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Desafios na Ressocialização Penal

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FACULDADE DE ENSINO E CULTURA DO CEARÁ – FAECE

CURSO DE DIREITO

JEFFERSON HOLANDA DE OLIVEIRA

OS DESAFIOS NA RESSOCIALIZAÇÃO DE APENADOS NO BRASIL

FORTALEZA- CE
2024.1
JEFFERSON HOLANDA DE OLIVEIRA

OS DESAFIOS NA RESSOCIALIZAÇÃO DE APENADOS NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Bacharelado em Direito, da Faculdade de Ensino e Cultura do
Ceará – FAECE, como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Rodrigues Melo

FORTALEZA-CE
2024.1
FORMULÁRIO DE SOLICITAÇÃO DE FICHA CATALOGRÁFICA

Autor : JEFFERSON HOLANDA DE OLIVEIRA

Título: Os desafios na ressocialização de apenados no Brasil.

Data: (ano de defesa) 2024 Nº de folhas: 32

Curso: DIREITO

Orientador (nome completo): Márcio Rodrigues Melo

Marque sua instituição: FAFOR

Palavras-chaves: DESAFIOS. RESSOCIALIZAÇÃO. APENADOS.

E-mail: [email protected]
Telefone: +55 (85) 9 9429 - 7377
OLIVEIRA, Jefferson Holanda.

Os desafios na ressocialização de apenados no Brasil / Jefferson Holanda de Oliveira – 2024.1.

Orientador: Flávio Rodrigues de Sousa Filho.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Faculdade de Fortaleza – FAFOR, Curso de


Direito, 2024.1.
Ressocialização. Preconceito social. Apenados.
FACULDADE DE FORTALEZA
CONTROLADORIA DO CURSO DE DIREITO SUPERVISÃO DE MONOGRAFIA
JURÍDICA

ATA DA SESSÃO DE AVALIAÇÃO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO


DE DIREITO

A monografia intitulada “Os desafios na ressocialização de apenados no Brasil”, produzido


pelo aluno Jefferson Holanda de Oliveira, foi apresentada em sessão pública de arguição e
avaliação, perante a Banca Examinadora formada pelos membros abaixo assinados, tendo
obtido aprovação com nota _____ e sido julgada adequada e aprovada para suprir exigência
parcial inerente à obtenção de grau de Bacharel em Direito, em conformidade com os
normativos do MEC.

Fortaleza – Ceará,___de____________de 2024.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________
Prof. Dr. Márcio Rodrigues Melo (FAFOR - orientador)

______________________________________
Prof. Esp. Flávio Rodrigues de Sousa Filho (FDUC - Examinador)
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, que me deu
forças para superar todas as fases difíceis que passei, e
ao total apoio de minha família, mãe, pai, irmãs,
incluindo minha namorada, que sempre me ajudaram e
estiveram ao meu lado, me dando forças e
discernimento.
Com todo meu amor e gratidão.

AGRADECIMENTOS
Concluo o curso de Direito com muito orgulho, refletindo sobre cada dificuldade que
enfrentei, os momentos em que pensei em desistir e as ocasiões que me fizeram questionar se
todo o esforço valeria a pena. Contudo, com o apoio incondicional da minha família, cresci e
encontrei forças para superar todos os obstáculos e os desafios desta fase acadêmica.
Minha família sempre foi meu pilar, minha força e meu apoio nos momentos difíceis.
Agradeço profundamente por estarem sempre ao meu lado e nunca desistirem de mim nos
momentos de dúvida. Vocês sempre foram e sempre serão minha luz, iluminando meu
caminho e ajudando-me a encontrar forças para jamais desistir dos meus sonhos.
Agradeço a Deus por me proporcionar a oportunidade de adquirir os conhecimentos
que hoje possuo na área do Direito. Sempre foi um sonho cursar Direito e me destacar na
minha área. Sou grato pela força concedida para concluir esta difícil etapa acadêmica.
Contudo, além das dificuldades, houve também momentos de alegria, risos em sala de aula,
amizades construídas, professores que conheci e dos quais me orgulho em ter sido aluno.
Foram muitos momentos e sentimentos ao longo desses cinco anos, experiências que
levarei para toda a vida. Agradeço aos amigos que estiveram ao meu lado, aqueles que fiz na
faculdade e que levarei para a vida, e que também serão meus futuros colegas de profissão.
Concluo esta etapa acadêmica e inicio um novo ciclo em minha vida. Agradeço a todos que
compartilharam comigo este período e contribuíram para esta experiência de vida.
Sonho realizado!
“Para reconstruir-se é importante que
ultrapassem o estado de quase ‘coisas’”.
(Paulo Freire)
RESUMO

Da criação dos primeiros castigos aos dias atuais, o desenvolvimento social, político e cultural
permitiu que a finalidade das penas evoluísse de meramente punitivas à função preventiva,
que não só busca prevenir que novos delitos sejam cometidos, como também ressocializar o
condenado. Apesar das políticas públicas de ressocialização de presos, que utiliza dentro do
ambiente carcerário ferramentas como o oferecimento de estudo formal - que abrange a
alfabetização, a conclusão do ensino regular e até mesmo cursos de graduação superior à
distância -, cursos profissionalizantes, oportunidades de trabalho, promoção da saúde mental
através da atuação de psicólogos em atendimentos individuais, a ressocialização de presos tem
sido um grande desafio para o Estado uma vez que esbarra em suas próprias deficiências
práticas e burocráticas, desde a morosidade processual do sistema judiciário, a estrutura física
e organizacional das unidades prisionais indo a questões de controle, teoricamente, ainda mais
difíceis como a atuação de organizações criminosas nos presídios e o preconceito social
sofrido pelos apenados. O presente trabalho apresenta breve análise sobre alguns desses
obstáculos, objetivando uma melhor compreensão sobre o referido tema.

Palavras-chave: Ressocialização. Presos. Estado. Desafios. Sociedade.


