100% acharam este documento útil (1 voto)
3K visualizações46 páginas

Manual de Gênero e Sexualidade Na Psicoterapia - Fundamentos Teóricos e Intervenções Clínicas - Cap 1

Enviado por

julianardm
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
100% acharam este documento útil (1 voto)
3K visualizações46 páginas

Manual de Gênero e Sexualidade Na Psicoterapia - Fundamentos Teóricos e Intervenções Clínicas - Cap 1

Enviado por

julianardm
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 46

M294 Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia : fundamentos

teóricos e intervenções clínicas / organizadores Ramiro


Figueiredo Catelan e Aline Sardinha. — Novo Hamburgo :
Sinopsys Editora, 2023.
592 p. ; 23 cm.

ISBN 978-65-5571-130-1

1. Comportamento sexual. 2. Identidade de gênero. 3.


Psicoterapia. I. Catelan, Ramiro Figueiredo. II. Sardinha, Aline.
III. Título.

CDD 155.3

Catalogação na publicação: Vanessa Levati Biff — CRB 10/2454


Ramiro Figueiredo Catelan e
Aline Sardinha (Orgs.)

2023
© Sinopsys Editora e Sistemas Eireli, 2023.

Supervisão editorial: Paola Araújo de Oliveira


Editora: Mirela Favaretto
Capa: Maurício Pamplona
Preparação de originais: Marquieli Oliveira
Editoração: Juliano Gottlieb

Todos os direitos reservados à


Sinopsys Editora
(51) 3600-6699
[email protected]
www.sinopsyseditora.com.br
Autores
Ramiro Figueiredo Catelan. Psicólogo. Pesquisador de Pós-Doutorado e
coordenador do Núcleo de Pesquisa em Devaneio Excessivo e Desregula-
ção Emocional do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (NUPDE/IPUB/UFRJ). Doutor em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Coordenador da
primeira formação brasileira em Terapia Afirmativa para Minorias Sexuais
e de Gênero. Terapeuta certificado pela Federação Brasileira de Terapias
Cognitivas (FBTC). Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental
pelo Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI). Tem Treina-
mento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavio-
ral Tech/The Linehan Institute e Formação em Psicoterapia Baseada em
Evidências pelo Instituto de Psicologia Baseada em Evidências (InPBE).
Pesquisador do International Consortium for Maladaptive Daydreaming
Research (ICDMR) e Diretor de Diversidade, Equidade e Inclusão da In-
ternational Society for Maladaptive Daydreaming (ISMD).
Aline Sardinha. Psicóloga. Coordenadora do Núcleo de Disfunções Se-
xuais do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(NUDS/IPUB/UFRJ). Autora da Terapia Cognitiva Sexual e coordenado-
ra do Curso de formação em Terapia Cognitiva Sexual. Doutora em Saúde
Mental pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB/UFRJ). Terapeuta
Cognitivo-comportamental certificada pela FBTC. Especialista em Tera-
pia de Família e Casal pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-RIO).

Alexandre Saadeh. Médico psiquiatra. Psicodramatista. Doutor pelo


Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (USP). Médico Supervisor do Serviço de Psicoterapia do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo. Coordenador do Ambulatório Transdisci-
plinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psi-
quiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo (AMTIGOS). Professor colaborador do Departamento
de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Professor Doutor do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Huma-
nas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FaCHS-
-PUC-SP). Membro da WPATH.
6 Autores

Allana Almeida Moraes. Psicóloga. Especialista em Terapias Cognitivo-


-Comportamentais pela Wainer e Piccoloto Centro de Psicoterapia Cogni-
tivo-Comportamental. Mestra em Psicologia Clínica e Doutora em Geron-
tologia Biomédica pela PUCRS.
Amaury Cantilino. Médico psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pela As-
sociação Médica Brasileira (AMB). Tem certificado de Atuação na área de
Psicoterapia pela AMB. Mestre e doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do
Comportamento pela Univerisdade Federal de Pernambuco (UFPE).
Angelo Brandelli Costa. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psi-
cologia, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Medicina e Ciências da Saúde da PUCRS e
coordenador do Grupo de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Proces-
sos Psicossociais (PVPP).
Anna Clara Sarmento Leite Caobelli. Graduanda em Psicologia na PU-
CRS. Colaboradora no grupo de Avaliação e Intervenção no Ciclo Vital
(AICV).
Beatriz Gross Curia. Psicóloga. Mestra em Psicologia Clínica pela PU-
CRS. Professora do Instituto Cognus. Colaboradora do Grupo de Pesquisa
Violência, Vulnerabilidade e Intervenções Clínicas (GPeVVIC) da PUCRS.
Beatriz Garcia. Psicóloga. Possui Formação em Terapia Cognitivo-Com-
portamental e Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia
Cognitiva/ISST. Colaboradora no Núcleo de Disfunções Sexuais (NUDS)
do IPUB/UFRJ.
Bruno Luiz Avelino Cardoso. Psicólogo. Doutor em psicologia pela Uni-
versidade Federal de São Carlos (UFSCar), com período sanduíche na The
Pennsylvania State University. Mestre em Psicologia pela Universidade Fe-
deral do Maranhão (UFMA). Terapeuta cognitivo certificado pela FBTC.
Possui treinamento em Ensino e supervisão de TCC, TCC para casais e
TCC afirmativa para pessoas LGBT pelo Beck Institute. Especialista em
TCC pelo Instituto WP (IWP/Faccat) e especializando em sexualidade hu-
mana pelo Child Behavior Institute of Miami. Formação em Terapia do Es-
quema pela Wainer Psicologia Cognitiva/NYC Institute for Schema Thera-
py e em Terapia do Esquema para Casais pelo Instituto de Teoria e Pesquisa
em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (ITPC).
Autores 7

Camila Dias Marques. Psicóloga. Especialista em Terapia Cognitivo-


-Comportamental pelo CPAF-RJ. Especialista em Transtornos Alimentares
e Obesidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
-RJ). Diretora clínica, supervisora e professora do Instituto InLazo.
Camillo Miranda Lima. Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pela resi-
dência do Hospital Geral de Carapicuíba. Preceptor da residência de psi-
quiatria do Hospital Geral de Carapicuíba. Psiquiatra voluntário do Núcleo
de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans Professor Ro-
berto Farina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Psiquiatra do
Núcleo de Cuidado para Pessoa Trans e Travestis do município de Taboão
da Serra.
Carmem Beatriz Neufeld. Psicóloga. Pós-doutorado em Psicologia pela
UFRJ. Mestre e Doutora em Psicologia pela PUCRS. Professora Associa-
da do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).
Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cog-
nitivo-Comportamental (LaPICC) da USP. Livre-docente em TCC pela
FFCLRP-USP.
Carmita Helena Najjar Abdo. Psiquiatra. Professora do Departamento
de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP). Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (Pro-
Sex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. Pre-
sidente da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual
(ABEMSS).
Carolina Villanova Quiroga. Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica pela
PUCRS. Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Hospital de Clínicas de
Porto Alegre (HCPA).
Caroline Zilli Luft. Psicóloga. Colaboradora no Grupo de Pesquisa Vio-
lência, Vulnerabilidade e Intervenções Clínicas (GPeVVIC) da PUCRS.
Carolyne Batista Juvenil. Psicóloga. Tem formação em Terapia Cogniti-
vo-Comportamental e Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia. Mem-
bro-fundadora do grupo TCC Para Minorias e do curso de formação em
Terapia Cognitivo-Comportamental para Minorias.
8 Autores

