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CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

Circular (ou não) em São Paulo


CARLOS ZARATTINI

o problema da circulação na cidade e na Região Metropoli-

N
ÃO É NOVO
tana de São Paulo. Desde os anos de 1960, a expansão das periferias e o
grande número de automóveis circulando geraram congestionamentos
e penosas viagens no transporte coletivo. Nessas quatro décadas, a única medida
que amenizou essa situação dramática foi a implantação, a passos lentos, de três
linhas de metrô. Os congestionamentos continuaram grandes e só não pararam
de vez a cidade por conta de ações operacionais e implantação de tecnologias de
controle do trânsito pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e por
medidas como restrições à circulação nos horários de pico (rodízio municipal).
A cidade com 10,5 milhões de habitantes e uma frota de veículos em torno
de cinco milhões está inserida em uma Região Metropolitana de 17,5 milhões de
pessoas e concentrando 60% das empresas multinacionais instaladas no Brasil e
34% das quinhentas maiores empresas privadas brasileiras. Uma complexa rede
de serviços modernos e de alta tecnologia, especialmente os corporativos e finan-
ceiros, e a liderança na produção de informação e cultura é responsável pela
geração de um PIB (Produto Interno Bruto) da ordem de US$ 80 bilhões, que
corresponde a 14% do PIB brasileiro. No entanto, trata-se de uma cidade com altos
índices de exclusão e desemprego, o que faz com que a maioria da população
não usufrua dessa riqueza.
Sem dúvida, um dos fatores que impede não apenas o desenvolvimento da
cidade, mas também a democratização das suas possibilidades é o problema da
circulação. Diversas teses e pesquisas já demonstraram que a falta de acessibilidade
no transporte público (baixa oferta na periferia, más condições dos veículos, tari-
fas altas, entre outros) é uma das causas da opção pelos automóveis na classe mé-
dia e nos estratos mais altos dos trabalhadores. O tempo médio gasto em uma
viagem pelo transporte coletivo (49,7 minutos) é 2,3 vezes maior do que se
realizada com automóvel (21,2 minutos).
Portanto, é evidente que a melhoria do transporte público é uma questão-
chave para resolver, ao mesmo tempo, duas questões: a redução dos tempo gasto
pelas pessoas em sua circulação e a melhoria da acessibilidade de toda a popula-
ção, em especial dos mais desfavorecidos. Ter um transporte público de qualida-
de é a única possibilidade de garantir a circulação na cidade. Dessa forma, evita-
se a ampliação do uso do transporte individual e é possível garantir a diminuição
do tempo gasto com deslocamento para a maioria da população.
Do ponto de vista da técnica não há muitas dúvidas do que deve ser feito.
A expansão das linhas do metrô para atender aos grandes fluxos de viagens, a

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melhoria do transporte por ônibus, garantindo a exclusividade em uma ou mais


faixas do sistema viário (corredores, faixas exclusivas etc.), o atendimento dos
pequenos fluxos (em especial na periferia e no centro) por veículos de menor
capacidade, a integração operacional e tarifária de todos os modos de transporte,
a ordenação da circulação dos veículos de carga, a implantação de controles para
a circulação e estacionamento de veículos particulares etc.
Gráfico 1
Distribuição das viagens motorizadas.

Mapa 1
Infra-estrutura de transporte coletivo. Município de São Paulo, 2002.

186 ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003


CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

Monalisa Lins/Agência Estado

Congestionamento na avenida Cidade Jardim, zona sul da cidade de São Paulo.

