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Folha de rosto
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Alguma vez é só sexo?
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Notas
Sobre o autor
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T , um corretor de valores estabelecia para si a mesma meta, muito
acima do que o chefe esperava dele, e quase sempre a atingia, apesar da
volatilidade do mercado e da recessão econômica. Quando não a atingia,
entrava em aplicativos de encontros e combinava uma saída com uma
desconhecida para tomar uns drinques e transar. Levava o mesmo papo
super cial durante os drinques e seguia a mesma rotina durante o sexo:
penetração hidráulica com poucas preliminares, ejaculação e, em seguida, uma
partida rápida e insensível. Durante a transa, evitava o contato visual e pensava
no lucro que tinha deixado de auferir em sua corretagem. De novo em casa,
tomava um Xanax e caía no sono, sem pensar na pessoa com quem acabara de
estar.
Aqui poderíamos perguntar: por que o sexo era necessário? Seria ele, como
o Xanax, apenas uma forma de automedicação, de acalmar a angústia e a
aguda sensação de constrangimento que acompanhava sua incapacidade de
controlar os mercados? Seria uma tentativa oculta de comunicar-se com outro
ser humano, uma tentativa que sempre se frustrava, ou talvez um ato hostil de
que ele não tinha conhecimento? Quando lhe perguntei sobre o número em si,
sobre a cifra que ele se achava obrigado a gerar todo mês, ele explicou que
esse tinha sido o lucro mais alto obtido por um ás da corretagem de sua
empresa anterior. Era o número que ele se sentia compelido a atingir desde
então, e nada menor era aceitável.
Assim, os atos sexuais que ocorriam quando ele fracassava di cilmente
poderiam ser tomados como expressões de uma pulsão sexual básica, e sim, ao
contrário, como tratamentos para sua incapacidade de se igualar, em algum
sentido, a um outro homem. É claro que isso poderia ser interpretado
sexualmente — havia desejo ou ciúme entre eles? —, mas esse ato
heterossexual era claramente uma atuação na qual o sexo preenchia uma
outra função menos óbvia. A natureza repetitiva e inalterável dessa sequência
sugeria que, para ele, a identidade da mulher não tinha importância e que
alguma outra coisa era encenada a cada vez, algo que se parecia com sexo, mas
nunca era apenas isso.
Talvez isso pareça uma espécie de estranha inversão da psicanálise.1 Houve
época em que a análise era famosa por ver sexo em tudo: os sintomas físicos e
psíquicos eram explicados em termos de desejos sexuais inconscientes e isso
signi cava que, se você encontrasse um analista numa festa, tinha que tomar
cuidado com o que dizia. O sexo era o segredo não dito de praticamente tudo,
moldando as relações pessoais e os dramas sociais mais amplos da guerra, da
política e da cultura. No entanto, como perguntou o crítico norte-americano
Kenneth Burke na década de 1930, e se o próprio sexo encobrisse outras
motivações ainda mais importantes? Quando se diz, por exemplo, que os
homens pensam em sexo a cada sete segundos, será que na verdade eles estão
pensando em outra coisa?2 Ou, aliás, será que pensar em sexo poderia ser uma
distração de outros pensamentos menos palatáveis?
Pesquisas posteriores a rmaram que os sete segundos estavam mais para
uma vez a cada noventa minutos e, em linhas mais gerais, que as ideias ligadas
à comida eram tão signi cativas quanto essas, ou até mais. É óbvio que isso
dependia do ponto em que a pessoa se encontrava na vida — um bebê, um
adolescente, um senhor — e de uma multiplicidade de outros fatores, mas nos
leva a indagar em que pensamos realmente ao pensar em sexo. Todos sabem
que, no tocante à comida, raramente é apenas sobre comida: comemos ou
pensamos em comer quando estamos infelizes, inquietos, agitados,
angustiados ou solitários. Será que o mesmo se aplica ao sexo?
O uso global da pornogra a na internet aumenta na noite de domingo e
prossegue ao longo da segunda-feira, dia em que a maioria das pessoas volta
ao trabalho e, portanto, pode-se presumir que tenham que enfrentar
problemas e pressões dos quais o m de semana as protegeu. O uso de
pornogra a no escritório, aliás, chega a 63% dos trabalhadores e 36% das
trabalhadoras.3 O recurso às imagens sexuais, nesse caso, bem poderia ser
analgésico, e as pesquisas sobre sexualidade no século só zeram agravar
essa questão, sugerindo que os seres humanos não têm realmente um instinto
sexual inato que almeje a copulação. Os corpos não são como pauzinhos que
produzem fogo quando esfregados, já que são necessárias inúmeras condições,
preferências e dicas para que cheguemos a car excitados.
As frequentes comparações de nossa vida sexual com a dos animais — “Eles
transam feito coelhos!” — não são úteis neste ponto, visto que o
comportamento animal nem sempre é tão automático e instintivo quanto
poderíamos imaginar. Se as ovelhas podem praticar sexo nos primeiros dias de
vida, os chimpanzés machos podem precisar de meses ou até anos de prática
para conseguirem funcionar sexualmente, do mesmo modo que os
orangotangos machos têm uma curva acentuada de aprendizagem. Um longo
período compartilhando uma gaiola pode tornar o sexo menos provável, e as
preferências e até estilos sexuais podem impedir algumas espécies de praticar
um coito indiscriminado. A velha ideia de que a sexualidade é uma ardente
força animalesca dentro de nós, a ita para se libertar porém contida por forças
sociais, tem pouco respaldo, e até o que se a gura um comportamento
excessivo de acasalamento pode ser uma medida da frustração, e não de um
impulso sexual.
Já nos anos 1940 e 1950 biólogos e etologistas a rmavam que, enquanto a
maioria dos mamíferos inferiores tem instintos sexuais regidos por hormônios,
não é este o nosso caso, e que até a expressão dos hormônios pode ser inibida
ou impedida por fatores psicológicos, para adiar a puberdade ou interferir na
maturação sexual.4 O que nos impele a buscar o sexo é muito mais complexo
do que um motor endógeno, e resulta mais de processos sociais que de
processos biológicos inatos. Quais podem ser esses processos constitui uma
das coisas que pretendo explorar neste livro, junto com a questão mais geral
do lugar que o sexo pode ter em nossa vida e, em termos cruciais, do que
realmente fazemos quando o praticamos.
Os estudos cientí cos sobre sexo que buscam explicação para esses pontos
conectando as pessoas a aparelhos medidores enquanto elas assistem a lmes
tristes ou copulam tendem a decepcionar, pois negligenciam a dimensão do
sentido, que é muito central nas interações humanas. Quando a penetração,
por exemplo, é vivenciada como um ato de posse, ou de amor, ou de
exploração, isso lhe dá um sentido que é difícil ignorar ou negar. Quando as
pessoas dizem “foi só sexo, não signi cou nada”, isso só mostra o quanto o
sentido é importante para todo o processo. Mas o sentido é difícil ou até
impossível de medir.5
É mais fácil, claro, contar orgasmos, e assim os estudos cientí cos e a
pornogra a compartilham a mesma abordagem: ambos separam o sexo da
signi cação e da questão das lealdades que diríamos de nirem os apegos
humanos. A nal, na pornogra a os personagens nunca demonstram nenhuma
delidade a ninguém: não rejeitam o sexo em função de compromissos
anteriores, do mesmo modo que, nos experimentos cientí cos, os sujeitos não
são incluídos quando se recusam a praticá-lo. Todos os projetos recentes de
criar uma pornogra a emancipada — o que poderíamos chamar de
“pornogra a paritária” — parecem indiferentes a isso, quando tudo que se
faria necessário seriam personagens que dissessem “Agora não” ou “Com
você, não”.
A cultura de encontros sexuais a toque de caixa, que a internet tanto
facilitou nos últimos anos, incentiva os usuários a tornarem sua atividade
sexual parecida com a pornogra a ou com estudos cientí cos: simples
operações físicas nas superfícies côncavas e convexas de um corpo humano.
Mas a dor, o desconsolo, o arrependimento e o sentimento de vazio que
acompanham os auges da excitação mostram que há muito mais em jogo. O
que as pessoas desejam sexualmente e o que de fato fazem ao se encontrarem
com outras pessoas são duas coisas em geral completamente diferentes, e a
margem entre elas é ocupada pela fantasia. Como nossas fantasias se formam,
e que efeitos têm elas na vida sexual?
E, se a vida sexual da maioria das pessoas começa pela fantasia, o que pode
nos preparar para o choque eventual dos corpos? Por que a excitação e a
satisfação tão raramente se equivalem? O que signi ca ser penetrado/a e por
que além de apenas penetrar também comprimimos, acariciamos e chupamos
ou lambemos outros corpos? Por que pressionamos a pele e os músculos? Por
que mordemos, arranhamos e apertamos? Nas pesquisas sobre o
comportamento sexual, não se encontrou nenhuma sociedade humana em
que a violência esteja ausente das relações sexuais, e o vocabulário delas é
compartilhado. A palavra “forçar” é o verbo mais comum para descrever os
atos sexuais, e a linguagem da dominação, da posse e da conquista está em
toda parte.6
Até os grandes manuais sexuais do Oriente, como o Kama Sutra, descrevem
o sexo como uma forma de combate, detalhando os vários padrões de ataque
e defesa, o ângulo e o posicionamento dos punhos nos golpes e a variedade de
marcas deixadas no corpo por unhas e dentes. As marcas de unhadas são
classi cadas em categorias como “meia-lua”, “círculo”, “lótus” e “garra de
tigre”, enquanto as marcas de dentes são descritas como “tromba de elefante”,
“nuvem quebrada”, “dentada do javali” ou “linha de joias”. Cada parceiro é
incentivado a reagir à violência com violência, mas os amantes são instruídos
a serem sensíveis às lesões, uma vez que, durante sua excitação, podem perder
a consciência da gravidade de seus golpes.
Os primeiros pesquisadores do sexo consideraram difícil racionalizar o
lugar da dor aqui. Nos Estados Unidos, quando Alfred Kinsey e seus
colaboradores publicaram seus trabalhos pioneiros sobre as sexualidades
masculina e feminina, no m da década de 1940 e início dos anos 1950, muitos
entrevistados disseram achar o sexo “repulsivo”, “incômodo”, “revoltante”,
“bruto”, “doloroso”, “cansativo” e “insatisfatório”. E, quando William Masters
e Virgínia Johnson exploraram a atividade sexual na década de 1960, as
milhares de mulheres com quem falaram lhes disseram ter sentido dor
durante o sexo na quase totalidade dos casos, mas apenas três tinham sido
capazes de pedir a seus parceiros que fossem mais delicados, e nem uma única
mulher lhes dissera para parar.7
Hoje, embora talvez pareça que tudo mudou, ainda há um verdadeiro
estigma em torno da manifestação de incômodo e dor durante o sexo,
especialmente entre as mulheres. Não se trata apenas de ferir os sentimentos
do parceiro; há o risco real de isso provocar mais violência, uma realidade
cotidiana para, provavelmente, a maioria das mulheres do mundo atual. Nos
países que dispõem de dados a esse respeito, entre um quarto e metade das
mulheres relatam ter sofrido abusos físicos do parceiro atual ou de um
anterior. O fato de muitos casos de violência não serem — ou não poderem
ser — denunciados sugere que até mesmo essas estatísticas chocantes são na
verdade subestimadas.8
Na prática analítica, deparo constantemente com adultos que nunca
tiveram relações sexuais senão quando bêbados, como se as atividades do
corpo, os processos corporais e o sentimento de ameaça fossem perturbadores
demais para serem suportados sem anestesia, mesmo quando o parceiro é
considerado carinhoso e atencioso. Embora às vezes se diga que o sexo é só
uma questão de comunicação, não há dúvida de que ele é a parte de nossa
vida em que, na verdade, temos menos tendência a comunicar o que
realmente sentimos e pensamos. Então, se temos escolha, por que agimos
assim?
A a mesma pergunta. O sexo é intrigante,
absurdo, angustiante e impossível. Será que um corpo entra mesmo dentro de
outro? Como é possível isso acontecer? Será que não machuca? Como é que
alguém pode achar isso gostoso? E como é que os corpos sobrevivem ao sexo?
Essas perguntas talvez pareçam apenas produto da ingenuidade e da falta de
informação, mas continuam a nos assombrar pela vida afora, às vezes de
maneira consciente e, ao que parece, sempre inconscientemente. Talvez elas
até moldem o que de fato fazemos nas relações sexuais, como veremos mais
adiante.
A primeira coisa a assinalar aqui é que essas perguntas infantis criam um elo
entre o sexo e a violência. Penetrar um corpo signi ca invadir seus limites,
assim como o ato do parto envolve rasgar ou cortar a superfície do corpo.
Uma das primeiras perguntas que as crianças fazem sobre a sexualidade é
muito simples: de onde eu vim? Como fui feito/a? Independentemente das
respostas sanitizadas que elas recebem, algumas equações tendem a ser feitas,
usando outras áreas da experiência infantil, para criar o que Freud chamou de
“teorias sexuais” infantis.9 Assim como os excrementos corporais derivam
daquilo que comemos e bebemos, um bebê também pode ser equiparado a
um produto corporal resultante da ingestão.
Em seu estudo das ideias das crianças sobre a origem dos bebês, Anne
Bernstein descobriu que essas teorias eram, na verdade, muito mais
complexas.10 Uma crença inicial em que os bebês sempre existiram vinha a se
transformar no problema de como eles foram fabricados: portanto, o primeiro
dilema era explicar sua localização, e depois fornecer a receita. Para algumas
crianças, o bebê sempre esteve dentro da mãe, ou cresceu dentro dela como
uma semente; para outras, ele foi feito fora dela e depois introduzido, já
plenamente formado ou como uma miniatura perfeita.11 Quando culpamos a
religião e o patriarcado como as únicas causas de campanhas e legislação
antiaborto — como foi tão dramaticamente destacado pela recente inversão
do veredicto do caso Roe contra Wade —,[1] vale a pena considerarmos se
essas teorias infantis também não terão desempenhado um papel nas paixões
que se in amaram.
Num dos exemplos de Bernstein, depois que uma mãe explicou as
realidades biológicas do sexo e da concepção ao lho, ele se afastou,
resmungando: “Mas eu sei que ela na verdade engole o bebê”. Os bebês devem
ser criados por algum tipo de processo oral que, em última análise, deriva
daquilo que introduzimos no corpo, uma vez que engolir é a via mais
conhecida para o estômago. Daí a ideia infantil do bebê feito de comida e que
sai pelo ânus, embora, como sugere o comentário do menino, também possa
haver uma ideia de algum outro tipo de deglutição envolvido, talvez de um
bebê em miniatura, ou do órgão sexual ou da semente do pai. O ânus é
privilegiado, nessa concepção, pois fornece uma imagem muito mais óbvia de
um caminho de saída do corpo do que a vagina, o que é reforçado pelo exame
parental criterioso dos atos de excreção da criança. Entrada e saída tendem a
seguir um molde oral-anal, já que tanto pais quanto lhos se preocupam em
saber se o que entrou conseguiu sair.
Freud e pesquisadores da infância posteriores a rmaram que a ideia de uma
saída abdominal em vez de anal vinha a substituir ou coexistir com essas
teorias anteriores, e era tão frequente quanto elas, ou até mais. De fato, a ideia
de um bebê feito de alimento sendo defecado podia até ser vista como uma
defesa contra a perturbadora imagem subjacente do parto como mutilação do
corpo. Mesmo crianças de doze anos ainda acreditavam que ele envolvia a
retirada do bebê por um corte na barriga da mãe, feito com algum tipo de faca
numa operação sangrenta e assustadora, que se chocava com as ideias
acolhedoras da maternidade e do amor por um bebê querido.12 O umbigo
costuma ser um objeto intrigante e fascinante para as crianças pequenas,
identi cado com o local dessa saída violenta. Ele pode ser puxado, cutucado e
investigado de modo interminável, sendo consideradas insatisfatórias as
explicações dos adultos.13
Se tantas meninas são educadas desde cedo para imaginar um papel futuro
de mães e cuidadoras, essas ideias impalatáveis e assustadoras tornam-se
difíceis de aceitar. Como seus pais podem lhes desejar um futuro desses? As
imagens sangrentas de rupturas do corpo podem ser prontamente recalcadas,
mas a curiosidade subsequente pode conter sua própria violência. Tendemos a
achar que a curiosidade infantil é uma qualidade maravilhosa a ser celebrada,
mas ela também signi ca despedaçar coisas, quebrar objetos, cortar bonecas e
até desmantelar seres vivos, como insetos, para ver o que há do lado de
dentro.
Surpreendentemente, talvez, os meninos também pensam em si como
mães potenciais. Mesmo sabendo que os homens não dão à luz com o corpo,
eles podem ter medos arcaicos de que um bebê ou um bichinho exploda para
fora de seu corpo ou os roa por dentro para sair, como aprendemos ao
trabalhar com crianças pequenas. Nos adultos, é conhecido o fenômeno da
couvade, no qual o homem imita os sintomas de gravidez da mulher, como
náuseas, vômitos, inchação abdominal e câimbras nas pernas, e um estudo até
constatou que os homens imaginam que seu corpo diminuiu de tamanho
depois que suas parceiras deram à luz.14 A história bíblica do nascimento de
Eva a partir de uma costela de Adão faz eco a isso, com sua imagem de uma
saída abdominal e uma gestação masculina.
Isso tem sido explicado de maneiras diferentes: pela identi cação inicial
com a mãe (que costuma ter uma proximidade muito estreita com o lho), o
que signi ca que o corpo do menino é indiferenciado; pelo desejo de ele ser a
mãe ou se parecer com ela; ou por uma incompreensão básica das diferenças
sexuais. Meninos e meninas também podem acalentar o desejo de dar um lho
à mãe, como modo de criarem uma distância dela, de deixarem de ser, eles
próprios, um objeto materno exclusivo. Seja qual for o caso, a imagem
apavorante de uma saída abdominal violenta é muito difundida até mesmo na
imaginação adulta, como vemos na popularidade dos lmes da franquia Alien,
nos quais a criatura monstruosa rasga um buraco na barriga de seus
hospedeiros.
Esse vínculo do sexo com a violência, o perigo e a dor entra numa escalada
quando nos damos conta de que, para começo de conversa, o bebê só entrou
através de um ato sexual. A própria existência de cada um de nós signi ca que
algo impensável tem que ter acontecido. Por mais esclarecidos que sejam os
pais e por mais inteligente e desenvolta que seja a criança, cria-se aí uma
conexão entre sexo e reprodução que, em algum nível, nunca pode ser
rompida. Como disse a escritora Nora Ephron, ao descrever seu próprio
processo de entendimento do sexo: “Nunca me passara pela cabeça que o sexo
tivesse algo a ver com desejo ou com corpos, ou que fosse praticado exceto
quando se queria ter lhos”.15 Sejam quais forem as informações que depois
absorvemos sobre o prazer e o sexo não reprodutivo, talvez seja impossível
“desaprender” completamente esse aprendizado primário.
É comum, aliás, os adultos tratarem as perguntas dos lhos sobre sexo
como perguntas sobre bebês, já que isso lhes causa menos incômodo, e eles
juntam as duas questões, assim como a anatomia. A vagina e o útero
raramente são diferenciados, e é comum as características de um órgão serem
aplicadas ao outro. Quanto ao clitóris, sua relevância para o prazer e não para
a reprodução talvez seja a própria razão de excluí-lo: “É mais fácil falar da
vagina porque ela é um órgão reprodutor”, explicou uma mãe, “mas falar com
minha lha sobre seu clitóris é como se eu lhe dissesse para se masturbar”.16
Antigamente se brincava dizendo que as únicas pessoas que compreendem
que sexo e reprodução não são a mesma coisa são os antropólogos e os
adolescentes, mas talvez todos nós equiparemos essas ideias,
independentemente de nosso conhecimento de biologia, nosso uso de
contraceptivos e nossos desejos e anseios.
Todos podemos rir quando uma criança que já tem um irmão ou irmã e
acabou de aprender os fatos da vida pergunta aos pais, num tom chocado:
“Quer dizer que vocês zeram sexo duas vezes?”. Mas essa ligação pode ser
duradoura. Toda vez que temos relações sexuais, a ideia da concepção pode
estar presente, conscientemente ou não, e pode até ser separada da realidade
do ato sexual. Já ouvi pacientes adolescentes e adultos, em várias ocasiões,
explicarem que têm medo de engravidar, mesmo que nunca tenham praticado
sexo. Pessoas com diploma universitário e em posições de grande
responsabilidade social são capazes de dizer “Eu sei que parece maluquice,
mas tenho certeza de que estou grávido/a”, tendo pleno conhecimento de
que essa é uma impossibilidade biológica.
A interpretação óbvia é que esse medo é apenas um desejo, mas em muitos
casos o modo como soubemos do sexo na primeira infância estende-se a ponto
de incluir um campo muito mais amplo. Mesmo que nos digam que o bebê sai
pela vagina, qualquer abertura corporal pode converter-se numa saída
potencial, assim como qualquer substância introduzida no corpo pode tornar-
se um iniciador da gravidez. Sermos educados para não pensar na genitália só
faz reforçar isso, uma vez que as qualidades dos órgãos genitais passam então a
ser atribuídas a outras áreas do corpo. As vacinas são especialmente
signi cativas nesse aspecto, já que muitas vezes a ideia de uma “espetada” é a
única imagem de penetração corporal de que as crianças dispõem.
Nos últimos anos, foi comum os terapeutas se assustarem ao constatar que
pacientes adultos e instruídos rejeitavam a vacina contra a covid exatamente
por essa razão: “Sei que é absurdo, mas tenho a impressão de que a entrada
dessa injeção no meu corpo pode me fazer engravidar”. Enquanto a imprensa
prestava mais atenção aos temores de que a vacina pudesse comprometer ou
interromper a gestação, os terapeutas também ouviam uma narrativa inversa:
a própria vacina seria fertilizadora.
As decisões e escolhas dos adultos estavam sendo moldadas, nessa ocasião,
por crenças e fantasias infantis, cujo poder nunca devemos subestimar. Essas
ideias raramente são discutidas, por parecerem muito absurdas, mas serão
porventura mais absurdas do que os padrões de pensamento comuns
rotulados de , quando alguém acha que, se não tocar numa maçaneta de
porta certo número de vezes, um ente querido poderá morrer? É claro que a
cultura religiosa reforça esses padrões, com histórias de nascimentos virginais
e concepção miraculosa, e estas podem se transformar em estruturas
abrangentes da nossa compreensão da própria biologia.
Quando nos voltamos para o ato sexual que resulta em bebês, os riscos são
igualmente elevados e as explicações factuais costumam surtir pouco efeito.
Depois que a mãe de Ephron completou a educação sexual da lha, dizendo-
lhe que “o papai põe o pênis na vagina da mamãe”, sabia muito bem que isso
“não tinha nada de explicação sobre o sexo” e deixava em aberto todas as
consequências e condições em que a mente de uma criança é capaz de pensar.
Imaginar-se portadora potencial de um lho implica que a pessoa será um
objeto sexual acessível à penetração — uma percepção que só pode tornar
ainda mais agudas as ansiedades corporais. Se o ânus é a imagem mais óbvia
de um caminho ou uma abertura,17 isso quer dizer que se estabelecerá um
medo vitalício — talvez combinado com um desejo — da penetração anal. O
singular fato biológico de o ânus e a parte inferior do intestino serem muito
densamente inervados pode ser vivido como um lembrete perturbador disso,
e as anedotas, o folclore e a cultura popular brincam continuamente com essas
angústias.
Durante o sexo, o manuseio e a apalpação das nádegas femininas tendem a
ser considerados um excitante justi cável, mas o homem heterossexual,
mesmo quando altamente excitado, raras vezes consegue admitir esse mesmo
desejo (a menos que pague pelo privilégio da revelação a uma prostituta ou a
um psicanalista).18 No nível cultural, todo o ser do sujeito pode ser equiparado
a essa parte do corpo, uma vez que as pessoas se referem a si mesmas e a
terceiros como “minha bunda” ou “sua bunda”.[2] Sempre me intrigo, ao
visitar os Estados Unidos, com esse con ito de contrações e expansões: em vez
de dizerem que uma loja ca na esquina da “rua Orange com a rua Hicks”, as
pessoas dizem “Orange e Hicks”, e, na sequência, podem emendar que “vou
mexer minha bunda até lá”.
F - chamou de concepção “sádica” do coito e
com “os anseios obscuros [da criança] de fazer coisas violentas, apertar,
despedaçar, abrir buracos”. Em sua discussão sobre o pequeno Hans, de cinco
anos, ele descreveu a ideia de sexo do menino como “estraçalhar alguma coisa,
fazer um buraco em alguma coisa, entrar à força num espaço fechado”. A
descrição de Freud faz um estranho eco à ameaça de Baudelaire a Madame
Sabatier, em As ores do mal: “E abrir em teu anco assustado/ Uma larga e
funda ferida./ E […]/ Por entre esses lábios frementes,/ Mais deslumbrantes,
mais ridentes,/ Infundir-te, irmã, meu veneno!”.[3] 19
De que outro modo, na verdade, poderia uma criança conceber o ato de
penetração, sem essas imagens de violar e quebrar? Amber Hollibaugh,
ativista e escritora +, lembra-se de ter achado um conjunto de
ilustrações de posições sexuais em xerox quando tinha dez anos e de havê-las
estudado com as amigas num campo nos fundos de casa, “numa tentativa
desesperada de entender como alguém podia gostar de fazer o que aquelas
imagens sugeriam”. Comparando as imagens a seus próprios corpos, elas se
perguntaram como um pênis poderia efetivamente penetrá-las: “Fiquei
enjoada. Passei quinze minutos vomitando. Sexo e penetração eram ideias
horripilantes”.20
No entanto, para além dessa impressão primária e aterrorizante de
discrepância — como é que o pênis podia caber? —, Freud achava que as
primeiras ideias de sexo violento ocorrem antes que a criança chegue sequer a
reconhecer a existência da vagina. Não se trata de um pênis entrando numa
vagina, mas de algo que vai rasgando um espaço corporal que permanece
obscuro e inde nido, algo que é menos uma abertura facilitadora da
penetração do que a criação efetiva de um buraco. Assim, não é de
surpreender que as brincadeiras sexuais das crianças envolvam, com muita
frequência, a aposição dos órgãos genitais, sem nenhuma tentativa real de
penetração. O ato de amor, escreveu Freud, é visto como um ato de violência,
e por isso a atividade sexual do futuro torna-se não uma promessa, mas uma
ameaça. Para tomar emprestada a descrição da sexualidade masculina feita por
Andrea Dworkin, isso é “coisa de homicídio, não de amor”.21
Muitos discípulos de Freud discordaram dessa explicação, alegando que as
crianças tinham perfeita consciência, desde o começo, da diferença anatômica,
e que o desaparecimento da vagina era, na realidade, uma reação defensiva
posterior.22 Isso seria muito parecido com a antiga instrução dada a
funcionários de hotéis para, na eventualidade de irromperem num banheiro
durante o banho de uma mulher, dizerem “Desculpe, senhor”. A atribuição
equivocada ocorre exatamente por se haver percebido a realidade. Diante da
ideia pavorosa de um pênis entrando numa vagina, com a dor e os estragos
que isso sem dúvida in igiria, era natural que se negasse a existência dela. Mas
o que é que se negava, exatamente? Como poderia uma criança dispor de
algum conhecimento exato desse espaço interno, tão difícil de visualizar ou
representar, senão por uma analogia? Daí a atração das muitas histórias
infantis sobre espaços ocultos encerrados em outros espaços: passagens,
corredores e cômodos que têm de ser descobertos; aberturas mágicas numa
pedra; o aparecimento repentino de uma porta escondida; cantos e
esconderijos secretos que continuam fascinantes para os adultos.
Note-se que esses espaços ocultos são quase invariavelmente ligados à
segurança e ao perigo. Representam um refúgio especial para a menina, um
lugar em que ela pode buscar proteção e distância da família e dos amigos;
porém, num dado momento, outras pessoas tomam conhecimento de sua
existência e eles deixam de ser seguros. O que antes era um perímetro
destinado a conter torna-se lugar de invasões potenciais, e, com isso, as
meninas passam a verbalizar medos constantes de ladrões e invasores. O
simbolismo corporal tende a ser muito claro nesses casos, nos quais a
ansiedade a respeito da entrada por portas e janelas traduz o medo de que as
aberturas corporais sejam invadidas.
Uma analisanda descreveu sua lembrança desses sentimentos ao ver o lme
O quarto do pânico, com Jodie Foster, no qual uma mãe e sua lha escondem-se
dos intrusos num cômodo de concreto especialmente construído e escondido
em sua casa: “Ali estava ele, o quarto secreto com que eu sempre havia
sonhado, o lugar em que eu poderia me esconder, mas onde aqueles homens
maus estavam desesperados para me encontrar e me fazer mal”. A recente
franquia Escape Room torna esse perigo ainda mais agudo, numa situação em
que é o próprio espaço em que a pessoa está contida que irá matá-la, a menos
que ela consiga sair depressa, e hoje muitas cidades têm espaços reais de
escape e quartos de fuga em que grupos de colegas de trabalho pagam para
solucionar quebra-cabeças que lhes permitam sair.
Se, com frequência, as primeiras percepções da vagina são esquecidas ou
recalcadas, elas podem ser descobertas mais tarde, numa narrativa que
combina com as pesquisas sobre crianças e com o que aprendemos com
alguns pacientes infantis e adultos. As sensações vaginais experimentadas na
adolescência ou na idade adulta podem de agrar uma extraordinária
impressão de déjà-vu, como se de repente se voltasse a ter acesso a uma
experiência muito anterior. O notável número de histórias femininas sobre o
reencontro de tesouros ocultos ou a recuperação de objetos perdidos costuma
ser interpretado com base no falo — ela reencontra o pênis que um dia
possuiu e que acreditava ter perdido —, mas vale notar que essa redescoberta
é, comumente, a de uma porta ou abertura ocultas e maravilhosas, o que
sugere uma reconexão com uma área de sensação vaginal que tinha sido
radicalmente emudecida, ou, como disse a psicanalista Selma Fraiberg,
“isolada” por um medo da penetração ou de uma excitação interna
avassaladora.23
Essas primeiras experiências do corpo não pressupõem um conhecimento
real da vagina, e isso continua a escapar a muitos adultos, inclusive
ginecologistas, como observou William Masters ao iniciar sua pesquisa sobre a
sexualidade. Os padrões de expansão e contração vaginais só fazem agravar o
mistério, e é difícil atribuir à vagina uma única imagem que dê conta dessas
mudanças. Se as produções de um corpo tornam seu interior mais tangível,
como podemos dizer que formato tem a vagina, a menos que utilizemos
como molde um bebê, ou fezes, ou o pênis?24 E de que modo esse pedaço
invisível do corpo torna-se parte dele?
Podemos concordar com Freud sobre a existência de uma ignorância inicial
da vagina, ou com seus discípulos que a rmam haver uma consciência
sensorial, mas as duas perspectivas implicam que o corpo se rasgará, e é
importante reconhecer que essa violência está em jogo para todos os
interessados. De acordo com alguns trabalhos transculturais, não há sociedade
documentada em que a violência no sexo consensual seja unilateral: ela é
sempre recíproca. Os amantes podem morder-se com selvageria, cuspir um no
outro e arrancar tufos de cabelo ou até de sobrancelha um do outro. É comum
homens adultos de culturas ocidentais imaginarem estar rasgando o corpo da
mulher durante o sexo — o que descrevem como excitante — e também, às
vezes, depois se sentirem culpados pelos danos in igidos.
Em seu trabalho inovador, que comparou o comportamento sexual
humano ao animal, usando o banco de dados da Universidade Yale sobre os
hábitos sexuais de 190 sociedades documentadas, Clellan Ford e Frank Beach
concluíram que, se a existência de um instinto sexual visando o sexo
penetrante não foi evidenciada, a única certeza surgida foi o elo entre a
excitação sexual e a in icção de dor. Isso pareceu mais básico até do que os
esforços de reprodução, e o famoso título do lme de Sharon Stone e Michael
Douglas que explorou as ligações entre o sexo e o perigo — Instinto selvagem
—, ao mesmo tempo que se referia ostensivamente ao sexo, também denotava
o homicídio.
Aqui poderíamos pensar em todos os verbos lastimáveis que os homens
usam ao nal de suas ostentações, “Fodi a mulher até ela…”, indicando o
colapso ou a destruição do corpo feminino. A façanha sexual e o dano
convergem, como se tanto a meta quanto a condição da excitação
envolvessem o sofrimento. O pesquisador e terapeuta sexual canadense
Claude Crépault relatou o caso de um juiz que, ao ter relações sexuais com a
esposa, fantasiava sobre o pavor de uma mulher ante a possibilidade de que ele
acendesse a banana de dinamite que havia introduzido em sua vagina: ele só
conseguia gozar no momento do mais intenso pânico da mulher.25
Essa é uma das razões do sucesso de golpes médicos praticados nos países
que dependem de sistemas de seguros de saúde. Depois de um encontro
sexual, alguém que se diz médico telefona para o parceiro masculino do casal,
diz que a parceira sofreu danos genitais durante o ato sexual e que é necessária
uma transferência de fundos para cobrir um tratamento urgente. O pânico e a
culpa sentidos pelo homem podem bloquear uma avaliação racional da
situação, e o dinheiro é enviado. Aqui, a penetração e a lesão aparecem num
contínuo. As mulheres não são alvos desses golpes, mas podem se preocupar
não com haverem causado danos palpáveis ao corpo do homem, mas talvez
com a ideia de que possam tê-lo contaminado.
O medo de fazer mal a outra pessoa pode ser tão grande que o sexo é
completamente evitado, e os esforços relativamente recentes, em muitas
sociedades, para tornar os homens mais sensíveis aos desejos das mulheres em
situações sexuais reforçam isso. Apavorados com uma sexualidade predatória e
ameaçadora neles mesmos, alguns homens preferem car longe das relações
sexuais. Entretanto, a maioria tende a se isolar dessas ideias e continua a
praticar uma sexualidade predominantemente violenta e coercitiva, na qual as
tentativas de abrir um corpo à força, tal como descritas por Freud, não raro
ocupam o centro do palco.
A indignação e a raiva em relação aos crimes sexuais relatados nos meios de
comunicação constituem um dos modos de funcionamento desse isolamento.
Os ataques agressivos são projetados fora do próprio sujeito, mas a simpatia
pelas vítimas pode mascarar um prazer com seu sofrimento. Quando foi
nalmente libertada, depois de ser mantida em cativeiro durante várias
semanas pelo Exército Popular do Vietnã, em 1971, a jornalista Kate Webb
notou que todos pareciam decepcionados por ela não ter sido estuprada.26 Os
homens, em especial, estão sempre em busca de histórias de agressão a
mulheres como forma de manter sua própria violência na distância correta.
Mesmo em meio a um debate crucial em julho de 2018 sobre o Brexit, que
modi caria o futuro do país, a história mais procurada na imprensa britânica
não foi a das negociações políticas, mas a de uma mulher que parecia haver
pedido a um homem que a amarrasse e espancasse.
O trabalho da mídia, em parte, foi — e ainda é — uma curadoria da
violência contra as mulheres, em geral mascarada de preocupação.27 No
próprio sexo, mesmo quando o homem parece ser amoroso e terno, ele pode
só ser capaz de sustentar a ereção ao imaginar que está forçando a parceira. E,
nos carros, os motoristas varões tendem a se irritar com qualquer obstáculo a
seu movimento para a frente, e fazem piadas sobre marcar pontos por
atropelarem pessoas idosas. Como observou o historiador da sexualidade
Gershon Legman, a vítima é sempre uma velhinha, nunca um velhinho, assim
como em séries televisivas e lmes as vítimas femininas de assassinato
superam largamente o número de homens mortos.28
F o estupro — além de uma nota de rodapé
infeliz, na qual endossou a visão de que a mulher pode acolher
inconscientemente a agressão — e, como assinalaram muitas autoras da
segunda onda de feminismo, ocasionalmente interpretou o sexo como um ato
em que há um parceiro ativo e um passivo.29 É notável, nesse aspecto, ver
quanto do importante trabalho inicial sobre essa questão foi
predominantemente apagado das histórias do movimento feminista. As
divisões-padrão entre a primeira e a segunda ondas do feminismo tendem a
obscurecer o trabalho de autoras e ativistas dos anos 1940 e início dos 1950.30
Pode-se dizer que o livro de Ruth Herschberger de 1948, Adam’s Rib, foi o
trabalho mais signi cativo do século sobre as subjetividades femininas e
gênero, mas hoje, no momento em que escrevo, não há nem mesmo uma
página da Wikipédia a respeito dele.
Esse livro brilhante, deslumbrante, explora a estereotipia de gênero, o
modo como a medicina e a biologia ignoram a realidade do corpo feminino, o
fato de os parâmetros da sexualidade masculina eliminarem os modelos
complexos do desejo feminino, a maneira como as narrativas masculinas
reescrevem o processo reprodutor e como as divisões ativa e passiva de gênero
caracterizam muito da vida sexual. É quase certo que Simone de Beauvoir o
tenha lido durante sua estada em Chicago, um ano antes de submeter O
segundo sexo para publicação, e os leitores que recordam o lançamento do livro
dizem ter cado simplesmente estarrecidos. A própria Herschberger foi tão
afetada pela intensidade da acolhida ao trabalho que optou por nunca mais
publicar outra obra de não cção, concentrando-se, em vez disso, em escrever
poesia.31
Herschberger começa por questionar o mito masculino de que qualquer
aplicação de pressão a uma zona erógena produz uma experiência de prazer,
viés que endossa as justi cativas da violência sexual e situa a mulher como
anuente, em última análise, ao ser tocada por um homem. Aqui, a atividade
masculina é entendida em termos de um pavor da intimidade e de uma
evitação do fato de que o desejo feminino não é uma força unipolar, mas vai
ciclicamente do receptivo ao propulsivo. A ideia de que a maternidade anula o
desejo sexual é desconstruída, e Herschberger discute o desejo depois da
menopausa, questionando a periodização da duração da vida feminina feita
pelos homens. É crucial sua exploração de como as concepções masculinas da
sexualidade sempre visam animar um lado do encontro sexual e tirar o ânimo
do outro, calcando essa postura na divisão de gêneros entre masculino e
feminino, para reforçar a ideia de homens ativos e mulheres passivas.
Herschberger estava atenta ao modo como a linguagem molda nosso
pensamento nesse tema e questionou a razão de as pessoas se referirem à
“frigidez” feminina e à “impotência” masculina, e não o contrário — como
antes havia ocorrido, historicamente —, e a razão de “ereção” ser aplicada ao
pênis e “congestão” ao clitóris e ao tecido vaginal, quando o processo de
ingurgitação era agrantemente idêntico. Ela a rmou que havia necessidade
de um vocabulário mais complexo para falar de sexo, um vocabulário que
evitasse a lógica binária e reconhecesse os “graus diminutos e complexos entre
o prazer e o desprazer”.
Quanto à questão da violência, Herschberger descreveu como os
responsáveis educam as crianças de modos muito diferentes, não apenas pelo
que dizem e pelos ideais sociais que transmitem, mas também por meio de sua
maneira de tocar o corpo. Ela distinguiu os “contatos por pressão” na pele e
nos músculos e o modo como, no caso feminino, eles eram programados para
se modi car com o casamento e com os atos sexuais que este envolvia. Nessa
ocasião, era o conjunto masculino de contatos por pressão que importava,
como se isso já não fosse uma escolha da mulher, na suposição de que tais
contatos gerariam automaticamente a excitação. Seu capítulo sobre “O mito
do estupro” mostra que essas crenças sobre a excitação reforçavam o
paradigma ativo-passivo e a concepção cultural de que a “essência” da
masculinidade era o impulso de penetração.32
As narrativas evolucionistas que postulam uma violência masculina inata
para a obtenção de mulheres à força desde o Neolítico só fazem reforçar esses
tropos e, implicitamente, concebem a violência masculina como algo de certa
forma natural. Curiosamente, inúmeras histórias de origem envolvem um ato
primário de violência, desde os mitos da criação do universo até as histórias
sobre a fundação de sociedades humanas: há sempre um Big Bang ou um ato
homicida transgressor. A ideia de uma ânsia masculina antiga e geneticamente
programada de penetrar as mulheres também tem, é claro, a implicação de
que as mulheres têm uma ânsia antiga e geneticamente programada de ser
penetradas. Mais justi cativas para um status quo misógino.
Em vez de considerar que as percepções infantis de sexo e parto como atos
violentos são produto dessa herança neolítica, os argumentos de Freud
sugerem que a própria ideia de uma herança do Neolítico é um produto
fantasioso dessas percepções. Imaginamos nossas origens como atos violentos.
Isso não signi ca negar o peso da história e do patriarcado, visto que essas
forças culturais claramente moldam nossa maneira de interpretar o presente,
o passado e o futuro, e impelem os adultos a educar os lhos masculinos e
femininos de acordo com o gênero, tendendo a preparar os meninos para a
agressão, as realizações físicas e os atos de posse.
Desenvolvendo esse trabalho inicial sobre a dinâmica do sexo calcada no
gênero, Shulamith Firestone a rmou, em A dialética do sexo, que a violência
vista por Freud na concepção infantil do sexo podia ser uma fantasia, mas uma
fantasia que devia enraizar-se na realidade da situação familiar, na qual a mãe
sofria violência, intimidação e humilhação por parte do pai — um ponto que o
próprio Freud ressalta, aliás, em seu ensaio sobre as teorias sexuais infantis.33
Muitos outros autores concordaram que o sexo penetrante heterossexual era
de fato um ato de violência e que, portanto, de certo modo, as fantasias
infantis eram perfeitamente corretas. Isso pressupõe, é claro, uma versão do
sexo em que o homem penetra agressivamente a mulher, perpetuando o
diferencial distorcido de poder que, durante muito tempo, foi a marca dos
patriarcados, e que as camas com colchão d’água pouco zeram para
modi car.
O que autoras como Herschberger e Firestone mostraram com muita
clareza foi que o sexo era entendido como algo dado, algo óbvio, ainda que as
forças que atuavam sobre ele não o fossem. Esse foi o problema de grande
parte da abordagem psicanalítica inicial do sexo, com sua ideia de que somos
punidos pelo sexo, e não por meio dele. Não raro, a ênfase nas forças
repressivas da sociedade que atuam sobre a sexualidade vital dos seres
humanos obscurecia as forças em ação dentro desta. A religião e a cultura
popular só zeram reforçar essa tendência, tal como os jovens nos lmes de
terror são inevitavelmente mortos, de maneira selvagem, enquanto namoram
ou transam, e tal como muitos aspectos da cultura religiosa condenam o sexo
fora dos arcabouços conjugais e de reprodução: o sexo é errado, até que certas
condições sejam atendidas.
Essas forças culturais são tão poderosas que, quando os jovens assistem hoje
aos lmes de terror e veem um casal prestes a ter relações sexuais, entendem
de imediato que esse é o prelúdio da morte deles. Os personagens que evitam
o sexo tendem a sobreviver, enquanto os que se dedicam ao prazer corporal
são mortos. Tudo isso em nossa época esclarecida, o que mostra que, por mais
que a educação sexual e a moralidade super cial possam ter se modi cado, o
sexo continua a ser considerado, em algum nível, um crime passível de castigo.
Aliás, quando as pessoas fofocam sobre sexo sua fala é invariavelmente
carregada de termos moralistas, em vez de um vocabulário apenas físico:
“Nem acredito que ela/ele/eles fez/ zeram uma coisa dessas! Que…!”.
