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Texto Metodologias 2021

metodologias ativas
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METODOLOGIAS DE JUSTIÇA RESTAURATIVA1

Andrea Svicero2

Se, na verdade, não estou no mundo para


simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-
lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou
projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que
tenha para não apenas falar de minha utopia, mas
participar de práticas com ela coerentes (Paulo Freire,
Pedagogia da indignação, 2000, p. 33).

A Justiça Restaurativa (JR) não se resume a uma técnica de resolução de


conflitos, mas constitui-se de uma série de ações, que atuam na reparação do
dano e transformação do conflito e também na mudança institucional de onde
as práticas se desenvolvem com a articulação das suas ações em rede. Um
procedimento pontual, ainda que traga ganhos pessoais para os participantes e
para os seus relacionamentos, não muda estruturas engessadas e concebidas
na lógica da punição e do poder, reduz o potencial da Justiça Restaurativa e
traz pouca efetividade na mudança de paradigma.
No entanto, o cuidado com os procedimentos utilizados é muito importante à
medida que devem materializar, através de processos inclusivos e
cooperativos, os princípios e valores que sustentam este trabalho.
Este texto trata de ações que estruturam um programa de Justiça Restaurativa
com metodologias que trazem linguagens e rotinas próprias, técnicas, recursos
de outras áreas do conhecimento e ferramentas, visando a reparação de danos
e a transformação de conflitos.

1. AÇÕES QUE ESTRUTURAM A JUSTIÇA RESTAURATIVA:

Para efetivamente desenvolver a JR, é preciso trabalhar crenças, conceitos


e princípios, através de um plano de ação que revisite as formas de
convivência nas instituições e interinstitucionalmente, que trate de seus
conflitos, estabeleça regimentos internos de funcionamento institucional
mais humanos e democráticos, proporcionando terreno fértil para a
mudança de paradigmas de convivência através de uma construção
coletiva.

1
Texto revisado para o Curso de Introdução à Justiça Restaurativa de maio de 2021.
2
Assistente social judiciária, Supervisora do Serviço de Justiça Restaurativa
Para além da aplicação das técnicas de reparação de danos e transformação
de conflitos, facilitadores, gestores e outros agentes que atuam na área, podem
elaborar, como estratégia, um plano de trabalho com ações que contemplem
todas as dimensões da Justiça Restaurativa (social, institucional e relacional).
A separação das ações em dimensões, mostradas a seguir, tem apenas
finalidade didática, pois elas se realizam de forma concomitante.

1.1 Dimensão Social


A rede parceira deve ser protagonista em um programa ou projeto de Justiça
Restaurativa. Assim, onde ainda não existe nenhuma organização neste
sentido, faz-se necessária sua articulação ou, existindo na localidade uma rede
forte e articulada, deve-se avaliar se o programa deve fazer parte desta ou se
há a necessidade de criar outra mais específica.
É necessário o diálogo contínuo e o estabelecimento de uma parceria com
representantes de políticas públicas e instituições da sociedade civil, que
viabilize aos envolvidos na situação o acesso a direitos sociais fundamentais a
partir das demandas de cada caso, tais como aqueles relativos aos serviços
públicos: saúde, educação, assistência social, renda e trabalho, moradia,
cultura, etc.
Alguns exemplos de ações que podem ajudar uma instituição a estimular e
manter uma interação contínua com a rede parceira:
a) Visitas de acompanhamento às entidades e serviços;
b) Contatos periódicos por telefone, e-mail, grupos de WhatsApp e outros
meios possíveis;
c) Participação em eventos e outras atividades promovidas pela rede;
d) Realização de seminários e encontros:
e) Construção de fluxos e rotinas.

1.2 Dimensão Institucional


Em uma instituição que se propõe a trabalhar com Justiça Restaurativa,
gestores, facilitadores e outros atores atuantes devem buscar o
desenvolvimento de competências a fim de serem agentes de mudança
institucional e buscarem o envolvimento de outras pessoas. As pessoas têm
ritmos diferentes frente as mudanças e precisam se sentir valorizadas,
respeitadas e sentir que as ações que estão sendo desenvolvidas tem uma
conexão com elas.
É necessário se pensar em um conjunto de ações complementares entre sique
promovam a transformação da ambiência das instituições que acolhem a
proposta da Justiça Restaurativa e, ao mesmo tempo, a transformação
consciente de cada um que escolha este caminho e com ele contribuir. Entre
os objetivos destas ações deve estar o de enraizar a proposta e evitar o seu
esvaziamento e a manipulação, o que pode manter as relações de poder
institucionalizadas.
Alguns exemplos de ações a serem realizadas nas instituições:
a) Formações;
b) Grupos de estudos;
c) Vivências;
d) Processos circulares;
e) Diálogos sobre as rotinas
f) Dinâmicas participativas e colaborativas para tomadas de decisão, entre
outras que trabalhem a convivência.

