ERMINIA MariIcaTo
PARA ENTENDER
a CRISE
PR uateCopyright 2015 © Editor Expressto Popular
Revisto: Miguel Makoro Cavaleantt Yoshida
Hidigte; Rafael Borges Pereira
Foto: pg. 2 Midia Ninjas pl 15: Marcelo Camargo/A ty
pndg, 19: Henrique Yasuda, pg 65: Eduardo Jorge
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Maricato, Erminia
M333p Para entender a orise urbana. / Erminia Maricato
J.ed,—-Sto Paulo : Expresstto Popular, 2015
112p. Al
Indexadlo em GeoDados - hitp:/www.goodados, vem. br.
ISBN 978-85-7743-258-5
4, Crise urbana, 2. Lutas de olasse - Brasil. 3. Quostao
‘urbana ~ Brasil. 4. Movimentos ‘socials ~ Brasil. |, Titulo.
COU 316.42
lane M.S. Jovanovich CRB 9/1250
iho na Publioapbo: El
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Wedigto: maio de 2015
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APRESENTACAO
CIDADES E LUTA DE CLASSES NO BRASIL
Introdugac
Cidade e conflit abordagem marxista
Cidade na periferia do capitalismo: a
urbanizacao dos baixos salarios....
luta social pela
Nas décadas perdida:
cidade democratica .
Cidades na conjuntura atual: a retomada do investimento
publico e a surpreendente subordinagao do espaco
urbano ao capital .
ao0)
O império do automével. Transporte coletivo em ruina:
Quando novissimos personagens entram em cena .....
TERROR IMOBILIARIO OU A EXPULSAO DOS
POBRES DO CENTRO DE SAO PAULO..
GLOBALIZAGAO E POLITICA URBANA NA
PERIFERIA DO CAPITALISMO.
Globalizagao e poder...
O impacto da globalizacao nos paises periféricos
O legado do patrimonialismo..
Os paradoxos das cidades periféricas
Planejamento urbano e globalizacao ..
Do “Consenso de Washington” ao “Plano Estratégico
Que fazer’...
MOVIMENTOS E QUESTAO URBANA NO BRASIL... 103CIDADES E LUTA DE
CLASSES NO BRASIL’
O urbano da conjuntura
do inicio do século XXI
Com muita frequéncia, (...) 0 estudo
da urbanizagio se separa do estudo da
mudanga social ¢ do desenvolvimento
econdmico, como se 0 estudo da urba-
nizagao pudesse, de algum modo, ser
considerado um assunto secundério ow
produto secundario passivo em relagio
as mudangas sociais mais importantes €
fundamentais.
Harvey, 2005, p. 166
Introdugao
Nunca é demais lembrar, como ja fizeram numerosos au-
tores, que a existéncia das cidades precede o capitalismo. No
entanto, com ele as cidades mudam. E mudam a tal ponto que
é impossivel pensé-lo sem elas. Especificidades no processo de
urbanizagao acompanham as diferentes fases do capitalismo
colonial-industrial ou global financeiro nos paises centrais ou
periféricos. Em algum momento da primeira década do século
XXI o mundo passou a ser predominantemente urbano ¢ essa
crescente concentragao de populagao nas cidades traz novas
caracteristicas para as sociedades ¢ para a humanidade. Um
* Este texto resultou da edigéo de virios trabalhos publicados, mas especialmente
do artigo de mesmo nome que integra a coletinea organizada pelas Fundacio
Perseu Abramo ¢ Fundagéo Friedrich Ebert (orgs). Clases? Que classes? Sio
Paulo: Editora da Fundagdo Perseu Abramo, 2013.bom exemplo estd na concentragio de pobreza em
inéditos (Davis, 2006).
Desde 0 periodo da revolugao industrial, quando og
F de aglomeragdo nas cidades ofereceram condigbes indispersively
para o processo de acur 40 de base fabril até as chamadas
i “cidades globais”, que concentram poder internacional oe
pago urbano e, mais recentemente, metropolitano € regional,
constitui forga produtiva fundamental, além de partic ipar do
processo de dominagao hegemdnica.
Os capitais, em cada momento histérico, buscam moldar as
cidades aos seus interesses, ou melhor, aos interesses de um con-
junto articulado de diferentes forgas que podem comport uma
alianga. Mas esse modelo de paisagem, ou ambiente construlda,
nio resulta sem contradigées (Harvey, 1982). O que pode set
interessante aos promotores imobilidrios ¢ proprievirios de terra
também pode contrariar os interesses dos capitais industrials,
apenas para lembrar um cxemplo importante que marcow#
histéria das cidades nos paises centrais do capitalismo. O air
ramento da luta social por melhores salirios, ou melhores cond
g6es de trabalho, ou ainda melhores condiges de vida (moradia,
satide, transporte etc.), aprofundam essas contradigées. Um
aumento salarial pode ser engolido pelo aumento da tarifa de
transportes ou do prego dos aluguéis das moradias. Durante o*
anos do Welfare State (Estado providéncia) os trabalhadores com
quistaram (como resultado de um processo de lutas) a
em massa de moradias. Essa politica determinou os capitals ,
irlam perder espaco na disputa pelos lucros, juroserendas
‘havia necessidade de alojar os trabalhadores, diminuir 0 pre@?da forga de trabalho e di
rentistas — fundidrios ¢ imobilidrios ~ foram subordinados ou
iro prego da moradia, Os capitais
regulados diante dos interesses do capital industrial. E dentre
os capitais que participam da producao do espago (nos quais
Harvey inclui a propriedade da terra) 0s capitais especulativos
perderam espago para o capital produtivo’.
A cidade pode ser objeto de diversas abordagens: pode ser
lida como um discurso (como querem os semidlogos e semidti-
cos); pode ser abordada pela estética — ambiente de alienagao €
dominagao por meio da arquitetura ¢ urbanismo do espeticulo;
como manifestagao de praticas culturais e artisticas mercadolé-
gicas ou rebeldes; como legado histérico; como palco de con-
flitos sociais; como espaco de reprodugao do capital e da forga
de trabalho, entre outras. Essas diferentes ou dispersas formas
de ver as cidades certamente tornam mais dificil situd-las como
um objeto central estruturador das relagées sociais. A midia do
mainstream trata de cidades 0 tempo todo, entretanto raramente
a toma como um produto, ou mercadoria que intermedia os
conflitos entre as classes sociais. Afinal, o capital imobilidrio é
um grande anunciante, patrocinador da grande midia.
No entanto, isso nao é suficiente para explicar porque a
politica urbana esta tao ausente dos debates da esquerda ¢ das
propostas de politicas puiblicas, em especial, politicas nacionais
de desenvolvimento econdmico e social, nas tiltimas décadas
do século XX e primeira do XX1. De fato, essa invisibilidade
é maior a partir da globalizagao™ neoliberal (apés a década de
* Ibid, p. 145-176.
** Iremos utilizar 0 conceito de globalizagao para referirmo-nos ao conjunto das
mudangas (incluindo a ideologia, a cultura ea politica) ocorridas no mundo, a
partir do que Harvey chama de reestruturagao produtiva do capitalismo, que
tem inicio nos anos 1970.
19essa invisibilidade é historica. J4 mostramos em
balhos que, nesses paises, a habitacao dos trab
problema para o capital e, na maior parte das veres,
0 Estado, Por isso, os bairros de moradia dos
construidos por eles mesmos, nos seus hordrios de dese:
também por isso, as favelas fazem parte da reproducio da
de trabalho formal. Foi assim durante o Processo de i
lizagao por substituicao de importagées ¢ é assim atualmente,
nas cidades conhecidas como globais. As favelas integram as
cidades de paises como o Brasil’.