O juízo moral é muito valorizado nessas situações, dividindo-se homens e
mulheres, de modo sutil ou nem tão sutil, em bons e maus, e as avaliações
funcionam para disfarçar as falhas dos que as realizam. Como diz Joan Nestle,
ali onde a curiosidade constrói pontes, o julgamento moral constrói o poder
de alguns sobre os outros.34 Mas o que corremos o risco de perder de vista é
que, se o sexo deve ser punido, ele próprio pode envolver formas de punição:
quando o jovem casal que se acaricia nos lmes de terror é trespassado pelo
dardo de metal de um assassino em série, esquecemos que talvez a transa deles
envolvesse, na verdade, a perfuração de um/a pelo pênis do outro.35 Assim,
um tipo de violência obscurece — ou justi ca — outro.
Freud não desenvolveu suas observações iniciais sobre a teoria sádica do
coito e sobre as angústias e pavores diante do risco de rompimento dos limites
corporais. No entanto, antes mesmo que a questão da penetração sexual se
torne pensável para uma criança, certamente existe uma preocupação muito
premente: “Onde ca o meu limite?”. Os buracos e invaginações do corpo são
submetidos a uma exploração sem m no segundo e terceiro anos de vida,
juntamente com seus correlatos comestíveis: rosquinhas doces, pretzels, roscas
salgadas, macarrão em rodelinhas. É sempre signi cativo o momento em que
as crianças começam a desenhar curvas fechadas e formas bem delimitadas,
assim como a mostrar interesse em manter distintas e separadas coisas como
roupas e artigos de papelaria. Isso talvez corresponda ao esforço de demarcar
os limites do corpo: camos mais seguros quando é possível manter um limite,
como na segurança evocada pelas “rondas” da polícia urbana. As voltas
precisam ser fechadas, evitando-se lacunas ou espaços.36
Isso se torna ainda mais urgente em função da negatividade atribuída a
exsudações como a urina, as fezes, o suor, o cuspe e o sangue, que rompem os
limites do corpo.37 À medida que os pais expressam seu desagrado, seu nojo
ou sua preocupação diante desses aspectos corporais, eles de fato os
colonizam, deixando os vestígios de suas próprias opiniões no corpo da
criança. Quando essas substâncias saem do corpo, podem ser removidas ou
escondidas, mas podem ser foco de angústia mesmo quando permanecem do
lado de dentro: o que acontece se juntar uma quantidade excessiva de xixi ou
cocô? Será que vou explodir? O que posso fazer para impedir que isso
aconteça?
Essas substâncias corporais que podem estar dentro e fora do corpo
costumam se tornar tabus em algum sentido e, com isso, também uma fonte
de ameaça e fascínio. O suor das axilas, por exemplo, é hoje comumente
considerado ofensivo e como algo a ser eliminado, mas, no m do século ,
podia ser enxugado com os dedos ou com um lenço e apresentado como uma
proposta romântica. Do mesmo modo, as crianças podem encantar-se com
seus próprios uidos corporais mas sentir nojo quando os encontram num
momento inesperado. O que nossos pais dizem sobre essas excreções do corpo
pode continuar a nos ecoar na cabeça pela vida afora, e desde cedo costumam
ser construídos em torno delas hábitos e cerimoniais que raramente se
modi cam. A questão dos limites do corpo torna-se, pois, ainda mais
complexa, uma vez que eles incluem o “eu” e o olhar crítico dos pais.
Quando essa questão dos limites é ligada ao sexo, é difícil entender o coito
como um ato agradável ou natural. Há coisas demais em jogo e a integridade
do corpo corre riscos. E, de fato, no folclore e na mitologia, o pênis é quase
universalmente retratado como uma arma, mais do que como um
instrumento de prazer, do mesmo modo que a vagina é representada como
ameaçadora ou como uma espécie de armadilha.38 Se é esse o nosso
aprendizado inicial sobre o sexo, por que diabos haveríamos de nos sentir tão
atraídos por ele, mais tarde, e como pode ele passar a encarnar a mais
signi cativa de todas as atividades humanas? Seria o sexo apenas a única via de
violência permissível a muitos de nós, em nossa vida adulta?
Como ouvi na clínica: “Eu transo com meu namorado de um jeito raivoso.
Esse é o único lugar onde sinto permissão para expressar raiva, embora ele
não note”.
E sobre a sexualidade são forjadas numa
situação muito estranha. Os pais tendem a evitar respostas diretas a perguntas
referentes ao sexo e, muitas vezes, não nomeiam ou simplesmente dão nomes
errados a partes e processos do corpo. A criança pode ser recriminada por
alguma atividade corporal sem que lhe digam por que ela é errada, e assim
várias ordens são transmitidas de modo opaco e sem sentido. Tocar os órgãos
genitais é castigado ou desincentivado sem uma razão clara — em geral, bem
antes que a criança sequer saiba falar —, e, com isso, cria-se uma atmosfera de
juízos negativos em torno dessa parte do corpo.
Os pais, na verdade, muitas vezes exigem uma censura quase completa dos
órgãos genitais, exceto por seu papel de aparelhos excretores. As crianças são
ensinadas a evitar pensar em seus órgãos sexuais, e a maioria aprende como e
quando pode se referir a eles ou tocá-los com vocabulários especiais e
atribuições equivocadas e confusas.39 O termo “vagina” é usado com
frequência para evocar a vulva, e o clitóris tende a ser completamente
excluído. Ter corpo signi ca aprender a descon ar dele, e, como assinalou o
psicólogo Seymour Fisher, a própria imagem do corpo é uma espécie de
submissão codi cada às regras, valores e tabus parentais.40
Ainda muito recentemente, em 2019, quase metade da população do Reino
Unido carecia de conhecimentos básicos sobre a anatomia genital feminina, o
que mostra que o tabu continua largamente disseminado ali, apesar da
educação sexual mais esclarecida. Quase 60% dos homens e 45% das mulheres
não souberam dar nome à vagina, tendo um conhecimento ainda menor do
que é a uretra e de onde cam os grandes lábios.41 Pesquisas mais antigas
haviam mostrado que os homens pensam que a entrada da vagina ca uns dez
centímetros acima de sua localização real, e muita gente acha extremamente
difícil o simples olhar de perto para seus órgãos genitais. A vagina é
comumente imaginada pelos meninos como um buraco redondo perfeito,
como o ânus, e há uma ignorância disseminada nos dois sexos sobre a posição
e o formato do hímen.
Os próprios psicanalistas não estão imunes a isso, e, embora alguns dos
primeiros analistas de formação médica chegassem de fato a conduzir um
exame genital em seus pacientes, o interesse pelo corpo sexual logo se tornou
periférico. Certa vez, Judith Kestenberg perguntou se os analistas sequer
tinham conhecimento da existência da glândula prostática, apesar de sua
importância para a vida sexual e urinária.42 Freud tinha que usar o banheiro
durante sessões de análise e seria muito difícil, observou Kestenberg,
encontrar um paciente cujo pai não sofresse de problemas na próstata, mas a
psicanálise se portava como se ela simplesmente não existisse. Quando os
pacientes de Freud escreveram livros de memórias sobre suas experiências de
análise, souberam evocar interpretações brilhantes feitas por ele, mas não se
elas haviam acontecido antes ou depois de ele ter saído para fazer xixi e
voltado.
Mais curiosamente ainda, quando a próstata chega a aparecer no discurso
popular é totalmente dessexualizada, apesar da função vital que desempenha
no suprimento de componentes do sêmen masculino e das secreções e
sensações que podem inquietar os meninos na primeira infância. Um paciente
descreveu os problemas que vinha tendo em seu relacionamento por causa de
sua demanda maciçamente aumentada de sexo, e, quando indaguei sobre isso,
ele explicou que precisava ter relações sexuais todos os dias, para afastar o
risco de câncer de próstata. Quando z uma busca no Google, revelou-se que
o risco de câncer se reduz em surpreendentes 31% a 36% quando os homens
de mais de cinquenta anos ejaculam pelo menos sete vezes por semana, ao
passo que duas a três ejaculações semanais oferecem uma proteção muito
menor. Mas, enquanto chegam às manchetes da mídia outros resultados,
mostrando que um remédio, um estilo de vida ou uma mudança na dieta
podem reduzir o risco de câncer em 10%, as estatísticas referentes à próstata
parecem ter sido quase inteiramente apagadas, como se o elo entre a saúde
dessa glândula e a sexualidade fosse simplesmente impensável.43
Para muitas crianças, o único discurso a respeito dos órgãos genitais diz
respeito a eles estarem ou não limpos, e com isso se estabelece entre o sexo e a
higiene uma equação que pode perdurar pelo resto da vida. De fato, a maioria
das pessoas lava as mãos depois de urinar, e não antes, de modo que, em vez
de protegerem de germes os seus órgãos genitais, se protegem e protegem
outras pessoas de uma desonra potencial. As palavras da infância sobre os
órgãos genitais associam-nos mais comumente ao cocô e ao xixi do que a
analogias espaciais (uma caixa de joias, uma salsicha), como se fosse essa a sua
função primária; e uma percentagem muito signi cativa das mulheres — pelo
menos 25% —44 evita os exames do colo do útero e outras consultas
ginecológicas por medo de que sua genitália seja percebida como suja.
Homens e mulheres podem afastar-se timidamente da atividade sexual pelas
mesmas razões, com medo de que seus órgãos genitais pareçam sujos ou
repugnantes, de alguma forma. Não é à toa, aliás, que as piadas referentes ao
sexo são chamadas de piadas “sujas”, o que perpetua a associação entre
imundície e sexo; e, quanto mais esse discurso público fora da família nos diz
para não sentirmos culpa pelo sexo, mais a higiene pessoal adquire suprema
importância, como se fosse proporcional, talvez, à desvalorização super cial
da culpa. Quanto menos culpa nos dizem para sentir, mais continuamos a
esfregar e perfumar o corpo!
O peso das opiniões parentais é grande nesse tema, e as crianças logo
aprendem que a curiosidade sobre o sexo arrisca a reprovação dos pais. E
assim, como assinalou Gershon Legman, talvez o verdadeiro esclarecimento
sexual da criança não esteja em aprender como são feitos os bebês, mas em
entender que o interesse pelo sexo pode signi car rejeição e castigo por parte
daqueles que amamos e de quem precisamos.45 Essa pode ser uma descoberta
devastadora e reforça o emudecimento das sensações genitais e sua atribuição
a outras partes do corpo. Às vezes, as ubíquas “dores de barriga” das crianças
são, na realidade, estados de excitação sexual que gravitaram para longe de sua
fonte e não têm possibilidade de verbalização.
Do mesmo modo, os comentários parentais sobre o sexo tendem a ser sobre
o que não fazer, sobre o que deve ser evitado e o que, de algum modo, é
errado ou pecaminoso, apesar da época esclarecida e bem informada em que
vivemos. Até os pais mais liberais tendem a proibir que meninos e meninas
durmam juntos ao passarem a noite nas casas uns dos outros, como se a
perspectiva de coabitação dos dois sexos no mesmo espaço fosse simplesmente
perigosa demais, embora eles saibam muito bem, talvez por sua própria
infância, que as camas divididas entre pessoas do mesmo sexo envolvem,
quase inevitavelmente, oportunidades de contato sexual. Os paradoxos da
reprovação e da aprovação dos pais nessa área mostram sua di culdade de
lidar com a sexualidade e reconhecer seus efeitos.
A violência praticada nas brincadeiras infantis é outro exemplo disso.
Quando as crianças brincam de se matar ninguém faz objeções, mas, quando
brincam de sexo, isso é quase sempre repreendido, como se até o homicídio
fosse mais aceitável. Quando as revistas infantis em quadrinhos foram
comercializadas em massa pela primeira vez, no m da década de 1930, as
imagens da tortura de mulheres vestidas com trajes escassos foram
rapidamente censuradas: acrescentou-se mais roupa aos corpos femininos,
mas a tortura permaneceu intacta, como se a violência talvez trouxesse em si
uma faceta de censura.46 Os ferimentos causados ao corpo representavam — e
ocupavam — o lugar do sexo.
Num conto de Margaret Atwood intitulado “Murder in the Dark”,47 as
crianças brincam de um jogo clássico, dobrando pedacinhos de papel que são
misturados num chapéu ou numa tigela. Quem tira o pedaço marcado com
um X torna-se o detetive e sai temporariamente da sala, enquanto aquele que
tira a bola preta torna-se o assassino. As luzes se apagam e o assassino escolhe
sua presa, quer murmurando “Você morreu”, quer pondo as mãos na garganta
da vítima. Atwood inicia a história dizendo-nos quem está apaixonado por
quem, o que transforma o espaço escurecido num cenário sexual, onde “a
excitação era quase maior do que conseguíamos suportar”, e o assassinato
ngido assume claramente o lugar de um ato sexual proibido.
Essas transformações e censuras das imagens sexuais resultam numa
estranha segregação. Os órgãos genitais passam a ser separados do resto do
corpo, e o embaraço para falar deles signi ca que agora eles ocupam um
espaço clandestino, um lugar especial do qual os pais têm um conhecimento
superior e dos quais, em alguns sentidos, conservam a posse psicológica. Com
efeito, as crianças de quatro e cinco anos de um estudo classi caram a área
acima do joelho e abaixo do umbigo como “não eu”.48 Essa segregação tem
eco no tanto que é comum os órgãos genitais receberem nomes próprios,
como se tivessem uma identidade separada da identidade da criança, e várias
obras populares de literatura, a partir do século , mostram órgãos genitais
falantes e lhes atribuem uma identidade e autonomia distintas das do restante
do corpo.49
A clivagem entre a criança e as partes sexuais de seu corpo tende a ocorrer
num clima de negatividade, juízos morais e segredo. O segredo, aqui, não se
refere apenas ao esconder, mas ao estar sozinho. É muito comum os pais
perguntarem aos lhos o que eles estavam fazendo, quando estes passam
algum tempo afastados ou cam sozinhos, como se a separação em si
signi casse que pode ter ocorrido alguma coisa ilícita, ou fora do controle
parental. Mesmo em fases posteriores da vida, muitos adultos sentem uma
ânsia de se masturbar no momento em que cam sozinhos, como se a solidão
criasse uma condição de excitação sexual, e não o inverso. Assim, ao entrar
num espaço público, a pessoa pode ter a sensação de que os outros são capazes
de dizer que ela esteve fazendo algo errado, mesmo que reconheça a
irracionalidade dessa ideia.
Quando os pais não apenas se concentram na relação da criança com o
próprio corpo, mas a advertem sobre os perigos potenciais do mundo lá fora,
as coisas se complicam ainda mais. Se a primeira coisa que a criança escuta
sobre a sexualidade concerne ao medo de uma agressão, isso pode tornar-se
parte do desejo, como se a ideia da ocorrência de algo perigoso, ilícito e
proibido casse ligada à de um predador externo. As primeiras autoras do
movimento feminista lamentaram que a preocupação dos pais em garantir a
segurança básica das lhas ante um mundo masculino invasivo e ameaçador
trouxesse como consequência o risco de fundir a excitação e a ameaça.
E datado de 1973, inovador e ainda não
ultrapassado, John Gagnon e William Simon a rmaram que esses aspectos da
interação pais e lhos constituem menos uma sanção da sexualidade do que a
criação efetiva da sexualidade. Não é que haja uma pulsão sexual original que
seja cerceada pelos pais e pela sociedade, e sim que a própria sexualidade é o
espaço contraditório e desigual em que sentimos um julgamento negativo,
bem como um excesso ou uma falta de signi cação, a qual é
predominantemente criada e condicionada pelo sentimento de juízo moral.
Trata-se menos de que alguma atividade corporal tenha um signi cado sexual
do que de não haver nenhum signi cado senão o criado pelo sentimento do
juízo moral.
Tudo o que entra nesse espaço pode então assumir um valor sexual,
especialmente se tiver alguma ligação com o corpo. Assim, qualquer coisa
secreta, ou que achemos que devemos esconder, ou que pareça inexplicável,
torna-se potencialmente sexual, do mesmo modo como tudo o que é proibido
ou avaliado negativamente pode gerar desejo sexual. Nesse aspecto, a
linguagem parental tende a ser moralista — “sujo”, “ruim”, “errado” —, e esse
valor moral passa a mudar o signi cado do sexo. Isso implica, no dizer de
Gagnon e Simon, que aprender sobre a sexualidade é, essencialmente,
aprender sobre a culpa, e que lidar com a sexualidade é lidar com a culpa.50
Não admira, portanto, que tantas pessoas sintam-se mal a respeito do sexo ou
desenvolvam sintomas bloqueadores da realização de atos sexuais.
A própria intensidade dos sentimentos e atos sexuais, sugerem os autores,
pode ser resultado dessa atmosfera de culpa e ansiedade.51 Atribuímos
erroneamente a fonte dessa intensidade a nossos estados siológicos
corporais, quando na verdade ela é moldada por temores e preocupações que,
em sua maioria, escapam a nossa consciência como adultos. Vários estudos, da
década de 1930 em diante, mostraram que os bebês e as crianças exibem sinais
físicos de excitação — ereção, ingurgitamento genital, lubri cação — em
momentos de medo, raiva, angústia e outras ocasiões carregadas, mas tudo
isso é esquecido por volta dos doze anos. Entre os desencadeadores da ereção
incluem-se: receber um boletim escolar, atrasar-se para as aulas, assistir a um
lme de guerra, ser perseguido pela polícia, achar dinheiro, ser castigado, ver o
próprio nome impresso, sentir raiva de outro menino, ver soldados
marchando e cair do telhado da garagem.
Os primeiros estudos feitos em Yale haviam mostrado que os bebês do sexo
masculino tinham ereção quando frustrados e inquietos, e Kinsey chegou até a
pensar que todas as situações emocionais produziam ereção nos meninos
antes da adolescência, quando as codi cações das pistas sociossexuais corretas
estão mais solidamente internalizadas.52 Sabe-se, com efeito, que é comum os
meninos terem que esconder a ereção ao saltarem do ônibus de manhã a
caminho da escola, e que as ereções podem ser produzidas por acidentes,
quase acidentes e medo de castigo. De forma semelhante, enquanto alguns
pesquisadores buscaram a fonte da lubri cação vaginal nas secreções
glandulares, outros a rmaram que a siologia era comparável à da
transpiração em situações de ansiedade e medo agudos.53 Em um caso, uma
mulher presa nas ferragens de um carro acidentado no trânsito experimentou
o seu primeiro orgasmo, e isso se tornaria o material de suas fantasias
masturbatórias.54
Nesse ponto, é importante diferenciar a excitação daquilo que se percebe
que uma pessoa “quer” no nível consciente. Quando uma mulher ca com a
vagina lubri cada numa situação de ameaça e pânico, isso não signi ca que o
que ela quer sejam ameaça e pânico — suposição equivocada que tem sido
tragicamente usada para invalidar acusações de agressão sexual e estupro. A
agência, nesses casos, não é simples efeito da mudança siológica e não pode
ser diretamente inferida dela. Depois de ser traída pelo namorado e sofrer
estupro coletivo aos doze anos, Roxane Gay descreveu que, durante anos, “a
menos que pensasse nele, eu não sentia absolutamente nada nas relações
sexuais”, e que, “quando pensava nele, o prazer era tão intenso que chegava a
tirar o fôlego”.55 Isso não signi ca que ela quisesse pensar no namorado, ou
que quisesse só conseguir sentir prazer ao pensar nele.
Uma sobrevivente de Auschwitz me disse que o que mais a havia chocado,
ao chegar ao campo de concentração, não tinham sido as condições de vida
pavorosas e a ameaça iminente de morte, mas o modo como as mulheres se
masturbavam abertamente nos intervalos de seu trabalho forçado. Nada era
escondido, nada tinha que ser explicado, simplesmente acontecia, bem ali,
diante de seus olhos incrédulos, como se a atividade sexual estivesse presente
não como uma expressão de prazer ou comunicação, mas como uma reação
básica ao terror.
Com efeito, pessoas enlutadas podem horrorizar-se ao experimentar um
intenso desejo sexual diretamente após uma perda, e a ligação da excitação a
situações desnorteadoras e apavorantes pode parecer bizarra. Quando o
sacerdote Laud Humphreys estava fazendo a pesquisa de campo de seu estudo
sobre sexo em banheiros públicos, viu-se aprisionado com um pequeno grupo
de outros homens enquanto uma gangue de homofóbicos violentos cercou o
local. Eles tiveram que se amontoar contra a porta para impedir a invasão e
houve garrafas e pedras atiradas por todas as janelas. No entanto, durante esse
período de aguda ameaça e perigo, enquanto eles faziam todo o possível para
manter sua barricada, Humphreys cou perplexo ao ver que atos de felação
continuavam a acontecer. Mais tarde, ao escrever sobre a experiência,
considerou que isso era “incompreensível”, a menos que a excitação sexual
fosse entendida como sendo, em certo sentido, um efeito da situação de perigo
— ou um tratamento para ela.56
Estudos sobre a excitação sexual que de início presumiam que ela seria
condicionada por emoções e situações positivas vieram, depois, a modi car
sua ênfase: na década de 1970, foi amplamente reconhecido que o medo, a
ansiedade, a raiva e a tristeza podiam gerar sensações sexuais, mesmo ante a
visão de uma pessoa mutilada e morta. Ovídio observou, séculos atrás, que os
sangrentos jogos dos gladiadores eram o cenário perfeito para o início de
ligações sexuais, e soldados nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial
relataram estados intensos de excitação sexual ao se prepararem para os
ataques. A excitação, ao que parece, precisava de uma dose de risco e até de
terror. A antiga convicção de que a ansiedade e a ameaça bloqueavam a
excitação e o desempenho sexuais foi efetivamente desmentida.57
Os psicanalistas caram embaraçados ao constatar que até uma ameaça
direta à virilidade podia ajudar a manter a ereção, em vez de inibi-la. Num
estudo incomum, homens ameaçados com facas foram capazes de manter
relações sexuais, quando seria de se supor que a ameaça de castração os
bloqueasse. É claro que as coisas acabaram sendo um pouco mais complexas,
visto que a ansiedade piorou os que já tinham di culdade para manter a
ereção, enquanto só aqueles sem problemas manifestos de “desempenho”
constataram uma melhora na sexualidade.58 Tão signi cativas quanto essas
mensurações da excitação foram as perturbações concomitantes da memória:
as crianças tendiam a haver apagado as lembranças de excitação física por volta
da adolescência, e os pais, solicitados a relatar os sinais de excitação sexual dos
lhos, esqueciam o que haviam documentado após um período de apenas
duas semanas.59
Essas relações entre medo, excitação e hostilidade foram estudadas durante
muitos anos, em muitos contextos diferentes. A rmou-se que a hostilidade
pode energizar o desejo sexual e que o desejo sexual pode energizar a
hostilidade. Ou que tanto a agressão quanto a sexualidade são meros
derivados de uma força básica e inespecí ca dentro de nós. Ou que apenas
interpretamos mal os sentimentos de raiva, hostilidade ou ansiedade que
experimentamos como excitação sexual, dado que a siologia básica é mais ou
menos a mesma. Como quer que interpretemos os resultados desses estudos e
experimentos, ca claro que a excitação e o medo se entrelaçam muito
estreitamente, embora nem sempre sejamos capazes de estabelecer distinções
signi cativas entre eles.
Uma garota de programa descreveu seus encontros habituais com um juiz
da Suprema Corte nos quais ele a instruía a se despir e a encenar os supostos
crimes do caso que estivesse julgando no momento. Claramente, isso era um
complemento necessário e útil para o juiz, e as interações nunca envolviam o
coito, embora ele se masturbasse após a encenação. Poderíamos supor que
esses encontros eram o que permitia ao juiz aliviar sua ansiedade diante dos
casos e, quem sabe?, elaborar sua posição arti cial de autoridade. A garota de
programa expressou a preocupação de que suas habilidades de encenação
viessem a afetar o efetivo julgamento dos casos pelo juiz, e de que, em função
disso, ela se tornasse responsável, de certo modo, por erros na decisão das
sentenças. O sexo, nessa situação, era um resultado e um tratamento da
ansiedade, bem como, talvez, do sentimento inconsciente de culpa.
O aumento no consumo de pornogra a durante a pandemia pode ser
ligado, em certo nível, ao comprometimento do acesso aos espaços sociais, ao
teletrabalho e, como disseram alguns, ao tédio, mas com certeza também
re ete a presença da ansiedade. Nessas circunstâncias, a pornogra a não
signi cou apenas as categorias antes disponíveis, mas também a rápida
apropriação de todo um novo repertório de atrações. Já em março de 2020,
mais de 1,8 milhão de buscas de material pornô tendo o coronavírus por tema
foram feitas na plataforma Pornhub, exibindo sexo com máscaras, luvas
cirúrgicas e até trajes de proteção contra materiais perigosos. Os sinais de
infecção e prevenção foram quase instantaneamente apropriados para servir
de indicadores de excitação e permissão de intimidade, em vez de
distanciamento. A ameaça foi convertida numa fonte de excitação.60
Essa proximidade costumava ser bem pouco disfarçada no cinema pornô
dos anos 1970. Em A história de Joanna, o protagonista compartilha suas
re exões sobre a morte, a mortalidade e a falta de sentido antes que o sexo
tenha início, e o campeão de bilheteria O diabo na carne de Miss Jones — que
faturou quase tanto quanto o lme de James Bond daquele ano — é, na
verdade, uma adaptação pornográ ca da peça Entre quatro paredes, de Jean-Paul
Sartre, famosa por seu lema “o inferno são os outros”. O lme começa com a
personagem principal cortando os pulsos e morrendo, antes de voltar à Terra
como a encarnação da luxúria. A excitação sexual, nesse caso, é retratada
como um tratamento ou uma exploração da nitude e do desespero humanos,
e os temas existenciais são altamente valorizados.
Assim como podemos não ter consciência de nossas questões existenciais,
muitas vezes a própria excitação nos é opaca. Os adultos podem experimentar
ingurgitamento genital sem nenhum sentimento consciente de excitação, e a
maioria dos estudos referentes a esse ponto mostra uma correlação bastante
baixa entre a excitação percebida e a excitação física.61 Quanto mais os
estímulos sexuais são culturalmente considerados tabus — estupro, práticas
rotuladas de “desviantes” —, maior o abismo entre quanto o corpo se excita
realmente e quanto a pessoa se considera excitada. Quando pensam haver
ingerido bebidas alcoólicas (na verdade, um placebo dado pelos
pesquisadores), os homens admitem gostar de imagens de mulheres sofrendo,
mas de outro modo negam esse gosto, e sua maneira de quanti car a própria
excitação pode ser habilmente manipulada através do fornecimento de um
feedback falso: quando eles acham (erroneamente) que seus batimentos
cardíacos estão se acelerando, dizem-se mais excitados diante das imagens
eróticas.62
De modo similar, a lubri cação pode ocorrer sem o conhecimento da
mulher, assim como o pênis pode ter vários tipos de ereção em suas porções
distal e proximal, sem nenhum sentimento concomitante de excitação. A
ereção, a ejaculação e o orgasmo nem sempre ocorrem juntos, como
descobrem os adolescentes, muitas vezes para sua surpresa: a ejaculação pode
ocorrer sem ereção, assim como o orgasmo não depende necessariamente da
ejaculação nem da ereção, como Kinsey já havia enfatizado. É sabido que
soldados sob fogo são passíveis de ejacular sem nenhum tipo de ereção, e
Magnus Hirschfeld relatou o caso de um homem no front que ejaculava ao
simples recebimento de uma carta de casa. Até a detumescência peniana é
bastante variável nos rapazes, e algumas garotas de programa — quando têm a
opção — evitam aqueles abaixo dos vinte anos, não por haver qualquer
sombra de incesto, mas simplesmente porque pode faltar a acalmia posterior à
ejaculação e, em consequência disso, as demandas sexuais serem excessivas.63
A reação siológica não tem aí nenhuma ligação automática com a
satisfação. Num estudo bizarro, mulheres que executavam uma tarefa
aritmética mostraram mais sinais de estimulação dos grandes lábios do que as
que ouviam uma cena sexual de O amante de Lady Chatterley, e o aumento dos
batimentos cardíacos, da respiração ou da lubri cação tende a não se
correlacionar com nenhum aumento do prazer. Esses sinais de excitação
corporal, na verdade, podem ser acompanhados por uma sensação de
constrangimento ou infelicidade e, como vimos, não se distinguem de
maneira óbvia da experiência de angústia. Tais processos podem ser
transitórios ou continuados e mostram que a sexualidade, nesse caso, não só
está fora de nosso controle voluntário como também, muitas vezes, fora de
nosso conhecimento consciente.
Com efeito, talvez sejam poucas as pessoas cientes de um sentimento de
hostilidade durante ou logo antes da excitação sexual, porém um grande
volume de pesquisas sobre a excitação constatou que a hostilidade tem um
papel central. Vemos isso não apenas nos atos de violência física que fazem
parte do sexo — pressionar, beliscar, apertar, morder — mas também nos
sentimentos, com frequência muito conscientes, de aversão ou desprezo
experimentados depois do sexo em relação ao/à parceiro/a. Às vezes, esses
sentimentos parecem surgir do nada, mas é bem possível que façam parte dos
antecedentes da própria excitação, do mesmo modo que as brigas de casal
costumam ser um prelúdio do sexo. Da mesma forma, quando uma banca de
entrevistadores parece inexplicavelmente hostil, é possível que as farpas
escondam um desejo sexual pelo/a candidato/a à vaga.
A presença de tais desejos numa família costuma ser impensável, mas é, sem
dúvida, parte da razão pela qual o pai às vezes se afasta das lhas quando elas
chegam à puberdade. Uma relação próxima e carinhosa pode desfazer-se no
distanciamento e na animosidade, à medida que o pai apaga dentro de si as
sensações sexuais e, de repente, perde o interesse pelos estudos da lha e pode
retirar seu incentivo e seu apoio material.64 Perplexa com essa conduta, a lha,
por sua vez, pode encenar com amigos e namorados dramas em que alguém é
censurado, castigado por sua aparente indiferença.
V entre culpa, ansiedade e desejo no nível
cultural. Quando uma sociedade ou um espaço social, como uma igreja ou
um internato estudantil, privilegia um tabu especí co, o ato marginalizado
pode vir a representar o desejo de alguém, ainda que essa pessoa não tenha
nele nenhum interesse intrínseco. O desejo é moldado pelo tabu cultural, mais
do que este é imposto ao desejo. Na Inglaterra, é frequente ouvirmos dizer
que todos os meninos das escolas públicas são homossexuais enrustidos, mas o
que isso realmente signi ca é que, quanto mais um sistema escolar faz da
atração pelo mesmo sexo um tabu agrante, mais as imagens do desejo
homossexual aparecem em sonhos ou fantasias para representar o desejo.
Isso não quer dizer que os desejos pelo mesmo sexo sejam um simples
produto de tabus, mas que tudo o que é fortemente proibido pode adquirir
um valor erótico simbólico — inclusive, é claro, o desejo heterossexual, como
sugere a teoria freudiana do complexo de Édipo. Inicialmente, a sexualidade
não tem nenhum conteúdo determinado, mas é criada numa atmosfera de
juízos negativos, sigilo e proibição que vem de fora, e que pode ser aplicada a
qualquer forma de atração. Tudo o que adquire essas qualidades pode então
tornar-se equivalente ao desejo, e este pode se modi car historicamente, de tal
modo que o que foi crime sexual numa dada época torna-se uma variante
sexual em outra.
A despeito de todas as mudanças sociais do último século, entretanto, o
modo como o desejo é culturalmente representado é sempre bem próximo do
crime, e, embora a própria homossexualidade tenha sido criminalizada, muitas
vezes ela funcionou como a única imagem disponível do desejo sexual. Nos
meios de comunicação de hoje, o tesão tende a se tornar visível quando se
ultrapassa um limite: um caso amoroso, uma traição, um ato de exploração,
uma agressão. Quando há normas heterossexistas instaladas, o desejo costuma
ser temperado por uma associação com o amor, o casamento e os lhos. Os
jornais e as redes sociais noticiam a formação de casais de celebridades, mas o
poder do desejo sexual na criação dessas uniões recebe menos ênfase, até
emergir como a força que mais adiante desfaz o casal. O desejo habita esse
espaço de negatividade e transgressão.
Os alimentos e o ato de comer podem entrar facilmente nesse conjunto.
Quando uma família se concentra particularmente na alimentação, com
múltiplas regras sobre o que pode ser ingerido e quando, abre-se uma margem
para representar o que foge do sistema. Comer contrariando as regras pode
então se tornar uma parte vital da vida da criança, mesmo que a comida em si
não tenha nenhuma atração especial. Da mesma forma, quando uma criança
cresce num clima em que qualquer desejo é considerado excessivo, e no qual
se espera que ela seja puramente um receptor passivo das ordens dos pais, que
espaço pode haver para que a criança queira realmente alguma coisa?
Qualquer desejo é automaticamente condenado como desejar demais.
Isso signi ca que, no instante em que algo passa a ser desejado, parece
excessivo aos olhos da criança, dadas a repreensão e a culpa que o
acompanham. Qualquer pedido transforma-se numa pergunta interna: “Será
que estou pedindo demais?”. Assim, talvez o desejo só consiga emergir em
momentos fugazes de “excessos”, até mesmo sob a forma daquilo que menos
se desejaria: o que a pessoa acha mais repulsivo ou enojante. Já que querer não
é permitido, o desejo ca reduzido a algo que parece muito diferente, algo
além do “querer”, muitas vezes usando os tabus como um trampolim, dado
que o que é proibido adquire a qualidade do “demais”.
E isso então cria ciclos de culpa e vergonha, já que o próprio fato de querer
e as ações que encarnam um além do querer (como exagerar na comida ou
deixar detritos acumulados ao redor) são vivenciados como inaceitáveis e
errados. Encontramos uma dinâmica semelhante em alguns casos do chamado
“vício em sexo”. Como assinala o terapeuta Jack Morin, os “viciados” em sexo
são, muitas vezes, menos ligados no sexo do que na luta com ele.65 Os desejos
baseados em tabus e proibições sofrem uma escalada paralela à necessidade de
resistir a eles, gerando ciclos em que a batalha com o desejo parece mais
poderosa do que a atração propriamente dita do objeto de desejo. Às vezes, é
como se o objeto sexual fosse menos um outro corpo humano do que a
própria culpa.
A pornogra a também conta com a presença de tabus para criar excitação,
e em múltiplos níveis: o tabu contra o próprio meio de comunicação e os
tabus contra os atos nele representados. Relações de parentesco são violadas
(pornogra a incestuosa), limites pro ssionais são rompidos (sexo durante
consultas médicas ou contatos comerciais), divisões de classe são
desconsideradas (subalternos e empregados domésticos como objetos sexuais).
Em meados da década de 1990, metade de todos os materiais baixados na
internet retratava bestialidade, incesto ou pedo lia, com menos de 5%
exibindo sexo vaginal. Em 2016, “mamãe”, “madrasta” e “ lha do padrasto/da
madrasta” guraram entre as dez rubricas mais procuradas na plataforma
Pornhub e, durante a pandemia, a nova categoria “pornô covid” baseou-se na
quebra dos protocolos de saúde.66 Hoje em dia, com o enorme aumento no
consumo de pornogra a online, o pornô incestuoso e o de agressão são
praticamente inevitáveis, e é comum crianças e jovens carem traumatizados
com a exposição a eles.
O único aspecto tradicionalmente não tabu da vida sexual parece
totalmente ausente: marido e mulher tendo relações sexuais. O pornô caseiro,
em que os casais é que divulgam seus vídeos na internet, não contraria essa
a rmação: continua a ser uma quebra de tabus, pelo próprio fato da
divulgação pública. Tabus super ciais sobre a degradação também são
quebrados, já que a pornogra a amadora contém mais desigualdade de
gênero à custa das mulheres do que a pornogra a industrial.67 Tal como
formulada por Gagnon e Simon, a regra da pornogra a é: se a atividade é
convencional, o contexto não é; se o contexto é convencional, a atividade não
é.68
Mas será que é só isso o desejo humano? Se a proibição pode às vezes forjar
a atração, certamente há outros tipos de desejo, ou outras in exões dele, que
norteiam nossa vida. Quando lemos sobre o ginecologista que vê órgãos
genitais o dia inteiro mas só consegue se excitar ao espiar banheiros públicos,
será simplesmente a proibição que explica a excitação? O pensamento
psicanalítico tem se dividido muito a esse respeito. A visão tradicional era que
o inconsciente é composto de desejos muito concretos — possuir a mãe,
substituir o pai, ser tudo para a mãe, conquistar o amor paterno etc. —, a
maioria dos quais é proibida pelo tabu do incesto, e por isso passa a encarnar o
desejo.
O trabalho posterior, no entanto, modi cou totalmente essa visão. O
conteúdo do inconsciente não seriam os desejos, mas a negligência e a
privação: o modo pelo qual nossos pais e cuidadores falharam conosco, não
estiveram presentes quando precisávamos deles e deixaram em nossa psique
um buraco que tentamos preencher com os desejos concretos em que a
primeira geração de analistas tinha se concentrado. Assim, o próprio desejo
seria uma defesa, uma saída que nos deu uma direção e manteve à distância o
abismo da ausência e do fracasso parentais. E então se considerou que isso
explicava por que a saída de uma depressão é, com muita frequência, o
surgimento de um desejo, seja ele romântico ou pro ssional, e também por
que, talvez, o que parece ser a satisfação do desejo no sexo nos deixa
posteriormente com uma sensação de vazio e falta de realização: a satisfação
seria apenas uma medida provisória para encobrir uma ausência mais
profunda, mais fundamental.
Uma analisanda descreveu que, numa viagem com a família, visitou uma
loja de brinquedos. Foi uma experiência inusitada e, a princípio, ela se
encantou por estar lá. No entanto, ao circular pela loja, sentiu uma
necessidade cada vez mais intensa de “querer desejar alguma coisa”. Na
véspera, ela se impressionara ao ver como o grupo de pessoas com que ela e a
família estavam havia parecido ter coisas para fazer, metas e objetivos: querer
coisas. Agora, porém, ela estava exatamente no tipo de espaço em que se tinha
direito a um desejo, mas não havia desejo algum. “O que eu mais queria, mais
do que qualquer coisa que estivesse lá, era querer alguma coisa.” O desejo,
aqui, não era uma ânsia primária fundacional, parecendo antes uma direção
que ela buscava.
Para complicar um pouco mais, existe o fato de que o desejo e a excitação
sexual não são exatamente a mesma coisa. Tendemos a pensar no desejo como
um vetor, uma força linear singular que é empurrada ou puxada em
determinada direção. Mas a excitação, como a rmou Robert Stoller, é
bidirecional, “uma rápida oscilação dialética entre duas possibilidades (e seus
afetos). Uma, dizemos a nós mesmos, tem um resultado positivo; a outra, um
resultado negativo: prazer/dor, alívio/trauma, sucesso/fracasso,
perigo/segurança. Entre as duas ca o risco”. Há um movimento entre a
expectativa de perigo e a evitação do perigo. Essa descrição mais complexa
certamente faz eco às realidades da experiência sexual e às contradições que
nela encontramos, conforme Roxane Gay mostrou com muita clareza em sua
descrição de como o trauma e a excitação se fundiram. As visões lineares do
desejo simpli cam isso e parecem descartar as tensões e paradoxos que
caracterizam a excitação, e uma questão muito real é saber como os seres
humanos lidam com o atrito entre desejo e excitação quando se envolvem
num encontro sexual real.69
E , o que acontece quando encontramos parceiros de carne e osso na vida
real? Que possibilidade têm as preferências e orientações desenvolvidas na
primeira infância e na meninice de nos preparar para a estranha experiência do
sexo, especialmente dadas as terríveis angústias ligadas aos limites do corpo
que discutimos anteriormente? Se é verdade que nossa vida sexual tende a
começar por fantasias — sobre sexo, nascimento, reprodução —, devemos
apenas tentar adaptar a nossos cenários particulares as realidades com que nos
deparamos? Isso parece inegável, visto que repetimos vez após outra as
mesmas situações em nossas práticas sexuais, mas, como assinalaram Gagnon
e Simon muitos anos atrás, a ideia do molde xo de uma fantasia não leva em
conta a forma como as sexualidades podem mudar e, até certo ponto, ser
moldadas por forças sociais.
Em vez do conceito tradicional de fantasia, eles introduziram o que
chamaram de “roteiros sexuais”.70 O roteiro é como um código que dirige o
que pensamos e sentimos, bem como nosso modo de agir, e se compõe de três
dimensões fundamentais: cultural, interpessoal e intrapsíquica. Se passamos
anos fantasiando com determinada pessoa e, um dia, ao fazermos uma
viagem, voltamos a nosso quarto de hotel e ali a encontramos nua, à nossa
espera, é mais provável chamarmos a polícia do que nos excitarmos
sexualmente. Isso se deve ao fato de o roteiro certo não estar sendo seguido:
para alguém ser percebido como sexualmente disponível, é preciso haver
muita codi cação, muitas deixas situacionais e psicológicas, que vamos
aprendendo ao crescer. Nunca se trata de uma resposta animalesca bruta de
um corpo a outro corpo, mesmo que seja assim que gostemos de pensar que o
sexo é.
Mesmo quando fazem brincadeiras sexuais entre si, crianças muito
pequenas começam por papéis sociais — “Você é o médico, eu sou a paciente”
—, como se a exploração sexual exigisse um roteiro mínimo, um
posicionamento básico dos lugares, para que alguma coisa aconteça. Esses
lugares, como é quase inevitável, são altamente marcados pelo gênero —
muitas vezes usando o molde ativo-passivo —, mas vale a pena notar com que
frequência as crianças gostam de trocar de papéis: “Agora eu vou ser o médico
e você vai ser a paciente”. Nossa maneira de habitar esses papéis pode se
tornar mais xa à medida que crescermos, porém o roteiro está sempre
presente, com os diferentes códigos gravados nele. Esses roteiros, como
observaram Gagnon e Simon, são basicamente estratégias para lidar com a
culpa.
Os códigos culturais nos dizem, de modo geral, o que podemos fazer, com
quem e onde, e estabelecem sequências nas relações sexuais: algumas pessoas
podem ser excluídas como parceiros, enquanto outras são aceitas, assim como
beijar pode ser o primeiro passo no encontro sexual em algumas culturas, mas
ser visto como algo bizarro em outras. Quando Ford e Beach conduziram sua
pesquisa sobre os hábitos sexuais de 190 sociedades, constataram que o que
era considerado natural nos Estados Unidos podia parecer profundamente
absurdo e repulsivo em outras partes do mundo. Algumas culturas excluíam
do sexo o lamber e sugar os mamilos, enquanto outras davam grande valor a
isso. Algumas incentivavam a violência recíproca, outras a condenavam.
Algumas privilegiavam cheirar todo o rosto do parceiro, enquanto outras
excluíam qualquer ideia de aspiração nasal.71
Até o que era entendido como zonas erógenas podia ser culturalmente
moldado. Algumas partes do corpo, com terminações nervosas abundantes,
costumavam ser tidas como formadoras de áreas “naturais” de sensualidade,
mas na verdade não havia correspondência imediata entre a distribuição dos
nervos e o valor erótico. Em meados da década de 1970, por exemplo, a
cultura sexual popular era cheia de referências à excitação dos mamilos
masculinos, largamente retratada e descrita em meios de comunicação visuais
e impressos. As pessoas sexualmente ativas naquela época lembram-se de que
isso se tornou parte do sexo, porém, menos de uma década depois, saiu da
programação. Os atos sexuais envolvendo homens caram menos fadados a
incluir carícias e sucção dos mamilos, ainda que alguns possam ter conservado
essa prática, é claro.72
Hoje, vemos o mesmo fenômeno nos atos de as xia. Embora o
estrangulamento tenha feito parte do repertório sexual de algumas pessoas
por centenas de anos, hoje ele é disseminado, sobretudo entre os jovens.
