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Livro Decifrando Sonhos

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Patrick Paul

Sonhos, seus Mistérios


e Revelações
Sonho Terapêutico
& Sonho Iniciático

Transcriçã o e traduçã o de está gio dado por Patrick Paul,


em Sã o Paulo, dezembro de 1994.
© Á gape Centro de Estudos e Editoraçã o

O preparo do texto final, desde a transcriçã o das fitas gravadas até a


revisã o, contou com a participaçã o de:
Betty Fontes, M. Celina Simões Guimarães, Marina Ungaretti,
Renata Petri Gobbet, Rose Marie Riemma e Valéria Menezes.

Copidesque e Editoraçã o: Constantino K. Riemma.

Revisã o final:
Júlia Gottschalk, M. Teresa Fortes Abucham e
Américo Sommerman.

Segunda ediçã o digitalizada, 2008

Capa de Walter Mazzuchelli


1ª ed. - Editora Fundação Peirópolis - 1997

2
Índice
4.

Apresentaçã o...............................................................................................5
1. As Funçõ es e os Níveis do Sonho.................................................7
O sonho terapêutico e o sonho iniciá tico..................................15
O mundo intermediá rio, psíquico ou astral.........................20
Questõ es: Sonhar colorido e tipos de sonho........................24
Questã o: O gê meo celeste.............................................................25
A Tradiçã o e as quatro eras.............................................................27
Questã o: A prá tica da ascese......................................................29

2. As Assinaturas dos Sonhos...........................................................32


O sonho portador de luz....................................................................35
A revelaçã o do mundo celeste........................................................38
Andar sobre as á guas.....................................................................41
O aprisionamento em formas-pensamento..........................42
Relato 1: Sonhos recorrentes com a á gua.............................44
Questã o: O inconsciente................................................................45

3. A Relaçã o do Sonho com a Queda, o Sofrimento


e o Desejo.......................................................................................................46
O cará ter evolutivo das doenças...............................................47
O simbolismo nas vestes culturais...........................................48
Relato 2: O sonho da pasta verde.............................................49
Questã o: Os sonhos premonitó rios..........................................49
Relato 3: O sonho com o titâ nio e o selênio............................53
Questã o: Como contatar o mundo celeste............................57

3 4
Exercícios de Interpretaçã o59
Relato 4: O sonho da violeta.......................................................60
Relato 5: O sonho de ser arrancada da cama......................63
Relato 6: O sonho do céu estrelado..............................................70
Relato 7: O sonho com o pai morto..............................................72

5. A Dupla Natureza do Homem......................................................75


Questõ es:
Memó ria coletiva e contato com o mundo celeste...............81
Questã o: A funçã o da psicoterapia...........................................87

6. O Processo Iniciá tico e o Terapêutico..........................................90


O papel do terapeuta......................................................................93
Outros elementos de interpretaçã o..............................................95
Questõ es:
Palavras desconhecidas e línguas estrangeiras...............101

7. Interpretaçõ es em Grupo.................................................................104
Relato 8: O sonho do cavalo bebê ..........................................104
Relato 9: O sonho do bebê sem ossos..................................116
Relato 10: O sonho da escada..................................................120
Relato 11: O sonho do lhama...................................................123
Relato 12: O sonho do combate..............................................128
Relato 13: O sonho da bandeja de prata.............................132

3 4
Apresentaçã o gotá vel como o dos sonhos, mas estimular o exercício de inte-
graçã o das diferentes disciplinas, transcendendo os limites
específicos que cada uma delas se atribui. O roteiro nã o é

U m dos grandes desafios do mundo contemporâ neo


consiste em restabelecer o diá logo entre a ciê ncia
experimental, as ciê ncias humanas, a arte e as
formal como o que poderia ser desenvolvido num texto
escrito especialmente para publicaçã o. Integrando as
referê ncias científicas, as prá ticas terapê uticas e os símbolos
tradiçõ es espirituais, recolocando, numa linguagem atual, os tradicio- nais, o autor estabelece uma contradança com os
fundamentos para um conhecimento transdisciplinar. partici- pantes, respondendo a perguntas e desenvolvendo
A ruptura que o pensamento científico – especializado e temas paralelos que subsidiam a compreensã o do assunto.
analítico – estabeleceu com os demais á reas do saber, des- Em trê s dias de encontros, sem pretender definir as bases
cartando os níveis supra-sensíveis e os princípios ontoló gicos psicoló gi- cas do sonho e apenas trabalhando sonhos
da existê ncia, reduziu a realidade a um campo restrito e fez apresentados na hora – portanto sem elaboraçã o pré via do
com que as dimensõ es e as aspiraçõ es mais profundas do ser material – ele ins- tiga a participaçã o crítica e criativa do
humano deixassem de ser alimentadas. grupo.
Para que esses fundamentos transdisciplinares possam Partindo do postulado de todas as tradiçõ es de que o
ser estabelecidos de maneira só lida, nã o basta montar uma homem é composto basicamente de trê s níveis, chamados
colcha de retalhos, alinhavando conhecimentos superficiais. pela tradiçã o cristã de corpo, alma e espírito (sendo que a
É necessá rio que os diferentes domínios do saber empreen- alma seria composta de uma dimensã o inferior e perecível, a
dam um diá logo, ao mesmo tempo rigoroso e aberto, que psique, e de uma dimensã o imortal, a alma propriamente dita
reconheça a contribuiçã o essencial e ú nica de cada á rea. ou a centelha divina), Patrick estabelece como um dos pontos
Esperamos que a publicaçã o do presente livro possa ser fundamentais de seu enunciado a existê ncia de dois tipos
uma importante contribuiçã o nesse sentido. bá sicos de sonhos: um ligado à dimensã o psico-corporal do
Patrick é um médico imunologista francês que mora e ser humano e o outro ligado à sua dimensã o celeste e imor-
clinica na Bretanha. Foi pesquisador por três anos no Insti- tal. O primeiro viria de baixo e estaria relacionado aos desejos
tuto Pasteur de Paris e trabalhou em centros canceroló gicos existenciais, à sombra e ao subconsciente, conforme a abor-
em Nice. Além da ampla formaçã o médica (imunologia, dagem da psicologia clá ssica. O segundo viria do alto e esta-
homeopatia e acupuntura) e da só lida formaçã o científica – ria ligado ao Desejo essencial do ser e ao supraconsciente. O
graduou-se genética, bioquímica e biologia molecular – tam- primeiro teria uma simples funçã o terapê utica de limpeza e
bém estudou e vivenciou por vinte e cinco anos os ensina- descarga, enquanto o segundo, atravé s de seus símbolos,
mentos de diversas tradiçõ es espirituais. seria portador de uma dimensã o revelató ria e direcionadora.
Nos livros editados na França e no Brasil, bem como em O Sonho, seus Mistérios e Revelações nos convidam a mer-
suas conferê ncias e cursos, tem procurado estabelecer pontes gulhar numa linguagem simbó lica quase sem palavras, intro-
entre os diferentes campos do saber e os diferentes níveis ser. duzindo-nos num caminho de exploraçã o dos mundos inte-
Sonhos, seus Mistérios e Revelações constitui um exemplo riores.
simples, poré m significativo, da abordagem de Patrick Paul. Acreditamos que os leitores das mais diferentes á reas que
Como ele menciona logo de início, nã o pretende oferecer ele- tê m interesse nos misté rios dos sonhos encontrarã o nesse
mentos conclusivos, o que seria impraticá vel num tema ines- trabalho novas oportunidades para reflexã o.
5 6
Ágape Centro de Estudos

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1. As Funçõ es e os Níveis do vidente com os ‘espíritos’. Na literatura sobre o sonho muitas
outras interpretaçõ es podem ser encontradas.
Sonho Para evitar futuras confusõ es vamos tentar compreender
melhor essas diferentes abordagens. Por exemplo, L. Jovet,
professor francê s de medicina, que realizou extensos traba-

M uitos trabalhos foram escritos sobre os sonhos e lhos sobre a fisiologia do cé rebro e do sonho, afirma que o so-
podemos ter acesso a eles facilmente. Por essa razã o, o nho permite uma reprogramaçã o da hereditariedade. O
que proponho aqui é uma reflexã o sobre a natureza do có digo gené tico, segundo ele, encontra-se em permanente
sonho, sem nos restringirmos a uma teoria em particular. processo de construçã o e reconstruçã o, o que permite aos
Como ponto de partida podemos examinar uma das processos gené ticos evoluírem. Em seu estudo o autor sugere
constataçõ es da teoria de Freud, que considera o sonho como uma interessante inter-relaçã o entre o mundo psíquico do
uma representaçã o do desejo. Esse simples enunciado nos sonho e o mundo corporal e físico.
introduz diretamente, nã o só no campo psicoló gico, mas Outro cientista que trabalhou com gené tica, chamado
també m no tradicional e no iniciá tico. Do ponto de vista tra- Francis Crick, considera que nã o sonhamos para reprogra-
dicional, o sonho está relacionado ao corpo sutil ou corpo mar, mas sim para esquecer. Para ele, o sonho teria como
astral, que també m pode ser chamado de corpo de desejo. funçã o, de certo modo, evacuar todos os acontecimentos
Tomada sob esse â ngulo, a constataçã o de Freud é absolu- energé ticos que poderiam bloquear os mecanismos
tamente correta, visto que quando sonhamos exprimimos neuroló gi- cos sutis. Seria, portanto, uma espé cie de
desejos. defecaçã o que permitiria eliminar sobrecargas energé ticas.
Do mesmo modo que a experiê ncia desequilibrada do De acordo com essa hipó tese, melhor seria nã o nos
corpo leva ao sofrimento, a experiê ncia desequilibrada do lembrarmos dos sonhos.
astral1 leva a expressar o desejo. Existe, portanto, uma rela- Na visã o tradicional – por exemplo, entre os povos primi-
çã o-chave entre o sonho e o desejo. As divergê ncias ocorrem tivos ou entre alguns iogues – ao contrá rio desse conceito de
apenas na interpretaçã o que os diferentes autores dã o ao esquecimento, encontramos com freqü ê ncia a afirmaçã o de
desejo. Numa interpretaçã o simplista de Freud, por exemplo, que há uma estreita relaçã o entre o sonho e o ensinamento
poderíamos afirmar que o sonho é a expressã o de um desejo espiritual ou interior. Neste caso, o sonho seria a expressã o
reprimido, constituindo-se, portanto, numa vá lvula de de um nível mais alto de consciê ncia da pessoa.
escape, num mecanismo de segurança para o nível psicofí- Como se vê , por essa pequena amostra, as interpretaçõ es
sico, existencial. Nã o há , de fato, qualquer expressã o do nível sã o as mais variadas, demonstrando que o sonho está sujeito
espiritual no ponto de vista freudiano. Já outros autores, a uma sé rie de percepçõ es contraditó rias. No entanto, os
como é o caso de Jung, propõ em uma dimensã o mais espiri- sonhos exprimem um tipo de inteligê ncia que o homem mo-
tual. Alguns parapsicó logos, por sua vez, consideram o sonho derno parece ter perdido, mas que podemos encontrar no
um contato telepá tico com outros seres, semelhante ao do â mbito tradicional, se nos dermos ao trabalho de procurar.
Mais adiante, darei alguns exemplos disso na mitologia grega.
1O termo astral, no contexto deste trabalho, sempre corresponde ao conceito Podemos agora examinar certos mecanismos do cé rebro.
de psiquismo. (Nota dos revisores). Na neurofisiologia foram estabelecidas correlaçõ es entre o
7 8
sonho e a freqü ência das ondas cerebrais, que se tornaram
clá ssicas. Constatou-se que o cérebro, no estado de
vigília,

7 8
desperto, funciona numa freqü ência de 16 hertz. Quando nos e sã o dinamizados todos os mecanismos regeneradores e
aproximamos do estado de sono, a funçã o cerebral torna-se revitalizadores do corpo, ou seja, a síntese protéica, a renova-
mais lenta. Por outro lado, se estivermos muito agitados cere- çã o das membranas celulares. É durante esse período que os
bralmente, teremos insô nia. Nos estados intermediá rios entre tecidos se reparam e o cansaço desaparece.
a vigília e o sono, a freqü ência varia entre 12 e 8 hertz. Trata- Como se pode perceber, colocar em paralelo o sono, a
se da mesma freqü ência que se observa nos estados de me- morte e a regeneraçã o (ou ressurreiçã o), é inteiramente coe-
ditaçã o e de sonho acordado. Já no sonho a faixa de atividade rente, pois ocorre, de fato, durante o sono profundo, um certo
cerebral é de 0,5 hertz. contato com um nível interno, que favorece a renovaçã o
Na neurofisiologia, a fase do sonho é denominada de sono cíclica. É como se nesse momento tocá ssemos uma dimensã o
paradoxal. É assim chamada porque há um bloqueio do mo- eterna de nó s mesmos, um estado de total inconsciê ncia.
vimento corporal, mas, ao mesmo tempo, uma intensa ativi- Encontramo-nos na fase sono, portanto, numa fase de vida,
dade cerebral. Quando os olhos estã o em movimento durante mas de vida sem sonho. Trata-se de uma espé cie de vida,
o sono, significa uma fase de sonho. Há , portanto, uma clara mas totalmente inconsciente, na qual nã o temos qualquer
atividade num estado normalmente considerado inativo. percepçã o de forma, nem física, nem psíquica.
Em experiências com animais, foi observado que, Quando se sabe ver, essas constataçõ es permitem com-
durante o sonho, eles liberaram mecanismos motores que preender as denominaçõ es que os trê s corpos recebem no
foram reprimidos durante o dia. Se, por exemplo, bloquear- campo tradicional.
mos o movimento de um gato que está pulando para pegar Falamos sucintamente do sono profundo. O que irá agora
um rato, verificaremos que, durante seu sono, ele tomará a nos interessar é o sono paradoxal, ou seja, o sonho.
postura do salto interrompido. É claro que, se nã o houves- De partida já temos algo estranho no sonho, pois, embora
sem mecanismos repressores, seríamos muito incô modos estejamos adormecidos, alguma coisa, ou seja, aquele que
para os nossos vizinhos e para nó s pró prios! Nã o é à toa que sonha, está desperto em nó s. O sonho se refere a uma funçã o
muitas vezes sonhamos estar voando... psíquica, mas de algum modo independente da consciê ncia
Na ú ltima fase do sono, a do sono profundo, foi consta- corporal. O fato de que a pessoa adormecida tenha movi-
tada cientificamente uma freqü ê ncia cerebral mínima, che- mentos oculares durante o sono, demonstra que ela vê algo,
gando à s vezes a 0,5 hertz, que, comparada aos 16 hertz do que nã o é a luz física e sim a luz astral. É bastante estranho
estado de vigília, é quase uma atividade cerebral nula. Pode- que, enquanto estamos de olhos fechados, à noite, durante o
mos dizer, portanto, que há durante o sono alguns estados sono, estejamos vendo luz. Por certo, nã o se trata de uma luz
vizinhos ao da morte, na qual a atividade cerebral é des- exterior, mas de uma luz interior, que se refere ao mundo da
truída. alma ou das paisagens da alma.
Essas informaçõ es sobre o sono sã o bastante interes- Por meio desses movimentos oculares constatamos tam-
santes, porque permitem uma comparaçã o com os diferentes bé m que, durante o sono, o sonhador participa ativamente de
corpos, tais como sã o apresentados nos ensinamentos tradi- seu pró prio sonho e que os mundos que ele alcança estã o,
cionais. O estado de vigília, desperto, pode ser comparado ao evidentemente, nele pró prio. Esse ponto parece simples de
corpo físico; o estado de sono paradoxal, ao corpo sutil; e o ser formulado, mas mostra o equívoco de algumas interpreta-
sono profundo, ao corpo causal. Durante a fase de sono pro- çõ es parapsicoló gicas. Se eu sonhar com algué m, é evidente
fundo, é estimulada a produçã o do hormô nio do crescimento que nã o irei sonhar com a pessoa concreta, mas sim com
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aquilo que ela representa para mim. Essa, pelo menos, pode Como regra geral, a atitude do ser no mundo físico é
ser nossa hipó tese inicial. De igual modo, se sonharmos com muito egoísta, porque a pessoa se deixa levar por um grande
a morte de algué m, isso nã o quer dizer que ela irá morrer de nú mero de aspiraçõ es e desejos. O ego, ao ser carregado
fato. Voltaremos ainda a esse assunto, com maiores detalhes. pelos desejos, indica uma situaçã o íntima de falta, de carê n-
É possível agora compreender melhor por que se afirma cia. Como já vimos, tanto o desejo quanto a carê ncia, refe-
que o corpo físico se refere ao outro, enquanto experiê ncia rem-se ao corpo sutil, já que é esse o corpo de desejo. E isso
com um objeto exterior. Por exemplo, no mundo físico, pode- nos conduz à questã o do condicionamento, pois ao sermos
rei amar algué m exteriormente, mas se eu sonhar com essa manipulados inconscientemente pelo corpo de desejo, somos
pessoa, isso nã o constituirá a expressã o do amor físico, exte- levados a agir no mundo físico. Essas açõ es, quer sejam para
rior, e sim de tudo aquilo que essa pessoa exterior, que eu satisfazer o desejo ou para aplacar o sofrimento e a carê ncia,
amo, representa para mim. Isso tudo nos leva a uma metafí- provocam reaçõ es que retornam ao mundo psíquico e astral.
sica do amor. Quer tudo isso seja vivido pelo desejo expresso ou pela falta,
Pode-se dizer que a finalidade do corpo físico é o amor ao mais cedo ou mais tarde a consciê ncia despertará para o me-
outro, enquanto a finalidade do mundo sutil ou mundo canismo de ilusã o ligado a esses processos.
astral, é conduzir ao amor de si. Isso significa que, no mundo É compreensível ficarmos presos à carê ncia ou à frustra-
exterior, físico, a relaçã o eu-outro encontra-se dualizada, çã o. Num certo período, quando morava em Paris, tive opor-
cortada, indicando a mesma coisa no corpo sutil, ou seja, tunidade de tratar de artistas famosos. Tinham beleza, fama,
dentro de nó s mesmos, també m somos seres separados. riqueza e se poderia dizer que todos os seus desejos tinham
Existem em nó s Adã o e Eva. sido realizados. Mas, paradoxalmente, nenhum deles estava
No sonho, portanto, tudo o que ocorre refere-se à relaçã o feliz. Nã o haviam encontrado a paz, apesar de suas conquis-
de mim comigo mesmo, a qual denomino relaçã o entre os tas. De fato, enquanto permanecemos na expressã o do
gêmeos: o gêmeo celeste e o gêmeo terrestre (veja pá g. 25). desejo, ligados ao ego e à vida física, imaginamos que no dia
Com freqü ê ncia, se nã o estiver acordado para a dimensã o em que realizarmos nossos anseios, seremos felizes. Poré m,
celeste em mim, viverei um conflito. À medida que esse nã o é o que ocorre e, entã o, nos colocamos novas perguntas.
conflito interior se desenrola, ocorrem conseqü ê ncias A finalidade do corpo astral é colocar essas questõ es, ou
exteriores. Se nã o souber amar minha dimensã o celeste, é seja, permitir que pouco a pouco sejamos dinamizados pelo
muito pouco prová vel que consiga amar algué m exterior a desejo, para aprendermos a nos tornar um ser de Desejo.
mim pró prio. É importante fazer essa distinçã o, pois um se Mas, ao mesmo tempo, é necessá rio aprendermos a converter
refere ao mundo exterior e o outro, ao interior. o desejo, o que significa reconhecer a ilusã o de nossos falsos
O terceiro corpo, o causal, subentende que o indivíduo desejos.
tenha se reunificado exterior e interiormente e que, entã o, o Nos tempos antigos esse combate era representado pela
seu amor seja o amor a Deus. Isso quer dizer que a ú ltima luta com o dragã o, a serpente, a hidra. No mito de Hé rcules,
etapa da metafísica do amor, nã o conduz a uma reunificaçã o por exemplo, a prova consistia em cortar a cabeça da hidra.
consigo pró prio, à integraçã o da individualidade, mas sim à O problema no entanto é que, mal se corta a cabeça do
unificaçã o do indivíduo com o Todo. Essa etapa, na verdade, monstro, ela renasce. O desafio torna-se entã o encontrar
está intimamente ligada ao sono profundo. algum recurso específico para impedir que isso ocorra. De um
modo geral, a soluçã o passa pelo fogo, pela escarificaçã o com
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o fogo, para que a cabeça nã o torne a crescer. Alé m disso, Quando o ser se liberta dessas matrizes de condiciona-
mata-se, em primeiro lugar, as cabeças perifé ricas antes de mentos ou falsas cabeças, ele converte seus desejos e, desse
se eliminar a cabeça central. modo, alcança o verdadeiro desejo. O ú nico verdadeiro desejo
O conjunto dessas cabeças representa padrõ es de condi- do ser existencial pode ser simbolizado por uma matriz femi-
cionamentos. É necessá rio descobrir como cada um de nó s é nina, pela parte yin, isto é, pela dimensã o feminina de nó s
condicionado, ou seja, qual a falsa cabeça que carregamos. A mesmos, sejamos homens ou mulheres. O verdadeiro desejo
finalidade, portanto, do processo astral e interior, no qual os dessa matriz virginal é receber e ser fecundada pelo mascu-
sonhos també m se inscrevem de forma nítida, é cortar nossa lino em nó s mesmos, ou seja, pelo gêmeo celeste ou Verbo
pró pria cabeça. Se essa cabeça for realmente cortada, poderá divino. A rosa simboliza esse estado de pureza do mundo
surgir a verdadeira cabeça. Nesse momento, o desejo, isto é , sutil intermediá rio, que lhe permitirá ser fecundado pelo
Eros, transforma-se em rosa. mundo divino.
No francês, rose, a rosa, é anagrama perfeito de Eros, o A questã o essencial é sabermos qual é o nosso verdadeiro
deus do amor. Esse jogo de palavras faz parte da tradiçã o da desejo. No entanto, os falsos desejos e as carê ncias nos des-
cavalaria. Rose e Eros têm a mesma raiz. Um outro exemplo, viam e dificultam reconhecê -lo. A soluçã o nã o é reprimi-los e
em francês, é mort, morte, e a-mor, amor, que significa poder tampouco tentar realizá -los, mas discernir o verdadeiro
descobrir o amor quando nos libertarmos da morte, ou seja, a- desejo em nó s mesmos.
mor, sem morte. Outro ponto muito interessante é a relaçã o que pode
Eros já se encontra atuante na criança recé m-nascida, haver entre o sono paradoxal, ou seja, o sonho, e o sistema
portanto muito antes da adolescê ncia. Pode-se dizer que na límbico, sistema esse que nos remete ao corpo sutil. 2 A emo-
criança o objetivo de Eros é , de algum modo, a construçã o çã o tem um forte vínculo com o desejo, visto que raramente
física. O primeiro desejo é o de seu pró prio corpo e só grada- encontramos um desejo sem ligaçã o com uma emoçã o. E
tivamente ocorrerá uma diferenciaçã o, à medida que a forma ambos, emoçã o e desejo, estã o intimamente associados ao
física já estiver construída. Na adolescê ncia, por exemplo, sonho, facilitando a integraçã o das informaçõ es comporta-
surge o desejo do outro, no sentido afetivo e sexual. As fases mentais, ligadas à vida cotidiana. É como se as emoçõ es e os
sã o progressivas, fazendo com que o desejo se transforme e sonhos permitissem decodificar e integrar numa linguagem
transmute. Nã o se deve simplesmente associar Eros à sexua- diferente da habitual, um certo nú mero de informaçõ es.
lidade. Ele é muito mais amplo que o desejo sexual. Todos esse elementos indicam o modo pelo qual a pessoa
A rosa, para voltar ao nosso tema, exprime a liberaçã o interage com o meio ambiente, poré m numa linguagem dife-
do verdadeiro desejo. Nã o é por acaso que, no hermetismo rente. Na linguagem habitual do consciente, podemos, é evi-
cristã o, a rosa é um atributo de Maria. Quando o ser se dente, decodificar muitas coisas nas relaçõ es que mantemos
liberta de suas falsas cabeças, ele se torna, no nível existen- com os outros, mas é como se houvesse igualmente uma
cial, uma expressã o de Maria, purificado dos pecados, ou comunicaçã o nã o verbal, nã o consciente, que se processa
seja, das matrizes de condicionamento. Esses condiciona- num nível mais subconsciente, e que poderia ser traduzida,
mentos sã o representados tanto pela Mã e Negra e pelas expe- atravé s da emoçã o, no mundo astral. Esses níveis conscien-
riê ncias no negro – como é o caso da obra em negro, na tes e inconscientes vã o gradualmente nos construindo.
alquimia – quanto pelos eventuais sonhos de um europeu
branco com pessoas negras. 2Veja, do mesmo autor, Do Corpo Físico ao Corpo de Luz; A Reconstrução do
Templo, Sã o Paulo, Editora Á gape.
13 14
O sonho terapê utico e o sonho iniciá tico nossa habitual, eram traduzidos por sacerdotes especializa-
dos na arte de interpretar os sonhos.
Parece que, na mitologia grega, havia dois termos distin-
Na tradiçã o grega estã o claramente enunciadas duas
tos referentes ao sonho. Essa distinçã o existe també m na
funçõ es daquilo que se poderia chamar genericamente de
língua francesa, mas nã o na portuguesa. Trata-se de rêve e
sonho: o sonho emunctó rio, de eliminaçã o e descarga, no
songe. A etimologia de rêve remete à raiz latina vagus, que
sentido do esquecimento, e o sonho de contato com a dimen-
originou vaguear, vagabundear, e a uma expressã o que fala
sã o espiritual e celeste de si pró prio.
de um vazio na alma. Na palavra rêve existe ainda o sentido
No sonho há um paradoxo. É necessá rio estabelecer uma
de divagaçã o. Songer, por outro lado, que vem da raiz indo-
distinçã o entre os sonhos que nã o deveriam ser relatados,
europé ia suep, remete-nos ao grego hýpnos.
por terem uma funçã o de limpeza, e os sonhos que, ao con-
Hýpnos, que se pode traduzir por sono, é irmã o de
trá rio, consistem numa expressã o da vontade celeste ou espi-
Tanatos, a morte. É importante compreender, portanto, que
ritual em nó s pró prios e que, por isso mesmo, devem ser in-
morrer e dormir sã o irmã os. Hipnos mora numa caverna,
terpretados e compreendidos, para nos tornarmos um pouco
imagem interessante de penetraçã o. Isso quer dizer que,
mais obedientes à dimensã o celeste, ou seja, ao nosso verda-
durante o sono, estamos em nossa terra interior. Essa gruta
deiro desejo. O sonho, enquanto processo de purificaçã o,
é atravessada por um cé lebre curso d'á gua, o Rio Lete, rio do
refere-se a dados vindos em geral do exterior, e o sonho espi-
esquecimento, de onde vem o termo letal. A letalidade que se
ritual, por outro lado, refere-se a nossa dimensã o interior.
refere à morte, etimologicamente, significa esquecer. Morrer,
Para exprimir essa questã o em outros termos, podería-
ou seja, atravessar o Rio Lete, na verdade significa esquecer.
mos afirmar que existem diferentes níveis de sonho, relacio-
Esquecer é um imperativo vital. Cada esquecimento é , de
nados a um dos trê s mundos, tradicionalmente conhecidos
algum modo, uma pequena morte. Todas as teorias psicoló gi-
por mundos físico, astral e celeste, també m chamados de
cas atuais que, de uma forma ou de outra, estabelecem rela-
inferno, purgató rio e cé u.
çã o entre o sonho e o mecanismo do esquecimento sã o justi-
Para aqueles que conhecem a Cabala, é possível associar
ficadas pela mitologia. Há , portanto, a necessidade de esque-
esses três níveis de sonho respectivamente aos mundos de
cer, e o sonho provavelmente vai nos ajudar nesse sentido.
Assiah, Yetzirah e Briah. 3
No mito, poré m, Hýpnos també m está ligado ao sonho
que, na mitologia grega, resulta da comunicaçã o que os
gê nios estabelecem com os mortais adormecidos para trans- Assiah Mundo Físico Inferno Terra
mitir as mensagens dos deuses. Graças a esses gê nios do
Yetzirah Mundo Astral 4 Purgató rio Á gua
sonho, os homens podem conhecer a vontade divina, em geral
representada por Zeus ou Hermes. Na civilizaçã o grega esse Briah Mundo Celeste Cé u Fogo
tipo de sonho tinha uma grande importâ ncia.
Havia locais de cura nos quais as pessoas, apó s um Atziluth Mundo Divino (não criado) Ar
ritual específico de purificaçã o, pediam um sonho terapê u-
tico, um sonho curador. De um modo geral, esses sonhos, 3 Veja também o esquema da Árvore da Vida, reproduzido na pá g. seguinte.
que se expressam numa linguagem simbó lica, que nã o é a O leitor encontrará , no desenvolvimento do texto, outras formas de expressã o
que tornarã o clara a idéia dos diferentes níveis de sonho. (N. revisores)
4 Ou Mundo Psíquico. (N. revisores)

15 16
Na realidade, cada mundo é duplo, emanado e emanador.
Árvore da Vida Do mesmo modo, o corpo astral, ou corpo sutil, devido à s
memó rias inconscientes à s quais está associado, será ema-
nador do Mundo Físico. Nesse sentido, o Mundo Físico é con-
seqü ê ncia do Mundo Astral. Trata-se do mesmo processo que
encontraremos no carma que se estabelece entre duas exis-
tê ncias, ou entã o nas ocorrê ncias do Mundo Astral que terã o
conseqü ê ncia no Mundo Físico.
No nível inferior desse processo energético ocorrem me-
canismos cibernéticos de açã o e resposta. Isso quer dizer que
o Mundo Físico, emanado do Mundo Astral, torna-se emana-
dor para o Mundo Astral.
Esses elementos estã o nitidamente colocados, quando
corretamente interpretados, na fisiologia do sistema nervoso.
As crianças recém-nascidas, por exemplo, dormem muito e
sonham muito. No início da vida, é como se o Mundo Astral
tivesse a funçã o matricial de oferecer todo condicionamento
necessá rio ao ser que se encarna no Mundo Físico. No bebê,
em verdade, a atividade celeste é dominante. Por dormir
muito e sonhar muito, podemos dizer que ele se encontra
predominantemente num outro mundo. Pouco a pouco, por
emanaçã o dos outros mundos, vai ocorrer a maturaçã o do
cérebro físico. Isso quer dizer que, apesar das interpretaçõ es
habituais, que negam os mundos interiores, a funçã o astral é
dominante na criança porque, na verdade, seu processo de
condicionamento nã o está concluído. Já na vida embrioná ria
parece existir uma relativa atividade onírica. O feto parece ter
uma certa atividade de sonho.
Da fecundaçã o até o nascimento, há como que uma reca-
pitulaçã o de todas as fases da evoluçã o, desde o início da
Criaçã o e de toda a humanidade até o momento atual. O em-
briã o passa por fases que poderiam ser denominadas de mi-
neral, vegetal e animal. Ao nascer, é como se a embriogê nese
tivesse relembrado todas as fases do passado para trazê -las
ao presente. Para nascer, somos obrigados a fazer o percurso
de um ciclo completo. Nã o aparecemos de mã os abanando.
Precisamos recapitular todas as memó rias.

17 18
Chegamos ao nascimento com um corpo que traduz o regulaçã o astral
está gio atual da humanidade. Nã o evoluímos muito desde o
Cro-Magnon. Somos ainda homens pré -histó ricos. Ao mesmo
tempo, há um início de impregnaçã o astral nessa memó ria
física e, apó s o nascimento, essa impregnaçã o continuará por
um longo tempo. É como se, ao nascermos, ainda nã o tivé s-
semos recapitulado completamente todo o processo cá rmico.
Por isso ocorrerá a encarnaçã o progressiva de um certo
nú mero de matrizes de condicionamento psíquico.
Esse processo, em geral, dura vá rios anos. Como conse-
qü ê ncia, a personalidade astral individualizada só irá apare-
cer pouco a pouco. De início, habitualmente, a criança se
parece muito com os pais ou entã o com o que os pais eram
quando pequenos. Para se constatar esse fato basta compa-
rar as fotos dos filhos com as dos pais, quando crianças.
Esse fato indica memó rias, de modo geral, muito mais físicas
e familiares, portanto coletivas.
Apenas na medida em que as matrizes astrais se reencar-
nam e essas forças astrais pa4ssam a atuar na maté ria, é
que gradativamente se manifestarã o as diferenças corporais
mais específicas. Em razã o desse processo, a criança que, aos
3 ou 5 anos se parece muito com os pais, apresentará gran-
des diferenças entre os 20 e 25 anos, tanto física quanto psi-
cologicamente.
As matrizes sucessivas de encarnaçã o, que se processam
no correr do tempo, estã o tradicionalmente vinculadas aos
ciclos de sete anos. Na verdade, durante um longo período da
vida, podemos perceber que o indivíduo nã o é inteiramente
livre. Ele está submetido ao imperativo de recapitular o con-
junto dos condicionamentos cá rmicos. Terá que viver, de
alguma forma, trabalhos obrigató rios. É só muito mais tarde,
se tiver assumido e conseguido se liberar dessas matrizes de
condicionamento, que poderá reencontrar, mediante meca-
nismos circulares, o contato com o mundo celeste.
A maior parte das pessoas que estã o encarnando, nesse
momento, encontram-se num evidente processo de
involuçã o. Funcionam num padrã o ciberné tico de mera

19 20
e física, onde permanecem girando. Mas, quando se consegue
purificar o plano astral e intermediá rio, ele passa a atuar
como emanador, permitindo a reconexã o com o mundo
celeste.
A grande chave para o trabalho espiritual, que nos
leva ao cé u, é a liberaçã o das matrizes de condicionamento
astral, por mais paradoxal que isso possa parecer. Com raras
exce- çõ es, esse contato com o mundo celeste nã o se efetua
antes dos quarenta anos. Isso quer dizer que deve haver uma
pas- sagem por cinco setê nios ligados ao processo de
condiciona- mento astral. Só ao final do sexto setê nio, aos 42
anos, a liberaçã o torna-se possível. Essa é a razã o pela qual
nas anti- gas tradiçõ es havia pré -requisitos de idade. Na
tradiçã o judaica, por exemplo, recomendava-se que nã o se
praticasse a Cabala antes dos 7 vezes 7 anos, ou seja, antes
dos 49 anos. O que é compreensível, já que essas prá ticas se
referem ao mundo celeste. Com razã o, considerava-se que,
até uma certa idade, as pessoas nã o tinham acesso a
determinados níveis de conhecimento.