Integração institucional
Se existe consenso no que diz respeito à técnica, também existe muita diver-
gência em outros aspectos. Um deles é a divisão das competências entre Estado
e Município, não resolvida pela legislação que rege a Região Metropolitana. O
Município é o responsável constitucionalmente pelo transporte no seu território,
é o poder concedente do transporte municipal. O Metrô de São Paulo, apesar de
ter como acionista majoritário o Governo do Estado, é uma concessão municipal.
As linhas intermunicipais (que circulam entre cidades da Região Metropolitana)
devem ter autorização municipal para circular no seu território. As rodoviárias
que recebem passageiros de distâncias maiores também têm seu funcionamento
regido pelo Município.
Por outro lado, é evidente que o Município não pode tomar decisões que
afetam a toda a circulação na Região Metropolitana sem que leve em conta os
interesses de todos os municípios e da região como um todo. Essa dupla gestão
(Município e Estado) é fonte de intermináveis conflitos. As linhas e estações do
metrô são definidas exclusivamente pelo Estado e o Município não é consultado.
O resultado mais recente foi a inauguração da Linha 5 (Capão Redondo–Santo
Amaro) que, devido a indefinições no que diz respeito a tarifas e integração com
o sistema de transporte municipal, transporta apenas quinze mil passageiros por
dia, tendo custado cerca de US$ 700 milhões.
O sistema de trens da CPTM não teve definida suas tarifas de integração
com o Município de São Paulo e com qualquer outro dos municípios da Região
Metropolitana, fazendo com que a demanda continue baixa. O caso mais flagran-

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te é o da chamada Linha Sul, que liga Jurubatuba a Osasco e que corre paralela ao
rio Pinheiros e ao eixo da avenida Faria Lima. Nessa linha, a capacidade de trans-
porte é de quinhentos mil passageiros/dia, mas atinge apenas cinqüenta mil. A
marginal do Pinheiros continua congestionada.
As linhas intermunicipais já tiveram diversos planos de troncalização, isto
é, construção de terminais nos municípios onde têm origem e a concentração
dos passageiros em veículos maiores, transitando por vias de maior capacidade
até os principais subcentros da cidade de São Paulo. Esses planos nunca saíram
do papel e o que se vê é uma infinidade de linhas saindo do diversos bairros dos
municípios vizinhos, congestionando o sistema viário municipal, degradando os
subcentros de bairros como Pinheiros, Lapa, Santo Amaro, Santana e ainda com-
petindo na disputa dos passageiros que realizam viagens municipais (com origem
e destino no Município de São Paulo). As linhas intermunicipais têm suas tarifas
definidas pela distância que percorrem (tarifa quilométrica) e por definição de-
vem ser mais caras que as tarifas municipais, no entanto, quando adentram a
cidade de São Paulo, têm seus valores ajustados pela tarifa local, de modo que
possam concorrer com as linhas municipais.
O Governo do Estado elaborou um Plano Diretor de Transporte para a
Região Metropolitana, o chamado IPTU 2020, com definições de planejamento
para duas décadas. No entanto, as decisões de investimento continuam centrali-
zadas no Estado, quando ocorrem nas suas empresas, ou descentralizadas nos
municípios, quando são de sua alçada. Isso faz com que o planejamento não
tenha uma implantação integrada, ocorram desperdícios de recursos e a eficácia
dos investimentos seja reduzida.
A necessidade de uma nova Lei da Região Metropolitana de São Paulo que
regule seu funcionamento é premente. Questões como o saneamento, habita-
ção, segurança e, evidentemente, transporte, devem ter soluções metropolitanas.
No caso dos transportes é necessário, inclusive, que se discuta a criação de uma
Agência Metropolitana de Transportes que regule, organize e operacionalize o
transporte em toda a Região Metropolitana.