Comumente explicado apenas em termos da violência contra as mulheres, ele
é uma atividade mais complexa, pois há um número mais elevado de
fatalidades autoin igidas do que de homicídios acidentais. Homens e
mulheres morrem todo ano por autoestrangulamento durante a masturbação
(as xia erótica) — 90% homens —, e isso tem sido documentado nos últimos
cinquenta anos. Agora, porém, a as xia tornou-se uma parte muito mais
comum do comportamento sexual, mais uma vez mostrando que uma prática
erótica pode ser moldada e facilitada pelas forças sociais.
Até os barulhos que fazemos durante o sexo podem ser culturalmente
condicionados. Talvez pareça óbvio que os sons que emitimos no calor da
excitação são involuntários, mas a escolha das palavras e ruídos que
produzimos varia historicamente e também pode depender da formação
religiosa e da classe social. Algumas pessoas invocam divindades, exclamando
“Nossa Senhora!” ou “Ah, meu Deus!”, enquanto outros se mantêm afastados
dessas expressões. Da mesma forma, no século era comum as pessoas
baterem palmas durante a relação sexual nos momentos de intenso prazer, ao
passo que hoje, provavelmente, isso seria visto como um brochante muito
esquisito.73
A classe socioeconômica também é uma força importante nesse contexto
para moldar o que os roteiros permitem e proíbem. Podemos pensar que a
relação infantil com um dos pais acabaria por ditar o que fazemos na cama —
se fôssemos amamentados no seio, por exemplo, talvez erotizássemos o
mamilo ou os atos de sucção —, mas essa explicação não basta, porque as
práticas sexuais se revelaram muito dependentes da classe. Kinsey e seus
colaboradores surpreenderam-se ao ver que a frequência do contato
orogenital e das carícias com a boca nos seios era bastante previsível conforme
a pessoa tivesse menos ou mais do que nove anos de escolarização formal,
embora hoje, na era de multiplicadores de mensagens como a internet, essas
estrati cações tradicionais da atividade sexual sejam menos disseminadas.74
Os roteiros também nos dizem onde podemos ter relações sexuais, embora,
é claro, quando certos lugares são excluídos, podem por isso mesmo ser
erotizados (como o armário de vassouras no restaurante Nobu para Boris
Becker). Atualmente, a maioria das pessoas do mundo divide o quarto com
mais do que apenas seus parceiros imediatos, e os padrões ocidentais
privilegiados de privacidade no quarto são uma exceção tanto atual quanto
histórica. Curiosamente, houve época em que os trens foram espaços
altamente sexualizados e, no extraordinário catálogo de L. van der Weck-Erlen
sobre as 531 posições sexuais possíveis para o corpo humano — publicado em
Viena em 1907 pouco depois dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade de
Freud —, cada posição é marcada por um sinal especial indicando se poderia
ou não ser executada de maneira razoável numa cabine de trem.75
A fobia freudiana dos trens é bastante conhecida, e várias interpretações
foram oferecidas sobre ela no correr dos anos, mas a codi cação de Van der
Weck-Erlen lança uma nova luz sobre a questão. No m do século e início
do século , havia uma enorme prática de prostituição não apenas no
entorno das estações ferroviárias, mas nos trens — um espaço social novo e
inusitado em que um homem e uma mulher podiam car juntos a sós —,
donde a perspectiva de uma viagem ferroviária de negócios incluía, quase
automaticamente, a possibilidade e talvez a tentação de obter serviços sexuais.
Quando Freud se viu molhado de suor antes de uma viagem de trem, é bem
possível que esse tenha sido o fator principal, sobretudo se lembrarmos que
ele publicou um relato de sua experiência de desorientação e confusão
quando, na tentativa de sair da zona de meretrício de uma cidade italiana,
descobriu-se sem querer voltando a ela.
Os roteiros culturais do Ocidente ditam não apenas lugares, mas também
sequências. Numa ordenação popular dos eventos, cada passo é claramente
estipulado: primeiro beijar, depois tocar a parte superior do corpo por cima da
roupa, em seguida tocar a parte superior do corpo por baixo da roupa, depois
tocar os órgãos genitais por cima da roupa, então tocar os órgãos genitais por
baixo da roupa, depois tirar a roupa, em seguida praticar alguma forma de
penetração genital e, por m, algum tipo de conversa. Esses roteiros têm
papéis de gênero pesadamente marcados, nos quais se supõe que homens e
mulheres façam coisas diferentes em momentos diferentes da sequência, junto
com variações de roteiro que levam em conta a idade das pessoas envolvidas.
Se um roteiro pode conferir valor erótico a algum aspecto de um encontro
— ou ajudar a moldá-lo —, ele também pode deserotizar. Em muitas
sociedades, os casais ajudam-se mutuamente a se despir antes do sexo, e esse
processo costuma fazer parte da própria sequência erótica. Um homem
reclamou de sua perda de excitação quando, ao chegar à casa de alguém para
um encontro, foi instantaneamente instruído, ainda à porta: “Tire a roupa”.
Nesse caso, a ação de despir-se ou o despir mútuo foi literalmente despojado
de sua carga intersubjetiva, embora, para a outra pessoa, a ordem impessoal
pudesse muito bem aumentar a excitação. Curiosamente, os membros do
casal tendem a não ajudar um ao outro a se vestir depois do sexo, dado que
isso não faz parte do roteiro; mas podemos imaginar que, se uma cena de “pôr
a roupa” fosse erotizada em alguma série ou lme da Net ix, ela poderia
entrar no roteiro cultural e adquirir valor sexual.
Stephanie Theobald, autora do notável estudo sobre o orgasmo intitulado
Sex Drive, recordou um esquete do comediante Ken Dodd, na década de 1970,
em que um casal lascivo veste progressivamente mais e mais roupas, arfando e
suspirando à medida que acrescenta cada camada adicional, e, por m, quando
inteiramente vestido, desaba na cama, exausto. As risadas decorrem da
inversão do roteiro padronizado, mas mostram que a convenção e a sequência
estruturam as relações sexuais, de modo que é muito difícil estabelecer uma
dicotomia entre o comportamento natural e o arti cial.
O recente programa de televisão Naked Attraction usa como premissa esse
aspecto dos roteiros sexuais. O programa é apresentado como um “encontro
às avessas”, de tal sorte que, em vez de haver um encontro para um drinque,
para as pessoas se conhecerem e depois, talvez, tirarem a roupa, ele começa
pela nudez e percorre o caminho inverso, até o encontro para beber alguma
coisa. Os participantes veem uma série de cabines opacas, cada qual contendo
uma pessoa nua, e a primeira revelação torna visíveis apenas os seus órgãos
genitais. Outras partes do corpo vão sendo reveladas à medida que o jogo
continua, os competidores são progressivamente eliminados e, por m, um
dos participantes escolhe seu parceiro dos sonhos e os dois partem para se
encontrar num local público, inteiramente vestidos.
O bordão do programa diz que “Começamos onde um bom encontro
termina”, mas é de se presumir que um bom encontro não termine na visão
isolada da genitália de alguém, e é interessante observar como as plateias
reagem ao programa. Os efeitos são descritos como exatamente o oposto do
erótico, mais parecidos com a participação numa pantomima infantil, com
risinhos, gritos, suspiros e bajulação; num dos casos, um homem circuncidado
desmaiou ao ver o “espaço preto” criado na abertura do prepúcio dos pênis
exibidos. “Mal consegui acreditar”, disse ele. “Tinha um buraco na ponta do
pau deles, não consegui mais olhar.”
Nesse contexto, os roteiros convencionais podem oferecer uma dose de
segurança psicológica, muitas vezes sendo o acesso genital cuidadosamente
posicionado num ponto avançado da sequência — e em condições de luz ou
sombra —, mas é claro que isso pode variar em termos culturais e históricos, e
o roteiro pode codi car a coação de uma ou ambas as partes a segui-lo até o
m. Os roteiros mitigam e aumentam o risco, oferecendo um arcabouço para
a conduta, mas exercem pressão para que a sequência seja seguida, às vezes
além do ponto em que um ou ambos os participantes prefeririam dizer “Pare”.
O métricas de avaliação que vão do efetivo
estabelecimento do valor monetário das mulheres, em algumas sociedades, até
à atribuição de notas às mulheres que é comum nos círculos homossociais
masculinos. Aqui em Londres, admiro-me com frequência ao entreouvir
homens instruídos e aparentemente cônscios das injustiças sociais darem notas
a mulheres, não raro uma nota para o rosto e outra para o corpo, e
terminarem abruptamente a conversa à entrada de uma mulher no raio do
campo auditivo, tornando-se então respeitosos e gentis. Presume-se que as
notas funcionem para reforçar a pertença ao grupo masculino através da
depreciação das mulheres, ao mesmo tempo que o espectro das atrações
homoeróticas é mantido à distância, como veremos mais adiante. Nesse
contexto, as relações sexuais com mulheres parecem ocorrer para que se
converse sobre elas com outros homens, e, como Margaret Mead observou há
muitos anos, assegurar a integração no grupo sexual pode ser mais importante
do que o próprio sexo.76
Se as atribuições de notas entre grupos de homens tendem a ocorrer em
espaços con nados e semiparticulares, também podem ser inteiramente
públicas nos velhos concursos e des les “de beleza” que ainda existem em
muitos países. Elas também têm sido objeto de controvérsias na indústria
sexual, onde resenhas sobre atos sexuais com prostitutas são postadas na
internet na maioria dos países com livre acesso à rede. Largamente
condenadas como prática objeti cadora e cruel — que às vezes inclui atitudes
desdenhosas em relação ao consentimento —, as resenhas são vistas com bons
olhos por algumas garotas de programa, pois têm o potencial de aumentar os
negócios e são também sentidas como legitimadoras. Prostitutas em análise
com frequência falam com orgulho das resenhas positivas, e publicam
respostas e comentários para reagir às avaliações negativas (se o site o
permitir).
Essas resenhas tendem a se enquadrar em dois grupos: de um lado,
descrições que na verdade são apenas consolidações da vaidade do cliente,
relatando seus múltiplos atos e proezas sexuais; e, de outro, elogios feitos à
prostituta, com foco na personalidade, em partes especí cas do corpo e em
habilidades pessoais. As resenhas abertamente negativas e ofensivas são raras.
Curiosamente, um traço comum aqui é uma estranha contextualização dos
eventos: “Foi uma caminhada aprazível de dois minutos da estação de metrô
ao apartamento de X”; “O banheiro era limpo, com um gel de banho
agradável”; “Tem uma loja de conveniência a um minuto de distância”; “Os
serviços locais de transporte são excelentes”; “A mobília era funcional, mas,
mesmo assim, confortável”. Essas intercalações narrativas não apenas revelam
algo das prioridades do cliente, como também servem para criar um grupo,
como se a ideia de compartilhar dicas de viagem fosse ligeiramente mais
segura que a de compartilhar a mulher, ainda que, é claro, seja isso que está no
horizonte dessas narrativas.
Voltando-nos agora para os códigos intrapsíquicos, eles são menos
estabelecidos pela cultura do que pelas circunstâncias da experiência individual
com os pais. Quando a mãe ou o pai de alguém tem certo traço físico, ou fala
de determinada maneira, ou olha para o lho com um tipo especí co de olhar,
isso pode cristalizar-se num valor erótico, em algo que é buscado em todas as
situações sociais. O aspecto intrapsíquico da roteirização sexual não se
restringe a detalhes ou traços isolados, mas pode incluir nossa necessidade de
repetir dinâmicas generalizadas de uma história de família, ou até outras de
que ouvimos falar, mas nunca testemunhamos de fato. Alguém pode criar
uma situação em que é sempre rejeitado, por exemplo, ou em que sempre
deixa o parceiro depois de uma única saída.
Uma mulher cuja vida amorosa era repleta de mágoas por relacionamentos
rompidos discerniu com muita clareza esse padrão de sua a ição. Cheia de
otimismo e esperança, ela começava a sair com alguém e logo decidia que o
novo parceiro era a pessoa certa para ela. As coisas corriam bem por algum
tempo, até que, justo no momento em que era preciso assumir um
compromisso — como o casal passar a morar junto —, ela se afastava, sem
entender o porquê. O trabalho analítico permitiu-lhe rastrear a origem disso
em eventos ocorridos muito antes de ela nascer. Sua mãe fora apaixonada por
um homem que rompera subitamente o noivado, diante do que ela se voltara
para o pai da analisanda como “uma espécie de compensação, e não o que ela
queria”. A tristeza da mãe era abertamente evocada com frequência, de modo
que o amor e a perda eram mais ou menos equacionados: o verdadeiro
parceiro era aquele que ela já não tinha — exatamente o cenário que a lha
encenava em seus próprios relacionamentos rompidos.
Esses roteiros intrapsíquicos determinam grande parte de nossas vidas, e
muitas vezes a terapia é crucial para ajudar as pessoas a se darem conta do que
eles são e a desenredá-los. Mas, como o intrapsíquico é apenas uma dimensão
dos roteiros, mesmo quando logramos ganhar uma perspectiva de como
algumas crenças e padrões da infância nos moldaram a mudança pode ser
difícil, ou car inteiramente bloqueada. Os códigos culturais são tão
disseminados e poderosos que podem continuar a organizar nosso
comportamento, muito além de qualquer decisão consciente de nos livrarmos
deles. E é aí que o intersubjetivo se torna decisivo.
A dimensão intersubjetiva de um roteiro sexual é o que acontece quando os
roteiros se encontram: através da interação, as pessoas podem mudar seu
comportamento e sua maneira anterior de pensar e sentir. Embora haja
inúmeros exemplos daqueles que se apegam apenas a um mesmo roteiro
reducionista durante toda a vida, muitos mudam e fazem experiências, e o que
efetivamente fazem em sua atividade sexual vai depender do que o parceiro
zer, quiser fazer ou evitar fazer. É comum ouvirmos falar de uma vida sexual
que se modi cou radicalmente através de um encontro inesperado com o
roteiro de outra pessoa, e a questão é o que resta depois dessa recon guração.
Um homem que sempre havia tentado impor o controle em sua vida sexual,
instruindo os parceiros sobre o que fazer, cou perplexo quando a pessoa com
quem estava prestes a iniciar seu roteiro virou-se para ele e disse, em tom
rme: “Me beija”. O tom categórico não era nem de longe o que ele esperava,
e marcou uma mudança em suas práticas sexuais. Ele passou a procurar
homens que repetissem esse mesmo momento de inversão: “Eu sempre tinha
sido o parceiro ativo, impondo a minha vontade, mas agora quero que me
digam o que fazer, quero aquele segundo em que tudo muda”.
A ideia de roteirização sexual não pretende sugerir que tudo é
predeterminado, e Gagnon e Simon tomaram o cuidado de assinalar que os
roteiros nunca são completos e abrangentes e que podem mudar ao longo da
vida. A pessoa pode alterar algum aspecto de sua orientação sexual em função
de um processo de mudança interna, em vez de se ater à expressão tardia de
um desejo “recalcado”. É interessante observar aqui que uma mulher é capaz
de descrever sua escolha de uma relação com outra mulher como resultado de
uma série de decepções com homens, mas quase nunca encontramos o
oposto: um homem não diz que escolheu um parceiro masculino depois de
uma série de decepções com mulheres.
Sempre faltam linhas nos roteiros, e o choque entre eles tem resultados
imprevisíveis. Tomemos o roteiro de sequências sexuais que começa pelo beijo
e evolui até a penetração genital. Ele não nos diz o que fazer depois: devemos
manter uma conversa polida? Limpar as manchas e uidos corporais? Fumar,
beber? Compartilhar ou não o banheiro? Deixar a porta do banheiro aberta ou
fechada? Fazer referência ao que acabou de acontecer ou ngir que na verdade
não aconteceu nada? E, durante a própria sequência, se tivermos contato oral
com o sexo da outra pessoa, devemos beijá-la diretamente em seguida, ou
evitar o beijo? Se tivermos engolido esperma ou uido vaginal, qual é o
protocolo sobre o que fazer a seguir? Devemos limpar a boca? Se tivermos
levado uma mordida, é legal retribuí-la?
Isso se torna ainda mais complicado quando há mais de duas partes
envolvidas. Um analisando cou encantado quando lançaram no Reino Unido
um aplicativo para encontros a três, pois correspondia à sua fantasia — e à de
muitos outros homens. Mas logo se sentiu confuso e inquieto, quando se deu
conta de que cada gesto, cada toque, cada beijo tornava-se então uma escolha,
com o risco de fazer a terceira pessoa sentir-se excluída. Simplesmente não
havia roteiro sobre como deveria ser a ordem dos atos sexuais com essa
multiplicação dos parceiros. Teria ele passado tempo demais beijando ou
lambendo uma pessoa em detrimento da outra? E isso signi cava, é claro, que
teria de passar a mesma quantidade de tempo com a outra pessoa, ainda que
não fosse o seu desejo. Durante esses atos sexuais, ele se identi cava
continuamente com a pessoa que não era incluída, e por isso cava a ito para
criar uma paridade, à semelhança de um pai ou mãe que sente culpa por
favorecer mais um lho do que outros.
E, se os roteiros organizam nossa vida erótica, quais são seus efeitos sobre a
sexualidade quando são violados ou invertidos? Na década de 1970, muitos
homens se queixavam de perda de excitação à medida que as mulheres se
tornavam mais ativas e verbalizavam mais seus desejos, pois os roteiros das
interações homem-mulher vinham mudando. As risadas convulsivas nos
cinemas pornôs relatadas na época foram explicadas como um efeito do
desgaste das barreiras de classe, mas também poderíamos vê-las como uma
reação a essa nova articulação do desejo. Quando a plateia caía na gargalhada
ao ouvir a atriz Terri Hall dizer, num tom re nado, “Quero que você chupe
minha xoxota”, é bem possível que fosse chocante ouvir essa linguagem na
boca de uma personagem aparentemente instruída e de alta classe, mas, sem
dúvida, era a ação expressa que se mostrava igualmente desnorteadora, se não
mais. Com o tempo, curiosamente, houve um declínio sistemático das risadas
nos cinemas pornôs, de modo que assistir a imagens pornográ cas tornou-se
uma atividade mais silenciosa.77
As mudanças dos roteiros raramente são previsíveis em seus efeitos. Uma
pessoa pode precisar de um roteiro rigoroso para manter a excitação e perder
o interesse se ele for comprometido, enquanto outra talvez sinta uma
poderosa excitação no exato momento em que o roteiro se desarticula. Se um
dos parceiros rompe a sequência esperada e toca a genitália do outro antes
mesmo do beijo, isso pode ser incrivelmente erótico para uma pessoa e
totalmente brochante para outra, do mesmo modo que pode constituir uma
verdadeira agressão. Logo, tanto seguir quanto não seguir um roteiro pode ter
efeitos imensos e por vezes incalculáveis.
Isso tem consequências importantes para a ideia de educação sexual.
Receber instruções sobre o que fazer, sobre o que acontece, o que podemos
esperar sentir e como devemos tratar os outros constitui, essencialmente, um
roteiro que somos incentivados a aprender e obedecer. Mas, se a sexualidade é
construída com base em nossa infância, justamente em torno do que não é
dito, do que é mascarado, escondido e cercado por um clima de negatividade e
juízos morais, haverá sempre uma dimensão do sexo que se chocará com
roteiros externos, ligada a coisas que um dia vislumbramos, a falas que
entreouvimos, a comentários descuidados que permaneceram conosco.
O próprio fato de o sexo ser reduzido a informações torna insatisfatória e
insu ciente qualquer coisa que seja claramente dita, como vimos no relato de
Nora Ephron sobre sua educação sexual: ouvir que o pênis entra na vagina
não era uma explicação, em absoluto, e aqui também podemos pensar na cena
de O sentido da vida, do Monty Python, em que uma turma de alunos de
educação sexual olha pela janela, entediada, enquanto seu professor copula
com a esposa diante de todos. A dimensão oculta, negativa, é o que cria a
sexualidade, e portanto a questão é como isso mudará e, mais tarde, permitirá
as práticas sexuais. A falta de con ança na imagem do próprio corpo não é a
única razão pela qual tantas atividades sexuais têm que acontecer no escuro.
O efeitos poderosos na cultura. Consideremos a
questão do orgasmo. Na última parte do século , este se tornou um tema
central em quase todas as discussões públicas da sexualidade. Se os homens
sempre o davam por certo, que dizer das mulheres? Sem dúvida, elas tinham
tanto direito ao orgasmo quanto os homens. Isso criou um clima cultural em
que a sexualidade feminina entrou na agenda — o que é bom —, mas em que
houve uma nova valorização da experiência do orgasmo: se você não chegava
lá, devia haver algo errado com você ou com seu parceiro (em geral, com
você). Assim, o foco no orgasmo introduziu um novo cálculo de culpa e falha,
que os terapeutas sexuais notaram na época.78
O orgasmo em si tornou-se parte de um roteiro, popularizado por Masters
e Johnson com sua sequência “excitação-platô-clímax-resolução”. Eles se
concentraram no orgasmo, em parte, porque ele podia ser visto e registrado,
identi cado com contrações musculares involuntárias, embora fosse sabido
que as mulheres podiam experimentar orgasmo sem esses sinais
comportamentais. Também foi bem documentado que, nos homens, a
ejaculação e o orgasmo não eram um processo siológico contínuo e que um
podia ocorrer sem o outro. No entanto, Masters e Johnson optaram por
simpli car, e o sexo passou a signi car o avanço linear por esses limiares
siológicos roteirizados.79
O sexo, como assinalaram Gagnon e Simon, recebeu nesse contexto uma
estrutura aristotélica, como um tipo de encenação ou drama teatral, embora
sem a categoria de um obstáculo, que os teóricos da dramaturgia haviam
considerado necessário para que as tramas funcionassem. E, tal como numa
peça, as emoções e os estados de excitação podiam — e talvez até precisassem
— ser ngidos. Enquanto ngir virgindade tinha sido uma tarefa séria durante
séculos, com riscos elevados, a ênfase passou a recair no ngimento do
orgasmo, e, quanto maior era a pressão pela conformidade com a narrativa do
orgasmo, mais as mulheres — e os homens, de vez em quando — sentiam-se
obrigados a ngi-lo. Isso tornou-se uma parte tão arraigada da prática sexual
que, quando a escritora francesa Marie Darrieussecq publicou um conto sobre
uma mulher que ngia não ter orgasmos, a reação foi de completa
incredulidade.80
Depois que o sexo passou a ter essa nova estrutura dramática, é claro que se
podia falhar em cada ponto da sequência, e os problemas sexuais foram
rapidamente identi cados com ansiedades ligadas ao desempenho. Nesse
contexto, poderíamos pensar nas pequenas guras do mamezuke na arte
erótica japonesa, que se amontoam ao redor dos amantes e tecem
comentários como “Ele não está se saindo muito bem, não é?”, ou “Agora já é
meio tarde para isso, não?”. Espiando por baixo de tapetes e por cima de
biombos, eles materializam de forma divertida a ideia de que o sexo é uma
encenação ou uma demonstração que julgamos ser constantemente observada
e avaliada.
Se, como sociedade, havíamos transformado nossos momentos mais
íntimos em provas ou demonstrações, o novo imperativo do m dos anos 1960
e da década de 1970 era fazer sexo sem tentar encenar nem provar nada.
Como observou o psicanalista Bernard Apfelbaum, as pessoas costumavam
sentir vergonha de não poder se exibir, mas agora se envergonhavam também
de querer se exibir.81 Esta, é claro, era uma exigência muito mais absurda do
que provar a virilidade, digamos, pois provar que não se está provando nada é
mais ou menos impossível. Assim, o sexo sem roteiro de encenação era ainda
mais roteirizado, com uma cobrança ainda maior dos atores, como notaram
alguns dos terapeutas sexuais mais astutos. Dizer que o sexo era realmente só
uma questão de intimidade signi cava fornecer o critério pelo qual o teste
deveria ser avaliado, e, como Apfelbaum acrescentou, para que dizer a um
paciente em terapia sexual que ele tem medo da intimidade, como se não
devesse senti-lo?
A ênfase no desempenho e na avaliação talvez explique a mudança
realmente extraordinária nas estatísticas de duração da penetração sexual no
começo da década de 1970. Enquanto Kinsey havia constatado, cerca de 25
anos antes, que a duração média do coito com o pênis introduzido na vagina
era de pouco menos de dois minutos, em 1973, quando Morton e Bernice
Hunt conduziram sua pesquisa das práticas sexuais norte-americanas, esse
número passou a doze minutos, sem incluir as carícias preliminares!82
Examinando os dados, na verdade eram os homens que falavam em doze
minutos, enquanto as mulheres diziam quinze, sugerindo que talvez
vivenciassem a experiência como mais demorada, ou longa demais. Qualquer
que fosse o caso, os números recentes zeram o relógio retroceder para cerca
de cinco minutos, de modo que ou precisamos levantar a hipótese de uma
bizarra mudança sociobiológica temporária na espécie humana no início dos
anos 1970 ou, mais provavelmente, ver nos números in ados o re exo da nova
ênfase no desempenho e na avaliação.
Podemos pensar aqui na velha anedota de uma aula de educação sexual
num colégio de moças na Nova Inglaterra. Depois de detalhar os perigos do
sexo pré-conjugal e as consequências catastró cas que podem decorrer dele, a
diretora conclui sua fala com uma advertência: “Portanto, pensem com
cuidado, pensem duas vezes quando um homem as excitar: será que isso tudo
realmente vale a pena, por uma hora de prazer?”. Quando ela abre a palestra
para as perguntas, uma voz no fundo do salão indaga: “Como a senhora faz
para que dure uma hora?”.
O para homens e mulheres chegarem ao orgasmo
ser muito diferente complicou qualquer ideia de uma explosão simultânea de
prazer. As primeiras gerações de psicanalistas não haviam ajudado muito nesse
aspecto, com sua separação canônica entre orgasmos clitoridianos e vaginais,
embora alguns autores, como Marjorie Brierley, houvessem discordado,
preferindo enfatizar a coordenação entre a vagina e o clitóris. Segundo o
dogma popular, a mulher tem que aprender a se deslocar da sexualidade
clitoridiana da infância, imatura e meio masculina, para a nova sexualidade
vaginal da idade adulta, transferindo suas inervações corporais de um lugar
para outro. Freud dizia que a vida sexual de muitas mulheres era “paralisada”
por seu apego à excitação clitoridiana, e que a receptividade vaginal assinalava
a passagem para a feminilidade. Escrevendo antes do reconhecimento e da
divulgação públicos mais amplos do orgasmo feminino, ele falou numa
primazia das zonas erógenas — de preferências, portanto — em vez do
orgasmo como tal.83
Alguns analistas, ao contrário, a rmaram que a sensibilidade vaginal estava
absolutamente presente na primeira infância e que as duas formas de excitação
preservavam sua importância ao longo da vida. Aparentemente, todos foram
desmentidos nesse ponto, quando Masters e Johnson a rmaram, em meados
da década de 1960, que a estimulação do clitóris era a fonte dos dois tipos de
orgasmo, o clitoridiano e o vaginal, que em termos anatômicos eram
basicamente a mesma coisa. O movimento de pistão do pênis impactaria o
tecido mole perineal adjacente ao capuz clitoridiano e, portanto,
indiretamente, a própria glândula clitoridiana. Os educadores sexuais
dinamarqueses Inge e Sten Hegeler tinham defendido a mesma ideia em seu
ABZ do amor, alguns anos antes, mas sua mensagem tivera de esperar a
pesquisa norte-americana, mais vistosa, com seu envoltório cientí co e seus
autores de jaleco laboratorial. Ao mesmo tempo, a psiquiatra Mary Jane
Sherfey, famosa por de nir o uso dos vibradores como “ninfomania sem
promiscuidade”, enfatizou a união biológica do clitóris com o terço inferior da
vagina, e Shere Hite explicou, em seu Relatório, de 1976, amplamente lido, que
a penetração vaginal apenas disseminava as sensações provenientes da
excitação clitoridiana direta ou indireta.84
Estudos posteriores viriam a mostrar que o clitóris era muito mais do que
um “botão de prazer” isolado, com raízes e rami cações substanciais que se
estendiam ao longo dos grandes lábios e dentro deles, bem como por partes
da parede vaginal. Em vez de uma ervilha — como na história da princesa que
conseguia senti-la sob todos aqueles colchões —, ele passou a ser comparado a
uma pessoa de braços compridos e aderentes, como as mãozinhas de
brinquedo que grudam na parede e encantam as crianças, ou como um polvo.
Com mais pesquisas e imagens da anatomia e da inervação do clitóris,
a rmou-se que o chamado orgasmo vaginal era um simples produto do
impacto da raiz clitoridiana na parede vaginal anterior. Caso encerrado.85
Nesse contexto, o roteiro cultural tem efeitos diretos na vida sexual, uma
vez que as pessoas aprendem a avaliar seus sentimentos e ações em termos do
que as autoridades cientí cas lhes dizem sobre o corpo. Aqui, porém, os fatos
tanto são úteis quanto inúteis. Pessoas que sofreram lesões na coluna
vertebral, que efetivamente bloqueiam qualquer transmissão nervosa
proveniente da genitália, ainda são capazes de relatar a experiência de orgasmo
e, em geral, há um intervalo de dois a quatro segundos entre a sensação do
orgasmo e as mudanças siológicas efetivas registradas por Masters e
Johnson.86 Da mesma forma, vez por outra lactantes relatam chegar ao
orgasmo apesar da ausência de qualquer estimulação genital, e o mesmo
dizem mulheres que estão suspendendo o uso de mor na.
Similarmente, um orgasmo acompanhado por todos os sinais de esforço
físico e aceleração cardiorrespiratória pode ocorrer na ausência de qualquer
movimento corporal — por exemplo, na simples atenção visual a um lme
excitante. Nesse contexto, as mulheres podem chegar ao orgasmo vendo
pornogra a ou vivenciando uma fantasia, sem nenhuma estimulação genital,
coisa que os homens não costumam ser capazes de fazer (com algumas
exceções célebres, como Jean Cocteau e Samuel Johnson).87 A ativista sexual e
artista performática Carol Queen descreve que, havendo a energia sexual certa
por parte de um cliente, ela era capaz de chegar ao orgasmo simplesmente
afagando o pé, enquanto se exibia em seu trabalho num peep show.88 O que
quer que dite o roteiro cultural — e, hoje em dia, é comum ele ter o verniz
biológico da abordagem de Masters e Johnson —, a experiência feminina real
do orgasmo é diferente, em muitos casos. Em vez de dizer que as mulheres
devem estar erradas, como tendem a fazer alguns especialistas, certamente
vale a pena escutar o que elas dizem.
Com o orgasmo, as mulheres tendem a distinguir tipos diferentes de
experiência. O popular binário vagina-clitóris fornece um arcabouço, mas um
arcabouço que é contraditório e reducionista, pois há inúmeras permutações,
e é notável ver como o vocabulário usado para uma delas pode ser idêntico ao
usado para outra. O orgasmo clitoridiano pode ser descrito como “mais
intenso”, “agudo”, “dramático”, “elétrico” ou “ardente”, enquanto o vaginal é
“menos intenso”, “profundo”, “pulsante” ou “tranquilizador”; mas os mesmos
termos podem ser aplicados por outras mulheres a experiências
aparentemente opostas. Num estudo, os orgasmos induzidos pela vagina
foram descritos como “mais fortes” por 40% das mulheres e como “mais
fracos” por 42%.89 Herschberger tinha advertido, anos antes dessa pesquisa,
que os binários não eram um arcabouço apropriado para estudar a sexualidade
feminina, e Selma Fraiberg havia notado o “vocabulário espantosamente rico”
das moças para diferenciar sensações associadas à exploração vaginal de outros
tipos de “sensações agradáveis”.90
Enquanto o orgasmo feminino é frequentemente equiparado, em termos
culturais, a uma espécie de experiência de êxtase, ele também pode ser sentido
como embotador ou indesejado, ou até distante do corpo, sendo então
descrito como “externo”, “estranho” ou “morto”.91 Entre os que o estudam
em termos do binário vagina-clitóris, tem-se a rmado que o orgasmo vaginal
se correlaciona mais de perto com uma visão de mundo em que a
estimulação, a tensão e a excitação são mínimas, o que é entendido como uma
refutação do velho dogma psicanalítico segundo o qual as mulheres “vaginais”
são mais maduras ou mais ajustadas do que as orientadas para o clitóris. A
maioria dessas pesquisas é muito duvidosa, mas visa pelo menos questionar a
segregação das mulheres em classes avaliadas por juízes do sexo masculino.
O orgasmo, de fato, é quase sempre considerado secundário pelas mulheres
nas pesquisas sobre satisfação sexual, e apenas uma em cada cinco o
consideram a fonte mais importante do prazer sexual. No sexo com homens, o
orgasmo pode ocorrer em apenas 25% das vezes, quando muito.92 A educação
masculina que faz a ejaculação peniana ser vista como o auge e o objetivo nal
do contato sexual tende a acarretar uma falta de sensibilidade à natureza
multilocalizada da excitação feminina, bem como a fontes não genitais de
prazer. Enquanto costumam ter uma concepção hidráulica da sexualidade,
vendo o orgasmo como alívio da tensão, os homens são menos sensíveis à
dimensão do signi cado e aos efeitos que este pode ter na excitação feminina.
A con ança, a nal, é um signi cado, e um signi cado que pode ser o fator-
chave para permitir o prazer sexual, em alguns casos.
Numa argumentação contrária a Masters e Johnson, Josephine e Irving
Singer observaram a importância da dimensão emocional, na qual o
signi cado dos atos sexuais não pode ser dissociado de sua siologia.
Questionando as de nições simplistas e arbitrárias do orgasmo feminino, eles
enfatizaram a multiplicidade de suas formas e sua equiparação equivocada a
contrações perineais ou vaginais involuntárias: um orgasmo não é menos
“real” na ausência de convulsões musculares. Estas podem ocorrer sem
nenhuma sensação de prazer, mas os estudos laboratoriais do sexo não foram
capazes de levar em conta a questão da satisfação nesse aspecto, já que não
tinham meios para avaliar o papel da emoção.93
Na esperança de ir além do binário vagina-clitóris, os Singer distinguiram
três tipos de orgasmo: vulvar, manifestado em contrações musculares após
estimulação clitoridiana; uterino, caracterizado por reações emocionais e por
arquejos após os quais se prende a respiração, sem contrações; e misto, uma
mescla das duas formas anteriores, com contrações e apneia acompanhada por
uma sensação “ofegante”, mais profundo que o orgasmo vulvar. Como disse
uma mulher, “minha vagina engole uma ou duas vezes e tenho um orgasmo”.
As mudanças na respiração que caracterizam as formas uterina e mista
envolvem o que os Singer chamam de “deslocamento laríngeo” — breves
apneias repetitivas em que cada arquejo contribui para o volume de ar preso
nos pulmões, puxando a laringe para baixo e para trás, a m de produzir uma
sensação de “estrangulamento em êxtase”. Em seguida, o músculo
cricofaríngeo — o esfíncter esofagiano superior — volta de estalo a uma
posição de repouso, e a respiração é expelida de modo explosivo, numa
sequência muito diferente do arquejo típico da hiperventilação do orgasmo
vulvar. Tal como Teofrasto havia outrora sugerido classi car as ores por seu
aroma, e não pela forma e cor de suas pétalas, o trabalho dos Singer nos
convida a classi car os orgasmos menos pela área genital estimulada do que
pelos padrões diferenciais de respiração e sua repercussão emocional.
Aliás, o que eles denominam deslocamento laríngeo também ocorre na
tristeza, na surpresa, no medo e na alegria, daí algumas mulheres descreverem
o orgasmo como “nada além de emoção”. Nas palavras de Doris Lessing, “o
orgasmo vaginal é emoção e nada mais, sentido como emoção e expresso em
sensações indistinguíveis da emoção”.94 Lágrimas e soluços podem
acompanhá-lo, e Lessing observa que a expressão facial desse tipo de orgasmo
é de medo, com os cantos dos lábios repuxados para baixo, enquanto no
orgasmo clitoridiano os dentes são mostrados e o cenho se franze, como em
quem sente raiva.
É frequente os homens carem perplexos com a curiosa mescla de
lágrimas, tristeza e alegria que pode acompanhar o orgasmo feminino, reações
que raramente acompanham a ejaculação masculina e que, na verdade,
podem eliminar a ereção do homem. Quando exploramos um pouco mais, é
comum descobrirmos que as lágrimas indicam um sentimento profundo de
perda potencial: perda não do pênis real do homem, mas de sua presença, sua
vida, seu amor. A experiência dessa intimidade poderosa e ímpar — que pode
ocorrer com a mesma frequência, ou até mais, nas relações sexuais entre
mulheres — traz consigo, literalmente, o espectro de sua perda, e por isso,
talvez, o sentimento temporário de tristeza. Mas essa tristeza pode ser causada
por outras emoções igualmente complexas.95
Uma mulher em terapia com Edrita Fried explicou que, às vezes, sua
parceira parecia estar “perto demais” — o que a levava a se perguntar “Quem
sou eu? Onde estou?” e a se refugiar em breves relações com parceiros
masculinos exatamente para se poupar do sentimento apavorante de se perder
na intimidade: “Eles me assustam menos, porque não há proximidade”.
Quando ela cava perto demais, “não existe um eu”. Essa questão das
fronteiras foi lindamente descrita por uma paciente de Edith Jacobson, que
diferenciou proximidade, semelhança, igualdade e unidade: “Próximo é
próximo, como eu com você; quando a gente se parece com alguém, é apenas
semelhante a esse alguém, você e ele são dois; na igualdade, você é a mesma
coisa que o outro, mas ele ainda é ele e você é você; mas a unidade não são
dois — é um só, um só, e isso é terrível, terrível!”, exclamou, levantando do
divã de um salto, num pânico repentino.96
Se uma fusão das fronteiras pode ser apavorante, a hostilidade em relação
ao parceiro sexual pode fazer parte da experiência do sexo, e constatamos
repetidamente tanto esse sentimento de censura quanto uma outra forma de
ódio, talvez diferente. Uma analisanda se masturbava sem fantasia alguma,
exceto por um intenso sentimento de ódio da mãe, “como se eu a odiasse com
o clitóris”. Isso é raro, mas outros analistas notaram que o ódio pode fundir-se
com a excitação, e Anaïs Nin, num trecho famoso de Delta de Vênus, escreveu
que “o orgasmo tinha sido tão intenso que ela achou que ia enlouquecer, com
um ódio e uma alegria diferentes de tudo que já havia conhecido”.97 Seria esse
o ódio gerado pela perda dos limites, ou alguma outra coisa?
A abre a questão mais ampla da verdade e da
autenticidade. Como sabiam os terapeutas sexuais dos anos 1970, os novos
imperativos do movimento de autenticidade — os de “ser real” e “ el a si
mesmo/a” — simplesmente davam um nó nas pessoas.98 O sujeito podia
tornar-se ainda mais inibido no sexo ao tentar se livrar de todas as inibições. As
encenações de papéis sexuais tinham um atrativo especial nesse caso, pois
contornavam o problema: todos os participantes faziam uma encenação, de
modo que o sexo perdia a missão de ser autêntico. Muita gente ainda acha que
desempenhar papéis é um excelente modo de manter relações sexuais com
outras pessoas, já que a inibição, o embaraço e a encenação deixam de ser
anomalias, tornando-se parte do próprio roteiro.
Mas, mesmo na encenação de papéis, supõe-se que o orgasmo seja genuíno,
de modo que a questão da verdade não é inteiramente afastada. Quando os
adultos brincam de situações de médico-paciente, professor-estudante ou
chefe-empregado, os microdramas que eles montam tendem a culminar num
orgasmo que parece autêntico: o arcabouço arti cial garante o estímulo para a
excitação não arti cial. É interessante notar que quase todos os papéis
desempenhados envolvem a representação de cenas que levariam, na
realidade, a denúncias, desonra ou prisão de pro ssionais, dada a existência de
limites transgredidos e relações de poder exploradas.
Essas encenações de papéis são extraordinariamente difundidas e podem ser
diretamente proporcionais à crescente seriedade com que os limites
pro ssionais — e portanto os tabus — são tratados na sociedade. Aqui, os dois
pesos e duas medidas podem não ser simples hipocrisia, e sim parte da própria
estrutura do mundo social, que age no sentido de desviar o desejo.
Comparemos, por exemplo, as reações horrorizadas aos casos de pedo lia e a
violência contra os perpetradores e o fato de que o produto mais vendido na
maioria das lojas de artigos sexuais do Ocidente — excetuados o material
impresso e visual e os vibradores — é o uniforme feminino de estudante.
E isso nos leva à pergunta principal: como é possível provar a autenticidade
do orgasmo? Como podemos saber com certeza o que é sentido e não
simplesmente ngido? Um homem criado na bolha do amor incondicional da
mãe pagava a prostitutas para se entregarem a várias práticas, todas as quais
terminavam com elas se engasgando. Ele explicou a lógica desse aparente
sadismo: tudo o que ele fazia era sempre elogiado pela mãe, e ele não podia,
literalmente, fazer nada de errado, o que tornava irreal toda a sua vida. “Nada
era verdade, tudo era falso.” Fazer uma mulher se engasgar, no entanto, não
podia ser ngido: era a única prova que ele tinha de uma coisa real, de algo
genuíno que ele mesmo havia causado, de um lugar de verdade numa mulher,
coisa que ele tinha sido incapaz de encontrar na mãe.
A dor in igida à mulher, nesse contexto, certamente poderia ser descrita
como sádica, embora o objetivo consciente não fosse gerar sofrimento, e sim
verdade. Existem outros casos em que a angústia e o sofrimento do parceiro
sexual são, de fato, o resultado desejado, e Sade acreditava que, como a
sensação de gozo da mulher podia ser ngida, mas a de dor não, a dor era a
forma suprema de atividade sexual. Aliás, “fabricar” já foi um termo usado
para designar a própria prática do coito.99 Há aí uma diferença clinicamente
importante: a busca do re exo de engasgo tinha a ver com encontrar um
ponto de autenticidade, de realidade, ao passo que os casos em que o objetivo
é produzir sofrimento envolvem um prazer real com o mal causado, uma
excitação ligada à dor. Nesses casos, é comum encontrarmos uma história
infantil de violência na qual a pessoa foi torturada ou vitimada pelos pais ou
irmãos, e não incondicionalmente amada.
