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Apostila - Const .Atualizada.2024

DIREITO CONSTITUCIONAL 2024

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


DEPARTAMENTO DE DIREITO
Volta Redonda

MATERIAL DIDÁTICO

DIREITO CONSTITUCIONAL I
DIREITO CONSTITUCIONAL III
DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

Autoria:
Profª. Drª. Ana Alice De Carli
Graduando Adilson de Paulo de Almeida Júnior

Volta Redonda
Revisada e Atualizada em Mar/ 2024
2

APRESENTAÇÃO

O presente material didático objetiva dar subsídio cognitivo aos alunos das Turmas de Direito Constitucional
I, Direito Constitucional III e de Processo Constitucional, do Curso de Direito do Departamento de Direito da
Universidade Federal Fluminense, campus Aterrado, de Volta Redonda. E, subsidiariamente, às Turmas de
Direito Ambiental Global, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Tecnologia Ambiental, da
Universidade Federal Fluminense, campus Vila, de Volta Redonda e da Pós-Graduação Lato Sensu em
Residência Jurídica, UFF/VR.

Profª. Drª. Ana Alice de Carli


(ID Lattes: 6823568099964993)
Adilson P. de Almeida Júnior
(ID Lattes: 6823568099964993)
3

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 2
CAPÍTULO I ................................................................................................................... 7
DIREITO CONSTITUCIONAL: BASES TEÓRICO-CONCEITUAIS ................... 7
I.1. Origem e objeto do Direito Constitucional................................................................. 7

I.2. Aspectos semânticos de constitucionalismo, neoconstitucionalismo e transconstitucionalismo 8

I.3. Classificação das Constituições ................................................................................ 12

I.4. Poder Constituinte, Poder Derivado, Assembleia Constituinte: aspectos conceituais e históricos 15

I.5. A natureza jurídica do preâmbulo da Constituição .................................................. 22

I. 6. QUESTÕES OBJETIVAS: ..................................................................................... 23

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO I ................................................................................ 25

CAPÍTULO II ............................................................................................................... 27
FEDERALISMO BRASILEIRO E A DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 ...................................................................................................... 27
II.1. Aspectos gerais sobre Federação............................................................................. 27

II.1.1. Tipos de Federalismo ........................................................................................... 30

II.2. Repartição das Competências Constitucionais à luz do Princípio da Predominância do Interesse 31

II.3. Tipos de competências: sub-divisão da distribuição de poder dos Entes Federados brasileiros 33

II.4. Os três papéis fundamentais da União .................................................................... 39

II.5. QUESTÕES OBJETIVAS ...................................................................................... 43

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO II .............................................................................. 45

CAPÍTULO III .............................................................................................................. 46


INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS ......................................................................... 46
III.1. Ministério Público: breve intróito .......................................................................... 46

III.1.1. Ministério Público: atribuições constitucionais .................................................. 47

III.1.2. Do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP ..................................... 57

III.2. Advocacia Pública ................................................................................................. 58

III.2.1. Advocacia Geral da União .................................................................................. 59

III.2.2. Defensoria Pública .............................................................................................. 62


4

III.3. Advocacia Privada e a OAB .................................................................................. 65

III.4. Tribunal de Contas ................................................................................................. 68

III. 5. ESTUDO DE CASO ............................................................................................. 77

III. 6. QUESTÕES OBJETIVAS: ................................................................................... 77

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO III ............................................................................. 79


CAPÍTULO IV .............................................................................................................. 81
ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO ................................................................. 81
IV.1. Estrutura do Poder Judiciário.................................. Erro! Indicador não definido.

IV.1.1. Noção introdutória .............................................................................................. 81

IV.1.2. Funções típicas e atípicas.................................................................................... 83

IV.1.3. Tribunais e instâncias ......................................................................................... 83

IV.1.4. Forma de investidura dos juízes de primeira instância e de segunda instância .. 90

IV. 2. Formas de nomeação e atribuições dos Tribunais Superiores .............................. 93

IV.2.1. Supremo Tribunal Federal- STF ......................................................................... 93

IV.2.2. Superior Tribunal de Justiça -STJ....................................................................... 96

IV.2.3. Tribunal Superior do Trabalho – TST ................................................................ 98

IV.2.4. Superior Tribunal Militar – STM ....................................................................... 99

IV.2.5. Tribunal Superior Eleitoral - TSE..................................................................... 100

IV. 3. Conselho Nacional de Justiça– CNJ ................................................................... 101

IV. 4. Quadro ilustrativo da Estrutura do Poder Judiciário Brasileiro .......................... 104

IV.5. ESTUDO DE CASO............................................................................................ 105

II.6. QUESTÕES OBJETIVAS .................................................................................... 106

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO IV ........................................................................... 107

CAPÍTULO V.............................................................................................................. 108


DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ..................................................... 108
V.1. Evolução, aspectos conceituais ............................................................................ 108

V. 2. Nomenclaturas dos direitos com características fundamentais ............................ 113

V.3. Dimensões dos Direitos Fundamentais ................................................................. 115

V. 4. Direitos e garantias na Constituição Federal de 1988 .......................................... 118


5

V. 4.1. A dignidade da vida e o princípio da dignidade da pessoa humana ................. 118

V.4.2. Diferenças semânticas entre direitos e garantias fundamentais ......................... 121

V. 5. Direitos da nacionalidade: perspectiva constitucional e sociológica. Aspectos normativos 125

V.5.1. Da perda da nacionalidade e da reaquisição da nacionalidade .......................... 134

V. 6. ESTUDO DE CASO ............................................................................................ 135

V. 7. QUESTÕES OBJETIVAS ................................................................................... 136

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO V ............................................................................ 137

CAPÍTULO VI ............................................................................................................ 139


CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ...................................................... 139
VI. 1. O constitucionalismo e a força normativa das constituições .............................. 139

VI.2. Controle de constitucionalidade: aspectos gerais, conceituais e finalidade ........ 140

VI. 3. Dos Sistemas de Controle de Constitucionalidade ............................................. 148

VI. 3.1. Sistema Norte-americano (controle incidental, difuso, em concreto, via de exceção, via de defesa)
148

VI.3.2. Sistema Austríaco (europeu continental) .......................................................... 148

VI. 3.3. Sistema Francês ............................................................................................... 149

VI. 4. Brasil: Sistema Híbrido (misto) de Controle de Constitucionalidade ................ 149

VI.4.1. O controle difuso de constitucionalidade (concreto, incidental ou incidenter tantum, via de defesa e
via de exceção) no Brasil: aspectos gerais .................................................................... 149

VI.4.2. Do controle abstrato de constitucionalidade (em tese, concentrado) em solo brasileiro 151

VI.4.3. Técnicas (critérios) do controle de constitucionalidade ................................... 156

VI.4.3.1. Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto .............. 156

VI. 4.3.2. Interpretação conforme a Constituição ......................................................... 158

VI.4.3.3. Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade............... 161

VI. 4.4.4. Declaração de inconstitucionalidade da norma ainda constitucional, mas em trânsito para a
inconstitucionalidade .................................................................................................... 163

VI. 4.4.5. Novas construções de técnicas de decisão em sede de controle de constitucionalidade político e
judicial: da declaração deinconstitucionalidade por agregação e a teoria do estado de coisas inconstitucional
165

VI.5. ESTUDO DE CASO............................................................................................ 168


6

VI. 6. QUESTÕES OBJETIVAS ................................................................................. 168

REFERÊNCIAS DO CAP. VI ...................................................................................... 172

CAPÍTULO VII .......................................................................................................... 174


REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS .......................................................................... 174
VII.I. Considerações iniciais ......................................................................................... 174
VII.II. Espécies de remédios constitucionais ................................................................ 176
VII.III. REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO VII ............................................................. 197
ANEXO I 199
GABARITO DAS QUESTÕES DOS CAPÍTULOS ................................................ 199
ANEXO II 204
MODELO PEC ........................................................................................................... 204
ANEXO III.................................................................................................................... 206
PEÇAS PROCESSUAIS ............................................................................................ 206
1.ADPF 206

2.RECLAMAÇÃO........................................................................................................ 207

3. AÇÃO POPULAR .................................................................................................... 209


4. MANDADO DE INJUNÇÃO .................................................................................. 211
5.MANDADO DE SEGURANÇA ............................................................................... 213
7

CAPÍTULO I

DIREITO CONSTITUCIONAL: bases teórico-conceituais

I.1. Origem e objeto do Direito Constitucional

Terminologicamente, a expressão “Direito Constitucional” remonta ao século XVIII, no contexto da


Revolução Francesa e, sendo posteriormente disseminada pela escola italiana, em 1797, veio a consagrar-se
em todo o mundo. Tal terminologia decorreu da necessidade de se conferir, nos dizeres de Uadi Lammêgo
Bulos1, um “tratamento científico e didático ao incipiente Direito político da época” e se explica pelo fato de
a constituição, em seu sentido moderno, ter surgido somente a partir das “Guerras Religiosas” ocorridas nos
séculos XVI e XVII – embora, antes disso, já houvesse normas básicas – expressas ou tácitas – visando à
legitimação do poder soberano.
Para além dessa contextualização histórica, uma análise designativa sumária permite inferir que o
Direito Constitucional é senão a ciência ou a parcela da ordem jurídica que se encarrega do estudo sobre “o
pacto fundante do ordenamento supremo de um povo: a Constituição”2. Assim, dentro da tradicional divisão
do direito positivo, o direito constitucional se classifica como um ramo interno do direito público e, na lição
de Marcelo Novelino3, “por ser a constituição o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento
jurídico, há quem o considere como tronco do qual derivam todos os demais ramos do direito”. Tal posição é
endossada por Bulos, para quem o Direito Constitucional é o “substrato e o ponto de convergência” de todas
as matérias jurídicas4.
Na procura de uma designação distintiva, é possível dizer que ele se configura como “Direito Público
fundamental por referir-se diretamente à organização e funcionamento do Estado, a articulação dos elementos
primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política”, conforme assevera José Afonso da
Silva5. Porém, embora seja possível distingui-lo dos demais ramos do Direito, haja vista a natureza específica
de seu objeto e peculiaridades outras que o informam, não há como apartá-lo ou isolá-lo dentro da complexa
sistemática relativa ao mundo das normas. Isso se explica pelo fato de que a Constituição, objeto de seu estudo,
possui, em geral, uma eficácia irradiante, que se movimenta tocando todo o ordenamento infraconstitucional.
De modo ainda mais pragmático, pode-se dizer que o objeto do Direito Constitucional é o estudo
sistematizado das constituições. Tal estudo, na lição de Bulos, permite compreender, além dos diversos fatores
que circunscrevem os ordenamentos constitucionais, “o fio condutor das normas supremas que organizam o

1
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Ed. São Paulo: JusPODIVM. 2024. p. 49.
2
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 56.
3
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 41.
4
Ibid. p. 56.
5
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2014. P. 36.
8

Estado; a forma de governo; a estruturação do poder; a disciplina das liberdades públicas; o conteúdo dos
princípios básicos que conformam as instituições governamentais” 6.
Porém, conforme José Afonso da Silva e Manuel García-Pelayo, citado por Novelino, o conteúdo
científico do Direito Constitucional pode ser melhor pormenorizado na ótica de três diferentes disciplinas: a)
direito constitucional positivo, “que tem por objeto o estudo dos princípios e normas de uma constituição
concreta, de um Estado determinado”;7 b) direito constitucional comparado, cujo objeto é o “estudo
comparado e crítico de normas constitucionais positivas, vigentes ou não, de diversos Estados”;8 e c) direito
constitucional geral, que compreende a sistematização e classificação de conceitos, princípios e instituições
de diversas ordens jurídicas, visando a generalização dos princípios teóricos do Direito Constitucional
particular.

I.2. Aspectos semânticos de constitucionalismo, neoconstitucionalismo e


transconstitucionalismo

Há duas formas de se apreender o sentido semântico do termo “constitucionalismo”, ora em seu sentido
amplo, ora em seu sentido mais restrito. Em sentido amplo (lato sensu), tal expressão é empregada “para
designar a existência de uma constituição nos Estados, independentemente do momento histórico ou do regime
político adotado”, conforme preleciona Novelino9. Já sob a perspectiva mais restrita (stricto sensu), o
constitucionalismo pode ser identificado a partir de noções básicas: o princípio da separação entre os Poderes
e a garantia de direitos, sob a ótica da limitação ao arbítrio estatal e da proteção às liberdades fundamentais.
Embora seja possível estudar o constitucionalismo nas suas acepções antiga (no contexto da
democracia ateniense) e medieval (com ênfase na Magna Carta inglesa de 1215), atenção maior é dedicada ao
constitucionalismo moderno, ou seja, aquele cuja nascente foram as Revoluções Liberais que
consubstanciaram a prevalência do Direito sobre os interesses da Realeza. Com isso, a limitação do poder
detido pelos governantes viu-se guarnecida pela doutrina dos direitos fundamentais e pela ideia de separação
dos Poderes, conforme o art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, in
verbis: “toda sociedade em que a garantia dos Direitos não esteja assegurada, nem a separação dos Poderes
determinada, não tem Constituição” 10.
Para J.J. Gomes Canotilho11, o constitucionalismo “é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do
governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-
social de uma comunidade”. Nessa esteira, o constitucionalismo moderno constitui "uma técnica específica

6
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 58.
7
SILVA, José Afonso da (2014), op. cit., p. 37.
8
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 42.
9
Ibid, p. 49.
10
AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. Constitucionalismo e Conceito de Constituição. Revista Direito Público: Instituto
Brasiliense de Direito Público, Brasília, v. 18, n. 98, p. 692-742, 2021. Disponível em:
https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/5583/pdf. Acesso em: 23 fev. 2024.
11
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5. ed., Coimbra: Almedina, 2002. p. 51.
9

de limitação do poder com fins garantísticos", na lição do mesmo autor. Destacando-se, assim, a relação entre
o conceito supra a própria noção de Estado de Direito, eis que se busca a garantia de direitos dos cidadãos em
face de pretensos governos arbitrários.
Ainda no contexto do constitucionalismo moderno, é possível verificar o surgimento das constituições
sociais, que se deu no período da Primeira Guerra Mundial. Naquele momento, com a intensificação das
desigualdades sociais, verificou-se que não bastava o reconhecimento e proteção, pelo Estado, das liberdades
individuais, mas que era preciso garantir-se direitos trabalhistas, à educação, à assistência aos vulneráveis,
entre outros, relacionados à noção de bem comum. Assim, “o Estado abandona sua postura abstencionista para
assumir um papel decisivo nas fases de produção e distribuição de bens, passando a intervir nas relações
sociais, econômicas e laborais”, conforme rememora Novelino,12 tornando-se um Estado Social.
Naquele período, podem ser citadas como exemplos de constituições sociais a Constituição mexicana
de 1917, que foi a pioneira na inclusão dos direitos trabalhistas entre aqueles fundamentais; a Constituição de
Weimar (1919), que consagrou direitos econômicos e sociais; e a Constituição austríaca de 1920, a qual
incorporou o controle de constitucionalidade no âmbito da corte constitucional. A partir desse contexto, torna-
se possível verificar, com maior concretude, os direitos fundamentais de segunda geração (ou dimensão), que
são aqueles sociais e econômicos relacionados ao valor de igualdade.
A posteori do constitucionalismo moderno, adveio o constitucionalismo contemporâneo (fase atual),
caracterizado pela existência de textos constitucionais analíticos e extensos, a exemplo da própria Lex Mater
brasileira de 1988. Nesse viés, há doutrinadores que dissertam sobre uma sinonímia entre constitucionalismo
contemporâneo e neoconstitucionalismo13. No entanto, visão melhor parece ser a de Bulos,14 pela qual o
transconstitucionalismo também se encontra imbricado na proposta conceitual de constituicionalismo
contemporâneo, de modo que este englobaria o neoconstitucionalismo (enquanto expressão sinônima), mas
também o transconstitucionalismo, oriundo das contribuições de Marcelo Neves.
O constitucionalismo contemporâneo (ou neoconstitucionalismo) foi oportunizado, no pós-Segunda
Guerra, em países europeus ocidentais que “alavancaram” seu entendimento acerca da importância da
jurisdição constitucional para a tutela dos direitos fundamentais. Assim, objetivando “evitar abusos e a volta
de regimes totalitários, a legislação constitucional ganhou corpo, fortalecendo mecanismos e criando uma
verdadeira rede de proteção dos direitos fundamentais”, também com o escopo de evitar abusos do Poder
Legislativo15.

12
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 56-57.
13
É o entendimento de Marcelo Novelino (2024, p. 58).
14
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 76.
15
PRAZAK, Maurício Avila; SOARES, Marcelo Negri; AIRES, Rafael De Ataide. Neoconstitucionalismo no Brasil e a relação
com a judicialização da política e o ativismo judicial. Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 199-223, 2020.
Disponível em:
https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistadireitoemovimento_online/edicoes/volume18_numero3/volume18_numero3_199.pdf. Acesso
em: 23 fev. 2024. p. 204
10

O neoconstitucionalismo fez emergir “a normatização de princípios, estes, por sua vez, carregados de
preceitos axiológicos, como dignidade da pessoa humana, igualdade, Estado Democrático de Direito e
solidariedade social”16. Isso explica o enfoque na dignidade da pessoa humana, que passa a ser uma verdadeira
noção jurídica fundamental – de caráter normativo. É nessa esteira que também houve a consagração de outros
grupos de direitos fundamentais para enfrentar novas ameaças – motivo pelo qual se fala em direitos de
terceira, quarta e até quinta gerações (ou dimensões)17 que, respectivamente, consideram valores como a
fraternidade; a democracia, a informação e o pluralismo; e o direito à paz18.
Note-se que as transformações supra aproximam-se do modelo estadunidense que, desde o início,
percebe a Constituição como autêntica norma jurídica (aspecto normativo), bem como do modelo francês,
pela adução de normas substantivas (aspecto garantístico). Fala-se, portanto, no advento do chamado Estado
Democrático de Direito, caracterizado pelo princípio da soberania popular e pela atenção dedicada à
efetividade dos direitos fundamentais. Isso significa que, além de observar uma dimensão negativa
concernente a limites formais e materiais, o Estado se depara com obrigações positivas, relacionadas aos
direitos prestacionais. Sobre o tema, preleciona Novelino19:

Ao lado do dever de abstenção imposto aos poderes públicos pelos tradicionais direitos de
defesa, no último quarto do século XX passou a ser admitida a imposição de atuações positivas,
inclusive ao Legislador, com vistas à realização dos direitos prestacionais, cuja implementação
exige políticas públicas concretizadoras de prerrogativas individuais e/ou coletivas destinadas
a reduzir as desigualdades sociais e a garantir a existência humana digna. Nesse sentido, a
submissão do legislador à constituição, além da dimensão negativa imposta pelos limites
formais e materiais, passa a ter dimensão positiva decorrente da imposição do dever de legislar
com vistas a conferir plena efetividade a determinados comandos constitucionais.

Desse modo, pode-se compreender o neoconstitucionalismo como o conjunto de transformações que,


enquanto marco histórico, oportunizaram a construção do Estado Constitucional de Direito e, na perspectiva
filosófica – sob a ótica do pós-positivismo – sendo caracterizado pela centralidade conferida aos direitos
fundamentais, bem como pela reaproximação entre Direito e ética. Além disso, figurando também como um
marco téorico, é senão “o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão
da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional”,
conforme sintetiza Luís Roberto Barroso20.

16
Ibid. p. 206
17
Há doutrinadores que defendem a existência de uma sexta dimensão de direitos fundamentais, relativos ao direito à democracia, à
liberdade de informação, ao direito de informação e ao pluralismo político.
18
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 59.
19
Ibid. p. 60.
20
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: (O triunfo tardio do direito constitucional
no Brasil). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-41, 1 abr. 2005. Disponível em:
https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/43618/44695. Acesso em: 24 fev. 2024.
11

No que diz respeito à acepção do termo “transconstitucionalismo”, proposto por Marcelo Neves,21
verifica-se a designação de um fenômeno caracterizado pelo diálogo entre ordens jurídicas distintas. Desse
modo um problema constitucional transmuta-se em uma questão transconstitucional, eis que ensejada uma
ambiência de contribuições mútuas entre Estados – sobretudo na esteira dos direitos humanos e fundamentais.
Trata-se, assim, da globalização do Direito Constitucional, em que se busca a ampliação de soluções mediante
um diálogo harmônico entre as constituições; o que oportuniza, de certo modo, uma espécie de sistema
normativo internacional.
Em um sentido mais restrito, o transconstitucionalismo envolve a soma de esforços entre ordenamentos
distintos para a resolução de questões constitucionais complexas. Isso não significa perda da soberania, eis
que cada Estado continua soberano, mas se vislumbra “a superação do constitucionalismo provinciano ou
paroquial em nome de algo maior: a integração cooperativa, pacífica e desterritorializada de ordens estatais
diferentes”22. Abandona-se, assim, o regionalismo e barreiras territoriais, em prol de uma conversação e do
diálogo constitucional.
No âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), dois exemplos podem ser evocados
para ilustrar as noções expostas acima. São os casos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº
3.112/DF e a da Arguição de Descumprimento de Preceiro Fundamental (ADPF) nº 101/DF.
Na primeira ação (ADI nº 3.112/DF), o Supremo Tribunal Federal importou precedentes do Tribunal
Constitucional alemão para declarar, parcialmente, a inconstitucionalidade de dispositivos do Estatuto de
Desarmamento (Lei nº 10.826/2003). Já no segundo segundo exemplo (ADPF nº 101/DF), a Suprema Corte
decidiu sobre a possibilidade de importação de pneus usados, ao mesmo tempo em que também apreciavam o
tema o Mercosul, a Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Mundial da Saúde, a
Organização Mundial do Meio Ambiente e União Europeia – tendo sido este “um caso no qual a ordem
constitucional brasileira não se subordinou a intimidações internacionais ou supranacionais, mas mostrou-se
parceira e aberta a uma conversação, para a resolução de problemas que afetam vários ângulos” 23.
Desse modo, a proposta do transconstitucionalismo implica a possibilidade de “externalização e de
internalização de informações entre Estados, órgãos e atividades completamente diferentes, pela troca de
experiências, conhecimentos, técnicas, etc.”, 24 mantendo-se a independência entre os mesmos. Tratam-se de
interações judiciais transnacionais em matéria constitucional, que decorrem do próprio processo de
globalização – ao qual o Direito não está imune. Assim, essa forma de neoconstitucionalismo pode funcionar,

21
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1ª Edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
22
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 92-93.
23
SOUSA, Cristiane Macedo; TAVEIRA, Luiz Paulo da Silva. O Transconstitucionalismo Ambiental e a Constituição Brasileira
de 1988: os benefícios ao meio Ambiente Brasileiro decorrentes da cooperação internacional no Pós-Constituição. Brazilian Journal
of Development, Curitiba, v. 7, n. 6, p. 62978-62994, 2021. Disponível em:
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/31888/pdf. Acesso em: 25 fev. 2024.
24
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 93.
12

na lição de Marcelo Neves25, como alternativa “à fragilidade do constitucionalismo estatal para enfrentar os
graves problemas da sociedade mundial” ou da “sociedade moderna multicêntrica” 26.

I.3. Classificação das Constituições

Conforme a literatura de direito constitucional, há diversas classificações dos textos constitucionais, a


depender dos critérios adotados. Não se tratam, entretanto, de classificações uniformes, eis que algumas são
consideradas úteis e outras, nem tanto – conforme o entendimento de cada autor consultado. Assim, aduzir-
se-ão, neste tópico, aquelas classificações feitas segundo critérios mais usuais, doutrinariamente, de modo que
se possa visualizar aquelas tipologias constitucionais cujo conhecimento de fato interessa a este estudo.
Quanto ao critério de origem, a constituição poder ser: a) outorgada, ou seja, que “decorre de ato
unilateral da vontade política soberana do governante, como a Constituição brasileira de 1824, outorgada por
Dom Pedro I”,27 inexistindo participação popular em sua elaboração; b) cesarista, isto é, que expressa a
vontade do detentor do poder, mas que se submete a plebiscito ou referendo – no intuito de que seja ratificada,
sendo esta a forma de participação popular (ex.: constituições bonapartistas); c) pactuada, que surge mediante
pacto entre soberano e organização (ou representação) nacional, relacionada ao contexto da monarquia
medieval, entre rei e nobreza ou entre aquele e a burguesia, por exemplo; d) democrática (promulgada ou
popular), que é elaborada por representantes do povo eleitos (assembleias constituintes), de modo que as
normas constitucionais são produzidas com a participação e traduzindo a vontade popular.
No que diz respeito à forma, analisa-se a exteriorização das normas constitucionais. Sob esse critério,
a constituição pode ser a) escrita, ou seja, codificada; ou b) não escrita (consuetudinária). No primeiro caso,
destacam-se alguns aspectos inerentes ao código (escrita), como a estabilidade e a previsibilidade, tendo sido
a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 a primeira Magna Carta escrita – e ainda vigente. Já
a constituição consuetudinária é aquela cujas normas não constam de um documento solene e único, mas se
baseia “principalmente nos costumes, na jurisprudência e em convenções e em textos constitucionais esparsos,
como é a Constituição inglesa”.28
No tocante ao modo de elaboração, uma constituição pode ser classificada como a) histórica, ou seja,
formada gradualmente, por meio da incorporação de elementos extraíveis de fatos sociopolíticos, usos,
costumes e precedentes, sendo, por isso, também consuetudinária; b) dogmática, a qual parte de ideologias
declaradas, dogmas políticos ou teorias preconcebidas, resultando “dos trabalhos de um órgão constituinte
sistematizador das ideias e princípios fundamentais da teoria política e do direito dominante” em um
determinado momento,29 sendo sempre escrita (codificada).

25
NEVES, Marcelo (2009), op. cit., p. 131.
26
Ibid, p. 34.
27
NOVELINO, Marcelo, (2024), op. cit., p. 103.
28
SILVA, José Afonso da (2014), op. cit., p. 43.
29
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 103.
13

Ainda, considerando a identificação das normais constitucionais ou o conteúdo de uma dada


constituição, duas classificações são possíveis: a) formal ou b) material. No entendimento de Bulos30, a
constituição em seu sentido formal refere-se a “documentos escritos e solenes oriundos da manifestação
constituinte originária”, sendo que a sua alteração se deve dar apenas por meio de procedimentos estabelecidos
quando de sua feitura: “daí as cartas formais também receberem a denominação de constituições
procedimentais, pois o rito para serem reformuladas vem disciplinado nelas mesmas”.
Já a constituição em seu sentido material refere-se ao “conjunto de normas substancialmente
constitucionais, escritas ou costumeiras, que podem vir ou não codificadas em um texto exaustivo”31, sendo
que mesmo as cartas formais possuem um núcleo material com força normativa. Na Lex Mater de 1988,
normas materialmente constitucionais podem ser extraídas de diversos títulos, sobretudo do Título I (Dos
Princípios Fundamentais) e Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Tome-se, por exemplo, o
direito à água potável (implícito / materialmente constitucional).
Quanto ao critério da estabilidade, a classificação de José Afonso da Silva32 aparenta ser mais objetiva.
Sob essa ótica, a carta constitucional pode ser a) rígida, quando a constituição somente é alterável “mediante
processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação das leis
ordinárias ou complementares”; b) flexível, “quando pode ser livremente modificada pelo legislador segundo
o mesmo processo de elaboração das leis ordinárias. Na verdade, a própria lei ordinária contrastante muda o
texto constitucional” ou, ainda, c) semirrígida, quando se mostra parcialmente rígida e, em parte, flexível – a
exemplo da Constituição do Império do Brasil, com fulcro em seu art. 17833.
Note-se que, na ambiência de constituições rígidas, podem-se localizar matérias insuscetíveis de
alteração pelo Poder Constituinte Derivado, chamadas de “cláusulas pétreas”, a exemplo daquelas
consubstanciadas no artigo 60, § 4º da Lex Mater de 1988. Entretanto, é justamente visualizando tal aspecto
que Alexandre de Moraes34, propõe uma nomenclatura ainda mais específica, considerando a Magna Carta
brasileira uma constituição super-rígida – a qual corresponderia a uma quarta classificação possível, dentro
do critério da estabilidade/mutabilidade ora estudado. Assim, nos dizeres no autor, “a Constituição Federal de
1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo
legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, § 4.° - cláusulas
pétreas)”.
Outro critério importante se refere à extensão, ou seja, à amplitude das matérias contempladas no texto
constitucional, podendo-se falar em constituição a) concisa (sumária), que “contêm apenas princípios gerais

30
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 117.
31
Ibid, p. 117.
32
SILVA, José Afonso da (2014), op. cit., p. 44.
33
Art. 178 da Constituição imperial brasileira de 1824: "É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivos
dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem as
formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias".
34
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo:
Atlas, 2017.
14

ou que enunciam regras básicas de organização e funcionamento do sistema jurídico estatal”,35 consagrando,
via de regra, apenas matérias constitucionais – a exemplo da Constituição norte-americana de 1787; e b)
prolixa (analítica), caracterizada por ser escrita e conter uma regulamentação minuciosa, contemplando até
matérias não constitucionais, a exemplo da Magna Carta brasileira de 1988 – que chega a dispor, inclusive,
sobre a órbita (federal) em que deve ser mantido o Colégio Pedro II, localizado no Rio de Janeiro (CF, art.
242, §2º)36.
Quanto à dogmática, que considera seu conteúdo ideológico, uma constituição pode ser ainda: a)
ortodoxa ou b) eclética (compromissória). No primeiro caso, percebe-se a adoção de apenas uma ideologia
política pela Constituinte, ou seja, há uma vertente ou caminho claro e bem definido no âmbito da elaboração
das normas constitucionais, o que se pode visualizar pela Constituição da extinta União Soviética (URSS). Já
uma constituição classificada como eclética (caso da Magna Carta brasileira de 1988), existe a busca pela
conciliação de ideologias diferentes e opostas: há uma “diversidade de pactos subjacentes”, de modo que suas
normas se caracterizam “pela textura aberta, a qual possibilita a consagração de valores e princípios
contraditórios a serem harmonizados pelos aplicadores do direito”, conforme preleciona Novelino37.
Por fim, outra relevante classificação diz respeito à ontologia (ou essência) das constituições, elaborada
por Karl Loewentein (1970). De acordo com este autor, os textos constitucionais são passíveis de análise
segundo seu caráter normativo, nominal ou semântico, levando-se em consideração o agir prático dos
detentores do poder. Nesse sentido, normativa seria a constituição perfeitamente amoldada ao fato social, ou
seja, em plena sintonia com o processo político. Contrariamente, semântica seria aquela submetida ao poder
político dominante: nos dizeres de Bulos38, o texto constitucional seria o “documento formal criado para
beneficiar os detentores do poder de fato, que dispõem de meios para coagir os governados”, visando a
perpetuação daqueles no protagonismo político, como se verifica no exemplo da Constituição cubana de 1952.
Ainda nessa tipologia, a constituição nominal, por sua vez, situar-se-ia em uma zona intermediária
entre as duas alhures comentadas, de modo que “suas normas são dotadas de eficácia jurídica, mas não têm
realidade existencial”, pois a dinâmica do processo político não se adapta a elas39. Por isso, segundo o
idealizador de tal classificação, diz-se que sua função primária é educativa; “seu objetivo é, em um futuro
mais ou menos distante, converter-se em uma constituição normativa e determinar realmente a dinâmica do
processo de poder no lugar de se submeter a ele"40. Observe-se, finalmente, que a Constituição Federal de
1988 é classificada, pela doutrina, como nominal, sendo este o entendimento de Uadi Lammêgo Bulos41.

35
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 106.
36
CF. Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal
e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.
[...] § 2º O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.
37
NOVELINO, Marcelo, (2024), op. cit., p. 108.
38
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 115.
39
Ibid. p. 110.
40
LOEWENSTEIN, K. Teoría de la Constitución. Editorial Ariel. Barcelona, 1970, 2ª ed. Tradução de Alfredo Gallego Anabitarde,
p. 7-10.
41
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 115.
15

Assim, considerando as tipologias supracitadas, tem-se que a Carta Magna de 1988, atual Constituição
brasileira, pode ser classificada como democrática; escrita; dogmática; formal; rígida (ou super-rígida);
prolixa; eclética; e nominal. Sobre essa última classificação, espera-se, com Bulos42, “por uma constituição
normativa, em consonância com a vida, com os fatores de transformação da sociedade, para valer na prática,
produzindo resultado concreto no plano da vida”.

I.4. Poder Constituinte, Poder Derivado, Assembleia Constituinte: aspectos conceituais e


históricos

O Poder Constituinte é aquele responsável pela inauguração de uma certa ordem jurídica, ou seja, pela
eleição e formalização das normas que haverão de compor o Texto Magno de um Estado, em seu sentido
originário. Todavia, além do Poder Constituinte Originário, que é supremo, há também aquele a que se atribui
a faculdade de alterar as disposições da Carta Constitucional, criada pelo primeiro: trata-se do Poder
Constituinte Derivado; e aquele que elabora normas regionais (constituições dos Estados-membros),
denominado Poder Constituinte Decorrente. Antes, entretanto, de aprofundar o entendimento desses conceitos,
é oportuna uma contextualização teórica.
Tal contextualização considera o desdobramento da filosofia política – com primícias na antiguidade
clássica – até o contexto da Revolução Francesa, que foi o pano de fundo para a elaboração da teoria do Poder
Constituinte. Segundo essa teoria, a formação de uma sociedade política passaria por três fases: na primeira,
um grupo significativo de pessoas se reúne, fazendo surgir uma nação com seus respectivos direitos; na
segunda, aquele grupo delibera sobre as necessidades públicas, constituindo uma vontade comum; e, na
terceira, considerando o grande número de pessoas, que tornaria inviável o exercício da vontade nacional,
veem essa vontade manifesta de modo representativo (a partir da ideia de delegação).
Na trilha das lições do abade Emmanuel Sieuès,43 - um dos principais teóricos do Poder Constituinte,
José Elaeres Marques Teixeira44 esclarece que:

No primeiro momento, um número considerável de indivíduos manifesta intenção de agrupar-


se: aí já surge a nação e os direitos próprios dela. O poder tem origem nesse momento, em razão
do jogo de vontades individuais. No segundo momento, surge a vontade comum, que é a de dar
consistência à associação. Para isso, tais indivíduos escolhem entre eles alguns para atuarem
como um corpo de delegados, porquanto, por serem numerosos e geograficamente dispersos,
não detêm condições de implementar a vontade comum. A esse corpo de delegados é conferida
porção necessária do poder total da nação para que estabeleçam mecanismos necessários à
manutenção da boa ordem. O terceiro momento é caracterizado pela manifestação da vontade
comum representativa, a qual não é exercida, portanto, por direito próprio, mas como direito de
outrem.

42
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 115.
43
SIEYÈS, Emmanuel. A constituinte burguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988.
44
TEIXEIRA, José Elaeres Marques. O poder constituinte originário e o poder constituinte reformador. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, p. 203-208, 2003. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/854/R158-
10.pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acesso em: 27 fev. 2024. p. 204.
16

Importante perceber que foi no segundo momento desse processo (surgimento da vontade comum) que
adveio a Constituição, como produto do Poder Constituinte Originário. Este é, assim, nos dizeres de Luiz
Sales do Nascimento, “o direito que tem a nação de se associar e consensualmente estruturar um Estado para
satisfazer as necessidades comuns”45 e cujo escopo principal é o de positivar a vontade comum da nação. Por
esse motivo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho46, entende o Poder Constituinte como o “personagem
responsável pela exteriorização coordenada da vontade de um povo no afã imperativo de ver-se constituído
juridicamente em suas relações perante uma norma fundamental [...]”, que deve ser por todos
compulsoriamente acatada e efetivada.
Assim, partindo-se dessas premissas, já se tem a noção conceitual de Poder Constituinte Originário.
Este, entretanto, pode ser classificado conforme o momento de sua manifestação. Sob essa ótica, é chamado
de “Poder Constituinte Histórico”, quando sua manifestação é pioneira em um Estado, ou seja, responsável
pelo surgimento de sua primeira constituição – a exemplo da Constituição brasileira de 1824. Noutro ângulo,
quando a sua manifestação implica normas elaboradas a partir de uma ocorrência revolucionária, tem-se a
nomenclatura “Poder Constituinte Revolucionário” – a exemplo daquela que resultou na Constituição
brasileira de 1937. E, finalmente, a doutrina denomina “transição constitucional” o contexto em que uma
Assembleia Nacional Constituinte é devidamente convocada para criar um novo texto constitucional, a
exemplo de que ocorreu quanto à Constituição brasileira de 1988.
Outro modo de se classificar o Poder Constituinte Originário diz respeito ao modo de deliberação
constituinte. Nesse viés, ele pode ser chamado de “Poder Constituinte Concentrado (ou Demarcado) quando
o surgimento da constituição resulta da deliberação formal de um grupo de agentes, como no caso das
constituições escritas”. Em contexto distinto, será chamado de “Poder Constituinte Difuso quando a
constituição é resultante de um processo informal em que a criação de suas normas ocorre a partir da tradição
de uma determinada sociedade, como ocorre com as constituições consuetudinárias”, segundo lição de
Novelino47.
Quanto à natureza do Poder Constituinte Originário, caso se adote a concepção jusnaturalista, tratar-
se-á de um poder jurídico. Nessa perspectiva, em que pese não esteja vinculado à ordem jurídica anterior, o
Poder Constituinte deverá observar os princípios do Direito Natural. Porém, caso se adote a perspectiva
positivista de Carl Schmitt, o tal poder será político, eis que absoluto e ilimitado. Nos dizeres de Teixeira 48,
como manifestação da vontade política da sociedade, “o poder constituinte originário tem a natureza de poder

45
NASCIMENTO, Luiz Sales do. O poder constituinte, o direito, e uma nova ordem jurídica mundial policêntrica. Revista de
Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, v. 96, p. 203-208, 2016. Disponível em:
https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bi
bli_bol_2006/RDConsInter_n.96.02.PDF. Acesso em: 27 fev. 2024. p. 4.
46
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 15-16.
47
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 71.
48
TEIXEIRA, José Elaeres Marques (2003), op. cit., p. 204.
17

político, porque exercido não com base em norma jurídica, mas fundamentado apenas na intenção natural da
comunidade”.
No que concerne à titularidade do Poder Constituinte Originário, a literatura do tema não vislumbra
resposta uniforme, motivo pelo qual se aduz – apesar das críticas – a lição mais recorrente (e que constitui
uma resposta democrática): sua titularidade é do povo, a ser exercida por meio de representação. Não se
confunda, pois, titularidade com exercício: titular é o detentor do poder, que é exercido por certos agentes
legitimados. Para Nascimento49, entretanto, tal gnose (a mesma de Uadi L. Bulos, por exemplo) é mera
construção teórica, eis que, para ele – em fundamentada crítica – a titularidade do Poder Constituinte seria do
povo apenas “como ficção que mascara o aspecto antidemocrático do processo constituinte. Em verdade, a
titularidade é do grupo social hegemônico e seu entorno, que expressa o novo bloco histórico”.
Isso posto, é imprescindível aduzir ainda os atributos (ou características) do Poder Constituinte
Originário. Sob a perspectiva positivista, identificam-se os seguintes atributos: “I) inicial, por não existir
nenhum outro antes ou acima dele; II) autônomo, por caber apenas ao seu titular a escolha do conteúdo a ser
consagrado na Constituição; e III) incondicionado, por não estar submetido a nenhuma regra de forma ou de
conteúdo”50. Além desses, Bulos51 entende ser o Poder Constituinte Originário também soberano (mais do
que autônomo: autossuficiente); latente (atemporal, podendo ser acionado a qualquer tempo); instantâneo
(elaborada a constituição, sua “potência” cessa instantaneamente); inalienável (indisponível); e especial (não
elabora leis comuns, mas somente a norma fundante da ordem jurídica).
No entanto, especial atenção se deve ter quanto à incontestável relevância do Direito Natural, no
âmbito da manifestação do Poder Constituinte Originário. Isso porque os princípios, os valores e as condições
que dele advêm, enquanto imperativos necessários e indisponíveis, culminam por refutar a incondicionalidade
absoluta defendida pelos adeptos do positivismo – como pretensa característica do Constituinte Originário. É
nesse sentido que Teixeira52, mais uma vez comentando os escritos de Sieyès, observa que este “ao mesmo
tempo em que assevera que a ‘nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo’, e que a sua vontade é a
própria lei, também admite que antes e ‘acima dela só existe o direito natural’”.
Nessa mesma esteira, vale o registro – apesar dos atributos supra (absoluteza, autonomia, etc.) – da
existência de limites substanciais (ou materiais) que incidem sobre o Poder Constituinte Originário, podendo
ser, na lição de Bulos53: transcendentes, ou seja, “que provém de imperativos éticos superiores, os quais se
vinculam a uma consciência jurídica coletiva”, ligados à proteção da dignidade da pessoa humana; imanentes,
isto é, que determinam o “teor dos assuntos que devem consubstanciar a identidade do Estado”; e heterônomos,
responsáveis por condicioná-lo às normas de Direito Internacional.

49
NASCIMENTO, Luiz Sales do (2016), op. cit., p. 8.
50
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 74.
51
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 401.
52
TEIXEIRA, José Elaeres Marques. (2003), op. cit., p. 204.
53
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 407.
18

Note-se que a noção de Poder Constituinte Originário está intimamente ligada à ideia de Assembleia
Nacional Constituinte, pois que é por meio desta que o primeiro pode se concretizar, atingindo as finalidades
que lhe correspondem. Historicamente, observa-se que “as primeiras figuras de Assembleia constituinte se
encontram na história das colônias inglesas da América do Norte, no tempo de sua luta e separação definitiva
da Grã-Bretanha” 54. A partir disso, houve todo um desenrolar temporal e espacial de sua manifestação, de
modo que “as Assembleias constituintes podem apresentar notável variedade de características particulares”
55
, embora cumpram a mesma função.
Tomando-se por referência o conceito de Norberto Bobbio56, pode-se conceber a Assembleia
Constituinte como sendo “um órgão colegial, representativo, extraordinário e temporário, que é investido da
função de elaborar a Constituição do Estado, de pôr – em outros termos – as regras fundamentais do
ordenamento jurídico estatais”. Desse modo, é ela uma forma (talvez, a principal) de manifestação do Poder
Constituinte; motivo pelo qual Alexandre Santiago Assumpção Cearense57, resgatando a lição de Nicola
Matteuci, destaca que:

É investida (a Assembleia Constituinte) do mandato de fazer uma Constituição escrita, que


contenha uma série de normas jurídicas, coligadas organicamente entre si, para regular o
funcionamento dos principais órgãos de Estado e consagrar os direitos dos cidadãos. Portanto,
o poder constituinte é um poder superior ao poder legislativo, sendo precisamente a Constituição
o ato que, instaurando o Governo, o regula e o limita.

No Brasil, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, convocada pelo então presidente José Sarney
no ano de 1985, resultou na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de
1988. Desse processo, que envolveu um trabalho de 20 meses, atuaram 559 parlamentares (72 senadores e
487 deputados federais), com ampla participação da sociedade. Sendo interessante observar, ademais, que
houve uma organização da documentação original desses trabalhos, conservando-a para fins históricos,
acadêmicos, etc., sob nome de Fundo "Assembleia Nacional Constituinte”. Este se encontra sob a
responsabilidade do Arquivo da Câmara dos Deputados, disponível no Portal da Cidadania (sítio eletrônico
da casa legislativa)58.

54
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11ª. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1998. 674 p. v. 1. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2938561/mod_resource/content/1/BOBBIO.%20Dicion%C3%A1rio%20de%20pol%C3
%ADtica..pdf. Acesso em: 28 fev. 2024. p. 61-62.
55
Ibid, p. 62-63.
56
Ibid, p. 61.
57
CEARENSE, Alexandre Santiago Assumpção. Aproximação à problemática do Poder Constituinte. Orientador: um órgão
colegial, representativo, extraordinário e temporário, que é investido da função de elaborar a Constituição do Estado. 2009. 173 p.
Monografia (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. Disponível em:
https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/28554/1/2009_tcc_asacearense.pdf. Acesso em: 28 fev. 2024.
58
O Fundo “Assembleia Nacional Constituinte de 1987” pode ser acessado virtualmente. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-
cidada/publicacoes/copy_of_index.html.
19

Além disso, como mencionado inicialmente, o Poder Constituinte não se limita àquele Originário, mas
pode se apresentar também como Constituinte Derivado e Constituinte Decorrente. No primeiro caso, o que
se observa é a manifestação de uma espécie de poder residual, com atribuições reformadoras e revisoras;
enquanto que, no segundo, um poder revestido de caráter complementar, adaptativo e que decorre daquele
criador da Norma Fundamental. Sendo, pois, imprescindível estudar-se seus conceitos e espécies,
distinguindo-os em suas especificidades.
Note-se que, para Bulos59, o Poder Constituinte Decorrente se encontra imbricado naquele Derivado,
sendo-lhe uma de suas modalidades – juntamente com o Poder Reformador (ou seja, Derivado como gênero,
Reformador e Decorrente como espécies). Porém, em que pese isso faça algum sentido, aparenta ser mais
didático o raciocínio de Novelino60. Por esse motivo, estudar-se-ão os fenômenos separadamente, eis que
ambos possuem espécies que também necessitam atenção. Desse modo, entenda-se como Poder Constituinte
Derivado aquele reformador e revisor e, noutro ângulo, o Poder Constituinte Decorrente (que pode ser inicial
ou reformador), em planos distintos de análise.
O Poder Constituinte Derivado é, além desse último adjetivo – que o caracteriza – subordinado e
condicionado, e advém da constatação de que “uma Constituição jamais se exaure no momento de sua criação,
porquanto sofre o influxo de fatores sociológicos, políticos econômicos, culturais”61. Nesse âmbito, em
suscinta explicação, ele é derivado, pois retira sua força do Poder Constituinte Originário; mas também é
subordinado e condicionado, juridicamente, uma vez que se limita e está sujeito às regras de fundo
estabelecidas pelo mesmo Poder. Nos dizeres de André Ramos Tavares62, trata-se de “poder limitado, previsto
pela própria Constituição, e por ela regulado. Não é inicial, autônomo ou incondicionado. Não por outro
motivo deve ser considerado como um poder constituído”.
Ao Poder Constituinte Derivado cabe a modificação do texto constitucional, eis que a própria Lex
Mater de 1988 prevê tal possibilidade por meio de i) reforma (CF, art. 60) ou de ii) revisão (ADCT, art. 3º).
Assim, visto como Poder Reformador, seu exercício dá-se com a criação de emendas constitucionais,
inexistindo limitação temporal para tanto. Tais emendas, na lição de Bulos63, constituem “o recurso instituído
pelo poder constituinte originário para realizar modificações em pontos específicos e localizados do texto
maior”, tratando-se de uma “reforma de menor extensão”.
Importante é a leitura atenta do art. 60 da Constituição Federal, eis que nele se vislumbram os limites
impostos ao Poder Reformador, que podem ser circunstanciais (CF, art. 60, §1.º); formais, processuais ou
procedimentais (CF, art. 60, I, II, III, §§ 2.º, 3.º e 5.º); materiais ou substanciais – estes veiculados por cláusulas
pétreas – (CF, art. 60, § 4.º); sem prejuízo de outras limitações constantes, ou não, da Lei Fundamental, a

59
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 410.
60
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 76-92.
61
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Revisão constitucional: o caso brasileiro. Revisão constitucional: aspectos jurídicos, políticos e
éticos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993. p. 96.
62
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2 ed. ver. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2003.
63
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 410
20

exemplo das cláusulas pétreas implícitas, ou seja, que guardam estreita vinculação com os princípios
protegidos por aquelas expressas, sendo passíveis de revelação por meio da atividade hermenêutica, conforme
análise jurisprudencial realizada por Novelino64.
No entanto, tratando-se do Poder Revisor, seu exercício implica uma reforma de maior amplitude,
encontrando limitação temporal fundamentada no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT). É nessa esteira a ponderação de Novelino65, no sentido de que “diversamente da reforma, via
ordinária e permanente de modificação da Constituição (CF, art. 60), a revisão consiste em uma via
extraordinária e transitória de alteração do texto constitucional” e cujo prazo é aduzido na Lei Maior, in verbis:
“A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto
da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral” (CF, ADCT, art. 3º).
Note-se que as limitações circunstanciais e materiais, impostas ao Poder Reformador, também incidem
sobre o Poder Revisor. No entanto, uma distinção deve ser observada, neste último, em se tratando da limitação
temporal (de cinco anos) – inexistente para o Poder de Reforma – e das limitações formais. Isso se explica
verificando que o procedimento para a revisão (maioria absoluta, em sessão unicameral) é menos rígido que
o de reforma (três quintos dos votos, em dois turnos). Sendo, finalmente, interessante registrar o caráter
excepcional de tal revisão, uma vez que a Constituição Federal de 1988 “possui previsão de revisão por uma
única vez não podendo ocorrer de novo na Constituição atual, haja vista que estava prevista no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias”66.
Quanto ao Poder Constituinte Decorrente – espécie (ou modalidade) do Poder Constituinte Derivado
–, é imprescindível ponderar que se trata daquele responsável pela auto-organização dos Estados-membros.
Sob esse escopo, pode nominar-se: i) Decorrente Inicial, quando responsável pela elaboração das constituições
estaduais; e ii) Decorrente Reformador, quando seu exercício implica a alteração dos textos consubstanciados
nessas legislações. Em ambos os casos, outrossim, está subordinado à lei fundante da ordem jurídica, ou seja,
à Constituição Federal – que afeta sua liberdade criadora e, em certo aspecto, também àquela reformadora,
haja vista as limitações condicionantes (normas centrais) de observância imperativa pelos Estados-membros;
motivo pelo qual se sublinha o caráter derivado do Poder Constituinte Decorrente.
Tratam-se das normas de observância obrigatória que, na Constituição de 1988, não foram elencadas
de forma textual (expressa). Nos dizeres de Novelino67, “adotou-se uma formulação genérica que, embora
teoricamente confira maior liberdade de auto-organização aos Estados-membros, cria o risco de possibilitar
interpretações excessivamente amplas na identificação de tais normas”. E, como consequência dessa
subordinação à Constituição Federal, que é designada “matriz do ordenamento jurídico parcial dos Estados-

64
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 89.
65
Ibid, p. 91.
66
BERNARDI, Renato; NASCIMENTO, Francis Pignatti do. A Supremacia da Constituição e a Teoria do Poder Constituinte.
Revista Eletrônica de Graduação do UNIVEM - REGRAD, Marília, v. 11, n. 1, p. 246-264, 2018. Disponível em:
https://revista.univem.edu.br/REGRAD/article/view/2623. Acesso em: 29 fev. 2024, p. 258.
67
NOVELINO, Marcelo. (2024), op. cit., p. 79-80.
21

membros”, tem-se que “a atividade do constituinte estadual se exaure em grande parte, na elaboração de
normas de reprodução”, conforme assevera Raul Machado Horta68.
Além da necessidade de observância dos princípios constitucionais (CF, art. 25), eis que a manifestação
do Poder Constituinte Decorrente foi prevista pela Lex Mater por meio de assembleias estaduais, munidas de
poderes constituintes para elaborar suas respectivas constituições (CF, ADCT, art. 11), in verbis:

CF, art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e Leis que adotarem,
observados os princípios desta Constituição.
ADCT, art. 11. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a
Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal,
obedecidos os princípios desta.69

Ainda na esteira das limitações impostas ao Poder Constituinte Decorrente – que elabora e reformula
as cartas estaduais – é oportuno mencionar o denominado Princípio da Simetria. Este se trata de “[...] uma
obrigação geral implícita de simetria, por parte dos Estados membros e Municípios, na elaboração de seus
diplomas máximos, com o modelo federal estabelecido pela Constituição do Brasil” 70. Assim, embora se
estimule a autonomia dos Estados, a aplicação de tal princípio encontra endosso na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal que, no entendimento de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, “parece ter
pretendido evitar que arranjos institucionais desprovidos de razoabilidade fossem praticados em estados e
municípios”; resultando na imposição aos entes locais de “escrupulosa observância dos modelos federais”71 –
fato que é objeto de prolongadas e fundamentadas críticas doutrinárias.
Por fim, uma questão de relevante nota diz respeito à existência ou não de Poder Constituinte
Decorrente distrital / municipal. Nesse ponto, em que pese ambos possuam leis orgânicas, equivalentes a
constituições (por estruturarem e organizarem seus respectivos entes federativos), o entendimento doutrinário
é divergente. No caso do Distrito Federal, majoritariamente, percebe-se o exercício desse poder, eis que “a
Lei Orgânica distrital, além de retirar seu fundamento de validade diretamente da Constituição da República,
tem a natureza de verdadeira ‘constituição’”72. No que atine aos Municípios, entretanto, não tem sido conferida
às suas Leis a classificação de poder constituinte, pois, além de atenderem os princípios da Constituição

68
HORTA, Raul Machado. Natureza do Poder Constituinte do Estado-Membro. Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio
de Janeiro, v. 40, 1998. Disponível em: https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=ODE5MQ%2C%2C. Acesso em:
29 fev. 2024.
69
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso
em: 29 fev. 2024.
70
TAVARES, André Ramos. (2013), op. cit., p. 839.
71
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo
Horizonte: Fórum, 2012.
72
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 78.
22

Federal, devem, outrossim, respeitar os ditames da Constituição Estadual73 – o que seria, nos dizeres de Dirley
da Cunha Júnior74, “cogitar a existência de um poder decorrente do poder decorrente”.

I.5. A natureza jurídica do preâmbulo da Constituição

Estruturalmente, a Constituição Federal de 1988 apresenta três partes: a) Preâmbulo; b) Corpo


Normativo; c) Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Enquanto que seu corpo normativo
refere-se às normas constitucionais propriamente ditas (art. 1º ao art. 250), sendo também chamado de “parte
permanente”, eis que goza de vigência indeterminada; o ADCT diz respeito a normas constitucionais de caráter
temporário e cuja principal finalidade reside em garantir a transição entre as ordens jurídicas, ou seja, entre a
anterior e a inaugurada pela Carta Constitucional vigente – promovendo uma melhor recepção de suas normas,
inclusive no contexto social.
Tendo sido consagrado em todas as constituições brasileiras, até a atualidade, o preâmbulo
constitucional distingue-se da parte permanente e daquela transitória, precedendo-as. Antes, porém, de
pormenorizar as especificidades de tal componente, convém aduzi-lo, nos exatos termos da Lex Mater de
1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para


instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.75

Pela leitura sumária do preâmbulo constitucional, verifica-se um teor principiológico consistente,


sendo também possível extrair (ou, ao menos, depreender) as intenções da Constituinte, no que concerne à
elaboração e à promulgação da Lei Maior. Nos dizeres de Bulos76, trata-se de um “documento de intenções
que serve para certificar a legitimidade e a origem do novo texto”, não integrando – enquanto “proclamação
de princípios” – o bloco de constitucionalidade da Magna Carta. Assim, sendo parte introdutória, não equivale
às normas constitucionais em sentido estrito, motivo pelo qual a doutrina majoritária o entende como não
possuidor de força normativa – eis que, de fato, não cria direitos, nem tampouco estabelece obrigações.

73
DE PRETTO, Pedro Siqueira; DE PRETTO, Renato Siqueira. O princípio da simetria na Federação brasileira e sua
perspectiva jurisdicional. Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, p. 285-310, 12 ago. 2019. Disponível em:
https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/13-federalismo.pdf?d=637006247774866622. Acesso em: 29
fev. 2024.
74
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodium, 2012.
75
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso
em: 29 fev. 2024.
76
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 502.
23

Entretanto, em que pese não se muna de caráter normativo e, ipso-facto, não sirva como parâmetro
para o controle de constitucionalidade, isso não indica sua irrelevância. Sob essa constatação, perceba-se que
o preâmbulo esclarece as diretrizes gerais eleitas pela Constituinte, quando da formulação da Lei Fundamental,
sem prejuízo de seu caráter político-ideológico. Exemplificativamente, observe-se que ao exprimir “sob a
proteção de Deus”, promulgando o Texto Maior, o legislador originário afasta qualquer pretensão no sentido
de um Estado laicista, isto é, ateu ou antirreligioso – fato este reiterado por numerosos dispositivos
constitucionais77 (que permitem inferir o reconhecimento, pelo Estado, dos valores religiosos), sem prejuízo
de sua laicidade.
Note-se que o preâmbulo, além de seu valor ideológico, também exerce função juridicamente
relevante. Por esse motivo, Marcelo Novelino78 – comentando a tese da relevância interpretativa (ou jurídica
específica ou indireta) – assevera que, “ao indicar a intenção do constituinte originário e consagrar os valores
supremos da sociedade, o preâmbulo serve de vetor interpretativo fornecendo razões contributivas para a
interpretação dos enunciados normativos contidos no texto constitucional”. Desse modo, é necessário
sublinhar sua indubitável importância para fins interpretativos, sendo, por isso, estudado e melhor situado no
âmbito da hermenêutica constitucional.
Desse modo, quanto à sua natureza, é necessário ponderar duas premissas para que se chegue a uma
conclusão adequada. Isto é, ao mesmo tempo em que não se pode conceber a irrelevância jurídica em absoluto
do preâmbulo constitucional, também não é possível verificar sua força normativa, eis que não possui eficácia
idêntica àquela dos outros dispositivos constantes da Lex Mater. Assim, parece acertada a “tese da relevância
indireta”, conforme preleciona Bulos79, e pela qual se vislumbra que seu caráter não normativo é amortizado
pelo valor que possui no âmbito da interpretação constitucional e pela orientação que também presta à
atividade política – motivo pelo qual “o vigor de seus componentes não pode ser negado, tampouco
supervalorizado”.

I. 6. QUESTÕES OBJETIVAS

1. (IADES) Constitucionalismo democrático do pós-guerra, desenvolvido em uma cultura filosófica pós-


positivista, marcado pela força normativa da Constituição, pela expansão da jurisdição constitucional
e por uma nova hermenêutica. (BARROSO, L. R. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo –
Os conceitos fundamentais. 10. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2022).

77
CF. Art. 5º. “[…] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...]”. Citem-se, ainda, os arts. 143, §§ 1.º, 2.º; 150, VI, “b”; 210, § 1.º;
226, § 2.º.
78
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 189.
79
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 503-504.
24

O conceito apresentado identifica o:


a) neoconstitucionalismo.
b) panconstitucionalismo.
c) constitucionalismo moderno.
d) transconstitucionalismo.
e) constitucionalismo ascendente.

2. (IDHTEC) Leia o texto e responda:


“A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como a mais democrática e avançada em nossa
história constitucional, seja em virtude do seu processo de elaboração, seja em função da experiência
acumulada em relação aos acontecimentos constitucionais pretéritos, tendo contribuído em muito para
assegurar a estabilidade institucional que tem sido experimentada desde então no Brasil.” (SARLET,
Ingo Wolfgang, et al. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018). Sobre
a classificação da Constituição Federal de 1988, julgue as proposições com V para Verdadeira e F para
Falsa, e assinale a única alternativa que indica a sequência de respostas correta.
( ) É uma constituição outorgada, porque foi decorrente de um processo democrático, desde sua
elaboração e aprovação, sendo resultado da expressão da vontade popular exercida por meio de uma
assembleia constituinte eleita.
( ) Classifica-se como sintética, uma vez que retira da disposição do legislador ordinário um conjunto
maior e mais abrangente de matérias.
( ) É considerada imutável, uma vez que não permite alterações pelo legislador ordinário por meio de
um procedimento indiferenciado do processo legislativo comum.
( ) Classifica-se como flexível, já que permite a alteração de normas constitucionais, desde que tais
alterações obedeçam a um procedimento mais rigoroso do que o procedimento de alteração da legislação
ordinária.
a) V, V, V, V.
b) F, V, V, V.
c) F, V, F, V.
d) F, F, V, F.
e) F, F, F, F.

3. (FGV) Maria, estudante de direito, questionou o seu professor a respeito da classificação de uma
Constituição que, apesar de se mostrar válida, não se ajusta à realidade do processo político, embora
busque direcioná-lo, o que impede a plena integração do plano normativo ao plano político-social. O
professor respondeu, corretamente, que a Constituição descrita por Maria deve ser classificada como:
a) programática;
b) pragmática;
25

c) normativa;
d) semântica;
e) nominal.

4. (Quadrix) Acerca do direito constitucional, julgue o item.


O poder constituinte derivado é condicionado e limitado, ao passo que o poder constituinte
originário é soberano e autônomo.
( ) Certo
( ) Errado
5. (CESPE / CEBRASPE) Assinale a opção correta com relação ao poder constituinte reformador. Nesse
sentido, considere que a sigla CF, sempre que empregada, se refere à Constituição Federal de 1988.
a) Há possibilidade de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada
ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, desde que apoiada pela maioria absoluta dos
membros de qualquer das casas do Congresso Nacional.
b) O poder constituinte reformador é um poder inicial, ilimitado e incondicionado.
c) O poder constituinte reformador tem limitações de ordem circunstancial, material e formal, além de
limitações implícitas.
d) Há possibilidade de supressão de limitações materiais do poder constituinte derivado reformador,
desde que mantida sua titularidade.
e) A disposição constitucional que impossibilita a emenda à CF na vigência de intervenção federal,
estado de defesa e estado de sítio pode ser considerada limitação temporal ao poder constituinte reformador.
6. (FCM) Sobre o preâmbulo da Constituição de 1988, é correto afirmar que:
a) a invocação da proteção de Deus contida no preâmbulo da Constituição de 1988 tem força
normativa.
b) a invocação a Deus no preâmbulo da Constituição de 1988 é norma de reprodução obrigatória nas
constituições estaduais.
c) segundo o Supremo Tribunal Federal, a invocação a Deus, presente no preâmbulo, reflete um
sentimento religioso e por isso o Brasil não pode ser classificado como o Estado laico.
d) o preâmbulo tem status de direito fundamental.
e) o preâmbulo não é norma central da Constituição e por isso não é de reprodução obrigatória nas
constituições estaduais.

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO I
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26

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: (O triunfo tardio do direito


constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-41, 1 abr. 2005. Disponível
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2024. p. 204.

CAPÍTULO II

FEDERALISMO BRASILEIRO E A DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

II.1. Aspectos gerais sobre Federação

Existem diferenciadas formas de Estado, conforme a distribuição espacial do poder político. Entender
tal diferenciação é conhecimento basilar no âmbito deste estudo, por dois motivos: a) permite uma análise
abrangente que pressupõe a concepção de um múltiplo viés classificatório dos Estados existentes, sob o prisma
da distribuição do poder; b) facilita, com o exercício da comparação, a melhor apreensão das características
da forma federativa que, embora seja àquela associada ao Estado brasileiro, não é a única identificada pela
doutrina no exame da centralização/descentralização de prerrogativas, competências e deveres públicos pelos
Estados, sob o aspecto político.
Visualizando a distribuição do poder político dentro de um território, é possível classificar os Estados
em unitários ou compostos. Enquanto aqueles têm como característica a centralização política80, que
compreende também uma unidade na produção normativa e, via de regra, um único órgão legislativo,
encontrado no Poder Central; o diverso ocorre em se tratando dos Estados compostos. Estes traduzem uma
forma mais complexa, em que o poder político distribuído logra distintas classificações, motivo pelo qual a
doutrina identifica como suas espécies: a união pessoal, a união real, a confederação e a federação81.

