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Emoção na Educação e Ciência

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EMOÇÃO E EDUCAÇÃO

LOPES, Eduardo Simonini


BATISTA, Gisélia Aparecida

RESUMO

A Modernidade se estruturou em torno da busca por certezas fundantes da realidade observada. Tais
certezas eram consideradas tanto mais verdadeiras quanto mais distantes se situassem da interferência das
emoções dos pesquisadores que as enunciassem. O século XX, porém, trouxe consigo abalos nesse edifício
das certezas, e vários pensadores passaram a tecer reflexões em torno do quanto o fazer científico está
igualmente impregnado do universo político, histórico, social e emocional do investigador. Nesse sentido, o
presente trabalho pretende problematizar a interferência das emoções na vida cotidiana e, em especial, no
espaço profissional do professor. Utilizamo-nos, então, da concepção do biólogo Humberto Maturana a
respeito da dinâmica do emocionar enquanto produtora de realidade e, a partir da apresentação da história de
vida de uma professora, procuramos mostrar como vivências emocionais fazem emergir diferentes posturas
racionais que, por sua vez, orientam a ação do sujeito. Propomos, assim, que as práticas emancipatórias na
educação levem em conta, além dos aspectos técnicos, a experiência do emocionar dos professores,
experiência esta que orienta modos de enxergar e exercer a profissão.

PALAVRAS-CHAVE

Emoção. Educação. Invenção.

Nascemos sob a marca da Modernidade. obscuridade do saber e do existir, buscando assim


Por mais que queiramos nos despir dessa nossa valorizar a condição racional do humano.
herança, encontramo-nos inundados em modos de
pensar e conceber a realidade que pagam tributos A busca da verdadeira essência humana
à construção moderna do ocidente. A era Moderna passou a rivalizar com tudo o que era considerado
– que apresenta seus primeiros lampejos a partir estranho a tal pretensa essência. Da mesma forma,
do Renascimento – pretendeu fundamentar as houve uma busca incessante no sentido de
condições sociais e científicas que sustentassem descobrir a verdade por trás dos mistérios dos
“certezas irremovíveis” a respeito do mundo, da fenômenos naturais. Assim, a importância do
vida e da própria condição humana, uma vez que científico (entendido aqui como a esfera da
experimentação, do observável, do que pode ser
O Iluminismo descreveu a raça humana como quantificado e controlado) passa a ter papel
estando envolvida em um esforço em direção preponderante dentro da perspectiva moderna,
a uma moral universal e à auto-realização principalmente no final do século XIX.
intelectual, aparecendo, assim, como o sujeito
de uma experiência histórica universal; ele
O singular, o imprevisível e o emocional
também postulou uma razão humana universal
relativamente à qual as tendências sociais e eram elementos a serem banidos, calados ou
políticas podiam ser avaliadas como domados em nome da Razão. A proposta
‘progressistas’ ou não (o objetivo da política racionalista partiria, então, do pressuposto de que
era definido como a realização da razão na a forma correta de viver seria deduzida das
prática) (LEVIBOND apud PETERS, 2000, p. verdades primeiras atingidas imediatamente pelo
50). intelecto. O aspecto da emoção seria uma
dimensão, portanto, a ser desqualificada nos
O argumento de Levibond vem nos campos do pensar e fazer científicos, uma vez que
auxiliar a entender o fato de que o Iluminismo e, esta era considerada como um elemento que
conseqüentemente todo o pensamento moderno tornava impura a observação mais objetiva e
que derivou dele, pretendeu lançar luzes sobre a neutra da realidade.

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Contudo, principalmente no século XX, as perspectiva no estudo do objeto das ciências: não
noções de controle absoluto da natureza e a se prender ao fato pronto, mas sim aos
concepção de contínuo progresso da Humanidade, movimentos e ações nos quais ele é construído.
tão caras aos modernos, ruíram quando Dessa maneira, damos um salto qualitativo de
confrontadas com duas guerras mundiais, a quebra objetos e fatos para processos e práticas, os quais
da hegemonia newtoniana na Física (e, colocam em movimento diferentes maneiras de
conseqüentemente, em todas as outras ciências), produção de realidade. Não estaríamos mais
os inquietantes argumentos da Psicanálise diante de uma busca por verdades absolutas, mas
(postulando as dimensões inconscientes do fazer por modos de existência nunca totalizáveis, que se
humano), o fim dos impérios europeus, as materializariam tanto no fazer cotidiano mais
incertezas sobre o futuro da Humanidade (Guerra inócuo, quanto na prática científica
Fria, bomba atômica), dentre outros. Todo um tecnologicamente mais avançada.
sonho de estabilidade, crescimento contínuo e
extermínio crescente dos sofrimentos foi colocado No momento em que o sujeito passa a ser
em xeque. problematizado dentro das ciências, elaboram-se
outros olhares a respeito da dinâmica das emoções
O Princípio da Incerteza, proposto no na construção das mais diversas práticas sociais.
século XX pelo físico alemão Heisenberg para Não mais teríamos um ser humano centrado em
explicar a impossibilidade de se controlar uma essência indivisível e natural (como queriam
totalmente o movimento das partículas atômicas, as pesquisas modernas, principalmente as de
pode ser tomado como metáfora da condição de orientação positivista), mas um ser humano
imprecisão em que se encontraram os atores marcado pela pluralidade e pelo nomadismo
sociais de todas as ciências, quando perceberam (subjetivo e social). Tal perspectiva nos é
que o fazer científico e o fazer humano nada apresentada por Maffesoli (2001, p. 113) quando
tinham de absolutamente exatos e objetivos. ele nos diz que: “Há uma alma desconhecida no
Havia uma série de ruídos e flutuações, de afetos e seio de cada indivíduo, mas também no seio do
sensações, que produziam movimentos inusitados, conjunto social. Quer dizer que o ‘eu’ tem uma
imprevisíveis. E era necessário prestar atenção e infinidade de facetas, assim como a sociedade não
dar ouvidos a tais movimentos. é mais do que uma sucessão de potencialidades”.