Quando o amor esteve ausente ou foi inteiramente condicional, pode ser
difícil, ou até impossível, a criança sentir que foi capaz de afetar os pais, e
assim a única opção disponível talvez pareça ser a in icção de dor, ou, em
alguns casos, a condução do parceiro ao colapso. Só então essa pessoa pode
sentir que realmente existe, naquele momento fugaz de fúria ou desespero do
outro. Um homem que gostara de estrangular soldados alemães com um
arame no Gueto de Varsóvia viria a descobrir, muitos anos depois, que sua
excitação sexual se cristalizara em determinado cenário. Ele rodava de carro
pelas ruas até encontrar uma barbearia antiquada e pedia que lhe zessem a
barba. Concluído o trabalho, dizia que o rosto não estava su cientemente liso
e que a barba tinha de ser refeita. Com a continuação desse processo, ele
ejaculava sob o avental colocado pelo barbeiro, no momento em que parecia
que o próprio barbeiro não aguentaria mais e perderia o controle. O homem
então pagava e voltava para casa.100
Nesse caso, a excitação ligava-se tanto ao risco de vida — ele imaginava que
o barbeiro poderia exasperar-se a ponto de lhe cortar a garganta com a navalha
— quanto à imposição de sua ordem, que sobrepujava a subjetividade do
barbeiro a ponto de se tornar insuportável. Seu controle e seu medo da perda
de controle do outro convergiam para o mesmo lugar, no momento que
garantia seu orgasmo, e poderíamos indagar o que isso nos diz sobre o próprio
orgasmo: devemos vê-lo como uma experiência de prazer e satisfação, como
um tratamento da angústia e do terror, ou concluir, talvez, que aqui não havia
realmente diferença entre os dois?
O papel da dor na vida sexual não pode ser previsto pela história da infância.
Não há regra que dite se uma pessoa a quem foi in igida uma grande dor
optará, mais tarde, por in igir dor a terceiros ou por buscar alguém que in ija
dor a ela mesma. As vicissitudes da história de cada um embasarão essa
escolha, e, do mesmo modo, poderá haver uma completa evitação da dor. Os
roteiros podem modi car-se e raramente passam inalterados de uma geração
a outra, do mesmo modo que os compromissos — como o de levar ao
engasgo — podem aparecer como resultado de eventos aleatórios e só depois
passar a encarnar uma condição fundamental da excitação.
Mas os cenários sexuais não têm lugar especial aqui, pois representam
momentos privilegiados de intimidade. O que isso quer dizer é que eles se
tornam particularmente adequados à encenação de dramas de aceitação e
rejeição, do ser escolhido/a e, depois, abandonado/a. Se, na vida cotidiana,
alguém é privado do poder, digamos, de humilhar outras pessoas, o sexo pode
acabar sendo o único espaço em que isso se torna momentaneamente possível.
Uma relação de poder pode ser estabelecida e desfrutada, ainda que de forma
breve — uma relação em que a pessoa ocupa, provavelmente, os dois lugares
de uma só vez: o do humilhado e abandonado e o daquele que humilha e
abandona.
Aqui, a dica sobre a duplicação dos lugares pode car clara na emoção
posterior: culpa e, muitas vezes, riso. Nos famigerados experimentos de
Stanley Milgram nos quais se pediu a sujeitos do sexo masculino que
administrassem choques elétricos em seus pares acionando controles
rotulados de “Choque intenso” e “Perigo: choque severo”, ele notou que os
sujeitos que aumentavam a voltagem — a maioria — por vezes davam
gargalhadas incontroláveis enquanto o faziam: “O riso parecia inteiramente
deslocado, até bizarro”. Tratava-se, presumivelmente, de um sinal de
identi cação com as vítimas, como se os sujeitos experimentais estivessem nos
dois lugares ao mesmo tempo. Gershon Legman, comentando isso, assinalou
a aparente ausência de riso nos militares dos campos de concentração
encarregados de insu ar Zyklon B nas câmaras de gás. Eles não eram
divididos pelo riso, assim como não eram divididos pela identi cação com suas
vítimas, donde talvez serem capazes de fazer seu trabalho sem o menor
esforço.101
A , vejamos como essa dinâmica de roteiros e compromissos operaria nos
meninos. Nas sociedades patriarcais, a maioria dos relatos nos diz que,
tradicionalmente, os meninos são educados desde o começo para valorizar a
agressão e a dominação. O pênis é uma arma a ser usada a seu serviço e o sexo
é entendido como um ato de posse. Dá-se pouca atenção ao prazer feminino e
o corpo da mulher é visto como um instrumento para o gozo masculino, nada
mais. Nessa versão da sexualidade masculina, a distância entre o coito e o
estupro é bem pequena.
Ora, não há dúvida de que essa concepção da sexualidade masculina e o
diferencial de poder em que ela se baseia foram e continuam a ser muito
difundidos. Calculou-se que, para cada anedota em que o pênis tem alguma
capacidade de dar prazer a uma mulher, há dez em que ele é usado para feri-la,
empalá-la ou matá-la. No entanto, o que antropólogos, historiadores e
analistas constataram é que há muito mais acontecendo por trás dessa
aparência. Junto com a variação cultural e temporal, o comportamento
aparente nem sempre revela o que está em jogo, e talvez o primeiro ponto a
frisar seja o de que nem todas as orientações sexuais humanas baseiam-se em
instintos copulativos inatos, e sim no medo.
Isso foi muito bem destacado na descrição fornecida por um menino de sete
anos sobre sua posição: “Eu me interesso muito pela sexualidade.
Pessoalmente, sou não binário, mas a gente pode ser trans, gay, lésbica, hétero,
bissexual ou homofóbico”. A homofobia foi entendida como uma orientação
por si só, como se o medo e o preconceito pudessem ser uma característica
de nidora da identidade sexual. Os roteiros sexuais podem codi car e
transmitir esses temores, visando criar e manter limites, bem como nos
oferecer uma bússola, um guia para atravessarmos o cenário apavorante das
mudanças em nosso próprio corpo e da interação com os corpos dos outros.
Para os meninos, existe o conhecido medo da lesão corporal — celebremente
identi cada por Freud com a castração —, mas há também o pavor mais
arcaico da penetração genital, anal e abdominal.
Os meninos de dois a três anos são especialmente expressivos em suas
preocupações com as invasões dos limites do corpo, sendo os agressores
geralmente identi cados com animais ou pessoas más que mordem e
devoram. A maioria das histórias criadas pelas crianças por volta dessa idade
envolve ferimentos ou mutilações, e os pesquisadores notaram a alegria diante
das atrocidades, com os meninos des lando com armas que perfuram e
penetram. Aos cinco anos, as ameaças tornam-se mais abstratas, a exemplo de
terremotos, inundações, incêndios, tsunamis ou guerras nucleares, e os
personagens perigosos de suas histórias tornam-se menos identi cáveis. Os
meninos descrevem desgraças com muito mais frequência do que as meninas,
embora estas pareçam mais interessadas do que eles em remediar ou curar as
coisas ruins que acontecem, e em entender exatamente como elas
ocorreram.102
A perda de partes do corpo é um tema muito mais comum entre os
meninos do que entre as meninas, e, na adolescência, as piadas e “histórias
reais” tendem a girar em torno de lesões genitais, penetração anal, acidentes
pavorosos e mutilações do corpo. A rapidez com que elas são transmitidas e
circulam atesta a pressão para que a angústia e a culpa evocadas pelos
pensamentos sexuais sejam dispersadas ao máximo. E, ao mesmo tempo, isso
cria sistemas frágeis de inserção grupal, através da a rmação de ansiedades
compartilhadas e da exclusão e depreciação das meninas e mulheres.103
Nas pesquisas para este livro, surpreendi-me ao constatar que praticamente
todos os estudos dos limites corporais, da década de 1950 até hoje, sugeriram
que os limites masculinos eram vividos como muito mais porosos do que os
femininos. Isso me pareceu chocar-se não apenas com o trabalho psicanalítico,
que enfatiza a angústia em torno da penetração vaginal, mas também com a
aparente atenção à superfície do corpo exibida por muitas mulheres, reforçada
pela indústria de cosméticos, e com a longa história dos ritos e costumes
destinados a manter os limites do corpo feminino, como se vê pela antiga
insistência na virgindade antes do casamento.104
Mas isso signi cava, muitas vezes, uma pura aparência de virgindade, pois
um número altíssimo de casamentos na Igreja — entre 20% e 50%, no início
da era moderna — ocorria quando a noiva já estava grávida, e alguns grupos
sociais até optavam por escolher apenas uma mulher para conservar a
virgindade do corpo, fazendo dela um símbolo e, com isso, eliminando as
sanções contra as outras pelo sexo pré-conjugal. Aqui, o foco na virgindade
“pública” pode ser visto como um re exo dos imperativos sociais masculinos,
e só muito recentemente é que o estupro passou a ser considerado um crime
contra a mulher, em vez de um crime contra o homem que era dono da
mulher. A perda da virgindade signi cava uma perda ou uma redução do valor
socioeconômico da noiva, em muitas culturas, e os castigos iam da execução
do culpado até graves penalidades nanceiras.105
Curiosamente, embora pareçamos ter ultrapassado isso em nossos tempos
esclarecidos, o investimento na pureza virginal é muito difundido: nas
cerimônias de casamento, o véu da noiva é um símbolo claro da membrana
himenal, e a quebra do prato e do copo que faz parte das cerimônias
matrimoniais de muitas culturas representa a ruptura do selo da virgindade.
Similarmente, como assinalou Gershon Legman, o gesto de carregar a noiva
no colo para cruzar a soleira da casa signi ca, na verdade, cruzar a soleira da
noiva.106 Até nos supermercados, muitos produtos têm um aviso que instrui
os consumidores a devolvê-los, caso constatem que o lacre foi rompido, o que
decerto é um vestígio do culto do hímen intacto.
Mas a porosidade do corpo masculino não deve ser subestimada, e aqui
poderíamos pensar nas muitas imagens culturais de um corpo dentro de
outro, desde Avatar até Círculo de fogo, no qual um corpo masculino é abrigado
no interior de um corpo robótico. Para aumentar o poder do homem, o
exoesqueleto também fornece um envoltório corporal rígido, que cria uma
sólida fronteira no local da possível invasão. Até a tradicional insígnia do poder
masculino — o falo — pode ser um condutor para essas vulnerabilidades,
como vemos no corriqueiro tema onírico do pênis aberto e penetrável pela
uretra. Tal como a duplicação do próprio corpo, também é frequente haver
fantasias infantis de um pênis encaixado dentro de outro.
O medo de invasão, nesse contexto, pode ser ligado a forças externas e
internas. Um jovem paciente de Selma Fraiberg entendia perfeitamente que a
gravidez envolvia esperma e fecundação, mas presumia que o esperma cava
contido no próprio pênis. Assim como o corpo da mãe seria aberto com um
corte para deixar o bebê sair, explicou ele, o pênis também teria que ser aberto
para liberar o esperma, que ele imaginava ter o tamanho de uma bola de gude.
Esse tamanho ampliado tinha por base um livro sobre reprodução que sua
mãe lera para ele e que havia a rmado claramente que a imagem exibida, do
tamanho de uma bola de gude, tinha sido feita com um microscópio, já que os
próprios espermatozoides eram pequenos demais para ser vistos a olho nu. A
angústia desse jovem com o corpo havia moldado as informações que ele
tinha conseguido absorver, e seu pavor de danos causados ao pênis mal chegou
a ser mitigado.107
Talvez seja o esforço de manter esses frágeis limites corporais que, com
muita frequência, resulta na violência. Os meninos têm medos assustadores de
lesões numa parte do corpo e de explodirem e perderem as vísceras. Temem a
invasão por um pênis masculino e poderíamos até a rmar que a sexualidade
masculina é uma estrutura complexa, cujo propósito principal é constituir
uma defesa contra esses pavores iniciais. Os medos em si podem derivar do
manejo do corpo da criança pelos pais e de suas atitudes em relação a ele; do
medo de retaliação pela raiva dessa mãe ou desse pai; ou de formas arcaicas de
identi cação com a mãe, também ela tida como passível de penetração.
Quando o protagonista do lme Ted explica a seu ursinho falante que está
planejando algo realmente muito especial para a namorada, o ursinho
presume que isso signi que a penetração anal, como se isso estivesse no
horizonte de todos os outros atos sexuais.
Devemos lembrar aqui que meninos e meninas iniciam a vida tão perto da
mãe que as identi cações com ela devem ser inevitáveis: enquanto a menina
pode não se sentir pressionada a mudar de sexo, os meninos são criados para
se separar da mãe, para se desidenti car dela, com frequência usando ideias
culturais de comportamento masculino. Como notou Margaret Mead, muitas
vezes isso foi interpretado, com demasiada pressa, como um esforço de
identi cação com o pai e de ocupação do lugar dele, quando também pode
constituir um modo mais básico de encontrar um contraponto para a
“maternidade” da mãe: há uma diferença entre querer ser alguém e querer não
ser alguém, o que pode ter impacto sobre o modo como o menino habita os
papéis de gênero que assume.108
A masculinidade aqui é um constructo arti cial, uma defesa, e, portanto,
intrinsecamente frágil, e os esforços para continuar masculino podem até
envolver um reforço do perigo. Quando o menino se preocupa com algum
tipo de represália violenta do pai, ou com algum dano corporal decorrente de
suas demandas à mãe, ele pode oferecer-se como objeto sexual: “Não sou uma
ameaça, goste de mim!”. Mas isso, é claro, traz um novo risco de ser
penetrado, e, assim, a própria manobra designada para manter o menino em
segurança o deixa efetivamente suscetível a ataques.
O humor sexual é uma fonte inestimável de discernimento dos aspectos
inconscientes da sexualidade, e a anedota seguinte destaca com muita clareza a
dinâmica masculina. Um ator precisa perder vinte quilos, rapidamente, para
fazer o papel de Hamlet. Numa academia de luxo, oferecem-lhe um programa
intensivo de doze horas por mil dólares, ou um programa de 24 horas por
quinhentos. Ele escolhe o programa de 24 horas e é conduzido nu a um
grande salão vazio, com uma mesa estofada no centro. A porta se abre e entra
uma linda mulher nua, usando apenas uma placa sobre os seios: “Se me pegar,
você me come”. Pensando consigo mesmo no que devia ter perdido ao se
recusar a pagar os quinhentos dólares extras, ele pede à moça para ir chamar o
diretor, a quem explica que pensou melhor e preferiria a opção dos mil
dólares. Ele é então levado a outra sala idêntica e trancado nela. Uma porta se
abre no extremo oposto e entra um gorila gigantesco, com uma ereção
enorme, usando apenas uma plaquinha: “Se eu te pegar, te como”.
Mais uma vez, a piada sugere que, no horizonte do desejo sexual de um
homem por uma mulher existe o pavor de ser analmente penetrado por outro
homem, de modo que a própria ideia de que uma mulher busque a penetração
vaginal pode perfeitamente ser uma fantasia masculina: o medo que o homem
tem de ser penetrado pelo ânus é projetado nas mulheres, sendo transformado
em “desejo”. É ela que quer a penetração, não ele. Assim, a ideia masculina
generalizada de que as mulheres querem ser penetradas, mesmo quando
dizem não, pode ser uma atribuição do seu próprio medo-desejo a alguém
externo. Ao fazerem as mulheres “quererem” a penetração, eles sentem
menos medo de ser penetrados, eles próprios. Chama-se a isso “masculinidade
defensiva”, embora deva ser óbvio, a esta altura, que essa expressão é um
pleonasmo: a masculinidade em si é uma defesa.
Isso explicaria por que a postura machista sempre parece tão teatral e
absurda, como se não houvesse nela nada de natural e a dimensão arti cial
possuísse altíssima densidade. Homens situados no ápice do poder investido
pela sociedade pagam a trabalhadoras sexuais, com extraordinária frequência,
para que elas os penetrem analmente com uma cinta peniana. É como se a
dimensão teatral da masculinidade coalescesse aqui com certa imagem da
feminilidade — ou, simplesmente, com uma inversão do poder — e o falo se
revelasse um objeto cenográ co arti cial. Curiosamente, embora em certa
época esse tenha sido o serviço predileto dos políticos homens de
Westminster, no Reino Unido, parece ter havido um declínio nos últimos vinte
anos, num re exo, muito provavelmente, do desgaste contínuo de seu poder
pessoal, em virtude dos protocolos de transparência, da atenção contínua da
mídia e do escrutínio baseado na internet.109
A penetração anal também é, com certeza, uma das razões da bizarra
popularidade do lme Pulp Fiction — Tempo de violência. Todas as conversas
engraçadas e situações estranhas que os fãs tanto valorizam constituem apenas
uma espécie de desvio da atenção para a cena central, na qual o poderoso
gângster machão interpretado por Ving Rhames sofre um estupro anal.
Quando o personagem de Bruce Willis pega uma espada para resgatá-lo, a
agitação da plateia ante a perspectiva de uma vingança violenta com uma
arma talvez represente o outro lado do ato de estupro que acabou de ocorrer:
perfurar em vez de ser perfurado.
Segundo esse modelo, o desejo heterossexual masculino tem mais a ver
com manter outros homens a uma distância adequada do que com qualquer
interesse real numa mulher, embora, é claro, isso possa modi car-se com o
tempo. Quando adolescentes do sexo masculino transam, a primeira coisa que
fazem é contar aos amigos, como se o valor do ato estivesse mais em relatá-lo
ao grupo de amizades masculinas e em se posicionar nele do que em qualquer
prazer corporal ou intersubjetivo. O que é realmente chocante na primeira
cena de sexo entre Marianne e Connell, na adaptação para a do romance
Pessoas normais, de Sally Rooney, é o fato de, na sequência imediata, a série
cortar para uma cena em que Connell e seus amigos estão fazendo piadinhas
mas ele não diz nada sobre o que acabou de acontecer.
Esse enquadramento pode acontecer antes, durante e depois de um ato
sexual, como mostra com muita clareza o fenômeno dos sex tapes. No famoso
vídeo de Ray J-Kim Kardashian, ele abre o vídeo cumprimentando todos os
rapazes que depois se masturbarão ao assisti-lo, como se essa fosse a
verdadeira razão para o evento acontecer. O sexo com uma mulher é o que
reforça a integração no grupo masculino, ao mesmo tempo que cuida dos
perigos da proximidade homoerótica. Podemos lembrar aqui que os lmes
pornôs que objeti cam as mulheres eram tradicionalmente exibidos a grupos
de homens, e não a indivíduos — nos Estados Unidos, em convenções de
negócios e política; no Reino Unido, mais frequentemente em festas.
A liação no grupo masculino é consolidada não apenas pelo sexo com
mulheres — e pelo compartilhamento de imagens dele —, mas também por
atos de agrante destruição. Todos nos horrorizamos com o tratamento dado
às chamadas bruxas, no passado, e reconhecemos que, não raro, elas eram
mulheres que desa avam de algum modo as normas e valores do patriarcado.
Mas queimar bruxas continua a fazer parte dos entretenimentos familiares de
hoje. No mais recente acréscimo à franquia Os caça-fantasmas — Ghostbusters:
Mais além —, o lme termina com uma cena em que os três caça-fantasmas
masculinos sobreviventes torram um demônio feminino com potentes
descargas elétricas. Enquanto ela se contorce em agonia, os homens a cercam,
cada um disparando uma chama branca de eletricidade de suas armas, num
simbolismo que embaraçaria até o freudiano mais inveterado. A tarefa de
destruir uma mulher foi, essencialmente, o que voltou a reunir os caça-
fantasmas, um grupo masculino agora restabelecido através desse ato de
violência. A plateia nos cinemas assobiou e aplaudiu durante essa cena.
Note-se aqui que a atual promoção de super-heróis típicos como excluídos
com frequência esconde essa crueldade oculta. Os recentes lmes e seriados
de retratam personagens com poderes especiais que são incompreendidos e
perseguidos por seus pares. Quando têm sorte, eles encontram
reconhecimento e companheirismo entre outros excluídos semelhantes, como
na franquia X-Men ou em The Umbrella Academy, e até antigos baluartes como
Batman e o Super-Homem são retratados como perpetuamente acossados e
como bodes expiatórios. Mas essas guras são quase sempre as que tomam a
lei nas próprias mãos, e, como assinalou Sterling North há muito tempo, em
1940, não nos esqueçamos de que elas também usam máscaras, o que as torna
as novas representantes da “justiça encapuzada” que um dia foi símbolo de
uma parte terrível da história norte-americana.110 Embora muito se tenha
valorizado a origem judaica de alguns criadores de super-heróis, essas guras
ainda ocupam um espaço social semelhante na cultura norte-americana:
indivíduos mascarados que fazem justiça fora da lei.
G por sua moral mesquinha e visão
xenofóbica e cruel dos homossexuais e das pessoas etnicamente diferentes.
Estes constituem imagens de diferença — e desejo — que signi cam, em
parte, igualdade, o aspecto deles próprios que é preciso manter afastado e
sobre o qual não devem pensar, em função do pavor de que a
homossexualidade contamine a heterossexualidade. Em muitas culturas, os
rituais da adolescência masculina que marcam ou cortam o corpo talvez
almejem consolidar isso, atribuindo ao menino uma linhagem masculina e
desidenti cando-o da mãe.111
Os elementos associados à feminilidade podem ser literalmente retirados do
corpo a pauladas, e as substâncias supostamente contaminantes, adquiridas
mediante o contato com a mãe, são expulsas do corpo à força, por meio do
vômito, dos sangramentos nasais e da perfuração da pele. Como Clellan Ford
e Frank Beach observaram na década de 1940, os homens heterossexuais e
cisgênero são criados para não reconhecer sentimentos homoeróticos dentro
de si, a ponto de se tornarem totalmente incapazes desse reconhecimento.112
Talvez se sintam constrangidos ao urinarem perto de outro homem num
mictório, ou tenham uma ereção ao assistirem a um evento esportivo, mas
esses momentos são ignorados e rapidamente esquecidos. O uso das
mulheres, nesse contexto, pode ser quase inteiramente defensivo, uma vez que
elas são reduzidas a objetos, a uma moeda da conversa grupal e a uma medida
dos feitos dos integrantes, com os atos sexuais avaliados como eventos
esportivos ou homicídios, via expressões como “aquecimento”,
“prorrogação”, “próxima vítima”, “matador” ou “está na minha mira”.
A violência ocasional na prostituição masculina tem com frequência girado
em torno da mesma dinâmica. No trabalho sexual tipo michê, um rapaz
jovem, muitas vezes sem teto e empobrecido, aceita uma felação de um
homem mais velho, mediante uma taxa. Depois do pagamento e da conclusão
do ato, o contrato é encerrado. Mas, caso tenha sido insinuado que o rapaz
gostou ou que talvez também seja gay, isso por vezes desencadeia alguma
violência contra o cliente, pois pode ser muito importante manter a fronteira
hétero/homo perturbada pela insinuação.113 As fronteiras hétero/homo
nunca são estáveis, e para um homem tentar mantê-las com rigidez é
necessária uma dose signi cativa de energia e, às vezes, violência, pois a
violência tende a ser a maneira de as pessoas lidarem com a questão das
fronteiras.
As brigas de bar entre homens são um exemplo óbvio disso, com a ironia de
que os próprios gestos usados para defender as fronteiras também as violam,
por envolverem um contato físico com outros homens. Quando rapazes
espancam outros rapazes após uma ida noturna ao bar — às vezes, mas
decerto nem sempre, escolhendo vítimas homossexuais —, isso constitui, sem
sombra de dúvida, um exemplo de agressão sexualmente motivada, mesmo
que a dimensão sexual não seja transparente para os agressores. Atos como
socar, esfaquear e balear podem tomar o lugar dos contatos sexuais
homoeróticos rejeitados. Embora, historicamente, as “minorias” sexuais
tenham sido constantemente perseguidas e identi cadas com a toxicidade e o
perigo, não há dúvida de que é a heterossexualidade que constitui o verdadeiro
perigo, pois é a única categoria sexual que requer a violência para determinar
seus próprios limites.
Curiosamente, constatamos com frequência que as práticas sexuais
rotuladas de “homo” envolvem exatamente essa porosidade no ponto exato
em que as práticas “hétero” pretendem negá-la. Se um homem pode car
incrivelmente perturbado se imagens do pênis de outro homem surgem em
sua cabeça enquanto faz sexo com uma mulher, não é incomum, como nota
Stephanie Theobald, encontrar uma lésbica imaginando-se penetrada por um
homem enquanto transa com outra mulher.114 Talvez haja pouco incentivo a
divulgar esses pensamentos fugazes ou contínuos, já que eles podem ser
sentidos como algo que se choca com a posição de gênero da pessoa e com o
roteiro que a acompanha.
Embora hoje talvez haja uma latitude maior nesses roteiros, as “guerras do
sexo” do movimento feminista em torno das relações mulher-mulher são
instrutivas nesse contexto. Havia uma crença largamente difundida de que
questionar o patriarcado de qualquer maneira séria signi cava modi car como
e com quem se praticaria o sexo. Isso não signi cava apenas, como defendia
Shere Hite, “menos penetração”, mas a ordem, sentida por muitas mulheres,
de desistir completamente dos homens e entrar em relacionamentos
homossexuais. Até aí tudo bem, só que as mulheres que já viviam relações
mulher-mulher criadas por elas mesmas muitas vezes sentiam que sua
sexualidade estava sendo punida e julgada: havia um jeito certo e um jeito
errado de praticar o lesbianismo e as “novas” homossexuais estavam ocupadas
em dizer a todas as outras quais eram as regras.
Nas palavras de Gayle Rubin, “ao se misturar lesbianismo — no qual penso
como uma experiência sexual e erótica — com feminismo, uma loso a
política, a possibilidade de justi car o lesbianismo por outras alegações que
não o feminismo desapareceu do discurso”. O desejo em si não podia ser visto
como um fator legitimador. Para nós, o que há de muito interessante aqui é a
dicotomia entre as lésbicas “da velha guarda” — cuja escolha era comumente
narrada (por elas) como baseada em Eros e na paixão, e descrita (por seus
críticos) com base em normas patriarcais internalizadas — e as novas “lésbicas
políticas”, cuja orientação sexual parecia fundamentar-se no que era certo, e
não no desejo ardente: logo, no que Rubin chama de loso a política.115
Em termos cruciais, nessa nova interpretação a escolha das novas lésbicas
era um modo de dizer algo: um sonoro “Não” ao patriarcado e às relações
heterossexistas. Isso foi considerado inautêntico pelos detratores e
ridicularizado como a falsa revolta de (uma maioria de) mulheres brancas de
classe média. Mas porventura não sugere que, se a adoção da sexualidade
homossexual pode ser um modo de dizer alguma coisa, talvez o mesmo se
aplique à heterossexualidade? Com certeza, escolher a heterossexualidade na
infância ou na adolescência também poderia ser visto como um modo de se
fazer uma a rmação, de se adotar sem saber uma “ loso a política” — para os
pais, para os pares, para a própria segurança — sem grande paixão subjacente,
e portanto talvez a nova homossexualidade feminina e o heterossexismo que
se combatia compartilhassem uma estrutura subjacente parecida.
A própria divisão entre hétero e homo é, em muitos sentidos, uma
construção histórica, pois os historiadores mostraram que os conceitos de
heterossexualidade e homossexualidade são ideias relativamente recentes em
termos da identidade sexual. Praticar com o mesmo sexo atos que hoje
quali caríamos de homossexuais teve, claramente, um sentido muito distinto
em períodos do passado, embora os historiadores da sexualidade discordem
quanto ao modo como foi construída a relação entre atos sexuais e identidades
sexuais. No século , a prática do coito anal entre homens, por exemplo,
podia ser considerada pecaminosa em termos de um código social e legal, mas
não signi cava que o indivíduo fosse “homossexual”, dado que essa categoria
simplesmente não existia, e talvez fosse vista como uma forma de lascívia pela
qual qualquer um poderia sentir-se atraído.116 Hoje em dia, é fácil associar as
identidades sociais com as preferências sexuais, mas podemos dizer que essas
equiparações eram muito mais raras no passado, embora o kinaidos grego ou
o cinaedos romano tenham sido alegados como exemplos contrários,
indicativos de um tipo de pessoa masculina que aluga o corpo para uso por
homens (mas também aplicados àqueles que pagavam para receber
penetração anal).117
Para falar de um exemplo famoso, dizem que Voltaire manteve relações
sexuais com um inglês que lhe perguntou se ele gostaria de repetir a
experiência, ao que ele teria respondido: “Fazendo isso uma vez, sou lósofo,
mas fazendo-o duas vezes seria um sodomita”. Ora, devemos ler “sodomita”
como algo que designa uma identidade social, um “tipo de pessoa” com
estilos, comportamentos e insígnias sociais estabelecidos? Ou como o autor de
certos atos, presumindo-se que haja uma distinção entre atos e identidade? A
simples formulação dessa pergunta, no entanto, pressupõe que a própria
distinção é meio a-histórica e adicionalmente complicada pelo fato de que o
termo “sodomia” poderia referir-se a uma variedade de práticas, inclusive a
masturbação.118
Curiosamente, fazer uma distinção entre identidade e atos é, digamos, um
traço característico da sexualidade masculina: “Foi só sexo”, “Não é assim que
eu sou”, “Eu já pedi desculpas, portanto podemos passar uma borracha no
assunto”. A sexualidade é destilada em atos dos quais o sujeito então se
distancia, como se eles não tivessem outras consequências. Vemos isso todos
os dias nos relacionamentos, bem como no modo como os homens tentam
inocentar-se na mídia depois de serem maculados por algum escândalo. Os
homens estão sempre ocupados em fazer separações, e talvez isso explique por
que a diferenciação entre atos e identidade tem sido tão popular entre os
acadêmicos do sexo masculino.
Podemos notar que essa também é uma característica signi cativa na
criação de lhos. Quando um dos pais repreende um lho por uma pequena
falha, pode ser extremamente difícil e até impossível convencê-lo de que
cometer um erro não faz dele uma pessoa má. Enquanto pai ou mãe tenta
convencê-lo de que há uma diferença entre os atos e a identidade, o lho pode
ser incapaz de pensar assim: fazer algo errado signi ca que os pais retiraram
seu amor e que, portanto, o lho é indigno e intrinsecamente mau. Os atos e a
identidade, nesse aspecto, são contínuos, e não disjuntos. As culturas
religiosas, com suas ideias condicionais e incondicionais de pecado e culpa, só
fazem reforçar esses juízos categóricos.
Também crucial aqui é nossa maneira de situar nossos binários:
concordamos com a ideia da homossexualidade e da heterossexualidade como
polaridades ou, à semelhança de Kinsey, como contínuas, de algum modo?
Nos anos 1960, a classi cação de Kinsey era tão conhecida que chegava a ser
usada em per s e cumprimentos pessoais, e, é claro, em piadas e esquetes
cômicos — “Oi, eu sou um Kinsey Seis”. Vendo a homossexualidade e a
heterossexualidade como um contínuo, Kinsey tinha feito uma escala de 0 a 6
para indicar onde o indivíduo se situava no espectro, com um X adicional
quando a conduta sexual era evitada. O uso jocoso dessa métrica signi cava
que era possível o indivíduo designar-se ou designar outras pessoas com
números negativos ou extremamente grandes, assim como os X podiam ser
multiplicados.
Nesse aspecto, adotar uma abordagem contínua ou polarizada muda a
maneira de abordarmos o problema das identidades sexuais no plano
histórico, mas o próprio uso dos termos binários funciona, implicitamente,
para manter essas categorias. Os historiadores da sexualidade mostraram com
muita clareza que é problemático usar as categorias oitocentistas e
novecentistas “hétero” e “homo” para descrever e explicar outras culturas e
épocas. As relações sexuais entre freiras de conventos, ou monges medievais,
ou mulheres trovadoras, ou cavaleiros templários, ou viticultoras do início da
era moderna, ou jovens aristocratas do século não podem ser exploradas
usando-se os mesmos termos. Se o zermos, arriscaremos objeti car as
próprias categorias, sugerindo alguma essência biológica ou social imutável,
embora haja muitas pessoas que não veem nisso problema algum. Dizer, por
exemplo, que “a causa da heterossexualidade ou da homossexualidade é X”
perpetua a ideia de que essas são entidades xas subjacentes que apenas
requerem explicação, em vez de constructos que põem em vigor valores
sociais.119
Essas não são apenas questões abstratas para os historiadores, mas têm um
impacto real e muito tangível em todos os aspectos das relações humanas. O
modo pelo qual os atos sexuais adquirem sentido e a maneira como esse
sentido é usado para de nir a identidade podem moldar tanto o que nos
sentimos autorizados a fazer quanto o que nos sentimos autorizados a sentir.
Se o garoto de programa não tivesse uma ideia moderna do que é
“homossexualidade”, talvez não reagisse contra ela como reage. Se a prática
de felação em outros homens, por exemplo, fosse vista como uma parte do
cotidiano da vida masculina, sem nenhuma implicação para as relações sexuais
com as mulheres, será que correria o risco de gerar uma violência comparável?
De fato, essa tem sido uma prática comum em diversas sociedades, como os
keraki e os nativos de Kiwai, na Nova Guiné, onde a penetração oral e anal
entre homens formou parte do roteiro cultural para a adolescência e a
masculinidade adulta. A masculinidade não é vista como um estado inato, mas
como algo que precisa ser transmitido por um homem mais velho, e os
meninos e adolescentes são solicitados a praticar felação neles ou a ser
penetrados por eles, durante um período de até um ano, para obterem
permissão de penetrar as mulheres ou entrar no circuito matrimonial. Em
algumas culturas, as atividades sexuais entre homens podem continuar depois
de encerrado esse período, enquanto em outras tendem a não prosseguir. Em
termos cruciais, porém, participar dessas práticas não era considerado
socialmente proscrito dentro do próprio grupo — mesmo que pudesse ser
fonte de dor e trauma para alguns indivíduos —, e a potência podia ser
entendida como uma dádiva ou uma transmissão feita por um homem mais
velho através de seu sêmen.120
Ao fazer a veri cação de dados deste livro, a m de conferir se os primeiros
estudos antropológicos desses rituais de iniciação masculina tinham sido
revistos ou atualizados, descobri-me constantemente encaminhado para sites
que invocavam as práticas nativas como parte de sua mitologia. Nelas, a ênfase
na penetração anal era reduzida em favor da segregação das mulheres, da
ingestão de sêmen e da ideia de que a masculinidade requer a intervenção de
um agente masculino mais velho e mais poderoso. Os próprios antropólogos
notam um declínio na iniciação ritualística, bem como sua reformulação e
atenuação mediante o uso de elementos de religiões e culturas importadas.
No entanto, a possibilidade de penetração corporal é absolutamente
corrente em sociedades ocidentais que não subscrevem essas práticas
ritualísticas, e podemos pensar nos milhares de piadas e quadrinhas que fazem
da penetração anal uma perspectiva verdadeira. Uma série de anedotas
outrora populares começa por uma paisagem desprovida de mulheres: uma
cidade mineradora do Oeste norte-americano. Em seguida, para criar uma
distância do conteúdo da piada, a m de que ele não provoque um excesso de
angústia, introduzem-se estereótipos raciais. Para ter certeza de que os
contadores e os ouvintes não serão imediatamente representados na piada —
para manter a distância necessária —, os estereótipos funcionam no sentido de
dizer “Não sou eu, são eles”.
Consideremos dois exemplos. No primeiro, um homem chega a uma cidade
mineradora e indaga no saloon o que pode fazer para ter sexo, dada a evidente
ausência de mulheres. O barman responde: “Bem, você pode usar o
[estereótipo racial] lá nos fundos”. O homem ca sem graça e pergunta: “Bem,
alguém vai car sabendo?”. O barman responde: “Ah, não se preocupe, só nós
cinco”. O homem indaga: “O que você quer dizer com nós cinco?”. Ao que o
outro retruca: “Bem, você vai saber, eu vou saber e o [estereótipo racial] vai
saber”. “Mas isso dá três, não cinco. Quem são os outros dois?” “Ah”, diz o
barman, “vão ser os dois que seguram o [estereótipo racial].” A piada mostra
que as coisas podem ser ainda piores do que ser um objeto sexual degradado:
o sujeito pode ser sicamente forçado a assumir esse papel.
Numa segunda variação, o homem pergunta ao barman o que pode fazer
para arranjar uma transa e ele responde: “Bem, tem o barril lá nos fundos com
o [estereótipo racial] dentro”. Mais uma vez, o homem se inquieta e o barman
lhe assegura que isso é perfeitamente normal na cidade. “Sim”, ele explica,
“você pode fazer isso todo dia, menos na quarta.” “Por que não na quarta?”,
pergunta o homem. “Porque nesse dia é a sua vez no barril.” Essa segunda
piada destaca a verdade da primeira: que a pessoa sendo penetrada é o próprio
homem e, por identi cação, o contador da piada e seu ouvinte. Aqui, o lugar
de ser o objeto sexual de outro homem — o que em muitas culturas faz parte
da ascensão ritualística à masculinidade adulta — é o lugar do mais agudo
pavor. Se as orientações sexuais são produto do medo, talvez parte da
heterossexualidade masculina seja movida por esse pavor, ao passo que aqueles
que não são persuadidos pela heterossexualidade talvez sejam menos
perturbados por isso.
A , é claro, as heterossexualidades são tão resultantes de um con ito de
forças complexo quanto o são as homossexualidades. Em seu famoso artigo no
New York Times sobre a saída do armário, em 1971, Merle Miller citou o
psiquiatra Martin Ho mann a esse respeito: “O comportamento heterossexual
é um quebra-cabeça cientí co, tanto quanto o comportamento homossexual.
Presumimos que a excitação heterossexual é natural, de algum modo, e não
precisa de explicação”, mas “chamá-la de natural é fugir inteiramente da
questão: é como se disséssemos que é natural o sol despontar de manhã e
deixássemos o assunto por aí”.121 Nenhum dos dois conjuntos de orientações
sexuais pode ser visto como simples resultado de uma experiência infantil —
uma mãe muito amorosa, um pai distante, uma sedução traumática etc. —, e
a verdadeira questão aqui é por que haveríamos de buscar uma “causa” única,
para começo de conversa. Como observaram Gagnon e Simon, os padrões da
heterossexualidade e da homossexualidade são consequência das estruturas e
dos valores sociais que cercam a pessoa quando ela se concebe como
heterossexual ou homossexual, e não de algum mandato biológico ou
psicológico supremo e original.122
As homossexualidades — assim como as heterossexualidades — devem
aparecer no plural, neste ponto, pois não há uma entidade simples a que os
termos se re ram, e um dos esforços principais dos sociólogos norte-
americanos nas décadas de 1960 e 1970 foi sugerir que as heterossexualidades
eram tão produto do condicionamento cultural quanto qualquer outra forma
de orientação sexual. Margaret Mead já havia a rmado, nos anos 1940, que a
heterossexualidade era um constructo cultural, e, mais tarde, a ativista sexual
e artista plástica Betty Dodson tinha até proposto um comício do “Orgulho
Hétero” — não para ser indulgente com as ideologias heterossexistas que ela
tão vigorosamente combatia, mas para sugerir que a heterossexualidade estava
profundamente necessitada de explicar e desconstruir suas práticas
aparentes.123
Havia nisso um questionamento geral da suposição de que a
heterossexualidade tinha vida própria, de que não necessitava de exposição e
explicação, e do uso da prática sexual para moldar as imagens “do
homossexual”, como se o que as pessoas faziam com seu corpo determinasse
todos os aspectos de sua vida. As práticas sexuais, argumentou-se, são
consequências e não causas de orientações homossexuais, e di cilmente se
poderia de nir a vida humana por com quem a pessoa dormiu. Muitas vezes
foi assinalado que termos como “hétero” e “homo” designavam formas de
amor, e não identidades sexuais, e, portanto, tinham exibilidade em todos os
gêneros, mas essa ênfase corria o risco de solapar a dimensão política do
debate, que almejava direitos e reconhecimento.124
Lutar contra a estigmatização, em todos os níveis da sociedade, requeria
formas de solidariedade e a criação de “comunidades”, ainda que os indivíduos
bem pudessem sentir sua diferença em relação à voz coletiva que se esperava
que sustentassem. “Basear a identidade na sexualidade é como construir uma
casa sobre fundações de pudim”, escreveu o ativista de gênero e educador D.
Travers Scott, mas consolidar identidades parecia necessário para muitos, em
prol da mudança política.125 Aqui, o respaldo e o progresso signi cavam dizer
“nós”, e não simplesmente “eu”, e depois dar um jeito de escapar das
consequências. “Não quero ser identi cado, denominado, de nido,
compreendido”, continuou Scott. “Tudo isso são os primeiros passos da
manipulação e do controle”, ainda que, para outros, possa constituir por si só
uma experiência libertadora. Para muitos, o desa o era — e ainda é — dar
poder a uma voz política que pudesse incluir em si a diferença.
Essa pluralização ecoa, hoje em dia, na expansão dos rótulos de gênero, que
têm gerado tantos debates. Nos anos 1960, era comum dizer-se que os grupos
minoritários sub-representados e estigmatizados estavam à espera de seu
“verbo”, ao passo que hoje talvez se trate menos de um verbo que de um
substantivo. Trabalhando com crianças, descobri que muitas têm pavor de se
identi car com rótulos como “cis” ou “ ”, já que isso é visto como
convencional ou simplesmente ruim. Há enormes pressões sociais em alguns
segmentos da sociedade para que se assumam rótulos especí cos de gênero, e
isso é reforçado pelo famoso senso de “diferença” das crianças e adolescentes.
Toda criança sente-se alguém de fora e pode buscar papéis — e rótulos —
sociais que organizem esses sentimentos de diferença e lhes deem um
signi cado.
Quando ouvimos jovens dizerem que nasceram no corpo errado, isso tanto
pode ser sinal da impossibilidade humana geral de habitar o próprio corpo
quanto de uma convicção a respeito do gênero, além de um efeito de forças
sociais. Algumas crianças, aliás, preocupam-se muito com o que não são e
fazem grandes esforços para se diferenciar dos rótulos e de certos papéis
sociais através de atos de rejeição, ainda que possam ter menos certeza de
quem ou o que são, de fato. Isso pode gerar um ciclo de gravitação para longe
e para perto dos rótulos, especialmente dos que parecem afastar a gravitação
mediante o nome.
Negociar forças sociais nesse contexto está longe de ser uma tarefa simples.
Desde o m da década de 1960, uma forma privilegiada de uma pessoa
identi cada como não cis fazer-se ouvir era dizer algo como “Sempre me senti
X” ou “Eu sempre soube que era Y”, e, embora haja muitas pessoas, é claro,
que tiveram essa experiência, para outras trata-se de uma linguagem
necessária para obter acesso a reconhecimento e serviços. Como assinala o
ativista trans Miquel Missé, essas visões aparentemente monolíticas podem
ocultar relações mais sutis e complexas com o gênero, o que a pessoa talvez
ache ainda mais difícil articular numa sociedade que efetivamente quer que
todos saibam quem são, categoricamente.126 Não há muito espaço — se é que
existe algum — para se explorar o que está entre uma a rmação super cial de
certeza a respeito do gênero e o que pode ser uma ambiguidade mais
profunda.
É signi cativo que, ao terminarem seu enorme estudo das concepções
infantis da sexualidade, Ronald e Juliette Goldman tenham constatado que a
pergunta que mais causou perplexidade entre os pequenos não era “De onde
vêm os bebês?” ou “O que é sexo?”, e sim “Como se decide se a pessoa é
menino ou menina?”. Esse dilema esteve totalmente ausente do radar de
Freud e, em geral, não aparece nos estudos psicanalíticos das teorias sexuais
infantis. No entanto, os Goldman concluíram que esse era o problema mais
misterioso e insolúvel, o que, por sua vez, deve surtir efeitos no modo como,
mais tarde, as crianças se posicionam em termos de rótulos de gênero.127
Ao escrever sobre a questão do gênero, pouco depois da Segunda Guerra
Mundial e na esteira do resultado da pesquisa da revista Fortune mostrando
que 3,3% dos homens norte-americanos prefeririam renascer como mulheres,
Margaret Mead a rmou que as rejeições e frustrações inevitáveis da vida de
todas as crianças deviam, em algum momento, ligar-se à expectativa de gênero
dos pais. Quer houvesse uma convicção generalizada de que “Fui um acidente
de percurso” ou de “Não fui desejado/a”, quer houvesse sentimentos mais
sutis de haver decepcionado um dos pais de alguma forma, isso podia fundir-se
com a ideia de que “Eu não era do sexo que eles queriam”. Nem todas as
crianças, observou Mead, têm a segurança da menina que, ao saber que a mãe
tinha desejado gêmeos, disse: “Ah, eu queria ser gêmeos, mas não pude ser
gêmeos, então encomendei só eu”.
