Guia 1 - Versão Web
Guia 1 - Versão Web
Fortaleza, Ceará
2013
Ficha Técnica Prezado/a leitor (a),
Você está conhecendo um material conceitual e
P944p Prevenindo a violência e promovendo a justiça juvenil prático referente ao paradigma da Justiça Restaurativa
restaurativa: justiça juvenil restaurativa e práticas de
resolução positiva de conflitos. - Fortaleza: Terre des
no trabalho desenvolvido junto a crianças, adolescentes
hommes, 2013. 84p. : il. e famílias tanto em âmbito preventivo às situações de
violência e ato infracional (no contexto de escolas e
ISBN: 978-85-66899-00-9 comunidades), como em casos de práticas desenvolvidas
1. Violência, Prevenção. 2. Conflitos, Resolução. 3. Justiça no sistema de justiça juvenil.
Juvenil Restaurativa.
CDD 303.62 Construído a várias mãos e passos de uma equipe
multidisciplinar, o material ora apresentado é uma iniciativa
e desenvolvimento do Programa Regional em Justiça
Terre des hommes Lausanne no Brasil Juvenil Restaurativa da Terre des hommes Lausanne no
Iniciativa e desenvolvimento do Projeto Brasil (Tdh), uma organização não governamental membro
Anselmo de Lima Diretor de Tdh da Fondation Terre des hommes Lausanne- Suíça, que atua há
mais de 30 anos em 33 países com projetos de promoção
Equipe Técnica do Projeto Elaboração dos direitos infanto-juvenis. Na América Latina, Tdh atua
Lastênia Soares Coordenadora psicossocial de Tdh em prol da pacificação de conflitos e redução do fenômeno
da violência e delitos envolvendo crianças e adolescentes,
Renato Pedrosa Secretário Executivo promovendo uma justiça focada na responsabilização e
reparação dos atos danosos e restauração dos vínculos.
Isabel Sousa Assessora técnica em justiça juvenil
Carlos Neto Assessor de formação Constituído por três guias, Prevenindo a violência e
disseminando a Justiça Juvenil Restaurativa, foi idealizado
Antônia Lima Colaboração
Promotora de Justiça da Infância e Juventude e Coordenadora do
com o intuito de trocar experiências e conhecimentos
Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério que Terre des hommes vem semeando com uma prática
Público do Estado do Ceará - CAOPIJ institucional de centralidade às vítimas de violência em suas
necessidades e restauração, proteção e responsabilização
Victor Herrero Escrich Revisão conceitual
Consultor temático em Justiça Juvenil para os Projetos de Terre des
aos autores de atos de violência e o empoderamento
hommes na América Latina comunitário para prevenção e promoção de um contexto
de paz.
Dedê Paiva Ilustrações e Projeto Gráfico
O guia 1 apresenta aspectos conceituais e
orientações básicas referentes ao paradigma restaurativo
Terre des hommes Lausanne no Brasil. É permitida a reprodução total ou
parcial dos textos desta publicação, desde que citada a fonte.
em justiça juvenil e práticas de resolução positiva de
conflitos e violências. Compilado pela experiência de Tdh com a prática constituída por articulações institucionais,
com processos formativos a atores do sistema de garantia o trabalho realizado junto às comunidades e sistema de
de direitos e práticas restaurativas junto a crianças, justiça juvenil e especialmente com a escuta, diálogos e
adolescentes e famílias, aborda fundamentos teóricos acordos estabelecidos durante a vivência de processos de
e práticos que com estas experiências foram sendo círculos e mediação de conflitos com vítimas, adolescentes,
construídos com foco nos aspectos metodológicos dos familiares e representantes comunitários.
chamados processos circulares de resolução de conflitos e
mediação. Quando abordamos sobre a Justiça Juvenil
Restaurativa e as práticas restaurativas e de mediação de
O Guia 2 destinado a profissionais, alunos, famílias e conflitos, intentamos a todo momento falar de um lugar que
comunidades, aborda um passo a passo de implementação Terre des hommes está vivenciando, na humildade de que
de práticas restaurativas no contexto escolar. Com base estamos sempre aprendendo. Portanto, ressalta-se, aqui
na experiência do trabalho em escolas, este guia orienta compartilhamos nossa aprendizagem conceitual e prática,
em lições aprendidas os alcances e desafios de disseminar não finalizada, sujeita a ajustes e mudanças, coerentes ao
uma cultura de paz no contexto escolar, com a construção processo de aprender.
de um contexto restaurativo que ressignifique o cotidiano
vivido através de práticas restaurativas e de mediação Por isso, decidimos que a utilização dos guias
de conflitos, procedimentos de prevenção e proteção às está vinculada aos processos formativos realizados pelo
situações de violência contra crianças e adolescentes, com Programa Regional em Justiça Juvenil Restaurativa de Terre
fins de pacificar as relações e vivenciar um processo de des hommes, pois não se pretende que seu uso se dê apenas
ensino e aprendizagem saudável. como fonte de leitura, estudo ou pesquisa, mas como
recurso para troca de experiência, saberes e construção de
O Guia 3 é orientado aos profissionais do sistema novas estratégias e caminhos para a redução de fenômenos
de justiça juvenil pautando sobre a implantação de práticas de violência envolvendo crianças e adolescentes. Estamos
restaurativas no atendimento aos adolescentes a quem seguros de que os processos formativos são meios para
se atribui autoria de ato infracional e/ou que já estejam esta construção.
em execução das medidas socioeducativas, orientando
quanto ao processo de implantação com fluxo definido Ensejamos que o que você construir de conhecimento
para a realização das práticas restaurativas e vivência do e experiências a partir das informações obtidas nas
paradigma restaurativo. formações seja propulsor de um novo olhar, condutas e
metodologias semeadoras da justiça e pacificação social. E
Sem pretensão de esgotar-se em si, Tdh compreende lhe convidamos a compartilhar conosco a prática construída
os guias com o que denomina de capitalização de a partir destes aprendizados.
experiências, ou seja, como compartilhamento de conceitos
estudados, intercambiados com os demais projetos e Anselmo de Lima
parceiros do Brasil e América Latina, e as lições aprendidas Diretor da Terre des hommes Lausanne no Brasil
Sumário
Justiça é algo muito legal. É quando nós Introdução 08
temos o que merecemos. Sempre sonhei em 1. Pra começo de conversa...
uma sociedade justa onde todo mundo pode ter O que é Prática Restaurativa? 13
onde morar, o que comer, o que vestir e quem
Quem são os participantes
dê carinho. Com a justiça existindo, não existiria de uma Prática Restaurativa? 15
tanta violência e eu não estaria aqui.
De onde vêm as práticas restaurativas?
17
Marcos, 17 anos,
Em que contexto elas foram criadas?
1.1 Justiça Juvenil Restaurativa 19
adolescente que participou do
Projeto Vozes: o que pensam os 2. Construindo um sistema restaurativo 24
Janelas da Disciplina Social 37
adolescentes sobre os
atos infracionais e as
medidas socioeducativas. 3. Entendendo Conflito, Violência
Terre des hommes Brasil, e Ato infracional 45
Entendendo o conceito de conflito 46
2012.