O sociólogo francês Bruno Latour Essa heterogeneidade, sustentada no


desenvolveu, na última década do século XX, uma movimento, na errância e na descentralização, é o
instigante reflexão a respeito de como as paixões que igualmente irá inspirar o escritor alemão
humanas interferem no campo das ciências, Hermann Hesse a dizer que o peito, o corpo, é
problematizando a crença secular que concebe que sempre uno, mas as almas que nele residem não
o fazer científico nos conduz a uma verdade são nem duas, nem cinco, mas incontáveis, o
harmônica e final a respeito do mundo. Com tal homem é um bulbo formado por cem folhas, um
reflexão crítica, Latour não pretendeu tecido urdido com muitos fios (HESSE, 1993, p.
necessariamente desqualificar as ciências 65).
enquanto espaços de produção de saber, mas sim
indicar que a construção desse saber é atravessada Tais almas plurais e multi-facetadas
por questões que envolvem tanto o fórum íntimo colocam em cena um ser humano e uma sociedade
dos pesquisadores, quanto também as redes de mobilizados por dinâmicas emocionais que
relações, de forças e jogos de poder nos quais eles interferem e ou produzem estados de
estão inseridos. racionalidade variados. É nesse sentido que
iremos ao encontro das concepções que o biólogo
Baseando-nos nessa proposta de pensar, a chileno Humberto Maturana concebeu em torno
subjetividade deixa de ser considerada uma do papel do emocionar na constituição do fazer
interferência a ser exorcizada no fazer científico. humano. Segundo este pesquisador, em um
As ciências (a passos lentos, mas contínuos) trabalho conjunto com o também biólogo
passam a ser compreendidas como construções Francisco Varela, o universo de conhecimentos,
coletivas e históricas que se estruturariam – tanto de experiências, de percepções do ser humano não
em suas elaborações conceituais quanto práticas – é passível de explicação a partir de uma
a partir da própria produção social dos envolvidos. perspectiva independente desse mesmo universo.
Latour, então, propõe uma mudança de Para os autores,

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traço marcante de nossa cultura é a busca pela


