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Prevenindo a violência e promovendo a

Justiça Juvenil Restaurativa

Justiça Juvenil Restaurativa


e Práticas de Resolução
Positiva de Conflitos
Justiça Juvenil Restaurativa e
Práticas de Resolução Positiva
de Conflitos

Fortaleza, Ceará

Terre des hommes Lausanne no Brasil

2013
Ficha Técnica Prezado/a leitor (a),
Você está conhecendo um material conceitual e
P944p Prevenindo a violência e promovendo a justiça juvenil prático referente ao paradigma da Justiça Restaurativa
restaurativa: justiça juvenil restaurativa e práticas de
resolução positiva de conflitos. - Fortaleza: Terre des
no trabalho desenvolvido junto a crianças, adolescentes
hommes, 2013. 84p. : il. e famílias tanto em âmbito preventivo às situações de
violência e ato infracional (no contexto de escolas e
ISBN: 978-85-66899-00-9 comunidades), como em casos de práticas desenvolvidas
1. Violência, Prevenção. 2. Conflitos, Resolução. 3. Justiça no sistema de justiça juvenil.
Juvenil Restaurativa.
CDD 303.62 Construído a várias mãos e passos de uma equipe
multidisciplinar, o material ora apresentado é uma iniciativa
e desenvolvimento do Programa Regional em Justiça
Terre des hommes Lausanne no Brasil Juvenil Restaurativa da Terre des hommes Lausanne no
Iniciativa e desenvolvimento do Projeto Brasil (Tdh), uma organização não governamental membro
Anselmo de Lima Diretor de Tdh da Fondation Terre des hommes Lausanne- Suíça, que atua há
mais de 30 anos em 33 países com projetos de promoção
Equipe Técnica do Projeto Elaboração dos direitos infanto-juvenis. Na América Latina, Tdh atua
Lastênia Soares Coordenadora psicossocial de Tdh em prol da pacificação de conflitos e redução do fenômeno
da violência e delitos envolvendo crianças e adolescentes,
Renato Pedrosa Secretário Executivo promovendo uma justiça focada na responsabilização e
reparação dos atos danosos e restauração dos vínculos.
Isabel Sousa Assessora técnica em justiça juvenil
Carlos Neto Assessor de formação Constituído por três guias, Prevenindo a violência e
disseminando a Justiça Juvenil Restaurativa, foi idealizado
Antônia Lima Colaboração
Promotora de Justiça da Infância e Juventude e Coordenadora do
com o intuito de trocar experiências e conhecimentos
Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério que Terre des hommes vem semeando com uma prática
Público do Estado do Ceará - CAOPIJ institucional de centralidade às vítimas de violência em suas
necessidades e restauração, proteção e responsabilização
Victor Herrero Escrich Revisão conceitual
Consultor temático em Justiça Juvenil para os Projetos de Terre des
aos autores de atos de violência e o empoderamento
hommes na América Latina comunitário para prevenção e promoção de um contexto
de paz.
Dedê Paiva Ilustrações e Projeto Gráfico
O guia 1 apresenta aspectos conceituais e
orientações básicas referentes ao paradigma restaurativo
Terre des hommes Lausanne no Brasil. É permitida a reprodução total ou
parcial dos textos desta publicação, desde que citada a fonte.
em justiça juvenil e práticas de resolução positiva de
conflitos e violências. Compilado pela experiência de Tdh com a prática constituída por articulações institucionais,
com processos formativos a atores do sistema de garantia o trabalho realizado junto às comunidades e sistema de
de direitos e práticas restaurativas junto a crianças, justiça juvenil e especialmente com a escuta, diálogos e
adolescentes e famílias, aborda fundamentos teóricos acordos estabelecidos durante a vivência de processos de
e práticos que com estas experiências foram sendo círculos e mediação de conflitos com vítimas, adolescentes,
construídos com foco nos aspectos metodológicos dos familiares e representantes comunitários.
chamados processos circulares de resolução de conflitos e
mediação. Quando abordamos sobre a Justiça Juvenil
Restaurativa e as práticas restaurativas e de mediação de
O Guia 2 destinado a profissionais, alunos, famílias e conflitos, intentamos a todo momento falar de um lugar que
comunidades, aborda um passo a passo de implementação Terre des hommes está vivenciando, na humildade de que
de práticas restaurativas no contexto escolar. Com base estamos sempre aprendendo. Portanto, ressalta-se, aqui
na experiência do trabalho em escolas, este guia orienta compartilhamos nossa aprendizagem conceitual e prática,
em lições aprendidas os alcances e desafios de disseminar não finalizada, sujeita a ajustes e mudanças, coerentes ao
uma cultura de paz no contexto escolar, com a construção processo de aprender.
de um contexto restaurativo que ressignifique o cotidiano
vivido através de práticas restaurativas e de mediação Por isso, decidimos que a utilização dos guias
de conflitos, procedimentos de prevenção e proteção às está vinculada aos processos formativos realizados pelo
situações de violência contra crianças e adolescentes, com Programa Regional em Justiça Juvenil Restaurativa de Terre
fins de pacificar as relações e vivenciar um processo de des hommes, pois não se pretende que seu uso se dê apenas
ensino e aprendizagem saudável. como fonte de leitura, estudo ou pesquisa, mas como
recurso para troca de experiência, saberes e construção de
O Guia 3 é orientado aos profissionais do sistema novas estratégias e caminhos para a redução de fenômenos
de justiça juvenil pautando sobre a implantação de práticas de violência envolvendo crianças e adolescentes. Estamos
restaurativas no atendimento aos adolescentes a quem seguros de que os processos formativos são meios para
se atribui autoria de ato infracional e/ou que já estejam esta construção.
em execução das medidas socioeducativas, orientando
quanto ao processo de implantação com fluxo definido Ensejamos que o que você construir de conhecimento
para a realização das práticas restaurativas e vivência do e experiências a partir das informações obtidas nas
paradigma restaurativo. formações seja propulsor de um novo olhar, condutas e
metodologias semeadoras da justiça e pacificação social. E
Sem pretensão de esgotar-se em si, Tdh compreende lhe convidamos a compartilhar conosco a prática construída
os guias com o que denomina de capitalização de a partir destes aprendizados.
experiências, ou seja, como compartilhamento de conceitos
estudados, intercambiados com os demais projetos e Anselmo de Lima
parceiros do Brasil e América Latina, e as lições aprendidas Diretor da Terre des hommes Lausanne no Brasil
Sumário
Justiça é algo muito legal. É quando nós Introdução 08
temos o que merecemos. Sempre sonhei em 1. Pra começo de conversa...
uma sociedade justa onde todo mundo pode ter O que é Prática Restaurativa? 13
onde morar, o que comer, o que vestir e quem
Quem são os participantes
dê carinho. Com a justiça existindo, não existiria de uma Prática Restaurativa? 15
tanta violência e eu não estaria aqui.
De onde vêm as práticas restaurativas?
17
Marcos, 17 anos,
Em que contexto elas foram criadas?
1.1 Justiça Juvenil Restaurativa 19
adolescente que participou do
Projeto Vozes: o que pensam os 2. Construindo um sistema restaurativo 24
Janelas da Disciplina Social 37
adolescentes sobre os
atos infracionais e as
medidas socioeducativas. 3. Entendendo Conflito, Violência
Terre des hommes Brasil, e Ato infracional 45
Entendendo o conceito de conflito 46
2012.

Entendendo o conceito de violência 48


Entendendo o conceito de ato infracional 50
4. Práticas Restaurativas envolvendo
Crianças e Adolescentes 55
Sujeitos em Condição Peculiar
de Desenvolvimento 56
Enfoque Psicossocial e de Proteção 60
5. Metodologias das Práticas Restaurativas 65
5.1 Processos Circulares 66
Círculos de Paz 68
Círculos Restaurativos 75
5.2 Mediação 77
5.3 O(a) Facilitador(a) 80
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Também aí experiências escolares com processos de


mediação de conflitos são reconhecidos como respostas
assertivas.

Tendo embasamento conceitual no paradigma


da Justiça Restaurativa, a implantação das chamadas
práticas restaurativas exige-nos disponibilidade à
revisão da prática profissional e institucional. Na Justiça
Restaurativa se reconhece que o que é central são as
dimensões interpessoais. As ofensas (violências ou
dano) são compreendidas como danos pessoais e como
relacionamentos interpessoais. Portanto, os vínculos são
a centralidade de ações técnicas e institucionais e cuidar
dessas relações são princípios básicos de uma justiça que
restaura, pois foca na responsabilização, na reparação e na
restauração dos vínculos.

10 Em 2010, Terre des hommes iniciou um Projeto de 11


Justiça Juvenil Restaurativa em São José de Ribamar
(Maranhão). Das boas práticas e lições aprendidas com

Introdução
os acertos e erros, vem construindo um diálogo constante
tanto interno como junto ao público atendido e parceiros
acerca do paradigma restaurativo e a compreensão que se
tem sobre Justiça e práticas que sejam restaurativas. Ao
O advento da lei federal 12.594 de 2012, também lançar-se ao desafio de implementar um Programa Regional
conhecida como Lei do SINASE, colocou a temática das em Justiça Juvenil Restaurativa articulado em cinco regiões
Práticas Restaurativas, medidas restaurativas ou meios do Norte e Nordeste do país, identificou-se a necessidade
de autocomposição de conflitos; como pauta das políticas por parte de atores do sistema de garantia de direitos,
públicas brasileiras, sobretudo daquelas que dizem respeito incluindo os próprios jovens, famílias e comunidades em
ao atendimento ao adolescente em conflito com a lei. Por melhor compreender as bases conceituais e o como fazer
sua vez, o contexto muitas vezes marcado por conflitos para implementar práticas restaurativas.
violentos, fenômenos de gangues, bulling revelam um
dos grandes desafios da prática educativa da maioria das Algumas perguntas comumente ouvidas instigaram
escolas: o de construir coletivamente respostas positivas a realização de processos formativos na temática e que
para reduzir as expressões de violência, constituindo-se foram alicerçando a construção deste material: O que é
como um lugar seguro de convivência e aprendizagem. Justiça Restaurativa? O que são práticas restaurativas?
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Justiça Restaurativa e Práticas restaurativas são sinônimas? Como mecanismos de resolução positiva de
De onde elas vêm? Para que elas servem? Como podem conflitos, as Práticas Restaurativas podem ser utilizadas em
ser utilizadas? São exemplos de algumas perguntas vários espaços institucionais e comunitários e entre todos
sistematizadas em eventos formativos realizados, como o I os indivíduos. Por acreditar nesta possibilidade é que se
Congresso Latino-americano de Justiça Juvenil Restaurativa teve formalizada a parceria entre Tdh e Ministério Público
em Lima-Peru (2009); o I Seminário Brasileiro de Justiça do Ceará com práticas restaurativas implantadas em um
Juvenil Restaurativa em São Luis-MA (2010); o I Seminário dos bairros mais marcados pela violência infanto-juvenil e
Norte e Nordeste em Justiça Juvenil Restaurativa, Mediação ato infracional. Com fins de contribuir com a prevenção e
e Cultura de Paz em Fortaleza-Ce (2011); Encontro de Boas redução do fenômeno da violência, tais práticas vem sendo
Práticas de Prevenção à Violência e Promoção da Justiça realizadas em um dos Núcleo de Mediação Comunitária do
Juvenil Restaurativa em São Luis-Ma (2011) e o III Simpósio Programa de Mediação do Ministério Público e em escolas.
Internacional em Justiça Restaurativa em Belém-PA (2012).
Neste guia, apontamos as práticas restaurativas
Aliada a estes grandes encontros, tem sido como possibilidades, práticas metodológicas que devem
substancial a realização dos Cafés Restaurativos ocorridos estar integradas a outras ações tais como formações,
bimestralmente em Fortaleza-CE, reunindo atores do sistema espaços de diálogo e revisão da prática institucional,
de justiça juvenil, adolescentes e outros profissionais em procedimentos institucionais de prevenção e proteção
12 um café da manhã regado pelo estudo e diálogo sobre a contra a violência institucional a crianças e adolescentes, 13
temática. códigos de conduta e regimes internos que orientam o
procedimento profissional com um fluxo claro, objetivo
Com a realização destes encontros, foi-se e concreto de como as práticas restaurativas devem ser
sistematizando diretrizes e aportes conceituais junto aos realizadas. Aliadas a isso, há o espaço de participação e
atores do sistema de garantia de direitos na tentativa de empoderamento de crianças, adolescentes e famílias, de
auxiliar na resposta dos questionamentos suscitados pelo construção da autonomia comunitária, enfim, de alicerces
tema, e também de divulgar e fortalecer o instituto das para que estes sujeitos sejam por si protagonistas de suas
práticas restaurativas. histórias, das decisões de suas vidas.

