- causa desses óbitos. Os dados de estrutura
nal é o registro de abandono de animais etária são registrados com base no registro
no território do campus universitário. Para do nascimento exato ou estimado de ani-
mais no campus e no acompanhamento da
uma sensibilidade suficiente desse dado,
estada de animais adultos no local.
é necessário criar uma rede de vigilância
de casos de abandono por todo o campus, 4. Reduzir riscos para a
com participação do serviço local de segu- saúde pública
rança, para atenção com o aparecimento A transmissão da raiva é o risco de
de novos animais e resgate das câmeras de saúde pública de maior preocupação
66 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
no contexto do manejo populacional. prevenção contra a raiva no programa
Os registros de casos de raiva para o ser de manejo ético populacional, deve-
humano no Brasil nos últimos 10 anos -se registrar a data de captura de to-
mostram que tanto os cães quanto os ga- dos os animais para se realizar a vaci-
tos se tornam possíveis fontes de trans- nação contra a doença. O registro da
missão da doença. A vacinação preventi- cobertura vacinal contra a raiva para
va deve ocorrer nos animais manejados, cães e gatos previamente mapeados
especialmente em ambientes como orienta a necessidade dos esforços de
campi universitários, onde pode haver vacinação em áreas com animais que
presença de mata e convivência mútua ainda não foram imunizados.
entre animais domésti- Ainda consideran-
cos e morcegos. Ainda considerando do doenças de impor-
Os registros de doenças de importância tância na saúde públi-
agressões por cães e na saúde pública, ca, devemos levar em
gatos podem ser obti- devemos levar em conta outras zoono-
dos de dados oficiais, conta outras zoonoses ses que podem ocor-
como o número de ca-
que podem ocorrer nas rer nas adjacências
sos tratados como pro-
adjacências do campus. do campus. Em Belo
filaxia pós-exposição
Em Belo Horizonte, a
Horizonte, a leishma-
leishmaniose visceral
oriundos do campus, niose visceral canina e
canina e a esporotricose
no serviço público
felina são de ocorrência a esporotricose felina
de saúde. Em muitas são de ocorrência co-
comum.
universidades, existe mum. Ambas podem
um serviço local de ser controladas durante o programa
atendimento à saúde dos membros de manejo, por meio do recolhimen-
da comunidade acadêmica, e, assim, to e do tratamento de animais posi-
os registros desse serviço podem au- tivos. Idealmente, esses animais não
xiliar o programa de manejo a mo- poderão ser devolvidos ao campus
nitorar eventos que possivelmente pelo risco de contaminação de ou-
facilitariam o risco de transmissão da tros, portanto devem ser encaminha-
raiva intra e interespécies, incluindo dos à adoção responsável ou a lares
a humana, bem como avaliar se as temporários pagos.
medidas de manejo dos animais e de Os dados oficiais a respeito da
educação em saúde com a comunida- prevalência da doença no local po-
de estão impactando no contexto dos dem ser consultados por meio do
campi universitários. serviço público e/ou dos registros
Considerando a importância da da equipe de manejo clínico desses
8. Avaliação e monitoramento 67
animais. A redução na Os cães e os gatos ma de manejo, quando
detecção dessas do- que se instalam em o programa tem, entre
enças pode indicar su- áreas florestadas seus objetivos, proteger
cesso no programa. É podem sobreviver a fauna silvestre local.
válido considerar que, independentemente Uma redução na fre-
nos meses iniciais do da intervenção e da quência de observação
estabelecimento de assistência humana,
políticas de manejo, desses eventos indica
possuindo como
com o aumento na ca- um sucesso do progra-
subsistência primária
pacidade de detecção a predação de animais ma em se realizar esse
dos casos dessas do- silvestres. controle.
enças, a taxa de posi-
tividade será maior que nas etapas Referências
iniciais devido ao aumento na capaci- 1. GUNTHER, Idit et al. An accessible scheme for
dade da equipe de encontrar os casos monitoring free‐roaming cat population trends.
positivos. Ecology and Evolution, v. 10, n. 3, p. 1288-1298,
2020.
5. Reduzir impactos 2. HIBY, Elly et al. Scoping review of indicators and
methods of measurement used to evaluate the
negativos dos animais impact of dog population management interven-
manejados na fauna local tions. BMC veterinary research, v. 13, n. 1, p. 1-20,
2017.
Os cães e os gatos que se insta-
3. ICAM – International Companion Animal
lam em áreas florestadas podem sobre- Management Coalition, 2015. “Estamos fazendo
viver independentemente da interven- a diferença? Um guia para monitoramento e ava-
ção e da assistência humana, possuindo liação de intervenções de manejo de populações
caninas”. Disponível em: http://www.icam-coali-
como subsistência primária a predação
tion.org/ - Acesso em junho, 2022.
de animais silvestres. Os registros dos
4. TENG, K. T. et al. Associations of body con-
eventos de predação de outros animais
dition score with health conditions related to
por cães e gatos no campus devem ser over weight and obesity in cats. Journal of Small
acompanhados durante todo o progra- Animal Practice, v. 59, n. 10, p. 603-615, 2018.
68 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
9. O programa cão comunitário
como estratégia para o manejo
populacional de cães em
instituições de ensino superior
Branconilda Otavia Mello - CPPA/UFMG
Juliana Tozzi de Almeida
Médica Veterinária, pela Universidade Federal do Espírito Santo, Mestre em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Paraná,
na área de Bem-estar Animal, e Doutorado em andamento na área de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal pela FMVZ-USP.
CRMV-ES 01842
A falência no vín- sica ou até mesmo por
A saúde pública é a
culo humano-cão e a abandono nesses locais.
principal motivação
falta de políticas públi- A saúde pública é
para o controle
cas efetivas constituem a principal motivação
populacional de cães,
a base da problemática para o controle popu-
sendo evidente desde
dos animais em situação lacional de cães, sendo
a década 1960, pois tal
de rua presenciada nas evidente desde a década
questão foi vinculada
cidades brasileiras. Tal 1960, pois tal questão
ao contexto de controle
população acaba tendo foi vinculada ao contex-
da raiva.
acesso a outros cenários, to de controle da raiva.