Nossa experiência está indissociavelmente verdade através de teorias racionais, como se a
amarrada à nossa estrutura. Não vemos o palavra “racional” traduzisse uma veracidade do
“espaço” do mundo; vivemos nosso campo conhecimento que dispensasse a presença dos
visual. Não vemos as cores do mundo; atores desse conhecimento, seres social, afetiva e
vivemos nosso espaço cromático. Sem dúvida,
historicamente situados e que, se produzem
e como descobriremos, habitamos um mundo
(MATURANA; VARELA, 1995, p. 66, grifo determinado saber, o produzem dentro do limite
nosso). cognitivos e afetivos dos mundos que os recebem
e que igualmente produzem. Nesse sentido, as
Assim, eles sustentarão que tal considerações de Maturana se aliam às de Latour
indissociabilidade entre ser de uma maneira quando este argumenta que
particular e como o mundo nos parece ser, irá
indicar que todo ato de conhecer produz um [...] a construção de fatos e máquinas é um
mundo. A partir desse ponto, temos que a processo coletivo. [...] Quando nos
aproximamos de lugares onde são criados
produção de um mundo dentro da relação
fatos e máquinas, entramos no meio das
ser/fazer nos remete ao conceito de autopoiese, controvérsias. Quanto mais nos aproximamos,
conceito este que Maturana e Varela elaboraram mais as coisas se tornam controversas.
como sendo uma proposta explicativa para a Quando nos dirigimos da vida ‘cotidiana’ para
organização dos sistemas vivos. Para eles, o que a atividade científica, do homem comum para
define um ser vivo é a sua capacidade de produzir o da ciência, dos políticos para os
a si próprio, ou seja, construir suas próprias especialistas, não nos dirigimos do barulho
referências de existir. Um organismo, então, teria para o silêncio, da paixão para a razão, do
sua existência definida dentro dos limites do seu calor para o frio. Vamos de controvérsias para
fazer, e esse fazer produziria o mundo no qual ele mais controvérsias. É como ler um código
penal e depois ir para um tribunal e ver um
se organiza. Daí que Maturana e Varela postulam
júri hesitar diante de evidências contraditórias.
que o ser e o fazer são inseparáveis nos processos Ou melhor, é como ler o código penal e ir ao
de vida. Assim, um ser vivo se auto-produz em Parlamento, quando a lei ainda é projeto. Na
uma rede circular de interações entre sua verdade, o barulho é maior, e não menor
constituição biológica e o meio, sendo que o (LATOUR, 2000, p. 53).
próprio processo auto-produtivo cria o ambiente
no qual o organismo irá se constituir enquanto Discutindo a respeito da construção da
entidade. ciência moderna, Boaventura Santos (2005)
também sustentará que nossas trajetórias de vida
De acordo com Maturana, o ser humano, pessoais e coletivas (e juntamente com elas os
como produto e produtor de seu mundo, gesta valores, preconceitos e crenças envolvidos nesse
uma realidade na relação que compõe com os trajeto) interferem na edificação do nosso pensar
elementos ao redor. Desse modo, o trinômio científico. Tais valores e crenças, atravessando as
“conhecer”, “fazer” e “viver” não se estabelece ciências por caminhos muitas vezes subterrâneos e
como dimensões compartimentadas, sendo que clandestinos, constituiriam-se em pressupostos
todo modo de conhecer produz um fazer, e todo não-ditos dos discursos científicos.
fazer produz um conhecer. O mundo conhecido é
um mundo que emerge a partir de nossas práticas A exemplo de Latour e Boaventura
cognitivas, de nossas ações, de nossas Santos, Maturana irá também situar o racional
experiências. Não existiria, portanto, um mundo dentro das dinâmicas afetivas, incertas e
exterior a ser conhecido, mas sim um mundo que controversas dos seres humanos, quando acredita
surge juntamente com o ato de conhecer. que “[...] todo sistema racional, seja ele científico,
técnico, filosófico ou místico, fundamenta-se em
Desse modo, Maturana e Varela se premissas aceitas implícita ou explicitamente a
contrapõem às concepções que postulam a priori, isto é, segundo as preferências implícitas
existência de uma realidade objetiva externa ao ou explícitas daquele que o aceita”
sujeito que conhece. Toda realidade estaria (MATURANA, 2004, p. 112). Assim, de acordo
entremeada aos modos como os seres humanos com Maturana, toda teoria é produzida por alguém
produzem seus sentidos, sua experiência e seus (ou grupo) em particular, em um mundo em
afetos. Questionando, portanto, a dicotomização particular, e produz sentidos singulares a partir
entre razão e emoção, Maturana ressalta que outro dos modos como agencia tal mundo.
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Assim sendo, a emoção diz respeito à