80
O Estado unitário pode comportar uma descentralização político-administrativa, motivo pelo qual autores como Marcelo Novelino
(2024, p. 620), aduzem uma possível subdivisão em i) Estado unitário puro; ii) Estado unitário descentralizado administrativamente;
e iii) Estado unitário descentralizado política e administrativamente, sendo este o modelo mais adotado.
81
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Ed. São Paulo: JusPODIVM. 2024. p. 621.
28

Sobre as duas primeiras exteriorizações do Estado composto, união pessoal e união real, explica
Novelino82 que ambas, em regra, têm como características “a forma monárquica de governo e convergência
da linha dinástica de dois ou mais Estados em uma só pessoa”. Ilustrem-se, respectivamente, com os exemplos
da união Portugal e Brasil, em 1826, caracterizada pela ligação física com a pessoa de Dom Pedro I e, noutro
giro, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, entre 1815 e 1822, no qual houve a preservação da
autonomia administrativa de cada Estado.
Mais relevante é a distinção entre as duas outras espécies de Estado composto: confederação e
federação. A primeira, consistente em uma associação de Estados soberanos por intermédio de um tratado
internacional, diz respeito a “uma união relativa, que buscava dar harmonia a suas relações institucionais e
preservar suas soberanias individuais”83. Assim, vislumbrar-se-ia a titularidade, por parte dos Estados
consectários, do direito de secessão: possibilidade de rompimento de vínculo em relação aos demais, eis que
munidos de soberania. Tal espécie é tida como referência histórica nos livros de Direito Constitucional, com
escassos exemplos que poderiam, atualmente, comportar tal classificação.
No que concerne ao Estado federal, é relevante uma observação terminológica: federação (foedus,
foereris) significa aliança, pacto, união. Conceitualmente, trata-se de uma união de entes políticos autônomos
(e não soberanos, como na confederação), de modo que essa espécie de Estado composto é determinada “por
um conceito de autonomia que conjuga entes políticos distintos capazes de estabelecer seus próprios comandos
normativos”84.
Embora haja notícias de experiências anteriores, menos relevantes, costuma-se atribuir o surgimento
da forma federativa de Estado à Constituição norte-americana de 1787 – primeira constituição escrita do
mundo moderno, oportunizada pela Convenção da Filadélfia. Naquele contexto, “12 das 13 colônias lançaram
mão de suas soberanias com o objetivo de estabelecer o que seria chamado de pacto federativo” 85, composto
de um poder central soberano e de poderes descentralizados, dotados de autonomia. No Brasil, a Constituição
Republicana de 1891 consagrou a forma federativa de Estado, tendo tido forte influência do Direito norte-
americano. Após tal marco, o Estado federal foi adotado por todas as Constituições brasileiras subsequentes.86
Sublinhe-se: no Estado federal, não há direito de secessão, eis que a autonomia dos estados-membros
significa – em linhas gerais – capacidade de autodeterminação conforme limites constitucionalmente
estabelecidos, não se confundindo com a autodeterminação “incondicionada” concernente à ideia de

82
Ibid, p. 621.
83
HORBACH, Carlos Bastide. Forma de Estado: Federalismo e repartição de competências. Revista Brasileira de Políticas
Públicas, [s. l.], v. 3, ed. 2, p. 2-12, 2013. Disponível em:
https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/download/2391/pdf_1. Acesso em: 10 fev. 2024. p. 5.
84
CALISSI, Jamile Gonçalves; OLIVEIRA, Luiz Carlos Pereira de. Federalismo e democracia: reflexões contemporâneas:
Capítulo 1 – Estudo teórico sobre o federalismo. 1. ed. p. 19-48: UEMG, 2023. Disponível em:
https://editora.uemg.br/images/livros-pdf/catalogo-2023/federalismo/federalismo-e-democracia-capitulo-1.pdf. Acesso em: 10 fev.
2024. p. 25.
85
Ibid, p. 22.
86
A forma unitária de Estado, no Brasil, foi adotada apenas pela Constituição de 1824. Este modelo vigorou até a proclamação da
República Federativa, em 15 de novembro de 1889.
29

soberania. Portanto, não se confunda autonomia com soberania: os Estados-membros de uma federação são
autônomos.
Consoante leciona Novelino87, tal autonomia das entidades federativas pode ser entendida por meio de
quatro predicados: i) autogoverno, ii) auto-organização, iii) autoadministração e iv) autolegislação:

O autogoverno consiste na capacidade conferida aos entes federativos para escolher os


representantes de seus poderes Executivo e Legislativo. A auto-organização é a capacidade de
cada ente federativo de elaborar suas Constituições – no caso dos Estados – ou Leis Orgânicas
– no caso dos Municípios e do Distrito Federal. [...] A autoadministração refere-se à capacidade
conferida aos entes federativos para gerir, de forma autônoma, as competências constitucionais
que lhes forem outorgadas, da maneira que melhor lhes aprouver, desde que não ponham em
risco o pacto federativo. Relaciona-se, portanto, cem a execução fática das competências
constitucionalmente atribuídas. A autolegislação: consiste na competência para editar as
próprias leis, dentro dos limites delineados pela Lei Fundamental.

Além da auto-organização dos estados-membros, é importante perceber duas outras características


essenciais do Estado federal: a descentralização político-administrativa e a participação das vontades parciais
na vontade geral. A citada descentralização, que deve ser fixada pela Magna Carta, está relacionada à
repartição de competências – objeto de estudo em tópico posterior.
Quanto à participação das vontades parciais na vontade geral, eis que, no contexto brasileiro, “os
estados-membros participam da vontade nacional através do Senado, instituição fundamental para a
manutenção e equilíbrio federativo” 88. Tal casa legislativa é composta por representantes dos Estados, em
igual número (motivo pelo qual se fala em “representação paritária”). Todavia, em relação aos Municípios,
embora sejam também considerados entes federativos (inovação introduzida pela Constituição de 1988), sua
participação não é tão direta e efetiva no cenário político nacional, fato que oportuniza inúmeras análises e
críticas doutrinárias.
Novelino89 sistematizou as características essenciais e os requisitos para manutenção do Estado federal,
no seguinte quadro:

Estado Federal
Características - Descentralização político-administrativa fixada pela Constituição;
essenciais - Participação das vontades parciais na vontade geral;
- Auto-organização dos Estados-membros.
Requisitos para - Rigidez constitucional;
manutenção - Imutabilidade da forma federativa;
- Controle de Constitucionalidade.

87
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 624.
88
CALISSI, Jamile Gonçalves; OLIVEIRA, Luiz Carlos Pereira de. (2023), op. cit., p. 26.
89
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 623.
30

Por fim, observe-se que a Lex Mater de 1988 fixou a imutabilidade da forma federativa como cláusula
pétrea, de modo que, conforme seu art. 60, §4º, não será objeto de deliberação eventual proposta de emenda
tendente a aboli-la.

II.1.1. Tipos de Federalismo

Em decorrência de suas flexibilidade e plasticidade formal, o federalismo exteriorizou-se,


historicamente, de modos distintos. Na contemporaneidade, é possível classificá-lo a partir de determinados
critérios, de modo que seja possível a denominação das diversas formas de Estado federal. A seguir, serão
comentadas as principais classificações, devendo-se atentar ao critério utilizado em cada uma delas.
Tomando-se por critério o movimento oportunizante do Estado federal, isto é, seu surgimento ou
origem, aquele poderá ser um federalismo por agregação ou por segregação. No primeiro caso, ocorre uma
movimentação centrípeta, de modo que Estados soberanos se unem, extinguindo-se. Há, com isso, a formação
de um único ente, constituído por membros autônomos, a exemplo dos Estados Unidos da América. O inverso
ocorre no federalismo por segregação, no qual, por meio de um movimento centrífugo, um Estado unitário
descentraliza-se politicamente, como ocorreu no Brasil, em 15 de novembro de 1889.
Quanto à repartição de competências, concebe-se três possíveis classificações: a) federalismo dualista:
caracterizado por uma relação de coordenação entre União e Estados, que se dá em decorrência de uma
repartição horizontal de competências, em que aquelas remanescentes são atribuídas aos Estados-membros,
inexistindo áreas de atuação comuns ou concorrentes;90 b) federalismo de integração: tem como nota distintiva
a relação de subordinação entre os entes federados, ou seja, os estados sujeitam-se à União, assemelhando-se
a um Estado unitário descentralizado; c) federalismo de cooperação: modelo adotado pela Constituição de
1988, que é “caracterizado pela colaboração recíproca e atuação paralela ou comum entre os poderes central
e regional”91. Neste, o exercício coordenado das competências tem por escopo o melhor desempenho das
tarefas públicas, por meio da citada colaboração entre as pessoas políticas / estatais.
Quando o critério utilizado é a concentração do poder, há três classificações possíveis. No chamado
federalismo centralizador (ou centrípeto), ocorre a centralização de atribuições na União, que as exerce
predominantemente. Já no federalismo descentralizador (ou centrífugo), observa-se uma maior participação
dos estados-membros, eis que conferida a eles uma maior autonomia em diversos aspectos – administrativo,
jurídico, financeiro e político. No contexto brasileiro, em que pese a incontroversa autonomia dos estados,
observa-se ainda a predominância do federalismo centrípeto. Por fim, há ainda o federalismo de equilíbrio,
caracterizado, conforme explicado Novelino92, pela “repartição equilibrada de competências entre o ente
central e os entes periféricos”.

90
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 625.
91
CALISSI, Jamile Gonçalves; OLIVEIRA, Luiz Carlos Pereira de. (2023), op. cit., p. 30.
92
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 627.
31

Outro modo de se classificar o federalismo perpassa pelo exame da homogeneidade na distribuição


constitucional de competências. Sob esse ângulo, simétrico é o federalismo evidenciado pelo equilíbrio na
distribuição dessas competências entre os entes federativos. Trata-se de uma simetria jurídica e fática, a
exemplo do que ocorre nos Estados Unidos da América. Já o federalismo assimétrico é observável quando a
Magna Carta confere diferenciado tratamento aos entes federativos de mesmo grau, objetivando minimizar
desigualdades regionais e sociais.
Ainda sobre o federalismo assimétrico, o Prof. Ricardo Victalino de Oliveira93 – dissertando sobre as
justificativas sobre a sua aplicação – leciona que uma delas reside na sua relação com o “aperfeiçoamento dos
laços associativos que, além de garantidores da unidade de Estados compostos, têm uma importância
incontrastável para a idealização e a eficiente execução de políticas públicas”.
Note-se, com Novelino94, que – embora se vislumbrem ressalvas constitucionalmente fixadas – o Brasil
adota o federalismo simétrico:

Sob o prisma da ordem interna, a Constituição brasileira de 1988 adotou o federalismo


simétrico, na medida em que atribuiu o mesmo regime jurídico aos entes federativos de mesmo
grau dentro de sua esfera de atuação. Nesse sentido, os Estados-membros foram dotados das
mesmas competências (CF, art. 25), assim como ocorreu em relação aos Municípios (CF, art.
30). É possível identificar, no entanto, regras assimétricas em dispositivos que reconhecem as
diferenças e buscam o equilíbrio ou a diminuição das desigualdades regionais (CF, arts. 3.º, III;
43; 151, I, e 159, I, "c").

Quanto às esferas ou centros de competências, o federalismo pode ainda ser típico (bidimensional ou
de segundo grau) ou atípico (tridimensional ou de terceiro grau). No primeiro caso, modelo adotado no
contexto norteamericano, há uma esfera de competência central (União) e outra regional (estados-membros);
enquanto que, no federalismo atípico, vislumbra-se uma terceira esfera: a local (municípios). A doutrina
majoritária entende que o federalismo brasileiro é tricotômico / atípico.

II.2. Repartição das Competências Constitucionais à luz do Princípio da Predominância do


Interesse

A repartição constitucional de competências é considerada um dos elementos essenciais do


federalismo. Como os entes federados não são hierárquicos entre si, sua autonomia necessita uma delineação
que lhe confira efetividade. Para tanto, as constituições dispõem da citada repartição de competências que,
nos dizeres de José Afonso da Silva95, consistem senão nas “diversas modalidades de poder de que se servem
os órgãos ou entidades para realizar suas funções”.

93
OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. A Configuração Assimétrica do Federalismo Brasileiro. Orientadora: Fernanda Dias
Menezes de Almeida. 2010. 245 p. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) - Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-08092011-
093940/publico/Dissertacao_Ricardo_Victalino_de_Oliveira.pdf. Acesso em: 12 fev. 2024. p. 6.
94
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 627-628.
95
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2014. p. 483.
32

A Constituição Federal de 1988 adotou como diretriz para a repartição de competências o princípio da
predominância do interesse. Isso significa que “cabe à União as matérias de interesse nacional, enquanto
compete aos Estados as matérias de interesse regional e aos Municípios as matérias de interesse local”96.
Note-se, por exemplo, que compete privativamente à União legislar sobre direito penal, processual, do
trabalho, etc. (CF, art. 22, I), comércio exterior e interestadual (CF, art. 22, VIII), nacionalidade, cidadania e
naturalização (CF, art. 22, XIII), populações indígenas (CF, art. 22, XIV), seguridade social (CF, art. 22,
XXIII) e atividades nucleares de qualquer natureza (CF, art. 22, XXVI), além das outras hipóteses elencadas
no dispositivo em comento. Do mesmo modo, a competência para tratar de assuntos de interesse
predominantemente local é dos Municípios (CF, art. 30, I), podendo “suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber” (CF, art. 30, II).
No caso dos Estados, fala-se em competências residuais, ou seja, remanescentes àquelas da União e
dos Municípios, não vedadas pela Magna Carta (CF, art. 25, §1.º), devendo relacionar-se a assuntos de
interesse regional. Já ao Distrito Federal, vislumbrando-se sua natureza híbrida, atribuem-se competências
reservadas aos Estados e Municípios, ou seja, de interesse regional e local (CF, art. 32, §1.º).
Percebe-se, portanto, a existência de “formas de composição mais complexas que procuram
compatibilizar a autonomia de cada uma com a reserva de campos específicos”, conforme acentua José Afonso
da Silva97, balizando-se pela predominância do interesse, com o emprego de técnicas que visam ao equilíbrio
federativo:

A nossa Constituição adota esse sistema complexo que busca realizar o equilíbrio federativo,
por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos
poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1 º) e
poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 30), mas combina, com essa reserva
de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas apenas privativos), possibilidades de
delegação (art. 22, parágrafo único), áreas comuns em que se preveem atuações paralelas da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e
Estados em que a competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais ou normas
gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência
suplementar98.

Isso posto, reitere-se a inexistência de hierarquia entre os entes federativos. Tal constatação é
importante, uma vez que não se pode afirmar – ao contrário do quanto possa sugerir o senso comum – que o
interesse da União prevalece sobre o dos Estados, nem tampouco o destes sobre aquele dos Municípios, eis
que consideradas suas respectivas competências. Isso decorre do princípio da predominância do interesse, que
muito bem se concilia ao princípio da subsidiariedade. Este, também aplicável no contexto da Constituição

96
MOHN, Paulo. A repartição de competências na Constituição de 1988. Revista de Informação Legislativa, Brasília, 2010.
Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198704/000897830.pdf?sequence=1. Acesso em: 12 fev.
2024. p. 219.
97
SILVA, José Afonso da (2014), op. cit., p. 483.
98
Ibid, p. 483.
33

Federal de 1988, significa que “tudo aquilo que o ente menor puder fazer de forma mais célere, econômica e
eficaz não deve ser empreendido pelo ente maior”99.

II.3. Tipos de competências: sub-divisão da distribuição de poder dos Entes Federados


brasileiros

É possível classificar-se as competências constitucionais de diversos modos, a depender do critério


utilizado. Antes disso, cabe observar que o sistema adotado pela Constituição de 1988 admite a coexistência
da repartição horizontal com a repartição vertical de competências. Sob o prisma de repartição horizontal,
conforme lição de Paulo Mohn100, “foram relacionadas as competências da União, no campo material e
legislativo, permanecendo os Estados com as competências remanescentes e os Municípios com as
competências definidas indicativamente”. No que tange ao Distrito Federal, observa-se uma acumulação das
competências estaduais e municipais.
No que concerne à repartição vertical, sua aplicação é passível de observância no âmbito da atuação
concorrente dos entes federativos: “foram previstos domínios de execução comum, em que pode ocorrer a
atuação concomitante e cooperativa entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios”101, conforme se
verifica no exame do art. 23 da Magna Carta. Já no campo legislativo, com fulcro nos arts. 24 e 30, II, da
Constituição Federal, definiram-se domínios de legislação concorrente, em que a União estabelece regras
gerais passíveis de suplementação pelos demais entes federativos.
Partindo-se dessas noções, é necessário perscrutar os tipos de competências à luz da Lex Mater de
1988. Nesse intento classificatório, José Afonso da Silva102 observa a existência de dois grandes grupos com
suas subclasses: o da competência material, que se biparte em i) exclusiva (CF, art. 21) e ii) comum,
cumulativa ou paralela (CF, art. 23); e o da competência legislativa, que pode ser: i) exclusiva (CF, art. 25, §§
1º e 2º), ii) privativa (CF, art. 22), iii) concorrente (CF, art. 24) ou iv) suplementar (CF, art. 24, § 2º). Instando
observar que, enquanto a competência material diz respeito à atuação administrativa (poder-dever consistente
na execução de determinadas atividades), por parte dos entes federativos, a competência legislativa refere-se
à sua faculdade de legislar.
Um modo mais efetivo de visualizar essa “engenharia” na subdivisão da distribuição do Poder perpassa
pela análise das competências detidas por cada ente federativo. No caso da União, verifica-se que Carta Magna
de 1988 cingiu a enumeração de suas competências privativas em dois dispositivos: o art. 21 para as
competências materiais e o art. 22 para as legislativas.
As competências materiais privativas da União tratam-se de competências não-legislativas, ou seja, de
índole executiva. Constantes do art. 21 da Lex Mater, dispõem sobre o poder-dever da União face a diversas

99
STF – ADI 6.362/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário (2.9.2020).
100
MOHN, Paulo (2010), op. cit., p. 219-220.
101
Ibid, p. 220.
102
SILVA, José Afonso da (2014), op. cit., p. 484.
34

questões, como a autoridade do Estado no plano internacional, a guerra, a paz e a defesa do território (CF, art.
21, I, II, III, IV, VI e XXII); a proteção da ordem constitucional em momentos de crise (CF, art. 21, V); moeda
e câmbio (CF, art. 21, VII e VIII); serviços oficiais (CF, art. 21, XV); os planos de ordenação do território e
de desenvolvimento econômico e social, calamidades públicas e desenvolvimento urbano (CF, art. 21, IX,
XVIII, XX)103.
Outrossim, também figuram como competências da União aquelas referentes ao Distrito Federal,
dispostas nos incisos XIII e XIV do mesmo artigo, haja vista as especificidades desse ente. Além disso, temas
como anistia, inspeção do trabalho e garimpo igualmente são reservados à União (CF, art. 21, XVII, XXIV,
XXV) e, com o advento da Emenda Constitucional nº 115, de 2022, também a ela compete “organizar e
fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei” (CF, art. 21, XXVI).
Perceba-se que as outras competências da União se referem a diretrizes, exploração, concessão ou
permissão de serviços públicos que, nos dizeres de Mohn104, “o constituinte entendeu deverem ter
uniformidade de tratamento em nível nacional, seja por sua natureza, por razões de relação custo-investimento
ou de conveniência estratégica”. É o caso do serviço postal, das telecomunicações, do rádio e da televisão
(CF, art. 21, X, XI, XII, “a”, XVI); da água e da energia elétrica (CF, art. 21, XII, “b” e XIX); do transporte,
da navegação e da viação (CF, art. 21, XII, “c”, “d”, “e”, “f” e XXI) e dos serviços e instalações nucleares
(CF, art. 21, XXIII e incisos)105.
Por fim, ressalte-se que nem todas as competências materiais da União estão circunscritas no art. 21
da Constituição Federal. Não se trata de um rol taxativo. Assim, por exemplo, é atribuída à União competência
para a pesquisa e a lavra de recursos minerais e aproveitamento de energia hidráulica (CF, art. 176);
competências fundiárias (CF, art. 184); ou para organizar a Seguridade Social (CF, art. 194), dentre outras.
No tocante às competências legislativas da União, é possível perceber certo grau de conexão entre
algumas delas com as competências materiais, haja vista que a execução de uma atividade, enquanto poder-
dever, deve basear-se em normas legais que, por razões semelhantes, sejam emanadas do próprio ente. Por
exemplo, ao mesmo tempo em que compete à União “organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados
pessoais”, conforme art. 21, XXVI, da Magna Carta, compete a ela, privativamente, legislar sobre “proteção
e tratamento de dados pessoais” (CF, art. 22, XXX).
Outras conexões podem-se dar com competências materiais da União não dispostas no art. 21 da
Constituição de 1988, uma vez que, conforme já esclarecido, o mesmo não faz uma previsão exaustiva dessas

103
MOHN, Paulo (2010), op. cit., p. 221.
104
Ibid, p. 223.
105
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso
em: 19 fev. 2024.
35

competências. Nesse sentido, Paulo Mohn106 organizou um quadro demonstrativo – não alterado pelas
atualizações constitucionais posteriores – dessa ocorrência, viabilizando uma melhor compreensão:

Feita essa observação, eis que as competências legislativas privativas da União se encontram dispostas,
não taxativamente, no art. 22 da Constituição da República, não sendo aqui unitariamente trabalhadas por
razão de seu considerável quantitativo. Reitere-se: existem outros dispositivos constitucionais que preveem
assuntos de competência legislativa da União, sendo importante mencionar o art. 48 da Lex Mater, o qual aduz
relevantes incisos contendo domínios de legislação federal.
Importante notar que, em se tratando das competências privativas da União, a Carta Magna (art. 22,
parágrafo único)107, dispõe sobre a possibilidade de sua delegação, por meio de lei complementar. Assim, eis
que os Estados podem ser autorizados a legislar sobre questões específicas relacionadas a algumas das
matérias constantes desse dispositivo, o que também é possível ao Distrito Federal, em vista de sua natureza
híbrida. Nesse sentido, Novelino108, comenta os requisitos para tal delegação:

I) Formal: a União somente poderá delegar suas competências por meio de lei complementar.
Não se admite a edição de lei ordinária ou medida provisória, sob pena de inconstitucionalidade
formal objetiva;
II) Material: a União somente poderá delegar questões específicas de suas competências
legislativas privativas, não sendo admitidas delegações genéricas. Estados e o Distrito Federal
não podem, por exemplo, receber autorização elaborar um Código Penal ou Civil;
III) Implícito: A delegação somente pode ser dada à totalidade dos Estados- -membros ou ao
Distrito Federal. Esse requisito é deduzido do dispositivo constitucional que veda à União, aos
Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal instituírem preferências entre si (CF, art. 19, III),
o que seria incompatível com o princípio da isonomia federativa (MORAES, 2002b).

No que concerne às competências dos Estados, a Constituição Federal se lhes atribui aquelas
remanescentes, in verbis: “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição” (CF, art. 25, §1º). Disposição esta também aplicável ao Distrito Federal (CF. art. 32, §1º).
Importante observar que tais competências, por ausência de especificação legal, podem ser materiais ou
legislativas.

106
MOHN, Paulo (2010), op. cit., p. 225.
107
CF. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...]. Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados
a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
108
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 634.
36

O que de específico há, em matéria de competência estadual, é a disposição constante do art. 25, §2º
da Lex Mater, quanto à exploração direta, ou mediante concessão, de serviços locais de gás canalizado. Alguns
autores, percebendo que tal tema é afeto a todos os entes federativos, entendem que a citada menção,
constitucionalmente expressa, revela uma espécie de liberalidade da União e dos Municípios para com os
Estados, deixando-lhes, ao menos, com essa área de competência109.
Finalmente, mencione-se uma novidade aduzida pela Constituição de 1988 e consistente na expressa
faculdade de os Estados instituírem, por meio de lei complementar, regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização,
o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (CF, art. 25, § 3º).
Os Municípios, entes federativos autônomos, também possuem competências legislativas e materiais
à luz do Texto Magno, conforme se extrai da integralidade de seu art. 30. A partir dessa enumeração de
poderes, verifica-se como competência privativa desses membros da Federação “legislar sobre assuntos de
interesse local” (CF, art. 30, I); havendo também uma competência legislativa concorrente, qual seja, a de
“suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (CF, art. 30, II)110.
Tais entes federativos, considerando as disposições constitucionais expressas, munem-se de
competências nas mais diversas ordens e searas, como tributária (CF, art. 30, III); de organização
espacial/territorial (CF, art. 30, IV e VIII); de serviços públicos (CF, art. 30, V); educacional e de saúde (CF,
art. 30, VI e VII) e também no âmbito de proteção ao patrimônio histórico-cultural (CF, art. 30, IX). Ressalve-
se somente que tais competências, por lógica do próprio art. 30, I, da Constituição, não estão exaustivamente
consubstanciadas no conteúdo desse artigo. Assim, outras competências municipais podem ser encontradas
em dispositivos esparsos na Magna Carta, conforme se verifique matérias de interesse predominantemente
local.
Todavia, os campos específicos de distribuição do poder, acima analisados, não implicam,
necessariamente, uma exclusividade dos entes federativos no que se refere ao exercício de suas competências.
Noutros dizeres, há competências que são compartilhadas pelos membros da Federação, denominadas
concorrentes. Estas podem ser: a) administrativas/materiais comuns ou b) legislativas concorrentes. No
primeiro caso, vislumbram-se áreas de atuação administrativa comuns aos três níveis federativos; no segundo,
as hipóteses em que União e Estados podem legislar concorrentemente.
As competências administrativas (ou materiais) comuns, sistematicamente elencadas no art. 23 do
Constituição Federal, podem ser localizadas também em outros dispositivos constitucionais – a exemplo
daquelas constantes dos arts. 215 e 225 da Magna Carta, que tratam, respectivamente, dos direitos culturais e
da defesa/preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se, pois, de atuação conjunta das

109
MOHN, Paulo (2010), op. cit., p. 229.
110
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso
em: 19 fev. 2024.
37

esferas de poder do Estado Federal para a satisfação de demandas que a todos interessam. Tal cenário, nas
lições de José Afonso da Silva111, reflete um “campo de atuação comum às várias entidades, sem que o
exercício de uma venha a excluir a competência de outra, que pode assim ser exercida cumulativamente”.
Uma observação importante diz respeito à relação entre a competência material e a competência
legislativa, eis que – por vezes – o ente incumbido da ação (execução administrativa de determinada atividade)
poderia ser o mesmo responsável pela sua regulamentação. Via de regra, a competência administrativa (ou
material) comum não necessariamente implica aquela para legislar. No entanto, explica Marcelo Novelino112,
com base no Recurso Extraordinário 308.399/MG (STF, Rel. Min. Carlos Velloso), que “isso não significa
que os entes federativos estejam impedidos de legislar sobre o tema, porquanto se em um Estado de Direito
tudo deve ser feito em conformidade com a lei, negar a competência legislativa acabaria por tornar inócua a
competência material”.
Finalmente, veja-se o parágrafo único do art. 23, que dispõe acerca da fixação, por leis complementares
de “normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista
o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. De acordo com a doutrina, tais leis
complementares devem ser elaboradas pela União, sendo que a LC nº 140/2011113 é um exemplo de diploma
normativo confeccionado na esteira dessa cooperação entre os entes federativos.
Em se tratando das competências legislativas concorrentes, também se observa uma atuação conjunta
de membros da Federação, sob o prisma legiferante. Assim, um mesmo domínio pode ser objeto de legislação
por mais de um ente federativo. A Constituição da República consubstanciou, em seu art. 24, os domínios de
competência legislativa concorrente não-cumulativa, por meio da qual “cabe à União dispor sobre normas
gerais e aos Estados adotar normas suplementares, dirigidas para o seu âmbito e especificidade de atuação”,
conforme leciona Mohn114.
Quando se diz que tais competências não são cumulativas, faz-se referência a limites para o seu
exercício (não possuindo a União, por exemplo, disponibilidade absoluta ou irrestrita, de modo a esgotar o
tratamento de um tema que esteja imbricado nas hipóteses de legislação concorrente). Assim, com fulcro no
art. 24, §§ 1º e 2º, da Lex Mater, cabe à União estabelecer normas gerais e, aos Estados e DF, a criação de
normas específicas (competência suplementar)115.
Analisando os domínios de competência legislativa concorrente, eis que compete à União, aos Estados
e ao Distrito Federal legislar sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

111
SILVA, José Afonso da (2014), op. cit., p. 485.
112
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 635.
113
Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a
cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da
competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em
qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora [...].
114
MOHN, Paulo (2010), op. cit., p. 236.
115
Segundo José Afonso da Silva (2014, p. 485) a competência suplementar é o “poder de formular normas que desdobrem o
conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão destas”.
38

orçamento; juntas comerciais; produção e consumo; conforme se depreende do art. 24, incisos I, II, III e V, da
Constituição. Matérias relacionadas ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, turístico e paisagístico também
se inserem nesse contexto de atuação legislativa conjunta, conforme incisos VI, VII e VIII do dispositivo em
comento, sendo que este último (inc. VIII) abarca, abrangentemente, a proteção do meio ambiente, do
consumidor, bem como dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Do mesmo modo, educação, cultura, ensino e desporto constituem matérias afetas aos três níveis
federativos, em termos de legislação, e, em virtude da Emenda Constitucional nº 85, de 2015, ciência,
tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação também foram acrescidas a essa disposição, constante do
art. 24, IX, de modo que integram o escopo do exercício concorrente das competências legislativas.
Por fim, note-se que também figuram como matérias sujeitas à legislação da União e dos Estados/DF:
a Justiça e a assistência judiciária (CF, art. 24, IV, X, XI, XIII); previdência social, saúde e proteção/integração
das pessoas com deficiência (CF, art. 24, XII e XIV); proteção à infância e à juventude (CF, art. 24, XV) e
regulação das polícias civis – organização, garantias, direitos e deveres (CF, art. XVI).
Duas notas são importantes. A um, o art. 24 da CRFB não apresenta um rol taxativo, de modo que há
outras hipóteses de competências concorrentes no decorrer do Texto Constitucional. A dois, trata-se de uma
relevante observação feita por Mohn116, no sentido de que, “não obstante a possibilidade de prevalência da
União, imposta por sua capacidade de editar normas gerais, o exame desse rol de competências faz alguma
justiça à intenção descentralizadora dos constituintes de 1987/88”.
Atente-se, destarte, aos parágrafos contidos no art. 24 da Carta Magna, in verbis:

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer


normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa
plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no
que lhe for contrário.

Nesse sentido, eis que a União limita-se a estabelecer normas gerais (art. 24, § 1º) e aos Estados
compete a edição de legislação suplementar (art. 24, § 2º). Tais normais gerais, na consagrada lição de Diogo
de Figueiredo Moreira Neto117, dizem respeito a declarações principiológicas consistentes em diretrizes
nacionais sobre determinados assuntos, que deverão ser observadas pelos Estados e pelo Distrito Federal no
exercício legislativo concorrente. Com isso, devem eles elaborar normas específicas e particularizantes que

116
MOHN, Paulo (2010), op. cit., p. 237.
117
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Competência concorrente limitada: o problema da conceituação das normas gerais.
Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 25, n. 100, p. 127-162, abr.-dez. 1988. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181992/000857523.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 15 fev. 2024,
p. 159.
39

detalhem aquelas gerais, “de modo que possam ser aplicadas, direta e imediatamente, às relações e situações
concretas a que se destinam, em seus respectivos âmbitos políticos”.118
Outro aspecto a ser comentado refere-se ao termo “suplementar”, relacionado à competência dos
Estados-membros. Conforme amplamente acentuado pela doutrina, tal termo se refere a um conceito que
miscigena as noções de competência supletiva (substitutiva) e complementar (pormenorizadora). Isso se pode
perceber, com clareza, pela análise do texto constitucional: caso existam normas gerais da União, os Estados
gozam da competência complementar de pormenorizá-las, através de normas específicas. “Faltando, porém,
as normas gerais da União, os Estados podem exercer a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades (art. 24, § 3º), o que equivale a dizer que passam a exercer a competência supletiva”, conforme
assevera Mohn119.
Finalmente, sobrevindo lei federal dispondo sobre normas gerais, suspende-se a eficácia daquela
estadual, no que lhe for contrário (CF, art. 24, § 4º). Assinale-se que, nessa hipótese, haverá somente a
inaplicabilidade da lei estadual, e não a sua revogação. Por esse motivo, caso haja posterior revogação da lei
federal, aquela estadual poderá reaver sua eficácia e incidência, como sinal de aspecto supletivo imbricado no
conceito de competência legislativa suplementar, acima comentada.
As competências municipais, para além de outras hipóteses exemplificativas aduzidas nos incisos do
art. 30 da Lex Mater, consistem basicamente na legislação sobre assuntos de interesse local e na suplementação
de leis federais e estaduais, no que couber (CF, art. 30, I e II). Tratam-se, assim, de competências residuais: a
União edita normas gerais, passíveis de serem suplementas pelos Estados – que podem regular exaustivamente
o tema – e os Municípios tratam somente do que ainda lhes restar. Desse modo, na acertada leitura de Fabiana
Alexandre da Silveira de Souza120, o citado dispositivo consubstancia “a existência de uma área de
competências materiais privativas, compreendendo exatamente os assuntos de interesse local sobre os quais
deverá legislar o Município”.

II.4. Os três papéis fundamentais da União

A União mune-se de três papéis fundamentais, que se relacionam às diferentes formas com que a
mesma é passível de inserir-se – mais salientemente conforme o contexto – na realidade fático-jurídica. Isto
é, tomando-a por objeto de estudo e a depender da perspectiva adotada, ela pode apresentar manifestações
distintas, conforme as peculiaridades analisadas. Importa, pois, perceber sua posição na Federação brasileira,
bem como verificar suas funções essenciais, enquanto a) ente político, b) entidade coordenadora da Federação
e c) representante do Brasil no exterior.

118
Ibid, p. 159.
119
MOHN, Paulo (2010), op. cit., p. 240.
120
SOUZA, Fabiana Alexandre da Silveira de. O Princípio da Predominância do Interesse e a Repartição de Competências no
Estado Federal Brasileiro. Orientador: Dimas Macedo. 2001. 69 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) -
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2001. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/56390. Acesso em: 10 fev.
2024. p. 45.
40

A princípio, o termo “União” poderia ensejar uma interpretação que, pela lógica designativa,
apreenderia seu significado como a associação dos outros entes federativos autônomos. Entretanto, tal
conceito não é correto, uma vez que se refere ao da própria República Federativa do Brasil. Esta, sim, com
fulcro no art. 1º da Constituição Federal, é “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal”. Desse modo, percebe-se que o sistema político está dividido em três esferas: União, Estados
e Municípios, além do Distrito Federal (DF), cada qual considerado um ente político da República, sendo esta
a primeira forma de se vislumbrar a União.
Como ente político, a União apresenta apenas autonomia, eis que se insere, no Direito Constitucional,
ladeando os demais membros da Federação, conforme art. 18 da Magna Carta: “a organização político-
administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”121. Assim, possuindo autonomia político-
administrativa, semelhantemente aos outros entes federativos, a União não goza de poder hierárquico sobre
eles. Isso significa, de modo mais pragmático, que ela não é superior a um pequeno município do sul-
fluminense, por exemplo (o que remete ao próprio sistema de repartição constitucional de competências,
alhures estudado).
Outrossim, compreendida na organização político-administrativa da República, a União possui
competências específicas em matérias de interesse nacional, por exemplo, para emitir moeda (CF, art. 21,
VII); manter o serviço postal e o correio aéreo nacional (CF, art. 21, X); legislar sobre comércio exterior e
interestadual (CF. art. 22, VIII); legislar sobre direito processual, disciplinar o Sistema Financeiro Nacional e
para editar normas gerais de direito financeiro (CF, art. 22, I e VII; art. 24, I e art. 192). Dessarte, em caso de
usurpação dessas competências, vislumbrar-se-á inconstitucionalidade formal.
Vislumbre-se, nesse sentido, um fragmento da ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
6.701/ES, julgada em 2023, na qual, questionando-se dispositivo da Lei nº 8.386/2006 do Estado do Espírito
Santo, fixou-se a tese de que “é inconstitucional, por vício de competência, lei estadual que discipline a
transferência, ao Poder Judiciário, dos rendimentos decorrentes da aplicação financeira de depósitos judiciais”
122
:

Ação direta de inconstitucionalidade [...] contra a Lei nº 8.386/2006, do mesmo Estado, que
institui sistema de gerenciamento de depósitos judiciais e destina ao Poder Judiciário parcela
dos resultados financeiros obtidos com a aplicação desses valores. [...] A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (STF) se consolidou no sentido de que leis estaduais que autorizam
a transferência e o uso, pelo Estado, de recursos financeiros correspondentes a depósitos
judiciais e extrajudiciais incorrem em vício de inconstitucionalidade formal, por usurpação da
competência da União para legislar sobre direito processual, para disciplinar o Sistema

121
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso
em: 19 fev. 2024.
122
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 6701 / ES. Relator: Min. Roberto
Barroso, 22 de fevereiro de 2023. DJe. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475382/false. Acesso em:
18 fev. 2024.
41

Financeiro Nacional e para editar normas gerais de direito financeiro (arts. 22, I e VII, 192 e 24,
I, da CF).

Perceba-se, portanto que, enquanto ente político, a União distingue-se conceitualmente do Estado
federal, ou seja, é uma unidade federativa (CF, art. 18), mas não uma unidade federada. Noutros dizeres,
enquanto que o Estado federal, denominado República Federativa do Brasil, “é o todo, ou seja, o complexo
constituído da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, dotado de personalidade jurídica de Direito
Público internacional”, a União trata-se de “pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação
às unidades federadas”, conforme elucida José Afonso da Silva123.
Isso posto, além das competências exemplificadas, é pertinente pontuar que a União possui
competência tributária exclusiva, nos termos do art. 153 da Constituição Federal, além daquela residual (CF,
art. 154, I). Por meio desta última, pode ela instituir “impostos não cumulativos e que não tenham fato gerador
ou base de cálculo próprios discriminados na Constituição”,124 mediante lei complementar. Dessarte, a União
também dispõe de competências tributárias concorrente (voltada à instituição de taxas e contribuições de
melhoria) e extraordinária (nos casos de guerra externa ou de sua imanência), com fulcro nos arts. 145, II e
III; e 154, II, da CF, respectivamente.
O segundo “papel” da União remete às suas atividades legiferantes de coordenação, desempenhadas
no âmbito federativo. Para compreendê-lo, é mister rememorar a sistemática alusiva à repartição da
competência legislativa concorrente, pela qual se vislumbram competências não cumulativas, incumbida à
União a edição de normas gerais (CF, art. 24, §1º). Visualiza-se, pois, uma repartição vertical de competências,
com a distribuição de uma mesma matéria entre os entes federativos, competindo a cada qual legislar nos
respectivos graus (ou limites) constitucionalmente estabelecidos, isto é: de modo geral (principiológico) ou
específico (pormenorizador).
A normas gerais cuja feitura compete à União, enquanto diretrizes nacionalmente aplicáveis, devem
ser observadas pelos Estados e pelo Distrito Federal quando da produção de normas específicas, sob o escopo
do exercício da competência suplementar que lhes é constitucionalmente assegurada (CF, art. 24, §2º). É
exatamente nisso que consiste a função coordenadora, no plano federativo, realizada pela União – eis que, ao
editar normais gerais, vincula os Estados-membros à observância de suas orientações, consistentes em uma
principiologia diretiva e nacionalmente referencial.
Nessa esteira, um exemplo de relevante menção refere-se à edição da Lei nº 12.651/2012 (Código
Florestal), pela União, no exercício da competência legislativa concorrente em matéria ambiental (CF. art. 24,
VI). Essa lei, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, estabelece “normas gerais sobre a proteção da

123
SILVA, José Afonso da (2014), op. cit., p. 497.
124
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 635.
42

vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal”,125 entre outras, que necessitam
observância dos Estados-membros para a elaboração de suas normas específicas.
O Estado do Tocantins, no entanto, permitiu a instalação de edificações com fim meramente recreativo
em Área de Preservação Permanente, contrariando a legislação federal. Como consequência, no âmbito da
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.988/TO, a Procuradoria-Geral da República impugnou a norma
estadual tocantinense.
Constatando-se, após, a desarmonia entre as hipóteses previstas pelo regramento nacional para
supressão de vegetação em APP’s e o dispositivo da lei estadual objeto de impugnação, foi declarada a sua
inconstitucionalidade. Esta, formalmente, em virtude de a referida norma permitir “a edificação particular com
finalidade unicamente recreativa em áreas de preservação permanente – APP; apesar da existência de
legislação federal regente da matéria (Código Florestal) em sentido contrário” 126:

O dispositivo estadual impugnado distancia-se, portanto, das hipóteses previstas no regramento


nacional, uma vez que, ao prever a contrastante possibilidade de intervenção humana em APP
para construção de casas destinadas ao lazer, deixou o legislador estadual de reproduzir o teor
restritivo adotado pela legislação pátria, acarretando desarmonia entre as excepcionais hipóteses
previstas pelo regramento nacional para supressão de vegetação em APPs e o conteúdo da
norma sob apreciação.

Pelo exemplo em questão, depreende-se que a inconstitucionalidade ocorreu pelo desrespeito às regras
previstas na Magna Carta, quanto à observância das competências constitucionais. No caso, o legislador
tocantinense teria extrapolado os limites da competência suplementar ao conferir às Áreas de Preservação
Permanente (APP’s) proteção deficitária em relação àquela dada pelo regramento nacional. Por esse motivo,
note-se que – mesmo sendo predominantemente principiológicas e genéricas – as normais gerais cuja edição
compete à União devem lograr observância pelos Estados-membros que, em seu processo legislativo, visam
a conferir-lhes especificidade em atendimento ao interesse regional.
Por fim, interessante notar que, ao agir como coordenadora perante os demais entes políticos, a União
se coloca como sentinela do federalismo cooperativo, eis que este “vê na necessidade de uniformização de
certos interesses um ponto básico da colaboração”, na consagrada lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior127.
Noutros dizeres, ao editar normas gerais, a União possibilita uma atuação conjunta (e mais uniforme) dos
Estados-membros, aspecto necessário à luz da efetividade que se espera resultar da cooperação exercida entre
os entes federativos, na ambiência do vigente Texto Constitucional.

125
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de
agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; [...]. Brasília, 25 maio 2012. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em: 18 fev. 2024.
126
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.988/TO. Relator: Min.
Alexandre de Moraes, 19 de setembro de 2018. DJe. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15338785977&ext=.pdf. Acesso em: 18 fev. 2024.
127
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Normas gerais e competência concorrente: Uma exegese do art. 24 da Constituição
Federal. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 90, p. 245-251, 1 jan. 1995. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67296/69906. Acesso em: 18 fev. 2024. p. 249.
43

Destarte, incumbe à União representar o Brasil no contexto das relações internacionais. Nesse ponto,
é imprescindível especial atenção ao fato de que a União não é pessoa jurídica de direito público internacional,
pois que tal natureza é a do Estado brasileiro (e somente dele). Isso significa que – embora pessoa jurídica de
direito público interno – ela tem o poder-dever de representar a República Federativa do Brasil no exterior,
sendo, por conseguinte, doutrinariamente classificada como “ente global”. É justamente nessa perspectiva que
se vislumbra sua outra função essencial na realidade jurídico-fática delineada pela Lex Mater de 1988: a de
fazer “as vezes” do Estado brasileiro perante outros, no âmbito do exercício da soberania.
Desse modo, a União possui competência para atuar “em nome da Federação (e.g. manter relações
com Estados estrangeiros; declarar guerra ou celebrar paz)”, 128 sendo esta uma competência exclusiva, em
matéria de soberania – haja vista que os demais entes federativos não dispõem de atuação nessa seara. Mas,
como dito, não deixa de ser um componente da Federação e, ipso facto, “menor” que a República Federativa
do Brasil, com ela não se confundindo. Por esse motivo, nos dizeres de Bulos129, é incorreto o termo “União
federal”, pois que este enseja “o equívoco de que ela é o próprio Estado federal”, sendo – na verdade – senão
um ente federativo autônomo.

II.5. QUESTÕES OBJETIVAS

1. (VUNESP) Sobre o Estado Federal, assinale a alternativa correta.


a) A existência de um Estado Federal é incompatível com a autonomia dos entes federados.
b) No âmbito do Estado Federal, admite-se a sua dissolução parcial.
c) Todos os entes federados são dotados de soberania.
d) O Estado Federal é sempre um Estado descentralizado.
e) A ideia de federalismo cooperativo teve origem na Áustria.

2. (FUNDEP) No que diz respeito às bases téoricas do federalismo, a relação da União e dos Estados-
membros e as regras e princípios constantes da Constituição da República de 1988, assinale a
alternativa incorreta.
a) Na repartição de competências vertical, realiza-se a distribuição da mesma matéria entre a União e
os Estados-membros. Essa técnica, no que tange às competências legislativas, deixa para a União os temas
gerais, os princípios de certos institutos, permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas
peculiaridades locais.
b) Para que os Estados-membros possam ter voz ativa na formação da vontade da União, que se
expressa sobretudo por meio das leis, foi concebido o Senado Federal, com representação paritária, em
homenagem ao princípio da igualdade jurídica dos Estados-membros.

128
NOVELINO, Marcelo (2024), op. cit., p. 651.
129
BULOS, Uadi Lammêgo (2015), op. cit., p. 928.
44

c) O poder constituinte originário, ao adotar a opção federalista, confere aos Estados-membros o poder
de auto-organização das unidades federadas. Estas, assim, exercem um poder constituinte, que não se iguala
ao poder constituinte originário, já que é criatura deste e se acha sujeito a limitações de conteúdo e de forma.
d) Os Estados-membros executam, por suas próprias autoridades, as leis, como também é-lhes
reconhecido o poder de elaborá-las. Assim, no Estado Federal, há esfera de poder normativo único sobre o
território e sobre as pessoas que nele se encontram, com a incidência da ordem legal subnacional.
3. (FUNATEC) São as características da autonomia política dos entes federativos:
a) Centralização administrativa.
b) Autoadministração, autolegislação, autogoverno e autoorganização.
c) Submissão total à União.
d) Interferência constante da União nos assuntos locais.

4. (FCC) Suponha que o Estado do Amazonas pretenda instituir novas regiões metropolitanas,
constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento
e a execução de funções públicas de interesse comum. Para tanto, deverá fazê-lo por meio de
a) lei complementar.
b) resolução.
c) decreto legislativo.
d) medida provisória.
e) decreto executivo.

5. (FGV) O Município Alfa era célebre pela produção de determinado cosmético, que utilizava em sua
composição certas substâncias obtidas no território municipal em quantidade e qualidade superiores às
que se verificavam em outros locais. Com o objetivo de enaltecer as características do referido cosmético
e ainda proteger as pessoas que o utilizam, de modo que tenham pleno conhecimento das substâncias
utilizadas, foi editada a Lei municipal nº X. Esse diploma normativo estabeleceu os requisitos a serem
observados pelas empresas da área na divulgação do referido produto, em iniciativas que busquem
convencer os clientes em potencial a respeito das vantagens que apresenta em relação aos similares.
Irresignada com o teor da Lei municipal nº X, a associação das empresas do setor solicitou que
sua assessoria analisasse a conformidade constitucional desse diploma normativo, sendo-lhe
corretamente respondido que
a) os Estados e o Distrito Federal, não os Municípios, têm competência concorrente com a União para
legislar sobre a matéria, sendo, portanto, inconstitucional.
b) como a matéria é de competência comum entre todos os entes federativos, a sua constitucionalidade
deve ser reconhecida.
45

c) somente será considerado constitucional se a União tiver delegado o exercício dessa competência
aos Municípios.
d) por se tratar de evidente interesse local, a sua constitucionalidade deve ser reconhecida.
e) a matéria é de competência legislativa privativa da União, sendo, portanto, inconstitucional.

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO II
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Competências no Estado Federal Brasileiro. Orientador: Dimas Macedo. 2001. 69 p. Trabalho de Conclusão de Curso
(Bacharelado em Direito) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2001. Disponível em:
https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/56390. Acesso em: 10 fev. 2024.
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CAPÍTULO III

INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

III.1. Ministério Público: breve intróito

No Brasil, no ano de 1609, ou seja, início do Século XVII, instituiu-se, por meio do Alvará nº 7, o
Tribunal de Relação da Bahia, surgindo os cargos de procurador dos feitos da Coroa e de promotor de justiça.
Depois, já em meados do Século XIX, com a edição do Código de Processo Criminal do Império de
1832, adveio a expressão"promotor da ação penal", surgindo desse modo, o Ministério Público, o qual passou
a ser disciplinado pelo Decreto nº 120, de 31 de janeiro de 1842. Mas foi com o Decreto nº 1030 de 1890 que
o órgão ministerial foi efetivamente implementado. Esclarece Uadi Lammêgo Bulos130 que:

foi durante a primeira República, por obra do Ministro da Justiça do Governo Provisório,
Campos Salles - o precursor da independência do Ministério Público pátrio -, que foi editado o
Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, o qual veiculou a reforma da Justiça brasileira,
atribuindo à instituição ministerial contornos de grande importância para a época.

Algumas mudanças ao longo do tempo foram modificando a fisionomia do Ministério Público


brasileiro. Vale ressaltar que este órgão não aparecia na Constituição Imperial de 1824, tampouco na primeira
Constituição republicana de 1891.
Foi a Constituição Federal de 1934 quecontemplou o Ministério Público, tratando-o no Capítulo
VI como um dos órgãos de cooperação das atividades governamentais, conforme se extrai dos arts. 95 a 98 da
referida Carta. A Constituição republicana de 1937 trouxe outras regras disciplinadoras do Ministério Público,
mas sem manter uma ordem sistemática.
Já com certo avanço no tocante ao papel institucional do Ministério Público, a Constituição Federal de
1946 definiu capítulo próprio ao Ministério Público (arts. 125 a 128), onde estavam estabelecidas as normas
de organização, de ingresso por concurso público, as garantias de estabilidade e inamovibilidade, a forma de
escolha do Procurador-Geral - a quem coube a missão de representação de inconstitucionalidade.
No devir da política e da vida em sociedade, após o golpe militar de 1964 sobreveio a Constituição
Federal de 1967, e com ela mudanças estruturais no Ministério Público, que passou a integrar o capítulo
dedicado ao Poder Judiciário (arts. 137-139). Depois, a partir da aprovação da Emenda à Constituição nº 1/69,
o Parquet foi posicionado no capítulo do Poder Executivo (arts. 94-96), cabendo ao chefe do Poder Executivo
nomear e demitir livremente o chefe da instituição.

130
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 1399.
47

Já com a Constituição Cidadã de 1988 o Ministério Público foi alçado ao patamar de‘instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, encarregado de defender a ordem jurídica, o regime
democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis”, nos termos do art. 127, da mencionada Carta.

Sobre a importância institucional do Ministério Público preleciona Uadi Lammego Bulos131:


cumpre-lhe defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, além de outrosem que a
lei considerar imprescindível a sua participação. A indisponibilidade do interesse, seja relativa,
seja absoluta, é o prius da atuação funcional do Parquet.Até os interesses individuais,
singulares, disponíveis, clássicos etc, sujeitam-se à sua competência, desde que a tutela a
pleitear convenha à coletividade. E, para saber se o interesse é objeto de amparo ministerial,
devemos recorrer à classificação dos interesses públicos em primários ou secundários. Os
primários equivalem ao bem geral; já os secundários dizem respeito à Administração, ao modo
como os órgãos governamentaisvêem o interesse público. Quer dizer que nem sempre os
interesses primário e secundário são coincidentes. Por isso, só os primários constituem alvo de
amparo pelo Parquet, sejam eles sociais, sejam coletivos, difusos, individuais homogêneos. O
que se busca é asatisfação de toda a sociedade.

De fato, o papel do Ministério Público como entidade democrática pode contribuir de forma
significativa para a concretização dos direitos fundamentais plasmados ou não no corpo do texto
constitucional.

III.1.1. Ministério Público: atribuições constitucionais

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 destaca o Ministério Público como


instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe precipuamente a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos valores fundamentais.
O art. 128 da referida Carta Constitucional apresenta a estrutura basilar do Ministério Público, o qual
abrange:
1. o Ministério Público da União, que compreende:
a. o Ministério Público Federal;
b. o Ministério Público do Trabalho;
c. o Ministério Público Militar;
d. o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios.
2. o Ministério Público dos Estados.

Acentua José Afonso da Silva132:


As normas constitucionais sobre o Ministério Público, lhe afirmam os princípios institucionais
da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional e lhe asseguram autonomia
administrativa, facultando-lhe, observado o disposto no art. 169, "propor ao Poder Legislativo
a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso de provas e
de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira. Dá-se-lhe, assim, o poder
de iniciativa de lei nessas matérias. Cabe também a ele elaborar sua proposta orçamentária. Mas

131
BULOS (2014), op. cit., p. 1400-1402.
132
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 598.
48

não se lhe dá aí o poder de iniciativa da proposta orçamentária, devendo esta, por isso, integrar-
se no orçamento geral a ser submetido ao Poder Legislativo pelo Poder Executivo.

A Emenda à Constituição nº 45/2004, denominada de reforma do Poder Judiciário, trouxe para o


texto da Constituição de 1988, as regras acerca da prerrogativa do Ministério Público para elaborar sua
proposta orçamentária, conforme se verifica no seu art. 127, par. 3º.
O que pode ocorrer caso ele não envie sua proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido na Lei
de Diretrizes Orçamentárias? A resposta a esta indagação está expressa no par. 4º, do dispositivo em comento,
vide in verbis:

§ 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo


estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de
consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente,
ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3º. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)

O Ministério Público da União tem como chefe o Procurador-Geral da República (PGR), o qual é
nomeado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pela maioria absoluta dos membros do Senado
Federal, para mandato de dois anos, sendo permitida recondução.
Assim como a nomeação do PGR depende de manifestação do Senado, a sua destituição segue a mesma
lógica, nos termos do art. 128, par. 2º: “a destituição do Procurador-Geral da República, por iniciativa do
Presidente da República, deverá ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal”.
No tocante aos Ministérios Públicos dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios a Carta de
1988 prescreve outra forma de investidura da pessoa que assumirá o comando do Parquet133. Nos termos de
lei específica uma lista tríplice trará os nomes dos candidatos ao cargo de comando desses órgãos. A nomeação
será feita pelo Chefe do Poder Executivo. O escolhido terá mandato de 2 anos, e, ao revés do que estabelece
a Constituição de 1988 para o PGR, aqui só se admite apenas uma recondução ao cargo, ex vi art. 128, par. 3º:

Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice
dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral,
que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma
recondução.

O termo parquet tem origem “na tradição francesa, assim como as expressões magistrature débout (magistratura de pé) e les gens
133

du roi (as pessoas do rei). Os procuradores do rei (daí les gens du roi), antes de adquirirem a condição de magistrados e de terem
assento ao lado dos juízes, tiveram inicialmente seus assentos dispostos sobre o assoalho (parquet) da sala de audiências, em vez de
os terem sobre o estrado, lado a lado com a chamada ‘magistratura sentada’. Conservam, entretanto, a denominação
de parquet ou magistrature débout” (Francisque Goyet, Le Ministère Public). In: NOVAIS, Cesar Danilo Ribeiro. Promotor de
Justiça: na defesa da sociedade. Disponivel em http://promotordejustica.blogspot.com.br/2013/03/parquet.html>. Acesso em
10.01.2017.
49

Já no que diz respeito à destituição do Chefe do Ministério Público Estadual ou do DF, a


Constituição prevê regra semelhante àquela aplicada ao PGR, ou seja, somente poderá ocorrer com aprovação
por maioria absoluta da Casa Legislativa respectiva, conforme preceitua o par. 4º, do art. 128: “os
Procuradores-Gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios poderão ser destituídos por deliberação
da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei complementar respectiva”.
Quanto à investidura dos membros do Ministério Público, a mesma ocorre pela via do concurso
público de provas e títulos, sendo assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua
realização. Nesse sentido, vide art. 129, par. 3º, CF/88:

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas


e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização,
exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se,
nas nomeações, a ordem de classificação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)

Para o cargo de promotor de justiça, no âmbito estadual, e para procurador da república, em nível
federal, a Constituição impõe a formação em direito, com, no mínimo, três anos de atividade jurídica.
No que diz respeito às promoções na carreira e aposentadoria, o art. 93, II e VI, CF/88 – concernente
às regras para a magistratura - também tem sua aplicabilidade para o Ministério Público. Com efeito, o cargo
de procurador de justiça (Ministério Público Estadual e do CF) se dá por promoção na carreira e não por
concurso público.
São garantias do ministério público, nos termos da Constituição Federal de 1988, art. 128, inciso I:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença
judicial transitada em julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado
competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada
ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts.
37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)

Com relação à inamovibilidade, vale acrescentar que esta prerrogativa não significa a proibição
absoluta de remoção do membro do Ministério Público, pois isso inviabilizaria a realização do interesse
público. A remoção, no entanto, depende de decisão do órgão colegiado do Parquet, sendo assegurado o
princípio da ampla defesa134.
A Carta de 1988 traz também algumas vedações aos membros do Ministério Público, consoante dispõe
o art. 128, inciso II:

II - as seguintes vedações:
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas
processuais;

134
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 601.
50

b) exercer a advocacia;
c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de
magistério;
e) exercer atividade político-partidária; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. (Incluída pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)

A lei orgânica nacional do Ministério Público, art. 44, p.u., (Lei nº 8.625/93) estabelece, no tocante à
vedação prevista na alínea d acima transcrita, que:

não constituem acumulação, para os efeitos do inciso IV deste artigo, as atividades exercidas
em organismos estatais afetos à área de atuação do Ministério Público, em Centro de Estudo e
Aperfeiçoamento de Ministério Público, em entidades de representação de classe e o exercício
de cargos de confiança na sua administração e nos órgãos auxiliares.

Ainda, o mesmo diploma legal do Ministério Público prescreve que a proibição de participação em
sociedade comercial não abrange a participação dos seus membros como cotistas ou acionistas de uma
sociedade, ex vi art. 44, III.
O art. 129 da Carta Maior de 1988 traz as funções institucionais do Ministério Público, cabendo-
lhe precipuamente a titularidade da ação penal, mas sua missão institucional vai além, porquanto o
Constituinte originário de 1988 atribuiu-lhe várias atuações, como a defesa dos direitos e garantias
fundamentais plasmados ou não no texto Constitucional, a tutela dos direitos indígenas, o controle externo da
atividade policial, entre outras.
Conforme será estudado no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, há direitos materialmente
constitucionais não positivados no texto constitucional, mas que são juridicamente reconhecidos e tutelados
pelo Parquet.
Desse modo, para melhor compreensão e visualização da importância do Ministério Público em uma
sociedade moderna e democrática, cabe transcrever o art. 129:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da
União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada
no artigo anterior;
51

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os


fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade,
sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (grifo
nosso).

Pelo que se extrai do dispositivo constitucional acima, a Constituição de 1988 delineou a estrutura
funcional do Ministério Público totalmente voltada “aos interesses mais elevados da convivência social e
política, não apenas perante o Judiciário, mas também na ordem administrativa”135. Segundo alguns autores,
o rol de competências do dispositivo acima transcrito é números apertus, ou seja, é exemplificativo136.
Assim como o Presidente e Vice-presidente da República, parlamentares, ministros, o Procurador-
Geral da República (chefe do MP da União) também goza de foro por prerrogativa de função nos processos
penais, conforme reza o art. 102, I, b, da CF/88.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,


cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do
Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República.

O Procurador-Geral da República (PGR) é julgado pelo Supremo Tribunal Federal, nas infrações
penais comuns.
Já os membros do Ministério Público da União que atuam nos tribunais respondem por crimes comuns
perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quem compete também apreciar habeas corpus impetrado e
que tenha como paciente ou como autoridade coatora esses membros. Nesse sentido, art. 105, CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União
que oficiem perante tribunais (sem grifo no original)
(...)
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na
alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou
Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral.

A Carta de 1988 estabelece que os demais membros do Ministério Público da União serão julgados
por crimes comuns perante os Tribunais Regionais Federais, consoante estabelecido no art. 108, I, a:

135
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional.
4ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 1039;
136
BRANCO et al (2009), op. cit.,p. 1043.
52

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:


I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça
do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público
da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (grifo nosso).

Quanto aos procuradores de justiça e demais membros que integram o Ministério Público Estadual,
estes têm o foro funcional definido pelo Tribunal de Justiça, segundo disposição do art. 96, III, da CF , sendo
ressalvadas as hipóteses de competência da justiça eleitoral, as quais são de competência dos Tribunais
Regionais Eleitorais, como prevê o artigo 108, I, da CF, já supracitado. Dipõe o art. 96, III, da CF, nesses
termos:

Art. 96. Compete privativamente: (...) III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e
do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes
comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

A Lei nº 8.625/93, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, traz as normas gerais
para a organização dos Ministérios Públicos dos Estados. E a Lei Complementar Federal nº 75/93137 dispõe
sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.
Os princípios norteadores das atividades afetas ao Ministério Público são: unidade,
indivisibilidade, independência funcional (art. 127, par. 1º, CF/88) e o do promotor natural.
O princípio da unidade caracteriza-se pela ideia de que todos os membros do Ministério Público
compõem um só órgão sob a direção de um Procurador-geral. Para Hugo Nigro Mazzilli138 a indivisibilidade,
por seu turno, “significa que esses membros podem ser substituídos uns pelos outros, não arbitrariamente,
porém, mas segundo a forma estabelecida na lei”. Enquanto o princípio da independência funcional, explica
o autor139:
é atributo dos órgãos e agentes do Ministério Público, ou seja, é a liberdade que cada um destes
tem de exercer suas funções em face de outros órgãos ou agentes da mesma instituição,
subordinando-se por igual à Constituição e às leis.

Quanto ao princípio do promotor natural, o Supremo Tribunal Federal (STF), no Habeas Corpus
nº 67759-2, de relatoria do Ministro Celso de Mello, julgado em 6 de agosto de 1992, já se pronunciou, cujo
trecho da decisão vale transcrever, por ser bastante elucidativa140:

137
BRASIL. Lei Complementar Federal nº 75 de 20 de maio de 1993. Disponível em https://www.planalto.gov.br. Acesso em
10.01.2017.
138
MAZZILLI, Hugo Nigro. Princípios institucionais do Ministério Público brasileiro. Disponível em
http://www.mazzilli.com.br. Acesso em 10.01.2017.
139
Idem. Ibidem.
140
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 67759-2. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 10.01.2017.
53

O postulado do promotor natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro,


repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela chefia da instituição, a
figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica,
destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o
exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se
reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o promotor cuja intervenção
se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em lei. A matriz
constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da
inamovibilidade dos membros da instituição. O postulado do promotor natural limita, por isso
mesmo, o poder do procurador-geral que, embora expressão visível da unidade institucional,
não deve exercer a chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável.

Como se verifica do excerto da decisão acima mencionada, o Ministro-relator Celso de


Melloassocia o princípio do promotor natural ao princípio da independência funcional, uma vez que a atuação
do agente do Parquet visa à tutela da sociedade e não de meros interesses privados.
O Plenário do STF já enfrentou também a questão envolvendo conflitos entre os Ministérios
Públicos da União e dos Estados. Em estudos de direito processual civil estuda-se o fenômeno de conflitos de
competência no âmbito jurisdicional, previstos no art. 66 do novo Código Processo Civil de 2015, sendo
caracterizados quando dois ou mais juízes se declaram competentes ou se consideram incompetentes,
apontando outro órgão jurisdicional para examinar a questão em litígio ou, ainda, quando entre dois ou mais
magistrados surgir controvérsia sobre a reunião ou não de processos.
Os conflitos que podem surgir entre os Ministérios Públicos não seriam de competência
propriamente, mas sim de atribuições, uma vez que a Constituição Federal de 1988 sinaliza as funções de cada
Ministério Público, levando em conta a matéria envolvida. Os conflitos podem ocorrer dentro da estrutura de
um mesmo Ministério Público ou entre Ministérios Públicos de esferas diferentes. Para ilustrar, imagine-se as
seguintes hipóteses:
Caso Hipotético 1: choque de atribuições entre dois promotores de justiça do Ministério Público do
Rio. A quem cabe a tarefa de dirimir o conflito? A lei orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625/93)
estabelece em seu art. 10, a competência do Procurador-Geral de Justiça (chefe do MPE) para resolver o
conflito.
Caso Hipotético 2: conflito entre Procuradores da República de diferentes estados. Nesta situação a
Lei Complementar nº 75/93 prevê duas situações:

Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão:


VII - decidir os conflitos de atribuições entre os órgãos do Ministério Público Federal.
Art. 49. São atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público
Federal:
VIII - decidir, em grau de recurso, os conflitos de atribuições entre órgãos do Ministério Público
Federal.

