Desafios na Ressocialização Penal
Desafios na Ressocialização Penal
CURSO DE DIREITO
FORTALEZA- CE
2024.1
JEFFERSON HOLANDA DE OLIVEIRA
FORTALEZA-CE
2024.1
FORMULÁRIO DE SOLICITAÇÃO DE FICHA CATALOGRÁFICA
Curso: DIREITO
E-mail: [email protected]
Telefone: +55 (85) 9 9429 - 7377
OLIVEIRA, Jefferson Holanda.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________
Prof. Dr. Márcio Rodrigues Melo (FAFOR - orientador)
______________________________________
Prof. Esp. Flávio Rodrigues de Sousa Filho (FDUC - Examinador)
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, que me deu
forças para superar todas as fases difíceis que passei, e
ao total apoio de minha família, mãe, pai, irmãs,
incluindo minha namorada, que sempre me ajudaram e
estiveram ao meu lado, me dando forças e
discernimento.
Com todo meu amor e gratidão.
AGRADECIMENTOS
Concluo o curso de Direito com muito orgulho, refletindo sobre cada dificuldade que
enfrentei, os momentos em que pensei em desistir e as ocasiões que me fizeram questionar se
todo o esforço valeria a pena. Contudo, com o apoio incondicional da minha família, cresci e
encontrei forças para superar todos os obstáculos e os desafios desta fase acadêmica.
Minha família sempre foi meu pilar, minha força e meu apoio nos momentos difíceis.
Agradeço profundamente por estarem sempre ao meu lado e nunca desistirem de mim nos
momentos de dúvida. Vocês sempre foram e sempre serão minha luz, iluminando meu
caminho e ajudando-me a encontrar forças para jamais desistir dos meus sonhos.
Agradeço a Deus por me proporcionar a oportunidade de adquirir os conhecimentos
que hoje possuo na área do Direito. Sempre foi um sonho cursar Direito e me destacar na
minha área. Sou grato pela força concedida para concluir esta difícil etapa acadêmica.
Contudo, além das dificuldades, houve também momentos de alegria, risos em sala de aula,
amizades construídas, professores que conheci e dos quais me orgulho em ter sido aluno.
Foram muitos momentos e sentimentos ao longo desses cinco anos, experiências que
levarei para toda a vida. Agradeço aos amigos que estiveram ao meu lado, aqueles que fiz na
faculdade e que levarei para a vida, e que também serão meus futuros colegas de profissão.
Concluo esta etapa acadêmica e inicio um novo ciclo em minha vida. Agradeço a todos que
compartilharam comigo este período e contribuíram para esta experiência de vida.
Sonho realizado!
“Para reconstruir-se é importante que
ultrapassem o estado de quase ‘coisas’”.
(Paulo Freire)
RESUMO
Da criação dos primeiros castigos aos dias atuais, o desenvolvimento social, político e cultural
permitiu que a finalidade das penas evoluísse de meramente punitivas à função preventiva,
que não só busca prevenir que novos delitos sejam cometidos, como também ressocializar o
condenado. Apesar das políticas públicas de ressocialização de presos, que utiliza dentro do
ambiente carcerário ferramentas como o oferecimento de estudo formal - que abrange a
alfabetização, a conclusão do ensino regular e até mesmo cursos de graduação superior à
distância -, cursos profissionalizantes, oportunidades de trabalho, promoção da saúde mental
através da atuação de psicólogos em atendimentos individuais, a ressocialização de presos tem
sido um grande desafio para o Estado uma vez que esbarra em suas próprias deficiências
práticas e burocráticas, desde a morosidade processual do sistema judiciário, a estrutura física
e organizacional das unidades prisionais indo a questões de controle, teoricamente, ainda mais
difíceis como a atuação de organizações criminosas nos presídios e o preconceito social
sofrido pelos apenados. O presente trabalho apresenta breve análise sobre alguns desses
obstáculos, objetivando uma melhor compreensão sobre o referido tema.