Introdução
os acertos e erros, vem construindo um diálogo constante
tanto interno como junto ao público atendido e parceiros
acerca do paradigma restaurativo e a compreensão que se
tem sobre Justiça e práticas que sejam restaurativas. Ao
O advento da lei federal 12.594 de 2012, também lançar-se ao desafio de implementar um Programa Regional
conhecida como Lei do SINASE, colocou a temática das em Justiça Juvenil Restaurativa articulado em cinco regiões
Práticas Restaurativas, medidas restaurativas ou meios do Norte e Nordeste do país, identificou-se a necessidade
de autocomposição de conflitos; como pauta das políticas por parte de atores do sistema de garantia de direitos,
públicas brasileiras, sobretudo daquelas que dizem respeito incluindo os próprios jovens, famílias e comunidades em
ao atendimento ao adolescente em conflito com a lei. Por melhor compreender as bases conceituais e o como fazer
sua vez, o contexto muitas vezes marcado por conflitos para implementar práticas restaurativas.
violentos, fenômenos de gangues, bulling revelam um
dos grandes desafios da prática educativa da maioria das Algumas perguntas comumente ouvidas instigaram
escolas: o de construir coletivamente respostas positivas a realização de processos formativos na temática e que
para reduzir as expressões de violência, constituindo-se foram alicerçando a construção deste material: O que é
como um lugar seguro de convivência e aprendizagem. Justiça Restaurativa? O que são práticas restaurativas?
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
Justiça Restaurativa e Práticas restaurativas são sinônimas? Como mecanismos de resolução positiva de
De onde elas vêm? Para que elas servem? Como podem conflitos, as Práticas Restaurativas podem ser utilizadas em
ser utilizadas? São exemplos de algumas perguntas vários espaços institucionais e comunitários e entre todos
sistematizadas em eventos formativos realizados, como o I os indivíduos. Por acreditar nesta possibilidade é que se
Congresso Latino-americano de Justiça Juvenil Restaurativa teve formalizada a parceria entre Tdh e Ministério Público
em Lima-Peru (2009); o I Seminário Brasileiro de Justiça do Ceará com práticas restaurativas implantadas em um
Juvenil Restaurativa em São Luis-MA (2010); o I Seminário dos bairros mais marcados pela violência infanto-juvenil e
Norte e Nordeste em Justiça Juvenil Restaurativa, Mediação ato infracional. Com fins de contribuir com a prevenção e
e Cultura de Paz em Fortaleza-Ce (2011); Encontro de Boas redução do fenômeno da violência, tais práticas vem sendo
Práticas de Prevenção à Violência e Promoção da Justiça realizadas em um dos Núcleo de Mediação Comunitária do
Juvenil Restaurativa em São Luis-Ma (2011) e o III Simpósio Programa de Mediação do Ministério Público e em escolas.
Internacional em Justiça Restaurativa em Belém-PA (2012).
Neste guia, apontamos as práticas restaurativas
Aliada a estes grandes encontros, tem sido como possibilidades, práticas metodológicas que devem
substancial a realização dos Cafés Restaurativos ocorridos estar integradas a outras ações tais como formações,
bimestralmente em Fortaleza-CE, reunindo atores do sistema espaços de diálogo e revisão da prática institucional,
de justiça juvenil, adolescentes e outros profissionais em procedimentos institucionais de prevenção e proteção
12 um café da manhã regado pelo estudo e diálogo sobre a contra a violência institucional a crianças e adolescentes, 13
temática. códigos de conduta e regimes internos que orientam o
procedimento profissional com um fluxo claro, objetivo
Com a realização destes encontros, foi-se e concreto de como as práticas restaurativas devem ser
sistematizando diretrizes e aportes conceituais junto aos realizadas. Aliadas a isso, há o espaço de participação e
atores do sistema de garantia de direitos na tentativa de empoderamento de crianças, adolescentes e famílias, de
auxiliar na resposta dos questionamentos suscitados pelo construção da autonomia comunitária, enfim, de alicerces
tema, e também de divulgar e fortalecer o instituto das para que estes sujeitos sejam por si protagonistas de suas
práticas restaurativas. histórias, das decisões de suas vidas.
Sendo uma experiência em construção em nosso Por isso, abordamos aqui sobre conceitos básicos
país e no mundo, a Justiça Juvenil Restaurativa aborda como conflito, violência e ato infracional definindo-os com
princípios que orientam a uma nova conduta para lidar com base na Convenção Internacional pelos Direitos das Crianças
as situações de conflitos e violência não sob o paradigma e no enfoque psicossocial que embasa nosso trabalho. Alia-
do enfrentamento e da disputa, mas do encontro e do se a compreensão de criança e de adolescente como sujeitos
entendimento mútuo; não da culpabilização, mas da de direitos e em condição especial de desenvolvimento com
responsabilização; não da exclusão, mas da restauração, uma prática metodológica de focar sobre as competências
fugindo dos estigmas que imobilizam e buscando acordos e potencialidades de crianças, adolescentes, famílias,
que os libertem.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
O que é
Restaurativa, a exemplo da Janela da Disciplina Social
de Paul McCold e Ted Wachtel, do Instituto Americano
Prática Restaurativa?
de Práticas Restaurativas. Ao final, sistematizamos em
fichas técnicas alguns exemplos de práticas restaurativas
utilizadas em nosso Projeto.
1
No decorrer desse material, as expressões «Práticas Restaurativas»
e «Práticas de Resolução Positiva de Conflitos» serão tratadas como
sinônimas.
2
No Capítulo 3 será apresentada nossa compreensão sobre os conceitos
de conflitos, violência e ato infracional e como em nosso prática o
diferenciamos e trabalhamos através das práticas restaurativas.
3
Conceito que vem sendo estudado e afirmado como orientação para
políticas públicas por universidades e agências de direitos humanos.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
Receptor(es)
São aqueles que, diretamente, sofreram as
consequências das ações feitas pelo autor. O termo “vítima”
deve ser evitado, porque a ele estão agregadas ideias de
passividade e submissão, ao passo em que, nas Práticas
Restaurativas, o Receptor possui um papel fundamental
tanto no desabafar suas angústias e sofrimento provocados,
por exemplo, pela violência quanto no definir e apoiar as
responsabilidades do autor.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
ATENÇÃO
práticas restaurativas, que pode ser qualquer pessoa,
inclusive adolescentes, que precisa estar capacitado na
metodologia das práticas restaurativas, conhecer a cultura
Apesar de ser importante para entender como do lugar onde aplicará as práticas, além de manter uma
funciona uma prática, os títulos “autor”, “receptor” e postura imparcial e respeitosa em relação aos demais
“comunidade” NÃO devem ser utilizados durante as participantes, em todas as fases do processo restaurativo.
práticas restaurativas. Deve-se chamar as pessoas
pelos nomes para evitar a estigmatização dos Nas Práticas Restaurativas também pode ter a
18 participantes da prática, o que prejudicaria muito o presença de um Cofacilitador que, por conhecer o processo, 19
diálogo entre eles. apoia o facilitador na sua função, caso seja necessário.
que, de alguma forma, sofreram com ela (receptores). Nesse Restaurativa, por meio de suas práticas, pode contribuir
sentido, fazer justiça implica em oferecer um contexto no com a PREVENÇÃO desses fenômenos, lidando com os
qual seja possível o encontro entre autores e receptores conflitos antes que eles explodam em violência. Quando
com o objetivo de promover um processo de diálogo, utilizadas desta maneira, as Práticas Restaurativas podem
de reflexão, de construção de ações para contrabalançar ser aplicadas no âmbito comunitário, acontecendo em
os males ocasionados pela violência ou infração com espaços como o Conselho Tutelar, Núcleos de Mediação
responsabilidades. Comunitária, Escolas, Associações Comunitárias, nos
espaços em que elas se organizam; empoderando-as para
O objetivo restaurativo: Por conta disso, a questão manejar positivamente com seus conflitos, distribuindo
maior da Justiça Restaurativa não é o que fazer com o responsabilidades e fazendo Justiça.
autor da violência, e sim lançar-se à pergunta: “O que fazer
para restaurar os vínculos e reparar o dano, atendendo É importante destacar, entretanto, que nem a Justiça
as necessidades das pessoas feridas pela violência, e Restaurativa nem as Práticas que a concretizam podem ser
as relações entre autor e receptor rompidas por esta aplicadas sem a observância de algumas pré-condições
violência?” importantes sobre as quais falaremos no próximo capítulo,
que se trata de construir um Sistema Restaurativo.