Caso Hipotético 3:o conflito ocorre entre diferentes membros do Ministério Público da União (ex.,
entre um Procurador da República e um Procurador do Trabalho). A decisão, como envolve dois ministérios
54

públicos integrantes do Ministério Público da União, caberá ao Procurador-Geral da República a tarefa de


solucionar o problema.
O art. 26 da Lei Complementar nº 75/93 parece resolver esta questão, ao estabelecer:

Art. 26. São atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público
da União:
VII - dirimir conflitos de atribuição entre integrantes de ramos diferentes do Ministério Público
da União.

Caso Hipotético 4: se o conflito envolver Promotores de Justiça de diferentes Estados (ex., Promotor
de Justiça do Ceará e Promotor de Justiça de Pernambuco)?
Caso Hipotético 5: por fim, se o conflito relacionar um Promotor de Justiça e um Procurador da
República (ex., Promotor de Justiça do Rio de Janeiro e Procurador da República que atua no Paraná?)
Com relação às hipóteses 4 e 5 acima mencionadas, o STF tinha um posicionamento no sentido de que
caberia a esta Corte a prerrogativa de conhecer do conflito e solucioná-lo, nos termos do art. 102, da
Constituição Federal de 1988, que estabelece, in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,


cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre
uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta (grifo nosso).

Ocorre que em 19 de maio de 2016 o STF mudou tal posicionamento ao julgar a Ação Civil
Ordinária (ACO) nº 924/MG, de relatoria do Ministro Luiz Fux, sob o fundamento de que a questão é de
caráter administrativo e não é jurisdicional, portanto afeta aoProcurador-Geral da República141.
A Constituição Federal de 1988 contempla, em seu art. 130, o Ministério Público junto aos Tribunais
de Contas, para cujos membros se aplicam as disposições relativas aos demais membros do Ministério Público,
no tocante a direitos, vedações e forma de investidura. Segundo lições de José Afonso da Silva142, este órgão
foi instituído na mesma época em que foi instituído o Tribunal de Contas (este surgiu com a primeira
Constituição Republicana de 1891, em seu art. 89). Inicialmente instituiu-se o Tribunal de Contas da União,
somente depois vieram os dos Estados, do DF e de alguns municípios.
Em 1896, com o Decreto nº 392, que trouxe mudanças na estrutura do Tribunal de Contas, ficou
clara a natureza jurídica do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, tratando-se de um Ministério
Público Especial, ou seja, uma figura sui generis com atribuições específicas. Nesse sentido, destaca-se o art.

141
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário: cabe ao procurador-geral decidir conflitos de atribuição entre MP Federal e
estaduais. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 10.01.2017.
142
SILVA, José Afonso da. O Ministério Público Junto aos Tribunais de Contas. Disponível em http://www.tcm.ba.gov.br.
Acesso em 13.01.2017.
55

1º, item 5, do ato normativo em tela: “o Ministério Público será representado perante o Tribunal de Contas
por um bacharel ou doutor em direito nomeado pelo Presidente da República”.
Ainda no ano de 1896, o Governo Federal editou o Decreto nº 2.409, o qual, sem seu art. 81,
estabelecia, in verbis:

O Representante do Ministério Público é o guarda da observância das leis fiscais e dos interesses
da Fazenda perante o Tribunal de Contas. Conquanto represente os interesses da Pública
Administração, não é todavia delegado especial e limitado desta, antes tem personalidade
própria e no interesse da lei, da justiça e da Fazenda Pública tem inteira liberdade de ação.

No tocante ao texto acima transcrito, pontua José Afonso da Silva143:

Não se há de impressionar pela dicção legal segundo a qual o representante do Ministério


Público junto ao Tribunal de Contas teria a função de guarda da observância das leis fiscais e
dos interesses da Fazenda, pois que,em verdade, até a Constituição de 1988 também o
Ministério Público Federal tinha a dupla função de órgão de custos legise de advogado dos
interesses da Fazenda Federal. Mas no texto legal em apreço já se dão os fundamentos de sua
autonomia institucional, ao declarar que não era delegado especial e limitado da Administração
Pública. Pelo contrário, era dotado de personalidadeprópria, o que significa, em última análise,
autonomia institucional, com inteira liberdade de ação.

Já sob a égide da Constituição Federal de 1946, editou-se o Decreto Federal nº 830/49, tratado
como a “lei orgânica” do Tribunal de Contas da União, o qual em seu art. 3º trazia como integrantes de sua
estrutura o Ministério Público, dando-lhe perfil autônomo. Depois, adveio o Decreto-Lei nº 199, de 25 de
fevereiro de 1967, mantendo a base delineada no Decreto nº 830/49.
O mencionado Decreto-Lei nº 199/67 regulamentava, em seu art. 20, as atividades do Ministério
Público Junto ao Tribunal de Contas:

Art. 20. Compete ao Procurador, na forma do Regimento Interno:


I - Promover a defesa dos interêsses da Administração e da Fazenda Pública.
II - Comparecer às sessões do Tribunal e intervir nos processos de tomadas de contas e de
concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões, e outros referidos no Regimento.
III - Dizer de direito, verbalmente ou por escrito, por deliberação do Tribunal, a requisição de
qualquer Ministro, a seu próprio requerimento, ou por distribuição do Presidente, em todos os
assuntos sujeitos à decisão do Tribunal.
IV - Requerer, perante o Tribunal, as medidas referidas no art. 40 da presente lei.

Ressalte-se, por oportuno, que o D.L. nº 199/67 foi posteriormente revogado pela Lei nº 8.443/93,
que dispõe sobre a lei orgânica do Tribunal de Contas da União. Neste novo diploma legal o
Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas (repise-se, também denominado de Ministério Público
Especial) possui capítulo próprio, sendo disciplinado nos artigos 80 a 84, sem prejuízo de outros dispositivos
que fazem menção a este órgão.

143
Idem. Ibidem, p. 3.
56

Dispõem os mencionados artigos, ipsis litteris:

Art. 80. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, ao qual se aplicam os
princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional,
compõe-se de um procurador-geral, três subprocuradores-gerais e quatro procuradores,
nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros, bacharéis em direito.
§ 1° (Vetado)
§ 2° A carreira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União é constituída pelos
cargos de subprocurador-geral e procurador, este inicial e aquele representando o último nível
da carreira, não excedendo a dez por cento a diferença de vencimentos de uma classe para outra,
respeitada igual diferença entre os cargos de subprocurador-geral e procurador-geral.
§ 3° O ingresso na carreira far-se-á no cargo de procurador, mediante concurso público
de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua
realização e observada, nas nomeações, a ordem de classificação, enquanto a promoção ao cargo
de subprocurador-geral far-se-á, alternadamente, por antigüidade e merecimento.
Art. 81. Competem ao procurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União, em sua missão
de guarda da lei e fiscal de sua execução, além de outras estabelecidas no Regimento Interno,
as seguintes atribuições:
I - promover a defesa da ordem jurídica, requerendo, perante o Tribunal de Contas da União as
medidas de interesse da justiça, da administração e do Erário;
II - comparecer às sessões do Tribunal e dizer de direito, verbalmente ou por escrito, em todos
os assuntos sujeitos à decisão do Tribunal, sendo obrigatória sua audiência nos processos de
tomada ou prestação de contas e nos concernentes aos atos de admissão de pessoal e de
concessão de aposentadorias, reformas e pensões;
III - promover junto à Advocacia-Geral da União ou, conforme o caso, perante os dirigentes das
entidades jurisdicionadas do Tribunal de Contas da União, as medidas previstas no inciso II do
art. 28 e no art. 61 desta Lei, remetendo-lhes a documentação e instruções necessárias;
IV - interpor os recursos permitidos em lei.
Art. 82. Aos subprocuradores-gerais e procuradores compete, por delegação do procurador-
geral, exercer as funções previstas no artigo anterior.
Parágrafo único. Em caso de vacância e em suas ausências e impedimentos por motivo de
licença, férias ou outro afastamento legal, o procurador-geral será substituído pelos
subprocuradores-gerais e, na ausência destes, pelos procuradores, observada, em ambos os
casos, a ordem de antigüidade no cargo, ou a maior idade, no caso de idêntica antigüidade,
fazendo jus, nessas substituições, aos vencimentos do cargo exercido.
Art. 83. O Ministério Público contará com o apoio administrativo e de pessoal da secretaria do
Tribunal, conforme organização estabelecida no Regimento Interno.
Art. 84. Aos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União aplicam-se,
subsidiariamente, no que couber, as disposições da Lei orgânica do Ministério Público da União,
pertinentes a direitos, garantias, prerrogativas, vedações, regime disciplinar e forma de
investidura no cargo inicial da carreira (grifo nosso).

Observem que a lei em tema faz menção à nomeação dos cargos pelo Presidente da República de
modo geral. No entanto, no caso de ingresso no cargo de procurador do MP Especial, o par. 3º do art. 80 faz
ressalva de necessidade de realização de concurso público.
Ainda, no tocante à autonomia do MP Especial, vale trazer à baila ementa de decisão do STF144:

Está assente na jurisprudência deste STF que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas
possui fisionomia institucional própria, que não se confunde com a do Ministério Público
comum, sejam os dos Estados, seja o da União, o que impede a atuação, ainda que transitória,

144
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 27.339. Relator Menezes Direito, julgado em 2-2-2009, publicado no Diário de Justiça
em 6-3-2009. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 13.01.2017.
57

de Procuradores de Justiça nos Tribunais de Contas (...). Escorreita a decisão do CNMP que
determinou o imediato retorno de dois Procuradores de Justiça, que oficiavam perante o
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, às suas funções próprias no Ministério
Público estadual, não sendo oponíveis os princípios da segurança jurídica e da eficiência, a
legislação estadual ou as ditas prerrogativas do Procurador-Geral de Justiça ao modelo
institucional definido na própria Constituição.

A previsão constitucional do MP Especial veio na Constituição Federal de 1967, que em seu art.
73, par. 5º, estabelecia:

Art.73 - O Tribunal de Contas tem sede na Capital da União e jurisdição em todo o território
nacional.
(...)
§ 5º - O Tribunal de Contas, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou das
Auditorias Financeiras e Orçamentárias e demais órgãos auxiliares, se verificar a ilegalidade de
qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, aposentadorias, reformas e pensões,
deverá:
a) assinar prazo razoável para que o órgão da Administração Pública adote as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei;
b) no caso do não atendimento, sustar a execução do ato, exceto em relação aos contratos;
c) na hipótese de contrato, solicitar ao Congresso Nacional que determine a medida prevista na
alínea anterior, ou outras que julgar necessárias ao resguardo dos objetivos legais (grifo nosso).

Entretanto, conforme assevera José Afonso da Silva, foi a Carga Magna de 1988 em seu art. 130,
que efetivamente destacou, a quem compete, dentre outras funções, zelar pela correta aplicação do
ordenamento jurídico.

III.1.2. Do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) foi criado a partir da Emenda à Constituição
nº 45/2004 com a finalidade de atuar em defesa do cidadão “executando a fiscalização administrativa,
financeira e disciplinar do Ministério Público no Brasil e de seus membros, respeitando a autonomia da
instituição”145.
Sua composição é heterogênea e cada membro terá mandato de dois anos, sendo permitida uma
recondução. Possui um quadro de 14 conselheiros, os quais são nomeados pelo Presidente da República, após
aprovação dos nomes pela maioria absoluta do Senado Federal(art. 130-A, CF/88). O Procurador Geral da
República é o presidente do Conselho. Os demais membros são: quatro membros do Ministério Público
da União;três membros do Ministério Público dos Estados (indicados pelos respectivos Ministérios
Públicos); dois juízes (sendo um de indicação do STF e outro do STJ); dois advogados (indicados pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil); e dois cidadãos (sendo um indicado pela Câmara dos
Deputados e o outro pelo Senado Federal).

145
BRASIL. Ministério Público. Conselho Nacional do Ministério Público. Disponível emhttp://www.cnmp.mp.br. Acesso em
20.01.2017.
58

O art. 130-A, par. 2º, CF/88, elenca as suas funções institucionais, in verbis:

Compete ao Conselho Nacional do Ministério Públicoo controle da atuação administrativa e


financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros,
cabendo lhe:
I zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos
regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade
dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e
dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as
providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos
Tribunais de Contas;
III receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da
União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência
disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso,
determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos
proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla
defesa;
IV rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;
V elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do
Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem
prevista no art. 84, XI (grifo nosso).

O CNMP como instrumento de controle externo da Justiça tem também a difícil missão de, ao
mesmo tempo, dar efetividade ao princípio da eficiência do Ministério Público e assegurar a aplicação dos
princípios da autonomia e independência funcional de seus membros.

III.2. Advocacia Pública

A expressão “advocacia”, segundo o dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, significa


“profissão, normalmente liberal, que consiste em aconselhar pessoas sobre questões jurídicas e a representá-
las em juízo”. Entretanto, é possível olhar para além deste conceito pragmático e positivista, e ver o termo
“advocacia” como a expressão do exercício de defesa de algo importante para o indivíduo ou para a sociedade
sob a perspectiva do coletivo.
Nesse contexto inserem-se a advocacia privada (indivíduos e empresas buscam a tutela de seus
interesses) e a advocacia pública, a qual visa à defesa das pessoas jurídicas de direito público (União, Estados,
Municípios e Distrito Federal) ou de pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade econômica,
para as quais há previsão constitucional da assistência jurídica da Defensoria Pública, nos termos do art. 134,
CF/88, in verbis:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do


Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos
os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita,
59

aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

Em geral, o exercício da advocacia pública é realizado por pessoas investidas em cargos públicos por
concurso de provas e títulos, conforme determina a Constituição Federal de 1988 em seus arts. 37, inciso II e
131, par. 2º.
São exemplos de cargos de advogados públicos: advogado da União, procurador federal, procurador
do estado, procurador do município, procurador do Distrito Federal, defensor público da União ou dos Estados.

III.2.1. Advocacia Geral da União

Antes da criação da Advocacia Geral da União cabia ao Ministério Público Federal o exercício da
advocacia da União. Ou seja, os membros do MPF realizavam concomitantemente as funções de Ministério
Público e de Procuradores da República na defesa da União.
O art. 131 da Constituição Federal de 1988 estatui:

A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado,


representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de
consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo (grifo nosso)

O diploma legal, de que trata o art. 131 acima transcrito, é a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro
de 1993. Também regulamenta as atividades da AGU o Decreto nº 767, de 5 de março de 1993, o qual dispõe
sobre as atividades de controle interno e a Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, que disciplina o exercício das
atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, em caráter emergenciale provisório.
A Advocacia Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, cuja nomeação fica a
cargo do Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e
de reputação ilibada (art. 131, par. 1º, CF/88).
Por oportuno, o Advogado Geral da União tem status de ministro de estado, por força de alteração
legislativa, consoante dispõe o art. 1º, p.u., da Lei nº 8.682/93146: “Art. 1º (...).Parágrafo único. O cargo de
Advogado-Geral da União confere ao seu titular todos os direitos, deveres e prerrogativas de Ministro de
Estado, bem assim o tratamento a este dispensado”.
Compõem o corpo da Advocacia-Geral da União, os Advogados da União, os Procuradores da
Fazenda Nacional, Assistentes Jurídicos e os procuradores federais, inclusive aqueles lotados em Autarquias
Federais ou Fundações Públicas, nos termos da Lei nº 10.480/2002147: todos organizados em carreira, com
aprovação em concurso público de provas e títulos.

146
BRASIL. Lei nº 8.682 de 14 de julho de 1993. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 10.01.2017.
147
BRASIL. Lei nº 10.480 de 2 de julho de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 16.01.2017.
60

Explicam os estudiosos Paulo Gustavo Gonet, Inocêncio Mártires Coelho e Gilmar Ferreira
Mendes148 que:

Mesmo institucionalizada a Advocacia Pública, isso não exclui a possibilidade de o Estado


constituir mandatário ad judicia para causas específicas. O poder de representação do advogado
público, entretanto, decorre de lei e prescinde de mandato.

A Constituição Federal de 1988 reserva também importante função ao Advogado Geral da União
no tocante à defesa do ato normativo impugnado em sede de controle de constitucionalidade em tese (em
abstrato), consoante estabelecido no art. 103, par. 3º, do texto constitucional em tela:

§ 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de


norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que
defenderá o ato ou texto impugnado (grifo nosso).

Ou seja: cumpre ao Advogado-Geral da União (AGU) a missão de defender a presunção de


constitucionalidade da norma, seja ela de origem federal, estadual ou do Distrito Federal (aqui quando a norma
decorrer da competência legislativa do DF com caráter estadual).
A Carta de 1988 reserva a defesa do ato impugnado pelo Advogado Geral da União (AGU) apenas em
sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), sendo silente no tocante à sua participação quando
envolver Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
(ADO) e Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Ocorre que no tocante à ADC não se busca a impugnação do ato em face da Constituição, o que o
legitimado do art. 103, CF/88, quer é que o STF declare a constitucionalidade de determinada norma jurídica,
a fim de exterminar qualquer dúvida quanto à sua recepção pelo texto constitucional.
No que se refere à ADO a presença do AGU não se faz necessária, pois não há ato normativo a ser
impugnado, o que o legitimado desta ação almeja é que o Poder Judiciário reconheça a lacuna legislativa
infraconstitucional que está impedindo o exercício de direitos plasmados na Constituição pelos indivíduos.
Saliente-se, entretanto, que no caso de omissão parcial, já entendeu o STF, que a presença do AGU
é imprescindível, visto que a omissão parcial se confunde com a inconstitucionalidade por ação.
Segundo construção jurisprudencial do STF, não será necessária a participação do AGU em seu
sede de ADI caso esta Suprema Corte de Justiça já tenha se manifestado sobre a constitucionalidade do ato
normativo impugnado. Nesse sentido, vale trazer à luz excertos do voto do Ministro relator Maurício Correa,
na ADI nº 1.616 -4, in verbis149:

148
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional.
4ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 1046.
149
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1.616-4. Julgada em 24.05.2001. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em
16.01.2017. Vide também a ADI 3916, de relatoria do Ministro Eros Grau, julgada em 03.02.2010.
61

(...) O múnus a que se refere o imperativo constitucional (CF/88, §3º), ao que penso, deve, pela
obviedade das hipóteses em que, de modo reiterado a jurisprudência do Tribunal já consolidou
a favor da tese contrária ao ato impugnado, ser entendido com temperamentos, de tal sorte que
a manifestação do Advogado Geral da União não se converta, em casos dessa ordem, como
gesto insurrecional, mas de lógica e bom senso.

Pelo o que se extrai das palavras do Ex-Ministro do STF Mauricio Correa, se já houve, em outros
processos, a manifestação daquela Corte pela inconstitucionalidade da norma jurídica, o AGU não estará
obrigado a defender tal ato.
Ainda, quanto ao papel do AGU em sede de controle em abstrato, já se pronunciou o Ministro Celso
de Mello, na ADI nº1.254150:

A função processual do advogado-geral da União, nos processos de controle


deconstitucionalidade por via de ação, é eminentemente defensiva. Ocupa, dentro da estrutura
formal desse processo objetivo, a posição de órgão agente, posto que lhe não compete opinar e
nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao PGR . Atuando como verdadeiro curador
(defensor legis) das normas infraconstitucionais, inclusive daquelas de Art. 103, § 3ºorigem
estadual, e velando pela preservação de sua presunção de constitucionalidade e de sua
integridade e validez jurídicas no âmbito do sistema de direito, positivo, não cabe ao advogado-
geral da União, em sede de controle normativo abstrato, ostentar posição processual contrária
ao ato estatal impugnado, sob pena de frontal descumprimento do múnusindisponível que lhe
foi imposto pela própria Constituição da República.

Há entendimento do STF sobre a não obrigatoriedade da presença do AGU em sede de ADO.


Veja-se a ementa da decisão na ADI nº 23151

A audiência do advogado-geral da União, prevista no art. 103, § 3º, da CF de 1988, é necessária


na ação direta de inconstitucionalidade, em tese, de norma legal, ou ato normativo (já
existentes), para se manifestar sobre o ato ou texto impugnado. Não, porém, na ação direta de
inconstitucionalidade, por omissão, prevista no § 2º do mesmo dispositivo, pois nesta se
pressupõe, exatamente, a inexistência de norma ou ato normativo.

Em sede de Ação de Arguição de Preceito Fundamental (ADPF), o Advogado Geral da União


(AGU) tem a mesma função daquela desempenhada na Ação Direta de Inconstitucionalidade, a denominada
ação genérica de inconstitucionalidade, ou seja, cumpre a ele a missão de atuar como curador da presunção de
constitucionalidade do ato impugnado, seja de caráter normativo ou não.
Outro detalhe importante previsto constitucionalmente diz respeito à representação da União pela
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Isto é, quando se tratar de execução de dívida de natureza
tributária, a atuação não será da Advocacia Geral da União, mas sim da PGFN, nos termos do art. 131, Par.
3º, CF/88.

150
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.254 AgR. Julgada em 14.08.1996. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em
16.01.2017.
151
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 23. Julgada em 04.08.1989. Disponivel em www.stf.jus.br. Acesso em 16.01.2017.
62

III.2.2. Defensoria Pública

O desenvolvimento do homem em suas diversas dimensões - físicas, pessoais, intelectuais e


profissionais - tem tornado a sociedade e os sistemas que a compõem mais complexos. A reboque das
complexidades vêm os problemas decorrentes das desigualdades sociais fragilizando o tecido social, em
especial, nos países em desenvolvimento, onde o índice de desemprego é alto; a educação, em regra, é precária;
o sistema de saúde pública precisa de investimentos e a crise na área de habitação é alarmante152. Esse processo
ocorre no cenário de um mundo globalizado em que o estreitamento da convivência física ou virtual - muito por
conta do avanço tecnológico da sociedade da informação – tem colocado luzes sobre as diversas mazelas nas
quais a desigualdade sob a perspectiva material é o núcleo.
As variadas formas de desigualdade impõem um agir do Estado, no sentido de trazer a justiça
mais próxima de cada cidadão. O sentido de justiça aqui é mais amplo do que aquele voltado ao exercício de
peticionar junto ao Poder Judiciário.
Nesse contexto destaca-se a importância institucional da Defensoria Pública para dar
assistência jurídica àqueles que pouco – ou - nada têm sob a perspectiva econômica.
A Constituição Federal de 1988, sem seu art. 5º, inciso XXXV:

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:


a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso
de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de
situações de interesse pessoal.

A Lei nº 1.060, de 5 de outubro de 1950, prescreve em seu art. 9º: “os benefícios da assistência
judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias”. Vale
acrescentar que o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) revogou os artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11,
12, 17 do diploma legal em tela. Desse modo, o novo CPC disciplina a gratuidade de justiça nos artigos 98 a
102, sem prejuízo das normas vigentes da Lei nº 1.060/50.
Em seu art. 24, inciso XIII, a Constituição Federal de 1988 traz a competência concorrente da União,
dos Estados e do Distrito Federal para legislarem sobre assistência jurídica e defensoria pública. O art. 134, por
sua vez, estabelece os principais elementos da defensoria pública, realçando o seu papel de instituição
democrática e voltada à tutela dos direitos das pessoas menos favorecidas economicamente. Dispõe o indigitado
dispositivo constitucional:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do


Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos

152
CARLI, Ana Alice De. O bem de família do fiador e o direito fundamental à moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
63

os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita,
aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

A Defensoria Pública no exercício de seu múnus constitucional está realizando o que preconiza o
Princípio do acesso à justiça, plasmado no art. 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Assim como as demais instituições democráticas ela é pautada por princípios, os quais estão
positivados no mencionado art. 134, da Carta Maior de 1988:

§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a


independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no
inciso II do art. 96 desta Constituição Federal (grifo nosso).

As normas de organização da Defensoria Pública estão insertas na Lei Complementar nº 80, de


12.11.1994, a qualtraz normas específicas para as Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos
Territórios, e, bem assim, estabelece normas gerais à organização das Defensorias Públicas estaduais. Vale
lembrar que no âmbito da competência legislativa concorrente, de que trata o art. 24, par. 1º, CF/88, compete
à União (como Ente Coordenador da Federação brasileira) editar normas gerais de observância obrigatória
dos demais Entes Políticos.
O ingresso em cargo de defensor público depende de concurso público de provas e títulos, da mesma
forma que ocorre com os demais cargos de advogado público, consoante o disposto no art. 37, inciso II, CF/88.
Por força da Emenda à Constituição nº 45/2004, as Defensorias Públicas dos Estados passaram a ter
asseguradas a autonomia funcional e administrativa e, bem assim, a iniciativa de proposta orçamentária, dentro
dos limites aplicáveis, nos termos do art. 134, §2º, CF/88, in verbis:

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e


a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º . (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)

Em 2013, a Emenda Constitucional nº 74 estendeu às Defensorias Públicas da União e do Distrito


Federal os mesmos princípios trazidos pela EC nº 45/2004 às Defensorias Públicas dos Estados, quais sejam:
autonomia administrativa, autonomia funcional e iniciativa de proposta orçamentária.
Quanto às atividades da Defensoria Pública, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 134, entregou
a relevante missão de orientar juridicamente as pessoas hipossuficientes economicamente, com vistas à
promoção dos direitos fundamentais e “a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos
individuais e coletivos, de forma integral e gratuita”.
64

Ainda sobre o papel da Defensoria Pública, asseveram os autores BRANCO, Paulo Gustavo Gonet;
COELHO, Inocêncio Mártires e MENDES, Gilmar Ferreira153:

Por deliberação constitucional, os hipossuficientes devem receber assistência jurídica


integral do Estado (art. 5º, LXXIV, CF/88). O órgão do Estado incumbido dessa tarefa é
a Defensoria Pública, que o art. 134 da CF definiu como instituição essencial à função
jurisdicional do Estado. A Defensoria não apenas recebeu a missão de defender os necessitados
em todos os graus de jurisdição, como também lhe foi assinada a tarefa de orientar essa mesma
população nos seus problemas jurídicos, mesmo que não estejam vertidos em uma causa
deduzida em juízo (grifo nosso).

Nesse contexto, o defensor público ocupa importante cargo na estrutura desta instituição, pois é ele
que vai realizar a missão institucional reservada pela Carta Maior de 1988 que é facilitar o acesso à justiça
àqueles que pouco ou nada têm, consoante palavras de Luiz Edson Fachin154, ao defender o patrimônio
mínimo.
Sobre a Defensoria Pública, uma questão interessante pode ser levantada. Há foro de prerrogativa de
função em relação aos defensores públicos? Sobre esta matéria, a Consituição Federal de 1988 restou omissa.
Diante disso, caso os defesnores públicos cometam crimes comuns ou de resposabilidade, estes serão julgados
perante o juizo natural comum155. Contudo, ainda que a Constituição Federal não se posicione sobre a questão,
nada impede que as Constituições Estaduais, delimitem o foro de prerrogativa de função àqueles que ocupem
o cargo de Defensores Públicos. Dessa forma, não há que se falar em inconsitucionalidade sobre a
regulamentação desta temática pelas Consituições Estaduais, uma vez que se encontra a materia em total
conformidade com o disposto pelo art. 125, §.1º da CF/88. Há de se destacar inclusive que muitos Estados já
atribuiram aos membros da Defesnoria Pública o foro funcional. Sobre esta questão, já se posicionou o
Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI de nº 2.587/GO e no julgamento da ADI de nº 2553 MC.
Assim, destaca-se a jurisprudência do STF:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ALÍNEA ‘E’ DO INCISO VIII DO


ARTIGO 46 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS, NA REDAÇÃO QUE LHE FOI
DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29, DE 31 DE OUTUBRO DE 2001. Ação
julgada parcialmente procedente para reconhecer a inconstitucionalidade da expressão “e os
Delegados de Polícia”, contida no dispositivo normativo impugnado (STF – Pleno – ADI
2.587/GO – relator ministro Carlos Britto, decisão: 1º/12/2004)

Do mesmo modo, o Supeiror Tribunal de Justiça, entendeu ser constitucional o foro de prerrogativa de
função atribuido aos Defensores Públicos pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro. In verbis:

153
BRANCO et al (2014), op. cit., p. 1046-1048.
154
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
155
ESTEVES, D.; SILVA, F. R. A. Foro por prerrogativa e sua extensão aos membros da Defensoria Pública. Consultor
Jurídico, 29 de março de 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-mar-30/tribuna-defensoria-foro-prerrogativa-esua-
extensao-aos-membros-defensoria#author. Acesso em 01.08.2018.
65

Foro por prerrogativa de função (Defensor Público do Rio de Janeiro). Ação Penal (competência
do Tribunal de Justiça). 1. Compete ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro processar e julgar,
originariamente, nos crimes comuns e de responsabilidade, os membros da Defensoria Pública
daquele Estado (art. 161, IV, d, 2, da Constituição Estadual). 2. No regime federativo, os
Estados-Membros desfrutam de autonomia política e administrativa, sendo-lhes próprios os
denominados poderes implícitos (podem tudo que não lhes esteja explicitamente proibido). 3.
No caso, ao proclamar a prerrogativa de foro dos membros da Defensoria Pública, o constituinte
estadual assegurou a simetria funcional entre os diversos agentes políticos do Estado. 4. Habeas
corpus deferido com o intuito de se preservar a competência do Tribunal de Justiça para,
originariamente, processar e julgar o paciente – Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro
(STJ – 6ª Turma – HC 45.604/RJ – relator ministro Nilson Naves, decisão: 10/10/2006).

Por fim, é importante destacar, que por o foro funcional atribuido aos membros da Defensoria Pública,
por ser este apenas regulamentado pela Constituição Estadual, não prevalece o foro funcional em casos de
crimes dolosos contra vida, uma vez que nestes casos deve prevalecer o Tribunal do Juri, é o que determina
a S.V. 45, a qual encontra-se abaixo:
S.V. 45. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por
prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.

No tópico seguinte tratar-se-á da advocacia privada e da OAB.

III.3. Advocacia Privada e a OAB


A Constituição Federal de 1988 consagra, no Capítulo IV- denominado de “Funções Essenciais à
Justiça”-, a figura do advogado, nos termos do art. 133, que prescreve: “o advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites
da lei”.
O art. 133, CF/88, refere-se também à inviolabilidade dos atos do advogado no exercício da advocacia.
Tal prerrogativa, entretanto, não é absoluta, como acentua José Afonso da Silva156, uma vez que o véu da
inviolabilidade só alcança os atos e medidas realizadas no exercício da advocacia e dentro do permissivo legal.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou quanto aos limites do sigilo profissional do
advogado, conforme se extrai na ementa do Habeas Corpus nº 91.610157, da relatoria do Ministro Gilmar
Mendes:

O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de


cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia. O local de trabalho
do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreensão, observando-
se os limites impostos pela autoridade judicial. Tratando-se de local onde existem documentos
que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é indispensável a especificação do âmbito
de abrangência da medida, que não poderá ser executada sobre a esfera de direitos de não
investigados. Equívoco quanto à indicação do escritório profissional do paciente, como seu
endereço residencial, deve ser prontamente comunicado ao magistrado para adequação da
ordem em relação às cautelas necessárias, sob pena de tornar nulas as provas oriundas da medida

156
SILVA (2005), op. cit., p. 597.
157
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 91.610, julgado em 08.06.2010. Disponível em www. stf.jus.br. Acesso
em 17.01.2017.
66

e todas as outras exclusivamente delas decorrentes. Ordem concedida para declarar a nulidade
das provas oriundas da busca e apreensão no escritório de advocacia do paciente, devendo o
material colhido ser desentranhado dos autos do Inq 544 em curso no STJ e devolvido ao
paciente, sem que tais provas, bem assim quaisquer das informações oriundas da execução da
medida, possam ser usadas em relação ao paciente ou a qualquer outro investigado, nesta ou em
outra investigação.

O advogado privado é fundamental à defesa dos direitos das pessoas (físicas e jurídicas), e sua
atuação encontra fundamento principalmente nos Princípios do Acesso à Justiça (art.5º, XXXV, CF/88), do
devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88) e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88), a qual pressupõe uma defesa
técnica, realizada por profissional habilitado, que no caso o advogado.
Esclarece José Afonso da Silva158

A advocacia não é apenas um pressuposto da formação do Poder Judiciário. É também


necessária ao seu funcionamento. "O advogado é indispensável à administração da justiça", diz
a Constituição (art. 133), que apenas consagra aqui um princípio basilar do funcionamento do
Poder Judiciário, cuja inércia requer um elemento técnico propulsor.O antigo Estatuto da Ordem
dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215/63, art. 68) já o consignava. Nada mais natural, portanto
que a Constituição o consagrasse e prestigiasse, reconhecendo no exercício de seu mister a
prestação de um serviço público.

O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, a Lei nº Lei 8.906/94, realça o disposto no art.
133 da Carta Maior de 1988, ao dispor, em seu art. 2º que “o advogado é indispensável à administração da
justiça. Sendo certo que em “seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social"
(§1º, art. 2º, da lei em tela).
Ainda, sobre a importância do advogado na sociedade, vale trazer as palavras de Uadi Lammêgo
Bulos159:

(...) o advogado é a antena supersensível da Justiça, porque seu mister envolve, a um só tempo:
arte - de dizer o óbvio para quem não quer entender a obviedade; política - disciplina da
liberdade dentro da ordem; ética - exercício de virtudes contra a tentações; e ação- luta
intransigente na defesa de direitos e prerrogativas. Foi essa a bússola que orientou o constituinte
de 1988, o primeiro a consagrar, em nossas constituições, a figura do advogado como
indispensável à administração da Justiça. É esse o profissional que detém, em princípio, o ius
postulandi, embora essa prerrogativa não seja absoluta. A profissão de advogado constitui
pressuposto essencial à formação de um dos Poderes do Estado: o Judiciário.

Importante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro prevê algumas situações em que a atuação
do advogado é dispensável, tais como:
a) ações promovidas nos Juizados Especiais, cujo valor não ultrapasse 20 salários mínimos, nos
termos da Lei nº 9.099/95, art. 9º: “nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão
pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”.

158
Idem. Ibidem, p. 596-597.
159
BULOS (2014), op. cit., p. 1433.
67

Ou seja, a presença do advogado nesta situação é uma faculdade do autor. Entretanto, o juiz alertará a
conveniência da assistência judicial, quando achar que for necessário, conforme estabelecido no art. 9º, par.
2º, do Estatuto.
b) Impetração de Habeas Corpus pode ser feita pelo próprio paciente (art. 654, Código de Processo
Penal), visto que o que está em risco é o direito de liberdade do indivíduo. Aliás, em situações extremas é
dispensável qualquer formalidade para o manejo do habeas corpus.
O art. 654, par. 2º, do Código de Processo Penal160 preceitua: “os juízes e os tribunais têm competência
para expedir de ofício ordem de habeascorpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou
está na iminência de sofrer coação ilegal”. A liberdade do indivíduo é tão relevante que a lei prescreve a
manifestação do próprio magistrado para impetrar o remédio constitucional do HC.
c) Revisão Criminal, nos termos do art. 623, do Código de Processo Penal brasileiro, in verbis: “a
revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do
réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”.
d) Na Justiça do Trabalho a parte possui jus postulandi, ou seja, pode requerer a prestação
jurisdicional sem a assistência do advogado, consoante o disposto no art. 791 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943161, ”os empregados e os empregadores poderão
reclamar pessoalmente perante a justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”.

Nos termos do Estatuto da OAB, o exercício da advocacia pressupõe prévia aprovação no Exame da
Ordem, que é realizado todos os anos, em duas fases. Nesse sentido, dispõe o art. 3º, do referido diploma legal,
que “o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos
dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”, implicando anterior aprovação no processo seletivo.
A Ordem dos Advogados do Brasil consagra-se como uma instituição democrática, não somente
por ser uma Autarquia fiscalizadora das atividades dos advogados, mas também por sua participação históricae
decisiva em movimentos sociais, em defesa dos direitos e garantias fundamentais e da higidez da Constituição
Federal, tendo, inclusive, legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade, ex vi art. 103, inciso
VII, CF/88.
O STF em decisão em que se discutia a possibilidade de a OAB ser fiscalizada pelo Tribunal de
Contas, uma vez que recolhe contribuição de seus associados, posicionou-se no sentido de que se tratava de
uma Autarquia sui generis, não se confundindo com as demais autarquias fiscalizadoras de determinadas
atividades profissionais. Para melhor compreensão, segue parte da ementa da decisão da ADI nº

160
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei 3.689 de 03 de outubro de 1941. Disponivel em www.planalto.gov.br. Acesso
em 17.01.2017. Vale destacar que o CPP foi recepcionado pela CF/88 com status de lei ordinária, visto não ser mais admitida a
forma de decreto-lei.
161
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em
http://www.planalto.gov.br. Acesso em 17.01.2017. Ressalte-se que a CF/88 recepcionou tal diploma legal com status de lei
ordinária, da mesma forma que o fez com o CPP, já mencionado alhures.
68

3026-DF162:

(...). A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como
"autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas
"agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está
sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa
não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades
atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida
em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja
finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou
dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil,
cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere
dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a
finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação
legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade,
que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê
interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da
Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10.
Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime
trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade.
Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser
ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12.
Julgo improcedente o pedido (grifo nosso).

Como se verifica do julgado acima referido, o STF classifica a OAB como entidade diferente dos
demais conselhos de classe (CFM, CREA...), pois sua finalidade vai além da fiscalização e disciplina dos seus
associados, exercendo outras atividades relevantes para o Estado Democrático brasileiro.

III.4. Tribunal de Contas


O Estado, estruturado em Administração Pública Direta e Administração Pública Indireta, submete-se
aos controles interno e externo.
Conforme ensina Celso Antonio Bandeira de Mello163, o controle interno é aquele “exercido por órgãos
da própria Administração, isto é, integrantes do aparelho do Poder Executivo”. Trata-se de um controle
inerente à administração da coisa pública, importando, por conseguinte, em um poder-dever de todos os órgãos
e poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)da Administração Publica.
Por sua vez, o controle externo se traduz quando determinado órgão fiscalizador posiciona-se em
Administração diferente daquela que está sendo fiscalizada. Para ilustrar, o Poder Judiciário exerce controle
sobre os atos do Poder Executivo por meio da prestação jurisdicional e do controle de constitucionalidade. O
Poder Legislativo controla o Poder Executivo quando julga as contas do Presidente da República, no âmbito
federal, dos Governadores de Estado ou do Distrito Federal, em nível regional e os prefeitos, na esfera local.

162
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3026, julgada em 08.06.2006. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em
17.01.2016.
163
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros,
2004, p. 827.
69

Hely Lopes Meirelles164 acentua que “controle, em tema de Administração Pública, é a faculdade
de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de
outro”.
A rigor, o controle dos atos da Administração Pública pode ocorrer em quatro esferas: político-
legislativo, administrativo, jurisdicional e social.
O controle social é extremamente importante em um Estado Democrático de Direito, especialmente
em países que adotam a forma republicana de governar, ou seja, o povo, ao eleger seus representantes, delega
a estes o poder-dever de gerir a coisa pública. A Constituição Federal de 1988, no entanto, reservou
prerrogativas ao cidadão, as quais materializam o controle social. À guisa de exemplo, vale mencionar: o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, previstos no art. 14; legitimidade dos cidadãos para proporem
projeto de lei, conforme dispõem os artigos 61, par. 2º, 27, par. 4º e 29, inciso XIII; legitimidade ad causam
do cidadão para promover a Ação Popular, nos termos do art. 5º, inciso LXXIII, CF/88, que dispõe:

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

O diploma normativo que disciplina a Ação Popular é a Lei nº 4.717/65. Também a Ação Civil Pública
é um instrumento profícuo de controle social, a qual é regulada pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 165,
e traz em seu art. 5º o rol de legitimados para propô-la, entre eles estão as associações.
Sem olvidar de mencionar a possibilidade de a pessoa poder denunciar irregularidades ao Tribunal
de Contas, nos termos do art. 74, § 2º, CF/88, que dispõe:166“qualquer cidadão, partido político, associação ou
sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal
de Contas da União.
No contexto do controle externo insere-se a figura do Tribunal de Contas – órgão que auxilia o Poder
Legislativo a exercer o controle político e financeiro sobre as demais entidades e órgãos do Poder Público.
Atenção, este órgão tem a função institucional de auxiliar o Poder Legislativo, não se confundindo com órgão
auxiliar daquele Poder.
O Tribunal de Contas da União tem sede no Distrito Federal e jurisdição em todo o território nacional,
sendo formado por nove Ministros, conforme prescreve o art. 73, CF/88. Possui quadro próprio de pessoal,
admitidos por concurso público.

164
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Destro
Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Editora Malheiros, 2001. p. 624.
165
BRASIL. Poder Legislativo. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 18.01.2017.
166
Vale lembrar também a possibilidade de contribuição do indivíduo no processo de elaboração e de discussão das leis
orçamentárias, expresso no art. 48, par. único, da Lei Complementar 101/2000 (LR ).
70

A primeira Corte de Contas foi criada por meio do Decreto 966-A, de 1890, ou seja, no início do
primeiro governo republicano. Sendo constitucionalizada, por inciativa de Ruy Barbosa, no art. 89 da primeira
Constituição Republicana de 1891, que rezava:

Art. 89 - É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e


verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso.
Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do
Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença (grifo nosso).

Desde então, manteve-se em todas as demais Constituições brasileiras, recebendo destaque em


alguma delas como na Constituição Federal de 1946. Na Carta de 1967 sofreu retrocessos, mas na Constituição
de 1988 passou a desempenhar relevante função institucional.
O art. 71 da Constituição Federal de 1988 revela a importância do Tribunal de Contas como órgão em
auxílio do Congresso Nacional (vale ressaltar que os Estados e alguns municípios também possuem Tribunais
de Contas, para os quais se aplicam as regras deste dispositivo).
A rigor, o Tribunal de Contas é um órgão independente, que atua, no controle externo da Administração
Pública, para auxiliar o Parlamento, não sendo, portanto, órgão auxiliar deste, conforme já mencionado. Nesse
sentido, assevera Uadi Lammêgo Bulos167:

Os Tribunais de Contas são órgãos públicos e especializados de auxílio. Visam a orientar o


poder Legislativo no exercício do controle externo, sem, contudo subordinarem-se a ele. Por
isso, possuem total independência, cumprindo-lhe, primordialmente, praticar atos
administrativos de fiscalização.

No tocante à natureza jurídica das atribuições do Tribunal de Contas e, bem assim, a sua posição
institucional tem-se pelo menos dois posicionamentos.
A primeira corrente doutrinária, encampada por Roberto Rosas e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes,
defende a independência dos Tribunais de Contas. Nesse sentido, as atribuições podem ter natureza
administrativa ou jurisdicional (anômala). O fundamento constitucional para a função jurisdicional estaria no
art. 71, inciso II, CF/88, que dispõe sobre o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis
por dinheiro ou bem público. No mesmo diapasão, Pontes de Miranda e Rui Barbosa entendiam que a Corte
de Contas era um Tribunal sui generis e independente168, não estando vinculado a qualquer Poder.
A outra corrente, defendida pelo administrativista Hely Lopes Meirelles169, advoga queos Tribunais de
Contas não exercem atividade jurisdicional. Para Meirelles, as atribuiçõesdesses órgãos consubstanciam meras
“funções técnicas opinativas, verificadoras, assessoradoras e jurisdicionais administrativas”.

167
BULOS (2014), op. cit., p. 1235.
168
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil. Jurisdição e Competência. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2005, p. 140-153.
169
MEIRELLES (2001), op. cit., p. 662-663.
71

De fato, não parece haver consenso em relação à questão do papel e a natureza jurídica das atribuições
das Cortes de Contas. Nessa toada, pontua Leonardo de Andrade Costa170

a matéria é controvertida, o que é compreensível, uma vez que no Brasil cabe ao Poder
Judiciário exercer a função jurisdicional precipuamente, porém, deve-se ressaltar que não o faz
de forma exclusiva, na medida em que a própria Constituição prevê exceções ao exercício da
jurisdição pelo mencionado poder, conforme se extrai, por exemplo: 1. do art.52, incisos I e II,
nos quais está prevista a competência do Senado Federal para julgar, por crime de
responsabilidade, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional
Ministério Público; e 2. do art. 84, inciso XII, que prevê a concessão de indulto e a comutação
de pena pelo Chefe do Poder Executivo Federal.

As competências ou atribuições do Tribunal de Contas estão no indigitado art. 71, que dispõe, ipsis
litteris:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante
parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa
a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a
qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em
comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões,
ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato
concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de
Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a
União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas
Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e
inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa
proporcional ao dano causado ao erário;

170
COSTA, Leonardo de Andrade. Material Didático de Finanças Públicas – FGV Direito – Rio. Disponível em
http://direitorio.fgv.br. Acesso em 18.01.2017.
72

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao


exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à
Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso
Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não
efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia
de título executivo.
§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório
de suas atividades (grifo nosso).

De acordo com a Súmula nº 347 do STF, "o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode
apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público". Desse modo, embora o Tribunal de Contas
não tenha a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de um ato normativo em tese, isto é, em abstrato,
visto que se trata de competência do STF quando a impugnação ocorrer em face da Constituição Federal de
1988, ele, entretanto, pode, no caso concreto, reconhecer a falta de compatibilidade - formal ou material – de
uma lei ou ato normativo diante da Carta Maior de 1988.
A consequência deste reconhecimento de ilegitimidade constitucional do ato normativo é a de queo
Tribunal de Contas poderá afastá-lo na situação concreta, além de sustar outros atos praticados com
fundamento em leis ou atos normativos que afrontem a Constituição Federal de 1988, exegese do art. 71,
inciso X, CF/88.
Saliente-se que não cabe ao Tribunal de Contas julgar as contas dos Chefes do Poder Executivo, por
se tratar de competência exclusiva do Congresso Nacional, nos termos do art. 49, CF/88. O inciso I, do art.
71, deixa claro que cabe à Corte de Contas apenas examinar as contas e emitir parecer prévio.
A norma inserta no par.1º, do art. 71, dispõe que “no caso de contrato, o ato de sustação será adotado
diretamente pelo Congresso Nacional”. Pelo que se extrai desta normativa, não pode o Tribunal de Contas
sustar a execução do contrato, por se tratar de prerrogativa do Congresso Nacional. Ocorre, todavia, que se o
Congresso Nacional ou o Poder Executivo se mantiver inerte por mais de 90 dias, caberá ao Tribunal de Contas
decidir, nos termos do art. 71, par. 2º, CF/88.
É possível a representação de cidadãos, partidos políticos, associações e sindicatos junto ao Tribunal
de Contas, conforme estabelece o par. 2º, do art. 74, CF/88.
A forma de investidura dos Ministros do Tribunal de Contas está expressa no art. 73, CF/88:
§ 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que
satisfaçam os seguintes requisitos:
I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;
II - idoneidade moral e reputação ilibada;
III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração
pública;
73

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os
conhecimentos mencionados no inciso anterior.
§ 2º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:
I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois
alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal,
indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e
merecimento;
II - dois terços pelo Congresso Nacional (grifo nosso).

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 73, par. 3º, garante aos Ministros do Tribunal de
Contas as mesmas garantias,prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior
Tribunal de Justiça (STJ). Sendo-lhes direcionadas também as regras de aposentadoria e pensão, expressas no
art. 40.
Destaca-se também o disposto no art. 75, CF/88, o qual prevê ainda a existência de Tribunais de Contas
dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, ao determinar que a estes sejam aplicadas as normas de
organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas da União.
No que diz respeito à prestação de contas por parte daquele que utiliza dinheiro público, ensina José
Afonso da Silva, que se trata de um “princípio fundamental da ordem constitucional brasileira (art. 34, VII, d,
CF/88)”. E complementa o constitucionalista pátrio171:

Todo os administradores e demais responsáveis pelos dinheiros, bens e valores públicos estão
sujeitos à prestação e tomada de contas pelo sistema de controle interno, em primeiro lugar, e
pelo sistema de controle externo, depois, através do Tribunal de Contas (arts. 70 e 71). Isso se
aplica à administração direta e indireta, assim como às fundações e sociedades instituídas e
mantidas pelo Poder Público. Finalmente, é obrigação constitucional do Presidente da
República (como dos Governadores de Estado e Prefeitos Municipais) prestar anualmente, ao
Poder Legislativo, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas
referentes ao exercício anterior, e, se não o fizer caberá à Câmera dos Deputados (Assembleias
Legislativas, nos Estados, e Câmaras Municipais, nos Municípios) proceder a tomada de contas
(art. 51, II).

Ou seja, a fiscalização do uso de dinheiro público perpassa pelo controle interno e externo de
algumas instituições e em especial do Tribunal de Contas, a quem a Constituição de 1988 outorgou a missão
de auxiliar, no controle externo, o Congresso Nacional, no âmbito federal,enquanto que no âmbito estadual
fica sob responsabilidade dos Tribunais de Contas dos Estados a tarefa de auxiliar a Assembleia Legislativa
respectiva.
A fiscalização se dá nos níveis contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial da
Administração Direta e Indireta, tendo como premissa a observância dos princípios da legalidade, legitimidade
e economicidade (art. 70, CF/88).

171
SILVA (2005), op. cit., p. 749.
74

Também são passíveis de controle qualquer pessoa física ou jurídica – pública ou particular –
que“utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária” (par. único, art.70, CF/88).
Quanto à possibilidade de existência de Tribunais de Contas Municipais, dispõe o art. 31, par. 1º,
CF/88:

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de
Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios,
onde houver.

A leitura do mencionado dispositivo constitucional merece atenção, especialmente em relação à


expressão “onde houver”. Será que isso significa que nem todos os municípios têm Tribunal de Contas?
Verifica-se então o disposto no art. 31, par. 4º, CF/88, que reza: “é vedada a criação de Tribunais,
Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.
Agora parece que ficou mais confuso, porquanto o par. 1º indica a possibilidade de existência de Corte
de Contas Municipal e logo abaixo o par. 4º do mesmo artigo veda a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos
de Contas Municipais.
Por isso a importância de se saber interpretar o texto! O que o par. 1º indica é que o controle externo
realizado pela Câmara dos Vereadores será exercido com o auxílio da Corte de Contas pré-existente à Carta
de 1988. Ou seja, a partir da promulgação do texto constitucional de 1988 só serão legitimados os Tribunais
de Contas municipais criados antes de 1988. Após a vigência da Constituição não poderão os municípios criar
Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas, nos termos do par. 4º, do art. 31, CF/88.
Atualmente há os Tribunais de Contas Municipais que existiam antes da Constituição de 1988, são
eles: Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, Tribunal de Contas dos Municípios do Pará, Tribunal de
Contas dos Municípios de Goiás, Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará172, Tribunal de Contas do
Município do Rio de Janeiro e Tribunal de Contas do Município de São Paulo173.
Com efeito, as Cortes de Contas de São Paulo e do Rio de Janeiro exercem suas atribuições apenas no
âmbito de seus respectivos municípios, as demais abrangem mais de um município de seus estados. Devo fato,
hoje existe no Brasil apenas dois tribunais de contas municipais, o de São Paulo e o do Rio de Janeiro. Na
grande maioria, o controle das contas municipais é feito com o auxílio do Tribunal de Contas do estado onde

172
A Assembleia Legislativa do Ceará por meio da Emenda à Constituição Estadual nº 87/2016 extinguiu o Tribunal de Contas dos
Municípios do Ceará. Para impugnar a emenda, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil propôs a ADI nº
5638. No bojo da ação, a ministra Carmen Lúcia, do STF, concedeu liminar no dia 28.12.2016 para suspender os efeitos da emenda
à Constituição do estado do Ceará que extingue o Tribunal de Contas dos Municípios. Vide AGÊNCIA BRASIL. Disponível em
http://agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso em 18.01.2017.
173
FERNANDES, Jacoby. Deputados do Ceará decidem extinguir Tribunal de Contas dos Municípios. Disponível em
<http://www.jacoby.pro.br/novo/noticia.php?id=3553>. Acesso em 23.12. 2016.
75

está localizado o município. Em outros lugares, conforme esclarece José Afonso da Silva174, foram criados
Conselhos de Contas Municipais, sendo, entretanto, órgãos estaduais.
Aos Tribunal de Contas Municipais, aplica-se naquilo que couber as normas que disciplinam o
Tribunal de Contas exercido em âmbito federal, é o determina o o art. 75, da CF/88.
Vale destacar que, recentemente, o STF por meio do julgamento dos Recursos Extraordinários (REs)
848826 e 729744, firmou o entendimento no sentido de que é competência das Câmaras Municipais julgar as
contas dos prefeitos e não do Tribunal de Contas, assim tem-se na jurisprudência175:

Para os fins do artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990, a apreciação das
contas de Prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras
Municipais, com auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente
deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores. (STF. Plenário. RE 848826/DF,
rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
10/8/2016) (repercussão geral) (Info 834).

A fiscalização e a função legisferante, tratam-se de funções típicas do poder legislativo, dessa forma,
estas mesmas funções foram atribuidas a poder legislativa à nível Municipal, exercido através da Câmara de
Vereadores. Assim, dispõe o art. 31, § 2º, da CF/88:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante
controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma
da lei.(...) § 2º - O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito
deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da
Câmara Municipal.

Entende-se portanto, que o controle em âmbito municipal, o controle de contas, inicialmente se dá com o parecer
prévio emitido pelo Tribunal de Contas. Este, após examiná-las, emite um parecer, que é enviado ao poder legislativo
municipal (Câmara dos Vereadores), o qual poderá acolher ou afastar as conclusões do Tribunal de Contas. Caso a
Câmara decida por afastar as conclusões emitidas pelo parecer do Tribunal de Contas, exige-se o voto de pelo menos
2/3 dos vereadores, conforme disposição do próprio dispostivo constitucional acima citado. Sendo assim, no julgsmento
do RE 729744/MG, já se posicionou:

Parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa,
competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do chefe
do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo.
(STF. Plenário. RE 729744/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/8/2016 (repercussão
geral) (Info 834).

Caso as contas prestadas pelo Prefeito sejam rejeitadas pela Câmara dos Vereadores, como consequência,
tem-se a inelegibilidade do Prefeito, nos termos do art. 1º, I, “g”, da LC 64/1990. Destaca-se que o mero parecer

174
SILVA (2005), op. cit., p. 757-758.
175
Competência para julgamento das contas dos Prefeitos e sua repercussão na inelegibilidade. In: Dizer Direito, 02 de março
de 2016. Autor desconhecido. Diposnível <https://www.dizerodireito.com.br/2016/09/competencia-para-julgamento-das-
contas.html> Acesso em 05.08.2018
76

emitido pelo Tribunal de Contas, por ter caráter meramente opinitativo, não gera as mesmas consequências. Por
esta razão, ressalta-se que, se o parecerr emitido pelo Tribunal de Contas opinar pela rejeição das contas prestadas
pelo Prefeito, mas o poder lesgilativo local decicidir pela aprovação destas, afasta-se a sua inelegibilidade e ele
poderá concorrer sem nenhum impedimento nas eleições.
Nesta hipótese, ainda que o parecer emitido pelo Corte de Contas, não tenha o condão de afastar a
inelegibilidade do prefeito, este através dos fatos apurados no processo político-administrativo pelo respectivo
Tribunal, podem dar ensejo à sua responsabilização civil, criminal ou administrativa do, medidas que poderão ser
tomadas pelo Ministério Público, por exemplo.
Outro ponto interessante envolvendo a atuação do Tribunal de Contas diz respeito à legitimidade ou
não deste órgão para expedir medidas cautelares com o objetivo de resguardar possíveis danos ao erário ou a
direitos e bem assim garantir a efetividade das suas decisões.
Conforme esclarecem Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo176:

[...] o fato de o art. 71 da Constituição de 1988 haver conferido explicitamente ao TCU inúmeras
competências próprias obriga ao reconhecimento de que também lhe foram, implicitamente,
assegurados os meios necessários ao integral desempenho delas, dentre os quais a concessão de
medidas cautelares, quando isso for indispensável à neutralização imediata de situações de
lesividade ao interesse público ou à garantia da utilidade prática de suas deliberações finais.

Sobre esta questão também se manifestou o STF. Nesse sentido, vale trazer a lume parte textual do
voto do Ministro Gilmar Mendes, que foi relator no Mandado de Segurança nº 33.092 –DF177:

[...] vale destacar que a jurisprudência desta Corte reconhece assistir ao Tribunal de Contas um
poder geral de cautela, que se consubstancia em prerrogativa institucional decorrente das
próprias atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas para seu
adequado funcionamento e alcance de suas finalidades. É o que restou consignado por esta
Corte, por exemplo, no julgamento do MS 24.510/DF, Plenário, rel. min. ELLEN GRACIE, DJ,
19.03.2004. Nesse julgado, o ministro Celso de Mello acentuou, com propriedade, a importância
da legitimidade constitucional dada ao TCU para adotar medidas cautelares destinadas a
conferir real efetividade às suas deliberações finais, de modo a permitir que possam ser
neutralizadas situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário

Constata-se, portanto, que a Suprema Corte de Justiça brasileira reconhece a legitimidade dos
tribunais de contas para expedir cautelares quando a situação assim o exigir. Esclarece ainda em seu voto o
Ministro Gilmar Mendes que o TCU fundamentou seu poder de cautela para decretar a indisponibilidade dos
bens do impetrante com o art. 44, par. 2º, alínea d, da Lei nº 8.443/92, que dispõe sobre a estrutura do Tribunal
de Contas da União (lei orgânica do TCU). O mencionado dispositivo reza:

176
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 15ª Ed. São Paulo: Editora Forense.
2016, p. 478.
177
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 33.092 –DF. Julgado em 24.03.2015. Disponível em
www.stf.jus.br. Acesso em 18.01.2017.
77

Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do


Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se
existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar
ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar
o seu ressarcimento.
§ 1° Estará solidariamente responsável a autoridade superior competente que, no prazo
determinado pelo Tribunal, deixar de atender à determinação prevista no caput deste artigo.
§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o
Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo
não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos
considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração (sem grifo no
original).

Pela lei em tela, o Tribunal de Contas pode fazer uso de medidas cautelares mesmo sem ouvir
antes a parte (inaudita altera parte), visto que o que se objetiva com a medida acautelatória é resguardar o
interesse público que está em jogo.

III. 5. ESTUDO DE CASO

O Tribunal de Contas da União, auxiliando o Parlamento Nacional, ao fiscalizardeterminada instituição


financeira federal determinou a quebra de sigilo bancário de terceiros que fazem transações com a referida
instituição.
Inconformada e alegando ilegalidade e abuso de poder por parte do TCU a instituição financeira
impetra Mandado de Segurança.
Nesses termos, reflita e responda as seguintes questões:
1. Quem deve examinar e julgar o MS? Por quê? Fundamente.
2. Explicite o poder de cautela do TCU e analise se ele alcança a quebra de sigilo financeiro de terceiros
que negociam com a instituição financeira, objeto de fiscalização.

III. 6. QUESTÕES OBJETIVAS:

1- (OAB 2010.3) O controle externo financeiro da União e das entidades da administração federal direta
e indireta é atribuição do Congresso Nacional, que o exerce com o auxílio do Tribunal de Contas da
União. É competência do Tribunal de Contas da União.
a) apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante a emissão de
parecer prévio, que só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros do Congresso Nacional.
b) sustar contratos administrativos em que seja identificado superfaturamento ou ilegalidade e
promover a respectiva ação visando ao ressarcimento do dano causado ao erário.
78

c) aplicar aos responsáveis por ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas multa sancionatória,
em decisão dotada de eficácia de título executivo judicial.
d) fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, ajuste ou
outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município.

2 - (OAB 2010.2) Considerando que nos termos dispostos no art. 133 da Constituição do Brasil, o
advogado é indispensável à administração da justiça, sendo até mesmo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, é correto afirmar que:
a) a imunidade profissional não pode sofrer restrições de qualquer natureza.
b) nenhuma demanda judicial, qualquer que seja o órgão do Poder Judiciário pelo qual tramite,
independentemente de sua natureza, objeto e partes envolvidas, pode receber a prestação jurisdicional se não
houver atuação de advogado.
c) a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho é assegurada nos termos da lei, não sendo
vedadas, contudo, a busca e a apreensão judicialmente decretadas, por decisão motivada, desde que realizada
na presença de representante da OAB, salvo se esta, devidamente notificada ou solicitada, não proceder à
indicação.
d) a prisão do advogado, por motivo de exercício da profissão, somente poderá ocorrer em flagrante,
mesmo em caso de crime afiançável.

3 - (OAB - SP 2007.3) A prestação da “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”, prevista na Constituição da República como direito fundamental, é
incumbência precípua
a) do Ministério Público
b) da Defensoria Pública
c) da Advocacia-Geral da União
d) das Procuradorias dos Estados e Municípios.

4 - (OAB - 2011 - VI Exame de Ordem Unificado) A respeito da Advocacia Pública, assinale a alternativa
correta.
a) São princípios institucionais das Procuradorias dos Estados a unidade e a indivisibilidade. Como
consequência, é inconstitucional lei estadual que crie Procuradoria-Geral para consultoria, assessoramento
jurídico e representação judicial da Assembleia Legislativa.
b) A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, nomeado pelo Presidente
da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela
maioria absoluta do Senado Federal.
79

c) Aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, que ingressarem na carreira mediante concurso
público, é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação periódica de
desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
d) Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União não caberá à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

5 - (TRF 9ª 2013 - FCC - Técnico Judiciário - Área Administrativa) Considere as assertivas


concernentes ao Ministério Público:
I. São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
II. O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado após a aprovação
de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, vedada a
recondução.
III. Constitui vedação ao membro do Ministério Público, dentre outras, exercer a advocacia.
IV. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente
da República.
Nos termos da Constituição Federal, está correto o que se afirma APENAS em:
a) I, III e IV
b) I e II
c) III e IV
d) I, II e IV
e) II e III.

6 - (TST 2012 - FCC - Técnico Judiciário Área Administrativa) Ao discorrer sobre os princípios
constitucionais que devem informar a atuação do Ministério Público, Pedro Lenza afirma que o acusado
"tem o direito e a garantia constitucional de somente ser processado por um órgão independente do
Estado, vedando-se, por consequência, a designação arbitrária, inclusive, de promotores ad hoc ou por
encomenda" (Direito Constitucional Esquematizado - Saraiva - 2011 - p. 766). Trata-se do princípio:
a) da inamovibilidade do membro do Ministério Público.
b) da independência funcional do membro do Ministério Público.
c) da indivisibilidade do Ministério Público.
d) da unidade do Ministério Público
e) do promotor natural.

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO III


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CAPÍTULO IV

ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO

IV.1. Noção introdutória

A concepção de separação de poderes, especialmente, em executivo, legislativo e judiciário, não


encontra uniformidade entre os estudiosos do tema. No Brasil, por exemplo, é possível verificar, ao se
examinar as Cartas Constitucionais, que a extensão do conteúdo do Princípio da Separação de Poderes variou
em alguns momentos da história constitucional pátria.
Nesse sentido pontuam Joaquim Falcão e Marcelo Lennertz178que a Constituição Imperial de 1824 não
mencionava de forma expressa a independência dos poderes, que na época eram quatro: Executivo,
Legislativo, Judicial e Moderador. Já a primeira Carta Constitucional republicana de 1891, espelhada no
constitucionalismo norte americano, adotou a concepção dos três poderes, os quais seriam harmônicos e
independentes entre si.
Na sequência, a Constituição Federal de 1934 substituiu o termo “harmônicos” da Carta anterior pela
expressão “coordenados entre si”. Já na Constituição de l937, ressaltam Falcão e Lennertz179:

[...] percebe-se um retrocesso no caminho rumo à efetiva independência dos Poderes: o Poder
Executivo, representado na figura do Presidente Getulio Vargas, encontra-se excessivamente
fortalecido se comparado com os outros dois.