O mundo intermediá rio, psíquico ou astral


Quando falamos do sonho, ou seja, do mundo interme-
diá rio, do astral, ficamos frente a uma situaçã o bastante
específica, que poderíamos resumir da seguinte forma: há
uma açã o emanadora do mundo celeste e outra, do mundo
terrestre. Existem de fato dois níveis no mundo astral ou psí-
quico.

A questã o é apenas conseguir que o mundo astral se


torne emanador daquilo que se passa acima.
19 20
Estou vivendo uma situação ou estou me vendo viver
Essa açã o emanadora poderá ser facilmente identificada essa situação? Detalhes desse tipo raramente sã o enunciados
na interpretaçã o dos sonhos, por exemplo, quando o sonha- na interpretaçã o dos sonhos. No entanto, a maneira como
dor toma consciê ncia de que está sonhando. nos vemos no sonho é muito importante. Quando sonhamos
De fato, ocorre com alguma freqü ência sonharmos que estar nos vendo em açã o, isso significa que de algum modo
estamos sonhando. Isso quer dizer que há a possibilidade de somos nossos pró prios senhores, ou em outros termos, é o
uma açã o consciente num mundo que nã o é consciente, no nosso plano celeste que nos está vendo. Temos consciência
sentido habitual do termo. Também podemos compreender a do que se passa, porque estamos ligados a esse nível celeste.
emanaçã o do mundo celeste pelo tipo de visã o que ocorre no Em princípio, os sonhos que vêm do mundo superior,
sonho. têm um grande poder de revitalizaçã o e de regeneraçã o. Já
Na maior parte das vezes, poré m, sonhamos exatamente um sonho que deve ser esquecido, nã o tem uma carga ener-
como nos situamos na vida. Por exemplo, sonho que estou gética muito poderosa. Um eventual impacto nã o vem do
dando um curso, vendo exatamente o que estou vendo agora. sonho em si, mas da tomada de consciência e do medo. Num
Esse tipo de sonho, em que me encontro no meu corpo, pesadelo, por exemplo, ficamos perturbados, temerosos, e a
olhando com os meus olhos, refere-se a uma experiê ncia carga energética resulta mais da interpretaçã o que fazemos
física. Podemos dizer, nesse exemplo, que o sonho de certo do sonho, no momento em que nos lembramos dele, do que
modo emana do corpo físico: do pró prio sonho.
No sonho espiritual, ocorre exatamente o contrá rio. A
carga energética é extremamente forte: lembramos muito bem
dele e sua atuaçã o poderá estender-se por muitos meses ou
anos. Os sonhos que se enraízam no mundo celeste, sã o
portadores do poder energético do sono profundo. Quando o
sonho é nítido, há uma clara relaçã o com a luz, mesmo
quando aparentemente poderia ser interpretado como pesa-
delo. Essas questõ es ficarã o mais claras quando fizermos
Por outro lado, quando o sonho decorre de uma ema- algumas interpretaçõ es concretas.
naçã o do plano celeste, tornamo-nos o olho de Deus que nos A impressã o de algo terrível ou dramá tico, nos sonhos de
vê , ou seja, somos o Senhor que observa. Nesses casos, o natureza celeste, decorre da interpretaçã o que damos a partir
â ngulo de visã o vem de um “olho” que está acima do nível em de nossa visã o terrestre. Os processos energéticos, como
que se encontra a açã o. No exemplo do sonhar que estou aqueles que citei de Eros e Rose, exigem uma inversã o com-
dando um curso, eu veria a mim mesmo dando aula:
21 22
pleta da consciê ncia. Apocalipse, por exemplo, significa eti- com pessoas e paisagens que conheço; mas també m posso
mologicamente Revelaçã o e quase todo mundo deseja uma sonhar com pessoas e paisagens que nã o conheço e ter expe-
revelaçã o. Mas, quando lemos o Apocalipse, ficamos com riê ncias que nunca vivi. Tive, por exemplo, muitos sonhos em
medo de toda aquela destruiçã o. Portanto, ou aqueles que que eu roubava, mas nunca fui capaz de fazer isso na vida
escreveram tais textos eram loucos masoquistas, ou entã o a física. Em sonhos já andei sobre as á guas, mas na vida física
verdade nã o é aquela que parece à primeira vista. Evidente- també m nã o seria capaz, e assim por diante.
mente, a segunda alternativa é a justa.
Se, por exemplo, sonharmos com nossa pró pria morte, é
evidente que se tratará de uma situaçã o dramá tica para o ser Questõ es: Sonhar colorido e tipos de sonho.
terrestre. Poré m, essa visã o só é dramá tica para a consciê n- A: Qual o significado de se sonhar colorido?
cia identificada com o corpo, que acredita que se o corpo Os sonhos, normalmente, deveriam ser em cores e, a meu
morre, nã o pode mais ser. No sonho estamos vivos, mas onde ver, só em casos particulares, seriam em branco e preto.
se encontra o corpo? Durante o sonho nã o temos um corpo Sonhos sem cor indicariam que falta algo à pessoa. Conside-
no sentido habitual, o que nos dá a experiê ncia de estarmos rem o que significaria algué m ver a vida a sua volta em
vivos sem corpo físico. branco e preto, ou vestir-se sem cores? A cor anima e dá
Na seqü ência, quando se começa a ter domínio sobre o alma à s coisas. Quando a criança começa a penetrar o
mundo interior, percebe-se que se pode estar vivo, mesmo mundo das cores, significa que a encarnaçã o da alma se
sem ter qualquer imagem ou representaçã o psíquica. Apó s a efetua.
passagem pelo mundo intermediá rio, uma série de coisas A cor está intimamente ligada ao colocar-se em movi-
serã o expressas, mas os intérpretes seremos nó s mesmos. mento. Sonhar em preto e branco, portanto, demonstra falta
Isso significa que a interpretaçã o irá revelar o nível espiritual de animaçã o, de movimentaçã o. É preciso dinamizar as pes-
de nosso ser. Se estivermos identificados com as formas ou soas que vivem numa consciê ncia sem matizes, que vê em
aparê ncias, interpretaremos tudo sob o prisma delas. O tudo branco, preto ou cinza. Para elas, tudo é luz ou trevas e
mesmo ocorrerá se estivermos identificados a uma teoria psi- ainda nã o incorporaram em seu consciente o processo de
canalítica ou religiosa. É fá cil compreender, portanto, por que difraçã o, de diferenciaçã o e de relativizaçã o das forças ani-
alguns sonhos podem ter um cará ter dramá tico. madoras.
A morte é anunciada para um olhar superior, que nã o B: Tenho um tipo de sonho como se fosse um rádio que-
conhece a morte. Ao falar de sua pró pria morte, estará sim- brado, sempre transmitindo alguma coisa. Há também um
plesmente enunciando uma mudança de pele. Sua pele outro tipo, no qual participo fisicamente e que são assustado-
morre, mas ele nã o. Por isso nã o se inquieta de modo algum. res: parecem se referir ao nível do psiquismo. São sonhos rein-
Nã o se atemoriza. Como podemos perceber, tudo depende do cidentes, que, após um tempo de vida se resolvem. Há, final-
olhar que se tem para cada momento. mente, um outro nível em que vejo o sonho de fora: são como
Diante dessas constataçõ es, uma questã o se coloca: histórias ou contos de fada; nunca desaparecem e os símbolos
como compreender o modo pelo qual o mundo celeste comu- vão se revelando aos poucos. Gostaria de saber se isso é coe-
nica-se conosco, já que a comunicaçã o que estabelecemos rente com o que você está apresentando.
com o corpo físico é mais simples. Posso sonhar à noite com Sim, de fato, sã o trê s níveis, trê s mundos, mas que se
uma sé rie de coisas ligadas a minha vida de todos os dias, passam no plano astral. Tudo se encontra em tudo. Há , de

23 24
certo modo, um mundo físico do mundo astral, um mundo sucessivas qualidades resultantes das transformaçõ es. (N. rev.)
astral do astral, e um mundo espiritual do astral. O mesmo
acontece nos planos físico e celeste. O tipo de sonho que você
compara a um rá dio, refere-se a experiê ncias do físico e do
astral, com um mecanismo subconsciente muito primá rio,
quase automá tico. Está no nível mais baixo do astral e toca
as memó rias inconscientes do corpo. Por outro lado, o nível
seguinte, muito mais emocional, está ligado ao plano astral
propriamente dito. Voltaremos a essa questã o mais adiante.

Questã o: O gê meo celeste


C: O que se deve entender por gêmeo celeste?
O conceito de gêmeo celeste, que estamos utilizando, en-
globa muitas e detalhadas interpretaçõ es. Mas, para obter
algumas indicaçõ es bá sicas, precisaremos recorrer a proces-
sos energé ticos muito específicos. Por exemplo, na parte
superior do esquema da Á rvore da Vida, situa-se o mundo
divino, que é nã o-criado. Ele envia uma hipó stase5 de si
mesmo para um campo criado, que pode conter todas as for-
mas, mas ainda livre de qualquer forma. Podemos chamar
esse nível de si-mesmo, mestre interior, anjo, guia celeste e,
també m, gê meo celeste. Por sua vez, esse nível irá revestir-se
de outra forma específica, que tanto pode ser astral, como
física. Portanto, posto que as formas físicas contê m todos os
planos, podem englobar tudo e nos permitir entã o a experiê n-
cia do ‘si-mesmo’.
Quando o si-mesmo se reveste de uma forma humana,
surge o gê meo terrestre, o ser psico-corporal. Entã o, o que
pode ser chamado de Verbo divino é , na realidade, o conjunto
do Senhor e de seu servo. Há uma relaçã o muito estreita
entre o Senhor e o servo do Senhor, que somos nó s em nossa
dimensã o psico-corporal. Todos os problemas surgem
quando

5Termo filosó fico. Na tradiçã o aristoté lico-tomista, refere-se ao que há de


permanente nas coisas que mudam, e que é o suporte sempre idê ntico das

25 26
esses dois níveis, que funcionam em ressonâ ncia energé tica,
nã o entram mais em harmonia vibrató ria.
No sentido sonoro do termo, uma corda é feita para
vibrar num certo tom e, quando desafina, é doloroso.
Cada vez que nã o existe concordâ ncia entre os dois termos,
entra- mos em sofrimento. Somente poderemos viver a
experiê ncia do gê meo celeste quando nascermos pela
segunda vez.
A segunda morte está ligada à ultrapassagem da indivi-
dualidade humana, no sentido do indivíduo psico-corporal
que somos, de tudo aquilo que nos dá a impressã o de sermos
nó s mesmos. Apó s essa morte, autografar um livro ou fazer
um xis, por exemplo, seria para nó s a mesma coisa,
porque se tornaria difícil olhar no espelho e dizer: “Esse aí
sou eu”. Se algué m ao nosso lado tivesse o mesmo nome, nã o
nos surpreenderia, pois nã o estaríamos particularmente
identifi- cados a nó s pró prios. Compreendemos esses níveis
como etapas necessá rias para a realizaçã o de algo subjacente
e que nosso trabalho, no sentido do indivíduo terrestre, é o
de estar a serviço de uma dimensã o superior de nó s
pró prios, que nã o se chama Fulano de Tal.
Enquanto o ser se identificar com sua individualidade
psico-corporal, terá de morrer. Apó s a morte física, essa indi-
vidualidade sobreviverá por certo tempo no mundo astral,
mas esse corpo astral també m morrerá . Portanto, nã o ultra-
passar a individualidade significa morrer, mais cedo ou mais
tarde. É por isso que tememos tanto a segunda morte.
É preciso, através de formas individuais, possibilitar ao
ser alcançar uma experiência do mundo celeste, ou seja,
estabelecer um contato consciente com um determinado nível
de si pró prio, livre de uma forma específica e que poderá
assumir qualquer forma.
O contato com esse nível de si-mesmo é ilustrado pela
tradiçã o de diversas maneiras. Por exemplo, na Busca do
Graal, Merlin aparece um dia jovem e, no outro, velho; algu-
mas vezes, simpá tico, outras, nã o. Nã o é fá cil compreender-
mos o que é ser livre das formas e que nã o necessitamos
delas para Ser.
25 26
Outro exemplo é o de Jesus apó s sua ressurreiçã o, Anarquia. Quando se estivesse na mais profunda Anarquia, o
quando aparece aos discípulos de diversas maneiras: algu- ciclo recomeçaria.
mas vezes é reconhecido e outras, nã o. Isso mostra que a No momento, ao que parece, estamos passando da
partir de certo nível nã o se está preso a forma alguma. Democracia à Anarquia. Podemos observar como todos os
Há relatos aná logos a respeito de mestres taoístas. No valores se dissipam. No entanto, nas situaçõ es paradoxais,
Zen, de igual modo, as prá ticas do koan apontam na direçã o nas quais estamos aparentemente mais afastados da fonte,
da nã o identificaçã o, da libertaçã o das formas. há sempre uma possibilidade subjacente. Na maior anarquia
e, justamente graças a ela, podemos encontrar a teocracia em
A Tradiçã o e as quatro eras nó s mesmos. A situaçã o da sociedade, no momento, é para
mim exatamente essa. Vivemos uma profanaçã o completa dos
Atualmente, a situaçã o de nosso mundo com relaçã o ao valores autê nticos. Estamos destruindo a vida e o planeta. No
espírito é bastante dramá tica, pois, apesar das aparê ncias, entanto, nesse verdadeiro drama, há a possibilidade real de
nunca estivemos tã o afastados dos valores espirituais como encontrarmos outra coisa.
agora. Temos a impressã o de que nunca a humanidade foi
Atualmente, só se pode descobrir o espiritual atravé s das
tã o culta, tã o inteligente e de que as geraçõ es que nos prece-
crises, dramas ou doenças. Já nã o ocorre mais um processo
deram, particularmente as mais antigas, eram muito menos
de descoberta em si pró prio, harmonioso. Parece que só
evoluídas que a nossa. Na verdade, poré m, a Tradiçã o afirma
podemos descobrir o espiritual à medida que nos encontra-
exatamente o inverso.
mos no descaminho, no sofrimento, na solidã o. Constatamos
No início de qualquer ciclo de encarnaçã o (e o nosso que, de fato, quase nada é feito para nos aproximar desses
começou há uns vinte mil anos aproximadamente) o ser valores. Mas, com freqü ê ncia, é justamente no momento em
humano permanece num estado que se poderia dizer celeste. que estamos mais perdidos que podemos tomar consciê ncia
É a chamada Idade de Ouro. Os homens Cro-Magnon eram da possibilidade de reencontrarmos o sentido de nossos valo-
muito primá rios quanto ao desenvolvimento técnico e social, res interiores, desde que nos permitamos obedecer a esses
mas estavam num está gio muito pró ximo de Deus. Depois, valores. Nã o basta apenas reencontrar os valores, é preciso
quando o ciclo se completou, passamos para a Idade de Prata segui-los, ou seja, testemunhá -los nos atos de vida.
e, a seguir, para a de Bronze. Estamos agora na quarta idade
Acredito que, no momento, estamos num grande desca-
da humanidade, a Idade de Ferro ou Kali-yuga, o que quer
minho. Os ensinamentos religiosos, com raras exceçõ es,
dizer que nos encontramos na fase mais afastada de Deus e
demonstram uma grande carê ncia de verdadeiros valores. A
na qual, paralelamente, o consciente dual, analítico, mais se
sociedade també m nã o nos leva a reencontrar esses valores;
desenvolveu. Isso tudo está na intençã o do Divino, mas, ao
muito pelo contrá rio, ela nos induz a viver a lei da selva, do
mesmo tempo, coloca-nos um problema muito real.
mais forte, em que se tenta agarrar o má ximo possível, ainda
Acredito que muitas coisas que vivemos hoje, estã o inti- que destruindo os outros.
mamente ligadas à s questõ es subjacentes ao final do pre-
Mesmo nos ensinamentos que se intitulam espirituais,
sente ciclo. Platã o, por exemplo, falava de quatro formas de
verificamos també m muitas ilusõ es. Na maior parte dos livros
governo, associadas à s quatro idades. O primeiro, se nã o me
nã o se encontram ensinamentos sé rios, que possam ser
falha a memó ria, é a Teocracia; viria depois a Repú blica,
chamados de verdadeiros ensinamentos espirituais, pois nã o
seguindo-se a Democracia que, finalmente, conduziria à
estabelecem qualquer distinçã o entre o mundo intermediá rio
27 28
e o superior. Ao que parece, bastaria brincar um pouco com para a evolução, mas se deparam com um mecanismo de rea-
energias, uma pitada de chacra aqui, uma dose de visualiza-
çã o ali e, pronto, teríamos as grandes revelaçõ es! Mas a ú nica
revelaçã o que se obté m é a do poder da serpente astral e das
desilusõ es que se seguem a isso.
Isso nã o quer dizer que nã o existam autores bastante
sé rios, ou que nã o se possam encontrar ensinamentos de
grande qualidade. Mesmo no campo religioso há pessoas de
alto nível. É possível descobrir seres de grande dimensã o no
judaísmo, no budismo e no cristianismo. O problema é que
normalmente nã o temos oportunidade de encontrá -los. De
modo geral, temos acesso a uma interpretaçã o bastante pro-
fana das coisas, mesmo entre pessoas tidas como religiosas
ou espirituais. Estamos, portanto, num período de muito
sofrimento.
Nã o sã o os valores atuais da sociedade que poderã o nos
ajudar, nem mesmo tudo aquilo que, num sentido mais
amplo, podemos chamar de “científico”. Os pró prios postu-
lados da ciê ncia impedem toda e qualquer penetraçã o nos
mundos sutis ou superiores. Enquanto a ciê ncia nã o alterar
seu ponto de vista, os seus mé todos de experimentaçã o e de
pesquisa de reprodutibilidade, só conseguirá produzir uma
descriçã o do objeto e nunca do sujeito. Enquanto a ciê ncia
nã o ampliar o seu olhar, nã o poderá alcançar outros planos.
As constataçõ es atuais nã o sã o nada encorajadoras. Pelo
contrá rio, estamos diante de crises importantes na sociedade.
Se nada mudar, viveremos provavelmente coisas muito
piores do que estamos vivendo agora. Nã o se trata aqui de
fazer o papel de ave de mau agouro, mas é preciso
compreender que, embora a tendê ncia geral se inscreva
nessa direçã o, Deus sempre nos deixou livres no mundo da
maté ria e, portanto, sempre será possível revertermos o
processo.

Questã o: A prá tica da ascese


D: Muitos praticam a ascese como um recurso essencial

29 30
ção, em que as coisas parecem voltar pior. Como lidar com
essa situação?
A resposta para isso é que nã o pode haver ascese sem a
correspondente dinamizaçã o do amor. Uma ascese que ma-
chuca e mortifica, nã o leva a nada. É preciso compreender
que permanentemente oscilamos entre a permissã o de viver-
mos qualquer coisa e a tentativa de retomarmos a rédea de
nossa vida. É através desse jogo sucessivo que, na realidade,
podemos nos transformar. É preciso compreender que um
processo vital é sempre de regulaçã o. A pró pria fisiologia de
qualquer funçã o orgâ nica exprime bem esse processo.
Tomem, por exemplo, a hipó fise ou o ová rio. Num deter-
minado momento vem a ordem: “Fabrique tal hormô nio”. A
fabricaçã o é um processo relativamente simples, material.
Numa imagem, pode-se dizer que esse processo é similar à
ascese, pois o hormô nio fabricado ordenará ao organismo
uma açã o bem específica. Uma vez cumprida a açã o, outros
hormô nios de neutralizaçã o serã o fabricados. Analogica-
mente, a ascese pode ser representada como uma ordem
dada ao organismo para realizar a açã o que pressentimos ser
justa e, ao fazê-la, obrigatoriamente colheremos a
conseqü ên- cia dessa açã o. Esse processo, porém, desencadeará
o meca- nismo contrá rio que, por sua vez, nos demandará uma
açã o física suficiente para inibir esse mecanismo. O mesmo
deverá ocorrer com a anti-ascese, que desenvolverá sua
contrapar- tida, a ascese. Se nã o houver a regulaçã o,
entraremos num processo cancerígeno.
Nada há a fazer frente à ascese, como fator de inibiçã o.
Quando o patamar hormonal, poré m, nã o for mais suficiente,
haverá de novo a síntese do hormô nio. Funcionamos sempre
num equilíbrio entre estimulaçã o e inibiçã o. É necessá rio
manter esse paradoxo.
Para mim, a ascese só tem sentido se tivermos a capaci-
dade de permanecer livres em relaçã o à pró pria ascese. Caso
haja identificaçã o com a ascese, realizaremos algo muito for-
mal, que escapa ao processo de vida; é um processo, por-
tanto, destrutivo. Mas o inverso també m é verdadeiro,
pois
29 30
pessoas incapazes de ascese nada realizam interiormente. É
preciso sentir qual é a dominante em si pró prio e tentar
manter o equilíbrio. Se, por exemplo, tivermos uma natureza 2. As Assinaturas dos Sonhos
excessivamente ascé tica, devemos estimular mais, em nó s, a
liberdade e o largar. Se formos muito compassivos e nos dei-

V
xarmos levar por qualquer coisa, devemos dinamizar a isto que o mundo astral pode ser diferenciado em
ascese, construindo um degrau na escada para nã o cairmos assinaturas6 específicas, torna-se ú til perguntar qual é a
no vazio, sem, poré m, nos identificarmos com ela. É impor- assinatura dominante de um sonho. Do mesmo modo
tante compreender que a ascese é apenas o corrimã o; somos que, na morfologia ou na psicologia, podemos falar de tipos
nó s que subimos a escada. morfoló gicos ou psicoló gicos, um sonho estará sempre
inscrito num determinado tipo psíquico, que, por sua vez,
representa uma estrutura em transformaçã o. A dinâ mica dos
quatro elementos (fogo, terra, ar e á gua) indicará a etapa de
transformaçã o de uma determinada estrutura.
Nã o podemos ser lineares na utilizaçã o dessas referê n-
cias. É necessá rio muito tempo de trabalho para a aplicaçã o
correta dessas categorias, pois podemos sonhar com o ele-
mento á gua numa determinada estrutura, mas, noutra etapa
de transformaçã o, esse mesmo elemento terá outro signifi-
cado.
Tomemos o mundo astral aplicando a ele uma referê ncia
específica de construçã o, ou seja, o sistema setená rio oci-
dental. Nesse sistema encontramos as sete assinaturas pla-
netá rias do corpo astral. Num estudo comum, o desenvolvi-
mento é sempre linear, mas para aprofundar, é preciso relati-
vizar. A questã o é : como irá se inscrever em nó s, como um
todo, algo vivenciado numa determinada assinatura?
Utilizando uma imagem, poderíamos dizer que a assina-
tura seria o altar central, o taberná culo de um templo parti-
cular. No sentido do antigo politeísmo, por exemplo, o fiel que
fosse fazer sua adoraçã o no templo de Mercú rio, encontraria
a representaçã o dessa divindade sobre o altar central. Mas,
para integrar essa assinatura, existia todo um ritual pré vio,

6O termo assinatura é aqui utilizado no sentido que lhe atribuía Paracelso,


quando se referia à s assinaturas planetárias, ou seja, aos atributos
específicos de cada astro, com os quais se particularizam os seres, sejam

31 32
minerais, vegetais, animais ou humanos. (N. revisores)

31 32
que incluía a circundaçã o do templo. Ou seja, ao circular, por natura condicionante. Em seguida, é necessá rio percorrer de
exemplo, em volta do templo de Mercú rio, entrava-se em novo o mesmo caminho, até que a totalidade das assinaturas
contato com os quatro â ngulos desse templo, que continham seja destrancada.
uma estrutura específica dos elementos, associada por sua Veremos concretamente mais adiante quais serã o as
vez à s assinaturas pró prias de outros templos. O primeiro assinaturas dos sonhos que serã o relatados. Há todo um con-
â ngulo tinha a assinatura da terra, o segundo, a da á gua, o junto de símbolos que representam uma dada assinatura. No
terceiro, a do fogo e o quarto, a do ar. Nesse templo, sonhar caso de Mercú rio, símbolo da comunicaçã o, por exemplo,
com o elemento á gua significava que se estava na etapa cor- existem na Bretanha marcos de pedra erigidos ao longo dos
respondente do processo de transformaçã o. caminhos.
No plano celeste, um modo de entrar em contato com a
energia de Mercú rio é o encontro com o sá bio, com aquele
que oferece o ensinamento. É importante, no entanto, dife-
renciá -lo do velho sá bio, personagem que traz a assinatura de
Saturno. Se nos lembrarmos que a Mercú rio també m estã o
associados símbolos ligados à palavra, poderemos compreen-
der de forma mais ampla o significado de, em sonho, um
cachorro pular na direçã o da garganta de algué m.
Um rapaz , por exemplo, sonha que deveria ter uma con-
versa sé ria com seu pai; para encontrá -lo teria que atravessar
um rio, mas nã o consegue. Trata-se aqui de uma assinatura
mercurial ligada ao problema da palavra com a energia á gua,
ou seja, emocional. Esse sonho tem uma assinatura de Mer-
cú rio e de astralidade, de emocionalidade. Há um bloqueio
emocional da energia de Mercú rio, no nível da palavra, da
expressã o.
Apó s termos vivido os quatro elementos, que Os condicionamentos sã o sempre muito específicos e boa
reconduzem à s quatro assinaturas da assinatura central, parte do trabalho de interpretaçã o consistirá em reconhecer
podemos entrar no templo, estabelecendo um profundo tais elementos nos sonhos.
contato com a assi- natura específica que nos constró i ou, Nã o basta a experiê ncia com um ú nico elemento. Em
falando em termos astrais, com a assinatura que nos cada nível planetá rio é preciso viver a totalidade dos quatro
condiciona. À medida que vamos tomando consciê ncia dela, elementos perifé ricos para poder penetrar no templo. Pode-
podemos descer e destran- car o inferno, a raiz desse mos comprovar esse fato, se nos lembrarmos de todos os nos-
condicionamento e, ao destrancá - lo, passamos aos cé us. sos sonhos relacionados a um problema específico. Com
Portanto, apó s termos circulado em volta das quatro pedras muita freqü ê ncia, a dinâ mica de transformaçã o se inicia com
angulares e liberado a pedra de fun- daçã o, passamos à chave fatos muito concretos, ligados ao elemento terra e ao mundo
de abó bada do templo que, ao mesmo tempo, transforma-se físico. Depois sonhamos uma sé rie de situaçõ es relacionadas
em altar central de outra assi- à á gua e, em seguida, aparecerã o as ligadas ao fogo.
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Quando a energia começar a se espiritualizar, teremos o mundo astral, no entanto, é inconsciente, teremos a
sonhos representativos do elemento ar. Somente entã o impressã o de ter vivido um contato direto com o mundo
haverá a possibilidade de encontrar a assinatura condicio- celeste. É o caso, por exemplo, de uma intuiçã o real cuja
nante. Isso quer dizer que, nessa etapa, atinge-se um nível impressã o chega conscientemente até nó s. A questã o será ,
espiritualizado de transformaçã o, que permite um distanci- entã o, saber reconhecer e interpretar essa intuiçã o. Acredita-
amento entre o objeto e o sujeito. Poderá , entã o, ter início um remos nela ou desconfiaremos dela? De início, nã o é nada
processo de sutilizaçã o muito menos cristalizado e identi- fá cil gerenciar o processo de contato direto. Nesse momento,
ficado, que dará a possibilidade de ver o condicionamento e o mundo astral colocará estranhas perguntas. Estamos ou
transformá -lo. nã o ligados a outras dimensõ es? Os mundos interiores exis-
Essas diferentes etapas tê m um sentido e nã o existem tem realmente? Temos acesso à esfera do conhecimento em
apenas para nos aborrecer. Colocam, permanentemente, nó s pró prios ou a desconhecemos totalmente? Essas per-
desafios bem específicos e nos trazem de volta ao mundo guntas poderã o nos situar.
concreto. É evidente que, no exemplo do sonho em que o Posso citar, por exemplo, um caso em que foram em
rapaz nã o consegue falar com o pai, ele necessita de ajuda recebidos em sonhos nomes de anjos totalmente desconheci-
para compreender onde está o bloqueio emocional, já que dos. Foram necessá rios meses de pesquisa para descobrir se
nã o consegue atravessar o rio que permitirá a comunicaçã o eles existiam mesmo.
mais fá cil com o pai. Será necessá rio transformar o bloqueio Ao descer aos infernos, por outro lado, destrancamos
refe- rente ao elemento á gua para, em seguida, tornar-se todo o conjunto de memó rias ligadas ao que se poderia cha-
possível a transformaçã o dessa energia. mar de experiê ncias físicas. Tive acesso, por exemplo, a me-
O sonho é o reflexo de certos processos do mundo inter- mó rias de vida arcaicas, em que os primeiros peixes saíam da
mediá rio, quer tenhamos ou nã o a memó ria deles. De qual- á gua e respiravam. Foi-me mostrado que a vida nã o tem ori-
quer modo, o que o rapaz sonhou demonstra que ele tem pro- gem terrestre. Vivi essas experiê ncias em sonho e me per-
blemas com o pai, tendo ou nã o consciê ncia disso. Em guntei de onde teria surgido tudo isso? Apesar de todas as
seguida, esse problema aparecerá na vida. O sonho terá sido, nossas dú vidas, certos esclarecimentos nos sã o dados e se
simplesmente, um outro â ngulo de visã o da mesma situaçã o. tornarã o verdadeiros apó s serem vivenciados por nó s no
mundo intermediá rio. Enquanto nã o vivermos esse tipo de
O sonho portador de luz experiê ncia, poderemos apenas ouvir outras pessoas afirma-
rem, por exemplo, que a origem da vida nã o é terrestre, e
O sonho tem outras funçõ es além da purificaçã o do essa idé ia simplesmente poderá ou nã o nos seduzir, mas nã o
indivíduo. Num determinado momento, quando o plano astral iremos alé m disso. No dia, poré m, em que vivermos direta-
estiver relativamente purificado, a comunicaçã o com o plano mente essa experiê ncia, ocorrerá uma transformaçã o.
celeste poderá ocorrer através de sonhos portadores de luz.
Para mim, a importâ ncia do sonho revelador está no
Estará , entã o, acontecendo um trabalho muito mais interes-
contato com os mundos superiores. Esse contato, poré m,
sante do que uma simples limpeza, pois serã o reveladas
ainda representa uma simples etapa. Paradoxalmente, a fina-
questõ es reais referentes ao nível em que nos encontramos.
lidade do mundo astral, bem como a do mundo físico é a de
A partir dessa etapa, poderá ocorrer contato entre o morrer. Num determinado momento, o mundo astral irá se
mundo celeste e o físico, passando pelo mundo astral. Como apagar, ou seja, nã o mais estaremos condicionados por nosso
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tema representado pelo horó scopo natal. Quando o processo Quando o gê meo celeste está encarnado, é evidente que a
do desejo for totalmente integrado, viveremos a libertaçã o experiê ncia se dá no mundo físico, mas, se houver necessi-
dos condicionamentos. dade, por exemplo, de entrar em contato com uma pessoa
Uma vez que o mundo celeste tenha se revelado no ausente, que nã o podemos contatar fisicamente, a comunica-
mundo astral, demonstrando sua realidade, ganhamos uma çã o poderá ocorrer atravé s do sonho. No entanto, saberemos
fé inabalá vel. Nesse ponto, o ser nã o tem mais dú vida e o tratar-se de seu nível astral e, també m, ser o sonho a ú nica
mundo astral pode desaparecer, porque já cumpriu seu forma de contato de que dispomos. O plano astral, nessa cir-
papel. A partir daí, o ser nã o sonha mais e a qualidade do cunstâ ncia terá uma funçã o muito reduzida, mas nã o des-
sono se transforma. Necessitará menos tempo de sono e as prezível, pois o sonho constitui uma ferramenta muito pre-
fases nã o serã o mais entrecortadas. O sonho se apaga por- ciosa durante o trabalho de purificaçã o e de integraçã o dos
que, tendo realizado a si pró prio, nã o mais sustentará dese- condicionamentos astrais.
jos. Com o mundo intermediá rio purificado restabelece-se a É necessá rio saber relativizar o que acaba de ser dito.
comunicaçã o com o gê meo celeste. Unificado a si pró prio, o Dei exemplos de pessoas conhecidas ou desconhecidas, sim-
ser vive apenas o desejo essencial: comunicar o plano físico plesmente para demonstrar que uma interpretaçã o estrita-
com o plano celeste. O sonho, a partir de entã o, nã o tem mais mente psicoló gica considera apenas os acontecimentos exis-
funçã o. Ele é ú til somente quando o ser nã o decodifica con- tenciais. Num sonho, dificilmente imaginamos algo alé m do
creta e fisicamente os fatos e, nesse caso, o plano astral que vivemos e conhecemos. No entanto, frente a situaçõ es
ainda pode expressar-se internamente. extraordiná rias, as informaçõ es deverã o estar enraizadas
Quando o plano intermediá rio se encontra purificado, o noutro lugar. Mais adiante, ao examinarmos concretamente
verbo encarna-se realmente e o verdadeiro trabalho nã o será os sonhos, veremos a importâ ncia de relativizar o que se
mais sobre o nível astral, mas sim testemunhar no mundo. sonha. O que, por exemplo, significa sonhar com um des-
Como se pode observar, os atos essenciais entre a Ressurrei- conhecido ou andar sobre as á guas?
çã o e a Ascensã o de Cristo foram os de dar testemunho.
Tomé toca as chagas, o que indica que os fatos se passam no
mundo da matéria e está em questã o a operaçã o direta. A revelaçã o do mundo celeste
Nessa etapa, o plano astral atenua-se bastante, mas As questõ es sobre a descida da energia colocam-se
poderá , à s vezes, exprimir-se entre o plano celeste e o físico, quando começamos a conectar nã o mais com o que emerge
sem correlaçã o direta com um objeto específico. Por exemplo, do mundo físico, mas com o que desce do mundo celeste para
quando o gêmeo celeste tiver encarnado, o ser viverá no pre- o mundo astral.
sente, mas, como esse presente é eterno, nem sempre será Como o mundo celeste, informal por essê ncia, encontra
fá cil diferenciá -lo do passado e do futuro. O mundo astral, uma forma reconhecível para se comunicar conosco? Ou
entã o, poderá enunciar uma mensagem vinda do mundo entã o, como poderemos saber se estamos realmente em con-
celeste através de um sonho de inspiraçã o profética. Isso tato com o anjo, já que se trata de uma consciê ncia invisível?
quer dizer que, em vez de uma inspiraçã o do presente, o Num sonho, o anjo nã o nos dirá : “Oi, estou aqui, sou um
mundo astral indica o que ocorrerá mais adiante, permitindo anjo e vou te fazer uma revelaçã o”.
diferenciar e agir com clareza. O mundo celeste compreende um nível de onisciê ncia ou
onissapiê ncia, isto é , uma espé cie de conhecimento total que