Apoio ao receptor: No lugar de mero objeto da
22 responsabilização do autor, como testemunha que fornece 23
dados para sua condenação; passa a ser sujeito que tem Por seus resultados positivos de
que ser cuidado nas suas necessidades e que também responsabilização e não criminalização, a aplicação da
participa, ativamente, da construção do acordo que visa Justiça Restaurativa é recomendada pela Organização
lidar com o fato ocorrido, superando-o e ajudando o autor a das Nações Unidas (ONU) a todos os países, referindo-
responsabilizar-se pelo seu ato e não reincidir na violência se aos processos restaurativos, compreendidos como
ou infração; qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e
quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou
Apoio ao autor: Também o autor deixa de ser membros da comunidade afetados por um crime,
objeto da responsabilização, de quem se decide o destino, participem ativamente na resolução das questões
para ser sujeito deste processo, sugerindo as ações que oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um
pode desenvolver para reparar o dano causado à vítima, facilitador.
mas também colocando suas necessidades em relação ao
cumprimento dessas ações. No Brasil, a lei 12.594/2012 que institui o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
Embora tenha surgido para lidar com a regulamenta quanto à excepcionalidade da intervenção
responsabilização dos adolescentes autores de violência, judicial e prioridade às práticas ou medidas que sejam
ou seja, para dar uma resposta à violência DEPOIS que restaurativas e, sempre que possível, atendam às
ela ocorre, na forma de um Ato Infracional, a Justiça necessidades das vítimas.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
Pontos-Chaves Anotações
de Aprendizagem
Justiça como valor;
1. Divulgação:
É preciso, antes de tudo,
que as pessoas entendam e
aceitem as Práticas e saibam
como procurá-las. Para isso, é
necessário manter sempre uma
divulgação ativa e pertinente sobre
o que é uma prática restaurativa,
mobilizando a comunidade a
se informar sobre as vantagens
destes procedimentos e como usá-
los, numa linguagem acessível e
clara. Também é preciso orientar
26 como e onde procurar maiores 27
esclarecimentos sobre o tema, caso necessário.
2.
2. Canais de Acesso:
Construindo um
São as portas de entrada,
a maneira pela qual aqueles
sistema restaurativo
que desejam solicitar uma
prática restaurativa o fazem.
Para isso, é necessário dar
respostas para algumas
perguntas: Quem eu devo
O Sistema Restaurativo é o conjunto de pré-
procurar? Onde eu devo
condições necessárias para que as Práticas Restaurativas
procurar? Quando eu devo
possam ser aplicadas em uma determinada realidade, na
procurar? O que precisa
comunidade, no sistema de justiça ou na escola. Como a
ser feito para que a Prática
atuação restaurativa se contrapõe à cultura de retribuição
ocorra?
e vingança muitas vezes presentes nas práticas sociais, é
importante prepararmos o contexto local para lidar com
o conflito e intervir nas situações de violência de forma
restaurativa.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
3. Local
Pré-determinado:
É muito importante
ter um local definido para
a realização das práticas
em todas as suas etapas
garantindo, ainda, que este
local esteja disponível nos
horários definidos para tal.
É muito importante que o
espaço seja um ambiente favorável ao diálogo, agradável,
do qual os participantes tenham uma imagem positiva e no 5. Envolvimento dos Poderes locais:
qual eles se sintam seguros, confortáveis e em condições Para que as Práticas sejam exitosas, é importante o
de igualdade. reconhecimento e consenso por parte da comunidade da
legitimidade de sua aplicação, o que deve começar pelos
4. Fa c i l i t a d o re s poderes locais. Para que as Práticas ocorram na escola,
preparados: por exemplo, é necessário o envolvimento da Direção/
28 Coordenação, para que os acordos feitos pela comunidade 29
Lidar com conflitos
não é fácil, muito mais em sejam respeitados, inclusive evitando a aplicação de uma
se tratando de violência e medida mais grave pelo diretor da escola. Se a prática será
ato infracional. Portanto, utilizada pelo Judiciário, é necessário que o Tribunal de
é imprescindível que as Justiça conheça, entenda e legitime esta utilização.
pessoas que se propunham
a facilitar as Práticas Em Terre des hommes compreendemos que cada
Restaurativas sejam, antes, um dos elementos acima elencados têm elementos outros
capacitadas para tal. Esta que lhe são fundantes (os sublinhados em cada um deles).
formação, além da instrução Tais elementos se constituem no que em nossa experiência
técnica, deve apoiá-los em falamos de ajudar a construir uma Cultura Restaurativa (ou
seu atuar num coletivo, estimulando-os a serem cuidadosos que comumente falamos de uma Cultura de Paz). Não faz
e acolhedores, de modo a oferecer apoio para o bem- sentido realizar as práticas restaurativas, isoladamente,
-estar de todos os envolvidos. A intervisão é recomendada se temos como objetivo ajudar um contexto institucional
durante o processo de implementação das práticas e ou comunitário ao seu empoderamento e autonomia na
implica o espaço de troca de experiências, estudos de caso gestão dos conflitos e a redução do fenômeno da violência.
e sistematização da prática, qualificando-a.
A sustentabilidade de um Projeto em Justiça Juvenil
Restaurativa se caracteriza pela apropriação de todos os
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
envolvidos quanto aos valores restaurativos, adotando outro não é por sua função ou papel que desempenha, mas
condutas coerentes para uma escuta empática, para criar sim por ser outro humano. Daí a necessidade de ajudar as
procedimentos justos de responsabilidade, para garantir o pessoas a compreenderem e vivenciarem a participação
respeito às diferenças, para evitar a violência institucional como direito humano.
contra crianças e adolescentes, para cuidar das vítimas,
para oportunizar espaços de participação e de avaliação da Esperança:
prática. O valor esperança é muito forte para que se
implemente práticas restaurativas em algum contexto
Vamos refletir melhor sobre uma cultura restaurativa comunitário ou institucional. Está relacionado à fé, à crença
(ou cultura de paz) partindo dos valores da Justiça daquelas pessoas de que se pode mudar uma situação, de
Restaurativa: que é possível fazer diferente e melhor, de que mesmo com
a adversidade e a violência vivida, é possível sim viverem
Direito à Participação: bem. É importante esclarecer que a esperança não se
Na prática, sabemos que não é fácil nos dispor a refere à religiosidade (embora isso possa também implicá-
estarmos juntos e dialogarmos sobre situações difíceis, la). Mas o que queremos compartilhar é que em nossa
por vezes dolorosas ou que simplesmente nossa opinião é experiência com práticas restaurativas, o acreditar na
divergente; e isto é causador de conflitos. Daí que, garantir mudança sempre foi um dos primeiros valores importantes
30 o direito à participação, é um valor fundamental e que para que as pessoas estivessem disponíveis a participarem 31
implica gerarmos sentimentos de confiança, de segurança de um círculo restaurativo ou uma mediação. E por outro
entre o/a facilitador(a) e os envolvidos. No caso de práticas lado, também tivemos muitas dificuldades (outras vezes
restaurativas em âmbito institucional, ajudar estas pessoas precisamos até recuar) quando se tornava muito forte a
a vivenciarem a escuta no verdadeiro sentido que esta desesperança que se manifestava em falas como “não tem
tem no diálogo: onde cada um pode expor suas opiniões e mais jeito”, “ não adianta”, “aqui só muda se explodisse essa
necessidades conseguindo ao mesmo tempo colocar-se no escola e começasse do zero”.
lugar do outro e compreender suas opiniões e necessidades.