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
1. A EVOLUÇÃO DO OBJETIVO DAS PENAS NO BRASIL.........................................14
1.1 Período colonial e imperial……………………………………………………………….15
1.2 Primeira república e início do século XX...........................................................................16
1.3 Ditadura militar e a era contemporânea..............................................................................16
1.4 Desafios atuais e perspectivas futuras.................................................................................16
2. A RESSOCIALIZAÇÃO DE PRESOS E OS DESAFIOS DO
ESTADO .......................18
2.1 A Realidade do sistema
prisional.........................................................................................19
3. A UTOPIA DA RESSOCIALIZAÇÃO E SUAS
FERRAMENTAS...............................22
3.1 Educação
formal..................................................................................................................22
3.2 Assistência
psicossocial.......................................................................................................23
3.3 Profissionalização e
trabalho...............................................................................................24
4. A CRIMINALIDADE NO AMBIENTE PRISIONAL COMO PRODUÇÃO
ESTATAL................................................................................................................................27
5. O PRECONCEITO SOCIAL COMO ÚLTIMA BARREIRA NA
SOCIALIZAÇÃO...................................................................................................................28
CONSIDERAÇÕES FINAIS………………….…………….……...………………………30
REFERÊNCIAS......................................................................................................................32
13
INTRODUÇÃO
Ao privar da liberdade indivíduos delituosos, o Estado assume a responsabilidade não
apenas de retribuição, mas de coibir e prevenir novos desvios, isolando-os da sociedade
enquanto busca, em um ambiente controlado, fazer com que se tornem conscientes, capazes
de respeitar o ordenamento jurídico e cooperar com os objetivos e regras sociais para então
serem reintegrados a sociedade.
A divergência entre teoria e realidade em todos os componentes do sistema carcerário
apresenta-se como a primeira barreira na ressocialização de presos, tendo como o fim do
caminho o reencontro desse indivíduo com a sociedade que na maioria das vezes o
estigmatiza e não o trata com base em seu esforço de mudança, suas habilidades, seus valores
ou na consciência adquiridos durante o período de reclusão, assim reduzindo suas
oportunidades de voltar a integrar a comunidade da qual antes fazia parte. A soma dos
obstáculos sofridos no processo de ressocialização dificulta e desestimula o detento ou ex-
detento que, dentro ou fora dos muros das instituições, busca apossar-se de seus direitos
sociais, pois, sucessivamente, desde o início da aplicação da pena, lhe vê negados direitos e
garantias assegurados pela Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execução Penal (LEP).
Pretende-se, portanto, apresentar essas questões em seus aspectos gerais, analisando o
peso de cada uma delas no papel da pena como função social, observando as necessidades de
reforma nas políticas públicas e na cultura da sociedade, apresentando Estado e comunidade
sob as facetas de ferramentas de ressocialização e produtoras de indivíduos delituosos.
14
Entretanto, nem sempre foi assim. Durante o Período Colonial, a pena privativa de
liberdade tinha como função primordial evitar a fuga dos detentos, garantindo que não
escapassem das consequências do julgamento. Nesse contexto, os castigos impostos eram
frequentemente considerados absurdos. As ponderações de Batista Pereira (1932, v. II, p. 14-
15) esclarecem essa realidade histórica.
Na previsão de conter os maus pelo terror, a lei não media a pena pela gravidade da
culpa; na graduação do castigo obedecia, só, ao critério da utilidade. Assim, a pena
capital era aplicada com mão larga; abundavam as penas infamantes, como açoite, a
marca de fogo, as galés, e com a mesma severidade com que se punia a heresia, a
blasfêmia, a apostasia e a feitiçaria, eram castigados os que, sem licença de El-Rei e
dos Prelados, benziam cães e bichos, e os que penetravam nos mosteiros para tirar
freiras e pernoitar com elas. A pena de morte natural era agravada pelo modo cruel
de sua inflição; certos criminosos, como os bígamos os incestuosos os adúlteros, os
moedeiros falsos eram queimados vivos e feitos em pó, para que nunca de seu corpo
e sepultura se pudesse haver memória.
[...]
por este acervo de monstruosidade outras se cumulavam; a aberrância da pena, o
confisco de bens a transmissibilidade da infâmia do crime.
[...] a finalidade das penalidades não é torturar e afligir um ser sensível, nem
desfazer um crime que já está praticado.
[...]