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engloba todas as formas, portanto livre de todas elas. Esse revestir-se. Ao mesmo tempo, a dimensã o celeste só poderá
mundo de conhecimento é , poré m, estranha e paradoxal- despertar-nos à medida que estivermos despertos para ela.
mente, inconsciente. O ser terrestre, por outro lado, é cons- Mais adiante iremos aprofundar o exame dos símbolos
ciente, mas ignorante, por se encontrar identificado à s for- para tentar compreender como se dá a transcriçã o do mundo
mas. Ele só poderá tornar-se consciente e conhecedor atravé s físico para o astral. Caso se tratasse simplesmente de uma
de um confronto recíproco. O gê meo terrestre terá que reen- transcriçã o direta, nã o haveria diferença entre o estado de
contrar e reconhecer a dimensã o celeste. Há um jogo de sonho e o desperto. Existem pontos idê nticos, já que é per-
espelho muito sutil entre os dois gê meos e, a partir do mo- feitamente possível sonhar com uma situaçã o real, mas o
mento em que o gê meo terrestre der um passo em direçã o ao processo do sonho nã o utiliza a linguagem do mesmo modo
celeste, este també m dará um passo em direçã o à quele. que o fazemos na vida cotidiana. Nã o utiliza a mesma lingua-
O problema é que, do lado terrestre, só podemos cons- gem do estado desperto, mas sim uma linguagem de símbo-
cientizar-nos das coisas atravé s de formas mentais e físicas. los.
Se nos defrontarmos com o Vazio, com o Todo, nada capta- Advé m daí a necessidade essencial de trabalhar-se sobre
remos. O gê meo celeste, a dimensã o celeste em nó s, para o simbolismo, indicaçã o igualmente vá lida para todos os pro-
tornar-se identificá vel terá que se revestir de uma forma: por cessos iniciá ticos. O simbolismo conduz, especificamente, ao
se tratar de pura luz, só assim será reconhecido. Para tanto conhecimento do mundo astral. Dominar os símbolos signi-
serã o utilizadas vestimentas que conhecemos e que perten- fica conhecer a linguagem do mundo astral e adquirir o poder
cem à s nossas experiê ncias cotidianas. Se fô ssemos marcia- de estabelecer comunicaçã o entre o mundo celeste e o mundo
nos e vivê ssemos numa outra consciê ncia de vida e de corpo, terrestre. Poré m, é preciso diferenciar o simbolismo que
com quatro cabeças e dezoito braços, se tivé ssemos acesso a exprime formas, do simbolismo tradicionalmente chamado de
níveis interiores, estes se revestiriam de formas correspon- passivo.
dentes, ou seja, as imagens teriam quatro cabeças e dezoito O simbolismo, que exprime formas, permite a comunica-
braços. Da mesma forma, se os animais se revestissem de çã o entre os dois planos. Trata-se, poré m, de um simbolismo
folhagens em vez de pê los, toda referê ncia à força animal em que ainda nã o pertence ao plano celeste. Podemos estudá -lo e
nó s viria sob a forma de animal com folhagem. ter um bom conhecimento dessa ferramenta atravé s da
Podemos compreender, cada vez melhor, como a dimen- astrologia, da alquimia, da cabala, das prá ticas respirató rias
sã o celeste revela-se em nó s e de qual forma teofâ nica7 ela irá e das visualizaçõ es sem, necessariamente, alcançar uma
experiê ncia do mundo celeste. O mundo astral, ou mais pre-
7 A raiz Teo significa Deus, e fania, forma. Portanto, teofania é uma forma de cisamente sua travessia, corresponde ao que se chamava
Deus. Essa expressã o mais parece uma incoerência, porque Deus nã o tem antigamente de pequenos misté rios. Na verdade, sã o os ú ni-
forma e nã o pode ser apreendido por ela. Há aí algo muito estranho,
cos que podem ser ensinados. As escolas e os ensinamentos
paradoxal e misterioso. O Divino, que por essência nã o tem forma, cria uma,
aparentemente separada de Si, com a finalidade de revelá -Lo. foram criados para essa finalidade. Mas, a partir do momento
Estranhos jogos de inversã o ocorrem aí. É por essa razã o que as formas em que um contato real com o mundo celeste se estabelece,
astrais tê m dupla possibilidade. Há , de um lado, o jogo da serpente astral as experiê ncias tornam-se sem forma e nã o-duais. Elas nã o
que consiste em identificar a consciê ncia física com as formas astrais,
poderã o ser expressas no mundo da maté ria, visto que cada
tornando-as antiteofâ nicas, ou seja, impedindo o contato delas com o Divino.
A outra possibilidade consiste em liberar e dominar as formas astrais para palavra está ligada a uma forma, a algo percebido, apreen-
que, paradoxalmente, se tornem reveladoras do Divino. dido, dito, portanto, diferençá vel.
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Andar sobre as á guas O que significa andar sobre as á guas? Uma primeira
resposta seria a possibilidade de dominar o mundo das emo-
Sonhar que andamos sobre as á guas, por exemplo, exi-
çõ es e també m um certo domínio dos processos que possibi-
girá a compreensã o interior desse significado. Simbolica-
litam a vida tomar forma. Na vida prá tica, se tentarmos an-
mente o que quer dizer andar? O que significa a á gua ou as
dar sobre as á guas, afundaremos ou nos afogaremos. Num
á guas? Como responder a essas questõ es a partir da expe-
sonho, poré m, a situaçã o em que nos vemos andando sobre
riê ncia? A base de todos os ensinamentos iniciá ticos dos
as á guas, pode significar que temos a capacidade de dominar
pequenos misté rios consiste na má xima: “Observa o visível e
esse nível. O difícil, num sonho dessa natureza, é saber se
conhecerá s o invisível”. O que seria, portanto, uma experiê n-
algo das memó rias sutis nos está sendo desvendado, devido
cia visível da á gua e como passaríamos para um nível mais
ao fato de já termos dominado o nível terrestre – nesse caso,
sutil de experiê ncia?
o sonho representa uma confirmaçã o de um novo nível – ou
A á gua, por exemplo, serve para limpeza e purificaçã o. Se
se (o que acredito ser mais prová vel), estamos em pleno pro-
estivermos com as mã os sujas, nó s as lavamos. Ela sacia a
cesso de concretizar certos atos físicos, construindo nosso
sede, uma de nossas necessidades orgâ nicas mais premen-
edifício interior, e já vislumbrando a capacidade de dominar
tes. Se tirarmos a á gua de uma planta, ela logo morrerá . A
nossas emoçõ es.
á gua produz energia; é uma força motriz. Ela també m repre-
Uma imagem talvez ajude a compreender o que acabo de
senta a adaptabilidade necessá ria à vida, dada sua proprie-
dizer. Quando dirigimos um automó vel, as paisagens vã o
dade de tomar as mais variadas formas. Se tentarmos colocar
descortinando-se aos nossos olhos e se as vemos é porque
um pires dentro de uma garrafa, nã o será fá cil, mas, se
estamos no lugar específico em que elas se encontram. Do
pusermos á gua, nã o haverá problema algum. A adaptabili-
mesmo modo, a capacidade de uma visualizaçã o global
dade da á gua faz com que ela esteja a serviço de todas as
acontece quando tocamos o nível celeste, que é criador e
formas. Conté m, efetivamente, a noçã o de forma vital, pois
ativo em relaçã o à nossa dimensã o terrestre.
permite o crescimento da vida. Em seguida, poderemos exa-
Contatar arquétipos como o de andar sobre as á guas,
minar os atributos muito mais sutis como, por exemplo, os
significa que se pode comunicar de novo com o nível original
princípios morais que, no caso da á gua, pode ser a humil-
de si pró prio, com alguém que sempre fomos, mas de quem
dade. A lá grima, por outro lado, constitui a experiê ncia sensí-
nos havíamos esquecido. O mesmo pode ser dito do contato
vel ligada à s emoçõ es: podemos chorar de tristeza ou de ale-
com o nível celeste: só é possível voltar à quilo que sempre
gria.
fomos por toda eternidade.
Como podemos verificar, a base do simbolismo é consti-
Se, atravé s do sonho, tomamos consciê ncia de algo refe-
tuída por fatos simples, por experiê ncias de realidades muito
rente aos mundos de luz, trata-se apenas da revelaçã o
concretas, poré m acrescidas de uma espé cie de informaçã o
daquilo que já somos. Essa é a ú nica revelaçã o possível.
subliminar para o nosso consciente. Isso nã o significa que a
relaçã o, por exemplo, tristeza-choro, á gua-emoçã o, seja obri-
gatoriamente conscientizada. Talvez nã o seja consciente, mas O aprisionamento em formas-pensamento
algo em nó s a reconhecerá , pois, ao ocorrer uma impressã o Atendo diariamente em meu consultó rio pessoas aprisio-
subliminar da experiê ncia no físico, o ser poderá utilizar essa nadas em conceitos mentais, que funcionam numa relaçã o de
impressã o e, assi m, transcrever vivê ncias do mundo astral. causa e efeito interminá vel. Recentemente, atendi uma

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assistente social que havia sido muito condicionada pelas mais crescemos, com menos raiva ficamos. Isso, poré m,
questõ es de segurança material. Ela vinha sendo paga para acontece sem qualquer esforço da nossa parte.
tomar conta de duas crianças. De repente, por razõ es alheias O mesmo ocorre em relaçã o aos pensamentos. Se come-
ao seu trabalho, uma das crianças foi transferida, o que lhe çar a pensar “Isso nã o vai funcionar”, na verdade, já estarei
causou uma angú stia terrível, pois acreditava que, com o imobilizado, atado a um conceito específico que me aprisiona.
pagamento recebido por cuidar de duas crianças, nã o corria É por essa razã o que muito aprecio um dos lemas da cavala-
riscos financeiros, mas com o recebido por cuidar de apenas ria: “Faça o que deve ser feito, e aconteça o que tiver que
uma, seria difícil manter-se. Na realidade, essa situaçã o era acontecer”.
totalmente falsa, pois, alé m de possuir economias, seu ma- O interessante é podermos enfrentar qualquer situaçã o
rido també m trabalhava. Ela estava, na verdade, prisioneira estando livres das formas. Podemos em todas as situaçõ es,
de uma forma-pensamento. Isso vai tã o longe, que se mesmo nas mais desfavorá veis, conquistar a possibilidade de
enquanto terapeutas estivermos prisioneiros do mesmo tipo sairmos vencedores do combate. Mas, quando somos infe-
de problema com relaçã o ao dinheiro, nã o reconheceremos o riores em nú mero, só poderemos vencer o combate se conse-
processo do paciente e sentiremos esse mesmo medo e inse- guirmos surpreender o adversá rio que está em nó s. Ele acre-
gurança. ditará que funcionaremos de um certo modo, mas agiremos
No â mbito afetivo ocorre a mesma coisa. Se, por exemplo, de outro. Trata-se de um jogo e é preciso ter muita leveza. Se
nosso cô njuge partir ou quiser se divorciar, isso representará nã o estivermos presos à s formas, seremos necessariamente
para nó s uma verdadeira catá strofe. Nã o vivemos, de fato, um simples. Uma das acepçõ es etimoló gicas da palavra simples é
processo de vida, mas um conceito anterior específico, que simplice, “sans plis”, ou seja, sem dobras. De fato, sem as
funciona como um fio condutor. Quando os acontecimentos dobras entre os diversos mundos, tudo circula. Colocamo-nos
se adaptam a esse fio condutor, acreditamos que tudo vai a serviço daquilo que É .
bem. Se, ao contrá rio, os fatos nã o estã o de acordo com esse O importante é aceitar ser o que somos a cada momento,
modelo, acreditamos estar vivendo uma tragé dia, o que nã o é sem procurar ser outra pessoa. A melhor maneira de dominar
necessariamente verdade em nenhum desses casos. nossos vícios nã o é pelo combate direto, porque desse modo
Libertar-se desse tipo de situaçõ es consiste em nã o estar acabamos por alimentá -los. Deveríamos dizer a cada um
mais preso a conceitos ou emoçõ es e nã o mais representar deles: “Eu o vejo e talvez você se leve a sé rio, mas eu nã o”. A
um papel. Liberar-se nã o significa ser um santo e permanecer partir de entã o, se nã o dermos mais energia aos vícios, sua
imó vel, numa bela roupa branca, com os braços em cruz, força se desvitalizará por si só .
transcendendo qualquer sofrimento com um largo sorriso,
mas sim poder perceber a cada instante as raivas, reclama-
çõ es, cobranças ou cansaços. Estar livre de formas emocio- Relato 1: Sonhos recorrentes com a á gua
nais ou mentais significa brincar ou jogar na mesma direçã o Narrador: Tive sonhos recorrentes com o elemento água,
delas, mas sem se iludir. Por exemplo, quando estivermos nos quais vivia algo aterrador, mas, pouco tempo depois, tive
com raiva, nó s a sentiremos e essa tomada de consciê ncia outro sonho em que mergulhava na água e que foi muito praze-
permitirá avaliar se devemos ou nã o interromper essa dispo- roso, apesar de não saber nadar bem. Qual é o significado de
siçã o, uma vez que possuímos um certo controle da situaçã o. um deles ser liberador e transmitir paz, e o outro, um sofri-
Assim funcionando, perceberemos a posteriori que quanto

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mento total? Por que o mesmo símbolo pode ter traduções to-
talmente diferentes?
Há diversas imagens num mesmo símbolo. Podemos, por 3. A Relaçã o do Sonho com a
exemplo, ver-nos andando sobre as á guas ou, entã o, sonhar
com a á gua entrando em conflito com o corpo, com a terra. Queda, o Sofrimento e o Desejo
Podemos sentir-nos submersos, afogados pelas á guas ou,
pelo contrá rio, dando mergulhos sem risco algum.
As duas circunstâ ncias mostram a mesma realidade de
duas maneiras diferentes. Num primeiro nível, o lado dolo-
roso do símbolo aponta para dificuldades existentes na esfera
J á definimos, até aqui, uma relaçã o entre o sonho e o
mundo astral. Seria oportuno, agora, examinar alguns
elementos teó ricos que nos ajudarã o a estabelecer a rela-
emocional. Num segundo nível atesta que temos a capacidade çã o do sonho com o desejo, com o sofrimento, com a carê ncia
de sairmos vencedores desse confronto emocional, pois nã o e, conseqü entemente, com a doença.
sofremos danos por estarmos submersos. Sonhos como esses Na Busca do Graal, o pecado original está diretamente
encorajam a descer e penetrar na á gua. ligado ao ferimento do Rei Pescador. Isso quer dizer que
existe em nó s um nível matricial, original, que foi ferido no
Questã o: O inconsciente processo de descida em direçã o à matéria. É nesse nível ori-
ginal ferido que se encontra a origem de tudo o que se pode
A: Gostaria de entender melhor o que é o inconsciente. chamar de doença. A matriz das doenças físicas acha-se no
Para melhor compreender o termo inconsciente é neces- nível astral. As exceçõ es sã o raras, como é o caso, por exem-
sá rio observar o funcionamento de todos os circuitos que plo, de um acidente qualquer de carro, que nã o se encontra
mencionamos até agora. Existe um inconsciente muito forçosamente inscrito no nível astral.
arcaico, primá rio e instintivo, que se refere ao mundo físico e O sonho sempre nos falará de nossa doença, mesmo
aos processos fisioló gicos que se desenvolvem sem que quando se mostrar agradá vel. As matrizes astrais contê m
tenhamos qualquer consciê ncia deles. Há um inconsciente toda a memó ria akáshica8, ou seja, todas as fases da Criaçã o
alimentado por experiê ncias físicas, num limiar que podería- que nos dizem respeito. É por isso que um sacerdote ou um
mos chamar de subconsciente. Há um inconsciente mais xamã em contato com o plano astral poderã o interpretar os
especificamente astral, ligado a todos os condicionamentos sonhos, apreendendo os acontecimentos originais da doença,
cá rmicos com os quais somos construídos. Há , finalmente, captando o protó tipo astral da ferida e do sofrimento.
uma espé cie de supraconsciente, que atua sem a nossa cons- Quando soubermos ler e compreender o sentido do sofri-
ciê ncia, ligado ao que denominamos anteriormente de gê meo mento, poderemos integrar o processo de separaçã o em nó s
celeste. Existem, portanto, diferentes níveis nessa ampla á rea pró prios e ajudar outros indivíduos a se reunificarem consigo
que nã o é consciente em nossa vida comum. pró prios. Nos sonhos, bem mais freqü entemente do que pen-
samos, há indicaçõ es de processos de cura, pois, comparado
ao estado no qual nos encontramos em vigília, o sonho pode
levar-nos muito pró ximos da supraconsciê ncia clara.

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8 Akasha, em sâ nscrito, significa maté ria primordial. (N. rev.)

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A aparente contradiçã o dos dois sonhos recorrentes tando e encontrando explicaçõ es para tudo na astrologia,
sobre a á gua, relatados anteriormente, comprova essa será preciso dizer a ela que consulte as Efemé rides apenas
indicaçã o de cura. Um deles falava da situaçã o e detectava um trê s vezes ao ano. Mas, inversamente, se algué m acredita que
problema emocional, mas o outro entrava em contato com a tudo acontece por acaso, sem causas subjacentes, é preciso
consciê n- cia xamâ nica, como que dizendo: “Desça, nã o hesite mostrar-lhe que há relaçõ es de causa e efeito muito evidentes
em en- contrar essas forças emocionais que você vê , entre na para os acontecimentos.
á gua e nã o morrerá ”. É como se houvesse aí a possibilidade Quando se tem o domínio de certas forças de condicio-
de um ato terapê utico. namento, nã o é necessá ria uma bola de cristal para prever o
futuro. Apenas com essa compreensã o e o uso da consciê n-
O cará ter evolutivo das doenças cia, é possível mostrar como as pessoas funcionam e quais
sã o os seus problemas na vida. E como isso de fato funciona,
Todas nossas doenças podem ser ú teis, tais como obstá - fica demonstrado que há condicionamentos subjacentes.
culos que devemos ultrapassar para evoluir. Nã o precisamos
considerá -las como algo absolutamente negativo ou patoló -
gico. Trata-se, poré m, de uma questã o complexa. O simbolismo nas vestes culturais
Uma dor de cabeça ou um cá lculo no rim nã o tê m qual- Devemos compreender como o mundo dos sonhos fala
quer sentido em si. Para melhor compreender o tema é opor- por meio de arqué tipos e de símbolos, que podem ser mais ou
tuno voltar ao que dizíamos sobre os trê s corpos. Se depois menos coletivos ou mais ou menos particularizados, segundo
do quinto litro de bebida alcoó lica eu ficar com um pouco de as culturas e as sociedades. É muito importante, na aná lise
dor de cabeça, nã o se trata de um processo cá rmico, mas, de dos sonhos, estabelecer o nexo entre o simbolismo e a domi-
moderar a ingestã o de bebidas. Por outro lado, nunca me nante cultural em que o indivíduo se situa, embora haja
passaria pela cabeça beber cinco litros de á lcool. Portanto, també m arqué tipos coletivos. Ao interpretarmos o sonho de
algumas respostas patoló gicas referem-se estritamente ao um pigmeu, é evidente que nã o poderemos usar a mesma
registro do mundo físico, pois compreendem a respiraçã o, a interpretaçã o que faríamos para um ocidental que vive na
alimentaçã o, a higiene. Mas, subjacentemente, existe a Europa, nem para um chinê s ou para um índio da Amazô nia.
questã o do motivo pelo qual iremos desenvolver uma Outro detalhe importante, que todos os psicó logos e psi-
bulimia, ou iremos beber alé m do limite, ou estaremos ainda, canalistas comprovam, é que o símbolo é portador de um
num dado momento, sensíveis ao vento frio e, por isso, sentido diferente para o sonhador e para quem o interpreta.
adoecere- mos. Se submetermos o mesmo sonho a dez intérpretes, teremos
Como podemos concluir, os acontecimentos estã o muito dez interpretaçõ es diferentes.
mais condicionados aos mundos interiores do que imagina- O símbolo, por sua pró pria natureza, exprime uma certa
mos. O problema é que nã o sabemos reconhecê -los, pois nã o totalidade e o intérprete, dentro dessas referências globais
possuímos as chaves de interpretaçã o. terá um ponto de vista particular. Por exemplo, se numa reu-
Para fazer face a essas questõ es, devemos manter-nos niã o de amigos observarmos um vaso de flor, cada um verá
muito livres das formas. No processo terapê utico, é neces- essa flor sob o seu ponto de vista, que é diferente dos demais.
sá rio alimentar sempre a parte contrá ria à dominante. Se, Falaremos da mesma planta, mas com visã o de detalhes bem
por exemplo, uma pessoa está condicionada a viver consul- diferente . Do mesmo modo, os diferentes pontos de vista na

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interpretaçã o de um sonho nã o se excluem mutuamente. astral ou um nível superior que nos prepara para uma nova
Muito pelo contrario, o interessante é encontrar uma visã o liberação?
mais global, central, atravé s dos diferentes pontos de vista. Os dois. No plano astral, existe uma premoniçã o ligada
à s situaçõ es de causa-efeito. Nesse sentido, podemos prever
Relato 2: O sonho da pasta verde que hoje à noite será noite ou, se formos camponeses e
tivermos plantado grã os de trigo no campo, teremos toda
Narrador: Sonhei que uma pasta verde havia desapare-
certeza de que nã o colheremos milho. Isso pode parecer
cido. Trabalho com ícones no computador e o símbolo que con-
bobo, mas é a verdade. Há um determinado tipo de
tém o programa do fax era de cor verde. Compreendi então que
semeadura no mundo astral e, se minha vida cotidiana leva
a pasta do meu sonho tinha que ver com comunicações. Ne-
a um certo tipo de efeitos e conseqü ê ncias, provavelmente
nhuma outra pessoa poderia dar essa interpretação porque eu
esses efeitos se tornarã o causas secundá rias que, por sua
é que dou cores para meus ícones, foi uma mensagem pessoal.
vez, levarã o a ou- tras conseqü ê ncias. Por exemplo, se nos
O exemplo é muito interessante, porque mostra como o
dirigirmos a outra pessoa e lhe dermos um abraço,
sentido dos símbolos evolui permanentemente. Há mil anos,
poderemos facilmente prever que ela terá , no futuro, uma
nã o se poderia dar uma interpretaçã o simbó lica de sonhos
atitude muito mais aberta em relaçã o a nó s do que se a
com aviã o, trem ou uma pasta verde de computador. Hoje, no
tivé ssemos esbofeteado. Precisamos compreender que, no
entanto, esses elementos aparecem no sonho, o que prova a
plano astral nossos gestos sã o gerado- res de causas, que,
existê ncia de processos de circulaçã o. Mas a atuaçã o do
por sua vez, trazem novas conseqü ê ncias. Quanto à
inconsciente, como defini há pouco, també m fica demons-
premoniçã o que vem do mundo celeste, con- siste numa
trada, pois no sonho apareceu uma pasta verde e nã o a proje-
visã o que poderíamos qualificar de profé tica. O que
çã o da pasta na tela do computador. O fato de aparecer como
significa uma profecia em termos do mundo celeste? No
uma pasta e nã o como o ícone que você colocou em seu com-
fundo, somos chamados a nos tornar aquilo que somos de
putador, mostra a transcriçã o inconsciente entre um ele-
verdade. Trata-se de um nível em que nã o há dualidade, já
mento particular e a maneira como ele é expresso no mundo
que somos chamados a ser o que somos. Nã o há outra profe-
astral. Há també m outras interpretaçõ es possíveis, que nã o
cia a nã o ser essa. O problema é que nã o sabemos quem
excluem essa, ligadas ao computador, ao fax, ou à comunica-
somos. Nã o se trata, no caso da profecia, de uma relaçã o de
çã o. causa e efeito qualquer, mas sim de “Seja o que você é ”.
Constitui-se numa maneira de falar de Jehovah: “Eu Sou
Questã o: Os sonhos premonitó rios Aquele que É ”, ou “Eu Sou Aquele que Sou”.
A profecia consiste em realizarmos o que realmente
A: Observei muitas vezes que os sonhos têm um tom pre-
somos desde sempre. Na Busca do Graal, por exemplo, a
monitório. Quando a dificuldade começa a aparecer em sonho,
profecia de que Arthur se tornaria rei, significa que, mesmo
fico desesperada e me pergunto: “O que será isso?” Passam-se
antes de sê-lo no mundo terrestre, ele já o era no mundo
dois anos e os eventos e dificuldades sonhados acontecem, de
celeste. Como o mundo celeste é emanador do plano terres-
fato, na vida. É como se uma força já detectasse que aquela
tre, mais cedo ou mais tarde, ele acabaria por se tornar rei.
área teria que ser trabalhada. De onde vem isso? É o plano
Existem també m profecias que nã o sã o individuais e se
referem a ciclos coletivos, como é o caso do Apocalipse de Sã o
49 50
Joã o ou das profecias de Nostradamus. Sã o Joã o e
Nostra-