Interesses em conflito
Mais complicados ainda se tornaram os problemas de ordem “política”.
Não aqueles político-partidários das disputas eleitorais ou preeleitorais, mas sim
aqueles que tratam de conflitos econômicos entre os diversos interesses que con-
vivem na cidade. Pois são exatamente esses interesses que agem no sentido de,
por incrível que pareça, deixar tudo como está.
É possível localizar claramente alguns desses conflitos. A disputa entre o
transporte público e o individual surge a todo o momento em que se implanta
alguma medida que privilegie o transporte público no sistema viário. Apesar de
ser claro e evidente que se transportam muito mais pessoas nos ônibus, quando se
estabelecem faixas exclusivas que vão garantir maior velocidade para essas pessoas,

188 ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003


CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

surgem os protestos daqueles que utilizam os automóveis. Ou mesmo quando se


reduzem os espaços para o estacionamento nas vias públicas para ampliar o espaço
de circulação.
O transporte público coletivo também tem seus conflitos com o transporte
coletivo privado. É o caso dos ônibus de fretamento que vêm de outros municí-
pios ou mesmo de dentro do próprio Município de São Paulo. Boa parte deles
realiza um transporte clandestino, sem regulação alguma. Fazem uso do sistema
viário conflitando com os coletivos públicos e estacionam em regiões centrais da
cidade enquanto esperam seu horário de retorno aos bairros ou cidades de ori-
gem. Além de disputar com o transporte público o espaço, esse sistema
desregulamentado ainda absorve um grande número de passageiros.
Outra disputa que existe pelo espaço viário se dá entre carros e motos. O
número de motos tem se ampliado exponencialmente graças à sua agilidade e
tem sido o meio de transporte preferencial para a entrega de pequenas cargas ou
serviços. Milhares de empresas de “moto-boys” surgiram nos últimos anos e
muitas delas exploram seus trabalhadores vinculando seus rendimentos ao nú-
mero de entregas. A pressa e a circulação sem cuidados levam a um crescente
número de acidentes envolvendo motoqueiros.
A disputa entre os veículos de carga e os veículos em geral também é um
dos problemas a ser equacionado. Existem basicamente três tipos de carga circu-
lando no município. As cargas de passagem, que se utilizam o sistema viário
municipal para atingir seu destino fora da cidade, as que chegam ou saem da
cidade e as que circulam dentro da própria cidade. As cargas de passagem são as
principais responsáveis pelos congestionamentos no chamado Anel Viário Muni-
cipal, que inclui as marginais do Tietê e do Pinheiros. O projeto do Rodoanel,
quando completo, deve retirá-las desse sistema viário. O segundo e o terceiro
tipos terão soluções que envolvem desde os horários de entrega (preferencial-
mente noturno), implantação de terminais de carga dentro e fora da cidade e
áreas e horários de restrições. Não se pode esquecer que restringir a circulação de
cargas interfere diretamente no processo produtivo da metrópole, muitas vezes
onerando custos e, outras, impedindo a própria existência de algumas atividades.
Mas os conflitos não se restringem aos vários tipos de veículos. Todos aca-
bam entrando em conflito com os pedestres, que são os que mais sofrem com a
falta de segurança no trânsito. Morrem atropeladas mais de seiscentas pessoas
por ano na cidade, mas cada vez que o poder público implementa alguma medi-
da que busca aumentar a segurança ocorre uma grita. Típica é a famosa discussão
sobre a “indústria das multas” que combate o avanço tecnológico dos radares e
máquinas fotográficas. Esses equipamentos possibilitam a exatidão na mensuração
da velocidade e também a prova concreta da infração. Foi com eles que se conse-
guiu baixar o número de acidentes no trânsito em todo o Brasil.
A única defesa dos pedestres é o poder público. É por isso que deve atuar
firmemente para garantir o respeito às regras de trânsito e, com isso, aumentar a

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segurança. Caso se omita, talvez deixe de ser criticado pelos órgãos de imprensa,
mas, seguramente, estará contribuindo para o aumento dos acidentes e mortes.
Por fim, a expansão da circulação de forma geral também entra em conflito
com o meio urbano como um todo. O aumento do fluxo de veículos altera os
usos urbanos e, conseqüentemente, a vida das pessoas. Ruas tranqüilas deixam
de sê-lo ao ter seu uso intensificado como rotas alternativas aos congestionamen-
tos. Avenidas são degradadas quando se implantam projetos de transporte sem
levar em conta seus usos, como ocorreu na Nove de Julho/Santo Amaro. Desa-
propriações alteram bairros inteiros para implantação de equipamentos de trans-
porte (o caso mais significativo foi o metrô na zona leste o qual, praticamente,
destruiu o bairro do Brás). Até mesmo a implantação de pontos de ônibus po-
dem valorizar ou desvalorizar um ponto comercial ou residencial.
Gráfico 2
Mortes no trânsito, por tipo de usuário de via.