Catarina de Moraes Braga. Psiquiatra. Mestre em Neuropsiquiatria e


Ciências do comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Possui aperfeiçoamento em sexualidade humana pelo Instituto de
psiquiatria do Hospital das clínicas da Universidade Federal de São Paulo
(IPq-HCFMUSP). Professora do curso de Medicina da UFPE.
Cesar Augusto Bridi Filho. Psicólogo. Mestre em educação pela Uni-
versidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Sexualidade
Humana pela Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana
(SBRASH). Especialista em Psicologia Clínico-Social pela UFSM. Profes-
sor na Faculdade Integrada de Santa Maria (FISMA). Coordenador do Am-
bulatório Municipal LGBT+ Transcender de Santa Maria/RS.
Cláudia Guilger-Primos. Psicóloga.
Daniel Mori. Psiquiatra do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade
de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS) do IPq/HC/FMUSP e do
Grupo de Assistência ao Aluno (GRAPAL) da FMUSP.
Diana Soledade do Lago Camera. Psicóloga. Mestra em Psicologia pela
UFRJ. Terapeuta cognitivo-comportamental pela Central TCC. Terapeuta
do Esquema pela Wainer Psicologia. Terapeuta Cognitiva Sexual (Curso de
TCS da Dra. Aline Sardinha). Membro do grupo TCC para Minorias.
Everton Santana. Psicólogo. Especialista em Terapia Cognitivo-Compor-
tamental pela PUC-Rio. Especialista em Sexualidade Humana pela CBI of
Miami. Tem formação em Terapia Cognitiva Sexual pelo Grupo de Estudos
em Terapia Cognitiva Sexual e formação em Terapia Focado nos Esquemas
pela Wainer Psicologia. É terapeuta cognitivo certificado pela FBTC. Sócio
da Associação de Ensino e Supervisão Baseada em Evidências (AESBE) e
integrante do Grupo de Supervisores Cognitivos e Contextuais do Rio de
Janeiro e do Grupo de Supervisores Cognitivos de Minas Gerais.
Fani Eta Korn Malerbi. Psicóloga. Mestre e Doutora pela USP. Professora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Fernanda de Oliveira Paveltchuk. Psicóloga. Terapeuta e supervisora
em TCC LGBT-afirmativa. Mestra em Psicologia Clínica pela PUC-Rio.
Membro-fundadora do TCC para Minorias.
Autores 9

Helen Barbosa dos Santos. Doutora e Mestra pelo Programa de Pós-


-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Rio Grande do Sul
(UFRGS) pelo Núcleo de Estudos em Relações de Gênero e Sexualida-
de (NUPSEX). Especialista em Gestão de Redes de Atenção à Saúde pela
Fiocruz. Especialista em Atenção Básica em Saúde Coletiva e em Atenção
Básica em Saúde Indígena, por meio de Residência Integrada em Saúde da
Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul.
Henrique Caetano Nardi. Médico. Pós-doutorado em Estudos Inter-
disciplinares pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris
(EHESS). Mestre e Doutor em Sociologia pela UFRGS. Professor Titular
do Departamento e Programa de Pós Graduação em Psicologia Social e Ins-
titucional da UFRGS. Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sexualidade
e Relações de Gênero do Instituto de Psicologia da UFRGS.
Irani I. de Lima Argimon. Psicóloga. Pós-Doutorado em Psicologia pela
Universidade Católica de Valência. Doutora em Psicologia pela PUCRS.
Mestre em Educação pela PUCRS. Especialista em Toxicologia Aplicada
pela PUCRS e em Dependência Química pela Associação Brasileira de Es-
tudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD). Professora do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Geron-
tologia Biomédica da PUCRS.
Janaína Bianca Barletta. Psicóloga. Pós-doutorado em Psicologia pela FF-
CLRP-USP. Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de
Sergipe (UFS). Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB).
Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Centro de Estudos Su-
periores Silvio Romero/ Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
(CESSR/FCMMG) e em Psicologia Clínica da Saúde pela UnB. Especialis-
ta em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Cer-
tificação pela FBTC. Vice-Presidente da Associação de Ensino e Supervisão
Baseados em Evidências (AESBE). Membro do Grupo de Estudos e Pes-
quisa TrimTabPsi. Pesquisadora Colaboradora no Laboratório de Pesquisa e
Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP).
Júlia Carvalho Zamora. Psicóloga. Mestre em Psicologia pela PUCRS.
Está vinculada ao Grupo de Pesquisa Violência, Vulnerabilidade e Interven-
ções Clínicas. Membro do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à
Violência contra a Mulher do Rio Grande do Sul.
10 Autores

Kelly Paim. Psicóloga. Mestra em Psicologia Clínica pela Universidade do


Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Terapeuta do Esquema certificada pela
International Society for Schema Therapy (ISST). Fundadora e integrante
da atual diretoria da Associação Brasileira de Terapia do Esquema (ABTE).
Sócia Fundadora e professora da Escola de Terapia do Esquema. Especialis-
ta em Terapia Cognitivo-comportamental pela WP - Centro de Psicoterapia
Cognitivo-Comportamental e em Psicoterapia de Casal e Família pela Uni-
sinos. Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia Cognitiva
– NYC Institute for Schema Therapy.
Lorena Scatolin Silva. Psicóloga. Especialista em Terapia Cognitivo-com-
portamental pelo Cognitivo WP. Formação em Terapia Cognitiva Sexual
com a Dra. Aline Sardinha. Qualificada na saúde da mulher pela Unifesp.
Luisa Zamagna Maciel. Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica pela PU-
CRS. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pela WP - Cen-
tro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental, Formação em Terapia do
Esquema pela Wainer Psicologia Cognitiva/ISST. Certificação Advanced
em Terapia do Esquema pela ISST. Formação em Terapia Cognitiva Sexual
(Curso de TCS da Dra. Aline Sardinha). Sócia da Clínica Ethos. Sócia do
Portal Formare - Escola de Terapeutas Cognitivos.
Luísa F. Habigzang. Psicóloga. Doutora em Psicologia pela UFRGS. Mes-
tre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS. Professora do Progra-
ma de Pós-Graduação de Psicologia da PUCRS e Coordenadora do Grupo
de Pesquisa Violência, Vulnerabilidade e Intervenções Clínicas (GPeVVIC).
Marcele Regine de Carvalho. Psicóloga. Pós-doutorado pela UFRJ. Dou-
tora em Psicologia pela UFRJ. Mestre em Saúde mental pela UFRJ. Te-
rapeuta Certificada pela FBTC. Docente no Departamento de Psicologia
Clínica do Instituto de Psicologia (IP) e no Programa de Pós-Graduação
em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da
UFRJ. Coordenadora do Núcleo Integrado de Pesquisa em Psicoterapia
nas Abordagens Cognitivo-Comportamentais/IPUB, UFRJ. Supervisora
Clínica na Divisão de Psicologia Aplicada IP/UFRJ. Membro da Diretoria
da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC)(2019-2023).
Autores 11