Sendo uma experiência em construção em nosso Por isso, abordamos aqui sobre conceitos básicos
país e no mundo, a Justiça Juvenil Restaurativa aborda como conflito, violência e ato infracional definindo-os com
princípios que orientam a uma nova conduta para lidar com base na Convenção Internacional pelos Direitos das Crianças
as situações de conflitos e violência não sob o paradigma e no enfoque psicossocial que embasa nosso trabalho. Alia-
do enfrentamento e da disputa, mas do encontro e do se a compreensão de criança e de adolescente como sujeitos
entendimento mútuo; não da culpabilização, mas da de direitos e em condição especial de desenvolvimento com
responsabilização; não da exclusão, mas da restauração, uma prática metodológica de focar sobre as competências
fugindo dos estigmas que imobilizam e buscando acordos e potencialidades de crianças, adolescentes, famílias,
que os libertem.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

comunidades e em mudarem positivamente, em tornarem-


se autônomas, incidindo politicamente em defesa de seus
direitos.

1. Pra começo de conversa…


Outros conceitos foram sendo agregados como
fundamentais para a construção de nossa prática na
prevenção à violência e promoção da Justiça Juvenil

O que é
Restaurativa, a exemplo da Janela da Disciplina Social
de Paul McCold e Ted Wachtel, do Instituto Americano

Prática Restaurativa?
de Práticas Restaurativas. Ao final, sistematizamos em
fichas técnicas alguns exemplos de práticas restaurativas
utilizadas em nosso Projeto.

Reiteramos que aqui não se encerra o conhecimento.


Integramo-nos a um caminho de tantas outras experiências
Práticas Restaurativas é o nome que se dá a um
positivas em nosso país e nesse mundo. Fica então o
conjunto de metodologias de resolução positiva1 de
convite, para que você se junte a esta caminhada rumo a
14 situações de conflitos, violências e atos infracionais (estes 15
uma cultura mais pacífica e a um mundo mais acolhedor.
também compreendidos como violência).2 Têm como
Boa caminhada!
objetivo central a restauração. Ao lidar com os conflitos
e violências, através das Práticas Restaurativas, não se
intenta estabelecer culpados ou punições, mas oportunizar-
Antônia Lima
lhes o entendimento sobre as motivações e necessidades
Promotora de Justiça da Infância e Juventude
que geraram os conflitos e atos violentos ou infracionais,
Coordenadora do CAOPIJ-CE
restaurar as relações entre as pessoas neles envolvidas,
seus sentimentos consigo mesma e, inclusive, reparar seu
patrimônio, promovendo a segurança humana.3

1
No decorrer desse material, as expressões «Práticas Restaurativas»
e «Práticas de Resolução Positiva de Conflitos» serão tratadas como
sinônimas.

2
No Capítulo 3 será apresentada nossa compreensão sobre os conceitos
de conflitos, violência e ato infracional e como em nosso prática o
diferenciamos e trabalhamos através das práticas restaurativas.

3
Conceito que vem sendo estudado e afirmado como orientação para
políticas públicas por universidades e agências de direitos humanos.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

As Práticas Restaurativas oportunizam espaços Quem são os participantes


de uma Prática Restaurativa?
de diálogo e tanto podem ter uma aplicação preventiva
(visando evitar atos violentos ajuda, orientando, quanto à
gestão de um conflito) quanto a uma aplicação reparadora,
responsabilizadora e reintegrativa (posterior a um ato de O ideal é que todas as pessoas envolvidas em um
violência). Para ambos, é elaborado um acordo contendo conflito ou violência participem da Prática Restaurativa.
as ações e atitudes que as pessoas passarão a tomar Primeiro porque se estão envolvidas, de alguma forma
para lidar com o ocorrido de forma positiva, para assumir elas foram afetadas portanto, todas precisam, em um
compromissos que evitem o surgimento de novos danos e ponto ou outro, falar e serem ouvidas para a promoção
favoreçam a reintegração comunitária. da restauração, empoderamento e autonomia para gestar
de forma positiva os conflitos. Nas práticas restaurativas,
Por isso, podem ser usadas em diversos espaços: geralmente referimo-nos aos envolvidos como:
entre companheiros de trabalho, na família, entre vizinhos,
em uma comunidade, com estudantes e professores de Autore(s)
uma escola ou em caso de atos infracionais, entre autor e São aqueles que praticam as ações ou adotam
vítima, em qualquer fase da apuração da responsabilidade. atitudes que geram um conflito ou violência. Muitas
vezes o autor não compreende que provocou o conflito,
16 tampouco entende as consequências e/ou impacto de 17
suas atitudes para os demais quando, por exemplo, atua
de forma violenta. Nesse sentido, as Práticas Restaurativas
tanto oferecem ao autor a oportunidade de compreender as
razões e consequências de suas atitudes, além de permitir
que ele repare os possíveis danos provocados, em um
processo de reflexão e responsabilização que ele próprio
ajuda a construir.

Receptor(es)
São aqueles que, diretamente, sofreram as
consequências das ações feitas pelo autor. O termo “vítima”
deve ser evitado, porque a ele estão agregadas ideias de
passividade e submissão, ao passo em que, nas Práticas
Restaurativas, o Receptor possui um papel fundamental
tanto no desabafar suas angústias e sofrimento provocados,
por exemplo, pela violência quanto no definir e apoiar as
responsabilidades do autor.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Comunidade possui um valor educativo, permitindo-lhe que, ao refletir,


São as pessoas que vivenciaram o conflito por vezes ouvindo sobre as consequências de seus atos, aprenda
gerado pela situação de violência ou ato infracional, sem com os próprios erros e mude seu comportamento.
estar no papel do autor ou do receptor. Também podem ser
chamados de receptores indiretos, porque também sofrem Existe ainda, nas práticas, um participante que ajuda
com o conflito ou violência, tendo interesse próprio na sua aos demais vivenciarem o diálogo com base em valores
resolução. fundamentais como respeito, empatia, humildade, entre
outros que darão subsídios para a reparação e restauração
expressos em acordos estabelecidos. É o facilitador das

ATENÇÃO
práticas restaurativas, que pode ser qualquer pessoa,
inclusive adolescentes, que precisa estar capacitado na
metodologia das práticas restaurativas, conhecer a cultura
Apesar de ser importante para entender como do lugar onde aplicará as práticas, além de manter uma
funciona uma prática, os títulos “autor”, “receptor” e postura imparcial e respeitosa em relação aos demais
“comunidade” NÃO devem ser utilizados durante as participantes, em todas as fases do processo restaurativo.
práticas restaurativas. Deve-se chamar as pessoas
pelos nomes para evitar a estigmatização dos Nas Práticas Restaurativas também pode ter a
18 participantes da prática, o que prejudicaria muito o presença de um Cofacilitador que, por conhecer o processo, 19
diálogo entre eles. apoia o facilitador na sua função, caso seja necessário.

Não se pode esquecer que todos os


participantes da Prática fazem parte de um coletivo,
De onde vêm as práticas restaurativas?
de uma comunidade, e com as práticas restaurativas
pretende-se que estas pessoas (re)aprendam
a conviver bem, superando os rótulos como Em que contexto elas foram criadas?
“bagunceiro”, “coitadinho”, “infrator”; sendo sujeitos
de pacificação social.
As Práticas Restaurativas são ferramentas
metodológicas utilizadas inicialmente para responsabilizar
os adolescentes acusados de praticar um ato infracional,
Nas Práticas Restaurativas não existe um ator
com fins de ajudar-lhes a compreender o dano causado e a
principal, no qual todas as atenções estão voltadas. Os
repará-lo de acordo com suas possibilidades. Por sua vez,
participantes de uma Prática Restaurativa possuem um
tendo os receptores (vítimas) uma centralidade para este
papel importante e, inclusive, complementar: o desabafo
objetivo, sendo ouvidas e entendidas em suas necessidades
do Receptor, por exemplo, ao mesmo tempo em que para
e nos impactos que o dano lhe causou para sua restauração.
ele possui um efeito de segurança e bem estar, para o Autor
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Tal processo de responsabilização e restauração é


conhecido como Justiça Juvenil Restaurativa. Embora aqui 1.1
Justiça Juvenil
não se intente a compreensão de todos os detalhes do
funcionamento da Justiça Juvenil Restaurativa, entender
Restaurativa
um pouco de sua história e de seus princípios é muito útil
para entendermos e aplicarmos as Práticas; além de ajudar- A Justiça Restaurativa tem origem na década de
nos a compreender porque, para além do sistema de justiça 1970, em países como os Estados Unidos, o Canadá e a
juvenil, hoje tais ferramentas são utilizadas para prevenção Nova Zelândia, diante da necessidade de se dar uma
à violência e evitar a judicialização de casos que podem resposta mais efetiva para os atos ilícitos (contra a lei)
ser resolvidos nos espaços comunitários de instituições realizados por adolescentes. Para tanto, esses países foram
educativas. buscar inspiração na forma como seus povos tradicionais
responsabilizavam seus membros, segundo a qual toda a
comunidade – não apenas uma pessoa com papel de juiz –
se reunia em círculos, para discutir os impactos que cada
um sofria em decorrência da violência praticada por um de
seus membros contra outro(s).
20 21
Iniciou-se, então, a construção da Justiça Restaurativa
como um modelo que valoriza a autonomia da comunidade
e o diálogo entre os envolvidos em um conflito, criando
oportunidades para que as pessoas possam conversar,
identificar suas necessidades e pensar, para cada um, ações
capazes de atendê-las.

Este modelo de Justiça é marcado por algumas


características principais, das quais destacamos a relevância
em relação às práticas restaurativas:

O foco nas pessoas: a preocupação da Justiça


Restaurativa, mais do que com a lei, é com as pessoas.
Segundo este enfoque, a violência não fere só a lei, mas
as pessoas – em seu sentimento de segurança e na sua
dignidade - e as relações entre elas. Isto é alcançado
por meio de atos que restauram o equilíbrio rompido ou
fragilizado em virtude da violência, sendo adotados não só
por quem a praticou (o autor), mas também por aqueles
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

que, de alguma forma, sofreram com ela (receptores). Nesse Restaurativa, por meio de suas práticas, pode contribuir
sentido, fazer justiça implica em oferecer um contexto no com a PREVENÇÃO desses fenômenos, lidando com os
qual seja possível o encontro entre autores e receptores conflitos antes que eles explodam em violência. Quando
com o objetivo de promover um processo de diálogo, utilizadas desta maneira, as Práticas Restaurativas podem
de reflexão, de construção de ações para contrabalançar ser aplicadas no âmbito comunitário, acontecendo em
os males ocasionados pela violência ou infração com espaços como o Conselho Tutelar, Núcleos de Mediação
responsabilidades. Comunitária, Escolas, Associações Comunitárias, nos
espaços em que elas se organizam; empoderando-as para
O objetivo restaurativo: Por conta disso, a questão manejar positivamente com seus conflitos, distribuindo
maior da Justiça Restaurativa não é o que fazer com o responsabilidades e fazendo Justiça.
autor da violência, e sim lançar-se à pergunta: “O que fazer
para restaurar os vínculos e reparar o dano, atendendo É importante destacar, entretanto, que nem a Justiça
as necessidades das pessoas feridas pela violência, e Restaurativa nem as Práticas que a concretizam podem ser
as relações entre autor e receptor rompidas por esta aplicadas sem a observância de algumas pré-condições
violência?” importantes sobre as quais falaremos no próximo capítulo,
que se trata de construir um Sistema Restaurativo.
Apoio ao receptor: No lugar de mero objeto da
22 responsabilização do autor, como testemunha que fornece 23
dados para sua condenação; passa a ser sujeito que tem Por seus resultados positivos de
que ser cuidado nas suas necessidades e que também responsabilização e não criminalização, a aplicação da
participa, ativamente, da construção do acordo que visa Justiça Restaurativa é recomendada pela Organização
lidar com o fato ocorrido, superando-o e ajudando o autor a das Nações Unidas (ONU) a todos os países, referindo-
responsabilizar-se pelo seu ato e não reincidir na violência se aos processos restaurativos, compreendidos como
ou infração; qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e
quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou
Apoio ao autor: Também o autor deixa de ser membros da comunidade afetados por um crime,
objeto da responsabilização, de quem se decide o destino, participem ativamente na resolução das questões
para ser sujeito deste processo, sugerindo as ações que oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um
pode desenvolver para reparar o dano causado à vítima, facilitador.
mas também colocando suas necessidades em relação ao
cumprimento dessas ações. No Brasil, a lei 12.594/2012 que institui o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
Embora tenha surgido para lidar com a regulamenta quanto à excepcionalidade da intervenção
responsabilização dos adolescentes autores de violência, judicial e prioridade às práticas ou medidas que sejam
ou seja, para dar uma resposta à violência DEPOIS que restaurativas e, sempre que possível, atendam às
ela ocorre, na forma de um Ato Infracional, a Justiça necessidades das vítimas.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Pontos-Chaves Anotações
de Aprendizagem
Justiça como valor;

O Objetivo da Justiça Restaurativa é a restauração


e reparação de danos: o que podemos fazer para
mudar a situação de violência? Envolve autor (es),
receptor (es) e a comunidade na busca de soluções
que promovam reparação, reconciliação e segurança;

Práticas Restaurativas é o nome que se dá a um


conjunto de metodologias de resolução positiva de
situações de conflitos, violências e atos infracionais.
Originados de práticas aborígenes, que se utilizavam
de processos circulares para resolver as situações
24 de violência familiar e comunitária, são atualmente 25
aplicadas tanto em âmbito preventivo (como escolas)
como no sistema de justiça.