Desse modo, um grupo cultural produz maneira como o indivíduo age e percebe o seu
valores, costumes e sentidos variados ao tecer sua fazer e o dos outros, levando-o a adotar
realidade (realidade esta produzida no fazer determinado comportamento; o que faz com que
coletivo), e tais produções podem vir a carregar o Maturana insista no seguinte dizer: “[...] se
peso de “verdades absolutas”, sendo estas quiseres conhecer a emoção, olha para a ação, se
geralmente internalizadas sem maiores quiseres conhecer a ação olha para a emoção”
questionamentos pelos membros do grupo social (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p.
onde tais “verdades” emergem como explicadoras 262). Dessa maneira, são nossas emoções e não a
do mundo circundante. Diante disso, temos que, razão, que determinam, a cada momento, o que
em nossa cultura ocidental, há uma afirmação que fazemos ou deixamos de fazer. A perspectiva
ouvimos constantemente e que se constitui em proposta pelo biólogo chileno rompe inclusive
uma verdade compartilhada: a de que o ser com o dualismo entre razão e emoção, uma vez
humano é “um animal racional”. Crescemos que toda racionalidade seria, ela própria, o
(enquanto filhos da modernidade) ouvindo essa emergente de um emocionar. Explicando melhor,
afirmação e toda nossa visão sobre a condição temos que nossas emoções fundam uma
humana – a maneira de ser e viver o humano – em determinada racionalidade, dentro da qual cada
muito se orientou a partir dessa premissa, a qual indivíduo se movimenta e que considera sua
se refletiu nos aspectos científico, econômico, verdade. Assim, o agir, o conhecer, a visão que
político e educacional da sociedade. Maturana, temos de nós mesmos e dos outros, é que nos leva
por sua vez, insiste, criticando a perspectiva a fundar um tipo de racionalidade e, a partir dela,
iluminista, que caracterizar o uso da razão como a criar um mundo.
principal característica do ser humano é reduzir
todos os outros determinantes que o constituem, Portanto, em todas as escolhas humanas
“[...] como se o racional tivesse um fundamento encontramos intencionalidades regidas por
transcendental que lhe dá validade universal emoções que definem os limites de ação e de
independente do que fazemos como seres vivos” percepção do sujeito. Dessa maneira, “[...] todos
(MATURANA,1998, p.16). Desse modo, a os domínios racionais que produzimos como seres
emoção ficaria relegada a um segundo plano, humanos - seja qual for o domínio operacional em
como se pudesse ser controlada e subjugada pela que ocorrem as ações que os constituem - têm um
razão. Sob essa perspectiva argumentativa, fundamento emocional” (MATURANA;
deixamos de conceber que é na prática de um VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 22). Assim, em
ser/fazer cotidianos que as emoções vão Maturana, a racionalidade que usamos para
modelando diferentes racionalidades no viver. justificar nossas ações nada mais é do que uma
forma de organizar em palavras, atitudes, ações, o
É importante, porém, considerar que o mundo que emerge no nosso emocionar. É nessa
conceito de emoção que aqui apresentamos não é perspectiva que nos propomos, então, a construir
trabalhado no sentido usado coloquialmente, ou um pensar possível a respeito da dimensão da
seja: o de demonstrar sentimentos, o de ser emoção enquanto um ponto a ser problematizado
afetivo. Segundo a abordagem de Maturana: nas práticas sociais que o professor coloca em
ação em seu cotidiano.
As emoções não são o que correntemente
chamamos de sentimentos. Do ponto de vista
biológico, o que conotamos, quando falamos SEGUINDO A TRAJETÓRIA DE UM
de emoções, são disposições corporais EMOCIONAR
dinâmicas que definem os diferentes domínios
de ação em que nos movemos. Quando O papel profissional do professor vem
mudamos de emoção mudamos de domínio de sendo alvo de contínuas e contraditórias
ação. [...] Quando estamos sob determinada
problematizações no decorrer das décadas. Já foi
emoção, há coisas que podemos fazer e coisas
que não podemos fazer, e que aceitamos como enfocado tanto como modelo para uma sociedade
válidos certos argumentos que não ordeira e harmônica, quanto como produtor de
aceitaríamos sob outra emoção mentalidades críticas e questionadoras. As
(MATURANA,1998, p. 15). didáticas e práticas de ensino, no ato de
questionarem a figura e o papel do professor, a
todo momento estão conversando com os

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diferentes modelos profissionais que surgem nesse