Maria Inês Rodrigues Lobato. Psiquiatra. Professora da Pós-graduação em


Psiquiatria e Ciências do Comportamento da UFRGS. Coordenadora do
Programa de Identidade de Gênero do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
(HCPA).
Marseylle Louise de Assis Brasil. Psicóloga. Professora e supervisora clí-
nica. Sócia-diretora do Instituto InLazo. Mentora do Behavioral Tech Ins-
titute. Especialista em Terapias Contextuais Baseadas em Processos pelo
CEFI-POA. Terapeuta Cognitivo-Comportamental certificada pela FBTC.
Nicolino César Rosito. Cirurgião pediátrico. Pós-doutorado em Cirurgia
pela UFRGS. Doutor em Medicina pela UFRGS. Mestre em Cirurgia Pe-
diátrica pela UFRGS. Professor adjunto e regente da Disciplina de Cirurgia
Pediátrica da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA). Supervisor da Residência de Cirurgia do Hospital da Crian-
ça Santo Antônio (HCSA). Coordenador do Centro de Aperfeiçoamen-
to em Urologia Pediátrica da Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica
(CIPE) e do Centro de Aperfeiçoamento em Urologia Pediátrica – Fellow
do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
(HCPA/UFRGS). Especialista Titular da CIPE e pelo Conselho Federal de
Medicina (CFM). Cirurgião do Grupo de Urologia Reconstrutiva Infantil
(GURI) do HCPA e do Programa de Anomalias do Desenvolvimento Se-
xual (PADS) do HCPA.
Oswaldo M. Rodrigues Jr. Psicólogo. Mestre em Psicologia Social pela
PUC/SP Psicoterapeuta sexual e de casais do Instituto Paulista de Sexuali-
dade (InPaSex). Secretário Geral da Asociación Latinoamericana de Modi-
ficación y Analisis del Comportamiento y Terapia Cognitivo-Conductual
(Alamoc). Co-coordenador do Curso de Sexologia Aplicada do InPaSex.
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas do InPaSex (GEPIPS).
Paula da Costa Caldeira. Psicóloga clínica. Especialista em Terapia cogni-
tivo-comportamental pela PUC-Rio. Especialista em sexualidade humana
pelo Child Behavior Institute of Miami (CBI of Miami). Formação em
Terapia Cognitiva Sexual (Curso de TCS da Dra. Aline Sardinha).
Renata de Castro. Endocrinologista e metabologista. Preceptora da Resi-
dência em Clinica Médica do Hospital dos Servidores do Estado de Per-
nambuco (HSE/PE). Preceptora do internato médico e liga de Clínica Mé-
dica da UNINASSAU.
12 Autores

Rodrigo C. Marques. Psiquiatra. Doutor em Neuropsiquiatria e Ciências


do Comportamento pelo UFPE. Preceptor dos Programas de Residência
Médica em Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFPE e do Hospital
Ulysses Pernambuco (HUP).
Samir Vida Mussi. Psicólogo. Especialista em Terapia por Contingências
de Reforçamento pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforça-
mento (ITCR). Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL).
Stephanie Zakhour. Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica e Patológica
pela Université Saint Joseph (Líbano). Certificada pelo Beck Institute for
Cognitive and Behavioral Therapy. Formada em Terapia Cognitiva Sexual
(Curso de TCS da Dra. Aline Sardinha). Pesquisadora no Laboratório de
Depressão Resistente ao Tratamento (DeReTrat – Insituto de Psiquiatria,
IPUB/UFRJ) e no Núcleo de Disfunções Sexuais (NUDS/ IPUB/UFRJ).
Stéphanie da Selva Guimarães. Psicóloga. Pesquisadora nos Grupos
PVPP/PUCRS e GPPC/UFRGS. Membro da Diretoria Científica da So-
ciedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (SPRGS). Membro do Grupo
de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais (PVPP)
da PUCRS. Colaboradora do Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitá-
ria (GPPC) da UFRGS.
Vini Pezzin. Psicólogue. Especialista em Didática do Ensino Superior pela
Universidade de Ciências Biomédicas de Cacoal (UNIFACIMED). For-
mação em Terapias Cognitivo-Comportamentais de Terceira Geração pela
Comportalmente.
Vítor Rocco Torrez. Psiquiatra. Doutor em Bioquímica e pesquisador de
Pós-Doutorado em Educação em Ciências pela UFRGS. Formado em Te-
rapia Comportamental Dialética (DBT) pelo Instituto Vilaelo.
Apresentação
Desde seus primórdios, o estudo da sexualidade mostrou-se desafiador ao
clínico e ao pesquisador, em virtude dos interesses religiosos, políticos e
econômicos de cada momento histórico. Não é para menos que os manuais
classificatórios de doenças e de transtornos mentais tenham suas maiores
modificações, a cada nova edição, nos tópicos da sexualidade humana.
A busca por aprimoramento teórico e instrumental dos profissionais
que se dedicam à sexualidade pode, por vezes, ser um caminho árduo e até
mesmo traiçoeiro. Isso porque a investigação científica, o ensino e a imple-
mentação de conhecimentos e da prática baseada em evidências de gênero
e sexualidade tendem a ser muito genéricos e, muitas vezes, entremeados
de preconceitos e/ou falácias. É justamente no saneamento dessas necessi-
dades que esta obra tem seu norte.
O presente Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia: fundamentos
teóricos e intervenções clínicas é um divisor de águas nas publicações em língua
portuguesa dessa temática, pois, além de ter enorme abrangência e atualida-
de, inova no alto grau de instrumentalização para compreensão, comuni-
cação e técnica psicoterápica com a população LGBTQ+, bem como com
indivíduos e casais com algum nível de dificuldades sexuais.
A grandeza e a profundidade deste livro se refletem no tamanho da
obra (29 capítulos, divididos em três grandes partes) e, igualmente, na
quantidade, na atualidade e na relevância das referências bibliográficas in-
cluídas pelos diferentes especialistas que elaboraram cada texto.
As três partes do manual podem ser exploradas de modo independen-
te, muito embora a leitura dos capítulos na ordem apresentada seja reco-
mendada, pois isso assegura as bases para entendimentos mais robustos de
cada um dos assuntos subsequentes.
Na Parte 1, Fundamentos contemporâneos em sexualidade e gênero, nove
capítulos introduzem conceitos centrais sobre gênero e sexualidade, desde
a evolução histórica da área, passando pelas revisões de conceitos e teorias
biopsicossociais até as melhores práticas de supervisão e treinamento de
profissionais da área.
A Parte 2, Aplicações clínicas na diversidade sexual e de gênero, fornece
oportunidade única (e quase rara) de aprender assuntos poucas vezes ex-
plorados dentro da literatura técnico-científica e com tamanha objetivida-
de, clareza, pragmatismo e contextualização à realidade brasileira. Os dez
14 Apresentação