ABSTRACT
From the creation of the first punishments to the present day, social, political and cultural
development has allowed the purpose of punishments to evolve from merely punitive to a
preventive function, which not only seeks to prevent new crimes from being committed, but
also to resocialize the convicted. Despite the public policies for the resocialization of
prisoners, which uses tools such as the provision of formal education within the prison
environment - which encompasses literacy, the completion of regular education and even
higher education courses at a distance -, professional courses, job opportunities, promotion of
mental health through the work of psychologists in individual care, the resocialization of
prisoners has been a great challenge for the State since it comes up against its own practical
and bureaucratic deficiencies, From the procedural slowness of the judicial system, the
physical and organizational structure of the prison units, going to control issues, theoretically,
even more difficult, such as the performance of criminal organizations in prisons and the
social prejudice suffered by the inmates. The present work presents a brief analysis of some of
these obstacles, aiming at a better understanding of this theme.
Keywords: Resocialization. Stuck. State. Challenges. Society.
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
LEP - Lei de Execução Penal
Art. - Artigo
DST - Doença Sexualmente Transmissível
AIDES - da sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
SENAPPEN - Secretaria Nacional de Políticas Penais
DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
ENCCEJA - Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
ONG - Organização Não Governamental
CP - Codigo Penal
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
1. A EVOLUÇÃO DO OBJETIVO DAS PENAS NO BRASIL.........................................14
1.1 Período colonial e imperial……………………………………………………………….15
1.2 Primeira república e início do século XX...........................................................................16
1.3 Ditadura militar e a era contemporânea..............................................................................16
1.4 Desafios atuais e perspectivas futuras.................................................................................16
2. A RESSOCIALIZAÇÃO DE PRESOS E OS DESAFIOS DO
ESTADO .......................18
2.1 A Realidade do sistema
prisional.........................................................................................19
3. A UTOPIA DA RESSOCIALIZAÇÃO E SUAS
FERRAMENTAS...............................22
3.1 Educação
formal..................................................................................................................22
3.2 Assistência
psicossocial.......................................................................................................23
3.3 Profissionalização e
trabalho...............................................................................................24
4. A CRIMINALIDADE NO AMBIENTE PRISIONAL COMO PRODUÇÃO
ESTATAL................................................................................................................................27
5. O PRECONCEITO SOCIAL COMO ÚLTIMA BARREIRA NA
SOCIALIZAÇÃO...................................................................................................................28
CONSIDERAÇÕES FINAIS………………….…………….……...………………………30
REFERÊNCIAS......................................................................................................................32
13

INTRODUÇÃO
Ao privar da liberdade indivíduos delituosos, o Estado assume a responsabilidade não
apenas de retribuição, mas de coibir e prevenir novos desvios, isolando-os da sociedade
enquanto busca, em um ambiente controlado, fazer com que se tornem conscientes, capazes
de respeitar o ordenamento jurídico e cooperar com os objetivos e regras sociais para então
serem reintegrados a sociedade.
A divergência entre teoria e realidade em todos os componentes do sistema carcerário
apresenta-se como a primeira barreira na ressocialização de presos, tendo como o fim do
caminho o reencontro desse indivíduo com a sociedade que na maioria das vezes o
estigmatiza e não o trata com base em seu esforço de mudança, suas habilidades, seus valores
ou na consciência adquiridos durante o período de reclusão, assim reduzindo suas
oportunidades de voltar a integrar a comunidade da qual antes fazia parte. A soma dos
obstáculos sofridos no processo de ressocialização dificulta e desestimula o detento ou ex-
detento que, dentro ou fora dos muros das instituições, busca apossar-se de seus direitos
sociais, pois, sucessivamente, desde o início da aplicação da pena, lhe vê negados direitos e
garantias assegurados pela Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execução Penal (LEP).
Pretende-se, portanto, apresentar essas questões em seus aspectos gerais, analisando o
peso de cada uma delas no papel da pena como função social, observando as necessidades de
reforma nas políticas públicas e na cultura da sociedade, apresentando Estado e comunidade
sob as facetas de ferramentas de ressocialização e produtoras de indivíduos delituosos.
14

1. A EVOLUÇÃO DO OBJETIVO DAS PENAS NO BRASIL


No direito moderno brasileiro, pena é a consequência jurídica imposta a um indivíduo
após a prática de um crime. Ela representa a resposta do Estado ao autor da infração, visando
à necessidade de cumprimento das leis e à prevenção da reincidência. A pena pode se
manifestar de diversas formas, como a restrição da liberdade, a limitação de direitos ou a
aplicação de multas, sempre considerando a culpabilidade e a proporcionalidade dos atos
cometidos.

A sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma


sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou
privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao
delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela
intimidação dirigida à coletividade. (CAPEZ, 2007. p. 358-359).

Entretanto, nem sempre foi assim. Durante o Período Colonial, a pena privativa de
liberdade tinha como função primordial evitar a fuga dos detentos, garantindo que não
escapassem das consequências do julgamento. Nesse contexto, os castigos impostos eram
frequentemente considerados absurdos. As ponderações de Batista Pereira (1932, v. II, p. 14-
15) esclarecem essa realidade histórica.
Na previsão de conter os maus pelo terror, a lei não media a pena pela gravidade da
culpa; na graduação do castigo obedecia, só, ao critério da utilidade. Assim, a pena
capital era aplicada com mão larga; abundavam as penas infamantes, como açoite, a
marca de fogo, as galés, e com a mesma severidade com que se punia a heresia, a
blasfêmia, a apostasia e a feitiçaria, eram castigados os que, sem licença de El-Rei e
dos Prelados, benziam cães e bichos, e os que penetravam nos mosteiros para tirar
freiras e pernoitar com elas. A pena de morte natural era agravada pelo modo cruel
de sua inflição; certos criminosos, como os bígamos os incestuosos os adúlteros, os
moedeiros falsos eram queimados vivos e feitos em pó, para que nunca de seu corpo
e sepultura se pudesse haver memória.
[...]
por este acervo de monstruosidade outras se cumulavam; a aberrância da pena, o
confisco de bens a transmissibilidade da infâmia do crime.

