UMBANDA: conhecer para desmistificar
RIBEIRO, Vinny Héller Conrado Lima1
RESUMO
Este artigo tem como proposta mostrar como se deu a fundação da Umbanda, religião criada
no Brasil no início do século XX, época em que o país passava por um momento de transição
sociocultural e em que uma sociedade urbano-industrial começava a ser instaurada. Fruto de
uma hibridação entre elementos culturais diversos, como os dos indígenas nacionais, do
Candomblé afro-brasileiro e do Kardecismo francês que acabava de chegar ao Brasil, a
Umbanda buscava ser uma religião brasileira e que se orgulhava disso. Este trabalho
apresenta ainda algumas considerações a respeito da interpretação mais recorrente em relação
ao universo das práticas e crenças umbandistas, no que diz respeito ao seu processo histórico
de constituição. Partindo de um levantamento bibliográfico inicial (trabalhos acadêmicos e
livros e revistas umbandistas), busca evidenciar indícios de como tanto entre os adeptos
quanto entre os estudiosos da umbanda subjaz um modo de compreensão dessa religião
profundamente embasado numa lógica identitária restritiva.
Palavras-chave: Umbanda. Lógica identitária. Religiões afro-brasileiras.
INTRODUÇÃO
É imprescindível perceber que a religião umbandista configura-se pela mistura de três
importantes vertentes que é o espiritismo, os rituais indígenas e a matriz africana.
Indescritivelmente, um tema central nas discussões a respeito da umbanda sempre foi à
questão das origens da religião, o “problema do surgimento” (Giumbelli 2002: 196) que
mobilizou e mobiliza diversas opiniões entre os adeptos e os estudiosos.
Alguns autores acadêmicos referem-se à umbanda como sendo o resultado de uma
síntese transformadora, algo novo que se diferencia de todas as vertentes que contribuíram
com aspectos culturais em sua formação. Esta religião seria então, na visão de Ortiz (1999),
1
RIBEIRO, Vinny Héller Conrado Lima. Bacharelando do curso de Direito no Instituto de Educação Superior
Raimundo Sá, presentemente matriculado no I período. E-mail:
[email protected].
seguido por Oliveira (2008), um produto direto das transformações ocorridas em um
determinado período no contexto da sociedade brasileira. Um movimento de transformação
social corresponde um movimento de mudança cultural, isto é, as crenças e práticas afro-
brasileiras se modificam tomando um novo significado dentro do conjunto da sociedade
global brasileira.
A Umbanda e seus elementos simbólicos e ritualísticos, bem como a sua mitologia
fundadora e práticas normatizadoras da vida cotidiana de seus seguidores ao longo do tempo,
estão diretamente relacionados e tornam-se elementos de reflexão nesse trabalho. Para tanto,
se faz necessário tomar como referência e fazendo parte deste estudo da religiosidade, as
influências de grupos étnicos, responsáveis pela formação do povo brasileiro, para
compreender-se questões culturais, práticas e rituais religiosos resultantes de um longo e forte
hibridismo cultural (BURKE, 2003).
Dessa forma, ao tratar aqui da Umbanda, deve-se estar atento para as suas
características principais, que a fazem portadora do referenciado hibridismo cultural
supracitado. Dessa forma, entende-se que:
A umbanda é chamada de “a religião brasileira” por excelência, num
sincretismo que reúne o catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente
negra e símbolos e os espíritos de inspiração indígena, contemplando as três
fontes básicas do Brasil mestiço. (PRANDI, 2003: p.20)
Ao analisar-se a Umbanda e seu surgimento, algumas ressalvas são importantes, como
o seu caráter de proximidade com as classes menos favorecidas econômica e socialmente,
como afirma Prandi, citando Fry: “A umbanda atende aos anseios das camadas mais pobres.”