A quinta Carta Magna brasileira de 1946 recupera a ideia de independência e harmonia entre os
Poderes, os quais foram definitivamente separados.

178
FALCÃO, Joaquim; LENNERTZ, Marcelo. Separação dos Poderes: Harmonia ou Competição? – Joaquim Falcão e Marcelo
Lennertz. Disponível em http://joaquimfalcao.com.br. Acesso em 17.12.2016.
179
Idem. Ibidem.
82

No entanto, a realidade constitucional brasileira, conforme sua historicidade revela, vive um constante
devir, ora positivamente no tocante à tutela dos direitos fundamentais, ora um retrocesso - este verificado na
Constituição de 1967/69. Com relação a esta Carta asseveram Falcão e Lennertz180:

Em l967/69, embora textualmente – e circunstancialmente – os Poderes fossem três, apenas um,


na realidade, detinha o monopólio da estruturação institucional do poder estatal. Através dos
atos institucionais o Poder Executivo suplantou, no regime autoritário, a Constituição como e
quando quis. A Constituição foi hidra – ou pirâmide – de duas cabeças.

Por fim, chega-se a “Constituição Cidadã de 1988”, como a denominou o ex-deputado Ulisses
Guimarães (Presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1985), a qual representa um marco no
constitucionalismo brasileiro no tocante aos direitos e garantias fundamentais181., estabelecendo de forma
expressa o princípio da separação de poderes em seu art. 2º, in verbis:“são Poderes da União, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”
A função judicante atribuída de forma precípua ao Poder Judiciário ganha relevo especialmente a partir
da Constituição Federal de 1988, que traz um significativo rol de direitos e garantias fundamentais, os quais,
em muitas situações dependem da atuação efetiva deste Poder para a sua proteção ou o seu exercício.
O papel institucional do Poder Judiciário revela-se importante, pois cumpre a ele garantir a efetividade
de valores e direitos fundamentais de caráter individual ou metaindividual, e, bem assim, garantir a correta
aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais, buscando a solução de conflitos entre particulares,
entre estes e o Estado e até mesmo entre entidades do próprio Poder Público.
O Poder Judiciário, conforme delineado pela Carta Magna de 1988, tem autonomia e independência,
o que lhe garante mais liberdade para decidir questões relevantes no cenário social. Nesse sentido, preleciona
Uadi Lammego Bulos182 que a independência e imparcialidade deste Poder “são uma garantia dos cidadãos,
porque ao Judiciário incumbe consolidar princípios supremos e direitos fundamentais, imprescindíveis à
certeza e segurança das relações jurídicas”.
De fato, cumpre ao Poder Judiciário, em sua função precípua (julgar) não apenas resolver conflitos
entre os atores sociais, mas também garantir a força das normas jurídicas e a supremacia do texto
constitucional.
A Justiça brasileira, sob uma perspectiva classificatória, divide-se em Justiça Comum e Justiça
Especial. A Justiça Comum engloba a Justiça Federal e a Justiça Estadual. Já a Justiça Especial (especializada)
dedica-se a matérias específicas examinadas na Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar.

180
Idem. Ibidem.
181
CARLI, Ana Alice De. Bem de família do fiador e o direito fundamental à moradia. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009.
182
BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2014, p. 1279.
83

IV.1.2. Funções típicas e atípicas

Todos os poderes do Estado possuem funções típicas e atípicas, ou seja, detêm uma função precípua -
inerente à sua finalidade - e outras decorrentes do Princípio do Cheking and Balances (controle recíproco entre
os poderes) e das necessidades práticas. No caso do Poder Judiciário é exemplo da função atípica
administrativa organizar o seu corpo de servidores, realizar concursos, aplicar medidas disciplinares. Vale
destacar também que a expedição de precatório por parte do presidente de um tribunal decorre da função
administrativa e não judicial, visto que tal ato tem natureza jurídica de ato administrativo.
O Poder Judiciário, além de exercer a prestação jurisdicional e de fazer o controle formal de
constitucionalidade, exerce funções legislativa e administrativa. Nesse sentido, explica Uadi Lammego
Bulos183:

[...] desempenha função legislativa quando edita normas regimentais, porque lhe cabe elaborar
seus regimentos internos, com base nas normas processuais e nas garantias individuais e
metaindividuaisdas partes, dispondo acerca da competência e do funcionamento de seus corpos
internos.De outra parte, exerce função administrativa, no momento que concede férias aos juízes
e serventuários, organiza o quadro de pessoal, provendo cargos de carreira na respectiva
jurisdição.

Ou seja: a Constituição Federal de 1988, ao organizar a estrutura de cada Poder, prescreve


atribuições que ultrapassam a função precípua de cada um.

IV.1.3. Tribunais e instâncias

Para melhor realizar a prestação jurisdicional o Poder Judiciário estrutura-se em instâncias. Desse
modo tem-se a 1ª Instância, onde, em regra, iniciam-se os processos (ex. Varas de Família, Vara de Fazenda
Pública, Vara Empresarial, Vara de Órfãos e Sucessões, Juizados Especiais).
Logo acima dos juízes singulares está a 2ª Instância, na qual, em geral, são apreciados os recursos ou
as ações afetas à competência do Pleno ou do Órgão Especial dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais
Regionais Federais, no caso de Justiça Comum.
Depois vem a 3ª Instância - também denominada de Instância Especial ou Instância Superior -, a
qual compreende os tribunais superiores: Superior Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal Militar (STM),
Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
E, por fim, a ÚLTIMA INSTÂNCIA, em que se situa o Supremo Tribunal Federal (STF), detendo
várias funções, conforme será visto.
Desse modo, há uma classificação da estrutura do Poder Judiciário em instâncias ou graus de
jurisdição, que corresponde à divisão funcional vertical da estrutura do Poder Judiciário,e a outraa

183
BULOS (2014). Op. Cit., p. 1279-1080).
84

classificação que separa a atuação deste poder em Justiça Comum e Justiça Especializada. Trata-se, aqui, de
umadivisão funcional horizontal da estrutura do Poder Judiciário.
A Constituição Federal de 1988 estabelece os órgãos do Poder Judiciário, são eles: Supremo Tribunal
Federal (STF); Conselho Nacional de Justiça (este incluído pela emenda constitucional nº 45/2004); Superior
Tribunal de Justiça (STJ); Tribunais Regionais Federais (TRF), Tribunais e Juízes do Trabalho; Tribunais e
Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares e os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios, ex vi art. 92, inciso I-A, CF/88184.
O órgão máximo do Poder Judiciário, ou seja, o “órgão de cúpula”, como se refere Uadi
Lammego Bulos185, é o Supremo Tribunal Federal (STF), sendo, nos termos do art. 102, CF/88, o guardião da
supremacia e da força normativa do texto constitucional vigente. Ao STF cabe, além do controle de
constitucionalidade, o exame e a decisão sobre questões envolvendo autoridades públicas. Nesse sentido, a
Carta Constitucional de 1988 estabelece como atribuições da Suprema Corte de Justiça, ex vi do art. 102, I:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-
lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do
Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os
membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão
diplomática de caráter permanente;
d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de
segurança e ohabeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio
Supremo Tribunal Federal;
e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito
Federal ou o Território;
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e
outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for
autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal
Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 22, de 1999)
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de
atribuições para a prática de atos processuais;
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados,
e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta
ou indiretamente interessados;

184
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponivel em https://www.planalto.gov.br. Acesso em
17.12.2016.
185
BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 1307.
85

o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre


Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do
Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das
Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais
Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público;
(Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (grifo nosso).

No que se refere ao disposto no inciso I, alínea b, do artigo supra transcrito - que trata da competência
do STF para julgar casos de infrações penais comuns praticados pelo Chefe do Poder Executivo Federal, seu
vice, pelos parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, há de se acrescentar nesta
competência, por força de uma interpretação sistemática, também o Chefe da Advocacia Geral da
União(Advogado Geral da União (AGU), visto que o mesmo possui status de Ministro de Estado, em razão
de alteração legislativa na Lei nº 10.683/2003 (dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos
Ministérios), pela Lei nº 12.462, de 2011.
A rigor, a Lei nº 12.462, de 2011, que alterou a Lei nº 10.683/2003, elevou ao patamar de ministros de
Estado, além do AGU, os seguintes titulares de órgãos federais: o Chefe do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República; o Chefe da Controladoria-Geral da União e o Presidente do Banco
Central do Brasil, conforme se constata no art. 25, par. único do diploma legal nº 10.683/2003.
Mas as competências constitucionais não param no inciso I, cabendo-lhe também, consoante dispõem
os incisos II e III, do art. 102, CF/88:

II - julgar, em recurso ordinário:


a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos
em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;
b) o crime político;
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004).

Por fim, compete ao STF conhecer e julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão,
art. 103, par.2º, e de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, decorrente desta Constituição,
art. 102, par. 1º, CF/88.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), também denominado de “Tribunal da Cidadania”, surgiu com a
Constituição Federal de 1988, é composto por 33 ministros, os quais são nomeados pelo Presidente da
República, depois de prévia aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, nos termos do art. 104, par.
único, CF/88.
86

O STJ tem como missão institucional basilar tutelar e uniformizar a interpretação da lei federal em
todo o Brasil. Cabendo-lhe também, nos termos do art. 105, da Carta de 1988:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que
oficiem perante tribunais;
b) os mandados de segurança e os habeas datacontra ato de Ministro de Estado, dos
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na
alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou
Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral;
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I,
"o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais
diversos;
e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas
decisões;
g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre
autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre
as deste e da União;
h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de
órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos
de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça
Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas
rogatórias;
II - julgar, em recurso ordinário:
a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais
ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for
denegatória;
b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais
ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;
c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e,
do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios,
quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (grifo nosso).

Ainda funcionam dentro da estrutura do STJ, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de


Magistrados e o Conselho da Justiça Federal (este tem a função institucional de fazer a “supervisão
administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema
e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante”, ex vi art. 105, par. único, incisos I e II,
CF/88.
87

No tocante à Justiça do Trabalho, vale trazer alguns aspectos relevantes que justificam a sua
existência. Conforme preleciona João Baptista Herkenhoff186:

A afirmação dos “direitos sociais” derivou da constatação da fragilidade dos “direitos liberais”,
quando o homem, a favor do qual se proclamam liberdades, não satisfez ainda necessidades
primárias: alimentar-se, vestir-se, morar, ter condições de saúde, ter segurança diante da doença,
da velhice, do desemprego e dos outros percalços da vida.

A liberdade tão decantada no Século XVIII como um direito de defesa do indivíduo em face do
Estado, implicando menor (ou nenhuma) intervenção do Estado na seara privada, e que culminou com o
surgimento da primeira dimensão de direitos fundamentais (direitos civis e políticos), acabou gerando
desigualdade sob a perspectiva material, o que ensejou o surgimento de outra dimensão de direitos, os sociais
( ressalte-se que as dimensões dos direitos serão trabalhadas no capítulo próprio dos direitos e garantias
fundamentais desta apostila).
No âmbito constitucional duas constituições merecem destaque no tocante ao reconhecimento expresso
de direitos sociais. A Constituição mexicana de 1917 foi a primeira a contemplar os direitos trabalhistas com
a qualidade de fundamentais, conforme se extrai dos art.5º e 123, do referido diploma. A Constituição alemã
de 1919, por sua vez, também previu um rol de direitos sociais, entre eles estão os direitos à proteção e
assistência à maternidade (arts. 119, § 2º, e 161); direito à educação da prole (art. 120); direito à aposentadoria
e direito ao ensino de arte e ciência (art. 142) etc.
No Brasil, os direitos sociais começaram a ser reconhecidos constitucionalmente de forma gradual, a
partir da Constituição Federal de 1934 - influência da Constituição de Weimar (alemã) - que criou capítulo
próprio da ordem econômica e social.
Mas foi com a Constituição Federal de 1988 que os direitos sociais ganharam relevo e passaram a ser
reconhecidos. E para dar mais efetividade a uma parcela desses direitos sociais, a Justiça do Trabalho tem
relevante missão institucional.
Os órgãos que compõem a Justiça do Trabalho no Brasil estão perfilados no art. 111, CF/88, in verbis:

Art. 111. São órgãos da Justiça do Trabalho:


I - o Tribunal Superior do Trabalho;
II - os Tribunais Regionais do Trabalho;
III - Juizes do Trabalho.

Os juízes do trabalho atuam nas varas trabalhistas (art. 116, CF/88), as quais substituíram as juntas do
trabalho. Tal mudança ocorreu com a Emenda à Constituição nº 24/99.

186
HERKENHOFF, João Baptista.Gênese dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Editora Santuário, 2002, p. 51-52.
88

O art. 114, CF/88, que traz o rol de competências da Justiça do Trabalho, foi modificado pela
Emenda à Constituição nº 45/2004. Observação importante se faz necessária quanto à redação do inciso I,do
referido dispositivo, que dispõe:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


I. as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (grifo nosso).

O dispositivo em comento trouxe para o âmbito da Justiça do Trabalho matérias não afetas à sua
competência, implicando necessidade de manifestação do STF sobre o controle de constitucionalidade da EC
nº 45/2004neste aspecto. E desse modo, na ADI nº 3.395 – DF, proposta pela Associação dos Juízes Federais
do Brasil – AJUFE, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, o Pleno da Suprema Corte brasileira decidiu, por
maioria, suspender187:

[...] toda e qualquer interpretação do inciso I do art. 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que
inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o
Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de
caráter jurídico-administrativo.

Em outras palavras, o STF deu interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto,
reconhecendo que para as causas de relação de trabalho envolvendo servidor estatutário ou contrato temporário
pelo regime administrativo é incompetente a Justiça do Trabalho, cabendo à Justiça Comum. Nesse caso, se o
servidor for federal, a ação deverá ser proposta na Justiça Federal, se o servidor for estadual, a Justiça
competente será a estadual.
Na segunda instância, também denominada de segundo grau de jurisdição, estão os Tribunais dos
Estados, os Tribunais Regionais Federais (Justiça Comum), os Tribunais Regionais do Trabalho e os Tribunais
Regionais Eleitorais.
A estrutura e a organização dos Tribunais de Justiça, nos termos do art. 125, CF/88, são atribuições
dos Estados, observando, por simetria, os princípios esculpidos na Constituição Federal de 1988, a qual é a
regra matriz para todas as Constituições Estaduais e para os atos normativos infraconstitucionais.
De acordo com o art. 93, inciso XI, CF/88, os tribunais, que tiverem quadro com mais de vinte e cinco
julgadores, poderão instituirum órgão especial, o qual deve ter no mínimo onze e no máximo de vinte e cinco
membros. Tal órgão, por delegação da competência do Tribunal Pleno, exercerá atividades de natureza
administrativa e jurisdicional.
Conforme será visto no capítulo sobre os aspectos do controle de constitucionalidade no Brasil desta
apostila, a Constituição Federal de 1988 prevê o controle em abstrato/concentrado no âmbito estadual. Trata-

187
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 19.01.2017.
89

se do controle de normas jurídicas estaduais e municipais em face da Constituição estadual (art. 125, par. 2º,
CF/88).
Há também previsão no art. 125, par. 3º, CF/88, de os Estados instituírem a Justiça Militar estadual.
Vale ressaltar que a Constituição trata como uma faculdade dos Entes Políticos a criação de uma justiça militar.
A função da Justiça Estadual é examinar e julgar conflitos envolvendo policiais militares do respectivo
estado. Nesse sentido, dispõe o art. 125, par. 5º, CF/88:

§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os


crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e
julgar os demais crimes militares (grifo nosso).

Atualmente há apenas três tribunais militares. São eles: o Tribunal Militar do Rio Grande do Sul (criado
em 1918, com a denominação de Conselho de Apelação); o Tribunal Militar de São Paulo e o Tribunal Militar
de Minas Gerais188.
No âmbito federal, a Justiça Militar da União - considerada a mais antiga do país, com cerca de 200
anos – passou a integrar o Poder Judiciário a partir da Carta Constitucional de 1934. A missão institucional
desta justiça especializada é conhecer e julgar questões envolvendo os militares federais da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, com jurisdição em todo o território nacional.
Nos termos do art. 122, CF/88, compõem a Justiça Militar, o Superior Tribunal Militar (STM) e os
Tribunais e Juízes Militares criados por lei.
O órgão de cúpula da Justiça Militar é o Superior Tribunal de Justiça (STM), cujo corpo de quinze
ministros é escolhido pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal. As nomeações
seguem a seguinte ordem, de acordo com o art. 123, CF/88: a) três dentre oficiais-generais da Marinha; b)
quatrodentre oficiais-generais do Exército; c) trêsdentre oficiais-generais da Aeronáutica e d) cincodentre
civis. Com efeito, os oficiais deverão estar em exercício, ou seja, não pode ser nomeado um aposentado.
Os demais servidores dos Tribunais de Justiça Militar são investidos no cargo após aprovação em
concurso público.
A Justiça Eleitoral também integra a justiça especializada federal, cujas regras estão previstas na
Constituição de 1988, nos arts. 118 a 121. São órgãos desta, o Tribunal Superior Eleitoral; os Tribunais
Regionais Eleitorais; os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais.
A composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é de no mínimo sete ministros. Sendo que o
processo de investidura é dúplice, ou seja, 5 ministros são escolhidos por voto secreto, na proporção de três

188
SOUZA, Octavio Augusto Simon de. A Justiça Militar hoje. Disponível em http://www.amajme-sc.com.br. Acesso em
19.01.2017.
90

dentre os ministros do STF e dois advindos do corpo de ministros do STJ (art. 119, inciso I, alíneas a e b,
CF/88). Outros dois serão nomeados pelo Presidente da República, a partir de uma lista sêxtupla de “seis
advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal”, (art. art.
119, inciso II, CF/88 ).
O Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral serão escolhidos por eleição realizada
pelo próprio Tribunal, dentre os ministros do STF. Por outro lado, o Corregedor Eleitoral será um dos ministros
do STJ (art. art. 119, par. único, CF/88).
Assim como a Justiça Comum, a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral também possui Tribunais
Regionais, que funcionam como órgãos de segunda instância da Justiça. Consoante dispõe o art. 120, CF/88,
em cada capital de Estado e no Distrito federal haverá um Tribunal Regional Eleitoral.
Por fim, oportuno destacar a função institucional dos Juizados Especiais Federais e Estaduais. Aqueles
disciplinados pela Lei nº 10.259/2001189, QUE trata de matérias de natureza cível e penal de âmbito federal.
Desse modo, nos termos do art. 2º, do diploma legal em tela, “compete ao Juizado Especial Federal Criminal
processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo,
respeitadas as regras de conexão e continência”. O art. 3º, por sua vez, trata da competência cível dos Juizados
Especiais Federais, a quem cabe conciliar e julgar causas de valoraté sessenta salários mínimos, além de realizar
a execução de suas próprias sentenças. Das decisões dos juízes dos Juizados Especiais cabe recurso à Turma
Recursal.
Os Juizados Especiais Estaduais, a seu turno, são regulados pela Lei nº 9.099/95190. Tais órgãos de
Justiça são criados por lei de cada Estado instituidor. Podem ser ajuizadas ações de pequeno valor, ou seja,
causas que não excedam 40 salários mínimos (nos Juizados Federais o limite é de 60 salários mínimos), e outras
desde que não haja necessidade de perícia, o que inviabilizaria o rito célere desta via judicial.
Vale destacar que nas ações propostas nos Juizados Especiais Estaduais de até 20 salários mínimos, a
parte pode demandar sem a assistência do advogado, nos limites traçados pela Lei nº 9.099/95, em seu art. 9º:
“nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas
por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”.
Os Municípios não possuem em sua estrutura o Poder Judiciário, apenas os Poderes Executivo e
Legislativo. O que há nos Municípios, de acordo com a estrutura organizacional do Judiciário, são órgãos das
Justiças Estaduais e Federais, que, para melhor atender as demandas locais dos cidadãos, são criados e
instalados nas cidades.

IV.1.4. Forma de investidura dos juízes de primeira instância e de segunda instância

189
BRASIL. Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 19.01.2017.
190
BRASIL. Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995.. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 19.01.2017.
91

Pela normativa constitucional de 1988, em regra, o ingresso em cargo público só ocorre mediante
aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, inciso II, que dispõe in verbis:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso


público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo
ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração (grifo nosso).

Nessa sistemática-constitucional,a investidura na carreira da magistratura em primeiro grau de


jurisdição (primeira instância da justiça) depende da aprovação em concurso público de provas e títulos (estes
correspondem às atividades profissionais, acadêmicas e autorais do candidato). Nesse sentido prescreve o art.
93, inciso I, CF/88, ipsis litteris:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto
da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público
de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases,
exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-
se, nas nomeações, à ordem de classificação.

O diploma normativo a que se refere o caput do art. 93 acima transcrito é a Lei Complementar nº
35, de 14 de março de 1979.
A forma de promoção do magistrado também está estabelecida no texto da Constituição de
1988, além de outras regras disciplinadoras da atividade deste profissional. Nesse aspecto, os juízes eleitorais
possuem uma peculiaridade, pois eles, na verdade, são magistrados dos próprios Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal que exercem por tempo determinado as atividades de natureza eleitoral.
O art. 95, CF/88, traz concomitantemente as garantias e as vedações dos magistrados (juízes,
desembargadores e ministros):

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:


I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício,
dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver
vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II,
153, III, e 153, § 2º, I.
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos
do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)(grifo nosso).
92

A promoção de uma instância para outra depende da observância de alguns critérios, como o mérito e
a antiguidade (art. 93, inciso II, CF/88).
Os juízes eleitorais possuem uma peculiaridade, pois eles, na verdade, são magistrados dos próprios
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal que exercem por tempo determinado as atividades de
natureza eleitoral.
Na Segunda Instância, onde estão os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais, o acesso ao cargo
de magistrado não ocorre pela via do concurso de provas e títulos. A Constituição Federal de 1988 traz duas
regras:1) “quinto constitucional”e 2) promoção por antiguidade ou por mérito.
A regra do “quinto constitucional”consubstanciaa possibilidade de ingresso de profissionais ao cargo
demagistrado dos tribunais de 2ª e 3ª instâncias não oriundos da magistratura, conforme prescreve o art. 94,
CF/88, in verbis:

Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados,
e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros,do Ministério Público, com mais
de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com
mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de
representação das respectivas classes (grifo nosso).

O art. 93, CF/88, traz as regras básicas para a ascensão de um juiz de primeira instância à segunda
instância. Assim, a partir da promoção, por critérios de antiguidade e mérito, um juiz de direito da Justiça
Estadual ascende ao segundo grau de jurisdição assumindo o cargo de desembargador. Da mesma forma ocorre
com os juízes federais e juízes do trabalho, os quais, uma vez promovidos pelas regras de antiguidade e
merecimento, alternadamente, assumem a cadeira de magistrado do Tribunal Regional Federal (TRF) e do
Tribunal Regional do Trabalho (TRT), respectivamente.
A nomeação dos julgadores dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais do Trabalho
é atribuição do Presidente da República, que os escolherá “dentre brasileiros com mais de trinta e menos de
sessenta e cinco anos” (arts. 107e 115, CF/88).
Já a escolha dos magistrados dos Tribunais dos Estados e do DF observará as regras estabelecidas nas
respectivas Constituições. Na Constituição do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, há o critério da
promoção por antiguidade e merecimento e o do “quinto constitucional”.
O art. 157, da Carta Constitucional estadual, prevê a existência de uma lista sêxtupla, elaborada pelos
órgãos interessados, com os nomes de membros do Ministério Público Estadual, e de advogados experientes.
A nomeação pelo critério do “quinto constitucional” é prerrogativa do Governador do Estado do Rio de
Janeiro, que receberá do Tribunal de Justiça uma lista tríplice extraída dos nomes indicados na lista sêxtupla.
Conforme mencionado, para ocupar o cargo de magistrado do TRF há dois procedimentos, nos termos
do art. 107, CF/88. Pelo “quinto constitucional” podem ocupar a cadeira de magistrado membros do Ministério
Público Federal, com mais de 10 anos de carreira e advogados, também com mais de 10 anos de experiência
93

profissional na área do Direito (art. 107, inciso I, CF/88). Ou podem ingressar na 2ª Instância juízes federais
por promoção, a partir de critérios de antiguidade e merecimento (art. 107, inciso II, CF/88).
Também os julgadores dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) são investidos no cargo a partir de
dois procedimentos, nos moldes daqueles do TRF. No caso de ingresso pelo “quinto constitucional”, a
Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 115, inciso I, a possibilidade deestarem incluídos nessa
modalidade advogados e membros do Ministério Público do Trabalho. Com efeito, a redação do art. 115,
inciso I, CF/88, adveio com a Emenda à Constituição nº 45/2004.

IV. 2. Formas de nomeação e atribuições dos Tribunais Superiores

IV.2.1. Supremo Tribunal Federal- STF

Antes de adentrar nos aspectos práticos envolvendo a estrutura e as atribuições do Supremo Tribunal
Federal faz-se necessário trazer alguns elementos históricos sobre esta Corte de Justiça.
Após a proclamação da independência do Brasil, a Constituição Imperial brasileira de 1824 previu no
art. 163 a instituição de um tribunal superior, o qual, nos termos do indigitado dispositivo constitucional, seria
denominado Supremo Tribunal de Justiça. Este tribunal - composto por 17 juízes- foi instituído em 9 de
janeiro de 1928.
Com a promulgação da primeira Constituição Republicana Brasileira de 1891 o Supremo Tribunal de
Justiça deu lugar ao Supremo Tribunal Federal, o qual foi expressamente mencionado na Carta Constitucional
em seu art. 55: “O Poder Judiciário da União terá por órgãos (sic) um Supremo Tribunal Federal, com sede na
Capital da República (...)”191.
Dentre as competências do Supremo Tribunal Federal estava, nos termos do art. 59, par. 1º, alínea b,
CF/1891, a de examinar recurso interposto contra decisões dos julgados das Justiças dos Estados, nas hipóteses
de contestação referente à validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou
das leis federais. Nessa situação a decisão do Tribunal do Estado teria consideradoválido determinado ato ou
lei.
No momento de sua instituição, em 28 de fevereiro de 1891, por meio do Decreto nº 1, a composição
do Supremo Tribunal Federal era de 15 juízes, nomeados pelo Presidente da República, após prévia aprovação
do Senado. Atualmente, o STF é composto por onze ministros, os quais são escolhidos pelo Presidente da
República, “dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável
saber jurídico e reputação ilibada”, dispõe o art. 101, CF/88. A rigor, a nomeação dos ministros pelo Chefe do
Poder Executivo Federal depende de prévia aprovação do Senado Federal, a qual deve ser por maioria absoluta
(art. 101, par. único, CF/88).

191
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Histórico. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 25.01.2017.
94

Uadi Lammêgo Bulos192 chama atenção para alguns requisitos previstos na Constituição Federal de
1988 para que determinado (a) candidato (a) possa concorrer a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal,
são eles:

a)exigência de natureza administrativa:ser indicado pelo Presidente da República para, depois,


ter a aprovação do Senado Federal (art. 52, III, a, CF/88);
b)exigência de natureza civil:ter mais de 35 e menos de 65 anos (art. 101, caput,CF/88);
c)exigência de natureza política: estar no pleno exercício dos direitos políticos (art. 1 4, § 1 2,
I, CF/88);
d)exigência de natureza jurídica:ser brasileiro nato (art. 1 2, § 32, IV, CF/88);
e)exigência de natureza cultural: possuir notável saber jurídico (art. 101, caput, CF/88);
f)exigência de natureza moral: lograr reputação ilibada (art. 101, caput, CF/88).

O Supremo Tribunal Federal, como Corte máxima da Justiça brasileira, é o guardião maior da
Constituição Federal de 1988, conforme dispõe o art. 102 do texto constitucional vigente: “Compete ao
Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.
Mas, diferentemente do que ocorre em outros países, como Itália, Portugal e Alemanha (apenas à guisa
de exemplo), o STF não é tecnicamente uma Corte Constitucional, pois não cuida apenas do controle de
constitucionalidade, além disso ele possui jurisdição constitucional, cumprindo-lhe a missão de dar
interpretação às normas constitucionais e, bem assim, examinar, no controle em abstrato, atos normativos e
leis impugnadas por suposta violação à Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal exerce, além das atribuições expressas na Constituição, outras “que o
modelo constitucional brasileiro implicitamente lhe confere”. Nessa linha, esclarecem Paulo Gustavo Gonet
Branco e Gilmar Ferreira Mendes193:

Chegar-se-á a duas hipóteses de competência complementares implícitas: (1) competências


implícitas complementares, enquadráveis no programa normativo-constitucional de uma
competência explícita e justificável porque não se trata tanto de alargar competências mas de
aprofundar competências; (2) competências implícitas complementares, necessárias para
preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sistemática e analógica de preceitos
constitucionais.

No tocante às competências expressas do STF, o art. 102 traz um extenso rol. Nesse sentido, compete-
lhe julgar as ações de controle de constitucionalidade em face da Constituição Federal, que são:
a) Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 102, I, alínea a, CF/88)
b) Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, I, alínea a, CF/88)
c) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, par. 2º, CF/88)
d) Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (art. 102, par. 1º, CF/88)

192
BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2015. p. 1312-1313.
193
BRANCO; MENDES (2015). Op. Cit., p. 1235.
95

Ao STF cabe também julgar, nas hipóteses de infrações penais comuns, o Presidente da República, o
Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional (deputados federais e senadores), seus próprios
Ministros, o Procurador Geral da República (art. 102, inciso I, alínea b, CF/88), os Ministros de Estado, os
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal
de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, inciso I, alínea c,
CF/88). Ainda, será julgado por tais crimes perante o STF o Advogado Geral da União, o qual, por força da
Lei nº 8.682/93, art. 1º, p,u, passou a ter status de ministro de estado.
Da mesma forma, respondem perante a Suprema Corte de Justiça nos casos de crime de
responsabilidade (quando tais crimes não forem conexos com aqueles praticados pelo Presidente da República
ou Vice-Presidente, visto que neste caso a competência para julgar é do Senado Federal, nos termos do art.
52, I. CF/88), os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros
dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter
permanente ((art. 102, inciso I, alínea c, CF/88).
Por fim, compete ao STF julgar originariamente, art. 102, I, CF/88:

d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o
mandado de segurança e ohabeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-
Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o
Distrito Federal ou o Território;
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ouentre uns
e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente
for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do
Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única
instância;
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas
decisões;
m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de
atribuições para a prática de atos processuais;
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados,
e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou
sejam direta ou indiretamente interessados;
o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre
Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do
Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal,
das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos
Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do
Ministério Público;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)(grifo nosso).
96

Em sede recursal, o STF julga os Recursos Ordinário e Extraordinário. Com a interposição do Recurso
Extraordinário (RE), o que se busca é o exame de constitucionalidade, na via do controle concreto, de atos
normativos e leis federais, estaduais e municipais em face da Carta Constitucional de 1988. Com efeito,
inclusive as normas jurídicas anteriores a Constituição vigente.
O art. 102, III, CF/88 traz as hipóteses em que o STF pode conhecer do Recurso Extraordinário:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;


b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal(grifo nosso).

Desse modo, é possível lançar mão do Recurso Extraordinário (RE) toda vez que a decisão, em uma
ação decidida em única ou última instância, violar norma constitucional, seja ela positivada no texto da
Constituição ou em tratado internacional; quando a decisão considerar inconstitucional tratado ou lei federal.
Também pode-se utilizar o RE nas hipóteses em que a decisão considerou válida lei ou ato de governo local
em face da Constituição ou, ainda, julgou válida lei local em face de lei federal. A alínea d, do dispositivo
acima supracitado foi adicionada pela EC nº 45/2004.
Outra novidade trazida pela EC nº 45/2004 foi o instituto da súmula vinculante, a qual tem a finalidade
de uniformizar a jurisprudência, mas também de evitar o trânsito de número elevado de processos com a
mesma questão de fundo de direito, conforme se extrai da exegese do art. 103-A, par. 1º, CF/88, in verbis:

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas


determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e
a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de
processos sobre questão idêntica (grifo nosso).

Vale ressaltar que embora a edição de uma súmula vinculante seja da competência do STF, a sua
aprovação, revisão ou até mesmo o seu cancelamento pode ocorrer por iniciativade um legitimado para propor
Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103, CF/88), conforme estabelece o art. 103-A, par. 2º, CF/88.
Ainda sobre a súmula vinculante, na hipótese de violação a enunciado de súmula vinculante, seja em
decisão judicial ou em ato administrativo, cabe a utilização do instituto da Reclamação, que será julgado pelo
STF (art. 102, I, alínea l, CF/88), ex viart. 103-A, par. 3º, CF/88.

IV.2.2. Superior Tribunal de Justiça -STJ

O Tribunal da Cidadania, como é denominado o Superior Tribunal de Justiça – STJ, nasceu com a
Constituição Federal de 1988, e sua estrutura básica adveio do antigo
97

Tribunal Federal de Recursos (TFR), cujas atribuições foram assumidas em parte pelos tribunais
regionais federais194. Nesse sentido, vale transcrever o disposto no art. 27, ADCT, CF/88, ipsis litteris:

Art. 27. O Superior Tribunal de Justiça será instalado sob a Presidência do Supremo Tribunal
Federal.
§ 1º Até que se instale o Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal exercerá as
atribuições e competências definidas na ordem constitucional precedente.
§ 2º A composição inicial do Superior Tribunal de Justiça far-se-á:
I - pelo aproveitamento dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos;
II - pela nomeação dos Ministros que sejam necessários para completar o número estabelecido
na Constituição.
§ 3º Para os efeitos do disposto na Constituição, os atuais Ministros do Tribunal Federal de
Recursos serão considerados pertencentes à classe de que provieram, quando de sua nomeação.
§ 4º Instalado o Tribunal, os Ministros aposentados do Tribunal Federal de Recursos tornar-se-
ão, automaticamente, Ministros aposentados do Superior Tribunal de Justiça.

Pelo que se verifica do dispositivo acima transcrito, os primeiros ministros do STJ vieram do extinto
Tribunal Federal de Recursos.
Com sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional, o STJ tem a missão institucional de
tutelar a legislação federal, uniformizando quando necessário a sua interpretação 195. E mais, compete a esta
Corte de Justiça, nos termos do art. 105, I, alínea a, CF/88, julgar, originariamente, nos crimes comuns os
Governadores dos Estados e do Distrito Federal. E, julgar por crimes comuns e de responsabilidade as
seguintes autoridades públicas:

a) os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal;


b) os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal;
c) os dos Tribunais Regionais Federais;
d) dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho;
e) os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios; e
f) os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é formado hoje por,no mínimo, trinta e três ministros, nos termos
do art. 104, caput, CF/88.A Constituição Federal de 1988 estabeleceu alguns requisitos para o acesso ao cargo
de Ministro do Superior Tribunal de Justiça (art. 104, p.u., incisos I e II):

a) ser brasileiro nato ou naturalizado (lembre-se que para membro do STF a CF/88 exige que
seja brasileiro nato);
b) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade;
c) possuir notável saber jurídico e reputação ilibada;
d) ser escolhido pelo Presidente da República, a partir de uma lista tríplice de candidatos;
e) prévia aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.

194
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. História. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 27.01.2017.
195
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Atribuições. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 27.01.2017.
98

A escolha deve obedecer alguns critérios delineados pela Constituição Federal de 1988, em seu
art. 104, p.u:

I - um terçodentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores


dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal;
II - um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal,
Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94.

Ou seja: o corpo de julgadores do STJ pode ser formado por profissionais da magistratura, do
Ministério Público e da Advocacia, o que o torna mais aberto à heterogeneidade e às questões sociais.

IV.2.3. Tribunal Superior do Trabalho – TST

Conforme já mencionado, a Justiça do Trabalho surgiu em um contexto no qual os direitos sociais, em


especial os de natureza trabalhista, precisavam de uma tutela especial.O Tribunal Superior do Trabalho (TST)
- Corte Superior desta justiça especializada - foi instituído por meio do Decreto-Lei nº 9.797, de 9 de setembro
de 1946, cuja origem foi o Conselho Nacional do Trabalho196 .
Atualmente, o seu corpo de julgadores é formado por 27 ministros de nacionalidade brasileira, com
idade entre 35 a 65 anos. A escolha dos ministros é prerrogativa do Presidente da República, com prévia
aprovação do Senado Federal por maioria absoluta, conforme determina o art. 111-A, da Constituição Federal
de 1988, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Assim como os demais tribunais superiores,
sua sede localiza-se em Brasília.
As regras para ingresso ao cargo de ministro do TST estão estabelecidas no texto constitucional vigente
(art. 111-A, incisos I e II, CF/88). Há duas formas: 1) pela regra do “quinto constitucional”, assim como ocorre
com o ingresso nos demais tribunais superiores (à exceção do STF), dos Tribunais Regionais e dos Tribunais
dos Estados e do Distrito Federal; e 2) magistrados oriundos dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Com relação à competência do TST, a Constituição Federal de 1988 não a especificou, delegando tal
função à lei infraconstitucional (art. 111-A, par. 1º CF/88). Tal diploma normativo é a Lei nº 7.701, de 21 de
dezembro de 1988197, que dispõe sobre a competência do Pleno do TST em seu art. 4º, in verbis:

Art. 4º - É da competência do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho:


a) a declaração de inconstitucionalidade ou não de lei ou de ato normativo do Poder Público;
b) aprovar os enunciados da Súmula da jurisprudência predominante em dissídios individuais;
c) julgar os incidentes de uniformização da jurisprudência em dissídios individuais;
d) aprovar os precedentes da jurisprudência predominante em dissídios coletivos;
e) aprovar as tabelas de custas e emolumentos, nos termos da lei; e
f) elaborar o Regimento Interno do Tribunal e exercer as atribuições administrativas previstas
em lei ou na Constituição Federal (grifo nosso).

196
BRASIL. Justiça do Trabalho. Do CNT ao TST. Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br. Acesso em 30.01.2017.
197
BRASIL. Justiça do Trabalho. Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em
30.01.2017.
99

Assim como os demais órgãos julgadores do Poder Judiciário, ao TST também cabe fazer o controle
de constitucionalidade e aprovar súmulas sobre questões de competência da Justiça Trabalhista.
Em 2016, a Emenda Constitucional nº 92, incluiu o Tribunal Superior do Trabalho no art. 92, da Carta
Constitucional de 1988. Embora o TST já integrasse a estrutura do Poder Judiciário, ainda não havia menção
expressa no art. 92. A redação do dispositivo em tela antes da referida emenda era:

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:


I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

Agora com a nova redação dada pela EC nº92/2016:

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:


I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
II-A - o Tribunal Superior do Trabalho;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
§ 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores
têm sede na Capital Federal (grifo nosso).

Duas emendas já alteraram a redação do art. 92, CF/88, a EC nº 45/2004 acrescentou o inciso I-A que
trata do Conselho Nacional de Justiça e, mais recentemente, a EC nº 92/2016 trouxe o inciso II-A, o qual prevê
o Tribunal Superior do Trabalho.

IV.2.4. Superior Tribunal Militar – STM

A origem do Superior Tribunal Militar remonta ao antigo Conselho Supremo Militar e de Justiça,
instituído por meio do Alvará editado em 1º de abril de 1808, pelo príncipe regente de Portugal Dom João.
No final do Século XIX, o Decreto Legislativo nº 149 criou o Supremo Tribunal Militar (STM), o qual
assumiu as mesmas atribuições do Conselho Supremo Militar e de Justiça. Sendo que a sua previsão
constitucional só ocorreu com a Constituição Federal de 1946198.

198
BRASIL. Superior Tribunal Militar. Criação e evolução histórica. Disponível em www.stm.jus.br. Acesso em 30.01.2017.
100

A Constituição Federal de 1988 prevê a composição e as formas de ingresso no cargo de magistrado


do STM. O Pleno deste órgão de cúpula é formado por 15 ministros vitalícios, os quais são nomeados pelo
Presidente da República, após prévia aprovação do Senado Federal.
A sede do STM, assim como as dos demais Tribunais Superiores, fica em Brasília. A escolha dos
ministros segue diretrizes estabelecidas no art. 123, CF/88. Desse modo:

a) três dentre oficiais-generais da Marinha;


b) quatro dentre oficiais-generais do Exército;
c) três dentre oficiais-generais da Aeronáutica;
d) cinco dentre civis.

Os ministros que não advêm das esferas militares, ou seja, os civis, devem ter nacionalidade brasileira,
idade acima de 35 anos e serem escolhidos da seguinte forma (art. 123, p.u., incisos I e II, CF/88:

I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de
efetiva atividade profissional;
II - dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da
Justiça Militar (grifo nosso).

A Constituição Federal de 1988 delega ao legislador ordinário a competência para dispor sobre a
organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Militar (art. 124). Nessa senda, o diploma normativo
que regula a Justiça Militar e apresenta extenso rol de atividades do STM é a Lei nº 8.457, de 4 de setembro
de 1992199, consoante dispõe o art. 6º, dentre elas estão:

I - processar e julgar originariamente:


a) os oficiais generais das Forças Armadas, nos crimes militares definidos em lei;
c) os pedidos de habeas corpus e habeas data, nos casos permitidos em lei;
d) o mandado de segurança contra seus atos, os do Presidente do Tribunal e de outras
autoridades da Justiça Militar;
e) a revisão dos processos findos na Justiça Militar;
f) a reclamação para preservar a integridade da competência ou assegurar a autoridade de seu
julgado (...).

O STM também tem o poder-dever de assegurar a higidez da Constituição por meio do controle de
constitucionalidade (art. 6º, inciso III, Lei nº 8.457/92), cabendo-lhe declarar a inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo do Poder Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros (Princípio da Reserva de
Plenário, art. 97, CF/88).

IV.2.5. Tribunal Superior Eleitoral - TSE

199
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em
30.01.2017.
101

O Tribunal Superior Eleitora (TSE) tem sede em Brasília e sua composição deve ter no mínimo 7
ministros. Há duas regras de investidura no cargo de magistrado deste órgão de cúpula da Justiça Eleitoral.
Nesse sentido dispõe o art. 119, incisos I e II, CF/88, in verbis:

Art. 119. O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros,escolhidos:


I - mediante eleição, pelo voto secreto:
a) três juízes dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal;
b) dois juízes dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça;
II - por nomeação do Presidente da República, dois juízesdentre seis advogados de notável
saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal. (grifo nosso).

.O Presidente e o Vice do TSE vêm do corpo de ministros do STF, os quais serão eleitos pelo TSE,
nos termos do art. 119, par. único, CF/88.Os magistrados ocuparão o cargo por no mínimo dois anos (art. 121,
par. 2º, c/c Lei Complementar nº 35/79).
A competência do TSE é delegada à lei complementar pela Carta Constitucional de 1988 (art. 121).
Nesse sentido, o diploma normativo é o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), que foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar. O art. 22 do Código Eleitoral traz as atribuições
do TSE, dentre elas está a de julgar originariamente questões envolvendo:

a) o registro e a cassação de registro de partidos políticos, dos seus Diretórios Nacionais e


de candidatos a Presidência e Vice-Presidência da República;
b) o habeas corpus ou mandado de segurança200, em matéria eleitoral, relativos a atos do
Presidente da República, dos Ministros de Estado e dos Tribunais Regionais; ou, ainda, o habeas
corpus, quando houver perigo de se consumar a violência antes que o Juiz competente possa
prover sobre a impetração (grifo nosso).

Assim como ocorre com os demais presidentes dos tribunais, cabe ao Presidente do TSE elaborar o
regimento interno deste órgão ápice da Justiça Eleitoral.

IV. 3. Conselho Nacional de Justiça– CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assim como o Conselho do Ministério Público (CNMP),
foiinstituído por meio da Emenda à Constituição nº 45/2004. Trata-se de “uma instituição pública que visa
aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à
transparência administrativa e processual”201.
Ou seja, a missão institucional do CNJ é colaborar para que os princípios da moralidade, da eficiência
e da efetividade possam se concretizar com a prestação jurisdicional em prol da sociedade.

200
Com relação à competência para julgar mandado de segurança sobre matéria eleitoral envolvendo o Presidente da República, o
STF já se manifestou no Recurso Extraordinário nº 163.727, dando interpretação para restringir o seu alcance. Ou seja: mandado
de segurança impugnando ato do Presidente da República a competência para julgar é do STF, nos termos do art. 102, I, d, CF/88.
Vide BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral.Código eleitoral anotado e legislação complementar. 11. ed. Brasília : Tribunal
Superior Eleitoral, Secretaria de Gestão da Informação, 2014. Disponível em http://www.tse.jus.br. Acesso em 31.01.2017.
201
BRASIL. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em http://www.cnj.jus.br. Acesso em 20.01.2017.
102

É um órgão com formação heterogênea e todos os seus membros exercerão mandato de 2 anos,
admitida uma recondução. A Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 103-B, par. 4º, as suas atribuições.
A composição do Conselho Nacional de Justiça está delineada no art. 103-B, CF/88, assim tem-se: o
Presidente do Supremo Tribunal Federal(que é também o presidente do Conselho);um Ministro do
Superior Tribunal de Justiça (indicação do próprio STJ); um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho
(indicado pelo próprio TST); um desembargador de Tribunal de Justiça (a indicação neste caso é feita pelo
Supremo Tribunal Federal);um juiz estadual (também indicado pelo Supremo Tribunal Federal); um juiz de
Tribunal Regional Federal (indicação do STJ); um juiz federal (também indicado pelo STJ); um juiz de
Tribunal Regional do Trabalho (indicado pelo TST); um juiz do trabalho (outra indicação do TST); um
membro do Ministério Público da União (indicação doProcurador-Geral da República); um membro do
Ministério Público estadual (também sugerido pelo Procurador-Geral da República, a partir da lista com as
indicações do órgão competente de cada instituição estadual); dois advogados, (indicação do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; e dois cidadãos (sendo uma indicaçãodaCâmara dos Deputados
e a outra do Senado Federal).
O CNJ tem como presidente, o Presidente do STF (art. 103-A, par. 1º, CF/88). Sua composição
heterogênea, conforme se constata no art. 103-B, CF/88, é formada por ministros do STJ e do TST, por
desembargador de Tribunal de Justiça, por juízes do TRF, do TRT, de Vara Federal, de Vara do Trabalho,
membro do Ministério Público Federal e outro do Ministério Público Estadual, por dois advogados e por dois
cidadãos, estes últimos indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
São algumas das atribuições do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), art. 103-B, par. 4º, CF/88, in
verbis:

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do poder


judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras
atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:(Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura,
podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar
providências; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade
dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo
desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário,
inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e
de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da
competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em
curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos
proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla
defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
103

Vale ressaltar que, embora o Conselho Nacional de Justiça integre a estrutura do Poder Judiciário, ele
não exerce a função jurisdicional, visto que lhe cumpre, nos termos do art. 103 – B, CF/88, cuidar da atuação
dos juízes, em seus ofícios e, bem assim, controlar a gestão administrativa e financeira de todos os órgãos do
Poder Judiciário.
Os membros do referido Conselho serão nomeados pelo Presidente da Repúblicaapós prévia
escolhapela maioria absoluta do Senado Federal, nos termos do art. 103-B, par.2º, CF/88,não se aplicando
tal regra para o Presidente do STF, o qual já tem previsão expressa de investidura no art. 103-B, par. 1º, in
verbis: “O Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e, nas suas ausências e
impedimentos, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal”.
A Constituição Federal de 1988 também estabelece no art. 103-B, par. 3º, que se as indicações não
forem efetuadas no prazo legal, a escolha caberá ao Supremo Tribunal Federal.
O papel desses conselhos implica atuação que nem sempre está incólume de dúvidas ou críticas. Nesse
sentido cabe trazer o caso da ADC nº 12202, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da
relatoria do ministro Carlos Ayres Britto, promovida em defesa daResolução nº 07, de 18.10.05, do Conselho
Nacional de Justiça, cujo conteúdo disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges
e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, na esfera
do Poder Judiciário.
Na ocasião, o Pleno do STF decidiu por unanimidade acolher o pedido na ADC, para julgar
constitucional a Resolução nº 07, do CNJ. Vale transcrever parte da ementa da decisão:

Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade
de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do
ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988,
dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da
moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos
Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF)
e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário
tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter
estadualizado de uma parte dele.

Em seu voto, a ministra Carmem Lúcia pontuou como constitucional a resolução do CNJ esclarecendo:

a) o CNJ detém competência constitucional para zelar pela observância do art. 37 da


Constituição e apreciar a validade de atos administrativos
praticados pelos órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4º, II),pelo que se há de concluir
ter ele atuado em sede que lhe é própria;
b)o nepotismo é próprio no espaço público no sistema constitucional brasileiro. Tal proibição
advém do princípio constitucional da impessoalidade, sendo de se lhe acoplar a moralidade
administrativa (art. 37 da Constituiçãobrasileira);

202
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADC nº 12. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 20/08/2008 . Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 31.01.2017.
104

c)a juridicidade que obriga o Poder Público, em qualquer de suas manifestações pelos órgãos
próprios, emana dos comandos constitucionais, não assim de norma infraconstitucional. Os
princípios constitucionais aplicam-se a todos os Poderes da união, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.

Nesta ADC ficou claro que o STF reconhece a competência do CNJ para editar atos com caráter
normativo. A Resolução nº 07/CNJ cuida de coibir a prática de nepotismo. No art. 2º, o ato normativo em tela
traz as hipóteses de nepotismo:

Art. 2°. Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:


1 - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da
jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes
vinculados;
II - o exercício, em Tribunais ou Juízos diversos, de cargos de provimento em comissão, ou de
funções gratificadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou de servidores investidos
em cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que caracterizem ajuste para
burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nomeações ou designações;
III - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da
jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo
de direção ou de assessoramento;
IV - a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
(grifo nosso).
interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade,
até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, bem como de
qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;
V - a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa
jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o
terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido
em cargo de direção e de assessoramento.

A resolução, no entanto, destaca, no par.1°, do art. 2º, algumas situações excepcionais que não
caracterizam nepotismo, são elas:

as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das


carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de
escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade
inerente ao cargo em comissão a ser exercido.

Sendo, conquanto, proibida a nomeação ou designação (ainda que ocupantes de cargo efetivo) de
cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, para servir
subordinado ao magistrado. Ou seja: ainda que o (a) servidor (a) tiver ingressado no serviço público por
concurso, ele (a) não poderá trabalhar com magistrado (a) se se enquadrar em uma daquelas hipóteses de
parentesco ou afinidade.

IV. 4. Quadro ilustrativo da Estrutura do Poder Judiciário Brasileiro


105

Para melhor compreensão da estrutura toda do Poder Judiciário segue a figura ilustrativa abaixo:

Última instância (4ª instância)

STF

CNJ

Instância Especial – 3ª Instância (3º grau de jurisdição)

STJ TST TSE STM

2ª Instância (2º grau de jurisdição)

TJ TRF TRT TRE

1ª Instância (1º grau de jurisdição)

VARAS VARAS
ESTADUAIS FEDERAIS
JUÍZS
JUIZADOS JUIZADOS
ESPECIAIS ESTADUAIS ESPECIAIS FEDERAIS ELEITORAIS
JUNTAS
ELEITORAIS

IV.5. ESTUDO DE CASO

1 - (OAB 2011.1) Mévio, advogado com longos anos de carreira, resolve concorrer à vaga de magistrado
surgida no Tribunal de Justiça K, tendo apresentado o seu currículo para a Ordem dos Advogados do
Brasil, que o incluiu na lista de advogados. Mesma situação ocorreu com a lista escolhida pelo Tribunal
de Justiça.
À luz das normas constitucionais, responda aos itens a seguir:
a) Qual é o percentual de vagas destinada aos advogados nos Tribunais de Justiça?
b) Quais são os ritos de escolha realizados pela OAB e pelo Tribunal de Justiça?
c) De quem é a competência para nomeação?

2 –(OAB 2011.2) Um fazendeiro descobriu que sua mulher o havia traído com um cidadão de etnia
indígena que morava numa reserva próxima à sua fazenda. No mesmo instante em que tomou ciência
do fato, o fazendeiro dirigiu-se à reserva indígena e disparou três tiros contra o índio, que, no entanto,
106

sobreviveu ao atentado. Com base nesse cenário, responda aos itens a seguir, empregando os
argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.
a) A quem compete julgar esse caso?
b) Qual é o fundamento do art. 109, IX, da Constituição da República?
c) Caso o juiz federal entendesse ser incompetente para julgar esse caso e encaminhasse os autos ao
juiz de direito e este também entendesse ser incompetente, a quem caberia decidir qual o juízo competente?
Por quê?

IV.6. QUESTÕES OBJETIVAS

1- (TRT 9ª 2013 - FCC - ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA JUDICIÁRIA) Considere as seguintes


situações hipotéticas: Matias, membro do Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região, praticou crime
comum. Fabiolo, Governador do Estado do Paraná, também praticou crime comum. De acordo com a
Constituição Federal brasileira, em regra, terá competência para processar e julgar, originariamente,
Matias e Fabiolo:
a)Supremo Tribunal Federal
b)Superior Tribunal de Justiça
c)Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, respectivamente
d)Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, respectivamente
e)Tribunal Regional Federal competente.

2-(TRT 1ª 2013 - FCC - ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA ADMINISTRATIVA) De acordo com as


competências constitucionalmente atribuídas ao Supremo Tribunal Federal:
a) não lhe cabe julgar recursos interpostos contra acórdãos que versem sobre direito do trabalho.
b) não lhe cabe julgar a inconstitucionalidade de leis municipais em face da Constituição Federal, ainda
que incidentalmente no processo.
c) não lhe cabe julgar a reclamação por violação à súmula vinculante que verse sobre direito do
trabalhador previsto na Constituição Federal.
d) cabe-lhe julgar os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer
tribunais.
e) cabe-lhe julgar o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for
atribuição do Presidente da Republica, salvo se a ação visar ao exercício de direito trabalhista assegurado na
Constituição.

3- Sobre o Poder Judiciário, segundo a Constituição brasileira, pode-se dizer que:


a) Ao Poder Judiciário assegura-se independência financeira.
b) O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional.
c) Somente por voto de maioria simples dos seus membros, declaram os tribunais a
inconstitucionalidade de lei.
d) O acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por concurso público.
e) A promoção por merecimento pressupõe três anos de exercício da magistratura na respectiva
entrância

4- (CNJ 2013 - CESPE - ANALISTA JUDICIÁRIO – JUDICIÁRIA) A respeito do disposto na


Constituição Federal de 1988 (CF) e no Código de Processo Penal, julgue os próximos itens.
É da competência do STJ julgar recurso ordinário de decisão denegatória de habeas corpus proferida
por tribunal de justiça, não existindo previsão legal para habeas corpus substitutivo.
( ) Certo ( ) Errado
107

5- (OAB 2010.2 – FVG) A respeito do Conselho Nacional de Justiça é correto afirmar que:
a) é órgão integrante do Poder Judiciário com competência administrativa e jurisdicional.
b) pode rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de
Tribunais julgados há menos de um ano.
c) seus atos sujeitam-se ao controle do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
d) a presidência é exercida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal que o integra e que exerce o
direito de voto em todas as deliberações submetidas àquele órgão.

6- (X Exame de Ordem Unificado – FGV) Compete ao STF processar e julgar originariamente os litígios
listados a seguir, à exceção de um. Assinale-o.
a) Entre Estado estrangeiro e Estado membro da federação.
b) Entre Estado estrangeiro e município.
c) Entre organismo internacional e a União.
d) Entre organismo internacional e Estado membro da federação.

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO IV
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponivel em https://www.planalto.gov.br.
Acesso em 17.12.2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em
19.01.2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Histórico. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 25.01.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Atribuições. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 27.01.2017.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992. Disponível em http://www.planalto.gov.br.
Acesso em 30.01.2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3.409. Julgada em 19.12.2005. Disponível em www.stf.jus.gov. Acesso
em 23.01.2017.
BRASIL. Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 19.01.2017.
BRASIL. Justiça do Trabalho. Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br.
Acesso em 30.01.2017.
BRASIL. Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995.. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 19.01.2017.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Código eleitoral anotado e legislação complementar. 11. ed. Brasília : Tribunal
Superior Eleitoral, Secretaria de Gestão da Informação, 2014. Disponível em http://www.tse.jus.br. Acesso em
31.01.2017.
BRASIL. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em http://www.cnj.jus.br. Acesso em
20.01.2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADC nº 12. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 20/08/2008 .
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 31.01.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. História. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 27.01.2017.
BRASIL. Superior Tribunal Militar. Criação e evolução histórica. Disponível em www.stm.jus.br. Acesso em
30.01.2017.
BRASIL. Justiça do Trabalho. Do CNT ao TST. Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br. Acesso em 30.01.2017.
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Acesso em 20.01.2017.
BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2015.
CARLI, Ana Alice De. Bem de família do fiador e o direito fundamental à moradia. Rio de Janeiro: Ed. Lumen
Juris, 2009.
COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FALCÃO, Joaquim; LENNERTZ, Marcelo. Separação dos Poderes: Harmonia ou Competição? – Joaquim Falcão e
Marcelo Lennertz. Disponível em http://joaquimfalcao.com.br. Acesso em 17.12.2016.
HERKENHOFF, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Editora Santuário, 2002.
108

CAPÍTULO V
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

V.1. Evolução, aspectos conceituais

Inicia-se o presente tópico com as palavras do filósofo espanhol David Sánchez Rubio, as quais
merecem reflexão,203:“Tan grande es el abismo entre lo que se dice y lo que se hace sobre derechos humanos
que, cuando ambos van caminando por la calle y se cruzan en una esquina, pasan de largo sin saludarse
porque no se conocen”.
Segundo o autor mencionado, há um hiato entre o que se fala sobre direitos fundamentais e o que se
faz para efetivá-los, fazendo com que a teoria e a prática não se conheçam quando se encontram.
É interesante a colocação de Rubio, pois o que se vê na prática é um excessivo número de ações
judiciais, cuja causa de pedir envolve pelo menos um direito fundamental.
Em suaobra crítica sobre a Teoria dos Direitos Humanos, Rubio chama atenção para o paradoxo
existente entre o discurso e o que se realiza em termos de proteção aos referidos direitos. Para ele, faz-se
necessário promover uma cultura de consciência, com o objetivo de melhor proteger os direitos fundamentais,
embora reconheça que isso não é suficiente. Entretanto, pontua o autor, “cuanto mayor sea esa cultura sobre
derechos humanos, menores serán lãs demandas que tengan que pasar por los tribunales”. A rigor, a
efetividade dos direitos fundamentais perpassa dois caminhos, o reconhecimento de sua importância pelos
próprios atores sociais e a sua tutela pelo Estado.
José Joaquim Gomes Canotilho204 assevera que “a base antropológica dos direitos fundamentais não é
apenas o ‘homem individual’, mas também o homem inserido em relações sócio-políticas e sócio-econômicas
e em grupos de vária natureza, com funções sociais diferenciadas”. De uma forma geral, a doutrina analisa o
desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais a partir de uma visão meramente antropocêntrica, até
mesmo quando trata dos direitos difusos do meio ambiente. No entanto, deve-se atentar para o fato de que o
homem não é (pelo menos para uma parcela da doutrina) o único titular de direitos fundamentais. Nesse
sentido, defende-se a tese de que a expressão “direitos fundamentais” é um gênero que comporta várias
categorias, a exemplo dos direitos dos animais, da natureza, das pessoas jurídicas e do próprio Estado. 205

203
RUBIO, David Sánches. Repensar Derechos Humanos: De la anesthesia a la sinestesia. Sevilla. Espanha: Editora Mad, S.L.
2007. p. 11-16.
204
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 4 ed. Coimbra: Livraria Almeida, 1986. p. 447.
205
Com relação aos direitos fundamentais do Estado, tem-se no art. 4º da Constituição Federal de 1988 mais que princípios
norteadores das relações da República Federativa do Brasil com a sociedade internacional, pois tais normas anunciam verdadeiros
direitos do Estado. Também cumpre lembrar que a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), aprovada na IX
Conferência Internacional Pan-Americana, na cidade de Bogotá, em 1948, e incorporada ao Direito Brasileiro, por meio do Decreto
nº 30.544, de 14 de fevereiro de 1952205, traz um capítulo próprio, com quatorze artigos, sobre os direitos e deveres dos Estados,
entre eles estão: direito à igualdade jurídica; direito à soberania; direito ao reconhecimento na esfera internacional e direito de defesa.
109

A expressão “direitos fundamentais” comporta duas acepções, segundo lições de Vicente de Paulo
Barreto206: “uma para designar certos direitos que reconhecem e garantem a qualidade de pessoa ao ser
humano. É o sentido filosófico da expressão”. A segunda acepção "corresponde aos direitos humanos
positivados”
Uadi Lammêgo Bulos207, por sua vez, conceitua direitos fundamentais como um “conjunto de normas,
princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência
pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou
status social."
Os direitos fundamentais também são examinados a partir de duas perspectivas, a formal e a material.
Nesse diapasão esclarece Ingo Wolfgang Sarlet208 que o sentido formal desses direitos compreende “posições
jurídicas da pessoa – na sua dimensão individual, coletiva ou social – que, por decisão do Legislador-
Constituinte foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais” (ex. direito à educação, art. 6º, CF/88).
Já a perspectiva material, ensina Sarlet, diz respeito “àqueles direitos que, a despeito de não constarem
expressa e formalmente na Carta Constitucional, são fundamentais em razão de sua importância aos seus
titulares”. Pode-se trazer para ilustrar os direitos à água potável, ao saneamento básico, às honras do
sepultamento (ANTÍGONA, Sófocles, Sec. V a.C.), ao conhecimento da paternidade biológica, e ao
casamento homoafetivo.
De igual modo, a fundamentalidade - característica ínsita a determinados direitos - pode ser examinada
a partir de duas perspectivas - formal e material. Segundo lições de Sarlet209, a primeira está diretamente
relacionada com o direito constitucional positivo, seguida por algumas premissas, tais como: a) os direitos
humanos fundamentais ocupam o cume do sistema normativo – são o que alguns autores denominam de
direitos supralegais; b) tais direitos são prescrições que demandam limitações de ordem formal e material no
tocante às reformas constitucionais; e c) os direitos humanos fundamentais consubstanciam normas de
aplicação imediata e vinculativa, conforme se depreende do art. 5º, par. 1º, da Carta de 1988.
Poe outro lado, a fundamentalidade, sob o aspecto material, “decorre da circunstância de serem os
direitos fundamentais elementos constitutivos da Constituição material, contendo decisões fundamentais sobre
a estrutura básica do Estado e da sociedade”, assevera Sarlet210. Nesse diapasão, reconhece-se, por força do

206
BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões Sobre os Direitos Sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Direitos
Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003. p.
123.
207
BULOS (2015), op. cit.155.
208
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007, p. 119.
209
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Editora Livraria do
Advogado, 2007.a. p. 88-89.
210
SARLET ( 2007.a ). p. 88-98. Ensina o autor que a fundamentalidade pode variar de Estado para Estado, isto é, o que é
fundamental para uma Organização Política pode não sê-lo para outra. Defende, no entanto, a existência de valores universais, como
a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade humana; os quais ainda podem ser axiologicamente ponderados de forma distinta,
dependendo do espaço cultural e temporal.
110

art. 5º, par. 2º, da CR/88, duas vertentes de direitos fundamentais: a) aqueles formale materialmente
constitucionais, ou seja, expressos na Carta Constitucional vigente; e os direitos que, embora sejam
materialmente constitucionais, não estão expressamente plasmados no texto da Constituição.
Ainda sobre o elemento da fundamentalidade, Robert Alexy a divide em fundamentalidade formal e
fundamentalidade substancial. Desse modo, explica o pensador alemão211:

A fundamentalidade formal das normas de direitos fundamentais decorre da sua posição no


ápice da estrutura escalonada do ordenamento jurídico, como direitos que vinculam diretamente
o legislador, o Poder Executivo e o Judiciário.
(...) A fundamentalidade formal soma-se a fundamentalidade substancial. Direitos fundamentais
e normas de direitos fundamentais são fundamentalmente substanciais porque, com eles, são
tomadas decisões sobre a estrutura normativa básica do Estado e da sociedade.
(...) Com a tese das fundamentalidades formal e substancial afirma-se que as normas de direitos
fundamentais desempenham um papel central no sistema jurídico.
Outro elemento caracterizador dos direitos fundamentais é a essencialidade, a qual, na realidade, serve
como parâmetro de mensuração da fundamentalidade, a partir da análise de um caso concreto. Posto de outra
forma, quando estiverem em colisão dois direitos materialmente fundamentais, dever-se-á considerar as
circunstâncias da situação, as pessoas envolvidas, bem como o grau de interferência no núcleo de cada
interesse em jogo.
Outras características dos direitos fundamentais, segundo lições de José Afonso da Silva212:

(1) Historicidade. (...) Eles apareceram com a revolução burguesa e evoluem, ampliam-se, com
o correr dos tempos (...);
(2) Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo
econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode
desfazer, porque são indisponíveis;
(3) Imprescritibilidade. O exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de
existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que
importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um
instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter
patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos (...);
(4) Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não
ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados213.