O facilitador das práticas restaurativas pode ser


qualquer pessoa, inclusive adolescentes, que
precisa estar capacitado na metodologia das práticas
restaurativas, conhecer o contexto do lugar onde
aplicará as práticas, além de manter um postura
imparcial e respeitosa em relação a todos os
participantes.

No Brasil, a lei 12.594/2012 do SINASE institui sobre o


uso de práticas ou medidas que sejam restaurativas.

Com a Justiça Restaurativa, ao se fortalecer


indivíduos e comunidades para que assumam o
papel de solucionar seus próprios conflitos e atos
de violência, empodera-os em sua capacidade de
participação, na garantia dos direitos humanos.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

São cinco as pré-condições que compõe um Sistema


Restaurativo:

1. Divulgação:
É preciso, antes de tudo,
que as pessoas entendam e
aceitem as Práticas e saibam
como procurá-las. Para isso, é
necessário manter sempre uma
divulgação ativa e pertinente sobre
o que é uma prática restaurativa,
mobilizando a comunidade a
se informar sobre as vantagens
destes procedimentos e como usá-
los, numa linguagem acessível e
clara. Também é preciso orientar
26 como e onde procurar maiores 27
esclarecimentos sobre o tema, caso necessário.

2.
2. Canais de Acesso:

Construindo um
São as portas de entrada,
a maneira pela qual aqueles

sistema restaurativo
que desejam solicitar uma
prática restaurativa o fazem.
Para isso, é necessário dar
respostas para algumas
perguntas: Quem eu devo
O Sistema Restaurativo é o conjunto de pré-
procurar? Onde eu devo
condições necessárias para que as Práticas Restaurativas
procurar? Quando eu devo
possam ser aplicadas em uma determinada realidade, na
procurar? O que precisa
comunidade, no sistema de justiça ou na escola. Como a
ser feito para que a Prática
atuação restaurativa se contrapõe à cultura de retribuição
ocorra?
e vingança muitas vezes presentes nas práticas sociais, é
importante prepararmos o contexto local para lidar com
o conflito e intervir nas situações de violência de forma
restaurativa.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

3. Local
Pré-determinado:
É muito importante
ter um local definido para
a realização das práticas
em todas as suas etapas
garantindo, ainda, que este
local esteja disponível nos
horários definidos para tal.
É muito importante que o
espaço seja um ambiente favorável ao diálogo, agradável,
do qual os participantes tenham uma imagem positiva e no 5. Envolvimento dos Poderes locais:
qual eles se sintam seguros, confortáveis e em condições Para que as Práticas sejam exitosas, é importante o
de igualdade. reconhecimento e consenso por parte da comunidade da
legitimidade de sua aplicação, o que deve começar pelos
4. Fa c i l i t a d o re s poderes locais. Para que as Práticas ocorram na escola,
preparados: por exemplo, é necessário o envolvimento da Direção/
28 Coordenação, para que os acordos feitos pela comunidade 29
Lidar com conflitos
não é fácil, muito mais em sejam respeitados, inclusive evitando a aplicação de uma
se tratando de violência e medida mais grave pelo diretor da escola. Se a prática será
ato infracional. Portanto, utilizada pelo Judiciário, é necessário que o Tribunal de
é imprescindível que as Justiça conheça, entenda e legitime esta utilização.
pessoas que se propunham
a facilitar as Práticas Em Terre des hommes compreendemos que cada
Restaurativas sejam, antes, um dos elementos acima elencados têm elementos outros
capacitadas para tal. Esta que lhe são fundantes (os sublinhados em cada um deles).
formação, além da instrução Tais elementos se constituem no que em nossa experiência
técnica, deve apoiá-los em falamos de ajudar a construir uma Cultura Restaurativa (ou
seu atuar num coletivo, estimulando-os a serem cuidadosos que comumente falamos de uma Cultura de Paz). Não faz
e acolhedores, de modo a oferecer apoio para o bem- sentido realizar as práticas restaurativas, isoladamente,
-estar de todos os envolvidos. A intervisão é recomendada se temos como objetivo ajudar um contexto institucional
durante o processo de implementação das práticas e ou comunitário ao seu empoderamento e autonomia na
implica o espaço de troca de experiências, estudos de caso gestão dos conflitos e a redução do fenômeno da violência.
e sistematização da prática, qualificando-a.
A sustentabilidade de um Projeto em Justiça Juvenil
Restaurativa se caracteriza pela apropriação de todos os
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

envolvidos quanto aos valores restaurativos, adotando outro não é por sua função ou papel que desempenha, mas
condutas coerentes para uma escuta empática, para criar sim por ser outro humano. Daí a necessidade de ajudar as
procedimentos justos de responsabilidade, para garantir o pessoas a compreenderem e vivenciarem a participação
respeito às diferenças, para evitar a violência institucional como direito humano.
contra crianças e adolescentes, para cuidar das vítimas,
para oportunizar espaços de participação e de avaliação da Esperança:
prática. O valor esperança é muito forte para que se
implemente práticas restaurativas em algum contexto
Vamos refletir melhor sobre uma cultura restaurativa comunitário ou institucional. Está relacionado à fé, à crença
(ou cultura de paz) partindo dos valores da Justiça daquelas pessoas de que se pode mudar uma situação, de
Restaurativa: que é possível fazer diferente e melhor, de que mesmo com
a adversidade e a violência vivida, é possível sim viverem
Direito à Participação: bem. É importante esclarecer que a esperança não se
Na prática, sabemos que não é fácil nos dispor a refere à religiosidade (embora isso possa também implicá-
estarmos juntos e dialogarmos sobre situações difíceis, la). Mas o que queremos compartilhar é que em nossa
por vezes dolorosas ou que simplesmente nossa opinião é experiência com práticas restaurativas, o acreditar na
divergente; e isto é causador de conflitos. Daí que, garantir mudança sempre foi um dos primeiros valores importantes
30 o direito à participação, é um valor fundamental e que para que as pessoas estivessem disponíveis a participarem 31
implica gerarmos sentimentos de confiança, de segurança de um círculo restaurativo ou uma mediação. E por outro
entre o/a facilitador(a) e os envolvidos. No caso de práticas lado, também tivemos muitas dificuldades (outras vezes
restaurativas em âmbito institucional, ajudar estas pessoas precisamos até recuar) quando se tornava muito forte a
a vivenciarem a escuta no verdadeiro sentido que esta desesperança que se manifestava em falas como “não tem
tem no diálogo: onde cada um pode expor suas opiniões e mais jeito”, “ não adianta”, “aqui só muda se explodisse essa
necessidades conseguindo ao mesmo tempo colocar-se no escola e começasse do zero”.
lugar do outro e compreender suas opiniões e necessidades.
Onde a tendência ao julgamento será cuidada para ser Vale portanto, como facilitadores e como instituições
substituída pela responsabilização e reparação manifestas que nos propusemos a vivenciar os valores da Justiça
através de condutas objetivas, possíveis de serem feitas e Restaurativa, nos apoiarmos no fortalecimento de nossa
consensuadas por todos. esperança na humanidade. De que estamos sim em
épocas muito difíceis em que manifestações de violência,
Se em uma instituição é comum que somente alguns assassinatos, drogas avassalam o cotidiano; mas que
falem, opinem, tomem as decisões; as práticas restaurativas temos por sua vez potenciais, competências manifestas em
causam estranhamento porque caracterizam-se pelo experiências concretas comunitárias, institucionais, locais
compartilhamento igualitário de poder, pela horizontalidade e internacionais que mudaram positivamente histórias
de conhecimentos, de direitos, pois o reconhecimento ao individuais e coletivas.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Humildade: Interconexão:
Este valor implica também uma grande mudança É a compreensão de que aquilo que afeta um
de perspectiva de si em relação ao outro, pois refere-se ao indivíduo afeta, de uma maneira ou de outra, todo o grupo.
reconhecimento de que qualquer um de nós é incompleto, Um adolescente que cometeu ato infracional, por exemplo,
com necessidades, sentimentos e atitudes que impactam muitas vezes não tem a compreensão do tamanho da
a vida de outros e vice-versa. Humildade, interconexão consequencia que este ato gera tanto para ele, como para
são valores extremamente correlacionados entre si, e é as vítimas, familiares e um contexto comunitário. E isto
exatamente por isto que a vivência das práticas restaurativas se relaciona tanto ao sentido de responsabilidade (que
mobiliza uma mudança cultural, de hábitos, de postura veremos logo mais) quanto ao princípio da interconexão
inclusive no gerenciamento institucional, pois reconhece a nunca pensado. No enfoque restaurativo dá-se ênfase a
importância do outro em um coletivo e de que ouvi-lo e este entendimento de que todos estamos interconectados,
ajudá-lo a ressignificar seus atos é fundamental para que a interligados de alguma forma.
transformação pessoal e social vá se construindo.
O sentido de comunidade relaciona-se a isto. Tanto
Sem humildade, a tendência é recusar qualquer nas instituições quanto nas comunidades percebemos tão
posicionamento que não o próprio e qualquer leitura claramente como as ações de um dependem e impactam
do conflito que não a própria, negando o Encontro e nos resultados, vínculos e costumes das pessoas.
32 impossibilitando a construção coletiva das soluções. 33
Em Tdh, ao colaborarmos com processos de
implantação das práticas restaurativas trabalhamos, por
Empoderamento:
exemplo, com círculos de diálogos ajudando as pessoas
É reconhecer o próprio poder para lidar com o
a perceberem o quanto estão interconectadas e são,
conflito, desenvolvendo a autonomia. Pessoas que se
portanto, responsáveis em cuidar daquilo que ocorre em
sentem desempoderadas sempre aguardam que outros
seus contexto; e o quanto é necessário primar pela conexão
possam resolver seus problemas.
dos indivíduos, evitando a exclusão, para que se fortaleça
o sentido de unidade e homogeneidade do objetivo que se
Com as práticas restaurativas também se aprende
pretende alcançar que é o de uma convivência saudável.
a identificar este poder. Mas vale compreender que
empoderamento e participação estão interligados e, por
isso, oportunizar ou fortalecer no espaço institucional Respeito:
espaços de participação, onde as pessoas são mobilizadas Tão comum de ser ouvido, na prática, vemos que
e apoiadas a criarem, a reinventarem, a fazerem diferente, todos querem ser respeitados e às vezes a violência surge
a pensarem em soluções cria um ambiente fértil para a porque se tem como necessidade o respeito. Observar os
vivência das práticas restaurativas que, por sua vez, são vínculos comunitários, familiares e institucionais nos dá
experiências de criação, reinvenção de hábitos, de formas boas pistas de entendermos como este valor se concretiza
de relacionamentos e de lidar com os conflitos, assumindo no cotidiano das pessoas para que, então, possamos
responsabilidades por suas vidas. visualizar no que é necesário ajudar para a vivência de
práticas de resolução positiva de conflitos ou violências.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Respeitar colocando-se no lugar do outro. Respeitar o que fizemos). É preciso ajudar as pessoas a conseguirem
esperando a vez do outro de falar e demonstrar que está afirmar “Eu fiz isso”. “Eu senti isso”, “Eu penso isso” como
compreendendo o que ela/ele diz. Respeitar porque isto algumas das afirmativas que precisamos nos reconectar
permite o cruzamento de olhar entre eles durante o diálogo conosco e com os outros para vivermos de maneira sincera.
acerca de uma situação difícil para os mesmos. Respeitar Experimentar o valor da honestidade é fundamental para
fazendo com que o outro perceba que não há acusação. se participar de uma prática restaurativa e posteriormente
Respeitar deixando o outro silenciar.... enfim, são diversas poder assumir acordos que sejam concretos e possíveis de
as formas de respeito e isto nós precisamos ajudar as serem cumpridos.
pessoas a (re)aprenderem.
Responsabilidade:
Honestidade: Com as práticas restaurativas incentiva-se
Ser sincero com os outros e consigo mesmo é constantemente que se assuma as consequências dos
essencial pra a convivência interpessoal. Assumir o que foi próprios atos, incluindo a importância de reparar os danos
feito, o que foi dito, mesmo que você tenha as justificativas provocados por eles. Por sua vez, a responsabilidade
para isto (e nós sempre encontramos as justificativas para integrada ao valor interconexão é que permite as pessoas
saírem do paradigma da culpabilização e punição, gerando
um sentido de coletivo, em que todos se responsabilizam
34 pela mudança, pelo bem estar individual e coletivo. 35

Com base nesses valores, podemos afirmar que


estabelecer práticas positivas de resolução de conflitos
e violências seja em âmbito preventivo, seja em espaços
de atendimento do sistema de justiça juvenil, exigirá
cuidar dos mesmos buscando o entendimento mútuo e
distribuição equitativa de responsabilidades. Sem esta
postura, aplicar as Práticas Restaurativas é um exercício
frustrante e limitado, já que não é somente por meio
delas, isoladamente, que se alcança resultados positivos e
sustentáveis.