Com o avanço político e cultural da sociedade, o Direito passou por transformações


significativas, reformulando o propósito das penas. Essa evolução implicou na eliminação da
crueldade, dos interesses pessoais e dos preconceitos religiosos e de classe. Atualmente, as
penas são fundamentadas em princípios que visam garantir a dignidade humana, proibindo,
inclusive, os castigos físicos e criminalizando-os. Além de promover a civilidade nas relações
jurídicas com os cidadãos em geral, essa mudança tem como objetivo reduzir o índice de
reincidência criminal.
Esse cenário é corroborado pelas palavras de Beccaria no livro “Dos Delitos e Das
Penas” (2009, p. 49-50).
15

[...] a finalidade das penalidades não é torturar e afligir um ser sensível, nem
desfazer um crime que já está praticado.
[...]
Quanto mais terríveis forem os castigos, tanto mais cheio de audácia será o culpado
em evitá-los. Praticará novos crimes, para subtrair-se à pena que mereceu pelo
primeiro.
[...]
Para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão
particular, deve ser essencialmente pública, eficaz, necessária, a mínima das
possíveis nas circunstâncias dadas, proporcional aos crimes, ditada pelas leis.
Em caráter evolutivo, o Art. 5 da CF/88 a prevê:
[...]
XLVII - não haverá penas:
de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
de caráter perpétuo;
de trabalhos forçados;
de banimento;
cruéis;

Portanto, basta compararmos as informações para evidenciar o quanto as penas no


direito moderno, apesar do significado etimológico da palavra – sofrimento, aflição –, se
distanciaram da função inicial grosseira de castigar. Em teoria, elas passaram a desempenhar
um papel de poder na reparação da ordem social e na ressocialização do apenado.
A aplicação de penas no Brasil evoluiu significativamente ao longo dos séculos,
refletindo mudanças nas teorias penais, nas práticas judiciais e nas expectativas sociais sobre
a função do sistema de justiça criminal. Desde os tempos coloniais até os dias atuais, a
transformação do objetivo das penas revela uma trajetória complexa, marcada por transições
de uma lógica predominantemente punitiva para uma abordagem que busca equilibrar
punição, prevenção e reabilitação.

1.1 Período colonial e imperial

No período colonial, o sistema penal brasileiro era fortemente influenciado pelas


práticas portuguesas. Nesse contexto, as penas eram severas e exemplares, com um caráter
retributivo e intimidatório. O objetivo principal era demonstrar o poder do Estado e manter a
ordem social, em detrimento da reabilitação do infrator. Castigos físicos, como açoitamento e
mutilações, eram comuns, assim como as penas de morte e o exílio.
Já durante o Império, com a promulgação do Código Criminal de 1830, houve
algumas tentativas de humanização das penas. No entanto, a retribuição e a intimidação ainda
prevaleciam como os principais objetivos. As prisões eram vistas como locais de sofrimento e
expiação, sem consideração significativa pela recuperação dos presos.
16

1.2 Primeira república e início do século XX

Com a proclamação da República em 1889 e a subsequente promulgação do Código


Penal de 1890, o Brasil iniciou a incorporação de ideias mais modernas sobre o sistema penal,
inspiradas pelo positivismo criminológico europeu. Nesse período, deu-se início a uma lenta
transição do modelo retributivo para uma visão que incluía a prevenção e a correção.
O Código Penal de 1940, que ainda serve como base do sistema penal brasileiro, foi
um marco nessa evolução. Ele introduziu conceitos de penas alternativas e medidas de
segurança, refletindo uma preocupação crescente com a reabilitação e a reintegração social
dos infratores. A pena deixou de ser vista apenas como um castigo e passou a ser considerada
uma oportunidade de ressocialização.

1.3 Ditadura militar e a era contemporânea

Durante a ditadura militar (1964-1985), o sistema penal brasileiro sofreu retrocessos


significativos, com um aumento da repressão e do uso de penas severas como instrumento de
controle social e político. A tortura e outros maus-tratos foram amplamente utilizados, e a
função reabilitadora das penas foi praticamente abandonada.
Com o fim da ditadura e a redemocratização do Brasil, houve um novo esforço para
humanizar o sistema penal. A Constituição de 1988 foi um marco nesse sentido, ao
estabelecer princípios de dignidade humana, proibição de penas cruéis e direito à defesa. A
Lei de Execução Penal (LEP), promulgada em 1984, reforçou a ideia de que as penas devem
ter um caráter reeducativo e ressocializador, promovendo a reintegração dos presos à
sociedade.

1.4 Desafios atuais e perspectivas futuras

Certamente, a evolução do sistema penal brasileiro é um tema de grande relevância e


complexidade. Apesar dos avanços legais e teóricos, ainda enfrentamos desafios significativos
na implementação de um sistema penal verdadeiramente humanizado e eficaz. A superlotação
carcerária, as condições insalubres das prisões e a alta taxa de reincidência são problemas
crônicos que dificultam a realização dos objetivos ressocializadores das penas.
17

Nos últimos anos, têm surgido diversas iniciativas visando a melhoria do sistema
penal. Programas de educação e trabalho para presos, medidas alternativas à prisão e projetos
de assistência pós-penal são exemplos dessas ações. Essas iniciativas refletem uma
compreensão mais ampla de que a punição, por si só, não é suficiente para reduzir a
criminalidade e promover a segurança pública.
A evolução do objetivo das penas no Brasil demonstra uma trajetória de avanços e
retrocessos, refletindo as transformações sociais, políticas e jurídicas do país. Desde um
enfoque inicial predominantemente punitivo, passando por períodos de repressão intensa, até
a adoção de uma perspectiva que busca equilibrar punição, prevenção e reabilitação, o sistema
penal brasileiro continua a evoluir. O desafio contemporâneo é consolidar e expandir as
práticas humanizadoras, garantindo que as penas cumpram seu papel não apenas de punição,
mas também de reintegração e promoção da justiça social.
18

2. A RESSOCIALIZAÇÃO DE PRESOS E OS DESAFIOS DO ESTADO

Certamente, compreender o conceito de ressocialização é fundamental antes de


abordarmos os desafios enfrentados pelo Estado nesse processo. A ressocialização consiste na
reintegração de indivíduos à sociedade da qual faziam parte anteriormente, garantindo-lhes
igualdade de deveres e direitos como qualquer outro cidadão. Nesse contexto, o Estado tem a
responsabilidade de prestar assistência ao condenado tanto durante sua permanência no
ambiente prisional quanto em seu retorno à vida social.
A Lei nº 7.210/84, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), estabelece
diretrizes e normas para a execução das penas no Brasil. Dentre suas disposições, destacam-se
os princípios da individualização da pena, humanização do sistema carcerário e promoção da
ressocialização do apenado. Essa legislação reconhece a importância de oferecer condições
para que o preso possa se reinserir na sociedade de forma digna e produtiva.
Vale ressaltar que a ressocialização não se limita apenas ao período de
encarceramento, mas também envolve a preparação do indivíduo para sua reintegração após o
cumprimento da pena. O desafio está em efetivar esses princípios em um contexto marcado
por superlotação, falta de recursos e dificuldades estruturais nas unidades prisionais. A busca
por alternativas à prisão e a implementação de programas de educação, trabalho e assistência
pós-penal são passos importantes nesse caminho.

