Da Era Da Composição À Era Do Design: o Ensino de Produção de Textos
Da Era Da Composição À Era Do Design: o Ensino de Produção de Textos
RESUMO ABSTRACT
Este artigo resulta de uma pesquisa de abordagem This article results from a qualitative research approach and
qualitativa, insere-se no campo da Linguística Aplicada, do is situated within the Applied Linguistics field. It constitutes a
tipo bibliográfica no que tange às políticas educacionais, e bibliographic study that delves into educational policies. Its
objetiva destacar a virada (multi)modal/semiótica no ensino primary aim is to emphasize the (multi)modal/semiotic shift in
da produção de textos. A análise é conduzida por meio do the teaching of text production. The analysis is conducted
diálogo teórico-metodológico estabelecido com os estudos based on a theoretical-methodological dialogue
do discurso, ligados à epistemologia do dialogismo, Rojo established with discourse studies, linked to the epistemology
(2007); Doretto e Beloti (2011); Rojo e Barbosa (2015); Rojo e of dialogism, as articulated by Rojo (2007); Doretto and Beloti
Moura (2019), juntamente com os estudos da tradição (2011); Rojo and Barbosa (2015); Rojo and Moura (2019), as
anglo-saxã, dentre eles o Grupo de Nova Londres (1996) e well as studies from the Anglo-Saxon tradition, including the
seus seguidores, Kress (2010); Kalantizis, Cope, Pinheiro New London Group (1996) and its adherents, such as Kress
(2020); Lim, Cope e Kalantzis (2022); Cope e Kalantzis (2023). (2010); Kalantizis, Cope, Pinheiro (2020); Lim, Cope, and
Para evidenciar a virada mencionada, o trabalho Kalantzis (2022); Cope e Kalantzis (2023). In order to highlight
desenvolve uma retomada do processo de escolarização the mentioned shift, the work revisits the text production
da produção de textos, descreve as concepções de língua education process, describes the conceptions of language
e de linguagens envolvidas, caracteriza a virada e, por fim, and languages considered, characterizes the shift, and
propõe encaminhamentos didáticos que levam à ultimately proposes pedagogical approaches leading to the
pedagogia do design. pedagogy of design.
Palavras-chave: Multimodalidade. Multissemiose. TDIC Keywords: Multimodality; Multisemiosis; ICT (Information
(Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação). and Communication Technology).
https://doi.org/10.22297/2316-17952024v13e02402 1
Da era da composição à era do design: o ensino de produção de textos
1 INTRODUÇÃO
Em meados dos anos 2000, o linguista aplicado Clécio Bunzen publicou o capítulo “Da
era da composição à era dos gêneros: o ensino de produção de texto no ensino médio”3,
em que discutia as transformações do ensino de produção textual na escola, abrindo
caminho para a proposta de trabalho com os gêneros discursivos, em alternativa às práticas
escolares, em especial de instituições privadas, de atribuir a professores de redação a
responsabilidade por ensinar, majoritariamente, as tipologias textuais. Desde lá, podemos
considerar que uma revolução em termos de usos de novas tecnologias digitais ocorreu. No
capítulo de Bunzen (2006), ainda não se incluíam considerações sobre o uso das novas
tecnologias digitais nas práticas de ensino de produção textual. Apesar de o debate sobre
novas tecnologias e ensino ter iniciado no século XX, as publicações dedicadas à reflexão
sobre o impacto dessas tecnologias no ensino da produção textual são mais recentes e
intensas apenas no século XXI.
O título aqui proposto, portanto, é inspirado no trabalho de Bunzen (2006) e uma
homenagem ao autor. Nesse célebre texto, Bunzen (2006) conclui que, devido a fatores
históricos e políticos, incluindo a concepção de língua e de ensino-aprendizagem
empregados, ainda persistimos entendendo os alunos como “afásicos em matéria de língua”
(Signorini, 2004). E aqui questionamos o porquê disso?
Na perspectiva do Círculo de Bakhtin (2016) e, de modo geral, nas teorias da
enunciação, a língua é considerada como um fenômeno social, mutável, dinâmica, que só
se realiza por meio de unidades verbais completas de sentidos, denominadas textos. Tal
perspectiva se contrapõe às teorias cognitivas de memória e de esquemas de
conhecimento, as quais compreendem a língua como uma expressão do pensamento
consciente e autônomo construído no interior da mente (Doretto; Beloti, 2011).