capítulos trazem conceitos, mitos, compreensões e formas de abordagem


de minorias sexuais e de gênero e algumas de suas queixas sexuais mais
características.
Na Parte 3, Aplicações clínicas em diferentes contextos, o leitor, em par-
ticular o clínico em saúde mental, tem um encontro com informações
e conhecimentos de alguns dos mais respeitados e experientes psicotera-
peutas sexuais e de casais do país. Os dez capítulos versam sobre o que
a prática psicoterápica baseada em evidências traz sobre o que deve ser
ofertado atualmente para o tratamento de diversos transtornos da sexua-
lidade. Na mesma direção, são discutidas as diretrizes advindas da terapia
cognitivo-comportamental, da terapia do esquema e de outras abordagens
terapêuticas que buscam a regulação emocional e o aumento do bem-estar
relacionado com a vida sexual.
Este é um livro que, embora destinado prioritariamente a profissionais
da saúde mental, pode ser de grande interesse para o público leigo, pois
traz, em sua Introdução e na Parte I, um panorama histórico das concep-
ções de gênero e sexualidade e todas as controvérsias e ideologias pelas
quais o assunto teve (e ainda tem) atravessamentos. Todo aquele que busca
ampliar seu entendimento do que é diverso ao seu microcosmos deveria
conhecer esse assunto para, ao perceber seus preconceitos, agir de forma
menos crítica e agressiva.
Os organizadores deste manual unem suas sólidas formações e expe-
riências, tanto em pesquisa quanto em psicoterapia, nas áreas de psicologia
clínica, psicologia da saúde e psicologia social para criar “o” manual brasi-
leiro de referência de psicoterapia baseada em evidências para questões de
gênero e sexualidade. Você tem em mãos um livro que pode ser considera-
do uma “bíblia” desse assunto. Independentemente da área de atuação do
profissional da saúde, o conteúdo desta obra é leitura obrigatória para que,
cada vez mais, os indivíduos pertencentes a minorias sexuais e de gênero ou
aqueles que apresentam sofrimentos em relação à sua sexualidade possam
ser compreendidos, ter empatia e compaixão, além de receberem os melho-
res tratamentos rumo à sexualidade mais plena possível.

Ricardo Wainer
Terapeuta com certificação avançada pelo New Jersey/New York Institute
of Schema Therapy. Diretor da Wainer Psicologia Cognitiva.
SUMÁRIO

Introdução: Prática baseada em evidências para questões de gênero


e sexualidade – Aline Sardinha e Ramiro Figueiredo Catelan......... 19

Parte 1 – Fundamentos contemporâneos em


sexualidade e gênero...........................................................27
1. Conceitos básicos em gênero e sexualidade – Ramiro Figueiredo
Catelan e Stéphanie da Selva Guimarães....................................... 29
2. Revisando modelos da resposta sexual humana à luz das evidências
científicas – Catarina de Moraes Braga, Rodrigo C. Marques,
Amaury Cantilino e Carmita Helena Najjar Abdo......................... 47
3. Efeitos do preconceito e do estresse de minoria na saúde mental
de minorias sexuais e de gênero – Ramiro Figueiredo Catelan e
Fernanda de Oliveira Paveltchuk.................................................. 71
4. Fatores biopsicossociais associados ao ciclo de desenvolvimento
de minorias sexuais e de gênero e seus impasses políticos e
científicos – Ramiro Figueiredo Catelan....................................... 95
5. Resposta sexual, sexualidade e saúde da população trans –
Catarina de Moraes Braga, Camilo Miranda Lima e
Renata de Castro........................................................................ 123
6. Masculinidades nas práticas de atenção em saúde mental –
Helen Barbosa dos Santos e Henrique Caetano Nardi................... 145
7. Atualizações na psicofarmacoterapia das questões relacionadas
com sexualidade e disfunções sexuais – Vítor Rocco Torrez......... 161
8. Intersexualidade, distúrbio do desenvolvimento sexual e
diagnóstico: achados e controvérsias – César Augusto Bridi
Filho, Maria Inês Rodrigues Lobato e Nicolino Cesar Rosito.......... 185
9. Supervisão e treinamento no campo da sexualidade: práticas
passadas, atuais e futuras – Everton Santana, Janaína Bianca
Barletta, Aline Sardinha e Ramiro Figueiredo Catelan................. 199
16 Sumário

Parte 2 – Aplicações clínicas na diversidade


sexual e de gênero.............................................................223
10. Competências multiculturais e habilidades de avaliação clínica
com minorias sexuais e de gênero – Ramiro Figueiredo Catelan e
Stéphanie da Selva Guimarães.................................................... 225
11. Terapia afirmativa para minorias sexuais e de gênero:
orientações para o tratamento a partir dos modelos cognitivos,
comportamentais e contextuais – Ramiro Figueiredo Catelan e
Stéphanie da Selva Guimarães.................................................... 243
12. Aplicações das terapias cognitivas e comportamentais no
trabalho com minorias sexuais e de gênero – Fernanda de
Oliveira Paveltchuk e Ramiro Figueiredo Catelan........................ 265
13. Disfunções sexuais em pessoas transgênero – Diana Soledade
do Lago Camera e Fernanda de Oliveira Paveltchuk..................... 283
14. Manejo da interseccionalidade entre sexismo, cissexismo e
racismo na terapia cognitivo-comportamental – Carolyne
Batista Juvenil e Diana Soledade do Lago Camera ...................... 297
15. Mitos sexuais em minorias sexuais e de gênero –
Diana Soledade do Lago Camera, Fernanda de Oliveira
Paveltchuk e Aline Sardinha....................................................... 315
16. Desregulação emocional, ruminação corporal e disforia
de gênero: manejo baseado na terapia comportamental
dialética (DBT) – Ramiro Figueiredo Catelan e
Angelo Brandelli Costa............................................................... 331
17. Intervenções terapêuticas para pessoas trans baseadas na
análise do comportamento – Samir Vidal Mussi e
Fani Eta Korn Malerbi............................................................... 363
18. Manejo clínico de aspectos da sexualidade em adolescentes
trans – Daniel Mori e Alexandre Saadeh..................................... 377
19. Psicoterapia para pessoas assexuais e arromânticas –
Vini Pezzin e Ramiro Figueiredo Catelan.................................... 391
Sumário 17