A Crise no Transporte Público


A Prefeitura de São Paulo, a partir de 2001, resolveu enfrentar o problema
central da recuperação do transporte público, pois este era o elemento funda-
mental para que se atuasse sobre a questão da circulação como um todo.
Naquele momento, a perspectiva futura do sistema de transporte regular
por ônibus (as empresas) era terrível. O número de passageiros vinha caindo
desde 1996 e, com eles, a rentabilidade do sistema. Várias são as razões dessa
queda: a implantação de terminais de integração na região central, que possibili-
tava economia para os usuários que podiam trocar de linha sem pagar uma se-
gunda tarifa, mas não reduzia o custo das empresas; o aumento das linhas
intermunicipais e a concorrência com as municipais; a ampliação das linhas e
veículos do sistema “bairro a bairro” (os antigos ônibus clandestinos, regulamen-
tados no governo Maluf); a proliferação do transporte clandestino por meio de
“peruas” que chegou a quinze mil veículos.

190 ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003


CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

Gráfico 3
Passageiros por ano, em milhões.

Gráfico 4
Passageiros por veículo, por dia (PVD).

Mas se se aumentava a concorrência às empresas regulares por um lado,


por outro o formato do contrato entre a São Paulo Transportes (concessionária
única do sistema municipal de transportes) e as empresas operadoras, induzia a
uma situação cada vez pior.
O contrato inicial havia sido firmado em 1991 por ocasião da municipalização
do sistema. Era um contrato onde as empresas eram remuneradas basicamente
pelo custo operacional e não pelos passageiros transportados. Com esse tipo de
contrato, a administração Luiza Erundina buscava aumentar a oferta de trans-
porte na periferia, o que de fato ocorreu.
No entanto, esse tipo de contrato exigia um órgão administrativo forte e
uma fiscalização eficiente. Não foi o que aconteceu nos dois governos seguintes.
A CMTC foi privatizada e a SPTrans, sua sucessora, passou a ser apenas geren-

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ciadora. Não houve uma racionalização do sistema e os empresários pressiona-


vam a gerenciadora a aprovar novas linhas, muitas vezes concorrentes com a de
outras empresas, para aumentar seu custo e, conseqüentemente, sua receita.
Os custos de fato aumentaram, e as tarifas idem. O serviço, no entanto, só
fazia piorar. A frota não era renovada, não havia fiscalização eficiente sobre os
horários, não se privilegiava o aumento da velocidade dos ônibus no trânsito. As
lotações clandestinas surgiram, assim, nas brechas do sistema regular, onde o
atendimento é pior ou mais demorado.
A solução passou a ser a injeção de subsídios do tesouro municipal. Entre
1997 e 2000 a Prefeitura aportou cerca de R$ 1 bilhão para as empresas de ôni-
bus, mas nem por isso o sistema melhorou. Ao contrário, no final de 1998 houve
uma nova reformulação nos contratos, com a fixação dos percentuais de cada em-
presa na arrecadação total de acordo com o estabelecimento de um “custo padrão”
e de um “passageiro padrão”. Fixados os percentuais criou-se a chamada “pizza” –
apelido do novo contrato em decorrência da sua similaridade com os chamados
“gráficos do tipo pizza”. A partir daí, muitas empresas passaram a reduzir seus
custos operacionais, diminuindo partidas, mas mantendo seu “custo padrão”. O
resultado não poderia ser outro: queda ainda maior no número de passageiros e
aumento crescente do número de lotações clandestinas. E mais subsídio...
Ao assumir, o novo governo, em 2001, buscou rapidamente uma alternati-
va para a crise. Uma opção seria a reconstituição de uma empresa pública que
operasse parte do sistema. Essa alternativa foi descartada, pois não havia recursos
suficientes para tal no tesouro municipal e mesmo o BNDES tinha suas linhas de
crédito fechadas para empresas públicas. A alternativa que restava era manter a
operação em mãos de empresas privadas e reorganizar o sistema de forma a me-
lhorar seu padrão de qualidade.