O caráter absoluto dos direitos fundamentais, que já foi reconhecido como imutável, conforme pontua
Silva, perdeu sua importância, visto que as características – fundamental e essencial – é que norteiam a
ponderação214 desses direitos diante de um caso concreto.

211
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros. 2008, p.
520-523
212
SILVA (2005). Op.Cit., p. 180-181.
213
Idem. Ibidem., p. 180-181.
214
Sobre a teoria da ponderação vide ALEXY, Robert. Ponderação, Jurisdição Constitucional e Representação Popular. Tradução
Thomas da Rosa de Bustamante. In: DE SOUZA NETO, Cláudio Pereira e SARMENTO, Daniel ( coordenadores ). A
Constitucionalização do Direito; Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Editora Lúmen, 2007. p. 295-
304.
111

A doutrina também estuda os direitos fundamentais a partir de duas perspectivas: subjetiva e objetiva,
conforme acentuam Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente215, para quem a face subjetiva conflui-se com os
sujeitos da relação jurídica, ou seja, “diz respeito aos direitos de proteção (negativos) e de exigência
deprestação (positivos) por parte do indivíduo em face do Poder Público”. A perspectiva objetiva, por sua vez,
consubstancia a ideia de que “os direitos fundamentais sãocompreendidos também como o conjunto de valores
objetivos básicos deconformação do Estado Democrático de Direito”, criandonormas orientadoras do agir
público e privado. Complementam os autores em tela216:

Essa última feição (objetiva) é também denominada eficácia irradiante dos direitos
fundamentais, vale dizer, o efeito irradiante dos direitos fundamentais decorre da dimensão
objetiva - capacidade que eles têm de alcançar os poderes públicos e orientar o exercício de suas
atividades principais.

Sem dúvida, um dos maiores desafios da sociedade contemporânea é conciliar tais direitos com
interesses diversos de natureza pública e privada e, bem assim, com recursos públicos muitos vezes escassos.
Como limitar o uso do espaço urbano, por exemplo, àquele que não tem moradia? Ou como dizer para uma
criança de 4 anos que não há leito em hospital público para que ela possa receber tratamento médico digno e
adequado?
A partir desses questionamentos já se pode inferir a importância de se discutir os efeitos práticos das
teoriassobre direitos fundamentais, bem como o alcance do sentido nuclear de direito fundamental (sem
adentrar ainda no campo das variadas nomenclaturas existentes, o que será visto adiante).
Os direitos fundamentais decorrem da própria existência da vida em relação, sendodinâmicos e
variando seu reconhecimento e significados de acordo com o contexto sócio-político-cultural e histórico em
que estão inseridos217. No direito hebreu, por exemplo, já era possível verificar a preocupação com os direitos
humanos - embora tal terminologia ainda nãofosse ventilada -, consoante o Livro Sagrado, em
Deuteronômio218, no qual aparecem as raízes de alguns direitos, a exemplo dos direitos à privacidade, à
igualdade, à não-discriminação e de solidariedade.
A visão que se tem hoje e o reconhecimento dos direitos fundamentais em declarações de direitos e
em Constituições sinalizam uma realidade recente, sendo a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia,
de 1776, a primeira a contemplar um rol de direitos fundamentais na modernidade. Conforme preconiza José

215
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 15ª Ed. São Paulo: Editora Forense.
2016. p. 97.
216
ALEXANDRINO (2016), op. cit., 97.
217
KIRIAKOS, Norma. Direitos Humanos das Mulheres e Saúde. Disponível em
<www.normakiriakos.com.br/opinião/mulhres.html. Acesso em 01.02.2017.
218
BÍBLIA SAGRADA. Português. Livro de Deuteronômio. São Paulo: Editora Impres. Tradução João Ferreira de Almeida.
1999. pp. 206 e ss.
112

Afonso da Silva: “está longe de se esgotarem as possibilidades, já que cada passo na etapa da evolução da
Humanidade importa na conquista de novos direitos".219
Vale acrescentar que a Constituição norte-americana de 1787, aprovada na Convenção de Filadélfia,
não trazia de início uma carta de direitos fundamentais. No entanto, a sua ratificação pelos Estados tinha como
requisito, pelo menos para alguns deles, a existência de um conjunto de direitos fundamentais no corpo do
texto constitucional. Desse modo, em 1791, Thomas Jefferson e James Madison elaboraram a redação que
ensejou nas primeiras dez Emendas à Constituição220, as quais contemplam vários direitos fundamentais entre
eles221:

Amendment 1 (1791): Congress shall make no respecting na establishment of religion, or


prohibiting the free exercise thereof, or abridging the freedom of speech, or the press (…).

Amendment IV (1791): The right of the people to be secure in their persons, houses, papers
(…)supported by Oath or affirmation222 (grifo nosso).

Os direitos e garantias plasmados na Carta Constitucional dos Estados Unidos, acima referidos,
também constam do rol de direitos e garantias da Constituição brasileira de 1988, no art. 5º,VI, IX, X, XI.
Outros documentos importantes também vieram somar, os quais, apesar de sua importância
histórica, não consubstanciam declarações de direitos sob a perspectiva conceitual da modernidade, visto que
as declarações de direitos somente surgiram a partir do Século XVIII – período no qual ocorreram as Revoluções
americana e francesa. São exemplos desses documentos, conforme acentua José Afonso da Silva223: a Magna
Carta (1215); a Petition of Rights (1628); o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688).
A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 distingue os direitos do homem
dos direitos do cidadão: quando se fala em cidadão, identifica-se aquele sujeito que faz parte de uma sociedade,
e pelas regras dela é guiado, ao passo que, quando se faz referência ao homem busca-se sinalizar que certos
direitos são preexistentes à figura estatal, visto que, a partir de uma perspectiva jus-naturalista, são direitos
naturais e inalienáveis, isto é, ínsitos à existência humana.Sobre esta declaração, assevera José Afonso da
Silva224:

Seu título - "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" - dá a impressão de que contém
dois tipos de direitos: Direitos do Homem e Direitos do Cidadão, que seriam distintos. Os
primeiros de caráter pré-social, concernentes ao homem, independentemente de sua integração
em uma sociedade política, são, nos seus termos, a liberdade, a propriedade e a segurança (...).

219
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2005, p.149.
220
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2005, p. 155.
221
ESTADOS UNIDOS. Constitution of the Unites States.Disponível em https://www.senate.gov/civics/constitution. Acesso em
03.02.2017.
222
Tradução Livre: Emenda 1 (1791): “O Congresso não criará leis que não respeitem espaços religiosos, tampouco para proibir
o livre exercício dos mesmos; ou para limitar a liberdade de expressão e de imprensa (...). Ementa IV (1791): “As pessoas têm
direito à inviolabilidade de domicílio e de documentos sem o devido mandado judicial”.
223
SILVA (2005). Op. Cit.,. p. 154.
224
Idem. Ibidem., p.157-158.
113

Os segundos são direitos que pertencem aos indivíduos enquanto participantes de uma
sociedade política, e são o direito de resistência à opressão, o direito de concorrer, pessoalmente
ou por representantes, para a formação da lei, como expressão da vontade geral, o direito de
acesso aos cargos públicos.

Em termos de promoção universal dos direitos fundamentais é preciso destacar os seguintes


documentos internacionais: a Declaração Universal de Direitos do Homem da ONU, de 1948; a Carta
Internacional Americana de Garantias Sociais, de 1948 (OEA); a Convenção Europeia de Direitos do Homem,
de 1950; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos (ONU, ambos de 1966).
No Brasil, todas as constituições contemplaram um rol de direitos fundamentais, destacando-se a
Constituição Federal de 1988 como a pródiga em positivação de direitos e garantias fundamentais.

V. 2. Nomenclaturas dos direitos com características fundamentais

Diversas são as nomenclaturas para se referir a este conjunto de normas especiais fundamentais.
A doutrina não é uníssona quanto às expressões, tampouco quanto ao seu conteúdo. Embora, em regra, a
designação de um instituto não tenha muita importância para demonstrar seu conteúdo, no que toca aos referidos
direitos, os estudiosos do tema têm apontado nuances que justificam as diferentes expressões propostas.
Nessa linha de pensamento, Almir de Oliveira225, ao ressaltar que a denominação “Direitos do
Homem” é a mais remota, com fundamento na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, de
1789, acrescenta que tal expressão é criticada por alguns estudiosos, que a consideram redundante, na medida
em que todos os direitos são, ainda que indiretamente, dirigidos ao homem.“Direitos Humanos” é outra
expressão comumente adotada por vários autores, bem como pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,
de 1948, da ONU. José Joaquim Gomes Canotilho, Ingo Wolfgang Sarlet e Daniel Sarmento manifestam
preferência pela expressão “Direitos Fundamentais” em comparação com qualquer outra, pois reconhecem que
a fundamentalidade, não apenas adjetiva o substantivo “direito”, mas também sinaliza maior grau de
compromisso por parte do Estado que o positivou.
Segundo o entendimento de Ricardo Lobo Torres226, as expressões “direitos humanos”, “direitos
naturais”, “direitos da liberdade” e “direitos fundamentais” se equiparam, ainda que seja possível vislumbrar
algumas peculiaridades que as distinguem; o certo é que se referem a direitos inerentes à essência humana –
visão eminentemente antropocêntrica.

225
OLIVEIRA, Almir de. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 48.
226
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. III. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2000, p. 9-11. Ensina o autor que os direitos individuais, expressão consagrada na França e nos Estados Unidos, pode ser
traduzida em direitos humanos ou fundamentais (esta comumente usada pelos doutrinadores alemães), bem como em direitos da
liberdade.
114

Para Alexy, a dogmática dos direitos fundamentais busca fundamentos racionais, implicando com isso
a construção ou reconhecimento de juízos de valor “concretos de dever-ser” no âmbito desses direitos. Explica
o autor227:

A racionalidade da fundamentação exige que o percurso entre as disposições de direitos


fundamentais e os juízos de dever-ser seja acessível, na maior medida possível, a controles
intersubjetivos. Isso, no entanto, pressupõe clareza tanto acerca da estrutura das normas de
direitos fundamentais quanto acerca de todos os conceitos e formas argumentativas relevantes
para a fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais. De forma nenhuma é possível dizer
que tal clareza já existia em grau suficiente (...).

A doutrina majoritária tem entendido que os direitos fundamentais abarcam os direitos humanos
positivados nas constituições dos Estados, ao passo que o termo direitos humanos é amplamente reconhecido
na sociedade internacional. Nessa linha, Ingo Wolfgang Sarlet228pontua que os direitos humanos e os direitos
fundamentais estão ligados materialmente ao elemento da fundamentalidade, “pois ambos dizem com o
reconhecimento e proteção de valores, bens jurídicos e reivindicações essenciais aos seres humanos em geral”.
A Constituição Federal de 1988 utiliza cinco nomenclaturas diferentes para se referir a direitos
fundamentais, conforme se constata nos artigos abaixo:

Constituição da República Federativa do Brasil


art. 4º, inciso II
DIREITOS HUMANOS art. 109, V, a
art. 5º, §3º
art. 7º do ADCT

LIBERDADES
FUNDAMENTAIS art. 5º, incisos XLI e LXXI:
LIBERDADES
ONSTITUCIONAIS
.
DIREITOS DA PESSOA art. 34, inciso VII, b
HUMANA
DIREITOS E GARANTIAS art. 60, § 4º, inciso IV
INDIVIDUAIS

227
ALEXY (2008), op. cit., p. 43.
228
SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988.In: SARLET, Ingo Wolfgang ( organizador
). O Direito Público em Tempos de Crise- Estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre.: Editora Livraria do
Advogado., 1999. pp.138/139.
115

A despeito das respeitáveis visões doutrinárias aqui mencionadas, entende-se que a melhor expressão
é “direitos fundamentais”, pois é mais ampla, podendo abarcar não apenas os direitos da humanidade, mas
também os direitos dos animais, da natureza, das pessoas jurídicas e do próprio Estado.

V.3. Dimensões dos Direitos Fundamentais

O desenvolvimento dos direitos fundamentais segue uma lógica evolutiva de estágios, dando margem
ao surgimento da construção doutrinária que classifica os direitos em dimensões (ou gerações para alguns
doutrinadores).Uadi Lammêgo Bulos229 prefere a expressão “gerações”, sob o argumento de que esta sinaliza
melhor a evolução dos direitos fundamentais, pontuando que:

seu uso, ao contrário do que se pode imaginar, demonstra a ideia de conexão de uma geração à
outra. (...). A palavra dimensão, por sua vez, é imprópria, pois computa ideia de nível, posto,
escalonamento, algo incompatível com os direitos humanos, que, por natureza, inadmitem
qualquer hierarquia.

Já Ingo Wolfgang Sarlet230critica a expressão “gerações”, pois, segundo ele, dá a equivocada ideia de
que os direitos humanos fundamentais se substituem ao longo do tempo, o que não ocorre, existindo, na
verdade, “dimensões” de direitos: expressão que melhor caracteriza a hipótese de complementariedade. Parece
de fato que o termo “dimensão” deixa mais claro que não existe alternância, mas sim complementariadade
entre os direitos fundamentais.
Passa-se agora a examinar as referidas dimensões, considerando seus momentos.
A primeira dimensão - correspondente aos direitos civis e políticos - surgiu no Século XVIII, como direitos
de defesa do indivíduo em face do Estado, ou seja, começava uma fase em que os indivíduos buscavam limitar
a atuação do Estado em suas esferas privadas, implicando prestações negativas do Poder Público. Tais direitos
eram denominados de liberdades negativas, direitos negativos ou direitos de defesa em face do Estado. A
liberdade e a propriedade eram valores reconhecidamente fundamentais e não podiam ser limitados pela mão
do Poder Público231.
A segunda dimensão – consagrada nos direitos econômicos, sociais e culturais –ganhou espaço no
Século XIX, em particular, com o desenvolvimento industrial, o qual trouxe a reboque graves mazelas,
advindas das constantes violações aos direitos humanos fundamentais e das desigualdades sociais.
Vale ainda trazer as palavras de José Afonso da Silva sobre as declarações de direitos que surgiram
entre os Séculos XVIII e XIX232:

229
BULOS (2015), op., cit., p. 527-528.
230 SARLET (2007), op. cit., p.54.
231
CARLI (2009), op. cit., p. 70-71.
232
SILVA (2005), op., cit., p. 159.
116

voltam-se basicamente para a garantia formal das liberdades, como princípio da democracia
política ou democracia burguesa (...). No entanto, o desenvolvimento industrial e a consequente
formação de uma classe operária, logo demonstraram insuficiência daquelas garantias formais,
caracterizadoras das chamadas liberdades formais, de sentido negativo, como resistência e
limitação de poder (...). De nada adiantava as constituições e leis reconhecerem liberdades a
todos, se a maioria não dispunha, e ainda não dipõe de condições materiais de exercê-las.

Nesse contexto, muitos movimentos sociais propugnavam que os direitos à liberdade e à igualdade,
em seu sentido meramente formal, não eram mais suficientes para garantir a concretização desses e de outros
direitos. Era imperioso naquele momento um agir do Estado, indo na direção inversa do que se almejava na
fase que ensejou o surgimento da primeira dimensão de direitos. Desta forma, passou-se a exigir conduta
ativa do Estado; ou seja, o ente público precisava desenvolver políticas para, senão erradicar, pelo menos
amenizar as injustiças sociais.
Sobre a segunda dimensão de direitos, assevera Ingo Wolfgang Sarlet:233 “não se cuida mais, portanto,
de liberdade do e perante o Estado, e sim liberdade por intermédio do Estado”. Para Sarlet, os chamados
direitos de segunda dimensão (econômicos, sociais e culturais) não se circunscrevem apenas às prestações
positivas, mas alcançam igualmente as “liberdades sociais”, como o direito de greve e a liberdade sindical.
As ações positivas do Estado são de variada natureza, a exemplo da realização de políticas públicas e
de proteção do indivíduo em face do Estado e de seus semelhantes. Nesse sentido, aduz Alexy234:

Por 'direitos à proteção' devem ser aqui entendidos os direitos do titular de direitos fundamentais
em face do Estado a que este o proteja contra intervenções de terceiros. Direito à proteção pode
ter os mais diferentes objetos. Desde a proteção contra homicídios na forma mais tradicional,
até a proteção contra os perigos do uso pacífico da energia nuclear. Não são apenas a vida e a
saúde os bens passíveis de serem protegidos, mas tudo aquilo que seja digno de proteção a partir
do ponto de vista dos direitos fundamentais: por exemplo, a dignidade, a liberdade, a família e
a propriedade. (...).

As prestações positivas do Estado, relacionadas ao direito à proteção, podem ser de caráter material ou
legislativo. Desse modo, tem-se um direito à proteção concretizado no direito à aposentadoria, ou, ainda,
quando o Estado prevê garantias à liberdade dos indivíduos, a exemplo do habeas corpus.
A terceira dimensãotraz os denominados direitos difusos, ou de solidariedade, os quais são deslocados
da esfera individual, pois são direitos transindividuais. No rol de exemplos de direitos difusos estão os direitos
ao meio ambiente equilibrado, ao ar, à água potável, à vida digna, à defesa do consumidor.

233
SARLET (2007 ). p. 58.
234
ALEXY (2008), op. cit., p. 450-451.
117

São direitos de titularidade difusa. Nesse sentido asseveram Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente235
que “o Estado e a própria coletividade têma especial incumbência de defender e preservar, em beneficio das
presentes efuturas gerações, esses direitos de titularidade coletiva e de caráter transindividual”.
Vale ressaltar, por oportuno, os conceitos normativos de direitos difusos, expressos no art. 81 do
Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 8.078/90, in verbis:236

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida
em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os


transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas
por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum (grifo nosso).

O referido Código do Consumidor prevê também a ação coletiva para defesa dos direitos difusos do
consumidor (arts. 81 e 104, CDC).
A quarta dimensão de direitos fundamentais encontra várias vertentes de pensamento. Desse modo,
para Paulo Bonavides237 estão inseridos nesta dimensão os direitos à democracia, à informação e o pluralismo
jurídico.Para Uadi Lammego Bulos238, esta dimensão é formada pelos direitos à saúde, à informática, à
biociência, à eutanásia, aos alimentos transgênicos, à sucessão dos filhos gerados por inseminação artificial,
clonagens.
Na quinta dimensão estaria o direito à paz, segundo Bonavides, Bulos e Alexy. A paz como norma de
direito fundamental integra um dos princípios norteadores da República brasileira nas suas relações com a
sociedade internacional e, bem assim, consubstancia um direito fundamental do Estado (art. 4º, VI, CF/88).
Em âmbito internacional tem-se a Declaração de Direitos dos Povos à Paz, de 1984, da ONU.
Com relação a esta dimensão, Alexy, ao se referir ao direito à paz, acrescenta 239: “a força normativa
do direito à paz está sedimentada em preceitos legais efundamentais, e, até, em diplomas internacionais, a
exemplo da Declaração das Nações Unidase na Organização para a proscrição das Armas Nucleares na
América Latina (OPANAL)”.

235
ALEXANDRINO (2016), op. cit., p. 98-100.
236
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Diponível em http://www.planalto.gov.br.
Acesso em 08.02.2017.
237
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p. 570-572.
238
BULOS (2015), op., cit., p. 516-517.
239
ALEXY (2008), op., cit., p. 433.
118

Há também autores que defendem a sexta dimensão dos direitos fundamentais. Para Uadi Lammêgo
Bulos240 seriam os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo político. Já para Zulmar Fachin e Deise
Marcelino da Silva241, nesta dimensão estaria o direito à água potável, podendo acrescentar também o direito
ao saneamento básico, visto que este direito é condição de possibilidade à preservação da água.

V. 4. Direitos e garantias na Constituição Federal de 1988

V. 4.1. A dignidade da vida e o princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido na Constituição Federal de 1988, em seu art.
1º, III, como um dos princípios que fundamentam a República Federativa do Brasil, parte de uma visão
antropocêntrica, isto é, o constituinte preocupou-se com a dignidade apenas dos seres humanos. Entretanto,
sem descuidar de examinar o conteúdo e o alcance deste princípio no universo humano, buscar-se-á analisar
também sua aplicação no âmbito dos demais seres vivos (natureza e animais).
De início, cabe trazer algumas linhas de pensamento sobre o princípio da dignidade da vida, ou seja, a
dignidade a partir de um conceito mais amplo do que aquele reconhecido na esfera das pessoas humanas.
Na Antiguidade já era perceptível a preocupação com a natureza e com os animais. Nos primórdios da
filosofia grega, por exemplo, Pitágoras (Sec. VI, a.C.), cuja preocupação não girava apenas em torno da
matemática, defendia a existência de certa afinidade entre os seres humanos e os não-humanos, todavia, tal
afinidade não decorreria do intelecto, mas sim da capacidade de sentir emoção e dor242.
A natureza, apesar de há muito tempo ser subjugada aos interesses da humanidade e tratada como
objeto pela própria humanidade e pelo Direito, já foi percebida como ser vivo pelas culturas-não ocidentais e
comunidades tradicionais, a partir de uma perspectiva animista. Esses povos enxergavam a Natureza como
uma união de sujeitos.243
A rigor, ainda há grupos244 que defendem Gaia (designação da terra pelos antigos gregos) como ser
vivo, dotado de alma. A Ciência Holística, por exemplo, preocupa-se com o desenvolvimento de metodologias
que aproximam o homem da Natureza. Para om psicólogo norte-americano James Hillman, a alma não seria
um atributo apenas da subjetividade humana, sendo possível que a natureza também a tenha245.

240
BULOS (2015), op., cit., p. 528-530.
241
FACHIN, Zulmar e SILVA, Deise Marcelino da. Acesso à Água Potável: direito fundamental de sexta dimensão. Campinas,
São Paulo: Editora Millennium, 2011, p. 74-80.
242
PYTHAGORAS. 4. The Philosophy of Pythagoras. Stanford Encyclopedia of Philosophy.Disponível em
https://plato.stanford.edu/entries/pythagoras/. Acesso em 08.02.2017.
243
CARLI, Ana Alice De. A água e seus instrumentos de efetividade: educação ambiental, normatização, tecnologia e tributação.
São Paulo: Ed. Millennium, 2013, p. 20-21.
244
Vide HARDING, Stephan. Terra Viva: ciência, intuição e a evolução de gaia. Tradução de Mario Molina. São Paulo: Editora
Cultrix, 2008, p. 28. O autor também defende a tese do anima mundi e apresenta vários outros pensadores que seguem a mesma
linha de preleção.
245
HUMAN ECOLOGY.The Essential James Hillman.Disponível em http://www.humanecology.com.au. Acesso em 08.02.2017.
119

Nesse contexto busca-se analisar o princípio da dignidade246 da vida – conceito mais abrangente do
que o da dignidade humana -, para depois apresentar as noções doutrinárias acerca da dignidade da pessoa
humana.
A dignidade da vida já foi tratada pelo filósofo alemão Hans Jonas247, quando em seu livro “O princípio
da vida” traz à baila a necessidade de se buscar reconstruir a ideia de ética moderna a partir da relação entre a
humanidade e a natureza, onde há vida de várias formas.
Os autores Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer248 preceituam que:

a atribuição de “dignidade” a outras formas de vida ou à vida em termos gerais transporta a


ideia de respeito e responsabilidade que deve pautar o comportamento do ser humano para com
tais manifestações existenciais. Nesse contexto, para além de uma compreensão “especista” da
dignidade, que parece cada vez mais frágil diante do quadro existencial contemporâneo e dos
novos valores culturais de natureza ecológica, deve-se avançar nas construções morais e
jurídicas no sentido de ampliar o espectro de incidência do valor dignidade para outras formas
de vida e da vida em si.

A superação do conceito antropocêntrico de dignidade é importante para que se caminhe no sentido do


respeito à vida em geral e não apenas a humana. Na verdade, o reconhecimento de que a dignidade – como
atributo de qualquer ser vivo - e os direitos podem ter destinatários diversos dos seres humanos é fundamental
para que se construa uma ética fundada no respeito e no cuidado com a vida em geral.
Nesse diapasão refletemSarlet e Fensterseifer249:

A ampliação da noção de dignidade da pessoa humana (a partir do reconhecimento da sua


necessária dimensão ecológica) e o reconhecimento de uma dignidade da vida não-humana
apontam para uma releitura do clássico contrato social em direção a uma espécie de contrato
socioambiental (ou ecológico), com o objetivo de contemplar um espaço para tais entes naturais
no âmbito da comunidade estatal.

Feitas tais considerações acerca da dignidade da vida em geral, parte-se para a análise do princípio da
dignidade humana, alçado, pelo Constituinte de 1988, a princípio norteador de todo o sistema normativo. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948250, traz em seu art. 1º: “todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

246
É possível encontrar algumas acepções para o vocábulo “dignidade”, no Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Nesse sentido
tem-se: “1.qualidade moral que infunde respeito; consciência do próprio valor; honra, autoridade, nobreza; 2. qualidade do que é
grande, nobre, elevado; 3. modo de alguém proceder ou de se apresentar que inspira respeito; solenidade, gravidade, brio,
distinção;4. respeito aos próprios sentimentos, valores; amor-próprio; 5. prerrogativa, honraria, título, função ou cargo de alta
graduação”.
247
JONAS, Hans. O princípio da vida.Tradução de Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004. p. 15-16.
248
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas Notas sobre a Dimensão Ecológica da Dignidade da Pessoa
Humana e sobre a Dignidade da Vida em Geral.. DPU Nº 19 – Jan-Fev/2008 – assunto especial – doutrina. Disponível em
dspace.idp.edu.br. Acesso em 08.02.2017, p. 18.
249
Idem. Ibidem, p. 25.
250
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948. Disponível em www.onu.org.br. Acesso em
10.02.2017.
120

Na linha de pensamento de Maria Celina Bodin251, é possível visualizar pelo menos quatro princípios
que estão interligados à dignidade da pessoa humana, são eles: a igualdade, em seu duplo aspecto formal e
material; a liberdade, ajustado à ideia de liberdade com justiça social; a solidariedade, que resume o novo
paradigma do direito contemporâneo, a existência humana digna; e o princípio do respeito à integridade
psicofísica da pessoa.
No plano jurisprudencial, Gilmar Ferreira Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, já se
pronunciou acerca da importância do princípio da dignidade humana, conforme se extrai do seu voto no
Habeas Corpus n° 82.969252:

este princípio proíbe a utilização ou transformação do ser humano em objeto de degradação dos
processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo
contra exposição a ofensas e humilhações.

Nessa mesma direção, Sarlet anuncia253:

onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as
condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver
limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade)
e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá
espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de
mero objeto de arbítrio e injustiças.

Na atual quadra da vida, o reconhecimento da dignidade da vida em seu sentido mais amplo,isto é, dos
seres humanos, dos seres não-humanos (animais e natureza) é essencial para o desenvolvimento de uma
sociedade mais madura, responsável e consciente de seus limites perante os espaços dos demais seres vivos.
Encontrar uma noção precisa para dignidade da pessoa humana é muito difícil, até porque as realidades
das sociedades, via de regra, são diferentes, considerando seus aspectos, culturais, sociais, geográficos,
políticos e econômicos.
Sarlet254 apresenta sua concepção de dignidade humana a partir de dois planos: como expressão da
conduta voluntária da pessoa, que se atrela à concepção de autodeterminação; e como princípio de proteção
(de assistência por parte da sociedade e do Estado), quando inexiste a aptidão de manifestação voluntária. E
apresenta a seguinte definição para dignidade humana:

qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido,
um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e

251
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: Uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 2003. p. 85;102-103.
252
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 82.969-4/PR, publicado em 30.09.2003. Disponível
em: <http.www.stf.gov.br>. Pesquisa realizada em 14.07.2007.
253
SARLET, Wolfgang Ingo (Org.). Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado. 2005, p.35.
254
SARLET (2005), op. cit., p. 13 et seq.
121

qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais
seres humanos.

Por fim, cabe, por oportuno, trazer o pensamento de Immanuel kant255, que sintetiza a ideia de
dignidade humana: “na ordem dos fins, o homem seja um fim em si mesmo; isto é, não possa nunca ser
utilizado por alguém (nem mesmo por Deus) apenas como meio, sem ao mesmo tempo ser um fim”.
A dignidade, na verdade, independentemente da dificuldade de se encontrar um conceito,
consubstancia um limitador do agir de cada um, a fim de evitar violação de direitos fundamentais.

V.4.2. Diferenças semânticas entre direitos e garantias fundamentais

A distinção entre direito e garantia nem sempre é possível, até porque muitas vezes tais institutos se
confundem. A dificuldade de distinguir ou definir direitos e garantias fundamentais é percebível nas linhas de
pensamento dos estudiosos.
No cenário internacional, os constitucionalistas portugueses Jorge Miranda e J. J. Gomes Canotilho
trazem as seguintes proposições. Para Jorge Miranda256, os direitos fundamentais consubstanciam certos
“direitos ou as posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente, assentes
na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material”. E no tocante às garantias,
assevera o doutrinador que enquanto os direitos compreendem certos bens, “as garantias destinam-se a
assegurar a fruição desses bens”, sendo as mesmas “acessórias” dos direitos.
A seu turno, J. J. Gomes Canotilho257, antes de apresentar a concepção de direitos fundamentais, faz
uma distinção entre este e a noção de direitos do homem. Sendo os direitos fundamentais “os direitos do
homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente”, enquanto os direitos do
homem “arrancariam da própria natureza humana e daí seu caráter inviolável, intemporal e universal”. Para
este autor as clássicas garantias são também direitos, e quanto às garantias processuais e procedimentais,
afirma258:

Do princípio do Estado de Direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de um procedimento justo


e adequado de acesso ao direito e de realização do direito.Como a realização do direito é
determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém
alguns princípios e normas designados de garantias gerais de procedimento e de processo.

255
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução Rodolfo Schaefer. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006. p. 141-142.
256
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3ª Ed. Coimbra, Portugal: Ed.
Coimbra, 2000, p. 7; 95.
257
CANOTILHO, J.J.,Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra. Portugal: Ed. Almedina, 2003,
p. 393.
258
Idem. Ibidem, p. 274.
122

As garantias constitucionais contemplam dois papéis: ora como orientadora de uma conduta, como o
princípio da legalidade – esculpido no art. 5º, II, CF/88, que dispõe, in verbis,“ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; ora são instrumentos que dão efetividade a um
direito, a exemplo das seguintes ações constitucionais, também denominadas de remédios constitucionais:
Mandado de Segurança Individual e Coletivo (art. 5º, LXIX, LXX, CF/88);Habeas Corpus(art. 5º, LXVIII,
CF/88);direito de resposta259 (art. 5º, V, CF/88); Habeas Data(art. 5º, LXXII, CF/88) e Mandado de Injunção
(art. 5º, LXXI, CF/88).260
No Brasil, a distinção entre direitos e garantias remonta ao jurista brasileiro Ruy Barbosa. Nesse
sentido, leciona o constitucionalista brasileiro José Afonso da Silva261: "(...) os direitos são bens e vantagens
conferidos pela norma, enquanto as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, são
instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens”.
Uadi Lammêgo Bulos262 propõe que “direitos fundamentais são bens e vantagens disciplinados na
Constituição Federal”, enquanto as “garantias fundamentais são ferramentas jurídicas por meio das quais tais
direitos se exercem, limitando os poderes do Estado”. O autor em tela ressalta que em certas situações direitos
e garantias vêm juntos na mesma norma constitucional, como se verifica nas seguintes normas:

• CF, art. 5º, VI - direito de crença + garantia da liberdade de culto;


• CF, art. 5º, IX - direito de expressão + garantia da proibição à censura; e• CF, art. 5º, LV -
direito à ampla defesa + garantia do contraditório.

Vale acrescentar trêsaspectos relevantes acerca dos direitos e garantias fundamentais. O primeiro diz
respeito ao alcance de outros direitos e outras garantias não expressamente previstas no texto constitucional.
De tal sorte que o rol dos direitos e garantias esculpidos na Carta Constitucional de 1988 é numerus apertus,
ou seja, exemplificativo. Nesse sentido dispõe o art. 5º, par. 2º, CF/88, in verbis:

259
Veja a Lei nº 13.188/2015, que regulamenta o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada,
publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.
260
Embora a Constituição Federal de 1988 não estabeleça expressamente o Mandado de Injunção Coletivo, o STF já se manifestou
pela sua possibilidade260. Concomitantemente, a lei disciplinadora deste instrumento processual (Lei nº 13.300, de 23 de junho de
2016) prevê a figura do MI coletivo, conforme se extrai do seu art. 12, que traz também os legitimados para propor a ação. “Art. 12.
O mandado de injunção coletivo pode ser promovido: I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente
relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis; II - por
partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus
integrantes ou relacionados com a finalidade partidária; III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em
favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades,
dispensada, para tanto, autorização especial; IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante
para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5o da Constituição Federal”.
261
SILVA (2005), op. cit., p. 417.
262
BULOS (2015), op. cit., p. 531.
123

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do


regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte263.

O segundo aspecto que merece realce refere-se à aplicabilidade e a eficácia das normas que trazem
direitos fundamentais. Embora o art. 5º, par. 1º, CF/88, estabeleça que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”, a doutrina e a jurisprudência apresentam fundamentos no
sentido de quealgumas normas constitucionais dependem de outra norma (infraconstitucional) para
produzirem eficácia plena.
A teoria tricotômica das normas constitucionais quanto à sua eficácia e aplicabilidade, de José
Afonso da Silva264, revela que, a despeito de toda norma constitucional possuir certa eficácia, algumas delas
dependem do legislador ordinário para produzirem seus efeitos jurídicos de forma plena. Desta forma, o
constitucionalista pátrio apresenta três categorias de normas constitucionais:

• normas constitucionais de eficácia plena;


• normas constitucionais de eficácia contida;
• normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida.

No primeiro grupo de normas (normas constitucionais de eficácia plena), a sua eficácia aparece de
forma plena desde o seu nascedouro, ou seja, os efeitos previstos pelo legislador estão latentes, independente
de norma infraconstitucional. São normas, leciona José Afonso da Silva265, “de eficácia plena, aplicabilidade
direta, imediata e integral” (ex., direito à vida).
A segunda categoria de normas (normas constitucionais de eficácia contida), trata de normas de
incidência imediata, de aplicabilidade direta (assim como as normas do primeiro grupo), entretanto, a sua
eficácia não está completa, pois podem ter os seus efeitos e aplicabilidade delimitados por uma norma editada
pelo legislador infraconstitucional (ex., art. 5º, XIII, CF/88 - XIII –liberdade do exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão).
Por fim, o terceiro grupo de normas constitucionais (normas constitucionais de eficácia limitada ou
reduzida) compreende aquelas que dependem, para produzir seus efeitos essenciais, de uma norma
infraconstitucional. Segundo palavras de José Afonso da Silva266, tais normas são de “aplicabilidade indireta,
mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre seus interesses após uma normatividade ulterior

263
Vide Súmula Vinculante nº 25, STF: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”,
súmula decorrente da interpretação dada pelo STF ao art. 5º, LXVII, CF/88, em cotejo com o Pacto de São José da Costa Rica.
Nesse sentido ler a decisão do HC 87.585, rel. min. Marco Aurélio, j. 3-12-2008, P, DJE de 26-6-2009. “A subscrição pelo Brasil
do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia,
implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel”.
264
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2003, p. 81-82.
265
Idem. Ibidem, p. 82-83.
266
Idem. Ibidem, p. 83.
124

que lhes desenvolva a eficácia” (ex., art. 37, VI, CF/88 – direito de greve do servidor; art. 40, par. 4º, CF/88
– aposentadoria especial para servidores que exercem atividades de risco ou sob condições especiais que
prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física.Com efeito, quanto as normas de eficácia limitada, há a
possibilidade de propositura de Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) ou de Mandado de
Injunção (MI), quando não forem editadas as normas infraconstitucionais para lhe darem eficácia plena.
No tocante ao terceiro aspecto, cabe frisar que os direitos e garantias fundamentais não estão adstritos
aos arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, do Título II, da Constituição Federal de 1988, sendo possível
encontrar outros direitos e garantias ao longo do texto constitucional, a exemplo daqueles previstos no capítulo
da Ordem Econômica, no art. 170, outras garantias do contribuinte, no art. 150, que trata dos limites do Poder
Tributante do Estado e alguns direitos e garantias, no art. 193, que cuida da Ordem Social, todos da CF/88.
Há hipóteses previstas na Constituição Federal de 1988, que dada a sua gravidade é permitido
imposição de restrição ou até suspensão de direitos sem a intervenção prévia do Poder Judiciário. São os casos
de estado de defesa e estado de sítio.
O estado de defesa é um mecanismo utilizado de forma excepcionalíssima pelo Presidente da
República “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública
ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de
grandes proporções na natureza” (art. 136, CF/88). Uma vez decretado estado de defesa algumas limitações
aos direitos e garantias fundamentais serão aplicadas, e bem assim poderá haver necessidade de uso temporário
de bens ou serviços, conforme estabelece o art. 136, par. 1º, CF/88:

§ 1º O decreto que instituir o estado de defesadeterminaráo tempo de sua duração, especificará


as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a
vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade
pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes (grifo nosso).

Após a edição do decreto de estado de defesa, o Presidente da República o submeterá ao Congresso


Nacional que decidirá pela aprovação por maioria absoluta em um prazo de 10 dias. Caso o Parlamento o
rejeite o estado de defesa deve cessar de imediato (art. 136, par. 4º e 6º, CF/88).
A decretação do estado de sítio, por sua vez, depende de solicitação ao Congresso Nacional, isto é, o
Presidente da República precisa de prévia autorização do Parlamento para praticar o ato de decretação de
estado de sítio. Só é cabível a utilização deste mecanismo nas seguintes situações:

Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de


Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio
nos casos de:
125

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia


de medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

A Constituição Federal de 1988 prevê algumas limitações na hipótese de estado de sítio, são elas:

Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão
ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações,
à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma
da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII - requisição de bens (grifo nosso).

Ressalte-se que a restrição prevista no inciso III, do art. 139, acima transcrito, não se aplica aos
pronunciamentos de parlamentares em suas Casas Legislativas, desde que tenha anuência da respectiva Mesa
(art. 139, par. único, CF/88).
A Constituição Federal de 1988 não estabeleceu limites à atuação das autoridades públicas no caso de
estado de sítio, e se ocorrer a hipótese prevista no art. 137, II, CF/88, pode o Brasil aplicar a pena de morte?
O art. 5º, XLVII, a, CF/88, proíbe alguns tipos de pena, inclusive a pena de morte, no entanto, admite
excepcionalmente em caso de guerra a referida penalidade267. Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente268
pontuam que “nada impede que tais medidas sejamsubmetidas, posteriormente, ao controle do Poder
Judiciário, com o fim dereparar eventuais abusos ou excessos cometidos na sua execução."

V. 5. Direitos da nacionalidade: perspectiva constitucional e sociológica. Aspectos normativos

O estudo da nacionalidade269 tem várias implicações na área jurídica, desempenhando funções


relevantes, além de consubstanciar um direito fundamental do individuo, como será demonstrado adiante.
A nacionalidade ainda pode ser examinada a partir de uma perspectiva sociológica, área na qual o
institutoéimportante especialmente por unir pessoas a partir de identificação com valores comuns, tais como
a cultura, a língua, as tradições, as crenças e o território.
Para José Afonso da Silva270, a nacionalidade, a partir de um viés sociológico, “indica a pertinência da
pessoa a uma nação”. Complementa o autor:

267
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...).XIX - declarar
guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo
das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional”.
268
ALEXANDRINO; VICENTE (2016), op. cit. p. 109-110.
269
Cabe privativamente à União legislar sobre nacionalidade, art. 22, XIII, CF/88.
270
SILVA (2005), op.cit., p. 318-319.
126

No Direito Constitucional brasileiro vigente, os termos nacionalidade e cidadania, ou nacional


e cidadão, têm sentido distinto. Nacional é o brasileiro nato ou naturalizado, ou seja, aquele que
se vincula por nascimento ou naturalização, ao território brasileiro. Cidadão qualifica o nacional
no gozo dos direitos políticos e os participantes da vida do Estado (arts. 1º, II e 14, CF/88).

Para o Direito, a nacionalidade é relevante, pois vincula juridicamente um indivíduo a um determinado


Estado, mas não é só isso, pois a nacionalidade é pressuposto da cidadania e, no Direito Internacional serve
como parâmetro para se verificar qual é a lei aplicável em determinada situação, ou seja, a nacionalidade atua
como elemento de conexão entre dada situação e a lei a ela aplicável.
Para esclarecer melhor, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB (Decreto-Lei nº
4.657/1942, alterado pela Lei nº 12.376/2010) traz algumas normas jurídicas de direito privado internacional,
as quais estabelecem situações em que a nacionalidade das partes atua como critério para seraferir qual é a lei
aplicável, ou seja, a nacionalidade é o elemento de conexãonesses casos. Por exemplo, o art. 10, da LINDB,
que disciplina a sucessão causa mortis utiliza, em regra, o critério do domicílio do autor da herança para
determinar a lei aplicável no inventário. Ou seja, em regra, o elemento de conexão neste caso é o domicílio:
“art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o
desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. Ocorre que o mesmo dispositivo legal
dispõe de uma exceção no seu par. 1º, que dispõe, ipsis litteris:

§1º. A sucessão de bens de estrangeiros, situados no país (Brasil), será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre
que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (grifo nosso).

A redação do par.1º, do art. 10, acima transcrito, deixa certa dúvida quando se refere “a lei pessoal
dode cujus”, pois não fica claro se o legislador está se referindo ao domicílio ou a nacionalidade do falecido.
Na mesma direção, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXI, reza: “a sucessão de bens de
estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do ‘de cujus’”.
Valerio de Oliveira Mazzuoli271, ao comentar as redações do art. 5º, XXXI, CF/88, e do art. 10, da
LINDB, que tratam da sucessão causa mortis, traz a visão de vários doutrinadores, e o que se constata, de
fato, é que a doutrina também parece ter dúvidas quanto ao alcance interpretativo da expressão “lei pessoal do
de cujus”. Para o autor em tela, a melhor exegese é a de que a expressão se refira à nacionalidade e explica:

(...) a grande maioria dos estrangeiros que têm bens no Brasil são também aqui domiciliados,
pelo que não faria sentido a Constituição ter aberto exceção à “lei pessoal do de cujus” se se
entendesse que tal lei pessoal seria, sem exceção, a lei do domicílio. Não haveria, portanto,
salvo na escassa minoria dos casos, qualquer lei mais benéfica a ser eventualmente aplicada ao
caso concreto, o que foge à lógica e ao espírito do contemporâneo DIPr. Coerente, portanto,

271
MAZZUOLI,Valerio de Oliveira. Lei pessoal do de cujus pode ser também a lei da nacionalidade. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2016. Acesso em 13.02.2017.
127

com a vontade constitucional é entender que tanto o artigo 5º, XXXI, da Constituição, como o
artigo 10, parágrafo 1º, da LINDB, abriram exceção à regra domiciliar nos casos de estrangeiros
domiciliados no Brasil e no exterior.

Maria Helena Diniz272, também ao comentar o art. 10, da LINDB, parece caminhar na mesma linha de
pensamento de Valerio de Oliveira Mazzuoli, entendendo que a expressão “lei pessoal do de cujus” sinaliza a
lei da nacionalidade do mesmo.
Quanto ao conceito de nacionalidade, as variações doutrinárias são mínimas. Francisco Rezek273
propõe a seguinte concepção de nacionalidade:“vínculo político entre o Estado soberano e o indivíduo, que
faz deste um membro da comunidade constitutiva da dimensão pessoal do Estado”. Alexandre de Moraes274
conceitua nacionalidade como "o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado
Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a
exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos”. Pontes de Miranda275 propõe que a
nacionalidade compreende um "vínculo jurídico-político de direito público interno, quefaz da pessoa um dos
elementos componentes da dimensão pessoal do Estado". Jacob Dolinger276, sem se distanciar dos conceitos
apresentados, delineia a nacionalidade como um “vínculo jurídico que une, liga, vincula, o indivíduo ao
Estado”.
Em síntese: a nacionalidade compreende a existência de uma relação jurídica que cria um vínculo entre
um indivíduo e uma comunidade estatal, sagrando-se a dimensão subjetiva do Ente Político. Tal vínculo
permite o exercício de direitos civis, políticos, sociais e econômicos contemplados naquela Sociedade Jurídica.
A nacionalidade, sob a perspectiva dos direitos fundamentais, é reconhecidamente um direito
fundamental, conforme se extrai da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948 277, em
seu art. 15: “Todo homem tem direito a uma nacionalidade. Ninguém será arbitrariamente privado de sua
nacionalidade, nem do direito de mudar denacionalidade”.
Segundo a Convenção de Haia de 1930, os Estados são soberanos para criarem suas próprias regras
para estabelecer a aquisição da nacionalidade, ou seja, quem são seus nacionais. Entretanto, tais Entes Políticos
não podem, injustificadamente, negar a nacionalidade a um indivíduo, visto se tratar de um direito
fundamental. Com efeito, para Hans Kelsen um Estado soberano seria livre para criar ou não um estatuto para
disciplinar a nacionalidade278.
Há duas maneiras de aquisição da nacionalidade:nacionalidade originária - também denominada de
natural, primária ou involuntária, decorrente do nascimento ea nacionalidade secundária, também conhecida

272
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007, p. 328-329.
273
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 11ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2008, p. 180.
274
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª Ed. São Paulo: Atlas. 2014, p. 217.
275
MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição. São Paulo: Ed. RT, 1974, v. 4, p. 367.
276
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001, p. 153.
277
ONU. Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948. Disponível em www.onu.org.br. Acesso em
13.02.2017.
278
KELSEN, 1932 apud REZEK, 2008, op. cit, p. 181.
128

como adquirida, derivada ou voluntária pode ser adquirida a partir de critérios que variam de Estado para
Estado.
As regras para aquisição e a perda da nacionalidade variam, considerando que cada Estado é soberano
para elaborar seu regramento de acordo com a sua realidade geopolítica.
A nacionalidade originária (primária) é adquirida, em regra, a partir de dois critérios: ius soli (critério
espacial, territorial) e ius sanguinis (vínculo sanguíneo). Em alguns casos aplica-se também o critério
funcional, a exemplo do disposto na segunda parte do art. 12, das alíneas a e b, do inciso I, CF88.
Quanto à caracterização da nacionalidade primária, ensina José Afonso da Silva:279

o fato nascimento é que, em verdade, determina a / primária, relacionado, porém, a um daqueles


critérios. Em geral, os Estados de emigração, como a maioria dos europeus, preferem a regra
do ius sanguinis. Os Estados de imigração, como a maioria dos americanos, acolhem a do ius
solis, pelo qual os descendentes da massa dos imigrantes passam a integrar a sua nacionalidade,
o que não ocorreria se perfilhassem o critério do sangue280.

No Brasil, o direito à nacionalidade é constitucionalizado no Brasil, no art. 12, CF/88. No plano


infraconstitucional era tratado nasLeisnº 818/1949 e nº 6.815/1980 (esta denominada de Estatuto do
Estrangeiro). Ocorre que tais diplomas normativos foram revogados pela Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017
- denominada de Lei da Migração -, cuja vacatio legis será de 180 dias, contados a partir de sua publicação no
Diário Oficial. Ou seja, a contagem inicia-se do dia 25.05.2017. Desse modo, até o dia 25.11.2017 aplicam-
se os estatutos normativos revogados.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 12 as hipóteses de aquisição da nacionalidade
originária e derivada. A redação do dispositivo em tela refere-se a brasileiros natos e brasileiros naturalizados.
Francisco Rezek281 esclarece que brasileiro nato é todo “aquele que ao nascer – geralmente no Brasil, mas
eventualmente no exterior – viu-se atribuir a nacionalidade brasileira ou, quando menos, a perspectiva de
consolidá-la mediante opção com efeitos retroativos”.
Já o brasileiro naturalizado é aquele que pela via do processo de naturalização 282 adquire a
nacionalidade brasileira, sendo titular de todos os direitos atribuídos aos brasileiros natos, com algumas
exceções previstas na Constituição Federal de 1988, com relação ao exercício de alguns cargos públicos, no
caso de extradição e de titularidade de propriedade.
O art. 12, par. 3ºe o art. 89, VII, CF/88, estabelecem as hipóteses de cargos e funções públicas que
podem ser exercidos somente por brasileiro nato. São eles: de Presidente e Vice-Presidente da República; de
Presidente da Câmara dos Deputados;de Presidente do Senado Federal;de Ministro do Supremo Tribunal

279
SILVA (2005), op., cit, p. 320-322.
280
Vide art. 1º, § 1º, Lei nº 13.445/2017, que traz os conceitos normativos de emigrante, imigrante e apátrida. Disponível em
www.planalto.gov.br. Acesso em 29.05.2017.
281
REZEK (2008), op., cit, p. 186.
282
Cf. pontua DOLINGER, Jacob, op. cit, p. 175, a naturalização consubstancia “um ato unilateral e discricionário do Estado no
exercício de sua soberania, podendo conceder ou negar a nacionalidade a quem, estrangeiro, a requeira”.
129

Federal; da carreira diplomática; de oficial das Forças Armadas; de Ministro de Estado da Defesa e de membro
do Conselho da República - órgão superiorde consulta do Presidente da República.
No que diz respeito à extradição, a Carta Constitucional de 1988 estabelece em seu art. 5º, LI, que não
é possível a extradição de brasileiro nato, admitindo tal possibilidade, entretanto, para o brasileiro naturalizado
nas seguintes situações:

Art. 5º (...)
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvoo naturalizado, em caso de crime comum,
praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, na forma da lei (grifo nosso).

Ou seja: o naturalizado poderá ser extraditado se ficar comprovado que havia cometido crime comum
antes da extradição (esta regra visa a evitar o uso da naturalização brasileira com a intenção de se resguardar
de possívelextradição). A outra situação que permite a extradição é o envolvimento do naturalizado com
tráfico ilícito de entorpecentes – neste caso independe se foi antes ou depois do processo de naturalização.
Outra situação em que a Constituição Federal de 1988 estabelece tratamento diferenciado entre
brasileiro nato e brasileiro naturalizado é aquela prevista no art. 222. Trata-se do direito de propriedade de
empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, o qual tem como titular brasileiro nato ou
naturalizado há mais de dezanos.
São hipóteses que caracterizam o status de brasileiro nato, nos termos do art. 12, CF/88:

Art. 12. São brasileiros:


I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que
estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira,desde quequalquer deles
esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde quesejam
registrados em repartição brasileira competenteou venham a residir na República Federativa do
Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade
brasileira.

A primeira situação, art. 12, I, alínea a, consagra o critério ius solis, ou seja, pelo simples fato de ter
nascido no Brasil é brasileiro. Deve-se ter cuidado, entretanto, com a segunda parte da alínea a, que dispõe
“desde que estes não estejam a serviço de seu país”. Esta regra constitucional excepciona o critério do ius solis
quando um ou ambos (estrangeiros) estão a serviço do seu país, caso em que o Brasil reconhece o ius sanguinis,
e a criança não adquire a nacionalidade brasileira originária.
Ainda, Francisco Rezek283 acentua outro aspecto relevante quanto à regra esculpida na parte final do
art. 12, I, alínea a, CF/88: “os pais, estrangeiros, devem estar a serviço do país cuja nacionalidade possuem
para que não ocorra a atribuição da nacionalidade brasileira”. O autor exemplifica com a seguinte situação:

283
REZEK (2008), op.cit, p. 187.
130

estrangeiro de nacionalidade egípcia a serviço do Catar. Neste caso, ele estaria a serviço de um país do qual
ele não é nacional, logo, o seu filho nascido no Brasil seria brasileiro.
A regra inserta no inciso I, alínea b, do art. 12, “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe
brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil”, é semelhanteàquela
da parte final da alínea a, do mesmo dispositivo. Tem-se aqui a combinação do critério ius sangunis com o
elemento funcional. Assevera Jacob Dolinger284 que o exercício de atividade pública do Brasil no exterior
abrange “toda e qualquer missão do governo federal, dos governos estaduais e municipais, bem assim das
empresas de economia mista, pois controladas pelo acionista governamental, suas atividades encerram
interesse público”.
Algumas considerações se fazem necessárias acerca da normativa do art. 12, I, alínea c, CF/88. A
redação do referido dispositivo já sofreu duas alterações desde a promulgação da Carta Constitucional vigente.
O seu texto original era:

os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados
em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil
antes da maioridade e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.

Depois, com o advento da Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 7 de junho de 1994, a redação


passou a vigorar da seguinte forma:

c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir
na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.

Por fim285, com a Emenda Constitucional nº 54 de 20 de setembro de 2007 tem-se a redação atual da
alínea c, do inciso I, do art. 12, in verbis:

os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados
em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e
optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

A atual redação busca corrigir alguns problemas de apatrídia, fenômeno que caracteriza a ausência de
nacionalidade. A apatrídia é o oposto de polipatria, uma vez que esta tem como pressuposto a existência de
mais de uma nacionalidade, isto é, o indivíduo possui mais de uma nacionalidade.
Embora o termo comumente utilizado seja apatrídia, alguns estudiosos preferem o termo
“anacionalidade”, conforme palavras de Florisbal de Souza Del'Olmo286:

284
DOLINGER (2001), op., cit, p. 163.
285
DOLINGER (2001), op., cit, p. 164-166. O autor chama atenção para o fato de que esta terceira situação de aquisição de
nacionalidade originária já foi modificada diversas vezes nas outras Constituições.
286
DEL'OLMO,Florisbal de Souza. A Emenda Constitucional no. 54 e o resgate da cidadania brasileira para filhos de nacionais
nascidos no estrangeiro. Anuario mexicano de derecho internacional. Mex. Der. Inter vol.9 México ene. 2009. Disponível em
www.scielo.org. Acesso em 14.02.2017.
131

designar por anacional o cidadão privado de nacionalidade (...) oferece conotação de


transitoriedade a essa situação e leva ao entendimento de que a condição de anacional será
passageira, pela inserção dessa pessoa entre os nacionais de um estado, na esteira de
movimentos humanitários, doutrinários e convencionais que buscam a supressão da
anacionalidade, ou pelo menos a gradativa diminuição do número de pessoas por ela atingidas.

A emenda constitucional nº 54/2007 objetivou corrigir problemas dos apátridas (também denominados
de heimatlos e apólitos). Nesse sentido, a normativa constitucional busca suprir a ausência de uma norma que
contemple uma solução para a apatrídia de filhos de brasileiros nascidos no exterior onde não se encontravam
a serviço do Brasil ou em lugares onde o critério adotado para concessão da nacionalidade era o ius
sanguinis.Agora, todo filho de brasileiros que nascer no exterior pode adquirir facilmente a nacionalidade
brasileira, desde que os pais se dirijam a um órgão brasileiro (Embaixada, Consulado) e realizem o respectivo
registro de nascimento, dispensando, portanto, a vinda ao Brasil para proceder ao registro.
Por oportuno, também foi objeto de regulamentação da EC nº 54/2007, conforme se extrai do art. 95,
ADCT, os casos de nascidos entre 7 de junho de 1994 e 20 de setembro de 2007. De modo que “os filhos de
pai brasileiro ou mãe brasileira poderão ser registrados em repartição diplomática ou consultar brasileira
competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil”. Trata-se, como
acentua Alexandre de Moraes287, de uma “hipótese excepcional e temporária diferente da nacionalidade
potestativa, por não exigir opção”.
O cenário é o seguinte, a EC nº 54/2007 trouxe de volta a regra prevista originalmente da Constituição
Federal de 1988, que havia sido extinta pela Emenda Constitucional Revisora nº 3/1994, que era o denominado
“registro consular” de nascimento, com o qual nasce também a nacionalidade brasileira.
Assim, tem-se as seguintes situações no art. 12, I, alínea c, CF/88:
Regra 1: adquirem a nacionalidade originária brasileira todos “os nascidos no estrangeiro de pai
brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou
Regra 2: venham a residir na República Federativa do Brasil eoptem, em qualquer tempo, depois de
atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”288.
A situação prevista na regra 2 mantém-se válida, isto é, o outro caminho para aquisição da
nacionalidade originária é a opção, a qualquer tempo após atingida a maioridade. O STF entende que
se trata de um direito personalíssimo, razão pela qual somente o indivíduo no gozo de sua capacidade plena
poderá optar. Nesse sentido, esclarecedora é a ementa da decisão, em sede de recurso extraordinário289
(lembrando que a regra da opção manteve-se mesmo após a aprovação da EC nº 54/2007):

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. NACIONALIDADE: OPÇÃO. C.F., ART. 12, I, c, COM


A EMENDA CONSTITUCIONAL DE REVISÃO Nº 3, DE 1994. I. - São brasileiros natos
os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir

287
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª Ed. São Paulo: Atlas. 2014. p. 223-224.
288
A redação foi dada pela Emenda Constitucional nº 45/2007.
289
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 418096/RS. Julgado em 25.09.2003. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em
14.02.2017.
132

no Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira. II. - A opção pode ser
feita a qualquer tempo, desde que venha o filho de pai brasileiro ou de mãe brasileira, nascido
no estrangeiro, a residir no Brasil. Essa opção somente pode ser manifestada depois de
alcançada a maioridade. É que a opção, por decorrer da vontade, tem caráter personalíssimo.
Exige-se, então, que o optante tenha capacidade plena para manifestar a sua vontade, capacidade
que se adquire com a maioridade. III. - Vindo o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou
de mãe brasileira, a residir no Brasil, ainda menor, passa a ser considerado brasileiro
nato, sujeita essa nacionalidade a manifestação da vontade do interessado, mediante a
opção, depois de atingida a maioridade. Atingida a maioridade, enquanto não manifestada
a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira. IV.
- Precedente do STF: AC 70-QO/RS, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 25.9.03, "DJ" de
12.3.04. V. - RE conhecido e não provido (grifo nosso).

Vale ressaltar que no Brasil não existe a possibilidade de aquisição de nacionalidade brasileira em
razão de matrimônio. Nesse sentido já se pronunciou inclusive o Supremo Tribunal Federal, no processo de
Extradição nº 1.121, da relatoria do Ministro Celso de Mello290: “não se revela possível, em nosso sistema
jurídico-constitucional, a aquisição da nacionalidade brasileira jure matrimonii, vale dizer, como efeito direto
e imediato resultante do casamento civil”.
O art. 12, II, CF/88, conforme já mencionado, trata da nacionalidade secundária, voluntária, derivada.
Todo o estrangeiro que voluntariamente deseja adquirir a nacionalidade brasileira deve proceder ao
procedimento de naturalização. Assevera Uadi Lammêgo Bulos291 que a naturalização:

(...) não é um direito público subjetivo, mas um ato discricionário, praticado, exclusivamente,
pelo Chefe do Poder Executivo. Sua outorga é uma longa manus da soberania nacional. Um
apátrida ou um estrangeiro, por exemplo, podem até satisfazer os requisitos legais e
constitucionais para a sua obtenção. Isso, contudo, não basta. É imprescindível que o Executivo
delibere sobre a matéria, dentro da esfera discricionário que lhe é afeta por excelência.

No Brasil, há 4 tipos de naturalização:

1.Naturalização Comum: o estrangeiro tem interesse em se tornar um cidadão brasileiro (art.


12, II, a, CF/88 c/c art. 65, da Lei nº 13.445/2017).
2.Naturalização Especial: destina-se ao estrangeiro casado com diplomata brasileiro há mais
de cinco anos, ou ao estrangeiro que conte com mais de dez anos de serviços ininterruptos
empregado em Missão diplomática ou em Repartição consular brasileira (Art. 12, II, a, CF/88
c/c art. 68, da Lei nº 13.445/2017).
3. Naturalização Provisória: caso o estrangeiro tenha ingressado no Brasil durante os
primeiros cinco anos de vida, e tenha se estabelecido definitivamente no território nacional,
poderá requerer, junto ao Departamento de Polícia Federal ou ao protocolo geral do Ministério
da Justiça, enquanto menor, por intermédio de seu representante legal (Art. 12, II, a, CF/88 c/c
art. 70, da Lei nº 13.445/2017).
4.Naturalização Extraordinária (ou quinzenária): é personalíssima, isto é, a sua aquisição
por estrangeiro não implica a aquisição da naturalização pelo cônjuge ou filhos do naturalizado
(Art. 12, II, b, CF/88, c/c art. 67, da Lei nº 13.445/2017).

290
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição nº 1.121, julgamento em 18.12.2009, publicado no DJE em 25.06.2010.
Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 14.02.2017.
291
BULOS (2015), op., cit, p. 847.
133

). Podem requerê-la os estrangeiros residentes no Brasil de forma ininterrupta e sem condenação


penal, há mais de 15 anos292.

A Carta Constitucional de 1988 dedicou especial tratamento aos portugueses, nos termos do art. 12,
par. 1º, que prevê o instituto da “quase nacionalidade”, também denominado de “cláusula ut des”, “cláusula
de admissão de reciprocidade” ou “elo de reciprocidade”.293A referida norma dispõe, in verbis:

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor


de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta
Constituição.

O STF já se manifestou acerca do alcance interpretativo da norma supra transcrita na Ação de


Extradição nº 890294, de relatoria do ministro Celso de Mello e proposta pelo Governo de Portugal:

(...). A norma inscrita no art. 12, § 1º da Constituição da República - que contempla, em seu
texto, hipótese excepcional de quase-nacionalidade - não opera de modo imediato, seja
quanto ao seu conteúdo eficacial, seja no que se refere a todas as conseqüências jurídicas que
dela derivam, pois, para incidir, além de supor o pronunciamento aquiescente do Estado
brasileiro, fundado em sua própria soberania, depende, ainda, de requerimento do súdito
português interessado, a quem se impõe, para tal efeito, a obrigação de preencher os requisitos
estipulados pela Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e
portugueses (grifo nosso).