Paralelamente às concepções de língua difundidas por essas teorias, é importante
destacar como as tecnologias digitais4 configuram-se também como uma invenção
revolucionária de linguagem, que nos permite agir multissemioticamente em práticas de
produção de textos permeadas pelo digital, cuja invenção revolucionária da linguagem de
marcação de hipertexto5 rompe as barreiras na era digital, mediante a sobreposição de
textos, ícones e imagens, aliada à ampla utilização de metáforas que evocam conceitos
espaciais e arquitetônicos vinculados à exploração virtual da internet (Kalantizis; Cope,
Pinheiro, 2020; Lim; Cope; Kalantzis, 2022).
Com as mudanças das mídias6 iniciadas na década de 1990, o texto escrito e impresso
passa a conviver com o digital (Rojo; Moura, 2019), possibilitando que todas as linguagens
e/ou modos de significação “escritos, visuais, espaciais, táteis, gestuais, auditivos e orais”
(Kalantizis; Cope; Pinheiro, 2020, p. 181) se mesclem em um mesmo artefato, o texto. Nesse
sentido, “no trato com os textos – escritos, impressos ou digitais –, não temos mais apenas
signos escritos, mas todas as modalidades de linguagem ou semioses que os invadem e que
a eles se mesclam” (Rojo; Moura, 2019, p. 11).
Contudo, pensar que as novas técnicas da tecnologia digital (cortar, colar, arrastar,
clicar) geram, necessariamente, mudanças nas práticas, temas e interesses é uma visão
simplista, tais mudanças decorrem de uma nova mentalidade, ou seja, um novo ethos7, que
traz transformações para as práticas. Dessa forma, os novos letramentos não advêm do fato
de “pesquisar informações on-line” ou escrever ensaios usando um processador de texto em
vez de uma caneta, mas, sim da mobilização de valores, prioridades e sensibilidades muito
3 O capítulo é parte do livro “Português no Ensino Médio e Formação do Professor”, organizado por Clécio Bunzen e Márcia
Mendonça inicialmente em 2006.
4 A revolução digital, marcada pela tecnologia central da World Wide Web (Rede Mundial de Computadores), por Tim Berners-
Lee na CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), aconteceu em 1989, na Suíça.
5 De acordo com Baccin (2017), o “hipertexto” é uma característica do texto que pode assumir traços mais comuns da
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8 Referimo-nos aqui ao fenômeno de adjetivação do termo “letramento(s)”, tal discussão pode ser conferida em Mafra;
Semechechem e Mello (2022).
9 Para Rojo e Moura (2019, p.40), a "multimídia" envolve a “combinação, na mesma tela [espaço], de textos escritos e imagens
estáticas de maneira não remissiva”. Cabe pontuar que essa associação de diferentes formas de mídia ocorre também no
impresso.
10 Para Baccin (2017), a "hipermídia" expande o conceito de multimídia, permitindo a remediação de todas as formas de mídia,
linguagem e modos expressivos anteriores em uma única forma expressiva conectadas por meio de links, de caráter não linear;
assim o usuário pode escolher o caminho que deseja seguir.
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2 ITINERÁRIO DE PESQUISA
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Na nossa concepção, não podemos falar em pós-modernidade, mas em uma radicalização da modernidade, uma vez que
não ultrapassamos seus princípios, mas, ao contrário, os intensificamos a partir da “racionalidade técnica ou desenvolvimento
tecnológico-científico, economia de mercado, valorização da democracia e extensão da lógica individualista” (Rojo; Barbosa,
2015, p. 117).
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[...] ler e escrever tomado como sequências de uma só atividade, que pode ser expressa pela
fórmula ler para escrever, toma o princípio da repetição como essência, em benefício da
estabilização (de formas e sentidos), funcionando como uma política de contenção: repita, não
busque o novo (Geraldi, 2010, p. 144, grifo do autor).