Em termos da questão da sexualidade, porém, há um hiato — hoje
amplamente reconhecido — entre a identidade sexual e a prática sexual. A
questão de quem somos — o rótulo de gênero — pode prometer dizer-nos o
que devemos fazer e sentir no encontro sexual, e com quem, mas aqui os
roteiros talvez quem aquém disso, ou abdiquem explicitamente da
responsabilidade. Entretanto, quando ocorrem, essas separações entre a
identidade sexual e a orientação sexual raramente são herméticas, e as pessoas
cam com expectativas, perguntas não respondidas, dilemas e medos, à
medida que as perguntas “Quem sou eu?” e “O que devo fazer?” brigam entre
si e não coalescem. Muitas vezes, onde elas efetivamente convergem é quando
imaginamos a sexualidade dos outros, e não a nossa.128
Em termos de prática sexual, é muito marcante que os homens
heterossexuais do Ocidente tendam a imaginar que a atividade preferencial
dos gays é o coito anal, quando ele é estatisticamente menos frequente do que
outras formas de intimidade sexual, como a felação e a masturbação mútua
(embora, é óbvio, isso varie muito em termos geográ cos e históricos). Da
mesma forma, os homens heterossexuais tendem a achar que é costume as
lésbicas introduzirem objetos na vagina uma da outra, quando, mais uma vez,
isso é menos comum do que a estimulação vulvar.
Calculou-se que, para cada representação da cópula entre um homem e
uma mulher na arte erótica europeia até meados do século havia uma
representação de duas mulheres tendo relações sexuais, e, como assinalou
Lord Kennet, a frequência absurda com que escritores e pintores varões
retratam mulheres usando dildos uma com a outra é uma tentativa
desesperada de convencer a todos da importância do falo, e de provar que as
mulheres desejam tal como os homens. As pessoas que realmente introduzem
coisas em si mesmas são os garotinhos, que com tanta frequência
experimentam, quando crianças, inserir no reto frutas, legumes e objetos do
banheiro.129
A questão fundamental aqui é se essas crenças e práticas envolvem uma
atribuição de penetração homem-mulher a todas as partes — donde se
presume que o que os casais do mesmo sexo fazem juntos é igualzinho ao que
fazem os homens e mulheres heterossexuais — ou, ao contrário, se até a ideia
de penetração homem-mulher é uma representação codi cada da penetração
homem-homem. A primeira dessas interpretações foi muito disseminada, em
certa época, em muitas áreas do movimento feminista, que rotulava os casais
sapatão-mocinha como réplicas impalatáveis dos estereótipos de gênero
homem-mulher.130 Mas, na realidade, esses estereótipos heterossexuais podem
já incluir defesas contra a ameaça da penetração masculina. Podemos pensar
aqui nas muitas histórias e quadrinhas, onipresentes na cultura popular desde
o começo da era moderna, nas quais um homem penetrando a mulher de
alguém é surpreendido por trás pelo marido, que por sua vez o penetra, sendo
isso racionalizado ou como um castigo ou como uma escalada do prazer.131
Em um mito do Lesu sobre a origem do coito, um curandeiro posiciona o
parceiro masculino do casal original e, em seguida, introduz em seu ânus uma
raiz em brasa, o que o impele a penetrar a parceira. Aqui, o coito
heterossexual baseia-se no ato sexual homem-homem, e, como vimos, muitas
vezes o desejo de penetrar pode ser um tratamento da mistura de angústias e
desejos em torno do ser penetrado. Também poderíamos entender esses atos
como uma versão dos rituais de iniciação que discutimos antes, nos quais a
potência de um homem depende de algum tipo de dádiva fálica de outro, mas
ainda vale a pena considerar se, na verdade, essas duas explicações são a
mesma — se o medo de ser penetrado e a ideia da iniciação na masculinidade
são dois lados da mesma moeda, com o pênis sempre exigindo a introdução de
uma contribuição do homem mais velho, ainda que a ideia de “introdução”
possa ser assustadora, se interpretada num sentido corporal literal.
Curiosamente, a partir dos anos 1950 os experimentos em psicologia que
almejavam medir a angústia muitas vezes mostravam aos sujeitos lmes sobre
a incisão ritualística do pênis, como se o que era norma numa cultura fosse a
medida do terror em outra.
Aqui a angústia pode ser deslocada do pênis, como se a vagina em si fosse
uma estrutura mais apavorante. Voltemos a tomar como exemplo os lmes da
série Alien. Nessa franquia de enorme sucesso, os maxilares da criatura icônica
projetam-se da cabeça para fora a m de devorar sua presa, imagem que é
quase sempre interpretada como feminina: o sexo feminino, a mãe devoradora
etc. Mas será que a coisa mais óbvia nessa imagem não é sua homologia com a
glande peniana, quando o prepúcio se retrai da cabeça? A mecânica desse
processo pode ser incrivelmente perturbadora para os meninos, assim como as
muitas preocupações a respeito de alguma coisa dar errado, desde uma
infecção até a calci cação ou a lesão. É famosa a fuga de John Ruskin na noite
de núpcias, quando ele sai correndo do quarto ao ver o sexo da noiva, o que
lhe foi insuportável, mas a imagem da coroa, da glande e do prepúcio pode ser
igualmente inquietante.
A remoção do prepúcio, muito disseminada globalmente e sancionada pelas
grandes religiões, talvez reduza esse pavor, além de ter outras duas funções
importantes. Historicamente, ela encarna o sacrifício, quando uma parte do
corpo é doada para garantir a benevolência de Deus ou, pelo menos, um
refúgio temporário contra a ira divina. O pênis — ou parte dele — é sempre
circuncidado para outra pessoa nas narrativas religiosas. Os falos de pedra que
adornavam os perímetros das residências na Grécia clássica estavam ali menos
para afugentar os ladrões pelo susto do que como símbolos de paci cação,
oferendas para persuadir os deuses, e é interessante ver isso como uma
característica fundamental do falo.
Quando pesados falos de pedra foram encontrados nas mochilas de
soldados da Primeira Guerra Mundial, causou curiosidade ver que objetos tão
desajeitados tivessem sido transportados com toda diligência, em condições
perigosas.132 Estariam eles ali por brincadeira — “só para dar risada”, de
acordo com um soldado ferido — ou como instrumentos para perpetrar
violência contra mulheres capturadas, ou para uso homoerótico? Nenhuma
dessas explicações pareceu plausível na época, mas, sejam quais forem as
racionalizações passíveis de serem evocadas aqui, a função deles como talismãs
parece provável, especialmente dado o contexto sacri cial mais amplo da
guerra de trincheiras, na qual rapazes são despachados para a morte quase
certa por homens mais velhos. Talvez o falo esteja ali para repelir o destino.
Embora ainda existam cultos de adoradores do falo — recentemente,
conheci uma que me explicou, sem nenhuma ironia, sua adoração ritualística
do pênis masculino —, o falo é menos aquilo para o qual fazemos sacrifícios do
que aquilo que usamos para sacri car. Portanto, está sempre ligado a outro
agente, externo e mais poderoso, quer o vejamos como uma divindade, quer
como uma força impessoal, a exemplo da sorte ou do destino. Se o falo foi às
vezes identi cado com um símbolo de poder, por trás disso há seu estatuto
mais fundamental como sinal de uma falta de poder.
A segunda função da circuncisão é regular a inveja sexual na família. Um pai
descreveu que, no momento da circuncisão do lho, por m entendeu o que
era realmente esse estranho ritual: signi cava que ele nunca teria que se sentir
ameaçado pelo lho. O corte do pênis garantia que não aconteceria nada de
mal, que o lho tinha sido ferido de uma vez por todas, e essa dimensão
dialética ca clara no modo pelo qual, em algumas culturas, o pai não pode ter
relações sexuais com a mãe enquanto a ferida do lho não cicatrizar.133 Nas
anedotas, aliás, como observou Legman, a castração é sempre representada
como um castigo por vingança.
O campo da inveja sexual é esplendidamente descrito na história contada
sobre Sir Walter Raleigh e seu lho, em geral censurada nas edições das Brief
Lives de John Aubrey. O lho está sentado ao lado do pai num banquete e lhe
conta que, naquele dia, procurara “uma prostituta. Estava muito ávido dela,
beijei-a, abracei-a e tratei de possuí-la, mas ela me rechaçou com um
empurrão e jurou que eu não devia fazê-lo, ‘pois vosso pai deitou-se comigo
há apenas uma hora’”. Ao ouvir isso, Sir Walter, “constrangido perante tão
nobre mesa”, golpeou violentamente o lho, que, optando por não retribuir
diretamente o golpe, atingiu a pessoa sentada do seu outro lado, dizendo:
“Passe adiante: logo chegará a meu pai!”.134
Ali onde a psicanálise havia enfatizado inicialmente a hostilidade do lho
em relação ao pai, nos famosos desejos parricidas do complexo de Édipo, cou
clara, mais tarde, a ambivalência do pai em relação ao lho. Aliás, os
sentimentos negativos a respeito do lho varão mal chegam a ser omitidos nos
muitos manuais sobre a criação de lhos direcionados a um pai publicados no
m do século e início do século e descritos como “hostilidade
absolutamente franca”. Se a circuncisão é, em parte, um modo de cuidar
disso, podemos indagar quais seriam os efeitos psicológicos e sociais da
“reconstrução do prepúcio” — a operação comum, na Antiguidade e além
dela, para desfazer os efeitos da circuncisão, com uma literatura clássica
substancial sobre as variedades e técnicas disponíveis.135
Na verdade, a simples remoção do prepúcio deixava a coroa coberta pela
borda vestigial da membrana prepucial, que acabava por se retrair e revelar
uma cicatriz angular, que podia sofrer uma incisão para que a reconstrução
fosse feita. A circuncisão talmúdica, no entanto, almejava excluir essa
possibilidade, mediante a remoção do frênulo, a faixa de tecido que contrai o
prepúcio sobre a glande, o que descobria a coroa e formava uma cicatriz
grossa, impossível de fazer desaparecer. Ainda hoje, cada novo papa tem que
ser examinado, para se ter certeza de que sua pele não foi “reconstruída” e
para haver uma demonstração de nitiva de que ele não foi circuncidado.
Essas perspectivas históricas e psicológicas sugerem que o pênis está longe
de ser uma arma, e sim algo ameaçado e certamente vulnerável. Sua
transformação em arma, portanto, assume uma qualidade defensiva, como se
o próprio instrumento passível de ataque fosse usado para atacar. As agressões
sexuais em tempos de guerra envolvem com frequência não apenas o estupro,
a violação e o assassinato de meninas e mulheres, mas a inserção póstuma na
vagina de algum objeto semelhante ao pênis: uma garrafa ou um pedaço de
pau. O aspecto fálico dessa agressão tem que ser enfatizado aqui, como se o
próprio pênis não bastasse para isso; e, em geral, os participantes das agressões
em bando ou coletivas têm que se masturbar para manter a ereção.
Muitos estudos da excitação e da ereção constataram, com efeito, que o
medo da agressão se correlaciona mais de perto com a excitação sexual do que
o próprio agredir. Em geral, esses estudos envolveram a exibição de um lme
pornô a um grupo de homens, depois de expô-los a imagens terríveis de
mutilação corporal; mas a gama dos “estímulos” escolhidos não parava por aí.
Num dos estudos mais absurdos, sujeitos masculinos foram instruídos a
atravessar duas pontes no Canadá: a primeira, uma estrutura sólida e bem
construída; a segunda, uma ponte suspensa estreita e instável. Enquanto
faziam a travessia, ia a seu encontro uma estudante — categorizada como
convencionalmente “atraente” — que lhes pedia para preencher um
questionário. Em seguida, ela dava a cada homem seu número de telefone,
oferecendo-se para explicar o projeto com mais detalhes. Os pesquisadores
constataram que o número de homens que tinham atravessado a ponte
assustadora e ligaram para ela foi muito maior que o de homens que haviam
atravessado a estrutura sólida e telefonaram.136
A conclusão foi de que o medo pode contribuir para a excitação, mas é
presumível que o simbolismo das pontes tenha escapado aos
experimentadores: uma sólida e orgulhosamente sustentada, a outra correndo
o risco de despencar. Isso nos diz mais sobre os pesquisadores do que sobre os
sujeitos do experimento, e talvez não seja surpresa que a subjetividade da
estudante também tenha sido totalmente removida dos dados experimentais:
a nal, o que ela teria sentido, parada numa ponte precária e apavorante, tendo
que falar com um grupo de homens desconhecidos, e de que modo seus
sentimentos terão sido expressados — subliminarmente ou não — para os
sujeitos masculinos?
O são esclarecedores nesse ponto, já que, no
mundo clássico, era uma questão losó ca muito séria determinar como devia
portar-se o homem que recebia o boquete, uma vez que ele era
implicitamente interpretado como um ponto de vulnerabilidade. Devia ele
car imóvel? Usar as mãos? Era permitido falar? A felação era distinguida da
irrumação, na qual o praticante da felação era passivo e o homem que a
recebia movia vigorosamente o pênis para dentro e para fora da boca da outra
pessoa, num movimento de coito. Na felação como tal, o homem que a
recebia permanecia mais ou menos parado e não movimentava o pênis,
enquanto o executor da felação era ativo.137
Imagine se os atuais cursos de loso a reintroduzissem isso, movidos não
apenas pelo pedigree histórico do assunto, mas também pela quantidade de
brigas provocadas nos casais pela insistência masculina na felação, e pelo fato
de que recebê-la está no topo das listas de exigências da fantasia masculina.
Essa também é a prática sexual preferida entre os homens que frequentam
prostitutas (juntamente com a conversa), e sempre marca muito mais pontos
do que o sexo por penetração. A antiga explicação da predileção masculina
realmente extraordinária pelo boquete era que ele permitia que se evitasse o
sexo da mulher, pois se acreditava inconscientemente que a vagina tinha
dentes capazes de cortar o pênis do homem: a famosa vagina dentata. Mas isso
é desmentido pelo fato de que, na felação, o pênis é colocado na única parte
do corpo da mulher que efetivamente tem dentes. Essa técnica é preferida por
muitos pro ssionais do sexo, pois torna o encontro sexual signi cativamente
mais curto e envolve menor exposição do resto do corpo. Então, por que é tão
popular entre os homens?
A rmou-se até que os presidentes Félix Faure e F. D. Roosevelt morreram
recebendo um boquete (“posando para um retrato”), e ela é descrita a sério
como o auge do prazer sexual masculino. Outra explicação analítica tomou
como ponto de partida o vocabulário da felação, que é frequentemente
descrita como chupar o pênis, quando os atos físicos reais não costumam
envolver a sucção, que poderia conduzir a lesões. Os muitos meninos que
experimentam praticar a autofelação descobrem isso com frequência, para sua
surpresa e incômodo, ao confundirem a sucção com a fricção bucal. O que
sugamos quando bebês são, é claro, os seios, e por isso pareceu a alguns
psicanalistas que boquetes envolvam uma equiparação do pênis ao mamilo.
Assim como um dia dependemos do leite que uía de um mamilo ou de uma
teta, os homens invertem isso, tornando-se, eles mesmos, os provedores de um
líquido corporal esbranquiçado. Em outras palavras, nós nos tornamos os
agentes ativos do próprio processo com que um dia mantivemos uma relação
passiva de escravização. Irrumação, aliás, vem do latim irrumare, dar para
sucção, tal como a mãe oferece o mamilo ao lho lactente.
Podemos observar aqui que é comum os meninos adolescentes
heterossexuais descreverem seus primeiros contatos sexuais como proezas em
que eles “tiram tudo o que podem” de uma garota, como se ela fosse um seio
a ser esvaziado. Quando ela não cede, é castigada, mas também é castigada
quando cede — lembra-se do mergulho das bruxas? —,[4] na humilhação das
putas que é tão difundida em grupos sociais masculinos e femininos. Levada a
seu extremo lógico, a relação oral se inverte, de modo que no boquete, num
dado nível, os homens se transformam naquilo que um dia exerceu poder
sobre eles, e, em outro, pode-se a rmar que há aí um componente de
vingança, e não simples dominação: “posso lhe dar leite e depois largar você”.
Karen Horney achava que a vingança devia ser o fator mais importante da
vida psíquica — uma observação notável, dada a sua ausência quase completa
da teoria analítica. Levando essa ideia até o m, seria possível sugerir que, se
na felação o pênis inverte uma relação de poder, o mesmo faz o ato sexual da
penetração: assim como todos saímos à força de um corpo, ao nascer, agora
empurramos à força nosso reingresso. O coito, nesse sentido, envolveria um
ato de vingança e esclareceria as fantasias masculinas e femininas de
autointrodução no corpo de outra pessoa.
Assim, o en ar violento que muitos homens veem como a dinâmica central
do ato sexual torna-se uma inversão da expulsão que permitiu seu próprio
nascimento.138 E, em combinação com isso, há na violência uma vingança por
todas as injustiças que a mãe um dia cometeu e por todo o poder que ela um
dia exerceu sobre o lho. Para o homem, portanto, o sexo seria uma espécie
de milagre! Ele consegue ao mesmo tempo transformar-se na mãe e vingar-se
dela. O que mais poderia querer?
E - a mãe e vingar-se dela pode lançar luz sobre
a popular prática da ejaculação masculina no rosto de uma mulher. A prática
foi famosamente propagandeada pelo rapper Stormzy, que em “Vossi Bop” se
gaba de concluir assim um ato sexual, e o fato de esse rap ter sido amplamente
tocado nas rádios britânicas — assim como o lamentável tratamento dado
pelos Rolling Stones à violência sexual em “Midnight Rambler” —,139 e até
indicado para uma premiação, atesta a estranha prática de dois pesos e duas
medidas que funciona em nossa cultura: o que condenamos num nível
adulamos em outro, sob o disfarce da arte.140
A verdadeira pergunta aqui, é claro, é por que tantos homens heterossexuais
fazem isso com as mulheres, ao passo que o fenômeno é muito mais raro nos
encontros ou nos relacionamentos entre gays. Um homem faz isso com uma
mulher, mas, ao que parece, um homem gay sente-se menos compelido a fazê-
lo com outro homem (embora a urina de um homem em outro esteja longe
de ser uma raridade). Aqui, a diferenciação de gênero sugere que, além da
agrante humilhação — o que Gayle Rubin chama de “injustiça erótica” —,141
há aí um lembrete para a mulher de que o homem também tem um líquido
branco e de que é ele quem controla, entrega e retém esse líquido.142 A risada
encantada e involuntária que os homens às vezes contam ter soltado depois
desse ato talvez expresse o sentimento triunfante de vitória.
Neste ponto, é interessante comparar o lugar da ejaculação na prostituição
tradicional, masculina e feminina. A prostituta costuma ser paga pela
ejaculação do homem, ao passo que o prostituto — até data relativamente
recente, em algumas partes do mundo — é pago por sua própria ejaculação.
As prostitutas têm ciência do desejo masculino de rebaixá-las com o sêmen —
donde siglas famosas como (cum in face, porra na cara) ou (cum on body,
porra no corpo), para fazer referência a depósitos não vaginais de sêmen. Ao
que eu saiba, não existe sigla para gozar na camisinha… Também na
pornogra a, o ato do sexo com penetração praticamente nunca é concluído
dentro do corpo da mulher, mas apenas quando o homem ejacula sobre ela.143
Se seguirmos a equiparação entre sêmen e leite, talvez isso sugira a variedade
de posições que uma criança poderia buscar: para ser ela própria a
fornecedora, para ter o poder de criar o produto fornecido ou para retê-lo.
Uma garota de programa em análise explicou que, para ela, as ejaculações
na cara não eram um problema em si, pois geralmente signi cavam que ela
não era obrigada a engolir o sêmen masculino, e que o verdadeiro perigo era o
homem “vencer”. Quando lhe perguntei o que queria dizer com isso, ela
a rmou que, se o homem acertasse o sêmen em seu olho, isso signi cava que
ele tinha vencido, expressão que, através de uma cadeia de associações, levava
à ideia de fecundação pelo olho. Era um absurdo irracional, ela admitiu, mas,
apesar disso, estava poderosamente presente em sua cabeça toda vez que um
cliente lhe propunha uma ejaculação facial: o sêmen poderia entrar pela
abertura ocular e plantar uma semente dentro dela.
Curiosamente, a própria ideia de vencer está ligada, em muitas sociedades, a
uma exibição ejaculatória. Pense no que acontece depois das corridas de
Fórmula 1. O piloto vencedor sacode uma garrafa gigante de champanhe e a
esguicha em sua equipe. O simbolismo disso talvez seja evidente, mas
suponho que a questão é saber se o grupo está sendo banhado com urina ou
com esperma. Poderíamos comparar isso à quebra da garrafa de champanhe
quando um navio é lançado: no gesto, invariavelmente feminino, o navio é
“inaugurado” com um simbolismo óbvio de rompimento do hímen.
Sem querer afetar o mercado de champanhe de modo positivo ou negativo,
vale a pena mencionar aqui a genealogia do re nado ato erótico de beber
champanhe num sapato de mulher. Visto às vezes como o clímax de uma farra
elegante, ele deriva da prática elizabetana ocasional de beber do urinol de uma
dama cortejada. Quando Hamlet sonda a extensão do amor de Laerte por sua
irmã perguntando-lhe “Beberás dos vasos?”, na versão do Primeiro Quarto, é
isso que ele quer dizer, e a bebida passaria da urina para a água do banho e,
por m, para o champanhe, no século .144
Quando muito pequenos, meninos e meninas podem tentar receber na boca
um jato urinário do pai quando ele faz xixi, e, mais tarde, é comum os
meninos competirem entre si para ver quem consegue urinar mais longe e por
mais tempo. Quando eles se tornam aptos a produzir sêmen, isso também
passa a ser um objeto de comparação nas traumáticas festas masculinas da
adolescência, com suas “rodas de punheta” e “punhetas em série”: quem
consegue ejacular mais longe? Quem consegue gozar mais depressa? Tempos
depois, é claro, a valorização se desloca da pressa para a demora, à medida que
os homens se preocupam com suas latências ejaculatórias: por quanto tempo
conseguirão transar sem gozar? A continuidade das preocupações com a urina
e o sêmen, nesse contexto, mostra a importância do grupo homossocial
masculino para o modo como o pênis é valorizado: eles são tanto juízes
quanto competidores.
A ejaculação de um homem no rosto de uma mulher também pode ter uma
dimensão homossocial, ligando-o a um grupo de homens que também a
praticam, unidos na degradação das mulheres. O outro traço mais óbvio dessa
prática sexual é sua faceta exibicionista. O pênis é revelado e exibido, tendo sua
potência demonstrada. Presume-se que isso se dá justamente nos momentos
em que a pessoa mais se sente ameaçada e vulnerável, o que ca claro quando
os atos exibicionistas ocorrem em público. Os chamados exibicionistas
enquadram-se em dois grupos: os que exibem o pênis, num momento de
grande pressão, a uma espécie de plateia despersonalizada — como os
passageiros de um trem em movimento — e os que invadem espaços
delimitados para exibir seu pênis a uma única pessoa, com o objetivo de lhe
causar angústia.
Aí se encontram em ação motivações totalmente distintas. No primeiro
grupo, a pessoa busca uma sanção, o registro de seu pênis, e não tem nenhum
desejo de ferir sua plateia. O requisito de um registro abstrato simbólico
re ete-se no fato de que a plateia é despersonalizada: amiúde uma multidão
ou uma série de pessoas que não podem ser diferenciadas. No segundo grupo,
o exibicionista procura, sim, um efeito especí co sobre sua vítima
particularíssima, para lhe provocar con ito, angústia, perda da compostura; e
depois tais atos podem ser seguidos por atos de violência física. No primeiro
grupo, o que importa é o pênis; no segundo, é a vítima. Quando tratam esses
dois grupos como equivalentes, os órgãos da lei deixam de reconhecer fatores
de risco importantes.
F dos seios e do leite. É curioso que, embora meninos e
meninas possam ser amamentados no seio, o valor erótico das mamas e dos
mamilos varie tanto. Os antropólogos relatam que, em algumas sociedades,
como entre os mangaianos da Polinésia, havia pouco interesse sexual no seio,
e a ideia de tocá-lo ou acariciá-lo com a boca era considerada incompreensível,
até a chegada dos meios de comunicação ocidentais.145 Em outras culturas,
em que os seios têm, de fato, uma valência erótica privilegiada, muitas
mulheres não sentem um interesse real em deixar seus seios serem
manipulados por homens desajeitados, ao passo que outras podem excitar-se
intensamente ao ter os seios comprimidos e socados. Para algumas, o valor
sexual do seio é função direta da excitação do parceiro, o que mostra que o
que cria uma zona erógena pode depender do modo como outra pessoa a
percebe.
As mulheres queixam-se com frequência da insensibilidade dos homens
nessa matéria, sem dúvida intuindo a violência na ação de afagar, como se um
tipo sutil de vingança estivesse em ação no corpo da mulher. O seio que um
dia exerceu poder sobre o homem é castigado: é hora do revide. Chega de
dependência. A longuíssima história das mutilações e extirpações dos seios de
moças e mulheres nas guerras, em território “inimigo”, que se estendem
desde a era clássica até hoje, mostra essa vingança em sua forma mais
extrema, porém os lemas da violência são culturalmente onipresentes.
Ler a íntegra dos quatro volumes da história dos seios escrita por Gustave
Witkowski é uma experiência triste e perturbadora, uma vez que, em muitos
sentidos, trata-se apenas de um catálogo de atos de violência contra as
mulheres, sejam eles explícitos ou disfarçados.146 Os peãs em louvor dessa
parte do corpo feminino, escritos no gênero poético renascentista dos brasões,
encontram sua contrapartida nas invectivas dos contrabrasões, nos quais cada
a rmação positiva é combinada com um insulto, e os temas da posse e da
hostilidade estão em toda parte.147 Na descrição feita por Jack Litewka do
roteiro sexual de sua geração, “começa-se por atacar a carne do seio” antes de
prosseguir para “o ouro do arco-íris — o ataque ao mamilo”.148 A linguagem é
bastante inequívoca, e também poderíamos pensar aqui na antiga moeda
corrente pornográ ca dos pacotes de celofane com fotos que simplesmente
retratavam o ato de amassar os seios.
Mas, além da manipulação dolorosa, os homens também têm outro
propósito importante quando tocam e acariciam com a boca um mamilo:
torná-lo ereto. Aliás, a cultura ocidental do pós-guerra passou a valorizar os
seios que apontavam para cima como um falo, e chegou até a criar um nome
militar para essas invenções: morteiros. Os seios caídos traziam o risco de
constranger os homens, e é difícil não ver nisso uma equiparação entre seio,
mamilo e pênis, como se o homem se assegurasse não só de que a mulher
possuía um tipo de traço fálico como de que ele tinha a capacidade de gerar
sua ereção. O que os homens fazem com o mamilo, aliás, muitas vezes é mais
excitante para eles do que para as mulheres.
Num anúncio recente dos automóveis Mazda, um motorista transporta
manequins femininos e obviamente se compraz com o passeio. Ao chegar a
seu destino e parar o carro, visivelmente exultante, vemos que agora todos os
manequins estão com os mamilos duros. O comercial é uma representação
bastante exata de grande parte da sexualidade masculina: o homem prefere
dirigir a estar com uma mulher, as mulheres de sua vida são reduzidas a
manequins inertes e silenciosos, e a excitação delas é igual à dele, falicamente
concebida como uma ereção. A excitação feminina é a excitação masculina.
Esse tipo de equiparação pode esclarecer o mal-estar de muita gente diante
da ideia da ejaculação feminina. Se os homens querem que as mulheres gozem
exatamente como eles — no esforço de negar a diferença —, certamente a
ejaculação delas seria aceitável, e de fato até uns 120 anos atrás ela era uma
parte padronizada das descrições pornográ cas dos atos sexuais entre homem
e mulher. As mulheres emitiriam um uido tal como os homens. Ovídio havia
registrado sua preferência pelo sexo com “meninas”, justamente em
decorrência da “ejaculação simultânea das duas partes”, e a literatura erótica é
repleta de referências a “líquidos”, “rios”, “fontes” e “ uxos” femininos.149
Tempos depois, no entanto, isso seria patologizado ou simplesmente negado,
e as autoridades da medicina a rmariam, mesmo já bem entrado o século ,
que a ejaculação feminina simplesmente não existia. As emissões líquidas
seriam explicadas como transpiração excessiva ou incontinência urinária, mas,
mesmo quando isso foi refutado, restava aos pesquisadores o problema de
saber onde essa quantidade de líquido poderia car armazenada, caso se
excluísse a bexiga.
Embora a ejaculação feminina seja hoje reconhecida como um fenômeno
autêntico, para muitos ela ainda tem uma aura de mistério e tabu, e muitas
vezes carrega um sentimento de vergonha, como se de algum modo sujasse o
ato sexual, ainda que para outros constitua um bem valioso. Num nível mais
inconsciente, ela pode ser ativamente buscada, por con rmar uma paridade de
sexualidade de estilo fálico, ou evitada e negada, pela mesma razão: a ideia de
que a mulher tem um órgão e uma capacidade ejaculatórios é sentida como
angustiante demais. Também pode ser perturbadora, por implicar que a
mulher ainda tem um líquido a oferecer, e não apenas o homem, com isso
efetivamente cancelando a identi cação temporária entre pênis e seio.150
Mas essa equiparação de seio e pênis pode funcionar nos dois sentidos. As
mulheres podem descrever fantasias — e, às vezes, práticas — de introduzir o
seio na vagina de outra mulher, ou de serem elas mesmas penetradas por um
seio alongado.151 A mais famosa evocação disso talvez tenha ocorrido nas
cartas apresentadas como provas no julgamento do divórcio de Lord e Lady
Cavendish em 1865, nas quais o amante dela escreveu sobre “o medo que
sentes de que eu pegue uma mocinha para te violar a boceta com os seios
dela”, antes de descrever seu próprio pênis intumescido. Aqui, pênis e seio são
os órgãos a serem introduzidos, ou com os quais fazer a penetração, e uma das
tarefas de toda criança tem que ser a resolução, de algum modo, da questão da
relação entre essas duas partes ativas do corpo. A nal, iniciamos a vida sendo
penetrados por uma parte do corpo de outra pessoa, que jorra leite dentro de
nós. Logo aprendemos que o pênis jorra urina e, depois, talvez, que ele pode
entrar em outro corpo, tal como um dia fez o mamilo.
Com efeito, era bastante comum, nos séculos e , na Europa, que
falos arti ciais fossem enchidos com leite morno, e a pornogra a da época
tece comparações frequentes com o bebê lactente. O líquido devia ser sugado
ou recebido internamente tal como o bebê sugava o mamilo, e era liberado no
momento apropriado, apertando-se a base do dildo ou através de mecanismos
mais complexos de mola. A preparação do leite e do dispositivo para ser usado
era descrita como “carregar” o dildo, do mesmo modo como hoje usamos o
termo para nossos celulares e laptops. Aqui, pênis e seio são identi cados, em
vez de separados.
Quando essa equiparação permanece no nível de uma identidade, a
sexualidade se mantém oral. Os mecanismos básicos das carícias feitas com a
boca estruturam todos os outros processos corporais durante o sexo —
incorporar, engolir, ingerir, cuspir — atribuindo-se maior ou menor
importância a cada um, conforme cada pessoa. Há muitos anos, os analistas
notaram que as ações e propriedades arcaicas da boca podiam ser deslocadas
para a vagina, a uretra e a vulva, a m de criar uma espécie de gramática
sexual: abrir e fechar, reter e expelir, ingerir e cuspir podiam reger os órgãos
sexuais, tal como faziam com a cavidade oral. Com isso, as muitas formas de
sexualidade oral — recusa da alimentação, comilança exagerada etc. —
podiam criar seus próprios efeitos no nível genital.152 Como disse Selma
Fraiberg, a sintomatologia oral pode “fornecer o vocabulário para os órgãos
genitais”. Alguns a rmaram que, de fato, a vagina exigia essa transferência de
propriedades para ganhar vida, visto que a sexualidade vital da boca enerva o
resto do corpo.153
Comer e ser comido/a são experiências conhecidas no sexo, assim como a
fome é um dos descritores mais comuns da excitação e do desejo sexuais. Às
vezes, existe um desejo de morder e incorporar o corpo da outra pessoa, bem
como de efetivamente engoli-lo por inteiro. De início entendido por muitos
analistas como um ato de sadismo ou agressão, Freud achava que isso não
necessariamente implicava uma intenção hostil, mas podia ser visto apenas
como uma forma de amor. Essa observação é ecoada na distinção entre o
canibalismo sexual e a “vorare lia”.154 Hoje existem comunidades na internet
dedicadas à exploração da “vore”, a fantasia de engolir alguém inteiro ou de
ser engolido/a inteiro/a, e é comum haver pedidos de que nas fantasias
postadas seja banida a inclusão da mastigação. Alerta de gatilho — mastigação!
Presume-se que isso faria mal à pessoa que é engolida, o que mostra que o
amor e a preservação podem ser mais importantes do que a destruição. É
interessante notar que, se engolir é um convite primordialmente feito pela
boca, também pode ocorrer, nas fantasias de vore, pela vagina, pelo ânus ou
pelos seios, o que sugere a ação da gramática oral no resto do corpo. Os temas
de gravidez são ubíquos nesse contexto, com pessoas descrevendo seu desejo
de serem abrigadas e contidas na barriga do devorador, o que evoca a “teoria
sexual” infantil de que o bebê é resultado da ingestão.
Uma analisanda descreveu sua di culdade de abandonar uma amante que
sentia não ser boa para ela mas com quem a dinâmica sexual “era forte
demais”. A outra mulher literalmente a “devorava”, sugando e puxando com a
boca todas as partes do seu corpo, como se ela tivesse que ser possuída e
consumida numa espécie de “frenesi alimentar”. A analisanda ligou isso a seu
curioso fascínio pelo lme Anaconda — totalmente discordante de seu gosto
so sticado pelo cinema de arte —, no qual os personagens são engolidos
inteiros por uma cobra anormalmente grande. Quando ansiosa, ela assistia
repetidamente a esse lme, considerando as cenas de ingestão estranhamente
reconfortantes. “Minhas amigas veem Friends quando estão nervosas, mas eu
vejo Anaconda”, disse.
Talvez não seja de admirar, dadas todas essas associações, que o sexo, assim
como a alimentação, possa acabar no sono, embora na verdade as coisas sejam
um pouco mais complicadas nesse ponto. É comum supormos que os bebês
adormecem depois de mamar, mas, embora às vezes isso seja verdade, é muito
frequente haver um intervalo crucial em que a mãe e o bebê brincam um com
o outro, com as mãos, as vozes, os olhos e todas as outras possibilidades de
interação a seu alcance. Quando o sono se segue de imediato, pesquisadores
da infância a rmam que isso não é efeito da saciação e sim se destina a evitar a
intensa estimulação sensorial da amamentação no seio ou na mamadeira.155
Se aplicássemos esse modelo ao sexo, o sono seria um mecanismo de
defesa, o modo de a pessoa se ausentar e talvez evitar a conversa que muita
gente acha que deve se seguir ao ato sexual. Lacan chegou até a sugerir que a
origem da linguagem humana estaria aí: não nos gritos guturais dos
trabalhadores em algum campo ou em caçadores perseguindo uma presa, mas
no silêncio constrangido que se segue à ejaculação.156 “Foi bom para você?”
G S a maioria das pessoas não sabe falar de sexo,
nem mesmo com as pessoas com quem transa.157 Na pornogra a, os atores
masculinos estão longe de ser falastrões e, em geral, permanecem calados, a
menos que seja para insultar a parceira ou cumprimentar um terceiro.
Tendemos a associar o declínio na capacidade de falar com um aumento da
excitação sexual, de tal sorte que as trocas verbais tornam-se limitadas.
Curiosamente, à medida que as cenas sexuais, na cção e no cinema popular,
tornaram-se mais obscenas, a comunicação posterior ao sexo declinou,
baixando de cerca de 89% no m da década de 1950 para 55% no m dos anos
1970.158
Hoje em dia, é famosa a aplicação dessa proporção inversa entre fala e
prazer a toda a questão do consentimento, uma vez que os pedidos de
consentimento são tidos como redutores da excitação. Devemos apenas
gemer, suspirar e expressar excitação, em vez de pedir concordância ou
permissão. Hoje há aplicativos e até contratos de consentimento, como se de
algum modo isso viesse a resolver o problema, porém a pessoa pode mudar de
ideia antes, durante ou depois do sexo, por uma variedade de razões. A
primeira cena sexual entre Marianne e Connell em Normal People comoveu
milhões de leitores — e espectadores do seriado de — à medida que o
consentimento e a consideração se tornaram parte do “ uxo” do sexo, e não
uma interrupção externa. Entretanto, passada essa abertura instrutiva, a
questão do consentimento tornou-se muito mais complexa, depois que o
interesse de Marianne pela violência e pela dor veio para o primeiro plano.159
Embora o consentimento e a violência tendam a ser percebidos como
polaridades, o consentimento em si pode ser efeito da violência. No mundo
inteiro, a maioria dos adultos que trabalham para manter seu sustento básico
não tem exatamente muita alternativa em matéria de consentir em nenhum
aspecto de sua vida, e isso inclui também o sexo. As mulheres que vivem
relacionamentos violentos relatam baixos níveis de excitação e satisfação
sexuais, mas fazem sexo com muito mais frequência do que as que não
descrevem abusos físicos. Aqui a norma é a coação, e recusar consentimento
claramente não é sentido como uma opção para um enorme número de
mulheres mundo afora. De acordo com um estudo, 14% das norte-americanas
são obrigadas a fazer sexo contra a vontade, mas esse número se eleva para
40% entre as mulheres que são vítimas de violência.
Em setores abastados da sociedade ocidental, o consentimento é
proclamado como uma expressão da ação, mas a ideia largamente divulgada
de alguém ser autor da própria vida é predominantemente fantasiosa. A
agência em si é moldada pelas condições sociais, e a ideia de autoria de si
mesmo que está em voga é um produto reconhecido do capitalismo tardio, no
qual as pessoas são obrigadas a ganhar a vida em condições que efetivamente
impedem isso. Mas, ainda que ultrapassemos a retórica da autonomia, a
maioria de nós diz “Sim” quando preferiria dizer “Não”, como mostrou a
pandemia com muita clareza: já não era necessário apresentar desculpas para
fazer coisas que simplesmente não nos era permitido fazer. O Estado disse
“Não” por nós.160
Na situação altamente carregada e potencialmente íntima de um encontro
sexual, há uma pressão ainda maior para consentirmos coisas que não temos
nenhum desejo de fazer, por razões semelhantes. Isso pode signi car um
“Sim”, mas também um “Não”, se houver con ito entre aqueles que mais
queremos agradar. A atriz Dyan Cannon recorda que sua excitação e desejo
intensos de continuar com seus amores eram interrompidos quando ela
pensava em sua ligação com os pais. Ela queria dizer “Sim”, “mas dizia ‘Não’
porque era mais importante agradar mamãe e papai”.161
Quando crianças, aprendemos a associar submissão e concordância com o
recebimento de amor: se zermos o que eles mandarem, nossos pais não
retirarão seu amor nem nos rejeitarão. Assim, se você quiser alguém para
amar — ou gostar —, é melhor fazer o que mandam. O lado oposto disso é
que, se de algum modo lograrmos ir além do desejo de sermos amados e
buscarmos apenas aquilo que consideramos prazeroso, correremos o risco de
nos transformarmos naquilo que é tão deplorado na cultura: o amante
egoísta, que só se interessa pela própria satisfação. Ou, dito de outra maneira,
a própria pessoa a quem deveríamos dizer “Não”.
É óbvio que existem gradações aqui — e poderíamos introduzir categorias
como empatia ou respeito pelo outro —, mas, além delas, é comum existir a
incômoda realidade infantil de sentir que só podemos ser aceitos se
concordarmos com o juízo e a avaliação que os adultos fazem de nós, e isso
cria a situação paradoxal de que, para nos sentirmos amados, precisamos ser
desamparados ou sem valor, em algum nível. Muitas dessas questões são
tratadas nas práticas de , mediante o uso de protocolos de concordância e
con ança que fornecem estratégias convencionais temporárias para lidarmos
com os pedidos e o consentimento, bem como com o desamparo.162
É curioso como as práticas de parecem ser a maneira mais robusta de
lidarmos com as questões fundamentais nesse aspecto, como se o que é tido
como um conjunto marginal de preferências sexuais devesse, na verdade, ser o
“padrão-ouro” das questões de agência. Na hora H, é claro que pode haver
violações de limites e violência inesperada no , mas ele fornece uma bela
imagem da prática de submissão a regras àqueles que se inquietam com quais
seriam as regras do sexo, ou com saber se realmente existe alguma. A
psicanalista Karin Stephen fez uma distinção útil entre aquiescência e
consentimento: aquiescemos por medo, mas consentimos quando o medo não
é a nossa força motivadora.163 Assim, alguém pode dizer “Sim” a muitas coisas
sexuais pelas quais não tem desejo algum, a m de se sentir digno de amor e
valorizado, e é possível a rmar que essa é uma parte central da maioria das
práticas sexuais. Mas, como assinala Amber Hollibaugh, “não se pode
realmente dizer ‘Sim’ enquanto não se sabe que se pode dizer ‘Não’”.164
Pensemos na questão do uso de preservativos. Em algumas culturas, até a
sugestão de usar um preservativo é tida como indício de que a pessoa ou seu
parceiro estão doentes ou são in éis, e pode desencadear uma violência real.
Em outros contextos, nos quais o abuso físico efetivo é menos provável,
quando um parceiro pede o outro pode sentir-se magoado, por não ser tratado
com con ança e por ter seu corpo implicitamente visto como doente e sujo.
Quando sentimos amor por essa pessoa ou esperamos que ela nos ame, é
possível que consintamos em dispensar o preservativo. O amor, nesse caso,
envolve fazer o que talvez não se quisesse fazer para agradar a outra pessoa, o
que representa, essencialmente, a história da infância da maioria das pessoas.
Infelizmente, os terapeutas sabem como são disseminadas as mentiras sobre a
saúde sexual. Uma pessoa pode convencer-se sinceramente de que está livre de
riscos quando não é esse o caso, ou muito simplesmente mentir, e um triste
fato sobre as doenças sexualmente transmissíveis é que a melhor cura para elas
continua a ser transmiti-las para outra pessoa.
Essa crença inconsciente pode moldar a conduta sexual, mesmo que depois
gere sentimentos de culpa, e decorre daí o conhecido modelo cultural do anel
de Tolkien, um objeto que traz desgraça a seus possuidores. Os mitos, os
contos populares e os lmes representam essa maneira de tratar a toxicidade
pela transmissão: uma praga ou uma possessão demoníaca só podem ser
desfeitas quando o objeto enfeitiçado ou o espírito deslocam-se para outra
pessoa. A força maligna original não pode ser destruída em si, mas tem que ser
deslocada, conforme vemos em inúmeros lmes recentes, como Verdade ou
desa o, Corrente do mal, Sorria ou Arraste-me para o inferno.