1.3- Dimensão Relacional


Esta dimensão se refere aos relacionamentos e mais diretamente das
situações de conflito e/ou que causaram danos, tratados através de encontros
e práticas restaurativas envolvendo diferentes atores.

1.3.1- O facilitador
O processo de facilitação de diálogo não é uma prática que se propõe como
especializada. É importante que pessoas da comunidade possam assumir este
papel, além de outros profissionais. Não se exige uma titulação acadêmica,
mas é necessário ter em sua capacitação, além da formação em Justiça
Restaurativa e na metodologia que pretende aplicar, o desenvolvimento de
habilidades e competências para o diálogo, como empatia, senso de equilíbrio,
noções de comunicação não violenta, entre outras. Além disto, Fabiana de
Lima Leite afirma que:
É fundamental aos facilitadores perceberem os desequilíbrios existentes na
relação entre as pessoas envolvidas, quanto ao histórico de violências, diferenças
culturais e sentimento de segurança, buscando-se evitar a revitimização ou
continuidade de um ciclo de opressão e aqui destaco, sobretudo, os casos de
violências contra mulheres, idosos e crimes sexuais, em que é comum, além das
violências explícitas, também um nível de violência psicológica muito sutil,
presente em pequenos gestos e olhares, em que se torna difícil aos facilitadores
captar, por ser muito própria à intimidade das partes envolvidas. Por isso, para
casos em que se sabe de um histórico de violência e de desequilíbrio de poder,
deve-se avaliar a real possiblidade de utilização de práticas restaurativas ou pelo
menos buscar construir alternativas metodológicas que dispensem a presença das
partes se assim elas reivindicarem, tudo isso para equacionar as distâncias e
equilibrar as diferenças, garantindo-se a segurança e conforto das partes na busca
da solução dos problemas (Leite, 2017, p. 50)

Para sua atuação o facilitador necessita de uma formação continuada e


supervisão ou espaços de intervisão para constante reflexão e aprimoramento
da sua atividade.

1.3.2- A pessoa que sofreu o dano


A vítima normalmente quer entender o que, como e porque aconteceu; quer
saber o que sucedeu depois, principalmente quando envolve um processo
judicial. Muitas vezes sente a necessidade de elaborar o ocorrido a partir da
fala, como meio de superar a violência sofrida. Em muitos casos a vítima tem
necessidade de contar a sua história àquele que causou o dano, para que ele
entenda as consequências dos seus atos. Desta forma, perceber que há uma
escuta ativa do que se diz e saber que a sua fala é importante para a
construção da solução é fundamental para superação.
É comum que as vítimas sintam que o fato ocorrido a privou do sentimento de
segurança e controle sobre seu corpo próprio, suas emoções, seus sonhos,
seus bens e outros aspectos de sua vida. Assim, um processo de reparação
deve cuidar de restabelecer esta condição anterior.
A necessidade de reparação por parte da vítima deve ser considerada, com
reconhecimento simbólico por parte do ofensor quanto aos prejuízos causados
a ela. Nem sempre a restituição será integral mas, mesmo que seja parcial, o
importante é que seja estabelecida considerando-se o justo e possível frente a
cada caso e de acordo com o desejo de superação pelos envolvidos. Em
muitos casos, a vítima espera apenas entender e ser escutada, não
necessariamente uma reparação financeira.

1.3.3- A pessoa que ocasionou o dano


Para que o ofensor assuma as reparações possíveis e necessárias, de forma
concreta, deve passar por um processo que leve a sua responsabilização. Para
isto, a prática precisa propiciar sua participação ativa na construção de um
plano neste sentido, contribuindo para que supere o sentimento de vergonha e
exclusão social, estimule sua transformação pessoal, leve à superação de
comportamentos lesivos e ao aprimoramento de competências pessoais.
Segundo estudos, muitos dos que chamamos de ofensores sofreram injustiças
e foram vítimas de outras violências, pessoais ou estruturais/sociais. O ato
cometido pode ser uma tentativa de corrigir esta situação de alguma forma e
frente a uma punição pode reforçar o seu sentimento de vitimização,
dificultando ainda mais qualquer tipo de responsabilização pela pessoa frente à
ofensa/violência cometida.
Isto não deve ser visto como justificativa que retire a responsabilidade do
ofensor frente a um conflito ou violência, mas deve ser considerada em uma
prática restaurativa a fim de entender suas escolhas, seus sentimentos e
trabalhá-los, uma vez que muitos ofensores se apresentam e realmente se
sentem vítimas. Yoder (2017) observa que os impactos do trauma podem levar
desde comportamentos violentos e lesivos contra si, como no caso de suicídio
ou uso abusivo de drogas, como manter estes comportamentos contra outros.