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou


decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado.
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando
prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa.
Em contrapartida, a realidade prisional diverge absurdamente do papel
público definido em lei:
[...] A prisão não escapa da questão punitiva. No entanto, a pena não deveria se
esgotar na punição, a fim de melhorar o preso. Como não chegamos até este
patamar, não podemos falar em ressocialização ou profissionalização do preso.
Quando acontece, é uma exceção. São iniciativas pontuais, individuais, de um
diretor, de um juiz ou promotor, e não do Estado. Porque o Estado não tem uma
política clara, objetiva, massiva, que beneficie milhares de presos. Simplesmente,
19

esta política não existe. Existem exemplos de boas práticas, mas que não se
transformaram em política pública, que atinja a todos. Na verdade, não temos nada.
Nós vamos jogando as pessoas na prisão e pensando que estamos fazendo o bem.
Simplesmente, jogamos estas pessoas na prisão, de forma que se virem lá dentro. O
resultado disso é um desastre. (Sidinei Brzuska, atuante na área criminal, em
entrevista ao site Consultor Jurídico em 2011)

Sob o peso dessa declaração, constata-se que, embora a legislação busque assegurar ao
condenado os direitos que lhe são garantidos, a realidade do sistema carcerário e a atuação do
Estado no processo de ressocialização dos presos não passa de uma utopia. Tal afirmação é
reforçada pela observação das condições físicas das unidades prisionais:
As instalações são precárias e apresentam sérios problemas de higiene. No local onde
a alimentação é servida aos detentos, há vazamentos de esgoto, o que representa um risco à
saúde de todos. O lixo acumulado no lado externo do edifício exala mau cheiro e atrai grande
quantidade de insetos. A chamada enfermaria é uma sala onde são alojados os doentes, a
maioria com tuberculose. O local é inadequado, com paredes de pintura simples e desgastada,
o que impossibilita uma boa higienização. A parte hidráulica é precária. Os presos relatam
dificuldades extremas para obter atendimento médico e reclamam da falta de medicamentos.
Há uma farmácia cujo estoque, conforme certificado pelo Deputado e médico Dr. Rosinha, é
insuficiente. Não há programas de prevenção a DSTs e AIDS, e os detentos não recebem
preservativos (Caravana Nacional de Direitos Humanos 2000).
Conclui-se, então, que a máquina pública cria para si mesma, por meio dos gargalos
do sistema penitenciário e da ausência de políticas públicas efetivas, obstáculos ao seu próprio
objetivo, moldando o detento mais ao cárcere do que à sociedade, transformando as
possibilidades de sucesso da ressocialização proposta em um mito.

2.1 A realidade do sistema prisional

Segundo dados divulgados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN)


no segundo semestre de 2023, o número total de detentos em celas físicas no Brasil é de
650.822, sendo indivíduos que, independentemente de sua rotina diária, pernoitam nas
unidades prisionais todos os dias. O relatório também informou que a maioria dessa
população é do gênero masculino e está na faixa etária entre 35 e 45 anos.
Os últimos dados consultados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN),
referentes ao ano de 2020, indicam que, da população total, 55,27% dos presos possuem nível
de ensino fundamental e 23,53% possuem nível médio, além de mais de 53 mil presos serem
20

analfabetos ou alfabetizados sem frequentar o ensino regular. O DEPEN informou ainda, no


ano de 2022, que havia um déficit no sistema prisional de 212 mil vagas.

Observa-se uma população jovem que, se inserida em políticas adequadas de


educação, suporte psicológico, profissionalização e investimentos em tratamento digno, tem
maior chance de ressocialização do que de reincidência, ao menos em teoria. Com base nos
dados, pode-se notar que a superlotação das unidades prisionais do país é uma realidade que
aflige tanto o Estado quanto a população carcerária, tornando inviável que as condições
mínimas de humanização e os direitos fundamentais dos presos sejam respeitados em sua
totalidade, transformando as instituições prisionais em ambientes de caráter meramente
punitivo, em contrariedade aos preceitos da legislação penitenciária vigente, dificultando a
aplicação eficaz das ferramentas de socialização.
É historicamente evidente que a realidade social da maioria dos apenados é marcada
pela restrição de diversos direitos, como igualdade de oportunidades, moradia digna e,
principalmente, condições de melhoria de vida. Entretanto, há a vantagem de, em liberdade,
estarem acolhidos pelo seio familiar e amistoso, enquanto todo o contexto de desigualdade
social e privação de direitos é maximizado quando são privados do direito de ir e vir,
somando o cárcere a todas essas questões em um ambiente hostil e, em sua maioria, violento.
Por esse ponto de vista, é necessário questionar se privar o infrator da liberdade para
submetê-lo a esse tipo de convivência realmente o tornará capaz de ser ressocializado, ou se o
Estado, ao não conseguir proporcionar ao preso o ambiente proposto em teoria, apenas
fomenta suas fraquezas e revoltas.