Nesse contexto, o texto era concebido como produto final, a partir de uma
concepção de linguagem como expressão do pensamento, ou seja, de quem pensa bem,
escreve bem (Bunzen, 2006), de modo que tanto o sujeito-autor quanto o professor eram
anulados. Dito de outro modo, “havia alguma presença de atividade de escrita, mas não
um ensino formal e sistemático, como já encontramos recentemente (Bunzen, 2006, p. 144).
Isso se perpetuou até a denominada virada pragmática (cf. Rojo, 2007), na década
de 1970, a qual “caracteriza-se pela ampliação das possibilidades de acesso ao ensino
formal e pelo aumento, de quatro para oito, do número de anos de escolarização básica”
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(Pietri, 2010, p.70), o que impactou no perfil dos alunos ao dar acesso aos de classes menos
favorecidas e com menos contato, principalmente, com textos literários, como aborda
Marcuschi (2008).
Nesse período, o objetivo é formar cidadãos para o mercado de trabalho, o que
repercutiu um caráter pragmático e utilitarista do ensino de Língua Portuguesa, o qual passou
a ser denominado como comunicação e expressão. O tempo dedicado ao estudo da
gramática torna-se reduzido, até questionado, uma vez que se coloca como critério para
inclusão no que chamamos de currículo a “intensidade de sua presença nas práticas sociais”
(Soares, 2002, p. 170), como consequência, textos das esferas jornalísticas e publicitárias
passam a ser lidos, inclusive os denominados na época de não-verbais, ou seja, os
multimodais/multissemióticos. Na prática, muitas vezes, esses textos
multimodais/multissemióticos são pretexto (Lajolo, 1986, p. 52) para se trabalhar a gramática.
Nesse período, o texto era tido como unidade de ensino, mas não como objeto (Rojo, 2007).
A linguagem era vista como um instrumento de comunicação.
Para tornar mais sintéticos esses marcos, apoiamo-nos na figura elaborada
originalmente por Rojo (2007), a qual organiza as discussões da década de 1970, bem como
das que viriam a seguir a partir de três viradas, a pragmática, a textual e a discursiva. De
forma complementar, trazemos a virada (multi)semiótica/modal, a qual pode ser observada
na figura a seguir.
Virada Pragmática
Décadas 1970-1980
- Texto como unidade de ensino.
- Redação de vestibular.
Virada Textual
Por volta de 1985
- Texto passa a ser considerado como objeto de ensino;
- Tipos de textos (narrativo, dissertativo, argumentativo) tomados
como conteúdo de uma gramática pedagógica no nível do texto.
- Exploração de elementos da textualidade (coesão e coerência).
Virada Discursiva
Por volta de 1990
- Discurso passa a ser considerado como objeto de ensino.
- Práticas de linguagem: leitura/escuta, produção de textos orais e
escritos (uso), análise linguística (reflexão).
Virada (multi)semiótica/modal
Por volta de 2010
- Linguagens e os modos de significação passam a ser considerados
objetos de ensino.
- Práticas de linguagem: leitura/escuta, produção de textos,
oralidade, análise linguística/semiótica.
Primeiramente, cabe pontuar que essas viradas são ilustrativas e didáticas, uma vez
que temos uma diversidade muito grande de ensino de língua portuguesa, nos diversos níveis
de escolaridade do Brasil. Ademais, as pesquisas e o ensino não caminham de modo
equitativo, permitindo a (co)existência de resquícios de práticas pedagógicas que se
perpetuam durante séculos, por isso optamos em colocar as setas com fluxo bidirecional de
informação.
Conforme a Figura 1, tomar o texto como unidade de ensino-aprendizagem significa
considerá-lo como um agrupamento de palavras e frases gramaticalmente corretas
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12 Optamos por marcar o termo “redemocratização” entre aspas, pois neste período era ainda mais distante um ideal
democrático, conforme pode-se conferir em Silva (1987).
13 Referimo-nos aqui aos critérios de textualidades responsáveis pela construção de sentido de um texto (cf. Marcuschi, 2008).
14 Designou-se "virada discursiva" a terceira virada com o objetivo de contemplar-se, no trabalho escolar, os gêneros discursivos.