espaço social e ambicionam a construção de perfis A professora, cujos trechos da vida serão
e ou práticas educacionais eficazes, as quais aqui apresentados, trabalha no Ensino
atravessam, das mais diferentes maneiras, a figura Fundamental, principalmente nas séries iniciais.
do professor. Viveu sua infância e parte da adolescência na
zona rural do estado de Minas Gerais, tendo
Porém, quando nos dedicamos a discutir a concluído o curso de magistério em uma cidade
respeito da dimensão do emocionar na prática do próxima à sua residência e, depois, cursado
educador, o que nos chama mais a atenção não é Pedagogia. Na época da entrevista, possuía cerca
necessariamente o espaço institucional que o de três anos de formada no curso superior.
professor, enquanto entidade, habita, mas sim a
pessoa que veste diariamente esse papel social. A entrevistada em questão sentiu-se
Por trás da figura de ator social do professor obrigada a abraçar a profissão docente porque,
espreita um ser humano que produz um mundo. É segundo ela, esta foi a única forma que encontrou
uma pessoa que deseja, sonha, ama, odeia...; para abandonar o campo e ir para a cidade. Queria
possui preferências, valores, angústias, ambições, ter uma vida fora da zona rural e o curso de
ou seja, é um ser emergente de um emocionar que magistério foi sinalizado como sendo sua única
produz uma maneira de agir e perceber o seu fazer opção. Ela relata que:
e o dos outros, que o leva a fundar um tipo de
racionalidade e, a partir dela, a criar um mundo e Fui fazer magistério [...] Tinha magistério e
uma prática profissional. científico. E assim... eu queria ter uma
profissão, e como eu sabia que eu ia sair do
Assim, o professor, como produto e segundo grau e voltar para a roça, eu escolhi o
magistério, achando, assim, que eu não ia
produtor de seu mundo, cria uma realidade na
gostar também, porque era mais fácil, eu
relação que compõe com os elementos ao seu queria ter uma profissão. E acabei fazendo o
redor (escola, estudantes, seus pares, legislações magistério.
educacionais, questões referentes à sua história de
vida, etc). Nesse sentido, no seu fazer profissional Há uma disposição emocional importante
ele produz um conhecer, o qual, por sua vez, contida no relato acima. A entrevistada parece se
fomenta posturas, pensares e práticas que irão observar como uma pessoa incapaz diante aos
produzir conseqüências na vida daqueles com grandes desafios. Parece se produzir como sendo
quem partilha a experiência do viver. incompetente, produção esta que a faz escolher o
magistério, em detrimento do científico, porque o
Se, por um lado, nos estudos a respeito da considera “mais fácil”. Terminando o científico,
formação do professor, é preciso indagar e teria que lidar com o desafio do vestibular, ou
aperfeiçoar as técnicas e posturas das práticas nem mesmo considerava a possibilidade dessa
didáticas e dos espaços políticos da profissão, por trajetória de vida, uma vez que salienta que,
sua vez, na formação do espaço docente, outras terminando o segundo grau, teria que voltar para a
questões também se fazem necessárias, tais como: roça. O magistério seria uma âncora que
até que ponto as disposições emocionais do possibilitaria que ela se mantivesse em sua
professor trazem conseqüências para a sua experiência fora da zona rural. Essa disposição
prática? Que sentidos de mundo e de educação um emocional de se produzir enquanto pessoa frágil,
professor coloca em ação no fazer de sua apesar de seus anseios por maior emancipação,
profissão? É possível pensar a educação e o será uma temática que norteará muito de seus
professor levando igualmente em consideração a relatos.
existência vívida de um professor que produz, em
seu cotidiano, uma educação? Retornando à entrevista, temos que ela
nos apresenta ao fato de que seu mundo de
Animados por tais questões, apresentamos infância se circunscrevia a uma experiência
aqui um caso ilustrativo, a partir de uma breve geográfica e emocional restrita. A proibição de
história de vida de uma professora, por meio do um movimento mais independente e exploratório
qual pretendemos exemplificar como a dimensão aparece encarnada na figura de seu pai, que a
do emocionar produz racionalidades que proíbe de sair dos espaços delimitados pela casa
interferem nos modos como o sujeito organiza a si onde moravam. A grande distância em que sua
mesmo e sua ação profissional. residência se situava em relação às outras casas na
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zona rural intensificava, ao que parece, a sensação frente à minha casa, um ia para casa do outro.