S para os detalhes das práticas sexuais, veremos que os
psicanalistas são muito parecidos com o bêbado de G. K. Chesterton que
procura a carteira sob um poste de luz e não onde realmente a perdeu.
Quando lhe perguntam por quê, ele explica que é porque ali é o único ponto
iluminado. Talvez por nós, analistas, sermos supostamente obcecados com o
sexo, tendemos a nos abster de fazer muitas perguntas a esse respeito, o que
signi ca que acabamos perdendo uma abundância de materiais a que outros
pesquisadores têm acesso. Como estamos acostumados a ouvir segredos de
outras pessoas o dia inteiro, supomos que elas também nos estão dizendo tudo
sobre o sexo, o que em geral não acontece.
Quando um/a analisando/a conta que passou por uma situação ruim no
trabalho e voltou para casa para se masturbar, não há dúvida de que o analista
perguntará o que aconteceu no trabalho e, provavelmente, no que ele/a estava
pensando quando se masturbou. Isso pode ser bastante signi cativo. Mas é
muito improvável que perguntemos “E você gozou?”, pois isso seria não só
uma intromissão, como também traria o risco de se estabelecer uma espécie
de padrão pelo qual a pessoa poderia sentir-se avaliada. No entanto, aqueles
que realmente fazem esse tipo de pergunta descobrem, por exemplo, que um
número enorme de pessoas interrompe a masturbação antes de chegar ao
orgasmo. E outra coisa de que os analistas também têm bem pouco
conhecimento é que as inúmeras pessoas que usam uma dada fantasia sexual
na masturbação e no sexo mudam, de repente, para uma segunda fantasia, em
geral muito diferente, quando se aproximam do gozo.
O papel da fantasia na vida sexual é constantemente mal-entendido, como
se houvesse uma espécie de escolha entre a fantasia e o sexo: con aríamos em
nossa imaginação ao sermos incapazes de efetivamente ter relações sexuais
com outra pessoa. Mas analistas e pesquisadores mostraram que a fantasia
menos constitui uma alternativa do que uma condição: a maioria das pessoas
precisa de uma fantasia para se excitar ou para manter a excitação. E
aprendemos a usar a fantasia desde muito cedo na vida, ao coordenarmos
nossos devaneios com a manipulação do corpo. A nal, é um feito e tanto fazer
com que o momento signi cativo numa história que imaginamos coincida
com um orgasmo. Isso requer um conjunto muito complexo de habilidades
cognitivas e físicas, e já foi até descrito como um marco no desenvolvimento
sensório-motor, como aprender a escrever ou a amarrar o cadarço dos sapatos.
Conforme aprendemos a construir e usar histórias masturbatórias, também
aprendemos a nos identi car com personagens, a ser outras pessoas — o que
diríamos ser algo de que precisamos para interpretar e manter relações com o
mundo, de modo mais geral. A fantasia é um processo profundamente
simbólico, e a maneira pela qual ela permite que sejamos outras pessoas e
troquemos de identidade é central para a experiência sexual. Durante o sexo,
homens e mulheres imaginam constantemente que eles ou seus parceiros são
outras pessoas, e as fantasias mais comumente relatadas envolvem trocas de
identidade. Daí a velha piada em que um casal está na cama e um se vira para
o outro e diz: “E se a gente…?”, recebendo a resposta: “Desculpe, estou
cansado demais para pensar em alguém”.
Ao nos concentrarmos aqui na necessidade de variedade ou mudança como
explicação, negligenciamos o lado efetivamente simbólico do processo, o fato
de transformarmos uma pessoa em outra. Como conseguimos fazê-lo? E —
pergunta crucial — será que fazemos isso em alguma outra situação que não o
sexo? Quando estamos tendo algum tipo de desentendimento ou discussão
com nosso chefe no trabalho, por acaso imaginamos que ele é outra pessoa?
Podemos aprender a nos tornar outras pessoas nas histórias, mas isso também
signi ca que aprendemos a transformar uma pessoa em outra? E até que
ponto esses processos funcionam inconscientemente, fora de nosso saber
consciente?
A ironia, aqui, é que muitas vezes o sexo é tido como o momento mais
íntimo compartilhado pelos seres humanos, um momento de verdadeira
ligação, mas ele é, na verdade, o momento em que cada parceiro tem a maior
probabilidade de imaginar que o outro é outra pessoa. Enquanto eles se
beijam ou penetram o corpo um do outro, cada um pode estar imaginando
que beija ou penetra o corpo de outro alguém. O momento da ligação é, ao
mesmo tempo, um momento de desconexão.
Talvez isso pareça surpreendente, mas, dadas as primeiras angústias e
medos que temos em relação às fronteiras corporais e ao excesso de
proximidade, faz sentido que ao carmos tão perto de outro corpo estejamos
sempre em algum outro lugar. Esse é também quase um requisito no processo
masturbatório. Quando as crianças e adolescentes aprendem a se masturbar,
eles ganham, essencialmente, a habilidade de seguir um processo mental
simbólico, enquanto bloqueiam a consciência de estarem tocando nos órgãos
genitais. Se tivessem consciência das duas coisas ao mesmo tempo, a atividade
caria comprometida. Nos meninos, o fato de a masturbação terminar na
ejaculação fornece o modelo do ato sexual, que para eles também termina em
orgasmos (a menos que eles recebam instruções diferentes de seus parceiros).
Temos aí, mais uma vez, a ironia de que a conexão física é possibilitada por
uma desconexão.
O sexo envolve um número inacreditável de proezas de atenção seletiva:
ignoramos alguns sons e odores e nos concentramos em outros;
experimentamos certas sensações corporais e bloqueamos aquelas que
precisamos evitar, deslocando rapidamente nossa atenção para várias coisas.165
Quem tem consciência, por exemplo, de ter um espasmo do esfíncter anal,
uma comichão repentina no peito ou uma crispação dos dedos dos pés no
momento do orgasmo? A gravura erótica Cama à francesa, de Rembrandt,
oferece uma bela metáfora dessa omissão: um casal jovem tem relações
sexuais numa cama com um enorme cortinado. Os espectadores podem olhar
repetidamente para ela sem notar o que há de mais óbvio ali: a moça tem três
braços. Dado o meticuloso cuidado do pintor com suas placas — ele chegava a
polir partes de outros trabalhos com as quais não estava satisfeito —, é possível
que ele tenha pretendido que essa gravura fosse, precisamente, um
comentário sobre como o sexual afeta nossa percepção.166
Contrariando a ideia popular de que, na fantasia, mas não no sexo,
podemos recortar e colar, quase todos os estudos de processos cognitivos
durante o sexo descobriram padrões complexos — precisamente — de
recortar e colar. Como disse um dos pacientes de Edrita Fried, “a realidade do
ato sexual não é agradável. A fantasia é melhor. Na fantasia, eu decido como as
coisas acontecem”, mas a fantasia está bem ali, no próprio ato sexual.167 Nós
nos sintonizamos e saímos de sintonia, e as próprias sensações que
experimentamos di cilmente uem uma para a outra — como gostaríamos de
acreditar —, mas muitas vezes entram em con ito e se chocam. Para Judith
Kestenberg, a excitabilidade do clitóris, da uretra, das partes superior e inferior
da vagina, dos grandes e pequenos lábios e do introito é de ordem totalmente
diversa, e essa própria natureza multifocal da excitação feminina pode ser
assustadora.
Como diz Ruth Herschberger, fazer sexo inclui ao mesmo tempo participar
de uma corrida e trabalhar com geometria, pois “a paixão, a preocupação e a
imperturbabilidade” ocorrem simultaneamente.168 Para ela, o sexo é uma
combinação dinâmica de muitos tipos diferentes de experiências, ligados a
múltiplas fontes. Em vez de serem abertos a todas as formas de estímulos
sensoriais, como as imagens populares do sexo gostam de sugerir, os estados
de estimulação e excitação durante o sexo podem bloquear uns aos outros, da
mesma forma como, na vida cotidiana, criamos estados de excitação como o
excesso de trabalho, o abuso de nicotina ou a embriaguez para bloquear
outros, como a tristeza ou a vulnerabilidade. Usamos sentimentos para
controlar sentimentos.169
Isso se complica ainda mais pelo fato de podermos estar em inúmeros
lugares ao mesmo tempo. De acordo com o velho adágio, há sempre quatro
pessoas presentes durante a relação sexual: os dois parceiros e os amantes em
quem eles pensam naquela hora. Com a psicanálise, os quatro tornam-se pelo
menos oito: os dois parceiros, cada um com uma clivagem bissexual dentro de
si, de acordo com Freud, mais os dois pares de pais.170 Se acrescentarmos os
amantes em quem eles pensam, teremos dez. E, caso se trate de sexo a três ou
de uma orgia, precisaremos da ajuda de um matemático. Isso pode parecer
piada, mas há de fato problemas matemáticos reais aqui, que geraram muita
discussão e debate: dado o número limitado de aberturas no corpo humano,
como é possível organizar as chamadas correntes eróticas? As orgias que
envolvem mais do que certo número ímpar de participantes de forma
permutativa têm que incluir atos orogenitais, e isso se torna ainda mais
complexo quando levamos em conta as preferências pessoais e as orientações
sexuais.171
Mesmo que haja apenas duas pessoas sicamente presentes, cada momento
de um encontro sexual pode ser regido por uma identi cação com o outro
participante, como se a pessoa olhasse através dos olhos dele. É muito
frequente, durante a relação sexual, as pessoas imaginarem que há alguém
observando — muitas vezes sendo esse olhar externo materializado sob a
forma de um espelho —, mas esse observador pode trocar rapidamente de
lugar com a própria pessoa. Um braço, um pé ou o próprio sexo pode mudar
de posição, quando sentimos que a outra pessoa pode achá-los pouco
atraentes, como se estivéssemos tanto no lugar dela quanto no nosso e
julgando através de seus olhos. Nesse caso, podemos fazer outra coisa com
nosso corpo ou com o dela, para desviar a atenção da parte com que nos
sentimos constrangidos.
À medida que o corpo muda e envelhece, pode haver ainda mais pressão
para esconder, camu ar ou distrair, mas, ao explorarmos a psicologia dessas
situações, quase sempre constatamos que os olhos pelos quais vemos nosso
corpo são, em última análise, os de outra pessoa: em geral, um genitor ou
genitora cujo olhar internalizamos como nosso. Quando julgamos feia ou sem
atrativos uma parte do corpo, essa avaliação carrega a sombra de um olhar
negativo de um dos pais: um comentário mordaz, diretamente dirigido a nós
ou entreouvido, ou até o esforço indisfarçado de um dos pais para mudar a
parte em questão. Infelizmente, distrair a atenção desses aspectos do corpo
durante o sexo não é capaz de distraí-la do peso desse olhar parental negativo.
Esses pequenos desvios da atenção estão em toda parte durante o sexo e
podem envolver muito mais do que a percepção visual e tátil do corpo. A
vontade de urinar é outro exemplo de como um processo físico pode
funcionar para desviar a atenção de outros estados corporais e psíquicos. Em
algumas culturas, urinar durante o sexo é considerado uma parte roteirizada
da excitação feminina. Numa população da Micronésia, o coito só pode
ocorrer, ao que parece, se a mulher tiver urinado durante as carícias
preliminares. Em outras sociedades em que isso é mais ou menos proibido,
algumas mulheres têm muito medo de que a urina aconteça, e há temores de
sujar as roupas ou a roupa de cama e repelir o parceiro. Entretanto, a vontade
de urinar pode tornar-se necessária para eclipsar ou desviar a atenção de
outros estados internos, para lidar com excitações crescentes e avassaladoras, e
até com o arcaico medo de explodir, tantas vezes evocado quando as mulheres
descrevem o orgasmo. A exploração feminina da uretra é bastante comum na
infância, de fato, e a masturbação uretral foi estimada em torno de 10%,
comparada a 20% de masturbação vaginal e 20% através da pressão das
coxas.172
Muitas práticas sexuais são afetadas pelo medo infantil de estourar ou por
sua contrapartida, o pavor do esvaziamento. Estes podem assumir a forma de
imagens de ser in ado/a com alguma substância — o que supostamente
provém da experiência da amamentação e das ideias infantis do que os pais
fazem um com o outro — ou de ser esvaziado/a de tudo, o que se liga ao
pavor de que o seio seque ou de que as vísceras sejam perdidas. Esses temores
sombrios podem se tornar bastante explícitos nos sonhos ou, mais raramente,
nos crimes sexuais, mas são legíveis na maioria das demandas cotidianas de
mais sexo, como se a intimidade corporal fosse algo literalmente passível de se
esgotar. Fill me up [Encha-me todo/a] é, de fato, uma rubrica muito clicada no
Pornhub.173
A própria excitação pode ser assustadora, quando a pessoa a associa a esses
medos, e pode moldar aspectos sutis da prática sexual — o modo de o
indivíduo se mover ou tocar o outro — ou causar a evitação completa do sexo.
Os pesquisadores constataram que a atenção se desloca rapidamente de um
ponto para outro durante a relação sexual, desviando-se do corpo da própria
pessoa para o da outra, para a fantasia e para outros processos mentais, ou até
para números. Algumas pessoas, enquanto se ngem perdidas no gozo, na
verdade fazem contas mentais em silêncio. As sensações vividas como erradas,
ou extremas demais, ou repulsivas, precisam ser rapidamente tratadas, e por
isso fechamos alguns níveis de consciência e aumentamos outros.
O medo de estourar e de perder as próprias entranhas pode signi car que o
orgasmo é cuidadosamente posto de lado, e o medo de ser esvaziado/a é
comumente visto na ideia de ser traído/a que emerge em torno dos contatos
sexuais. Pode haver a ideia irritante de que de fato se foi roubado/a, mesmo
que a pessoa ache que seria impróprio verbalizá-la. Mas a ideia persiste,
gerando discórdia no relacionamento, uma discórdia muitas vezes inexplicável
para o parceiro.
A trágica fronteira entre a conexão e a desconexão talvez que mais clara
após o próprio ato sexual. A sensação amiúde informada de nojo e raiva do/a
parceiro/a — em geral, uma mulher — pode ser consequência do pensamento
“Por que você não é outra pessoa?”. A clivagem entre o amor idealizado e o
desejo sexual pode ter permitido a ocorrência da excitação, em primeiro lugar
— para usar a dicotomia mãe/puta —, mas depois é seguida por toda a raiva
decorrente de não se haver encontrado o que se estava realmente procurando.
As imagens culturais da mulher ideal, que mudam historicamente, é óbvio,
podem ser usadas como álibis para o ódio: a parceira não cou à altura do que
era esperado.
Quando Zola en m passou a noite com George Sand, após um esforço
continuado de seduzi-la, ela não fez qualquer tentativa de esconder a natureza
irrefreada de seu desejo sexual. De manhã, Zola deixou dinheiro na mesinha
de cabeceira, como se a realidade da paixão dela a desquali casse da categoria
de “mulher a ser cortejada” e, em vez disso, a transformasse em prostituta.
Q das fantasias, encontramos o estranho
e o familiar. É comum os homens imaginarem que estão rasgando o corpo de
uma mulher, ou levando-a ao orgasmo sem parar. Tradicionalmente, as
fantasias sexuais masculinas eram entendidas como veículos de relações de
poder, com um homem ativo e agressivo e uma mulher-objeto passiva, porém
vários estudos posteriores, a partir da década de 1970, a rmaram que, na
fantasia, os homens eram especialmente atentos ao prazer feminino, enquanto
as mulheres, supostamente criadas para dar prazer aos homens, na verdade
concentravam-se mais em dar prazer a si mesmas.174 A ideia de que as
mulheres só se interessavam realmente pelos relacionamentos, e não pelo
sexo, como disse Sallie Tisdale, talvez fosse apenas uma forma codi cada de
dizer que era por isso que elas deveriam se interessar.
Mas o aparente altruísmo da fantasia masculina sensível à mulher talvez só
faça ocultar a antiga estrutura de poder: levar uma mulher ao orgasmo coloca
o homem e seu pênis no lugar da única agência ativa, e o orgasmo em si pode
ser visto como uma forma de divisão, de separação. Com ele, o homem
consegue fazer um rombo na autoimagem, no autocontrole e na compostura
da mulher. Portanto, pode haver certo tipo de violência escondido no esforço
de agradar a parceira. A nal, ser capaz de afetar profundamente uma pessoa é
exercer poder sobre ela, por mais temporário que seja.
O vocabulário do orgasmo faz eco a essa linha destrutiva, e é notável ver
como, através dos séculos, ele tem sido equiparado à morte ou a uma perda de
si mesmo. No século , era comum exclamar-se “Você me mata!”, e o
orgasmo era chamado de “pequena morte” em diversas línguas. Um estudo
das descrições do orgasmo nos romances contemporâneos constatou que
quase metade dos excertos incluíam imagens de morte e dilaceração,
estilhaçamento e explosão dos corpos.175 Quando a prática do boxe ocidental
foi introduzida nas ilhas Cook, a palavra “nocaute” foi prontamente
incorporada para descrever o orgasmo feminino.176 A perda dos limites e o
colapso são evocados com frequência: “Eu me estilhacei em um milhão de
pedaços”, “Eu me transformei em átomos e moléculas”, “Eu co perdido/a”,
“Eu me despedaço feito um prato quebrado que vai se espalhar por toda
parte”, “Um abandono total”, “Um blecaute completo da consciência”.
Embora, é claro, possamos ver nessas expressões um léxico de transcendência,
com o orgasmo permitindo à pessoa alcançar outro plano existencial, é difícil
não inferir também uma violência palpável, uma ruptura ou desagregação dos
corpos.
É por isso que algumas pessoas — mais mulheres do que homens — podem
ser cautelosas e evitar por completo o orgasmo, já que os riscos são
signi cativos. Quando os pesquisadores constataram, em 1974, para seu
assombro, que cerca de 7% das estudantes de Nova York acreditavam que a
masturbação podia levar à “loucura”, isso pôde ser interpretado menos como
uma relíquia das teorias médicas dos séculos e , ou como resultado de
uma educação sexual precária, do que como uma avaliação realista dos riscos
para o sentimento de identidade que o orgasmo podia acarretar.177 Aqui, o
medo feminino e a agressão masculina coalescem nesse ponto de porosidade
física e psíquica.
O vetor vingativo de grande parte da sexualidade masculina também pode
ser encontrado na sequência das fantasias, e assim lançar luz sobre o fato
aparentemente contraditório de os temas mais frequentes da fantasia
masculina serem o poder sexual, a agressão e… o masoquismo.178 Se é tão
constante a fantasia masculina de esmagar e martelar a mulher internamente
com o pênis — raras vezes contra a vontade dela, nesse caso —,179 as fantasias
podem ser precedidas por imagens mais passivas.180 Assim, para se excitar e
sustentar uma ereção, o homem pode imaginar que a mulher assume o
controle, forçando-o a fazer sexo e, em geral, ocupando uma posição
dominante. Depois, à medida que vai cando mais excitado e se aproximando
mais do orgasmo, isso se altera para a fantasia de dominação masculina mais
conhecida, na qual ele se torna o único agente ativo. Os homens são capazes
de falar abertamente dessa segunda fantasia, porém muito menos da primeira.
E, no entanto, a ordem sugere que a segunda parte, ativa, pode representar
uma vingança pela sequência passiva anterior.
É provável que o medo seja o fator-chave aqui, e Theodor Reik observou,
muitos anos atrás, que é mais fácil o homem admitir-se escravo de uma
mulher do que ter medo dela, evitação esta que se re ete na prática sexual.
Inúmeros homens pagam a mulheres para que elas sejam suas donas em
práticas de dominação, ao passo que as situações em que o homem encena
sentir medo de uma mulher, ao que eu saiba, são raras ou inexistentes. Depois
de atender milhares de pessoas em sua clínica sexológica, Claude Crépault
pôde a rmar que nunca tinha ouvido um homem admitir-se com medo das
mulheres. Do mesmo modo, não é incomum um homem pagar para que a
mulher urine ou defeque nele, mas isso é raríssimo — embora não totalmente
ausente — entre as mulheres.181
A mudança nas fantasias durante os atos sexuais também questiona a
conhecida desconexão que os homens parecem mostrar em termos de apego
emocional a suas parceiras. Segundo o clichê popular, os homens fariam sexo
sem sentir grande coisa, ao passo que as mulheres têm mais probabilidade de
manter relações sexuais quando sentem uma ligação emocional. “Foi só sexo”,
podem dizer os homens, e em seguida passar rapidamente para a pessoa
seguinte. Isso costuma ser explicado em termos do binário mãe/prostituta,
muito popular na cultura do século e que recebeu de Freud uma leitura
edipiana. Os homens, disse ele, sentem-se perturbados demais com a
proximidade de sentimentos sexuais e amorosos pela mãe, e por isso os
separam: desejam uma mulher, mas são incapazes de sentir amor por ela, e
amam outra mulher, sem poderem sentir desejo sexual por ela. Para Freud,
portanto, a sexualidade masculina era um modo de lidar com a culpa.182
A veracidade dessa explicação parece inegável, e nós a vemos todos os dias
no trabalho analítico. Um homem pode perder o desejo sexual pela parceira
no momento em que ela engravida ou assume algum traço associado com a
mãe dele, e o desejo sexual pode sempre gravitar para mulheres que
representam traços “opostos” aos maternos: quando a mãe é morena, as
mulheres desejadas são pálidas etc. Do mesmo modo, uma imagem maternal
“pura” pode não excitar desejo algum, até que o homem a emporcalhe,
degradando-a e desdenhando-a através da linguagem ou da ação. Alguns
homens só conseguem chegar ao orgasmo quando insultam a mulher com
quem se deitam, e a sensação de desprezo pode ser um pré-requisito do tipo
mais básico de excitação.
Note-se que, se essa divisão é um modo de lidar com a culpa, é também um
modo de lidar com a signi cação. Quando o homem a rma não sentir nada
pela parceira sexual — “Foi só sexo” —, essa é uma operação sobre o
signi cado: o ato não teve importância alguma para ele e, portanto, pode ser
esquecido, minimizado ou desculpado. Por seu turno, amar, em vez de desejar,
confere sentido, sugerindo que o amor e a signi cação são estreitamente
ligados. No modelo edipiano de Freud, se a mulher é a sede primária do amor
e do desejo, ela é também a sede da signi cação, e, portanto, cindir amor e
desejo é cindir a signi cação: algumas parceiras são tidas como não
signi cando “nada”, enquanto outras têm enorme signi cação.
Mas a vida de fantasia sugere que essa separação categórica nunca é tão
nítida quanto os homens gostariam que fosse, e Crépault descobriu que
homens que usavam o que ele chama de cenários “antifusionais” — nos quais
a emoção é desligada e a mulher é objeti cada — podiam de repente passar
para os “fusionais” — nos quais é sentida uma conexão verdadeira com a
mulher — ao se aproximarem do orgasmo. Além de indicar a natureza
defensiva da separação masculina entre mãe e prostituta, isso também lança
luz sobre o súbito distanciamento e frieza que os homens frequentemente
demonstram às mulheres depois da ejaculação. A dimensão “fusional” tem
que ser negada.183
Crépault encontrou uma bifurcação semelhante nas fantasias sexuais
femininas. Sentimentos intensos de ligação romântica durante o sexo podem
dar lugar, subitamente, a imagens fantasiosas de objeti cação e ausência de
apego, logo antes do orgasmo. A mulher pode até imaginar que seu parceiro
da fantasia é substituído por um animal, como que para introduzir justamente
a dimensão “antifusional” que se supõe caracterizar a fantasia sexual
masculina. “Na maioria das vezes, quando fazemos amor”, explica uma
mulher, “imagino que é o pênis de um cachorro enorme ou de um cavalo que
está me penetrando, ou que um cachorro me lambe e hordas de cães copulam
enlouquecidamente.” É curioso notar, neste ponto, que se às vezes as
mulheres têm fantasias sobre sexo com animais, os homens praticamente
nunca as têm, embora tendam, ao contrário, a alimentar fantasias sobre
mulheres fazendo sexo com animais.184
V - femininas, a primeira coisa a
reconhecer é que os primeiros estudos a esse respeito foram equivocados.
Kinsey e seus colaboradores acharam que a vida de fantasia das mulheres era
muito menos generalizada que a dos homens e que, se o homem pensava em
alguma cena imaginária durante o sexo, a mulher tinha menos probabilidade
de fazê-lo. Alguns autores psicanalíticos sustentaram a mesma visão, mas por
volta da década de 1970 cou muito claro que as mulheres fantasiam tanto
quanto ou mais do que os homens durante a relação sexual, embora talvez
não no momento exato do orgasmo. Essas fantasias podem modi car a
identidade do parceiro — ou da própria mulher —, muitas vezes tornando
anônima a outra pessoa, deixando-a sem rosto ou inde nida.185 As fantasias de
coação também se revelaram extremamente comuns e se tornaram um tema
muito discutido no movimento feminista: seria certo uma pessoa ter fantasias
de estupro, sobretudo quando havia passado grande parte da vida fazendo
campanha pelos direitos da mulher e por mudanças nos sistemas jurídico e
social, tendenciosos a favor dos homens?186
O primeiro conjunto de explicações psicológicas dessas fantasias,
proveniente sobretudo de terapeutas, teve validade apenas parcial e seletiva.
Concentrando-se em sujeitos heterossexuais, eles presumiram que, na fantasia,
um homem — descrito como atraente — seria incapaz de se impedir de
subjugar a mulher, levado por sua paixão por ela. Assim, a rmou-se, a fantasia
do estupro era o veículo de um certo sentimento de legitimação que
con rmava o lugar da mulher como objeto do desejo. A força do homem era
uma consequência dos atrativos da mulher, e daí a ubiquidade das fantasias de
coação na vida sexual feminina.
Embora isso possa ter fundamento em alguns casos, as realidades da vida de
fantasia tendem a desmenti-lo como explicação abrangente. Para começar, o
homem raramente é descrito como atraente, e é mais comum ser retratado
como medonho, repulsivo, enojante, anônimo ou múltiplo. Em segundo
lugar, ele não costuma ser tomado pela paixão, podendo praticar atos sexuais
de modo rotineiro e pragmático, sem demonstrar o menor compromisso
emocional, como um operário de fábrica. A própria falta de interesse dos
homens pode ter um valor sexual, aumentando a excitação das mulheres. Em
contraste com as fantasias masculinas de coação, nas quais a mulher agredida
pode se excitar num dado momento, em muitos cenários femininos essa troca
não acontece, e o agressor continua entediado e desinteressado.
Como entender esses aspectos das fantasias femininas? Uma explicação dada
pelas primeiras autoras do movimento feminista foi que séculos de
desigualdade de gênero, objeti cação, agressão e falta de espaço para elas
articularem seus desejos estavam fadados a afetar a subjetividade das
mulheres, de modo que as fantasias eram essencialmente tomadas de
empréstimo dos homens, ou constituíam resíduos da opressão feminina. As
condições de opressão teriam virado arcabouços de excitação, e por isso
haveria um processo longo e difícil para reverter as fantasias de coação e
chegar a uma sexualidade mais emancipada.187
Para algumas autoras e ativistas, a sexualidade feminina estava sendo
identi cada com a vitimação de modo um pouco categórico demais, com o
resultado de que tudo o que parecia envolver relações de poder desiguais era
automaticamente estigmatizado. Isso trazia o risco de dizer às mulheres
apenas o que elas deviam ou não fazer na cama, substituindo um sistema
moral autoritário por outro. Como disse Amber Hollibaugh em seu célebre
diálogo com Shelly Moraga: “Não quero viver fora do poder na minha
sexualidade, mas também não quero cair na armadilha de um conceito
heterossexista de poder”.188 O medo do “controle heterossexual da fantasia”
signi cava que não era seguro vivenciar nenhuma fantasia, e, na vida sexual de
cada mulher, abrir mão do poder em resposta às necessidades do parceiro
podia trazer uma sensação “profundamente poderosa e não passiva”. E, por
isso, as fantasias de captura deveriam ser exploradas, em vez de eliminadas
como simples efeito do que os críticos da época chamavam de “picada na
cabeça”.
Outra perspectiva enfatizou que já estamos sempre inconscientemente
identi cados com todos os atores de um cenário de fantasia, e, portanto, os
homens entediados e desinteressados poderiam representar, na verdade, uma
parte da subjetividade feminina. Se o sexo era vivenciado como um dever
mecânico sem emoção por tantas mulheres, não estaria isso sendo invertido na
fantasia de coação? Em vez de uma gura feminina não engajada, agora eram
o homem ou os homens que apenas executava(m) alguma tarefa maçante de
estilo fabril. Portanto, a fantasia estaria invertendo o lado experiencial dos
papéis de gênero na típica dinâmica do sexo conjugal, descrita por Kinsey e
tantos outros autores. O único problema aqui é que as fantasias de coação são
igualmente comuns entre as mulheres que a rmam nunca ter achado que o
sexo fosse um dever sem emoção, imposto pelos homens.
Porventura também haveria aí outros fatores em jogo, tais como as crenças
a respeito de como os pais de cada um praticavam o sexo? Se a pessoa
imaginava a mãe como um modelo assexuado de pureza, por exemplo, como
ela poderia ter feito sexo senão forçada? E isso introduz o que talvez seja a
característica crucial dessas fantasias: elas tratam da questão da
responsabilidade. Ser forçado a uma situação de submissão sexual sobrepõe-se
ao consentimento mediante coação, e, portanto, pode-se argumentar que
admite a experiência do prazer sexual sem culpa. Como disse Carole Vance, “o
sexo é sempre culpado, até ser provado inocente”, e daí decorre que muitos
cenários sexuais poderiam ser entendidos como tentativas de demonstrar
precisamente essa absolvição: “Inocente!”.189
Em sua compilação de fantasias sexuais femininas, Nancy Friday reparou na
notável frequência desses veredictos e em como era comum o uso de
expressões do tipo “aí eu tive que…”, ou “ele me fez…”, mesmo quando o
cenário não envolvia nenhuma coação óbvia.190 A pessoa não é responsável
pelo próprio prazer — especialmente o prazer com uma gura proibida,
associada ao pai —, e toda a responsabilidade recai inteiramente sobre o
agressor. Se as meninas são educadas na infância para sentir culpa pelo prazer
sexual e para achar que a excitação do corpo, de algum modo, é julgada
negativamente e não permitida, essas fantasias funcionam retirando a culpa e
permitindo que a pessoa goze.
Da mesma forma, o anonimato dos agressores pode signi car uma fuga
temporária da faceta edipiana da fantasia e da sensação de ser julgada.
Diferentes aspectos da fantasia e da prática sexuais podem ser recrutados com
esse objetivo, desde o uso de máscaras até a seleção de estranhos para o
elenco, ou a adoção de posições que eliminem o contato visual. O anonimato,
como assinala Friday, permite o sexo “sem que haja ninguém para encarar, e
também nenhum rosto conhecido a que nos explicarmos depois”. Embora
possamos gostar de pensar de outra maneira, o sexo é um drama num
tribunal, com diferentes estratégias para fugir do julgamento e da condenação.
Enquanto os homens dividem, as mulheres impõem o anonimato.
Como disse uma analisanda, ao falar de sua fantasia de ser dominada por
um grupo de homens sem rosto, “me zeram expressar um desejo que, de
outro modo, eu não poderia expressar”. Somente o cenário da submissão
forçada possibilitava seu prazer, pois a ação era retirada dela. Dyan Cannon
descreveu um processo semelhante, mas, além de deslocar a culpa — “Eu não
queria ser responsável por meus atos” —, ela se anestesiou, isolando sua
consciência real do próprio corpo. “Eu não sentia nada, não queria sentir a
verdade”, escreveu, e a ação foi unilateralmente limitada a seu parceiro: “Eu o
odiava, simplesmente o odiava por me tornar imprópria para ser esposa de
qualquer homem. Eu não queria ser responsável por meus atos, e por isso o
responsabilizava”.191
A intrigante popularidade do lme Busca implacável entre as mulheres torna-
se menos bizarra ao reconhecermos essa questão da responsabilidade. Nessa
narrativa incrivelmente racista e misógina, um pai batalha para resgatar a lha
de tra cantes do sexo e comete múltiplos homicídios nesse processo. A ideia
do amor invencível do papai pela lha talvez distraia da xenofobia mais
lamentável do lme, porém é o cenário do sequestro que proporciona o
verdadeiro fascínio: ser “sequestrada” signi ca que toda a responsabilidade é
dos sequestradores. A velha e equivocada ideia do masoquismo feminino
certamente encobre essa questão da responsabilidade pelo prazer:
aparentemente, os cenários masoquistas são apenas um modo de representar
transferências de responsabilidade.
Poderíamos a rmar que, na verdade, há aqui uma ligação entre o tema do
sequestro e o do amor duradouro do pai. Na análise, às vezes testemunhamos
a capacidade de uma mulher vivenciar o próprio corpo como sexual após um
sonho em que ela é, de modo muito literal, um objeto puramente sexual do
pai. O sonho pode causar horror e medo, mas depois torna possível uma
relação diferente com o corpo. Será que isso representa uma convergência dos
temas de ser raptada e ser escolhida, com o consequente entrelaçamento da
eliminação da responsabilidade e da legitimação como objeto desejável e
escolhido?
A ideia de ser escolhida, porém, pode esconder outra dimensão
inconsciente, moldada pela história pessoal e social. Quando exploramos os
sonhos femininos de ser um objeto para o pai, o antigo tema da posse emerge
repetidas vezes: a lha é propriedade do pai. Quando Liam Neeson arrisca
tudo em sua busca desesperada para salvar a lha querida, não será, em última
instância, nesse sentido de recuperar sua propriedade? Durante séculos as
mulheres foram classi cadas como bens masculinos, donde a indenização nas
condenações por estupro ter sido tão frequentemente paga ao pai da vítima e
à família dele, e não à própria vítima. O crime sexual era aí um crime contra a
propriedade.
Mesmo na liberal década de 1960, os defensores e praticantes das novas
liberdades sexuais referiam-se à “troca de esposas”, antes de a expressão ser
saneada sob a forma mais palatável de “troca de parceiros”.192 E se,
historicamente, ser esposa muitas vezes pressupunha a virgindade da noiva —
ou a aparência de virgindade, pelo menos —, essas concepções de propriedade
foram profundamente gravadas no próprio corpo. Muitas meninas são
educadas para crer que o hímen é igual à pele esticada sobre a borda de um
tambor e vem a se romper durante o primeiro coito, uma imagem em total
desacordo com a realidade anatômica. Imaginar o hímen como um lacre
perpetua e reforça a ideia da posse masculina e do corpo da mulher como um
bem que pode estar intacto ou dani cado.
Clinicamente, o que também vemos aí, muitas vezes, é que a mulher pode
experimentar tanto um desejo intenso de pertencer a alguém quanto o desejo
de que isso não ocorra. Nos casos de abuso doméstico, os amigos e a família
podem car perplexos com a insistência da mulher em permanecer com o
marido patologicamente ciumento e possessivo, por exemplo, mesmo que sua
situação econômica lhe permita afastar-se dessa realidade e que pareça haver
uma perspectiva de segurança. Além desse evidente con ito entre as
concepções básicas de liberdade e escravização, é possível que haja aí um o
edipiano: a imagem de pertencer ao pai talvez permita que a criança se separe
da mãe, e assim o sentimento de “pertencer” e até de ser propriedade pode vir
a adquirir um valor e um propósito especiais.193
Os dramas de sequestro são extraordinariamente populares hoje em dia, e é
comum os adultos considerarem um absurdo que essas histórias
perturbadoras — nas quais em geral um homem sequestra uma menina ou
uma mocinha — possam ser vistas repetidamente por meninas de oito a dez
anos, antes que sua atenção se volte para os espetáculos mais óbvios para
adolescentes, que retratam romances entre estudantes do ensino médio.
Filmes como Acredite em mim: A história de Lisa McVey, O quarto de Jack,
Sequestrada à luz do dia e A garota do abrigo podem fascinar pela imagem brutal
de “pertencimento” que apresentam e, em menor grau, pelos efeitos sobre a
família que perdeu a lha.
Quando discutem essas narrativas, jovens analisandas se concentram no
laço entre sequestrador e sequestrada, questionando o que cada um estaria
sentindo e, às vezes, imaginando planos de fuga, e é difícil não intuir nisso
uma tentativa de exploração da questão do que acontece sexualmente entre
um homem e uma menina. O que ocorre quando uma moça é “escolhida”?
Como se pode ao mesmo tempo pertencer a uma pessoa e fugir dela? É
necessária a força para admitir um contato físico que parece tão perigoso e
proibido?
A ênfase na coação se re ete, nesse aspecto, no uso feminino da
pornogra a. Segundo as análises disponíveis, as mulheres têm 80% a 100%
mais propensão do que os homens a buscar o tema “sexo bruto”, e os cenários
de submissão têm grande popularidade.194 Mas vale assinalar que as buscas da
coação na pornogra a são muito comumente equiparadas às de interações
mulher-mulher, com ênfase não no sexo bruto ou brutalizante, mas na
atividade sexual terna, mais delicada e lenta. As mulheres que falam dessa
bifurcação não veem contradição alguma entre esses dois conjuntos de
cenários e buscam acesso aos coercitivos ou aos ternos conforme seu estado
de espírito na ocasião. De maneira signi cativa, quando as narrativas de
submissão envolvem homens que transformam uma mulher em objeto, a
pornogra a mais suave descarta inteiramente o homem, atribuindo o agir
sexual unicamente às guras femininas.
Poderíamos supor que os cenários de submissão se tornariam mais
difundidos, por ser menor a probabilidade de se ensinar às meninas que o
desejo depende do amor. Se em muitas sociedades, desde os anos 1920, a
criação infantil das meninas ensinou-lhes que elas devem amar a pessoa com
quem mantêm relações sexuais e estar romanticamente envolvidas, isso em
certo sentido introduz uma permissão: o amor, como observou Crépault, é o
álibi do desejo sexual. Mas, visto que a ligação entre amor e desejo vai sendo
enfraquecida ou desfeita em algumas partes do mundo contemporâneo, talvez
isso sugira que são necessários outros referenciais para absolver as pessoas da
responsabilidade.195
Robert Stoller observou que as pesquisas de Masters e Johnson em que os
casais mantinham relações sexuais em seu laboratório funcionaram
justamente por causa da introdução desse arcabouço: era a ideia do próprio
laboratório que legitimava a atividade sexual, livrando os participantes do
sentimento de culpa. E, se a atividade sexual feminina tem sido mais
comumente ligada a alguma forma de sacrifício — pelo amor, pelo homem,
pelo casamento, pelos lhos —, o problema só faz tornar-se mais agudo à
medida que ela vai perdendo essa dimensão e que o prazer sexual é a rmado
como um valor em si. Por mais objetáveis e opressivas que tenham sido essas
concepções do altruísmo forçado, a alternativa deixa em aberto a questão da
responsabilidade. Se o prazer sexual é uma meta em si, que preço se deve
pagar por ele? Como se pode evitar a responsabilidade por ele, ou, em algum
sentido, tratá-la?196
Erica Jong fez a esse respeito a interessante observação de que, na época em
que o sexo e a culpa estavam muito abertamente fundidos, as mulheres que
dispunham de recursos econômicos viajavam à Europa para ter encontros
sexuais. Isso não signi cava apenas estarem longe de casa e dos olhares críticos
de familiares e amigos, porém algo muito mais especí co: “Se a mulher não
falasse a mesma língua do homem, não precisaria se sentir culpada”.197 Nesse
aspecto, era a língua, e não uma fantasia de anonimato, por exemplo, que
transferia a responsabilidade, como se a língua comum viesse a trazer consigo
uma culpa compartilhada. Quando ambos os parceiros falavam a mesma
língua, a fala os identi cava, acentuando sua posição e responsabilidade.
A recente série de televisão The Language of Love usa a mesma premissa,
embora desloque a ênfase do desejo sexual para o amor. Solteiros britânicos e
espanhóis encontram-se numa propriedade rural e os espectadores podem
acompanhar o orescimento de suas relações. “Será que é possível encontrar o
amor quando não se fala a mesma língua?”, pergunta o apresentador do
programa. No entanto, apesar das críticas favoráveis, a série foi cancelada.
Podemos nos perguntar se o foco no sexo o teria feito mais popular, com o
bordão “Será que é possível fazer sexo sem culpa quando não se fala a mesma
língua?”.
P duas versões diferentes desse processo de
administração da culpa. Na primeira, a responsabilidade é transferida e a
dimensão do agir é passada para o outro lado da equação, como nos cenários
de submissão. Na segunda, há uma ênfase maior na dor — que pode ou não
fazer parte das fantasias de submissão e assumir muitas formas, como o desejo
de ser espancada, castigada ou maltratada de algum modo. Aqui, a dor pode
fazer parte de um acordo de licença: é o preço a ser pago por qualquer prazer
posterior. Em ambos os casos, porém, o prazer não pode constituir um dado,
uma vez que não é permitido.198
Isso por certo explica o sucesso de muitas terapias sexuais de hoje, que
trabalham concedendo permissões. É frequente os analistas se aborrecerem
quando, depois de anos tentando ajudar um paciente a superar seus sintomas
sexuais, este alcança excelentes resultados após algumas sessões com um
terapeuta sexual. Não pode ser uma cura genuína, reclamamos, deve ser uma
cura por sugestão, ou algo inautêntico. Mas é fato que essas terapias podem
surtir efeitos reais, e talvez isso aconteça porque essencialmente o que o
terapeuta faz é dizer à pessoa que ela tem permissão para ter um corpo
sexuado. Quando o indivíduo passou anos sendo criado num meio que
efetivamente lhe negava isso, ter uma gura de autoridade anulando as
proibições originais do prazer pode ter um impacto poderoso.
Há nisso uma curiosa inversão da dinâmica sexual masculina. É comum os
homens precisarem de uma condição de proibição para sentirem excitação
sexual: o “objeto” sexual deve ser proibido, ou encarnar alguma forma de
inacessibilidade. Daí alguns homens se sentirem obrigados a andar atrás das
mulheres dos outros, como se a carga erótica estivesse realmente na barreira,
conforme mostra a seguinte anedota. No funeral da mulher de um amigo,
com a qual andara tendo um romance, um homem soluça de forma
incontrolável, até que o marido lhe diz: “Calma, logo, logo, eu me caso de
novo”. Em contraste, muitas mulheres conseguem se comprazer ao deparar
menos com uma proibição do que com uma permissão: é o oposto da porta
proibida do Barba Azul, que talvez seja uma fantasia mais masculina. Nesse
caso, a excitação pode ligar-se ao fato de a mulher estar, precisamente,
autorizada a abrir a porta.
Quando temos oportunidade de explorar as forças que vinham impedindo
uma jovem de vivenciar seu corpo sexualmente, é comum encontrarmos,
além dos costumes sociais de praxe, uma proibição mais profunda e
inconsciente: o medo de invadir o espaço ocupado pela mãe. Como diz Paula
Webster, “podemos ter a impressão de que a estamos traindo quando
queremos mais do que ela teve” e do que ela possuiu ou possui.199 Quando
todo o território sexual é sentido como sendo ocupado por ela, a lha pode ter
di culdade de obter acesso a seu próprio espaço, e o castigo por fazer isso, que
aparece nos sonhos e no folclore, é ter a vulva costurada. Assim, quando um
terceiro é capaz de suplantar a autoridade imaginada da mãe, um corpo sexual
pode tornar-se viável.
