A participação de profissionais da Psicologia em programas e serviços em HIV/Aids pode ser
observada desde o início da epidemia, em especial nas unidades que integram a rede do
Sistema Único de Saúde em nível municipal e estadual. As implicações psicológicas e
psicossociais do diagnóstico de infecção pelo HIV − em função da gravidade da condição de
soropositividade, do fato de ser incurável e ainda estigmatizante − redundou na
imprescindibilidade e na relevância da composição de equipes interdisciplinares para a
atenção a pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA), sendo que a inserção de psicólogos tem sido
valorizada e recomendada notadamente por profissionais de outras categorias e por gestores
de políticas públicas do setor de Saúde.
Norteando a disponibilização de cuidados com base no acolhimento, formação de vínculo e
perspectiva solidária com o paciente e sua família, ao lado da efetivação de projetos
terapêuticos de forma compartilhada (Escorel et al., 2007). Esse ideário, que embasa e
caracteriza as ações de saúde no Sistema Único de Saúde, fortaleceu a interdisciplinaridade
como diretriz para a composição das equipes profissionais, o que ampliou espaços de inserção
de diversas categorias, entre elas a Psicologia. Não resta dúvida que o crescimento relevante
da Psicologia no campo da Saúde teve influências das políticas de Saúde brasileiras. À guisa de
exemplo, estudos realizados sobre o trabalho do psicólogo no Brasil revelaram o crescimento
acentua- 314 REDE UNIDA - Série ATENção Básica e Educação na Saúde do da Psicologia da
Saúde, expresso pelo grande aumento no número de profissionais que relataram este campo
de atuação em pesquisa sobre o trabalho do psicólogo no País, em grande parte atuando em
serviços públicos (Gondim et al., 2010). Tal como mencionado, foi no cenário de
implementação e de fortalecimento do Sistema Único de Saúde que as políticas públicas no
âmbito de HIV/Aids também foram implementadas e se fortalecera.
ter sido integrado à rede de serviços do Distrito Federal, mediante convênio da Universidade
de Brasília com órgãos ministeriais, fato que consolidou o 38º hospital universitário em
funcionamento no país. Depois de reivindicações e manifestações públicas de professores e
estudantes que exigiam sua cessão definitiva à Universidade de Brasília, em 3 de abril de 1990,
o hospital foi cedido pelo INAMPS à Universidade de Brasília, passando a denominar-se
Hospital Universitário de Brasília (HUB). Desde então, vem funcionando como hospital-escola,
espaço de formação de alunos de graduação de diversos cursos da área de Saúde, além da
Psicologia e do Serviço Social, bem como de residentes de diferentes especialidades médicas.
Desde 2010, a partir da criação da residência multiprofissional, tem contribuído com a
formação de residentes de Enfermagem, Serviço Social, Fisioterapia, Odontologia, Nutrição,
Farmácia e Psicologia. A implantação do Projeto Com-Vivência, em março de 1996, como
projeto de extensão de ação contínua, vinculado ao Decanato de Extensão da Universidade de
Brasília, significou a abertura de espaços privilegiados para a concretização dos objetivos do
Hospital Universitário de Brasília: 318 REDE UNIDA - Série ATENção Básica e Educação na
Saúde local de aprendizagem, produção de pesquisa e de conhecimentos, associados ao
exercício profissional e à prestação de serviços à comunidade. Nesta perspectiva, a
implementação do projeto e sua viabilização teve como pressuposto a consolidação de novos
modelos de ensino e de assistência à saúde. Sua motivação principal foi estabelecer uma
equipe interdisciplinar em HIV/Aids no hospital, articulando Psicologia e Serviço Social à
Medicina, à Farmácia, à Nutrição e à Enfermagem. Os professores idealizadores e criadores do
projeto de extensão − Mário Angelo Silva, vinculado ao Departamento de Serviço Social, e
Eliane Maria Fleury Seidl, do Instituto de Psicologia − consolidaram um campo de práticas
profissionais para estágio supervisionado em nível de graduação e de extensão para a
Psicologia e para o Serviço Social. Ambos tinham história de atuação e pós-graduação no
âmbito da Saúde Pública, com base nos princípios do Sistema Único de Saúde. Os objetivos
principais do projeto são: (1) prestar atendimento psicológico e social a pessoas vivendo com
HIV/Aids e seus familiares, em nível ambulatorial, bem como a pacientes internados na
enfermaria e no pronto-socorro do HUB; (2) desenvolver ações preventivas e educativas sobre
aspectos referentes a HIV/Aids junto à comunidade em geral. Considera-se que o processo
saúde-doença é multidimensional e que uma abordagem abrangente, que integre aspectos
médicos e psicossociais, é crucial. Ademais, em determinados momentos, questões
psicossociais em uma condição crônica, de longa duração, são demandas mais urgentes que as
médicas. Nesta perspectiva, intervenções para propiciar a compreensão e aceitação da
condição de soropositividade, o desenvolvimento de habilidades de enfrentamento em relação
aos desafios da enfermidade, mais autocuidado e melhor adesão ao tratamento, ao lado da
retomada e/ou construção de projetos de vida, são essenciais. Assim, intrinsecamente
vinculado ao funcionamento ambulatorial e hospitalar, o atendimento psicológico e social
