O Mostrengo
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Estrutura estrófica, métrica, rima e Narrador
O poema é constituído por 3 estrofes de 9 versos (nonas) e os seus versos são todos
irregulares, pois têm 7 a 10 sílabas métricas.
O seu esquema rimático AABAACDCD é repetido nas 3 estrofes, sendo o poema
constituído por rimas emparelhadas, rimas cruzadas e 1 rima solta.
Neste poema o narrador é heterodiegético, pois utiliza a 3ª pessoa quando o modo
de relato de discurso é indireto como, por exemplo, as expressões “está”; “ergue-
se”; “voou”; “disse” e “ergueu”.
Análise e recursos expressivos
"O mostrengo que está no fim do mar"
Introdução do tema central do poema, o Mostrengo, uma figura mitológica ou monstruosa,
simbolizando desafios ou obstáculos e referência ao espaço onde ele se encontra “no fim do
mar”
"Na noite de breu ergueu-se a voar;"
O uso da expressão "noite de breu" sugere escuridão absoluta, intensificando o mistério. O
Mostrengo surge voando, criando uma atmosfera de ameaça.
"À roda da nau voou três vezes,"
O movimento circular do Mostrengo ao redor da nau aumenta a tensão, como se estivesse
avaliando ou cercando a presa.
"Voou três vezes a chiar,"
O som do chiar pode evocar uma sensação de agonia ou ameaça, intensificando o impacto da
presença do Mostrengo.
"E disse: «Quem é que ousou entrar"
O Mostrengo é personificado, pois consegue comunicar. Na sua fala ele desafia a ousadia da
tripulação que ousou entrar em suas terras.
"Nas minhas cavernas que não desvendo,"
As cavernas são símbolos do desconhecido e inexplorado, destacando a natureza misteriosa
do domínio do Mostrengo.
"Meus tectos negros do fim do mundo?»
Através da interrogação retórica "Meus tectos negros do fim do mundo" o mostrengo com um
tom ameaçador revela a obscuridade e a vastidão do seu território, que poderá ir além dos
limites conhecidos.
"E o homem do leme disse, tremendo:"
A figura do homem do leme representa a força psicológica e a coragem do povo português
diante do desconhecido, mas sua tremedeira revela o impacto do encontro com o mostrengo.
"«El-Rei D. João Segundo!»"
A revelação de quem ousou entrar no território do Mostrengo, o Rei D. João Segundo,
adiciona um elemento histórico à narrativa, conectando-se à tradição das explorações
portuguesas.
«De quem são as velas onde me roço?"
Através da anáfora “De quem” o mostrengo questiona a origem das velas, simbolizando as
embarcações portuguesas que navegam em suas águas.
"De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Através da interrogação retórica o Mostrengo destaca a presença imponente das embarcações,
questionando quem se atreve a desafiar suas fronteiras.
"Disse o mostrengo, e rodou três vezes,"
A repetição do movimento circular do Mostrengo indica uma avaliação contínua da situação,
sugerindo uma ameaça persistente.
"Três vezes rodou imundo e grosso,"
A dupla adjetivação "imundo e grosso" reforça a imagem repugnante e ameaçadora do
Mostrengo.
«Quem vem poder o que só eu posso,"
O Mostrengo se coloca como detentor de poder exclusivo, desafiando qualquer entidade que
ouse enfrentá-lo.
"Que moro onde nunca ninguém me visse"
A localização remota do Mostrengo enfatiza sua existência além dos limites explorados,
destacando o desconhecido.
"E escorro os medos do mar sem fundo?»
Através da interrogação retórica “E escorro os medos do mar sem fundo?” o Mostrengo com
tom ameaçador alega ser a fonte dos medos que emergem das profundezas do mar,
acentuando a ameaça insondável.
"E o homem do leme tremeu, e disse:"
O impacto das palavras do Mostrengo afeta o homem do leme, que, tremendo, revela a tensão
do momento.
"«El-Rei D. João Segundo!»"
Novamente, a referência ao Rei D. João Segundo reafirma a coragem diante do perigo,
vinculando a presença portuguesa na exploração marítima.
"Três vezes do leme as mãos ergueu,"
O movimento do homem do leme levantando as mãos sugere uma tentativa de se defender ou
se proteger da ameaça.
"Três vezes ao leme as reprendeu,"
a repetição do gesto sugere a luta interior do homem do leme, enfrentando o medo e
reafirmando sua determinação.
"E disse no fim de tremer três vezes:"
O tremer do homem do leme destaca a intensidade do encontro com o Mostrengo, e suas
palavras seguintes revelam uma transformação.
"«Aqui ao leme sou mais do que eu:"
A afirmação reflete a superação do medo e a revelação de uma força interior inesperada.
"Sou um Povo que quer o mar que é teu;"
A mudança na identidade do homem do leme, agora representando o povo, simboliza a união
e a determinação coletiva em conquistar os mares.
"E mais que o mostrengo, que me a alma teme"
A autoafirmação em relação ao Mostrengo indica uma força interior superior ao medo,
sublinhando a coragem do homem diante dos desafios.
"E roda nas trevas do fim do mundo;"
A descrição do Mostrengo rodando nas trevas sugere a persistência das ameaças e desafios
desconhecidos.
"Manda a vontade, que me ata ao leme,"
A metáfora “Manda a vontade” traduz o vínculo à missão a cumprir do qual nem o medo o
pode libertar.
"De El-Rei D. João Segundo!»"
A conclusão reafirma a ligação com a liderança, indicando que a vontade do rei é o motor que
impulsiona o enfrentamento do desconhecido.
A simbologia do nº3:
3 estrofes
9 versos (3x3)
O único verso solto é o 3º verso de cada estrofe
Cada personagem fala 3 vezes
O mostrengo rodou e voou 3 vezes
O homem do leme tremeu 3 vezes
O homem do leme prendeu 3 vezes as mãos ao leme
O homem do leme reprendeu 3 vezes as mãos ao leme
-O número três, sendo um padrão recorrente, reforça a importância do encontro entre o
homem e o mostrengo e destaca a coragem do homem ao enfrentar o desafio.