49 50
damus foram pessoas que tiveram conhecimento dos ciclos e o risco de morrer.” Os dois nã o se dirigem à mesma parte de
que viram antecipadamente certos acontecimentos nó s mesmos.
específicos da histó ria do mundo. Embora isso possa parecer Frente à questã o do determinismo dos ciclos, podemos
estranho, ao estudarmos a histó ria das religiõ es e civilizaçõ es, buscar a mesma compreensã o. É evidente que, no processo
percebe- mos que, em geral, no curto intervalo de dez anos – de involuçã o em direçã o à maté ria, há matrizes específicas de
que na vida do universo equivaleriam apenas a alguns condicionamentos e, sob esse â ngulo, nã o temos muitas es-
segundos – ocorreram fatos que sacudiram civilizaçõ es. Por colhas. A partir dessa constataçã o, basta um só passo para
exemplo, poucos anos apó s a destruiçã o dos livros da se afirmar que somos marionetes. Por outro lado, visto sob o
biblioteca de Alexandria, houve um auto-de-fé semelhante no â ngulo do mundo físico, també m é verdade que Deus descan-
mundo oci- dental, no qual todos os livros foram queimados sou e se retirou do mundo no sé timo dia da criaçã o, o que
por ordem do Imperador. Acontecimentos paralelos, que significa que Ele nos deixou livres.
aparentemente nã o estã o interligados, ocorrem em pequenos Mesmo na Astrologia afirma-se que “os astros inclinam,
intervalos de tempo. mas nã o determinam” ou que “os astros dispõ em, mas nã o
Alé m dos ciclos estudados pela astrologia, que se desen- impõ em”. Existem, de fato, inclinaçõ es específicas, mas no
volvem no má ximo em duzentos e quarenta anos, como é o nível da terra, há possibilidade de uma resposta livre. Somos,
caso do ciclo de Plutã o, existem outros ciclos, muito mais paradoxalmente, muito mais condicionados e muito mais
amplos, que pertencem ao campo esoté rico. Nã o passaría- livres do que imaginamos. Para comprovar essa afirmaçã o,
mos, entã o, de simples marionetes nas mã os dessas forças basta observar como se desenrolam os acontecimentos no
que determinam os ciclos? caso de gê meos ou de pessoas que tê m praticamente mesmo
Uma vez mais, para responder a questõ es desse tipo, é mapa natal. É evidente que os ciclos sã o muito parecidos,
necessá rio compreender em que ponto de vista nos coloca- mas que també m ocorrem diferenças notá veis nos aconteci-
mos. É interessante voltarmos, por exemplo, aos capítulos 2 e mentos, o que demonstra a existê ncia de certa liberdade.
3 do Gê nesis. Deus diz ao homem: “Mas da á rvore do Devemos tentar sentir aos poucos, alé m de todas as for-
conhecimento do bem e do mal nã o comerá s, porque no dia mas de condicionamento, o que realmente é justo para nó s
em que dela comeres terá s que morrer”. Já a serpente afirma: pró prios. A partir dessa constataçã o, podemos determinar-
“Nã o, nã o morrereis! Deus sabe que, no dia em que dela nos a realizá -la concretamente, procurando obedecer a essas
comerdes, vossos olhos se abrirã o e vó s sereis como deuses, intençõ es e aspiraçõ es, custe o que custar. Sempre que nos
versados no bem e no mal”. Podemos dizer, entã o, que um dispomos a ir até o fim de nó s mesmos, vemos que qualquer
dos dois mente e, como a serpente nã o tem boa fama, caminho seguido é sempre muito bom.
concluímos ser ela a mentirosa. Na realidade, nenhum dos O problema nã o consiste tanto na escolha do que é bom
dois mente, pois trata-se de duas verdades e nã o “da ver- ou ruim para a nossa realizaçã o, mas sim no engajamento
dade”. A verdade é que a gente morre e nã o morre ao mesmo numa direçã o, indo até o fim, pois o caminho que fazemos é
tempo. Nas palavras de Deus “terá s que morrer”, há a visã o que nos faz. Se o caminho que trilhamos está cheio de dú vi-
premonitó ria a respeito do ser existencial, da consciê ncia das, equívocos e indecisõ es, é evidente que seremos dú vidas,
identificada à maté ria, que efetivamente morrerá . A serpente equívocos e indecisõ es. No entanto, se nos empenharmos até
vê o outro lado, o ser eterno, e diz: “Você é imortal e nã o o fim, se estivermos completamente voltados em direçã o a
corre nó s mesmos, é evidente que nos defrontaremos com uma
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sé rie de dificuldades no caminho, mas encontraremos tam- antenas um pouco mais sensíveis e, desse modo, captar e
bé m a força para ultrapassar todas essas dificuldades. prever certos acontecimentos possíveis.
O caminho que nos constró i nos permitirá descobrir que Mesmo nã o sendo ligado à problemá tica social e nã o me
temos muito mais força interior do que pensá vamos. É por tendo colocado essas perguntas, visõ es semelhantes me
essa razã o que umas das bases da vida espiritual é a von- foram dadas. Por exemplo, alguns dias antes da Guerra do
tade. Pouco a pouco, a vontade do ego transforma-se em Golfo, vi os iraquianos fazendo aviõ es falsos e os americanos
vontade do Si. Mas nã o pode haver realizaçã o espiritual se, mandando bombas sobre esses alvos ilusó rios. Há vá rios
desde o início, nã o houver um ser de vontade. anos me sã o mostrados fatos como os desse relato do titâ nio
e do selênio.
Relato 3: O sonho com o titâ nio e o selê nio Há nas matrizes de causa e efeito coletivas, movimentos
que tendem, de fato, em direçã o a crises muito graves. Isso
Narrador: Sonhei que estava num local de forma ovóide, significa que, atualmente, a humanidade está muito doente.
mas não era uma caverna. Estava muito escuro e, perto de O desafio atual para a humanidade é o de se descondicionar
mim, havia uma pessoa vestida de negro, que me deu a im- das matrizes astrais que constituíram o ciclo atual, enten-
pressão de ser meu guia. Estávamos a pé e a figura encon- dendo por ciclo atual os dois mil anos que nos precedem.
trava-se à minha direita; ela me dava a impressão de um ser Para passarmos para a Era de Aquá rio, será necessá rio o
de respeito. Senti que havia algo a ser conduzido, mas não descondicionamento dessas matrizes psíquicas. Estamos,
havia forma alguma, somente a impressão. Tive a clara im- portanto, num tempo de mudanças.
pressão de que ela dizia: “Ou a humanidade evolui ou haverá
As matrizes psíquicas, que podem ser matrizes de libera-
uma guerra nuclear. Os elementos que podem ser utilizados
çã o ou de destruiçã o, segundo a escolha que a humanidade
para uma coisa, também o podem para a outra. E os elementos
fará , remetem-nos à Selene, a Lua. Serã o, de liberaçã o, se a
são o titânio e o selênio.
humanidade trabalhar agora suavemente essas matrizes de
Ao acordar, achei tudo muito estranho, pois não havia civilizaçã o, ou serã o de depressã o, se a humanidade nã o con-
pensando, lido ou visto na televisão nada sobre isso. Eu rela- seguir transformá -las. Atualmente há um grande nú mero de
cionei o titânio com titã e o selênio com a Lua. pessoas bem deprimidas, o que parece estar ligado a essa nã o
É muito interessante o significado da relaçã o com o titã e transformaçã o. A maioria das pessoas, na é poca atual, ainda
a Lua, que apontam dois mundos diferentes. O fato de nã o está muito identificada ao que é antigo; portanto, a velhas
haver forma definida e de o ambiente ser escuro – o que nã o matrizes psíquicas. Elas estã o agarradas a galhos mortos e,
deve ser confundido com os sonhos que se referem à sombra como é evidente que algué m está cortando esses galhos, se
– indica um contato com o guia, com o arqué tipo celeste. nã o ocorrer uma transformaçã o no nível lunar, elas se que-
É prová vel que, nos tempos atuais, certas pessoas brarã o junto com os galhos.
tenham esse tipo de sonho. Isso també m ocorreu vá rias vezes
Quanto ao nível titâ nico, refere-se ao mundo celeste. As
comigo, o que me leva a considerar que tais sonhos nã o
forças titâ nicas, as mais instintivas e primá rias que nos
podem ser qualificados de pessoais, pois, embora carreguem
constituem, estã o ligadas ao arqué tipo do homem ruivo ou
um conteú do pessoal que nunca pode ser negado, contê m ao
vermelho. Esse homem vermelho deve se transformar em
mesmo tempo um significado coletivo indiscutível. À medida
homem verde por meio de um processo espiritual. A humani-
que a humanidade evolui, certas pessoas podem desenvolver
dade, portanto, terá que encontrar a capacidade de transfor-
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mar essas forças titâ nicas subjacentes, que sã o quase capacidade de compreensã o e reaçã o. No entanto, atual-
crísticas. Se nã o souber transformá -las, será confrontada por mente, a maior parte das pessoas tem uma atitude de pro-
forças de uma amplitude destrutiva fenomenal, que podem jeçã o egocê ntrica e, se tentamos praticar atos de fraternidade
chegar até à destruiçã o da maté ria. Talvez, advenha daí a e de solidariedade, quase nã o encontramos respostas. Cada
imagem da guerra nuclear. Isso posto, nã o precisa ser ne- um permanece em seu nível de proteçã o: “Sei o que tenho, o
cessariamente entendido como um cataclismo nuclear, o que que possuo e, como há riscos, procuro proteger-me”. Esse
també m poderá ocorrer, mas refere-se principalmente à comportamento, cedo ou tarde, levará as pessoas à autodes-
expressã o de um caos extremo. truiçã o.
Pela percepçã o que pude ter nesses ú ltimos anos, acre- Estamos frente a escolhas bem específicas, que devem
dito que tivemos entre l989 e l993 um conjunto de possibili- passar por estruturas definidas, que por sua vez incluem
dades de mudanças mais suaves. Poré m, a maioria das pos- desafios subjacentes de individuaçã o. Nã o podemos estimular
sibilidades nã o foram transformadas em atos, o que deixa o nível de individuaçã o de algué m em estruturas amplas
presumir que, nos pró ximos anos, corremos o risco de ir em demais, como é o caso das estruturas econô micas e profis-
direçã o a eventos mais dramá ticos do que os que vivemos até sionais nas quais nos encontramos.
hoje. Viveremos situaçõ es caó ticas e de muita desordem, nas Creio que uma das estruturas que possibilitariam atra-
quais vigorará a lei da selva, ficando o homem muito pró ximo vessar esse tipo de crise, é a das pequenas unidades, com
do estado animal. algumas dezenas de pessoas, onde as relaçõ es sejam de
Já que dispomos de uma certa premoniçã o desses riscos, identidade, de individualidade, de reconhecimento do outro.
torna-se essencial dinamizar os valores morais da humani- Nelas nã o seremos um mero nú mero num computador ou um
dade. Parece haver só duas soluçõ es possíveis nessas crises. uniforme profissional perdido no meio de outras roupagens,
Na primeira, o ser se refugia num comportamento comple- mas sim seres vivendo realmente relaçõ es humanas.
tamente egó tico, em que vigora a lei do mais forte, a lei da É nesse sentido que participo de um projeto, na Breta-
selva – pela qual o objeto do desejo imediato deve ser aten- nha, que visa a permitir o encontro de algumas dezenas de
dido a qualquer custo, mesmo com o preço da destruiçã o de pessoas que se disponham a trabalhar por esse objetivo
nosso semelhante. Na segunda, serã o dinamizadas as reais comum. Essas pessoas, ao construírem o projeto, constroem
dimensõ es morais da humanidade, ou seja, a fraternidade e a a si mesmas, no mesmo sentido simbó lico da construçã o do
solidariedade passarã o a ser expressas em atos, numa capa- Templo, e vitalizam valores de fraternidade, solidariedade e
cidade de comunicaçã o real em que se aceita a diferença unidade. Reconhecem que cada ser é diferente do outro e,
entre o outro e nó s pró prios. Esses valores sã o, na verdade, desse modo, dinamizam o reconhecimento das diferenças em
os da era de Aquá rio e aparecerã o de qualquer maneira nos todos os níveis. A idéia é, em seguida, estabelecer uma rela-
séculos vindouros. Todo o problema está em descobrir como çã o entre essa pequena unidade de seres e uma outra uni-
se efetuará a transiçã o, isto é, como se dará o descondicio- dade maior, que poderá expandir-se até à humanidade como
namento astral para se passar da era de Peixes para a de um todo. Como a humanidade atual está em grande sofri-
Aquá rio. mento, através do ensinamento e da terapia que cada um de
Como Deus nã o é sá dico, nã o está escrito em Seus desíg- nó s domina, seria possível dinamizar processos de cura da
nios que tenhamos necessariamente que atravessar situaçõ es humanidade. Projetos como esse estã o intimamente associa-
catastró ficas. Passarmos ou nã o por elas dependerá de nossa dos ao sonho relatado.
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Nã o pensem que ainda temos vinte ou cinqü enta anos de A partir daí, à medida que nos lembrarmos dos sonhos,
tempo para realizar tudo isso. Os tempos tê m suas exigê ncias por eles nos interessarmos e os apreciarmos, compreendere-
e, se nos pró ximos dois ou trê s anos nã o houver respostas mos tudo o que eles indicam e o que de fato é importante
muito concretas nesse campo, penso que iremos ao encontro para nó s, mesmo que se expressem por pesadelos. Podere-
de problemas muito graves. mos, entã o, empreender um processo de reconciliaçã o com
nó s mesmos, no qual os sonhos tenderã o a tornar-se cada
Questã o: Como contatar o mundo celeste vez mais luminosos. Teremos maiores possibilidades de con-
tatar o nível celeste, o que nã o quer dizer que nã o o fazíamos
A: O que fazer, antes de dormir, para contatar o mundo antes. O problema é que freqü entemente esses contatos com
celeste? a natureza celeste estã o ligados a uma consciê ncia física
Antes de mais nada, o mundo celeste nã o pode ser vio- separada. Esses contatos nos apontarã o com maior clareza
lado. Isso quer dizer que precisamos aceitar as provas do essa separaçã o, aparecendo aos nossos olhos como sonhos
tempo, a paciê ncia e a obrigaçã o de passar pelos processos de trevas. Apó s a reconciliaçã o interior, as mesmas imagens
de transformaçã o. Mas, alé m desses elementos, a meu ver, a aparecerã o muito mais no sentido da luz.
grande chave é o amor. É preciso realmente amar e entrar em
B: Então devemos acolher os sonhos de sombra?
contato com essa dimensã o. É como se esses contatos fossem
Sim, os sonhos de sombra sã o preciosos, significam sem-
uma relaçã o conjugal entre o ser terrestre e o ser celeste que
pre indicaçõ es muito ricas. Geralmente quando se tem um
somos. É como se houvesse uma complementaçã o, pois trata-
contato com a sombra é porque se perdeu a direçã o da luz.
se de um ato de amor e nã o de violaçã o. É necessá rio colocar-
Ao ver minha sombra, em vez de contemplá -la achando que
se numa atitude amorosa.
sou muito infeliz, será suficiente dirigir o olhar no sentido
Em segundo lugar, é preciso criar as possibilidades de contrá rio para encontrar a luz.
contato com o mundo celeste e lembrarmo-nos delas pela
manhã . Isso significa nã o nos levantarmos precipitadamente,
nã o acordarmos de modo brusco, como por exemplo, com um
despertador, que corta esse contato de maneira repentina. Ao
acordarmos, podemos tentar, nã o com uma vontade separa-
dora, mas com uma espé cie de abandono, de sentimento de
ligaçã o com o outro lado, reencontrar as ú ltimas imagens que
nos carregaram. Depois, de olhos fechados, retornamos a
bobina do sonho, como no processo de rewind de um video-
cassete, tentando lembrá -lo, no sentido retroativo, até que,
pelo efeito da rememoraçã o, o sonho seja fixado numa faixa
de memó ria de longa duraçã o. O sonho no início só se fixa
numa memó ria de curta duraçã o que se apaga apó s alguns
segundos. É como se fosse preciso realizar uma transferê ncia
de escrita de um suporte de memó ria de curta duraçã o para
um outro de longa duraçã o.

57 58
4. Exercícios de Interpretaçã o ciaçã o: foi algo que aconteceu e que nã o é mais. Alé m disso,
nã o estar mais tã o ligado à visã o de uma realidade intempo-
ral, dificulta a aná lise tanto para a pessoa que conta como

V
para a que interpreta, pois existe uma espé cie de dualidade
amos agora entrar num trabalho mais direto sobre os
analítica. Sem dú vida será bem mais fá cil penetrar de novo
sonhos, focalizando suas relaçõ es com o mundo celeste,
no sonho, quando a pessoa o relatar no presente. Estará
já que os enunciados relativos aos planos físico e astral
sonhando enquanto o relata, entrará de novo no sonho num
sã o facilmente encontrados nos livros de psicologia e de
espírito nã o-dual.
inter- pretaçã o de sonhos. Procuraremos enfatizar os tó picos
Quando realizarmos uma interpretaçã o em conjunto, nã o
mais diretamente ligados aos ensinamentos tradicionais, ou
devemos hesitar em apresentar os mais diferentes pontos de
seja, as assinaturas9, os quatro elementos e sua integraçã o
vista.
com o ciclo có smico em que nos encontramos. Examinaremos
tam- bé m a relaçã o dos sonhos com a Lua, que é muito mais
importante do que comumente se supõ e. Relato 4: O sonho da violeta
Quando pretendemos realizar estudos mais sistemá ticos
Narrador: Sonho que estou regando uma violeta e o sol a
sobre os sonhos, alguns cuidados serã o muito ú teis. É im-
banha. No exato momento em que eu jogo a água e o sol bate,
portante escrevê -los logo ao acordar, anotando o maior
ela floresce.
nú mero possível de elementos, pois, mesmo que estejamos
Na verdade, como gosto muito de violetas, na minha casa
lembrando bem do sonho, pouco tempo depois muitos deta-
sempre há vários vasos dessa planta, inclusive no meu quarto.
lhes serã o esquecidos. Embora pareçam detalhes, podem ser
Agora tirei todas as minhas violetas do quarto, pois elas estão
pontos muito interessantes e significativos. Por exemplo, no
superfeias. Tinha muitas, mas agora estou com poucas. Como
ú ltimo sonho que examinamos nã o foi imediatamente explici-
nem sempre eu abro a janela, eu as tirei do quarto para pega-
tado se a pessoa que o acompanhava estava à sua direita ou
rem luz. Não sei se fiz isso antes ou depois do sonho. As viole-
à esquerda, se os dois avançavam por um caminho ou esta-
tas da minha casa eram lindas e agora não são mais. As do
vam parados. Trata-se de importantes elementos de direçã o
meu consultório continuam lindas.
que nã o devem ser omitidos.
A: Vou arriscar uma interpretação. Quando você falou das
Quando interpretamos um sonho é importante estarmos
violetas, deu-me a impressão de que falava de algo muito
muito presentes à sensaçã o e à emoçã o. Quem está inter-
essencial dentro de você. As violetas poderiam representar
pretando nã o só precisa sentir e decodificar analiticamente os
algo ligado ao feminino, ao doméstico e ao muito íntimo, pois o
elementos, mas també m abrir o coraçã o e deixar-se impres-
sonho se passava em casa, mais especificamente dentro do
sionar pelo sonho. O ideal é podermos ver o sonho junto com
seu quarto, em sua janela. Já o Sol, como elemento masculino,
a pessoa e, à medida que ela o descrever, sentirmos e expe-
entra na sua intimidade e você o ativa quando se põe a regar.
rimentarmos juntos.
Mas parece que aí você desistiu de alguma coisa. Apenas pro-
Outro detalhe importante é tentarmos relatar os sonhos
fissionalmente essa parte sua está fluindo.
sempre no presente. Falar no passado já significa uma disso-
B: Penso que quando se compreende algo num determi-
9 Veja nota 8, p. 41. nado nível – e nesse sonho ela compreendeu o regar, a luz e o
59 60
florescer –, então pode ocorrer uma integração e não há
mais

59 60
necessidade de se ter isso no mundo físico. Talvez seja uma dela. É como se o sonho trouxesse a vida que o sol pode dar e
conquista, uma possibilidade de compreensão. que ela poderia levar, mas que receia não acontecer fisica-
Qual era a cor da violeta? mente naquele local.
Narrador: Vermelha. I: Estamos numa interpretação muito psicológica. Ten-
Uma pergunta essencial seria o que representa a violeta tando ver pelo lado simbólico, diria que o fato de ela regar com
para você. o elemento água uma violeta na terra, florescendo pelo Sol, que
Narrador: Creio que ela representa uma grande harmonia é fogo, acredito que sua partida, simbolizada pelo elemento ar,
e alegria. Sinto como se ela fizesse parte da minha pessoa. será completa.
Tenho vários tipos de violeta. Todos esses elementos sã o importantes, mas precisamos
C: Penso que a violeta é um símbolo de humildade, pois é chegar a eles a posteriori e nã o a priori. É evidente que exis-
uma flor pequena. tem relaçõ es entre o sonho e as condiçõ es psicoló gicas, bem
É possível. como com as mudança de vida. É importante falarmos do
D: Mas essa violeta simboliza outra coisa. sonho, ver como ele se enraíza em elementos concretos, mas,
E: Para mim essa violeta é um símbolo do amor, da ener- ao mesmo tempo, é necessá rio diferenciar bem o sonho do
gia amorosa. A idéia do regar e do banhar do sol é a de distri- concreto. Há uma nítida diferença, caso contrá rio tudo teria
buir, dar amor, dar algo que floresce. Isso na natureza física é sido vivido no concreto.
representado por todas as flores. O sentimento que tenho, O primeiro elemento a ser notado no sonho relatado, é a
quando olho uma flor, é o de calor, o de que existe uma energia identificaçã o existente entre a pessoa e a violeta. Ela afirmou
amorosa e criativa por aí. Acho que foi isso que ela se sentiu que a violeta é ela. Em seguida, pode ser interessante notar
capaz de fazer. É um sonho que traz um equilíbrio de que mui- certos acontecimentos contingentes na sua relaçã o com as
tas vezes precisamos. violetas antes ou depois desse sonho. Se, de certa maneira, a
Quando ocorreu esse sonho? violeta é ela, isso significa que ela soube encontrar em si pró -
Narrador: Há dois meses. pria as forças da á gua e do sol. Ou seja, há uma certa matu-
F: Gostaria de dizer algo referente a esse sonho, baseado raçã o das forças do fogo e da á gua, que normalmente sã o
em fatos da vida real. Sei que ela tem a intenção de mudar-se antagô nicas e se anulam. O fogo apaga a á gua e vice-versa.
de São Paulo para a sua cidade natal. Ligo a retirada das vio- Nesse sonho, ao contrá rio, expressa-se uma espé cie de quin-
letas do quarto com o processo de retirar-se de São Paulo. Sua tessê ncia, pois como a flor é uma planta e a á gua é sua forma
intenção é a de continuar com o mesmo trabalho, mas parar vital, o florescimento dá -se pela maturaçã o do fogo até atingir
com o tipo de vida que vem levando aqui. o lado mais sutil de si pró pria. Como se trata do reino vege-
D: Essa é a realidade, mas o sonho é outra coisa. tal, a violeta pode ser vista como a expressã o de um totem
Narrador: As violetas estão feias agora. vegetal. Em geral é proibido comer o totem, mas como a vio-
D: Não as do sonho? leta nã o é comestível, nada há a temer...
Narrador: Não, no sonho elas estavam lindas. Poderia ter acontecido um sonho equivalente com um
G: O sonho foi apenas de um momento bonito. animal, mas o fato de ter sido com um vegetal aponta-nos
H: Minha impressão é como se alguma coisa no astral dela para a energia vital, que circula no corpo. Indica, portanto,
quisesse levar para lá a vida que ela sente e, assim, concreti- que uma espécie de alquimia interior se efetuou nela e, do
zou esse desejo através do florescimento das violetas na casa mesmo modo que essa planta cresce e floresce, ela irá atingir
61 62
toda sua dimensã o. A planta realiza o que ela é, ou seja, sua Apesar de nã o ter sido relatado no presente, vamos exa-
energia vital recebeu alimentos formais e informais, aquá ticos minar o sonho e ver se a narradora poderá contatar sua
e solares, que lhe permitirã o realizar seu pró prio crescimento, sombra. Esse relato revela claramente a emoçã o. A princípio
exalar seu pró prio perfume, sua pró pria especificidade ou ori- havia um clima de medo, de pesadelo, mas depois algo dentro
ginalidade. Num certo nível, poderíamos dizer que há uma dela larga e fica visível a relaçã o entre o sonho e o emocional.
analogia com sua capacidade de individuaçã o. Vamos levantar os diferentes pontos de vista.
Olhando agora para a histó ria do ponto de vista da mu- A: Tive a impressão de não se tratar de um sonho psicoló-
dança, podemos dizer que o sol é o pai, a á gua, a mã e, e que gico, embora também haja uma explicação óbvia nesse nível.
o encontro dos dois cria a violeta, que representa a pró pria Ou seja, quando estamos num momento de mudança, vivemos
pessoa. um conflito interno que poderá traduzir-se num sonho desse
O fato de ela pretender retornar à casa de origem, ao tipo. Mas, a impressão que me passou enquanto ouvia o relato,
lugar de nascimento, é muito interessante. É como se agora foi a de um sabor mais concreto, como se ela estivesse ten-
ela fosse portadora de sua pró pria expressã o: atingiu sua tando sair do corpo e, ao mesmo tempo, querendo ficar do jeito
pró pria maturidade, realizou um circuito que a reconduz a em que estava.
um lugar do qual, na verdade, nunca saiu. Muitas outras B: Para mim esse sonho não foi um pesadelo: é como se
coisas evidentemente poderiam ainda ser ditas. ela estivesse chegando a um certo ponto da busca espiritual, a
uma morte. Mas, ao compreender que a morte é apenas no
Relato 5: O sonho de ser arrancada da nível físico, ela continuou em frente e a morte retirou-se, pois
cama não havia mais sentido em permanecer. Não vejo esse episódio
como um pesadelo, mas como uma transformação, uma bela
Narrador: Eu tenho um sonho de sombra a relatar; pelo passagem.
menos para mim ele foi tenebroso. C: A impressão da mão na garganta é a asfixia da expres-
Sonhei que estava dormindo e acordei sentindo duas mãos são. Ela foi apanhada num movimento, enquanto estava dor-
me pegando pelo pescoço, tentando me arrancar da cama. Eu mindo. O fato de estar dormindo abriu a guarda para que esse
me agarrei porque tive a sensação de que aquilo era algo hor- ser, que nem pé tinha, pudesse asfixiar sua expressão e
rível. O ser que estava me arrastando da cama, não era arrancá-la de todo seu conforto, de sua intimidade e levá-la em
humano; era muito grande e não tinha pés; não estava sobre o direção à porta. Somente quando sente que é preciso aban-
solo. donar essas coisas íntimas, pode encontrar uma brecha. Mas
Quando perdi a força, conseguiu me tirar da cama e me isso não pode ser realizado por força própria. Para evitar asfi-
arrastou em direção à porta sempre me apertando. Naquele xia, deve recorrer a forças superiores que vêm através da ora-
momento tive a certeza de que iria morrer e me entreguei. ção. A força ameaçadora nada pode contra esse outro nível.
Comecei a me preparar para morrer, comecei a rezar. Instan- Esse sonho tem uma indicação sobre a brecha.
taneamente, esse ser me largou e eu voltei para dentro de mim O que aconteceu exatamente? No começo você resiste,
da mesma maneira que um elástico estirado volta quando é depois larga, mas a sombra continua a puxar...
solto. E aí acordei. Senti muito medo no início, mas o medo Narrador: Eu só larguei no momento em que percebi que
passou quando me entreguei para a morte. iria morrer. Até então estava agarrada; mesmo sem conseguir
me segurar na cama, continuava agarrada.
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Tem um ponto pessoal que gostaria de acrescentar. Na nossas pró-
hora de morrer eu gostaria de estar calma e acordada. No
sonho percebi que tinha chegado aquela hora e foi por isso que
larguei tudo, porque queria viver aquele momento.
B: Esse sonho me parece um parto no qual ela não quis
nascer.
C: Senti uma emoção muito forte durante o relato. Quando
ela se descreveu agarrada à cama, tive a nítida impressão de
que o apego se referia à situação que vivia. Como estar na
cama é uma situação muito confortável, o sonho talvez repre-
sentasse o duelo entre as trevas e a luz. Só que se trata de um
duelo ao inverso, onde as trevas não são as mãos que a agar-
raram pelo pescoço, mas a situação de conforto. As mãos que
a pegaram de maneira violenta e sofrida, queriam puxá-la
para a vida.
D: Pela emoção que ela transmitiu ao contar, achei que
viveu no sonho um momento de dualidade. A parte escura, a
sombra que não tinha pés, é a parte escura dela própria e o
outro lado seria o da luz na qual ela se apóia no momento da
vivência. O estrangulamento representa um momento de
transmutação no qual foi preciso abandonar definitivamente a
luz e ir em direção ao silêncio forçado, às trevas totais. Nesse
momento ela soltou e, com esse ato, o lado luminoso passou a
pesar um pouco mais que o de trevas.
E: Essa figura que a estrangula e que parecia vir de outra
esfera, deu-me a sensação de representar o desejo muito forte
que ela tem de passar a uma outra esfera, mas para a qual
ainda não está pronta. O desejo de passar a sufoca. À medida
que larga esse desejo, consegue ser ela mesma e experimentar
suas potencialidades. Percebe o mundo superior e compreende
que, no momento certo, poderá passar sem ter que fazer muita
força.
F: Vi esse sonho como o combate real com a sombra: um
momento limite em que só há a possibilidade de seguir o cami-
nho encarnada, se houver entrega. Caso contrário, poderia ter
ocorrido uma ruptura. A entrega e o apelo representam a
busca de contato com o Divino, que não se alcança com

65 66
prias forças. Se ela se mantivesse agarrada ao velho, que é a Essa mão
sombra, não teria chance alguma e seria arrastada.
G: Enquanto ela falava, senti que havia muito medo. A
sombra estava personificada no medo e ela só pôde viver a luz
quando viveu as trevas. Também acho que a garganta é um
símbolo de comunicação, de emoção e de passagem.
H: Gostaria de apontar algo que ela mesma sublinhou. Ela
só conseguiu largar quando viu que não havia qualquer outra
possibilidade, que iria morrer. Essa sensação total é muito
transformadora. Para mim todo o sonho culminou nesse
ponto, que, a meu ver, é a única forma de se estar viva. Viver é
isso, é ter a coragem de chegar a esse ponto.
Uma vez mais, todas as interpretaçõ es sã o corretas, pois
consistem em diferentes â ngulos de entendimento.
Se considerarmos que o sonho é o sonhador, poderemos
afirmar que todas as partes do sonho sã o partes da pró pria
pessoa. Gostaria de pedir que a nossa relatora entrasse de
novo em seu sonho, mas assumindo agora um outro papel,
tentando ser a sombra que pega o pescoço, puxando-a em
direçã o à porta. Por que você faz isso? O que você sente no
ato? Para onde você quer levá -la?
Narrador: Eu quero levá-la para o desconhecido, para a
morte. Ao mesmo tempo em que eu a puxo, também a estran-
gulo. Eu quero matá-la. A questão é por quê?
É bom puxá -la?
Narrador: Não, porque ela tem muita resistência. Mas eu
tenho uma força muito grande e a resistência dela não faz
qualquer diferença. Eu posso muito mais que ela.
Entã o por que você larga?
Narrador: Porque a prece mexeu num ponto em que eu
não estava preparada. A prece é meu calcanhar de Aquiles.
Enfim os pé s sobre a terra!
Vamos refazer o mesmo jogo; mas agora você é a cama.
Qual é sua vida? O que acontece em cima de você , o que
se faz nessa cama?
Narrador: Eu tenho uma pessoa dormindo e vejo
aparecer um gênio. Vejo só a mão, não consigo ver o resto.

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chega e pega a pessoa que está dormindo. Ela acorda e leva como a uma situaçã o afetiva ou sexual. Acredito que um
um susto muito grande: não esperava por isso e tenta se agar- freudiano nã o me desmentiria. Digo isso simplesmente para
rar em mim, para que eu a ajude e a segure, mas nada posso orientar a reflexã o.
fazer. Permaneço ali, sólida. Um detalhe importante: não é o É interessante que a sombra agarra o pescoço. Em geral,
corpo que vai, o que se mantém agarrado é uma outra coisa. O a estrangulaçã o está simbolicamente ligada à respiraçã o, à
corpo fica e é uma outra pessoa que vai, mas não andando. palavra e també m ao mental. Obviamente, como o sonho
Vejo ambos: um corpo deitado e uma mão agarrando e, depois, trata dela, tanto no que se refere a quem é arrastada, quanto
tenho a sensação de uma volta súbita para o corpo. à força que a arrasta, diria que a sombra que a estrangula
Por que ela dorme? está conectada com certos questionamentos, dú vidas e duali-
Narrador: Porque está na hora de ela dormir. dades, como foi dito de diferentes maneiras. As dualidades,
Mas por que ela dorme? no entanto, parecem mais ser de ordem mental, ligadas a
Narrador: Porque ela tem sono. uma situaçã o de vida. Esta dualidade é tã o opressiva que
Mas por que ela tem sono? provoca um combate real. Trata-se de uma situaçã o apa-
Narrador: Porque ela é um ser humano. rentemente muito dolorosa, mas a tentativa de agarrar-se à
Por que ela é um ser humano que tem sono? cama para impedir a transformaçã o, ou recusar-se a largá -la,
Narrador: Porque ela vive. é impossível, pois a força tem tamanha potê ncia que nada se
Ela vive dormindo? pode contra ela.
Narrador: Não. Atravé s do combate e da tensã o, o conflito mental torna-
Entã o por que ela dorme? se cada vez mais difícil, mais duro e opressor, até ter-se a
Narrador: Porque ela não quer impressã o de perder a pele ou de que alguma coisa se arrisca
viver. Ela nã o quer viver o quê ? a quebrar. Isso significa, sem dú vida, uma espé cie de risco
Narrador: A morte. vital aparente, uma impressã o de morte ou de perigo de dis-
A morte do quê? sociaçã o, em outros termos, uma relativa esquizofrenia. Se
Narrador: A morte dela. algo nos conduz a dois mundos bem diferentes e no sonho há
A morte de quê ? Eu nã o perguntei de quem, mas de o quarto, a porta e o outro lado, isso significa que há conflito.
quê? Se fizermos uma interpretaçã o inversa, podemos dizer
Narrador: Eu não sei. que, de início, a pessoa dorme em relaçã o a si pró pria. O
O que você sente de tudo isso? combate engendrado, sem dú vida por uma situaçã o espe-
Narrador: Para mim é uma surpresa. Senti muito concre- cífica, torna-se tã o opressivo e doloroso em relaçã o ao
tamente como se ela tivesse encontrado o demônio e o fato de mental, que gera uma forte tensã o. Ao mesmo tempo, a
ela ter vivido o seu lado de sombra foi uma surpresa para sombra, que nã o toca a terra, o chã o concreto, e, por esse
mim. motivo, refere-se a algo sutil e psíquico, arrasta-a em direçã o
Sonhos como esse exigem aprofundamento. Na minha à porta, o que també m poderia sugerir uma soluçã o. Tocar
opiniã o, o símbolo da cama e o fato de ela dormir, mostram a porta, talvez signifique tocar a resposta de como sair do
que ela se encontra adormecida para algo, talvez, a verda- conflito, da duali- dade. Nesse momento, aparece uma
deira vida. O símbolo da cama e as confidê ncias com o tra- qualidade interior parti- cular e aceita-se largar, o que,
vesseiro, podem levar tanto à sua vida propriamente dita, instantaneamente quebra a
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dualidade, pois só podemos combater se há um adversá rio. vida cotidiana, o bastante para agarrarmo-nos à cabeceira da
Ocorre aí uma oportunidade para acordar. cama. Se nã o tivé ssemos o poder de controle, de fixaçã o, a
Trata-se, ao mesmo tempo, de um sonho de combate e de sombra també m nã o seria poderosa. Na verdade, a sombra só
sombra, mas també m de despertar. é poderosa devido a pró pria imagem. Se largarmos, ela só
B: Qual é a função da prece nesse sonho? poderá largar, já que se trata de um efeito-espelho.
É preciso perguntar o que ela viveu exatamente. Narrador: Foi o que efetivamente aconteceu.
Narrador: Eu acordo e me sinto muito aliviada ao perce- C: Vamos supor que ela seja realmente uma pessoa con-
ber que, na hora H, alguma coisa em mim salvou-me da lou- troladora. Seu exercício seria reconhecer-se assim ou desejar
cura. transformar-se num ser não-controlador?
C: Achei interessante a garganta simbolizar um nível Nã o há perigo de esse desejo ocorrer...
intermediário entre o racional e o corporal. Isso, no sonho, C: Mas ela deve tentar?
parece mostrar o quanto ela deve ser uma pessoa controla- Sim, e isso já está sendo feito, mesmo que ela necessite
dora, que teme entrar em contato com o corpo. À medida que a de meses ou anos para realizá -lo. Somos convidados, nã o
mão a pega pela garganta, fragiliza e quebra a unidade corpo- tanto a abandonar o controle, mas a resistê ncia que ele ofe-
razão, deixando-a esquizofrênica, ela diz: “Perdi o controle”. rece. O pedido é para abandonarmos o conflito ligado ao
Achei fantástico, quando, diante disso, ela reconhece que não mental e a dualidade que nos puxa, de um lado, e a recusa
tem outro caminho senão largar. No entanto, ela encontra um de sermos puxados, de outro. Posso perfeitamente ser con-
outro meio de controle, a prece. E quando você acorda, diz: trolador sem estar em conflito.
“Graças a Deus controlo tudo, porque assim não enlouqueço”. Esse sonho, de certa maneira, pode ser considerado como
Lamentei quando ela começou a rezar, porque pensei que fosse premonitó rio. Mostra que há uma resposta para o conflito e
atravessar a porta com a sombra e tentar uma nova unidade que ela deve ser encontrada no mais íntimo de si pró pria.
sem tanto controle. Minha sugestã o nã o seria para ela rezar cinco pais-nos-
No estudo de um sonho é sempre importante compreen- sos e cinco ave-marias por dia, mas sim de compreender o
der em que medida a prova foi um êxito, mesmo que aparen- sentido da prece. Trata-se, no fundo, de largar e confiar na
temente possa significar algo diferente. dimensã o celeste de si pró pria, confiar em seu coraçã o. A
Certamente a noçã o de controle fica muito evidente verdadeira resposta está aí. É prová vel que, nos pró ximos
nesse sonho e, por isso mesmo, poderá ajudá -la a abandonar meses ou anos, a situaçã o conflitiva seja resolvida; trata-se
um pouco mais esse diapasã o. Talvez a mensagem final seja de um tema a ser trabalhado e acompanhado.
um convite para ela perceber que, no mais profundo de si,
existem elementos de resposta.
Sonhos como esse podem ser chamados de sonhos de Relato 6: O sonho do cé u estrelado
sombra ou de duplo. Aquela que foi estrangulada nã o é tanto Narrador: Olho o céu como se estivesse num planetário.
a pessoa que sonha, mas seu duplo. Por outro lado, a sombra Sei que estou sonhando e o céu esta forrado de enormes
que estrangula també m é , num certo sentido, a portadora de estrelas. Fecho os olhos e digo a mim mesma: nem em sonho
luz, desde que nossa açã o seja contrá ria a ela. pareço estar preparada para olhar. Forço-me a olhar mais um
Se, ao estarmos no lugar da sombra, considerarmo-nos pouco. Nesse momento abro os olhos e vejo a constelação de
muito poderosos, significa que somos muito poderosos na Touro do lado esquerdo e embaixo e a de Leão do lado direito.