de se sentir isolada. É nesse momento, então, que Eu ficava em casa, não podia sair, e quando eu
o espaço escolar surge em sua vida de infância saia ele brigava, sabe. O meu pai era bem
como sendo uma dimensão de encontros e maior chato mesmo. E acho que nisso eu estava com
uns treze anos, mais ou menos, e eu não saí.
liberdade. Ela nos diz que:
Eu fiquei meu final de ano todo em casa, para
ele não brigar. Ele falava as coisas na hora
Quando eu era criança eu morava na roça, e eu
errada. Eu não tinha muita liberdade.
nunca gostei de morar nesse lugar. Mesmo
sem ter morado em outro antes, lá eu não
gostava. Aí é eu acho que foi isso que me fez E acrescenta:
estudar mais. Pra sair de lá e assim, e então
comecei a estudar fiz magistério. [...] Na roça Meu pai sempre foi muito rígido, conservador,
não tinha muitas pessoas perto, sabe. Então ninguém nunca foi assim de questionar as
tinha mais casas bem pra cima do lugar em ordens dele. Minha mãe também não... E
que eu morava. Eu não podia sair de casa, meu então todo mundo assim sempre obedeceu.
pai não deixava eu sair. Aí, eu gostava de ficar
onde tinha mais gente, eu adorava ir para a Assim, temos que a entrevistada cresceu
escola, porque lá eu podia brincar mais, tinha em um mundo de sentido onde não apenas o
com quem brincar. E se eu ficasse ali, eu ia movimento geográfico se tornava restrito, mas
ficar sozinha por mais tempo. também o movimento de pensamentos, de idéias,
de opiniões. Ela ansiava por novos horizontes;
Sair da roça era, portanto, mais do que ansiava por querer falar dos sentimentos que
apenas se deslocar geograficamente, mas também nutria em torno de suas expectativas, porém, ao
sair do jugo de uma dinâmica familiar que a mesmo tempo que ambicionava por uma abertura,
reprimia mas que, por sua vez, trazia a sensação concebeu toda uma postura de fechamento e
de uma segurança encarnada na intransigente restrição a si própria.
autoridade paterna. Os espaços restritos de ação
(tanto geográficos quanto afetivos) parecem ter A infância e adolescência marcada pela
produzido interferências no seu relacionamento ausência de diálogo, pela evitação aos conflitos,
com outras pessoas fora da família e na maneira pela submissão irrestrita a autoridades, pela
de se comportar e perceber as situações. Assim, o proibição ao movimento emancipatório..., são
universo novo da escola (que abriu espaço para fatores que compõem o emocionar dessa
amizades, namoros, novos conhecimentos), professora, produzindo modos de conceber a si
mesmo sendo uma novidade desejada, foi mesma e um mundo que surge concomitante ao
confrontado com uma produção de mundo seu viver. Porém, essa produção de realidade não
(fechado, restrito, imobilizado) que fazia com que se dá exclusivamente a nível da particularidade da
ela adotasse uma postura que consistia em ficar: entrevistada, mas envolve toda uma rede dinâmica
de relações familiares e sociais, onde se arquiteta
Sempre reservada. Tive dificuldade com um mundo de sentido no silenciamento e no não
relacionamento amoroso, amizades porque eu conflito. Assim, mesmo saindo da zona rural,
não sabia como lidar com esses sentimentos
mesmo se formando, mesmo tendo uma
de ...(pausa) tudo...eu acho que mais era
timidez. Eu não conseguia me expressar. Em autonomia financeira garantida pelo seu trabalho,
minha casa também era assim. Meu pai... não ela igualmente vai produzindo ações e práticas de
tinha muita conversa com ele. Hoje eu acho vida que fazem consonância com as significações
que converso mais com ele. Quando eu era existenciais erigidas nas teias relacionais em que
pequena não, e eu acho que era um pouco por se meclam, de maneira indissociável, o seu
isso. Sempre assim... nunca podia conversar ambiente rural, o ambiente familiar e o universo
muito, às vezes conversava e ele não dava social mais amplo.
atenção para aquilo que a gente falava. E
quando a gente reclamava, ele dizia que não E tal posicionamento emocional de
tinha falado. E era porque não escutava a
“encapsulamento” da professora se estendeu para
gente. Eu me lembro de um final de ano. Eu
acho que eu não gosto de final de ano até hoje, sua prática profissional, como podemos perceber
por isso. Porque sempre quando chegava final quando ela nos relata que:
de ano, eu morava entre as casas de meus
avós. E sempre vinha primos para casa deles, e Só não achava que eu ia dar muito certo para
todo mundo brincava, corria, passava em trabalhar como professora... ah! Eu acho assim
que eu sou muito calada, e quando eu