O novo modelo de transporte


O novo modelo proposto parte de um rearranjo técnico e institucional, em
que se acomodam os interesses dos empresários de ônibus, mas também dos
autônomos (operadores de “bairro a bairro” e lotações), dividindo o serviço e
eliminando os conflitos de disputa por linha. Ao mesmo tempo, prevê a implan-
tação de corredores de ônibus em eixos com alta demanda, respeitando os usos
locais, e terminais e estações de transferência que possibilitem a ampliação das
viagens integradas.
Nesse novo modelo, as empresas serão responsáveis pelas “linhas estrutu-
rais” – as que transportam os passageiros para além da sua região, em direção ao
centro ou a outras regiões. Os autônomos serão os responsáveis pelas linhas lo-
cais – as que circulam dentro de uma mesma região. A integração entre as linhas
poderá ser feita por meio de um cartão eletrônico – o “bilhete único” – que per-
mitirá a utilização de mais de um veículo dentro da mesma viagem, com o paga-
mento de apenas uma tarifa.

192 ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003


CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

Dessa forma, eliminam-se os conflitos entre autônomos e empresas e se


racionalizam-se as linhas, garantindo a redução dos custos do sistema e, conse-
qüentemente, uma menor pressão sobre a tarifa. A operação com veículos meno-
res na periferia, onde a demanda é menor, permitirá a redução dos intervalos e
do tempo de espera. E a operação racionalizada nos corredores principais permi-
tirá uma redução de veículos ociosos, aumentando a velocidade comercial e re-
duzindo o tempo de viagem do passageiro.
Uma visão esquemática do novo sistema: as linhas deixam de realizar longas
viagens dos bairros ao centro e se dividem entre linhas locais e estruturais.

Figura 1
Situação atual do Sistema de ônibus.

Figura 2
Situação futura do Sistema de ônibus.

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No mapa, como são as atuais linhas e como se subdividirão as linhas locais


e estruturais na Zona Leste.
Mapa 2
Linhas de ônibus, região Leste, 2002.

Mapa 3
Sistema integrado de ônibus, município de São Paulo.

194 ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003


CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

Evidentemente, a implantação desse novo sistema exigirá a construção de


um novo arranjo institucional. Para isso, após intensas batalhas na Câmara Muni-
cipal foi aprovada a Lei 13.241/2001, que estabelece um sistema de concessões
para as linhas estruturais – desde que os concessionários realizem investimentos
em infra-estrutura – e permissões nas linhas locais – sem necessidade de investi-
mentos dos operadores além dos seus próprios veículos.
A SPTrans passará a ser instrumento de fiscalização e planejamento de um
Órgão Regulador a ser criado. Esse Órgão Regulador será responsável pela ges-
tão dos contratos e terá relativa independência em relação ao Poder Concedente –
Secretaria Municipal de Transportes/Prefeitura Municipal. Uma nova empresa
de economia mista será criada para gerir a arrecadação do sistema. Vender crédi-
tos, arrecadar e pagar as empresas e os autônomos de acordo com o valor contratual
definido na licitação, por passageiro transportado.
Os terminais e as estações de transferência deverão ser modernizados em
relação aos atuais terminais. A comunicação com o usuário será dinamizada com
informações em tempo real dos horários de partida dos veículos. E a operação
das linhas será controlada centralmente, viabilizando estratégias operacionais como
a rápida substituição de veículos quebrados, a fuga de congestionamentos e até
mesmo ações de segurança pública em caso de assaltos e outros eventos.