como as instituições de Durante anos, a educa-
ensino superior, por falta de barreira fí- ção para guarda responsável foi prejudi-
9. O programa cão comunitário como estratégia para o manejo populacional 69
de cães em instituições de ensino superior
cada pela facilidade com que eram reco- jamento e na execução das estratégias;
lhidos e eliminados animais de rua pelo ações educativas para promoção de va-
poder público. No entanto, a inadequa- lores humanos e o bem-estar animal; re-
ção da estratégia de controle populacio- gistro e identificação dos animais; cuida-
nal de cães urbanos por meio de captura dos da saúde animal, ações com animais
e eliminação é mundialmente reconhe- comunitários; controle reprodutivo dos
cida, pois não favorece o controle po- cães; prevenção e controle de zoonoses;
pulacional, e o reconhecimento de que controle do comércio
matar um cão porque de animais; manejo eto-
ele se encontra em con- O cão comunitário lógico e destino adequa-
dição de abandono não ... [é] ... forte aliado
do dos animais aban-
é aceitável no âmbito da ao manejo dessa
donados; legislação
ética. Adicionalmente, população, a) por
pertinente, entre outras.
há a Legislação Federal ser passível de ser
Além disso, há, ainda, o
13.426/17, que dis- monitorado ... pelo
uso de indicadores para
põe sobre o controle forte vínculo com a
a avaliação do monito-
de natalidade de cães e comunidade local;
b) por impedir ... que ramento e do impacto
gatos, exigindo, assim,
aos municípios que im- outros cães se instalem das estratégias relativas
no local; c) por ser ... às populações animais,
plementem ações nesse
contexto. Dessa forma, controle populacional às interações humano-
-animal, aos serviços
o avanço do estudo so- por serem castrados; d) públicos e às zoonoses
bre estratégias para o por ser saudável e ter
transmitidas por esses
manejo populacional de alta expectativa de vida
... e) por ser sentinela animais, bem como à
cães em situação de rua
ambiental ... participação dos atores
torna-se necessário de-
sociais envolvidos em
vido à situação de vul-
cursos de capacitação.
nerabilidade em que vivem os animais
Diante disso, a compreensão quanto
e, ainda, por eles serem considerados
à dinâmica populacional de cães se faz
um fator de risco aos seres humanos, a
necessária para a implementação de es-
outros animais e ao meio ambiente.
tratégias assertivas. entre as categorias
As novas estratégias propostas para
reconhecidas de cães em situação de
o manejo populacional de cães envol-
rua, estão os cães perdidos, abandona-
vem censo ou estimativa populacional;
conhecimento da dinâmica populacio- dos, semidomiciliados; comunitários e
nal; participação social com envolvi- os cães sem tutor. A formação de víncu-
mento dos diferentes setores no plane- lo afetivo entre cães que vivem nas ruas
e moradores locais parece relevante para
70 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
melhorar as estratégias de controle po- go prazo, por meio de indicadores.
pulacional. Tais cães recebem cuidados Em Minas Gerais, a Lei nº
dos moradores locais, como alimenta- 21.970/16 regulamenta o animal comu-
ção e abrigo, recebem um nome e pas- nitário no estado, assim como onze esta-
sam a conviver de maneira próxima com dos brasileiros. A implantação do PCC
a população, sendo, então, chamados de em campus universitário envolveria a
cães comunitários. corresponsabilidade de três pilares, a di-
O cão comunitário reção do campus; o co-
foi visto como um forte mitê institucional, for-
aliado ao manejo dessa
... a educação é a mado pelos cuidadores
melhor ferramenta, dos animais e demais
população, a) por ser
sendo as instituições de pessoas da comunidade
passível de ser monito-
ensino elemento-chave acadêmica, e o poder
rado a partir do seu local
nessa construção na público. A execução de
de permanência estabe-
sociedade, na formação um programa que vise
lecido pelo forte vínculo
de profissionais e ao estabelecimento de
com a comunidade lo- cidadãos melhores.
cal; b) por impedir, por protocolo de cuidados
intermédio do comportamento natural com os cães soltos no
da espécie, que outros cães se instalem campus e que eduque a população aca-
no local; c) por ser foco de controle po- dêmica poderá contribuir para se com-
pulacional por serem castrados; d) por preender a dinâmica populacional local;
ser saudável e ter alta expectativa de vida, estabilizar a população de cães e melho-
por ser assistido pelos moradores locais; rar o convívio entre os cães e as pessoas
e e) por ser sentinela ambiental, seja por do campus. Considerando-se que, para
doenças zoonóticas ou por questões a mudança de comportamento das pes-
sociais, como a violência, conforme a soas, a educação é a melhor ferramenta,
Teoria do Elo. Dessa forma, a proposta sendo as instituições de ensino elemen-
de um protocolo para a implantação do to-chave nessa construção na sociedade,
Programa Cão Comunitário em âmbito na formação de profissionais e cidadãos
municipal e adaptável a outros cenários, melhores.
foi motivada a fim de o município co-
nhecer melhor a dinâmica da popula-
Programa Cão
ção canina local; promover a saúde e o Comunitário
bem-estar únicos, a participação social e A metodologia é uma adaptação
o controle populacional; gerar banco de de Almeida (2017), que descreve uma
dados, para consulta de informações e proposta de protocolo para implantação
avaliação do programa em médio e lon- do Programa Cão Comunitário como
9. O programa cão comunitário como estratégia para o manejo populacional 71
de cães em instituições de ensino superior
estratégia adicional para ao número, à localiza-
Na fase de triagem,
o manejo populacional ção e ao tipo de cão.
o mapeamento é
de cães em âmbito mu- Além disso, conversas
realizado em todo o
nicipal (Figura 25). Em devem ser realizadas
campus, quanto ao
médio prazo, pode ser com funcionários, do-
número, à localização e
implementado via pro- centes e discentes para
ao tipo de cão.
jetos de extensão, e, em se verificarem quais
longo prazo, por meio cães já são cuidados
do comitê institucional permanente. informalmente por eles, por no mínimo
um ano, e quais são seus principais desa-
Triagem, cadastramento e fios em relação aos cuidados com os ani-
ações com os cães
mais. Uma vez identificados, os cães co-
Na fase de triagem, o mapeamento munitários serão cadastrados em fichas
é realizado em todo o campus, quanto individuais, juntamente com informa-
Figura 25 – Descrição das etapas constituintes para a implementação do Programa Cão Comunitário em
instituições de ensino superior.