Quando então fortalecemos nos espaços


institucionais e comunitários os valores da Justiça Juvenil
Restaurativa, torna-se mais compreensível para as pessoas
alguns elementos importantes antes, durante e depois das
práticas restaurativas realizadas, tais como:
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Voluntariedade para participar do processo. Isso necessidades e as possibilidades de satisfação sem uso da
porque os objetivos da prática restaurativa – a reconciliação violência, por exemplo, é objetivo das práticas restaurativas.
com o outro, a cura das feridas emocionais e a consequente
restauração das relações e dos sentimentos – não podem Reintegração à comunidade tanto dos que ao
ser impostos às pessoas, sendo, antes, processos internos praticar de um ato violento ou infração romperam suas
a cada um. Iniciar ou permanecer em uma prática tem relações comunitárias, quanto dos demais que, sentindo-
que ser uma escolha voluntária. Se o autor, por exemplo, se afetados pela violência, também estiveram fragilizados
não participar, sua responsabilização poderá ser de outra ou romperam com suas relações sociais. Sendo assim, as
forma (julgamento, no Sistema de Justiça, ou medidas pessoas que, voluntariamente, buscam participar de uma
disciplinares da escola) e aos que aceitarem a participação prática, devem fazê-la no sentido de acolher novamente
pode-se oferecer um atendimento ou outra prática de os demais no seio da convivência comunitária, evitando
cuidado a elas. a revitimização do receptor e a estigmatização do autor,
prevenindo-se assim sua exclusão e marginalização. Desta
Encontro de todas as pessoas (incluindo instituições) maneira, os vínculos sociais são reforçados, permitindo-se
direta ou indiretamente afetadas pelo fato ocorrido. Em uma convivência familiar e comunitária saudáveis.
uma prática restaurativa, o encontro é pedagógico e
seguro, permitindo que as pessoas se reconheçam, umas Para tanto, é preciso acreditar na Transformação
36 às outras, para juntas entenderem como se originou a das pessoas, elemento sem o qual qualquer tentativa de 37
violência e como cada um foi por ela afetado para, então, lidar com o conflito, por via das práticas, será frustrado.
também juntas, criarem formas de superá-la. Para tanto, Iniciar uma prática já descrente desta capacidade faz com
é importante no encontro superar os rótulos de vítima, que as pessoas ajam com desconfiança e pouca sinceridade.
ofensor e testemunha, conectando as pessoas. Experienciar práticas de resolução positiva das situações
de violência, acreditando no potencial de transformação
Reparação dos danos e Atendimento das das pessoas permite a articulação, a escuta de diferentes
necessidades de todos os afetados diz respeito à orientação opiniões e divergências, e com isso, a compreensão do
das atitudes das pessoas, àquilo para o que elas se voltam ponto de vista de cada um, e, por fim, o estabelecimento
quando participam de uma prática restaurativa. Todo das responsabilidades que lhes são pertinentes. Assim, se
aquele envolvido em uma violência tem uma necessidade oportuniza a construção coletiva de tomada de decisões para
própria que, se não atendida, pode levar a uma nova melhor solucionar o ocorrido, alcançando a transformação
situação de violência. Por exemplo, uma pessoa que tenha pessoal e coletiva, com a reflexão e revisão de valores,
sido roubada em sua rua pode expressar a necessidade de atitudes e papéis pessoais e institucionais na relação com
segurança, novamente, ao passo em que alguém que viu as pessoas e as comunidades.
o roubo acontecer pode sentir necessidade de justiça. O
autor do roubo, por sua vez, também tem uma necessidade Inclusão e Respeito à diversidade. Nas práticas
que o levou àquele comportamento. Identificar essas restaurativas, conforme já apontamos, é possível
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

compartilhar experiências, ideias, valores e costumes,


fazendo com que as pessoas, muitas vezes, entrem em
contato com realidades distintas da sua, em diversas
dimensões (física, social, cultural, étnica, afetiva). Aceitar
e respeitar as diferenças é essencial para possibilitar o
diálogo, permitindo aos participantes ir além de suas
questões individuais, conectando-se com o coletivo que
manifestam em suas vivências, tornando possível o
encontro com o outro.

Vê-se, portanto, que a implementação do Sistema


Restaurativo para além do estabelecimento de fluxos
e competências implica em importante mudança
paradigmática, dentre elas os assim chamados 3R’s Janelas da Disciplina Social
(três erres) da Justiça Restaurativa: responsabilização,
restauração e reparação. Agir diante de um conflito Viver em sociedade é uma dinâmica que reflete dois
e principalmente diante de situações de violência e ato lados de uma mesma moeda. De um lado, os benefícios por
38 fazermos parte de um coletivo: educação, entretenimento, 39
infracional, exige um contexto construindo uma prática
disciplinar marcada pela qualidade de uma autoridade esporte, cultura, recursos tecnológicos; do outro, os
efetiva e eficiente, porque sabe manter a ordem e o respeito desafios do conviver: cada um vê o mundo de forma
aliado a condutas afetivas, de apoio e suporte a todos diferente, às vezes não fazemos as coisas certas, disputamos
que dela fazem parte (incluindo os que agiram de forma espaços e cargos, magoamos uns aos outros. Manter a
violenta). ordem e a disciplina dentro desta dualidade é desafiador,
exigindo a todos que exercem a função de líderes, gestores
Sobre esta concepção do processo disciplinar, e autoridades saber mediar as diferenças e situações
de responsabilidade aliada a apoio e afeto, nos conflitantes, protegendo as pessoas e a sociedade.
fundamentamos nos teóricos do Instituto Internacional
de Práticas Restaurativas, Paul McCold e Ted Wachtel, que A necessidade de se mediar as diferenças justifica a
elaboraram uma base teórica denominada de Janelas da própria existência do Sistema de Justiça em seus diversos
Disciplina Social, com a qual podemos melhor compreender ramos - o juiz do trabalho que pesa os argumentos do
o dinamismo das relações, os desafios quanto à vivência da patrão e do empregado, o juiz civil que avalia as pretensões
autoridade, disciplina e convivência humana respaldadas expostas em um contrato, o juiz da infância e juventude
nos valores da justiça restaurativa. que decide, para as indisciplinas mais graves, a melhor
forma de responsabilização – tendo a lei e o Direito como
parâmetros máximos de ordem.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Na Escola não é diferente, necessitando de regras


e líderes que desempenhem bem suas funções, mediando Com base nos autores Paul McCold e Ted Wachtel do
os conflitos entre os diversos atores deste espaço – pais, Instituto Internacional de Práticas Restaurativas, um sistema
professores, diretores, estudantes, funcionários – com base social é caracterizado pelo que chamaram de Janelas da
na lei, complementada por seus regulamentos internos. Disciplina Social de acordo com a combinação de duas
forças essenciais para este sistema: controle e apoio.
Estabelecer a disciplina não é fácil, e atualmente
isto se torna mais difícil em face da cultura de violência No gráfico das janelas da disciplina social,
estabelecida em nossa sociedade que, por exemplo, em percebemos quatro dinâmicas que podem ser adotadas ao
comunidades ou em instituições educativas se revela em trabalharmos com o controle e o apoio, que são necessários
situações que vão desde ameaças e brigas até violências para vivermos em um grupo e sociedade.
mais sérias, fazendo com que seja uma “luta” diária
manter a ordem social. O resultado disso é que muitas • Se tivermos muito controle e baixo apoio,
vezes adotamos, (e isto vale para qualquer espaço: familiar, estamos sendo punitivos;
comunitário, escolar, centros • Se tivermos muito apoio e baixo controle,
educacionais) posturas extremistas: estamos sendo permissivos.
punição ou permissividade. • Se tivermos baixo apoio e baixo controle,
40 Quantas vezes escutamos as estamos sendo negligentes. 41
expressões “não sabemos mais o • Se tivermos muito controle e muito apoio,
que fazer”, “está suspenso da escola”, estamos sendo restaurativos.
“já chamei a família”, “não tem mais
jeito”, “não podemos ficar mais com Entre as quatro supracitadas, encontramos a lógica
você aqui”, “você!? de novo, heim? disciplinar das práticas restaurativas que ajudam as pessoas
não tem jeito”; como atitudes em a saírem dos extremos do controle (punição), dos extremos
busca de pôr a ordem? do apoio (permissão) e refletir que é possível assumirmos
outras respostas (criativas) que, sem perder a autoridade,
Por vezes, as pessoas adotam outro compromete a todos, incluindo crianças e adolescentes,
tipo de postura diante da indisciplina, a refletirem e responderem pelo ato cometido, pelas
do conflito ou da violência. Não consequências dos atos e impactos ocasionados na
vendo resultado com a díade punição- convivência.
permissão, abdicam de sua autoridade e
responsabilidade quando uma situação A resposta restaurativa combina alto controle e
fugiu de seu controle. Não é incomum alto apoio saindo de forma positiva da díade punitiva-
ouvirmos: “não quero mais você aqui”, permissiva. Vejamos esta dinâmica através do gráfico a
“eu desisti, já fiz o que pude”, “ as coisas seguir.
só vão mudar aqui se explodir tudo, não
temos mais o que fazer”.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Janelas da disciplina social No trabalho com adolescentes e jovens, a teoria das


Janelas das Disciplinas Sociais são úteis para refletirmos e
revermos nossa postura e procedimentos de autoridade, de
ALTO
manter a ordem e instalar a responsabilização. É possível
repensarmos: ao nos relacionarmos com os/as adolescentes
CONTRA COM fazemos coisas POR eles, PARA eles ou COM eles? Ou ainda,
ignoramos seu comportamento e não fazemos nada?
PUNITIVO RESTAURATIVO
CONTROLE (limite, expectativas)

Autoridade Nos processos formativos que estamos desenvol-


respeitosa,
Autoritário e cooperativa,
vendo, tanto no âmbito das escolas, dos centros integrados
discriminatório. colaborativa. de atendimentos iniciais aos/às adolescentes a quem
FIRME se atribui autoria de ato infracional, quanto nos centros
educacionais; ao apresentarmos a teoria das Janelas
NÃO PARA da Disciplina Social, vemos como isto tem sido um dos
primeiros passos importantes para que repensem a prática
NEGLIGENTE PERMISSIVO profissional para que seja, então, eficaz o uso das práticas
Protetor,
restaurativas como ferramentas metodológicas. Por
Indiferente
42 e passivo. partenalista. exemplo, aos atores do sistema de justiça juvenil, isto vem 43
lhes ajudando a compreender melhor as recomendações
hoje legitimadas pelo SINASE quando orienta quanto a
BAIXO REGULAR ALTO excepcionalidade da intervenção judicial com predomínio,
APOIO (afeto, encorajamento, cuidados) sempre que possível, dos meios de autocomposição de
conflitos.
Na postura restaurativa, quem tem referência de
autoridade (por exemplo: juízes, diretores, professores, Isto significa dar prioridade a uma dinâmica de
socioeducadores) exerce seu controle e se recusa a aceitar controle e apoio altos, e que o mesmo se aplicaria às
um comportamento inapropriado, mas faz isso de forma medidas socioeducativas. Na prática, seja na escuta
acolhedora e sustentadora. São firmes e afetivos. É o que sistematicamente fazemos a adolescentes em
que chamamos de resposta “restaurativa” aos conflitos e cumprimento de medidas socioeducativas, seja pelas
situações de violência. vozes dos profissionais do sistema de justiça, o não
entendimento do impacto de seu ato sobre a vida de
Com a postura restaurativa é possível restaurar outras pessoas, bem como sobre o que representa a
relações, responsabilizar-nos pelas atitudes e medida socioeducativa em sua responsabilização com
comportamentos, restaurarmos vínculos, repararmos descumprimento das medidas socioeducativas são
danos. Comprometemo-nos de forma responsável conosco comuns com os/as adolescentes. O acolhimento inicial,
e com os outros. Fortalecemos o bem-estar e o sentido de por exemplo, nas medidas em meio aberto, com enfoque
comunidade.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

restaurativo envolvendo adolescentes, familiares e técnicos Pontos-Chaves


de Aprendizagem
das medidas trabalhando o entendimento e o compromisso
de todos sobre a medida a ser cumprida e como deverá
sê-lo, criando acordos para isso; tem sido apontado como
possibilidade positiva no cotidiano dos profissionais com
melhor entendimento sobre esses adolescentes e famílias, Para implantar as práticas restaurativas é importante
assim maior responsabilidade desses ao cumprimento da cuidar da implementação de algumas condições
medida. chaves que chamamos como sistema restaurativo.