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Falo então: “Aqui está a constelação da Ursa Maior e da Ursa duaçã o, ao Verbo, que, embora ainda aprisionado, já dispõ e
Menor”. de aptidã o para libertar-se.
Acordei com uma sensação muito boa que, aliás, me acom- Mais interessante ainda, nesse sonho, é a relaçã o com as
panha há três meses. Mas nada entendo de astrologia e nunca constelaçõ es boreais Ursa Maior e Ursa Menor. Referem-se ao
vi essas constelações. simbolismo extremamente preciso da Tradiçã o Polar ou Pri-
Esse sonho, claramente, nã o é de sombra, embora o seu mordial, à qual me vinculo. Ela é , de certo modo, a raiz de
cená rio seja noturno. O fato de se ter, no sonho, a consci- todas as outras tradiçõ es. Essas constelaçõ es, que nã o
ê ncia de estar sonhando, já indica um certo nível de espiritu- podem ser vistas do hemisfé rio sul, sã o circumpolares e liga-
alidade, ou seja, já existe um despertar da consciê ncia inte- das à Estrela Polar. A Estrela Polar, por sua vez, representa o
rior, visto que se está consciente num lugar em que se per- centro fixo, a porta, que permitirá a passagem para o outro
manece normalmente inconsciente. lado.
Outro ponto importante é a observaçã o da abó bada É muito significativo que, tanto nesse caso como no da
celeste no mundo astral. Isso é muito coerente, pois, efeti- constelaçã o das Plê iades, que se encontra em Touro, essas
vamente, ela é a expressã o do plano celeste. Todos os condi- constelaçõ es sejam constituídas de sete estrelas, símbolo dos
cionamentos astrais, astroló gicos, que ocupam os dois mun- sete chacras, ou seja, da capacidade de descondicionamento
dos inferiores, remetem à abó bada celeste. do mundo astral, condiçã o indispensá vel para passar-se ao
É preciso atravessar a abó bada celeste, passar para o outro lado.
outro lado, para poder ver um novo cé u e uma nova terra, Vamos ficar por aqui, embora esse tema pudesse ser
como está expresso no Apocalipse de Sã o Joã o. O fato de o desenvolvido longamente. O importante é reconhecer que a
olhar se orientar para esse plano significa que o desejo está visã o do sonho representa uma imagem muito promissora e
orientado em direçã o à s estrelas, ao gê meo celeste, ao verda- luminosa da aptidã o para receber o ensinamento da Tradiçã o
deiro desejo. A palavra desejo, desir no francê s, vem de side- Primordial, ligada aos seres regenerados e ao segundo nasci-
rum, a mesma raiz da palavra estrela. mento.
Nesse sonho sã o revelados certos fatos que, na minha
opiniã o, significam claramente a aptidã o para ver o que se
passa do outro lado. Por exemplo, os signos de Touro e Leã o Relato 7: O sonho com o pai morto
indicam dois eixos zodiacais, Leã o-Á quario e Touro-Escor-
piã o, que sã o representados justamente pelos quatro animais Narrador: Meu pai morreu há dois meses. Recentemente
que rodeiam o trono de Deus na visã o de Ezequiel, e que eu tive um sonho chocante com ele: eu vejo a imagem dele com
também estã o descritos no Apocalipse de Sã o Joã o10. total clareza de detalhes. Ele está meio deitado, meio recos-
Touro está intimamente ligado ao centro cardíaco e à tado, com a cabeça e o tronco um pouco mais alto e completa-
presença Divina encarnada, que se chama Shekinah, na tra- mente nu. Entro no quarto e o vejo dormindo profundamente e
diçã o judaica. Representa a mais íntima presença espiritual tento acordá-lo. Começo a acariciar primeiramente sua cabeça,
no coraçã o. Leã o, por sua vez, está ligado à força de indivi- em seguida o ombro, mas ele não tem nenhuma reação.
Começo a sacudi-lo um pouco mais forte e continuo a passar a
mão pelo corpo inteiro e, quando passo a mão pelo pênis, ele
10Os “quatro viventes” ou “quatro Seres vivos”. Apocalipse 5, 6-8; 19,4. dá um salto e desperta. Está muito zangado e me pergunta:
Aparecem igualmente na lâ mina 21 do Tarô , O Mundo. (N. rev.) “Por que você me acordou?” Respondo: “Quero falar com você”.
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Mas ele insiste: “Você não devia me acordar, você sabe que prová vel que, por um motivo que só a você pertence, fosse
tenho muita dificuldade de dormir e não tem esse direito”. E aí imperativo acordá -lo.
ele deita de novo e eu acordo. Quanto ao toque no genital, nã o devemos restringi-lo
Fiquei muito desconcertada. Uma outra informação é que apenas ao nível freudiano, mas compreender o pê nis como
durante sua vida ele sempre sofreu de insônia. sendo um local que armazena potê ncia de energia vital, que
B: Você ficou desconcertada no sonho ou só quando acor- possibilita uma espé cie de vida post-mortem. Há forças vitais
dou? específicas que permitem essa sobrevida. É justamente por
Narrador: Durante o sonho eu me assustei. Fiquei des- isso que seres que nã o se libertaram na vida física, tê m a
concertada quando acordei. Um outro detalhe é que meu pai possibilidade de se liberar apó s a morte. É a isso que o cristi-
sempre foi muito ligado ao corpo físico. Isso era muito impor- anismo chama de Salvaçã o, o que nã o quer dizer que todo
tante para ele, pois viveu intensamente seu corpo. mundo será necessariamente liberado antes ou depois da
Narrador: Ficaram muitas perguntas que gostaria de morte. Trata-se simplesmente da comprovaçã o de que há
compreender. uma reserva de energia vital.
A primeira pergunta seria se você sabe a razã o de querer O sonho diz respeito a um contato que você teve com um
acordá -lo? ser que está morto. Como esse contato nã o pô de ser feito na
Narrador: Apesar de ter dito no sonho que queria falar vida física, efetuou-se no nível astral. A questã o está em
com ele, tenho a impressão de que só queria acordá-lo, tirá-lo saber o que se passou na sua relaçã o com o pai, ao que se
daquele estado, nada mais. Tivemos muitos diálogos antes de refere à quilo que você queria comunicar-lhe e talvez seja essa
ele morrer, foi uma passagem lenta e trocamos muitas impres- a razã o de sua reaçã o.
sões. Esses dois ú ltimos relatos tocaram níveis um pouco alé m
Como você viveu a morte dele? do comum na interpretaçã o de sonhos.
Narrador: Eu estava presente e o acompanhei. Foi tudo
muito tranqüilo. Quando me chamaram, ele tinha sofrido uma
queda; não sei se caiu antes ou teve uma síncope e por isso
caiu. Mas, quando cheguei, estava vivo e a passagem deu-se
muito tranqüila.
Talvez devesse ser melhor compreendido o motivo pelo
qual você queria acordá -lo. No sonho você diz que quer falar
com ele e, para mim, o sonho é sempre verdade. Talvez haja
alguma coisa no nível inconsciente que nã o foi dita.
No processo post-mortem, aquilo que podemos qualificar
de “casca astral”, ou seja, de indivíduo astral – e que é neces-
sá rio diferenciar do ser celeste – irá efetivamente adormecer
apó s a morte. Parece ser indispensá vel um tempo de sono
para que progressivamente ele acorde de novo numa vida
astral. Esse tempo de sono, portanto, deve ser respeitado. É

73 74
5. A Dupla Natureza do Homem acontecimentos que nos chegam, exatamente como se esti-
vé ssemos interpretando sonhos. Com esse espírito é possível
introduzir alguns novos elementos como, por exemplo, a sin-

A
cronicidade de Jung.
ntes de avançar, seria oportuno retomar e esclarecer
A questã o que se coloca e aparece tanto na nossa vida
alguns pontos sobre o homem e sua dupla natureza. A
desperta como em sonho é : “Como essas situaçõ es podem ser
partir disso, poderemos tirar algumas conclusõ es signifi-
interpretadas no sentido do despertar espiritual?” Tanto nos-
cativas para a interpretaçã o dos sonhos. É evidente que um
sos sonhos como a vida física estã o aí basicamente para des-
tema como esse é inesgotá vel.
pertar o Adã o adormecido em nó s. Se perdermos o sentido
É dito no Gênesis 1,26: “Façamos o homem à nossa ima-
fundamental da vida, nã o poderemos usufruir todas as suas
gem, como nossa semelhança”. Isso quer dizer que, se um
possibilidades e ficaremos apenas na dimensã o do ser ter-
lado do homem espiritual é invisível, por semelhança, nossa
restre, nos acontecimentos e conteú dos dos sonhos de nossa
imagem també m o é .
pequena histó ria pessoal; nã o iremos muito longe na compre-
Vejamos uma analogia antropomó rfica para esclarecer
ensã o do que nos acontece.
essas afirmaçõ es: considerem a relaçã o entre as duas natu-
Para voltarmos à analogia com os dois cé rebros, o físico e
rezas do homem, do mesmo modo que a relaçã o entre os dois
o espiritual, é importante compreender que o mecanismo de
cérebros. Uma natureza corresponderia ao cérebro físico, que
açã o entre os dois elementos se processa por ressonâ ncia
é ao mesmo tempo emanado e emanador do plano sutil. E a
vibrató ria. É como se houvesse um cé rebro divino – que é
outra corresponderia ao cérebro espiritual, que é ao mesmo
onisciente, mas, ao mesmo tempo, inconsciente porque se
tempo emanado e emanador do plano físico. O cérebro espiri-
encontra adormecido – e um outro cé rebro desperto, cons-
tual está adormecido e nó s somos o seu sonho, tal como, de
ciente, poré m sem o conhecimento divino. Há uma relaçã o
certo modo, ocorreu no sonho de ser arrancada da cama, 11
inversa entre as duas polaridades. A finalidade dessa relaçã o,
em que a pessoa irá despertar a si mesma.
por certo, nã o é a de um anular o outro, mas a do despertar
Trata-se de imagens bem pró ximas da realidade. Nó s
recíproco, pois ambos necessitam um do outro para o seu
somos os sonhos de um cé rebro divino. Na Cabala existe a
crescimento. Há uma estreita e indispensá vel relaçã o entre o
imagem tradicional do homem divino adormecido, da mesma
cé rebro divino e o humano. Há també m um terceiro termo,
forma que Adã o está adormecido e sonhando. Na capa do
um cé rebro a ser construído, que será onisciente e cons-
livro Do corpo Físico ao Corpo de Luz 12, podemos ver a ilustra-
ciente.
çã o de Adã o adormecido sonhando. Podemos considerar-nos
Em razã o de sermos naturalmente conscientes, mesmo
como sonho de Adã o e aceitar que estamos aqui para des-
que nã o haja a consciê ncia espiritual, o objetivo tanto do
pertá -lo a si pró prio.
caminho espiritual e iniciá tico como o de toda a vida é des-
Como já vimos anteriormente, podemos considerar nossa
pertar para o conhecimento verdadeiro. A divindade verda-
vida física como um estado de sonho em relaçã o à consciê n-
deira nã o se encontra apenas no cé rebro espiritual, mas no
cia desperta. Seria agora interessante considerar todos os
terceiro termo. O nome verdadeiro, como disse antes, é a
11 Relato 5, p. 80. combinaçã o do servo e do senhor. Nó s somos aquele que
12 Publicado pela Ed. Á gape. serve, e o cé rebro divino ou espiritual que evocamos na
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prece, é o senhor.

75 76
Devido ao jogo de espelhos entre os dois cé rebros, cons- Essas memó rias vêm tanto do cérebro físico, como do espiri-
tatamos que quanto mais o homem está no seu comporta- tual. Esse plano serve ainda de filtro de comunicaçã o ou de
mento existencial, orientado em direçã o ao físico, ao material, barreira entre os dois cérebros. É aí que se darã o o combate e
ao concreto, mais desconectado estará de sua fonte espiri- todos os ajustamentos necessá rios para que a ressonâ ncia
tual. Nã o sonhará e, se o fizer, os sonhos estarã o enraizados entre os dois cérebros aconteça. Analogicamente falando,
nos problemas cotidianos e nos recalques sofridos. A funçã o imaginem um homem como sendo um dos cérebros e uma
onírica, nesse caso, corresponderá à categoria elementar de mulher, o outro. O som só pode ser transmitido entre eles, se
fazer-nos esquecer. Se nã o houvesse tal mecanismo de houver um meio possível de comunicaçã o. No vazio absoluto
esquecimento, o psiquismo estaria muito mais sobrecarre- ou com paredes de chumbo entre eles o som nã o passaria. A
gado e nã o poderia atuar no plano existencial. dificuldade de uma comunicaçã o harmoniosa é grande. O ar,
Quanto mais o homem estiver orientado para o espiritual, por exemplo, permite a propagaçã o vibrató ria sem bloqueio
mais sua faculdade onírica será imaginativa e ativa e maiores ou deformaçã o, mas basta mudarmos o meio aéreo, colo-
serã o suas possibilidades de ver e ouvir as impressõ es que o cando outras composiçõ es químicas, que o som será defor-
cé rebro espiritual transmite. Quanto mais o homem físico for mado e nã o o compreenderemos mais. O problema essencial
orientado em direçã o ao espiritual, mais estará à escuta e a do mundo astral é o da comunicaçã o.
serviço do conhecimento espiritual que, por ser ele pró prio, O sonho do Relato 3, com advertê ncias sobre o titâ nio e o
poderá ajudá -lo e aconselhá -lo. selê nio, por exemplo, mostra que há uma carga astral muito
Mesmo que algumas vezes o cérebro espiritual pareça poderosa. Essa carga advé m do acú mulo da memó ria da era
iló gico ou louco, ele tem a onisciência e pode perfeitamente de Peixes. É evidente que teremos que passar por uma fase
dirigir-nos. Esse cérebro situa-se num ponto em que o pas- de esquecimento existencial, para que a pró xima fase da
sado, o presente e o futuro se fundem, tem a visã o do que foi, evoluçã o espiritual se efetive. Há , portanto, uma certa relaçã o
do que é, e do que será . É como se fosse o vigia, o topo do analó gica a compreender: ou esquecemos a carga astral por
mastro e, por isso, poderá guiar-nos de verdade. A questã o esgotamento ou por transformaçã o. Se ocorrer por esgota-
está no aprender a escutar e a confiar. As palavras de Sã o mento, isso se dará no nível da sociedade, de forma passiva,
Paulo referem-se a esse cérebro da seguinte maneira, em atravé s de sofrimentos, provas e depressõ es. Se a transfor-
1Cor 3,18-19: “Se alguém dentre vó s julga ser sá bio aos olhos maçã o do mundo for ativa, espiritual, poderemos carregar,
deste mundo, torne-se louco para ser sá bio; pois a sabedoria suportar e transmutar essas forças. O processo poderá ser
deste mundo é loucura diante de Deus”. ativo, se uma minoria de seres aceitar carregar e suportar o
Entre os dois cé rebros situa-se o mundo intermediá rio. sofrimento coletivo.
Ele é composto, ao mesmo tempo, de uma alma física, ani- Com relaçã o à s sombras, é sempre bom lembrarmos que
mal, chamada na Cabala de Nefesh, e de uma alma astral, um simples fó sforo é suficiente para iluminá -las. Paradoxal-
que está em ressonâ ncia com o cé rebro divino, chamada mente, em todos os processos de transformaçã o, as minorias
Ruah. No hinduísmo elas correspondem, respectivamente, a é que sã o sempre ativas. Mesmo quando se trata das revolu-
manas inferior e manas superior. çõ es sociais, no início sã o empreendidas por uma minoria,
No jogo de relaçõ es entre os dois cé rebros, o campo de nunca por massas inteiras. Quando a massa se mistura, de
açã o privilegiado situa-se no mundo intermediá rio. É no modo geral, nã o mais se processa a revoluçã o, mas o caos.
plano astral que estã o armazenados todos os acontecimentos.

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O trabalho sobre o mundo intermediá rio – psíquico ou lunar, mas sim solar, tornando-se irradiador e ativo, a partir
astral – implica uma purificaçã o. Seu objetivo final é atingir de seu mundo interior, em vez de ser constrangido pelo exte-
um certo estado de virgindade. Do ponto de vista alquímico, rior.
por exemplo, o acesso à virgindade mariana efetua-se através Uma das observaçõ es que permitem saber se um ser está
de destilaçõ es sucessivas, de solve e coagula repetidos ou nã o realizado, é verificar o quanto ele está sofrendo com a
durante a passagem dos templos. Cada templo colore e con- pressã o exterior dos acontecimentos, da família, do social, de
diciona o psiquismo na sua forma lunar dominante, advinda seu superior hierá rquico etc. Quando o ser é guiado pelo seu
do exterior, e impõ e-nos sua cor. interior, agirá no mundo a serviço do que sente como justo e
Sofremos os condicionamentos como se algué m nos nã o se importará se os outros o aceitam ou nã o.
colocasse lentes coloridas nos olhos. Para uns, a vida é ver- Todos os combates que conduzem à purificaçã o do
melha, para outros, amarela, verde ou azul. Todo problema mundo interior, sã o representados pelo combate entre as
da comunicaçã o surge quando digo “eu vejo uma cadeira” e forças de Luz e de Trevas. Existe uma bela ilustraçã o desse
todos estã o de acordo, mas uns a vê em azul, outros, verme- tema nos textos encontrados em Qumrã . Outra representaçã o
lha. As pessoas nã o se dã o conta de que falam de pontos de é a de Micael frente à s milícias angé licas combatendo contra
vista diferentes. as forças do demô nio. Micael, etimologicamente, significa
Os sonhos representam o testemunho desse cená rio de aquele que é semelhante a Deus. Portanto, ele se encontra
diversidades. O propó sito evolutivo consiste em remover os em perfeita ressonâ ncia com o cé rebro Divino e só fará passar
obstá culos, as interferê ncias ou as cores diferenciadas do o que é semelhante a si mesmo, isto é , a pura luz. Em seu
espectro no mundo intermediá rio, fazendo com que tudo combate, Micael só pode destruir as sombras e deixar passar
volte a ser branco. Nos sonhos, esse processo de a luz, que permitirá a comunicaçã o entre os dois cé rebros.
branqueamento aparece claramente. Sonharemos com É fundamental reconhecermos que, embora se passe no
animais brancos, com neve, que é o orvalho celeste, e com nível individual, esse combate também deve ser compreen-
outros símbolos univer- sais. No Budismo, por exemplo, dido como coletivo, pois tanto há uma memó ria individual
existe uma sé rie de desenhos que mostram as fases quanto coletiva. Cada passagem, no processo iniciá tico, está
sucessivas de adestramento do boi. Os animais começam associada a uma morte, sendo, portanto, necessá rio morrer
pretos, depois tornam-se malhados de preto e branco, em para renascer. Nos processos vitais normais, embora nã o se
seguida, brancos e, na ú ltima imagem, desaparecem. trate de uma morte interior, mas exterior, também será
Trata-se de imagens para fazer-nos compreender o que necessá rio morrer para renascer. No processo có smico de
se passa no mundo intermediá rio. Quando o branqueamento evoluçã o das sociedades humanas e, em particular, na pas-
ocorre, pode-se dizer que o mundo intermediá rio nã o consti- sagem na qual estamos implicados, da Era de Peixes para a
tui mais obstá culo ao cé rebro espiritual e, nesse momento, de Aquá rio, existe o imperativo de uma reabsorçã o e purifica-
cada um terá acesso a uma dimensã o mais arquetípica ou çã o da memó ria astral tanto no nível individual como no cole-
universal de si mesmo. Ocorre entã o uma reviravolta energé - tivo.
tica completa, pois toda a parte psico-corporal torna-se Essa é a razã o pela qual nos dois mil anos que nos pre-
branca e o ser coloca-se totalmente receptivo e a serviço do cederam, quando nã o havia um limite temporal preciso, os
cé rebro espiritual. A consciê ncia espiritual passa a agir no processos de purificaçã o eram individuais e somente para
interior do ser, que nã o estará mais inscrito sob a influê ncia aqueles que se sentiam chamados. Nos ú ltimos anos, tornou-
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se um processo coletivo, especialmente porque tudo o que foi Sim e nã o. Creio que, como francê s, posso estar mais
semeado durante esses dois mil anos, está sendo colhido pró ximo da memó ria coletiva europé ia do que, por exemplo,
agora. A ceifa, como sempre, deve ser consumada para que um brasileiro ligado aos ritos africanos do candomblé . No
uma nova semeadura possa ser efetuada. entanto, o sonho com a Ursa Maior 13 acima é absolutamente
Carregamos necessariamente os pecados dos demais, extraordiná rio nesse sentido. Quem o relatou é uma brasi-
porque, num outro nível, trata-se de uma aplicaçã o abso- leira, mas que, atravé s do sonho, contatou e viveu um ar-
lutamente coletiva. Somos responsá veis pelos pecados de qué tipo coletivo europeu, do hemisfé rio norte.
nossos pais e carregamos, de geraçã o em geraçã o, esse B: As sociedades podem estar em níveis diferentes de
pecado coletivo. Somos os bodes expiató rios, mas é preciso consciência?
compreender que isso é justo, porque somos os pais de nó s Certamente. Digo isso, poré m, sem julgamentos de valor.
mesmos em outras vidas. Temos, nesse processo, memó rias Nã o é possível realizarmos aqui um trabalho aprofundado
astrais profundamente impregnadas. sobre todos os dados histó ricos, mas isso mereceria ser feito.
É importante compreender que, em si mesmas, essas Constatamos claramente fenô menos de memó ria e de esque-
formas astrais nada tê m a ver com a busca espiritual. Encon- cimento. Podemos, por exemplo, sentir-nos pró ximos de um
tramos, freqü entemente, grupos, livros e ensinamentos que arqué tipo da Cavalaria, mas como nos sentiremos em relaçã o
acreditam que o contato com as formas astrais seja o pró prio ao arqué tipo do soldado romano, do sacerdote egípcio ou do
objetivo da busca espiritual. Ao contrá rio, o contato com as samurai? As sociedades grega, egípcia ou romana antigas
“entidades” ou “guias espirituais”, nesse sentido restrito, é foram, de certa forma, esquecidas. A areia do esquecimento
completamente ilusó rio, pois as “entidades” ou “guias” nã o cobriu todas essas civilizaçõ es e apenas alguns resíduos per-
passam de formas astrais, psíquicas. Quem trabalha conta- sistem.
tando essas formas, é recuperado pelo demô nio tentador, Por outro lado, estamos ainda com nossa memó ria bem
pelos anjos maus, vive uma ilusã o luciferiana, mesmo que implicada em todas as reviravoltas que ocorreram na Europa
acredite tratar-se de um contato com a luz. há trezentos anos. A Revoluçã o Francesa teve, por exemplo,
Para que um contato espiritual ocorra, é preciso descer muitas conseqü ê ncias, pois foi o sinal da decapitaçã o de reis
aos infernos e destrancar memó rias, em vez de orgulhar-se e imperadores. Os que sobraram, nã o tê m hoje qualquer
delas e exacerbá -las. É um processo de desidentificaçã o poder real. E tudo isso deverá ser varrido de nossa memó ria.
estritamente contrá rio ao orgulho de dizer que “na outra vida C: As energias que nos habitam, que veiculamos no mundo
fui Cleó patra”. físico e moram no mundo astral, só podem ser mudadas
quando há contato com o mundo celeste, ou é um processo que
Questõ es: Memó ria coletiva e contato com o vai acontecendo aos poucos?
mundo celeste É um processo que acontece devagar, mas a todo o ins-
tante, pois, no combate que ocorre no mundo astral, nenhum
A: O fato de eu ter nascido no que se poderia chamar de dos lados é superior: as forças de luz e sombra sã o iguais e
civilização brasileira, resultante de uma ampla miscigenação, estã o lado a lado. Sendo essa a situaçã o bá sica nesse mundo,
torna-me muito diferente de ser oriundo da cultura francesa, para que haja somente luz, o ser humano, em sua liberdade,
que tem toda uma outra história?
13 Veja Relato 6, p. 90.
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deve escolher o que o anjo lhe sopra e recusar o que o demô - Sim, mas desperto e atento num processo de nã o-duali-
nio lhe diz. Cada vez que vamos em direçã o ao anjo, aumen- dade. Nã o se trata de um processo que é adquirido de uma
tamos a luz e, se formos em direçã o ao demô nio, aumentare- vez por todas, mas de um trabalho a ser renovado a cada
mos a sombra. Trata-se de um combate de longa duraçã o. instante. O despertar é uma presença permanente, pois nã o
Quando sustentarmos suficientemente a luz para ultra- nos é dito que, ao vencermos a força do medo ou da passivi-
passarmos a sombra – que continuará presente, mas em me- dade, elas nã o acontecerã o de novo em nossa vida. Mas, se já
nor escala – teremos mais consciê ncia e clareza de estarmos as tivermos vencido, saberemos como vencê -las de novo e
comprometidos com o caminho espiritual. Nã o devemos con- nã o mais as temeremos ou nos enganaremos quando elas se
siderar a sombra, a serpente e o dragã o como males absolu- rea- presentarem.
tos, mas vê -los simplesmente como forças adversas, obstá - Ao mesmo tempo, ocorre nesse processo um fator adicio-
culos. Só o obstá culo poderá desencadear em nó s a reaçã o nal nã o controlá vel e muito misterioso. A partir do momento
necessá ria para realizarmos o salto quâ ntico. Sem ele, nã o em que as transformaçõ es se realizarem, o cé rebro divino
efetuamos esse salto. oferecerá um outro olhar, uma outra consciê ncia radical-
D: Quer dizer que essa luta é uma espécie de musculação mente diferente, e nos sentiremos inteiramente guiados,
onde se criam forças para dar um grande pulo? orientados e acompanhados em nossa vida exterior. Como se
É nesse sentido que se afirma ser sempre necessá rio me- trata de um olhar nã o-dual, nã o seremos mais enganados
dir forças. Nó s nos mediremos com a sombra e com o dragã o nas relaçõ es com os outros e nas situaçõ es de conflito que
no mundo intermediá rio. Mas, quando se trata de ir em dire- possam ocorrer. Involuntariamente, nasce uma atitude muito
çã o ao mundo celeste, teremos que nos medir com o anjo. diferente da que tínhamos antes diante de uma mesma situa-
Como na histó ria de Jacó , será necessá rio realmente comba- çã o. Por um lado, há algo a mais e, por outro, nã o mais exis-
ter com o anjo para nos tornarmos semelhantes a ele e, tem o medo e a ilusã o, pois, a partir do momento em que
entã o, teremos acesso ao mundo da luz. A noçã o de combate entramos em contato com esse cé rebro superior, recebemos
é universal, mas na histó ria interior nã o há um ganhador e o ensinamento que vem do mundo interior.
um perdedor, pois combate significa ainda dualidade. Se Trata-se de um ensino difícil de ser retransmitido e
matarmos, permaneceremos na dualidade, se formos mortos, expresso, porque se refere a um campo sem forma, sem cor e
ficaremos na dualidade. A finalidade do combate espiritual é sem morte. A partir desse momento, nã o há mais apego ao
a de, ao nos confrontarmos com o outro, tornarmo-nos um corpo, à individualidade. Aparece no ser uma espé cie de
com ele. A partir dessa compreensã o, há uma questã o cen- consciê ncia có smica, totalmente informal, mas que, ao
tral: meditar sobre a força do dragã o, da serpente e de Lú ci- mesmo tempo, respeita a forma e suas exigê ncias de tempo e
fer. de crescimento. Agora podemos compreender melhor por que
E: Trazendo para o nosso cotidiano, esse combate com a há o imperativo de um vé u entre essas duas partes do uni-
sombra seria, por exemplo, lutar com a preguiça, a resistência, verso. O ser reconhece ter experimentado a passagem para o
o mau humor, a irritação etc? outro lado, mas, quando volta, deve fechar a porta de passa-
Sim, sã o qualidades psíquicas que nos dividem. gem, nã o para si, mas para os outros. Sã o experiê ncias difí-
F: Ficar na luz significa manter uma presença, estar ceis de serem expressas, pois as palavras para descrevê -las
atento? sã o limitadas.