A decisão do STF acima transcrita revela a necessidade, para a concretização do instituto da quase-
nacionalidade, de cumprimento de pelo menos dois pressupostos: a concordância do Estado em conferir certas
prerrogativas aos cidadãos portugueses e a manifestação do cidadão (português) interessado em realizar o
devido procedimento de requerimento.
E como ocorre a naturalização? Por meio de um processo misto (administrativo e judicial),
compreendendo uma fase administrativa, junto ao Ministério da Justiça e outra de jurisdição voluntária
perante a Justiça Federal. A competência para julgar o processo de naturalização é da Justiça Federal, nos
termos do art. 109, X, CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


(...)
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória,
após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à
nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização (grifo nosso).

292
O prazo anterior era de 30 anos. A EC n.3/1994 alterou para 15 anos. Ainda, segundo entendimento do STF: “A ausência
temporária não significa que a residência não foi contínua, pois há que se distinguir entre residência contínua e permanência
contínua”.(AG.32.074-DF, STF).
293
BULOS (2015), op. cit. p. 822.
294
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição nº 890. Julgamento em 05.08.2004. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em
15.02.2017.
134

O certificado de naturalização só será entregue ao naturalizado que em audiência na Justiça Federal


provar conhecer a língua portuguesa e assumir o compromisso de bem cumprir os deveres de brasileiro, entre
outros requisitos.

V.5.1. Da perda da nacionalidade e da reaquisição da nacionalidade

A Constituição Federal de 1988 previa situações, que poderiam ensejar a perda da nacionalidade.
Destaca-se, todavia, que tais hipóteses sofreram alteração por conta da Emenda Constitucional n. 131,
promulgada em 3 de outubro de 2023.
Com relação ao as casos passíveis de perda da nacionalidade, o STF já se manifestou, no sentido de
se tratar de rol números clausus, ou seja, taxativo, não podendo o legislador ordinário criar outras situações.
Nesse contexto, vale a leitura da ementa de decisão, em sede de Habeas Corpus, da relatoria do ministro Celso
de Mello295:

A perda da nacionalidade brasileira, por sua vez, somente pode ocorrer nas hipóteses
taxativamente definidas na CR, não se revelando lícito, ao Estado brasileiro, seja mediante
simples regramento legislativo, seja mediante tratados ou convenções internacionais, inovar
nesse tema, quer para ampliar, quer para restringir, quer, ainda, para modificar os casos
autorizadores da privação – sempre excepcional – da condição político-jurídica de nacional do
Brasil.

Conforme mencionado no início deste tópico, as regras para perda nacionalidade sofreram mudanças.
Desse modo, o quadro abaixo esclarece como era antes da EC 131/2023 e como está agora o art. 12, par. 4º,
CF/88:

PERDA DA NACIONALIDADE ANTES DA PERDA DA NACIONALIDADE DEPOIS DA EC


EC 131/2023 131/2023
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do
brasileiro que:
brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença
judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse judicial, em virtude de fraude relacionada ao processo de
nacional; naturalização ou de atentado contra a ordem
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos constitucional e o Estado Democrático;
casos:
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela II - fizer pedido expresso de perda da nacionalidade
lei estrangeira. brasileira perante autoridade brasileira competente,
ressalvadas situações que acarretem apatridia.

295
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 83.113 QO. Julgamento em 26-3-2003. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em
15.02.2017.
135

b) de imposição de naturalização, pela norma


estrangeira, ao brasileiro residente em estado
estrangeiro, como condição para permanência em seu
território ou para o exercício de direitos civis.

Fiquem atento também para o disposto no § 5º, do art. 12, CF/88: “A renúncia da nacionalidade, nos
termos do inciso II, do § 4º deste artigo, não impede o interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira
originária, nos termos da lei” Ou seja, o brasileiro nato que havia renunciado a nacionalidade poderá
readquiri-la na forma anterior, com a nacionalidade originária, o que põe por terra a discussão doutrinária
acerca da natureza jurídica da reaquisição da nacionalidade de brasileiro nato, se a reaquisição seria como nato
ou naturalizado296.
Outro ponto importante, que merece realce, está na 2ªa parte do art. 12, § 4º, II, CF/88, segundo a qual
o Brasil não aceitará a renúncia voluntária do cidadão brasileiro se isso resultar em apatridia, isto é, que a
perda da nacionalidade deixar o indívido sem um vínculo jurídico-político com um Estado, considerando que
nacionalidade é um direito fundamental da pessoa.

V. 6. ESTUDO DE CASO

1. (OAB 206.2) Joaquim Silva, português equiparado em direitos civis e políticos, preocupado com a
probidade na República, impetrou habeas data contra ato do Presidente da Assembleia Legislativa de seu
Estado, pois este não respondera a pedido de expedição de certidão que comprovaria a suposta participação
de deputados estaduais em fraudes a licitações de obras públicas. Aduziu que o Presidente da Casa Legislativa
já havia se negado a expedir a certidão e que ela seria fundamental para as investigações que vinham sendo
realizadas pelo Ministério Público.

296
Nesse sentido pontuava Bulos: “Aquele que teve a naturalização cancelada nunca poderá recuperar a nacionalidade brasileira
perdida, salvo se o cancelamento for desfeito em ação rescisória. O que a perdeu por naturalização voluntária poderá readquiri-la,
por decreto do Presidente da República, se estiver domiciliado no Brasil (Lei 818/49, art. 36). Aquele que, eventualmente, a tenha
perdido, nos termos das constituições anteriores, por ter aceitado comissão, emprego ou pensão de governo estrangeiro, sem licença
do Presidente da República, poderá agora recuperá-la sem mesmo renunciá-los, como se exigia antes, porquanto não constitui mais
causa de perda da nacionalidade”. In: BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva,
2010, p. 832-833. No mesmo sentido entendia o STF, conforme se extrai da decisão proferida no processo de extradição nº 441, da
relatoria do ministro Néri Silveira. “A renaturalização de brasileiro nato ensejaria a volta ao statusquo ante’. Vide Ext. nº 441 –
Estados Unidos. Julgamento em 18.06.1986. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 16.02.2017. Em sentido diverso, outra
corrente, da qual fazia parte Pontes de Miranda, entendia que o brasileiro nato que perdeu a nacionalidade brasileira, e depois vem
a readquiri-la, só poderia fazê-la pelo procedimento de naturalização, ou seja, seria um brasileiro naturalizado, não sendo mais
brasileiro nato. Vide MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969. São Paulo: Ed. RT,
1974, v. 4, p. 590.
136

Em resposta ao writ, o Presidente da Assembleia Legislativa requer que a ação não seja conhecida, sob
a alegação de que todo e qualquer remédio constitucional é garantia concedida pela Constituição da República
Federativa do Brasil apenas a brasileiros natos.
Considerando a situação hipotética apresentada, responda, de forma fundamentada, aos itens a seguir.
A) Ser cidadão brasileiro nato é condição para a impetração do habeas data?

V. 7. QUESTÕES OBJETIVAS
1. São direitos sociais, nos termos da CF/88:
a) a educação, a saúde, o trabalho, a liberdade, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância
b) a educação, a saúde, o trabalho, a inviolabilidde do direito à vida, à liberdade e a proteção à
maternidade e à infância
c) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
d) a igualdade de direitos entre homens e mulheres
e) a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição

2. (TJ/SP 2013 - VUNESP - Escrevente Técnico Judiciário) Nos termos da Constituição Federal, são
brasileiros natos:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de
língua portuguesa apenas residência, por um ano ininterrupto, e idoneidade moral.
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na
República Federativa do Brasil até a maioridade.
c) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não
estejam a serviço de seu país.
d) os nascidos no estrangeiro, desde que de pai brasileiro e de mãe brasileira.
e) os portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros.

3. (CNJ 2013 - CESPE - Técnico Judiciário - Programação de Sistemas) Em tempo de paz, a liberdade de
locomoção dentro do território nacional é ampla para os nacionais e os estrangeiros residentes e não residentes
que tenham ingressado regularmente no país.
( ) CERTO ( ) ERRADO

4. (TRT 9ª 2013 - FCC - Técnico Judiciário - Área Administrativa). Não é privativo de brasileiro nato o
cargo de
a) Ministro do Supremo Tribunal Federal.
b) Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
c) Oficial das Forças Armadas.
d) Presidente da Câmara dos Deputados.
e) Carreira Diplomática.

5. (Exame de Ordem Unificado - XVI - Primeira Fase - FGV) Alessandro Bilancia, italiano, com 55 anos
de idade, ao completar 15 anos de residência ininterrupta no Brasil, decide assumir a nacionalidade
“brasileira”, naturalizando se de renomado professor, cuja elevada densidade intelectual e capacidade de
liderança são muito bem vistas por um dos maiores partidos políticos brasileiros. Na certeza de que
Alessandro poderá fortalecer os quadros do governo caso o partido em questão seja vencedor nas eleições
presidenciais, a cúpula partidária já ventila a possibilidade de contar com o auxílio do referido professor
na complexa tarefa de governar o País.
137

Analise as situações abaixo e assinale a única possibilidade idealizada pela cúpula partidária que encontra
respaldo na Constituição Federal.
a) Alessandro Bilancia, graças ao seu reconhecido saber jurídico e à sua ilibada reputação, poderá ser
indicado para compor o quadro de ministros do Supremo Tribunal Federal.
b) Alessandro Bilancia, na hipótese de concorrer ao cargo de deputado federal e ser eleito, poderá ser
indicado para exercer a Presidência da Câmara dos Deputados.
c) Alessandro Bilancia, na hipótese de concorrer ao cargo de senador e ser eleito, pode ser o líder do
partido na Casa, embora não possa presidir o Senado Federal.
d) Alessandro Bilancia, dada a sua ampla e sólida condição intelectual, pode ser nomeado para assumir
qualquer ministério do governo.

6. (Exame de Ordem Unificado - XV - FGV) A CRFB/88 identifica as hipóteses de caracterização da


nacionalidade para brasileiros natos e os brasileiros naturalizados.
Com base no previsto na Constituição, assinale a alternativa que indica um caso constitucionalmente
válido de naturalização requerida para obtenção de nacionalidade brasileira.
a) Juan, cidadão espanhol, casado com Beatriz, brasileira, ambos residentes em Barcelona.
b) Anderson, cidadão português, domiciliado no Brasil há 36 dias
c) Louis, cidadão francês, domiciliado em Brasília há 14 anos, que está em liberdade condicional, após
condenação pelo crime de exploração sexual de vulnerável.
d) Maria, 45 anos, cidadã russa, residente e domiciliada no Brasil desde seus 25 anos de idade,
processada criminalmente por injúria, mas absolvida por sentença transitada em julgado.

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TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. III. Rio de Janeiro:
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139

CAPÍTULO VI
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

VI. 1. O constitucionalismo e a força normativa das constituições

O surgimento do constitucionalismo ocorre em um contexto de grandes transformações sociais,


associadas às revoluções burguesas deflagradas entre os Séculos XVII e XVIII, por meio das quais o povo
buscava limitar a atuação do Estado na seara privada. Nesse sentido, esclarece Gustavo Binenbojm297 que a
“Constituição surge, assim, como exigência burguesa de limitação e racionalização do poder real, até então
absoluto, que passa a curvar-se aos interesses da nova classe dominante”.
A aplicação prática das normas constitucionais depende, no entanto, de instrumentos, a exemplo da
jurisdição constitucional298. Gustavo Binenbojm299destaca o pensamento de Emmanuel Joseph Sieyès, para
quem a jurisdição constitucional seria “uma instituição políticaessencial à garantia da supremacia da
Constituição”.
Mauro Cappelletti300, ao tratar da extensão do termo “justiça constitucional”, acentua que o controle
de constitucionalidade é apenas uma das suas manifestações, e acrescenta:

Todas as manifestações da “justiça constitucional” podem, de certo, reduzir-se a unidade, pelo


menos, sob o seu aspecto funcional: a função da tutela a atuação judicial dos preceitos da
supremacia da lei constitucional.

Ainda, sobre o tema, leciona Luís Roberto Barroso:301

As locuções jurisdição constitucionale controle de constitucionalidadenão são sinônimas,


embora sejam frequentemente utilizadas de maneira intercambiável. Jurisdição constitucional
designa a aplicação da Constituição por juízes e tribunais. Controle de constitucionalidade,
que é, portanto, uma das formas de exercício da jurisdição constitucional (grifo nosso).

A partir de tal linha de pensamento é possível extrair as seguintes premissas: jurisdição constitucional
(justiça constitucional) e controle de constitucionalidade se comunicam, mas são institutos distintos, este
(controle) é uma forma de realização daquele (jurisdição/justiça constitucional.

297
BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização.
2 ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2004, p. 16.
298
Também denominada de justiça constitucional, vide CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das
leis no direito comparado. 2 ª ed. Tradução de Aroldo Plinio Gonçalves. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 23.
299
BINENBOJM (2004), op., cit., p. 24.
300
CAPPELLETTI (1999), op.,cit., p. 25.
301
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise
crítica da jurisprudência. 6ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 20.
140

De acordo com Konrad Hesse302, a jurisdição constitucional (justiça constitucional) é um profícuo


instrumento para dar força à Constituição. Decerto, o controle de constitucionalidade viabiliza a tutela dos
direitos fundamentais.

VI.2. Controle de constitucionalidade: aspectos gerais, conceituais e finalidade

O controle de constitucionalidade, como será visto, pressupõe a observância dos princípios da rigidez
e da supremacia das Constituições, os quais justificam a existência da jurisdição constitucional pela via do
controle de constitucionalidade de atos normativos infraconstitucionais.
O princípio da supremacia da constituição sinaliza uma posição de destaque das normas constitucionais
dentro do ordenamento jurídico. Segundo lições de Luís Roberto Barroso303:

A supremacia da Constituiçãorevela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema,


que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. [...] Para que possa figurar como
parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional
precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar
normas infraconstitucionais.

No tocante ao princípio da rigidez constitucional, assevera Uadi Lammêgo Bulos304que o mesmo se


concretiza a partir de três perspectivas (o autor denomina de graduações): máxima, média e mínima.
A máxima aplicação deste princípio ocorreria no contexto das Constituições super - rígidas, ou seja,
aquelas cujo procedimento de mudanças é bastante rigoroso, a exemplo da Constituição dos Estados Unidos
da América de 1787, a qualcontempla um aparato de “freios jurídicos de elevado teor proibitório de revisões
ou emendas constitucionais”, pontua Bulos.
O grau médio do princípio da rigidez constitucional seria aplicado no cenário das constituições rígidas,
que se caracterizam desse modo, porque, embora possuam quórum qualificado para sua modificação, admitem
revisões ou emendas, a fim de afinar o texto constitucional com a realidade dos fatos e situações da vida em
relação. Exemplo clássico deste tipo é a Constituição Federal de 1988, pois de acordo comUadi Lammêgo
Bulos, não se mantém o entendimento de que a Carta Constitucional de 1988 é super-rígida, malgrado
apresentar um rol de direitos e garantias (também denominados de cláusulas pétreas), cuja essência ou núcleo
basilar não pode ser objeto de extinção (vide art. 60, par. 4º, CF/88). Por fim, o grau mínimo deste princípio
vincula-se às constituições pouco rígidas, que possuem procedimento de mudanças menos complexo em
relação àquelas mais rígidas e rígidas305.

302
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antonio
Fabris, 1991.
303
BARROSO (2012), op., cit. P.. 19.
304
BULOS, Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 125-126.
305
BULOS (2010), op., cit., p. 126. O autor chama atenção para a diferença semântica entre constituição pouco rígida e constituição
flexível e esclarece: “Constituições pouco rígidas - preservam a hierarquia formal de seus preceitos perante as leis formais.
Constituições flexíveis – inexiste hierarquia formal entre os seus preceitos e as leis comuns”.
141

O vocábulo “controle” possui múltiplos sentidos, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Desse modo, a expressão em tela pode designar:

*monitoração, fiscalização ou exame minucioso, que obedece a determinadas expectativas,


normas, convenções etc.
*instituição, órgão, setor etc. ao qual compete tal função.
*dispositivo ou mecanismo interno destinado a comandar ou regular o funcionamento de
máquina, aparelho ou instrumento.
*poder, domínio ou autoridade sobre alguém ou algo.
*domínio da própria vontade, das próprias emoções; autocontrole, equilíbrio.
*capacidade de reagir de imediato em determinadas situações, por meio de reflexo motor, ou
por habilidade.
*função que estabelece o curso das operações ou do sistema de processamento de dados.

No âmbito do Direito e da Sociologia, por sua vez, verifica-se várias formas de controle, a exemplo
dos controles social, econômico, administrativo, político e o controle de constitucionalidade. Mas o que é, e
para que serve o controle de constitucionalidade?
Luís Roberto Barroso306, no fragmento textual a seguir, indica o alcance e a finalidade do instituto do
controle de constitucionalidade:

Um sistema pressupõe ordem e unidade, devendo suas partes conviver de maneira harmoniosa.
A quebra dessa harmonia deverá deflagrar mecanismos de correção destinados a estabelecê-la.
O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos, provavelmente o mais importante,
consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo
infraconstitucional e a Constituição. [...] A declaração de inconstitucionalidade consiste no
reconhecimento da invalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficácia.

Nessa linha de pensamento, o controle de constitucionalidade tem por finalidade primeira assegurar a
higidez da Constituição. Nesse sentido, assevera Uadi Lammêgo Bulos:307

Controlar a constitucionalidade (...) é examinar a adequação de dado comportamento ao texto


maior, mediante a análise dos requisitos formais e materiais (...). Enquanto a
inconstitucionalidade é a doença que contamina o comportamento desconforme à constituição,
o controle é o remédio que visa restabelecer o estado de higidez constitucional.

Nessa senda, tem-se que o controle de constitucionalidade, além de assegurar a higidez da


Constituição, visa agarantir a eficácia das normas constitucionais, em especial as que albergam direitos e
garantias fundamentais. A rigor, há controle político e judicial de constitucionalidade.
O controle político é realizado por órgãos fora do Poder Judiciário. Na França, por exemplo, onde o
controle é preventivo, ou seja, ele ocorre antes da norma entrar em vigor no ordenamento jurídico, o controle

306
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise
crítica da jurisprudência. 6ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 19.
307
BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 186
142

político é feito pelo Conselho Constitucional (órgão vinculado ao Poder Legislativo)308. No Brasil, por sua
vez, o controle político é exercido pelos Poderes Executivo e Legislativo. Desse modo, o Presidente da
República, ao examinar projeto de lei aprovado pelo Parlamento, poderá sancioná-lo ou vetá-lo (art. 66, caput
e par. 1º, CF/88), o que o faz por meio do exercício do controle político de constitucionalidade. As comissões
de constituição e justiça do Poder Legislativo – cujas atribuições estão elencadas nos Regimentos Internos de
cada Casa Legislativa - também detêm a prerrogativa de exercer o controle político de projetos de lei e de
propostas de emenda à Constituição.
O controle judicial de constitucionalidade é exercido pelos órgãos judicantes do Poder Judiciário. No
Brasil, em regra, este controle ocorre após promulgação do ato normativo, ou seja, adota-se o controle judicial
repressivo.
Apenas excepcionalmente o Supremo Tribunal Federal tem admitido o controle preventivo judicial,
especialmente quando o projeto de lei ou proposta de emenda constitucional em trâmite revelarem afronta ao
texto constitucional. Assim, é possível a utilização do mandado de segurança pelo parlamentar. Vale trazer o
exemplo prático do Mandado de Segurança nº 32.033, impetrado por um parlamentar:309

Ementa: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE


PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DE PROJETO DE LEI.
INVIABILIDADE. 1. Não se admite, no sistema brasileiro, o controle jurisdicional de
constitucionalidade material de projetos de lei (controle preventivo de normas em curso de
formação). O que a jurisprudência do STF tem admitido, como exceção, é “a legitimidade
do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com
a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda
constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo
legislativo” (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04). Nessas excepcionais
situações, em que o vício de inconstitucionalidade está diretamente relacionado a aspectos
formais e procedimentais da atuação legislativa, a impetração de segurança é admissível,
segundo a jurisprudência do STF, porque visa a corrigir vício já efetivamente concretizado no
próprio curso do processo de formação da norma, antes mesmo e independentemente de sua
final aprovação ou não. 2. Sendo inadmissível o controle preventivo da constitucionalidade
material das normas em curso de formação, não cabe atribuir a parlamentar, a quem a
Constituição nega habilitação para provocar o controle abstrato repressivo, a prerrogativa, sob
todos os aspectos mais abrangente e mais eficiente, de provocar esse mesmo controle
antecipadamente, por via de mandado de segurança. 3. A prematura intervenção do Judiciário
em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além
de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia
dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que
detém de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de
inconstitucionalidade. Quanto mais evidente e grotesca possa ser a inconstitucionalidade
material de projetos de leis, menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do papel
do Legislativo, de negar-lhe aprovação, e do Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir
da suposição contrária significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses
dois Poderes do Estado. E se, eventualmente, um projeto assim se transformar em lei, sempre

308
BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal. In: SARMENTO, Daniel. O controle de constitucionalidade e a Lei nº 9.868/99. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris, 2001,
p. 233-268.
309
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 32033 / DF. Relator Min. GILMAR MENDES. Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI
ZAVASCKI. Julgamento: 20/06/2013. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 03.03.2017.
143

haverá a possibilidade de provocar o controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe


validade, retirando-a do ordenamento jurídico. 4. Mandado de segurança indeferido.

Quando se reconhece que uma norma infraconstitucional ou uma emenda constitucional é


“constitucional” significa que há compatibilidade entre ela e o texto constitucional, ao revés, o termo
“inconstitucional” confirma o entendimento de que determinado ato normativo afronta a Carta Constitucional.
No dizer de José Afonso da Silva310, a inconstitucionalidade de atos normativos traduz-se em uma
“incompatibilidade vertical de normas inferiores com a constituição”, manifestando-se a partir de duas
perspectivas:

a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em


desacordo com procedimentos estabelecidos na constituição,
b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da
constituição.

Desse modo, a inconstitucionalidade pode ser de caráter formal ou material. A inconstitucionalidade


formal revela-se a quando uma ou mais formalidades do processo legislativo não foram observadas. Nesse
sentido, esclarecem Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes 311 que “os vícios formais
traduzem defeito de formação do ato normativo, pela inobservância de princípio de ordem técnica ou
procedimental ou pela violação de regras de competência”.
A inconstitucionalidade material, por sua vez, ocorre quando o vício encontra-se na própria essência
da norma jurídica impugnada, conforme acentuam Branco e Mendes 312: “os vícios materiais dizem respeito
ao próprio conteúdo ou ao aspecto substantivo do ato, originando-se de um conflito com regras ou princípios
estabelecidos na Constituição”. Corrobora Luís Roberto Barroso313 que “a inconstitucionalidade será
materialquando o conteúdo do ato infraconstitucional estiver em contrariedade com alguma norma substantiva
prevista na Constituição, seja uma regra ou um princípio”.
Além disso, ainconstitucionalidade pode ser por ação e por omissão. Entende-se por
inconstitucionalidade por ação ou comissiva quando o ato normativo editado pelo legislador viola o texto
constitucional: podendo ser total ou parcial.
A seu turno, a inconstitucionalidade por omissão, ensina José Afonso da Silva314:

verifica-se nos casos em não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos
para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. Muitas delas, de fato, requererem
uma lei ou uma providencia administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas
previstos se efetivem na prática.

310
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 Ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 47.
311
BRANCO, MENDES (2012), op., cit., p. 1432.
312
Idem. Ibidem, p. 1438.
313
BARROSO (2012), op., cit., p.30-31.
314
SILVA (2005), op., cit., p. 47.
144

Ainda, sobre a inconstitucionalidade omissiva, preleciona Luís Roberto Barroso315:

a inconstitucionalidade por omissão, como um fenômeno novo, que tem desafiado a criatividade
da doutrina, da jurisprudência e dos legisladores, é a que se refere à inércia na elaboração de
atos normativos necessários à realização dos comandos constitucionais. O fenômeno da
inconstitucionalidade por omissão só recebeu previsão nos textos constitucionais, e mesmo
assim timidamente, a partir da década de 1970.

A inconstitucionalidade por omissão pode ser total ou parcial. A omissão será total na hipótese de
inércia completa do legislador para editar lei necessária para a produção plena de uma norma constitucional.
A omissão parcial identifica-se a partir de duas perspectivas. Nesse sentido leciona Luís Roberto Barroso316:

a) omissão relativa: a lei exclui do seu âmbito de incidência determinada categoria que nela
deveria estar abrigada, privando-a de um benefício em violação ao princípio da isonomia317.
b) omissão parcial propriamente dita: o legislador atua sem afetar o princípio da isonomia, mas
de modo insuficiente ou deficiente relativamente à obrigação que lhe era imposta.

A hipótese trazida por Barroso no item b acima pode ser ilustrada com o patamar fixado para o salário
mínimo, o qual, sem dúvida, não satisfaz os preceitos constitucionais esculpidos no art.7ª, IV, da Carta
Constitucional de 1988, que dispõe:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas


necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (grifo nosso).

A inconstitucionalidade também é analisada quanto ao seu momento, podendo ser originária ou


superveniente. Com relação à aplicação das normas jurídicas no tempo, vale trazer à baila as palavras do
constitucionalista português Jorge Miranda318:

Quando qualquer lei ordinária ab initio contradiz a Lei Fundamental, ela fica desde logo ferida
de invalidade. O mesmo não acontece com a lei que fica sendo inconstitucional num momento
subsequente ao da sua produção, por virtude de novo princípio ou norma da Constituição; mas
no momento da entrada em vigor deste princípio ou norma, tal lei ordinária automaticamente
cessa a sua subsistência (embora o evento tenha ou não de ser declarado pelos órgãos
competentes).
A inconstitucionalidade superveniente exprime uma valoração negativa da ordem jurídica,
moldada por novos princípios ou normas constitucionais, relativamente à lei anterior. É essa
valoração que determina a cessação da vigência da lei, e determina-a por caducidade e não por
revogação, pois que, em face da sua desconformidade com a Constituição, doravante a lei deixa
de ter uma condição intrínseca de subsistência, independentemente de qualquer acto de vontade
especificamente dirigido à sua eliminação.

315
BARROSO (2012), op., cit., p. 34.
316
Idem. Ibidem, p. 36-37.
317
Vide RMS nº 22.307, da relatoria do ministro Mauricio Correa, no qual o STF, ao reconhecer a inconstitucionalidade por imissão
parcial, estendeu aos servidores públicos civis o mesmo benefício concedido aos militares.
318
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 29.
145

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2. Na ocasião, o ministro relator Paulo Brossard mostrou de forma elucidativa a
extensão das formas de controle originária e superveniente, conforme se extrai da ementa do julgado em
tela319:

EMENTA: CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO.


INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é
constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional
quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo
sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser
apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não
pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia
infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis
anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa
de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não
revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2.
Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que
se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido (grifo nosso).

Daniel Sarmento, ao discorrer sobre a eficácia temporal das decisões em sede de controle de
constitucionalidade, apresenta duas formas de manifestação da inconstitucionalidade superveniente320:

a) decorrente da não recepção de uma norma infraconstitucional, pela sua incompatibilidade


material com nova Constituição, ou com reforma constitucional posterior.
b) a resultante de mudanças substanciais nas relações fáticas subjacentes à norma, ou da
interpretação evolutiva da Constituição.

Vale acrescentar que a hipótese prevista na letra a, acima mencionada,não encontra respaldo na
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, que adotou a Teoria da Recepção em sede de controle
de constitucionalidade.Segundo orientação da Corte Suprema de Justiça Brasileira, as normas jurídicas
infraconstitucionais anteriores à Constituição vigente se compatíveis com ela é caso de recepção, se, ao revés,
afrontarem o novo texto constitucional configura a hipótese de não – recepção ou revogação. Nesse diapasão,
esclarecem Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo321:

não se afere a constitucionalidade do direito pré-constitucional ante a Constituição vigente,


porque a matéria é considerada pertinente ao campo do direito intertemporal: quando a lei
anterior à Constituição é materialmente compatível com ela, é recepcionada; quando há conflito
entre o conteúdo da lei anterior à Constituição e o seu texto, a Carta Política não a recepciona,
isto é, revoga a lei pré-constitucional.

319
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADI 2 / DF. Relator(a): Min. Paulo Brossard. Julgamento: 06/02/1992 . Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 02.03.2017.
320
SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no de controle de constitucionalidade.In: SARMENTO, Daniel. O
controle de constitucionalidade e a Lei nº 9.868/99. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris, 2001, p. 101-138.
321
ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE Paulo. Direito Constitucional descomplicado.14. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Ed. Método, 2015, p. 885.
146

Em sede de Agravo Regimental, no bojo do processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.222,


o relator, ministro Celso de Mello, argumentou sobre a não-recepção de normas anteriores materialmente
incompatíveis com a Constituição vigente, conforme se extrai de fragmento textual de seu voto322:

(...) a superveniência de uma nova Constituição não torna inconstitucionais os atos estatais a ela
anteriores e que, com ela, sejam materialmente incompatíveis. Na hipótese de ocorrer tal
situação, a incompatibilidade normativa superveniente resolver-se-á pelo reconhecimento de
que o ato pré-constitucional acha-se revogado, expondo-se, por isso mesmo, a mero juízo
negativo de recepção, cujapronúncia, contudo, nãose comporta no âmbito da ação direta
deinconstitucionalidade.

Quanto aos limites objetivos da decisão em sede de controle de inconstitucionalidade em abstrato, cabe
destacar a doutrina da “inconstitucionalidade por arrastamento ou atração” (também denominada de
“inconstitucionalidade de preceitos não impugnados”, “inconstitucionalidade consequencial”,
“inconstitucionalidade consequente ou derivada” e, ainda, “inconstitucionalidade por reverberação
normativa”)323. Sobre esta teoria argumenta Pedro Lenza:

(...) a consequência prática da coisa julgada material, que se projeta para fora do processo,
impediria não só que a mesma pretensão fosse julgada novamente, como também, sob essa
interessante perspectiva, que a norma consequente e dependente ficasse vinculada tanto ao
dispositivo da sentença (principal) quanto à ratio decidendi, invocando, aqui, a “teoria dos
motivos determinantes”.

Pedro Lenza realça que o STF já aplicou a teoria dos motivos determinantes em algumas decisões ao
dar efeito vinculante não apenas ao dispositivo da sentença, mas também aos fundamentos que embasaram a
decisão324.
Entretanto, em recente decisão em sede de Agravo Regimental na Reclamação nº 2491325, da relatoria
da ministra Rosa Weber, o STF ressaltou a impossibilidade do manejo da teoria dos motivos determinantes
como fundamento de Reclamação Constitucional, conforme se depreende da ementa abaixo:

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO


DA AUTORIDADE DE DECISÃO TOMADA NA ADI 1.851/AL. SUBSTITUIÇÃO
TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE ESTRITA ENTRE OS ATOS DECISÓRIOS
CONFRONTADOS.TEORIA DA TRANSCEDÊNCIA DOS MOTIVOS
DETERMINANTES. NÃO APLICAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA CONTEMPORÂNEA
DO STF. RAZÕES RECURSAIS GENÉRICAS. AGRAVO NÃO CONHECIDO. 1. Firmou-
se nesta Suprema Corte o entendimento de que inviável o manejo de reclamação
constitucional para garantia da autoridade de suas decisões quando calcada na
transcendência dos motivos determinantes das decisões tomadas no exercício do controle
abstrato da constitucionalidade dos atos normativos. 2. Razões recursais de Agravo

322
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADI 4222 AgR / DF.
AG.REG. NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Julgamento: 01/08/2014. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em <www.stf.jus>. Acesso em 03.03.2017.
323
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 366.
324
Idem. Ibidem., p. 365.
325
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Rcl 2491 AgR/PI. AG.REG. NA RECLAMAÇÃO.
Julgamento: 02/12/2016 - Órgão Julgador: Primeira Turma. Disponível em <www.stf.jus>. Acesso em 11.03.2017.
147

Regimental genéricas e desvinculadas do contexto decisório e fático do caso concreto, que


demonstram a total ausência de aptidão para infirmar decisão monocrática. 3. A jurisprudência
desta Corte é firme no sentido de que, nos casos em que as razões do recurso não impugnam os
fundamentos da decisão agravada ou deles estejam dissociadas, não resta preenchido o requisito
de regularidade formal disposto no artigo 317, 1º, do RISTF e no artigo 1.021, §1º, do
CPC/2015. Agravo regimental não conhecido (grifo nosso).

Assim, a teoria dos motivos determinantes, também denominada de “técnica do transbordamento dos
motivos determinantes”, não tem espaço, pelo menos atualmente, no STF.
É preciso esclarecer as diferenças entre as teorias da recepção, da desconstitucionalização e da
repristinação (tema frequente em provas de concurso).
A Teoria da Desconstitucionalização – adotada pelo direito português - consagra a ideia de que as
normas da Constituição anterior que não sejam incompatíveis com o novo texto constitucional são mantidas
com status de lei ordinária. No Brasil, esta teoria tem poucos adeptos. José Afonso da Silva326 já foi
simpatizante, porém, em nova edição de seu livro “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, revendo seu
posicionamento, pontua:

Hoje, porém, temos dúvidas de sua validade e conveniência. Pois, se uma constituição nova é
elaborada pelo poder constituinte que não reproduz determinadas normas constitucionais
(administrativas, civis etc.) insertas na constituição apenas para lhes dar estabilidade, significa
isso que a nova ordem constitucional as quis desqualificar, não apenas como normas
constitucionais, mas também como normas jurídicas vigentes. Isso quer dizer que ficam
igualmente revogadas, tal como a constituição que as acolhia.

Já Pontes de Miranda, revela Guilherme Peña de Moraes327, capitaneava a corrente que aceitava a
adoção da Teoria da desconstitucionalização em solo brasileiro, consoante se extrai de seus comentários à
Constituição de 1934.
A doutrina do efeito repristinatório funda-se no fato de uma norma, anteriormente revogadora de outra
norma, ser declarada inconstitucional. Desse modo, com a referida declaração, o ato normativo
reconhecidamente inconstitucional não possuía o condão de revogar outra norma de mesma natureza,
implicando, consequentemente, na retomada dos seus efeitos.
Atenção, o efeito repristinatório não se confunde com a repristinação, pois aquele atua no plano do
controle de constitucionalidade, já esta cuida de um instituto de direito material e caracteriza-se pelo retorno
ao mundo jurídico de uma norma anteriormente revogada por outra que perdeu sua vigência328.
Para melhor compreensão, segue exemplo ilustrativo do efeito repristinatório em sede de controle de
constitucionalidade. A Lei nº X (que tratava do uso de cinto de segurança) foi revogada pela Lei nº Y. Ocorre

326
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Ed. Malheiros, 2003, p.
222.
327
MORAES, Guilherme Peña de. Constitucional – teoria da constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 18.
328
Vide Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/42), art. 2º, par. 3º, in verbis: “salvo
disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
148

que a Lei nº Y foi objeto de ADI, cuja decisão do STF reconheceu a sua inconstitucionalidade. Tendo em vista
que no Brasil adota-se a Teoria das Nulidades dos atos normativos contrários à Constituição, a norma jurídica
reconhecidamente inconstitucional torna-se nula, em regra, ab initio, ocorrendo o efeito repristinatório da Lei
nº X, uma vez que a Lei nº Y não tinha o condão para revoga-la.

VI. 3. Dos Sistemas de Controle de Constitucionalidade

VI. 3.1. Sistema Norte-americano (controle incidental, difuso, em concreto, via de exceção, via de defesa)

O caso “William Marbury x James Madison” é considerado o marco da jurisdição constitucional nos
Estados Unidos. Conforme esclarece Gustavo Binenbojm329, foi no voto do então ministro Marshal, da
Suprema Corte Constitucional daquele Estado, na Ação Mandamental, que tratou do caso em tela, que
surgiram os contornos do controle de constitucionalidade em concreto (difuso), os quais, em síntese, são:

1) A Constituição escrita é vista como lei fundamental, expressão da vontade originária


do povo (soberania popular), que instituiu e, ao mesmo tempo delimita os poderes do Estado
(governo limitado). Reafirma-se, assim, o princípio da supremacia constitucional.
2) Reconhece-se a todo e qualquer juiz ou tribunal, chamado a decidir uma demanda, a
possibilidade de deixar de aplicar uma norma da legislação ordinária, pertinente ao caso,
quando esta se revelar contrária ao texto constitucional.
3) A lei inconstitucional, porque contrária a uma lei superior, é considerada nula, isto é,
inválida desde o seu nascedouro, cabendo ao Judiciário, apenas, declarar tal nulidade. A
decisão judicial cinge-se a reconhecer uma situação preexistente, operando, portanto, efeitos
retroativos (ex tunc).

Ou seja: o controle de constitucionalidade pressupõe: a supremacia das normas constitucionais, a


competência dos juízes e tribunais para enfrentar incidentalmente a questão prejudicial de
inconstitucionalidade e, ainda, a norma jurídica considerada inconstitucional é considerada nula desde seu
nascimento.

VI.3.2. Sistema Austríaco (europeu continental)

Conforme exposto acima, no controle de constitucionalidade em concreto (incidental, difuso) o exame


de possível vício de inconstitucionalidade da norma jurídica infraconstitucional é incidente processual no
âmbito de um processo em andamento, tratando-se, portanto, de fundamento, de causa de pedir de uma ação,
cujo pedido desta é outro diverso da declaração de inconstitucionalidade.
Já o controle de constitucionalidade em abstrato, em tese - exercido de forma concentrada – é
examinado em uma ação própria, cujo pedido é o reconhecimento da inconstitucionalidade do ato normativo.

329
BINENBOJM (2004), op., cit., p. 29-34.
149

Este sistema de controle de constitucionalidade, inspirado na doutrina de Hans Kelsen, pressupõe a


existência de uma Corte Especial - órgão autônomo - para analisar as questões de controle de
constitucionalidade em abstrato330.
A Constituição da Áustria de 1920 recepcionou o controle de constitucionalidade em tese (abstrato),
defendido por Hans Kelsen, estabelecendo que a competência para realizar o referido controle é de uma Corte
Constitucional. Em 1929, no entanto, a Constituição austríaca foi modificada, contemplando também a
possibilidade de análise de vícios de inconstitucionalidade de forma incidental. A rigor, hoje o sistema
austríaco de controle de constitucionalidade prevê, além do controle em abstrato, o controle em concreto
(incidental), mas, como salienta Gustavo Binenbojm331, ambos ficam sob o crivo exclusivo da Corte
Constitucional.

VI. 3.3. Sistema Francês


O controle de constitucionalidade na França – com matiz fortemente política – é repressivo e
concentrado. Ou seja: o exame da constitucionalidade de uma norma jurídica ocorre antes de a mesma ir para
o ordenamento jurídico, ocorrendo, portanto, no curso do processo legislativo. De acordo com a Constituição
da França de 1958, cabe ao Conseil Constitucional exercer o controle de constitucionalidade do ordenamento
jurídico infraconstitucional em face da Constituição.

VI. 4. Brasil: Sistema Híbrido (misto) de Controle de Constitucionalidade

O Brasil adota dois sistemas de controle judicial de constitucionalidade, por isso denominado de
sistema híbrido ou misto. Assim, utiliza-se concomitantemente o controle de constitucionalidade norte-
americano– chamado também de controle concreto, incidental ou incidenter tantum, difuso, via de defesa e
via de exceção – e o sistema austríaco – este com feições próprias do direito pátrio.

VI.4.1. O controle difuso de constitucionalidade (concreto, incidental ou incidenter tantum, via de


defesa e via de exceção) no Brasil: aspectos gerais

O sistema norte-americano de controle de constitucionalidade (judicial review of legislation) foi o


primeiro a ser adotado em solo brasileiro na Constituição republicana de 1891, por influência de Rui
Barbosa332. Este modelo de controle judicial representa um avanço para o constitucionalismo, pois permite
que, diante de um caso concreto, qualquer órgão judicante enfrente a questão prejudicial de

330KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ª ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2006, p.300-301.
331
BINENBOJM (2004), op., cit., p. 38-39.
332
Cabe informar que a Constituição Imperial de 1824, embora não previsse o controle de constitucionalidade como exercido
hodiernamente, estabelecia em seu art. 15: “E' da attribuição da Assembléa Geral: (...) VIII. Fazer Leis, interpretá-las, suspendê-
las, e revogá-las. IX. Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral do Nação.
150

constitucionalidade. Trata-se de prejudicialidade em relação à análise do mérito da ação em curso, cujo


reconhecimento de violação à Constituição não é o pedido, mas sim a causa de pedir, o fundamento do pedido.
Podem reconhecer como fundamento e, desse modo, afastar a norma impugnada ao enfrentar o mérito
da ação: juízes estaduais das varas e dos juizados especiais; juízes federais das varas federais e dos juizados;
órgãos fracionários (câmaras, seções, grupos de câmaras etc) dos tribunais de justiça dos estados e do Distrito
Federal e dos tribunais regionais federais; os tribunais superiores (STJ, TST, TSE, STM) e o próprio STF.
Além dos magistrados, a jurisprudência do STF tem reconhecido a prerrogativa de os tribunais de
contas, ao realizarem suas finalidades constitucionais, fazerem o controle de constitucionalidade das leis e
atos normativos do Poder Público. Para ilustrar, Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente apresentam a seguinte
situação hipotética333:
Os efeitos da decisão, em sede de controle difuso, são, em regra, entre as partes envolvidas em um
dado processo, e ex tunc (isto é, efeitos retroativos). Para que a decisão possa produzir efeitos erga omnes
(contra todos) faz-se mister que o Senado Federal , nos termos do art. 52, X, CF/88, suspenda “a execução,
no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
Ressalte, por oportuno, que o STF já se posicionou no sentido da possibilidade de efeitos ex nunc
(prospectivos) de decisão no âmbito do controle difuso, conforme se extrai da ementa do Recurso
Extraordinário nº 197.917334, da relatoria do ministro Maurício Correa:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE


VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES
CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO.
CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO
DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE
ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES.
INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL.
EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da
Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos
Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar
a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais,
com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar
sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e
contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com
um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático
rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da
isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal
que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de
proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando
eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso
na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos
demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos
Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e
economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal

333
ALEXANDRINO, Marcelo, VICENTE Paulo. Direito Constitucional descomplicado.14. ed.São Paulo: MÉTODO, 2015, p.
812.
334
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 197917 / SP.
Julgamento: 06/06/2002 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.br. Acesso em 14.03.2017
151

impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação


política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o
modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos
27 e 45, § 1º). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o
número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente
comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional
em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a
todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter
de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso
extraordinário conhecido e em parte provido.

A Constituição Federal de 1988 determina que a declaração de inconstitucionalidade, tanto no controle


em abstrato como no controle difuso, pressupõe, em regra, a observância do Princípio da Reserva de Plenário
(maioria absoluta dos membros do Tribunal ou de seu órgão especial, onde houver), esculpido no art. 97. Vale
ressaltar que este princípio surgiu com a Constituição Federal de 1934.335

VI.4.2. Do controle abstrato de constitucionalidade (em tese, concentrado) em solo brasileiro

O controle abstrato (em tese, concentrado) visa a assegurar a higidez da Constituição, ou seja, ao
examinar a constitucionalidade de um ato normativo, a Corte Constitucional (ou aquela que detém jurisdição
constitucional) tem a missão de velar pelo texto constitucional, por isso, a doutrina afirma se tratar de um
processo objetivo, sem partes336.
Esta modalidade de controle em solo brasileiro começou a ser delineada a partir da Constituição
Federal de 1934 com a Ação de Representação Interventiva, cujo objeto era a análise de constitucionalidade,
pelo STF, da lei que decretara a intervenção. Esclarece Uadi Lammêgo Bulos que a mencionada ação tem
origem no direito brasileiro, configurando “o embrião do controle concentrado de normas”, e complementa o
autor337:

Na realidade, o constituinte de 1934 instituiu uma ação direta que, embora não possa ser
considerada o marco da fiscalização abstrata no Brasil, correspondeu ao meio termo entre o
controle difuso e o concentrado de normas.
Assim, a representação interventiva foi criada como uma variante de difusa, para operar em
concreto, embora seja exercida por meio de ação direta, por mero didatismo, inclusa dentre os
mecanismos de controle abstrato.

A rigor, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva é “um instrumento de defesa abstrata da


Constituição Federal de 1988, incumbido de defender concretamente os princípios constitucionais sensíveis”,

335
A dinâmica processual do controle difuso de constitucionalidade e bem assim os elementos processuais pertinentes serão tratados
na disciplina de Processo Constitucional,.
336
BARROSO (2012), op., cit., p. 126.
337
BULOS (2010), op., cit., p. 233-234.
152

assevera Uadi Lammêgo Bulos.338 Tais princípios estão albergados no art. 34, inciso VII, alíneas a, b, c. d, e,
CF/88, são eles:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;


b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde.

A violação a esses princípios pode dar ensejo à promoção da ação direta interventiva, e, por
conseguinte, a flexibilização da autonomia dos Entes Políticos.
O controle de constitucionalidade abstrato e concentrado surgiu de fato no sistema jurídico brasileiro
a partir da Emenda à Constituição nº 16 de 26 de novembro de 1965 (CF/46), a qual instituiu a ação genérica
de constitucionalidade (a ADI de hoje). Sobre essa inovação assevera Luís Roberto Barroso339:

O controle de constitucionalidade só viria a sofrer inovação radical com a Emenda


Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, na vigência ainda da Constituição de 1946,
mas já sob o regime militar. Por seu intermédio instituiu-se a então denominada ação genérica
de inconstitucionalidade. [...] Passava o Supremo Tribunal Federal a ter competência para
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato federal, mediante representação que lhe fosse
encaminhada pelo Procurador-Geral da República.

Nessa época apenas o Procurador Geral da República tinha legitimidade para propor a ação genérica
de constitucionalidade, mantendo-se com esta prerrogativa até a promulgação da Constituição Federal de
1988, quando então a nova Carta trouxe um rol significativo de legitimados para manejar o controle abstrato
concentrado de constitucionalidade, consoante o disposto no art. 103, CF/88, in verbis:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de


constitucionalidade:
I- o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A doutrina divide a legitimação ativa ad causam no processo abstrato de constitucionalidade em:


legitimados universais e legitimados especiais (temáticos).

338
Idem. Ibidem, p. 234.
339
BARROSO (2012), op., cit., p. 48.
153

Os legitimados universais (também denominados de neutros) são aqueles que em razão da sua função
institucional não precisam demonstrar a correlação entre o ato impugnado e o seu interesse. Assim, são
legitimados universais: Presidente da República; Mesa do Senado Federal; Mesa da Câmara dos Deputados;
Procurador-Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com
representação no Congresso Nacional.
Os legitimados especiais (também chamados de interessados ou temáticos), por sua vez, são aqueles
que dependem de demonstração de pertinência temática para propor uma ação de controle de
constitucionalidade em abstrato. A pertinência temática consiste na correlação entre o interesse do legitimado
e o conteúdo da norma jurídica. Nesses termos, pertencem a esta categoria de legitimados: a Mesa de
Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Governador de Estado ou do Distrito
Federal e Confederação sindical ou Entidade de classe de âmbito nacional.
A Constituição Federal de 1988 proclama em seu art. 102 que o STF é o guardião máximo da
Constituição, competindo a ele exclusivamente conhecer e julgar as ações do controle em abstrato de normas
federais estaduais e, bem assim, as do Distrito Federal que tenham caráter de norma estadual (art. 32, par. 1º.
CF/88), em face da Constituição Federal - por isso tal controle também é denominado de concentrado.
Já no plano estadual, o controle das normas municipais e estaduais é realizado em face da Constituição
de cada Estado (art. 125, par. 2º, CF/88). Uma questão que já foi objeto de questão de concurso é a que envolve
o ajuizamento concomitante de uma ADI federal perante o STF e uma ADI estadual (ação de representação
de inconstitucionalidade) junto ao Tribunal de Justiça de um Estado, ambas com o mesmo objeto (lei estadual
daquele estado). Nesse sentido, explica Luís Roberto Barroso:340

a decisão que vier a ser proferida pela Suprema Corte vinculará o Tribunal de Justiça estadual,
mas não o contrário. Por essa razão, quando tramitarem paralelamente as duas ações, e sendo a
norma constitucional estadual contrastada mera reprodução da Constituição Federal, tem-se
entendido pela suspensão do processo no plano estadual.

A Federação é uma forma de Estado em que há uma sobreposição de ordens jurídicas e, desse modo,
pode ocorrer de um ato normativo do Estado X violar ao mesmo tempo a Constituição deste ente regional e a
Constituição Federal, configurando a situação acima ilustrada. André Tavares Ramos esclarece:341

declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de uma lei em face da


Constituição Federal, a decisão, de efeito erga omnes, praticamente impedirá que subsista
apreciação relativa à mesma norma requerida perante Corte estadual, na medida em que a lei
ter-se-á tornado inexistente com a decisão. O processo perde seu objeto.

A Carta Constitucional de 1988 trouxe várias novidades para o cenário jurídico, entre elas destacam-
se: 1.o aumento de legitimados para propor as ações de controle de constitucionalidade em tese (DI, ADC,

340
BARROSO (2012), op. cit., p.128.
341
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. p. 465.
154

ADO, ADPF), que antes era proposta somente pelo Procurador Geral da República; 2. estabeleceu o controle
omissivo de constitucionalidade, compreendido na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO,
art. 103, par. 2º, CF/88) e no mandado de injunção (MI, art. 5º, LXXI, CF/88); 3. retornou com a representação
de inconstitucionalidade estadual (art. 125, § 2º, CF/88), a qual, na verdade, se trata de uma ADI estadual; 4.
a ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF, art. 102, par. 1º, CF/88) e, 5. com a
Emenda Constitucional nº 3 de 17 de março de 1993 introduziu-se a ação declaratória de
constitucionalidade342.
O controle de constitucionalidade abstrato concentrado materializa-se nas seguintes ações diretas:
1. Ação direta de inconstitucionalidade (genérica - ADI) - disciplina normativa: art. 102,I,a,CF/88 e Lei
nº 9.868/99;
2. Ação declaratória de constitucionalidade (ADC) - disciplina normativa: art. 102,I,a, CF/88 e Lei nº
9.868/99;
3. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) - disciplina normativa: art. 103, §2º,CF/88
e Lei nº 9.868/99;
4. Ação de arguição de preceito fundamental (ADPF) - disciplina normativa: art. 102, §1º,CF/88 e Lei
nº 9.882/99.
*Obervação relevante: a Ação direta interventiva, disciplinada no art. 36, III, CF/88 e na Lei nº 12. 562/2011
(ADI Interventiva Federal); e a ADI Interventiva Estadual, regulafa pela Lei nº 4.337/64)343 só podem ser
julgadas pela via do controle concentrado, visto que no caso da ADI FEDERAL somente o STF pode julgar,
e na situação da ADI ESTUAL somente o TJ do Estado pertinente. No entanto, quanto ao exame do mérito, o
controle é concreto, pois a análise de possível vício de inconstitucionalidade se dá de forma incidental, pois é
fundamento e não o pedido da ação em tela. O mesmo ocorre quando se estiver diante da ADPF incidental.
Cabe ressaltar que somente as normas editadas posteriormente à Carta Constitucional de 1988 podem
ser objeto de controle pela via da ADI, ADC e ADO. As normas anteriores se compatíveis com a nova ordem
constitucional são recepcionadas, conforme já mencionado. Pode-se, entretanto, verificar a legitimidade
constitucional de um diploma normativo anterior a Constituição por meio da ADPF ou no controle difuso pela
via recursal (perante o STF com o recurso extraordinário).
344
Os atos normativos passíveis de controle de constitucionalidade pela via da ação genérica de
inconstitucionalidade são todos aqueles instituídos pela União, pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal
na sua competência estadual, nos termos do art. 102, I, a, combinado com o art. 32, par. 1º, ambos da CF/88.

342
SILVA (2005) op., cit., p. 51.
343
Segundo Pedro Lenza, este diploma normativo teria sido superado pelo novo diploma normativo, a Lei nº 12.562/11, a qual
parece disciplinar por completo a ação direta interventiva, vide LENZA (2016), op., cit., p. 464.
344
As espécies de normas jurídicas passíveis de sindicabilidade por meio da ADI, ADC e ADPF serão examinadas na disciplina de
Processo Constitucional.
155

As decisões do STF no âmbito das ações acima mencionadasconsideram as seguintes consequências: no


caso de ADI, ADC e ADPF as decisões terão: a)eficácia erga omnes (contra todos, exceto contra o Poder
Legiferante); b) efeitosvinculantesem relação aos Poderes Executivo – nas Administrações Públicas federal,
estadual, municipal e do Distrito Federal) e Judiciário.
Ainda, tais decisões terão, em regra, efeitos ex tunc, isto é, retroagem ao momento em que a norma jurídica
entrou para o sistema normativo, visto que o STF adota a teoria das nulidades em sede de controle de
constitucionalidade abstrato. Entretanto, esta teoria foi flexibilizada com a edição da Lei nº 9.868/99, que
permite a modulação dos efeitos da decisão da Corte Suprema, conforme prescreve o art. 27 do mencionado
diploma legal:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social,poderá o Supremo Tribunal Federal, por
maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a
ser fixado (grifo nosso).

A mesma regra está prevista no art. 11 da Lei nº 9.882/99, que disciplina a ação de arguição de preceito
fundamental (ADPF):

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição


de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou
de excepcional interesse social,poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços
de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a
partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Assim, se a declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica pode resultar em prejuízo ao


princípio da segurança jurídica ou outro dano maior que o reconhecimento de vício de inconstitucionalidade
do ato normativo, o STF tem a prerrogativa legal de temporizar os efeitos da nulidade, transpondo para outro
momento os efeitos de sua decisão.
Em se tratando de ADO os efeitos variam de acordo com a característica do órgão inerte. Desse modo,
tem-se, nos termos do art. 103, par. 2º, CF/88:

§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma


constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências
necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Na ação direta interventiva, se o STF julgar procedente o pedido, após a publicação do acórdão, dará
ciência ao Presidente da República para tomar as medidas necessárias, nos termos do art. 36, par. 1 e 3º, CF/88,
que estabelecem:
156

§ 1º O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução


e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou
da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.
(...)
§ 3º Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso
Nacional ou pela Assembleia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato
impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade.

Somente o Procurador Geral da República tem legitimidade para propor a ADI Interventiva Federal,
ex vi art. 129, inciso IV e art. 36, inciso III, CF/88. Já no âmbito dos estados, entende-se que, por simetria, a
prerrogativa para propor a ADI Interventiva Estadual seria do Procurador Geral de Justiça, chefe do Ministério
Público Estadual, mas cada Ente Político regional disciplinará esta ação em sua Constituição. No estado do
Rio de Janeiro, por exemplo, a Constituição fluminense prescreve, em seu art. 161, inciso V, alínea b, que a
deflagração da representação interventiva ocorre por iniciativa do Procurador Geral de Justiça.

VI.4.3. Técnicas (critérios) do controle de constitucionalidade

VI.4.3.1. Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto

Esta técnica (critério) -também denominada de princípios, por alguns estudiosos345 – visa a salvar parte
de uma norma impugnada por ferir a Constituição, sem com isso haver qualquer alteração no texto. Nesse
sentido, preleciona Uadi Lammêgo Bulos:346

O princípio da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto é a técnica


decisória que possibilita à Corte Suprema excluir determinadas hipóteses de aplicação de
um programa normativo. Sem empreender qualquer alteração gramatical dos textos
legais, permite que o Supremo aplique uma lei, num determinado sentido, a fim de preservar a
sua constitucionalidade (grifo nosso).

Ainda, em relação à finalidade deste critério, acentuam Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente:347

o Supremo Tribunal Federal recorre à técnica de declaração parcial de nulidade sem redução de
texto quando constata a existência de uma regra legal inconstitucional que, em razão da redação
adotada pelo legislador, não tem como ser excluída do texto da lei sem que a supressão acarrete
um resultado indesejado. Assim, nem a lei, nem parte dela, é retirada do mundo jurídico
(nenhuma palavra é suprimida do texto da lei). Apenas a aplicação da lei - em relação a
determinadas pessoas, ou a certos períodos - é tida por inconstitucional. Em relação a outros
grupos de pessoas, ou a períodos diversos, ela continuará plenamente válida, aplicável.

Vale acrescentar que esta técnica de interpretação no plano abstrato de constitucionalidade tem sido
adotada pelo STF desde os anos de 1960348.

345
Vide Uadi Lammêgo Bulos, in: BULOS (2010), op. cit., p. 360-462.
346
BULOS (2014), op., cit., p. 371.
347
ALEXANDRINO; VICENTE (2015), op., cit., p. 784.
348
BULOS (2014), op., cit., p. 361.
157

Um exemplo jurisprudencial para ilustrar a aplicação da declaração parcial sem redução de texto,
conforme ementa da decisão na ADI 939349, da relatoria do ministro Sydney Sanches:

EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de


Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a
Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira -
I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e
"d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de
Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser
declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de
guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de
17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de
inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não
se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes
princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que
e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b"
da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio,
rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art.
150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de
impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou
serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia social, sem fins lucrativos, atendidos
os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3.
Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993,
sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidencia do tributo no mesmo ano
(art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da
C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade
julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida,
com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera
a cobrança do tributo no ano de 1993 (grifo nosso).

No caso acima, foram objeto da ADI dispositivos da Emenda Constitucional nº 3/93 e da Lei
Complementar nº 77/93, que regulamentou o disposto na referida emenda à Constituição.
Por oportuno, em alguns julgados o STF equipara a declaração parcial sem redução de texto com a
interpretação conforme a Constituição. Alguns autores, no entanto, fazem distinção, apesar de reconhecerem
que na prática os efeitos são muito semelhantes. À guisa de exemplo, segue ementa da decisão da ADI nº
4815, da relatoria da ministra Carmem Lúcia350:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA LEI N.


10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL). PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA.
REQUISITOS LEGAIS OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO,
ARTÍSTICA E CULTURAL, INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO

349
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 939/DF.Julgamento: 15/12/1993. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em
www.stf.jus.br. Acesso em 16.03.2017.

350
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4815/DF.Julgamento: 10.06.2015..Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em
www.stf.jus.br. Acesso em 16.03.2017.
158

PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA


INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X).
ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL OU PARTICULAR).
GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA.
AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME
À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL, SEM REDUÇÃO DE
TEXTO. 1. A Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel congrega a classe dos editores,
considerados, para fins estatutários, a pessoa natural ou jurídica à qual se atribui o direito de
reprodução de obra literária, artística ou científica, podendo publicá-la e divulgá-la. A
correlação entre o conteúdo da norma impugnada e os objetivos da Autora preenche o requisito
de pertinência temática e a presença de seus associados em nove Estados da Federação
comprova sua representação nacional, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada. 2. O objeto da presente ação restringe-se à
interpretação dos arts. 20 e 21 do Código Civil relativas à divulgação de escritos, à transmissão
da palavra, à produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de pessoa biografada.
3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de
expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular. 4. O direito de informação,
constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser
informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos
cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre
as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo
do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações. 5.
Biografia é história. A vida não se desenvolve apenas a partir da soleira da porta de casa. 6.
Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras
é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se
segundo o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito
de resposta devem ser exercidos nos termos da lei. 7. A liberdade é constitucionalmente
garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos
ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a
resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da
inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. 8. Para a coexistência
das normas constitucionais dos incs. IV, IX e X do art. 5º, há de se acolher o balanceamento de
direitos, conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da intimidade, da
privacidade, da honra e da imagem da pessoa biografada e daqueles que pretendem elaborar as
biografias. 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à
Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância
com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística,
produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras
biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas
retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes)
(grifo nosso).

A doutrina351 ressalta que a técnica de controle que dá interpretação a uma norma sem redução de seu
texto equipara-se com a interpretação conforme a Constituição dada pelo STF.

VI. 4.3.2. Interpretação conforme a Constituição

A datar da Constituição alemã de 1949, desenvolveu-se no âmbito da jurisprudência daquele país esta
técnica. Segundo Uadi Lammêgo Bulos352, a interpretação conforme a Constituição “é um critério de exegese,

351
BRANCO; MENDES (2012), op., cit., p. 1818-1819.
352
BULOS (2010), op., cit., p. 458.
159

ao mesmo tempo, uma técnica de controle de constitucionalidade”, cuja função é salvar um ato normativo a
partir de uma, dentre várias interpretações, que se coadune com a Constituição vigente.
Ainda, acentua André Ramos Tavares353:

O Tribunal, na técnica da interpretação conforme, declara a constitucionalidade do ato


questionado, desde que compreendido em conformidade com a Constituição, interpretação esta
explicitada pelo julgado e incorporada, resumidamente, na parte dispositiva da decisão. O
resultado da decisão é, pois, a declaração de constitucionalidade. A interpretação conforme à
Constituição é um método de trabalho desenvolvido dentro da atividade de controle da
constitucionalidade. Não é mera fórmula interpretativa.

A interpretação conforme a Constituição já vem sendo utilizada pelo STF antes mesmo da
promulgação da Carta Constitucional de 1988. Atualmente ela está positivada, juntamente com declaração
parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, no art. 28, p.u., da Lei nº 9.868/99 (que disciplina a
ADI, ADC, ADO), in verbis:

Parágrafo único. a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a


interpretação conforme a constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidadesem
redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do poder
judiciário e à administração pública federal, estadual e municipal (grifo nosso).

Embora esta técnica objetive salvaguardar pelo menos uma interpretação do texto normativo que esteja
em harmonia com a Constituição, há de se ter em mente que o julgador (intérprete) encontra limites nos
elementos existentes no texto normativo.Nesse sentido acentua André Gustavo C. de Andrade:354

A tarefa interpretativa, apesar do subjetivismo que encerra, encontra limites incontornáveis no


texto interpretado. Não pode o intérprete, à guisa de buscar harmonização com a Constituição,
retirar conseqüência jurídica evidentemente não emanável da lei interpretada.

Assim, a técnica da interpretação conforme a constituição não pode ser manejada para esvaziar ou criar
sentidos que não existem no texto normativo. Abaixo egue ementa de decisão da ADI nº 1719, da relatoria do
ministro Joaquim Barbosa, na qual o STF aplica a técnica da interpretação conforme a Constituição:355

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. JUIZADOS ESPECIAIS. ART. 90 DA LEI


9.099/1995. APLICABILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA EXCLUIR AS
NORMAS DE DIREITO PENAL MAIS FAVORÁVEIS AO RÉU. O art. 90 da lei 9.099/1995
determina que as disposições da lei dos Juizados Especiais não são aplicáveis aos processos
penais nos quais a fase de instrução já tenha sido iniciada. Em se tratando de normas de natureza
processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º do CPP não padece de
vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais
benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL da

353
TAVARES, André Ramos Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2012, p. 292.
354
ANDRADE, André Gustavo C. de.Dimensões da interpretação conforme a constituição. Disponível em
http://www.tjrj.jus.br/>. Acesso em 16.03.2017.
355
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1719 / DF
Julgamento: 18/06/2007 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 16.03.2017.
160

Constituição federal. Interpretação conforme ao art. 90 da Lei 9.099/1995 para excluir de sua
abrangência as normas de direito penal mais favoráveis ao réus contidas nessa lei.

No tocante às semelhanças entre a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e


a interpretação conforme a Constituição, asseveram Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira
Mendes:356

Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado
prático de sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição se tem,
dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é
conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a
expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação do
programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. (grifo no original).

Desse modo, conclui-se que o STF, ao utilizar a técnica ou o princípio da interpretação conforme a
Constituição, objetiva encontrar dentre várias interpretações da norma impugnada, uma que se coadune com
o texto constitucional vigente.
Logo, não cabe o manejo desta técnica quando o ato normativo tiver apenas um sentido possível. O
STF pronunciou-se neste sentido no julgamento da ADI 3510, da relatoria do ministro Carlos Ayres Britto,
cujo objeto era a Lei de Biossegurança, conforme se extrai de parte da ementa do julgado357:

EMENTA: Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei de Biossegurança.