Nas escolas, é muito comum vermos e ouvirmos o Para implementar as práticas restaurativas é
sermão dado pelo diretor, o grito já exausto do/a professor/a, preciso: identificar onde é possível realizar as
algumas vezes acompanhados de uma medida disciplinar práticas restaurativas; instalar canais de acesso de
de suspensão, por exemplo, ao aluno. Quando refletimos fácil manuseio; capacitar facilitadores (incluindo
com diretores e professores sobre as Janelas da Disciplina adolescentes); inserir os poderes locais no processo;
social é muito comum ouvirmos dos mesmos o quanto divulgar de forma ativa e pertinente.
estão sendo mais controle do que apoio. Concordam que
para o aluno receber o sermão não lhe exige participação As pré-condições relacionam-se aos valores
44 ativa diante o comportamento indisciplinado que teve. da Justiça Restaurativa: direito à participação, 45
respeito, honestidade, humildade, interconexão,
Ao contrário, ser restaurativo nas escolas implica responsabilidade, empoderamento e esperança.
envolver os alunos por meio de perguntas que lhe façam
pensar sobre o ato cometido: (O que foi feito? Como foi Alguns elementos-chaves caracterizam as práticas
feito? Quando? Com quem?) e pedindo-lhes que ajudem restaurativas: Voluntariedade, Encontro, Reparação
a resolver o problema. Analisar em detalhes o próprio dos Danos, Atendimento das Necessidades,
comportamento e criar soluções para o problema que se Reintegração à Comunidade, Transformação das
causou pode ser muito difícil, sendo mais fácil ser punido, Pessoas, Inclusão e Respeito à Diversidade;
pois isto não lhes exige fazer algo.
Janelas da disciplina social: buscar o equilíbrio
Lembremos: entre o apoio e o controle é o ideal restaurativo.
A resposta restaurativa combina alto controle e alto Muito controle só garante punição, muito apoio é
apoio saindo de forma positiva da díade punitivo-permissiva. permissividade, a ausência dos dois é negligência.
Estabelece ordem, mas dá força e encorajamento ao outro
em sua capacidade. Ser restaurativo implica alto controle (limites,
regras, disciplinas) com alto apoio (afeto, cuidado,
encorajamento).
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Anotações

3. Entendendo
Conflito, Violência
e Ato infracional
Já vimos os principais objetivos e valores das
Práticas Restaurativas, bem como a sua origem, ligada ao
46 47
surgimento da Justiça Restaurativa e sua lógica de controle
e apoio fundados na teoria das Janelas da Disciplina
Social. Por sua vez, ao longo do capítulo 1, comumente
falamos de práticas restaurativas para trabalhar situações
de conflitos, violências e ato infracional. Por isso,
consideramos ser importante apresentar a você, leitor,
como compreendemos cada um destes conceitos que
representam um comportamento adotado e sobre os quais
as práticas restaurativas podem ser aplicadas.

Os conflitos são parte da existência humana e se


apresentam de uma forma natural em nossa sociedade, na
medida em que sempre existe diversidade de percepções,
de interesses e objetivos. Quando estas percepções
diferentes se chocam, existe um conflito, que pode se dar
na família, escola ou comunidade (nível micro), dentro de
um bairro, cidade ou região (nível meso) ou mesmo entre
países (nível macro).
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

podem coexistir ao mesmo tempo. Por exemplo: A opção


por se fazer uma atividade escolar pela manhã ou pela
tarde.

• As atitudes ou suposições: é o imaginar o


que o outro está pensando, sentindo ou fazendo, que pode
levar à criação de falsas expectativas ou ao surgimento do
medo;

• O comportamento: é a reação às
suposições, como por exemplo, a agressividade que surge

Entendendo o conceito de conflito


como proteção ao medo ou a pressão para o atendimento
de uma expectativa. Se este comportamento é violento,
então o conflito estará gerando a violência, embora os dois
Os conflitos, portanto, se originam de diferenças, continuem sendo fenômenos distintos.
incompatibilidades ou contradições imersas em uma
relação entre pessoas, podendo ser individuais (conflitos Nem sempre o conflito pode ser completamente
48 interpessoais, entre dois estudantes de uma mesma percebido, à primeira vista. Existem casos em que aquilo que 49
sala, por exemplo) ou coletivos (conflitos comunitários, se percebe é apenas a superfície de um conflito muito mais
institucionais, organizacionais, interculturais). profundo, enraizado na subjetividade dos envolvidos, com
sua cultura, seus valores, emoções, crenças e percepções.
Conflitos não são necessariamente violentos Isolar uma colega de classe por conta da forma como ela se
(na medida em que as pessoas respeitam as diferenças veste, por exemplo, pode ser apenas a dimensão aparente
umas das outras) nem mesmo negativos: muitas vezes é de um conflito que envolve intolerância religiosa.
exatamente o confronto de ideias ou posições diferentes
que possibilita o encontro, a criatividade e o crescimento Por conta disso, nem sempre as pessoas se percebem
coletivo e individual. Nesse sentido, negar o conflito, por dentro de um conflito, ou se o fazem, não conseguem
si só, consiste em uma forma de violência, uma vez que identificar sua real origem. Sendo assim, trabalhar as
implica em negar a diferença, a possibilidade do contrário, situações de conflito significa promover ou facilitar a sua
do divergente. percepção, bem como compreender a multiplicidade de
fatores e conflitos sociais que um coletivo pode ter, para de
Na análise das situações de conflitos, três elementos forma significativa, ajudar as pessoas a construírem modos
são peças-chaves: de abordar e resolver suas diferenças sem violência.

• A contradição: é o confronto entre duas Por isso, em um contexto comunitário como as


posições ou objetivos que se negam, ou seja, que não escolas, as práticas restaurativas podem ser utilizadas como
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

estratégias importantes para a promoção de uma cultura A Organização Mundial de Saúde define a violência
de paz, do diálogo, e prevenção à violência, ajudando as como: uso intencional da força ou do poder físico, de fato ou
pessoas a compreenderem as situações de conflito através como ameaça, contra si mesmo, outra pessoa ou a um grupo
do diálogo e do encontro. ou comunidade, que cause ou tenha muitas probabilidades
de causar lesões, morte, danos psicológicos, transtornos
Isto porque o conflito, embora não implique de desenvolvimento ou privações. Para a Convenção
automaticamente na violência, pode fazer com que ela Internacional dos Direitos das Crianças, por sua vez, a
ocorra, na medida em que a resposta ao conflito é uma violência é compreendida como: toda forma de prejuízo ou
atitude violenta, como por exemplo, uma adolescente abuso físico ou mental, descuido ou tratamento negligente,
lesiona fisicamente outra devido à briga por alguém de maus tratos ou exploração, incluído o abuso sexual (artigo 19,
interesse comum. Uma vítima de bullyng que agride o paragrafo 1).
colega da escola para não ser mais oprimido; ou ofende as
irmãs pela divisão do quarto. A violência, portanto, pode ser física, mas também
social ou psicológica. Há quem fale, ainda, na violência
estrutural, aquela que decorre da maneira como a
sociedade se estrutura – no caso do Brasil, por exemplo, as
violências decorrentes do modelo capitalista – e na violência
50 institucional, que é aquela praticada não por indivíduos, 51
Entendendo mas por instituições, estatais ou não.

o conceito de Por se tratar de uma ofensa à própria dignidade


violência das pessoas, a violência, apesar de frequente, nunca pode
ser naturalizada – muito menos aceita – uma vez que ela
sequer é necessária para a convivência humana, e sim,
prejudicial. Isso quer dizer que, ao contrário do que ocorre
com o conflito, é possível, e inclusive desejável, viver sem
violência.
A violência ocorre, portanto, quando uma das
partes, desrespeitando a outra, tenta impor sua vontade Por conta disso, para enfrentar a violência, é
“à força”, quer seja esta força física, moral ou proveniente necessário percebermos suas diversas facetas, seu
de uma posição hierárquica (professor-aluno, chefe- enraizamento socioeconômico, os diversos lugares e
empregado, pai-filho, etc). Ou seja, embora a “violência” expressões com as quais ela se manifesta, bem como suas
seja um fenômeno difícil de se definir, uma vez que seu consequências: a coisificação do outro e os diferentes
conceito está sempre mudando, é possível afirmar que ela impactos que causa em nossas vidas e em nossas relações.
se manifesta como dano ou abuso de poder, em que uma
pessoa – mais forte – impõe sua vontade a outra – mais
fraca-, desprezando sua personalidade e sua dignidade.
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O ato infracional, por de seis medidas socioeducativas (a advertência; obrigação


sua vez, é uma manifestação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade;
específica do fenômeno da
violência, compreendendo Entendendo liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade;
internação em estabelecimento educacional) e/ou uma
aquelas ações praticadas o conceito de medida protetiva.

ato infracional
por adolescentes que, por
sua gravidade, a própria lei Mas e as crianças, não são responsabilizadas?
aponta como reprovável. Não pelo Estado. O Estatuto compreende que, quando
uma criança (pessoa com menos de 12 anos) comete um
Sua definição pode ato, a intervenção do Estado causaria mais danos do que
ser encontrada no Estatuto benefícios, ficando a responsabilização por conta dos pais,
da Criança e do Adolescente, associada ao encaminhamento para uma das medidas
mais precisamente, no seu protetivas previstas no seu art.101: encaminhamento
art. 112, segundo o qual: para abrigo ou família substituta, para tratamento de
“Considera-se ato infracional drogadicção, etc.
a conduta descrita como
crime ou contravenção penal” No Brasil, os atos infracionais e suas consequências
52 quando praticada por são regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente 53
adolescente (pessoa maior e pela Lei Federal 12.594 de 2012, mais conhecida como
de 12 e menor de 18 anos). SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).
É esta última lei que coloca, como forma possível de lidar
Mas por que não com o ato infracional, as Práticas Restaurativas, uma vez
utilizar, para o adolescente, que um de seus princípios é a prioridade a práticas ou
o mesmo termo que se usa medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível,
para adultos? Justamente atendam às necessidades das vítimas.
pela condição especial de
desenvolvimento deste/a Vimos, portanto, que o conflito, se mal administrado,
adolescente o qual aprofundaremos mais a frente. Evita-se, pode levar à violência, e que algumas destas violências
assim, a carga simbólica agregada à palavra “crime”, que, podem ser classificadas como atos infracionais, e que nos
pela força da estigmatização, poderia prejudicar seriamente dois casos, as Práticas podem ser aplicadas.
a (re) socialização do adolescente autor de ato infracional.
No primeiro caso, o objetivo das Práticas é
Por esse mesmo motivo é que a lei prevê um sistema exatamente prevenir o surgimento da violência, facilitando
de responsabilização para os adolescentes diferente o entendimento entre os envolvidos, de forma que eles
do sistema penal utilizado com os adultos: o Sistema possam decidir o que cada um pode fazer para lidar com o
Socioeducativo, no qual o/a adolescente pode receber uma conflito de forma saudável. No último caso, o objetivo das
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

práticas é distribuir responsabilidades de forma a reparar Pontos-Chaves


de Aprendizagem
o dano provocado ao receptor da violência e restaurar os
vínculos entre este e o autor.