Quanto mais terríveis forem os castigos, tanto mais cheio de audácia será o culpado
em evitá-los. Praticará novos crimes, para subtrair-se à pena que mereceu pelo
primeiro.
[...]
Para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão
particular, deve ser essencialmente pública, eficaz, necessária, a mínima das
possíveis nas circunstâncias dadas, proporcional aos crimes, ditada pelas leis.
Em caráter evolutivo, o Art. 5 da CF/88 a prevê:
[...]
XLVII - não haverá penas:
de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
de caráter perpétuo;
de trabalhos forçados;
de banimento;
cruéis;
Nos últimos anos, têm surgido diversas iniciativas visando a melhoria do sistema
penal. Programas de educação e trabalho para presos, medidas alternativas à prisão e projetos
de assistência pós-penal são exemplos dessas ações. Essas iniciativas refletem uma
compreensão mais ampla de que a punição, por si só, não é suficiente para reduzir a
criminalidade e promover a segurança pública.
A evolução do objetivo das penas no Brasil demonstra uma trajetória de avanços e
retrocessos, refletindo as transformações sociais, políticas e jurídicas do país. Desde um
enfoque inicial predominantemente punitivo, passando por períodos de repressão intensa, até
a adoção de uma perspectiva que busca equilibrar punição, prevenção e reabilitação, o sistema
penal brasileiro continua a evoluir. O desafio contemporâneo é consolidar e expandir as
práticas humanizadoras, garantindo que as penas cumpram seu papel não apenas de punição,
mas também de reintegração e promoção da justiça social.
18
esta política não existe. Existem exemplos de boas práticas, mas que não se
transformaram em política pública, que atinja a todos. Na verdade, não temos nada.
Nós vamos jogando as pessoas na prisão e pensando que estamos fazendo o bem.
Simplesmente, jogamos estas pessoas na prisão, de forma que se virem lá dentro. O
resultado disso é um desastre. (Sidinei Brzuska, atuante na área criminal, em
entrevista ao site Consultor Jurídico em 2011)
Sob o peso dessa declaração, constata-se que, embora a legislação busque assegurar ao
condenado os direitos que lhe são garantidos, a realidade do sistema carcerário e a atuação do
Estado no processo de ressocialização dos presos não passa de uma utopia. Tal afirmação é
reforçada pela observação das condições físicas das unidades prisionais:
As instalações são precárias e apresentam sérios problemas de higiene. No local onde
a alimentação é servida aos detentos, há vazamentos de esgoto, o que representa um risco à
saúde de todos. O lixo acumulado no lado externo do edifício exala mau cheiro e atrai grande
quantidade de insetos. A chamada enfermaria é uma sala onde são alojados os doentes, a
maioria com tuberculose. O local é inadequado, com paredes de pintura simples e desgastada,
o que impossibilita uma boa higienização. A parte hidráulica é precária. Os presos relatam
dificuldades extremas para obter atendimento médico e reclamam da falta de medicamentos.
Há uma farmácia cujo estoque, conforme certificado pelo Deputado e médico Dr. Rosinha, é
insuficiente. Não há programas de prevenção a DSTs e AIDS, e os detentos não recebem
preservativos (Caravana Nacional de Direitos Humanos 2000).
Conclui-se, então, que a máquina pública cria para si mesma, por meio dos gargalos
do sistema penitenciário e da ausência de políticas públicas efetivas, obstáculos ao seu próprio
objetivo, moldando o detento mais ao cárcere do que à sociedade, transformando as
possibilidades de sucesso da ressocialização proposta em um mito.
forma de fuga ou meio de sobrevivência aos abusos cometidos pelos componentes do sistema,
tornando ainda mais utópico o objetivo da ressocialização.
Diante do exposto, conclui-se que a proposta de ressocialização do Estado e a
realidade por ele oferecida são, no mínimo, incoerentes.
22
lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2023, apontaram que 30,4% das unidades
prisionais brasileiras não têm bibliotecas ou espaços de leitura, e 26,3% não realizam
atividades educacionais, sendo objeto de pesquisa do censo 99,63% das unidades prisionais
do país.