Parte 3 – Aplicações clínicas em diferentes


contextos...........................................................................409
20. Tratamento do transtorno da dor genitopélvica/penetração –
Aline Sardinha e Paula da Costa Caldeira................................... 411
21. Combinando modelos de conceitualização de casos na avaliação
da sexualidade da parceria – Aline Sardinha, Bruno Luiz Avelino
Cardoso, Marcele Regine de Carvalho e
Carmem Beatriz Neufeld............................................................ 433
22. A química esquemática sexual: compreensão e tratamento a partir
da terapia do esquema para casais – Luisa Zamagna Maciel, Bruno
Luiz Avelino Cardoso e Kelly Paim.............................................. 455
23. Imagem corporal e sexualidade – Camila Dias Marques, Marseylle
Louise de Assis Brasil e Aline Sardinha......................................... 469
24. Feminismos: conceitos fundamentais para a prática em saúde
mental – Aline Sardinha, Stephanie Zakhour, Cláudia Guilger-
Primos e Carmem Beatriz Neufeld.............................................. 483
25. A vivência da sexualidade por casais idosos na atualidade: manejo
de possíveis demandas – Irani I. de Lima Argimon, Allana Almeida
Moraes, Carolina Villanova Quiroga e Anna Clara Sarmento Leite
Caobelli..................................................................................... 503
26. Terapia cognitiva sexual dos transtornos parafílicos –
Lorena Scatolin Silva, Paula da Costa Caldeira e
Aline Sardinha........................................................................... 521
27. Tratamento comportamental dos transtornos parafílicos –
Oswaldo M. Rodrigues Jr............................................................ 533
28. Terapia cognitivo-comportamental para mulheres que sofreram
violência sexual – Beatriz Gross Curia, Júlia Carvalho Zamora,
Caroline Zilli Luft e Luísa F. Habigzang..................................... 549
29. Autocompaixão, regulação emocional e sexualidade – Aline
Sardinha, Beatriz Garcia, Marseylle Assis Brasil e
Stephanie Zakhour..................................................................... 571
INTRODUÇÃO: PRÁTICA
BASEADA EM EVIDÊNCIAS PARA
QUESTÕES DE GÊNERO E
SEXUALIDADE

Ramiro Figueiredo Catelan


Aline Sardinha

Desde as civilizações antigas até os dias atuais, a sexualidade é considera-


da um dos principais temas de interesse da humanidade. Em referências
diversas, como textos religiosos, médicos, filosóficos, acadêmicos, cien-
tíficos e literários, é possível identificar teorias do comportamento e do
funcionamento sexual humano. Dessa forma, os estudos do tema foram
intensamente afetados pelos pressupostos ideológicos vigentes a cada época
(Rodrigues, 2014).
O estudo da sexualidade pode ser dividido em três grandes momen-
tos. A partir de uma ideologia higienista, a primeira sexologia dedicava-
-se a estudar as perversões sexuais, ou seja, o comportamento sexual sem
fins reprodutivos, associando a patologia sexual a perigos sociais. A se-
gunda sexologia teve o seu apogeu após a Primeira Guerra Mundial, com
os avanços da medicina e dos métodos de pesquisa. Nesse momento, a
preocupação era compreender o funcionamento sexual normal, o que fez
surgir a noção de disfunção sexual, caracterizada pela ausência ou pelo mau
funcionamento de alguma das fases do ciclo sexual. A partir desse enten-
dimento, a dicotomia função-disfunção sexual figura como a ideia princi-
pal na terapêutica da sexualidade. Um marcador temporal para a terceira
sexologia pode ser considerado o lançamento do sildenafil no mercado
mundial, em 1998. Assim, a partir do início do século 21, observamos a
patologização dos problemas sexuais como disfunções fisiológicas a serem
20 Introdução: Prática baseada em evidências para questões de gênero e sexualidade

tratadas farmacologicamente, em detrimento das investigações etiológicas,


comportamentais, subjetivas ou relacionais. Contudo, ao contrário do que
se poderia pensar inicialmente, o advento dos medicamentos para o tra-
tamento das disfunções sexuais não reduziu a necessidade de intervenções
psicológicas eficazes para seu tratamento (Carvalho, 2011).
O lançamento das alternativas farmacológicas gerou o aumento da de-
manda por tratamentos da sexualidade de forma geral, ao mesmo tempo
que evidenciou os casos em que as terapias existentes não apresentaram
eficácia satisfatória (Melnik et al., 2007, 2011, 2012). Desde a década
de 1970, a crescente demanda da sociedade pelo aprimoramento da vida
sexual vem sendo parcialmente atendida pela terapia sexual ou por formas
alternativas de intervenção, baseadas em outras abordagens psicológicas,
tais como bioenergética e psicanálise (Carvalho, 2011).
O campo das psicoterapias, de maneira geral, e das terapias de base
cognitivo-comportamental, de maneira específica, tem gradativamente
passado por transformações nos últimos anos, principalmente no que tan-
ge às questões relacionadas com gênero e sexualidade. Cada vez mais, exi-
ge-se de profissionais que procurem qualificação e atualização constantes,
como forma de oferecer serviços de alta qualidade. Na esteira da necessida-
de de aprimoramento técnico, mostra-se importante que psicoterapeutas
busquem se alinhar às perspectivas científicas contemporâneas.
A prática baseada em evidências (PBE) é um paradigma que surgiu
na medicina na década de 1990 como reação a condutas clínicas reali-
zadas com base no mito da suficiência da experiência clínica. A PBE ga-
nhou força na psicologia a partir dos esforços da Divisão 12 da American
Psychological Association (APA) em promover a avaliação de tratamentos
empiricamente sustentados para queixas clínicas específicas e definir dire-
trizes de atuação profissional em psicoterapia, o que resultou na criação do
termo prática baseada em evidências em psicologia (PBEP) (Leonardi &
Meyer, 2015).
Nos últimos tempos, a PBEP vem sendo popularizada no Brasil e é
corriqueiramente descrita no plural, práticas, o que é um equívoco concei-
tual, pois PBEP não é sinônimo de intervenções psicológicas específicas
ou tratamentos empiricamente sustentados. Existe somente uma prática
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 21