Impugnação em bloco do art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (lei de biossegurança).
Pesquisas com células-tronco embrionárias. Inexistência de violação do direito à vida.
Consitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins
terapêuticos. Descaracterização do aborto. Normas constitucionais conformadoras do direito
fundamental a uma vida digna, que passa pelo direito à saúde e ao planejamento familiar.
Descabimento de utilização da técnica de interpretação conforme para aditar à lei de
biossegurança controles desnecessários que implicam restrições às pesquisas e terapias por ela
visadas. improcedência total da ação (...).
IX - Improcedência da ação. Afasta-se o uso da técnica de "interpretação conforme" para a
feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança exuberância
regratória, ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionárias.
Inexistência dos pressupostos para a aplicação da técnica da "interpretação conforme a
Constituição", porquanto a norma impugnada não padece de polissemia ou de
plurissignificatidade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente improcedente
(grifo nosso).

A declaração de inconstitucionalidadeparcial sem redução de texto - ou de nulidade sem redução de


texto, como a denominamPaulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes -, por sua vez, pressupõe a
exclusão de certa hipótese prevista na norma, sem, entretanto, retirá-la do texto normativo.

356
BRANCO; MENDES (2012), op., cit., p. 1822.
357
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3510 / DF - Julgamento: 29/05/2008 . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível
em www.stf.jus.br. Acesso em 18.03.2017.
161

VI.4.3.3. Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade

Por meio desta técnica o STF reconhece que a norma impugnada é inconstitucional, mas, para evitar
danos maiores com a declaração de sua nulidade, mantém seus efeitos.
A declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade - cuja origem é do direito alemão
-não é novidade em solo brasileiro, sendo utilizada em vários momentos pelo STF, conforme se extrai das
ementas das ADIs nº 3.316 e 3.489358, da relatoria do ministro Eros Roberto Grau, nas quais as leis dos
Estados-membros, que promoveram a criação de novo município ou desmembraram área de um município
para agregar a outro, foram declaradas inconstitucionais, mas sem a perda de seus efeitos no mundo jurídico:

ADI 3316 / MT - Relator: Min. EROS GRAU


Julgamento: 09/05/2007 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.893, DE 28 DE JANEIRO DE 1.998, DO
ESTADO DO MATO GROSSO, QUE CRIOU O MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO
DO LESTE. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL POSTERIOR À EC 15/96.
AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR FEDERAL PREVISTA NO TEXTO
CONSTITUCIONAL. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 18, § 4º, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. OMISSÃO DO PODER LEGISLATIVO. EXISTÊNCIA DE
FATO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA DA
JURÍDICA.SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO, ESTADO DE EXCEÇÃO. A EXCEÇÃO NÃO SE
SUBTRAI À NORMA, MAS ESTA, SUSPENDENDO-SE, DÁ LUGAR À EXCEÇÃO ---
APENAS ASSIM ELA SE CONSTITUI COMO REGRA, MANTENDO-SE EM RELAÇÃO
COM A EXCEÇÃO. 1. O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato,
como ente federativo. 2. Existência de fato do Município, decorrente da decisão política que
importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional
consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e
acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero
exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada --- embora ainda não
jurídica --- não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder
Legislativo, visto que o impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento
de Municípios, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro
de 1.996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional
que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei
complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem
constitucional. 6. A criação do Município de Santo Antônio do Leste importa, tal como se deu,
uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. 7. O estado de exceção é uma zona
de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma,
mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção --- apenas desse modo ela se constitui
como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe
decidir regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-
lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. 9. Cumpre
verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de
estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento da
existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10. O princípio
da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da
continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI n.
725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei
complementar federal referida no § 4º do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere,

358
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIs nº 3.316, 3.489.Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 18.03.2017.
162

reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães.


Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13.
Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não
pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, Lei n. 6.893, de 28 de janeiro de 1.998, do
Estado do Mato Grosso (grifo nosso).

ADI 3489 / SC Relator(a): Min. EROS GRAU


Julgamento: 09/05/2007 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 12.294, DE 22 DE JUNHO DE 2.002, DO
ESTADO DE SANTA CATARINA, QUE ANEXOU A LOCALIDADE DE VILA ARLETE,
DESMEMBRADA DO MUNICÍPIO DE CAMPOS NOVOS, AO MUNICÍPIO DE MONTE
CARLO. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL POSTERIOR À EC
15/96.AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR FEDERAL PREVISTA NO TEXTO
CONSTITUCIONAL. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 18, § 4º, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. OMISSÃO DO PODER LEGISLATIVO. EXISTÊNCIA
DE FATO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA DA JURÍDICA.
SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO, ESTADO DE EXCEÇÃO. A EXCEÇÃO NÃO SE SUBTRAI À
NORMA, MAS ESTA, SUSPENDENDO-SE, DÁ LUGAR À EXCEÇÃO --- APENAS
ASSIM ELA SE CONSTITUI COMO REGRA, MANTENDO-SE EM RELAÇÃO COM A
EXCEÇÃO. 1. A localidade de Vila Arlete, desmembrada do Município de Campos Novos,
foi efetivamente integrada ao Município de Monte Carlo. 2. Existência de fato da agregação
da faixa de terra ao Município de Monte Carlo, decorrente da decisão política que importou na
sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional consolidada,
de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da
força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de
subsunção. A situação de exceção, situação consolidada --- embora ainda não jurídica --- não
pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o
impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a
promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro de 1.996, deve-se à ausência
de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a
Constituição autoriza: o desmembramento de parte de Município e sua conseqüente adição a
outro. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica
violação da ordem constitucional. 6. O desmembramento e integração da localidade de Vila
Arlete objeto da lei importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito
positivo. 7. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da
normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá
lugar à exceção --- apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com
a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir regulando também essas situações
de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção
desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete a
força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de
inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento do desmembramento de gleba de um
Município e sua integração a outro, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10. O princípio
da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da
continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI n.
725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei
complementar federal referida no § 4º do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere,
reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães.
Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13.
Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a
nulidade pelo prazo de 24 meses, Lei n. 12.294, de 22 de junho de 2002, do Estado de Santa
Catarina.
Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Eros Grau (Relator), julgando improcedente a ação,
pediu vista dos autos o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidência da Senhora Ministra Ellen
Gracie. Plenário, 18.05.2006. Decisão: O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente a
ação direta, e, por maioria, ao não pronunciar a nulidade do ato impugnado, manteve sua
vigência pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses até que o legislador estadual estabeleça
163

novo regramento, nos termos do voto reajustado do Senhor Ministro Eros Grau (Relator)
e do voto-vista do Senhor Ministro Gilmar Mendes, vencido, nesse ponto, o Senhor Ministro
Marco Aurélio, que declarava a nulidade do ato questionado. Votou a Presidente, Ministra Ellen
Gracie. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 09.05.2007
(grifo nosso).

As decisões acima transcritas, proferidas pelo STF no controle abstrato e concentrado de


constitucionalidade, em sede de ADI, como se constata, cedem lugar para a segurança jurídica e a realidade
fática, em detrimento da aplicação da teoria da nulidade da norma reconhecidamente inconstitucional.

VI. 4.4.4. Declaração de inconstitucionalidade da norma ainda constitucional, mas em trânsito para a
inconstitucionalidade

Por meio desta técnica o STF contemporiza a aplicação das demais técnicas de controle de
constitucionalidade abstrato, concentrado.
A declaração de inconstitucionalidade de norma ainda constitucional - também conhecida como
inconstitucionalidade progressiva, tem sua origem no direito alemão, decorrente de construção jurisprudencial
da Corte Constitucional daquele país.
O STF já aplicou esta técnica em alguns casos em sede de controle difuso de constitucionalidade. Para
ilustrar seguem dois exemplos:
A primeira situação envolvia a possibilidade – ou não – de prazo em dobro para a Defensoria Pública
recorrer em sede de processo penal, uma vez que tal possibilidade não está prevista para o Ministério Público.
Entretanto, a Lei nº 1.060/50 prescreve, em seu art. 5º, par. 5º, in verbis:359

nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor
Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do
processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos (grifo nosso).

Também a Lei Complementar nº 80/94 (diploma que estabelece a organização da defensoria pública da
União e do Distrito Federal) prevê a intimação pessoal e o prazo em dobro em todas as situações para esta
instituição360, nos termos do art. 44, inciso I, ipsis litteris:

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:


I – receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação
pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes
em dobro todos os prazos (grifo nosso).

359
Ressalta-se que o dispositivo acima transcrito não foi revogado pelo novel de processo civil de 2015, que passou a tratar da
gratuidade de justiça, revogando assim alguns dispositivos da Lei nº 1.060/50.
360
Sem descuidar de mencionar as normas constitucionais que revelam a importância social da Defensoria Pública, que são o art.
5º, LXXIV, que reza, in verbis, “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos”; e o art. 134, que delineia as suas finalidades institucionais.
164

O STF foi instado a se manifestar acerca da constitucionalidade do referido dispositivo da Lei nº


1.060/50, em sede de controle difuso, na ação de habeas corpus nº 70.514, da relatoria do ministro Sydney
Sanches, conforme demonstra respectivamente a ementa e a decisão do julgado em tela:361

EMENTA: - Direito Constitucional e Processual Penal.Defensores Públicos: prazo em


dobro para interposição de recursos(§ 5 do art. 5º da Lei n 1.060, de 05.02.1950,
acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989).Constitucionalidade. "Habeas Corpus".
Nulidades. Intimação pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de
recursos. 1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei n 1.060,
de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo
em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos
Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte
adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública. 2. Deve ser anulado,
pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal que não conhece de apelação interposta
por Defensor Público, por considerá-la intempestiva, sem levar em conta o prazo em dobro para
recurso, de que trata o § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871,
de 08.11.1989. 3. A anulação também se justifica, se, apesar do disposto no mesmo parágrafo,
o julgamento do recurso se realiza, sem intimação pessoal do Defensor Público e resulta
desfavorável ao réu, seja, quanto a sua própria apelação, seja quanto à interposta pelo Ministério
Público. 4. A anulação deve beneficiar também o co-réu, defendido pelo mesmo Defensor
Público, ainda que não tenha apelado, se o julgamento do recurso interposto pelo Ministério
Público, realizado nas referidas circunstâncias, lhe é igualmente desfavorável. "Habeas Corpus"
deferido para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia intimação pessoal do
Defensor Público, afastada a questão da tempestividade da apelação do réu, interposto dentro
do prazo em dobro.
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria de votos, rejeitou a arguição de
inconstitucionalidade do § 5o. do art. 5o. da Lei n. 1.060, de 05.02.50, com a redação da
Lei n. 7.871, de 08.11.89, no que concerne ao prazo em dobro fixado para recurso do
defensor público, por entendê-la ainda constitucional, nos termos do voto proferido pelo
Relator. Vencidos, em parte, os Ministros Paulo Brossard e Néri da Silveira, que também a
declaravam constitucional, e o Ministro Marco Aurélio, que a declarava inconstitucional. No
mérito, o Tribunal, por maioria de votos, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto
do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o indeferia. Votou o Presidente na preliminar
e no mérito. Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva, na ausência
ocasional do Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Plenário, 23.3.94 (grifo nosso).

Como se verifica na ementa acima transcrita, o STF aplicou ao caso concreto a técnica da
inconstitucionalidade progressiva, ou seja, os dispositivos, tanto da Lei nº 1.060/50, como da Lei
Complementar nº 80/94, poderão ser declarados inconstitucionais quando a defensoria pública tiver a estrutura
necessária para seu bom funcionamento, assim como a tem o Ministério Público.362

361
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 70.514-RS.
Julgamento: 23/03/1994 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 19.03.2017.
362
Vide art. 98, ADCT, CF/88, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 80/2014, que estabelece, in verbis: “Art. 98. O número
de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à
respectiva população. § 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores
públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo. § 2º Durante o decurso do prazo previsto
no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de
exclusão social e adensamento populacional”.
165

Outro caso em que o STF teve a oportunidade de examinar e, por razões práticas, aplicou o princípio
(técnica) da inconstitucionalidade progressiva (declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a
inconstitucionalidade) foi no Recurso Extraordinário (paradigma) nº 135.328, da relatoria do ministro Marco
Aurelio Mello, no qual se discutia a eficácia do art. 68, do Código de Processo Penal brasileiro, a partir da
Constituição Federal de 1988, que em seu art. 134 estabelece a missão institucional da Defensoria Pública. A
ementa da decisão é elucidativa e merece transcrição:363

LEGITIMIDADE - AÇÃO "EX DELICTO" - MINISTÉRIO PÚBLICO - DEFENSORIA


PÚBLICA - ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CARTA DA
REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no artigo 134 da Constituição Federal, cabe à
Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta, estando
restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles
indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição Federal).
INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA - VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE
DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - ASSISTÊNCIA JURÍDICA E
JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS - SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA
LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado
constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada
por lei, organizada - e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação - a
Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o
Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a
assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe
competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando
diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento.

O que se infere desta técnica de decisão, em que se reconhece que determinada norma é constitucional,
é que dada a efetivação de certas condições, ela poderá se tornar inconstitucional – guardando afinidade com
outras técnicas desenvolvidas na atualidade, como será visto no próximo tópico.

VI. 4.4.5. Novas construções de técnicas de decisão em sede de controle de constitucionalidade político
e judicial: da declaração deinconstitucionalidade por agregação e a teoria do estado de coisas
inconstitucional

Desde a Antiguidade pensadores estudam os fundamentos do Direito e de sua função construtora e


modificadora da realidade364. Paulo Nader365, na contemporaneidade, assevera que:

Para o homem e para a sociedade, o Direito não constitui um fim, apenas um meio para
tornar possível a convivência e o progresso social. Apesar de possuir um substrato axiológico

363
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.RE nº 135.328/SP. Julgamento em 29.06.1994. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso
em 19.03.2017.
364
Sobre o tema vide SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do Direito. 4 ed.
rev.atual.ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
365
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 31 ed. Rev. e Atual. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009, p. 19-20
166

permanente, que reflete a estabilidade da ‘natureza humana’, o Direito é um engenho à mercê


da sociedade e deve ter a sua direção de acordo com os rumos sociais. (grifo nosso).

As múltiplas necessidades dos homens trazem grande desafio ao Direito que, além de desenvolver
mecanismos à manutenção da paz e do equilíbrio social, precisa criar instrumentos racionais com vistas a
manter sua coerência e a cientificidade, tanto no plano da produção legislativa, como no plano da interpretação
por parte dos magistrados. Com efeito, as decisões geram impactonão apenas inter partes, mastambém erga
omnes, quando se tratar de controle de constitucionalidade abstrato(controle concentrado).
As teoriasdo controle de constitucionalidade por agregação e a teoria do estado de coisas
inconstitucional surgem neste contexto.
Segundo o idealizador da primeira corrente de pensamento (controle de constitucionalidade por
agregação) Leonardo de Andrade Costa366, o caráter científico e a coerência que se espera do Direito
pressupõe a adoção de uma visão holística da disciplina jurídica em sua permanente interação com os demais
campos do conhecimento.
A partir de uma concepção sistêmica da razão humana, percebe-se que o legislador (ao criar a norma
jurídica) e o magistrado, ao interpretá-la e aplicá-la no caso concreto ou no controle de constitucionalidade
abstrato, precisam levar em consideração, também, os impactos (efeitos) do conjunto de decisões já exaradas
e o conjunto das alterações legislativas já produzidas. Explica o autor367:

um ato individualmente submetido à avaliação jurídica em dado momento do tempo pode não
ser inconstitucional, mas o conjunto dos eventos em relação ao mesmo tema (mudanças
legislativas adotadas e decisões judiciais já proferidas anteriormente) pode caracterizar
inconstitucionalidade por agregação. Um exemplo concreto de inconstitucionalidade por
agregação decorrede diversas decisões do Supremo Tribunal Federal e de Emendas
Constitucionais que ocasionaram, em seu conjunto, a ruptura da forma federativa idealizada
pelo Constituinte Originário, posto atingir o núcleo essencial do regime federativo, o qual tem
como pressuposto a autonomia constitucional dos entes políticos subnacionais, o que abrange,
necessariamente, a autonomia financeira. Não se quer dizer com o exposto, que o modelo de
federalismo fiscal idealizado pelo Constituinte Originário seja imutável, a partir de uma
interpretação literal do teor do disposto no inciso I do §4º do art. 60 da Constituição. Não é isso.
No entanto, o conjunto de decisões perpetradas (legislativas e judiciais) desde 1988 não
poderiam ter atingido onúcleo essencialda forma federativa, que tem como seu pilar
fundamental de sustentação a autonomia financeira do entes políticos subnacionais (grifo
nosso).

Por sua vez, a tese do estado de coisas inconstitucional – oriunda da jurisprudência da Corte
Constitucional da Colômbia – tem como fundamento a ideia de que significativa parcela da realidade social
não está em conformidade com os ditames constitucionais. Carlos Alexandre de Azevedo Campos368traz
suas impressões sobre a doutrina em tela:

366
COSTA, Leonardo de Andrade; CARLI, Ana Alice De. A inconstitucionalidade por agregação: requisito de coerência e
cientificidade do direito. (no prelo), 2017.
367
COSTA; CARLI (2017), op., cit., p. 7.
368CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas Inconstitucional. 1ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p.

96.
167

Trata-se de decisão que busca conduzir o Estado a observar a dignidade da pessoa humana e
as garantias dos direitos fundamentais, uma vez que esteja em curso graves violações a esses
direitos por omissão dos poderes públicos. [...] o juiz constitucional depara-se com uma
realidade social necessitada de transformação urgente, e, ao mesmo tempo, com falhas
estruturais e impasses políticos que implicam, além do estado inconstitucional em si mesmo,
a improbabilidade de o governo superar esse estágio de coisas contrário ao sistema de direitos
fundamentais, sem que o seja a partir de uma forte e ampla intervenção judicial [...].

Também sobre tese do estado de coisas inconstitucional, o estudioso colombianoOmar Huertas


Díaz369acentua:

[...] a figura do estado de coisas inconstitucional foi criada pela jurisprudência com o objetivo
de garantir o cumprimento dos fins do Estado, assim como garantir os direitos e deveres
constitucionais, buscando contestar e corrigir as violações aos direitos humanos que requerem
um tratamento especial por parte dos órgãos do Estado no seu conjunto.

Na Colômbia a doutrina do estado de coisas inconstitucional já foi aplicada em várias situações. A


guisa de exemplo vale trazer à baila a Sentença nº T-153/98 da Corte Suprema da Colômbia370:

ESTADO DE COSAS INCONSTITUCIONAL EN ESTABLECIMIENTO


CARCELARIO- Hacinamiento
Las cárceles colombianas se caracterizan por el hacinamiento, las graves deficiencias en
materia de servicios públicos y asistenciales, el imperio de la violencia, la extorsión y la
corrupción, y la carencia de oportunidades y medios para la resocialización de los reclusos.
Esta situación se ajusta plenamente a la definición del estado de cosas inconstitucional. Y de
allí se deduce una flagrante violación de un abanico de derechos fundamentales de los internos
en los centros penitenciarios colombianos, tales como la dignidad, la vida e integridad
personal, los derechos a la familia, a la salud, al trabajo y a la presunción de inocencia, etc.
Durante muchos años, la sociedad y el Estado se han cruzado de brazos frente a esta situación,
observando con indiferencia la tragedia diaria de las cárceles, a pesar de que ella representaba
día a día la transgresión de la Constitución y de las leyes. Las circunstancias en las que
transcurre la vida en las cárceles exigen una pronta solución. En realidad, el problema
carcelario representa no sólo un delicado asunto de orden público, como se percibe
actualmente, sino una situación de extrema gravedad social que no puede dejarse desatendida.
Pero el remedio de los males que azotan al sistema penitenciario no está únicamente en las
manos del INPEC o del Ministerio de Justicia. Por eso, la Corte tiene que pasar a requerir a
distintas ramas y órganos del Poder Público para que tomen las medidas adecuadas en
dirección a la solución de este problema.371

369
DIAZ, Omar Huertas; CARLI, Ana Alice De; SOARES, Bruno P. El estado de cosas inconstitucional como un mecanismo de
exigibilidad de respeto y garantía de los derechos humanos en Colombia y en Brasil pelo STF.(no prelo).
370
COLÔMBIA. Suprema Corte de Justiça. La Corte Suprema confirma medidas de amparo a la población penitenciaria de
San Bernardo (Armenia). Disponível em <http://www.derechos.org/>. Acesso em 19.03.2017.
371
Tradução Livre:“Estado de coisas inconstitucional prisão em –Superlotação. Prisões colombianas caracterizam-se pela
superlotação, graves deficiências em termos de assistência social e serviços públicos, a regra de violência, a extorsão e a corrupção
e a falta de oportunidades e meios para a ressocialização dos presos. Esta situação é totalmente consistente com a definição do
estado inconstitucional de assuntos. E aí segue uma flagrante violação de uma série de direitos fundamentais dos reclusos no
colombiano prisões, tais como a dignidade, a vida e a integridade pessoal, familiar, saúde, trabalho e direitos à presunção de
inocência, etc. Por muitos anos, a sociedade e o estado tem cruzado de armas nesta situação, observando a tragédia diária de prisão,
com indiferença, enquanto ela representava todos os dias a violação da Constituição e as leis. As circunstâncias em que corre a vida
na prisão exigem uma solução rápida. Na verdade, o problema da prisão representa não só uma delicada questão de ordem pública,
como atualmente percebida, mas uma situação de extrema gravidade social que não pode ser deixada sozinha. Mas o remédio para
os males que assolam o sistema prisional não está exclusivamente nas mãos do INPEC ou do Ministério da justiça. Por isso, o
168

O fragmento da decisão acima transcrita revela nuances da teoria do estado de coisas inconstitucional
e a evolução da jurisdição constitucional. No mesmo sentido segue a tese do controle de constitucionalidade
por agregação.

VI.5. ESTUDO DE CASO

1. Em determinado estado da federação, o Chefe do Poder Executivo decidiu reduzir proposta


orçamentária encaminhada pela Defensoria Pública do respectivo Estado ao enviá-la para a Assembleia
Legislativa. A Associação Nacional dos Defensores Públicos não se conformou com tal ato por parte do
Governador, alegando desrespeito a normativa constitucional. Você, na qualidade de advogado da
referida Associação, deverá produzir a peça pertinente, apontando a competência para julgar a lide, a
legitimidade e demais pressupostos processuais.

VI. 6. QUESTÕES OBJETIVAS


1. (IX Exame de Ordem Unificado – FGV) O Estado “X” possui Lei Ordinária, que dispõe sobre regras
de trânsito e transporte. Determina essa lei a instalação de cinto de segurança em veículos de transporte
coletivo de passageiros, impondo penalidades em caso de descumprimento. Inconformado com este
diploma legal, o Governador do Estado deseja propor ação direta de inconstitucionalidade. Neste caso,
assinale a afirmativa correta.
a) A ação não poderá ser ajuizada pelo Governador sem prévia autorização da Assembleia Legislativa
do Estado X, já que se trata de ação contra lei do próprio Estado.
b) O Governador não poderá propor a ADI, como pretende, pois a lei não possui vício de
inconstitucionalidade.
c) A lei é inconstitucional, pois viola a competência privativa da União para legislar sobre trânsito.
d) Não haveria vício de inconstitucionalidade, caso a lei estadual tivesse status de lei complementar,
em vez de lei ordinária.

2. (SEFAZ/SP 2013 - FCC - AGENTE FISCAL DE RENDAS - TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO)


Sob o fundamento de ofensa à repartição constitucional de competências entre os entes da Federação,
o Procurador-Geral da República propõe ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal, tendo por objeto lei estadual que complementa a disciplina de determinada matéria
de direito urbanístico constante de lei federal preexistente. Como se depreende de elementos extraídos
do processo, a lei estadual tem por finalidade atender a peculiaridades do Estado-membro, sem
contrariar as normas gerais contidas na lei federal preexistente, a qual, contudo, não contém norma de
autorização para que os Estados-membros legislem sobre a matéria. Nessa hipótese, nos termos da
Constituição da República de 1988:
a) o Procurador-Geral da República não possui legitimidade para a propositura da ação, embora, no
mérito, a fundamentação seja procedente, uma vez que direito urbanístico é matéria de competência legislativa
privativa da União.
b) a lei estadual não pode ser objeto de controle concentrado perante o Supremo Tribunal Federal, em
sede de ação direta de inconstitucionalidade, embora, no mérito, a fundamentação seja procedente, uma vez
que direito urbanístico é matéria de competência legislativa privativa da União.

tribunal tem que passar para exigir aos diferentes ramos e órgãos do poder público então eles tomam medidas adequadas no endereço
para a solução deste problema”.
169

c) o Procurador-Geral da República possui legitimidade ativa e a lei estadual pode ser objeto de ação
direta de inconstitucionalidade, mas a ação, no mérito, é improcedente, uma vez que direito urbanístico é
matéria de competência legislativa concorrente, em relação à qual os Estados possuem competência
suplementar.
d) o Procurador-Geral da República possui legitimidade ativa e a lei estadual pode ser objeto de ação
direta de inconstitucionalidade, assim como, no mérito, a ação é procedente, uma vez que direito urbanístico
é matéria de competência legislativa privativa da União.
e) o Procurador-Geral da República possui legitimidade ativa e a lei estadual pode ser objeto de ação
direta de inconstitucionalidade, mas a ação, no mérito, é improcedente, uma vez que seria necessária prévia
autorização por lei complementar federal para o Estado legislar a respeito da matéria de forma a atender a suas
peculiaridades.

3. (OAB Nacional 2009 – II) Assinale a opção correta no que diz respeito ao controle das omissões
inconstitucionais.
a) A ação direta de inconstitucionalidade por omissão que objetive a regulamentação de norma da CF
somente pode ser ajuizada pelos sujeitos enumerados no artigo 103 da CF, sendo a competência para o seu
julgamento privativa do STF.
b) Na omissão inconstitucional total ou absoluta, o legislador deixa de proceder à completa integração
constitucional, regulamentando deficientemente a norma da CF.
c) A omissão inconstitucional pode ser sanada mediante dois instrumentos: o mandado de injunção,
ação própria do controle de constitucionalidade concentrado; e a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão, instrumento do controle difuso de constitucionalidade.
d) O mandado de injunção destina-se à proteção de qualquer.

4. (TRT 9ª 2013 - FCC - ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA JUDICIÁRIA) De acordo com a


Constituição Federal brasileira, em matéria de controle difuso de constitucionalidade, o Senado Federal
poderá editar uma resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo
declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Esta resolução
senatorial
a) terá efeitos erga omnes, porém ex nunc, ou seja, a partir da sua publicação.
b) não terá efeitos erga omnes, sendo que os efeitos inter partes, serão ex nunc, ou seja, a partir da sua
publicação.
c) terá efeitos erga omnes e ex tunc, ou seja, anteriores a sua publicação.
d) somente terá efeitos ex tunc depois de aprovada por maioria absoluta do Senado Federal e um terço
do Congresso Nacional.
e) não terá efeitos erga omnes, porém os efeitos inter partes serão ex tunc, ou seja, anteriores a sua
publicação.

5. No tocante à Ação Declaratória de Constitucionalidade, considere:


I. Pode ser proposta por Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
II. O Procurador-Geral da República e a Mesa da Câmara dos Deputados têm legitimidade ativa para
a sua propositura.
III. Tem a finalidade principal de transformar a presunção relativa de constitucionalidade em presunção
absoluta, em razão dos seus efeitos vinculantes.
IV. Pode ter como objeto a lei ou ato normativo federal ou estadual que se pretenda declarar
constitucional.
Está correto APENAS o que se afirma em
a) I, II e IV.
b) I e III.
c) II e III.
d) I, II e III.
e) III e IV.
170

6. (OAB/Nacional 2008.II) Acerca do controle de constitucionalidade concentrado, julgue os itens a


seguir.
I – A administração pública indireta, assim como a direta, nas esferas federal, estadual e municipal,
fica vinculada
às decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas
ações declaratórias de constitucionalidade.
II – Em razão do princípio da subsidiariedade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão
somente será cabível se ficar provada a inexistência de qualquer meio eficaz para afastar a lesão no âmbito
judicial.
III – É possível controle de constitucionalidade do direito estadual e do direito municipal no processo
de arguição de descumprimento de preceito fundamental.
IV – São legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade interventiva os mesmos que têm
legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade genérica.
Estão certos apenas os itens
a) I e II.
b) I e III.
c) II e IV.
d) III e IV.

7. (XVIII Exame de Ordem Unificado – 2015) A Lei Z, elaborada recentemente pelo Poder Legislativo
do Município M, foi promulgada e passou a produzir seus efeitos regulares após a Câmara Municipal
ter derrubado o veto aposto pelo Prefeito. A peculiaridade é que o conteúdo da lei é praticamente
idêntico ao de outras leis que foram editadas em milhares de outros Municípios, o que lhe atribui
inegável relevância. Inconformado com a derrubada do veto, o Prefeito do Município M, partindo da
premissa de que a Lei Z possui diversas normas violadoras da ordem constitucional federal, pretende
que sua inconstitucionalidade seja submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal.
A partir das informações acima, assinale a opção que se encontra em consonância com o sistema
de controle de constitucionalidade adotado no Brasil.

a) O Prefeito do Município M, como agente legitimado pela Constituição Federal, está habilitado a
propor arguição de descumprimento de preceito fundamental questionando a constitucionalidade dos
dispositivos que entende violadores da ordem constitucional federal.
b) A temática pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade ou de arguição de
descumprimento de preceito fundamental, se proposta por qualquer um dos legitimados pelo Art. 103 da
Constituição Federal.
c) A Lei Z não poderá ser objeto de ação, pela via concentrada, perante o Supremo Tribunal Federal,
já que, de acordo com o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil, atos normativos
municipais só podem ser objeto de controle, caso se utilize como paradigma de confronto a Constituição
Federal, pela via difusa.
d) Os dispositivos normativos da Lei Z, sem desconsiderar a possibilidade de ser realizado o controle
incidental pela via difusa, podem ser objeto de controle por via de arguição de descumprimento de preceito
fundamental, se proposta por qualquer um dos legitimados pelo Art. 103 da Constituição Federal.

8. (OAB 2010.2 – FGV) A obrigatoriedade ou necessidade de deliberação plenária dos tribunais, no


sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, significa que:
a) somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão
especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
171

b) a parte legitimamente interessada pode recorrer ao respectivo Tribunal Pleno das decisões dos
órgãos fracionários dos Tribunais Federais ou Estaduais que, em decisão definitiva, tenha declarado a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
c) somente nas sessões plenárias de julgamento dos Tribunais Superiores é que a matéria relativa a
eventual inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pode ser decidida.
d) a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar toda e qualquer ação que
pretenda invalidar lei ou ato normativo do Poder Público pode ser delegada a qualquer tribunal, condicionada
a delegação a que a decisão seja proferida por este órgão jurisdicional delegado em sessão plenária.

9. (OAB 2011.3 – FGV) NÃO pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade
a) decreto que promulga tratado.
b) decreto legislativo que aprova tratado.
c) resolução.
d) súmula vinculante.

10. (TJ/AL 2012 - CESPE_ME - ANALISTA JUDICIÁRIO ESPECIALIZADO - ÁREA


JUDICIÁRIA)Julgue os itens abaixo (V ou F):
a) É admitida medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada perante o
STF.
b) A CF estabelece a possibilidade de deferimento de medida cautelar em ação direta de
inconstitucionalidade interventiva federal.
c) Em regra, decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade produz efeitos entre as partes
e ex tunc, embora o STF já tenha reconhecido efeito ex nunc.
d) Resolução administrativa de tribunal não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade,
por não constituir ato normativo.
e) Qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do poder público pode propor arguição de
descumprimento de preceito fundamental.

11. (XI Exame de Ordem Unificado – FVG) A Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação
Declaratória de Constitucionalidade e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão estão
regulamentadas no âmbito infraconstitucional pela lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e
julgamento destas ações perante o Supremo Tribunal Federal. Tomando por base o constante na
referida lei, assinale a alternativa incorreta.
a) Podem propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão os mesmos legitimados para
propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade.
b) Cabe no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade a concessão de medida cautelar.
c) As decisões proferidas em Ação Direta de Inconstitucionalidade e em Ação Declaratória de
Constitucionalidade possuem o chamado efeito dúplice.
d) Enquanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade não
admitem desistência, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão admite a desistência a qualquer
tempo.

12. (MPE/AL 2012 - FCC - PROMOTOR DE JUSTIÇA DE 1º ENTRÂNCIA) Determinado Estado-


Membro da Federação Brasileira possui uma lei de organização de seus servidores públicos, em vigor
desde 1986, com três dispositivos frontalmente contrários à atual ordem constitucional. Referidos
dispositivos legais poderão ter sua compatibilidade com a Constituição Federal judicialmente
questionada por meio de:
a) ação direta de inconstitucionalidade, de competência do Supremo Tribunal Federal.
b) arguição de descumprimento de preceito fundamental, de competência do Tribunal de Justiça do
respectivo Estado-Membro.
c) recurso extraordinário, de competência do Supremo Tribunal Federal.
172

d) ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de competência do Tribunal de Justiça do


respectivo Estado-Membro.
e) ação direta interventiva, de competência do Superior Tribunal de Justiça.

13. (OAB 2010.2 – FGV) Declarando o Supremo Tribunal Federal, incidentalmente, a


inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal em face da Constituição do Brasil, caberá:
a) ao Procurador-Geral da República, como chefe do Ministério Público da União, expedir atos para o
cumprimento da decisão pelos membros do Ministério Público Federal e dos Estados.
b) ao Presidente da República editar decreto para tornar inválida a lei no âmbito da administração
pública.
c) ao Senado Federal suspender a execução da lei, total ou parcialmente, conforme o caso, desde que
a decisão do Supremo Tribunal Federal seja definitiva.
d) ao Advogado-Geral da União interpor o recurso cabível para impedir que a União seja compelida a
cumprir a referida decisão.
REFERÊNCIAS DO CAP. VI
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2015.
ANDRADE, André Gustavo C. de. Dimensões da interpretação conforme a constituição. Disponível em
http://www.tjrj.jus.br/>. Acesso em 16.03.2017.
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina
e análise crítica da jurisprudência. 6ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção de um novo modelo. 2 Ed. São Paulo: Saraiva. 2010.
BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel. O controle de constitucionalidade e a Lei nº 9.868/99. Rio de Janeiro: ed.
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BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de
realização. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2004.
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Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 02.03.2017.
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AG.REG. NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Julgamento: 01/08/2014. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em <www.stf.jus>. Acesso em 03.03.2017.
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18.03.2017.
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Julgamento: 23/03/1994 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 19.03.2017.
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173

CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2 ª ed. Tradução
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SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do Direito. 4 ed.
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2003.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.
174

CAPÍTULO VII

REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS

VII.I. Considerações iniciais


O termo “garantias constitucionais” foi consagrado na doutrina brasileira desde os mais antigos
constitucionalistas, como Paulo Bonavides. Desde cedo, o signo “garantia” foi objeto de estudo e de uso
deliberado pela classe jurídica publicista, o que, para Paulo Bonavides (2005, p. 526), também foi conceituado
de maneira indevida.
Para Bonavides, ao se recorrer do Dicionário da Real Academia Espanhola, o termo “garantia” foi
historicamente associado ao texto da Constituição de um país, de modo que o contexto histórico da sua
concepção foi perdido no tempo. Bonavides leciona que (2005, p. 526):

Como se vê, ocorre o equívoco sempre que a garantia é posta numa acepção em conexidade
direta com o instrumento de organização do Estado que é a Constituição. Demais, se
aceitássemos a confusão, nunca lograríamos tampouco um conceito preciso e útil do que seja
uma garantia constitucional. Esse caminho conduziria sem dúvida ao obscurecimento de uma
das noções mais valiosas para o entendimento da progressão valorativa do Estado liberal em
sua passagem para o Estado social, conforme adiante intentaremos demonstrar.
Há dois pólos ao redor dos quais giram as garantias, as declarações e os direitos desde o berço
em que se formaram: o indivíduo e a liberdade. A estes, um terceiro pólo se acrescentou no
século XX: a instituição. Mas o advento desta marca uma ruptura da linha clássica e tradicional
no entendimento das garantas enquanto garantias individuais.

Ao consagrar o advento das garantias constitucionais no âmbito do Estado libera, Bonavides muito
bem reconhece que as garantias se ligam umbilicalmente ao escopo do rompimento de relações abusivas entre
o poder público e o particular. Carlos Sánchez Viamonte (In: BONAVIDES, 2005, p. 527) conceitua garantia
como: “[...] instituição criada em favor do indivíduo, para que, armado com ela, possa ter ao seu alcance
imediato o meio de fazer efetivo qualquer dos direitos individuais que constituem em conjunto a liberdade
civil e política”.
De todo modo, Paulo Bonavides reconhece que o texto constitucional contém garantias constitucionais
para a proteção da ordem objetiva (como é o caso do controle de constitucionalidade e das limitações materiais
e formais de reforma da Constituição) e do Estado (intervenção, estado de sítio e estado de defesa), assim
como para a proteção de direitos subjetivos do particular lesados ou em vias de sofrer lesão por justa ameaça.
A primeira classe, das garantias constitucionais em sentido estrito, foi mais bem estudada por
constitucionalistas italianos após a Segunda Guerra Mundial; já a segunda classe, comumente referida como
remédios constitucionais, é objeto de preferência dos constitucionalistas latino-americanos (BONAVIDES,
2005, p. 533):
175

[...] Mostram eles [publicistas latino-americanos] a cada passo uma viva preocupação em
acompanhar de perto, com redobrado interesse, a criação pelo constituinte de novos recursos
jurisdicionais, novas técnicas ou novos institutos aptos a configurarem mecanismos de garantia
constitucional dos direitos fundamentais.
A garantia constitucional nesta última acepção é em geral entendida, não somente como garantia
prátca do direito subjetivo, garantia que de perto sempre o circunda toda vez que a uma cláusula
declaratória do direito corresponde a respectiva cláusula assecuratória, senão também como o
próprio instrumento (remédio jurisdicional) que faz a eficácia, a segurança e a proteção do
direito violado.
Assim estabelecida, temos visto nos ordenamentos constitucionais contemporâneos crescer de
importância a figura da garantia constitucional, que repercute não somente no campo do direito
constitucional de amplitude clássica, senão também que se dilata à esfera do direito processual,
atraindo-o, no tocante à tutela jurisdicional da liberdade e dos direitos fundamentas, para o vasto
território onde se renova e amplia cada vez mais o estudo da matéria constitucional.

José Afonso da Silva (2009, p. 161), por sua vez, entende que as nomenclaturas “remédios
constitucionais” e “garantias constitucionais”, apesar de conceitualmente distintas, encontram-se no cerne da
mesma questão: a proteção a direitos e interesses individuais frente a atos ilegais ou de abuso de poder. Sobre
o conceito de “remédios constitucionais” como espécie de “garantias constitucionais”, “ações constitucionais”
e suas características (SILVA, 2009, p. 161):

A Constituição inclui entre as garantias individuais o direito de petição, o habeas corpus, o


mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas data, a ação popular – aos quais se
vem dando, na doutrina e na jurisprudência, o nome de “remédios de direito constitucional” ou
“remédios constitucionais”, no sentido de meios postos à disposição dos indivíduos para propor
a intervenção das autoridades competentes visando a sanar, corrigir, ilegalidade e abuso de
poder em prejuízo de direitos e interesses individuais. Alguns desses remédios revelam-se meios
de provocar a atividade jurisdicional; e, então, têm natureza de ação: são ações constitucionais.
São garantias constitucionais na medida em que são instrumentos destinados a assegurar o gozo
de direitos violados ou me vias de serem violados, ou simplesmente não-atendidos. [...].
Permitimo-nos, contudo, lembrar que esses remédios não deixam também de exercer um papel
limitativo da atuação do Poder Público, quer porque, existindo, este se comporta de maneira a
evitar sofrer-lhes a impugnação, quer porque o exercício desses direitos-remédios pelos titulares
dos direitos ou interesses violados ou ameaçados, ou não satisfeitos nos termos da Constituição,
importa impor correção a seus atos e atividades – o que é um modo de limitar. E mais: tais
remédios atuam precisamente quando as limitações e vedações não foram bastantes para
impedir a prática de atos ilegais e com excesso de poder ou abuso de autoridade. São, pois,
espécies de garantias, que, pelo seu caráter específico e por sua função saneadora, recebem o
nome de “remédios”, e “remédios constitucionais”, porque consignados na Constituição.

A partir destas noções fundamentais, é possível inferir que os direitos fundamentais são a posição
jurídica de que é titular uma pessoa para o exercício da sua liberdade, da sua dignidade, da identificação
nacionalista, da realização política e da realização social. Já as garantias são os meios pelos quais estes direitos
são protegidos contra abusos de poder ou ilegalidades, ou mesmo para a defesa da ordem jurídica e do Estado.
Os remédios constitucionais são garantias destinadas ao indivíduo para conter abusos de poder ou ilegalidades,
de modo a se configurarem como ações constitucionais caso previstos no texto magno e com repercussão no
exercício dos direitos fundamentais.
176

VII.II. Espécies de remédios constitucionais

São as espécies de remédios constitucionais consagrados pelo texto constitucional e pela doutrina
(SILVA, 2009, p. 161; MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2012, p. 571): habeas
corpus, habeas data, ação popular, mandado de segurança, mandado de injunção e reclamação constitucional,
os quais serão explanados a seguir.

VII.II.1. Habeas corpus


As origens do habeas corpus remontam ao rompimento do absolutismo inglês com o advento da
Magna Carta de 1215, não relacionado estritamente ao direito fundamental de livre locomoção, porém sim ao
due process of law (SILVA, 2009, p. 161).
No Brasil, o habeas corpus foi primeiro previsto no Código de Processo Criminal de 1832
(BRASIL, 1832), no seu artigo 340, com escopo semelhante ao vigente hodiernamente, porém este remédio
constitucional sofreu um alargamento no âmbito de proteção por conta do artigo 72, §22, da Constituição
Federal da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, segundo a nova reforma ortográfica (BRASIL,
1891): “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer
violência, ou coação, por ilegalidade, ou abuso de poder”.
A expansão da circunscrição de aplicação do habeas corpus como ação constitucional permitiu o
que se denominou com o costume da Ciência do Direito Constitucional de “doutrina brasileira do habeas
corpus”, para admitir o seu conhecimento para atos ilegais ou em que se configurem abuso de poder com
relação a outras espécies de direitos fundamentais. Assim leciona Gilmar Mendes (2014, p. 609):

A formulação ampla do texto constitucional deu ensejo a uma interpretação que permitia o uso
do habeas corpus para anular até mesmo ato administrativo que determinara o cancelamento de
matrícula de aluno em escola pública, para garantir a realização de comícios eleitorais, o
exercício de profissão, dentre outras possibilidades.

No mesmo sentido é Paulo Bonavides (2005, p. 546-547), que complementa o andamento histórico
do instituto com a reforma constitucional de 1926 e com a sua reformulação com a Constituição Federal de
1934:

Mas nem tudo foi derrota para o antigo Estado de Direito da tradição liberal: ao antigo habeas
corpus, basicamente o único meio processual de defesa dos direitos e das liberdades individuais
contra o arbítrio do Estado e com uma amplitude sui generis que perdurou até 1926, ano da
única e efêmera reforma da primeira Constituição republicana do Brasil (a de 1891), se
acrescentou, por criação do constituinte de 1934, o mandado de segurança, um novo remédio
de jurisdição constitucional.

Após 1934, como apontado por Gilmar Mendes (2014, p. 610):


177

Todas as demais Constituições brasileiras, sem qualquer exceção, incorporaram a garantia do


habeas corpus (Constituição de 1934, art. 113, n. 23; Constituição de 1937, art. 122, n. 16;
Constituição de 1946, art. 141, § 23; Constituição de 1967/69, art. 150, § 20). Durante todo esse
tempo, essa garantia somente foi suspensa pelo Ato Institucional n. 5, de 1968, no que concerne
aos crimes políticos, contra a segurança nacional, contra a ordem econômica e social e contra a
economia popular.

O habeas corpus é regulado pelo artigo 5º, LXVIII, da CF e pelos artigos 647 ao 667 do CPP. O
cabimento do habeas corpus se limita à violação injusta ou ameaça da liberdade de locomoção (ilegalidade
ou abuso de poder). A liberdade de locomoção é norma de eficácia contida, porque ela é livre em tempos de
paz, mas a lei poderá restringi-la (artigo 5º, XV, da CF). Em tempos de guerra, as restrições à liberdade de
locomoção podem ser maiores que em tempos de paz.
O habeas corpus poderá ser preventivo (ameaça à liberdade de locomoção – o pedido é o salvo
conduto) ou repressivo (lesão à liberdade de locomoção – o pedido é o alvará de soltura ao paciente). Rege-
se pelo princípio da universalidade: qualquer pessoa poderá impetrar habeas corpus, natural ou jurídica,
nacional ou estrangeira, independente da capacidade postulatória e da capacidade civil. O habeas corpus
dispensará advogado e será gratuito (artigo 5º, LXXVII, da CF). As pessoas jurídicas não poderão ser
pacientes, porque não sofrem restrição à locomoção – mas as pessoas jurídicas podem ser impetrantes do
habeas corpus.
Legitimado ativo é qualquer pessoa ou o Ministério Público372 (artigo 654 do CPP), sendo o paciente
quem sofreu a restrição à locomoção ou quem se encontra ameaçado. O legitimado passivo será o agente
público que promoveu o abuso de poder – juízes, delegados de polícia – ou os particulares que promoverem
ilegalidades – donos de centros de reabilitação de entorpecentes, por exemplo. O habeas corpus pode ser
concedido de ofício pelo juiz.
Segundo o artigo 142, §2º, da CF, não caberá habeas corpus para o mérito de punições disciplinares
militares. A interpretação que se dá a este dispositivo é a de que se a prisão administrativa disciplinar for
legal e válida, não caberá habeas corpus. Se houver algum vício, como excesso de prazo e autoridade
incompetente, caberá habeas corpus.
A súmula 690 do STF foi cancelada. O entendimento atual é que os habeas corpus de decisões de
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais sejam impetrados perante os Tribunais de Justiça. Se for
de Turma Recursal de Juizado Especial Federal, serão impetrados perante os Tribunais Regionais Federais.
A súmula 693 do STF diz que o habeas corpus não caberá para condenações em que só se comine
pena de multa. A súmula 694 do STF diz que não caberá habeas corpus para pena de exclusão militar, perda
de patente ou de função pública. Também não caberá habeas corpus quando a pena privativa de liberdade já
for extinta (súmula 695 do STF). Em todas estas situações não há ameaça ou lesão à liberdade de locomoção.

372 Mas também a Defensoria Pública e outros órgãos.


178

Não caberá habeas corpus contra decisões do STF, inclusive contra decisão monocrática de Ministro
do STF (vigora o princípio da superioridade de grau). Não caberá também contra a suspensão de direitos
políticos ou contra pena em PAD.
Do ato que determinar a quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico, em regra, não caberá
habeas corpus, mas caberá quando houver risco de ofensa indireta à liberdade de locomoção.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, pela 2ª turma, julgou o HC 143.641/SP, de relatoria do
Ministro Ricardo Lewandowki, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de todas as mulheres
submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestantes, de
puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças.
Foram apontadas como autoridades coatoras os Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, os
juízes e juízas das varas criminais estaduais, os Tribunais Regionais Federais e os juízes e juízas federais com
competência criminal. Trata-se da primeira impetração de habeas corpus coletivo na prática forense da Corte
Suprema.
O referido writ foi impetrado no contexto da cultura do confinamento pela justiça criminal que condena
(BRASIL, 2018, p. 13)373:

[...] mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a


programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda privando
as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano,
cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização
da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e moral da presa.

Apesar de não haver previsão expressa no texto constitucional e no Código de Processo Penal, os
Ministros do Supremo Tribunal Federal se debruçaram sobre a questão e alhinhavaram os argumentos que
permitiriam a impetração de um habeas corpus coletivo.
O relator, Ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que é cabível a impetração de habeas corpus
coletivo ao retomar a jurisprudência da corte sobre o cabimento de medidas judiciais em situações críticas,
em que a defesa individual do direito resta inviabilizada, como é o caso, pela hipossuficiência econômica.
Assim, o ministro relata que a massificação das situações jurídicas, aliada à proteção devida pelos remédios
constitucionais, requer que se entenda cabível o habeas corpus coletivo (BRASIL, 2018, p. 24-25; 27):

De forma coerente com essa realidade, o Supremo Tribunal Federal tem admitido, com
crescente generosidade, os mais diversos institutos que logram lidar mais adequadamente com
situações em que os direitos e interesses de determinadas coletividades estão sob risco de sofrer
lesões graves. A título de exemplo, vem permitindo a ampla utilização da Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assim como do Mandado de Injunção
coletivo. [...].
Com maior razão, penso eu, deve-se autorizar o emprego do presente writ coletivo, dado o fato
de que se trata de um instrumento que se presta a salvaguardar um dos bens mais preciosos do
homem, que é a liberdade. Com isso, ademais, estar-se-á honrando a venerável tradição jurídica

373
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15338809875&ext=.pdf
179

pátria, consubstanciada na doutrina brasileira do habeas corpus, a qual confere a maior


amplitude possível ao remédio heroico, e que encontrou em Ruy Barbosa quiçá o seu maior
defensor. Segundo essa doutrina, se existe um direito fundamental violado, há de existir no
ordenamento jurídico um remédio processual à altura da lesão. À toda a evidência, quando o
bem jurídico ofendido é o direto de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo pessoas determinado,
o instrumento processual para resgatá-lo é o habeas corpus individual ou coletivo. É que, na
sociedade contemporânea, burocratizada e massificada, as lesões a direitos, cada vez mais,
assumem um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por razões de política judiciária,
disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteção dos segmentos por elas
atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa céleres e adequados.
[...].
Nessa linha, destaco o art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, que preconiza a competência
de juízes e os tribunais para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando, no curso de
processo, verificarem que alguém sofreu ou está na iminência de sofrer coação ilegal. A
faculdade de concessão, ainda que de ofício, do writ, revela o quanto o remédio heroico é
flexível e estruturado de modo a combater, de forma célere e eficaz, as ameaças e lesões a
direitos relacionados ao status libertatis.
Indispensável destacar, ainda, que a ordem pode ser estendida a todos que se encontram na
mesma situação de pacientes beneficiados com o writ, nos termos do art. 580 do Código de
Processo Penal.
A impetração coletiva vem sendo conhecida e provida em outras instâncias do Poder Judiciário,
tal como ocorreu no Habeas Corpus 1080118354-9, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, e nos Habeas Corpus 207.720/SP e 142.513/ES, ambos do Superior Tribunal de Justiça.
Neste último, a extensão da ordem a todos os que estavam na mesma situação do paciente
transformou o habeas corpus individual em legítimo instrumento processual coletivo, por meio
do qual se determinou a substituição da prisão em contêiner pela domiciliar.

VII.II.2. Habeas data


O habeas data foi concebido na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988.
O seu escopo de criação remonta ao período de exceção pelo qual o país havia passado nas últimas duas
décadas anteriores a 1985, porquanto (BONAVIDES, 2005, p. 553):

O instituto cristaliza historicamente na consciência da sociedade brasileira uma reação jurídica


do constituinte a violações, manipulações e excessos perpetrados em matéria informativa
pessoal pelas entidades governamentais da ditadura ao longo de duas décadas de exercício do
poder autoritário sem limites.

Surgindo com a Constituição Federal de 1988, cabe para obter informações pessoais em poder do
Estado, ou a complementação ou retificação destes dados (artigo 5º, LXXII, da CF e artigo 7º, III, da Lei
9.507/1997) – os pedidos não podem ser cumulativos: ou obter, ou complementar, ou retificar. Protege a
intimidade e a vida privada, podendo girar em torno de dados sobre o nome, a escolaridade, o trabalho,
configurando medida personalíssima (BRASIL, 1988; BRASIL, 1997):

LXXII – conceder-se-á habeas data:


a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes
de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo;
Artigo 7° – Conceder-se-á habeas data: [I e II são réplicas do dispositivo anterior]
[...].
180

III – para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado
verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

Não caberá habeas data para dados públicos (caberá mandado de segurança), e nem para dados de
terceiros (a não ser para falecidos, sendo legitimado ativo extraordinário o seu herdeiro), mas somente de
dados próprios.
Se a recusa for de fornecer certidão ou documento, caberá mandado de segurança; se a recusa for de
fornecer algum dado ou informação, caberá habeas data. Também não caberá habeas data para acessar
informações sobre critérios utilizados em avaliação de provas de concursos, revisão ou consulta de provas,
porque os dados não são pessoais, cabendo mandado de segurança. Não caberá habeas data para saber a
autoria do denunciante em processo administrativo, cabendo mandado de segurança.
Caberá habeas data para acessar a dados do pagamento de tributos do próprio contribuinte, mas
não para obter vista de processo administrativo.
A legitimidade ativa do habeas data assiste à pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira,
titular dos dados. Excepcionalmente, o herdeiro poderá ajuizar habeas data em favor de dados do
falecido – hipótese de substituição processual ou legitimação extraordinária.
A legitimidade passiva pertence à entidade que controla o banco de dados. O banco de dados pode
ser da Administração Pública direta ou indireta de todas as esferas, ou mesmo banco de dados privado, desde
que tenha caráter público, ou seja, que estes dados possam ser transmitidos a terceiros (cartórios privados,
SPC, Serasa).
Legitimidade ativa Legitimidade passiva
Pessoa natural ou jurídica, nacional ou Entidade que controla banco de dados,
estrangeira, relativa a dados próprios. da Administração Pública direta ou
Legitimidade ativa extraordinária: indireta, ou banco de dados privado,
herdeiro pode ajuizar habeas data em desde que tenha caráter público.
favor de dados do falecido Considera-se de caráter público todo
(substituição processual). registro ou banco de dados contendo
informações que sejam ou que possam
ser transmitidas a terceiros ou que não
sejam de uso privativo do órgão ou
entidade produtora ou depositária das
informações (artigo 1º da Lei
9.507/1997).
181

Segundo a Súmula 2 do STJ, não caberá habeas data se a autoridade administrativa não se recusar
a fornecer os dados (hipótese de jurisdição condicionada), não havendo necessidade de esgotar as instâncias
administrativas. Uma mera tentativa frustrada gera direito a impetrar habeas data.
A prova da recusa poderá se dar com a própria recusa declarada expressamente pela autoridade ou
pelo administrador do banco de dados e também pelo decurso do tempo (artigo 8º da Lei 9.507/1997). Não
havendo pretensão resistida, a ação é carente de interesse de agir, não devendo ser conhecida. Se for
para o acesso a informações, prova-se pela declaração ou pelo decurso de 10 dias; se for para a retificação de
informações, prova-se pela declaração ou pelo decurso de 15 dias.
Prova da recusa (acesso Prova da recusa (retificação de informações ou
a informações) anotação nos assentamentos da justificação da
informação)
Declaração ou o decurso Declaração ou o decurso de 15 dias
de 10 dias
O habeas data e o habeas corpus são remédios constitucionais gratuitos (artigo 5º, LXXVII, da
CF). O habeas data não dispensa advogado, porque a parte não possui capacidade postulatória neste
caso – o único remédio constitucional cujo jus postulandi pertence ao legitimado ativo é o habeas corpus.
O procedimento é extremamente simples e célere, porque o habeas data se baseia em provas pré-
constituídas majoritariamente.
A petição inicial é confeccionada de acordo com o artigo 319 do CPC, em duas vias, cujos documentos
originais serão copiados na segunda via (artigo 8º da Lei 9.507/1997). A petição inicial será instruída com
(artigo 8º, § único, da Lei 9.507/1997):
 A recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de 10 dias sem decisão;
 A recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de 15 dias;
 A recusa em fazer-se a anotação nos assentamentos da justificação da informação ou do decurso de
mais de 15 dias.

Ao despachar a inicial, o juiz ordenará que se notifique o coator do conteúdo da petição, entregando-
lhe a segunda via apresentada pelo impetrante, com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10
dias, preste as informações que julgar necessárias (artigo 9º da Lei 9.507/1997).
Ao invés de despachar a inicial, o juiz poderá indeferir a petição inicial, quando (artigo 10 da Lei
9.507/1997):
 Faltar-lhe requisito legal;
 Não for o caso de habeas data.
Do indeferimento da petição inicial, caberá Apelação (artigo 15 da Lei 9.507/1997); se parcial, caberá
Agravo de Instrumento.
182

Após despachar a inicial e receber as informações que julgar necessárias do coator em 10 dias, o
Ministério Público será ouvido em 5 dias e o juiz decidirá em 5 dias (artigo 12 da Lei 9.507/1997).
Na decisão, se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e horário para que o coator (artigo
12 da Lei 9.507/1997) – obrigação de fazer e entregar:
 Apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de dados; ou
 Apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante.

Da sentença que conceder ou negar o habeas data cabe Apelação – se for caso de procedência do
habeas data, o recurso terá efeito meramente devolutivo (artigo 15 da Lei 9.507/1997). Isto não impede que
o réu requeira efeito suspensivo da decisão no tribunal pelo Presidente do Tribunal, cabendo Agravo Interno
contra sua decisão (artigo 16 da Lei 9.507/1997).
O pedido de habeas data poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o
mérito (artigo 18 da Lei 9.507/1997).
Os processos de habeas data terão prioridade sobre todos os atos judiciais, exceto habeas corpus e
mandado de segurança. Na instância superior, deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se
seguir à data em que feita a distribuição, forem conclusos ao relator (artigo 19, caput, da Lei 9.507/1997) – o
prazo para conclusão não poderá exceder a 24 horas (artigo 19, § único, da Lei 9.507/1997).
São gratuitos o procedimento administrativo para acesso a informações e retificação de dados e para
anotação de justificação, bem como a ação de habeas data (artigo 21 da Lei 9.507/1997).

Petição inicial em 2 vias Indeferimento da inicial: falta de requisito

(documentos em cópia na legal ou não é o caso de habeas data –

segunda via) cabe Apelação

Despacho da inicial com Ouvida do MP em 5 dias e decisão


notificação do coator para prestar em 5 dias
informações em 10 dias

VII.II.3. Ação popular


A ação popular, regulada pelo artigo 5º, LXXIII, da CF, e pela Lei 4.717/1965, surgiu na
Constituição Federal de 1934. Excluída do texto de 1937, voltou a ser contemplada pela Constituição Federal
de 1946.
A história da ação popular remonta o Direito Romano, em que os interesses públicos, isto é,
atinentes a todos indistintamente, poderiam ser defendidos por qualquer um, por agir pro populo. José Afonso
da Silva (2009, p. 171) leciona:
183

O nome “ação popular” deriva do fato de se atribuir ao povo, ou a parcela dele, legitimidade
para pleitear, por qualquer de seus membros, a tutela jurisdicional de interesse que não lhe
pertence uti singuli, mas à coletividade. O autor popular faz valer um interesse que só lhe cabe
uti universi, como membro de uma comunidade, agindo pro populo. Mas a ação popular não é
mera atribuição de ius actionis a qualquer do povo, ou a qualquer cidadão, como no caso da
nossa. Essa é apenas uma de suas notas conceituais. O que lhe dá conotação essencial é a
natureza impessoal do interesse defendido por meio dela: interesse da coletividade. Ela há de
visar à defesa de direito ou interesse público. O qualificativo “popular” prende-se a isto: defesa
da coisa pública, coisa do povo (publicum, de populicum, de populum).
Toda ação popular consiste na possibilidade de qualquer membro da coletividade, commaior ou
menor amplitude, invocar a tutela jurisdicional a interesses coletivos.
Trata-se de um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de
legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política, e constitui
manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da CF
[...].

O que José Afonso da Silva chama por “interesses coletivos” se coaduna com o que foi
disciplinado no artigo 81, § único, do Código de Defesa do Consumidor, ao estratificar as espécies de direitos
coletivos no sistema de direito coletivo que instituiu.
De toda forma, o cabimento da ação popular no artigo 5º, LXXIII, da CF, e na Lei 4.717/1965, ficou
restrito a anular atos ou contratos administrativos que ponham em risco ou produzam lesão ao meio
ambiente, à moralidade administrativa, ao patrimônio histórico e cultural – majoritariamente, tutela
direitos difusos e liberdades públicas. Tem como objetivo o controle popular de atos ilegais e lesivos. São
objeto da Ação Popular:
 Atos administrativos e equiparados;
 Atos do Poder Judiciário de caráter administrativo;
 Atos do Poder Legislativo de efeitos concretos.
Não é cabível Ação Popular para combater ato de conteúdo jurisdicional e lei em tese, pois que
a ação popular não pode ser sucedâneo de recurso.
A Ação Popular tutela direitos difusos pertencentes à sociedade relacionados ao patrimônio público, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Considera-se patrimônio
público os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico (artigo 1º, §1º, da Lei
4.717/1965). Na defesa do patrimônio público caberá suspensão liminar do ato lesivo impugnado (artigo
5º, §4º, da Lei 4.717/1965).
A Ação Popular preventiva se destina a atos administrativos que ainda não se concretizaram, mas cuja
ameaça com justo receio já se concretizou. A Ação Popular repressiva servirá para os atos administrativos que
já se concretizaram. Existe prazo de 5 anos contados do conhecimento da lesão para a Ação Popular
repressiva (artigo 21 da Lei 4.717/1965).
Não há foro por prerrogativa de função em Ação Popular (contra um ato do Presidente da República,
por exemplo, será proposta a Ação Popular na Justiça Federal de 1º grau).
184

Conforme a origem do ato impugnado, é competente o juiz que o for para as causas que interessem à
União (Justiça Federal), ao Distrito Federal, ao Estado ou ao Município (Justiça Estadual) – artigo 5º, caput,
da Lei 4.717/1965. Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ou entidade,
será competente o juiz das causas da União; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município,
será competente a Justiça Estadual (artigo 5º, §2º, da Lei 4.717/1965).
A propositura da ação previnirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente

Legitimado ativo Legitimados passivos


Qualquer cidadão (inclusive o Pessoas públicas e privadas (naturais e jurídicas) e as entidades do
maior de 16 anos e menor de 18 artigo 1º da Lei 4.717/1965, contra autoridades, funcionários ou
anos, ou maior de 70 anos, administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou
inscrito) e o brasileiro equiparado praticado o ato impugnado, ou que, por omissas tiverem dado
alistado (português). oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo
Não são legitimados ativos: (artigo 6º da Lei 4.717/1965).
pessoas jurídicas, MP,
Entidades do artigo 1º:
estrangeiros, inalistáveis, e quem
 Entes da Administração Pública direta e indireta;
perdeu ou tem seus direitos
políticos suspensos.  Sociedades mútuas de seguro;
 Serviços sociais autônomos;
 Instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o
tesouro público haja concorrido com mais de 50% do
patrimônio ou receita anual – se for menos, a responsabilidade
será até o montante de contribuição do dinheiro público;
 Empresas incorporadas ao patrimônio público;
 Quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas
pelos cofres públicos.
intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos (artigo 5º, §3º, da Lei 4.717/1965).
O legitimado ativo é qualquer cidadão, ou seja, que possua direitos políticos positivos, acompanhado
do título de eleitor ou documento que a ele corresponda, como a certidão de regularidade eleitoral (artigo 1º,
§3º, da Lei 4.717/1965). Não podem propor Ação Popular as pessoas jurídicas (súmula 365 do STF),
tampouco o Ministério Público, os estrangeiros, os inalistáveis (artigo 14, §2º, da CF), e os que perderam
ou têm os seus direitos políticos suspensos (artigo 15 da CF).
A pessoa jurídica de Direito Público ou de Direito Privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá
abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao
185

interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente (artigo 6º, §3º, da Lei 4.717/1965).