Os dados mencionados demonstram a inefetividade do Estado em promover a
igualdade de direitos de todos perante a lei, garantir meios para o cumprimento da função
ressocializadora da pena privativa de liberdade e demonstrar sua capacidade de gerir suas
próprias políticas. Ressalta-se que algumas das unidades onde funcionam as propostas
supracitadas contam com a parceria de ONGs, igrejas e outros colaboradores, sem vínculo
financeiro ou organizacional com o poder público.
O trabalho dos psicólogos nas unidades penitenciárias visa não apenas produzir
diagnósticos, mas também promover o tratamento das demandas psicossociais dos detentos e
de suas famílias, com o objetivo de ressocialização. Contudo, por serem responsáveis pela
elaboração de laudos, pareceres e relatórios técnicos com avaliações psicológicas dos
apenados a pedido do Estado, esses profissionais são frequentemente evitados ou
culpabilizados por resultados desfavoráveis em pleitos de condicional e progressão de regime,
sendo estigmatizados por parte da comunidade carcerária que não se deixa alcançar pelos
benefícios da psicologia. A proposta da psicologia é compreendê-los, acolhê-los em situações
de crise, auxiliá-los no tratamento de vícios, orientá-los sobre mudança de regime e ajudá-los
no processo de conscientização e ressocialização, inclusive acompanhando-os em atividades
fora dos presídios.
Para a parcela da população prisional que aceita o tratamento, os atendimentos
funcionam da seguinte forma: tanto o detento quanto seu familiar podem solicitar a atenção
do psicólogo, que, após o primeiro contato, definirá o tipo de abordagem possível e necessária
para cada caso.
Contudo, os profissionais destacam como deficiências na política pública de atenção
psicossocial desafios como a falta de espaços físicos adequados para a realização de
atividades, a não aceitação do trabalho de atenção psicológica ao preso pelos agentes
penitenciários e o despreparo mental destes para o exercício da profissão.
24
“Os próprios agentes impedem os apenados subirem quando estes solicitam. Eles é
que fazem à triagem dos que serão atendidos, sobem quem eles querem.”
“Falta de capacitação e humanização dos Agentes Penitenciários, que apresentam
formação repressora, policial; Desrespeito dos agentes penitenciários em relação aos
reeducados e aos demais profissionais; (...) Grande resistência inicial dos agentes em
relação à introdução do trabalho do psicólogo e da assistente social no sistema
prisional.”
“Os psicólogos não têm autonomia de fazer nada, sempre tem alguém da própria
instituição que os impede. (...) Há um interesse, há uma demanda, mas não temos
autonomia para viabilizar.”
“Lidar com os policiais, às vezes, é muito mais difícil que lidar com os internos.
Aqueles acham que não se deve ajudar quem não merece ajuda, no caso, os presos.”
(A prática profissional dos (as) psicólogos no Sistema Prisional / Conselho Federal
de Psicologia. - Brasília: CFP, 2009.)
Na Unidade Prisional em que atuo, estão cumprindo pena 160 homens no regime
semiaberto. Sou a única psicóloga do estabelecimento e já estou lá há cinco anos.
Portanto, necessito de uma agenda bem definida para poder manter a qualidade do
serviço.”
“A cada mês são feitas de 30 (trinta) a 40 (quarenta) avaliações e encaminhamentos
à Justiça, o grande problema é o retorno destes processos que duram às vezes até um
ano. Há situações em que os apenados já ultrapassaram seu período de pena e
continuam presos esperando apenas a decisão do juiz.
(A prática profissional dos (as) psicólogos no Sistema Prisional / Conselho Federal
de Psicologia. - Brasília: CFP, 2009.)
A Lei de Execução Penal (LEP) estabelece em seu art. 1º que se deve "fornecer meios
pelos quais os condenados e aqueles sujeitos a medidas de segurança possam contribuir
construtivamente para a sociedade". Como forma de alcançar esse objetivo, uma das
principais ferramentas utilizadas pelo Estado é o trabalho, que visa, além de promover a
ressocialização do preso, diminuir a ociosidade, auxiliar no controle organizacional dentro das
unidades prisionais e desenvolver ou manter as capacidades dos presos, de forma a permitir
25
que tenham condições de sustento após o cumprimento de suas penas. Novamente, o atrativo
da remição de pena é acionado: a Lei de Execução Penal garante um dia de pena a menos a
cada três dias de trabalho, sendo garantido esse direito aos presos em regime fechado ou
semiaberto. Soma-se a isso a possibilidade de livramento condicional prevista no art. 83,
inciso III do Código Penal, para os presos que demonstrarem bom desempenho no trabalho, e
a progressão de regime, que também pode ser pleiteada utilizando o bom comportamento no
trabalho como argumento.