Prisões superlotadas são extremamente perigosas: aumentam as tensões, elevando a


violência entre os presos, tentativas de fugas, e ataques aos guardas. Não é surpresa
que uma parcela significativa dos incidentes de rebeliões, greves de fome e outras
formas de protestos nos estabelecimentos prisionais do país sejam diretamente
atribuídas à superlotação. (FERNANDES, 2000. P. 163/164)

Na esteira das incapacidades do poder público no sistema penitenciário, podem ainda


ser citadas a morosidade do sistema judiciário, a atuação dos agentes penitenciários
frequentemente denunciada e questionada por ser corrupta, por não possuir habilidades
mediadoras ou por ser vexatória aos detentos, a falta de reformas estruturais para assegurar
condições térmicas, de umidade, de higiene e de espaço minimamente dignas, e a ausência de
assistência à saúde efetiva que alcance toda a população prisional. Tal realidade evidencia o
consumo de drogas ou a associação a facções criminosas dentro das unidades prisionais como
21

forma de fuga ou meio de sobrevivência aos abusos cometidos pelos componentes do sistema,
tornando ainda mais utópico o objetivo da ressocialização.
Diante do exposto, conclui-se que a proposta de ressocialização do Estado e a
realidade por ele oferecida são, no mínimo, incoerentes.
22

3. A UTOPIA DA RESSOCIALIZAÇÃO E SUAS FERRAMENTAS


Na tentativa de execução da teoria da função ressocializadora das penas, o Estado
dispõe de algumas ferramentas utilizadas nos ambientes prisionais para atingir o objetivo.
Serão apresentadas quatro delas: a educação formal, a assistência psicossocial de presos, a
profissionalização e o trabalho.

3.1 Educação formal

O princípio básico da oferta de educação na rotina carcerária é o mesmo que o dirigido


à sociedade fora dos muros das prisões: transformar para libertar. Apesar do significado
diferente da palavra liberdade para os dois tipos de população, a formação educacional visa
oferecer a ambos exatamente as mesmas possibilidades de crescimento. Além disso, acredita-
se que a escola pode tornar o cenário nas prisões menos hostil e amenizar os prejuízos
causados pelas condições do ambiente prisional.
De acordo com a Lei n. 12.433, de 2011, e a Recomendação nº 44 do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), atrelada ao oferecimento da educação formal aos detentos, está a
possibilidade de remição das penas, o que visa ser um atrativo aos apenados. A legislação
determina que aqueles que cumprem pena em regime semiaberto ou fechado têm o direito de
reduzir um dia de pena a cada doze horas de permanência no ambiente escolar da prisão, em
qualquer nível: alfabetização, ensino médio, profissionalizante ou superior, sem necessidade
de comprovar o aproveitamento desse aprendizado. No entanto, caso o preso cumpra essa
demanda educacional fora da prisão, é necessário que comprove tanto as horas dedicadas ao
ambiente escolar quanto o aproveitamento desse estudo. Existe ainda a possibilidade de
remição de pena para os detentos que estudam por conta própria e obtêm certificados de
conclusão do ensino formal por meio do ENCCEJA e do ENEM. Outra proposta que
incentiva a educação e a cultura nas prisões é a leitura, que funciona como atividade
complementar, onde o preso tem um prazo para leitura de um livro de sua escolha e
apresentação de um resumo da obra. A cada livro concluído, é possível a remição de quatro
dias de pena, com limite de 48 dias por ano.
Ambas as iniciativas dependem de organização, desenvolvimento de políticas públicas
e investimento do Estado. Os dados divulgados pelo Censo Nacional de Leitura em Prisões,
23

lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2023, apontaram que 30,4% das unidades
prisionais brasileiras não têm bibliotecas ou espaços de leitura, e 26,3% não realizam
atividades educacionais, sendo objeto de pesquisa do censo 99,63% das unidades prisionais
do país.
Os dados mencionados demonstram a inefetividade do Estado em promover a
igualdade de direitos de todos perante a lei, garantir meios para o cumprimento da função
ressocializadora da pena privativa de liberdade e demonstrar sua capacidade de gerir suas
próprias políticas. Ressalta-se que algumas das unidades onde funcionam as propostas
supracitadas contam com a parceria de ONGs, igrejas e outros colaboradores, sem vínculo
financeiro ou organizacional com o poder público.

3.2 Assistência psicossocial

O trabalho dos psicólogos nas unidades penitenciárias visa não apenas produzir
diagnósticos, mas também promover o tratamento das demandas psicossociais dos detentos e
de suas famílias, com o objetivo de ressocialização. Contudo, por serem responsáveis pela
elaboração de laudos, pareceres e relatórios técnicos com avaliações psicológicas dos
apenados a pedido do Estado, esses profissionais são frequentemente evitados ou
culpabilizados por resultados desfavoráveis em pleitos de condicional e progressão de regime,
sendo estigmatizados por parte da comunidade carcerária que não se deixa alcançar pelos
benefícios da psicologia. A proposta da psicologia é compreendê-los, acolhê-los em situações
de crise, auxiliá-los no tratamento de vícios, orientá-los sobre mudança de regime e ajudá-los
no processo de conscientização e ressocialização, inclusive acompanhando-os em atividades
fora dos presídios.
Para a parcela da população prisional que aceita o tratamento, os atendimentos
funcionam da seguinte forma: tanto o detento quanto seu familiar podem solicitar a atenção
do psicólogo, que, após o primeiro contato, definirá o tipo de abordagem possível e necessária
para cada caso.
Contudo, os profissionais destacam como deficiências na política pública de atenção
psicossocial desafios como a falta de espaços físicos adequados para a realização de
atividades, a não aceitação do trabalho de atenção psicológica ao preso pelos agentes
penitenciários e o despreparo mental destes para o exercício da profissão.
24

“Os próprios agentes impedem os apenados subirem quando estes solicitam. Eles é
que fazem à triagem dos que serão atendidos, sobem quem eles querem.”
“Falta de capacitação e humanização dos Agentes Penitenciários, que apresentam
formação repressora, policial; Desrespeito dos agentes penitenciários em relação aos
reeducados e aos demais profissionais; (...) Grande resistência inicial dos agentes em
relação à introdução do trabalho do psicólogo e da assistente social no sistema
prisional.”
“Os psicólogos não têm autonomia de fazer nada, sempre tem alguém da própria
instituição que os impede. (...) Há um interesse, há uma demanda, mas não temos
autonomia para viabilizar.”
“Lidar com os policiais, às vezes, é muito mais difícil que lidar com os internos.
Aqueles acham que não se deve ajudar quem não merece ajuda, no caso, os presos.”
(A prática profissional dos (as) psicólogos no Sistema Prisional / Conselho Federal
de Psicologia. - Brasília: CFP, 2009.)