Mapa 4
Equipamentos de transferência, município de São Paulo.

ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003 195


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Esses equipamentos de transferência, os corredores de ônibus e a implanta-


ção de operações “via livre”, de preferência ao transporte coletivo, também fo-
ram aprovados pela Câmara Municipal junto com o Plano Diretor. Ou seja, estão
inseridos numa visão ampla da cidade que envolve outros aspectos da dinâmica
urbana além do transporte.
Mapa 5
Implantação de corredores de ônibus, município de São Paulo.

Mapa 6
Implantação da Operação Via Livre, município de São Paulo.

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CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

Os resultados da Operação Via Livre demonstram que com baixo custo é


possível melhorar significativamente a velocidade do transporte coletivo.

Gráfico 5
Resultado da Operação Via Livre.

As dificuldades de implantação
Apesar de amplamente negociado, esse novo modelo enfrentou e enfrenta
inúmeras dificuldades para ser implantado. Ao interferir em interesses econômicos
enormes, movimenta forças sociais e políticas. O sistema de ônibus regular arre-
cadou durante o ano de 2002 cerca de R$ 1,400 bilhão, arrecadação à vista ou
com defasagem de apenas cinco dias (no caso de passes). Os autônomos do “bairro
a bairro” e “lotação” por estimativa arrecadaram – não existe controle oficial
sobre sua receita – cerca de R$ 550 milhões. Isso à tarifa de R$ 1,40, vigente até
janeiro de 2003.
A primeira batalha deu-se com regulamentação dos “perueiros” clandesti-
nos. Cerca de quinze mil veículos operavam na cidade de forma totalmente des-
controlada. Com a implantação de 425 linhas regulamentadas foi possível legali-
zar de forma provisória seis mil veículos. Desses, chamados “lotações regulamen-
tadas”, era exigida vistoria semestral, habilitação regular do condutor, impedi-
mento de substituição por motorista não autorizado, implantação de sistema de
controle de freqüência e cumprimento do trajeto na linha oficializada.
Para se chegar a isso, o Governo Municipal teve de enfrentar inúmeras ma-
nifestações de protesto, queimas de ônibus, ataques contra fiscais e até mesmo o
assassinato de três deles, após seqüestro. A imprensa, não raro, postava-se ao lado
dos clandestinos, como se houvesse uma luta de oprimidos contra opressores e
não uma ação de governo para regulamentar um serviço essencial.
Outras batalhas importantes deram-se em relação à implantação da infra-
estrutura necessária à operação do sistema. Comerciantes da Lapa resistiram à
construção de um terminal de ônibus, pois lhes retirava uma área de estaciona-
mento. Também comerciantes resistiram à implantação da Operação Via Livre

ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003 197


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na rua Teodoro Sampaio, alegando que seria um corredor de ônibus similar ao