Dados apontam que o papel ressocializador do trabalho de presos no Brasil tem
resultados significativos no campo da ressocialização: em estudo realizado entre os presos do
Rio de Janeiro, com base na avaliação de 52 mil fichas de prisão nos últimos cinco anos,
constatou-se um percentual de reincidência de 26% entre os presos que não trabalharam,
contra apenas 11,2% entre aqueles que trabalharam e voltaram a cometer um crime.
A proposta é profissionalizar os detentos sem habilidades adquiridas anteriormente e
utilizar as competências dos indivíduos que já praticavam algum ofício antes da situação de
prisão, para que ocupem vagas de trabalho dentro e fora do sistema prisional. Embora exista
determinação legal que veda o regime de trabalho dos detentos pela Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), a preservação da dignidade desses trabalhadores possui previsão legislativa.
No que tange ao trabalho externo, embora este seja permitido apenas em empresas
com vínculo e, em teoria, compromisso com os objetivos ressocializadores do Estado,
enfrenta a falta de interesse das empresas, motivada pelo preconceito em relação à condição
de detentos, bem como o desrespeito aos princípios da LEP e da Constituição Federal de
1988, conforme apontado por Baqueiro.
O que ocorre, em verdade, é o uso dos presos pelo parceiro privado sem qualquer
responsabilidade, afrontando os direitos constitucionalmente garantidos, retirando-
lhes sua condição humana. Trata-se aqui de Trabalho escravo, (...). Muitas vezes,
devido à falta de fiscalização por parte da administração pública, perfazem jornada
de Trabalho superior à prevista na LEP e permitida na Constituição; exercem labor
em condições insalubres e periculosas.
pelo Estado. As alternativas são: adaptar-se às condições degradantes impostas pelo poder
público ou buscar mudar essa realidade através da atividade criminosa.
moradia, transporte, lazer e melhoria de condição social. Dessa forma, a reincidência criminal
muitas vezes se apresenta como uma opção mais viável.
Diante disso, o desafio do poder Estatal na aplicação da pena como função social não
se cumpre adequadamente quando a sentença é cumprida. É necessário não apenas uma
reforma abrangente do sistema penitenciário, mas também assistência além das unidades
prisionais, visando efetivamente reintegrar o indivíduo que, teoricamente, foi reeducado para
conviver em sociedade.
Sendo assim, o preconceito social se revela como uma das barreiras mais desafiadoras
e persistentes à ressocialização. Mesmo após o cumprimento da pena, os egressos do sistema
prisional continuam a enfrentar discriminação e estigmatização, dificultando sua reintegração
à sociedade. Este texto analisa como o preconceito social atua como a última barreira à
ressocialização, investigando suas causas, manifestações e possíveis soluções.
O preconceito contra ex-detentos tem raízes históricas e culturais profundas. No
Brasil, a percepção de que os criminosos são irrecuperáveis e devem ser permanentemente
excluídos da sociedade está enraizada na cultura popular e é reforçada por meios de
comunicação e políticas públicas punitivistas. Esta visão estigmatizante desconsidera a
capacidade de mudança e reabilitação dos indivíduos.
Esse preconceito se manifesta principalmente no mercado de trabalho, onde ex-
detentos enfrentam grandes dificuldades para obter emprego devido ao estigma associado ao
seu histórico criminal. Muitas empresas relutam em contratá-los, temendo impactos negativos
na imagem corporativa ou problemas de segurança.
Além disso, a falta de informação sobre o sistema prisional e os processos de
ressocialização contribui para o preconceito. A sociedade, em geral, não é educada sobre os
desafios enfrentados pelos egressos e a importância de sua reintegração para a redução da
reincidência e a promoção da segurança pública. A ausência de campanhas de sensibilização
perpetua mitos e estereótipos negativos.