Constam ainda na lista de queixas a desproporcionalidade entre o número de


profissionais de psicologia e a demanda populacional carcerária, bem como a morosidade da
justiça em relação aos casos que conseguem ser encaminhados.

Na Unidade Prisional em que atuo, estão cumprindo pena 160 homens no regime
semiaberto. Sou a única psicóloga do estabelecimento e já estou lá há cinco anos.
Portanto, necessito de uma agenda bem definida para poder manter a qualidade do
serviço.”
“A cada mês são feitas de 30 (trinta) a 40 (quarenta) avaliações e encaminhamentos
à Justiça, o grande problema é o retorno destes processos que duram às vezes até um
ano. Há situações em que os apenados já ultrapassaram seu período de pena e
continuam presos esperando apenas a decisão do juiz.
(A prática profissional dos (as) psicólogos no Sistema Prisional / Conselho Federal
de Psicologia. - Brasília: CFP, 2009.)

Os profissionais também acrescentam à lista de dificuldades a falta de ventilação


adequada, material de escritório, computadores, testes psicológicos e outros recursos
necessários para o desenvolvimento de atividades em grupo e individuais. Das deficiências
mais básicas às mais complexas, a máquina pública sabota a si mesma em mais uma
ferramenta de ressocialização.

3.3 Profissionalização e trabalho

A Lei de Execução Penal (LEP) estabelece em seu art. 1º que se deve "fornecer meios
pelos quais os condenados e aqueles sujeitos a medidas de segurança possam contribuir
construtivamente para a sociedade". Como forma de alcançar esse objetivo, uma das
principais ferramentas utilizadas pelo Estado é o trabalho, que visa, além de promover a
ressocialização do preso, diminuir a ociosidade, auxiliar no controle organizacional dentro das
unidades prisionais e desenvolver ou manter as capacidades dos presos, de forma a permitir
25

que tenham condições de sustento após o cumprimento de suas penas. Novamente, o atrativo
da remição de pena é acionado: a Lei de Execução Penal garante um dia de pena a menos a
cada três dias de trabalho, sendo garantido esse direito aos presos em regime fechado ou
semiaberto. Soma-se a isso a possibilidade de livramento condicional prevista no art. 83,
inciso III do Código Penal, para os presos que demonstrarem bom desempenho no trabalho, e
a progressão de regime, que também pode ser pleiteada utilizando o bom comportamento no
trabalho como argumento.
Dados apontam que o papel ressocializador do trabalho de presos no Brasil tem
resultados significativos no campo da ressocialização: em estudo realizado entre os presos do
Rio de Janeiro, com base na avaliação de 52 mil fichas de prisão nos últimos cinco anos,
constatou-se um percentual de reincidência de 26% entre os presos que não trabalharam,
contra apenas 11,2% entre aqueles que trabalharam e voltaram a cometer um crime.
A proposta é profissionalizar os detentos sem habilidades adquiridas anteriormente e
utilizar as competências dos indivíduos que já praticavam algum ofício antes da situação de
prisão, para que ocupem vagas de trabalho dentro e fora do sistema prisional. Embora exista
determinação legal que veda o regime de trabalho dos detentos pela Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), a preservação da dignidade desses trabalhadores possui previsão legislativa.

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade


humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à
segurança e à higiene.
Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a
condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades
oferecidas pelo mercado.
§ 2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua
idade.
§ 3º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao
seu estado.
Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8
(oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.
Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos
designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.

Contudo, contrariando a proposta teórica, a prática do trabalho como ferramenta


ressocializadora enfrenta diversos obstáculos. Dentro das unidades prisionais, as condições de
cárcere mantidas pelo Estado, como a superlotação, a falta de estrutura física e de higiene, a
insalubridade dos ambientes, o difícil acesso à saúde e as más condições de alimentação,
desestimulam os presos a encarar o trabalho como uma ferramenta evolutiva, uma vez que
não têm garantida sua dignidade como trabalhadores.
26

No que tange ao trabalho externo, embora este seja permitido apenas em empresas
com vínculo e, em teoria, compromisso com os objetivos ressocializadores do Estado,
enfrenta a falta de interesse das empresas, motivada pelo preconceito em relação à condição
de detentos, bem como o desrespeito aos princípios da LEP e da Constituição Federal de
1988, conforme apontado por Baqueiro.

O que ocorre, em verdade, é o uso dos presos pelo parceiro privado sem qualquer
responsabilidade, afrontando os direitos constitucionalmente garantidos, retirando-
lhes sua condição humana. Trata-se aqui de Trabalho escravo, (...). Muitas vezes,
devido à falta de fiscalização por parte da administração pública, perfazem jornada
de Trabalho superior à prevista na LEP e permitida na Constituição; exercem labor
em condições insalubres e periculosas.

É notória a necessidade de reforma do sistema prisional e a implementação de


políticas públicas que possam alcançar, na prática, os objetivos da legislação penitenciária
brasileira, para que não apenas o trabalho dos detentos, mas todas as demais iniciativas de
ressocialização do Estado, alcancem seus objetivos de forma mais eficiente e abrangente.
27