1.3.4- Outras pessoas


Podem ser convidadas para a prática restaurativa, além das pessoas
diretamente afetadas, outras indiretamente envolvidas no caso, como
familiares, pessoas próximas com laços de afeto, vizinhos, além de outros
representantes da comunidade e da rede de atendimento do território. Esta
inclusão parte do entendimento do conflito e de situações onde ocorrem danos,
para além de uma perspectiva individual ou relacional, mas na sua dimensão
político-social e de corresponsabilização. O que leva a outros atores sócio
comunitários serem igualmente necessários e responsáveis pela transformação
do conflito e reparação dos danos.
O processo de responsabilização é mais abrangente e compartilhado,
considerando elementos sociais, culturais e estruturantes, ao envolver a rede
de afeto das partes (familiares e pessoas de confiança) e a rede social
(políticas públicas, pessoas da comunidade) na construção da solução. Trata-
se de uma mudança de paradigma, na forma da sociedade lidar com conflitos e
violências, ampliando os olhares e os corresponsáveis pela reparação dos
danos causados a todos.
A participação da comunidade pode ocorrer na prática restaurativa de forma
direta, integrando os encontros em determinadas situações avaliadas como
relevantes pelos facilitadores e com a concordância dos envolvidos, ou de
forma indireta, através de conversa com facilitadores em outros momentos.

1.3.4- O encontro
É necessário se pensar no convite e no acolhimento individual das pessoas
junto a Justiça Restaurativa. Algumas vezes a pessoa, pode ser encaminhada
diretamente para o programa e num primeiro momento será informada sobre os
procedimentos, agendada uma data para o primeiro pré-encontro com os
facilitadores. Outras vezes as pessoas são convidadas individualmente para
uma entrevista privada, via correios ou telefonema, contando de forma suscinta
tratar-se de um convite a uma prática de Justiça Restaurativa. As pessoas
podem estar com dúvidas sobre o procedimento (até mesmo jurídicas, quando
for o caso), ansiedade, resistências ou desconfiança, assim, é importante
desde o início se criar um espaço de escuta qualificada, e não só de
orientação, visando estabelecer uma relação de confiança.
Os facilitadores devem se preparar tomando contato com o caso através de
leitura dos dados preliminares que chegaram até a equipe, quando for o caso;
do conhecimento de quem são as pessoas envolvidas. A partir disto, deve
verificar se há algum impedimento para seguir com o procedimento (legal,
físico, material, moral, psíquico, etc). A preparação prévia inclui o
estabelecimento de uma atmosfera agradável e de confiança, o cuidado com
uma comunicação adequada pelos facilitadores (linguagem, tom, clareza,
perguntas apropriadas, receptividade e escuta).
A fase de pré-encontro é aquela que se realiza a partir de encontros
individuais, primeiro com as pessoas diretamente envolvidas em cada caso,
que devem ser informados que a outra parte também será contatada e passará
pelos pré-encontros, a partir dos quais pretende-se chegar ao encontro. Devem
ser realizados quantos pré-encontros forem necessários até que os
facilitadores percebam o momento adequado de realizar o encontro entre as
pessoas. Deve-se informar sobre: a voluntariedade do procedimento; como o
caso chegou ao programa; a prática restaurativa que será desenvolvida
(etapas, pessoas envolvidas, tempo do procedimento); alcance do acordo e
seus efeitos jurídicos, quando for o caso.
Em linhas gerais, procura-se construir uma relação de confiança de cada uma
das pessoas com os facilitadores e com a técnica a ser aplicada e obter
informações que orientem na preparação e desenvolvimento do procedimento
restaurativo, ou seja, qual a relação da pessoa com a outra parte envolvida no
caso, suas expectativas, sentimentos e sua atitude em relação ao ocorrido,
como se vê nesta situação e qual o nível de responsabilidade que assume e o
que pensa ser a justa reparação para o conflito ou violência. Verifica-se com
cada um a necessidade e a vontade de que outras pessoas do seu grupo de
apoio (familiares, amigos, agentes de políticas públicas) sejam convidados a
participar do caso.
Após o(s) encontro(s) de preparação com cada uma das pessoas
envolvidas, deve-se considerar os seguintes elementos, para verificar se é
possível seguir com a prática restaurativa: livre vontade de participação de
todos os envolvidos; qual seria a oportunidade para o encontro e as condições
para isso; a expressão de responsabilização e/ou arrependimento assim como
a vontade/possibilidade de responsabilizar-se, bem como de reparar os danos
causados; as partes possuem ou mostram-se dispostas a se escutar e
expressar seus pontos de vista; ausência de qualquer impedimento (legal,
físico, material, moral, psíquico, tec.).
O encontro das partes envolvidas no caso pode ser realizado quantas vezes
se fizerem necessárias, através da metodologia adotada.
Geralmente, principalmente nas fases iniciais das práticas restaurativas, são
observados os seguintes elementos:

• apresentação das pessoas presentes;


• apresentação da prática adotada;
• pacto de confidencialidade e os acordos de comportamento durante o
desenvolvimento do procedimento (ex. respeito à fala do outro, escuta
ativa, evitar agressões, não utilizar palavras grosseiras, dentre outros
acordos que foram ou forem consensuados ou relativos ao método que
será desenvolvido);
• esclarecimento de dúvidas e pontos sobre a prática, se necessário;
• buscar ressaltar os aspectos positivos que podem servir para construir a
solução do conflito;
• contribuir para que as partes vejam possibilidades de superação dos
obstáculos e construção de soluções comuns.
Em alguns casos, pode-se não chegar em um acordo ou plano de ação no
primeiro encontro, devendo se estabelecer uma agenda para o(s) próximo(s)
encontro(s). Se for necessário, também podem ser realizados novos encontros
individuais.

2. METODOLOGIAS MAIS UTILIZADAS

Cabe lembrar que, para uma metodologia ser reconhecida como restaurativa,
necessita que suas práticas expressem os princípios e valores que sustentam a
Justiça Restaurativa, através de processos inclusivos e cooperativos.
Pontos comuns entre estas metodologias:
• possibilitam aos participantes identificarem seus sentimentos e
necessidades decorrentes de uma situação conflituosa ou violenta e, a
partir desse reconhecimento, encontrar soluções coletivas para a
transformação da situação em uma outra maneira de conviver;
• encontro, direto ou indireto, estruturado e espontâneo entre a vítima e o
ofensor e, em alguns casos, de pessoas direta e indiretamente afetadas
(da família e da comunidade) que podem apoiá-los;
• o procedimento tem que ser realizado por uma pessoa com capacitação
prévia para a metodologia a ser utilizada.
As pessoas afetadas pela situação devem ser os verdadeiros protagonistas. O
facilitador preicisa criar condições adequadas para que as pessoas possam
elaborar, dialogar e transformar as suas controvérsias, conflitos e relações.
Neste texto serão apresentadas as metodologias mais utilizadas no Brasil.