Em qualquer dos casos, uma prática restaurativa


pode ser utilizada por qualquer sujeito apto para isso: a Conflito não é o mesmo que violência. Os conflitos
escola, a associação de moradores do bairro, a polícia, não devem ser prevenidos, o que se deve prevenir é
etc. Fica apenas a ressalva de que, se a violência for um a forma violenta de resolvê-los.
ato infracional grave – um roubo ou violência sexual,
por exemplo – a orientação é que a prática seja realizada Não é fácil definir o que é violência. Seu conceito
em âmbito dos atores do Sistema de Justiça (delegacia, está em constante mutação. Entretanto, é comum
ministério público ou judiciário). afirmá-lo como uma manifestação de dano ou abuso
de poder. É uma ofensa à dignidade de outrem.

Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Considera-


se ato infracional a conduta descrita como crime ou
contravenção penal; estando o/a adolescente sujeito
a uma medida socioeducativa. Em se tratando de
POR EXEMPLO. . .
54 55
criança, serão aplicadas medidas protetivas.

Destas situações, qual revela apenas um conflito? E Entrou em vigor em 17 de abril de 2012 a Lei Federal
uma violência? E um ato infracional? nº 12.594 de 2012 que inclui pela primeira vez na
legislação brasileira, como princípio, a prioridade
1. Adolescente discute com o pai quanto ao horário de a práticas ou medidas que sejam restaurativas e,
voltar para casa, à noite; sempre que possível, atendam às necessidades das
vítimas.
2. Adolescente troca ofensas com o vizinho, também
adolescente, chamando-lhe de nomes ofensivos; As práticas restaurativas podem ser utilizadas em
dois níveis de intervenção: no âmbito da prevenção
3. Adolescente joga uma pedra em garota que recusou à violência (comunidades e seus equipamentos) e no
seu convite para passear. âmbito do sistema de justiça.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Anotações

4. Práticas Restaurativas
envolvendo Crianças
e Adolescentes

Já cuidamos de esclarecer alguns conceitos


56 57
importantes de nosso curso: Justiça Juvenil Restaurativa,
Práticas Restaurativas, Janelas da Disciplina Social,
Conflito, Violência e Ato Infracional. Agora, tratamos de
outro: o conceito de criança e adolescente. Compreendê-
los enquanto categoria social é fundamental para evitar um
erro que, ao longo da história, tanto se repetiu: em nome de
proteção, violar seus direitos e sua dignidade.

Toda intervenção, institucional ou não, junto a


crianças e adolescentes, deve orientar-se pelos princípios
e ideias hoje consagrados em nossa Constituição Federal,
no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Sistema
Nacional de Atendimento SocioEducativo, a começar pela
sua compreensão como Sujeitos e em Condição Peculiar
de Desenvolvimento. O mesmo, portanto, para Programas
fundados no enfoque restaurativo.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

1. Condição de Sujeito de Direitos e Deveres:


crianças e adolescentes, por serem seres humanos completos
(inteiros em cada fase de seu desenvolvimento), são sujeitos
de direito e de deveres, possuindo vontade, consciência,
discernimento, voz e vez, não podendo, portanto, serem
tratados como objetos, com os quais se faz o que se quer.
Sua opinião deve ser ouvida e considerada, sobretudo
no que diz respeito a elas próprias. Por serem sujeitos de
direitos, na construção de sua cidadania devem aprender
a conviver em um coletivo, assumirem responsabilidade
para as quais seu corpo, sua maturidade cognitiva e de
capacidade de julgamento, com referências afetivas são
suficientes para assumir, construindo, conforme vimos nas
Janelas da Disciplina Social, referências de vínculos com
alto controle e alto apoio.

Este respeito é, portanto, garantido quando


58 59
crianças e adolescentes estão implicadas nos
encontros estabelecidos com as práticas restaurativas,
sejam como autores, sejam como receptores ou
comunidades.
Sujeitos em Condição Peculiar
de Desenvolvimento 2. Condição Peculiar de Desenvolvimento:
Um dos conceitos mais avançados e felizes da legislação
brasileira foi a constituição no Estatuto da Criança e do
Houve um tempo em que as crianças e adolescentes Adolescente da referência de crianças e adolescentes
eram considerados seres humanos incompletos e tratados como sujeitos em condição especial de desenvolvimento.
como objetos, inclusive pela lei, que os considerava objeto Isto levou a sociedade ao entendimento necessário do que
de tutela. Isso mudou com o advento da Constituição Federal significa ser criança e adolescente, com bom senso, tanto
de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente que, no que se refere às faixas etárias que cada uma implica
influenciados pela Convenção Internacional dos Direitos (criança de 0 a 12 anos) e adolescentes (12 aos 18 anos) como
da Criança (ONU) passaram a reconhecer a criança e o o de entender e agir diante estes sujeitos compreendendo
adolescente como seres humanos completos ao adotar a que eles têm todos os direitos, de que são detentores os
Doutrina da Proteção Integral, construída em torno de dois adultos, desde que sejam aplicáveis à sua idade, ao grau
pontos principais: de desenvolvimento físico ou mental e à sua capacidade de
autonomia e discernimento.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Assim, legalmente instituído sabemos que um ao lembrarmos, por exemplo, de nossa adolescência não
bebê não pode exercer o direito de ir e vir. Uma criança nos lembramos de experiências que para nós, à época,
não pode, nem deve trabalhar. Um adolescente não pode pareciam eternas, onde os amigos por muitas vezes
ser responsabilizado da mesma forma que um adulto. A disseram coisas e/ou fizeram algo que pareciam ser mais
condição peculiar significa buscarmos entender em que coerentes com nossa vontade e desejo do que os de nossos
fase do desenvolvimento psicossexual, biológico, físico e pais. Quantas vezes não achamo-nos capazes de fazer
cognitivo esta criança e este adolescente se encontram. sozinhos, verdadeiros super-heróis e donos da verdade.
Identificar suas potencialidades e competências e quais as
oportunidades de seu contexto lhes permitem aprender Exatamente aí se manifesta esta peculiaridade e,
assertivamente as regras, os limites, conseguindo colocar- portanto, a necessidade de cuidado, proteção com controle
se no lugar do outro, e assumir algumas responsabilidades. e segurança, com diálogo e compreensão. Vivenciar as
práticas restaurativas no processo de responsabilização
Cada uma, criança ou adolescente, de acordo com sua de adolescentes implica exatamente fazê-lo em respeito
idade e necessidades necessita muito mais de acolhimento, a sua condição peculiar de desenvolvimento. Esquecer
segurança, de orientação sobre como decidir, de saber lidar que eles são sujeitos, é desrespeitá-los por tratá-los como
com as crises, com as raivas, com a impulsividade, com objetos e, lembrando as Janelas da Disciplina Social, tratá-
a ansiedade, com os desejos, com os medos que são tão los com permissividade. Esquecer sua condição peculiar
60 peculiares, por exemplo, na adolescência. E quem de nós de desenvolvimento, por outro lado, é tratá-los como 61
adultos, negligenciando o apoio que eles necessitam para
se desenvolver, agindo punitivamente, segundo a referida
ESCLARECENDO teoria.

Com as Práticas Restaurativas, em especial,


Quando falamos de necessidades estamos
considerar esses dois fatores (sujeitos de direitos e em
pontuando acerca de algumas categorias de
condição peculiar de desenvolvimento) é importante
necessidades que em Terre des hommes destacamos
porque nelas o adolescente é convidado a refletir, por
como:
exemplo, sobre a violência em que se envolveu (como
Individuais: Desenvolvimento pessoal, receptor ou autor), dando, enquanto sujeito, sua opinião
afirmação da identidade, reconhecimento pessoal, acerca da origem da situação e de como superá-la. Como
segurança; ele participa da construção das responsabilidades, os
riscos de não entender o processo e de descumprimento
Sociais: Afeto, reconhecimento social, grupos são menores. É necessário, entretanto, lembrar que ele
de pertença; está em condição peculiar de desenvolvimento, e por
isso, cuidar da linguagem e da escuta, cuidar para que as
Existenciais: Espiritualidade, valores, sentido responsabilidades sejam realmente possíveis de serem
de vida. (Por que estou aqui? O que estou fazendo?) executadas por eles.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Por sua vez, envolver adolescentes como facilitadores


conflitos ou com violência (incluindo a infracional), seja
de práticas restaurativas exige o mesmo cuidado quanto
feita em um contexto seguro, acolhedor e protetivo, focado
ao que lhe é possível mediar partindo de sua própria
nas necessidades das crianças e adolescentes, e, portanto,
vivência da adolescência; respeitando-lhe em sua fase de
favorável ao desenvolvimento de suas potencialidades e
desenvolvimento e ajudando-lhe a aprender a gerenciar
competências.
seus conflitos.
O enfoque psicossocial embasa uma maneira de
olhar o indivíduo com seus processos internos e sociais
e olha as tensões que podem existir nas relações entre
a pessoa e seu contexto social. E foca na capacidade de
resiliência das pessoas e comunidades, isto é, identificamos
as forças e capacidades dos indivíduos, das famílias e
das comunidades, para que através destes recursos, os
indivíduos possam encontrar suas próprias soluções.
Apoiamo-nos nas competências e não nas suas carências.

Integrado ao enfoque restaurativo, dá subsídios a


62 profissionais de um Projeto em Justiça Juvenil Restaurativa 63
a fortalecer suas competências em escutar e intervir com
o fim de identificar os fatores que podem promover a (re)
integração do/a adolescente que cometeu uma violência
ou ato infracional. E isto pode ser ainda fortalecido junto
aos atores das instituições que lidam com ele/ela (escola,
Ministério Público, Defensoria Pública, etc) quanto pelos
atores comunitários, dentro de seus papéis (familiares,
amigos, vizinhos, etc).

O receptor, nesse sentido, tem um papel fundamental:


a sua participação ativa em todo o processo, inclusive
na exposição de suas necessidades para a reparação dos
danos e eventual restauração de vínculos, é extremamente
Por tudo o que se expôs acima, é essencial adotar, pedagógico para o adolescente compreender a extensão
nas Práticas Restaurativas, um enfoque psicossocial e de do impacto de suas atitudes. É aí, também, que começam
proteção, sob o risco desta experiência tornar-se incoerente a desenhar-se por quais ações ele poderá ficar responsável
e (re) vitimizadora. Para tanto, é importante que qualquer quando da construção do acordo/plano de ação.
intervenção junto a crianças e adolescentes envolvidos com
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Pontos-Chaves
O enfoque de proteção concretiza-se em ações de de Aprendizagem
prevenção à violência e reincidência do ato infracional. O
objetivo, aqui, além de garantir os direitos das crianças e Um projeto em Justiça juvenil restaurativa tem foco
dos adolescentes, é propiciar um espaço seguro para lidar na garantia de direitos de crianças e adolescentes,
com os conflitos e violências, onde todos possam se sentir à em suas necessidades (individuais, sociais,
vontade. Isto inclui o estabelecimento da Política de Proteção espirituais) em suas potencialidades e competências,
Institucional, um conjunto de regras e procedimentos que na construção do senso de responsabilidade e de
os agentes de uma instituição devem seguir para preservar relações éticas; para uma convivência familiar e
a segurança dos adolescentes, com fins de garantir que comunitária.
nenhuma criança ou adolescente seja vítima de qualquer tipo
de violência dentro do espaço institucional, assegurando Um enfoque psicossocial e de proteção perpassa
condutas, fluxos e procedimentos a serem tomados tanto uma prática institucional de construção de paz,
no dia a dia como em situações de irregularidades. em respeito ao desenvolvimento de crianças e
adolescentes em sua condição peculiar, oferecendo-
lhes espaço educativo, dialógico e protetivo.
64
FIQUE SABENDO Foca na capacidade de resiliências dos sujeitos e
65

comunidades.
Terre des hommes tem sistematizado, desde
2002, uma Política de Proteção Institucional que As práticas restaurativas consistem na construção de
é difundida em seus projetos e nas instituições um lugar seguro para que os envolvidos dialoguem
parceiras. Tal política prima em preservar o bem sobre o fato ocorrido e sintam-se confiantes em falar
estar da criança ou do adolescente e prevenir atos suas verdades, aquilo que discordam e construírem
de violência por parte de seus colaboradores sob estratégias que lhes ajudem a alcançar mudanças
todas as formas (negligência, violência sexual, física, positivas em suas vidas. Para isso é importante
psíquica, abandono); proporcionando às crianças e uma política de proteção com o fim de preservar o
adolescentes um ambiente seguro e acolhedor e aos bem estar da criança ou adolescente e prevenir atos
profissionais as orientações necessárias, com base de violência por parte de seus colaboradores ou de
em um código de conduta, para agir em defesa dos parceiros.
direitos infanto-juvenis.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Anotações