72 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
ções de seus mantenedores. No cadas- de tais procedimentos, bem como a sub-
tramento, entre os dados a serem cole- missão de formulário unificado para so-
tados referentes ao cão, estarão: nome, licitação e autorização para uso de ani-
foto, sexo, porte, tipo e cor da pelagem, mais em ensino ao Comitê de Ética em
idade aproximada, tempo em que reside Uso de Animais (CEUA), já estarão pre-
no local, existência de vistos pelo curso de me-
mantenedores, histórico ... disciplinas como dicina veterinária. Por
de mordedura a pessoas Clínica Médica de outro lado, instituições
e animais, bem como de Pequenos Animais que não tiverem o curso
comportamento de per- e Técnica Cirúrgica podem fazer parcerias
seguição a objetos em Veterinária e Cirurgia com a prefeitura para
movimento, como mo- de Pequenos Animais, castrar e vacinar os ani-
tos, carros e bicicletas. podem colaborar com o mais (antirrábica anual)
Após as etapas de programa como forma e com voluntários para
triagem e cadastramen- de integrar a extensão lares temporários du-
to, os cães serão encami- ao ensino. rante a recuperação do
nhados para avaliação pós-operatório.
médica, realização de procedimentos Após a realização dos procedimen-
veterinários, como administração de tos veterinários nos cães, serão realiza-
antiparasitários, vacinação antirrábica e das estratégias para informar e dar vi-
espécie-específica, registro e identifica- sibilidade ao trabalho no campus. Para
ção com coleira e microchip; e é feito o isso, a divulgação será feita por meio
agendamento da esterilização cirúrgica. de folders, cartazes e faixas, bem como
Tanto o transporte como o local para o no site e em redes sociais da institui-
pós-operatório devem ser planejados ção. Nos cães, serão colocadas coleiras
para o dia do procedimento cirúrgico. contendo identificação visível, na qual
Instituições que tiverem o curso bacha- constarão os dizeres “Cão Comunitário
rel em medicina veterinária, discipli- + nome do cão + nome da instituição”, e
nas como Clínica Médica de Pequenos telefone de contato do comitê/projeto.
Animais e Técnica Cirúrgica Veterinária Casinhas para abrigo dos cães de-
e Cirurgia de Pequenos Animais, podem vem ser alocadas em pontos onde cada
colaborar com o programa como forma cão vive no campus, e com identifica-
de integrar a extensão ao ensino. Nesse ção, informando que o cão participa do
caso, os cuidados pós-operatórios po- Programa Cão Comunitário.
derão ser realizados nas instalações do A alimentação deve ser estabeleci-
hospital veterinário pelos discentes das da em horários específicos, e o forne-
disciplinas em questão. Ainda, os custos cimento de água aos animais deve ser à
9. O programa cão comunitário como estratégia para o manejo populacional 73
de cães em instituições de ensino superior
vontade, em recipientes de haver informações
... no quesito
de fácil higienização e que facilitem tanto o
educação, estão
diariamente, com tro- entendimento e a com-
orientações quanto
ca do conteúdo pelo preensão da importân-
à guarda responsável,
menos uma vez ao dia. cia da manutenção dos
especialmente
Importante ressaltar o animais no campus, não
sobre vacinação,
planejamento dessas sendo, portanto, a ado-
antiparasitários, visitas
ações em período de ção o objetivo primário,
ao médico veterinário,
férias, bem como cole- quanto a apresentação
castração e zoonoses
tar dados, como escore dos cães comunitários
transmitidas por cães.
corporal, presença de à comunidade acadêmi-
alguma doença, reapli- ca, por meio de fotos e
car antiparasitários ou conduzir os ani- vídeos e de seus locais de permanência.
mais para revacinação quando houver Ainda, são necessárias ações educativas
necessidade. As informações coletadas quanto à leitura e à identificação de lin-
serão anexadas às fichas individuais dos guagem corporal dos cães.
cães, e, no momento das atividades em
campo com o programa, é recomenda-
Monitoramento dos animais
e avaliação do programa por
do que os integrantes da equipe estejam,
indicadores
por exemplo, de camisa do programa,
para que as pessoas possam identificá- O monitoramento do local de per-
-los e sanar eventuais dúvidas. manência dos cães comunitários é tão
essencial quanto o seu próprio moni-
Educação em saúde e guarda toramento. O aparecimento e a perma-
responsável e divulgação do nência de novos cães no
programa local implicam também
Entre os temas O monitoramento do se fazer um controle
abordados no quesito local de permanência sanitário e reprodutivo
educação, estão orien- dos cães comunitários desses animais, os quais
tações quanto à guarda é tão essencial podem ser cães com po-
responsável, especial- quanto o seu próprio tencial de comunitário e
mente sobre vacinação, monitoramento. O futuramente incluídos
antiparasitários, visitas aparecimento e a no Programa. A utili-
ao médico veterinário, permanência de novos zação de indicadores é
castração e zoonoses cães no local implicam importante para moni-
transmitidas por cães. também se fazer um torar e avaliar o sucesso
No âmbito de divulga- controle sanitário e do Programa, os quais
ção do Programa, há reprodutivo ... fornecem confiabilida-
74 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
de às pessoas de que o Programa está al- por meio da parceria com o poder públi-
cançando seus objetivos, ou seja, os im- co municipal para ações dentro e fora do
pactos desejados. O manual produzido campus, quanto ao manejo populacional
pela International Companion Animal de cães em situação de rua.
Management Coalition, em 2015, in- O Programa pode ser realizado com
titulado “Are we making a difference?”, recursos financeiros do próprio campus,
pode ser utilizado como referência na uma vez que, por exemplo, aulas de téc-
utilização dos indicadores. Considera- nica cirúrgica estão previstas e já são
se importante que o monitoramento executadas pelo curso de medicina vete-
por indicadores gere publicações dispo- rinária. Medicamentos, vacinas e ração
níveis publicamente, para que os resul- poderão ser doados por laboratórios ou
tados sejam incorporados ao aprimora- por distribuidoras, os quais já realizam
mento contínuo e possa haver inserção esse tipo de ação como forma de dar
de novas metas do Programa. maior visibilidade aos seus produtos, ou
por pessoas que se interessem em cola-
Considerações finais borar com o Programa.