A incrivel auséncia do estudo da questo urbana nos
cursos académicos de economia, sociologia, engenhariae —
direito, além do desconhecimento dos setores de esquerda,
Nos remetem as muitas consideracées feitas por intérpretes
da “formacao nacional”, para adotar a expressao de Plinio
Sampaio Jr. (Sampaio Jr., 1999) sobre a alienagao do inte-
lectual brasileiro em relacao a realidade do pais (Fernandes,
1977; Viorti da Costa, 1999; Schwarz, 1973; Furtado, 2008).
E inconcebivel que o BNDES (Banco Nacional de Desenvol-
vimento Econémico e Social), um dos maiores fomentadores
de desenvolvimento econdmico ¢ social na América Latina,
em um governo de centro-esquerda, ignore o impacto de _
investimentos nas cidades ou regides, mas é 0 que acontect »
Esse conceito de “desenvolvimento” parece nao passat peo
; mode
* Temos desenvolvido esse conccito — as favelas ou moradias ilegais: i —
‘geral, sio parte estrurural de nossas cidades, nao constituem excegio
Ver em especial Maricato, 1996.
** Conforme relaco de Tania Bacelar A autora em 2012.
20rs constraido ¢, 0 que é mais impressionante, nem pela
| questio fundiiiria. Além da alienacio decorrente da aaiens
_ de dependéacia cultural, a maquina ideoldgica midiatica
também ocupa a funcdo de um entorpecente das massas de
baixa escolaridade. Dai usarmas frequentemente a expressio
analfabeusmo urbanistico ou geografico para expressar essa
ignorincia predominante sobre a realidade ¢, em especial, a
realidade do ambiente construido (Maricato, 2002).
A produco do ambiente construido nos paises capitalistas
foi objeto prestigiado de estudos ¢ pesquisas durante a década
de 1970, apés as revoltas estudantis do final dos anos de 1960.
Merece destaque 0 esforco da chamada Escola Francesa de Ur-
banismo integrada por marxistas que tratavam de desenvolver
© explicar a producéo do espaco urbano ¢ os conflitos entre
capitais ¢ trabalho. Os estudos se detiveram em mostrar que a
producio do espaco urbano ou, de um modo geral, do ambiente
construido envolvia alguns tipos especificos de capitais. Os con-
frontos néo se dao apenas no chao da fabrica, como pretendia a
heranca histérica do movimento operrio. A perda de prestigio
da fun¢ao social das cidades, no capitalismo central, coincide
com a ascensao das ideias neoliberais ¢ concomitante perda de
espaco do Welfare State, acompanhando o enfraquecimento
dos sindicatos de trabalhadores ¢ perda de espago das forgas
de esquerda.
O presente texto vai tratar rapidamente: 1) da abordagem
marxista sobre o tema da cidade; 2) da cidade no capitalismo
periférico; ¢ 3) a cidade na conjuntura brasileira.
Portanto, vamos evitar um extenso € abstrato texto acadé-
‘mico ¢ buscar, dentre os marxistas que estudaram a questio
urbana, algumas formulagbes que poderio ajudar a reconhecer
o que parece ébvio, mas nao é tomado como tal,Cidade ¢ conflitos: a abordagem marxista
A cidade é 0 lugar por exceléncia de reprodugao da forca de
trabalho. Nao h4 como nao entender essa formulag4o. O munde
est se urbanizando crescentemente e, nas cidades, a moradia,
a energia, a 4gua, o transporte, o abastecimento, a educagio,
a satide, o lazer nao tém solugao individual. Cada vez mais 4
reprodug4o da populag4o que compée a forga de trabalho, em
sua maioria, se faz de modo coletivo ou “ampliado”, dependen-
te do Estado, como desenvolveu Castells no classico livro La
question urbaine, de 1972. Transporte coletivo, infraestrutura
€ equipamentos sociais s4o necessidades que, apesar do fim do
Welfare State ou apesar da tendéncia a privatizacao dos servigos
piiblicos aps a década de 1980, ainda permanecem como quer
t6es cruciais da luta social nos paises periféricos ou centrais da
atualidade. Diferentemente da chamada reproducao simples da
forga de trabalho, a reprodu¢ao ampliada nao depende apenas
do salario ~ ou, em termos mais precisos, da taxa de saldrio~ _
mas também das politicas ptiblicas, parte das quais sao espe
cificamente urbanas, como se estas constituissem um salario
indireto. Um aumento de salario pode ser absorvido pelo alto
custo do transporte ou da moradia, por exemplo.
Como ja foi mencionado, o capital em geral busca mi
o ambiente urbano As suas necessidades, mas interessa destacat
aqui um conjunto dos Capitais que tem interesse especifico
produg4o do espaco urbano, por meio do qual se reproduzem
obtendo lucros, juros ou rendas,
Faz parte desse grupo especifico os seguintes capitais
incorporacao imobilidria (um tipo de capital comercial inict
mente estudado por Christian Topaloy em 1974); 2) capital
construcao de edificagées; 3) capital de constru¢4o pesada
de infraestrutura; ¢ 4) capital financeiro imobiliario- Hai
22localiza nesse grupo também os proprietarios de terra que
podem constituir obstaculos ao processo de reproducao desses
capitais ou se associar a eles’,
A classe trabalhadora — entendida aqui num sentido amplo,
incluindo os informais e domésticos — quer da cidade, num
primeiro momento, o valor de uso. Ela quer moradia e servi-
gos pliblicos mais baratos e de melhor qualidade. Entenda-se:
mais barato e de melhor qualidade, referenciados ao seu estagio
historico de reprodugio.
Os capitais que ganham com a produgao e exploragéo do
espago urbano agem em fungao do seu valor de troca. Para eles,
acidade é a mercadoria. E um produto resultante de determi-
e lembramos que a terra urbana,
nadas relag6es de produgao.
ou um pedaco de cidade, constitui sempre uma condicao de
monopélio — ou seja, nao ha um trecho ou terreno igual a ou-
tro, e sua localizacao nao é reproduzivel — estamos diante de
uma mercadoria especial que tem 0 atributo de captar ganhos
sob a forma de renda. A cidade é um grande negécio ¢ a renda
imobilidria, seu motor central.
A renda fundiria ou imobilidria aparenta ser uma riqueza
que flutua no espago e aterrissa em determinadas propriedades,
gracas a atributos que podem estar até mesmo fora delas, como
por exemplo um novo investimento ptiblico ou privado feito
nas proximidades. A legislagao e os investimentos urbanos sao
centrais para “gerar” essa riqueza que ira favorecer (valorizar)
determinados iméveis ou bairros. Esse ¢ um dos principais
* Poderiamos lembrar outros capitais envolvidos com os servigos urbanos ou que
disputam os fundos puiblicos, como transporte coletivo ¢ individual, iluminacao
publica, comunicacio, limpeza, merenda escolar, arendimento a satide etc. Mas
para 0 que nos interessa vamos nos restringir Aqueles ligados 4 produgao do
‘espaco fisico.localiza nesse grupo também os proprietarios de terra que
podem constituir obstaculos ao processo de reprodugao desses
capitais ou se associar a cles’.
A classe trabalhadora — entendida aqui num sentido amplo,
incluindo os informais e domésticos — quer da cidade, num
primeiro momento, o valor de uso. Ela quer moradia ¢ servi-
¢0s piblicos mais baratos ¢ de melhor qualidade. Entenda-se:
mais barato ¢ de melhor qualidade, referenciados ao seu estagio
historico de reproducao.