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chegasse na sala eu não ia conseguir falar mais com quarta série. Eu acho que eu consigo
nada; ninguém ia entender nada que eu ser melhor um pouquinho com a primeira
explicasse. série... segunda.

Assim, a construção de um universo Da mesma forma que tinha dificuldade de


“fechado” onde o seu emocionar estava construir espaços de expressão e opinião em sua
relacionado a uma vivência afetiva “reclusa”, fez família, de enfrentar a autoridade paterna, também
com que a entrevistada, a todo momento, se visse temeu os alunos de 4ª série em momentos em que
confrontada com seu medo de se expressar, de ser se sentia vivenciando uma experiência de
ignorada, de não ter voz. Havia uma dificuldade enfrentamento. Assim, trabalhar com as crianças
de ocupar mundos amplos e também de ocupar da primeira ou segunda série fez com que ela se
espaços para além de sua “casa”37, como no fazer sentisse protegida de uma experiência de mundo
amizades e estabelecer relacionamentos amorosos. considerada perigosa quando necessitava se
colocar e enfrentar autoridades; quando tinha que
Dessa forma, percebemos que a colocar “para fora” suas opiniões.
professora vivia em um espaço do emocionar
onde parecia se locomover mais facilmente em As crianças da 4ª. Série (hoje “Quinto
territórios onde não se sentisse exposta ou Ano”) parecem emergir de seu emocionar como
confrontada, uma vez que, desde criança, era sendo autoridades tão poderosas quanto seu
cobrado dela disciplina, obediência e silêncio. próprio pai. Diante daquelas crianças talvez ela
Relata-nos que: sentisse a necessidade de se colocar, de exercer
autoridade, de postular suas vontades, porém, no
Eu comecei a estudar, eu era praticamente mundo que ela erigiu (tanto em relação a si
exemplo sabe... não podia tirar nota baixa, não mesma, quanto no contexto de sua família maior)
podia ter vermelho, não podia ficar de tal postura era proibitiva porque colocava em
recuperação. Isso era muito cobrado na minha
questão a produção de conflitos e
casa.
questionamentos. E, se sentia que seu pai (ou
A isso soma-se a proibição de errar, a mesmo a família) não a escutava, da mesma forma
proibição de questionar, de decepcionar, de passou a sentir que não seria escutada pelas
construir algo que não tivesse concordância com o crianças de 10 anos, uma vez que sustentou a
mundo de sentido de onde ela emergiu e que afirmativa de que “tinha medo de responder e não
igualmente ela fez emergir em seu viver. A estar respondendo de uma maneira que eles
entrevistada, então, nos revela como esse seu entendessem”.
posicionamento de mundo terminou por afetar de
maneira significativa sua trajetória profissional. Temos, então, uma postura emocional que
Tendo que ministrar aulas a pré-adolescentes,viu- dá à luz um mundo de sentido que define escolhas
se acuada diante da possibilidade de aquelas profissionais da professora, assim como também
crianças a criticarem ou questionarem a sua delimita suas ações. Esse é um mundo gestado
autoridade. Ela nos diz que: desde sua infância, emaranhado em sua
convivência social, com proibições à expressão e
Às vezes eles perguntavam, (alunos da 4ª. produtor de uma concepção de que, se ela se
série do Ensino Fundamental) e eu sabia a expressar, se ela sair, se ela deixar sair, será
resposta daquela pergunta, mas eu tinha medo repreendida. Assim, não deixava sair sua voz (“fui
de responder e não estar respondendo de uma sempre caladinha”) e temia deixar sair seus
maneira que eles entendessem. Eu não queria sentimentos (“nunca fui muito boa nesse negocio
continuar no primeiro ano que dei aula. O que de amor”), temia deixar sair seus conhecimentos,
mudou foi eu começar a trabalhar com criança sempre achando que não estava sabendo transmiti-
das séries iniciais. E até hoje não trabalhei los. Assim, encontrou refúgio na prática
profissional com crianças menores, que não a
37
Propõe-se aqui o entendimento desse conceito de ameaçavam, que não a confrontavam e, diante das
uma forma mais ampla, como sendo um espaço em que quais, era uma autoridade.
ela se vê segura, protegida. Temos, portanto, que estar
restrita a sua casa pode também significar estar restrita A entrevistada construiu-se, portanto, em
ao universo de sentido que ela erigiu para si e que, um mundo onde os conflitos se encontravam ou
apesar de a incomodar, oferece a ela a experiência de ignorados ou negados, acabando ela por preferir
estabilidade.
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manter universos harmônicos com suas propostas Independente de outros olhares do que
de vida. Tais harmonias pressupunham venha a ser educação, o sentido que ela propõe
ordenações estáveis dentro das quais não havia parece-nos dizer muito a respeito de como ela
estranhamentos ou movimentos imprevistos que própria se pensa e se orienta em um mundo
forçassem o parto de outros sentidos não construído em seu emocionar. O “lá fora”, no
previamente mapeados. relato acima apresentado, é para ela uma
experiência perigosa, sendo que concebe a
E é compreendendo o mundo que esta educação como sendo uma orientação para se
professora engendra a partir de seu emocionar, enfrentar os perigos de “uma vida lá fora”. A
que podemos entender igualmente os sentidos que dimensão do que é exterior surge novamente
ela produz em torno de sua prática cotidana e da como uma instância a temer, da mesma forma
própria educação enquanto projeto social. A partir como o que era exterior a sua casa (mundo
da intepretação do relato que nos foi oferecido, estático, conhecido e mapeado) tinha auras
entendemos que entrevistada objetiva a uma proibitivas. A escola, enquanto instância de
educação que traga ordenações, explicações confronto com o mundo perigoso que é o “lá
verdadeiras e não conflitivas. Uma educação que fora”, substancializa-se como sendo uma
priorize a harmonia (muitas vezes harmonia dimensão da verdade. A escola passa a ser o “aqui
paralisante, uma vez que os conflitos são dentro” que transmite o certo; já o “lá fora”
impedimentos) a dissensos criativos. Sua própria transmite idéias erradas. E a entrevistada, como
visão a respeito da escola em que trabalha traz membro da escola, e pressupondo-se uma
consigo a marca de que a ausência de conflitos é autoridade da verdade, acaba nos parecendo
sinônimo de bem estar profissional. Ela nos diz assumir, paradoxalmente, a autoridade absoluta
que: que criticava na postura de seu próprio pai. E,
protegida na crença de que está ao lado da
Estou trabalhando desde que me formei no verdade, do certo, dentro de uma escola onde
magistério em 1998, tem oito anos. E eu gosto trabalha com crianças que não a questionam, ela
muito do que eu faço, não tenho nenhum se vê novamente escudada dos conflitos, da
problema aqui na escola com ninguém. mesma maneira que toda sua família (inclusive
seu próprio pai) se protegeu quando se fechou “no
Gostar do que se faz, portanto, está dentro” da casa, na tentativa de se preservar de um
relacionado a não ter problemas. Assim, temos mundo mutante, incerto – e por isso mesmo
que a sua busca por fazer as coisas “de modo perigoso – que se desdobrava bem ali nas
correto”, de não ir contra expectativas, está muito imediações do próprio quintal.
enraizada na sua maneira de produzir um sentido
de educação. Isso se torna perceptível quando a
professora é indagada a falar a respeito de como CONSIDERAÇÕES FINAIS
enxerga o seu papel no processo educacional. Diz
ela que a educação: Então, se segundo Maturana a experiência
do emocionar ocorre na dimensão da
É Orientar... preparar esses meninos para
corporeidade, temos que o corpo, por sua vez, não
enfrentar uma vida lá fora. Às vezes eles
chegam com uma opinião equivocada. Eles é unicamente uma instância biológica. O corpo é
acham...eles chegam pensando de uma forma composto em diferentes interferências sociais e
errada. Às vezes a gente vai orientando... vai não sociais, sendo um emergente de uma rede de
trabalhando um assunto na sala. E isso às fatores em interação. O corpo se inscreve em uma
vezes faz com que eles pensem na opinião que dinâmica complexa, habitando uma zona de
eles têm. Eu vejo acontecer muito isso, a gente fronteira entre diferentes saberes. Por isso, quando
falar alguma coisa com eles na sala e quando discutimos a respeito do emocionar como
eles comentam em casa, aí a mãe fala alguma produtor de universos de sentido, temos que tal
coisa lá, e quando eles chegam aqui eles emocionar não é uma esfera exclusivamente intra-
comentam às vezes completamente diferente
subjetiva e ou biológica que nada diz a respeito da
do que a escola quer para eles. Às vezes lá
fora eles não aprendem de uma forma certa. história social do corpo e do sujeito encarnado.
Enquanto que a escola quer passar para eles o Muito pelo contrário, o corpo e seu emocionar são
certo. eminentemente sociais. Guattari (1990) irá
sustentar que, em vez de nos referirmos a um
sujeito autônomo, deveríamos entender que tal