Desistência/motivo Sentença condenatória de 2º Sentença de


de absolvição e grau e sem execução nos 60 improcedência total ou
editais de 30 dias dias seguintes parcial contra o autor
expirados
Dentro de 90 dias, O MP poderá promover a Qualquer cidadão ou o
qualquer cidadão ou execução nos 30 dias seguintes MP poderá apelar
o MP poderá dar ao término do prazo de 60 dias
prosseguimento à
ação
Apesar de não poder ajuizar Ação Popular, o Ministério Público, como custos juris, deve intervir
em todas as ações populares (artigo 7º, I, “a”, da Lei 4.717/1965) e, se o autor da Ação Popular desistir,
poderá promover o prosseguimento da ação, assim como qualquer outro cidadão. Se o autor desistir da ação
ou der motivo à absolvição de instância, serão publicados editais nos prazos e condições do artigo 7º, II, (30
dias), ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do MP, dentro do prazo de 90 dias
da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação (artigo 9º da Lei 4.717/1965).
Se a sentença condenatória de segunda instância não for executada pelo autor em 60 dias da sua
publicação, o Ministério Público deverá promover a execução nos 30 dias seguintes (artigo 16 da Lei
4.717/1965).
Se a sentença for de improcedência ou parcial provimento contra o autor da ação, qualquer
cidadão ou representante do Ministério Público poderá apelar (artigo 19, §2º, da Lei 4.717/1965).

Se proposta de boa-fé, a Ação Popular será gratuita e não arcará o autor com os ônus da
sucumbência; se ficar comprovada má-fé na propositura da ação, o autor deverá suportar as custas judiciais
e a sucumbência. O cidadão deverá ser assistido por advogado.
O juiz determinará, no despacho da petição inicial:
 A citação dos réus e a intimação do Ministério Público para atuar como custos juris (artigo 7º, I, “a”,
da Lei 4.717/1965);
o Quando o autor preferir, a citação dos beneficiários se fará por edital com prazo de 30 dias,
afixados na sede do juízo e publicado 3 vezes na imprensa oficial (artigo 7º, II, da Lei 4.717/1965);
 A requisição às entidades indicadas na petição inicial, dos documentos que tiverem sido referidos pelo
autor, bem como a de outros que se afigurem necessários ao esclarecimento dos fatos, ficando prazos
186

de 15 a 30 dias para o atendimento (artigo 7º, I, “b”, da Lei 4.717/1965). Se não puderem ser
oferecidos nos prazos assinalados, o juiz poderá dilatar (artigo 7º, §2º, da Lei 4.717/1965).
Citado, o prazo de contestação é de 20 dias, prorrogáveis por mais 20 dias, a requerimento do
interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental, e será comum a todos os interessados,
correndo da entrega em cartório do mandado cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado
em edital (artigo 7º, IV, da Lei 4.717/1965).
Segue-se a instrução, se requerida. Caso não requerida a instrução (prova testemunhal e pericial) até
o despacho saneador, o juiz ordenará vista às partes por 10 dias para alegações finais, sendo-lhes os autos
conclusos para sentença em 48h após os 10 dias (artigo 7º, V, da Lei 4.717/1965).
A sentença, quando não prolatada em AIJ, deverá ser proferida dentro de 15 dias do recebimento dos
autos pelo juiz (artigo 7º, VI, da Lei 4.717/1965). A sentença conterá:
 Condenação em custas – as partes só pagarão custas e preparo ao final (artigo 10 da Lei 4.717/1965).
A Ação Popular é gratuita em custas e sucumbência se proposta de boa-fé; caso contrário, haverá
condenação em custas e honorários de sucumbência na forma do artigo 5º, LXXIII, da CF, e do artigo
12 da Lei 4.717/1965;
o Caso a sentença julgue temerária a lide, condenará o autor no décuplo das custas (artigo
13 da Lei 4.717/1965);
 A decretação da invalidade do ato impugnado, condenando em perdas e danos os responsáveis
pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários
causadores de dano, quando incorrerem em culpa (artigo 11 da Lei 4.717/1965);
 O valor da lesão, caso fique provado no curso da causa (artigo 14 da Lei 4.717/1965). Caso dependa
de avaliação ou perícia, será apurado na execução.
A eficácia da sentença é erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por
deficiência de prova. Neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova (artigo 18 da Lei 4.717/1965). Haverá reexame necessário quando a sentença
(artigo 19 da Lei 4.717/1965):
 Carência de ação;
 Improcedência da ação.

VII.II.4. Mandado de segurança


O mandado de segurança está previsto desde a Constituição Federal de 1934, sendo excluído do
texto de 1937 e reinserido no ordenamento a partir da promulgação da Constituição Federal e 1946. No texto
constitucional de 1988, além do mandado de segurança individual (artigo 5º, LXIX, da CF), foi positivado o
mandado de segurança coletivo, com restrições à legitimidade ativa (artigo 5º, LXX, da CF).
187

A origem histórica do mandado de segurança é controversa e sofre influência de vários fatores.


José Afonso da Silva (2009, p. 162) afirma que o traço mais determinante na adoção pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal do mandado de segurança foi a evolução da doutrina brasileira do habeas corpus
combinado com o tratamento do habeas corpus no direito anglo-saxão e do juicio de amparo mexicano:

O mandado de segurança surgiu como evolução da doutrina brasileira do habeas corpus,


realizada pela jurisprudência, sob a égide so STF, para não deixar sem remédio certas situações
jurídicas que não encontravam no quadro das nossas ações a proteção adequada. O que nem era
novidade, porque na origem inglesa o habeas corpus era usado também em matéria civil.
Evolução interrompida pela reforma constitucional de 1926. Então, já se desenvolvia a ideia de
um remédio apto a amparar direitos lesados pelo Poder Público, como o recurso de amparo
mexicano. Foi assim que o mandado de segurança foi instituído pelo art. 113, n. 23, da
Constituição de 1934, perdurando nas posteriores, como um remédio constitucional-processual
destinado a proteger direito individual líquido e certo lesado ou ameaçado de lesão por
autoridade, não amparado por habeas corpus.

Caberá o mandado de segurança para direitos que não possam ser tutelados por outro remédio, devendo
estes direitos ser líquidos e certos. Tem caráter residual, portanto. Caberá, por exemplo, para obter certidões
públicas denegados, para assegurar o direito de reunião e de associação, para assegurar a educação (matrícula
em escola pública), a saúde (mandar o Estado pagar medicamentos), entre outros. A impetração do mandado
de segurança depende de advogado e não é gratuito.
Direito líquido e certo é aquele direito demonstrado mediante pré-constituída, documental, o que
implica a desnecessidade de dilação probatória. É um pressuposto processual específico do mandado de
segurança.
Segundo a súmula 625 do STF, se houver controvérsia sobre matéria de fato, isto obsta o julgamento
do mandado de segurança; se houver controvérsia sobre matéria de direito, em nada obsta o julgamento do
mandado de segurança – não admite dilação probatória: o impetrante deverá de pronto juntar toda a
documentação que entende necessária para o julgamento. A prova deve ser pré-constituída, meramente
documental. Não é admitida prova documentada, ou seja, prova testemunhal em ata de audiência ou
laudo pericial (exemplo de produção antecipada de prova ou prova emprestada).
O mandado de segurança caberá contra ato de autoridade (discricionário, quando houver abuso de
poder, ou vinculado, quando houver ilegalidade).
O mandado de segurança individual pode ser impetrado por qualquer pessoa natural ou jurídica,
nacional ou estrangeira, também por entes despersonalizados (no interesse das suas prerrogativas
institucionais), como os órgãos públicos, as universalidades de bens, como o espólio, o condomínio e a
massa falida) e o Ministério Público.
188

O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no
Congresso Nacional374 e por organização sindical, entidade de classe (todos legalmente constituídos) ou
associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 ano – são casos de substituição
processual. Nestes casos, não haverá autorização expressa dos associados para não inviabilizar o instituto. As
organizações coletivas poderão impetrar o mandado de segurança coletivo em defesa de todos ou de parte dos
associados (súmulas 629 e 630 do STF).
O mandado de segurança poderá ser preventivo ou repressivo. Será preventivo quando houver ameaça
de lesão a direito líquido e certo. Será repressivo se a lesão a direito líquido e certo já tiver sido efetivada – o
prazo de ajuizamento é de 120 dias a partir da ciência do ato lesivo (artigo 23 da Lei 12.016/2009). Este
prazo decadencial é constitucional (súmula 632 do STF).
As súmulas 266, 267 e 268 do STF dispõem sobre hipóteses de não cabimento do mandado de
segurança. Não caberá para lei em tese (súmula 266 do STF), a lei em si, papel que é reservado ao controle
de constitucionalidade – exceção: se a lei em tese produzir efeitos concretos e específicos.
Não caberá mandado de segurança para pretensão na qual se busca convalidar compensação
tributária (súmula 460 do STF).
Não caberá mandado de segurança contra ato do qual caiba recurso administrativo com efeito
suspensivo (artigo 5º, I, da Lei 12.016/2009, e súmula 429 do STF).
Não caberá para ato judicial ou administrativo passível de recurso com efeito suspensivo ou
correição (mesma disposição do artigo 5º, II, da Lei 12.016/2009 e da súmula 267 do STF) – a regra é que o
mandado de segurança não caiba contra atos judiciais, a não ser que a decisão seja marcada por manifesta
ilegalidade ou abuso de poder (para atos administrativos, caberá normalmente, caso não haja possibilidade de
se recorrer com efeito suspensivo). Também não caberá para decisões com trânsito em julgado (artigo 5º,
III, da Lei 12.016/2009, e súmula 268 do STF).
Também não caberá o mandado de segurança contra atos de gestão comercial praticados pelos
administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço
público (artigo 1º, §2º, da Lei 12.016/2009). Não se incluem concursos e licitações, que são atos que se
revestem da natureza pública (súmula 333 do STF).
Não caberá mandado de segurança impetrado por parlamentar contra projeto de lei (jurisprudência
do STF), mas há exceções:
 Durante o processo legislativo, para PEC que ofenda a cláusula pétrea;
 Durante o processo legislativo que viole manifestamente regra constitucional.

374 Caso o partido perca representação no Congresso Nacional durante o processamento do mandado de segurança coletivo, não
restará prejudicado, porque o momento de aferição da legitimidade ativa é o momento da impetração.
189

A autoridade coatora é quem tiver praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua
prática (artigo 6º, §3º, da Lei 12.016/2009). É um conceito amplo, que abrange: entes da Administração
Pública direta e indireta; particulares, pessoa física ou jurídica, quando no exercício de função pública.
O correto apontamento da autoridade coatora determina a competência para processamento do
mandado de segurança.
 Se for integrante da União: Justiça Federal;
 Se tiver foro por prerrogativa de função: STF, STJ, TRF, TJ, conforme a regra constitucional
pertinente.

Mandado de segurança individual


A petição inicial obedecerá aos requisitos do artigo 319 do CPC, será apresentada em 2 vias com os
documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda, indicando a autoridade coatora, a pessoa
jurídica que esta integra (artigo 6º, caput, da Lei 12.016/2009). É possível pedido de medida liminar no
mandado de segurança, seja de natureza antecipada ou cautelar, comprovando os requisitos da tutela
provisória.
No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento
público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará,
preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará,
para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 dias – o escrivão extrairá cópias do documento para juntá-
las à segunda via da petição (artigo 6º, §1º, da Lei 12.016/2009).
Caso a autoridade que se recuse a fornecer o documento for a própria autoridade coatora, a ordem se
faz no próprio instrumento da notificação (artigo 6º, §2º, da Lei 12.016/2009).
O juiz poderá indeferir a petição inicial, nos termos do artigo 330 do CPC, no caso de indeferimento
da petição inicial, ou nos termos do artigo 332 do CPC, no caso de improcedência liminar do pedido (artigo
6º, §5º, da Lei 12.016/2009). Caso indefira, o mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo
decadencial, se a decisão denegatória não entrará no mérito (artigo 6º, §6º, da Lei 12.016/2009).
O juiz também poderá indeferir a petição inicial, por decisão motivada, quando (artigo 10 da Lei
12.016/2009):
 Não for caso de mandado de segurança;
 Faltar-lhe algum dos requisitos legais;
 Decorrido o prazo legal para a impetração.
O juiz poderá despachar a petição inicial, ordenando (artigo 7º da Lei 12.016/2009):
 Notificação da autoridade coatora: que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial,
enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10
dias, preste as informações;
190

 Citação da pessoa jurídica no seu órgão de representação judicial: que se dê ciência do feito ao
órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da petição inicial
sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito;
 Deferimento da medida liminar: que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente
deferida, sendo facultado exigir, do impetrante, caução, fiança ou depósito, com o objetivo de
assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. Caberá agravo de instrumento (artigo 7º, §1º, da Lei
12.016/2009).
Os efeitos da liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença (artigo 7º,
§3º, da Lei 12.016/2009) – será decretada a perempção ou caducidade da liminar, ex officio ou a
requerimento do Ministério Público, quando a parte beneficiada pela medida:
 Criar obstáculo ao normal andamento do processo;
 Deixar de promover, por mais de 3 dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem.
As autoridades administrativas remeterão em 48h da notificação da medida liminar ao Ministério ou
ao órgão a que se acham subordinadas e ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica cópia
autenticada do mandado notificatório, assim como indicações e elementos outros necessários às
providências (artigo 9º da Lei 12.016/2009).
Findo o prazo de 10 dias para a autoridade coatora prestar as suas informações, o juiz ouvirá o
representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo improrrogável de 10 dias (artigo 12 da
Lei 12.016/2009).
Com ou sem parecer do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz para que decida em 30
dias (artigo 12, § único, da Lei 12.016/2009 – é um prazo impróprio). A sentença terá caráter mandamental.
Não cabem a interposição de Embargos Infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários
advocatícios de sucumbência, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé (artigo 25
da Lei 12.016/2009).
Contra a sentença caberá Apelação (artigo 14, caput, da Lei 12.016/2009). Concedida a segurança, a
sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição (artigo 14, §1º, da Lei 12.016/2009)
– as regras do Código de Processo Civil de dispensa do reexame necessário não se aplicam.
Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer (artigo 14, §2º, da Lei 12.016/2009).
A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos
em que for vedada a concessão da medida liminar (artigo 14, §3º, da Lei 12.016/2009). Isto significa que a
Apelação será recebida no seu efeito devolutivo, e não no efeito suspensivo. Haverá efeito devolutivo e
suspensivo nos casos de não possibilidade de liminar:
 Compensação de créditos tributários;
 Entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior;
191

 Reclassificação ou equiparação de servidores públicos;


 Concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
Quando, a requerimento da pessoa jurídica de Direito Público interessada ou do Ministério Público (e
para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas), o Presidente do Tribunal ao
qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar
e da sentença, dessa decisão caberá Agravo (Interno), sem efeito suspensivo, no prazo de 5 dias, que será
levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (artigo 15, caput, da Lei 12.016/2009).
Caso o mandado de segurança for de competência originária de tribunal, caberá Agravo Interno
em 5 dias da decisão que conceder ou não conceder liminar. Nestes casos, o relator será responsável pela
instrução. O acórdão que conceder mandado de segurança em tribunal (competência originária) é atacável por
Recurso Especial e Recurso Extraordinário; se denegar, caberá Recurso Ordinário (artigo 18 da Lei
12.016/2009).
Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos
judiciais, salvo habeas corpus (artigo 20 da Lei 12.016/2009).

Mandado de segurança coletivo


Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser (artigo 21, § único, da Lei
12.016/2009):
 Coletivos375: assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou
categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica. São
objetivamente indivisíveis, sendo titulares pessoas ligadas entre si por um vínculo jurídico-base;
 Individuais homogêneos (acidentalmente coletivos): assim entendidos os decorrentes de origem
comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do
impetrante. São objetivamente divisíveis.
A sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo
impetrante (artigo 22, caput, da Lei 12.016/2009). A regra é que seja extra partes, em relação aos membros
do grupo abrangido pelo impetrante.
O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos
da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado
de segurança no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva
(artigo 22, §1º, da Lei 12.016/2009).

375
A doutrina entende que nestes estão compreendidos os direitos difusos: objetivamente indivisíveis, cujos titulares são
pessoas indeterminadas e indetermináveis, ligadas entre si por circunstâncias de fato.
192

No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do


representante judicial da pessoa jurídica de Direito Público, que deverá se pronunciar no prazo de 72h
(artigo 22, §2º, da Lei 12.016/2009).

VII.II.5. Mandado de injunção


O mandado de injunção foi inserido no texto constitucional de 1988 (artigo 5º, LXXI, da CF)
como um remédio constitucional destinado a sanar a omissão legislativa na regulamentação de direitos insertos
em normas de eficácia limitada, cuja aplicabilidade é indireta (dependente de outra norma), mediata e reduzida
(sua aplicabilidade pode ser restringida por outra norma constitucional). O mandado de injunção coletivo foi
previsto na sua lei regulamentadora, no artigo 12 da Lei 13.300/2016.
Sua origem remonta ao instituto do juízo de equidade (writ of equity) do direito anglo-saxão, como
leciona José Afonso da Silva (2009, p. 165):

O mandado de injunção vincula-se ao princípio de que as normas constitucionais são feitas para
surtir efeitos, para incidir e ser aplicadas. No contexto da Constituição, constitui uma especial
forma de aplicação da regra do §1º do art. 5º: “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”. E, como veremos em seguida, está intimamente ligado
à ideia de que as normas jurídicas escritas não podem prever tudo, mas, mesmo na falta de
norma expressa, não pode o Poder Judiciário deixar de apreciar lesão ou ameaça de direito
(inciso XXXV); há de encontrar meio de solucionar o caso submetido à sua apreciação,
aplicando o velho princípio de que, na falta de norma escrita e princípios gerais de Direito que
lhe possibilitem essa apreciação, cumpre-lhe dispor para o caso concreto como se legislador
fosse, exercendo uma forma de juízo de equidade. E foi exatamente assim, como essencial
remédio da equity, que o instituto se originou na Inglaterra, no longínquo século XIV. Nasceu,
pois, do juízo de equidade – ou seja, é um remédio outorgado, mediante um juízo discricionário,
quando falta norma legal (statues) regulando a espécie e quando a common law não oferece
proteção suficiente. A equidade, no sentido inglês do termo (sistema de estimativa social para
a formulação da regra jurídica para o caso cocnredo), assenta-se na valoração judicial dos
elementos do caso e dos princípios de justiça material, segundo a pauta de valores sociais; e
assim se emite decisão fundada no não justo legal, mas no justo natural. Na injunction inglesa
coo no mandado de injunção do art. 5º, LXXI, o juízo de equidade não é inteiramente desligado
de pautasjurídicas. Não tem o juiz inglês da equity o arbítrio de criar norma de agir ex nihil pois
se orienta por pauta de valores jurídicos existentes na sociedade (princípios gerais de Direito,
costumes, conventions etc.). E o juiz brasileiro não terá o arbítrio de criar regras próprias, pois
terá em primeiro lugar que se ater à pauta que lhe dão o ordenamento constitucional, os
princípios gerais de Direito, os valores jurídicos que permeiam o sentir social – enfim, os vetores
do justo natural que se aufere no viver social, na índole do povo, no evolver histórico. Aí é que
seu critério estimativo fundamenta sua decisão na falta de regulamentação do direito, liberdade
ou prerrogativa objeto da proteção do mandado de injunção.

É cabível para as situações em que os direitos fundamentais ainda não tenham sido regulamentados
pelo legislador ordinário, determinado o contrário pela Constituição. Combate a omissão legislativa, total ou
parcial (artigo 2º da Lei 13.300/2016), referente a norma de eficácia limitada. Não é cabível liminar em
mandado de injunção
193

O mandado de injunção poderá ser individual ou coletivo. Se individual, é legitimada qualquer


pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira com legitimidade para o caso (artigo 3º da Lei
13.300/2016).
Se coletivo, os legitimados (artigo 12 da Lei 13.300/2016) serão: os mesmos do mandado de
segurança coletivo (partido político, entidade de classe, sindicatos e associações constituídas há pelo
menos 1 ano), o Ministério Público, quando a tutela for relevante para a ordem jurídica, e a Defensoria
Pública, quando a tutela for relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais
e coletivos dos hipossuficientes. Assim como o mandado de segurança coletivo, não necessitará de autorização
expressa dos membros, podendo tutelar direitos de todos ou de parte dos membros das organizações coletivas.
Os legitimados passivos serão o Poder, o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma
regulamentadora (artigo 3º da Lei 13.300/2016).
Não será cabível o mandado de injunção:
 Quando já houver regulamentação;
 Ausência de norma regulamentadora de direito infraconstitucional;
 Ausência de regulamentação de Medida Provisória ainda não convertida em lei;
 Ausência de obrigatoriedade de regulamentação.
Segundo o artigo 8º da Lei 13.300/2016, reconhecido o estado de mora legislativa, o juiz determinará
prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora e estabelecerá as condições
do exercício do direito fundamental caso não seja suprida a mora no prazo determinado. Na maioria das vezes,
aplica-se outra lei por analogia mutatis mutandis.
A decisão do mandado de injunção produzirá efeitos ex nunc se prejudicial e ex tunc se mais favorável.
Se for editada a norma regulamentadora no curso do processo, será extinto sem resolução do mérito (artigo 11
da Lei 13.300/2016).
O STF adotava a corrente concretista (geral ou individual) às decisões em mandado de injunção:
busca-se declarar a mora legislativa e concretizar o direito. A Lei 13.300/2016 adotou a corrente concretista
intermediária individual, com as seguintes características:
 Como regra, a decisão em mandado de injunção só tem eficácia inter partes, mas é possível a
atribuição de eficácia erga omnes quando for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da
liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração (artigo 9º, §1º, da Lei 13.300/2016);
 A concretização não é direta376, mas sim indireta: o Judiciário dará prazo razoável ao Legislativo
em um primeiro momento. Se não editada a norma, o Judiciário estabelecerá as condições sob as
quais se dará o exercício do direito previsto na Constituição Federal.

376 Na corrente concretista direta, o Judiciário de pronto estabelece os meios de exercício do direito.
194

VII.II.6. Reclamação constitucional


A evolução histórica do instituto da reclamação, a partir da teoria dos poderes implícitos e do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, é delineada em lição de Gilmar Mendes (2014, p. 1875):

A reclamação para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal ou garantir a


autoridade de suas decisões é fruto de criação jurisprudencial. Afirmava-se que ela decorreria
da ideia dos implied powers deferidos ao Tribunal. O Supremo Tribunal Federal passou a adotar
essa doutrina para a solução de problemas operacionais diversos. A falta de contornos definidos
sobre o instituto da reclamação fez, portanto, com que a sua construção inicial repousasse sobre
a teoria dos poderes implícitos.

[...].

Em 1957 aprovou-se a incorporação da reclamação no Regimento Interno do Supremo Tribunal


Federal. A Constituição Federal de 196764, que autorizou o STF a estabelecer a disciplina
processual dos feitos sob sua competência, conferindo força de lei federal às disposições do
Regimento Interno sobre seus processos, acabou por legitimar definitivamente o instituto da
reclamação, agora fundamentada em dispositivo constitucional.

Com o advento da Carta de 1988, o instituto adquiriu, finalmente, status de competência


constitucional (art. 102, I, l). A Constituição consignou ainda o cabimento da reclamação
perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, f), igualmente destinada à preservação da
competência da Corte e à garantia da autoridade das decisões por ela exaradas.

Numa tentativa de sistematizar a evolução do instituto no Supremo Tribunal Federal, José da


Silva Pacheco, em excelente artigo sobre a reclamação no STF e no STJ, identificou quatro
fases distintas da reclamação: “1º) a primeira vai desde a criação do STF até 1957; 2º) a segunda
começa em 1957, com a inserção da medida no RISTF, até 1967; 3º) a terceira, a partir do
disposto na CF de 1967, art. 115, parágrafo único, c, que foi reproduzido na EC 1/69, art. 120,
parágrafo único, c e, posteriormente, após a EC 7, de 13.4.77, com o disposto no art. 119, I, o,
sobre a avocatória, e no § 3º, c, autorizando que o RISTF estabelecesse ‘o processo e o
julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal e da arguição de relevância da
questão federal’; 4º) a quarta, com o advento da CF de 5.10.88, cujos arts. 102, I, l e 105, I, f,
preveem, expressamente, a reclamação como da competência originária do STF e do STJ”.

[...].

Como se vê, a definição de sua natureza jurídica não constitui tarefa fácil, por inexistir consenso
na doutrina e na jurisprudência. Pacificado está somente o entendimento de se tratar a
reclamação de medida jurisdicional, pondo fim à antiga discussão de que a reclamação
constituiria mera medida administrativa. Tal entendimento se deu quando o instituto era
identificado com a correição parcial, mas, como explicita Marcelo Navarro Dantas, o fato de a
jurisprudência do STF reconhecer, na reclamação, seu poder de produzir alterações em decisões
tomadas em processo jurisdicional e da decisão em reclamação produzir coisa julgada
confirmam seu caráter jurisdicional.

No tocante à natureza jurídica, a posição dominante parece ser aquela que atribui à reclamação
natureza de ação propriamente dita, a despeito de outras vozes autorizadas da doutrina
identificarem natureza diversa para o instituto, como já referido, seja como remédio processual,
incidente processual ou recurso.

Tal entendimento justifica-se pelo fato de, por meio da reclamação, ser possível a provocação
da jurisdição e a formulação de pedido de tutela jurisdicional, além de conter em seu bojo uma
lide a ser solvida, decorrente do conflito entre aqueles que persistem na invasão de competência
ou no desrespeito das decisões do Tribunal e, por outro lado, aqueles que pretendem ver
preservada a competência e a eficácia das decisões exaradas pela Corte.
195

A reclamação, comumente referida como “reclamação constitucional”, está prevista no texto


constitucional de 1988 como remédio constitucional destinado à garantia de preservação da competência do
Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, “l”, da CF) e do Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, “f”, da
CF) e garantia da autoridade das suas decisões. Deste a reforma do Judiciário promovida pela Emenda
Constitucional 45/2004, houve um alargamento nas hipóteses de cabimento deste instituto, a saber:

• Para anular ato administrativo ou cassar decisão judicial que contrariar súmula vinculante aplicável ou
que indevidamente a aplicar, para determinar que outra decisão seja proferida com ou sem aplicação
da súmula, conforme o caso (artigo 103-A, §3º, da CF);
• Para a preservação da competência e garantia da autoridade das decisões do Tribunal Superior do
Trabalho (artigo 111-A, §3º, da CF, inserido pela Emenda Constitucional 92/2016).

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a reclamação passou a ter uma aplicação mais
irrestrita, interpretada como ação própria de competência originária de tribunal, pois pode ser proposta perante
qualquer tribunal e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou
cuja autoridade se pretenda garantir (artigo 988, §1º, do CPC). Deve-se salientar que a reclamação foi inserida
no contexto da valorização dos precedentes judiciais, especificamente no Livro III do CPC/2015, intitulado
“Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais”.

A reclamação passou a ser cabível para (artigo 988 do CPC):

• Preservar a competência do tribunal;


• Garantir a autoridade das decisões do tribunal;
• Garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal
em controle concentrado de constitucionalidade;
• Garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

Quanto ao quarto item, sobre a uniformização de jurisprudência dos tribunais brasileiros, questão
importante deve ser levantada acerca da possibilidade de modificação de um precedente que fundamenta uma
reclamação no julgamento desta própria reclamação.

Fato é que o Supremo Tribunal Federal já se utilizou deste expediente por diversas vezes, dado que
Fábio Lima Quintas e Alcebíades Galvão César Filho (https://www.conjur.com.br/, 2018) entendem possível
em razão da necessidade de reforço da institucionalidade dos tribunais e das suas jurisprudências, com limite
no princípio da colegialidade (se um precedente é firmado no plenário, um órgão especial ou fracionário não
poderia, em razão do devido processo legal constitucional, rever a jurisprudência em decisão de reclamação:
196

[...] Mas entendemos que, partindo da constatação de que há uma aproximação dos modelos de
controle difuso e concentrado de constitucionalidade e de fortalecimento do papel institucional
do Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional, impõe-se conceber que
as decisões firmadas pelo STF precisam ser assumidas como verdadeiros precedentes, que
devem orientar a interpretação da Constituição por todos os órgãos do Poder Judiciário. Nesse
particular, não caberia negar força de precedente a uma decisão do STF simplesmente porque
ela foi proferida em sede de Habeas Corpus ou rejeitar a sua legitimidade porque modificou
orientação anterior por meio de uma reclamação. É preciso levar em conta que muitas vezes a
via recursal do controle difuso constitui a única oportunidade para o tribunal reapreciar sua
própria jurisprudência.
Há um aspecto, contudo, que não pode ser negligenciado, que dá razão às preocupações
externadas por todos aqueles que veem com reservas a ampliação do escopo da reclamação
constitucional: a do devido processo legal constitucional.
O devido processo legal constitucional, na dicção do próprio Supremo Tribunal Federal, deve
ser lido como garantia que incorpora não apenas o critério formal de observância de regras e
procedimentos, mas também se configura como uma exigência de fair trial, no sentido de
garantir a participação equilibrada, justa, leal e sempre envolvida pela boa-fé de todos os
sujeitos do processo (partes processuais e juiz). Como destacou recentemente André Rufino do
Vale, nesse espaço, o fair trial é “condição indispensável para a correção e legitimidade do
conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos”.
A observância do devido processo legal constitucional exige que os precedentes sejam fixados
pelo colegiado habilitado para tanto, com quórum próprio, concedendo-se às partes e à
sociedade a oportunidade de exercer o contraditório material, entendido como a possibilidade
de influenciar no convencimento do órgão julgador, com vistas a evitar decisões surpresa, regra
contemplada no Código de Processo Civil de 2015 (artigo 10), que confere vitalidade ao
princípio constitucional da segurança jurídica.
A primeira dificuldade que surge, nesse cenário, para admitir a possibilidade de utilizar a
reclamação como via de superação de precedentes, está na competência do órgão julgador. Isso
porque, hoje, a competência originária para seu julgamento, no STF, não é mais do Plenário,
mas, sim, de suas turmas, por força das alterações introduzidas pela Emenda Regimental 49, de
3.6.2014.
Desse modo, parece-nos questionável admitir que no julgamento de uma reclamação, por um
órgão fracionário, ocorra a revisão de um precedente estabelecido pelo Plenário da corte,
especialmente diante de casos nos quais, por meio da reclamação, busca-se declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo cuja constitucionalidade houver sido
anteriormente declarada pelo tribunal. Em tais hipóteses, caberia à turma, segundo o disposto
no artigo 11 do Regimento Interno do STF (artigos 11 e 22), afetar o processo ao julgamento
do Plenário, para que a questão de inconstitucionalidade, não obstante já decidida pela corte,
fosse reexaminada.
Além disso, não se pode olvidar que os precedentes fortes fixados pelo Supremo Tribunal
Federal (que são aqueles qualificados pela sua eficácia erga omnes e efeito vinculante) são
moldados dentro de um contraditório qualificado. De fato, no controle concentrado, ocorre a
manifestação da Advocacia-Geral da União defendendo a constitucionalidade da norma
impugnada, exige-se o parecer da Procuradoria-Geral da República, bem como há a
possibilidade de participação de amici curiae. E, mesmo no controle difuso, observa-se certa
objetivação no julgamento dos recursos extraordinários, no regime da repercussão geral, com a
possibilidade de converter o entendimento do tribunal em súmula vinculante.
Significa dizer, assim, que a força normativa de uma decisão, em HC ou ADPF, tem relação
direta com o órgão julgador, o quórum de julgamento e a observância do contraditório especial
que qualifica o controle de constitucionalidade concentrado.
Desse modo, no que se refere à possibilidade de superação de precedentes por meio de
reclamação, parece-nos que, conquanto não haja impossibilidade absoluta de o Supremo
Tribunal Federal utilizar a reclamação constitucional como veículo de revisão de sua
jurisprudência, inclusive para superar precedentes, é indispensável que seja observado o devido
processo legal constitucional.
197

Trata-se de uma ação meramente documental, sem dilação probatória (artigo 988, §2º, do CPC), a ser
proposta pela parte interessada ou pelo Ministério Público (artigo 988, caput, do CPC).

Não caberá reclamação para decisão transitada em julgado (artigo 988, §5º, I, do CPC) e para garantir
a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido
em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias
ordinárias (artigo 988, §5º, do CPC).

Basicamente, o procedimento é determinado pelo artigo 989 do CPC: requisição de informações à


autoridade reclamada em 10 dias, deferimento ou indeferimento de tutela de urgência (suspensão do processo
ou do ato impugnado para evitar dano irreparável) e citação do beneficiário da decisão impugnada para
contestar a reclamação em 15 dias. O Ministério Público tem direito a vista do processo por 5 dias após o
prazo de informações e do oferecimento da contestação, como custos juris.

VII.III. REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO VII


BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2005.
BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de março
de 2020.
BRASIL. Código de Processo Criminal de 1832. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de
março de 2020.
BRASIL. Código de Processo Penal de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de março
de 2020.
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Constituição Federal dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1824-1899/constituicao-35081-24-fevereiro-1891-532699-
publicacaooriginal-15017-pl.html>. Acesso em: 25 de maio de 2020.
BRASIL. Lei 12.016/2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Lei 13.300/2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Lei 4.717/1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Lei 9.507/1997. (1997). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> . Acesso em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Enunciado da súmula 2. Disponível em: < <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em:
25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Habeas Corpus 143.641 (São Paulo). (2018). Relator Ministro
Ricardo Lewandowski. Data de Julgamento: 20 de fevereiro de 2018. Data de Publicação: 9 de outubro de 2019.
Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15338809875&ext=.pdf>. Acesso em: 25 de
março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 266. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 267. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 268. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 429. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 470. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
198

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 625. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 629. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 630. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 632. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 690. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 693. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado da súmula 694. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso
em: 25 de março de 2020.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2014.
QUINTAS, Fábio Lima; FILHO, Galvão César. Serve a reclamação constitucional para modificar precedentes?. Revista
Conjur, 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-fev-10/observatorio-constitucional-serve-reclamacao-
constitucional-modificar-precedentes>. Acesso em: 25 de março de 2020.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.
199

ANEXO I

GABARITO DAS QUESTÕES DOS CAPÍTULOS

GABARITO CAP. I

QUESTÕES OBJETIVAS
1. A;
2. E;
3. E;
4. Certo;
5. C;
6. E.

GABARITO CAP. II

QUESTÕES OBJETIVAS
1. D;
2. D;
3. B;
4. A;
5. E (Art. 22. XXIX).

GABARITO CAP. III

ESTUDO DE CASO
1. Quem deve examinar e julgar o MS? Por quê? Fundamente.

R: A competência para o julgamento do mandado de segurança é definida segundo a autoridade coatora, devendo ser
aplicado o disposto pelo art. 20, I, a da Lei 9.507/97 e o art. . Dessa forma, quem deve julgar o MS é o Supremo Tribunal Federal.

2. Explicite o poder de cautela do TCU e analise se ele alcança a quebra de sigilo financeiro de terceiros que negociam com
a instituição financeira, objeto de fiscalização.

R: O poder de cautela do TCU pode ser delimitado como a atuação cautelar do órgão, exercida através de um parecer,
que pode ter natureza prévia, concomitante ou posterior em relação a todas as licitações públicas e contratos administrativos
realizados pelo poder público. O poder de cautela exercido pelo TCU já foi objeto de análise pelo STF, no ano de 2003, através do
julgamento do MS 24.510-DF, o qual consolidou o consolidou o entendimento de que o Poder Geral de Cautela é inerente às
atribuições e competências fiscalizadoras dos Tribunais de Conta.
Além disso, o poder de cautela alcança a quebra de sigilo financeiro de terceiros que negociam com a instituição financeira,
que é objeto da fiscalização, uma vez que se trata de dinheiro público. A matéiria é tratada na apostila em fls. 39/40. Este
entendimento já foi firmado através do julgamento do MS 33.340, que tem trecho trancrito a seguir:
O sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está
diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. Operações financeiras que
envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a LC 105/2001, visto
que as operações dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no
art. 37 da CF. Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações
relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. [MS 33.340, rel. min. Luiz Fux, j. 26-5-2015,
1ª T, DJE de 3-8-2015.]

Abaixo segue na íntegra o Mandado de segurança nº 33340 / DF - DISTRITO FEDERAL , que trata sobre o tema:

MS 33340 / DF - DISTRITO FEDERAL


Relator(a): Min. LUIZ FUX
Julgamento: 26/05/2015 Órgão Julgador: Primeira Turma
PROCESSO ELETRÔNICO
200

DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015


Parte(s)
IMPTE.(S) : BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - BNDES E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : PATRICE GILLES PAIM LYARD E OUTRO(A/S)
IMPDO.(A/S) : TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE LEGISLATIVO FINANCEIRO. CONTROLE


EXTERNO. REQUISIÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE INFORMAÇÕES ALUSIVAS A
OPERAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS PELAS IMPETRANTES. RECUSA INJUSTIFICADA. DADOS NÃO
ACOBERTADOS PELO SIGILO BANCÁRIO E EMPRESARIAL. 1. O controle financeiro das verbas públicas é essencial
e privativo do Parlamento como consectário do Estado de Direito (IPSEN, Jörn. Staatsorganisationsrecht. 9. Auflage. Berlin:
Luchterhand, 1997, p. 221). 2. O primado do ordenamento constitucional democrático assentado no Estado de Direito
pressupõe uma transparente responsabilidade do Estado e, em especial, do Governo. (BADURA, Peter. Verfassung, Staat
und Gesellschaft in der Sicht des Bundesverfassungsgerichts. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. Festgabe aus
Anlass des 25jähringe Bestehens des Bundesverfassungsgerichts. Weiter Band. Tübingen: Mohr, 1976, p. 17.) 3. O sigilo de
informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de
se conhecer o destino dos recursos públicos. 4. Operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas
pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos
princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Em tais situações, é prerrogativa
constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. 5. O
segredo como “alma do negócio” consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice, tanto mais
que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle
da legitimidade do emprego dos recursos públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos
envernizados por um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas. 6. “O
dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos impõe não haver em um Estado Democrático
de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos
assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.”
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114). 7.
O Tribunal de Contas da União não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de
terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pontuais, do Poder
Legislativo. Precedente: MS 22.801, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 14.3.2008. 8. In casu, contudo, o TCU
deve ter livre acesso às operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da Administração
Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas mediante o emprego de recursos de
origem pública. Inoponibilidade de sigilo bancário e empresarial ao TCU quando se está diante de operações fundadas em
recursos de origem pública. Conclusão decorrente do dever de atuação transparente dos administradores públicos em um
Estado Democrático de Direito. 9. A preservação, in casu, do sigilo das operações realizadas pelo BNDES e BNDESPAR com
terceiros não, apenas, impediria a atuação constitucionalmente prevista para o TCU, como, também, representaria uma
acanhada, insuficiente, e, por isso mesmo, desproporcional limitação ao direito fundamental de preservação da intimidade.
10. O princípio da conformidade funcional a que se refere Canotilho, também, reforça a conclusão de que os órgãos criados
pela Constituição da República, tal como o TCU, devem se manter no quadro normativo de suas competências, sem que
tenham autonomia para abrir mão daquilo que o constituinte lhe entregou em termos de competências.(CANOTILHO, José
Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª edição. Coimbra: Almedina, 2002, p. 541.) 11. A
Proteção Deficiente de vedação implícita permite assentar que se a publicidade não pode ir tão longe, de forma a esvaziar,
desproporcionalmente, o direito fundamental à privacidade e ao sigilo bancário e empresarial; não menos verdadeiro é que
a insuficiente limitação ao direito à privacidade revelar-se-ia, por outro ângulo, desproporcional, porquanto lesiva aos
interesses da sociedade de exigir do Estado brasileiro uma atuação transparente. 12. No caso sub examine: I) O TCU
determinou o fornecimento de dados pela JBS/Friboi, pessoa que celebrou contratos vultosos com o BNDES, a fim de aferir,
por exemplo, os critérios utilizados para a escolha da referida sociedade empresária, quais seriam as vantagens sociais
advindas das operações analisadas, se houve cumprimento das cláusulas contratuais, se as operações de troca de debêntures
por posição acionária na empresa ora indicada originou prejuízo para o BNDES. II) O TCU não agiu de forma imotivada e
arbitrária, e nem mesmo criou exigência irrestrita e genérica de informações sigilosas. Sobre o tema, o ato coator aponta a
existência de uma operação da Polícia Federal denominada Operação Santa Tereza que apontou a existência de quadrilha
intermediando empréstimos junto ao BNDES, inclusive envolvendo o financiamento obtido pelo Frigorífico Friboi. Ademais,
a necessidade do controle financeiro mais detido resultou, segundo o decisum atacado, de um “protesto da Associação
Brasileira da Indústria Frigorífica (Abrafigo) contra a política do BNDES que estava levanto à concentração econômica do
setor”. III) A requisição feita pelo TCU na hipótese destes autos revela plena compatibilidade com as atribuições
constitucionais que lhes são dispensadas e permite, de forma idônea, que a sociedade brasileira tenha conhecimento se os
recursos públicos repassados pela União ao seu banco de fomento estão sendo devidamente empregados. 13.
Consequentemente a recusa do fornecimento das informações restou inadmissível, porquanto imprescindíveis para o
controle da sociedade quanto à destinação de vultosos recursos públicos. O que revela que o determinado pelo TCU não
extrapola a medida do razoável. 14. Merece destacar que in casu: a) Os Impetrantes são bancos de fomento econômico e
social, e não instituições financeiras privadas comuns, o que impõe, aos que com eles contratam, a exigência de disclosure e
201

de transparência, valores a serem prestigiados em nossa República contemporânea, de modo a viabilizar o pleno controle
de legitimidade e responsividade dos que exercem o poder. b) A utilização de recursos públicos por quem está submetido ao
controle financeiro externo inibe a alegação de sigilo de dados e autoriza a divulgação das informações necessárias para o
controle dos administradores, sob pena de restar inviabilizada a missão constitucional da Corte de Contas. c) À semelhança
do que já ocorre com a CVM e com o BACEN, que recebem regularmente dados dos Impetrantes sobre suas operações
financeiras, os Demandantes, também, não podem se negar a fornecer as informações que forem requisitadas pelo TCU. 15.
A limitação ao direito fundamental à privacidade que, por se revelar proporcional, é compatível com a teoria das restrições
das restrições (Schranken-Schranken). O direito ao sigilo bancário e empresarial, mercê de seu caráter fundamental,
comporta uma proporcional limitação destinada a permitir o controle financeiro da Administração Publica por órgão
constitucionalmente previsto e dotado de capacidade institucional para tanto. 16. É cediço na jurisprudência do E. STF que:
“ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PUBLICIDADE. A transparência decorre do princípio da publicidade. TRIBUNAL DE
CONTAS – FISCALIZAÇÃO – DOCUMENTOS. Descabe negar ao Tribunal de Contas o acesso a documentos relativos à
Administração Pública e ações implementadas, não prevalecendo a óptica de tratar-se de matérias relevantes cuja
divulgação possa importar em danos para o Estado. Inconstitucionalidade de preceito da Lei Orgânica do Tribunal de
Contas do Estado do Ceará que implica óbice ao acesso.” (ADI 2.361, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe
23/10/2014). 17. Jusfilosoficamente as premissas metodológicas aplicáveis ao caso sub judice revelam que: I - “nuclearmente
feito nas pranchetas da Constituição. Foi o legislador de primeiríssimo escalão quem estruturou e funcionalizou todos eles
(os Tribunais de Contas), prescindindo das achegas da lei menor. (...) Tão elevado prestígio conferido ao controle externo e
a quem dele mais se ocupa, funcionalmente, é reflexo direto do princípio republicano. Pois, numa República, impõe-se
responsabilidade jurídica pessoal a todo aquele que tenha por competência (e consequente dever) cuidar de tudo que é de
todos”. (BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. In: Revista do Tribunal de Contas do
Estado do Rio de Janeiro. Volume 8. 2º semestre de 2014. Rio de Janeiro: TCE-RJ, p. 18 e 20) II - “A legitimidade do Estado
Democrático de Direito depende do controle da legitimidade da sua ordem financeira. Só o controle rápido, eficiente, seguro,
transparente e valorativo dos gastos públicos legitima o tributo, que é o preço da liberdade. O aperfeiçoamento d controle é
que pode derrotar a moral tributária cínica, que prega a sonegação e a desobediência civil a pretexto da ilegitimidade da
despesa pública. (TORRES, Ricardo Lobo. Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo.
Obra em homenagem a Eduardo García de Enterría. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 645) 18. Denegação da segurança
por ausência de direito material de recusa da remessa dos documentos.

QUESTÕES OBJETIVAS

1. D- Art. 71, VI da CRFB/88


2. C
3. B - Art. 134. A da CFRB/88
4. C - Art. 41 da CRFB/88
5. A - I. Art. 127, §1º da CRFB/88
II. Art. 128, § 1 da CRFB/88
III. Art. 130-A da CRFB/88
6. E
O princípio do promotor natural pode ser extraído também do art. 5º, LIII. Dessa forma, parte da doutrina ser o
princípio do Promotor Natural uma extensão do Princípio do Juiz Natural;

GABARITO CAPÍTULO IV
1.
a) 10%. O ingresso do advogado na carreira da magistratura pode ocorrer através do denominado Quinto Constitucional,
pois a norma do art., 94, da CF, reserva um quinto das vagas dos tribunais para ocupação dentre membros do Ministério Público e
da Advocacia, com notório saber, reputação ilibada, com mais de dez anos de atividade profissional.
b) A OAB, no caso a seccional estadual, indicará os candidatos em lista sêxtupla, cabendo ao Tribunal de Justiça votar uma
lista tríplice que será enviada ao Governador do Estado que escolherá, livremente, um dos indicados.
c) Governador do Estado.

2.
a) Por se tratar de crime doloso contra a vida, o caso deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri, da justiça estadual comum.
Embora a vítima seja um índio, o caso não está relacionado à disputa de direitos indígenas, razão pela qual não seria competência
da Justiça Federal (art. 109, XI).
b) A atribuição à Justiça Federal da competência para julgar disputas sobre direitos indígenas decorre da competência
atribuída à União Federal para proteção da cultura indígena, seus bens e valores (art. 231, CRFB). É por esta razão que a
competência, nestas hipóteses, será da Justiça Federal, independentemente do Estado onde o caso tenha ocorrido.
c) A competência, neste caso, será do STJ, pois se trata de conflito negativo de competência entre órgãos vinculados a
tribunais diversos (art. 105, I, d, CRFB)
202

QUESTÕES OBJETIVAS
1.B
2.D
3.B
4.CERTO
5.B

GABARITO CAP. V

ESTUDO DE CASO

Entendimento do STF: "As hipóteses de outorga da nacionalidade brasileira, quer se trate de nacional idade primária ou
originária (da qual emana a condição de brasileiro nato), quer se cuide de nacional idade secundária ou derivada (da qual resulta o
status de brasileiro naturalizado), decorrem, exclusivamente, em função de sua natureza mesma, do Texto Constitucional, pois a
questão da nacional idade traduz matéria que se sujeita, unicamente, quanto à sua definição, ao poder soberano do Estado brasileiro"
(STF, HC 83.113-QO, Rel. Min. Celso de Mello, OJ de 29-8-2003).
Dupla nacionalidade. Precedente do STF: "O processo remete ao complexo problema da extradição no caso da dupla
nacionalidade, questão examinada pela Corte Internacional de Justiça no célebre caso Nottebohm. Naquele caso a Corte sustentou
que na hipótese de dupla nacionalidade haveria uma prevalecente - a nacionalidade real e efetiva - identificada a partir de laços
fáticos fortes entre a pessoa e o Estado. A falta de elementos concretos no presente processo inviabiliza qualquer solução sob esse
enfoque" (STF, HC 83.450, Rel. Min. Nelson Jobim, de 4-3-2005).

Questão do caso acima:


Pode alguém, sem ser brasileiro nato, impetrar um HD?
Resposta:SIM, conforme se depreende da Lei nº 9.507/97 e do disposto no Art. 5º, inciso LXXII, da CRFB/88. O status de cidadão
brasileiro somente é exigido para o ajuizamento de Ação Popular.

QUESTÕES OBJETIVAS
1. E
2. C
3. CERTO
4. E
5. C
6. D

GABARITO CAP. VI

1) STF - ADPF 307 MC-Ref / DF


REFERENDO NA MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI
Julgamento: 19/12/2013 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Parte(s)
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS - ANADEP
ADV.(A/S) : CIANE FIGUEIREDO FELICIANO DA SILVA
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DA PARAÍBA
INTDO.(A/S) : SECRETÁRIO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO E GESTÃO DO ESTADO DA PARAÍBA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
EMENTA: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Medida cautelar. Referendo. Ato do Poder
Executivo do Estado da Paraíba. Redução, no Projeto de Lei Orçamentária de 2014 encaminhado pelo Governador do
Estado da Paraíba à Assembleia Legislativa, da proposta orçamentária da Defensoria Pública do Estado. Cabimento da
ADPF. Mérito. Violação de preceito fundamental contido no art. 134, § 2º, da Constituição Federal. Autonomia
administrativa e financeira das Defensorias Públicas estaduais. Medida cautelar confirmada. 1. A Associação Nacional dos
Defensores Públicos, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não detém legitimidade ativa para mandado
de segurança quando a associação e seus substituídos não são os titulares do direito que pretende proteger. Precedente: MS
nº 21.291/DF-AgR-QO, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 20/10/95. Resta à associação a via da
arguição de descumprimento de preceito fundamental, único meio capaz de sanar a lesividade alegada. 2. A autonomia
administrativa e financeira da Defensoria Pública qualifica-se como preceito fundamental, ensejando o cabimento de ADPF,
pois constitui garantia densificadora do dever do Estado de prestar assistência jurídica aos necessitados e do próprio direito
que a esses corresponde. Trata-se de norma estruturante do sistema de direitos e garantias fundamentais, sendo também
pertinente à organização do Estado. 3. A arguição dirige-se contra ato do chefe do Poder Executivo estadual praticado no
exercício da atribuição conferida constitucionalmente a esse agente político de reunir as propostas orçamentárias dos órgãos
dotados de autonomia para consolidação e de encaminhá-las para a análise do Poder Legislativo. Não se cuida de controle
203

preventivo de constitucionalidade de ato do Poder Legislativo, ma, sim, de controle repressivo de constitucionalidade de ato
concreto do chefe do Poder Executivo. 4. São inconstitucionais as medidas que resultem em subordinação da Defensoria
Pública ao Poder Executivo, por implicarem violação da autonomia funcional e administrativa da instituição. Precedentes:
ADI nº 3965/MG, Tribunal Pleno, Relator a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 30/3/12; ADI nº 4056/MA, Tribunal Pleno,
Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 1/8/12; ADI nº 3569/PE, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 11/5/07. Nos termos do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, não é dado ao chefe do Poder Executivo
estadual, de forma unilateral, reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública quando essa é compatível com a Lei
de Diretrizes Orçamentárias. Caberia ao Governador do Estado incorporar ao PLOA a proposta nos exatos termos definidos
pela Defensoria, podendo, contudo, pleitear à Assembleia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a
seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA. A inserção da Defensoria Pública em capítulo destinado à
proposta orçamentária do Poder Executivo, juntamente com as Secretarias de Estado, constitui desrespeito à autonomia
administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e
financeira. 5. Medida cautelar referendada.
Decisão
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, referendou a concessão da liminar. Votou o Presidente,
Ministro Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio.
Plenário,
19.12.2013.

QUESTÕES OBJETIVAS
1. C
2. C
3. A
4. A
5. D
6. E
7. B
8. A
9. D
10. A – V; B –F; C –V; D - F
11. D
12. C
13. C
204

ANEXO II

MODELO PEC
205

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Essas são as razões que nos levam a solicitar a nossos pares apoio para a presente Proposta
de Emenda à Constituição.
Sala das Sessões,

Senador RANDOLFE RODRIGUES


REDE-AP
206

ANEXO III
PEÇAS PROCESSUAIS
1.ADPF

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL

*deixar +- 5 linhas em branco

LEGITIMADA, qualificação, CNPJ, com representação em âmbito nacional, sediada na rua


xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx CEP xxxxxxxxxxx vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,
por meio de seu advogado infra-assinado, conforme instrumento de procuração anexo (doc. 01), com escritório
localizado em xxxxx, para onde devem ser enviadas as intimações, nos termos do art. 77, CPC/2015, ajuizar
a presente ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL COM PEDIDO
DE LIMINAR, com base no art. 102, § 1º, da Constituição Federal de 1988 em cotejo com o art. 1º, parágrafo
único, I, da Lei nº. 9.882, de 3 de dezembro de 1999, conforme indicação abaixo de alguns preceitos
vulnerados.
I – DA LEGITIMIDADE ATIVA e DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA
Demonstrar porque a associação é legitimada, traçando a diferença entre legitimado universal e
legitimado especial.
Transcrever o art. 103, inciso, CF/88, e bem assim, da Lei nº 9.882/99, que trata dos legitimados
II – DO CABIMENTO DA ADPF
Aqui deve demonstrar por que o instrumento constitucional processual tem que ser a ADPF; destacar
o Princípio da Subsidiariedade da ADPF.....
III –DOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS: análise
Neste momento vc traz os preceitos fundamentais violados. Deve discorrer sobre o conceito aberto de
preceito fundamental. Trazer correntes doutrinárias e jurisprudência do STF
IV. DO PEDIDO DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Explicar o por quê.
Trazer as demais técnicas de interpretação – vide cap. IV da minha apostila ou algum livro de
constitucional
V – DO PEDIDO LIMINAR
Explicar o por quê do pedido liminar
VI. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer a arguente:
207

1. a concessão do pedido liminar;


2. no mérito, que o pedido da presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental seja
julgado procedente, a fim de que este Egrégio Supremo Tribunal Federal realize a interpretação
conforme à Constituição dos artigos 3º, § 1º, § 2º, e 4º, parágrafo único, da Resolução Conjunta
Presidência da República e Conselho Nacional de Combate à Discriminação nº. 1, de 15 de abril
de 2014, para assegurar que: as custodiadas transexuais e travestis somente poderão cumprir pena
em estabelecimento prisional compatível com o gênero feminino.
3. ou subsidiariamente, em caso desta Corte entender pelo não cabimento da presente Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, a autora requer que a presente petição seja recebida
como Ação Direta de Inconstitucionalidade, com vistas à declaração de inconstitucionalidade da
expressão “Às Travestis” do art. 3º, da Resolução Conjunta Presidência da República e Conselho
Nacional de Combate à Discriminação nº. 1, de 15 de abril de 2014, e realize a interpretação
conforme à Constituição, do art. 4º da Resolução, para assentar que: as custodiadas transexuais e
travestis somente poderão cumprir pena em estabelecimento prisional compatível com o gênero
feminino.
4. que sejam ouvidos o Procurador-Geral da República, nos termos do art. xxx, CF/88 e, bem assim,
as autoridades competentes, juntados aos autos os documentos anexos.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para fins procedimentais.


Termos em que, pede deferimento.

Local e data,
assinatura do (a) advogado (a)
** NUMERAR AS FOLHAS

2.RECLAMAÇÃO

EXMO. SRA.MINISTRA PERSIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

(PULAR 5 LINHAS)

O MUNICÍPIO XXXXX, qualificação, endereço, neste ato representando por seu procurador
xxxxxxxx, concursado para cargo efetivo, com escritório xxxxxxxx, endereço que indica para os fins do art.
77, V, CPC, com fundamento no art. 102, I, alínea L, CF/88 e no art. 988, III, CPC, apresenta
RECLAMAÇÃO em face da decisão do Tribunal de Justiça xxxx, que descumpriu a decisão do STF,
proferida na ADC nº 4.
I. DA DECISÃO OBJETO DA RECLAMAÇÃO
208

Trabalhar com a decisão do STF na ADC 4 para demonstrar o descumprimento de sua autoridade
julgadora por parte do TJ, lembrando que os efeitos em sede de ADC são erga omnes e vinculante e com a
decisão proferida pelo juiz – objeto da reclamaçlão
II. DA TUTELA DE URGÊNCIA

Fundamentos: art. 988, II e art. 300, CPC

III. DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO


Art. CF; arts. do CPC
IV. DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, o RECLAMANTE requer:
1) a concessão da tutela de urgência para suspender os efeitos da decisão impugnada, nos termos
do art. 989, inciso II, CPC, e que ao final seja cassada a referida decisão a fim de assegurar a integridade da
jurisdição constitucional;
2) a citação do beneficiário da decisão impugnada para apresentar a sua contestação no prazo de
15 dias, nos termos do art. 989, inciso III, CPC;
3) a oitiva da autoridade Reclamada para apresentar informações, ex vi art.989, inciso I, CPC, no
prazo de 10 dias;
4) a oitiva do Procurador-Geral da República, com fundamento no art. 103, § 1º, CF/88 e no art.
991, CPC;
5) a juntada dos documentos anexos.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) para fins procedimentais.
Termos em que se pede deferimento.

Local/data
Procurador do Município
OAB
209

3. AÇÃO POPULAR

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA ..........VARA .... DA COMARCA DE ... DO


TRIBUNAL .....

(PULAR 5 LINHAS)

FULANO DE TAL, qualificação, domicilio, em pleno gozo de seus direitos políticos, por seu
advogado infra assinado, conforme procuração anexa (doc. 01), com escritório em xxxx, para onde devem ser
enviadas citações, intimações e demais documentos de praxe, nos termos do art. 77, CPC/2015, vem perante
Vossa Excelência, amparado no art. 5º, LXXIII, CF, em cotejo com o artigo 1º da Lei nº 4.717/65, propor a
presente AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE em face de
BELTRANO, Prefeito do Município X, qualificação, domicílio, do FULANO, Presidente da Comissão
Permanente de Licitação do Município, Sr. XXXXX, que poderão ser encontrados respectivamente nos
endereços xxxx, xxxx, e da EMPRESA XXXXXX na pessoa do seu representante legal, sediada no endereço
xxxx, mediante as razões de fato e de direito que passa a expor.

1. CABIMENTO DA AÇÃO
1.1. Da Legitimidade Ativa
1.2. Da Legitimidade Passiva
1.3. Do Cabimento do Procedimento

2. DOS FATOS
3.

3. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS


4. DOS PEDIDOS
Ante o exposto requer o autor:
1. pedido de liminar inaudita altera parte
4. seja julgado procedente os pedidos do mérito ..... para ......
5. sejam os réus condenados a pagarem as custas e demais despesas judiciais e extrajudiciais, bem como
o ônus da sucumbência
6. sejam citados os réus, para querendo, contestarem, no prazo legal, assistidos se quiserem pela
Procuradoria do Município;
5. a produção de provas documental, testemunhal, pericial, e, especialmente, o depoimento pessoal
dos demandados por quem de direito;
210

7. a oitiva do Ministério Público.


Dá-se à causa o valor de R$ xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Nesses termos, pede-se deferimento.
211

4. MANDADO DE INJUNÇÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO COLENDO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL

(**atenção: apenas será o STF nos casos de sua competência)

(deixar espaço de cinco linhas)

IMPETRANTE, pessoa jurídica de direito ..., inscrita no CNPJ sob o nºXXXX, com sede na Rua,
n, Bairro, Cidade/UF, CEP representado neste ato por XXXXXXXXXXXXXX, (qualificação da pessoa),
domiciliada (endereço completo), vem, por seu advogado (procuração em anexo), com escritório localizado
(endereço completo do escritório), nos termos do art. 77, V, CPC, com fundamentos no art. 5ª, inciso LXXI,
CF/88 e da Lei nº 13.300/ 2016, impetrar o presente MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO contra
omissão do CONGRESSO NACIONAL, em razão de ausência de norma regulamentar do direito de greve
dos servidores públicos civis, nos termos do art. 37, inciso VII, CF/88, pelos motivos a seguir
apresentados:

I. DOS FATOS

Resumo dos fatos

II. DOS FUNDAMENTOS


Trazer os fundamentos normativos constitucionais e infraconstitucionais do MI, e, bem assim, as
razões de fato e de direito que justificam a impetração do MI.
Apresentar doutrina, jurisprudência, súmula se houver...
III. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INÉRCIA NORMATIVA ou DA OMISSÃO
INCONSTITUCIONAL
Trazer a norma constitucional de eficácia limitada que prevê direito, cujo exercício depende de ato.
normativo infraconstitucional.
IV. DOS PEDIDOS
212

Diante do exposto, requer-se:


1. a notificação da autoridade que se mantém omissa diante de previsão constitucional;
2. seja dada ciência da presente ação ao órgão de representação da pessoa jurídica interessada;
3. a intimação de membro do MP;
4. a condenação em custas judiciais do impetrado;
5. a juntada de documentos;
6. seja julgado constitucional do pedido .....
Dá-se a à causa o valor de R$1.000,00 (um mil reais) para fins procedimentais.
Nesses termos,
Pede-se deferimento,
Local e data.
Advogado
OAB

ATENÇÃO: não esquecer de numerar as páginas


213

5.MANDADO DE SEGURANÇA

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA .....VARA DE FAZENDA PÚBLICA DO TRIBUNAL


DE JUSTIÇA DO ESTADO X

(pular 5 linhas em todas as petições)

NOME DE QUEM ESTÁ IMPRETRANDO O MS, qualificação da pessoa (física ou jurídica),


CPF ou CNPJ, representada por (caso se tratar de impetrante p.j., menor de idade ou pessoa com curador ou
tutor), por seu (sua) advogado (a) infra-assinado (procuração em anexo), com escritório localizado no endereço
completo, endereço indicado para fins do disposto no art. 77, inciso VI, do CPC/2015, e com base no art. 5º,
inciso LXIX, CF/88 e dos dispositivos da Lei nº 12.016/2009, vem, perante V;.Exa., impetrar o presente
MANDADO DE SEGURANÇA em face do NOME DO IMPETRADO, qualificação do impetrado,
endereço....
I. DA TEMPESTIVIDADE DA PROPOSITURA DA AÇÃO
Considerando a normativa inserta no art. 23, da Lei nº 12.016/2009, que dispõe acerca do prazo para
propositura do Mandado de Segurança, afirma-se que a presente ação é tempestiva, pois foi proposta dentro
do prazo de 120 dias.
II. DA SÍNTESE DOS FATOS (ou simplesmente DOS FATOS)

Aqui precisa narrar os fatos que ensejaram a impetração do MS

III. DA TUTELA DE URGÊNCIA


Deve demonstrar o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Ainda, deve mencionar o art. 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009.

IV. DOS FUNDAMENTOS

Começar sempre pela previsão constitucional do MS, mencionando artigo e o inciso da CF/88.
Trazer e transcrever o ato omissivo ou comissivo que está sendo impugnado pela via do MS.

V. DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer o impetrante:
1. A concessão da medida cautelar para suspender/revogar o ato do NOME DO IMPETRADO OU
DO CARGO QUE OCUPA;
214

2. A notificação da autoridade coatora, nos termos do art. X (vide qual é o artigo), da Lei nº Lei nº
12.016/2009, mencionar quem é a autoridade coatora, em regra é a mesma da sujeição passiva, para que preste
as informações pertinentes ao caso;

3. Seja comunicado o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada;

4. A intimação do Membro do Ministério Público;

5. A condenação do Impetrado ao pagamento de custas processuais;

6. A juntada dos documentos em anexo;

7. Que o mérito, ao final, seja julgado procedente para afastar (mencionar o que está sendo pedido
de fato e de direito)

Dá-se à causa o valor de R$ XXXXXXX, para fins procedimentais.

Nesses termos,
Pede-se deferimento,
Loca/data.
Advogado
OAB

ATENÇÃO:
A. NÃO ESQUECER DE NUMERAR AS PÁGINAS
B. NUNCA ASSINAR EM FOLHA EM BRANCO

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