Os capitais que ganham com a produgio e exploragio do
espaco urbano agem em fungio do seu valor de troca. Para eles,
a cidade é a mercadoria. E um produto resultante de determi-
nadas relac6es de producao. Se lembramos que a terra urbana,
ou um pedaco de cidade, constitui sempre uma condi¢ao de
monopélio — ou seja, nao ha um trecho ou terreno igual a ou-
tro, ¢ sua localizagao nao é reproduzivel — estamos diante de
uma mercadoria especial que tem o atributo de captar ganhos
sob a forma de renda. A cidade é um grande negécio ¢ a renda
imobilidria, seu motor central.
A renda fundidria ou imobilidria aparenta ser uma riqueza
que flutua no espago ¢ aterrissa em determinadas propriedades,
gracas a atributos que podem estar até mesmo fora delas, como
por exemplo um novo investimento publico ou privado feito
nas proximidades. A legislacao ¢ os investimentos urbanos sio
centrais para “gerar” essa riqueza que ird favorecer (valorizar)
determinados iméveis ou bairros. Esse é um dos principais
* Poderiamos lembrar outros capitais envolvidos com os servigos urbanos ou que
disputam os fundos pablicos, como transporte coletivo e individual, ihuminagio
publica, comunicagéo, limpeza, merenda escolar, atendimento a satide etc, Mas
Re eee ee ee wate
‘espagomorivos para as disputas sobre os fundos publicos em, ihe
Por exemplo: 0 que sera construldo e, especialmente, onde
Abvercura de avenidas, pontes, viadutos, parques, pode muggy
6 prego do metro quadrado nas suas p oxim ]
vy cree A :
€ Logislativos de todos os niveis , a
Como | apontou inicialmente Marx ¢ desenvolvey Ha
‘enue o valor de troca da cidade mercadoria ¢ 0 valor de us
lade condigto necessiria de vida para a classe trab
profunda oposigho que gera um conflito basico (Harvey,
‘Ao lado deste, outros conflitos (secundarios?) sia gi
pela forma andrquica como o ambiente construido cresee
pendendo das circunstincias histéricas, podem ser notive
divergénncias entre: a) o capital em geral ¢ o capital imobilid
{como o exemplo que demos no inicio deste texto);
geneias internas a fragdes do capital imobilidrio pela d
dos ganhos; ¢ ¢) divergéncia entre proprictirios de in
capital imobilidrio pelo mesmo motivo”.
Podem ser notiveis ainda as divergéncias entre os
trabalhadores, especialmente entre os que sio propriet
os que no sto, Todos nds ja testemunhamos a oposigao feita
por pequenos proprictirios de iméveis populares a favelas qu
localizadas na vizinhanga, podem causar depreciagio no
de sua propriedade. Evidentemente a capacidade de “abdessa riqueza que, aparentemente, paira no ar e s¢ cola” a
propriedade imobilidria sob a forma de renda ou de sua valo
rizacio é maior por parte dos capitalistas do ramo imobilidrio
do que pelo trabalhador que tem uma modesta moradia, Mas
ela pode chegar até mesmo nos ¢ émodos das favelas, isto é,
dria em uma favela se valoriza com as
mesmo uma ¢
yantagens crescentes de localizagio e pode propiciar ao seu
dono rendimentos com aluguel.
E sempre é bom lembrar, ha uma parte dos trabalhadores
es capitais que ganham com
pree
explorados diretamente por es
a produgao do espago urbano:
construgao que estao entre as categori
classe trabalhadora e, segundo alguns autores, 840 fontes
extraordinarias de extragaio de mais-valia (Ferro ¢ Arantes,
2006; Maricato, 1984).
Para completar esse quadro esquemé
0 papel, cada vez mais importante, do Estado na produgio do
espago urbano. E dele o controle do fundo piiblico para inves
timentos, e cabe a ele, sob a forma de poder local, a regulamen
tacao e o controle sobre o uso e a ocupagio do solo (seguindo,
hipoteticamente, planos e leis aprovados nos parlamentos). E,
portanto, o principal intermediador na distribuigdo de lucros,
juros, rendas ¢ saldrios (direto ¢ indireto), entre outros papéis.
Ha, portanto, uma luta surda pela apropriagio dos fundos
publicos, que é central para a reprodugio da forga de trabalho
ou para a reproducao do capital. Podemos citar como exemplo
uta entre investimentos para a circulagio de
se dos trabalhadores de
as mais exploradas da
ico, resta relembrar
importante a disp’
automéveis ou investimentos para o transporte coletivo.
As megaobras sempre, na histéria das cidades, tiveram um
papel especial na afirmagio do poder religioso ou simplesmente
politico, mas a associagao entre a arquitetura ¢ 0 urbanismo
25¢40 do atraso, modernizacao conservadora, capitalismo tavada,
sinnlgosem clas definigées que explicam o paradoss esi
do por um processo que se moderniza alimentando-se de formas
atrasadas ¢, frequentemente, n4o capitalistas, strictu senso. As
dades sao evidéncias notaveis dessa formulacao teérica, ¢, melas,
© melhor exemplo talvez seja a construgao da moradia (€ pane
das cidades) pelos proprios moradores (trabalhadores de baiza
renda). Essa construcao se da aos poucos, durante seus horarios
de folga, ao longo de muitos anos, ignorando toda e qualquer
legislacao urbanistica, em areas ocupadas informalmente.
Francisco de Oliveira forneceu a chave explicativa para
gigantesca pritica da autoconstrucio da moradia ilegal (am
espécie de produc doméstica) pelos trabalhadores ou pela P™
pulagao mais pobre de um modo geral. Elaesté no rebaixamen?
do custo da forca de trabalho, que ocupa seus fins de
(horarios de descanso) na construcao da casa (Oliveira. “
Vamos nos concentrar no caso do Brasil para acompanhat
a acumulacéo capitalista durante todo periodo de
‘¢fo no Brasil, particularmente de 1940 a 1980, quand? le
“eresceu a taxas aproximadas de 7% a0 ano. °———
‘banizacSo cresceu 5,5% ao ano (IBGE). Aibaixos saldrios correspondeu a urbanizac4o com baixos salérios
(Maricato, 1976, 1979, 1996). O exemplo revela que uma certa
modernizacao e um certo desenvolvimento ( industrializac4o de
capital intensivo, produgao de bens duraveis) dependeram de um
modo pré-moderno, ou mesmo pré-capitalista (a autoconstrucso
da casa), de producao de uma parte da cidade. Essa imbricacao
foi (¢ ainda é) fundamental para o processo de acumulacao ca-
pitalista nacional e internacional. Ela se aplicou perfeitamente a
producao das cidades que receberam a indtistria automobilistica
a partir de 1950 — Volkswagen, Chrysler, Mercedes Benz ~ ese
aplica hoje nas cidades que sao chamadas de globais.
A terra urbana (assim como a terra rural) ocupa um lugar
central nessa sociedade. O poder social, econdmico ¢ politico
sempre esteve associado a detencao de patriménio, seja sob a for-
ma de escravos (até 1850), seja sob a forma de terras ou iméveis
(de 1850 em diante). Essa marca — patrimonialismo ~ se refere
também 4 privatizacao do aparelho de Estado, tratado como
coisa pessoal. O patrimonialismo esté ligado a desigualdade so-
cial historica, notavel e persistente, que marca cada poro da vida
no Brasil. E essas caracteristicas, por outro lado, estao ligadas
ao processo de exporta¢ao da riqueza excedente para os paises
centrais do capitalismo. Celso Furtado mencionou varias vezes
em seus trabalhos o convivio da exportacdo da riqueza excedente
com uma estreita elite nacional consumidora de produtos de
luxo. Esse quadro forneceria as caracteristicas de um mercado,
por assim dizer, travado (Furtado, 2008).