Esse preconceito também se reflete no acesso a serviços e direitos. Ex-detentos podem
ser discriminados em serviços de saúde, educação e assistência social. Além disso, enfrentar
preconceito ao tentar acessar programas governamentais de apoio ao egresso pode agravar
ainda mais a vulnerabilidade social desses indivíduos.
30
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação das pessoas submetidas à pena privativa de liberdade no Brasil é
preocupante. Muitas delas permanecem detidas por longos períodos em estabelecimentos
prisionais, enfrentando perspectivas cada vez menores de reintegração à sociedade. O sistema
penitenciário brasileiro não proporciona um tratamento penal voltado para a recuperação e a
reintegração do indivíduo, mas sim um encarceramento que frequentemente perpetua a
marginalização.
As experiências demonstram que é fundamental implementar novos métodos de
tratamento penal centrados na reabilitação do ser humano. Esses métodos devem preparar os
detentos para a convivência social, impedindo que, ao serem libertados, reincidam na prática
criminosa. A prisão não deve ser apenas um instrumento de prevenção geral, baseado no
medo, mas também um espaço de reeducação e reintegração dos infratores (SILVA, 2003).
A sociedade e as autoridades devem desempenhar um papel ativo na solução do
problema da reincidência. Isso demanda uma política de apoio real e efetivo aos egressos do
sistema prisional, assegurando o cumprimento das disposições da Lei de Execução Penal
(BRASIL, 1984). Sem esse suporte, os egressos, desamparados, tendem a reincidir e retornar
ao sistema carcerário (ASSIS, 2007).
A privação de liberdade, por si só, não favorece a ressocialização. É necessário um
quadro de mudança, com projetos como o Programa Educar para Reintegrar (MACHADO,
SOUZA & SOUZA, 2013), que promovam a educação e a capacitação dos detentos. A
alfabetização e a educação têm o potencial de transformar vidas, especialmente considerando
que muitos detentos não tiveram acesso à educação na infância. Além disso, projetos
relacionados ao trabalho manual ou de outra natureza desempenham um papel crucial na
reintegração dos presos.
O preconceito social representa uma das principais barreiras à ressocialização de ex-
detentos no Brasil. Superar esse desafio requer um esforço conjunto dos governos, das
empresas e da sociedade civil para promover a inclusão e oferecer oportunidades reais de
reintegração. Ao combater o estigma e apoiar os egressos, não apenas promovemos a justiça
social, mas também contribuímos para a segurança e o bem-estar de toda a sociedade.
31
REFERÊNCIAS
BRZUSKA, Sidinei. Estado Esconde o Preso e Vira Refém. Consultor Jurídico. 11 jun. 2011.
Entrevista concedida a Jomar Martins.
Censo nacional de práticas de leitura no sistema prisional [recurso eletrônico]/ Conselho
Nacional de Justiça … [et al.]; coordenação de Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi ... [et al.].
Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2023
CONJUR. (s.d.). Estudo aponta que 76% dos presos ficam ociosos nos presídios brasileiros.
Disponível em: https://www.conjur.com.br. Acesso em 04/03/2024
Brasil. (1984). Lei de Execução Penal. Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984. Publicada no
Diário Oficial da União de 13/07/1984.
Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos da Organização das nações Unidas.
Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-
Administração-da-Justiça.-Proteção-dos-Prisioneiros-e-Detidos.-Proteção-contra-a-Tortura-
Maus-tratos-e-Desaparecimento/regras-minimas-para-o-tratamento-dos-reclusos.html>
Acesso em 04/04/2024
Organização das Nações Unidas. (1957). Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos.
Adotadas pelo Primeiro Congresso da Organização das Nações Unidas sobre a Prevenção do
Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através da sua resolução 663 C (XXIV) de
31 de julho de 1957 e pelo Conselho Econômico e Social através da resolução 2076 (LXII),
de 13 de maio de 1977.
Metrópoles. (s.d.). Sistema prisional brasileiro tem déficit de 212 mil vagas, diz Depen.
Disponível em: https://www.metropoles.com. Acesso em 04/03/2024