baseada em evidências, no singular, que vale para todas as áreas da saúde e


se ramifica em termos específicos, como prática baseada em evidências em
fisioterapia, prática baseada em evidências em nutrição e a própria PBEP,
por exemplo. Todos esses termos se referem a um mesmo comportamento
de tomada de decisão clínica, que tem três elementos indissociáveis, sinte-
tizados no próximo parágrafo: 1) evidências científicas, 2) perícia clínica
e 3) idiossincrasias de cada paciente e de seu contexto cultural (American
Psychological Association [APA], 2006).
As evidências científicas dizem respeito à necessidade de os terapeutas
selecionarem a melhor evidência científica disponível de acordo com o
grau de compatibilidade e confiabilidade para o problema em questão.
Logo, a famosa pirâmide das evidências que, recorrentemente, circula por
aí é uma generalização incorreta. A seleção do tipo de evidência depende
do objetivo específico pretendido e fica a cargo de cada terapeuta, que deve
desenvolver um hábito recorrente de consultar bases de dados científicas e
manuais clínicos atualizados. Essa consulta deve ser considerada à luz do
segundo elemento, a perícia ou repertório clínico individual, que engloba
o background de formação acadêmica de cada terapeuta, a supervisão ou
consultoria, a experiência clínica, a educação continuada e o estudo pes-
soal da literatura. Esse repertório também envolve desenvolver habilidades
básicas para estabelecer uma boa relação terapêutica, conduzir avaliações
diagnósticas, identificar e monitorar alvos relevantes de tratamento, plane-
jar e implementar as intervenções, entre outros. Por fim, esses dois com-
ponentes elementares devem ser aplicados no contexto de cada paciente a
partir de suas características, preferências e cultura. É essencial envolver o
indivíduo nas decisões referentes ao seu tratamento e considerar todos os
aspectos relacionados com o caso em questão, de modo a oferecer interven-
ções efetivas, individualizadas e culturalmente responsivas.
Não é possível dissociar a PBEP do combate às más práticas profissio-
nais, pois esse foi um dos motivos que levaram à emergência desse paradig-
ma. Algumas condutas clínicas questionáveis estão descritas em um clás-
sico artigo anedótico escrito por Isaacs e Fitzgerald (1999). Nesse grande
balaio de comportamentos inadequados, entram as práticas baseadas em:
22 Introdução: Prática baseada em evidências para questões de gênero e sexualidade

1. eminência, respaldada no mito da suficiência da larga experiência clí-


nica e na palavra das grandes autoridades (o que inclui as igrejas de
Skinner, Beck, Freud, Linehan, Neff e qualquer outra aglomeração de
pessoas dedicadas fervorosamente a pregar a palavra de papas teóricos);
2. eloquência, ou seja, a capacidade de convencimento e persuasão de
que algo que não funciona é muito razoável, benéfico e eficaz;
3. veemência, que envolve o nível de chatice, insistência e estridência
que os terapeutas podem empregar para defender suas paixões pes-
soais;
4. providência, maculada por crenças e vieses religiosos de terapeutas,
comportamento que deveria ser inadmissível, mas é mais comum do
que se imagina, como alguns grupos de WhatsApp Brasil afora de-
monstram;
5. difidência, arvorada na arrogância terapêutica que desconfia de evi-
dências que contrariam seus amores teóricos, ainda que a pessoa não
saiba a diferença entre as variáveis dependente e independente;
6. previdência ou nervosismo, que ocorre quando profissionais agem
de forma defensiva e excessiva no planejamento e no registro das in-
tervenções, de modo a não se responsabilizarem por eventuais falhas
(também conhecida como medo do “processinho”);
7. confiança, quando terapeutas se pressupõem acima do que a evidên-
cia científica demonstra também chamada de prática baseada na ar-
rogância.

A proposta deste livro é apresentar um compêndio do que existe até


então de mais atualizado na literatura científica sobre gênero e sexualidade.
A iniciativa nasceu da identificação de uma escassez de materiais práticos
publicados em português sobre os temas aqui em questão. Isso é espe-
cialmente explícito no que diz respeito a minorias sexuais e de gênero. A
literatura científica contemporânea tem descrito uma série de iniquidades,
barreiras e indicadores negativos relacionados com a saúde mental da po-
pulação LGBT, ou seja, de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais
e transgêneros (Meyer, 2020). Muitos desses desfechos estão associados
à experiência cotidiana de preconceito, rejeição e exposição à violência
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 23

enfrentadas por esses indivíduos. Boa parte da comunidade de psicote-


rapeutas não se encontra a par desses dados e está afastada das discussões
contemporâneas sobre diversidade sexual e de gênero. Esse cenário tem se
modificado nos últimos anos, mas ainda há diversos obstáculos a serem
superados (Pachankis et al., 2015).
Este é um dos primeiros compêndios em português com publicações
sobre diversidade sexual e de gênero focadas no contexto clínico e pautadas
na PBE. A literatura científica nacional nos campos das ciências humanas
e sociais, sobretudo sociologia, antropologia, filosofia e artes, tem cresci-
do em volume na pauta da diversidade sexual e de gênero. Na psicologia,
por outro lado, a despeito do crescente número de estudos e pesquisas no
cenário internacional, essa discussão tem sido insuficientemente explora-
da, principalmente no que diz respeito às psicoterapias. Nossa intenção é
oferecer ferramentas conceituais em gênero e sexualidade, bem como suge-
rir instrumentos técnicos para um trabalho ético, efetivo e culturalmente
adequado com demandas de gênero e sexualidade. Com isso, buscamos
contribuir para que as discussões contemporâneas sobre gênero e sexuali-
dade transponham as barreiras do academicismo descompromissado com
a prática e com o treinamento clínico.
Aprender e incorporar habilidades psicoterápicas para um trabalho
que reconheça e valide as necessidades e características singulares de gênero
e sexualidade para além de matrizes tradicionais normativas pode auxiliar
os terapeutas durante o manejo com seus pacientes. Estimulamos enfati-
camente que os leitores deste livro apreciem de forma crítica os capítulos
aqui apresentados e possam incorporar e reforçar em suas rotinas diversas
formas de educação continuada.
Optamos por dividir a estrutura do livro em três partes. Na Parte 1,
os capítulos apresentam noções básicas de diversidade sexual e de gênero.
São enfatizados aspectos teóricos relevantes, visando a elucidar dúvidas co-
muns, desfazer mitos e solidificar a bagagem conceitual. Na Parte 2, são
discutidas as necessidades únicas e os aspectos singulares da psicoterapia
na diversidade sexual e de gênero. A Parte 3 é reservada para explorar o de-
senvolvimento de competências em demandas contemporâneas específicas
para o tratamento das questões de gênero e de sexualidade.
24 Introdução: Prática baseada em evidências para questões de gênero e sexualidade