2.1- Círculo Restaurativo baseado na Comunicação Não-Violenta (CNV)3


Esta metodologia é constituída por três etapas:
I- Pré-círculo:
Realizado através de um encontro do facilitador ou facilitadores com quem
sofreu o dano, um com o autor do ato e um com todos os membros da
comunidade que participarão, a fim de definir o tema a ser abordado no
círculo, esclarecer sobre a técnica a ser utilizada, definir os participantes da
comunidade e agendar o encontro de todos.
II- Círculo:
Os encontros entre vítima, infrator e comunidade acontecem guiados por
um ou dois facilitadores da prática. Acredita-se que o encontro a ser
realizado é um encontro entre seres humanos, os quais devem se
corresponsabilizar pelo sucesso do encontro e para a geração de relações
harmônicas futuras.
Cada círculo possui três diferentes momentos, cada um das quais com uma
pergunta-chave que deve ser feita por um facilitador aos participantes,
iniciando por aquele que considera como mais fragilizado pela situação, na
medida em que este terá maior incapacidade para ouvir os demais, ao
longo do encontro:
1º. Momento da compreensão mútua – pergunta norteadora: Como você
está se sentindo hoje em relação ao fato? ou “O que quer que o outro
saiba sobre como você está, neste momento?”
a. A questão deve ser feita ao participante A e o participante B deve,
em seguida, expressar o que entendeu acerca da resposta do
participante A, até que este confirme que foi entendido
corretamente. Então a mesma pergunta é repetida ao participante
B, com os mesmos procedimentos já descritos. O apoio da
mesma forma se expressa escolhendo a quem se dirigir.
2º. Momento da autorresponsabilização – pergunta do facilitador: O que
você buscava com essa ação? Qual era a sua necessidade naquele
momento? A pergunta que inicia o diálogo muda, para focar as
3
Para o aprofundamento, sugerimos a leitura do Educação em Heliópolis e Guarulhos, 2007, p. 70-
91
necessidades subjacentes à escolha de cada um presente, na hora do
ato. A dinâmica de diálogo e participação é idêntica à do primeiro
momento.
3º. Acordo – pergunta norteadora: O que você tem a oferecer ou pedir? “O
que querem fazer agora, para restaurar a justiça?” ou Todos os
participantes, neste momento, devem oferecer algo visando a
construção de planos de ação, individuais e coletivos, para atender às
necessidades reveladas nos momentos anteriores. O facilitador registra
este acordo e todos assinam.
4º. Finaliza-se com agradecimento e agendamento do pós-círculo – Tempo
de informalidade entre participantes.
III- Pós-círculo:
Reúne os mesmos participantes e também as pessoas que auxiliaram no
cumprimento do acordo, com a finalidade de avaliar a satisfação de todos e
os próximos passos.
Para Ednir a avaliação no Pós-Círculo apresenta três possibilidades:
1º. Ações do Acordo realizadas, com satisfação das necessidades identificadas
no Círculo:
• Comemorar o sucesso.
• Afirmar a capacidade de quem realizou as ações, de identificar o que o
outro (ou ele mesmo) precisava elaborar um plano para responder a isto;
realizar o plano e receber retorno/feedback sobre ele.
2º. Ações do Plano realizadas, sem satisfação das necessidades identificadas no
Círculo:
• Relembrar as necessidades de cada um que as ações visavam atender.
• Ressignificar as ações realizadas, adaptando-as a novas situações.
• Propor novas ações.
3º. Ações do Plano não realizadas:
• Investigar as necessidades não atendidas pelo Acordo.
• Ressignificar as ações planejadas, adaptando-as a novas situações.
• Planejar novas ações que possam atender às necessidades que o Plano
de Ação anterior possa não ter comtemplado (EDNIR, 2007, p. 90).

2.2- Círculo de Construção de Paz


Os seres humanos se reúnem em círculos ao redor do fogo desde sua origem.
a proposta é que as pessoas possam utilizar esta forma para resolver seus
conflitos e formar vínculos. É um processo que promove um encontro entre as
pessoas que desejam resolver um conflito, reconstruir vínculos, curar, apoiar,
tomar decisões e realizar outras atividades que necessitam de planejamento
em conjunto. Busca-se uma comunicação honesta para fortalecer a
comunidade, que é parte essencial, para que os resultados esperados sejam
alcançados.
O formato do círculo proporciona uma igualdade, comunicação direta, imediata
e eficaz, e principalmente humana. O círculo é uma forma de relacionar-se
grupalmente que levam ao empoderamento individual e coletivo a todos os
participantes. Leva-se em consideração de que todas as pessoas são iguais e
todos têm o direito de ouvir e ser ouvido.

O círculo promove a plenitude, unidade e conexão entre as pessoas, pois todos


estão a mesma distância do centro e cada aspecto está conectado com o resto
e é inseparável do outro.

Características essenciais:

• todas as pessoas do círculo são iguais e têm igual oportunidade de falar;


• as decisões são tomadas via consenso;
• todas as pessoas constroem em conjunto as regras do círculo e as
cumprem, pois o objetivo é que os valores que compartilham têm a
finalidade de buscar um ganho, uma meta e um objetivo em comum.
É um espaço que visa derrubar as barreiras entre as pessoas, abrindo novas
possibilidades de relacionar-se, de colaborar e de compreender-se
mutuamente. É forte o suficiente para conter sentimentos como a raiva, a
frustração, a alegria, a dor, a verdade, o conflito, as diferenças, o silêncio, a
tristeza.

Estrutura

Cerimônias de abertura e fechamento - auxiliam os participantes a se


entregarem de coração e a estarem conectados com o momento. As pessoas
mudam o ritmo para que aquela atividade ocorra da melhor forma, lembrando
todos de quais valores são essenciais para cada um e dá a importância para
cada participante no processo. A cerimônia de fechamento proporciona que as
pessoas tenham esperança em relação ao futuro e prepara para que retornem
à vida.

Orientações - as orientações são combinados que todos estabelecem em


conjunto e que desejam para aquele encontro.