passou a integrar os procedimentos e serviços prestados pelo Hospital Universitário de Brasília
a pessoas vivendo com HIV/Aids, que antes se limitava a ações dos profissionais de Medicina e
de Enfermagem. Como espaço acadêmico, visa propiciar a professores e a alunos
oportunidades de estudos e de pesquisas, articulando áreas distintas de conhecimentos e de
práticas. Desta forma, o trabalho é desenvolvido de modo integrado e em cooperação com
médicos 319 Psicologia e Políticas Públicas na Saúde: Experiências, Reflexões, Interfaces e
Desafios infectologistas e de outras especialidades da Medicina, bem como com a equipe da
Enfermagem, da Nutrição e da Farmácia. Sua implantação consolidou o tripé ensino, pesquisa
e extensão, bem como permitiu a oferta de atenção integral e interdisciplinar a pessoas
vivendo com HIV/Aids acompanhadas e vinculadas ao Hospital Universitário de Brasília. Assim,
o Hospital Universitário de Brasília atende pessoas com HIV/ Aids e seus familiares em
acompanhamento médico e psicossocial, e se constitui em um dos serviços da rede pública de
assistência na área de HIV/Aids do DF, ao lado de outros serviços da Secretaria de Estado da
Saúde do Distrito Federal (SES-DF). O Hospital Universitário de Brasília possui cerca de 600
pacientes HIV positivos em acompanhamento, segundo dados de dezembro de 2014. O perfil
da clientela atendida é semelhante ao que tem caracterizado as tendências epidemiológicas de
HIV/Aids no Brasil: predomínio de pessoas do sexo masculino da ordem de 60%; cerca de 75%
delas com escolaridade equivalente ao ensino fundamental incompleto; idades variando de 18
a 73 anos (média na faixa de 35 anos). A grande maioria se infectou em função de relações
sexuais sem proteção. Crianças e adolescentes infectados via transmissão vertical e seus
cuidadores também recebem atendimento no Hospital Universitário de Brasília. O papel do
psicólogo é desenvolver ações de orientação, aconselhamento e/ou intervenção psicológica,
individual e/ou em grupo, tanto para pessoas soropositivas como para parceiro(as) e
familiares, ou para pessoas da rede de apoio social das pessoas vivendo com HIV/Aids. Fazem
parte do trabalho do psicólogo atividades como a avaliação psicológica e a identificação de
dificuldades emocionais relacionadas à soropositividade. Os atendimentos visam, de modo
geral, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento para lidar com a condição de
soropositividade e o bem-estar psicológico, o fortalecimento dos vínculos afetivos e
sociofamiliares, o fortalecimento ou manutenção da autoestima e dos projetos de vida das
pessoas vivendo com HIV/Aids. Nossa meta, em suma, é a promoção da qualidade de vida para
pessoas com HIV/Aids (Seidl; Faustino, 2014). Uma limitação para o atendimento da Psicologia
é a representação, ainda frequente na sociedade, que o psicólogo é um profissional para
atenção a pessoas com doença mental, com transtornos graves. A proposta é que a Psicologia
avalie e preste atendimento psicológico a todas as pes- 320 REDE UNIDA - Série ATENção
Básica e Educação na Saúde soas HIV positivas acompanhadas no Hospital Universitário de
Brasília, respeitando seu desejo de estar em acompanhamento, suas demandas e suas
necessidades. O propósito é que o psicólogo promova escuta ativa e identifique os efeitos da
condição de soropositividade sobre a subjetividade. Nesta perspectiva, os focos da atenção
psicológica podem ser adesão ao tratamento, expressão e vivência da sexualidade, adoção de
práticas sexuais seguras, revelação do diagnóstico para terceiros, enfrentamento do
preconceito e/ou discriminação, transtornos de ansiedade e/ou depressão, abuso de álcool e
outras drogas, abordadas na lógica da redução de danos, por exemplo. No que se refere a
atividades em grupo, esta modalidade se desdobra em um leque de alternativas: rodas de
conversa, atendimento em grupo em condições específicas (pessoas vivendo com HIV/Aids
com lipodistrofia, mulheres, pessoas com dificuldades de adesão), grupos com duração
prédefinida abordando temas de interesse dos participantes, grupos de salas de espera, entre
outros. Resta assinalar, no entanto, que há predomínio de atendimentos individuais, até
porque o paciente soropositivo − em função do medo do preconceito e do estigma − muitas
vezes recusa a participação em atendimentos grupais, já que estar em atividades coletivas
depende de uma disponibilidade pessoal, e pode demandar algum tempo até que a pessoa
aceite essa modalidade de atividade (Seidl; Faustino, 2014). Outras ações de responsabilidade
da equipe do Projeto Com-Vivência são o aconselhamento pré-teste coletivo para gestantes
junto ao pré-natal e aconselhamento pré e pós-teste na modalidade individual, sendo que
ambos seguem o protocolo do Ministério da Saúde para ações de aconselhamento no contexto
do HIV/Aids (Brasil, 1998). No caso de resultado positivo, o encaminhamento a serviço
especializado é essencial para o acolhimento e a vinculação do paciente, bem como o
procedimento às avaliações médicas e psicossociais, além da realização dos exames virológicos
e imunológicos. Assim, a redução de diagnósticos tardios implica ações diversas e de qualidade
da rede de serviços que colocam desafios para sua implementação.