da Santo Amaro. A Operação foi implantada com sucesso operacional e o comér-
cio continua funcionando normalmente. A mesma polêmica ocorre, agora, em
relação à mesma Operação Via Livre na avenida Rebouças, onde moradores e
comerciantes protestam contra um suposto corredor.
Mas a batalha principal se dá em torno do processo de licitação das empre-
sas de ônibus. O objetivo desse processo é o de adequar os contratos à nova Lei
aprovada pela Câmara Municipal e, ao mesmo tempo, estabelecê-los a longo
prazo, de forma a garantir investimentos mais consistentes de renovação e mo-
dernização da frota de veículos.
Os empresários resistiram primeiramente à retirada dos subsídios e às mo-
dificações nos contratos que desmontavam a chamada “pizza”, ampliando a par-
cela da remuneração relativa aos passageiros transportados. Essa resistência era
oferecida de uma maneira peculiar. Empresas não realizavam os pagamentos aos
trabalhadores que, imediatamente, paralisavam a operação, colocando a Prefei-
tura em dificuldade, já que é a responsável pelo transporte público. Essa prática
vem sendo investigada pelo Ministério Público e tudo indica que era devidamen-
te arquitetada entre alguns empresários e sindicalistas.
Além da paralisação dos serviços que jogava a cidade no caos, as pressões
contra a implantação do projeto da Prefeitura ocorriam por meio do não cumpri-
mento de metas por parte de algumas empresas, como por exemplo, a manuten-
ção e renovação da frota. Elas simplesmente não recuperavam seus veículos e não
compravam outros para substituir aqueles com mais de dez anos de uso. Apesar
do aumento do número de multas aplicadas nas empresas pela SPTrans, muitos
órgãos de imprensa não compreenderam que havia um conflito entre a Prefeitura
e os empresários e agiam como se, ao contrário, existisse um conluio.
Na Câmara Municipal também surgiram pressões para que os interesses
dos empresários prevalecessem. Primeiro, durante a votação da nova lei, foi feito
um esforço para que fosse incluído um artigo que prorrogava os contratos vigen-
tes indefinidamente e que se reduzisse o número de autônomos ou até os elimi-
nassem. Depois, houve todo um esforço para que os subsídios orçamentários
voltassem, ainda que não melhorassem a operação.
A cada vez que a Prefeitura resistia a essas pressões e conflitos, novas
investidas ocorriam. Para se realizar as audiências públicas necessárias para o pro-
cesso licitatório, a Prefeitura e a Assembléia legislativa tiveram seus auditórios
destruídos por “militantes sindicais”, que protestavam contra um suposto de-
semprego causado pelo novo sistema. Quando da visita de empresários de outros
Estados à Prefeita para conhecer o processo de licitação iniciou-se greve em várias
empresas. Quando da entrega das propostas para o licitação, em janeiro de 2003,
os sindicalistas decretam greve geral pelo não recolhimento do FGTS e INSS
pelas empresas. Apenas coincidências.

198 ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003


CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

O chamado “mercado de transporte” no Brasil é dominado por monopó-


lios locais. Normalmente, empresas de fora não disputam o mercado fechado
pelas empresas locais. Quando se procura abrir o processo licitatório para que
novas empresas participem, a reação é sempre de se impedir que ele caminhe. Da
mesma forma que ocorreu em São Paulo, alguns anos atrás Belo Horizonte viveu
situação parecida. Nas demais capitais importantes do país o processo nem se-
quer é iniciado, na maioria das vezes.
A quebra desse monopólio acabou se dando pelo fenômeno dos “perueiros
clandestinos” que, com extrema agilidade, ocuparam as áreas onde o sistema era
mais debilitado, tendo para isso, num primeiro momento, o apoio popular. Evi-
dentemente, essa não é a solução para que haja um sistema de melhor qualidade.
O transporte, como todos os chamados monopólios naturais, tem o seu espaço
de concorrência no processo de licitação e deve ser severamente fiscalizado e
regulado de forma a garantir os direitos dos usuários.
O término do processo de licitação é ainda uma das batalhas que o poder
público deve enfrentar em São Paulo. A implantação exigirá muito esforço e per-
severança. Dificuldades operacionais vão surgir e podem engendrar uma nova
onda de clandestinidade que, se não for combatida, pode inviabilizar todo o es-
forço feito até agora. Além disso, devem ser repensadas as relações contratuais
com os operadores, sejam eles autônomos ou empresas. Não podem ser tolera-
das atitudes que envolvam sonegação de tributos ou de direitos trabalhistas, pois
são o primeiro passo para o surgimento de uma cumplicidade entre sindicalistas
e seus patrões, que acabam gerando pressões contra o poder público, sempre em
detrimento da população.