Ainda é possível observarmos esta mesma característica a partir do culto às figuras marginais
de nossa sociedade, já que “A umbanda caracterizou-se por cultuar figuras nacionais
associadas à natureza, à marginalidade, à condição subalterna em relação ao padrão branco
ocidental” (PRANDI, 2001).
Assim, reporta-se à algumas questões, como: movimentos negro e seu processo de
desenvolvimento social, a luta pela tão sonhada “democracia racial”; em especial de cunho
religioso, tem-se que levar em conta toda a sua história, sua cultura e seu povo na construção
social, assim como na luta para conquistar um espaço de igualdade dentro da sociedade
vigente. Segundo o autor:
A partir da luta dos movimentos sociais que no Brasil começam a tomar
forma a partir da década de 1970 e se consolidam nos anos de 1980, entre
estas os vários movimentos de valorização da cultura negra, os espaços-
terreiros passam a adquirir outras configurações, e são pensados pelos
estudiosos e adeptos como espaços de militância social negra frente a
questões socioeconômicas da sociedade nacional. (GOMBERG, p.343, IN:
PINHEIRO; PELEGINI, (Ogrs), 2010)
Levando em consideração a sua história e como os movimentos negros ajudaram a se
posicionarem dentro da sociedade na luta contra o racismo e discriminação, enquanto,
organizações sociais vão buscar referências para reafirmar sua legitimidade diante de práticas
culturais afro-brasileiras.
1. ACULTURAÇÃO E SINCRETISMO RELIGIOSO
A aculturação é o fenômeno que se dá através de contatos culturais diretos e contínuos
entre grupos de culturas diferentes, o que acarreta numa mudança cultural em cada um dos
grupos. Todavia, nos dias de hoje, com a possibilidade cada vez mais abrangente e simultânea
de alcance dos meios de comunicação, esse fenômeno já se torna possível a necessidade do
contato físico. Para entender esse processo, deve-se estudar a comunidade de origem, o
contato cultural, a análise da aculturação, o papel do indivíduo no contato cultural, os
resultados da aculturação e a comunidade atual. Isto significa estudar, a partir de um ponto
zero, a comunidade de origem em direção à comunidade atual. Canclini diz entender
hibridação como “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que
existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”.
(CANCLINI, 2011, p. XXI) .
Um exemplo de aculturação ou hibridação cultural é o sincretismo que se refere à
combinação de práticas religiosas tradicionais, devido à intensificação de migrações que
resultam na mistura de religiões. Isto vem se dando com muita frequência, assim como a
intercontinental difusão de crenças e rituais do século passado, o que faz até aumentar a
tolerância em relação a estes. Em países como Brasil, Haiti, Cuba e Estados Unidos, já
tornou-se frequente a dupla ou até a tripla religiosidade, como, por exemplo, ser católico e
participar de cultos afro-brasileiros ou cerimônias budistas. Também é possível falar em
sincretismo religioso quando, mesmo pertencendo a uma religião diferente, busca-se ajuda
para enfermidades com remédios indígenas, orientais, águas fluidificadas do Espiritismo ou,
ainda, remédios homeopáticos receitados por médiuns.
Portanto, o surgimento da Umbanda coincide justamente com a consolidação da
sociedade urbano-industrial, ou seja, um momento de mudança cultural. Portanto, foi
necessário, para este artigo, estudar como se deu a integração do mundo religioso
afrobrasileiro com a moderna sociedade atual, que resultaram numa nova religião através da
hibridação cultural.
2. RELIGIÃO
Durante o período chamado de Idade Média, eram raros os descrentes a Deus. Tão
poucos eram eles, que não ser religioso era quase como ser considerado portador de uma
doença contagiosa, a ponto de ter-se que viver escondido. Muitos dos que revelaram não ser
religiosos foram queimados na fogueira, a fim de não contaminarem os inocentes. Porém,
com o avanço da ciência, o universo começou a ser explicado de acordo com o ceticismo e o
encanto se quebrou. Assim, uma pessoa sem religião não é mais considerada uma anomalia.