Parte-se do princípio que o profissional psicólogo é altamente relevante, pois adesão é um
conceito multidimensional, e a Psicologia tem ferramentas teóricas e técnicas que podem
promover a mudança de cognições, sentimentos e comportamentos, considerando questões
subjetivas de pessoas que, no caso em questão, vivenciam uma condição crônica. Ademais, a
adesão deve ser entendida como um processo, fruto das responsabilidades compartilhadas da
pessoa que vive com HIV/aids, da rede de apoio social e da equipe de Saúde (Brasil, 2008). Foi
neste contexto que o Projeto Com-Vivência desenvolveu e passou a oferecer − entre o
conjunto de procedimentos da Psicologia −, uma intervenção denominada aconselhamento
pré-TARV, que tem por objetivos melhorar o nível de conhecimento sobre HIV/Aids e o
tratamento, aumentar a expectativa de autoeficácia para aderir à TARV, desenvolver
habilidades de enfrentamento diante de dificuldades no uso dos medicamentos e fortalecer a
autonomia do usuário para o autocuidado. A intervenção tem como objetivo, portanto, a
prevenção da ocorrência de dificuldades de adesão em pessoas vivendo com HIV/Aids virgens
de TARV (Seidl; Faus- 325 Psicologia e Políticas Públicas na Saúde: Experiências, Reflexões,
Interfaces e Desafios tino, 2014). Com o advento do tratamento como prevenção e o aumento
acentuado do número de pessoas começando a TARV após o diagnóstico − muitas delas
assintomáticas devido às boas condições de funcionamento imunológico −, esta atividade se
reveste de grande importância, na perspectiva da atenção integral e equânime a pessoas
vivendo com HIV/Aids.
No intuito de estabelecer uma relação de confiança com o paciente, as posturas de
acolhimento e escuta ativa prevalecem na atitude dos psicólogos ao procederem à
intervenção, visando o processo de aliança terapêutica. Ademais, preceitos éticos norteiam a
relação profissional-usuário, precedendo a aplicação de procedimentos e técnicas. É
fundamental que ambos, de modo compartilhado, compreendam as necessidades e os efeitos
do tratamento, bem como barreiras à adesão, e construam estratégias para minimizá-las e
lidar com elas. Antes da intervenção é realizada uma avaliação, nos moldes de uma linha de
base, com o propósito de identificar conhecimentos, crenças e expectativas sobre o
tratamento, de modo a fornecer subsídios para planejar 326 REDE UNIDA - Série ATENção
Básica e Educação na Saúde e conduzir a intervenção com base na realidade subjetiva e no
contexto de vida das pessoas vivendo com HIV/Aids. Esta avaliação é baseada em um roteiro
de entrevista, elaborado para a intervenção, para caracterização médico-clínica e sobre
adesão, com questões fechadas e abertas que investigam: tempo de diagnóstico, internações
anteriores em decorrência do HIV/Aids, nível de conhecimento sobre HIV/Aids e TARV, crenças
sobre os antirretrovirais (ARV), expectativas acerca do tratamento, adesão em tratamentos
anteriores para outros agravos, percepção de benefícios e de barreiras ao uso da TARV,
expectativas sobre eventuais dificuldades de adesão. Dados como os níveis de linfócitos T e
CD-4 e da carga-viral são obtidos no prontuário sobre a condição imunológica e virológica
inicial, antes da TARV. No processo de avaliação também é utilizada uma escala brasileira,
construída e validada por Leite et al. (2002) para investigar a expectativa de autoeficácia em
situações que podem impedir e/ou dificultar a adesão, tais como: (1) situações que exigem
planejamento, atenção e organização; (2) as que tendem a diminuir a preocupação com a
doença ou a confiança no tratamento; (3) expectativas negativas com os medicamentos
antirretrovirais e efeitos adversos. Ela possui 22 itens, respondidos em escala Likert de cinco
pontos (0=não vou tomar mesmo; 4=com certeza vou tomar), sendo que os escores calculados
mediante média aritmética variam de zero a quatro. Escores mais elevados indicam maior
percepção de autoeficácia para uso da TARV. O indicador de consistência interna da escala
(alpha de Cronbach) é igual a 0,96. Em suma, o aconselhamento pré-TARV visa ao
desenvolvimento da autonomia do usuário, com a sua participação ativa no processo de
autocuidado. A atividade tem sido bem aceita pelas pessoas vivendo com HIV/ Aids
acompanhadas no Hospital Universitário de Brasília. Seguimento de casos que passaram pela
intervenção têm apontado níveis de adesão superiores a 95% para a grande maioria dos
usuários e carga viral indetectável um ano após a intervenção (Seidl; Faustino, 2014).