Recente relatério da ONU-Habitat “Estado de las Ciudades
de América Latina y el Caribe 2012” mostra que o Brasil, a sexta
economia do mundo, mantém uma das piores distribuigdes
de renda no continente, mesmo apés 0s avangos nesse sentido
verificados nos governos do presidente Lula ¢ da presidentete repeessora. Além da podeross maquina mididcica, a generale
Taso do déban politico € 0 favor como mediaczo uniwenal ae
selacées que cxplicam muito a cidade ¢ uma sui generis fooma
alguas, cidade para alguns. (Castro ¢ Sthva, 1997).
Nem todos os indicadores sociais s40 negatives no pases
de usbanizacso concomixante 2 industrializacso que xe demas
decomrer do século XX, mais exatamente a partis de 1930.8
mortalidade infaseil, a expectativa de vida, o nivel de escola
eo aceso 3 agua tratada, 2 coleta do lino ¢ 2 taxa de festadade
feminina apsesentam uma cvolucso positiva a partis de
aaé mossos dias. exztamente devide 2 mudanca de vida com?
wrbanizacio (IBGE, 2008). No encanto, os clexos da dou
neoliberal que acompanhou 2 chamada globalizacéo sae
2 perspectiva de crescimenso, zinda que scompanhade deo
cemeragao de renda (Schwarz, 2007).
A populace moradors de fzvelas cresceu mais do Oe
populacie total ou do que a populac’c urbana nos Slee
anos, io é, de 1960 2 2010 (IBGE).
ena anuéncia das elites nacionais, as metrépoles brasileiras nas
caminho contrério ao interesse ¢ necessidades da maior parte da
populac4o (Cano, 1995; Tavares ¢ Fiori, 1997). As trés politicas
Pablicas urbanas estruturais (ligadas & produczo do ambiente
Construido) — transporte, habitacao e saneamento — foram igno-
radas ou tiveram um rumo errético, i
mados em 2003, na gestao do presidente Lula (Maricato, 20116).
Talvez, 0 indicador que mais evidencia 0 que podemos
chamar de tragédia urbana é a taxa de homicidios, que cresceu
259% no Brasil entre 1980 ¢ 2010. Em 1980, a média de assas-
sinatos no pais era de 13,9 mortes para cada 100 mil habitantes,
em 2010 passou para 49,9 (Weisclfise, 2013).
Certamente essa ocorréncia nao se deveu apenas a esses
fatores ¢ nem se limita as cidades brasileiras. Nao € possivel
abordar um assunto t4o estudado em poucas palavras. Mas
nao hd divida de que ela compée 0 quadro de abandono do
Estado provedor, ainda que tratemos do provedor na periferiaNas décadas perdidas: luta social pela cidade
Movendo-se contra a corrente mundial de en}
dos partidos de esquerda, do declinio do crescimento
eda retragao do Estado provedor, o Brasil dos anos 1980,
va um quadro contrastante. Enquanto a economia ap,
uma queda acentuada, ao mesmo tempo que lutavam contra
governo dirarorial, movimentos sociais ¢ operirios claboravam
plataformas para mudangas politicas com propostas programs.
tieas, Na década de 1980, foram criados novos partidos, outros
partidos de esquerda sairam da clandestinidade, novas entidades
openirias foram fundadas ¢ ainda havia os movimentos sociais
urbanos — uma novidade na cena politica brasileira, pelo menos
com a expressao que ganharam na ocasido.
Um vigoroso Movimento Social pela Reforma Urbana
recuperou as propostas elaboradas na década de 1960, no con-
texto das lutas revoluciondrias latino-americanas. Trataya-se
de construir a ponte com uma agenda que a ditadura havia
inverrompido a partir de 1964. Na década de 1960, o Brasil
tinha 44,67% da populagao nas cidades (censos IBGE), Em
1980, ja eram 67,59%, Houve um acréscimo de cerca de 50
milhes de pessoas nas cidades, e os problemas urbanos s¢
aprofundaram, Esse movimento reunia entidades profissionals
(arquitetos ¢ urbanistas, engenheiros, advogados, assistentes
sociais), entidades sindicais (urbanirarios, sanitaristasy seror
de transportes), liderangas de movimentos sociais, om
pesquisadores, professores, intelectuais, entre outros. Por 7
influéncia, foram criadas comiss6es parlamencares € fora
eleitos prefeitos, vereadores ¢ deputados. tea
No que se refere ao destino das cidades, na ag} ‘ind
litiea estavam presentes: a) as mobilizag6es sociais a
partidos politicos; b) a produgao académica qa desvendar a cidade real (com diagndsticos sobre as estratéyias
de reprodugao dessa forca de trabalho de baixos salérios), des
montando as construgées simbélicas ¢ ideolégicas dorninantes
sobre as cidades; ¢ c) governos municipais inovadores que ¢
pe
rimentaram novas agendas com programas sociais, econdmica
e politicamente includentes ¢ participativos.
Durante o regime de excecao (1964-1985), os prefeitos das
capitais eram indicados pelos governadores, que eram indicados
pelo presidente da Reptiblica, que era indicado pelas Forgas
Armadas e forcas econdmicas que lhes davam sustentag4o.
Portanto, as experimentagées de gestao local democrdtica se
davam nos demais municipios onde havia elei¢4o direta para
prefeito. Entre os urbanistas, ganharam importancia nessa fase
as experiéncias de Diadema, municipio operdrio da Regiao Me-
tropolitana de Sao Paulo, com suas propostas de inclusao social
e urbana elaboradas por profissionais ativistas em contexto de
forte luta social. Apés 1985, com eleigées livres para prefeito
nas capitais, duas mulheres foram eleitas para o governo do
municipio de Sao Paulo, com um intervalo entre elas — Luiza
Erundina (1989-1992) e Marta Suplicy (2001 ¢ 2004). Suas
administrac6es deixaram marcas profundas nas 4reas do trans-
porte, da cultura, da assisténcia social, que permanecem como
paradigma apés muito anos.
Chamam a atenc4o as experiéncias de Belém, democratizan-
do a participagao com o Congresso da Cidade ¢ modernizando
aadministragao com 0 cadastro multifinalitario urbano; de Belo
Horizonte, com as propostas de abastecimento doméstico que
permitiram baratear o preco da comida; de Recife, com a poli-
tica de forte afirmagao das raizes multiculturais, em especial da
miisica afro-brasileira, além das aces de prevencao contra riscos
por desmoronamento nas dreas de moradias pobres; de Santo
31Aniliré, com a politica de saneamento ¢ habltagio;
Sul, com a insergao até mesmo das eriangas na di
© futuro da eldade, entre outras, Mas foi 0 orgamento:
pativo de Porto Alegre que constituiu a mudanga mais 3
de Fame nas administragdes urbanas ¢ ne seu planejamen,
O Orgamente Participative praticado durante quase duas
décadas em Porto Alegre constituiu uma mudanga no paddle
dos investimentos urbanos, Ele significou a ruptura como
investimento publico submetido aos interesses do mercado
imobilidrio, © que, por sua ves, alimenta a segregagdo rerrite-
rial eas desigualdades, Outros /abéies muito bem organizades,
que indefectivelmente acuam junto as Camaras Municipals,
encontram dificuldades em agir. Os excluidos passam a sujet
tos politicos que participam diretamente das decisées. Podem,
portante, exercer algum controle sobre o Estado, que se toma
mais praximo ¢ mais transparent, Rompe-se também com &
indefectivel clientelisme politico, embora isso dependa do grat
de democracia exercida no proceso, pois © risco da coopragle
eda relagdo de toca de favores esta sempre presente, O Ongar
mento participative muda o lugar ea naturera do planeament
urbana,
Os governos municipais que inauguraram gestOes!