No entanto, ainda hoje temos resquícios desse tipo de abordagem, dos gêneros, nas práticas pedagógicas.
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Assim sendo, torna-se basilar a compreensão dos conceitos de prática social e prática
de linguagem para não adotar uma perspectiva instrumental e anular a função social do
gênero e das práticas de linguagem, na produção de textos na escola. Isso resulta em um
movimento paradigmático de deslocamento de enfoques estruturais, centrados na forma,
para abordagens mais discursivas que partem do contexto de produção para os elementos
linguísticos.
Posteriormente, em uma segunda fase da virada discursiva, tanto a reflexão teórica
quanto a entidade escolar passam a enfatizar, com algumas divergências, a necessidade
de se compreender os gêneros discursivos15 em sua relação com as práticas sociais por conta
da disseminação das percepções de Bakhtin (2016), Schneuwly e Dolz (2004), dentre outros.
Já nas últimas décadas, acompanhamos no Brasil, de forma paralela e gradual, um
movimento de adjetivar a prática de linguagem de produção, tanto de “produção de textos
digitais” quanto de “produção de textos multimodais/multissemióticos” para se referir,
principalmente, aos textos multimodais que podem circular em ambiente digital. Esse
movimento marca a disseminação da Internet, da Web 2.0, e o interesse de relacionar essa
prática a suportes digitais, como: softwares, dispositivos eletrônicos, recursos digitais e o uso
de metodologias ativas no ensino. Estamos denominando esse movimento de virada
(multi)semiótica/multimodal, pois mais que técnicas novas vindas da disseminação da
internet, temos uma mentalidade multimodal/multimidiática de agir (Lankshear; Knobel,
2007). A adjetivação em excesso, de fato, pode ser um problema dos tempos atuais, no
contexto de ensino, assim como acontece com o termo “letramento(s)” (cf. Mafra
Semechechem; Mello, 2022). Entretanto, a atribuição “produção de textos
multimodais/multissemióticos” não é despretensiosa, ela abre um novo olhar para as texturas,
para a profundidade, para outras formas de aprendizagens que apenas a cultura escrita
não possibilitava.
O fenômeno social de adjetivação é prescrito no ensino de Língua Portuguesa para
profissionais da educação, a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como
podemos observar a seguir.
15 O conceito de gênero é amplo, comporta diferentes perspectivas teóricas e não se reduz a uma caracterização de
enunciados relativamente estáveis formados por três elementos: tema, construção composicional e estilo. Os gêneros estão
relacionados a determinadas coerções enunciativas situacionais, sociais e históricas (cf. Bakhtin, 2016).
16 O termo “objeto de ensino” parece-nos uma opção melhor que objetos de conhecimento “aqui entendidos como
conteúdos, conceitos e processos” (cf. Brasil, 2018, p.28) opção empregada pela BNCC, uma vez que qualquer objeto pode
ser um gerar conhecimento no mundo, todavia nem sempre serão próprios para o ensino, para o a transformação em objetos
a ensinar.
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Com a hipermodernidade e com as TDIC, o ser humano vem se tornando cada vez
mais topológico e híbrido. Por que cada vez mais? Porque desde as primeiras línguas, há
cerca de 100.000 anos, os sistemas humanos de significado não se restringem ao uso de
escrita alfabética ou de caracteres. É o que Lajolo (2018, p. 160) denomina de diálogo
interlinguagens (intersemiótico) “presente em inscrições de muitos mil anos atrás, em rochas
e cavernas. Em algumas delas, a representação de um vulto de animal era às vezes
acompanhada de sinais gráficos que [...] representam a denominação do animal”.
É verdade que, em um passado relativamente distante, cerca de 5.000 anos, a
tecnologia da escrita exerceu um lugar de privilégio perante as diferentes formas de
manifestação da linguagem, um exemplo disso é a posição à margem do texto que a
imagem ocupava até o século XIX (Chartier, 1999). Todavia, já nos últimos 60 anos, a
acessibilidade às mídias vem rompendo essa lógica (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020).