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G: O que você quis dizer quando afirmou que o ser, ao H: Pelo que compreendi, não há como abrir uma porta aos
retornar do mundo celeste, fecha a porta aos outros e perma- outros, no lugar em que não estão.
nece com ela aberta para si mesmo? I: Isso me lembra a história sufi de uma pessoa que queria
Significa que há uma exigê ncia absoluta de se conservar entrar no céu. Disseram-lhe que podia ficar sentado numa
o misté rio daquilo que se chama de esoté rico. Alguns vé us cadeira, junto à porta do céu e, assim que ela abrisse, teria
podem ser rasgados, mas outros devem ser mantidos, para que entrar, mas que isso aconteceria apenas por um segundo
que haja o equilíbrio do Universo. Cada um, dentro de si em toda a eternidade. Ele ficou lá séculos e, de repente, dis-
mesmo, dominará as forças e rasgará os vé us. Poré m, quando traiu-se por um segundo, justamente quando a porta abriu e
se encontra a serviço, deverá respeitar o processo de trans- fechou. E ele perdeu sua oportunidade de entrar no céu. Eu
formaçã o dos outros, impondo-se, portanto, o princípio do não diria que perdemos a porta, mas que voltamos para trás
segredo. Algumas coisas devem ser reveladas, pois servem cada vez que não estamos atentos. Creio que o caminho para o
como marcos para indicar o caminho, outras devem ficar mundo celeste é, por toda a vida, de muita transpiração.
escondidas, porque pertencem ao misté rio e devem permane- J: Você poderia explicar um pouco mais o papel da heredi-
cer no misté rio. Aliá s, essa questã o també m serve para dife- tariedade no mundo astral?
renciar um ser realizado de outro que nã o o é . Como já disse, a hereditariedade é o presente. Somos o
O ser nã o realizado pensa que pode contar o que quiser, fruto das obras do passado, sejam elas nossas pró prias
pois acredita que, assim, traz tudo de volta para si, mos- obras, sejam elas familiares, nacionais, religiosas etc. Carre-
trando o quanto sabe. Com essa atitude, poré m, estará na gamos todo o passado conosco, em maior ou menor grau.
verdade profanando o misté rio ou talvez o pouco que pô de Quanto mais pró ximo um fato estiver de nó s, tanto mais im-
captar dele. Quando um ser toca de fato o misté rio, sabe que portante e influente ele será . A hereditariedade familiar, por
ele é inominá vel e que só é possível viver a experiê ncia, mas exemplo, é muito mais poderosa em nó s do que o carma
nunca contá -la. O que lhe caberá , entã o, será prestar serviço nacional, embora carreguemos tanto um como o outro. Há
para que outros trilhem o caminho, sem contar o que se um mistério na relaçã o entre o indivíduo e a humanidade.
passa. É por essa razã o que se diz que as portas ficarã o É curioso como a histó ria sufi que acabou de ser con-
fechadas. tada, reconduz ao tema do sonho, pois a finalidade do sonho
H: Não depende com quem esse ser irá se deparar? Abrir e do sono é atingir um certo está gio de despertar associado à
mais ou menos a porta não depende da evolução de quem está vigilâ ncia.
à sua frente? Na Cavalaria, o estado de despertar é representado pela
O caso nã o é de abrir mais ou menos a porta, pois uma imagem do cavaleiro que se encontra em terra inimiga e a
porta ou está aberta ou fechada. Na busca interior, trata-se qualquer instante pode ser atacado. Ele dorme apenas “sobre
de tudo ou nada. É possível acompanhar individualmente o uma das orelhas” e, ao menor sinal, estará alerta. É assim
ser a partir do lugar em que ele se encontra. A meu ver, essa que devem ser compreendidas as noçõ es de despertar e de
é a ú nica funçã o terapê utica ou iniciá tica possível. O guia é vigilâ ncia. Mas, como sempre, há uma inversã o, pois nã o se
aquele que, em primeiro lugar, conhece o caminho e, em trata de uma vigilâ ncia aos sinais exteriores, mas de um des-
seguida, acompanha o outro, caminhando ao seu lado e indi- pertar ao “quem sou eu”, “quem fala em mim” É a noçã o de
cando-lhe as direçõ es e os passos convenientes. Nunca anda presença em si mesmo que deve ser mantida no despertar;
dez quilô metros à frente ou atrá s dele. aliá s, é nisso apenas que consiste o despertar. Na verdade,
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percebemos logo na vida que nos esquecemos de nó s mes- Como sempre, essa questã o nã o depende da terapia psi-
mos. Neste instante, por exemplo, será que estamos presen- coló gica, mas do terapeuta. Tudo depende da consciê ncia
tes em nó s mesmos ou estamos presentes no que se passa dele. Exatamente como acontece na interpretaçã o dos
fora de nó s? sonhos, o terapeuta pode estar identificado ao mundo corpo-
Na meditaçã o viveremos as mesmas coisas que no sonho. ral, à s formas existenciais ou à s interpretaçõ es psicoló gicas.
No instante em que nos colocamos em silê ncio e na imobili- Se ele tiver, poré m, a experiê ncia do mundo interior, poderá
dade, necessariamente veremos, como no sonho, todos os guiar o paciente, acompanhando-o até lá . O problema é que,
pesadelos em forma de imagens, pensamentos e emoçõ es. É mesmo tendo vivido o contato interior, é sempre necessá rio
necessá rio atravessar esses espaços de sonho e chegar ao usar um ró tulo. Por exemplo, para trabalhar na França, uso
estado de vacuidade para poder purificar o plano astral. A o ró tulo de mé dico, homeopata e acupuntor. A partir disso,
vacuidade permite meditar e ser meditado, ou seja, tornar- sou reconhecido pela sociedade. Mas, noventa e cinco por
nos receptivos ao estado superior de nó s mesmos, ao cé rebro cento do meu trabalho nada tem a ver com a homeopatia, a
espiritual. acupuntura ou a medicina clá ssica.
Uma vez estabelecido o contato, a finalidade será permitir A: Voltando à pergunta, gostaria de saber se a parte teó-
que o gêmeo celeste se sacrifique a si mesmo para salvar o rica da psicologia contém em si alguma chave. Pelo que com-
mundo. Nã o é o ego, a nossa personalidade física que se preendi de sua resposta, seria necessário transcendê-la.
sacrifica, pois a finalidade do ego é a purificaçã o e nã o o Sim. Mas esse nã o é somente o problema da psicologia,
sacrifício. Quem se sacrifica e sofre realmente é o ser divino mas o de todas as formas de terapia. Eu diria a mesma coisa
que está em nó s, pois ele é inocente, sem pecado. sobre a medicina, a homeopatia e a acupuntura.
O ego facilita o contato quando atinge uma pureza inte- Consideremos os terapeutas no seu sentido mais amplo.
rior. Nesse momento o Verbo se faz carne e a dimensã o No mito de Esculá pio, o deus dos terapeutas, por exemplo,
celeste desce ao nível terrestre, sacrificando-se e dando-se a encontramos o arquétipo com que todos os terapeutas pode-
um mundo de trevas e de limitaçõ es. O ser que realizou essa riam sonhar, ou seja, alguém que conhece todas as técnicas
dimensã o encontra-se na inocência, no amor aos outros e cirú rgicas e farmacoló gicas. Ainda por cima, Esculá pio ganha
nã o a si; mantém-se simples e à serviço do Rei. Nessa dispo- dois afilhados que têm o sangue da Gó rgona. Um deles com a
siçã o irá deparar-se permanentemente com a incompreensã o, capacidade de matar e o outro com a de ressuscitar os mor-
a reaçã o, a maldade, o egoísmo etc. É esse o verdadeiro sofri- tos. É demais! Com um arsenal parecido e sem falar da mã o
mento no sentido crístico, pois o ego sempre se “sacrifica” na há bil que o centauro Quíron lhe ensinou a usar, Esculá pio
tentativa de sair-se melhor em todas as situaçõ es. Seu sofri- curava todo mundo. Curou tanto que Hades, o deus dos
mento, portanto, é sempre merecido. infernos, vê sua populaçã o consideravelmente diminuída e
queixa-se a Zeus de que aquela situaçã o nã o podia conti-
Questã o: A funçã o da psicoterapia nuar. Zeus, consciente dos riscos terríveis que isso poderia
ocasionar, pois havia criado uma espécie de falsa divindade
A: Gostaria de saber qual o papel da terapia psicológica. ligada ao homem, decide mandar um raio para matar Escu-
Ela nos prende ao mundo psicológico ou nos ajuda a entrar em lá pio. Ele morre e desce aos infernos. Em seguida, graças a
contato com o mundo celeste? seu pai, Apolo, ressuscita dos mortos e, só nesse momento,
torna-se uma divindade e compreende o sentido da descida
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aos infernos e da ressurreiçã o. Somente entã o ele se torna o
portador das duas serpentes, porque até esse momento ele
trazia consigo apenas a serpente diurna. A partir da descida 6. O Processo Iniciá tico e o
aos infernos, tornou-se també m portador da serpente
noturna, ou seja, da iniciaçã o noturna. Terapê utico
Nessa passagem há muito o que compreender com rela-
çã o ao processo terapê utico. A maior parte dos terapeutas,
qualquer que seja sua á rea de atuaçã o, tem como objetivo
apenas a iniciaçã o diurna, a primeira parte da histó ria de
Esculá pio. Nã o compreende e nem desconfia dos poderes do
P ara encerrar o que vínhamos discutindo sobre a relaçã o
entre os dois cé rebros e retomar a reflexã o feita sobre a
psicoterapia, é importante termos constantemente pre-
inconsciente e das forças titâ nicas nele contidas. Quando sente no espírito a diferença entre os dois cé rebros, ou seja, a
essas forças sã o desconsideradas por qualquer tipo de tera- dupla natureza do homem. A consciê ncia dessa diferença
pia, acabam por revoltar-se e geram estados patoló gicos. estabelecerá a verdadeira distinçã o entre o processo tera-
Precisamos nos questionar sobre a razã o do seguinte pêutico ou psicoterapêutico e o iniciá tico.
paradoxo: por que a medicina, hoje tã o poderosa quanto na Na iniciaçã o nã o se trata tanto de observar ou interpretar
é poca de Esculá pio, nã o tem respostas para tantas doenças o cená rio, o comportamento de uma pessoa física, mas de
como alergia, depressã o, câ ncer etc? dirigir-se à supraconsciê ncia, a algo que estranha e aparen-
O problema é que atualmente a nossa sociedade, des- temente está adormecido no homem e “nã o existe”, enquanto
vitalizada de seus valores tradicionais, nã o sabe reconhecer a que nos processos terapê uticos ou psicoterapê uticos nos diri-
necessidade de se passar por uma iniciaçã o. Somos como gimos a algo que existe. Todavia nã o se deve esquecer de que
cegos num tú nel, nã o sabemos para onde vamos e o pior é na palavra existir há o prefixo ex, que significa sair de. En-
que temos a impressã o de estarmos ó timos. tã o, na abordagem terapê utica nos dirigimos a algo que está
fora do ser e nã o nele mesmo.
O processo iniciá tico diferencia-se do terapê utico porque
nã o se trata de analisar o subconsciente ou o inconsciente e
levá -lo a uma compreensã o existencial, mas, ao contrá rio, de
neutralizar as forças subconscientes ou inconscientes, de
descolar-se e desidentificar-se delas. Na verdade, trata-se de
forças muito ambíguas, chamadas de Guardiõ es do Portal,
que representam os obstá culos que nos impedem de acordar
a nó s mesmos, deixando-nos apegados à terra e à s memó rias
coletivas. Elas nos aprisionam e nos identificam com o exte-
rior, na ilusã o de sermos um corpo ou entã o de nã o estarmos
condicionados e identificados a ele.
Isso nã o quer dizer que o processo terapê utico ou psico-
terapê utico seja inú til, muito pelo contrá rio, mas é preciso
nã o cair na armadilha de ver apenas esse lado. A tentaçã o,

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um pouco como nos contatos com os mundos pseudo-
espi-

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rituais, é a de deixar-se seduzir por essas forças de condicio- A consciência livre de formas, a consciência de pura inte-
namento que levam o ser a reduzir-se a simples dimensã o psico- ligência, é chamada de novo Adã o. Enquanto nã o for alcan-
corporal. Na verdade, as forças psico-corporais de con- çada, estaremos identificados à nossa natureza terrestre, que
dicionamento constituem obstá culo e impedem o contato com utiliza um veículo de carne, de pele e de pê los, de natureza
o mundo celeste. Precisamos nos desapegar de toda a natu- animal. O verdadeiro combate deverá ser travado nesse nível.
reza inferior que nos construiu. O verdadeiro combate ocorre É importante nunca perder de vista as duas naturezas.
na descida aos infernos, palavra que vem do latim inferus e Se nã o estabelecermos a diferença entre os dois níveis do ser,
que significa exatamente estados inferiores do ser. É impor- será difícil interpretar os sonhos ou tratar de alguém, pois
tante compreendermos todo esse processo, pois ele ocorrerá freqü entemente cairemos na armadilha das ilusõ es de inter-
nos sonhos. pretaçã o.
O que é o ser humano na acepçã o existencial do termo? A Se alguma adversidade ocorre na vida, enfrentá -la torna-
ciê ncia responde muito bem a essa questã o. Possuímos um se muito duro para a nossa natureza animal. A dificuldade
corpo químico composto de forças minerais e vegetais – que física ou psicoló gica, no entanto, é uma oportunidade extra-
chamamos de sistema neurovegetativo – e de forças animais ordiná ria para liberar-nos da natureza animal, possibilitar o
ligadas à capacidade de colocar-nos em movimento. Os pró - encontro de outra dimensã o de nó s mesmos e o crescimento
prios termos animal-animus e alma-anima têm todos a da natureza espiritual. O nosso confronto com a prova da
mesma raiz. É interessante notar também que as forças ani- morte, por exemplo, é dramá tico para a natureza terrestre,
mais sã o expressas com muita precisã o pelo zodíaco, que, no pois remete-nos à falta, à separaçã o e subjacentemente à
conjunto, sã o símbolos animais. O homem repousa sobre nossa pró pria morte.
essas forças. Basta lembrar a passagem da Bíblia que se Quando sonhamos com nossa pró pria morte ou com a
refere à serpente e à Queda como resultantes das forças ani- nossa casa queimando, acordamos muito angustiados e pen-
mais em nó s. Portanto, nossa natureza terrestre de base é a samos: “O que irá acontecer, será que vou morrer ou minha
do animal evoluído, porém, nossa real dimensã o humana casa se incendiará ?” É dessa maneira que a natureza terres-
está intimamente associada ao plano espiritual, à abstraçã o, tre funciona, trazendo imediatamente para si tudo o que se
à inteligência, à moral e à ética. Todos esses valores perten- relaciona as suas pró prias angú stias, faltas e medos. Todo o
cem ao cérebro espiritual, o que significa que nossa verda- medo está ligado à nossa ignorâ ncia e à s nossas limitaçõ es.
deira humanidade existe apenas em potencial, em germe. Só Uma casa que queima, por exemplo, nã o amedronta nossa
seremos de fato humanos quando o Verbo encarnar-se, isto é, natureza espiritual, que é essencialmente de fogo. Nunca vi o
quando o cérebro Humano tomar o lugar do cérebro animal. fogo ter medo de fogo. Será que morrer é tã o dramá tico para
É por isso que o verdadeiro combate é travado essencial- a nossa natureza espiritual? Talvez na morte física aconteça o
mente entre nossas naturezas animal e Humana. A natureza nascimento ou o despertar espiritual.
animal é muito poderosa e ativa, enquanto a humana é ape- Freqü entemente há uma ambivalê ncia de interpretaçã o
nas potencial. O objetivo final da natureza humana é a abs- dos sinais, quer seja na vida física ou nos sonhos. Como
traçã o. O ser humano é convidado a tornar-se um homem interpretarmos na vida física um acontecimento que repre-
angélico, perfeito, num corpo puramente espiritual. Há , senta um obstá culo? Se esta manhã , ao me dirigir para o
assim, uma transferência a ser feita entre o visível e o nã o- trabalho, meu carro quebrar, que leitura farei? Será que isso
visível, entre o animal e o Humano. significa que nã o era necessá rio ir, ou, ao contrá rio, que seria
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preciso ultrapassar o problema do carro e dar um jeito para angustiante que nã o consigo entender”. Percebe-se, imedia-
chegar lá ? Cada um irá interpretar o sinal segundo a sua tamente a atitude de possessividade do ego. Ao sentirmo-nos
pró pria natureza e o nível de qualidade de seu estado des- inquietos corremos para pedir “Por favor, rá pido doutor, a
perto. A mesma coisa, certamente, acontecerá com a inter- pílula má gica”, ou entã o uma interpretaçã o extraordiná ria de
pretaçã o do sonho pelo terapeuta e pelo paciente. um sonho que irá liberar-me de tudo.
O terapeuta deverá colocar, em primeiro lugar a si
O papel do terapeuta mesmo e, em seguida, ao seu paciente a seguinte pergunta:
“Você quer que eu interprete o seu sonho, mas será que você
Há no papel dos terapeutas uma grande responsabili- está pronto para entender o que será dito e obedecer as indi-
dade. A funçã o de um terapeuta, nã o importa qual seja a caçõ es de seu sonho?” Em geral, o trabalho pá ra no primeiro
té cnica adotada, é a de acompanhar o ser em seu processo de nível. Se algo me angustia num sonho, por exemplo, procuro
liberaçã o, de descondicionamento. Seu papel é estimular, alguém que me tire dessa angú stia, sem a intençã o de qual-
com sua atitude e seu testemunho pessoal, que o ser cami- quer esforço da minha parte para avançar. O trabalho do
nhe no sentido inverso ao de seu movimento natural, pois terapeuta, nessas condiçõ es, é fazer o paciente compreender
este sempre realimentará o condicionamento. É preciso sur- que há necessidade de ir em frente e que sempre há um preço
preender o paciente, mostrando-lhe na interpretaçã o um a pagar. Se nã o quiser pagar o preço, ficará com seu sofri-
ponto de vista que ele nã o encontraria sozinho. Por outro mento e sua angú stia. Nã o será uma pílula ou qualquer
lado, també m é importante nã o fixar qualquer ponto de vista interpretaçã o milagrosa que mudará interiormente o que quer
definitivo, dizendo “essa é a verdade”, mas ser lú dico, realizar que seja.
um jogo surpreendente, leve, adaptá vel, solú vel e de movi-
Como atualmente vivemos numa sociedade de consumo,
mento na vida.
vemos esse tipo de atitude a todo instante, tanto no campo
O trabalho real de interpretaçã o de um sonho por parte
terapê utico como em supostos grupos de busca espiritual.
do terapeuta nã o consiste em ser o senhor da verdade ou ser
Num momento de crise, por exemplo, poucas pessoas fre-
infalível, mas obrigar o paciente a situar-se frente a seu fun-
qü entam grupos de busca espiritual. Já em tempos mais
cionamento e a suas limitaçõ es e ajudá -lo, de uma maneira
tranqü ilos muitas pessoas jogam pô quer com a vida espiri-
sutil, a reconhecer o que está bloqueado nele, estimulando-o
tual, ou seja, dã o um pouco de dinheiro para ver aquilo de
a colocar-se em movimento. Como só há movimento quando
que se trata, mas sem comprometerem-se. Tentam assim
entramos em contato com nosso desejo, pois nã o somos
aplacar um pouco de suas angú stias. É necessá rio tirar a
masoquistas, torna-se imprescindível dinamizar o desejo do
má scara desse comportamento. A vida espiritual nã o pode
outro para conduzi-lo progressivamente em direçã o ao seu
ser provada, só pode ser vivenciada à medida que aceitarmos
verdadeiro desejo.
realizar o caminho. Portanto, a ú nica soluçã o é trilhar o
Outra questã o importante é a de reconhecer se o paciente caminho.
está pronto. Isso diz respeito tanto à terapia, à interpretaçã o
Como terapeuta, é importante manter um duplo olhar: o
de sonhos como també m a todas as relaçõ es humanas. Muita
de fazer uma interpretaçã o e também o de compreender que
vezes, como terapeutas, recebemos pessoas que nos procu-
toda interpretaçã o constitui uma reorientaçã o do movimento.
ram dizendo: “Doutor, as coisas nã o andam bem, estã o muito
Os sonhos e o sofrimento sã o energias que pedem transfor-
difíceis”, ou entã o, “Eu sofro, porque tenho um sonho muito

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maçã o e, se nã o nos colocarmos em movimento, reproduzi- zendo os sete dias de cada fase. Sete vezes quatro, igual a
remos sempre as mesmas coisas. vinte e oito dias, representa o mês lunar, o ciclo completo da
Na interpretaçã o da natureza terrestre, um mínimo de Lua em torno do Sol.
experiê ncia pode bastar, mas para dar orientaçõ es em Os sonhos de lua nova sã o de semeadura e de renovaçã o.
direçã o à natureza celeste, é preciso que o terapeuta tenha Os sonhos de lua cheia sã o de objetivaçã o e de realizaçã o. Os
uma grande competê ncia e que ele pró prio siga um processo sonhos de quarto crescente simbolizam uma tensã o entre a
inici- á tico, com só lidos conhecimentos em diversas á reas. aspiraçã o que foi depositada no momento da lua nova e o
Um terapeuta que se encontra no processo iniciá tico nã o terá desejo de realizá -la na lua cheia; indicam normalmente as
evi- dentemente um conhecimento universal, mas deve dificuldade de realizar alguma aspiraçã o. Os sonhos de
possuir muitos conhecimentos no campo do simbolismo, da quarto minguante mostrarã o tudo aquilo que foi bem ou mal
mito- logia, da histó ria comparada das religiõ es. É realizado; faz-se um balanço, pois o momento está mais para
imprescindível també m uma grande qualidade de coraçã o e reflexã o e reajustamento das realizaçõ es. Os reajustamentos
firmes valores é ticos. Somente atravé s desse conjunto de levam a novas constataçõ es, que atuarã o como um novo
princípios e de atitudes o caminho poderá constituir-se. impulso na lua nova seguinte, e assim por diante. A lua nova
corresponde à s aspiraçõ es, aos projetos, aos desejos que
Outros elementos de interpretaçã o necessitamos realizar, o que é compreensível se nos lem-
brarmos de que é nessa fase que se dá a conjunçã o entre o
Um ú ltimo ponto na interpretaçã o dos sonhos é listar os Sol e a Lua; portanto, a semeadura espiritual. É freqü ente,
elementos de interesse. Primeiramente, devemos escrever o na lua nova, ocorrerem grandes sonhos de luz interior.
maior nú mero de detalhes possíveis sobre o sonho, anotando
Poderemos realizar um trabalho de interpretaçã o de as-
a data precisa e a fase da lua na qual o sonho ocorreu. Logo
trologia lunar, muito interessante e extremamente operativo
perceberemos que estamos inscritos em ciclos có smicos par-
do dia a dia, no ciclo das vinte e oito casas lunares. Os mo-
ticulares e que um certo tipo de sonho só acontece numa
vimentos que ocorrem no sonho também podem ser correla-
certa fase específica da lua. É interessante seguir uma suces-
cionados ao movimento da Lua.
sã o de sonhos inscritos no mesmo tema e na mesma fase da
Em meu trabalho pessoal com os sonhos, observei que,
Lua, pois nã o é possível realizar um trabalho consistente de
em geral, há movimentos de ascensã o quando a lua cresce e
interpretaçã o com apenas um sonho.
movimentos de descida quando mingua. Há movimentos
No trabalho relacionado à Lua é necessá rio realizar uma mistos de subida e descida no sonho no momento da lua
decantaçã o. Para tanto, devemos situar com clareza em qual nova ou da lua cheia.
fase da Lua o sonho ocorreu, ou seja, se foi um sonho de lua
As referê ncias de movimento, de espaço e de tempo tam-
nova, de lua cheia, de quarto minguante ou de quarto cres-
bé m sã o importantes. Os sonhos existem para serem vistos e
cente. Esses quatro momentos consistem em quatro dias bem
ouvidos. À s vezes, é necessá rio ouvi-los implicitamente e
precisos do mê s, que alguns calendá rios indicam com os
outras, explicitamente. Por exemplo, quando se diz no sonho
desenhos característicos da Lua. Para definir os limites de
que algo irá acontecer amanhã , é preciso compreender que o
tempo de cada fase, incluam o dia preciso, os trê s dias que o
amanhã mencionado nã o é necessariamente o nosso ama-
precedem e os trê s dias que o sucedem. Ou seja, o dia exato,
nhã . Esperar um acontecimento para o dia seguinte pode
mais os trê s dias anteriores e mais os trê s posteriores, perfa-
tornar-se uma boa fonte de decepçã o. Se estivermos numa
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consciê ncia lunar, o amanhã significará um mê s e, se esti- direita para a esquerda, representa o caminho contrá rio; é
vermos numa consciê ncia solar, um dia poderá corresponder uma forma de abstraçã o, de retorno ao passado e de dissolu-
a um ano, visto que a jornada solar pelo zodíaco leva um ano çã o. De qualquer modo, é necessá rio sentir os movimentos
para se completar. Há ainda outros níveis de consciê ncia que que ocorrem no sonho e buscar suas possíveis significaçõ es.
se encontram alé m do solar. Muitas outras indicaçõ es pre- O simbolismo do corpo també m tem muita importâ ncia
cisam ser compreendidas e pesquisadas, mas é evidente que, na noçã o de espaço. Num sonho, nã o significa a mesma coisa
nesta oportunidade, apenas algumas indicaçõ es sã o possí- ser ferido no pé direito ou no esquerdo. Sã o elementos plenos
veis. de sentido, que devem ser inscritos na grade mencionada. É
Quando se pretende realizar um trabalho bem preciso de importante observar ainda os reinos implicados nos sonhos.
interpretaçã o, torna-se imprescindível estabelecer uma espé- Certos tipos de sonho revelam reinos minerais, como por
cie de grade de leitura dos sonhos para obtermos pontos de exemplo, quando sonhamos com pedras preciosas, que sim-
referência, como as noçõ es de espaço e de lugar, de tempo, bolizam o contato com forças arcangé licas, com arqué tipos
movimento e deslocamento. divinos. Outros sonhos trazem a importante presença do
Indicaçõ es significativas podem ser obtidas se nos lem- reino vegetal, que, dentro de certos contextos, poderá referir-
brarmos de como nos deslocamos: da direita para a esquerda se ao paraíso terrestre, à Á rvore da Vida, ao Jardim de É den.
ou da esquerda para a direita. O que significaria, por exem- A presença do reino animal ajuda-nos a compreender
plo, sonhar que nos deslocamos da esquerda para a direita? nossas forças animais. O fato de revestimo-nos com a pele de
Pode tratar-se de um movimento que vem do coraçã o e é animais, apó s um combate com eles, simboliza o domínio
levado a manifestar-se. Outras indicaçõ es poderã o vir da sobre esse nível. No mito da Cavalaria, por exemplo, o rei
observaçã o cotidiana. No mundo ocidental, por exemplo, a Arthur reveste-se com uma pele de urso, que corresponde, na
escrita se faz da esquerda para a direita. Ao escrever, damos verdade, à constelaçã o da Grande Ursa, ou seja, à capacidade
forma a alguma coisa, como se trilhá ssemos do passado de compreender e dominar as forças dessa constelaçã o.
(esquerda) para o futuro (direita). Todos os movimentos sã o Outro exemplo é o de Hércules que se cobre com a pele do
portadores de sentido. O movimento da direita para a es- leã o de Neméia, cujo significado é semelhante ao do mito de
querda pode ser visto como um retorno, uma volta. É evi- Arthur. Arquétipos similares de domínio e poder de conduçã o
dente, como já discutimos, que é necessá rio, nesses casos, dessas forças animais aparecem em todas as tradiçõ es. Daí
levar em consideraçã o o contexto cultural em que a pessoa advém a importâ ncia de conhecermos mitologia e histó ria das
vive. O á rabe e o hebraico, como se sabe, sã o escritos da religiõ es.
direita para a esquerda. É bom lembrar que os movimentos Nesse conjunto de referê ncias para a leitura dos sonhos é
das escritas antigas tinham um sentido muito mais profundo preciso levar em conta o simbolismo dos nú meros e das
do que imaginamos. cores, pois sã o elementos plenos de sentido. Encontramos
Esse é mais um dos exemplos para comprovar que todo um, dois ou trê s animais? Estamos acompanhados de duas
estudo deve sempre ser relativizado segundo o seu espaço pessoas ou de trê s? E assim por diante. Um mínimo de
cultural particular. conhecimento sobre o simbolismo das cores també m é indis-
Sob a ó tica a que nos referíamos, o movimento da pensá vel na interpretaçã o de um sonho, para compreender-
esquerda para a direita indica um processo que parte da mos o que significa uma roupa de determinada cor, ou a cor
abstraçã o em direçã o à sua concretizaçã o. O movimento da de um objeto qualquer.
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Como já mencionei, o sonho também deve ser ouvido. floresta do inconsciente, do qual vemos apenas dois olhos
Precisamos estar atentos ao jogo de palavras, pois mesmo inquietantes que vigiam. Já o javali, que se chama sanglier
que nã o o utilizemos habitualmente na vida diá ria, os sonhos em francê s, conté m em seu nome um jogo de palavras: sang-
contêm com freqü ência combinaçõ es curiosas de palavras. O lier, que poderíamos traduzir por sangue-ligar. Muitas vezes
ideal seria entender o sonho como um jogo sutil. Há , por um jogo de palavras é específico de uma determinada língua.
exemplo, uma lenda medieval francesa sobre um lobo que A raiz etimoló gica de sanglier é sem, que quer dizer seme-
comia pessoas. Era o monstro chamado Gevaudan, nome lhante. Sonhar com um javali ou com a caça ao javali remete-
cujo sentido é “eu tenho seus dentes”. Certa vez me foi rela- nos, na realidade, ao semelhante, isto é , ao arqué tipo celeste.
tado um sonho com esse monstro e, no sonho, a pessoa sen- tia- É por isso que o javali é símbolo da casta sacerdotal e nã o da
se totalmente desvitalizada. Se compreendermos que os dentes casta guerreira, à qual corresponde o urso. O javali també m
estã o ligados à letra Shin do alfabeto hebraico, que também se foi um símbolo importante para os druidas, sendo muitas
refere ao fogo e à energia vital do ser, certamente disporemos de vezes confundido com um traço cultural, deixando escapar
recursos mais amplos para interpretar o sonho. Precisamos seu verdadeiro sentido.
apreender o significado desses jogos de palavras e também O Talmude diz: “Observando o visível, compreenderemos
decodificar o ambiente no qual ocorrem. o invisível”. Isso também se aplica ao sentido simbó lico dos
A defasagem entre o ambiente do sonho e a emoçã o que a diferentes animais. O urso, por exemplo, hiberna, apresen-
pessoa sente ao acordar, constitui-se num outro indício sig- tando desse modo alternâ ncias, ciclos, que podem ser relacio-
nificativo. Certos sonhos sã o neutros e até simpá ticos, nados aos da Lua; tem um territó rio bem limitado, pois
poré m, ao acordarmos, sentimo-nos inquietos. Tudo isso hiberna numa gruta. Por ser plantígrado, o urso é um animal
pode ajudar-nos a compreender mais profundamente o signi- com capacidade de colocar-se sobre as patas traseiras, o que
ficado do sonho. simboliza as forças animais capazes de se verticalizarem; tem
É evidente que, quanto maiores forem os conhecimentos muita força nas patas e mandíbulas. Todos esses dados sã o
gerais e a cultura de quem interpreta os sonhos, mais com- arquétipos do poder existencial: a defesa de territó rio, os
preensivo será o resultado final. É muito ú til, nesse sentido, ciclos lunares, a capacidade de ficar em pé, uma certa rea-
um mínimo de conhecimento dos alfabetos (principalmente os leza. O javali, por sua vez, é um animal muito diferente. Soli-
sagrados, como o hebraico e o sâ nscrito) e do simbolismo dos tá rio, nã o tem territó rio delimitado, o que enfatiza a noçã o de
nomes, em particular da raiz etimoló gica dos nomes animais. viver sem forma. Hoje está aqui, amanhã , a cinqü enta ou
Se sonharmos com alguém que conhecemos, cujo nome seja oitenta quilô metros adiante. É um animal que come o fruto
Lú cia ou Domingos, por exemplo, é importante verificarmos do carvalho, planta símbolo da Á rvore da Vida, ou seja, o
se, mais do que à pessoa exterior, o sonho nã o estará se refe- javali alimenta-se do fruto da Á rvore da Vida.
rindo ao significado de seus nomes: Luz, no caso de Lú cia, ou Se nos dedicarmos ao estudo dos símbolos, poderemos
Dominus (Senhor), no de Domingos. O essencial é perceber o descobrir a força surpreendente das imagens associadas aos
sentido do sonho, desmaterializando assim sua identificaçã o elementos do sonho. Quando nã o se conhece um símbolo, é
com o exterior. necessá rio partir de uma observaçã o precisa da vida, da
Se sonharmos com um lobo, será ú til sabermos que, eti- natureza física, que indica funçõ es arquetípicas subjacentes
mologicamente, lupus vem de luz e observarmos que o lobo é a esse símbolo.
um animal que se esconde na noite, que vive na fronteira da

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Um ú ltimo elemento de interesse para interpretar també m associar a palavra à testa ou à cabeça; no francê s,
sonhos, baseado em minha pró pria experiê ncia, é dar-lhes pelo menos, é homó fona de tête, cabeça. Em casos como esse,
nomes e sintetizá -los. A procura de um título justo pode é importante continuar procurando até se encontrar uma
exprimir a quintessê ncia do sonho, complementando o que já pista.
tiver sido escrito. B: Muitas vezes sonho noutra língua estrangeira, principal-
O conselho que me parece mais importante é trazer mente em inglês. Isso tem um significado particular?
constantemente o sonho à vida cotidiana, considerando sem- Sim. A questã o das línguas e das localidades pode tornar-
pre a dupla natureza do homem, fato que, por ser freqü ente- se muito compreensível se estudarmos alguns elementos da
mente esquecido, causa inú meros mal-entendidos e falsas geografia sagrada.
interpretaçõ es. No mundo interior somos seres universais. Percebi pes-
Para trabalhar na interpretaçã o dos sonhos, necessita- soalmente, por exemplo, que os deslocamentos por países e a
mos de algumas ferramentas como, por exemplo, diferentes utilizaçã o de línguas diferentes sã o portadores de sentidos
dicioná rios mitoló gicos e de símbolos; livros sobre o simbo- muito precisos. Ir em direçã o ao Oriente Mé dio, nesse sen-
lismo dos nú meros, das cores, das letras sagradas, dicioná - tido, pode significar dirigir-se ao oriente mé dio do pró prio
rios etimoló gicos e també m dos nomes, pois propiciam deta- ser, ou seja, ao coraçã o, onde se efetua o contato angé lico.
lhes muito significativos. As raízes das palavras ajudam o Nã o é por acaso que lá se encontra Jerusalé m. Por outro lado,
pensar simbó lico. Saberemos, por exemplo, se o que falamos via- jar ao Extremo Oriente poderá significar o lugar mais
de determinada pessoa refere-se a ela, enquanto representa- extremo que se pode alcançar em terra firme, ou seja, chegar
çã o física, ou ao significado etimoló gico de seu nome ou aos con- fins em nosso ser, onde surge a luz e podemos
sobrenome, o que nã o exclui a funçã o subjacente dos traços contatar, por- tanto, forças arcangé licas.
de comportamento e das atitudes dessa pessoa. Uma inter- Na Europa há muitos locais simbó licos e interessantes.
pretaçã o correta inclui diferentes níveis sutis e subjacentes. Na Suíça, por exemplo, atravessei um lago que se chama
É importante, reconhecer e nã o temer nossa ignorâ ncia Léman, que, em francê s falado, significa o amante. Na Ale-
frente a um fato qualquer. Desse modo, tanto o paciente manha fala-se a língua germânica, palavra muito pró xima de
quanto o terapeuta sã o mobilizados e seus encontros se gérmen e que pode ser associada à noçã o do duplo. A Rú ssia,
transformam em oportunidades de procura e pesquisa. e mais especificamente a sigla URSS, em francê s significa
urso, nã o sendo casual tratar-se de um país do norte, sím-
Questõ es: Palavras desconhecidas e línguas bolo da estrela Polar e da Grande Ursa. A Inglaterra, Angla-
estrangeiras terre no francê s é a terra dos ângulos, isto é , dos anjos e a
língua inglesa, simbolicamente, pode ser uma forma de repre-
A: Uma paciente relatou-me um sonho que continha uma sentar a língua angélica.
energia muito forte e a impressionou por muito tempo. Nele Os Estados Unidos compõ em um símbolo ambivalente,
aparecia uma pessoa que dizia: “Fique tética”. Procuramos pois seu nome indica unificaçã o, mas ao mesmo tempo a
descobrir o significado e nunca conseguimos decifrar o que terra do oeste. Nã o é por acaso que os á rabes e os muçul-
essa palavra queria dizer. manos consideram esse país como a terra do demô nio, pois
Té tis, na mitologia grega, corresponde a duas deusas foi pelo oeste que o homem foi banido do É den. Trata-se, para
ligadas ao mar. Uma delas foi a mã e de Aquiles. Pode-se eles, da terra do exílio e da queda; portanto, do diabo. Pode-
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mos interpretar, també m, como sendo a terra da unificaçã o e
da oportunidade de agrupamento dos mú ltiplos estados do
ser. A viagem de um europeu na direçã o ao sul leva-o à 7. Interpretaçõ es em Grupo
Á frica, terra das pessoas negras que, em seu contexto só cio-
cultural, pode significar uma relaçã o com a sombra. Tudo