ras, autodenominadas “democraticas ¢ populares”
=se pela “inversko de prioridades” na discuss do,
priblico ¢ a participagdo social em todos os niveis, OF}
do PT foram tao bem-sucedidos que passaram a st
sob a marca do “modo petista de governar™. As
eram ctiativas ¢ ofetivas, respondendo com 0
problemas colocados pela realidade local. Nesse
projetos arquitetdnicos, urbanisticos ¢ legais relat
a enenaet (cidade ilegal, auroconstruida, ¢
»ubanizads) ganhs importincia, pois ses
utanismo do mainsream, Vor isso, o
programas de
se dividiam entre 06 que buscevam secuperas « cide
consAidada (onde nhc houvesse dorboulo andbhencs para ieee
© produgio de novas moradias nova
Apen:
due st,
$ para fegisttar um exemy
portante, wax
iniciativas mais bem-sucedidas em Sho Paulo buscava das 4
qualidade para a vida de criangas ¢ adolescentes nos lyaixce:
pobres, por melo da construgho « operagan de (CFM 9) Cenasax
Educacionais Unificados, Vratava-se de criar us
destacada qualidade arquitethnica, bem “4
vipado, auc cher
cursos regulates, cinema, gindstica, artes isticas, programs
teatrais ¢ musicais, inéditos na periferia urbas
no centro dos baittos periftric«
um pedaco de um universo
discrepante, modernizante, em relacho a0 entorne
Imagem 1s CRY da Var ~ Brreibandia, Gi Pesdey, 2012
Ke: Gone Maps, 212que atuou como partido politico representando a elise do
Com o passar do tempo. durante as décadas de 9
1990, pesquisadores, professores unrversicaris ¢ proGissionaitsde
diwersas dreas, socialmente engajados. criuzram o que podemas
chamar de Nova Escola de Urbanismo. Se antes esses ageames
exam criticos do Estado ¢ das politicas publicas, a partirdacam 7
quista das novas prefeiruras ¢ com o crescimento dos partidios
de esquerda, notadamente do PT, eles foram se apropriando de
parcelas do aparetho de Estado nos Executivas, nos parlameans
€, com menos importincia. até mesmo do Judiciiria. Novas
programas, novas priticas, novas leis, nowos projetos, BOWE
procedimentos, sempre com participacio social, permitinam @
desenvolvimento também de quadros téonicas e de fonoae-haae
sobre como perseguir maior qualidade ¢ justica urbama’. As
travas da macroeconomia estavam colocadas como obsticalos
‘a serem resolvides no futuro.
Esse movimento pela Reforma Urbana avancou conqunsa
_ do importantes marcos institucionais. Dentre des
a) um conjunto de leis que, a partir da Constituiggo
‘Ver algumnas referencias bibliogrificas em Maricano, 2011, 2011.a mais importante delas; b) um conjunto de entidades, como
o Ministério das Cidades (2003) ¢ as secretarias nacionais de
habitacao, mobilidade urbana ¢ saneamento ambiental, que
retomavam a politica urbana agora de forma democratica; e
©) consolidagao de espagos dirigidos 4 participacao direta das
liderangas sindicais, profissionais, académicas e populares como
as Conferéncias Nacionais das Cidades (2003, 2005, 2007) e
Conselho Nacional das Cidades (2004).
Cidades na conjuntura atual: a retomada do investimento
publico e a surpreendente subordinacao do espaco
urbano ao capital
Nao ha dtivida de que as politicas sociais implementadas
pelos dois governos de Luis Inacio Lula da Silva fizeram dife-
renga na vida de milhdes de brasileiros. Os principais programas
sociais do governo Lula que tiveram continuidade na gestao
de Dilma Rousseff foram: Bolsa Familia, Crédito Consigna-
do, Programa Universidade para todos (ProUni) — bolsa de
estudo em universidades privadas trocadas por impostos —,
Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)
¢ Programa Luz para Todos. Garantiu-se um aumento real do
salério minimo (de cerca 55%, entre 2003 ¢ 2011, conforme
Dieese). Além desses programas, o crescimento da economia e
do emprego, propiciado por condigées de troca internacional,
trouxeram alguma perspectiva de esperanca de dias melhores.
Em vez de reforgar explicagées que veem no aumento da
renda de uma grande camada, a emergéncia de uma nova
classe média, Marcio Pochmann classifica o fendmeno como
um reforco das camadas que se encontram na base da pird-
mide social. Estes aumentaram sua participagao relativa na
renda, que estava abaixo de 27%, para 46,3% entre 1995 ¢
a52009. Os classificadas em “condigéo de pobreza” diminuiram
sua representacdo de 37,2% para 7,2% nesse mesmo periodo,
Parte dessa populagio que migrou da condigéo de pobreza
para a base da pirimide empregou-se na construgao civil
(Pochmann, 2012), O grifico abaixo mostra os ntimeros de
queda do desemprego nas atividades em geral em relagio a
este setor da economia.
Grifico 1: Taxa de Desemprego (%) ~ Conjunto de 6 RMs
Total de atividades x Construgéo, 2014
Hii
‘ares ox somcupeyte no semana ofr, pense ena ma ee 8 a Ge
‘+ Tana 6 aesacupare na semana eric, ox perme 10 ars ox ma ae seer
Fone: PME/IBGE
Elaborate: Banco de Dados ~ CIBIC, 2014/Rafael Borges Pereirs,
A construgio civil foi um dosgutomobilistica. Vamos tratar dessa trinca de capitais — capital
jmobilidrio, capital de construc4o pesada ¢ industria automotora
— que garantiram uma reacao anticiclica positiva em relacao 4
crise internacional de 2008, mas conduziram as cidades para
uma situacao tragica apés quase 30 anos de baixo investimento.
A retomada dos investimentos ptiblicos comecou lentamen-
te, freada pelas travas neoliberais que proibiam gastos sociais.
Mas a partir de 2007 0 governo federal lancou o Programa de
Aceleracao do Crescimento (PAC) e, em 2009, o Programa Mi-
nha Casa Minha Vida (MCMV). Com o primeiro, a atividade
de construcao pesada comega a decolar e, com o segundo, é a
construcio residencial que decola (CBIC, 2015).
O PAC se destina a financiar a infraestrutura econdmica
(rodovias, ferrovias, portos, aeroportos ¢ toda a infraestrutura
de geracao € distribuicao de energia) ¢ a infraestrutura social
(4gua, esgoto, drenagem, destino do lixo, recursos hidricos,
pavimentacio). Ele federalizou o Programa de Urbanizacao de
Fayelas: finalmente 0 governo federal no Brasil reconhecia a
cidade ilegal € 0 passivo urbano, buscando requalificar e regu-
larizar 4reas ocupadas ilegalmente. Muitos bairros pobres de
um universo gigantesco passaram por projetos de recupera¢ao
urbanistica, elevando a condic¢ao sanitaria e de acessibilidade,
entre outras.
Jéo MCMV € diferente. Retoma-se a visio empresarial da
politica habitacional, ou seja, de construgao de novas casas,
apenas, sem levar em considera¢ao 0 espaco urbano em seu
conjunto ¢ muito menos a cidade j4 comprometida pela baixa
qualidade.