Nesta travessia, os estudos sobre multimodalidade ou multissemioses vêm construindo
conceitualizações teórico-analíticas, voltadas ou não para o ensino, que vão muito além das
classificações comumente generalizadoras do extraverbal ou não verbal. Nos últimos quinze
anos, os estudos analíticos do discurso viram “uma expansão da teoria e da pesquisa nos
aspectos multimodais da construção de significado, sem dúvida em reconhecimento ao
crescente domínio dos aspectos visuais e espaciais da comunicação em uma paisagem
comunicacional cada vez mais mediada pela tela” (Weninger, 2021, p.1).
Para exemplificar, a virada (multi)semiótica/modal, a que nos referimos, foi fortemente
influenciada pela Web 2.017, com novos comportamentos propiciados por essa tecnologia
na qual seus usuários, por exemplo, produzem conteúdos em postagens em mídias como
Facebook, Instagram, Tik Tok, Twiter, Wikipédia, You Tube, etc.
Na tradição anglo-saxã, o marco da virada (multi)semiótica/modal no campo
educacional se dá a partir da publicação do manifesto A pedagogy of multiliteracies:
designing social futures (“Uma pedagogia dos multiletramentos — desenhando futuros
sociais”), advinda do New London Group (NLG, 1996),o qual tem suas raízes na Semiótica
Social (Hodge; Kress, 1988; Kress; van Leeuwen, 2006; Kress, 2010), um campo do
conhecimento com influência da abordagem funcionalista de Halliday (cf. 2009),
representante principal da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF). Deve-se ressaltar que essa
abordagem teórica contempla os trabalhos de Kress e van Leeuwen (2006)18 .
Como destaque desse manifesto, podemos mencionar o conceito de
“multiletramentos”, para se referir, principalmente, a dois aspectos sociais: as múltiplas
linguagens dos textos e mídias e a diversidade de contextos e culturas que constituem a
17 Na primeira geração da internet, a informação era unidirecional, de um para muitos. Com surgimento de sites como,
Armazon, Google+, Wikipédia, a web tornou-se mais interativa. Nesta Web 2.0 são os usuários que fomentam o conteúdo em
postagens e publicações. Com o acesso desses participantes e a produção de conteúdo foi possível uma catalogação, o que
abre caminho para a próxima geração internet: Web 3.0, denominada: internet “inteligente” (Rojo; Barbosa, 2015).
18 Estamos nos referindo à Gramática do Design Visual.
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sociedade. A esse respeito, o Brasil aderiu tanto este termo quanto a pedagogia dos
multiletramentos em “incontáveis dissertações e teses que empregam a metalinguagem e o
discurso propostos pelo NLG; livros publicados sob esta abordagem; e a lenta disseminação
nas práticas escolares” (Ribeiro, 2020, p.14). Além de fundamentar o discurso da BNCC, as
Competências Gerais, a partir de aspectos afinados ao manifesto (Ribeiro, 2020).
Assim, propor uma revisão de conceitos (multiletramentos e modos de significação) é
pertinente, ainda mais em busca da justiça educacional, após mais de duas décadas da
divulgação do referido Manifesto e inúmeras publicações, que privilegiaram a
multimodalidade (Ribeiro, 2020). Em Towards Education Justice: A Pedagogy of
Multiliteracies, Revisited (“Rumo à Justiça Educacional: uma Pedagogia de Multiletramentos,
Revisitada”), Cope e Kalantzis (2023, p. 4) renomeiam os dois aspectos do “multi” como:
“Multissituacional: diversidade no mundo da vida” e “Multiforme: texto, imagem, espaço,
objeto, corpo, som e fala”. Em relação à materialidade das mídias, ao trocar “visual” por
“imagem”, “gestual” por “corpo” como “formas de significado”, interpretamos que há uma
desvinculação entre o sujeito e os modos de significação. O lugar de poder e identidade na
nomeação dos conceitos precisa ser constantemente trabalhado, bem como as
implicações desses dois aspectos na sociedade e nos processos de didatização. Portanto,
essa atualização conceitual não nos parece eficiente.
Em relação às múltiplas linguagens associadas na produção de textos e as
implicações culturais, cabe diferenciarmos os conceitos de língua, linguagem e linguagens
ou modos de significação para compreendermos como o modo pode ser definido e
compreendido nessa teoria e, assim, didatizado. A intenção de colocar os conceitos em
paralelo, neste texto, é evidenciar que eles possuem significados independentes e têm
potencial para ser objeto de estudo e de prática, mesmo que possam se sobrepor em
algumas situações, e assim tenham significados em conjunto.