4. A CRIMINALIDADE NO AMBIENTE PRISIONAL COMO PRODUÇÃO


ESTATAL
Após a constatação da ineficácia do sistema prisional em assegurar condições reais de
ressocialização dos detentos, faz-se necessário evidenciar que a maioria da população
carcerária é composta por indivíduos economicamente desfavorecidos, já sobrecarregados
com um histórico de desigualdade e desesperança quanto à melhoria das condições de vida
antes da prática de qualquer delito. São pessoas que crescem em meio à negação reiterada de
direitos fundamentais, tais como saúde, educação, infraestrutura, saneamento básico,
alimentação, moradia, higiene pessoal e oportunidades. Ao adentrarem o cárcere, essa
situação se torna ainda mais evidente devido à precariedade das instalações prisionais, somada
à condição de subordinação a profissionais que, frequentemente, negligenciam a humanidade
e a dignidade dos detentos.
Ao iniciar sua vida sob custódia, o detento é confrontado com duas realidades
contrastantes: o ambiente criminoso e os programas de reintegração social oferecidos pelo
Estado. Dentro desse contexto, torna-se patente que as iniciativas governamentais apresentam
tantas lacunas que não conseguem prover adequadamente segurança, cuidados de saúde,
assistência psicossocial, uma via digna para o desenvolvimento educacional, o trabalho, ou
qualquer outro fator que possa facilitar sua reintegração à sociedade com perspectivas de vida
distintas das anteriormente vivenciadas. Rapidamente se percebe que a atividade criminosa é
tão viável dentro das prisões quanto fora delas, sendo, inclusive, mais lucrativa do que as
remunerações oferecidas pelo Estado para os trabalhos propostos. Além disso, o abandono do
sistema penitenciário permite que o crime organizado ofereça aos detentos condições de
segurança superiores, garantia de direitos e perspectivas de melhorias de vida superiores às
oferecidas pelo poder público.
Se o detento percebe que o Estado pode violar seus direitos tanto dentro quanto fora
das prisões por meios legítimos, isso desencadeia um movimento de resistência, cuja base é a
permanência na vida do crime, favorecendo o fenômeno conhecido como "prisionalização".
Esse fenômeno ocorre quando o detento se adapta e incorpora as características do ambiente
prisional, tendo suas crenças e comportamentos moldados pelas condições proporcionadas
28

pelo Estado. As alternativas são: adaptar-se às condições degradantes impostas pelo poder
público ou buscar mudar essa realidade através da atividade criminosa.

5. PRECONCEITO SOCIAL COMO ÚLTIMA BARREIRA À


RESSOCIALIZAÇÃO
A pessoa que é liberada do sistema prisional atravessou um processo de fragilização
psicológica e privação de direitos, status de poder e identidade, tendo a certeza de que os
desafios encontrados em liberdade serão uma continuação da realidade enfrentada.
Independentemente do ambiente no qual esse indivíduo seja inserido, um fato é
inquestionável: ele enfrentará o preconceito social, será estigmatizado e discriminado,
carregando consigo o estigma de ex-detento. Conforme observado por Onofre (2006, grifo do
autor), "Por sua condição de presos, seu lugar na pirâmide social é reduzido à categoria de
'marginais', 'bandidos', duplamente excluídos, massacrados, odiados [...]" (p.1), o que torna
suas perspectivas de empregabilidade, saúde mental e busca de uma vida digna por meios
legítimos extremamente remotas.

É necessário que políticas públicas indiquem caminhos objetivos para a


minimização de pequenos problemas cotidianos, mas que assumem um caráter
grandioso quando afligem pessoas fragilizadas pela vivência do encarceramento e
principalmente pela estigmatização.” (FILHO, 2006, p.6)

O preconceito social em relação aos ex-detentos diminui ainda mais as chances de


ressocialização, tornando a sociedade parcialmente responsável pelo fenômeno que tanto
teme: a reincidência criminal. A responsabilidade pela reincidência não recai exclusivamente
sobre o Estado, que falhou em reabilitar o detento por meio de um sistema penitenciário
idealizado, mas também é reforçada pela resistência social em conceder o benefício da dúvida
ao ex-detento. Em muitos casos, os crimes são punidos pelo Estado, porém não há uma
prestação equivalente à sociedade. Isso é evidenciado pela reação negativa da opinião pública
sempre que condenados por crimes de grande repercussão ganham direitos de liberdade ou
tentam reintegrar-se à vida social fora do ambiente carcerário.
O preconceito social dificulta e desencoraja o indivíduo que, fora das instituições
prisionais, busca exercer seus direitos sociais, negando-lhe acesso ao trabalho digno e
igualitário, o que inviabiliza a conquista de outros direitos básicos, como saúde, alimentação,
29

moradia, transporte, lazer e melhoria de condição social. Dessa forma, a reincidência criminal
muitas vezes se apresenta como uma opção mais viável.
Diante disso, o desafio do poder Estatal na aplicação da pena como função social não
se cumpre adequadamente quando a sentença é cumprida. É necessário não apenas uma
reforma abrangente do sistema penitenciário, mas também assistência além das unidades
prisionais, visando efetivamente reintegrar o indivíduo que, teoricamente, foi reeducado para
conviver em sociedade.
Sendo assim, o preconceito social se revela como uma das barreiras mais desafiadoras
e persistentes à ressocialização. Mesmo após o cumprimento da pena, os egressos do sistema
prisional continuam a enfrentar discriminação e estigmatização, dificultando sua reintegração
à sociedade. Este texto analisa como o preconceito social atua como a última barreira à
ressocialização, investigando suas causas, manifestações e possíveis soluções.
O preconceito contra ex-detentos tem raízes históricas e culturais profundas. No
Brasil, a percepção de que os criminosos são irrecuperáveis e devem ser permanentemente
excluídos da sociedade está enraizada na cultura popular e é reforçada por meios de
comunicação e políticas públicas punitivistas. Esta visão estigmatizante desconsidera a
capacidade de mudança e reabilitação dos indivíduos.
Esse preconceito se manifesta principalmente no mercado de trabalho, onde ex-
detentos enfrentam grandes dificuldades para obter emprego devido ao estigma associado ao
seu histórico criminal. Muitas empresas relutam em contratá-los, temendo impactos negativos
na imagem corporativa ou problemas de segurança.
Além disso, a falta de informação sobre o sistema prisional e os processos de
ressocialização contribui para o preconceito. A sociedade, em geral, não é educada sobre os
desafios enfrentados pelos egressos e a importância de sua reintegração para a redução da
reincidência e a promoção da segurança pública. A ausência de campanhas de sensibilização
perpetua mitos e estereótipos negativos.
Esse preconceito também se reflete no acesso a serviços e direitos. Ex-detentos podem
ser discriminados em serviços de saúde, educação e assistência social. Além disso, enfrentar
preconceito ao tentar acessar programas governamentais de apoio ao egresso pode agravar
ainda mais a vulnerabilidade social desses indivíduos.
30