Com a finalidade explicita de enfrentar a crise econdmica
de 2008, o MCMV apresenta pela primeira vez uma politica
habitacional com subsidios do governo federal. Desenhado
37pelo Ministério da Casa Civil do governo federal
Rowsseff 4 frente), em parceria com os maiores
do setor, 0 programa inclui regras para a sec
empréstimo. Buscava-se evitar 0 saldo desastrose
caracterizado © fm do sistema realizado durante
0 hag
a
com as instiruigbes centrais - Banco Nacional de Hating.
ao, Plane Nacional de Sancamento ¢ Agéncia Nacional de
Transporte Urbano. O programa concluiu uma reforma de
financiamento imobilidrio que vinha sendo ensaiada, com
virias medidas, desde a década de 1990; mas, nuncaédemais
lemibrar, a questio fundidria ficou invocada (Royer, 2014) 6
MCMV formalizou as condicées para um boom imobilidsie
no Brasil
Grihco 2: Financiamento habitacional privado, 2014
(RS bithées)
Vivemos um paradoxo: quando finalmente @ Esade
" co investimento em habitacso, seas
ino de forma mais decisiva, uM
fundiiria ¢ imobilidrlaa elevacao do prego da terra e dos iméveis, considerada a
“mais alta do mundo”. Entre janeiro de 2008 e janeiro de
2015, 0 prego dos iméveis subiu 265,2%, no Rio de Janei-
ro; ¢ 218,29, em Sao Paulo, liderando o aumento, entre as
capitais do pais (Fipe ZAP, 2015). E tudo, especialmente,
porque a terra se manteve com precario controle estatal,
apesar das leis e dos planos que objetivavam o contrario.
No mais dos casos, as Camaras Municipais e Prefeituras
flexibilizaram a legislacao ou apoiaram iniciativas ilegais
para favorecer empreendimentos privados (Fernandes, 2012).
Uma simbiose entre governos, parlamentos e capitais de
incorporacao, de financiamento e de construgéo promoveu
um boom imobilidrio que tomou as cidades de assalto. Se
nos EUA 0 mote da bolha imobilidria se deu no contexto
especial da especulacao financeira, cremos que, no Brasil, o
core do boom aliou ganhos financeiros a histérica especula¢ao
fundidria (patrimonialista), que se manteve — provavelmente
ainda como espao reservado & burguesia nacional — agora
no contexto da financeirizagao". O “né da terra” continua
como trava, revisitada na globalizagao, para a superacao do
que podemos chamar de subdesenvolvimento urbano.
Pela primeira vez na histéria do Brasil, o governo federal
reservou subsidios em volume significativo, para que as ca-
madas de mais baixa renda nao ficassem de fora da produgéo
habitacional. Mas como a moradia é uma mercadoria especial
(porque é vinculada a terra, uma condi¢ao nao reproduzivel),
os subsidios incidiram no aumento do prego da terra.
* Para Lessa e Dain, 0 setor imobilidrio ¢ de construgao pesada esto
historicamente reservados & burguesia nacional. Cf. Lessa e Dain, 1998. Sobre
a bolha americana, cf. Fix, 2011.
39--uttel
Wain Palen Poet Ramen 0/12/11 (Abon i 2011
Karmen: Rata! Barges Price
Para no remeter todas as criticas ao governo federal, é pre.
ciso lembrar que a questio urbana/fundiaria é de competénela
constitucional dos municipios ou do governo do Estado, quan
do se trata de regido metropolitana. Mas nenhuma instincts
de governo tocou nas propostas da Reforma Urbana, sequer
em discurso. Em relagdo ao poder local, houve um retroceme.
© “modo petista de governar” recuou. A centralidade da terra
urbana para a justica social desapareceu. Aparentemente a po-
litica urbana se tornou uma soma de obras descomprometidas
com @ processo de planejamento. Os planos, como sempre,
cumpriram o papel do discurso ¢ no orientaram os invest
mentos (Villaga, 2012). Outros fatores como os interesses do
mercado imobiliario, o interesse de empreiteiras, a prioridade
As obras vidrias ou de grande visibilidade deram o rumo par
aplicagio dos recursos. O que mais se vé na conjuntura atual
sho planos sem obras obras sem planos, seguindo interesde articulagdes de capitais, proprietarios de iméveis ¢ 0 finan-
damento de campanhas eleitorais”.
Qs motives do enfraquecimento das forgas que lutaram
Reforma Urbana ou que puseram de pé ¢ implementaram
uma politica urbana que contrariou, ainda que por um periodo
Jimitado, a cidade selvagem, ainda esto 3 espera de melhores
anillises, Mas, sem diivida, muitos dos participantes dessa luta
foram engolidos pela esfera institucional. Atualmente, a maior
parte deles esti em cargos piblicos ou ao redor deles (Maricato,
2011a).
Gom os megaeventos da Copa do mundo em 2014 ¢ das
Olimpiadas em 2016 (no Rio de Janeiro), vemos uma radica-
lizagdo da febre que acompanha 0 atual “deem” imobilidrio.
Seguindo a trajetdria dos paises que sediam esses grandes
eventos, a “maquina do crescimento” (uma articulagio de
entidades internacionais, governos ¢ capitais) é posta a fun-
cionar, buscando legitimar, com 0 urbanismo do espeticulo,
gastos pouco expliciveis para um pais que ainda tem enorme
precariedade nas dreas da satide, da educagio, do saneamento
e dos transportes coletivos.
Muitos exemplos poderiam ser dados sobre a truculéncia
com que as grandes obras expulsam moradores das redonde-
zas para viabilizar um processo de expansio imobilidria ¢ de
construcao de um pedago do cendrio urbano global. Boa parte
dessas grandes obras resta subutilizada apés abocanhar um
significative naco dos cofres publicos em sua construgio. A
dindmica que acompanha os megaeventos articula, de um modo
* O fimanciamento de campanhas cleitorais resulta em grande definiddor da
politica urbana: 62% do financiamento nbo partidirio na cleicdo de 2012 da
‘Camara Municipal de Séo Paulo veio dos setores empresariais imobiliirio e de
constructa. Ver a respeito © site Arquiretura da Gentrificagio, 2015.
argeral, os arquitetos do star system, como not y
legisladores que acertam um conjunto de regras de &
satisfazer as exigéncias das entidades internacionais x
ou culturais; governos de diversos niveis, que investem e
buscando maior visibilidade ¢ 0 retorno financeiro €
sob a forma de apoio 4 futura campanha eleitoral; e emp
privadas locais ¢ internacionais, A bibliografia repete a recelta
dessa nova frente de acumulagao de determinados capitais, ana
lisando casos de diferentes paises (Jennings, Rolnik etal... 2014), :
P O império do automével. Transporte coletivo em ruinas
Apés muitos anos de auséncia de investimentos nos trans
portes coletivos (de 1980 até 2009, aproximadamente), com
algumas exceg6es, a condigio de mobilidade nas cidades tornou-
-se um dos maiores problemas sociais ¢ urbanos. E importante
dar alguns dados para qualificar esse quadro de inacreditavel
irracionalidade para a mobilidade social, mas de efetiva racio~
nalidade para certos capitais.