Contudo, a religião e os religiosos continuam e provavelmente sempre continuarão a
existir. Quando para uma doença, nem a ciência nem a tecnologia oferecem solução e o
desespero se acentua, sente-se muitas vezes a necessidade de recorrer a um curandeiro,
benzedeiro, exorcista, médium, sacerdote, ou seja, aqueles que podem explicar o inexplicável
e curar o que parece não ter remédio.
Acima de tudo, procura-se neles a explicação para o sentido da vida, o que faz com
que ausência de atos lamentáveis e de lugares sagrados não resultem na descrença da religião.
Dessa forma, para Rubem Alves (1986), a religião está diretamente relacionada à cultura,
sendo que esta faz o homem se diferenciar dos animais. Aqui está uma criança recém-nascida.
Do ponto de vista genético ela já se encontra totalmente determinada: cor de pele, dos olhos,
tipo de sangue, sexo, suscetibilidade e enfermidades. Mas como ela será? Gostará de música ?
De que música? Que língua falará? E qual será o seu estilo? Por que ideias e valores lutará? E
que coisas sairão de suas mãos? E aqui, os geneticistas, por maiores que sejam seus
conhecimentos, terão que se calar. Porque o homem, diferentemente do animal que é seu
corpo, tem seu corpo. Não é o corpo que o faz. É ele que faz o seu corpo.(ALVES, 1986)
Assim, fazendo parte da cultura e da mesma forma que ela, a religião é uma rede de
símbolos, em que tudo tem um significado maior do que o concreto, como altares, santuários,
comidas, fumaça, imagens, templos, colares, livros, além de gestos e silêncios, canções,
adorações, milagres, renúncias, entre outros.
De acordo com Rubem Alves (1986), a religião é constituída por símbolos que os
homens usam e sentidos que dão à vida e ao que acontece nela. Porém, os homens são
diferentes, o que torna seus mundos sagrados também diferentes. Coisas que assumem valores
distintos e imaginários para homens de religiões e culturas distintas fazem objetos e atos de
importância secundária se tornarem sagrados.
3. A UMBANDA
A Umbanda é uma religião cujos cultos são baseados na possessão, na qual os
médiuns entram em transe e recebem os guias, na qual estes são cultuados e dão atendimento
aos adeptos, a fim de ajudar aqueles que com eles desejam se consultar. Segundo Renato
Ortiz: "A possessão é portanto o elemento central do culto, permitindo a descida dos espíritos
do reina da luz, da corte de Aruanda, que cavalgam a montaria da qual eles são senhores."
(ORTIZ, 1999, p. 71)
As entidades umbandistas são divididas entre espíritos de luz e espíritos das trevas.
Entre os espíritos de luz estão os caboclos, pretos-velhos e crianças, que conforme a
concepção cristã que concebe uma dicotomia entre o bem e o mal, 13 trabalham para o bem,
enquanto os espíritos das trevas, que são os exus, devido a sua ambivalência, podem trabalhar
tanto para o bem quanto para o mal.
Na Umbanda os caboclos representam a força e o vigor do homem adulto, os pretos-
velhos, a sabedoria da velhice , enquanto as crianças simbolizam a pureza e a inocência. Estas
não trabalham durante o culto, posto que uma criança não deve trabalhar. São importantes
para limpar com sua pureza o terreiro depois da descida dos Exus. Segundo Birman (1885),
terminar a gira com crianças é uma maneira de afastar os espíritos obsessores e de baixa
vibração.
O Universo Umbandista é monoteísta, que se fundamenta na existência de um deus
único, e onipotente, podendo ser chamado de Olorum, Zambi, ou mesmo de Deus, onde assim
como na Igreja Católica, não possui uma representação visível. Porém não é venerado nos
cultos, sua função é apenas de criar o mundo e os fundamentos da religião. Apenas seus
subordinados são cultuados, pois são estes que fazem o contato com mundo terreno para levar
ajuda a quem lhes pede. Conforme a concepção católica, os orixás fazem analogia aos santos,
ficando como intermediários entre o sagrado e o profano, estando desta maneira mais próximo
dos homens o que o próprio Deus, apesar de não descerem no corpo dos adeptos.