Onde a tendência ao julgamento será cuidada para ser Vale portanto, como facilitadores e como instituições
substituída pela responsabilização e reparação manifestas que nos propusemos a vivenciar os valores da Justiça
através de condutas objetivas, possíveis de serem feitas e Restaurativa, nos apoiarmos no fortalecimento de nossa
consensuadas por todos. esperança na humanidade. De que estamos sim em
épocas muito difíceis em que manifestações de violência,
Se em uma instituição é comum que somente alguns assassinatos, drogas avassalam o cotidiano; mas que
falem, opinem, tomem as decisões; as práticas restaurativas temos por sua vez potenciais, competências manifestas em
causam estranhamento porque caracterizam-se pelo experiências concretas comunitárias, institucionais, locais
compartilhamento igualitário de poder, pela horizontalidade e internacionais que mudaram positivamente histórias
de conhecimentos, de direitos, pois o reconhecimento ao individuais e coletivas.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
Humildade: Interconexão:
Este valor implica também uma grande mudança É a compreensão de que aquilo que afeta um
de perspectiva de si em relação ao outro, pois refere-se ao indivíduo afeta, de uma maneira ou de outra, todo o grupo.
reconhecimento de que qualquer um de nós é incompleto, Um adolescente que cometeu ato infracional, por exemplo,
com necessidades, sentimentos e atitudes que impactam muitas vezes não tem a compreensão do tamanho da
a vida de outros e vice-versa. Humildade, interconexão consequencia que este ato gera tanto para ele, como para
são valores extremamente correlacionados entre si, e é as vítimas, familiares e um contexto comunitário. E isto
exatamente por isto que a vivência das práticas restaurativas se relaciona tanto ao sentido de responsabilidade (que
mobiliza uma mudança cultural, de hábitos, de postura veremos logo mais) quanto ao princípio da interconexão
inclusive no gerenciamento institucional, pois reconhece a nunca pensado. No enfoque restaurativo dá-se ênfase a
importância do outro em um coletivo e de que ouvi-lo e este entendimento de que todos estamos interconectados,
ajudá-lo a ressignificar seus atos é fundamental para que a interligados de alguma forma.
transformação pessoal e social vá se construindo.
O sentido de comunidade relaciona-se a isto. Tanto
Sem humildade, a tendência é recusar qualquer nas instituições quanto nas comunidades percebemos tão
posicionamento que não o próprio e qualquer leitura claramente como as ações de um dependem e impactam
do conflito que não a própria, negando o Encontro e nos resultados, vínculos e costumes das pessoas.
32 impossibilitando a construção coletiva das soluções. 33
Em Tdh, ao colaborarmos com processos de
implantação das práticas restaurativas trabalhamos, por
Empoderamento:
exemplo, com círculos de diálogos ajudando as pessoas
É reconhecer o próprio poder para lidar com o
a perceberem o quanto estão interconectadas e são,
conflito, desenvolvendo a autonomia. Pessoas que se
portanto, responsáveis em cuidar daquilo que ocorre em
sentem desempoderadas sempre aguardam que outros
seus contexto; e o quanto é necessário primar pela conexão
possam resolver seus problemas.
dos indivíduos, evitando a exclusão, para que se fortaleça
o sentido de unidade e homogeneidade do objetivo que se
Com as práticas restaurativas também se aprende
pretende alcançar que é o de uma convivência saudável.
a identificar este poder. Mas vale compreender que
empoderamento e participação estão interligados e, por
isso, oportunizar ou fortalecer no espaço institucional Respeito:
espaços de participação, onde as pessoas são mobilizadas Tão comum de ser ouvido, na prática, vemos que
e apoiadas a criarem, a reinventarem, a fazerem diferente, todos querem ser respeitados e às vezes a violência surge
a pensarem em soluções cria um ambiente fértil para a porque se tem como necessidade o respeito. Observar os
vivência das práticas restaurativas que, por sua vez, são vínculos comunitários, familiares e institucionais nos dá
experiências de criação, reinvenção de hábitos, de formas boas pistas de entendermos como este valor se concretiza
de relacionamentos e de lidar com os conflitos, assumindo no cotidiano das pessoas para que, então, possamos
responsabilidades por suas vidas. visualizar no que é necesário ajudar para a vivência de
práticas de resolução positiva de conflitos ou violências.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
Respeitar colocando-se no lugar do outro. Respeitar o que fizemos). É preciso ajudar as pessoas a conseguirem
esperando a vez do outro de falar e demonstrar que está afirmar “Eu fiz isso”. “Eu senti isso”, “Eu penso isso” como
compreendendo o que ela/ele diz. Respeitar porque isto algumas das afirmativas que precisamos nos reconectar
permite o cruzamento de olhar entre eles durante o diálogo conosco e com os outros para vivermos de maneira sincera.
acerca de uma situação difícil para os mesmos. Respeitar Experimentar o valor da honestidade é fundamental para
fazendo com que o outro perceba que não há acusação. se participar de uma prática restaurativa e posteriormente
Respeitar deixando o outro silenciar.... enfim, são diversas poder assumir acordos que sejam concretos e possíveis de
as formas de respeito e isto nós precisamos ajudar as serem cumpridos.
pessoas a (re)aprenderem.
Responsabilidade:
Honestidade: Com as práticas restaurativas incentiva-se
Ser sincero com os outros e consigo mesmo é constantemente que se assuma as consequências dos
essencial pra a convivência interpessoal. Assumir o que foi próprios atos, incluindo a importância de reparar os danos
feito, o que foi dito, mesmo que você tenha as justificativas provocados por eles. Por sua vez, a responsabilidade
para isto (e nós sempre encontramos as justificativas para integrada ao valor interconexão é que permite as pessoas
saírem do paradigma da culpabilização e punição, gerando
um sentido de coletivo, em que todos se responsabilizam
34 pela mudança, pelo bem estar individual e coletivo. 35
Voluntariedade para participar do processo. Isso necessidades e as possibilidades de satisfação sem uso da
porque os objetivos da prática restaurativa – a reconciliação violência, por exemplo, é objetivo das práticas restaurativas.
com o outro, a cura das feridas emocionais e a consequente
restauração das relações e dos sentimentos – não podem Reintegração à comunidade tanto dos que ao
ser impostos às pessoas, sendo, antes, processos internos praticar de um ato violento ou infração romperam suas
a cada um. Iniciar ou permanecer em uma prática tem relações comunitárias, quanto dos demais que, sentindo-
que ser uma escolha voluntária. Se o autor, por exemplo, se afetados pela violência, também estiveram fragilizados
não participar, sua responsabilização poderá ser de outra ou romperam com suas relações sociais. Sendo assim, as
forma (julgamento, no Sistema de Justiça, ou medidas pessoas que, voluntariamente, buscam participar de uma
disciplinares da escola) e aos que aceitarem a participação prática, devem fazê-la no sentido de acolher novamente
pode-se oferecer um atendimento ou outra prática de os demais no seio da convivência comunitária, evitando
cuidado a elas. a revitimização do receptor e a estigmatização do autor,
prevenindo-se assim sua exclusão e marginalização. Desta
Encontro de todas as pessoas (incluindo instituições) maneira, os vínculos sociais são reforçados, permitindo-se
direta ou indiretamente afetadas pelo fato ocorrido. Em uma convivência familiar e comunitária saudáveis.
uma prática restaurativa, o encontro é pedagógico e
seguro, permitindo que as pessoas se reconheçam, umas Para tanto, é preciso acreditar na Transformação
36 às outras, para juntas entenderem como se originou a das pessoas, elemento sem o qual qualquer tentativa de 37
violência e como cada um foi por ela afetado para, então, lidar com o conflito, por via das práticas, será frustrado.
também juntas, criarem formas de superá-la. Para tanto, Iniciar uma prática já descrente desta capacidade faz com
é importante no encontro superar os rótulos de vítima, que as pessoas ajam com desconfiança e pouca sinceridade.