66 5. Metodologia das 67

Práticas Restaurativas
Agora que conhecemos os conceitos fundamentais
das Práticas Restaurativas, incluindo sua origem no
movimento da Justiça Restaurativa, é hora de conhecer
as Práticas em si. A Organização das Nações Unidas, por
meio de um de seus Conselhos, também se preocupou
em definir o que são as práticas restaurativas: “quaisquer
processos onde vítima e ofensor, bem como demais outros
indivíduos ou membros da comunidade que foram afetados
pelo conflito em questão participam ativamente na resolução
das questões oriundas desse conflito, geralmente com ajuda de
um facilitador”. (Resolução 2002/12 do Conselho Econômico
e Social das Nações Unidas).
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Segundo a resolução da ONU, portanto, a mediação na mesma posição – um ao lado do outro -, tendo, cada
de conflitos e violências pode ser considerada uma prática um, a oportunidade de encontrar e olhar aos demais de
restaurativa, na medida em que promove contato entre frente. Associada à simbologia do círculo, que evoca os
ofensor e receptor para a resolução do fato ocorrido. Além sentimentos de unidade, interdependência e encontro,
dela, existem outras práticas, sobretudo os processos os processos circulares promovem a resolução positiva e
circulares de resolução de conflito e de atos violentos coletiva de conflitos e violências.
(Círculos de Paz e Círculos Restaurativos).
Existem duas metodologias de processos circulares
Tais práticas propõem metodologias distintas para diferentes que podem ser utilizadas pela Justiça Restaurativa
lidar com situações diversas, tendo em comum os sujeitos e que vem acontecendo no Brasil: os Círculos de Paz e os
que dela participam (autor, receptor, facilitador e, no caso Círculos Restaurativos. As duas são desenvolvidas por
das práticas circulares, a comunidade), bem como os um facilitador e cofacilitador capacitados nas respectivas
princípios e, sobretudo, o objetivo restaurativo: promover, metodologias. Além das partes diretamente envolvidas
em face de um conflito ou de uma situação de violência, participam também, dos Círculos, os convidados indicados
o encontro entre autor, receptor e comunidade para que, por autor e receptor (representando a comunidade),
juntos, esses sujeitos possam superar o ocorrido e planejar que atuarão como apoio para contribuir na resolução do
os passos do futuro. problema.
68 69
Antes do círculo em si existe um encontro
preparatório chamado Pré-Círculo, no qual cada pessoa
convidada para a prática restaurativa será ouvida sobre seu
interesse, disponibilidade e necessidade em participar do
círculo. Neste momento o facilitador também deve explicar
cada etapa do processo restaurativo, para que o participante
esteja ciente de cada momento e que se sinta sempre à
vontade e seguro para decidir sobre sua participação.

Atenção: É muito importante esclarecer que os


5.1 Processos processos circulares são oportunidades para a resolução

Circulares
do fato ocorrido e que esta solução, o cumprimento dos
acordos e as mudanças positivas que podem decorrer
dependem dos envolvidos. O facilitador não pode prometer
Os processos circulares são muito mais do que a ou assegurar o que não é do seu alcance.
organização de pessoas em círculos, constituindo-se em
metodologias de conexão profunda, respeitosa e igualitária Feita a preparação de todos os envolvidos, o próximo
entre seus participantes, uma vez que todos se encontram passo é o encontro propriamente dito – o Círculo - onde
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

as pessoas poderão ser ouvidas em suas necessidades e Preferencialmente sem fazer uso de mesa. Um
valores, reconhecendo-se como semelhantes, num espaço círculo dá ênfase à ideia de igualdade, horizontalidade
de diálogo e respeito. Ao final eles constroem um acordo, e conectividade. Isto possibilita que todos se vejam,
com compromissos firmados, responsáveis e prazo de assumam suas responsabilidades, frente a frente. Com
cumprimento de cada ação. O último passo do Círculo o círculo, não se tem a
é definir como será feito o monitoramento do acordo, sensação de divisão, de
chamado de Pós-Círculo. preferências, de tomada
de partido. A forma
O Pós-Círculo é a última etapa, uma espécie de circular cria o senso de
monitoramento na qual se identificam e avaliam os foco, de centrar-se naquilo
cumprimentos (ou descumprimentos do acordo) e se as a que nos reunimos.
necessidades colocadas por cada um durante o Círculo Estar em círculo aumenta
foram atendidas. a responsabilização,
porque a pessoa inteira,
em sua linguagem verbal
Círculos de Paz e corporal, está sempre
evidente para todos.
70 71
Os Círculos de Construção de Paz são um conjunto
de processos circulares inspirados nos costumes dos
Cerimônias:
povos tradicionais da América e da Nova Zelândia. Existem
Nos círculos de paz, fazemos uso de cerimônias
vários tipos de Círculos de Paz, cada um relacionado a um
de abertura e fechamento para marcar aquele lugar como
objetivo distinto (Círculo de Diálogo, Círculo de Apoio, etc),
sagrado, isto é, de respeito, de foco naquilo a que nos
inclusive o Círculo de Resolução de Conflitos, que como o
propusemos. As cerimônias delimitam o espaço do círculo,
próprio nome indica, media o encontro entre duas ou mais
retirando ou devolvendo as pessoas ao seu cotidiano,
pessoas para superar um conflito.
fazendo com que, nesse meio tempo, os participantes
estejam presentes com eles mesmos e com os demais
Segundo Kay Prannis, especialista norte americana
de maneira completa e verdadeira, diferente de outros
e instrutora de Círculos de Construção de Paz e Justiça
encontros.
Restaurativa, para o facilitador de círculos de paz, alguns
As cerimônias de abertura são um acolhimento
elementos são fundamentais para planejar o processo
que ajuda os participantes a centrarem-se naquilo a
circular e especialmente para criar o espaço para que
todos os participantes falem sua verdade sobre a situação
ocorrida de maneira respeitosa, buscando a resolução do
conflito, violência ou da dificuldade vivida. Tais elementos
são:
Disposição em Círculo:
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

que concordaram em participar, para evitar a distração, Isto porque elas não são impostas pelo facilitador, mas
reconhecer sua interconectividade, preparar-se para o construídas por consenso com todos os participantes. São,
encontro. É aqui também que se apresenta e explica a portanto, lembretes de qual nosso propósito no círculo,
chamada “peça de fala”. porque estamos reunidos e o que queremos: dialogar de
forma respeitosa, restaurarmos vínculos e construirmos
Cerimônia de fechamento é o momento de acordos que nos ajudem na mudança.
reconhecer e agradecer o esforço dos participantes por
todo o processo. Realça nossa interconectividade, dando Objeto da palavra:
ênfase ao sentido de esperança. Prepara os participantes Este é outro elemento fundamental: a peça do
ao retorno ao seu dia a dia, ao espaço de seu cotidiano, diálogo regulamenta a fala, pois o objeto é passado de
mas levando consigo a experiência, os valores conectados pessoa a pessoa que pode, tendo a peça em suas mãos,
e a aprendizagem construída durante o processo. ofertar sua fala, ofertar sua escuta ou oferecer seu silêncio.
O uso do objeto da fala permite a expressão completa das
Peça de Centro: emoções, uma reflexão atenciosa e um ritmo sem pressa.
Tem como objetivo criar um ponto de convergência Com o objeto da fala, mostra-se ao grupo que o poder de
comum entre as pessoas. Geralmente fica no chão, no expressão, de fala, de silêncio é dele. Reduz, com isso, o
centro do espaço aberto que se constitui quando as controle do facilitador, pois compartilha com todos os
72 pessoas estão sentadas. Em geral, a peça é feita de tecido participantes o controle do processo. 73
e nela se podem incluir objetos que representem valores
que ajudam a pessoas a conectarem-se com o melhor de Perguntas norteadoras:
si. Tais objetos podem ser ofertados pelo facilitador e se Neste círculo, utiliza-se de perguntas ou temas
procura relacioná-los com os aspectos positivos da cultura
e contexto do grupo a fim de conectar os participantes
com as forças e potencialidades deste contexto. Também
pode ser constituído por objetos que os participantes A peça de fala ou bastão de fala é um objeto
trazem e que foram já no pré-círculo, identificados junto que passa de pessoa para pessoa dando a volta no
com o facilitador, como capazes de criar a sintonia entre as círculo. Como é indicativo, quem está de posse do
pessoas. bastão tem a oportunidade de falar enquanto os
outros participantes têm a oportunidade de escutar
Valores e diretrizes: sem pensar numa resposta. Mas o detentor do bastão
Ou linhas guias. Constituem-se de orientações pode decidir oferecer um momento de silêncio ou
que o grupo constrói e assume durante todo o encontro passar o bastão sem falar. Não há obrigatoriedade de
para que o lugar se torne seguro para a expressão, para falar quando o bastão está nas mãos de alguém, mas
falar as verdades, para “tirar as máscaras”. Embora sejam só quem está com o bastão pode falar.
orientadoras, as linhas guias não são regras fixas e rígidas
(como estamos comumente acostumados a vivenciar).
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

norteadores no início de muitas rodadas Círculo de Apoio:


para estimular a conversa sobe o principal Seguindo os mesmos procedimentos de um Círculo
interesse que motivou o encontro. Cada de Paz, os Círculos de apoio se caracterizam como o próprio
membro, fazendo uso da peça, terá a nome indica para oferecer apoio relacionado à necessidade
oportunidade de responder as perguntas de um indivíduo fazer mudanças significativas, por vezes
que devem ser preparadas com cuidado drásticas em seu comportamento. Para isto haverá outras
e antecedência a fim de que realmente pessoas (representando a comunidade) que ajudam este
facilite o diálogo, a conexão e respeito indivíduo a organizar um plano de ação do que cada um vai
entre as pessoas. fazer para dar apoio a esta pessoa na mudança que precisa
Variáveis de Círculos de Paz fazer. Este plano de ação também tem um prazo para ser
monitorado.

Por vezes, um Círculo de Apoio pode ser realizado em


ATENÇAO preparação a uma Mediação, um Círculo Restaurativo ou de
Resolução de Conflitos, fortalecendo autor ou receptor para
Fazer perguntas ou lançar temas não é algo que eles se sintam prontos para participar de uma prática
inquisitivo. NÃO ESTAMOS EM UM JULGAMENTO. O com o outro polo do conflito.
74 objetivo é ajudar as pessoas a se expressarem sobre 75
assuntos e em situações difíceis, a dialogarem, a Círculos de Compromisso:
entrarem no tema principal que lhes levaram ao círculo. Processo circular envolvendo autor/es e comunidade
(famílias, profissionais etc) com fins de construir um
Exemplo de perguntas ou temas: “Como você plano de ação que tanto indica de que forma se dará a
está se sentindo hoje? Há alguma coisa que você acha responsabilização diante um fato ocorrido, como firma
importante que saibamos?” “Que atitudes você gostaria um pacto entre os participantes em torno de um objetivo
que assumíssemos aqui para que nosso diálogo seja a ser alcançado. Um Círculo de Compromisso poderia ser
saudável?” “Como você se sente a respeito desta utilizado, por exemplo, no cumprimento de uma medida
situação?”. socioeducativa podendo dar, inclusive, subsídios para a
elaboração do Plano Individual de Atendimento; ou no
As perguntas ou temas norteadores têm o ambiente escolar, para evitar medidas mais drásticas, como
objetivo de estabelecer valores e comportamentos uma expulsão, ajudando as pessoas a assumirem condutas
coconstruídos como parâmetros da dinâmica do com base em um processo disciplinar ético e restaurativo.
círculo. Com isso, oportuniza que as pessoas atuem
conforme os compromissos assumidos e promove Em Terre des hommes, a realização dos Círculos de
um espaço seguro e protegido para se dialogar sobre Compromisso vem sendo uma possibilidade dialogada no
situações complexas e delicadas. processo formativo realizado com profissionais que fazem
o atendimento a adolescentes que receberam a sentença de
medida socioeducativa em meio aberto.
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

