Cinzas
Foste tu!
Foste tu quem me descobriu,
Foste tu quem me inventou,
Foste tu quem me ignificou.
Sem pensar,
Fui eu quem não resistiu,
Fui eu quem o permitiu,
Fui eu que, no fim, ardi,
Como sempre.
(FO-TO-CRO-MO-ME-TA-LO-GRÁ-FI-CO)
Naquela manhã, a cidade estava deserta. Inês
caminhava, decidida, em direção ao complexo das
piscinas municipais. Parou, de repente. À sua direita a
confeitaria “Entra Docinho!” exibia o melhor do seu
mundo; a tentação perfeita! Inês, corajosa, desviou o
olhar. Avançou, alentada pelo pensamento, “A partir do
21º dia será mais fácil!”, semeado pela Drª Obésa
aquando da consulta de nutrição, havia quinze dias.
Quando entrou no balneário, percebeu que estava
atrasada, vestiu rapidamente o equipamento e voou para
a pista de treino. Ao chegar, o professor Moleiro
informou-a de que iriam ao Sabugal competir com o
Ginásio Clube Fica100fome, sediado na localidade de
Pouca Farinha. Inês abanou a cabeça, olhou em seu redor
e vociferou “Quero acordar deste pesadelo!”.
E acordou... Estava no hospital, onde passara a noite,
após tratamento a uma grave intoxicação, causada por
um crocante Éclair da confeitaria “Entra Docinho!”.
“Grande máquina!”, gritou um visitante, vestido a
rigor, ao mesmo tempo que elevava as mãos à cabeça ao
descobrir a peça motorizada mais valiosa do Museu da
moto portuguesa, em Aveiro. Esperavam-no vários
metros quadrados, repletos de exemplares do passado e
do presente, expressando a arte daqueles que encontram
nas duas rodas o seu prolongamento, a liberdade.
João é um apaixonado pelos modelos da Metalurgia
Casal. Na verdade, é um cavaleiro do asfalto, daqueles
que partilham tudo na vida, mas a motorizada, essa, não!
Em pequeno já sonhava visitar o museu. Herdara de
seu pai a paixão pela arte da recuperação destes veículos,
deixados à sorte em armazéns e oficinas, esquecidos no
tempo. Percorria centro e norte do país à procura de
motas para as reinventar.
Nessas viagens, no encalço da próxima mota para
salvar, João apaixonou-se por uma Casal que compraram
a um senhor de Peso da Régua. A sua recuperação foi o
momento mais feliz da sua, ainda, curta vida. Porém, o
seu pai foi obrigado a vendê-la, para pagar as contas.
Aquele visitante, envergando um casaco preto, de
cabedal, não era um visitante qualquer, tinha uma missão.
Antes de morrer, seu pai contou-lhe um segredo que só a
mota sabia. Encontrava-se ali para cumprir o seu último
desejo.
João tinha um plano magistral. Preparou-o
meticulosamente, pensando nas palavras de seu pai,
“Recupera-o!Está por baixo do selim.” Às 18.30 daquele
dia de inverno, provocou, remotamente, um curto-
circuito na iluminação do edifício, colocou os óculos
noturnos, que trazia na sua mochila de cabedal, e retirou
do local que o seu pai lhe indicara, o símbolo da primeira
mota que recuperam juntos, a Super Boss...