Objeto da palavra – é um objeto que passa de pessoa para pessoa dando a


volta no círculo e que permite que todos tenham a oportunidade igual de falar e
de se ouvido. Este instrumento garante que as pessoas não serão
interrompidas e que serão integralmente respeitadas, tendo o tempo que
desejarem para se expressar. O objeto da palavra distribui por todo o grupo a
responsabilidade de reagir e gerenciar as emoções difíceis.
Facilitador – o papel do facilitador é de iniciar um espaço seguro e respeitoso,
envolver os participantes na partilha da responsabilidade pelo processo. O
facilitador pode falar sem utilizar o objeto da palavra, mas raramente o faz. Ele
participante do círculo e pode oferecer seus pensamentos, ideias e histórias.

Processo Decisório Consensual – nem todos os círculos têm decisões, mas


quando o têm são consensuais, pois todos os participantes demonstram
disponibilidade em agir daquela forma, bem como a apoiar a implementação do
plano de ação. O consenso tem o fundamento de atender as necessidades de
cada um e do grupo. Para que haja um consenso é necessário que se tenha o
tempo e a disponibilidade de cada um quanto a escuta profunda e respeitosa
durante todo o desenvolvimento do círculo. Decisões que atendem as
necessidades de cada um têm mais chance de ser implementado, pois todos
percebem que tem algo a ganhar com o sucesso do acordo.

Tipos de Círculos

• Círculo de Diálogo – os participantes exploram determinado assunto,


sem ter a necessidade de se chegar a um consenso. Os diferentes pontos de
vista são ouvidos com respeito e assim estimulam as reflexões.

• Círculo de Compreensão – promove a compreensão de um conflito ou


situação difícil. A finalidade é de esclarecer informações, causas e contexto de
um determinado acontecimento ou comportamento.

• Círculo de Restabelecimento – objetiva partilhar a dor de uma pessoa


ou grupo que vivenciou um trauma ou perda.

• Círculo de Apoio – reúne pessoas para que ofereçam apoio a alguém


que passa por uma dificuldade ou dolorosa transição na vida. Pode se chegar a
acordo e planos.

• Círculo de Construção do Senso Comunitário – tem a finalidade de


formar vínculos e construir relacionamentos dentro de um grupo de pessoas
que têm interesse em comum. Estes círculos oferecem apoio a ações coletivas,
promovendo a responsabilidade mútua.

• Círculo de Resolução de Conflitos – tem o propósito de reunir


pessoas para resolver suas diferenças e, normalmente, acontece um consenso
de ações para restaurar as relações rompidas.

• Círculo de Reintegração – reúne uma pessoa com um grupo ou


comunidade da qual foi afastado para promover a reconciliação e aceitação,
para a real reintegração desta pessoa neste espaço. Geralmente, se chega a
um consenso com ações em que todos os envolvidos se tornam responsável
pelo processo.

• Círculos de Celebração ou Reconhecimento – um grupo se reúne


para partilhar a alegria e prestar reconhecimento por alguma realização.

Utilização

Círculos de Construção de Paz vêm sendo usados para:

• Dar apoio e assistência às vítimas de crimes;


• Sentenciar menores e adultos infratores;
• Reintegrar egressos do sistema prisional;
• Dar apoio e monitorar ofensores crônicos em liberdade condicional;
• Dar apoio a famílias acusadas de negligência ou maus tratos a
crianças e, ao mesmo tempo, garantir a segurança destas;
• Formar equipes e renovar os quadros de assistência social;
• Desenvolver missão e planos estratégicos para organizações;
• Desenvolver novos programas em agências governamentais;
• Lidar com discriminação, assédio e conflitos interpessoais no local de
trabalho;
• Tratar de desentendimentos entre vizinhos;
• Gerenciar os conflitos em sala de aula e no recreio;
• Lidar com a disciplina nas escolas;
• Ensinar a escrever em escolas alternativas;
• Reparar danos infligidos por uma turma a uma professora;
• Tratar de casos de recaía de drogadição numa escola para
dependentes em recuperação;
• Desenvolver programas pedagógicos para alunos especiais;
• Resolver conflitos familiares;
• Chorar perdas de uma família ou comunidade;
• Lidar com disputas ambientais e de planejamento;
• Facilitar o diálogo entre comunidades de imigrantes e governo local;
• Lidar com discussões em aulas universitárias;
• Celebrar formaturas e aniversários. (PRANIS, 2010, P. 31-32)

A partilha de histórias fortalece a conexão, promove a reflexão e a empatia,


empodera os participantes. A compreensão desta escuta é muito maior, pois
não se avalia o conteúdo antes de absorvê-la. O compartilhamento de histórias
pessoais permite o estabelecimento de uma conexão através de pontos em
comum. A escuta das histórias de sofrimento e fragilidade em geral auxilia na
suspensão de preconceitos e das camadas protetoras dos participantes. O
contar histórias faz com que as pessoas reflitam sobre elas mesmas e sobre os
outros. Ouvir respeitosamente as histórias de alguém é honrar seu valor
intrínseco e emponderá-lo construtivamente.
Estágios do Círculo

1º Estágio: Determinação de sua aplicabilidade.