Existem diversas perspectivas e debates relativos a cada tópico deste


livro. Nosso objetivo não foi propor às pessoas autoras uma discussão con-
ceitual extensiva, mas sim a elaboração de uma síntese ao mesmo tempo
palatável e cientificamente fundamentada que facilite a incorporação de
um vocabulário básico para que terapeutas possam se familiarizar com cada
temática abordada. Os conceitos utilizados ao longo do livro são frutos de
recortes teórico-empíricos específicos, amparados nos modelos de cogni-
ção social, psicologia do preconceito, psicologia da saúde, epidemiologia
social, terapia cognitivo-comportamental e outros referenciais baseados em
evidências.
Este livro pode ser considerado um programa básico de desenvolvi-
mento de competências para trabalhar clinicamente com gênero e sexuali-
dade, servindo de introdução para posteriores estudos avançados realizados
por quem tiver interesse em se aprimorar na área. Pretendemos, com a pu-
blicação desta obra, contribuir para o fomento da discussão sobre gênero e
sexualidade a partir do paradigma da PBE, sobretudo no que diz respeito
às terapias de base cognitiva e comportamental, o que não exclui a possível
incorporação de elementos aqui apresentados a outras vertentes, estratégias
e recursos psicoterápicos. Desejamos que você tenha uma leitura profícua,
efetiva e interessante!

Referências
American Psychological Association. Isaacs, D., & Fitzgerald, D. (1999).
(2006). Evidence-based practice in Seven alternatives to evidence-based
psychology: APA presidential task medicine. BMJ, 319(7225), 1618.
force on evidence-based practice. Leonardi, J. L., & Meyer, S. B. (2015).
American Psychologist, 61(4), 271-285. Prática baseada em evidências em
Carvalho, A. C. (2011). Disfunções psicologia e a história da busca pelas
sexuais. In B. P. Rangé (Ed.). Psico- provas empíricas da eficácia das psico-
terapias cognitivo comportamentais: Um terapias. Psicologia: Ciência e Profissão,
diálogo com a psiquiatria (2ª ed., pp. 35(4), 1139-1156.
508-525). Artmed.
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 25

Melnik, T., Althof, S., Atallah, Á. N., Pachankis, J. E., Hatzenbuehler, M.


Puga, M. E. S., Glina, S., & Riera, R. L., Rendina, H. J., Safren, S. A., &
(2011). Psychosocial interventions for Parsons, J. T. (2015). LGB-affirma-
premature ejaculation. Wiley. tive cognitive-behavioral therapy for
Melnik, T., Hawton, K., & McGuire, young adult gay and bisexual men: A
H. (2012). Interventions for vaginis- randomized controlled trial of a trans-
mus. Wiley. diagnostic minority stress approach.
Journal of Consulting and Clinical Psy-
Melnik, T., Soares, B., & Nasello, A.
chology, 83(5), 875-889.
G. (2007). Psychosocial interventions for
erectile dysfunction. Wiley. Rodrigues, O. M. (2014). História
parcial da terapia da sexualidade. In O.
Meyer, I. H. (2020). Rejection sensi-
M. Rodrigues (Ed.), Terapia da sexual-
tivity and minority stress: A challenge
idade (Vol. 1, pp. 93-108). Zagodoni.
for clinicians and interventionists. Ar-
chives of Sexual Behavior, 49(7), 2287-
2289.
Parte 1
FUNDAMENTOS
CONTEMPORÂNEOS
EM SEXUALIDADE
E GÊNERO
1
CONCEITOS BÁSICOS EM
GÊNERO E SEXUALIDADE

Ramiro Figueiredo Catelan


Stéphanie da Selva Guimarães

Diversas teorias tentam explicar os fenômenos relacionados ao gênero e


à sexualidade. Inúmeras disciplinas contribuem para isso: sociologia, an-
tropologia, história, estudos culturais, filosofia, psicologia, entre outras.
Contudo, os conceitos aqui abordados não representam unanimidade. Isso
significa que eles são frutos de recortes teóricos, principalmente das dire-
trizes da American Psychological Association (APA, 2015). Alguns termos
específicos brasileiros foram retirados da literatura científica nacional e das
definições dos movimentos sociais brasileiros. Conhecer os conceitos que
virão a seguir constitui uma parcela significativa do trabalho clínico com
minorias sexuais e de gênero, pois facilita a formulação do caso e a conexão
com aspectos importantes da experiência de vida.

Sintetizando o básico do básico


Gênero
Conjunto de atitudes, sentimentos e comportamentos que uma determi-
nada cultura associa ao sexo biológico de uma pessoa, ou seja, as caracterís-
ticas inatas (especialmente órgãos genitais) utilizadas para diferenciar ho-
mens de mulheres (Reiner, 2002). Teorias clássicas sobre gênero afirmam
que, com base nessa diferenciação, as normas sociais atribuem papéis, con-
forme Morrow (2006), expectativas e comportamentos aos indivíduos, o
30 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

que ocasiona fenômenos como machismo ou sexismo (formas de opressão


e discriminação com base no gênero, especificamente contra mulheres).
A definição tradicional de gênero foi ampliada com a popularização
do conceito de identidade de gênero (ver mais adiante), que não se baseia
necessariamente em diferenças biológicas inatas para indicar se uma pes-
soa é homem ou mulher. Como será visto a seguir, nem todas as pessoas
se referem a si mesmas como homens ou mulheres (Morrow, 2006).

Sexualidade
Conjunto de atitudes, desejos e tendências relacionados com a experiência
sexual e/ou romântica. Termo utilizado para descrever uma série de com-
portamentos sexuais, identidades sexuais e orientações sexuais (ver mais
adiante) assumidos pelos indivíduos nos seus contatos interpessoais (Le-
vine, 2003; Morgan, 2013). O termo gênero e sexualidade (GS) em geral
se refere tanto aos diversos campos de estudo científico desses fenômenos
quanto à ampla diversidade de fenômenos de GS (que incluem comporta-
mentos, identidades, orientações, tendências, desejos e hábitos culturais).