Estratégias quanto ao controle da
população de cães nos campi de insti-
Referências
1. ALMEIDA, J.T. Adoção do Programa Cão
tuições de ensino se fazem necessárias Comunitário como estratégia adicional para
por esses animais estarem em risco e co- o manejo populacional de cães. 2017. 134 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias).
locarem pessoas e outros animais tam- Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017.
bém em risco, quando não assistidos. As 2. ASCIONE, F. R.; ARKOW, P. Child Abuse,
ações propostas pelo Programa vão ao Domestic Violence and Animal Abuse, Linking
encontro do manejo populacional em the Circles of Compassion for Prevention and
Intervention. Indiana: Purdue University Press,
âmbito municipal e precisam ser imple- 380 p, 1999.
mentadas com urgência, tendo em vis- 3. CONSTANTINO, C.; PAULA, E.F.E.;
ta o crescente abandono de animais na BRANDÃO, A.P.D.; VIEIRA, F.F.; VIEIRA,
R. F.C.; BIONDO, A.W. Survey of spatial dis-
região. Ademais, serão promovidas ati- tribution of vector-borne disease in neighbor-
vidades que reúnem alunos de diversos hood dogs in southern Brazil. Open Veterinary
Journal, v. 7, n. 1, p. 50-56, 2017.
cursos e faixas etárias, transmitindo co-
4. FAO. Food and Agriculture Organization (2014)
nhecimentos sobre a importância de se Dog population management. FAO/World
trabalhar pelo coletivo, podendo gerar Animal Protection/ICT. Disponível em: <http://
www.fao.org/3/a-i4081e.pdf>.
dados científicos, que serão, posterior-
5. GARCIA, R. C. M. Estudo da dinâmica popula-
mente, aplicados na realidade dessa co- cional canina e felina e avaliação de ações para o
munidade. A integração da comunidade equilíbrio dessas populações em área da cidade
de São Paulo, SP, Brasil. 265 p. Tese (Doutorado).
acadêmica com a sociedade também Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia,
será estreitada pelas ações do Programa, Universidade de São Paulo, 2009.
9. O programa cão comunitário como estratégia para o manejo populacional 75
de cães em instituições de ensino superior
6. GARCIA, R.C.M, CALDERÓN, N., FERREIRA, 12. RÜNCOS, L. H. E. Bem-estar e comportamento
F. Consolidação de diretrizes internacionais de de cães comunitários e percepção da comunida-
manejo de populações caninas em áreas urbanas e de. 106 p. Dissertação (Mestrado). Universidade
proposta de indicadores para seu gerenciamento. Federal do Paraná, Curitiba, 2014.
Revista Panamericana de Salud Publica, v. 32, n.
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11. PATRONEK, G. J.; BECK, A. M.; GLICKMAN,
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Medical Association, v. 210, n. 5, p. 637-642,
1997.
76 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
10. Decisão de adoção
e introdução de novos
animais em um lar Otavia Mello - CPPA/UFMG
Banze
Lucas Belchior Souza de Oliveira1, Maria Paula Vieira Rodrigues2, Camila de Valgas e Bastos3, Camila Stefa-
nie Fonseca Oliveira4
1 Médico veterinário pela PUC-MG, mestre em Biologia de Vertebrados (Comportamento e conservação) pela PUC-MG, doutorando em
Ciência Animal (Epidemiologia) pela UFMG. CRMV-MG 19.363
2 Médica Veterinária pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH), Mestranda em Medicina Veterinária Preventiva pela UFMG,
Técnica Superior de Saúde pela Prefeitura de Belo Horizonte. CRMV-MG: 23672
3 Professora de doenças parasitárias na Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), graduada em Medicina
Veterinária (2003), mestrado em Medicina Veterinária (UFMG, 2005), doutorado e pós-doutorado (Parasitologia, Instituto de Ciências
Biológicas da UFMG, 2009 e 2011). CRMV-MG 7083.
4 Médica Veterinária (Vet-UFMG), Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciência Animal com Área de Concentração em Epidemiologia
(Vet-UFMG). Espacialização em Estatística com ênfase em Estatística (ICEX-UFMG). Professora de Saúde Pública Veterinária (Vet-
-UFMG). CRMV-MG 12124
O processo de introdução de um os novos animais e os animais residen-
novo animal no lar deve ser planejado e tes do lar;
seguir estratégias necessárias para mini- • necessidade de maior estímulo am-
mizar e resolver problemas, favorecendo biental e cognitivo para manter pa-
a adaptação dos cães e gatos às distintas drões de atividade próximos do ideal
formas de manutenção sob cuidados para o indivíduo.
humanos. Nos próximos tópicos, descreve-se
Entre os principais problemas ob- o processo de introdução de um novo
servados, podem-se citar: felino e de um novo cão. Além disso,
• dificuldade em estabelecer áreas fixas serão discutidos brevemente alguns as-
para defecação e micção; pectos de saúde anteriores à introdução
• interações agonísticas (brigas), entre de animais, quais os principais cuidados
10. Decisão de adoção e introdução de novos animais em um lar 77
ao bem-estar dos animais durante o pe- para a saúde pública, principalmente a
ríodo de isolamento na introdução e as leishmaniose visceral canina;
principais abordagens contraindicadas • aplicação de vacinas espécie-especí-
no processo de adaptação. ficas necessárias (cinomose, hepatite
infecciosa, laringotraqueíte infeccio-
1- Aspectos de saúde sa, leptospirose, parvovirose e parain-
antes da inserção no novo fluenza canina) e de acordo com o
ambiente domiciliar perfil de cada animal. Vacinação es-
pécie-específica em número de doses
A introdução de novos animais exi-
e intervalos definidos pela condição
ge a observação ou a adoção de alguns
epidemiológica local ou por padrões
cuidados importantes para resguardar a
clássicos de intervalos entre doses a
saúde dos novos residentes, assim como
os já estabelecidos naquele ambiente, cada 3 semanas (3 a 4 doses);
quando presentes. São necessários tan- • orientações de dieta e do manejo am-
to para cães quanto para gatos que serão biental/comportamental, garantindo
adotados: um lar que respeite as necessidades de
• consulta médico-veterinária com o cada indivíduo;
objetivo de avaliação clínica, com a • análise do perfil comportamental do
observação cuidadosa do exame físi- pet para avaliar se ele se adequa ao
co, dos parâmetros básicos de saúde perfil da família. Por exemplo, animais
do indivíduo; com histórico de problemas relacio-
• exame coproparasitológico (exame de nados à separação não se adequam à
fezes) para identificar possíveis parasi- rotina de uma família em que os mo-
tos que requeiram o uso de fármacos radores não permanecem em casa; ou
específicos em dose e frequência ou pessoas com estilos de vida compatí-
para controle dos mais comuns, com veis com exercícios físicos intensos
produtos de amplo espectro de ação; podem ter problema na relação com
• vacinação antirrábica, se o animal já animais idosos, entre outros (Siettou
está em idade adequada, normalmen- et al., 2014; Pitteri et al., 2014).