Isso também explicaria o fato clínico de que, às vezes, como vimos antes, a
mulher consegue ganhar acesso a seu corpo como sexual depois de ter um
sonho em que é o objeto sexual do pai. Embora esse sonho costume ser
vivenciado como um pesadelo, ele pode ser a assinatura de um processo
psíquico pelo qual a sonhadora encontrou um modo de evitar a invasão do
espaço materno. Quando a imagem fantasiada do pai é intensamente
sexualizada, e quando ele é representado como violento e coercitivo, é possível
que funcione para suplantar a autoridade da mãe, arrancando a lha do
controle dela. O importante é exibir uma força que seja maior que a da mãe.
Se as fantasias de coação fornecem sua própria solução aqui, ao absolverem
a lha da responsabilidade por seu prazer corporal, outros cenários que
envolvem uma ação mais aparente podem ter uma função semelhante.
Imaginar-se como dançarina erótica ou prostituta pode ser uma condição de
excitação para muitas mulheres, e isso é tipicamente visto como um exemplo
de interesse pela Outra mulher, aquela que se supõe saber algo sobre a
sexualidade e que, por isso, constitui um polo de gravitação. Ela pode exercer
grande fascínio, por encarnar o objeto misterioso que os homens desejam, a
pergunta enigmática da feminilidade etc. Em outro nível, no entanto, será que
o cenário imaginário não é e caz por tratar a questão da responsabilidade? A
dançarina erótica ou a prostituta tem um papel simbólico e social, e é
exatamente esse papel que retira dela a responsabilidade. Aquele é seu
trabalho. E assim, tal como o cenário da coação, ele afasta a responsabilidade
em prol do prazer.
Talvez isso esclareça o tema ubíquo mais geral de se imaginar que se é
outra pessoa durante o sexo. A interpretação-padrão consiste em ler isso como
um questionamento do desejo: se ela é outra pessoa, o que o parceiro vê nela?
O que o excita? O que ela é para o outro? Ser outra pessoa também pode
signi car, porém, muito simplesmente, que se é absolvido da responsabilidade
pelo prazer. Quem se abandona tem uma liberdade maior, mais direito a um
corpo sexual, e talvez seja por isso que tais fantasias são tão frequentes na vida
sexual feminina, e também por isso, talvez, que pode haver um apelo à
pornogra a. Quando uma voz dentro dela dizia “Garota má. Não pode tocar”,
Sallie Tisdale recorreu à pornogra a, para aprender mais não sobre sexo, mas
sobre atravessar fronteiras: “Eu precisava de permissão, precisava de uma
bênção”.200
Outra diferenciação é útil aqui. Existe a ideia de uma permissão que vem de
um ponto além da mãe, legitimando a aparente invasão. E há também a
abdicação da responsabilidade na fantasia de coação, para evitar a vergonha do
desejo, ou o uso da dor como licença para o prazer. Mas o que também
encontramos com muita frequência é uma virada no cenário da coação, na
qual se trata menos de uma imposição da vontade dos outros à pessoa do que
de ela não ter que pedir coisa alguma que possa querer. Isso foi observado por
Karen Horney: a fantasia do parceiro ideal, que responderia antes de qualquer
pergunta ser feita, com a característica crucial de tornar desnecessária a
indagação — e, portanto, a responsabilidade pelo desejo. As duas já teriam
sido adivinhadas.201
Uma mulher explicou sua raiva e sua decepção com o parceiro quando ele
lhe deu justamente o colar que ela havia escolhido e ao qual dava enorme
valor. Por que ele não tinha adivinhado antes? Por que não havia antecipado o
que ela queria? E, ponto crucial, por que ela tivera que pedir? Há um
verdadeiro valor erótico em desviar da fala nesse ponto, com seus circuitos
transacionais: assim, o colar não deveria ter feito parte de um circuito de
trocas, mas apenas ter sido dado, sem jamais ter sido pedido. Quando às vezes
as mulheres evocam a “mestria” de um amante de fantasia, o que o torna
mestre é exatamente este saber o que fazer — sem que nada lhe seja dito.
O sucesso da comédia romântica de Nancy Meyers Do que as mulheres gostam
(2000), girou em torno dessa premissa.[5] Um executivo da propaganda, um
homem desagradável e chauvinista interpretado por Mel Gibson, adquire de
repente a capacidade de ler os pensamentos das mulheres, depois de receber
uma descarga elétrica, e usa isso para tirar vantagens pessoais e pro ssionais.
O título do lme, obviamente, é mais uma a rmação do que uma pergunta e,
em última instância, não se refere nem ao executivo nem ao conteúdo
particular dos pensamentos de uma personagem feminina, e sim à faculdade
de adivinhar, de saber como que de antemão, de tal sorte que perguntar nunca
seria necessário. “O que as mulheres querem”, segundo esse modelo, é apenas
que outra pessoa saiba o que elas querem, ou, talvez mais exatamente, que
elas não tenham que pedir.
É instrutivo imaginar como seria hoje uma nova versão desse lme. Talvez
os espectadores imaginassem que o próprio Mel Gibson era a referência do
título Do que as mulheres gostam — se bem que, depois das alegações de que ele
não passa de um misógino violento e racista, talvez o lme tivesse que acabar
após a cena da eletrocussão. Podemos imaginar que um ator como Timothée
Chalamet talvez tivesse melhores perspectivas de sucesso, por encarnar uma
uidez de gênero que foi tradicionalmente proscrita entre os protagonistas
masculinos da cultura predominante. E, de fato, o lme que foi considerado o
salto qualitativo da carreira de Chalamet — Me chame pelo seu nome — gira
justamente em torno dessa questão de falar e pedir, e da ligação disso com a
sexualidade. Pensando bem, talvez Me chame pelo seu nome tenha sido mesmo
uma re lmagem de Do que as mulheres gostam.
Para falarmos de outro exemplo, uma mulher descreveu sua intensa
excitação quando o parceiro lhe afagava o cabelo. “É sempre um fogo que me
atravessa na mesma hora, vai direto para dentro de mim”, explicou. Ela não
teve di culdade de ligar isso aos momentos de intimidade na infância em que
a mãe lhe afagava afetuosamente o cabelo, mas, se havia uma linha clara que
se podia traçar entre as experiências infantis e as posteriores, tratava-se
exatamente dessa excitação garantida, que ela sempre se sentira incapaz de
pedir: o prazer “estava ali, esperando”, mas não havia como assumir a
responsabilidade por ele.
A nos leva de volta às primeiras experiências de
excitação corporal da criança. Embora, obviamente, um bebê nem saiba o
signi cado do termo “sexual”, os fenômenos da excitação estão em toda parte:
a irradiação física de calor, a vasocongestão do tecido genital, a lubri cação, a
pressão exercida pela bexiga e pelo reto nas paredes vaginais. Os sinais físicos
de orgasmo já foram relatados até em bebês de menos de um ano: embora a
ejaculação esteja ausente, os movimentos ritmados do corpo, a movimentação
pélvica, a tensão muscular no abdômen, nos quadris e nas costas, seguida por
uma liberação repentina, com espasmos e contrações anais, foram
documentados a partir de aproximadamente cinco meses, e, em um dos casos
— talvez de modo fantasioso —, até numa menina de quatro semanas.202
Ora, essas experiências confrontam a criança com duas perguntas enormes:
por que a mudança no corpo? E qual é a melhor maneira de cuidar desses
estados de tensão? Quando o nosso corpo se modi ca, notoriamente na
puberdade, toda uma gama de processos sociais e familiares é introduzida para
moldar e dar sentido à experiência. Os ritos de puberdade de muitas culturas
fazem deles momentos externos e altamente simbólicos. E, nas sociedades em
que a medicina ocupou progressivamente o lugar da religião, os médicos se
descobrem destinatários das inquietações preocupantes das pessoas com as
mudanças corporais. Ao longo de nossa vida, o corpo requer uma injeção de
signi cado, fornecida por um terceiro privilegiado.
As coisas não são diferentes para o bebê e a criança, mas a tarefa de ganhar
sentido é muito mais di cultada pelo fato de que as mudanças corporais que
os adultos associam à sexualidade tendem a ser silenciadas ou erroneamente
rotuladas, como vimos, além de encerradas numa atmosfera de juízos
negativos. Mudanças corporais como a irradiação de calor, o ingurgitamento e
a pulsação podem ser sentidas como profundamente externas, impostas
contra a vontade da criança, assim como a tensão muscular que não leva a um
movimento pode ser sentida como uma força estranha.203 As crianças podem
até desejar ser despojadas de seus órgãos sexuais, para escapar a esses estados
de medo, agitação e tensão corporal.
É frequente a excitação feminina usar, nesse ponto, a linguagem do
desequilíbrio e da ameaça. “As sensações sexuais me dão uma perda de
controle pavorosa. Quando co sexualmente excitada, às vezes não sei direito
onde está meu corpo”, explicou uma mulher, dizendo ainda que precisava usar
roupas apertadas para elas “me segurarem”. Nos picos de excitação, ela se
sentia “jogada no chão, empurrada para fora do mundo. Sumia qualquer
esteio. Eu cava num lugar onde não havia fundações, nenhuma sustentação.
O orgasmo não era agradável. Dava medo”. A excitação levava a “um pedaço
de lugar nenhum”. Em outra descrição, “o orgasmo parece o paraíso no calor
do inferno”.204 Selma Fraiberg descreveu as sensações de pânico e terror
sentidas por meninas, e relatou que as contrações vaginais eram capazes de
deixar uma criança “morta de medo”. Como disse Herchsberger, as sensações
de excitação sexual podem ser vivenciadas como um “inimigo estranho”.205
E é nesse ponto que a questão da responsabilidade se torna muito
importante. Quando um adulto tem o poder de retirar um estado de tensão
experimentado no corpo da criança — digamos, fome ou sede —, não demora
muito para que ele seja identi cado com a fonte desse estado. Similarmente,
quando um bebê quer mudar de posição, por causa de algum desconforto
muscular ou epidérmico, a demora do adulto em responder, ou sua falta de
resposta, transforma-se na causa do incômodo. Assim, o poder de resposta do
pai ou da mãe tem o estranho efeito de fazer deles os responsáveis pelo
problema inicial.
Os estados precoces de excitação podem ter exatamente os mesmos efeitos.
À medida que o corpo se modi ca, há um apelo ao pai ou à mãe, então
identi cados como sua fonte, embora a estrutura dessa censura possa
rapidamente ter uma aplicação mais ampla. Uma menina de oito anos,
apaixonada por um garoto de sua turma, descreveu sentir-se sicamente
excitada quando cava perto dele, mas também “com raiva dele, porque é ele
que faz com que eu me sinta assim”. Embora as notórias mudanças de humor
da adolescência — e do período igualmente importante dos nove aos dez anos
— tendam a ser explicadas em termos da busca de independência dos pais por
parte dos lhos, essa mesma dimensão pode estar absolutamente presente: os
estados corporais de excitação e tensão geram um apelo (inconsciente) ao pai
ou à mãe, que é então (sem saber) julgado⁄a culpado⁄a por sua incapacidade de
tratá-los. A criança pode oscilar entre tentativas repetidas de chamar um dos
pais, frustração com eles e visitas intermináveis à geladeira, sendo sua única
certeza o conhecimento de que o remédio está fora dela mesma.
Judith Kestenberg estudou a variedade de estados de tensão do corpo das
crianças e a rmou haver diferenças signi cativas entre os locais de agitação
interna e os pontos da superfície do corpo em que eles se localizariam. Ela
pensava que as aberturas óbvias do corpo e os focos sensoriais nelas situados
— o clitóris, o ânus, o pênis — tornavam-nas particularmente suscetíveis a
sediar os ritmos internos de excitação e tensão que perturbam e geram
confusão. À medida que crescemos, disse ela, aprendemos a confundir as
aberturas com o interior. O clitóris, por exemplo, é útil por sua característica
começar⁄ parar, e manipulá-lo como um foco pode ajudar a aliviar outras
tensões genitais mais difusas, descritas por uma criança como “um negócio
espalhado”.206
Similarmente, Kestenberg achava que, quando as meninas contraem os
músculos do períneo e pressionam as coxas uma contra a outra, em vez de
apenas identi car essa prática como uma atividade masturbatória geradora de
prazer, talvez ela funcionasse para localizar e limitar outras sensações mais
incômodas e potencialmente avassaladoras em pontos mais internos do corpo.
Como observara Karen Stephen muitos anos antes, a única força
su cientemente forte para tratar a sexualidade é a própria sexualidade. Essa
oscilação poderia ser ecoada pela diferença entre as áreas com um suplemento
abundante de terminações nervosas — como o bulbo clitoridiano — e as que
dependem de inervação simpática e parassimpática, e da inervação mista dos
músculos estriados e não estriados envolvidos no orgasmo.207
Esse uso de um tipo de excitação sexual para controlar e limitar outro está
no cerne de muitos tipos de práticas sexuais, e talvez se ligue à sensação de
“conclusão” de que as mulheres por vezes falam. Vimos que a masturbação e
o sexo podem ser interrompidos para evitar os perigos do orgasmo, mas,
quando os orgasmos efetivamente acontecem, às vezes ainda podem parecer
“inacabados”. Nas palavras da psicanalista Natalie Shainess, “existe a sensação
de que aconteceu algo que torna incômoda e inútil a estimulação adicional,
mas sem a percepção do orgasmo em si”.208 A masturbação também pode ser
experimentada como uma grande urgência, e a manipulação dos órgãos
genitais pode ser impaciente, como se algo tivesse que ser sacudido para sair.
Em alguns casos, pode haver uma pressa de estimular diretamente o clitóris,
justamente para evitar outro tipo mais difuso e avassalador de excitação
corporal.
A excitação que se espalha e é muito difícil de suportar gera,
primariamente, um apelo para que a mãe a afaste, cuide dela de algum modo,
como já se provou capaz de fazer com a fome e a sede. Mas o fato mesmo de
os fenômenos corporais serem agudamente evitados e desconhecidos pelos
adultos torna isso quase impossível. Daí as muitas maneiras de as crianças
fazerem experiências com o próprio corpo, em particular com as sensações de
plenitude e vazio, usando o estômago, os intestinos e a bexiga. Os esforços
sutis de explorar e estruturar a experiência interna tendem a ocorrer
exatamente nos pontos em que a resposta parental é insu ciente ou ausente, e
podem assumir a forma de esforços para abrir e fechar as aberturas do
corpo.209
A maneira de as pessoas lidarem com essas experiências varia muito, e vale
a pena observar que a estratégia que funciona para um pode não funcionar
para outro. Uma mulher explicou que, para ela, as sensações internas durante
a manipulação masturbatória genital eram tão perturbadoras que ela achava
mais fácil fazer sexo com outras pessoas. A intensidade de sua excitação
corporal era tão menor com seus parceiros desajeitados que ela não a achava
minimamente ameaçadora. Outros, porém, podem descrever um processo
inverso, no qual a interação com outra pessoa traz riscos muito maiores do
que o espaço controlado da masturbação.
Essas funções emudecedoras do sexo e da masturbação complicam-se nos
casos em que uma emoção muito forte as acompanha. Devemos interpretar
isso como uma defesa ou uma distração? Ou reconhecer sua legitimidade? Ou
as duas coisas? Em algumas ocasiões escutei analisandas falando de seus
sentimentos de “puro ódio” em relação à mãe ao se masturbarem, e outros
analistas também notaram esse relato. É muito estranho haver um sentimento
intenso de ódio justamente no lugar em que esperaríamos algum tipo de
narrativa ou imagem de fantasia. Indagada sobre isso, uma mulher explicou:
“Não sei mesmo por quê, mas o ódio e a excitação aparecem juntos, é como se
fossem a mesma coisa, ao mesmo tempo”.
Em sua pesquisa sobre o comportamento sexual, Morton e Bernice Hunt
descobriram, para sua surpresa, que aproximadamente um terço de suas
entrevistadas se masturbavam ao se sentirem rejeitadas no amor, de tal modo
que a manipulação da genitália era vivenciada como “uma forma de
vingança”.210 Note-se que o que representa a vingança é menos um cenário
fantasiado do que o ato efetivo da masturbação, observação que ecoa as
conclusões dos pesquisadores da infância que a rmaram que, contrariando
suas expectativas, a masturbação precoce correlaciona-se com a independência
e com o esforço de separação da mãe. Será que ela conteria esse elemento de
vingança, ou poderia o ódio que às vezes emerge nessa situação envolver uma
censura à mãe, por ela não cuidar das sensações corporais da criança? Ou seria
ela, talvez, a única maneira aparentemente possível de vivenciar de fato a
emoção do ódio?
Outro exemplo aqui seria a questão de urinar durante o sexo, já que isso
pode representar o medo de perder o controle do corpo e a tentativa de impor
ordem, através do processo de abertura e fechamento que se sente que isso
envolve. Devemos lembrar que os riscos da excitação corporal são muito altos
e podem ser vividos como um colapso total, uma explosão, uma urina
descontrolada e a perda de si mesmo, como mostra a linguagem do orgasmo:
“Senti que, se deixasse aquilo ir mais longe, acabaria por estourar. Não
estourar só na cama, mas em tudo… Cravei as unhas na pele e me impedi”. As
crianças e adolescentes que descobrem o orgasmo através da masturbação
frequentemente param de praticá-la, para evitar esses riscos de desintegração.
A excitação de que as crianças não sabem cuidar, ou com que não sabem lidar,
pode transferir-se para o trato urinário, gerando sintomas como fazer xixi com
frequência, prender a urina e depois soltar toda ela de uma vez, ou, ainda,
rituais de abrir e fechar a uretra.211
O apelo gerado pelos momentos mais precoces desses estados corporais de
tensão e excitação ajuda a criar um substituto especial da mãe no inconsciente.
A psicanálise tem tendido a privilegiar a representação da mãe como não
dando à criança ou privando-a dos suspeitos de praxe (leite, pênis), ou tirando-
os dela. Mas as observações de Kestenberg sugerem que há aí uma terceira
imagem da mãe: não a mãe que não dá ou que priva, mas a mãe que
justamente deixa de tirar. Essa é a mãe que não consegue ou se recusa a tirar
do corpo da criança os estados de tensão sexual.212
N , talvez a censura encontre certa resposta no próprio sexo.
Quando adultos trepam, a descrição mais comum da sensação posterior é
“alívio”, termo também usado para o ato de fazer alguém gozar. Se o sexo,
como vimos, é uma câmara complexa de compensação de muitos favores e
angústias, um resultado poderia ser a eliminação dos estados de tensão que os
adultos que cuidavam de nós na aurora de nossa vida não realizaram. O sexo,
nesse sentido, tira tanto quanto dá, e poderia explicar o sentimento de
gratidão às vezes experimentado em relação à outra pessoa, por mais egoísta
que tenha sido o seu comportamento sexual efetivo. O parceiro sexual ajudou
a eliminar o estado corporal de excitação e tensão e o sexo apagou,
temporariamente, toda uma gama de outras preocupações.213
O alívio relatado pelas pessoas também sugere que um perigo mortal
terrível foi evitado por um triz. O sexo como ato parece inacreditável para as
crianças, e esse sentimento de incredulidade ca conosco, inconscientemente,
por toda a vida. Tê-lo praticado efetivamente e sobrevivido a ele, com todos os
riscos de lesões corporais que ele acarreta, é simplesmente impensável, e as
lágrimas e risadas que às vezes o acompanham podem ser a assinatura dessa
realização. E vale a pena lembrar que, ao contrário de muitos outros sinais de
emoção, as lágrimas e o riso não raro constituem, acima de tudo, sinais de
alívio, de se haver evitado uma calamidade.
As palavras usadas há séculos para descrever o sexo quase sempre se
referem, simultaneamente, à trapaça, à traição ou à esquiva — trepar, meter,
papar, foder, faturar, traçar, levar, ganhar —, como se o ato sexual nos
permitisse, por um momento, evitar a catástrofe ou levar a melhor sobre
alguma força maligna. Os danos ao corpo e o castigo são evitados na própria
situação em que mais correríamos riscos. E a mistura curiosa de sentimentos
que acompanham tão comumente a sensação de alívio talvez seja um
testemunho disso.
Os homens podem ter necessidade de tornar sua fuga ainda mais concreta,
literalmente escapando para o sono depois do sexo, ou se retirando
sicamente. Legman fez a proveitosa observação de que, apesar de Casanova
ser comumente visto como um modelo das proezas sexuais masculinas, na
verdade ele passa metade do tempo descrito em suas Memórias viajando, ou
seja, afastando-se de seu último encontro sexual.214 Os homens podem sentir
nojo de si mesmos ou da outra pessoa, muitas vezes com a ideia de terem feito
concessões, donde a busca urgente pelo próximo parceiro, e, aqui, o ódio
consciente do outro tende a ocultar um ódio de si mesmo. Quando eles se
empenham constantemente numa sexualidade defensiva, tentando criar e
manter divisões que são sempre muito frágeis, seus planos de fuga podem ser
mais abrangentes e prejudiciais para outras pessoas. Entre as mulheres, talvez
seja menos frequente o sexo ter essa qualidade defensiva; entretanto, como
vimos, diferentes tipos de clivagem podem estar em ação, com suas próprias
consequências.
Na fantasia favorita de uma das pacientes de Jack Morin, ela está voltando
para casa em disparada e vê um carro da polícia, mas não reduz a velocidade.
O policial bonito a faz parar e sugere que há um modo de ela não receber uma
multa: não é difícil adivinhar o que se segue. Ao descrever o que tornava esse
cenário tão excitante, ela disse a Morin que era ela a manipuladora, em vez de
a manipulada, e que se sentia controlando o policial. Mas a parte mais intensa
e excitante da coisa toda era que ela conseguia ir embora sem levar a multa:
“Eu venci!”.215
Em outras palavras, ela conseguiu evitar o castigo, sendo mais esperta do
que a lei e o poder de seu representante. Prazer que não tem preço. Deve ser
mesmo um alívio conseguir escapar de uma fria dessas. Se o sexo é uma forma
de tratar a raiva, o desespero e o sentimento de ser oprimido/a, ele permite
uma medicação muito temporária de estados de tensão e pavor. Os atos
sexuais fazem isso por meio de dominações (oral, anal, muscular e genital) ou
conciliações, através dos mesmos órgãos e partes do corpo. Vimos que uma
mesma pessoa pode estar nessas duas posições — e mais até — durante um
encontro sexual, e que a própria oscilação entre elas pode gerar excitação. E,
ao mesmo tempo, as sensações corporais são tratadas por fusões, localizações
e bloqueios: uma sensação se funde com outra, ou é localizada num ponto de
foco sensorial, como o clitóris ou o pênis, ou é bloqueada por outra sensação
aparentemente diferente.
É importante lembrar que, apesar disso tudo, o sexo nunca é uma coisa só.
As mesmas ações podem ter signi cados totalmente diferentes para pessoas
diferentes, ou para a mesma pessoa em momentos diferentes da vida. Para um
adolescente de dezesseis anos numa festa da escola, é improvável que o sexo
seja o mesmo de uma pessoa casada ou solteira de quarenta anos, ou de um
soldado com seu pelotão em território ocupado, ou de uma pessoa de setenta
anos que acabou de enviuvar. Ao mesmo tempo, porém, talvez ele sempre
envolva desequilíbrios de poder corporais e emocionais, pequenos ou grandes
atos de violência e in icção de pressão que, como vimos, podem ser, em parte,
efeitos de nossa primeira infância.
Dada essa bagagem, é surpreendente que as pessoas consigam sequer
praticar sexo, e os muitos problemas de “desempenho” sexual que elas relatam
devem ser um testemunho disso. Na verdade, não deveriam esses problemas
ser interpretados como reações legítimas às circunstâncias de cada um?
Bernard Apfelbaum observou que a capacidade efetiva de praticar o sexo
deveria ser vista como um distúrbio, em alguns casos. Se alguém está
deprimido, ou com raiva do parceiro, ou se sentindo atacado por ele, ou de
luto, ou preocupado com o relacionamento dos dois, será que isso não sugere
que eles não deveriam ser capazes de ter relações sexuais? No entanto, o fato
de muitos continuarem a fazê-lo e se comportarem de acordo com os roteiros
signi ca que, de algum modo, sexo e desempenho se separaram. O sexo torna-
se o próprio sintoma de uma alienação de si mesmo.216
Em seu estudo inovador intitulado A dialética do sexo, Shulamith Firestone
a rmou que a única esperança de uma sexualidade liberada — que ela talvez
não acreditasse ser realmente possível — seria transferir toda a maternidade
reprodutiva para os dois sexos, ou, de preferência, para formas de reprodução
inteiramente arti ciais. Seu trabalho rico e variado é comumente reduzido
apenas a essa tese, que é então ridicularizada, mas, ainda que isso não venha a
acontecer, pode-se perceber a ideia: ao eliminar as relações de dependência da
infância e o fardo sacri cial das mães, todas as relações de poder distorcidas do
vínculo bebê-cuidador teriam o potencial de ser reformuladas, e já não
precisariam ser redirecionadas para os próprios atos sexuais. O sexo não mais
teria que ser uma série de atos de violência, vingança e inversão, ocultos e
nem tão ocultos.
Se, no sexo, encenamos, perseguimos e vingamos muitos aspectos da
relação primitiva com nossos cuidadores, sempre haverá um desequilíbrio de
poder, pois foi assim que começamos a vida. Éramos desamparados, incapazes
de nos expressar, e estávamos à mercê de corpos maiores e mais poderosos.
No sexo, entretanto, quase sempre existe a impressão de reverter o desamparo,
uma vez que somos momentaneamente a causa de sentimentos e sensações
em outra pessoa e, às vezes, em nós mesmos.
É por isso que as pessoas podem sentir uma carga tão erótica, nas palavras
de Amber Hollibaugh, ao “verem as expressões de carência varrerem o rosto
de seus amantes”.217 Somos en m capazes de causar coisas, de ter uma breve
capacidade de ação num mundo em que tendemos a não ter nenhuma. E há
sempre uma linha muito tênue entre a tentativa de ser a causa do que o outro
sente e o esforço para dominá-lo e controlá-lo: portanto, de fato, uma espécie
de violência.
Além de sua sombra reprodutora, o sexo talvez exista para erotizar essas
dimensões de desigualdade, dominação, força e causalidade. Ele envolve uma
exploração e uma elaboração, segundo a segundo, das relações de poder, com
mudanças rápidas das desigualdades, conforme cada pessoa faz alguma coisa
ou se abstém de fazer algo com o parceiro. Essa dinâmica contém roteiros
sociais e é alterada por eles, ditando o que pode e o que não pode ser feito, e
com quem. Como escreve Hollibaugh, “o poder é o coração, e não apenas o
monstro, de toda investigação sobre o sexo”.218 Quando dizemos que as
fantasias arraigaram-se em nós através da cultura e da socialização, e que por
isso devem ser questionadas, é claro que isso é verdade, porém o que mais
poderia tomar o lugar delas, se sua própria função é fazer algo da dor, do
trauma e da opressão? Se é só isso que é o sexo, o que mais ele poderia ser?
O sexo pode ser um modo de transformar nosso sofrimento e opressão
numa fonte temporária e complexa de prazer. Um analisando que fora criado
na Espanha e lá tivera diversas relações sexuais na juventude cou chocado ao
constatar, na chegada a Londres, que as millenials com quem dormia
frequentemente cuspiam em seu pênis. Interpretando isso como um gesto
mais cultural do que pessoal — ao que parece, o gesto não tinha como
objetivo a lubri cação —, ele tomou a decisão de não protestar, embora aquilo
o deixasse incomodado: “Como é que eu podia dizer ‘Pare’, quando as
mulheres tiveram que suportar a opressão e a tirania dos homens durante
séculos?”.
O que é muito interessante em sua reação é que o sexo estava sendo
entendido como um espaço privado e público, um espaço em que era possível
expressar raiva da própria situação, porém de modos socializados para dar
prazer — de vez em quando. O problema, é claro, é que as diferentes partes
envolvidas têm pretensões e raivas diferentes, como quer que optemos por
interpretá-las. O sexo tem a ver com muito mais do que sexo — tem a ver com
a história, a educação, a angústia, a culpa, a vingança, a violência e o amor.
Quando supomos que ele é só uma questão de prazer e satisfação, deixamos
de ver o que precisamos ver para repensar o que o sexo é e o que poderia ser.
[1] Famoso processo judicial que se encerrou na Suprema Corte dos Estados Unidos com a legalização
constitucional do aborto, em 1973; o veredicto foi anulado em junho de 2022. (N. T.)
[2] No inglês coloquial, podem-se ouvir frases como “Where’s your ass, man?”, cuja tradução ao pé da
letra seria “Cadê sua bunda/seu rabo, cara?”, mas onde your ass equivale a você: “Cadê você, cara?”. (N.
T.)
[3] Em tradução de Ivan Junqueira para Charles Baudelaire, As ores do mal, ed. bilíngue. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2015. (N. T.)
[4] Nesse suplício, a vítima era posta numa cadeira e mergulhada na água de um rio ou lago. Dizia-se
que, se boiasse, era bruxa, e seria certamente condenada. Se afundasse, não era bruxa… mas estaria
igualmente morta. (N. T.)
[5] Vale lembrar que o título original do lme, What Women Want, traduz-se por O que querem as mulheres.
É um detalhe importante para o raciocínio desenvolvido pelo autor. (N. T.)
Agradecimentos
Minhas inspirações para este livro vão do belo ao maldito: Ruth Herschberger,
autora pioneira do movimento feminista e teórica do gênero; Judith
Kestenberg, psicanalista e estudiosa da sexualidade infantil; Amber
Hollibaugh, ativista + e escritora; John Gagnon e William Simon,
sociólogos da sexualidade que trabalhavam com Foucault muito antes de
Foucault; e Gershon Legman, historiador do folclore e das práticas sexuais,
autodiagnosticado como preconceituoso e autor da revisão psicanalítica mais
substancial da sexualidade depois de Freud. Aprendi muito com esses autores,
e, embora nem sempre concorde com eles, suas ideias moldaram a maior
parte das páginas deste livro.
Desenvolvi os temas aqui discutidos em seminários no Centre for Freudian
Analysis and Research, em Londres, e gostaria de agradecer a todos de lá por
criarem um espaço tão aberto e estimulante. Um agradecimento especial para
Julia Carne, Vincent Dachy, Berjanet Jazani, Alexandra Langley, Laura Tarsia,
Anne Worthington e Astrid Gessert, que também teve a gentileza de me
ajudar nas traduções do alemão. Sou grato a amigos e colegas por seu
incentivo e suas contribuições: Josh Appignanesi, Devorah Baum, Anouchka
Grose, Hanif Kureishi, Ken Theron e Jay Watts. Um grande obrigado a
Stephanie Theobald pelas muitas sugestões e críticas ponderadas e por seu
conhecimento geral sobre o sexo, e a Jamieson Webster pela estimulante
entrevista sobre sexualidade que zemos para a revista Spike.
Obrigado a todas as pessoas da indústria do sexo que tiveram a bondade de
responder a minhas perguntas e falar de sua experiência, de maneira muito
franca e intransigente, esclarecendo inúmeros aspectos da prática sexual. Pat
Blackett e Mike Witcombe me deram uma ajuda altamente necessária na
pesquisa da literatura e conseguiram encontrar muitos dados que a internet e
eu não soubemos fornecer. Sou extremamente grato a Seb por seus
comentários esclarecedores sobre o manuscrito e suas percepções sobre o
assunto. Um enorme agradecimento a Clémence Ortega Douville pelas
generosas sugestões e por me dar ciência de textos e produtos da mídia que se
harmonizavam com os temas do livro. Mary Horlock, esse gênio não
reconhecido, ajudou-me a formular muitas das principais questões discutidas,
e seu apoio e incentivo foram inestimáveis na redação do texto. Simon Prosser
foi, como sempre, o editor perfeito na Hamish Hamilton, e Tracy Bohan, na
Wylie, foi o mestre dos agentes. Um grande aplauso para eles e para
Hermione Thompson, na Hamish Hamilton, por suas contribuições
esclarecedoras, e para Sarah-Jane Forder, pelo trabalho meticuloso de revisão.
Por m, obrigado a todos os analisandos que contribuíram para este livro e
cujas re exões sobre a sexualidade me orientaram, instruíram e corrigiram.
Notas
1. Em Freud, é claro, a concepção do sexo era muito mais ampla do que o coito pênis-vagina. Para
abordagens psicanalíticas recentes da sexualidade, ver Alenka Zupančič, What Is Sex? (Cambridge,
Massachusetts: Press, 2017); Jamieson Webster, Disorganisation and Sex (Bruxelas: Dividend, 2022); e
Kenneth Burke, Permanence and Change (Nova York: New Republic, 1936). A leitura de Freud através de
Burke foi sugerida por John Gagnon e William Simon em Sexual Conduct (Chicago: Aldine, 1973).
2. Ver Terri Fisher et al., “Sex on the brain?: An examination of frequency of sexual cognitions as
functions of gender, erotophilia, and social desirability”, Journal of Sex Research, v. 49, pp. 69-77, 2012.
3. Ver Shira Tarrant, The Pornography Industry: What Everyone Needs to Know (Oxford: Oxford University
Press, 2016), pp. 66-7.
4. Ver Clellan Ford e Frank Beach, Patterns of Sexual Behavior (Nova York: Ace, 1951); e Paul Hoch e
Joseph Zubin (Orgs.), Psycho-sexual Development in Health and Disease (Nova York: Grune and Stratton,
1949).
5. Ver Andrea Dworkin, Intercourse (Nova York: Basic Books, 1987).
6. Ver Clellan Ford e Frank Beach, Patterns of Sexual Behavior, op. cit.; Donald Marshall e Robert Suggs
(Orgs.), Human Sexual Behavior (Indiana: Institute for Sex Research, 1971); Frank Beach (Org.), Human
Sexuality in Four Perspectives (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1976); Ruth Munroe et al.
(Orgs.), Handbook of Cross-Cultural Human Development (Nova York: Garland, 1981); e Roger Goodland, A
Bibliography of Sex Rites and Customs (Londres: Routledge, 1931).
7. Alfred Kinsey et al., Sexual Behavior in the Human Male (Filadél a: Saunders, 1948) e Sexual Behavior
in the Human Female (Filadél a: Saunders, 1953) [ed. bras.: Conduta sexual da mulher. Trad. de Antônio
Vespasiano Ramos. Rio de Janeiro: Atheneu, 1967]; e William Masters e Virginia Johnson, Human Sexual
Response (Boston: Little, Brown, 1966) [ed. bras.: A resposta sexual humana. São Paulo: Roca, 1984]. Sobre
a abordagem “cientí ca”, ver Jill Wood et al., “Women’s sexual desire: A feminist critique”, Journal of Sex
Research, v. 43, pp. 236-44, 2006; Lucy Bland e Laura Doan (Orgs.), Sexology in Culture: Labelling Bodies and
Desires (University of Chicago Press, 1998); e Vern Bullough, Science in the Bedroom: A History of Sex
Research (Nova York: Basic Books, 1994).
8. Ver Lori Heise, “Violence against women: The missing agenda”, em Marge Koblinsky et al. (Orgs.),
The Health of Women (Londres: Routledge, 2019), pp. 171-96; Rachel Thompson, Rough (Londres: Square
Peg, 2021); e William O’Donohue e Paul Schewe (Orgs.), Handbook of Sexual Assault and Sexual Assault
Prevention (Cham: Springer, 2019).
9. Sigmund Freud, “On the sexual theories of children” (1908), em The Standard Edition of the Complete
Psychological Works of Sigmund Freud, v. 9 (Londres: Hogarth, 1959), pp. 209-26 [ed. bras.: "Sobre as teorias
sexuais infantis", em Obras completas, v. 8. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.].
10. Anne Bernstein, The Flight of the Stork, 2. ed. (Indianápolis: Perspectives Press, 1994).
11. Ver Daniel Simons e Frank Keil, “An abstract to concrete shift in the development of biological
thought: The insides story”, Cognition, v. 56, pp. 129-63, 1995; Warren Gadpaille, The Cycles of Sex (Nova
York: Scribner’s, 1975); e Ronald e Juliette Goldman, Children’s Sexual Thinking (Londres: Routledge,
1982). Sobre a ideia do bebê já dentro do corpo, ver B. Cohen e S. Parker, “Sex information among
nursery-school children”, em Evelyn e Jerome Oremland (Orgs.), The Sexual and Gender Development of
Young Children: The Role of the Educator (Cambridge: Ballinger, 1977), pp. 181-90.
12. Ver James Moore e Diane Kendall, “Children’s concepts of reproduction”, Journal of Sex Research, v.
7, pp. 42-61, 1971; Hans Kreitler e Shulamith Kreitler, “Children’s concepts of sexuality and birth”, Child
Development, v. 37, pp. 363-78, 1966.
13. Ver Eleanor Galenson e Herman Roiphe, Infantile Origins of Sexual Identity (Nova York: , 1981).
14. W. H. Trethowan e M. F. Conlon, “The couvade syndrome”, British Journal of Psychiatry, v. 111, pp.
57-66, 1965; Robert e Ruth Munroe, “Male pregnancy symptoms and cross-sex identity in three
societies”, Journal of Social Psychology, v. 84, pp. 11-25, 1971. Sobre corpo diminuído, ver J. M. Fawcett,
“The relationship between identi cation and patterns of change in spouse’s body image during and after
pregnancy”, International Journal of Nursing Studies, v. 14, pp. 199-213, 1977.
15. Ver Karl e Anne Taylor Fleming, The First Time (Nova York: Simon and Schuster, 1975), pp. 80-6.
16. Citado em Harriet Lerner, “Parental mislabeling of female genitals as a determinant of penis envy
and learning inhibitions in women”, Journal of the American Psychoanalytic Association, v. 24, pp. 269-83,
1976.
17. Ver Seymour Fisher, Sexual Images of the Self: The Psychology of Erotic Sensations and Illusions
(Hillsdale, Nova Jersey: Lawrence Erlbaum, 1989); e a monogra a de Heinz-Eugen Schramm sobre o
ânus, L.m.i.A. (Tübingen: Schlichtenmayer, 1960).
18. Gershon Legman assinalou a relevância das nádegas em Rationale of the Dirty Joke, v. 2 (Nova York:
Breaking Point, 1975), p. 260. Sobre Legman, ver a biogra a de Susan Davis, Dirty Jokes and Bawdy Songs:
The Uncensored Life of Gershon Legman (Champaign, Illinois: University of Illinois Press, 2019). Num
estudo, ao lhes perguntarem “Onde está seu corpo”, 43% das crianças apontaram para o bumbum, ver
Carl Nils Johnson e Kimberly Kendrick, “Body partonomy: how children partition the human body”,
Developmental Psychology, v. 20, pp. 967-74, 1984.
19. Sigmund Freud, “On the sexual theories of children”, op. cit., p. 218; e Gershon Legman, Rationale
of the Dirty Joke, v. 1 (Nova York: Grove Press, 1968), pp. 256-318.
20. Amber Hollibaugh, My Dangerous Desires: A Queer Girl Dreaming Her Way Home (Durham: Duke
University Press, 2000), p. 85. Ver também Sharon Thompson, “‘Putting a big thing into a little hole’:
teenage girls’ accounts of sexual initiation”, Journal of Sex Research, v. 27, pp. 341-61, 1990.
21. Andrea Dworkin, “Why so-called radical men love and need pornography”, em Laura Lederer
(Org.), Take Back the Night: Women on Pornography (Nova York: Morrow, 1980), p. 152.
22. Ver Gregory Zilboorg, “Masculine and feminine”, Psychiatry, v. 7, pp. 257-96, 1941; Karen Horney,
“The denial of the vagina”, International Journal of Psychoanalysis, v. 14, pp. 57-70, 1933; e Ernest Jones,
“Early development of female sexuality”, International Journal of Psychoanalysis, v. 8, pp. 459-72, 1927.
23. Selma Fraiberg, “Tales of the discovery of the secret treasure”, Psychoanalytic Study of the Child, v. 9,
pp. 218-41, 1954.
24. Ver Judith Kestenberg, Children and Parents: Psychoanalytic Studies of Development (Nova York:
Aronson, 1975), pp. 89, 142.
25. Claude Crépault, Les Fantasmes: L'Érotisme et la sexualité (Paris: Odile Jacob, 2007), p. 24.
26. Ver Susan Brownmiller, Against Our Will: Men, Women and Rape (Nova York: Bantam, 1975), p. 44.
27. Ver Roxane Gay, “The careless language of sexual violence”, em Bad Feminist (Nova York:
HarperCollins, 2014), pp. 128-36.
28. Ver Gershon Legman, Rationale of the Dirty Joke, v. 2, op. cit., p. 720.
29. Sigmund Freud, The Psychopathology of Everyday Life (1901), em The Standard Edition of the Complete
Psychological Works of Sigmund Freud, v. 6 (Londres: Hogarth, 1960), nota de rodapé na p. 181 [ed. bras.:
Psicopatologia da vida cotidiana, em Obras completas, v. 5. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.].
30. Ver o importante estudo de Shira Tarrant, When Sex Became Gender (Nova York: Routledge, 2006).
31. Ruth Herschberger, Adam’s Rib (Nova York: Pellegrini and Cudahy, 1948). Sobre Herschberger, ver
Shira Tarrant, When Sex Became Gender, op. cit.
32. Sobre a educação calcada no gênero, os primeiros estudos ainda são tristemente limitados: Viola
Klein, The Feminine Character (Londres: Routledge, 1946); B. M. Spinley, The Deprived and the Privileged
(Londres: Routledge, 1953); Lois Barclay Murphy, The Widening World of Childhood (Nova York: Basic
Books, 1962); Judith Bardwick (Org.), Readings on the Psychology of Women (Nova York: Harper Row, 1972);
Shirley Angrist, “The study of sex roles”, Journal of Social Issues, v. 25, pp. 215-32, 1969; Eleanor Maccoby
and Carol Jacklin, The Psychology of Sex Di erences (Stanford University Press, 1974); e Lucile Duberman
(Org.), Gender and Sex in Society (Nova York: Praeger, 1975).
33. Shulamith Firestone, The Dialectic of Sex (Nova York: Morrow, 1970), p. 51 [ed. bras.: A dialética do
sexo, um manifesto da revolução feminista. Trad. de Vera Regina Rabelo Terra. Rio de Janeiro: Editorial
Labor do Brasil, 1976].
34. Joan Nestle, “The fem question”, em Carole Vance (Org.), Pleasure and Danger (Nova York:
Routledge, 1984), pp. 232-41.
35. Essa história já se encontra na Bíblia (Números 25:6-15), onde Zimri e Cosbi, copulando, são
perfurados pelo sacerdote Fineias.
36. Ver Seymour Fisher, Development and Structure of the Body Image, 2 v. (Hillsdale, Nova Jersey:
Lawrence Erlbaum, 1986).
37. Ver Edmund Leach, “Anthropological aspects of language: Animal categories and verbal abuse”,
em Eric Lenneberg (Org.), New Directions in the Study of Language (Cambridge, Massachusetts: Press,
1964), pp. 23-63.
38. Ver Wolfgang Lederer, The Fear of Women (Nova York: Harcourt, 1968); e Susan Brownmiller,
Against Our Will: Men, Women and Rape, op. cit.
39. Ver James Moore e Diane Kendall, “Children’s concepts of reproduction”, op. cit.; Seymour Fisher,
Development and Structure of the Body Image, op. cit.; e John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op.
cit.
40. Seymour Fisher, Development and Structure of the Body Image, v. 2, op. cit., p. 632.
41. Levantamento do YouGov (2019) disponível em: <yougov.co.uk/topics/health/articles-reports/20
19/03/08/half-brits-dont-know-where-vagina-and-its-not-just>.