Deve-se ter a certeza de que para determinado caso é possível que o Círculo
seja a melhor possibilidade, podemos questionar: Todos os envolvidos estão
dispostos a participar voluntariamente? Tem facilitadores disponíveis e
treinados? Tem-se o tempo necessário para a aplicação do círculo?Podemos
garantir a segurança emocional e física dos envolvidos?

2º Estágio: Preparação.

Para se ter o conhecimento do fato deve-se buscar saber sobre os impactos


sofridos, quais as habilidades, recursos e conhecimentos necessários, quem
poderá contribuir?

Apresentar a todos os envolvidos as etapas do processo.

Estudar e analisar o contexto do problema.

3º Estágio: O encontro.

Estabelecer as regras e valores do encontro.

Para se criar uma conexão entre os participantes, faz-se a contação de


histórias.

Partilhar preocupações e esperança no futuro.

Expressar sentimentos.

Analisar as causas do conflito e os danos.

Instigar ideias para sanar e resolver o conflito.

Estabelecer consenso, acordos e planos futuros.

4º Estágio: Acompanhamento.

Avaliar as ações acordadas.

Analisar as causas do não cumprimento, estabelecer responsabilidades e


identificar próximos passos, caso o descumprimento persista.

Adaptar acordos.

Celebrar o sucesso.
“O Processo em Círculo se baseia num conceito simples: Pelo fato de todos
desejarem ter um bom relacionamento com os outros, quando se cria um
espaço respeitoso e reflexivo, as pessoas conseguem encontrar um terreno em
comum, vencendo a raiva, a dor e o medo, por fim chegando a uma condição
em que o cuidado mútuo é natural.”(PRANIS,2010. P. )

2.3- Conferência de Grupo Familiar


Esta metodologia tem origem nas tradições dos povos maoris da Nova
Zelândia, com algumas variações em suas técnicas em diferentes contextos ou
localidades. Através dela tem-se a participação da família estendida das partes
diretamente envolvidas. Esse modelo busca construir uma rede de apoio ao
ofensor como meio para que ele assuma a sua responsabilidade junto à vítima,
seus familiares e pessoas do seu vínculo social afetivo, possibilitando também
construir estratégias que respondam também às suas necessidades. A
participação da vítima pode se dar de diferentes formas, de acordo com suas
condições e vontade, como por representação, por carta ou depoimento por
videoconferência e não necessariamente de maneira presencial.
Neste método, a fase preparatória com cada parte é necessária para dar
condições aos facilitadores de entender adequadamente as questões e poder
conduzir o procedimento, mesmo sem a vítima participar no momento do grupo
Pode-se também convidar membros da comunidade para participar deste
método.
A conferência é o encontro de todas as partes, sendo compostas pelos
seguintes momentos:
1º. Abertura: pode ser iniciado com uma oração, canção ou poema, caso seja
adequado à cultura local e respeitada as diferenças religiosas. Posteriormente
são feitas apresentações pessoais e apresentada a razão de estarem todos
reunidos e o foco das atividades.
2º. Compartilhamento das informações: é lido o resumo dos fatos que deve se
basear na acusação e que deve ter sido previamente assumido como
verdadeiro pelo ofensor. Pergunta-se ao ofensor se compreende as acusações
que lhe são feitas, e este pode expor suas motivações. Após isso a vítima pode
relatar como viveu esta experiência e os impactos do ato sobre ela. A pessoa
que causou o dano poderá dizer como se sente após ouvi-la e o que
compreendeu de sua fala. Este pode ser o momento em que se estabelece o
diálogo entre vítima e ofensor. Pede-se à família do ofensor e a ele um resumo
do que ouviram, se tem alguma informação ou se gostariam de acrescentar
algo, e o que esperam da conferência. O facilitador sumariza o que foi falado e
abre a oportunidade aos suportes para oferecerem contribuições.
3º Deliberações familiares: conversa realizada em reunião privada em que o
ofensor e a sua família começam a elaborar um plano a ser proposto, através
da avaliação dos recursos e os suportes necessários. Neste tempo, a pessoa
que sofreu o dano e seus suportes esclarecem ao facilitador suas expectativas
e desejos para que sejam incluídos no plano de trabalho a ser elaborado.
4º. O acordo: momento em a família do autor do ato ofensivo apresentará um
plano ou uma lista de ideias iniciais, sendo o próprio autor estimulado a
apresentar as propostas. A pessoa que sofreu o dano é convidada a propor
ajustes. Posteriormente outras contribuições dos demais presentes são
incorporadas e é avaliada a viabilidade do plano e se atende a todos. Sendo
este viável decide-se como e por quem será monitorado. É redigido o plano
que contempla a reparação e responsabilização, a partir da concordância de
todos e da capacidade de cumprimento por parte do ofensor, sendo assinado
por todos. Nos casos em que a vítima não está presente, ela será consultada
sobre o atendimento de suas necessidades.
5º Encerramento: pode ser encerrado com atividade semelhante à de abertura.
Pós-conferência são realizados encontros para monitoramento e
acompanhamento da execução do plano.