te ofertada pelas campanhas, quando No caso específico dos gatos, tam-
elas ocorrem anualmente pelos agen- bém se deve atentar para:
tes de saúde pública, ou em postos • testagem de doenças retrovirais im-
fixos de vacinação durante todo o portantes (vírus da imunodeficiência
ano, nas Unidades de Vigilância em felina – FIV e vírus da leucemia felina
Zoonoses - UVZ, assim como pelas – FeLV);
clínicas veterinárias do setor privado; aplicação de vacinas espécie-espe-
• testagem de doenças de importância cíficas necessárias (rinotraqueíte feli-
78 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
na, calicivirose felina, um lar com estímulos
O processo de
panleucopenia felina, adequados, a necessi-
introdução de novos
Chlamydiapsittaci, e/ou dade de convívio com
gatos em uma casa com
vírus da leucemia felina) outro gato pode não
animais já domiciliados
e de acordo com o perfil ser necessária (Bowen,
pode levar a alterações
de cada animal. Heath, 2005).
do comportamento de
ingestão de alimentos, O processo de intro-
2- Introdução micção e defecação dução, principalmente
de novos inapropriadas, mas, para os gatos, deve ser
felinos principalmente, em lento, gradual e muito
O processo de in- brigas (interações planejado, evitando aci-
trodução de novos gatos agonísticas). dentes posteriores e di-
em uma casa com ani- ficuldade de adaptação
mais já domiciliados pode levar a altera- entre os novos animais (Seksel, 2009).
ções do comportamento de ingestão de Abaixo, segue o caminho inicial para
alimentos, micção e defecação inapro- facilitar a introdução dos gatos no novo
priadas, mas, principalmente, em brigas ambiente.
(interações agonísticas) (Levine et al., 2.1- Decisão pela introdução
2005; Elzerman et al., 2020). Nesse ce- de novos felinos
nário, sabe-se que grande parte dos con-
flitos se iniciam imediatamente na intro- Para reduzir os riscos de conflitos
dução (73%), com algumas ocorrências sociais, deve-se priorizar a inserção de
ocorrendo gradualmente (24%) e pou- animais com as seguintes características
cas com mudanças de relações abruptas (Pereira, Pereira, 2013; Atkinson, 2018;
(3%) (Elzerman et al., 2020). O tempo Elzerman et al., 2020):
para reduzir essas alterações varia de • gatos do mesmo ciclo familiar (irmãos
acordo com os indivíduos e a forma de ninhada);
com que são apresentadas, e os tutores • gatos filhotes e jovens. Dessa forma, a
geralmente correlacionam introduções possibilidade de interações aversivas,
“problemáticas” com relações sociais as quais são mais facilmente obser-
fracas ao longo do tempo (Levine et al., vadas em gatos adultos introduzidos,
2005). Além disso, muitos fatores po- pode ser minimizada;
dem influenciar nesse processo, como • gatos que tiveram experiências com
a aceitabilidade do grupo e associações outras gatos no período da infância,
coercivas (negativas) ao longo desse preferencialmente entre 2-7 semanas
processo, principalmente considerando de vida;
que, para gatos bem estabelecidos e em • gatos em ambientes que garantam a
10. Decisão de adoção e introdução de novos animais em um lar 79
distribuição espacial Importante lembrar
Em ambientes abertos
deles, ou seja, me- que, mesmo em am-
como os campi
nos gatos em espaços
universitários [é] mais biente separado, os ani-
amplos. difícil ... a confirmação mais vão ser expostos a
Em ambientes aber- de parentesco ... [e] diferentes estressores,
tos como os campi uni- ... os grupos sociais como as vocalizações,
versitários, com certeza poderão ser formados os odores, entre outros.
será mais difícil que seja entre indivíduos de Nessas situações, os
possível a confirmação ninhadas distintas animais podem exibir
de parentesco, convívio [com] vínculos de comportamentos de
social de indivíduos, convívio e afetivos ... agressividade redire-
uma vez que os animais, cionada, mesmo não
em geral, são submetidos à castração e, mantendo contato com o novo gato, ou
portanto, as gerações serão limitadas. seja, a agressão pode ocorrer direciona-
Por outro lado, os grupos sociais da para demais gatos residentes, ou para
poderão ser formados entre indivíduos outros animais e pessoas que convivem
de ninhadas distintas, estabelecendo- com o animal (Lachman, Mickadeit,
-se vínculos de convívio e afetivos, que 2002). Ou seja, manter um ambiente de
deverão ser observados para favorecer a isolamento para os demais animais com
capacidade de adaptação em um novo múltiplos acessos aos recursos necessá-
ambiente, em especial se dois ou mais rios torna-se uma ferramenta essencial
indivíduos são adotados conjuntamen- no manejo.
te desde o início. É importante lembrar Esse manejo inclui, em ambos os
que cada animal possui um perfil dife- ambientes:
rente para lidar com situações adversas. • aumento do número de comedouros e
Assim, enquanto para alguns gatos o bebedouros;
processo pode ser reduzido em termos • locais verticalizados para descanso e
de esforço e tempo, para outros esse exploração;
processo pode perdurar por semanas a • abrigos para descanso;
meses. • esconderijos;
• provisão de enriquecimentos
2.2- Restrição do espaço ambientais;
Na casa, os novos animais devem • caixas sanitárias para urina e fezes.
ser mantidos em um ambiente separa- Obs.: Para mais informações sobre
do, que garanta os recursos necessários como manter o ambiente de isolamento
e que reduza o contato visual, auditi- adequado para as necessidades, conferir
vo e olfativo com os animais da casa. a penúltima seção deste capítulo.
80 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
2.3- Introdução aos odores 2.4- Associando os ambientes
A habituação dos odores e fero-
de forma positiva
mônios entre os gatos, de forma pas- A partir do momento em que os
siva e não necessitando da exposição animais passam a exibir comporta-
entre os animais, também é uma fer- mentos calmos ao terem contato com
ramenta viável de aplicação. Os gatos o odor dos demais, podem-se iniciar
residentes e os novos podem ter aces- interações de brincadeira com os ga-
so aos odores por meio tos próximos da porta,
das portas, dos itens no local ao qual eles
A habituação aos
da casa, dentre outros, costumam ter acesso
odores e feromônios
facilitando que o chei- entre os gatos ... por ... uns com os outros pelo
ro em comum entre os portas [e] itens da casa cheiro. Dessa forma,
animais de um mesmo ... [resulta em] estresse pretende-se reduzir as
ambiente se torne um interações negativas
durante as relações
fator a menos de es- e tornar o ambiente
sociais.