Segundo Ortiz (1999), abaixo dos orixás vêm as sete Linhas da Umbanda, formada por
exércitos de espíritos, onde cada linha obedece a um orixá. Estas linhas, que também podem
ser chamadas de vibrações são divididas em sete legiões, que também se subdividem,
firmando cada uma destas sete falanges e assim sucessivamente, de maneira infinita. Na parte
inferior desta pirâmide encontrando-se os guias e protetores, que estabelecem a comunicação
direta entre o mundo profano dos homens e o sagrado dos orixás.
Nessa premissa, as vibrações são emitidas pelos orixás, que as transmitem às falanges,
que as repassam para as subfalanges e assim vai, até que cheguem nos guias e estes através do
corpo de um médium, transmitam aos homens, para ajuda-los a superar seus problemas e
sofrimentos. Conforme as entidades vão conseguindo ajudar os homens, vão se evoluindo
espiritualmente no reino de Aruanda. Para a Umbanda, tanto no mundo profano quanto no
sagrado, é a caridade que leva o espírito à evolução.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É interessante observar que, assim como mostra Ortiz (1999), o Kardecismo e o
Catolicismo continuam fornecendo adeptos à Umbanda, porém tais adeptos não deixam de
continuar frequentando esporadicamente sua antiga religião, o que mostra uma das questões
da diversidade cultural dentro da Umbanda. Todavia, ainda que as federações se esforcem
para associar a Umbanda a uma religião branca, voltada ao bem e à caridade e de rituais
ocidentais com a participação do Exu-doutrinado, e que a Igreja Católica e a polícia tenham
deixado de persegui-la, o senso comum não tem uma informação real sobre esta religião e
ainda mantém a imagem inicialmente criada, transmitida e rotulada pelo Catolicismo.
De acordo com as entrevistas, constatamos que o preconceito ainda é muito grande e
que a Umbanda ainda está relacionada a uma religião que afasta seus fiéis de Deus, voltada à
magia negra e que serve para que seus adeptos pratiquem o mal e consigam vantagens graças
a trabalhos realizados, pagos com sacrifícios animais, despachos, entre outros.
Por sua vez, posto que a Umbanda não é uma religião que visa pregar sua ideologia
fora dos terreiros e tampouco persuadir pessoas a mudarem de religião, essa imagem
preconceituosa ainda tende a perdurar por mais tempo. Além disso, o preconceito que seus
adeptos sentem ao se identificarem como umbandistas faz com que, na maioria das vezes,
prefiram omitir sua religião ao invés de tentar explicá-la e de mudar a imagem criada sobre
ela, mantendo, assim, o costume de escondê-la, apesar de acreditarem nela. Todavia, o
número de terreiros cresce cada vez mais desde seu surgimento e está consolidada como uma
religião brasileira. Pouco a pouco, a Umbanda vem conquistando seu espaço e cada vez mais
adeptos, sendo de importância inquestionável para a cultura do Brasil.
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. O que é religião. 9ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1986.
BIRMAN, P. O que é umbanda. São Paulo, Abril Cultural, Brasiliense, 1985.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro. Jorge Zahar editor, 2003.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo: Edusp, 2011.
GUIMBRELLI, E.2002. “ Zélio de Moraes e as origens da umbanda no Rio de Janeiro.
São Paulo, Summus.
OLIVEIRA, J.H.M 2008. Das macumbas a umbanda: uma análise histórica de uma
religião brasileira. Limeira. Editora do conhecimento.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. São
Paulo: Brasiliense,1999.
PRANDI, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo. São Paulo, Hucitec, 2001.