© tempo médio das viagens em Sao Paulo era de 2 horas
¢ 42 minutos, Para um terco da populagao, esse tempo er de
mais de 3 horas. Para um quinto, era mais de 4 horas, ou sea,
uma parte da vida é vivida nos transportes, seja cle um carro de
Juxo, ou, o que é mais comum e atinge os moradores da periferia
metropolitana, num dnibus ow trem superlotado (ANTP-SIM,
2012), Estresse, transtornos de ansiedade, depressio sio doengas
que acometem 29,6% da populagio de Sao Paulo, segund?
pesquisa do Nuicleo de Epidemiologia Psiquidtrica daU :
Dentre cidades de 24 pafses pesquisados, Sao Paulo ¢ a 4!
presenta o maior comprometimento da satide da populas’
da ao trafege
nportante dessas mazelas ¢ atribui
rade, 2012).
a2Os congestionamentos de tréfego nessa cidade chegam a
atingir 763,79 km de vias. A velocidade média dos automéveis
em Sao Paulo, entre 17h e 20h em junho de 2012, foi de 7,6
km/h, ou seja, quase a velocidade de caminhada a pé. Durante
a manhi, a velocidade passa a ser de 20,6 km/h, ou seja, a de
uma bicicleta (ANTP-SIM, 2012). Todas as cidades de porte
médio e grande estao apresentando congestionamentos devido
a avalanche de automéveis que entra nelas a cada dia. O con-
sumo ¢ incentivado pelos subsidios dados pelo governo federal
e alguns governos estaduais para a compra de automéveis. Em
2003, o numero de automéveis em 12 metrépoles brasileiras
era de 23,7 milhées e, em 2013, era de 45,4 milhdes, ou seja,
praticamente dobrou. Nesse mesmo periodo e nessas mesmas
cidades, o ntimero de motos passou de 5,3 milhées para 18,1
milhes, ou seja, quase quadruplicou (Anudrio da Fenabrave,
2013).
O governo brasileiro deixou de recolher impostos no valor
de R$ 26 bilhdes desde o final de 2008 (nesse mesmo periodo
foram criados 27.753 empregos) e US$ 14 bilhoes (quase o mes-
mo montante dos subsidios) foram enviados ao exterior, para as
matrizes das empresas que estao no Brasil aliviando a crise que
estavam vivendo na Europa e Estados Unidos (Affonso, 2009).
Sabemos que, em todo o mundo, mesmo cidades com boa
rede de transportes apresentam congestionamentos de trafego
devido ao conforto ¢ ao fetiche representado pelo automével.
Mas é preciso conhecer os impactos econdmicos, ambientais
€ na satide que esse modo de transporte implica, nas cidades
brasileiras, para compreender e passar& perplexidade inevicavel.
Comparado com os demais modos, os automéveis sao res-
‘ponsaveis por 83% dos acidentes (Weiselfisz, 2013) ¢ 68% das
i poluentes (ANTP-SIM, 2012).em Sao Paulo, entre 17h ¢ 20h em junho de 2012, foi de 7,6
ken/h, on seja. quase a yelocidade de caminhada a pé. Durante
amanhi, a velocidade passa a ser de 20,6 km/h, ou scja, ade
sama bicicleta (ANTP-SIM, 2012). Todas as cidades de porte
mitdio ¢ grande estéo apresentando congestionamentos devido
4 avalanche de amoméveis que entra nelas a cada dia. O con-
alguns gowernos estaduais para a compra de automoveis. Em
2003, o mimero de auroméveis em 12 metropoles brasileiras
xa de 23,7 milhées ¢, em 2013, era de 45,4 milhées, ou seja,
Peaticamense dobrou. Nesse mesmo periodo ¢ nessas mesmas
Gidades, © mimero de motos passou de 5,3 milhées para 18,1
midhoes, ou seja, quase quadruplicou (Amuario da Fenabrave,
2013).
(O govemo brasileiro deixou de recolher impostas no valor
de RS 26 bilhdes desde 0 final de 2008 (nese mesmo periodo
foram criados 27-753 compregos) ¢ USS 14 bilhdes (quase o mes-
‘mo montante dos subsidios) foram enviados ao exterior, para as
matrizes das empresas que estao no Brasil aliviando a crise queGrafico 4: EmissGes totais de poluentes por modo, 2012
(milhées de toneladas/ano)
bana 2012, ANTP-SIM
¢ oa. Re Ultimos 5 anos,
Segundo o Ministério da Satide, nos tltim
Morreram em
diae
acidentes de transite 110 Pessoas por
“proximadamente 1.000 ficaram feridas, Quase o dobro
numero de
tos ¢ fazer entregas rapidamente, Ri
+ tamados ™otoboys respeitam regras de tramsit®
3 tapider ¢ sua Vantagem competitiva.
> Brifico abaixg, tetirado do “Relatério Geral d&
lidade Urbana 2012” da Associacao Nacional de TiPaiblicos (ANTP) traz dados sobre o modo das viagens nas 438
cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes; o que mais
chama a atenc’o € 0 numero de viagens nao motorizadas, ou
seja, pelo menos um terco dos moradores das cidades com mais
de 1 milhao de habitantes. Esse dado nao indica que as cidades
atingiram 0 equilibrio de aproximar casa, trabalho, estudo
¢ demais equipamentos € serv
cos urbanos que demandam
viagens didrias. Ao contrario, nas periferias metropolitanas,
raramente ha bons equipamentos de sade, abastecimento,
educacao, cultura, esporte etc., e, como o transporte é ruim
€ caro, os moradores, em especial os jovens,
ivem o destino
do “exilio na periferia”, como cunhou Milton Santos (Santos,
1990). Nunca é demais lembrar que pobreza e imobilidade é
receita para a violéncia.
Grafico 5: Diviso modal, 2012
4% moto
4%
Fonte: Relatéeio Geral de Mobilidade Urbana 2012, ANTP-SIM.
Elaboracie: Rafael Borges Pereira
45Em que pese a ainda baixa participacao dos a
mumero de viagens ¢ 0 estimulo dado 20 seu r
lembrar que as obras viarias ganham prioridade
exemplo, as obras de saneamento, nos orcamentos
influenciar os votos nas eleicées.
O impacto da poluicao do ar promovida por tal condicao
de mobilidade sobre a satide vem sendo estudado por Paulo
Saldiva, professor da USP, e sua equipe. Vamos reproduzir suas
proprias palavras:
De acordo com a OMS, os elevades niveis de poluicao ma cidade
de Séo Paulo sio responsiveis pela reducio da expectativa de wid
em cerca de um ano e meio. Os trés motives que encebecamaliea |
sic: cancer de pulmo ¢ vias aéreas superiores: infarto agadode
miocirdio c arritmias ¢ bronquite casma. Estimasequea
cada 10 microgramas de poluicao retiradas do ar hi um sumeame
de oiso meses na expectativa de vida (Saldiva, 2008).
Aproximadamente 12% das internacées respirarorias
So Paulo sao atribuiveis 2 poluicao do ar. Um em cada det
infartos do miocirdio sio 0 produto da associaggo entre wifes
€ poluicao. Os niveis atuais de poluicao do ar respondem pet
quatro mil mortes prematuras ao ano na cidade de Sao Paulo
Trata-se, portanto, de um tema de satide publica.
de baseada no automével acarreta para a qualidade de vidae®
da urbanizaczo ou outras mazelas que ocuparam longas hor
itatesirins acad®rnicos ou profiscionais. Maite papel Se
andlisescritcas muita propostas foram claboradas PA
Phoraresse quadro, mas essa prioridade indiscutivel queé
¢ anette bana nc csci a firmed 0documento, discurso ou plano, no Brasil. Ao contrdrio, todos
os anos as autoridades comemoram o “dia mundial sem carte”
(22 de setembro), com repetidas énfases sobre a importaneia da
bicicleta ¢ da caminhada para a satide.
Tanta irracionalidade, como foi descrito aqui, haveria de
merecer uma resposta. E ela veio nas ruas, a partir de J) de
junho de 2013 quando tem inicio manifestagbes saciais contra o
aumento da tarifa dos transportes coletivos. Desde entao, até o
momento em que essas paginas sao escritas, novernbro de 2014,
manifestantes de diversas causas ¢ matizes nao deixaram as
ruas, especialmente nas cidades do Rio de Janeiro ¢ Sao Paulo
Quando novissimos personagens entram em cena
Para os que acompanham as condig6es de vida das cidades
brasileiras, a adesao massiva aos primeiros charmados do Mo-
vimento Passe Livre (MPL), contra o aumento da tarifa dos
transportes coletivos, em junho de 2013, nao surpreendew.