P
isso, obviamente, deve ser compreendido e vivido no mundo odemos agora interpretar juntos alguns sonhos, tendo
interior. em vista os pontos de apoio até agora propostos.
A: E o Brasil?
Num certo nível, creio que o Brasil tem o mesmo símbolo
dos Estados Unidos. Representa o Novo Mundo, no qual a
Relato 8: O sonho do cavalo bebê
matriz do germe futuro está se tornando evidente em sua Narrador: O sonho que vou relatar, ocorreu alguns meses
dupla face. É , ao mesmo tempo, terra do exílio e terra da pos- após o trabalho que o Patrick realizou sobre o Apocalipse, em
sível salvaçã o, sob a condiçã o de arregaçarmos as mangas e 1991. Foi um sonho muito vivo e eu o escrevi tal como dele me
nos propiciarmos os meios de trabalhar. Existe, aqui tam- recordava, sem tentar interpretar. Ele ficou gravado em mim
bé m, a possibilidade de semear o germe do futuro. como um quadro. Sempre me lembro dele, mas não o compre-
Há uma relaçã o estreita entre a Europa, os Estados Uni- endo.
dos e o Brasil. É como se a Europa fosse um velho que deve Estou do lado de fora e tenho um encontro marcado. A
revitalizar-se transmitindo seus conhecimentos à jovem paisagem é de montanhas de areia branca, com palmeiras do
criança. Mas, nesse símbolo geral, há uma diferença entre a lado esquerdo. Espero esse encontro numa casa pequena,
Amé rica do Norte e a Amé rica do Sul, pois o norte e o sul, do acolhedora e sem móveis, próxima a esse morro menor do lado
ponto de vista simbó lico, desempenham funçõ es muito dife- esquerdo. Dirijo-me a esse lugar e espero. Não sei o que irá
rentes. Nesse sentido, caberá à Amé rica do Norte uma dinâ - acontecer. Quando a noite começa a cair, vou em direção à
mica masculina e, à Amé rica do Sul, uma feminina. base da montanha branca e, do lado direito, surge um homem
É muito importante compreender o sentido dessa polari- a cavalo, com chapéu e uma calça de cuja cor não me lembro e
dade, pois, paradoxalmente, mesmo na iniciaçã o masculina, uma camisa verde de mangas bufantes. Ele me entrega um
é necessá ria a passagem pelo feminino. As iniciaçõ es de Per- cavalinho bebê branco com crina e rabo ruivos. Eu sento na
cival, na Cavalaria, principiam pela busca do feminino. Ele areia e fico totalmente enternecida com o cavalo. Olho e vejo
vai em busca da mã e ou da dama e, apenas quando essa principalmente o nariz e a boca que aparecem embaixo do pêlo
etapa é cumprida, ocorre a abertura para o arqué tipo mascu- branco. Ele é como uma pessoa ruiva, todo sardento. Para
lino. Os taoístas indicam claramente esse mesmo princípio. mim, ele e um bebê são a mesma coisa.
Entre a Amé rica do Norte e a do Sul encontramos essa Assim termina o sonho. Apesar de muito bonito, nunca o
mesma relaçã o entre o masculino e o feminino. Aparente- compreendi.
mente o homem é o mais forte, mas a mulher é a guardiã do Antes de tudo, é necessá rio fazer um quadro com todos
fogo, da verticalidade e dos valores do ser. Creio que eu nã o os dados. Inicialmente, quando escuto um sonho e o sonho é
poderia ensinar nos Estados Unidos. sempre uma histó ria, tento compreendê-lo em sua totalidade
e nã o apenas nos seus detalhes. Ele tem um princípio, um
meio e um fim. Nesse sonho sã o colocadas algumas cenas

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como, por exemplo, a casa vazia, o cavaleiro de verde, o terei um encontro nessa casa. Quando adentro a casa, cons-
cavalo branco de crina ruiva, uma montanha de areia como tato que não tem móveis, mas tenho o sentimento de estar num
se fosse uma duna num deserto. Certo? local muito acolhedor.
Narrador: Não associei o cenário a uma duna; parece Façam perguntas.
mais uma montanha grande e branca, bem à minha frente. C: Como estava o céu?
Devemos anotar os pontos relatados sem procurar com- Narrador: Não sei responder, só sei que, quando o homem
preendê -los. Em seguida, pedimos à pessoa para retomar o chega, é noite.
sonho e trabalhá -lo, segmento por segmento, anotando D: Você sabe com quem vai se encontrar?
outros pontos particulares. É muito importante questionar Narrador: Não, só o vejo quando ele chega.
sem tentar encontrar respostas imediatas. Se esse trabalho E: Essa paisagem lembra algo que você conhece?
for bem feito, aparecerã o mais detalhes e elementos, porque Narrador: Não, creio que são montanhas muito altas para
uma coisa é ter a visã o e outra, descrevê -la. Começamos a serem dunas.
perguntar sobre pontos que podem esclarecer dú vidas e F: Mas as dunas no Ceará são muito altas. E lá também
nunca devemos nos apressar em formar uma opiniã o. Nã o há palmeiras e casas de praia pequeninas.
precisamos temer o estado de ignorâ ncia, pois o outro, assim G: Você não estranha que a casa não tem móveis?
como nó s mesmos, é sempre um misté rio. Quando aceitamos Narrador: Não estranho nada no sonho; não sei o que irá
essa ignorâ ncia e confiamos, num determinado momento, acontecer, mas estou sem ansiedade.
algo irá expressar-se. Deixamos que as imagens nos impres- H: Uma casa vazia aconchegante é estranho. E quantas
sionem, até que, de repente, os dois registros – o da aná lise e palmeiras existem?
o da intuiçã o, o da inteligê ncia e o da emoçã o, o da parte e o Narrador: : Não me lembro.
do todo – possam funcionar. Nesse momento estaremos na B: Você disse que havia três montanhas; e quantas jane-
relatividade e nas inter-relaçõ es. las?
Vamos agora retomar o sonho por setores. Relate de novo Narrador: Deixe-me ver, a porta e a escadinha, vejo três
duas ou trê s frases e cada um tentará entender o melhor janelas.
possível o enunciado. À medida que formos esclarecendo C: Quando o homem chega você está dentro da casa ou
cada parte, avance um pouco mais, até terminar o sonho. fora, olhando-a?
Narrador: Como escrevi esse sonho, vou relê-lo. Narrador: Estou esperando na casa, mas não me lembro
Primeiro abre a paisagem e eu estou fora. se estava dentro; só sei que tinha que esperar naquele local. O
B: O que quer dizer estar fora? encontro se daria lá.
Narrador: É como se eu estivesse vendo uma tela do lado D: De que cor era a casa?
de fora. A primeira coisa que vejo, é a casa onde terei o encon- Narrador: Era de madeira e as tábuas tinham a cor da
tro. É pequena, de madeira, janelinhas abertas e ao pé de uma madeira, mas o piso e a parte de cima eram brancos.
colina pequena. A paisagem à frente é ampla, montanhas E: Você se lembra da emoção que sentia?
altas, brancas; lembro-me de ter estranhado a montanha Narrador: Estava muito tranqüila, esperando.
branca, mas não sei se foi uma interpretação acordada ou se a F: Quando você vai ao encontro, continua vendo ou está
estranhei no sonho. À esquerda, um pouco abaixo da casa, participando da cena?
havia algumas palmeiras grandes. Eu espero, pois sei que Narrador: Estou participando, recebendo o cavalinho.
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G: Havia mato ao redor da casa? Ela era sua? Narrador: É uma montanha de areia; a palmeira está
Narrador: Não sei, nunca me questionei sobre isso. embaixo e as montanhas são altas. Eu também estou embaixo.
H: Se você não está dentro da casa, como sabe que ela Visualizem aquelas casinhas simples de madeira com degrau-
está vazia? zinhos em frente da casa.
Narrador: Porque eu a vejo. A porta está aberta e não há F: Enfim simplicidade e humildade. Quantos degraus
nada dentro. De repente eu estou lá dentro, mas não me lem- havia?
bro de tê-la visto por dentro. Narrador: Parece que eram quatro.
B: Tratava-se de um lugar vazio, natural, com três monta- F: E o tempo, chovia ou fazia sol?
nhas áridas e a espera do encontro com o masculino cuja cor é Narrador: Não sei. Sei que tem dia e noite. Eu chego de
verde. Está relacionado com a energia vital que frutifica. dia e o cavaleiro, à noite. Mas o importante é o cavalinho e não
Narrador: Mas as montanhas não eram áridas. Todo o o cavaleiro.
cenário era acolhedor. Continue a relatar o sonho.
C: Para mim, a casinha era uma estrutura nova e acolhe- Narrador: Estou esperando, não vejo o poente, mas já
dora. O fato dela ter tido esse sonho após um trabalho sobre o está escurecendo e vou para o pé da montanha. Não sei o que
Apocalipse, fez-me associar à aquisição de uma nova estru- irá acontecer. Aparece o cavaleiro pela direita, é um homem
tura, um espaço em si, com muita possibilidade de preenchi- jovem, usa chapéu e camisa verde com mangas bufantes e
mento. Conheceu referências sólidas, uma montanha, ao pé da traz o cavalinho bebê. Desce e me entrega o cavalinho que é
qual foi buscar referencial. O mensageiro vem na forma de um muito pequeno. Eu o seguro como a um bebê.
cavaleiro vestido de verde que, para mim, é uma cor ligada ao Façam perguntas.
feminino, acolhedora. O mensageiro dá a ela um símbolo ani- B: Qual é a cor do cavalo que o cavaleiro monta?
mal, mas de animalidade completamente domável, com fortes Narrador: É branco também.
instintos, no caso a crina e a cauda vermelha. Ela percebeu C: A figura do cavaleiro é grande em relação ao cavalo?
que a pele do cavalinho era semelhante à das pessoas ruivas Narrador: Normal.
que é sem pigmentação, e coisas despigmentadas são muito C: Esse cavalinho é filho do cavalo no qual ele vem mon-
frágeis. Eis alguns elementos que me vieram. tado?
Você s estã o indo muito depressa. Mas, se nã o tiverem Narrador: Não sei esse detalhe.
mais perguntas sobre essa primeira parte, podemos passar à D: Ele lhe entrega o cavalinho e vai embora?
segunda. Narrador: Não vejo o retorno. Registrei apenas o
D: A palmeira e as montanhas eram só paisagens ou momento da chegada, e a próxima lembrança que tenho é a de
tinham algum significado? estarmos eu e o cavalinho no chão.
Narrador: Eram só paisagens, como uma pintura. D: A casa também desaparece?
D: Pareciam paisagens porque não havia profundidade? Narrador: Tudo desaparece.
Narrador: Sim, como se eu visse tudo com o nariz gru- E: E como era o chapéu?
dado na tela de um vídeo game. Mas havia perspectiva porque Narrador: Era de couro marrom, do tipo boiadeiro.
a casa estava num outro plano. F: Você avistou o cavaleiro de longe ou só o viu quando
E: Você falou de areia? estava bem próximo?

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Narrador: O tempo no sonho é diferente, a imagem troca um começo, o cavalo tem que crescer e se fortalecer para poder
rápido. A cena mudou e ele chegou. subir à montanha.
G: Vejo uma relação de cores entre a primeira parte da G: O sentido do olfato e o da degustação são muito desen-
cena e a segunda: na primeira, havia palmeiras verdes que volvidos em você?
eram o elemento vivo da paisagem e, na segunda, o cavaleiro Narrador: Principalmente o olfato, pois trabalho numa
aparece com uma blusa verde. Na primeira parte, a casa que perfumaria.
protege era de madeira marrom e, na segunda, o chapéu que G: A sua descrição do cavalinho tem especial ênfase no
protege o cavaleiro era marrom. Na primeira parte, as monta- nariz e na boca. Foi isso que a fez associá-lo a um bebê? Tal-
nhas são brancas e, na segunda, o cavalo é branco. Não sei o vez esses sentidos especialmente desenvolvidos sejam para
sentido disso, mas há uma relação. você uma porta aberta para as impressões interiores.
É muito certo. Foi um belo sonho, de cunho iniciá tico, N: Parece-me que na primeira parte havia um feminino
mas falta ainda relatar o final. com vontade de receber e integrar um masculino vivo e
Narrador: Ele me entrega o cavalinho que é muito doce, protetor. Um masculino que gerasse em você uma nova pureza,
lindinho e eu fico bem próxima dele, de sua narina e boca, de pois era branco, mas com vida, porque a crina e a cauda eram
sua pele, da cauda ruivinha e de sua crina brilhante. Ele está cor de sangue. O fato de estar plena tinha muito sentido para
meio adormecido e, quando eu o seguro no meu braço, vejo que o seu ser depois dessa integração.
não há diferença entre ele e um bebezinho, como se tivesse H: A presença dos mundos mineral, vegetal e animal e
saído da espécie humana. também o cavalinho bebê que representava a humanidade, é a
B: E as manchas? possibilidade de integração de si com esses reinos?
Narrador: São sardas como as de um bebê. D: É isso que me faz desconfiar tratar-se de um sonho ini-
B: O bebê faz parte de você? ciático com abertura para o mundo celeste. As imagens de um
Narrador: Foi a única parte associativa do sonho. Eu me bebê branquinho, cheio de amor, o elemento noite, quando não
vejo pensando que o cavalinho parece um bebê. Eu estou pen- havia luz, são pistas de contato com o mundo celeste.
sando, muito espantada com a semelhança do bebê cavalo Muito precisos esses comentá rios. Tudo o que foi dito é
com o bebê humano. interessante. Darei agora alguns detalhes iniciais e depois
D: Quando você fala tem um forte componente maternal. interpretaremos de forma conjunta.
Como você está vestida? É significativo o detalhe dos quatro degraus da casa. Se o
Narrador: Eu não apareço nenhuma vez, só em espírito. compararmos com a Á rvore das Sefiroth teremos algumas
D: Não aparece nem sua mão para pegar o cavalinho? indicaçõ es para os quatro níveis de casas. Na Cabala, cada
Narrador: A mão aparece, mas estou por trás dela. sefirah corresponde a um arqué tipo, que pode ser aplicado a
E: Eu vejo a casa como sendo a entrada num caminho in- uma descriçã o sucinta dos diferentes tipos de moradas. Tais
terior e as palmeiras como se a vida tivesse tido um primeiro descriçõ es deverã o, evidentemente, ser adaptadas à imagem
florescimento, mas ainda não estivesse integrada. O caminho interior de cada um. A casa de Malkhut, o Reino, é o corpo. A
já está sendo trilhado. Do interior da casa ela espera a che- casa de Yesod, a Lua, tem uma cor um pouco cinza. A casa,
gada do gêmeo celeste. O pequeno cavalo branco é um corpo ou castelo de Hod, Mercú rio, em geral é representada por um
purificado, onde o espírito mostra o verbo encarnado. É apenas ambiente interior, como, por exemplo, uma biblioteca, mu-
seu, lugares de encontros com pessoas que detenham conhe-
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cimentos; em todo o caso, trata-se de encontros baseados na biliada no sonho, leva à procura de mó veis, ou seja, do bra-
memó ria. A casa de Netzah, Vênus, tem a relaçã o constante sã o. Tecnicamente falando, mobiliar nosso brasã o significa
com a madeira e a á rvore; pode ser uma casa de madeira ou encontrar as forças distintas que nos habitam. Essa casa do
construída na á rvore, mas sempre com uma forte conotaçã o coraçã o está vazia num duplo sentido: vazia, mas com mú lti-
com o reino vegetal. A casa de Tifereth, Sol, é o arquétipo do plas possibilidades de arranjo e vazia no sentido da busca
grande castelo, como, por exemplo, o de Versailles, ou seja, para saber quem ela é .
uma habitaçã o muito grande, rodeada de jardins e bosques, Nesse sonho há um contato autê ntico com o centro car-
com amplas janelas, que descortinam lindas e luxuosas díaco, chave de conexã o com o gê meo celeste. A presença da
paisagens. A casa de Geburah, Marte, é um castelo fortifi- montanha é uma confirmaçã o disso, pois os contatos fazem-
cado, com altas muralhas, que sempre lembram um ambi- se sempre numa montanha, como, por exemplo, o monte
ente de guerra; sã o forças e energias densificadas. A casa de Tabor, o monte Sinai etc. Aqui nã o é ela que sobe a monta-
Hesed, Jú piter, a sefirah dos mestres, dos sá bios e da sacer- nha, mas o anjo que a desce. Esse anjo do sonho nã o tem
dotisa é representada freqü entemente por templos antigos, raízes terrestres, pois a parte de baixo de suas roupas nã o é
igrejas, catedrais, lugares de culto. A casa de Binah, Saturno, visível, só se reconhece a sua camisa de cor verde, que sim-
a ú ltima sefirah portadora de imagem, é representada por boliza o homem regenerado. O mito de Jacó e Esaú é similar
uma casa no topo da montanha, uma gruta, caverna ou lugar ao arqué tipo desse sonho, ou seja, a relaçã o entre o homem
desértico onde há solidã o. Eis algumas imagens, que indicam verde e o vermelho.
o nível energético associado à representaçã o das casas. Outro elemento interessante que simboliza o contato com
Nesse sonho, a casa era de madeira, tinha quatro de- o anjo nesse sonho, é o encontro que sempre ocorre numa
graus e se situava à esquerda, que é o lado do coraçã o. Pelo interface, ou seja, em ambientes de passagem entre a luz e as
ambiente descrito, tratava-se do nível de Netzah, que corres- trevas, a aurora e o crepú sculo. O primeiro contato que Jacó
ponde ao centro cardíaco. Era um sonho que trazia muitos teve com o Anjo, por exemplo, acontece junto à escada, à
elementos do novo. A casa estava vazia, sem mó veis e, noite, quando ele adormece sobre uma pedra. O segundo
mesmo sendo acolhedora, nã o era habitada. O cavalinho bebê ocorre quando Jacó combate com o anjo, junto ao vau do rio
era novo; há , portanto, um nascimento da consciência do Jaboc, até surgir a aurora. O combate cessa quando o sol se
coraçã o. Há também uma espécie de promessa no plano levanta e, à luz do dia, Jacó atravessa o vau. Essa travessia
existencial representado pelas palmeiras. Vocês deveriam ter simboliza a passagem do vé u. Trata-se do prenú ncio de um
perguntado o que a palmeira significa para ela. contato real com o Mundo celeste.
Nos dicioná rios de símbolos, podemos encontrar a pal- No sonho, até o momento, é o anjo que desce a montanha
meira associada à festa de Ramos do cristianismo, que é a em direçã o a ela, mas sob a suposiçã o de que ela deverá subi-
anunciaçã o do novo. A palmeira é uma das representaçõ es da la para encontrá -lo posteriormente. É mostrado a ela sua
Á rvore da Vida. É a á rvore verde do deserto, local em que a possibilidade de renovaçã o. Seu objetivo é tornar-se
morte predomina. Em geral o sonho tem esse contexto de semelhante ao guia, ao anjo.
deserto. O deserto, como todo espaço novo, nã o é habitado e Sem nada pressupor, há um detalhe interessante nos
sempre está ligado a uma travessia. Nã o se tem acesso a um cavalos. O cavalo do anjo era inteiramente branco e o que foi
castelo, a uma nova consciência sem passar pelo deserto, oferecido a ela era branco, mas com cauda e crina vermelhas,
sem ultrapassar as provas. O fato de a casa nã o estar mo- ou seja, com traços adâ micos. Adã o é o homem vermelho,
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que ainda nã o se tornou branco, dando a entender que a ofe- cendo-a, tornamo-nos vencedores da vida e da morte e, talvez
renda no sonho traz o pedido de branqueamento de algo que um dia, encontremos o anjo da morte que cavalgará ao nosso
ainda nã o se encontra inteiramente purificado. Trata-se de lado e nos revelará seus misté rios.
uma possível purificaçã o da sexualidade. Somente assim será B: Como não se trata de renegar esse lado, qual será en-
possível passar para o outro lado. Ao mesmo tempo, já é visí- tão nosso trabalho para dominá-lo?
vel a emergê ncia da verdadeira face humana. Sob a força ani- Nã o se trata de renegá -lo, nem de nos tornarmos prisio-
mal, sob o homem ruivo, aparece o rosto da criança, repre- neiros dele. Em todas as sociedades tradicionais existem
sentaçã o do anjo, da humanidade celeste. Há , portanto, o prá ticas relacionadas à energia sexual. Atualmente fala-se
imperativo da transformaçã o. O simbolismo sexual está muito das prá ticas tâ ntricas, mas, ao contrá rio do que
ligado ao cavalo em si. O cavalo é um animal ctoniano 14, sím- parece, nã o sã o prá ticas de consumaçã o, mas de ascese, de
bolo das forças que vê m de baixo, ligadas à energia vital e controle da energia sexual. Tornam-se de consumaçã o
sexual-animal. O cavalo deve ser dominado pelo cavaleiro, ou quando sã o desviadas e mal compreendidas. Existe, eviden-
seja, trata-se de uma força que deve ser dirigida para onde temente, todo o tipo de propostas e de equívocos. Sã o organi-
queremos que vá , e nã o para onde ela quer ir. zados workshops onde todos ficam nus e o mestre fará amor
Esse sonho representa uma bela promessa de passagem com todas as mulheres que terã o “iluminaçõ es incríveis”, será
e, ao mesmo tempo, uma indicaçã o para prosseguir num tra- “maravilhoso”. Mas, na verdade, é exatamente o inverso disso
balho que está por ser realizado. que deve acontecer, porque as prá ticas de controle de ejacu-
B: Você disse que o ponto central desse sonho é a trans- laçã o para o homem significam a capacidade de nã o ser mais
formação da sexualidade. A maioria das interpretações de seduzido pelas aparê ncias. E, para as mulheres, existiam
sonhos acabam aí. Gostaria de que a sua interpretação come- prá ticas para oferecer seu corpo, podendo até mesmo chegar
çasse por aí. a um tipo de prostituiçã o sagrada, prá tica comum nos tem-
Está aí uma boa pergunta: por que todas as explicaçõ es plos e iniciaçõ es femininas de antigamente. Isso significava
terminam aí? Nã o se trata de uma obsessã o, mas, do grande aceitar ter relaçõ es com peregrinos desconhecidos, fossem
mistério que existe na sexualidade. Nã o é por acaso que é moços ou velhos, belos ou feios etc.
considerada tabu, isto é, sagrada. O que é a sexualidade? D: É verdade que as mulheres não podiam ter, mas ape-
Nã o podemos dissociá -la da fecundaçã o, que também é um nas dar, orgasmo aos homens?
estranho mistério. Como a partir de um espermatozó ide e de Havia coisas desse tipo, mas é preciso compreender isso
um ó vulo pode-se engendrar um novo ser? Mas isso faz parte tudo dentro do contexto praticado. Sob uma visã o atual isso
do mistério do homem terrestre e, se a origem dele é essa, pode parecer completamente sá dico ou deformado, e ser
terá que voltar a ela para poder passar ao outro lado. interpretado como a autoridade do homem aprisionando a
Nã o é surpreendente que esse sonho se situe na parte mulher. O objetivo dessas prá ticas era o de controlar a ener-
mais elevada do mundo intermediá rio; portanto, é a ú ltima gia sexual, de ir ao mundo e poder ver coisas belas e consu-
coisa a ser ajustada antes de se ter acesso ao mundo da luz. míveis, seja na alimentaçã o ou na sexualidade, permane-
É este o verdadeiro problema do homem ruivo e de sua cendo livre, a serviço do plano celeste. O verdadeiro amor
origem. Será necessá rio vencer a sexualidade, pois, ven- tanto para o homem como para a mulher é encontrado no
14Ctoniano, do grego Khtonios, refere-se à s divindades infernais, de origem interior de si pró prios, nunca no exterior.
subterrâ nea. (N. revisores)

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O intuito é o de nã o se perder no exterior. As tradiçõ es lunar em que esse planeta se encontrava no momento do
oferecem té cnicas que permitem ao ser nã o se identificar com sonho. Todas essas energias circulam dentro de nó s e, num
o prazer, o objeto, o gozo e, portanto, com a ilusã o. É preciso dado momento, teremos um determinado olhar de um certo
aceitar vivê -las. O que está para ser encontrado no outro nã o nível e, noutro, um novo olhar, num outro nível. Integramos
é a sua forma e aparê ncia exterior, ou seja, se for belo e progressivamente um amplo conjunto de coisas. Mas a dinâ -
sedutor, faremos amor, mas, se for menos sedutor ou mais mica geral está centrada num lugar, num chacra particular,
gordo, jogaremos no lixo. É curioso que foi justamente você onde nos encontramos.
quem colocou a questã o sobre os ó rgã os dos sentidos. Trata- No sonho que acabamos de ver, por exemplo, a pessoa
se, poré m, de ver com os ó rgã os sutis a beleza interior do ser encontra-se situada no centro cardíaco, nã o apenas como
e testemunhá -la. Tudo isso deve ser aprendido e dominado. É uma visita momentâ nea, mas com uma tô nica que poderá
a ú nica maneira de nos tornarmos livres. durar dois, trê s, quatro ou cinco anos, mesmo se, durante
Antigamente todas essas prá ticas estavam associadas ao esse tempo, ela visitar outros castelos ou casas.
trabalho iniciá tico. Com a chegada do cristianismo, foram
sendo postas de lado, pois a visã o cristã é a da recusa pura e
simples da sexualidade. Isso numa vocaçã o sacerdotal é per- Relato 9: O sonho do bebê sem ossos
feitamente compreensível, pois o ser que atinge o nível do Narrador: Fiquei um longo tempo sem sonhar e, apesar
sacerdó cio nã o tem mais a necessidade do outro ou da sexu- de querer muito, nada acontecia. No entanto, na noite passada
alidade para se revelar, pois tocou o masculino e o feminino tive um sonho muito curto e bobo, mas que deixou uma forte
em si pró prio e encontrou um certo nível de androginia. O impressão. O sonho teve três momentos diferentes.
celibato num sacerdó cio real é compreensível. O perigo está Olhei para uma folha de papel que tinha o número vinte
em outro campo: ao querer suprimir a sexualidade, cria-se bem grande como se fosse escrito no computador. A folha tinha
recalques. Todas as energias recalcadas se transformam em furos para ser arquivada e, cada vez que eu a olhava, era uma
sombras que retornam à vida cotidiana sob diferentes formas outra folha com o mesmo número, embora a folha anterior
destrutivas. con- tinuasse lá.
O domínio da sexualidade deve ser gradual, com exceçã o Achei isso muito esquisito e fiquei com esse número na
de alguns casos excepcionais, que já vê m de um caminho memória. Em seguida o sonho continuou com minha filha que
interior consistente e já atingiram as qualidades do sacerdó - está esperando nenê.
cio. O nenê já tinha nascido e ela continuava grávida. O nenê
H: O que significa sonhar com um determinado tipo de que ia nascer estava em ordem, era normal, e o que já tinha
moradia? nascido, sem osso algum, com a forma de um grande peixe,
As casas sã o representaçõ es das camadas astrais dos mas continha muita vida. Peguei o nenê sem osso, o outro con-
diferentes chacras. Há diferentes paisagens em nó s e nã o tinuava na barriga, e me perguntei o que é isso? Qual é o nenê,
somos obrigados a ficar numa ú nica paisagem. é o sem osso ou é o outro? Senti que eram os dois. Peguei en-
Seria interessante olhar as efemé rides e ver o que acon- tão o nenê sem osso e ele ficou contente. Tentei remodelar essa
tece no dia em que temos, por exemplo, um sonho com os massa e ia levar o nenê para o meu genro, mas, quando me
atributos de Vê nus. Verificar onde se situava Vê nus naquele aproximei, ele já o carregava, sem saber, porém, que o nenê
dia, seja em relaçã o ao nosso tema de nascimento ou à casa não tinha osso. Eu percebi que ele devia sentir que o nenê não

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tinha osso, mas não pronunciamos nenhuma palavra. Ele tam- tornar-se viá vel para nascer. Parece que houve uma enuncia-
bém não compreendia nada porque sua mulher continuava çã o da entidade dessa encarnaçã o, o que aliá s está bem sim-
grávida e o outro nenê já estava lá. O nenê estranho continuou bolizado na descriçã o da criança com a imagem exterior que
a ser amado, mesmo depois de estarmos conscientes de que també m está no interior do ventre. Em que mê s de gravidez
ele não tinha osso. está sua filha?
Tudo isso se passou muito rápido, com um terceiro Narrador: Precisamente no sexto mês.
momento. A criança, na sua descriçã o, parece a imagem de um
Eu estava num lugar dos Estados Unidos com minha outra fantasma: é branca, sem osso, ainda nã o estruturada no
filha e tínhamos que alugar dois quartos. Eu estava alugando nível da maté ria. Nã o é uma criança maté ria, é uma criança
um quarto vazio parecido com um balcão de hotel, e ela, um luz.
outro, num outro estado dos Estados Unidos. Nesse momento a Narrador: No sonho pensei mesmo que fosse um fan-
visão do sonho anterior estava presente nesse sonho, o tasma. Pensei: “Esse bebê que está aqui talvez seja um fan-
número vinte, a visão do bebê, a outra filha grávida, todos os tasma”.
momentos como se houvesse uma superposição de imagens. De uma maneira bem autêntica, você teve nesse sonho
Eu sabia que estava sonhando e pensei “não estou enten- uma explicaçã o do processo de encarnaçã o do ser. Quando a
dendo nada desse sonho e vou deixar assim como está”. explicaçã o é muito linear e ló gica, podemos desconfiar. Mas,
A última imagem que me veio foi o número vinte e, em por outro lado, isso exige uma compreensã o global. É como
seguida, acordei. se o nú mero vinte, ao se sobrepor em diferentes folhas de
A: No Tarô, o arcano XX é o Julgamento. A letra do alfa- papéis, indicasse a sobreposiçã o de diferentes mundos. Trata-
beto hebraico associada ao número vinte é Quoph. se sempre, no entanto, das mesmas pessoas vistas de diferentes
É possível fazer um jogo de palavras, em portuguê s, com folhas. Essa idéia fundamental de dualidade encontra-se
o nú mero vinte? representada pelo nú mero vinte, que se torna dois, por
B: Pode-se dizer: “Eu vim te ” reduçã o simbó lica. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo, a
A criança sem ossos é uma interessante ilustraçã o prá - entidade corporal e o ser sutil celeste vêm habitar o corpo desta
tica do que está vamos discutindo. Diferentes imagens se criança. Isso também estava expresso na histó ria dos Estados
superpõ em com o nú mero vinte, ou seja, sã o sempre as Unidos, que defini há pouco como sendo a mul- tiplicidade que
mesmas histó rias que se vã o passar aqui ou nos Estados deve ser reunificada. Sã o dois quartos, duas moradias que se
Unidos. Trata-se de superposiçõ es da mesma coisa em dife- situam em estados diferentes, ou melhor, em diferentes
rentes planos. Há uma criança que está aqui e lá , um quarto estados de ser. Na revelaçã o que você recebeu sobre o mistério
que está aqui e lá , numa seqü ê ncia de superposiçõ es, o que, da encarnaçã o, foi-lhe mostrado que o ser corporal, de certa
aliá s, corresponde ao nú mero vinte. forma, nã o é a verdadeira criança, mas apenas o carro e nã o o
Vinte no jogo de palavras també m é interessante. Signi- condutor.
fica vir para. Na embriogê nese há diferentes fases de encar- C: O bebê vai nascer no signo de Peixes, signo com dois
naçã o do ser. Algumas coisas se encarnam no começo da peixes, cada um com a cabeça de um lado; signo dual, que
fecundaçã o, outras, mais tarde e outras, apó s o nascimento e precisa ser unificado para cumprir sua missão, é muito pouco
até bem mais tarde. Certas coisas se passam no sexto mê s, material, tem pouco osso. Ela mencionou que essa entidade
bem pró ximo ao sé timo, justamente pouco antes de a criança parecia um peixe.
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B: É provável que o bebê tenha sido concebido no signo de
Gêmeos. Relato 10: O sonho da escada
Narrador: Você disse que o sonho tem sempre que ver Narrador: Tenho um sonho que me acompanha há mais
com a gente, mas esse sonho tem mais que ver com uma com- de cinco ano e se repete várias vezes ao ano, embora não
preensão sobre a vida, que não é propriamente a minha. tenha ocorrido nos últimos oito meses. Nunca consigo lembrar
Mesmo que aparentemente estejamos falando de outro, o que acontece antes e depois, apenas fixo a seguinte cena:
manifesta-se uma vocaçã o universal. O sonho com o pai Estou descendo uma escada de madeira e, ao meu lado,
morto, por exemplo, que vimos no Relato 7, també m falava da tudo é branco, não há nada. Faltam alguns degraus, não sei
pessoa que sonhou e do ensinamento particular que se pas- quantos, e eu caio. Mas a pessoa não sou eu, não consigo ver
sou atravé s dela, incluindo um certo nú mero de questiona- sua forma ou sua roupa.
mentos conscientes ou inconscientes ligados à morte, ao pai Acordo sempre nesse ponto, porque me debato e chuto a
e a ela. Da mesma forma pode haver questionamentos cons- cama. Estou fora como se tivesse um olho, uma imagem sem
cientes ou inconscientes sobre a maternidade, a vida, a forma, mas sei que sou eu. Também sei que faltam poucos
gestaçã o, e assim por diante. O mais importante a compre- degraus para chegar não sei aonde.
ender é que esse tipo de sonho, em geral, está interditado. B: É dia ou noite?
O sonho com o cavalinho bebê foi um sonho iniciá tico, Narrador: É noite, mas tem um superbrilho. Eu tropeço
mas esse que acabamos de ver ou o do pai morto, ou ainda mas não é porque não vejo; a luz é mais do que suficiente.
aquele com o alerta sobre o selê nio e o titâ nio, sã o sonhos C: Você está calma?
que falam do outro lado do vé u, portanto, de algum modo sã o Narrador: Sim, mas quando caio me agito muito e acordo.
sonhos profé ticos. Normalmente, nã o temos acesso a esses D: Você cai para frente ou de costas?
níveis. Narrador: Não sei, só consigo ver alguns degraus, não
Narrador: Acabo de compreender algo muito importante enxergo nada além do que dois ou três degraus acima, apesar
agora. Quando temos a oportunidade de entender o sonho, do meu olhar estar em cima. Estou de costas e meu olhar está
sentimos mais do que um alívio: é uma paz e uma circulação. atrás. Estou descendo, mas não sei quanto desci e nem o que
O estado no qual me encontro agora é totalmente diferente do vou fazer. A escada é sempre a mesma, inteira de madeira. É
que aquele em que estava há pouco. noite e há uma superluz, um brilho. Enquanto desço estou bem
Uma explicaçã o, mesmo nã o sendo completa, é sempre calma. Tenho a sensação de que tento segurar-me em algo,
interessante e “positiva”. Ocorre um fenô meno de iluminaçã o. mas não existe nada, não tem corrimão, é livre.
Antes está vamos numa espé cie de vé u de ignorâ ncia e, de O que você s pensam disso?
repente, há uma abertura e vemos, mesmo que essa maneira B: Que ela andou vendo muitas gravuras de Escher.
de ver seja implícita. C: Que a escada está no ar e cada degrau se apresenta
Em geral, os sonhos relatados aqui foram de um nível e quando ela desce.
de uma qualidade incomuns. Isso significa que, enquanto Qual é a sua idade?
grupo, há uma luz espiritual muito ativa e presente. Acredito Narrador: Vinte e sete anos.
que você s tenham muito o que trabalhar juntos, para obter D: Ela se chama Cláudia e o sonho tem que ver com clau-
respostas e compreensõ es. Como todos sabemos, a uniã o faz dicante.
a força. N: Mas poderia mudar o nome para Jacobina...