ofensor e testemunha, conectando as pessoas. Experienciar práticas de resolução positiva das situações
de violência, acreditando no potencial de transformação
Reparação dos danos e Atendimento das das pessoas permite a articulação, a escuta de diferentes
necessidades de todos os afetados diz respeito à orientação opiniões e divergências, e com isso, a compreensão do
das atitudes das pessoas, àquilo para o que elas se voltam ponto de vista de cada um, e, por fim, o estabelecimento
quando participam de uma prática restaurativa. Todo das responsabilidades que lhes são pertinentes. Assim, se
aquele envolvido em uma violência tem uma necessidade oportuniza a construção coletiva de tomada de decisões para
própria que, se não atendida, pode levar a uma nova melhor solucionar o ocorrido, alcançando a transformação
situação de violência. Por exemplo, uma pessoa que tenha pessoal e coletiva, com a reflexão e revisão de valores,
sido roubada em sua rua pode expressar a necessidade de atitudes e papéis pessoais e institucionais na relação com
segurança, novamente, ao passo em que alguém que viu as pessoas e as comunidades.
o roubo acontecer pode sentir necessidade de justiça. O
autor do roubo, por sua vez, também tem uma necessidade Inclusão e Respeito à diversidade. Nas práticas
que o levou àquele comportamento. Identificar essas restaurativas, conforme já apontamos, é possível
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Nas escolas, é muito comum vermos e ouvirmos o Para implementar as práticas restaurativas é
sermão dado pelo diretor, o grito já exausto do/a professor/a, preciso: identificar onde é possível realizar as
algumas vezes acompanhados de uma medida disciplinar práticas restaurativas; instalar canais de acesso de
de suspensão, por exemplo, ao aluno. Quando refletimos fácil manuseio; capacitar facilitadores (incluindo
com diretores e professores sobre as Janelas da Disciplina adolescentes); inserir os poderes locais no processo;
social é muito comum ouvirmos dos mesmos o quanto divulgar de forma ativa e pertinente.
estão sendo mais controle do que apoio. Concordam que
para o aluno receber o sermão não lhe exige participação As pré-condições relacionam-se aos valores
44 ativa diante o comportamento indisciplinado que teve. da Justiça Restaurativa: direito à participação, 45
respeito, honestidade, humildade, interconexão,
Ao contrário, ser restaurativo nas escolas implica responsabilidade, empoderamento e esperança.
envolver os alunos por meio de perguntas que lhe façam
pensar sobre o ato cometido: (O que foi feito? Como foi Alguns elementos-chaves caracterizam as práticas
feito? Quando? Com quem?) e pedindo-lhes que ajudem restaurativas: Voluntariedade, Encontro, Reparação
a resolver o problema. Analisar em detalhes o próprio dos Danos, Atendimento das Necessidades,
comportamento e criar soluções para o problema que se Reintegração à Comunidade, Transformação das
causou pode ser muito difícil, sendo mais fácil ser punido, Pessoas, Inclusão e Respeito à Diversidade;
pois isto não lhes exige fazer algo.
Janelas da disciplina social: buscar o equilíbrio
Lembremos: entre o apoio e o controle é o ideal restaurativo.
A resposta restaurativa combina alto controle e alto Muito controle só garante punição, muito apoio é
apoio saindo de forma positiva da díade punitivo-permissiva. permissividade, a ausência dos dois é negligência.
Estabelece ordem, mas dá força e encorajamento ao outro
em sua capacidade. Ser restaurativo implica alto controle (limites,
regras, disciplinas) com alto apoio (afeto, cuidado,
encorajamento).
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Anotações
3. Entendendo
Conflito, Violência
e Ato infracional
Já vimos os principais objetivos e valores das
Práticas Restaurativas, bem como a sua origem, ligada ao
46 47
surgimento da Justiça Restaurativa e sua lógica de controle
e apoio fundados na teoria das Janelas da Disciplina
Social. Por sua vez, ao longo do capítulo 1, comumente
falamos de práticas restaurativas para trabalhar situações
de conflitos, violências e ato infracional. Por isso,
consideramos ser importante apresentar a você, leitor,
como compreendemos cada um destes conceitos que
representam um comportamento adotado e sobre os quais
as práticas restaurativas podem ser aplicadas.
• O comportamento: é a reação às
suposições, como por exemplo, a agressividade que surge
estratégias importantes para a promoção de uma cultura A Organização Mundial de Saúde define a violência
de paz, do diálogo, e prevenção à violência, ajudando as como: uso intencional da força ou do poder físico, de fato ou
pessoas a compreenderem as situações de conflito através como ameaça, contra si mesmo, outra pessoa ou a um grupo
do diálogo e do encontro. ou comunidade, que cause ou tenha muitas probabilidades
de causar lesões, morte, danos psicológicos, transtornos
Isto porque o conflito, embora não implique de desenvolvimento ou privações. Para a Convenção
automaticamente na violência, pode fazer com que ela Internacional dos Direitos das Crianças, por sua vez, a
ocorra, na medida em que a resposta ao conflito é uma violência é compreendida como: toda forma de prejuízo ou
atitude violenta, como por exemplo, uma adolescente abuso físico ou mental, descuido ou tratamento negligente,
lesiona fisicamente outra devido à briga por alguém de maus tratos ou exploração, incluído o abuso sexual (artigo 19,
interesse comum. Uma vítima de bullyng que agride o paragrafo 1).
colega da escola para não ser mais oprimido; ou ofende as
irmãs pela divisão do quarto. A violência, portanto, pode ser física, mas também
social ou psicológica. Há quem fale, ainda, na violência
estrutural, aquela que decorre da maneira como a
sociedade se estrutura – no caso do Brasil, por exemplo, as
violências decorrentes do modelo capitalista – e na violência
50 institucional, que é aquela praticada não por indivíduos, 51
Entendendo mas por instituições, estatais ou não.
ato infracional
por adolescentes que, por
sua gravidade, a própria lei Mas e as crianças, não são responsabilizadas?
aponta como reprovável. Não pelo Estado. O Estatuto compreende que, quando
uma criança (pessoa com menos de 12 anos) comete um
Sua definição pode ato, a intervenção do Estado causaria mais danos do que
ser encontrada no Estatuto benefícios, ficando a responsabilização por conta dos pais,
da Criança e do Adolescente, associada ao encaminhamento para uma das medidas
mais precisamente, no seu protetivas previstas no seu art.101: encaminhamento
art. 112, segundo o qual: para abrigo ou família substituta, para tratamento de
“Considera-se ato infracional drogadicção, etc.
a conduta descrita como
crime ou contravenção penal” No Brasil, os atos infracionais e suas consequências
52 quando praticada por são regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente 53
adolescente (pessoa maior e pela Lei Federal 12.594 de 2012, mais conhecida como
de 12 e menor de 18 anos). SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).
É esta última lei que coloca, como forma possível de lidar
Mas por que não com o ato infracional, as Práticas Restaurativas, uma vez
utilizar, para o adolescente, que um de seus princípios é a prioridade a práticas ou
o mesmo termo que se usa medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível,
para adultos? Justamente atendam às necessidades das vítimas.
pela condição especial de
desenvolvimento deste/a Vimos, portanto, que o conflito, se mal administrado,
adolescente o qual aprofundaremos mais a frente. Evita-se, pode levar à violência, e que algumas destas violências
assim, a carga simbólica agregada à palavra “crime”, que, podem ser classificadas como atos infracionais, e que nos
pela força da estigmatização, poderia prejudicar seriamente dois casos, as Práticas podem ser aplicadas.
a (re) socialização do adolescente autor de ato infracional.