Círculos Restaurativos
Círculos de Reintegração:
Geralmente usados para pessoas que estão excluídas
São encontros circulares em que autor/es , receptor/
e voltarão para as famílias e comunidades com fins de
es e a comunidade se unem como iguais para reparar os
promover reconciliação e aceitação. É feito um plano de
danos, restaurar dignidade, segurança, justiça e reintegração
ação em consenso entre autor/es, suas famílias e rede de
de todos na sociedade. É um espaço de compreensão
apoio: as perspectivas previstas, a visão de futuro e o que
mútua, autorresponsabilização e de acordos. São baseados
necessita ser feito daqui pra frente por todos os envolvidos
nos seguintes princípios com base na Comunicação Não
que assumem compromissos para efetivar a mudança.
Violenta:
São utilizados, por exemplo, com adolescentes que estão
• Quanto mais voluntário o processo mais
saindo de unidades de internação trabalhando este ritual
restaurativo é o resultado;
de passagem do processo de cumprimento da medida de
• Quanto mais consensual o acordo mais o
internação ao retorno ao convívio familiar e comunitário.
grau de autorresponsabilização;
• Quanto mais escuta empática, maior
Círculos de Celebração: circularidade e maior compreensão;
Por seu próprio nome é utilizado para celebrar:
• A crença nos seres humanos e em sua
aniversários, o cumprimento dos acordos; as vitórias
76 capacidade de mudança; 77
conseguidas, encontros estabelecidos; para grupos de
• A confiança no impacto transformador da
trabalho que querem comemorar algo etc.
empatia.
Há ainda outros como os Círculos de criação do
Algumas condições são importantes para serem
senso comunitário: em locais de trabalho, com pessoas
realizados os Círculos Restaurativos (CR):
que estão em relação contínua, para atingir um objetivo
comum. Os Círculos de Diálogo para criar um espaço
• Assumir a autoria do ato: “eu fiz isto”;
onde as pessoas vão conversar sobre um tema e não
• É necessário voluntariedade: todos desejam
necessariamente chegar a um consenso. É o exercício de
participar, aceitado o convite;
ouvir e ser ouvido, experienciando o diálogo respeitoso.
• Horizontalidade: não há nenhuma pessoa
Não requer preparação individual. Os valores e linhas-
com mais saber ou poder que outra. O respeito a cada um
guias são a base para estes tipos de círculos. Em Tdh esses
é igual independente da idade, da condição econômica,
círculos de diálogo e de criação do senso comunitário
formação, experiência etc. Isto também está relacionado
estão sendo muito importante para construir o sistema
ao facilitador que nos CR é uma pessoa da comunidade
restaurativo e ajudar-nos tanto internamente como junto
que apoiará aos membros a dialogarem, a identificarem
aos parceiros focarmos na implementação de um Projeto
suas necessidades e a dos outros, reconectarem entre si,
em Justiça Juvenil Restaurativa.
fazerem o acordo, porém não se coloca no papel de líder ou
de quem sabe mais;
Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa Prevenindo a violência e promovendo a Justiça Juvenil Restaurativa

• Foco no ato: é muito importante focalizar no outro saiba como você está agora em relação ao ato e suas
ato que gerou a demanda do CR (e acerca disto o facilitador consequências? O que você ouviu ele dizer? É isto?
vai apoiar os participantes) e não em situações outras que
não estão relacionadas com ele. • Autorresponsabilização: perguntas-chave do
facilitador: O que você estava buscando quando fez o que
Envolvendo a(s) vítima(s), autor (ou ofensores) e a fez? O que você ouviu ele dizer? É isto?
comunidade se unem como iguais para reparar os danos,
restaurar dignidade, segurança, justiça e reintegração de • Acordo: pergunta-chave do facilitador: O
todos na sociedade. Está organizado em três etapas pré- que vocês gostariam de ver acontecer agora? Propor que
círculo, círculo e pós-círculo cada um com uma dinâmica pensem em ações concretas e possíveis.
específica:
Pós-círculo: é um novo encontro
No pré-círculo: identifica-se o fato que será estabelecido ao final dos círculos,
levado ao círculo. É aqui também que se realiza envolvendo as partes. Tem como objetivo
com uma escuta empática a identificação das fazer o acompanhamento e a avaliação
necessidades e valores da pessoa com quem acerca das ações construídas no acordo
se está dialogando. Em seguida explica-se o e confirmar se as necessidades foram
78 processo (etapa da informação), a aceitação em participar atendidas. Com o acordo cumprido 79
(consentimento) e a identificação de quem deve participar faz-se a celebração, mas se não, faz-se um novo acordo
para ajudar. retomando as necessidades não atendidas.

5.2
Para esta etapa há algumas perguntas-chaves que
orientam o facilitador. Ex: “o que foi feito ou dito que você Mediação
quer levar para o círculo?”; “Eu creio que estou ouvindo
você dizer que….” (e põe uma necessidade que crer estar
A mediação é um processo em que os participantes
relacionada ao que o outro falou) (para o momento da
(autor e receptor) têm a possibilidade de repensar os seus
escuta empática); Quem precisa participar do círculo para
conflitos e buscar opções para os seus problemas através
mudar esta situação? Consentimento. Você quer ir adiante?
do diálogo, facilitado pelo apoio de um terceiro chamado
de mediador. É um fazer prático, cotidiano que se aprimora
No círculo restaurativo: O CR é constituído
no dia a dia do mediador, a quem não devem faltar: ouvidos
por três momentos:
atentos para a escuta, criatividade para animar os diálogos
• Compreensão mútua: pessoa “A” fala
e, sobretudo, sensibilidade para compreender os conflitos.
para a pessoa “B” que fala para a pessoa “A”
dizendo o que compreendeu de “A” que, por
Assim como as outras práticas restaurativas aqui
sua vez, confirma (ou não). Perguntas-chaves
especificadas, na mediação gerar confiança é um dos
feitas pelo facilitador: O que você quer que o
elementos fundamentais e, para isso, o mediador escuta
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a situação conflituosa que está sendo trazida por uma das Isto possibilita que as pessoas vão construindo
partes, identificando seus interesses para a medição. É outra perspectiva acerca do que foi vivido, transformando
também o momento que explica o processo, assegura a uma visão negativa em uma visão cooperativa. Esta
confidencialidade com o sigilo dos diálogos; esclarece sobre transformação vai se fortalecendo exatamente na realização
os limites da mediação e do mediador e informa sobre as da segunda etapa que é o desenvolvimento da mediação
implicações dos acordos quando eles são elaborados. Isto propriamente dita cabendo ao mediador escutar ativamente
constitui a primeira etapa da mediação: pré-mediação. os relatos, identificar as posições e os interesses dos
envolvidos, instigar as partes para a compreensão dos seus
Durante todo o processo (desde a pré-mediação), o próprios conflitos e, em seguida, a busca para as soluções
mediador faz uso de uma escuta ativa, a fim de identificar o para suas demandas.
ponto de vista de cada um, seus interesses e a posição que
cada um está assumindo diante o conflito. Outro aspecto Aqui se pode propor uma chuva de ideias, onde
importante é que na mediação usa-se das chamadas o mediador pode sugerir aos envolvidos que construam,
perguntas circulares em que o mediador deve fazer conjuntamente, possíveis meios para a resolução do
perguntas que ajudem as pessoas a olharem o conflito conflito. Após, o mediador deve ajudá-los a selecionarem
de outra forma e numa perspectiva de futuro. O objetivo as soluções que possam ser realizadas que lhes garanta
aqui é ajudar a pessoa a deslocar-se de sua visão unilateral a boa convivência. Isto é fundamental para se fazer um
80 do conflito, abrindo a possibilidade de conceber novas acordo que venha a ser cumprido. 81
perspectivas.
A conclusão da mediação se dá pelo preenchimento
de formulário do acordo, assinado pelas partes envolvidas e
Exemplos de Perguntas Circulares pelo mediador. Tal acordo deve estar escrito de forma clara
e objetiva, com palavras de fácil compreensão e descrição
Como você se sentiria se estivesse no lugar do outro? dos compromissos, a fim de não deixar dúvidas quanto à
responsabilidade das partes.
O que você acredita que seus familiares irão dizer
sobre o que aconteceu? É muito importante lembrar que nem todos os
Como foi sua relação com ele/a no passado? conflitos são mediáveis: não podemos compreender as
práticas restaurativas como “salvação”. Algumas pessoas
Como você gostaria de se relacionar com ele/a no podem não aceitar convite. Pode ser que a posição entre as
futuro? partes dificulte alguns princípios básicos como a igualdade
e equidade. Exemplo: vítimas de violência sexual estão
Como você chegou a essa conclusão?
muito fragilizadas e muitas vezes em situação de extrema
Poderia me esclarecer? vulnerabilidade diante o autor, dificultando com isso o
diálogo, a restauração.
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5.3 O(a) facilitador(a)


O facilitador fornece espaço para o ato criativo e
arrisca-se, mas de forma cuidadosa, pois cuida, construindo
um espaço seguro para o inesperado (como o diálogo).
O(a) facilitador(a) de processos circulares, ou
mediador(a), cuida da qualidade do processo das práticas
restaurativas. É sua função acolher pessoas que tiveram
a coragem para o diálogo e cuidar de manter os valores e Pontos-Chaves
princípios que orientam o encontro. É importante que o(a)
facilitador(a) esteja focado para o momento da prática e na
de Aprendizagem
condução das perguntas que realmente facilitem o diálogo.
Para isso é muito importante cuidar de si mesmo antes do A (Organização das Nações Unidas, por meio da
encontro para chegar bem nele, reconhecer os próprios Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social
limites e ter a clareza de que o poder de decisão não lhe das Nações Unidas), define as práticas restaurativas:
cabe. “quaisquer processos onde vítima e ofensor, bem como
demais outros indivíduos ou membros da comunidade
Para Kay Prannis, o facilitador tem o papel de zelar pelo que foram afetados pelo conflito em questão participam
bem estar do grupo, sendo o mais importante fazer com que, ativamente na resolução das questões oriundas desse
82 neste momento, o círculo seja um lugar seguro para que as conflito, geralmente com ajuda de um facilitador”. 83
pessoas sintam-se a vontade para falar suas verdades e para
dizer quando algo não estiver funcionando. Para isso, uma Diversas são as práticas restaurativas (mediação,
dica que ela nos apresenta é de não esquecermos que somos
círculos de paz, círculos restaurativos, etc), tendo
humanos: “Não há problema em pedir ajuda no círculo. Não há
em comum os sujeitos que dela participam (autor,
problema em não conseguir fazer tudo “certo”. Isso requer humildade
e abertura para feedback (…) Não quer dizer que os facilitadores vão
receptor, facilitador e, no caso das práticas circulares,
ter todas as respostas. (…) é o círculo com todos os seus membros a comunidade), bem como os princípios e, sobretudo,
fazendo um esforço de boa fé para solucionar os problemas de forma o objetivo restaurativo: promover, em face de um
consistente com os valores do processo” (2011: 22) conflito ou de uma situação de violência, o encontro
entre autor, receptor e comunidade para que, juntos,
O(a) facilitador(a) ou mediador(a) deve ter uma esses sujeitos possam superar o ocorrido e planejar
visão ampla das relações, isto é, compreender que tudo no os passos do futuro.
universo está em conexão, somos seres interconectados;
parte de uma rede histórica em constante evolução. O(a) facilitador(a) ou mediador(a) de conflitos atua
com imparcialidade, respeito ao outro, com uma visão
O facilitador é um ser curioso: busca sair de focada nas relações, utilizando-se de seu potencial
conclusões imediatas, dos dualismos comuns (eu X outro; criativo, na crença e esperança na humanidade tecer
certo X errado; bom X mau); respeita a complexidade diálogos.
e o contraditório. Suspende julgamento e mobiliza a
imaginação.Interroga (-se).
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Anotações
SAIBA MAIS
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei federal 8.069/90.

Fundación para la Cooperación, Synergia Universidad Nacional


de Colombia at all. Acción sin daño como aporte a la construcción
de paz. Propuesta para la práctica. 2011.

PRANIS, Kay. Processos Circulares. São Paulo - São Paulo, Palas


Athena:2010

__________Círculos de justiça restaurativa e de construção de


paz: guia do facilitador. Tradução: Fátima De Bastiani. Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2011.

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, Lei federal


12.594/2012.

Terre des hommes. Círculos Restaurativo, Guia metodológico


84 para facilitadores. Fortaleza-Ceará: 2011. 85

______________. Vozes: que pensam os/as adolescentes sobre


atos infracionais e as medidas socioeducativas. Fortaleza-Ceará:
2012.

______________. Diálogos Restaurativos: Revista especializada


em Justiça Juvenil Restaurativa - Edição Especial. São Luis -
Maranhão:2010.

_______________ e Ministério Público do Ceará. Guia de


orientação sobre fluxo de atendimento aos adolescentes com
práticas restaurativas. Núcleo de Mediação Comunitária do Bom
Jardim, Fortaleza - Ceará, 2012.

ZHER, Howard. Trocando as lentes. Um novo foco sobre o crime


e a Justiça Juvenil Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker.
São Paulo- São Paulo, Palas Athena: 2008.

Sites:
www.tdhbrasil.org
www.justica21.org.br
Terre de hommes Lausanne no Brasil
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