2.4- Conferência Vítima Ofensor Comunidade


Esta metodologia prevê encontros entre vítima e ofensor, com a participação
de apoiadores e por vezes da comunidade, de forma mais aberta e mais ou
menos estruturada, com algumas versões diferentes, sem muita interferência
do facilitador que permite aos participantes chegarem ao resultado. Quando
envolve apenas quem causou o dano e quem sofreu é também chamado de
diálogo restaurativo.
São realizados pré-encontros com cada parte, oferecendo a oportunidade de
expressarem seus sentimentos e necessidades e decidirem se querem
participar ou não. Estas também possibilitam aos facilitadores entenderem
adequadamente as questões e pensar em maneiras de conduzir o diálogo.
No encontro as partes são incentivadas a contas suas histórias, fazer
perguntas e descobrir a visão da outra pessoa sobre o que aconteceu, os
impactos que sofreram e as implicações para suas vidas. Ao final do diálogo,
as partes decidem o que será feito, é estabelecido um acordo, que é redigido e
assinado ao final.
O acompanhamento pode ser feito através do monitoramento do cumprimento
do acordo por um terceiro ou pelo facilitador, ou através de um encontro final
entre as partes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Independente da metodologia escolhida ao trabalhar com Justiça Restaurativa
deve-se ter em mente a necessidade de avaliar constantemente se:
a) As ações estão propiciando as partes vivenciar realmente uma
experiência de justiça;
b) O relacionamento está sendo cuidado no sentido de terem a
oportunidade de entrarem em contato com a vivência e a visão do outro
sobre o evento;
c) Existe uma participação efetiva ou representativa da comunidade;
d) O futuro está sendo levado em consideração, no sentido de atuação
sobre as causas que levaram ao evento e seus problemas decorrentes.
Algumas metodologias favorecem mais ou menos a participação das vítimas e
comunidade, mas deve-se buscar a participação efetiva de todas as partes,
ainda que de forma indireta. mesmo que as técnicas prevejam a ampla
participação destas, existem obstáculos financeiros, temporais e de sentimento
de segurança, entre outros, que não podem ser esquecidos e que devem ser
matéria de diálogo da rede de proteção de direitos em busca de soluções. Além
disto, é necessário incentivar a participação efetiva da comunidade e
transformá-la como parte interessada e de apoio para a reparação de danos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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parceria para a cidadania. São Paulo: CECIP / FDE/SEE-SP / Tribunal de
Justiça, 2007. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/Download/FDE/7%20-
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Acesso em 17/04/2017.
GRECCO, Aimée et alii. Justiça Restaurativa em ação: Práticas e reflexões.
São Paulo: Dash, 2014.
LEITE, Fabiana de Lima. Manual de Gestão para Alternativas Penais:
Práticas de Justiça Restaurativa. Brasília: Departamento Penitenciário
Nacional, 2017.
PASSOS, Celia et ali. Justiça Restaurativa em contexto de violência
familiar, doméstica e nas relações de vizinhança: Instaurando um Novo
Paradigma. Rio de Janeiro: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, s/d.

PRANIS, Kay. Processos Circulares. São Paulo: Palas Athena, 2010.

PRANIS, Kay. Manual para Facilitadores de Círculos. Costa Rica:


CONAMAJ, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros


escritos. Editora Paz e Terra, 2000.
YODER, Carolyn. A cura do trauma: quando a violência ataca e a
segurança comunitária é ameaçada. São Paulo: Palas Athena, 2018.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: Justiça Restaurativa para nosso
tempo. São Paulo: Palas Athena, 3ª ed., 2018.

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