tresse durante as rela- agradável, mesmo no
ções sociais. contato com diferentes
Obtendo respostas comporta- odores. Uma ferramenta importante a
mentais adequadas, pode-se tam- ser sempre utilizada é reforçar (princi-
bém realizar a troca das camas, palmente com petiscos) aleatoriamen-
dos tecidos, além do contato após te as brincadeiras de caça (corda, bola
fricção na região das bochechas de papel, etc.), para que os animais não
(glândulas circum-orais), de outros se frustrem.
tecidos, na tentativa de uniformi- Além disso, é de extrema importân-
zar a percepção de feromônios da cia manter as atividades que os animais
residência. sentem como adequadas e motivadoras
Complementar à medida acima, nos ambientes aos quais não estejam
os animais podem ser colocados, habituados, por meio de brincadeiras,
sem que haja contato, uns no local alimentos e atividades similares.
dos outros, para que os odores pos- 2.5- Introduções visuais e
sam ativamente ser reconhecidos. físicas
Importante que os novos gatos sejam
Quando os animais estiverem res-
expostos apenas a alguns cômodos
pondendo de forma positiva, com com-
da casa, enquanto os gatos já residen-
portamentos de conforto às medidas
tes devem ter acesso a todos os locais
anteriores, é o momento de iniciar as in-
em que os novos gatos estão sendo
troduções visuais entre os gatos, através
mantidos.
10. Decisão de adoção e introdução de novos animais em um lar 81
de barreiras de proteção tivas estão mais evi-
Em caso de respostas
(portas transparentes, dentes, demonstrando
agressivas, embora
gradis, etc.). um efeito positivo na
entre as barreiras,
Em caso de respos- introdução, as quais
remover o contato
tas agressivas, embora visual imediatamente podem ser observadas
entre as barreiras, re- e reiniciar em outro por comportamentos,
mover o contato vi- período/dia. tais como: dormir no
sual imediatamente e mesmo ambiente, rea-
reiniciar em outro período/dia. Caso lizar o alo-grooming (limpeza mútua)
os gatos permaneçam com respostas na região de orelhas e face, dormir
agressivas às exposições visuais, pode em contato um com o outro e tocar
ser interessante introduzir, em ambos o nariz um do outro (Elzerman et al.,
os lados, atividades de distração, como 2020). Para entender mais sobre si-
brincadeiras de caça (nesse caso, será nais comportamentais de conforto
necessária uma pessoa em cada lado e estresse, favor conferir o capítulo
para estimular os animais e direcionar o de educação (parte de educação em
comportamento). comportamento animal).
Entre os sinais mais comuns que
vão demonstrar se a aproximação 3- Introdução de novos
está sendo efetiva ou não, principal- cães
mente quanto aos comportamen- A introdução de novos cães em am-
tos de desconforto, pode-se incluir: bientes com cães já domiciliados tende
perseguição (importante diferenciar a ser menos conturbada quando com-
de comportamentos parada à introdução de
lúdicos, como a brin- É importante garantir felinos. Contudo, mui-
cadeira), bullying, que o isolamento tos riscos podem estar
mediante a vigilância possibilite locais em associados à ausência
extrema ou o impe- que os cães possam se de histórico das relações
dindo ao acesso a de- observar mutuamente, sociais bem como à pos-
terminados recursos, mas que tenham um sibilidade de “gatilhos”.
fuga, movimentação espaço amplo fora Desse modo, indica-se a
excessiva da cauda, do campo de visão realização do isolamen-
sibilo e miados exces- do outro, para que to de maneira similar ao
sivos. Por outro lado,
um possível estímulo caso dos gatos. Essa me-
alguns comportamen-
negativo não fique dida garante uma for-
tos vão demonstrar
sendo exposto ma preventiva tanto na
continuamente. transmissão de doenças
que as relações afilia-
82 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
de manifestação subclí- Em alguns cená-
Para a introdução física,
nica quanto na redução rios, o uso de focinheira
é necessário manter
de agravos de origem “bioadaptada” (que não
cada animal com um
comportamental.
peitoral anexado à guia lesiona a região do fo-
Importante garantir ... Cães que mantêm um cinho, permite a respi-
que o isolamento possi- ração em padrões nor-
olhar relaxado e não
bilite locais em que os mais e a introdução de
apresentam sinais de
cães possam se obser- petiscos) é uma ferra-
agressividade passiva
var mutuamente, mas menta segura para evi-
(exibição de dentes,
que tenham um espaço rosnados, pilo-ereção) tar acidentes por mor-
amplo fora do campo podem ser aproximados deduras entre cães. Para
de visão do outro, para entender mais sobre
de forma lenta.
que um possível estí- sinais comportamentais
mulo negativo não fique sendo exposto de conforto e estresse,
continuamente. favor conferir o capítulo de educação
São estratégias importantes de im- (parte de educação em comportamento
plementação garantir que, nos momen- animal).
tos de exposição visual, os animais sejam
recompensados por comportamentos
4- Adequações ao bem-
positivos, assim como estejam em am- estar dos animais isolados
bientes que proporcionem interações durante o período de
paralelas, também positivas, como a in- introdução
trodução de enriquecimentos ambien- Considerando que os animais em si-
tais alimentares altamente palatáveis. tuação de introdução necessitam de ser
Para a introdução física, é necessá- mantidos isolados por algum período,
rio manter cada animal com um peitoral devem-se garantir condições mínimas
anexado à guia, sendo a aproximação para a promoção do bem-estar desses
baseada nas respostas comportamentais animais, já que o am-
individuais. Cães que biente restritivo pode
mantêm um olhar rela- Em alguns cenários, favorecer comporta-
xado e não apresentam o uso de focinheira mentos de maior agres-
sinais de agressividade “bioadaptada” (que sividade e frustração,
passiva (exibição de não lesiona a região devido ao elevado nível
dentes, rosnados, pilo- do focinho, permite a de resposta aos estres-
ereção) podem ser respiração em padrões sores de rotina.
aproximados de forma normais e a introdução Assim, na tentati-
lenta (Becker, 2020). de petiscos). va de fornecer um am-
10. Decisão de adoção e introdução de novos animais em um lar 83
biente de estimulação física e mental 6). Contudo, o efeito dos feromônios
positivo para esses animais, sugere-se a depende não apenas das variáveis indi-
organização de um ambiente de relaxa- viduais mas também da causa base do
mento. Esse ambiente deve conter: co- problema associado à aproximação en-
mida e água disponível, caixas sanitárias tre animais; por exemplo, caso a inten-
(para gatos), locais para descanso e es- ção seja reduzir fatores ansiogênicos.