No primeiro caso, o objetivo das Práticas é
Por esse mesmo motivo é que a lei prevê um sistema exatamente prevenir o surgimento da violência, facilitando
de responsabilização para os adolescentes diferente o entendimento entre os envolvidos, de forma que eles
do sistema penal utilizado com os adultos: o Sistema possam decidir o que cada um pode fazer para lidar com o
Socioeducativo, no qual o/a adolescente pode receber uma conflito de forma saudável. No último caso, o objetivo das
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Destas situações, qual revela apenas um conflito? E Entrou em vigor em 17 de abril de 2012 a Lei Federal
uma violência? E um ato infracional? nº 12.594 de 2012 que inclui pela primeira vez na
legislação brasileira, como princípio, a prioridade
1. Adolescente discute com o pai quanto ao horário de a práticas ou medidas que sejam restaurativas e,
voltar para casa, à noite; sempre que possível, atendam às necessidades das
vítimas.
2. Adolescente troca ofensas com o vizinho, também
adolescente, chamando-lhe de nomes ofensivos; As práticas restaurativas podem ser utilizadas em
dois níveis de intervenção: no âmbito da prevenção
3. Adolescente joga uma pedra em garota que recusou à violência (comunidades e seus equipamentos) e no
seu convite para passear. âmbito do sistema de justiça.
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Anotações
4. Práticas Restaurativas
envolvendo Crianças
e Adolescentes
Assim, legalmente instituído sabemos que um ao lembrarmos, por exemplo, de nossa adolescência não
bebê não pode exercer o direito de ir e vir. Uma criança nos lembramos de experiências que para nós, à época,
não pode, nem deve trabalhar. Um adolescente não pode pareciam eternas, onde os amigos por muitas vezes
ser responsabilizado da mesma forma que um adulto. A disseram coisas e/ou fizeram algo que pareciam ser mais
condição peculiar significa buscarmos entender em que coerentes com nossa vontade e desejo do que os de nossos
fase do desenvolvimento psicossexual, biológico, físico e pais. Quantas vezes não achamo-nos capazes de fazer
cognitivo esta criança e este adolescente se encontram. sozinhos, verdadeiros super-heróis e donos da verdade.
Identificar suas potencialidades e competências e quais as
oportunidades de seu contexto lhes permitem aprender Exatamente aí se manifesta esta peculiaridade e,
assertivamente as regras, os limites, conseguindo colocar- portanto, a necessidade de cuidado, proteção com controle
se no lugar do outro, e assumir algumas responsabilidades. e segurança, com diálogo e compreensão. Vivenciar as
práticas restaurativas no processo de responsabilização
Cada uma, criança ou adolescente, de acordo com sua de adolescentes implica exatamente fazê-lo em respeito
idade e necessidades necessita muito mais de acolhimento, a sua condição peculiar de desenvolvimento. Esquecer
segurança, de orientação sobre como decidir, de saber lidar que eles são sujeitos, é desrespeitá-los por tratá-los como
com as crises, com as raivas, com a impulsividade, com objetos e, lembrando as Janelas da Disciplina Social, tratá-
a ansiedade, com os desejos, com os medos que são tão los com permissividade. Esquecer sua condição peculiar
60 peculiares, por exemplo, na adolescência. E quem de nós de desenvolvimento, por outro lado, é tratá-los como 61
adultos, negligenciando o apoio que eles necessitam para
se desenvolver, agindo punitivamente, segundo a referida
ESCLARECENDO teoria.
Pontos-Chaves
O enfoque de proteção concretiza-se em ações de de Aprendizagem
prevenção à violência e reincidência do ato infracional. O
objetivo, aqui, além de garantir os direitos das crianças e Um projeto em Justiça juvenil restaurativa tem foco
dos adolescentes, é propiciar um espaço seguro para lidar na garantia de direitos de crianças e adolescentes,
com os conflitos e violências, onde todos possam se sentir à em suas necessidades (individuais, sociais,
vontade. Isto inclui o estabelecimento da Política de Proteção espirituais) em suas potencialidades e competências,
Institucional, um conjunto de regras e procedimentos que na construção do senso de responsabilidade e de
os agentes de uma instituição devem seguir para preservar relações éticas; para uma convivência familiar e
a segurança dos adolescentes, com fins de garantir que comunitária.
nenhuma criança ou adolescente seja vítima de qualquer tipo
de violência dentro do espaço institucional, assegurando Um enfoque psicossocial e de proteção perpassa
condutas, fluxos e procedimentos a serem tomados tanto uma prática institucional de construção de paz,
no dia a dia como em situações de irregularidades. em respeito ao desenvolvimento de crianças e
adolescentes em sua condição peculiar, oferecendo-
lhes espaço educativo, dialógico e protetivo.
64
FIQUE SABENDO Foca na capacidade de resiliências dos sujeitos e
65
comunidades.
Terre des hommes tem sistematizado, desde
2002, uma Política de Proteção Institucional que As práticas restaurativas consistem na construção de
é difundida em seus projetos e nas instituições um lugar seguro para que os envolvidos dialoguem
parceiras. Tal política prima em preservar o bem sobre o fato ocorrido e sintam-se confiantes em falar
estar da criança ou do adolescente e prevenir atos suas verdades, aquilo que discordam e construírem
de violência por parte de seus colaboradores sob estratégias que lhes ajudem a alcançar mudanças
todas as formas (negligência, violência sexual, física, positivas em suas vidas. Para isso é importante
psíquica, abandono); proporcionando às crianças e uma política de proteção com o fim de preservar o
adolescentes um ambiente seguro e acolhedor e aos bem estar da criança ou adolescente e prevenir atos
profissionais as orientações necessárias, com base de violência por parte de seus colaboradores ou de
em um código de conduta, para agir em defesa dos parceiros.
direitos infanto-juvenis.
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Anotações
66 5. Metodologia das 67
Práticas Restaurativas
Agora que conhecemos os conceitos fundamentais
das Práticas Restaurativas, incluindo sua origem no
movimento da Justiça Restaurativa, é hora de conhecer
as Práticas em si. A Organização das Nações Unidas, por
meio de um de seus Conselhos, também se preocupou
em definir o que são as práticas restaurativas: “quaisquer
processos onde vítima e ofensor, bem como demais outros
indivíduos ou membros da comunidade que foram afetados
pelo conflito em questão participam ativamente na resolução
das questões oriundas desse conflito, geralmente com ajuda de
um facilitador”. (Resolução 2002/12 do Conselho Econômico
e Social das Nações Unidas).
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Segundo a resolução da ONU, portanto, a mediação na mesma posição – um ao lado do outro -, tendo, cada
de conflitos e violências pode ser considerada uma prática um, a oportunidade de encontrar e olhar aos demais de
restaurativa, na medida em que promove contato entre frente. Associada à simbologia do círculo, que evoca os
ofensor e receptor para a resolução do fato ocorrido. Além sentimentos de unidade, interdependência e encontro,
dela, existem outras práticas, sobretudo os processos os processos circulares promovem a resolução positiva e
circulares de resolução de conflito e de atos violentos coletiva de conflitos e violências.
(Círculos de Paz e Círculos Restaurativos).
Existem duas metodologias de processos circulares
Tais práticas propõem metodologias distintas para diferentes que podem ser utilizadas pela Justiça Restaurativa
lidar com situações diversas, tendo em comum os sujeitos e que vem acontecendo no Brasil: os Círculos de Paz e os
que dela participam (autor, receptor, facilitador e, no caso Círculos Restaurativos. As duas são desenvolvidas por
das práticas circulares, a comunidade), bem como os um facilitador e cofacilitador capacitados nas respectivas
princípios e, sobretudo, o objetivo restaurativo: promover, metodologias. Além das partes diretamente envolvidas
em face de um conflito ou de uma situação de violência, participam também, dos Círculos, os convidados indicados
o encontro entre autor, receptor e comunidade para que, por autor e receptor (representando a comunidade),
juntos, esses sujeitos possam superar o ocorrido e planejar que atuarão como apoio para contribuir na resolução do
os passos do futuro. problema.