A concepção de língua, entendida como um enunciado concreto composto por um
sistema (fonético, léxico, gramatical), perpassa várias teorias, inclusive a do NLG e as da
tradição de estudos do discurso, principalmente aquelas ligadas à epistemologia do
dialogismo, das quais os trabalhos de Rojo e Barbosa (2015) e Rojo e Moura (2019) integram,
interlocutores do Círculo de Bakhtin, e dos aportes semióticos de base perciana.
Ambas as perspectivas, com suas peculiaridades, corroboram para a compreensão
de um “sistema semiótico verbal, nas diversas línguas, que se organiza por meio de relações
tipológicas” (Rojo; Moura, 2019, p. 185), ou seja, esse sistema refere-se à semântica das
palavras na língua, possibilitando a construção de categorias (fonéticas, lexicais,
gramaticais) exclusivas para isso.
Para o termo linguagem, no singular, as duas noções teóricas fazem referência à
linguagem verbal. Todavia, na tradição anglo-saxã, linguagem é usada como sinônimo,
muitas vezes, de modo. Para Kress (2010), os modos semióticos (linguagem, imagem, música,
gestos, arquitetura, dentre outros) são efetuados por meio de diversas formas de percepção
sensorial (visual, auditiva, tátil, olfativa, gustativa e cinética). Por exemplo, “aquilo que é
expresso na linguagem através da escolha entre diferentes classes de palavras e estruturas
oracionais, pode, na comunicação visual, ser expresso através da escolha entre os diferentes
usos de cor” (Kress; van Leeuwen, 2006, p. 02).
Nas últimas pesquisas, o NLG, filiado a essa rede conceitual, associa a noção de
linguagem à escrita ou à sinestesia (alternância de um modo de significação com a escrita),
de modo que o entendimento da língua se dá como parte da língua(gem). Optam,
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Fonte: Elaboração própria com base em Rojo e Barbosa (2015); Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), Lim, Cope e Kalantzis (2022).
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códigos, entre outros. Essas ferramentas físicas e semióticas, pelas quais nos comunicamos
multimodalmente, possuem design, assim como cada modo de significação e cada signo
que as compõem.
Sendo assim, a articulação proposta parece dialogar melhor com as concepções de
língua, de linguagem e de modos de significação apresentadas, bem como com as
agendas de letramentos propostas pela reflexão teórica, no que concerne à “capacitação
pessoal, ou a capacidade de levar uma vida com plena condição de autoexpressão e
acesso a recursos culturais disponíveis” (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020, p. 24), como
ilustramos na figura a seguir:
Fonte: Elaboração própria com base em Rojo e Barbosa (2015); Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020).
19 De acordo com Marcuschi (2008, p. 174) “entendemos aqui como suporte de um gênero um locus físico ou virtual com
formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”.
20 Disponível em: https://pimpmycarroca.com/. Acesso em: 08 dez. 2023.
21 Cope e Kalantzis (2023) consideram que, a justiça educacional é, nos tempos contemporâneos, o caminho mais viável para
a justiça social. Assim, optamos por colocar a barra para representar a interdependência entre as ações na educação e os
seus resultados sociais.
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4 PEDAGOGIA DO DESIGN
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22 Por construção motivada de significados estamos entendendo a ação que o sujeito exerce nas matérias-primas para a
criação de um novo design, uma vez que “esse design é inevitavelmente uma expressão de sua voz” (Kalantzis; Cope; Pinheiro,
2020, p. 174).
23 Em relação à “morfologia”, por exemplo, o Google é um site (website) formado por um conjunto de páginas da internet
(webpage). O Google enquanto uma ferramenta de busca e indexação lida diretamente com hipertextos presentes na
internet, possibilitando aos usuários, a partir de links, acessar informações em hipermídias e mídias diversas em páginas da
internet (webpage).
24 “Active designers–makers–of social futures” (New London Group, 1996, p. 7).