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Nã o precisa mudar, pois, num certo sentido, todos os ini- Quem sabe talvez ela seja um anjo que desce, mas que
ciados sã o mancos, claudicantes, em razã o do ferimento que parece cair. É muito interessante lembrarmos que existem
recebem na coxa. Mas percebam o quanto esse sonho tem ciclos setená rios de encarnaçã o. A escada nã o está completa
uma ló gica surpreendente com relaçã o ao sonho do bebê sem embaixo, faltando alguns degraus. E qual seria a graça para
osso. o anjo se faltasse a parte de baixo. Pode-se dizer que para ela
F: Claro, sonhamos em grupo...(risos) talvez falte o alto e que ela se encontra no processo de cons-
G: Normalmente associa-se a descida a alguma coisa ruim, truir seus pró prios degraus. O nível angé lico dela pró pria está
mas aqui não é o que acontece. Estava claro, ela tranqüila, descendo, o que nunca é fá cil e agradá vel para esse nível e,
dando a impressão de que experimentava algo novo na direção talvez por isso, surja a imagem da queda. Mas també m nã o é
para baixo. Talvez estivesse entrando em contato com planos uma descida dramá tica, porque o anjo nã o está inquieto.
mais baixos de si e tropeçou. Como foi mencionado, o mais inquietante é o “depois”. Sig-
C: Quando você falou da complementaridade desse sonho nifica, portanto, que uma parte do nível angé lico dela mesma
com o do bebê sem osso, veio-me que o bebê não tinha estru- encarna-se num ciclo setená rio particular. Os sonhos come-
tura e a escada lembra-me muito uma coluna vertebral, justa- çaram aproximadamente aos vinte e dois anos e poderã o
mente a parte mais ossificada do corpo. E, por faltar alguns estender-se até os vinte e sete. Parece que a escada será con-
degraus, é como se algo estivesse sendo estruturado, mas não cluída entre o terceiro e quarto setená rio. Falta ser cons-
estivesse completo. truído o nú mero quatro, que corresponde à parte final da
Sim, está bem visto. descida para a maté ria. Ela está completando sua encarna-
Narrador: O mais estranho é que esse sonho se repete çã o e começando a ter os pé s sobre a terra. Isso poderá reve-
com muita freqüência. lar-se claramente no pró ximo ciclo, que irá dos vinte e oito
F: Você se assusta quando cai? aos trinta e cinco anos.
Narrador: Sim. Fica agora evidente a semelhança com o sonho prece-
F: Você cai por muito tempo? dente, visto que lá mencioná vamos a encarnaçã o, na vida
Narrador: Não sei, tenho a tendência de me segurar e é embrioná ria, de uma figura arquetípica e sem forma. O que
uma reação tão forte que chuto a cama e acordo com dor e com se encarna nesse ú ltimo sonho é ela mesma, no sentido de
manchas roxas, mas nunca vejo a queda. uma individualidade. Há uma espé cie de identificaçã o con-
P: Onde você cai? sigo mesma e, ao mesmo tempo, nã o é ela, pois está se vendo
Narrador: Num buraco de luz, porque apesar de ser noite, numa imagem, num espelho. E, nesse fato, há algo interes-
há uma claridade que não cega; parece um buraco fundo. sante a ser compreendido.
Onde você cai? Tente responder sem pensar. Sobre o quê Narrador: Quando estou descendo, é como se tivesse um
ou sobre quem você cai? só olho nas costas, pois vejo a imagem apenas de costas. Sei
Narrador: Acho que caio no começo da escada. que a forma é diferente e creio que é por isso que não viro para
Portanto você cai no lugar para o qual se dirige, ou seja, cima.
você cai sobre si mesma. A imagem da escada é a mesma da É a consciê ncia espiritual que olha. A imagem do anjo é ,
escada mó vel associada ao mito de Jacó . E nesse mito o que portanto, uma espé cie de hipó stase, uma parte dessa mesma
acontece, o que ele vê ? consciê ncia que vai em direçã o à encarnaçã o. Essa parte, que
B: Os anjos que sobem e descem, tocando trombetas.

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é você mesma, cai no chã o e o chã o també m é o seu corpo. eles me olharam como se eu fosse louca. Peguei o pequeno
Isso tem a funçã o de acordá -la, o que é muito interessante. lhama e me dirigi para o quarto juntamente com minha amiga
e meu marido. Olhei para aquele pequeno lhama e desejei
Relato 11: O sonho do lhama muito que ele fosse meu filho. De repente a geléia começou a
dissolver-se e o lhama nasceu e começou a transformar-se
Narrador: Trata-se de um sonho antigo, ocorrido em l977.
num menino com óculos. Meu marido dizia-me: “Que coisa
Sonhei que estava em Campos do Jordão com meu marido
perigosa para os outros, porque esse menino sabe tudo e vai
e amigos, numa casa que costumo freqüentar. Por volta das
incomodar muito”.
dezessete horas eu e meu marido fomos ver o fim de tarde. Era
Um ano depois tive um filho. Até então pensara que fosse
uma paisagem que eu nunca havia visto, bem diferente da
estéril, pois estava casada há muitos anos e não tinha engra-
real. Havia duas cercas vivas de cedrinho que separavam dois
vidado.
espaços. A parte interior era como um campo de futebol gra- E que fim teve seu marido?
mado, mas redondo e rodeado de ciprestes. Tinha apenas
Narrador: Até hoje ele é meu marido, num certo sentido,
duas entradas, uma por onde estávamos caminhando e a
embora há quatro ou cinco anos não moramos mais juntos. Ele
outra bem mais aberta ao longe. Fomos nos aproximando e
é meu cúmplice de vida e muito ligado ao filho. Quando durmo
uma amiga, que vinha junto, parou antes de entrar no campo.
fora de casa, o que ocorre freqüentemente, ele dorme com o
Quando entramos, meu marido ficou perto da cerca. A tarde
filho na minha casa. Mesmo quando estou lá, ele aparece para
começou a cair e a sombrear.
tomar café da manhã. Mas meu filho nasceu, cresceu, não usa
Quando escureceu entrou um cavalo preto. Aliás pensei óculos e é um adolescente que toca rock. Esse sonho me emo-
que fosse um cavalo e me aproximei dele. Meu marido ficou um ciona até hoje quando me lembro dele.
pouco assustado e me disse: “Não vá”. Mas fui porque senti
C: Por que um lhama?
uma alegria e um prazer muito grande. Quando cheguei bem
Narrador: Não sei.
perto, vi que não era um cavalo, mas um lhama. Ele aproxi-
É um sonho com muitos níveis, que poderia ser inter-
mou-se e depois saiu correndo, galopando e foi embora. Diri-
pretado inicialmente no nível existencial de sua relaçã o com o
giu-se para a entrada e parou. Entrou, então, outro lhama
marido. Nã o estou nada surpreso que vocês se tenham sepa-
inteiramente branco. Ele aproximou-se meio amedrontado,
rado. Num segundo nível, há o símbolo do cavalo, ligado à
parou a uma certa distância e fez um movimento como se fosse
energia vital, sexual e também à fecundaçã o. Um terceiro
botar um ovo. Era uma geléia, uma bola transparente com um
nível seria o aspecto iniciá tico. Qual interpretaçã o você
pequeno lhama dentro. Em seguida, ele se dirigiu à passagem,
deseja?
uniu-se ao lhama preto; ambos sacudiram a cabeça e parti-
Narrador: No nível iniciático, pois os outros eu já pesqui-
ram. Eu fui correndo pegar essa bola e meu marido gritou:
sei.
“Não pega”. Mas não agüentei, senti um fascínio e peguei. Eu
O sonho a toca até hoje devido a esse nível, pois a histó -
disse: “Quero isso para mim”. Ele disse: “Não, deixe isso aí”.
ria do marido já está encaminhada e o nível vital e sexual
Carreguei em direção a casa e minha amiga, que tinha ficado
encontra-se coligado ao nível iniciá tico.
distante, veio olhar.
B: A primeira coisa que me impressionou foi quando ela
Dirigimo-nos os três para dentro com o pequeno lhama. Lá
disse lhama, a cara dela parece de lhama... Sempre que olho
encontramos muitos amigos sentados numa sala luxuosa e
para uma pessoa procuro ver que animal tem por trás.
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C: Vejo muita semelhança desse sonho com o do cavalinho plo, podemos dizer que o marido é o lado masculino dela
bebê. O campo de futebol redondo, cercado, com duas entra- mesma e indica uma resistê ncia à atividade. Atravé s do seu
das, uma embaixo, outra em cima, lembra para mim o mundo trabalho, de sua vida social existem certas reflexõ es para
intermediário de Yetzirah. Ela encontra o cavalo negro que é o assegurar que você nã o é louca. O cavalo negro leva ao nível
corpo de trevas. Ela avança e os outros ficam. Algumas ten- de trevas da energia sexual e vital, ao homem vermelho. Já o
dências tentam retê-la, mas ela avança no campo de futebol lhama branco conduz ao arqué tipo celeste, ao branco e ao
que é um jogo entre dois times. O cavalo negro seria o lado tre- verde. A palavra lhama permite um jogo de palavras no espa-
vas e o lhama branco seria o anjo, o time de luz. Quando ela nhol, já que llama pode significar chama, fogo, ou uma flexã o
se aproxima, nota que o cavalo preto é um lhama como se hou- do verbo chamar. Há uma espé cie de encontro, de relaçã o ou
vesse atrás das trevas outra coisa. Aí chega o lhama branco de casamento entre luz e trevas e, desse encontro, uma
que deposita algo que lhe pertence. Pega esse tesouro e volta fecundaçã o foi oferecida.
apesar dos desencorajamentos do marido. Por um lado há a aspiraçã o da gravidez e, por outro, o
Sempre há uma oposição. E isso se repete quando entra confronto com o mito de nossa esterilidade, de nossa huma-
na casa e as pessoas dizem que ela é louca. Em seguida, ela nidade feminina arquetípica. A mulher esté ril, que somos
toca níveis superiores de luz, ou seja, o filho começa a crescer todos, faz nascer a aspiraçã o de gerarmos uma criança, que é
e ele vê com outros olhos, tem óculos. As forças de oposição de luz. A esterilidade exterior, portanto, leva ao mito interior.
continuam a dizer que o filho é perigoso, pois sabe muito, o que Ser confrontado exteriormente alimenta o mito interior. Acre-
me lembra que a ascensão aos níveis superiores continua dito que o significado do sonho vá nessa direçã o, visto que
acontecendo, pois ele é o filho do combate entre a luz e as tre- seu filho, na realidade, nã o usa ó culos. Naquele momento há
vas, mas é filho da luz. nã o somente uma fecundaçã o, mas també m bloqueios, refle-
O filho usa ó culos, no sonho, caso contrá rio seria peri- xõ es, contençõ es e interdiçõ es, dificultando que ela deixe
goso, ou porque a intensidade da luz do sol poderia ofuscá -lo, crescer a criança em si pró pria.
ou talvez porque, sendo luz, poderia ofuscar-nos. Quanto ao A adversidade está també m simbolizada pelo marido, que
campo de futebol, é uma imagem interessante, sendo, poré m, pode estar representando justamente os sentimentos huma-
incomum a forma circular. O círculo simboliza contatos com nos que criam obstá culos ao seu crescimento em direçã o à
o mundo de Briah, com o arqué tipo de luz. Os ciprestes, por luz, ou que impedem a palavra e a atividade do mental. De
serem á rvores de cemité rio, indicam uma passagem pela qualquer modo, há medo, resistê ncia e retençã o das pessoas
morte. Trata-se de uma á rvore saturnina, símbolo do poder. que estã o em sua casa, levando aparentemente uma vida fá cil
No mito de Esculá pio, o bastã o da medicina foi talhado de e luxuosa, mas que a tratam como se fosse meio louca. O
uma á rvore muito parecida com o cipreste. A paisagem mon- crescimento da criança-luz parece ser a expressã o de uma
tanhosa e desconhecida simboliza os vé us para passar-se ao ameaça a essa situaçã o de conforto e de bem-estar em você
mundo de Briah. Sã o símbolos que levam ao arqué tipo do mesma. Apesar disso tudo, você desobedece a seu marido,
mundo vegetal, ao jardim de É den. demonstrando uma vontade firme.
Há també m, no sonho, alguns elementos que mostram o Ao mesmo tempo, trata-se de um sonho arquetípico ins-
seu lado masculino repressor que, sem entrar em detalhes, crito numa espécie de céu eterno, que teve um significado
podem ser associados à s impressõ es que você tem de seu naquele momento, mas, quinze ou vinte anos depois, pode
marido. Do ponto de vista da psicologia clá ssica, por exem- parecer sem sentido. Parece que, no momento de dissoluçã o
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da substâ ncia gelatinosa, ela fez uma descoberta excepcional a seu marido, o lhama branco, a você , e o ovo e a criança, a
no plano animal, que mereceria entrar para o Livros dos ela, que é a madrinha.
Records: um lhama ovíparo, pois em geral eles sã o mamífe- C: O que é o lhama para você?
ros... Estou brincando, mas é estranho um bebê lhama trans- Narrador: Jamais pensei nisso. Inclusive nunca gostei
formar-se numa criança humana quando nasce. Trata-se de muito da estética peruana e sempre achei muito pouco atraen-
uma verdadeira mutaçã o atravé s de uma massa gelatinosa, tes aqueles panos com desenhos de lhamas que as pessoas
que é uma massa de luz. A criança, que se encontra numa penduram na paredes. Mas no sonho foi uma paixão e
matriz luminosa, que indica o processo de crescimento espi- cheguei a comprar um lhama numa loja de brinquedos.
ritual, foi chamada a crescer dentro dela para desenvolver É mais um ponto de interesse: no início você nã o gostava,
capacidades irredutíveis, propriedades de visã o e profecias. mas aprendeu a gostar. É uma forma de representar a pros-
Ao mesmo tempo, existem os imperativos de um vé u tituiçã o sagrada.
entre o mundo interior e o exterior. Como as propriedades
dessa criança sã o reais, ela usa ó culos e afasta assim o
perigo de ofuscar. Os ó culos tê m a propriedade de ajudar a Relato 12: O sonho do combate
enxergar, indicando, portanto, haver discernimento para Narrador: Tive vários sonhos com Patrick e Maela nesse
entender-se o que é dito. último meio ano. Vou relatar um deles.
C: Qual é a função da amiga mulher que permanece ape- Estamos combatendo numa colônia de crianças. Estou de
nas como personagem secundário testemunhando? um lado da colônia e Patrick do outro. Ele tem outra aparência:
Tem uma funçã o de silê ncio, mas indica uma dinâ mica assemelha-se a um conhecido meu, que também é médico, cha-
muito importante associada ao nú mero trê s, em vez do dois. mado Joel. Na verdade esse Joel do sonho também não é exa-
Trata-se de uma dinâ mica de equilíbrio, harmonia e comuni- tamente igual ao Joel que conheço. Eu sei que é o Patrick no
caçã o, e nã o de afrontamento dual. sonho. Embora estivéssemos distantes um do outro, há entre
Como é essa amiga, qual é a impressã o que você tem nós um combate, mas com amor. De repente, uma das crianças
dela, em que você s duas se assemelham? cai na piscina. É dia e creio que entre nós há uma casa cheia
Narrador: É uma pessoa alegre, muito leve e fiel. É de vidros. Quando essa criança cai na água, seu nome – Mar-
minha amiga o tempo todo; sempre que eu precisar, estará cos – vem-me à mente. Salto na piscina e a retiro de lá. Vivo
presente e vice-versa. É a madrinha de meu filho e também uma grande alegria, há um momento de vitória. Foi esse o
madrinha de casamento. Todo mundo pensa que somos sonho.
irmãs. Tínhamos uma empresa juntas, éramos sócias. D: Há cores no sonho ?
Ela vem resolver a dualidade temporal entre você e seu Narrador: Não sei, pois sou muito pouco observador.
marido, ou seja, o conflito é resolvido pela qualidade que ela C: E as crianças estavam assistindo ao combate?
encarna. Ela é a forma de você nã o se deixar capturar pelo Narrador: Não.
adversá rio. A fidelidade, a amizade e a alegria sã o qualidades E: Como você sabe que era um combate?
que permitem ultrapassar as adversidades, quebrar as duali- Narrador: Não lembro bem se havia espadas, creio que
dades e, numa certa medida, realizar o confronto consigo sim. Nós nos olhávamos e estávamos numa situação de con-
mesma e dar a luz a si mesma. É um terná rio que leva analo- flito, muito atentos. Era um combate, mas não havia raiva.
gicamente a um outro terná rio. O cavalo negro está associado F: Você sabe o que está combatendo?

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Narrador: No sonho, não. Tenho algumas idéias, mas gos- Narrador: Trata-se de um combate como vivemos no está-
taria de ouvir antes de falar. gio da Cavalaria: não havia trevas, nem desejo de destruição,
H: Como foi a queda da criança na piscina? mas apenas de construção.
Narrador: Eu mal pude vê-la, foi como se tivesse ouvido o D: Começa assim, mas depois vira um demônio...
barulho de uma criança caindo, mas não a vi cair. Imediata- O que temos a dizer sobre esses dados relatados?
mente pulei na piscina e, realmente, havia uma criança que B: Tenho o sentimento de que ele nega algo que o ameaça,
retirei de lá. Seu nome, Marcos, veio-me por intuição. mas teve que salvá-lo.
F: Você reparou como era a criança? G: Para mim é como se tivesse que enfrentar algo na sua
Narrador: Devia ter três, quatro ou cinco anos. real dimensão, mas veste o oponente com uma capa de luz
B: Salvar essa criança propiciou a reconciliação com o para não enfrentar a dimensão dele.
oponente? Narrador: Não vejo assim.
Narrador: Sim, mas o amor já estava presente. Nunca D: Como era a casa de vidro no meio?
houve um combate com violência ou raiva, nem um desejo real Narrador: Parecia um refeitório.
de trevas. D: Ela estava entre vocês?
C: Você se sentia ameaçado? Narrador: Sim, isso fica claro quando a criança cai. Mas,
Narrador: Não, havia apenas eu e o outro numa posição nós nos víamos, pois as portas estavam escancaradas e havia
de confronto. Talvez tivesse havido um confronto anterior, mas vidro em quase toda a casa.
não havia um desejo de trevas nem de uma parte, nem de F: Entre você e aquilo pelo qual você tem que lutar existe
outra. um obstáculo?
D: Poderia ter sido uma luta com o anjo? O nome Joel, tal- Narrador: Não, pois as portas estavam abertas e eu
vez seja IO-EL, eu- ele. estava um pouco afastado. Patrick tem outro nome: chama-se
E: O que significa para você uma colônia de crianças? Joel. Ele está perto da porta, do outro lado, e eu, mais afas-
Narrador: À primeira vista, inocência e aqui foi lembrado tado, do lado de cá da porta. A piscina está do meu lado, um
que Marcos é o evangelista que está relacionado com o ele- pouco para trás, à direita.
mento fogo e com o símbolo do leão. Então o fogo caiu na água. G: Por que você tem que combater a distância, por que pre-
F: Você achou que inocentes estavam ameaçados? Uma cisa estar separado?
criança cai na água para ser salva. Narrador: A situação era essa.
Narrador: Dentro desse enfoque, sim. F: Tenho a impressão de que houve a intuição de um com-
G: Que combate é esse, sem combate e sem trevas? bate, de um encontro com o anjo, pois o relato é de um combate
É muito interessante. Você salva uma criança e o que que não é combate. O anjo está noutro nível, noutro mundo. A
imagina que ela fará em seguida? Nã o estou agora falando do casa de vidro mostra a separação. Aparece, então, um certo
sonho, mas do que você acha que ela fará depois que a res- medo de passar pela água, mas a criança, ao cair, fez com que
gatou. ele pulasse na piscina para salvá-la, obrigando-o a aproximar-
Narrador: Ela irá brincar e seguir o seu caminho. se do que teme.
C: Como é para você um combate sem trevas? Há coisas muito interessantes a serem compreendidas
nesse sonho. Primeiro é um ambiente de paraíso terrestre. A
colô nia de férias ou mais exatamente a palavra férias –
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vacance em francê s – significa vazio. As crianças brincam no
vazio. Crianças brincando sã o arqué tipos do paradisíaco. Há Relato 13: O sonho da bandeja de prata
també m posiçõ es, espaços particulares ocupados. Ele se Narrador: Desde a infância minha relação com o sonho é
situa no sul; portanto na parte de realizaçõ es materiais, e eu péssima. Tenho muitos pesadelos e acordo várias vezes
no norte, significando o ouro, a dimensã o espiritual. Entre durante a noite. Durante um período em que pratiquei terapia
nó s situa-se o verdadeiro centro que está representado por corporal, tive um sonho particularmente horrível.
um lugar de refeiçã o e, portanto, de comunhã o. Entro numa casa, que é a de meus pais, mas, ao mesmo
Segue algo muito estranho, ou seja, qual a razã o do com- tempo, não parece ser a casa deles. A mobília é dos anos 30,
bate se nã o havia aparentemente nada a combater. Aliá s o 40, tudo está muito limpo e arrumado: o chão de madeira
combate descrito é muito mais contra a ilusã o, como se, na muito bem encerado, toalhinhas de renda sobre os móveis. Eu
realidade, fosse necessá rio combater a todo preço para ter não moro nessa casa, apenas chego lá para uma visita na
acesso ao mundo de luz. Mas isso é uma ilusã o e um para- hora da refeição. Meu pai e minha mãe estão sentados à
doxo, porque nesse lugar todos estã o brincando. mesa, quando entra uma empregada trazendo uma grande
Nessa exata situaçã o, poré m, ocorreu uma dualidade e bandeja de prata com tampa e a coloca na mesa. Tudo é muito
um combate com uma conseqü ê ncia muito precisa. Uma formal e, quando a tampa é levantada, uma criança assada
criança, isto é , uma força angé lica cai dentro da á gua e corre aparece. Eu tive um choque, passei muito mal e acordei.
o risco de afogar-se. Esse risco angé lico suspenderá a situa- Após esse sonho, encontrei-me com minha companheira de
çã o de combate, porque algo prestes a afogar-se corre o risco terapia corporal e disse que iria interromper o trabalho,
de submergir no mundo emocional. Neste momento, ele opta porque não agüentava mais sonhar o tempo todo com coisas
por salvar a criança e o faz. A criança se chama Marcos. Nã o horríveis. Ela tentou interpretar o sonho, o que me aliviou um
me lembro exatamente a etimologia de Marcos, mas creio pouco.
que, alé m de martelo, significa marca de Deus. Que relaçã o você tem com o fogo?
No início, houve o confronto com uma autoridade espiri- Narrador: Eu gosto do fogo porque ele tem brilho, beleza,
tual, chamada Joel, nome que pode ser interpretado como Jo- calor e é transformador. Não gosto da água.
eu e El-Eu-divino. Poderíamos dizer, entã o, que houve um O que você sentiu quando viu a criança assada?
estranho confronto com seu Eu divino, pois sinto em você Narrador: Repulsa.
uma espé cie de condicionamento, como se você entendesse E por que, por quem ou como ela foi assada?
ser necessá rio combater e confrontar na vida espiritual, Narrador: Não consigo nem pensar, é muito horrível.
mesmo em lugares onde há apenas luz, o que nã o faz sentido. Quando eu era criança, tinha um conto em que alguém assava
A ú nica coisa que resta a fazer apó s salvar a criança, ou seja, um macaco. Creio que pode ter relação com isso, com uma vin-
a força que o liga a Marcos, é brincar e nã o combater. Pode- gança. Não sei explicar, estou falando de memórias muito
mos presumir que, nos anos vindouros, você será um antigas.
“brincalhã o” diante do Eterno. Devemos varrer muitas coisas. Sem entrar em muitos
Narrador: Que Deus permita! detalhes, esse é um sonho de vidas passadas. A casa dos pais
evidencia as raízes, pais de si mesmo.
Narrador: Nunca trabalhei com vidas passadas.
Nã o estou afirmando isso, mas, quando se faz trabalho

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corporal, algumas memó rias se avivam. Esse é um dos
riscos,

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uma ambigü idade que pode surgir com muitos tipos de prá ti- Perfeito! Precisamos aprender a ser simples. Nã o vale a
cas. Muitas coisas sã o veladas ou esquecidas para evitar esse pena, nesse caso, especular e reativar memó rias que nã o
tipo de situaçã o com a qual você se confronta. Se eu me servem para nada. O que está escondido deve permanecer
visse, por exemplo, como uma criança assada, riria. Mas para escondido até o dia em que eventualmente seja revelado. Isso
você é bastante dramá tico. Podemos ver certas coisas quando ocorrerá quando estivermos prontos para ter acesso à revela-
estamos prontos e nã o antes. çã o sem maiores problemas. Os fatos serã o revelados à me-
Certas prá ticas de regressã o, terapias corporais, alguns dida que tivermos a capacidade de confrontarmo-nos com
tipos de visualizaçã o e de prá ticas respirató rias, colocam-nos eles.
em contato com memó rias do plano astral. Creio que foi o que Narrador: De fato, tenho problemas de respiração.
aconteceu: a imagem da casa dos pais que nã o é exatamente Nã o a aconselho caminhar por vidas passadas; se você
a mesma casa, mostrando que se trata de pais simbó licos, tem problema de respiraçã o, tente enraizá -lo na sua existê n-
arquetípicos ou interiores; as datas 1930 e 1940 sã o anterio- cia presente e encontrar respostas.
res ao seu nascimento, referindo-se, portanto, a uma outra C: Será que obterá resposta?
fase de vida que nã o é a sua atual. Deveria estar viva, mas Narrador: Tenho certeza de que sim... Já estão surgindo.
hipoteticamente poderíamos dizer que essa parte sua morreu D: Como discriminar se é um material para ser trabalhado
criança e, pelo fogo, queimada, assada. ou afastado, como você o fez. O que o permitiu reconhecer tra-
Isso quer dizer que há uma relaçã o com outra pessoa que tar-se de um sonho dessa natureza e não de um sonho que
nã o você , uma memó ria que poderia chamar-se de vida pas- pudesse ser trabalhado em outros níveis psicológicos.
sada, ou de você numa outra vida. Mas é importante compre- Sempre atribuo muita importâ ncia ao presente. Ela fez
ender que atualmente você é você e nã o outra pessoa, e essa um preâ mbulo para anunciar que esse sonho estava ligado a
pessoa da vida passada é tã o diferente de você hoje quanto um trabalho corporal. Eu sei que podemos acordar memó rias
eu o sou. Você só poderá ser você mesma ou uma outra pele atravé s de um trabalho corporal. Mas, o que muitos tera-
do seu arqué tipo celeste, mas nunca uma outra pele de você peutas nã o sabem é que, quando a pessoa nã o está pronta,
mesma. Nesse sonho você contata uma memó ria, exatamente um trabalho como esse ou um trabalho de meditaçã o sobre a
como se olhasse uma fotografia. A fotografia nã o é você . Digo energia dos chacras poderá arrombar portas, consciente ou
isso para que nã o haja identificaçã o. No sonho parece que se inconscientemente. Nesse exemplo isso ocorreu de modo
trata de uma criança que viveu em 1930, 1940, e morreu inconsciente. Em casos como esse a pessoa pode sofrer gra-
queimada. Normalmente nã o fazemos contato com esse tipo ves riscos vitais, tais como ficar doente, enlouquecer, suici-
de memó ria. dar-se ou entã o viver, como você acabou de relatar, algo
C: Isso me lembra um problema de respiração. Se eu muito difícil, que deveria permanecer esquecido. Situaçõ es
tivesse sido queimada me sentiria sufocada. Você tem proble- dessa natureza só levantam sofrimentos. E, no atual mo-
mas com a respiração? mento, nã o creio que você necessite disso, é muito cedo.
Narrador: Muito. A: Talvez eu necessite de um pouco mais de esclareci-
Vamos parar por aí. Acho melhor nã o explorar o sonho mento. Como um terapeuta pode obter pistas, pode distinguir
nesse sentido. O que respondi a ela foi para exorcizar. qual pesadelo será útil trabalhar? E qual não?
Narrador: E eu preciso desse exorcismo. Eu diria que o ú nico crité rio é o de seguir permanente-
mente o caminho da natureza. No entanto, toda a questã o é
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se o terapeuta está desperto para o fato de reconhecer
quando nã o é um sonho, mas a revelaçã o de uma vida ante-
rior. Como expliquei pode parecer simples, mas é muito fá cil
enganarmo-nos. Existe uma memó ria anterior que nos diz:
“Siga o caminho da natureza”. Em geral, isso quer dizer que,
quando morremos, esquecemos. Seria muito pesado andar
pela vida presente carregando todas as malas dessas recorda-
çõ es. O que també m nã o quer dizer que o nível astral nã o
tenha memó rias inconscientes e impressõ es que podem ser
expressas num sonho. Ao trilhar um caminho espiritual de
integraçã o, seguindo o caminho natural, as velhas memó rias
e lembranças virã o à tona.
Na passagem em que Jesus morre e desce aos infernos,
por exemplo, diz-se que os mortos ressuscitam, o que signi-
fica que o ser atinge a consciê ncia de vidas passadas.
Quando se está descondicionado das formas, é possível vê -las
sem problema. No entanto, antes disso haverá um grande e
verdadeiro risco. É por essa razã o que se torna necessá rio
“deixar os mortos enterrarem seus mortos”.

Sugiro pararmos esse trabalho por aqui.


Antes de nos separarmos vamos fazer juntos um instante
de silê ncio.

Agradeço muito a presença de todos e sua qualidade de


escuta.

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