conderijo, plataformas para acesso a di- As medidas citadas acima são essen-
ferentes níveis do ambiente para gatos, ciais para modificar o contexto social e
tecidos, panos e outros materiais com garantir que comportamentos de risco,
odores que remetem, para o animal, à como agressividade, ansiedade, entre
segurança e a boas recordações; diferen- outros, sejam modificados. Contudo,
tes intervenções com enriquecimentos em alguns casos, pode ser necessário o
ambientais associados a petiscos e ou- apoio de medidas complementares, que
tras interações positivas; músicas e sons incluem o uso de medicamentos psico-
que possam remeter a situações posi- trópicos e/ou complementares, nutra-
tivas, arranhadores (para gatos), den- cêuticos e agentes com feromônios.
tre outros. Importante, neste cenário, É importante entender que,
sempre reforçar o comportamento do mesmo na utilização das formas
pet quando demonstrar sinais de calma medicamentosas e complementares,
dentro do ambiente selecionado. torna-se essencial a associação com as
Além disso, exercícios aeróbicos ro- medidas acima, já que a modulação
tineiros, respeitando as limitações etá- comportamental auxilia na percepção
rias e físicas de cada animal, são impor- do animal, mas não necessariamente
tantes para manter estados emocionais e na modificação das relações, quando
físicos saudáveis. Lembre-se de realizar de forma isolada. Além disso, é sempre
as atividades de treino e sempre reforçar
importante buscar orientação com um
os comportamentos calmos durante os
profissional da medicina veterinária que
exercícios aeróbicos.
trabalhe com essas bases medicamen-
tosas, permitindo a emissão de prescri-
5- Suporte por meio ções adequadas, e em posologia segura.
de medicamentos e Em relação ao uso de medicamentos
feromônios psicotrópicos de suporte, não compete
O uso de feromônios sintéticos a este Caderno Técnico entrar em de-
como agente complementar em situa- talhes, por isso a importância do apoio
ções comportamentais pode auxiliar na de profissionais para a decisão segura.
redução dos impactos sociais da apre- Contudo, para facilitar as estratégias de
sentação de novos animais (Quadro escolha, é apresentada a seguir a classe
84 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Quadro 6: Indicações dos feromônios e sua posologia
Espécie
Feromônio Indicações Apresentação
alvo
Redução de comportamentos
de marcação, incluindo spraying
urinário e arranhadura; redução
de comportamentos estereotipa-
Análogo sintético do Spray e
Felinos dos, como lambedura excessiva,
odor facial felino (F3) difusor
redução da ansiedade; melhora
na alimentação, atividade e com-
portamentos de brincar (Vitale,
2018)
Redução da agressividade intra-
específica (menor tensão social),
Análogo sintético do Spray e
Felinos redução dos impactos da intro-
odor materno felino difusor
dução de novos animais (Vitale,
2018; Deporter et al., 2018)
Fobia de ruídos; respostas a
estresse, medo, problemas
Análogo sintético do Spray, difusor
Caninos relacionados à ansiedade e/ou
odor materno canino e coleira
separação; problemas associados
a viagens; (Frank et al., 2010)
farmacológica e as principais indicações gradativas, situação conhecida como
(Quadro 4). Para cada indivíduo (ani- desmame medicamentoso. O Quadro
mal) que tenha uma sensibilidade espe- 7 não pretendeu esgotar a temática,
cífica aos fármacos, e que o uso isolado assim como não incluiu outras bases
não garante melhora específica do qua- medicamentosas importantes para
dro comportamental, a melhor escolha associação, como fitoterápicos, óleos
de abordagem terapêutica é aquela que essenciais, tratamentos hormonais,
associa o uso dos fármacos com as
entre outros.
medidas comportamentais citadas, bem
como o manejo ambiental adequado. 6- Contraindicações no
Além disso, deve-se considerar
que grande parte desses medicamen-
processo de introdução
tos vão variar de dose ao longo do uso, As contraindicações aqui citadas
que pode ser por tempo curto ou pro- são referentes às questões compor-
longado, devendo a retirada do fár- tamentais, principalmente quanto à
maco ser sempre feita em reduções apresentação a novos estímulos e às
10. Decisão de adoção e introdução de novos animais em um lar 85
Quadro 7: Medicamentos psicotrópicos mais comumente utilizados na medicina
comportamental (etologia clínica, psiquiatria) veterinária. Destacar que são para
casos de animais que necessitam de uma internação e não devem ser utilizados
para os ferais.
Medicamento Indicação
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS)
Para agressores com agressão impulsiva e preocupações relacionadas à
ansiedade de interações sociais, comportamentos relacionados à separação,
Fluoxetina
marcação de urina, transtornos compulsivos, problemas associados à ansie-
dade e alguns comportamentos estereotipados em cães e gatos.
Paroxetina Problemas associados à ansiedade.
Problemas associados à ansiedade generalizada, transtornos compulsivos,
Sertralina agressão interespecífica, medo, agressão ofensiva e marcação territorial.
Para vítimas precisando de mais confiança em interações.
Antidepressivos tricíclicos (ADTs)
Ansiedade moderada não específica, problemas associados à ansiedade
generalizada, alopecia psicogênica, micção inapropriada secundária à cistite
Amitriptilina intersticial, spraying urinário, comportamentos relacionados à separação,
dermatite acral por lambedura em cães; grooming excessivo, automutilação,
prurido e dor crônica (neuropatia).
Ansiedade moderada não específica, problemas associados à ansiedade
generalizada, alopecia psicogênica, micção inapropriada, comportamentos
Clomipramina
relacionados à separação, transtornos compulsivos, agressão ofensiva e
marcação territorial.
Inibidores da monoamina oxidase (IMAOs)
Sinais associados à síndrome da disfunção cognitiva, ansiedade crônica (prin-
Selegilina
cipalmente com prolactina alta), fobias sociais e a ruídos.
(continua)
Adaptado de Simpsons e Papich, 2003; Van Haaften et al., 2017; Crowell-Davis et al., 2019; Craven et
al., 2022.
86 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
Quadro 7: Medicamentos psicotrópicos mais comumente utilizados na medicina
comportamental (etologia clínica, psiquiatria) veterinária. Destacar que são para
casos de animais que necessitam de uma internação e não devem ser utilizados
para os ferais.
(continuação)
Medicamento Indicação
Benzodiazepínicos
Medo e ansiedade associados a visitas veterinárias, viagens e estressores
Alprazolam agudos no contexto geral, distúrbios do sono, problemas relacionados à
ansiedade, spraying urinário, medo, fobia em gatos.
Clonazepam Comportamentos relacionados à separação e/ou à ansiedade.
Lorazepam Problemas associados ao medo, a fobias e à ansiedade.