Mas as conquistas sim, a comegar pelo fato de que mais de 100
cidades voltaram atrés no reajuste das tarifas € est4 colocada
uma forte tensao sobre o sisterna de mobilidade € 05 aurnentos
dos préximos anos.
Organizados em rede ~ negando a hierarquia ¢ a centra-
lizacéo — informados, politizados, persistentes (o MP1. luta
contra o aumento das tarifas nos transportes publicos h4 oito
anos), criativos, inovadores, bem humorados, apartidarios mas
nao antipartidos, criticos a politica institucional, formados
especialmente por integrantes de classe média (mantendo,
porém, forte vinculo com movimentos da periferia). Essas
sao algumas das caracteristicas dos novissimos personagens,
grupos organizados de forma fragmentada ¢ reunidos sobdificulta uma andlise
conclusio deste texto, vamos nos ocUpar
para mudangas de cardter progressista.
Talver, 0 fato de ser constituldo por integrantes de
média 60 que explica a decivio do MPL, naquele 11 de junhe
de 2013, de enfrentas a policia. Dessa ver, como em anes ane
terioves, a policia nao iria tira os manifestantes das ruas, Bes
se am ¢ voltavam a se encontrar ha quadra ao lado.
Os celulares ajudaram muito nessa ttica, H4 um movimento
‘culuural febril nas periferias urbanas, mas cada proletirio sabeo
the custa enfrentar a policia. Nao ¢ nec essdrlo decidirse
pela confromagio, Bla se dé todos os dias.
‘Ao comnshrio da esquerda tradicional, os novissinos perso
nagens querer mudangas aqui ¢ agora, em vez das abordagens
hholleticas consiruldas em torno das grandes reformas ou sever
hes, As demandas podem ser pontuais, mas referidas a pomtos
de grande impacto politico ¢ social. A recuse
ao reajuste das rarifas est ligada a urn radicalissimo mundo sem
catracas, Vasila xe10, Vhobilidade woral para todos. O que é malt
ina vida urbana do que ter mobilidade? Acessas 4
independente do local de atAlgumas conquistas das jornadas de junho ea urgéncia com
que elas foram atendidas seriam impensdveis antes de junho
de 2013. Para dar um salto na compreensao do que esta acon-
tecendo e diante da dificuldade de andlise, vamos apresentar
alguns fatos, uma lista de conquistas surpreendentes a partir das
chamadas jornadas de junho que tocam no cora¢ao das cidades.
‘Além de recuperar a discussao sobre o transporte urbano na
sociedade brasileira, apés quase 30 anos de ter sido banido pelas
politicas neoliberais, outros temas de politicas publicas foram
despertados. Um deles, 0 mais paradigmético foi sobre a politica
de seguranga. Por milhares de registros fotograficos e videos,
evidenciou-se que a policia cria, frequentemente, a inseguran¢a
0 panico. (Como nao ver muitos dos policiais como vitimas de
uma politica que prioriza o patriménio ao ser humano? De uma
corporagao que tem tradi¢ao de torturar e matar negros € pobres?).
O sumigo de um morador, 0 pedreiro Amarildo, que havia sido
preso pela Unidade de Policia Pacificadora (UPP) da favela da Ro-
cinha no Rio de Janeiro, foi transformado em caso exemplar pelas
manifestacdes em varias partes do pats. Criou-se um movimento
to avassalador, uma verdadeira campanha espontinea — “Cadé
o Amarildo?” — que o governo do Rio de Janeiro nao teve outra
alternativa senao investigar 0 caso. Este culminou numa revelacao,
antes impensével, de morte sob tortura € ocultagao de cadaver. Os
Amarildos s4o muitos. O precedente foi aberto.
Outras conquistas sob o clamor das ruas em Sao Paulo:
1. foi criada a CPI dos Transportes Puiblicos na Camara
Municipal de Sao Paulo — votada sob pressio de 60 jovens ma-
nifestantes que tomaram a CMSP. Eles prometem acompanhar
os trabalhos da CPI;
2. foi suspensa a licitagao do transporte coletivo sobre énibus
no valor aproximado de R$ 43 bilhoes. Esté dada a chance de
49ordenar os trajetos de cada companhia de énibus Na cidag
le
subordinando-as a um plano municipal e metropolitan, Ne
fa deverd decorrer desse novo arranjo administratiyo espacial
3, foi suspenso pelo prefeito Fernando Haddad 9 inicig de
obra de tiinel (que 0 exprefeito se apressou em deixar licitado
com antecedéncia) no valor inicial de R$ 3 bilhdes (equivalente
250% do orgamento da Secretaria Municipal de Satide), 9
projeto, que tem légica mais imobilidria que vidria, nao admitia
acirculacao de énibus, mas tao somente de automéveis, Aleida
Operacao Urbana Aguas Espraiadas, que contém 0 Projeto do
tinel, contraria principio basico do Plano Diretor de prioridade
ao transporte coletivo;
4. os corredores de 6nibus passaram a ser implantados
imediatamente, mostrando que nem tudo depende de obras
e grandes recursos. O tempo gasto no transporte coletivo em
alguns trajetos j4 diminuiu;
5. a Prefeitura rejeitou alvaré de licenga para um aeroporto
privado em area ambientalmente fragil — Area de Protegao aos
Mananciais — ao sul do municipio’.
Sobre a cidade do Rio de Janeiro, muito haveria para dizer,
mas, do ponto de vista urbano, para comegar nossa lista, ha
dois eventos importantes que merecem destaque:
1, desisténcia da privatizacao do Maracana. A privatizagao
previa a destruicao de um parque aquatico, de uma praca ¢-
portiva e de uma escola publica fundamental, que servem 20 j
jovens da regiao. Ao desistir de demolir esses equipamentos
el ‘
O Rodoanel— obra biliondria de trajeto questiondvel qu
tucanos esto promovendo nos arredores da Reg
Paulo —cortou a Area de Protesao dos Manancia
‘entam “plugar” na megaobra viéria,a
a privatizagao perdeu a atracao para os capitais privados (ao
menos por enquanto);
2, fim do despejo da Comunidade do Autédromo. Apés
uma longa queda de braco entre os moradores, que contaram
com a ajuda do IPPUR da UFRJ, ea prefeitura, esta desistiu
de remové-los.
Enfim, a partir de 11 de junho jé foram desmontadas muitas
tentativas de assalto as cidades brasileiras ¢ os direitos sociais
se afirmaram em muitas ocasi6es, 0 que estava ficando raro.
Para explicar os acontecimentos, analistas lembraram a faléncia
das representag6es politicas, o completo despreparo da policia
para se relacionar com manifestacdes democraticas (embora a
presenga dos blackblocs questione essa classificagao), a exigéncia
de melhores condigées de vida por parte de uma classe média
que emergiu com as politicas sociais dos tltimos anos, entre
outras causas, Para nés, faz parte dessa explica¢ao a piora nas
condigées de vida urbana, como foi visto aqui, causada, prin-
cipalmente por: 4) a disputa pelo ) fund puiblico que, em vez dese
dirigir a reprodugao da forca de trabalho, se dirige a reprodugdo
do capital; ¢ b) ao esquecimento da Reforma Urbana, cuja centra-
lidade é a fungao social da propriedade, prevista na Constituicao
Brasileira, no Estatuto da Cidade e em todos os Planos Diretores
dos municipios brasileiros.
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