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação das pessoas submetidas à pena privativa de liberdade no Brasil é
preocupante. Muitas delas permanecem detidas por longos períodos em estabelecimentos
prisionais, enfrentando perspectivas cada vez menores de reintegração à sociedade. O sistema
penitenciário brasileiro não proporciona um tratamento penal voltado para a recuperação e a
reintegração do indivíduo, mas sim um encarceramento que frequentemente perpetua a
marginalização.
As experiências demonstram que é fundamental implementar novos métodos de
tratamento penal centrados na reabilitação do ser humano. Esses métodos devem preparar os
detentos para a convivência social, impedindo que, ao serem libertados, reincidam na prática
criminosa. A prisão não deve ser apenas um instrumento de prevenção geral, baseado no
medo, mas também um espaço de reeducação e reintegração dos infratores (SILVA, 2003).
A sociedade e as autoridades devem desempenhar um papel ativo na solução do
problema da reincidência. Isso demanda uma política de apoio real e efetivo aos egressos do
sistema prisional, assegurando o cumprimento das disposições da Lei de Execução Penal
(BRASIL, 1984). Sem esse suporte, os egressos, desamparados, tendem a reincidir e retornar
ao sistema carcerário (ASSIS, 2007).
A privação de liberdade, por si só, não favorece a ressocialização. É necessário um
quadro de mudança, com projetos como o Programa Educar para Reintegrar (MACHADO,
SOUZA & SOUZA, 2013), que promovam a educação e a capacitação dos detentos. A
alfabetização e a educação têm o potencial de transformar vidas, especialmente considerando
que muitos detentos não tiveram acesso à educação na infância. Além disso, projetos
relacionados ao trabalho manual ou de outra natureza desempenham um papel crucial na
reintegração dos presos.
O preconceito social representa uma das principais barreiras à ressocialização de ex-
detentos no Brasil. Superar esse desafio requer um esforço conjunto dos governos, das
empresas e da sociedade civil para promover a inclusão e oferecer oportunidades reais de
reintegração. Ao combater o estigma e apoiar os egressos, não apenas promovemos a justiça
social, mas também contribuímos para a segurança e o bem-estar de toda a sociedade.
31

Em conclusão, a transformação do sistema carcerário brasileiro é imperativa. A


educação e o trabalho são ferramentas poderosas para a ressocialização, proporcionando aos
detentos a oportunidade de uma vida digna e livre da criminalidade. Uma das consequências
mais graves do preconceito social é o aumento da reincidência. Quando ex-detentos são
sistematicamente excluídos e marginalizados, suas chances de retornar ao crime aumentam. A
falta de oportunidades e apoio contribui para a perpetuação do ciclo de criminalidade.
Essa situação tem um impacto psicológico significativo nos ex-detentos. A rejeição e a
discriminação podem levar à baixa autoestima, depressão e ansiedade. Esse estado
psicológico pode dificultar ainda mais a adaptação e a reintegração social, levando-os de volta
à vida do crime.
Campanhas de sensibilização são essenciais para combater o preconceito social.
Informar a população sobre os processos de ressocialização e os benefícios da reintegração
dos ex-detentos pode ajudar a mudar percepções negativas. Estas campanhas devem enfatizar
histórias de sucesso e destacar a importância de dar uma segunda chance.
Políticas públicas inclusivas são necessárias para apoiar a ressocialização dos ex-
detentos. Programas de incentivo à contratação de ex-presidiários, como subsídios fiscais para
empresas, podem aumentar as oportunidades de emprego. Além disso, é fundamental
fortalecer programas de educação e capacitação profissional dentro e fora das prisões.
Oferecer apoio psicológico e social contínuo aos ex-detentos é crucial para sua
reintegração. Serviços de saúde mental, assistência social e programas de mentoria podem
fornecer o suporte necessário para enfrentar os desafios da reintegração e construir uma nova
vida. A participação ativa da sociedade civil é fundamental para combater o preconceito
social. Organizações não-governamentais, grupos comunitários e voluntários podem
desempenhar um papel importante na criação de redes de apoio para os egressos. Iniciativas
de inclusão social e laboral promovidas por estas entidades podem ajudar a romper o ciclo de
exclusão.
Contudo, é essencial que a sociedade auxilie o Estado na ressocialização. Mesmo
diante das falhas prisionais e estatais, é possível que o Estado, de forma mais branda, envolva
a sociedade para auxiliar na reintegração dos ex-detentos, pois o Estado sozinho jamais
conseguirá uma ressocialização bem-sucedida.
32

REFERÊNCIAS

BAQUEIRO, Fernanda Ravazzano Lopes. Da necessidade da Declaração e Respeito aos


Direitos Trabalhistas dos Presos e o Papel do Ministério Público do Trabalho no Combate à
Exploração da Mão de Obra Carcerária. Disponível em
<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/fernanda_ravazzano_lopes_baqueir
o.pdf> Acesso em 20/05/2024

BRZUSKA, Sidinei. Estado Esconde o Preso e Vira Refém. Consultor Jurídico. 11 jun. 2011.
Entrevista concedida a Jomar Martins.
Censo nacional de práticas de leitura no sistema prisional [recurso eletrônico]/ Conselho
Nacional de Justiça … [et al.]; coordenação de Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi ... [et al.].
Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2023

CONJUR. (s.d.). Estudo aponta que 76% dos presos ficam ociosos nos presídios brasileiros.
Disponível em: https://www.conjur.com.br. Acesso em 04/03/2024

Brasil. (1984). Lei de Execução Penal. Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984. Publicada no
Diário Oficial da União de 13/07/1984.

Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos da Organização das nações Unidas.
Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-
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Acesso em 04/04/2024

Organização das Nações Unidas. (1957). Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos.
Adotadas pelo Primeiro Congresso da Organização das Nações Unidas sobre a Prevenção do
Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através da sua resolução 663 C (XXIV) de
31 de julho de 1957 e pelo Conselho Econômico e Social através da resolução 2076 (LXII),
de 13 de maio de 1977.

Secretaria Nacional de Políticas Penais. (2023). Site SENAPPEN lança Levantamento de


Informações Penitenciárias referentes ao segundo semestre de 2023. Disponível em:
Disponível em: https://www.gov.br/senappen. Acesso em 04/03/2024

Metrópoles. (s.d.). Sistema prisional brasileiro tem déficit de 212 mil vagas, diz Depen.
Disponível em: https://www.metropoles.com. Acesso em 04/03/2024

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