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sujeito é um engendramento de diferentes


componentes de subjetivação. Um sujeito, para Dessa maneira, há a necessidade de os
Guattari, estaria na posição de um “terminal” em professores conseguirem perceber seus projetos,
relação a processos que implicam grupos humanos didáticas, práticas de ensino e currículos não
e conjuntos sócio-econômicos, sendo que os como verdades terminadas, mas como processos
cruzamentos desses componentes (tantas vezes de construção de conhecimento: de um
discordantes uns em relação aos outros) fundariam conhecimento que atravessa a própria carne, a
a experiência da interioridade. É nesse sentido que história, os modos de sentir, as maneiras de
Deleuze e Guattari irão dizer que “[...] estou na produzir educação e intervir socialmente frente a
borda desta multidão, na periferia; mas pertenço a seus pares e alunos...; enfim, um conhecimento
ela, a ela estou ligado por uma extremidade de que seja também auto-conhecimento (SANTOS,
meu corpo, uma mão ou um pé” (DELEUZE; 2005). Daí a grande necessidade de se ter atenção
GUATTARI, 1996, p. 42). às dinâmicas cotidianas do emocionar erigidas no
fazer educacional, não para doutriná-las, nutrindo
A imagem do corpo que se liga ao mundo a pretensão de indicar o caminho certo a seguir,
faz ressonância à perspectiva de que vivemos um mas sim para produzir condições para a
mundo inteiro no corpo, mas um mundo que não é emergência de novos sentidos. É nessa
apenas uma particularidade, sendo igualmente problematização contínua da dimensão do
coletividade. A invenção de um mundo possível emocionar que poderemos compreender como os
se dá no emocionar de um corpo e, modos de invenção de si mesmo e do mundo estão
conseqüentemente, com as mais diferentes e igualmente envolvidos nas diversas práticas
contraditórias produções de sentido no viver. Tal profissionais construídas cotidianamente. Dessa
emocionar é tanto singular quanto social, político maneira, criam-se as condições para fazer eclodir,
e estético, organizando maneiras de sentir, pensar nas palavras de Santos “[...] um conhecimento
e produzir a existência enquanto expressões compreensivo e íntimo que não nos separe e antes
legítimas de mundos possíveis. Os caminhos de nos una pessoalmente ao que estudamos”
abertura ou de fechamento que tais mundos (SANTOS, 2005, p. 84).
produzirão estão relacionados a uma ética da
existência, ética esta intrinsecamente envolvida a REFERÊNCIAS
uma estética de vida. E o que encanta e assombra
ao mesmo tempo é que as estéticas são múltiplas, DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil
contendo variações mínimas ou contrastantes, o platôs. Rio de Janeiro: Editora 34, Vol. 1, 1996.
que nos leva a parafrasear Santos (2005) quando
este diz que a existência não esgota as GUATTARI, Felix. As três ecologias. Campinas:
possibilidades da existência. Papirus, 1990.

Quando, então, nos encontramos com os HESSE, Hermann. O lobo da estepe. Rio de
professores nas mais diferentes instâncias de Janeiro: Record, 1993.
intervenção educacional, encontramos também
com mundos tão legítimos quanto diversos, que LATOUR, Bruno. Ciência em ação. São Paulo:
fazem rede com outras tantas – e invisíveis – UNESP, 2000.
produções sociais. Essa proliferação de mundos,
colocando em cena tamanha cacofonia de valores MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo. Rio
e concepções, se por um lado tende a produzir de Janeiro: Record, 2001.
incômodos e vertigens, por outro se sustenta como
uma esperança de multiplicação de propostas MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem
possíveis, uma vez que as práticas emancipatórias na educação e na política. Belo Horizonte:
estão mais ligadas à polifonia dos sentidos do que UFMG, 1998.
propriamente a uma univocidade do discurso. É
no cotidiano silencioso e tantas vezes não MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco.
intelectualizado dos professores e alunos, que as A árvore do conhecimento. São Paulo: Editorial
práticas educacionais tomam as mais diversas Psy II, 1995.
faces, misturando-se com o emocionar de
indivíduos que as gestam junto com o mundo que
eles próprios compõem no existir.

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MATURANA, Humberto; VERDEN-ZÖLLER, PETERS, Michael. Pós-estruturalismo e


Gerda. Amar e brincar. São Paulo: Palas Athena, filosofia da diferença. Belo Horizonte: Autêntica,
2004. 2000.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da


razão indolente. São Paulo: Cortez, 2005.

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