O direito à acessibilidade
Desde 2001 a Prefeitura de São Paulo vem enfrentando o desafio de ampliar
o direito à acessibilidade para toda a população. O projeto de remodelação do
transporte público é central e é envolvido por diversos outros.
O mais importante deles é a ampliação da atuação da CET, não apenas do
ponto de vista territorial, mas também para além da circulação do automóvel,
como era sua tradição, participando da operação do transporte público, da ges-
tão de uma política de estacionamentos na cidade, e ampliando a segurança no
trânsito, em especial a dos pedestres.
A regulamentação do sistema de fretamento por meio de Decreto vai permi-
tir a melhoria da qualidade e da segurança desse sistema, exigindo posturas míni-
mas de operação, sem que se crie uma disputa com o sistema público. Da mesma
forma, por meio de Decreto, estabeleceu-se uma regulamentação para o sistema
de transporte através de motocicletas – o “motofrete”, que regulamenta a ati-
vidade, as empresas e os motoqueiros, passando a impor um novo tipo de com-
portamento no trânsito.

ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003 199


C A R L O S Z A R AT T I N I

As portarias do DSV que regulamentam horários para a circulação de car-


gas nas regiões centrais já está em vigor e são o primeiro passo para a implantação
de um amplo Plano de Mobilidade de Bens e Serviços capaz de reduzir o núme-
ro desses veículos nos horários de pico, bem como reduzir os custos de transpor-
te, que aumentam os das mercadorias.
Os planos de investimento em infra-estrutura com a implantação de novos
corredores que não levem à degradação do uso urbano, vias livres, terminais e
estações de transferência, além da implantação do bilhete único, podem garantir
a diminuição do tempo gasto pelos paulistanos no transporte e no trânsito.

Mapa 7
Regiões de estudo, município de São Paulo, 2002.

Mas restam ainda muitas tarefas. A elaboração de um único projeto que


envolva o Estado e os 39 Municípios da Região Metropolitana é fundamental
para que esse esforço dê certo e se estabeleça um novo padrão de circulação na
metrópole. A ampliação das linhas metroviárias e a recuperação das ferroviárias
podem estabelecer um novo padrão de deslocamento metropolitano, mas que só
poderá funcionar se estiver integrado operacional e tarifariamente aos sistemas
municipais.
Para que isso ocorra, é urgente que se abra o debate sobre a reorganização
da Região Metropolitana e as formas institucionais necessárias para que os planos
não apenas saiam do papel, como tragam benefícios reais para a população. E, ao
mesmo tempo, que se tenha apoio político para levar adiante os enfrentamentos
decisivos às mudanças necessárias para a afirmação do poder público na gestão
do sistema de transporte público.

200 ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003


CIRCULAR (OU NÃO) EM S ÃO PAULO

RESUMO – ESTE ARTIGO discute os conflitos existentes na questão da circulação na Região


Metropolitana de São Paulo, mais exatamente no município de São Paulo. As contradi-
ções entre os diversos atores (empresários de ônibus, transportadores autônomos, trans-
portadores de carga, motociclistas, pedestres e usuários) são analisadas, assim como as
medidas necessárias para garantir a viabilidade da circulação na metrópole. Também são
relatadas medidas e dificuldades encontradas pela Prefeitura de São Paulo para reorgani-
zar o transporte público.
ABSTRACT – THIS ARTICLE examines the conflicts involved in circulating in the São Paulo
metropolitan region, more precisely in the city of São Paulo. The contradictions between
the various players (bus company operators, independent van drivers, freighters, mo-
torcyclists, pedestrians and users) are here analyzed, as well as the measures required
to assure the feasibility of moving around in the metropolis. Also included is an account
of the actions and problems of the municipal government in attempting to reorganize
public transportation

Carlos Zarattini foi vereador de São Paulo (1995-1996), deputado estadual (1999-2003)
e secretário municipal de Transportes de São Paulo (2001-2002).
Texto recebido e aceito para publicação em 13 de junho de 2003.

ESTUDOS AVANÇADOS 17 (48), 2003 201

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