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podem ser traduzidos em práticas pedagógicas para o ensino das práticas de linguagens
(leitura/escuta, produção de textos, análise linguística/semiótica).
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A quarta pergunta faz menção ao contexto mais amplo de significação, uma vez que
o contexto se torna uma parte do significado. Há, portanto, coerções do contexto: grau de
formalidade, profissão, disciplina, comunidade de prática, valor social. Essa pergunta, assim
como a primeira, cria um contexto específico para a produção de textos/designs com
possibilidades de intersecções entre as partes, como “um rótulo em um pacote aponta para
o conteúdo desse pacote, que, por sua vez, ‘fala’ com o supermercado onde ele se
encontra à venda” (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020, p. 190).
Por fim, a última pergunta refere-se aos propósitos dos significados, inclusive de criar
sentidos distintos e transformá-los, fisicamente ou semioticamente. Podemos indicar alguns
itens que influenciam nos significados que encontramos e produzimos: i) ideologias; ii) falhas
de comunicação; iii) subjetividade; iv) objetividade, dentre outros. Na produção de
textos/designs, esta pergunta direciona para o objetivo da produção, dessa forma, pode
facilitar na escolha de designs disponíveis para compor o (re)designed.
Buscamos discutir como os parâmetros, para análise do design, podem ser pensados
na produção de textos/designs na pedagogia dos multiletramentos. Em face desse cenário,
questionamos: como ensinar a produção de textos por design em prol da justiça
social/educacional?
A nível de exemplificação, podemos citar a proposta de produção de uma playlist
comentada. Para tanto, discutimos as perguntas sobre os significados do design a seguir.
A referência: o que é ou será produzido? Quem faz parte da produção? Como
funciona o processo de produção? Neste caso, uma playlist comentada pode ser
interpretada como um gênero discursivo ou uma hipermídia, a qual será desenvolvida, neste
caso, por alunos do Ensino Médio. Como o objetivo, da atividade, é reunir e divulgar as
músicas que tratam da temática racial e da identidade do jovem, bem como os gêneros
musicais (Pop, Rock, MPB), consequentemente, eles funcionam como designs disponíveis
para a produção das playlists. Além disso, a temática move discussões pertinentes sobre as
diferenças simbólicas, diferenças incorporadas e diferenças materiais (Cope; Kalantzis,
2023)25 que podem corroborar para a justiça social/educacional.
O diálogo: como o produtor do significado está conectado ao destinatário? Pode ser
como curador de música, apresentador ou narrador, roteirista, técnico ou editor de som,
especialista em direitos autorais, gerente de rede sociais, todos com interesses em comum,
visto que a produção/design se destina a jovens do Ensino Médio.
A estrutura: como os significados/modos se mantêm juntos na produção? No processo
de apropriação das produções culturais (BNCC - Brasil, 2018, p. 503), os alunos precisam
distribuir funções: selecionar as músicas, fazer a descrição da bibliografia dos autores, fazer
a avaliação das músicas, comentar as músicas oralmente, elaborar o post para publicação,
isso conecta-os. Nessa fase, também se explora a composição dos elementos do design, a
partir do modo sonoro na seleção das músicas, do escrito para os roteiros, tanto para
descrever quanto para avaliar a música, do oral para produzir os comentários, do escrito
novamente para fazer o post nas redes sociais. Neste momento, destaca-se a importância
em se trabalhar com os signos de cada modo, como no oral: o volume, as pausas, o ritmo.
25Cope e Kalantzis (2023) entendem as diferenças simbólicas como: língua, etnia, afinidade, gênero, episteme, as diferenças
incorporadas como: idade, raça, sexo e sexualidade, habilidades mentais e físicas, e as diferenças materiais como: classe,
localização, família, recursos de aprendizagem.
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Da era da composição à era do design: o ensino de produção de textos
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
26A metalinguagem ou a atividade metalinguística refere-se à capacidade de refletir e utilizar a linguagem para falar sobre a
própria linguagem (cf. Pereira; Costa-Hübes, 2021). Logo, a metalinguagem pedagógica refere-se à capacidade sistemática
de criação de conceitos e classificações, a partir de contribuições ou não de especialistas, que buscam contribuir com a
formação educacional do sujeito.
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