Azapironas
Direcionados para animais vítimas de agressão, possibilitando mais extrover-
Buspirona são e assertividade nas relações; problemas associados ao medo, à fobia, à
ansiedade, spraying urinário e grooming excessivo.
Debenzazepina
Estado de dor neuropática, agressividade explosiva em cães, convulsão psico-
Carbamazepina
motora em cães.
Triazolopiridinas
Ansiolítico situacional associado à redução da ansiedade, agressividade e
Trazodona
para a lida com estímulos imprevisíveis.
Análogos de GABA (ácido gama-aminobutírico)
Gabapentina Ansiolítico situacional, dor crônica.
Agonistas de receptores adrenérgicos alfa-2
Medicamento situacional, geralmente associado a outros, com o foco de re-
Clonidina duzir comportamentos de medo, agressão por medo ou territorial, compor-
tamentos relacionados à separação e a fobias a ruídos.
Adaptado de Simpsons e Papich, 2003; Van Haaften et al., 2017; Crowell-Davis et al., 2019; Craven et
al., 2022.
10. Decisão de adoção e introdução de novos animais em um lar 87
formas de treinamento e correção de Os métodos de treinamento e con-
comportamentos. dicionamento de animais é um fator
Um ponto importante na introdu- importante na adaptação ao novo lar.
ção, além de considerar os demais ani- Muitos animais chegam com todo o his-
mais da casa, é em relação às pessoas tórico comportamental de criação mais
(moradores e visitantes) e ao ambiente. autônoma e de ambiente ausente de
Muitas vezes o histórico desconhecido cuidados humanos contínuos. Assim,
do animal associado ao trajeto são fato- alguns erros que podem ser observados
res que eliciam maior resposta de estres- pelos seres humanos como inapropria-
se. É importante garantir um local tran- dos se exacerbam e colocam em risco a
quilo, com a exposição tanto às pessoas relação ser humano-animal.
como aos demais locais da residência de O método utilizado para o treina-
forma gradativa, como sugerido na rela- mento dos animais, principalmente
ção entre animais (Becker, 2020). dos cães, para as atividades a se exercer
De modo similar, considerando a possuem importante impacto no bem-
introdução de cães e gatos no mesmo -estar desses (Fernandes et al., 2017).
ambiente, é de extrema importância co- O treino utilizando métodos coercivos,
nhecer o perfil dos indivíduos (o gato ou seja, que empregam
possui aversão extrema métodos que não são
ao contato com cães? Em alguns casos, a agradáveis ao animal,
O cão possui históri- convivência conjunta é
seja por algum impacto
co de perseguição ou contraindicada devido
físico ou psicológico,
ataque a gatos?), para aos riscos de acidentes.
pode ocorrer por meio
evitar acidentes. Assim, da remoção de um estí-
após os procedimentos de isolamento mulo aversivo após uma resposta com-
e aproximação gradual pelo cheiro e portamental, aumentando a chance de
visual, como orientado anteriormente, ocorrência dessa resposta (conhecido
sempre faça a introdução lenta e em um como reforço negativo) ou por meio
espaço em que ambos os animais se sin- da adição de um estímulo desagradá-
tam confortáveis, garantindo um local vel diante de uma resposta que reduz a
elevado para o gato observar antes de se probabilidade de ocorrência futura do
aproximar e, para o cão um peitoral com comportamento especificado (conheci-
guia anexada, evitando algum compor- do como punição positiva).
tamento imprevisível de perseguição. Esses métodos coercivos podem
Em alguns casos, a convivência conjun- impactar os animais, aumentando res-
ta é contraindicada devido aos riscos de postas de fuga e esquiva, de “gatilhos”
acidentes (Becker, 2020). diversos, bem como propiciar respostas
88 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 107 - junho de 2023
emocionais de medo, ansiedade, agres- Polsky (2000) observou, em seu
sividade, baixa atenção e desempenho, estudo, que a agressão de cães aos trei-
além do aumento de indicadores fisio- nadores pode ter sido induzida pelo uso
lógicos de estresse (Herron et al., 2009; de coleira de choque para sua conten-
Arhant et al., 2010; Blackwell et al., ção, tendo os animais infligido múltiplas
2010; Casey et al., 2014; Cooper et al., mordidas nos humanos quando esse
2014). sistema de contenção eletrônico estava
Vieira de Castro et al. (2020) ana- ativo. Também já foram descritos da-
lisaram os efeitos dos métodos de trei- nos nos cães em decorrência do uso de
namento coercivos e baseados em re- enforcadores, como aumento significa-
compensas e verificaram que cães que tivo da pressão intraocular (Pauli et al.,
receberam treinos coercivos exibiram 2006), e dano cerebral isquêmico grave
mais comportamentos relacionados ao após estrangulamento (Grohmann et
estresse, permaneceram frequentemen- al., 2013).
te em estados de tensão e abaixados e Além disso, a seleção de compor-
mais ofegantes durante o treinamento, tamentos destinados à segurança pode
além da exibição de maiores níveis de restringir o cão a atividades direciona-
cortisol pós-treinamen- das apenas para a guar-
to, quando comparados da, não garantindo que
aos cães treinados com
O uso de coleiras ...
a amplitude de com-
enforcadores ... de
métodos baseados em portamentos típicos da
metal liso ou com
recompensa. espécie, principalmen-
ganchos, além de
O uso de coleiras te com coespecíficos,
coleiras de choque ...
conhecidas como enfor-
punidores positivos ou seja exibida (compor-
cadores é amplamente
reforçadores negativos tamentos normais de
disseminado entre os ... podem causar danos medo, neotênicos como
treinadores de animais físicos e psicológicos um todo, brincar, etc.).
de serviço. Esses enfor- nos cães, sendo... Além disso, a própria
cadores podem ser de desaconselhável ... agressividade pode ser
metal liso ou com gan- considerada um fator
chos, além de coleiras de choque, os problemático em cães de serviço, quan-
quais são usados como punidores posi- do ela passa a afetar a relação com os
tivos ou reforçadores negativos e podem seres humanos que dependem da ativi-
causar danos físicos e psicológicos nos dade (Burghardt, 2003).
cães, sendo, portanto, desaconselhável A exemplo, para cães militares, já
e mesmo proibitivo o uso por pessoas foi demonstrado que o problema com-
sem conhecimento técnico adequado. portamental mais comum foi a agressão
10. Decisão de adoção e introdução de novos animais em um lar 89
inapropriada, a qual resultou em 2% do 9. FRANK, D., BEAUCHAMP, G., PALESTRINI,
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