42. Judith Kestenberg, “Dr Judith S. Kestenberg talks to Kristina Stanton”, Free Associations, v. 2, pp.
157-74, 1991.
43. G. G. Gilesetal, “Sexual factors and prostate cancer”, British Journal of Urology International, v. 92,
pp. 211-6, 2003; P. Dimitropoulou et al., “Sexual activity and prostate cancer risk in men diagnosed at a
younger age”, British Journal of Urology International, v. 103, pp. 178-85, 2009; e M. F. Leitzmann et al.,
“Ejaculation frequency and subsequent risk of prostate cancer”, Journal of the American Medical
Association, v. 291, pp. 1578-86, 2004.
44. Ver <www.jostrust.org.uk/node/1073042>; e Vanessa Schick, “Examining the vulva: The
relationship between female genital aesthetic perception and gynecological care”. University of
Massachusetts Amherst, 2010, dissertação.
45. Gershon Legman, Rationale of the Dirty Joke, v. 1, op. cit., p. 50.
46. Gershon Legman, Love and Death (Nova York: Hacker, 1963).
47. Margaret Atwood, Murder in the Dark (Londres: Jonathan Cape, 1984), pp. 47-50.
48. Ver N. Blackman, “Pleasure and touching: Their signi cance in the development of the pre-school
child”, em J. M. Samson (Org.), Proceedings of the International Symposium on Childhood and Sexuality
(Montreal: Vivantes, 1980), pp. 112-24.
49. Ver Garin, “Le Chevalier qui faisait parler les cons et les culs”, em Nocrion, contre Allobroge
(Bruxelas: Gay et Douce, 1881); e Emma Rees, The Vagina: A Literary and Cultural History (Nova York:
Bloomsbury, 2013).
50. John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op. cit., p. 262.
51. Ibid., p. 56.
52. Ver H. M. Halverson, “Genital and sphincter behavior of the male infant”, Pedagogical Seminary and
Journal of Genetic Psychology, v. 56, pp. 95-136, 1940; e Glenn Ramsey, “The sexual development of boys”,
American Journal of Psychology, v. 56, pp. 217-33, 1943.
53. Ver Floyd Martinson, “Erotism in infancy and childhood”, Journal of Sex Research, v. 12, pp. 251-62,
1976; e John Gagnon, Human Sexualities (Illinois: Scott, Foresman, 1977), p. 135.
54. Ver Claude Crépault, Les Fantasmes: L'Érotisme et la sexualité, op. cit., p. 28.
55. Roxane Gay, Hunger (Nova York: HarperCollins, 2017), p. 266.
56. Ver Laud Humphreys, Tearoom Trade: Impersonal Sex in Public Places (Chicago: Aldine, 1970).
57. Ver Dolf Zillmann, Connections Between Sexuality and A ression, 2. ed. (Nova Jersey: Erlbaum,
1998), p. 195; G. Norton e D. Jehu, “The role of anxiety in sexual dysfunction: A review”, Archives of
Sexual Behavior, v. 2, pp. 165-83, 1984; D. G. Dutton e A. P. Aron, “Some evidence for heightened sexual
attraction under conditions of high anxiety”, Journal of Personality and Social Psychology, v. 30, pp. 510-1,
1974); David Barlow, “The role of anxiety on sexual arousal”, Archives of Sexual Behavior, v. 19, pp. 569-81,
1990; David Barlow, “Causes of sexual dosfunction: The role of anxiety and cognitive interference”,
Journal of Consulting and Clinical Psychology, v. 54, pp. 140-8, 1986; Valerie Hale e Donald Strassberg, “The
role of anxiety on sexual arousal”, op. cit.; e Magnus Hirschfeld, The Sexual History of the World War
(Nova York: Cadillac, 1941), p. 76.
58. Ver Philip Sarrel e William Masters, “Sexual molestation of men by women”, Archives of Sexual
Behavior, v. 11, pp. 117-31, 1982; David Barlow et al., “Anxiety increases sexual arousal”, Journal of
Abnormal Psychology, v. 92, pp. 49-54, 1983; e David Barlow, “Causes of sexual dysfunction: The role of
anxiety and cognitive interference”, op. cit.
59. Ver Eleanor Galenson e Herman Roiphe, Infantile Origins of Sexual Identity, op. cit., p. 250.
60. Ver <www.pornhub.com/insights/coronavirus>; e Fabio Zattoni et al., “The impact of -19
pandemic on pornography habits: A global analysis of Google Trends”, Sexual Medicine Journal, v. 33, pp.
824-31, 2021.
61. Ver Seymour Fisher, Sexual Images of the Self, op. cit.; Seymour Fisher, Development and Structure of
the Body Image, op. cit., v. 1, pp. 27-32; e D. W. Briddell et al., “E ects of alcohol and cognitive set on
sexual arousal to deviant stimuli”, Journal of Abnormal Psychology, v. 87, pp. 418-30, 1978.
62. Ver A. B. Heilbrun e D. T. Seif, “Erotic value of female distress in sexually explicit photographs”,
Journal of Sex Research, v. 24, pp. 47-57, 1988. Para o estudo que usou álcool, ver D. W. Briddell et al.,
“E ects of alcohol and cognitive set on sexual arousal to deviant stimuli”, op. cit.
63. Para a diferença entre orgasmo e ejaculação, ver Mina Robbins e Gordon Jensen, “Multiple orgasm
in males”, em Robert Gemme e Connie Christine Wheeler (Orgs.), Progress in Sexology (Nova York:
Plenum, 1977), pp. 323-8; Alfred Kinsey et al., Sexual Behavior in the Human Male, op. cit., pp. 179-80; e
Marian Dunn e J. E. Trost, “Male multiple orgasms: A descriptive study”, Archives of Sexual Behavior, v. 18,
pp. 377-87, 1989. Lawrence, ver Seymour Fisher, The Female Orgasm (Nova York: Basic Books, 1973), p.
382.
64. Ver Warren Gadpaille, The Cycles of Sex, op. cit., pp. 170-1, 297.
65. Jack Morin, The Erotic Mind (Nova York: Harper Perennial, 1996), p. 197 [ed. bras.: A mente erótica:
Descobrindo as fontes internas da paixão e satisfação sexuais. Trad. de Alexandre Jordão. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997].
66. Ver Martin Seehuus et al., “On the content of ‘real world’ sexual fantasy: Results from an analysis
of 250,000+ anonymous text-based erotic fantasies”, Archives of Sexual Behavior, v. 48, pp. 725-37, 2019.
67. Ver Shira Tarrant, The Pornography Industry, op. cit., p. 91.
68. John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op. cit., p. 263.
69. Robert Stoller, Sexual Excitement (Nova York: Routledge, 1979), p. 67 [ed. bras.: Excitação sexual:
Dinâmica da vida erótica. Trad. de Aydano Arruda. São Paulo: Ibrasa, 1981]; Marta Meana, “Elucidating
women’s (hetero)sexual desire: De nitional challenges and content expansion”, Journal of Sex Research, v.
47, pp. 104-22, 2010; Marie Darrieussecq, A Brief Stay With the Living (Londres: Faber and Faber, 2003), pp.
93-5; e Anna Clark, Desire: A History of European Sexuality, 2. ed. (Londres: Routledge, 2019).
70. Ver John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op. cit.; e John Gagnon, An Interpretation of
Desire (Chicago: University of Chicago Press, 2004).
71. Clellan Ford e Frank Beach, Patterns of Sexual Behavior, op. cit.; Donald Marshall e Robert Suggs
(Orgs.), Human Sexual Behavior, op. cit.; Frank Beach (Org.), Human Sexuality in Four Perspectives, op. cit.; e
Caroline Brettell e Carolyn Sargent, Gender in Cross-cultural Perspective (Nova York: Routledge, 2016).
72. Ver John Gagnon, Human Sexualities, op. cit., p. 129. As xia, ver R. W. Byard e N. H. Bramwell,
“Autoerotic death in females: An underdiagnosed syndrome?”, American Journal of Forensic Medical
Pathology, v. 9, 1988, pp. 252-4; Claude Crépault, Les Fantasmes: L´Érotisme et la sexualité, op. cit., p. 28;
Helene Deutsch, The Psychology of Women, v. 1 (Nova York: Grune and Stratton, 1944), pp. 176, 344; R. E.
Litman e C. Swearingen, “Bondage and suicide”, Archives of General Psychiatry, v. 27, pp. 80-5, 1972; Anny
Sauvageau e Stéphanie Racette, “Autoerotic deaths in the literature from 1954 to 2004: A review”, Journal
of Forensic Science, v. 51, pp. 140-6, 2006; e Park Dietz, “Recurrent discovery of autoerotic asphyxia”, em
Robert Hazewood et al. (Orgs.), Autoerotic Fatalities (Lexington: D. C. Heath, 1983), pp. 13-44.
73. Ver The School of Venus or the Ladies Delight (Londres, 1680); Thomas Nashe, Choise of Valentines or
the Merie Ballad of Nashe His Dildo (1592-1593), org. de John Farmer (Londres, 1899).
74. Alfred Kinsey et al., Sexual Behavior in the Human Male, op. cit.; e Seymour Fisher, The Female
Orgasm, op. cit. Jenny Higgins e Irene Browne, “Sexual needs, control, and refusal: How ‘doing’ class and
gender in uences sexual risk-taking”, Journal of Sexual Research, v. 45, pp. 233-45, 2008.
75. L. Van der Weck-Erlen, Das goldene Buch der Liebe (Viena: Stern, 1907), v. 2; e Sigmund Freud, Three
Essays on the Theory of Sexuality, em The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund
Freud, v. 7 (Londres: Hogarth, 1955) [ed. bras.: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, em Obras completas,
v. 6. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.]. Sobre trens, ver Donald Levine (Org.), Simmel:
Individuality and Social Forms (Chicago: University of Chicago Press, 1971); e Iwan Bloch, Die Prostitution,
v. 2 (Berlim: Marcus, 1925).
76. Margaret Mead, Male and Female (Nova York: Morrow, 1949), p. 266 [ed. bras.: Macho e fêmea: Um
estudo dos sexos num mundo em transformação. Trad. de Margarida M. Moura e Beatriz Silveira Castro
Filgueira. Petrópolis: Vozes, 2020].
77. Sobre barreiras de classe, ver Murray Davis, Smut (Chicago: University of Chicago Press, 1983), p.
19. Sobre o meio pornográ co, ver Joseph Slade, “Pornographic theaters o Times Square”, em Ray Rist
(Org.), The Pornography Controversy (Nova Jersey: Transaction, 1975), pp. 119-39.
78. Ver Seymour Fisher, The Female Orgasm, op. cit.; Robert Muchembled, Orgasm and the West: A
History of Pleasure from the Sixteenth Century to the Present (Cambridge: Polity, 2008) [ed. bras.: O orgasmo e o
Ocidente: Uma história do prazer do século XVI a nossos dias. Trad. de Monica Stahel. São Paulo:
Martins, 2007]; e Gérard Pommier, What Does It Mean to “Make Love”? (Londres: Routledge, 2023).
79. William Masters e Virginia Johnson, Human Sexual Response, op. cit., pp. 56-67. Sobre o modelo
linear de Masters e Johnson, ver Rosemary Basson, “Women’s sexual desire — disordered or
misunderstood?”, Journal of Sex and Marital Therapy, v. 28, pp. 17-28, 2002. Emily Opperman et al., “‘It
feels so good it almost hurts’: Young adults’ experience of orgasm and sexual pleasure”, Journal of Sex
Research, v. 51, pp. 503-15, 2014.
80. Celia Roberts et al., “Faking it: The story of ‘Ohh!’”, Women’s Studies International Forum, v. 18, pp.
523-32, 1995; e C. L. Muehlenhard e S. K. Shippee, “Men and women’s reports of pretending orgasm”,
Journal of Sex Research, v. 47, pp. 552-67, 2010. Marie Darrieussecq, Simulatrix (Paris: Les Inrockuptibles,
2003). O ngimento foi visto por séculos como parte fundamental da participação feminina no sexo:
Ferrante Pallavicino, The Whore’s Rhetorik (1683) (Nova York: Astor-Honor, 1961).
81. Bernard Apfelbaum, “Sexual reality and how we dismiss it”, disponível em: <egoanalysisessays.wo
rdpress.com/2016/09/26/sexualreality-and-how-we-dismiss-it>.
82. Morton Hunt, Sexual Behavior in the 1970s (Chicago: Playboy, 1974), p. 160.
83. Marjorie Brierley, “Speci c determinants in feminine development”, International Journal of
Psychoanalysis, v. 17, pp. 163-80, 1936. Sigmund Freud, “On the sexual theories of children”, op. cit., pp.
216.
84. William Masters e Virginia Johnson, Human Sexual Response, op. cit. Ver comentário em Paul
Robinson, The Modernization of Sex (Nova York: Harper and Row, 1976) [ed. bras.: A modernização do sexo.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977]. Mary Jane Sherfey, The Nature and Evolution of Female
Sexuality (Nova York: Random House, 1966); e Inge e Sten Hegeler, ABZ of Love (Nova York: Medical
Press, 1963). Shere Hite, The Hite Report (Nova York: Macmillan, 1976) [ed. bras.: O relatório Hite. Trad. de
Ana Cristina Cesar. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987].
85. Philippe Charlier et al., “A brief history of the clitoris”, Archives of Sexual Behavior, v. 49, pp. 47-8,
2020. Note-se quantas ideias atribuídas a Masters e Johnson sobre o clitóris tinham sido elaboradas muito
antes. Félix Roubaud, Traité de l’impuissance et de la sterilité chez l’homme et chez la femme (Paris: Baillière,
1855); e Heinrich Kisch, The Sexual Life of Woman in its Physiological, Pathological and Hygienic Aspects
(Nova York: Rebman, 1910).
86. Ver Dolf Zillmann, Connections between Sexuality and A ression, op. cit., p. 103; Beverly Whipple et
al., “Physiological correlates of imagery-induced orgasm in women”, Archives of Sexual Behavior, v. 21,
1992, pp. 121-33; e R. J. Lewin e G. Wagner, “Self-reported central sexual arousal without vaginal arousal
— duplicity or veracity revealed by objective measurement”, Journal of Sex Research, v. 23, pp. 540-4, 1987.
Sobre o intervalo de dois a quatro segundos, ver Zella Luria e Mitchel Rose, Psychology of Human
Sexuality (Chichester: Wiley, 1979), p. 178.
87. Ver Seymour Fisher, Sexual Images of the Self, op. cit., p. 64.
88. Carol Queen, Real Live Nude Girl (San Francisco: Cleis, 1997), p. 91.
89. Sobre os percentuais e crítica de Masters e Johson, ver Carol Butler, “New data about female sexual
response”, Journal of Sex and Marital Therapy, v. 2, 1976, pp. 40-6; Mary Jo Sholty et al., “Female orgasmic
experience: A subjective study”, Archives of Sexual Behavior, v. 13, pp. 155-64, 1984; e P. M. Bentler e W. H.
Peeler, “Models of female orgasm”, Archives of Sexual Behavior, v. 8, pp. 405-23, 1979.
90. Ruth Herschberger, Adam’s Rib, op. cit., p. 124; Selma Fraiberg, “Some characteristics of genital
arousal and discharge in latency girls”, Psychoanalytic Study of the Child, v. 27, pp. 439-75, 1972.
91. Ver Seymour Fisher, The Female Orgasm, op. cit., pp. 300, 311-3.
92. Ver Gerda de Bruijn, “From masturbation to orgasms with a partner: How some women bridge
the gap — and why others don’t”, Journal of Sex and Marital Therapy, v. 8, pp. 151-67, 1982; K. McPhillips
et al., “De ning (hetero)sex: How imperative is the ‘coital imperative’?”, Women’s Studies International
Forum, v. 24, pp. 229-40, 2001.
93. Josephine e Irving Singer, “Types of female orgasm”, Journal of Sex Research, v. 8, pp. 255-67, 1972.
94. Doris Lessing, The Golden Notebook (Nova York: Simon and Schuster, 1962), p. 179 [ed. bras.: O
caderno dourado. Trad. de Sonia Coutinho e Ebreia de Castro Alves. São Paulo: Abril Cultural, 1985].
95. Ver Stephanie Theobald, Sex Drive (Londres: Unbound, 2017), p. 117.
96. Edrita Fried, The Ego in Love and Sexuality (Nova York: Grune and Stratton, 1960), p. 41. Edith
Jacobson, Depression (Nova York: , 1971), p. 253.
97. Anaïs Nin, Delta of Venus (Londres: Penguin, 2000), pp. 28-48 [ed. bras.: Delta de Vênus: Histórias
eróticas. Trad. de Lúcia Brito. Porto Alegre: , 2005].
98. Ver Bernard Apfelbaum, “Sexual reality and how we dismiss it”, op. cit.
99. Ver Friedrich Karl Forberg, Manual of Classical Erotology (Manchester: Julian Smithson, 1884), p. 34.
100. Ver Abraham Freedman, “Psychoanalytic study of an unusual perversion”, Journal of the American
Psychoanalytic Association, v. 26, 1978, pp. 749-77.
101. Gershon Legman, Rationale of the Dirty Joke, v. 2, op. cit., p. 8.
102. Ver Seymour Fisher, Development and Structure of the Body Image, v. 1, op. cit.; e E. Goodenough
Pitcher e E. Prelinger, Children Tell Stories: An Analysis of Fantasy (Nova York: , 1963).
103. Ver William Domho , The Bohemian Grove and Other Retreats: A Study in Ruling Class Cohesiveness
(Nova York: Harper and Row, 1974).
104. Ver Seymour Fisher, Development and Structure of the Body Image, v. 1, op. cit., p. 102.
105. Ver Barry Reay e Kim M. Phillips, Sex Before Sexuality: A Premodern History (Cambridge: Polity,
2011), p. 51.
106. Gershon Legman, Rationale of the Dirty Joke, v. 1, op. cit., p. 623.
107. Selma Fraiberg, “Enlightenment and confusion”, Psychoanalytic Study of the Child, v. 6, pp. 325-35,
1951.
108. Margaret Mead, Male and Female, op. cit., p. 116.
109. Compare-se com a reportagem do Boston Globe, em 14 de março de 1976, segundo a qual 60% dos
clientes de garotas de programa de alto nível são guras políticas em busca de agelação enquanto são
mantidas dominadas.
110. Sterling North, “A national disgrace”, Chicago Daily News, 8 maio 1940.
111. Ver R. L. Munroe et al., “Male sex-role resolutions”, em Ruth Munroe et al. (Orgs.), Handbook of
Cross-Cultural Human Development, op. cit., pp. 611-32.
112. Clellan Ford e Frank Beach, Patterns of Sexual Behavior, op. cit., p. 263.
113. Ver John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op. cit., p. 264; Albert Reiss, “The social
integration of queers and peers”, Social Problems, v. 9, pp. 102-20, 1961; e Laud Humphreys, Tearoom
Trade: Impersonal Sex in Public Places, op. cit.
114. Stephanie Theobald, Sex Drive, op. cit. Shere Hite, The Hite Report, op. cit., p. 141.
115. Deirdre English, Amber Hollibaugh e Gayle Rubin, “Talking sex: A conversation on sexuality and
feminism”, Feminist Review, v. 11, pp. 40-52, 1982. Ver também a discussão recente em Amia Srinivasan,
The Right to Sex (Londres: Bloomsbury, 2021), pp. 73-122.
116. Ver Michel Foucault, The History of Sexuality (Nova York: Pantheon, 1978) [ed. bras.: História da
sexualidade, 3 v. Trad. de Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1985]; Jonathan
Katz, The Invention of Heterosexuality (Nova York: Penguin, 1995) [ed. bras.: A invenção da
heterossexualidade. Trad. de Clara Fernandes. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996]; David Halperin, “Forgetting
Foucault: Acts, identity and the history of sexuality”, em Kim M. Phillips e Barry Reay (Orgs.), Sexualities
in History (Nova York: Routledge, 2002), pp. 42-68; e Sarah Salih, “Sexual identities: A medieval
perspective”, em Tom Betteridge (Org.), Sodomy in Early Modern Europe (Manchester: Manchester
University Press, 2002), pp. 121-30. Contrariando as ideias da uidez primitiva dos gêneros, observe-se
que desejar uma mulher podia ser apresentado como defesa nos processos por sodomia; ver Iwan Bloch,
Sexual Life in England, Past and Present (Londres: Aldor, 1938), p. 334.
117. Ver Friedrich Karl Forberg, Manual of Classical Erotology, op. cit., p. 53; David Halperin, How to Do
the History of Male Homosexuality (Chicago: University of Chicago Press, 2002); e John Winkler, The
Constraints of Desire (Nova York: Routledge, 1990), pp. 45-70.
118. Ver Vern Bullough, Sexual Variance in Society and History (Nova York: Wiley, 1976); e Mark Jordan,
The Invention of Sodomy in Christian Theology (Chicago: University of Chicago Press, 1997).
119. Ver John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op. cit.; Khaled El-Rouayhea, Before
Homosexuality in the Arab-Islamic World 1500-1800 (Chicago: University of Chicago Press, 2005); Carrol
Smith-Rosenberg, “The female world of love and ritual: Relations between women in nineteenth-century
America”, Signs, v. 9, pp. 1-29, 1985; Valerie Traub, The Renaissance of Lesbianism in Early Modern England
(Cambridge: Cambridge University Press, 2002); Barry Reay e Kim M. Phillips, Sex Before Sexuality, op.
cit.; Martha Vicinus, Intimate Friends: Women Who Loved Women, 1778-1928 (Chicago: University of
Chicago Press, 2004); e Alan Bray, Homosexuality in Renaissance England (Nova York: Columbia University
Press, 1995).
120. Ver Gilbert Herdt (Org.), Ritualized Homosexuality in Melanesia (Berkeley, Califórnia: University of
California Press, 1984); Bruce Knauft, South Coast New Guinea Cultures (Cambridge: Cambridge
University Press, 1993); Gilbert Herdt, The Sambia: Ritual, Sexuality, and Change in Papua New Guinea
(Belmont: Wadsworth, 2006); David Greenberg, The Construction of Homosexuality (Chicago: University of
Chicago Press, 1988); e Bruce Knauft, “Whatever happened to ritualised homosexuality? Modern sexual
subjects in Melanesia and elsewhere”, Annual Review of Sex Research, v. 14, pp. 137-59, 2003.
121. Merle Miller, “What it means to be a homossexual”, New York Times Magazine, 17 jan. 1971.
122. Ver Edrita Fried, The Ego in Love and Sexuality, op. cit., p. 102; e John Gagnon e William Simon,
Sexual Conduct, op. cit., p. 135.
123. Margaret Mead, Male and Female, op. cit.; e Clellan Ford e Frank Beach, Patterns of Sexual Behavior,
op. cit., pp. 262-3.
124. Ver John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op. cit.; e Carol Queen e Lawrence Schimel
(Orgs.), PoMoSexuals: Challenging Assumptions about Gender and Sexuality (San Francisco: Cleis, 1997).
125. D. Travers Scott, “Le Freak, c’est chic! Le fag, quelle drag!”, em Carol Queen e Lawrence Schimel
(Orgs.), PoMoSexuals: Challenging Assumptions About Gender and Sexuality, op. cit., pp. 62-8.
126. Miquel Missé, The Myth of the Wrong Body (Cambridge: Polity, 2022); e Joanne Meyerowitz, How
Sex Changed: A History of Transsexuality in the United States (Cambridge, Massachusetts: Harvard
University Press, 2004).
127. Ronald e Juliette Goldman, Children’s Sexual Thinking, op. cit.; revista Fortune (outono 1946); e
Margaret Mead, Male and Female, op. cit., p. 247.
128. Ver Geneviève Morel, The Law of the Mother (Londres: Routledge, 2018).
129. Ver Wayland Young, Eros Denied, op. cit. Phyllis e Eberhard Kronhausen chegaram à mesma
conclusão a respeito dos dildos em The Sexually Responsive Woman (Nova York: Ballantine, 1965) e em
Erotic Fantasies: A Study of the Sexual Imagination (Nova York: Grove Press, 1969), pp. 325-6. Anne Lister
salientou que “pensava em usar o falo com a amiga”, ver <wyascatablogue.wordpress.com>.
130. Ver Joan Nestle, “The fem question”, em Carole Vance (Org.), Pleasure and Danger, op. cit., pp.
232-41.
131. Ver Gershon Legman, Rationale of the Dirty Joke, v. 2, op. cit., pp. 140-83.
132. Ver Magnus Hirschfeld, The Sexual History of the World War, op. cit., p. 82.
133. Donald Marshall e Robert Suggs (Orgs.), Human Sexual Behavior, op. cit., p. 81.
134. Ver John Aubrey, Brief Lives, org. de John Collier (Londres: Peter Davies, 1931), pp. 42-3.
135. Ver Allen Edwardes, Erotica Judaica (Nova York: Julian Press, 1967).
136. Ver D. G. Dutton e A. P. Aron, “Some evidence for heightened sexual attraction under conditions
of high anxiety”, op. cit.
137. Ver Gershon Legman, Oral Techniques in Sexual Intercourse (Nova York: Julian, 1969); Martin
Monto, “Prostitution and fellatio”, Journal of Sex Research, v. 38, pp. 140-5, 2001; Laud Humphreys,
Tearoom Trade, op. cit., pp. 51-2; e Barry Eleano e Vern Bullough, An Annotated Bibliography of Prostitution
(Nova York: Garland, 1976).
138. Ver o poema de Rochester “The Wish”, de 1680, no qual ele se imagina um espermatozoide no
útero: “There steep’d in Lust, nine months I wou’d remain/Then boldly fuck my Passage out again” [“Imerso em
lascívia, por nove meses ali caria/ E então, ousado, pela passagem mais uma vez sairia”].
139. Ver Susan Brownmiller, Against Our Will: Men, Women and Rape, op. cit., pp. 327-9.
140. É famoso o conselho de Helen Gurley Brown para que as mulheres espalhassem sêmen no rosto,
como parte de seu regime de cuidados com a pele: ver <slate.com>, 7 abr. 2000.
141. Ver “Thinking sex: Notes for a radical theory of the politics of sexuality”, em Carole Vance (Org.),
Pleasure and Danger, op. cit., pp. 267-319.
142. Sobre o que Henrietta Moore chama de “física circulatória” do leite materno e do sêmen, ver seu
livro The Subject of Anthropology (Cambridge: Polity, 2007) e também Richard Sterba, Introduction to the
Psychoanalytic Theory of Libido (Nova York: Nervous and Mental Disease Monographs, 1942).
143. Ver Steven Strager, “What men watch when they watch pornography”, Sexuality and Culture, v. 7,
pp. 50-61, 2003; Lea Seguin et al., “Consuming ecstasy: Representations of male and female orgasm in
mainstream pornography”, Journal of Sex Research, v. 55, pp. 348-56, 2018.
144. Ver Gershon Legman, Oral Techniques in Sexual Intercourse, op. cit., p. 312; e Gershon Legman, The
Horn Book (Nova York: University Books, 1964), pp. 443-4.
145. Ver Donald Marshall e Robert Suggs, Human Sexual Behavior, op. cit., p. 118.
146. Gustave Witkowski, Tetoniana: Les Seins dans l’Histoire, 4 v. (Paris: Maloine, 1898-1907).
147. Ver Gershon Legman, Rationale of the Dirty Joke, v. 2, op. cit., pp. 704-10; e Nancy Vickers,
“Members only: Marot’s anatomical blazons”, em David Hillman e Carla Mazzio (Orgs.), The Body in
Parts: Fantasies of Corporeality in Early Modern Europe (Londres: Routledge, 1997), pp. 3-22.
148. Jack Litewka, “The Socialized Penis”, Liberation, pp. 16-24, mar. 1974, e em repetidas antologias.
149. Ovídio, Ars Amatoria, livro , linhas 683-4 [ed. bras.: Arte de amar. Trad. de Natália Correia e David
Mourão-Ferreira. São Paulo: Ars Poetica, 1993].
150. Ver Lowndes Sevely e J. W. Bennett, “Concerning female ejaculation and the female prostate”,
Journal of Sex Research, v. 14, pp. 1-20, 1978; e Amy Gilliland, “Women’s experiences of female
ejaculation”, Sexuality and Culture, v. 13, pp. 121-34, 2009.
151. Ver Gregory Zilboorg, “Some observations on the transformations of instincts”, Psychoanalytic
Quarterly, v. 7, pp. 1-24, 1938.
152. Ver Gregory Zilboorg, “Some observations on the transformations of instincts”, op. cit.; Sandor
Lorand, “Contribution to the problem of the vaginal orgasm”, International Journal of Psychoanalysis, v.
20, pp. 434-8, 1939; Marjorie Brierley, “Speci c determinants in feminine development”, op. cit.; e Marie
Darrieussecq, All the Way (Melbourne: Text Publishing, 2013), p. 197. Para Melanie Klein, a atividade
vaginal é iniciada pela frustração oral: ver The Psycho-Analysis of Children (1932) (Londres: Hogarth, 1975),
pp. 196-7 [ed. bras.: Psicanálise da criança. Trad. de Pola Civelli. São Paulo: Mestre Jou, 1975].
153. Selma Fraiberg, “Some characteristics of genital arousal and discharge in latency girls”, op. cit.; e
Phyliss Greenacre, “Special problems of early female sexual development”, Psychoanalytic Study of the
Child, v. 5, pp. 122-38, 1950.
154. Ver Amy Lykins e James Cantor, “Vorarephila: A case study in masochism and erotic
consumption”, Archives of Sexual Behavior, v. 43, pp. 181-6, 2014.
155. Ver Daphne e Charles Maurer, The World of the Newborn (Nova York: Basic Books, 1988), p. 95.
156. Ver Gisèle Chaboudez, What Can We Know about Sex? (Londres: Routledge, 2022).
157. Ver John Gagnon e William Simon, Sexual Conduct, op. cit., p. 100.
158. Ver Paul Abramson e Mindy Mechanic, “Sex and the media: Three decades of best-selling books
and motion pictures”, Archives of Sexual Behavior, v. 12, 1983, pp. 185-206.
159. Ver Lori Heise, “Violence, sexuality and women’s lives”, em Richard Parker e John Gagnon
(Orgs.), Conceiving Sexuality (Nova York: Routledge, 1995), pp. 109-34; Katherine Angel, Tomorrow Sex
Will Be Good Again (Londres: Verso, 2021); Jennifer Bennice et al., “Marital rape: History, research and
practice”, Trauma, Violence and Abuse, v. 4, pp. 228-46, 2016; e J. Campbell e Peggy Alford, “The dark
consequences of marital rape”, American Journal of Nursing, v. 89, pp. 946-9, 1989.
160. Sobre falsa autonomia e capitalismo na sexualidade, ver Martha McCaughey e Christina French,
“Women’s sex-toy parties: Technology, orgasm and commodi cation”, Sexuality and Culture, v. 3, pp. 76-
96, 2001.
161. Ver Karl e Anne Taylor Fleming, The First Time, op. cit., p. 44.
162. Carol Queen assinala que até os atuais protocolos do “sexo seguro” derivam, em parte, da
comunidade sadomasoquista: ver Real Live Nude Girl, op. cit., pp. 126-9.
163. Karin Stephen, Psychoanalysis and Medicine (Cambridge: Cambridge University Press, 1933), pp.
142, 152, 157.
164. Amber Hollibaugh, My Dangerous Desires, op. cit., p. 252.
165. Ver Seymour Fisher, Sexual Images of the Self, op. cit.
166. Essa leitura foi sugerida por Wayland Young, Eros Denied, op. cit., p. 96.
167. Edrita Fried, The Ego in Love and Sexuality, op. cit., p. 150.
168. Ruth Herschberger, Adam’s Rib, op. cit., p. 102.
169. Ver Bernard Apfelbaum, “Sexual functioning reconsidered”, em Robert Gemme e Connie
Christine Wheeler (Orgs.), Progress in Sexology, op. cit., pp. 93-100.
170. Ver Je rey Moussaie Masson (Org.), The Complete Letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fliess
(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1985), p. 364 [ed. bras.: A correspondência completa
de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess, 1887-1904. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1986].
171. Ver Erica Fried, The Ego in Love and Sexuality, op. cit., pp. 135-6, 157-8.
172. Ver Donald Marshall e Robert Suggs (Orgs.), Human Sexual Behavior, op. cit.; e Judith Kestenberg,
Children and Parents, op. cit.
173. Essa fantasia ca clara na ideia de Sade de encher a genitália feminina a ponto de ela estourar, em
120 Days of Sodom (Paris: Girodias, 1954), p. 302 [ed. bras.: Os 120 dias de Sodoma, ou A escola da
libertinagem. Trad. de Alain François. São Paulo: Iluminuras, 2006], e no exemplo aterrorizante relatado
por Susan Brownmiller em Against Our Will: Men, Women and Rape, op. cit., p. 116.
174. Ver Seymour Fisher, Sexual Images of the Self, op. cit., pp. 133-6; Eileen Zurbriggen e Megan Yost,
“Power, desire and pleasure in sexual fantasies”, Journal of Sex Research, v. 41, pp. 288-300, 2004; Cindy
Meston e David Buss, “Why humans have sex”, Archives of Sexual Behavior, v. 36, pp. 477-507, 2007; e Shira
Tarrant, The Pornography Industry, op. cit., p. 71.
175. Ver Christine Cabrera e Dana Menard, “‘She exploded into a million pieces’: A qualitative and
quantitative analysis of orgasms in contemporary romance novels”, Sexuality and Culture, v. 17, pp. 193-
212, 2012.
176. Ver Donald Marshall e Robert Suggs (Orgs.), Human Sexual Behavior, op. cit., p. 123.
177. Ver I. S. Arafat e W. L. Cotton, “Masturbation practices of males and females”, Journal of Sex
Research, v. 10, pp. 293-307, 1974.
178. Ver Claude Crépault, “Men’s erotic fantasies”, Archives of Sexual Behavior, v. 9, pp. 565-81, 1980.
179. Ver Nancy Friday, Men in Love (Nova York: Bantam, 1980) [ed. bras.: O homem e o amor. Trad. de O.
Rodrigues de Lemos. São Paulo: Difel, 1981].
180. Ver Claude Crépault, Les Fantasmes: L'Érotisme et la sexualité, op. cit., p. 151.
181. Ver Theodor Reik, Masochism in Modern Man (Nova York: Grove Press, 1941); e Claude Crépault,
Les Fantasmes: L'Érotisme et la sexualité, op. cit., p. 178.
182. “A special type of choice of object made by men” (1910), em The Standard Edition of the Complete
Psychological Works of Sigmund Freud, v. 11 (Londres: Hogarth, 1957), pp. 165-75 [ed. bras.: “Um tipo
especial de escolha de objeto feita pelo homem”, em Obras completas, v. 9. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013.].
183. Ver Claude Crépault, Les Fantasmes: L'Érotisme et la sexualité, op. cit., pp. 46-50, 151.
184. Ver Nancy Friday, My Secret Garden (Londres: Virago, 1975) [ed. bras.: Meu jardim secreto. Trad. de
Mario Molina. Rio de Janeiro: Record, 1987].
185. Ver Barbara Hariton e Jerome Singer, “Women’s fantasies during sexual intercourse”, Journal of
Counselling and Clinical Psychology, v. 42, pp. 313-22, 1974; M. H. Hollender, “Women’s phantasies during
sexual intercourse”, Archives of General Psychiatry, v. 8, pp. 86-90, 1962; e Theodor Reik, Sex in Man and
Woman (Nova York: Bantam, 1967).
186. Ver Paula Webster, “Eroticism and taboo”, em David Steinberg (Org.), The Erotic Impulse (Nova
York: Tarcher, 1992), pp. 129-41; Barbara Hariton, “The sexual fantasies of women”, Psychology Today, v.
6, pp. 39-44, 1973; J. W. Critelli e J. M. Bivona, “Women’s erotic rape fantasies: An evaluation of theory
and research”, Journal of Sex Research, v. 45, pp. 57-70, 2008; David Strassberg e Lisa Lockerd, “Force in
women’s sexual fantasies”, Archives of Sexual Behavior, v. 27, pp. 403-14, 1998; Marta Meana, “Elucidating
women’s (hetero)sexual desire: de nitional challenges and content expansion”, op. cit., pp. 104-22; D.
Knafo e Y. Ja e, “Sexual fantasizing in males and females”, Journal of Research in Personality, v. 18, pp. 451-
62, 1984; Susan Bond e D. L. Mosher, “Guided imagery of rape: Fantasy, reality, and the willing victim
myth”, Journal of Sex Research, v. 22, pp. 162-83, 1986; e Eileen Zurbriggen e Megan Yost, “Power, desire
and pleasure in sexual fantasies”, op. cit.
187. Sobre fantasias de estupro como efeito do patriarcado, ver Susan Brownmiller, Against Our Will:
Men, Women and Rape, op. cit., p. 359. Sobre fantasia de estupro como mero “exagero da realidade”, ver
Helene Deutsch, The Psychology of Women, v. 1, op. cit., p. 276. Curiosamente, apesar do
superinvestimento social, jurídico e psicológico na criança do sexo masculino, em muitas sociedades os
meninos raras vezes estão presentes como guras sexuais na fantasia feminina.
188. Amber Hollibaugh e Cherrie Moraga, “What we’re rollin’ around in bed with”, Heresies, v. 12, pp.
58-62, 1981.
189. Carole Vance, “Pleasure and danger: Towards a politics of sexuality”, em Carole Vance (Org.),
Pleasure and Danger, op. cit., p. 7.
190. Nancy Friday, My Secret Garden, op. cit., p. 280.
191. Em Karl Anne Taylor Fleming, The First Time, op. cit., p. 48.
192. Ver William e Jerrye Breedlove, Swap Clubs (Los Angeles: Sherbourne, 1964); e Gilbert Bartell,
Group Sex (Nova York: New American Library, 1971) [ed. bras.: Amor em grupo. Rio de Janeiro: Artenova,
1971].
193. Ver Gérard Pommier, “Le ‘Père incestueux’ dans l’hysterie: Remarques sur le traumatisme
‘sexuel’”, La Clinique Lacanienne, v. 2, pp. 195-211, 2000; e Judith Kestenberg, Children and Parents, op. cit.
194. Ver Shira Tarrant, The Pornography Industry, op. cit., p. 95.
195. Claude Crépault, Les Fantasmes: L'Érotisme et la sexualité, op. cit., p. 156.
196. Robert Stoller, Sexual Excitement, op. cit., p. 26. Infelizmente, muito da psicanálise lacaniana
glori ca de maneira implícita o sacrifício feminino, fazendo do ato de Medeia ao matar os lhos o
supremo “ato feminino”. Mas será isso mais feminino do que, digamos, não pedir sobremesa?
197. Ver entrevista em Karl e Anne Taylor Fleming, The First Time, op. cit., p. 128.
198. Note-se que muito da pornogra a impressa dos séculos e aparece sob a forma de
diálogos entre duas mulheres, com uma gura parental permissiva transmitindo a mensagem de que o
sexo é uma atividade legítima, da qual se tem todo o direito de desfrutar.
199. Paula Webster, “Eroticism and taboo”, em David Steinberg (Org.), The Erotic Impulse, op. cit., pp.
129-41.
200. Sallie Tisdale, Talk Dirty to Me (Nova York: Doubleday, 1994), pp. 68, 98 [ed. bras.: Sussurre coisas
eróticas para mim. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995].
201. Ver Karen Horney, Self-Analysis (Nova York: Norton, 1942), p. 212 [ed. bras.: Conheça-se a si mesma
(autoanálise). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974].
202. Ver Judith Kestenberg, Children and Parents, op. cit.; e Alfred Kinsey et al., Sexual Behavior in the
Human Male, op. cit., p. 177. Sobre movimentos de orgasmo em bebês, ver Niles e Michael Newton,
“Psychologic aspects of lactation”, New England Journal of Medicine, v. 272, pp. 1179-967, 1967.
203. Ver Judith Kestenberg, Parents and Children, op. cit., pp. 4-7, 120. Sandor Felman, “Anxiety and
orgasm”, Psychoanalytic Quarterly, v. 20, pp. 528-49, 1951.
204. Ver Ellen Vance e Nathaniel Wagner, “Written descriptions of orgasm: A study of sex di erences”,
Archives of Sexual Behavior, v. 5, pp. 87-98, 1976.
205. Ruth Herschberger, Adam’s Rib, op. cit., p. 96.
206. Ver Judith Kestenberg, Children and Parents, op. cit., pp. 3-24, 75-100, 304-7.
207. Ver J. Nydes, “The magical experience of the masturbation fantasy”, American Journal of
Psychotherapy, v. 4, pp. 303-10, 1950; e Karin Stephen, Psychoanalysis and Medicine, op. cit., p. 186.
208. Ver Natalie Shainess, “A re-assessment of feminine sexuality and erotic experience”, em Jules
Masserman (Org.), Sexuality of Women (Nova York: Grune and Stratton, 1966), pp. 56-74; Mary Jo Sholty
et al., “Female orgasmic experience: A subjective study”, op. cit.; e Selma Fraiberg, “Some characteristics
of genital arousal and discharge in latency girls”, op. cit.
209. Ver Sylvan Keiser, “On the psychopathology of orgasm”, Psychoanalytic Quarterly, v. 16, pp. 318-29,
1947; e Judith Kestenberg, Children and Parents, op. cit.
210. Ver Morton Hunt, Sexual Behavior in the 1970s, op. cit., p. 93.
211. Ver Erica Fried, The Ego in Love and Sexuality, op. cit., p. 20.
212. Ver Judith Kestenberg, Children and Parents, op. cit., pp. 91, 117, 124.
213. Ver Ellen Vance e Nathaniel Wagner, “Written descriptions of orgasm: A study of sex di erences”,
op. cit.; Emily Opperman et al., “‘It feels so good it almost hurts’: Young adults’ experience of orgasm
and sexual pleasure”, op. cit.
214. Gershon Legman, The Horn Book, op. cit., p. 30.
215. Jack Morin, The Erotic Mind, op. cit., p. 101.
216. Bernard Apfelbaum, “On the aetiology of sexual dysfunction”, Journal of Sex and Marital Therapy,
v. 3, pp. 50-62, 1977. Ver o comentário de Freud a esse respeito em “On the universal tendency to
debasement in the eld of love” (1912), em The Standard Edition of the Complete Psychological Works of
Sigmund Freud, v. 11, op. cit., p. 184 [ed. bras.: “Sobre a degradação mais generalizada da esfera do amor”,
ESB, v. 11; Shulamith Firestone, The Dialectic of Sex, op. cit., pp. 214-6.
217. Amber Hollibaugh, My Dangerous Desires, op. cit, p. 96.
218. Ibid., p. 101.
é psicanalista e um dos responsáveis por popularizar a obra de
Jacques Lacan. É membro do Centro de Análise e Pesquisa Freudianas e do Colégio
de Psicanalistas do Reino Unido. Pela Zahar publicou Simplesmente bipolar, O que é
loucura? e Gozo.
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Gra a atualizada segundo o Acordo Ortográ co da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em
2009.
Título original
Is It Ever Just Sex?
Capa
Bloco Grá co
Imagem de capa
Sem título, 2021, Germana Monte Mór. Óleo e asfalto sobre linho,
140 × 100 cm. Reprodução de João Liberato.
Preparação
Diogo Henriques
Revisão técnica
Marco Antonio Coutinho Jorge
Revisão
Huendel Viana
Natália Mori
Versão digital
Rafael Alt
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Todos os direitos desta edição reservados à
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