68 69
Antes do círculo em si existe um encontro
preparatório chamado Pré-Círculo, no qual cada pessoa
convidada para a prática restaurativa será ouvida sobre seu
interesse, disponibilidade e necessidade em participar do
círculo. Neste momento o facilitador também deve explicar
cada etapa do processo restaurativo, para que o participante
esteja ciente de cada momento e que se sinta sempre à
vontade e seguro para decidir sobre sua participação.
Circulares
do fato ocorrido e que esta solução, o cumprimento dos
acordos e as mudanças positivas que podem decorrer
dependem dos envolvidos. O facilitador não pode prometer
Os processos circulares são muito mais do que a ou assegurar o que não é do seu alcance.
organização de pessoas em círculos, constituindo-se em
metodologias de conexão profunda, respeitosa e igualitária Feita a preparação de todos os envolvidos, o próximo
entre seus participantes, uma vez que todos se encontram passo é o encontro propriamente dito – o Círculo - onde
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
as pessoas poderão ser ouvidas em suas necessidades e Preferencialmente sem fazer uso de mesa. Um
valores, reconhecendo-se como semelhantes, num espaço círculo dá ênfase à ideia de igualdade, horizontalidade
de diálogo e respeito. Ao final eles constroem um acordo, e conectividade. Isto possibilita que todos se vejam,
com compromissos firmados, responsáveis e prazo de assumam suas responsabilidades, frente a frente. Com
cumprimento de cada ação. O último passo do Círculo o círculo, não se tem a
é definir como será feito o monitoramento do acordo, sensação de divisão, de
chamado de Pós-Círculo. preferências, de tomada
de partido. A forma
O Pós-Círculo é a última etapa, uma espécie de circular cria o senso de
monitoramento na qual se identificam e avaliam os foco, de centrar-se naquilo
cumprimentos (ou descumprimentos do acordo) e se as a que nos reunimos.
necessidades colocadas por cada um durante o Círculo Estar em círculo aumenta
foram atendidas. a responsabilização,
porque a pessoa inteira,
em sua linguagem verbal
Círculos de Paz e corporal, está sempre
evidente para todos.
70 71
Os Círculos de Construção de Paz são um conjunto
de processos circulares inspirados nos costumes dos
Cerimônias:
povos tradicionais da América e da Nova Zelândia. Existem
Nos círculos de paz, fazemos uso de cerimônias
vários tipos de Círculos de Paz, cada um relacionado a um
de abertura e fechamento para marcar aquele lugar como
objetivo distinto (Círculo de Diálogo, Círculo de Apoio, etc),
sagrado, isto é, de respeito, de foco naquilo a que nos
inclusive o Círculo de Resolução de Conflitos, que como o
propusemos. As cerimônias delimitam o espaço do círculo,
próprio nome indica, media o encontro entre duas ou mais
retirando ou devolvendo as pessoas ao seu cotidiano,
pessoas para superar um conflito.
fazendo com que, nesse meio tempo, os participantes
estejam presentes com eles mesmos e com os demais
Segundo Kay Prannis, especialista norte americana
de maneira completa e verdadeira, diferente de outros
e instrutora de Círculos de Construção de Paz e Justiça
encontros.
Restaurativa, para o facilitador de círculos de paz, alguns
As cerimônias de abertura são um acolhimento
elementos são fundamentais para planejar o processo
que ajuda os participantes a centrarem-se naquilo a
circular e especialmente para criar o espaço para que
todos os participantes falem sua verdade sobre a situação
ocorrida de maneira respeitosa, buscando a resolução do
conflito, violência ou da dificuldade vivida. Tais elementos
são:
Disposição em Círculo:
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
que concordaram em participar, para evitar a distração, Isto porque elas não são impostas pelo facilitador, mas
reconhecer sua interconectividade, preparar-se para o construídas por consenso com todos os participantes. São,
encontro. É aqui também que se apresenta e explica a portanto, lembretes de qual nosso propósito no círculo,
chamada “peça de fala”. porque estamos reunidos e o que queremos: dialogar de
forma respeitosa, restaurarmos vínculos e construirmos
Cerimônia de fechamento é o momento de acordos que nos ajudem na mudança.
reconhecer e agradecer o esforço dos participantes por
todo o processo. Realça nossa interconectividade, dando Objeto da palavra:
ênfase ao sentido de esperança. Prepara os participantes Este é outro elemento fundamental: a peça do
ao retorno ao seu dia a dia, ao espaço de seu cotidiano, diálogo regulamenta a fala, pois o objeto é passado de
mas levando consigo a experiência, os valores conectados pessoa a pessoa que pode, tendo a peça em suas mãos,
e a aprendizagem construída durante o processo. ofertar sua fala, ofertar sua escuta ou oferecer seu silêncio.
O uso do objeto da fala permite a expressão completa das
Peça de Centro: emoções, uma reflexão atenciosa e um ritmo sem pressa.
Tem como objetivo criar um ponto de convergência Com o objeto da fala, mostra-se ao grupo que o poder de
comum entre as pessoas. Geralmente fica no chão, no expressão, de fala, de silêncio é dele. Reduz, com isso, o
centro do espaço aberto que se constitui quando as controle do facilitador, pois compartilha com todos os
72 pessoas estão sentadas. Em geral, a peça é feita de tecido participantes o controle do processo. 73
e nela se podem incluir objetos que representem valores
que ajudam a pessoas a conectarem-se com o melhor de Perguntas norteadoras:
si. Tais objetos podem ser ofertados pelo facilitador e se Neste círculo, utiliza-se de perguntas ou temas
procura relacioná-los com os aspectos positivos da cultura
e contexto do grupo a fim de conectar os participantes
com as forças e potencialidades deste contexto. Também
pode ser constituído por objetos que os participantes A peça de fala ou bastão de fala é um objeto
trazem e que foram já no pré-círculo, identificados junto que passa de pessoa para pessoa dando a volta no
com o facilitador, como capazes de criar a sintonia entre as círculo. Como é indicativo, quem está de posse do
pessoas. bastão tem a oportunidade de falar enquanto os
outros participantes têm a oportunidade de escutar
Valores e diretrizes: sem pensar numa resposta. Mas o detentor do bastão
Ou linhas guias. Constituem-se de orientações pode decidir oferecer um momento de silêncio ou
que o grupo constrói e assume durante todo o encontro passar o bastão sem falar. Não há obrigatoriedade de
para que o lugar se torne seguro para a expressão, para falar quando o bastão está nas mãos de alguém, mas
falar as verdades, para “tirar as máscaras”. Embora sejam só quem está com o bastão pode falar.
orientadoras, as linhas guias não são regras fixas e rígidas
(como estamos comumente acostumados a vivenciar).
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
Círculos Restaurativos
Círculos de Reintegração:
Geralmente usados para pessoas que estão excluídas
São encontros circulares em que autor/es , receptor/
e voltarão para as famílias e comunidades com fins de
es e a comunidade se unem como iguais para reparar os
promover reconciliação e aceitação. É feito um plano de
danos, restaurar dignidade, segurança, justiça e reintegração
ação em consenso entre autor/es, suas famílias e rede de
de todos na sociedade. É um espaço de compreensão
apoio: as perspectivas previstas, a visão de futuro e o que
mútua, autorresponsabilização e de acordos. São baseados
necessita ser feito daqui pra frente por todos os envolvidos
nos seguintes princípios com base na Comunicação Não
que assumem compromissos para efetivar a mudança.
Violenta:
São utilizados, por exemplo, com adolescentes que estão
• Quanto mais voluntário o processo mais
saindo de unidades de internação trabalhando este ritual
restaurativo é o resultado;
de passagem do processo de cumprimento da medida de
• Quanto mais consensual o acordo mais o
internação ao retorno ao convívio familiar e comunitário.
grau de autorresponsabilização;
• Quanto mais escuta empática, maior
Círculos de Celebração: circularidade e maior compreensão;
Por seu próprio nome é utilizado para celebrar:
• A crença nos seres humanos e em sua
aniversários, o cumprimento dos acordos; as vitórias
76 capacidade de mudança; 77
conseguidas, encontros estabelecidos; para grupos de
• A confiança no impacto transformador da
trabalho que querem comemorar algo etc.
empatia.
Há ainda outros como os Círculos de criação do
Algumas condições são importantes para serem
senso comunitário: em locais de trabalho, com pessoas
realizados os Círculos Restaurativos (CR):
que estão em relação contínua, para atingir um objetivo
comum. Os Círculos de Diálogo para criar um espaço
• Assumir a autoria do ato: “eu fiz isto”;
onde as pessoas vão conversar sobre um tema e não
• É necessário voluntariedade: todos desejam
necessariamente chegar a um consenso. É o exercício de
participar, aceitado o convite;
ouvir e ser ouvido, experienciando o diálogo respeitoso.
• Horizontalidade: não há nenhuma pessoa
Não requer preparação individual. Os valores e linhas-
com mais saber ou poder que outra. O respeito a cada um
guias são a base para estes tipos de círculos. Em Tdh esses
é igual independente da idade, da condição econômica,
círculos de diálogo e de criação do senso comunitário
formação, experiência etc. Isto também está relacionado
estão sendo muito importante para construir o sistema
ao facilitador que nos CR é uma pessoa da comunidade
restaurativo e ajudar-nos tanto internamente como junto
que apoiará aos membros a dialogarem, a identificarem
aos parceiros focarmos na implementação de um Projeto
suas necessidades e a dos outros, reconectarem entre si,
em Justiça Juvenil Restaurativa.
fazerem o acordo, porém não se coloca no papel de líder ou
de quem sabe mais;
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
• Foco no ato: é muito importante focalizar no outro saiba como você está agora em relação ao ato e suas
ato que gerou a demanda do CR (e acerca disto o facilitador consequências? O que você ouviu ele dizer? É isto?
vai apoiar os participantes) e não em situações outras que
não estão relacionadas com ele. • Autorresponsabilização: perguntas-chave do
facilitador: O que você estava buscando quando fez o que
Envolvendo a(s) vítima(s), autor (ou ofensores) e a fez? O que você ouviu ele dizer? É isto?
comunidade se unem como iguais para reparar os danos,
restaurar dignidade, segurança, justiça e reintegração de • Acordo: pergunta-chave do facilitador: O
todos na sociedade. Está organizado em três etapas pré- que vocês gostariam de ver acontecer agora? Propor que
círculo, círculo e pós-círculo cada um com uma dinâmica pensem em ações concretas e possíveis.
específica:
Pós-círculo: é um novo encontro
No pré-círculo: identifica-se o fato que será estabelecido ao final dos círculos,
levado ao círculo. É aqui também que se realiza envolvendo as partes. Tem como objetivo
com uma escuta empática a identificação das fazer o acompanhamento e a avaliação
necessidades e valores da pessoa com quem acerca das ações construídas no acordo
se está dialogando. Em seguida explica-se o e confirmar se as necessidades foram
78 processo (etapa da informação), a aceitação em participar atendidas. Com o acordo cumprido 79
(consentimento) e a identificação de quem deve participar faz-se a celebração, mas se não, faz-se um novo acordo
para ajudar. retomando as necessidades não atendidas.
5.2
Para esta etapa há algumas perguntas-chaves que
orientam o facilitador. Ex: “o que foi feito ou dito que você Mediação
quer levar para o círculo?”; “Eu creio que estou ouvindo
você dizer que….” (e põe uma necessidade que crer estar
A mediação é um processo em que os participantes
relacionada ao que o outro falou) (para o momento da
(autor e receptor) têm a possibilidade de repensar os seus
escuta empática); Quem precisa participar do círculo para
conflitos e buscar opções para os seus problemas através
mudar esta situação? Consentimento. Você quer ir adiante?
do diálogo, facilitado pelo apoio de um terceiro chamado
de mediador. É um fazer prático, cotidiano que se aprimora
No círculo restaurativo: O CR é constituído
no dia a dia do mediador, a quem não devem faltar: ouvidos
por três momentos:
atentos para a escuta, criatividade para animar os diálogos
• Compreensão mútua: pessoa “A” fala
e, sobretudo, sensibilidade para compreender os conflitos.
para a pessoa “B” que fala para a pessoa “A”
dizendo o que compreendeu de “A” que, por
Assim como as outras práticas restaurativas aqui
sua vez, confirma (ou não). Perguntas-chaves
especificadas, na mediação gerar confiança é um dos
feitas pelo facilitador: O que você quer que o
elementos fundamentais e, para isso, o mediador escuta
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
a situação conflituosa que está sendo trazida por uma das Isto possibilita que as pessoas vão construindo
partes, identificando seus interesses para a medição. É outra perspectiva acerca do que foi vivido, transformando
também o momento que explica o processo, assegura a uma visão negativa em uma visão cooperativa. Esta
confidencialidade com o sigilo dos diálogos; esclarece sobre transformação vai se fortalecendo exatamente na realização
os limites da mediação e do mediador e informa sobre as da segunda etapa que é o desenvolvimento da mediação
implicações dos acordos quando eles são elaborados. Isto propriamente dita cabendo ao mediador escutar ativamente
constitui a primeira etapa da mediação: pré-mediação. os relatos, identificar as posições e os interesses dos
envolvidos, instigar as partes para a compreensão dos seus
Durante todo o processo (desde a pré-mediação), o próprios conflitos e, em seguida, a busca para as soluções
mediador faz uso de uma escuta ativa, a fim de identificar o para suas demandas.
ponto de vista de cada um, seus interesses e a posição que
cada um está assumindo diante o conflito. Outro aspecto Aqui se pode propor uma chuva de ideias, onde
importante é que na mediação usa-se das chamadas o mediador pode sugerir aos envolvidos que construam,
perguntas circulares em que o mediador deve fazer conjuntamente, possíveis meios para a resolução do
perguntas que ajudem as pessoas a olharem o conflito conflito. Após, o mediador deve ajudá-los a selecionarem
de outra forma e numa perspectiva de futuro. O objetivo as soluções que possam ser realizadas que lhes garanta
aqui é ajudar a pessoa a deslocar-se de sua visão unilateral a boa convivência. Isto é fundamental para se fazer um
80 do conflito, abrindo a possibilidade de conceber novas acordo que venha a ser cumprido. 81
perspectivas.
A conclusão da mediação se dá pelo preenchimento
de formulário do acordo, assinado pelas partes envolvidas e
Exemplos de Perguntas Circulares pelo mediador. Tal acordo deve estar escrito de forma clara
e objetiva, com palavras de fácil compreensão e descrição
Como você se sentiria se estivesse no lugar do outro? dos compromissos, a fim de não deixar dúvidas quanto à
responsabilidade das partes.
O que você acredita que seus familiares irão dizer
sobre o que aconteceu? É muito importante lembrar que nem todos os
Como foi sua relação com ele/a no passado? conflitos são mediáveis: não podemos compreender as
práticas restaurativas como “salvação”. Algumas pessoas
Como você gostaria de se relacionar com ele/a no podem não aceitar convite. Pode ser que a posição entre as
futuro? partes dificulte alguns princípios básicos como a igualdade
e equidade. Exemplo: vítimas de violência sexual estão
Como você chegou a essa conclusão?
muito fragilizadas e muitas vezes em situação de extrema
Poderia me esclarecer? vulnerabilidade diante o autor, dificultando com isso o
diálogo, a restauração.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa
Anotações
SAIBA MAIS
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei federal 8.069/90.
Sites:
www.tdhbrasil.org
www.justica21.org.br
Terre de hommes Lausanne no Brasil
www.tdhbrasil.org
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