Sintetizando o básico
Diversidade sexual e de gênero (DSG)
Termo guarda-chuva que se refere a um amplo espectro de orientações se-
xuais, identidades de gênero e expressões de gênero (ver mais adiante) que
“fogem da caixinha”, isto é, cujas práticas, comportamentos, identidades
e experiências não são heterossexuais e/ou cisgênero (ver mais adiante).
Pessoas heterossexuais e/ou cisgênero são consideradas parte de um pa-
drão social estatístico, pois representam a maior parte da população, em
termos numéricos. Elas constituem, ainda, um padrão social normativo,
uma vez que existe uma pressão social para que todas as pessoas sejam
heterossexuais e/ou cisgênero, o que contraria a pluralidade de experiên-
cias de GS.
No entanto, isso não significa que todas as pessoas heterossexuais e/
ou cisgênero são opressoras ou discriminadoras. A despeito de inúmeros
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 31

estudos nacionais e internacionais que mostram indicadores elevados de


violência e discriminação contra DSG, majoritariamente perpetrados por
essas pessoas, pode-se partir do pressuposto de que, em boa parte das so-
ciedades, existe uma parcela significativa de indivíduos com atitudes bem-
-intencionadas de aceitação e respeito à DSG. O que ocorre é que, mui-
tas vezes, há dificuldade de compreensão tanto das experiências de DSG
quanto dos termos e conceitos utilizados para definir essas experiências.
Isso ocorre justamente devido a esse padrão social normativo que impõe
regras e estereótipos rígidos.
Esse é o principal motivo pelo qual políticas públicas e campanhas
de educação sobre GS são tão importantes. Estudos mostraram que ações
educativas reduzem os níveis de preconceito. Não é uma questão de ideo-
logia, mas sim de respeito às evidências científicas e aos direitos cívicos
básicos.

Minorias sexuais e de gênero (MSG)


Refere-se ao mesmo espectro “fora da caixinha” mencionado anteriormen-
te. MSG costuma ser utilizado, especialmente nos estudos internacionais,
para agrupar sinteticamente as comunidades de lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgêneros (cada uma será definida mais adian-
te). É considerado um termo abrangente para definir indivíduos cujas
experiências de GS são diferentes daquelas vividas pela maior parte da
população (que é heterossexual e/ou cisgênero). Cabe ressaltar que, para
os propósitos aqui descritos, mulheres cisgênero heterossexuais (ver mais
adiante) não são consideradas pertencentes a minorias sexuais e de gênero,
pois esse é um termo amplamente utilizado na literatura internacional para
fazer alusão às comunidades de pessoas cuja orientação sexual e/ou identi-
dade de gênero (ver mais adiante) fogem às normativas sociais.

LGBT
Outra sigla utilizada para se referir às comunidades de lésbicas, gays, bisse-
xuais, travestis, transexuais e transgêneros. É o termo mais popular no Bra-
sil atualmente. Quando você encontrar por aí LGB, sem o “T” (travestis,
32 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

transexuais e transgêneros), isso indica uma referência isolada a lésbicas,


gays e bissexuais. Embora essas populações (LGB e T) tenham vivências
comuns, elas apresentam características distintas (LGB é um fenômeno
de sexualidade, ao passo que T é uma forma de identidade de gênero,
como será visto adiante).
Uma rápida busca em plataformas de pesquisa na internet levará a
termos como LGBTQI+, LGBTQIAP+, LGBTQIA e dúzias de variações,
o que configura uma sopa de letrinhas indigesta, sem precisão e difícil de
entender. Os estudos científicos em geral usam as categorias DSG (ou
SGD, do inglês sexual and gender diversity), MSG (ou GSM, do inglês gen-
der and sexual minorities) e LGBT (lesbian, gay, bisexual, and transgender).
No contexto clínico, é válido qualquer termo que o paciente utilizar.
As definições científicas do campo de GS não necessariamente serão utili-
zadas pela pessoa para se referir às suas experiências particulares com GS.
É importante saber que existem essas variações, mas não é necessário se ater
a ou decorar cada letrinha. Atenha-se às definições centrais (MSG, DSG e
LGBT), que são o básico para introduzir-se na área de GS.
Em suma, DSG, LGBT e MSG são termos diferentes que falam sobre
o mesmo fenômeno, ou seja, a existência de múltiplas formas de gênero
e sexualidade. Pode-se considerá-los sinônimos. Este livro dá preferência
a MSG, embora, eventualmente, sejam utilizados DSG e LGBT e suas
variações.

O básico em si
Sexo (ou sexo designado ou sexo designado ao
nascimento)
Elementos anatômicos e fenotípicos utilizados para designar uma criança
como homem (sexo masculino) ou mulher (sexo feminino) no momento
do nascimento (Ansara & Hegarty, 2012). Essa designação ocorre a partir
da inspeção da genitália do bebê. Também costuma ser feita anteriormente
ao nascimento por meio de exames de ultrassom ou sexagem fetal. O ter-
mo sexo biológico é utilizado em muitas circunstâncias para fazer menção
ao sexo, mas tem sido evitado por não contemplar as complexas variações
biológicas, anatômicas e cromossômicas que podem ocorrer.
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 33

Sexo designado masculino (SDM)


Atribuído quando a pessoa nasce com características anatômicas tipica-
mente atribuídas a homens, como pênis e saco escrotal. A determinação
biológica do SDM ocorre a partir dos cromossomos sexuais XY.

Sexo designado feminino (SDF)


Atribuído quando a pessoa nasce com características anatômicas tipica-
mente atribuídas a mulheres, como vagina e vulva. A determinação bioló-
gica do SDF ocorre a partir dos cromossomos sexuais XX.
Existem pessoas consideradas intersexo (ou intersex) ao nascerem,
em virtude de não apresentarem as características necessárias para classi-
ficá-las como SDM ou SDF. Elas apresentam um conjunto de variações
cromossômicas, gonádicas, genitais, anatômicas e/ou nos hormônios se-
xuais. Algumas nascem com genitálias atípicas ou ambíguas, mas nem
todas as pessoas intersexo são identificadas imediatamente ao nascimen-
to. Por exemplo, um bebê com pênis e saco escrotal teve o sexo desig-
nado masculino ao nascer, mas apresenta cromossomos XX (típicos do
sexo feminino), o que provavelmente só será identificado na puberdade.
Acredita-se que 1 em cada 1.500 bebês apresenta condições biológicas que
dificultam classificá-lo como masculino ou feminino. Pessoas intersexo já
receberam a alcunha “hermafrodita”; porém, esse termo não é adequado
para seres humanos, reservando-se a determinados grupos de animais que
têm dois órgãos genitais e/ou produzem gametas femininos e masculinos
funcionais. Cirurgias corretivas em bebês recém-nascidos são consideradas
violações de direitos humanos e podem ter sérias consequências na adultez
(Hughes et al., 2006).

Identidade de gênero
Senso psicológico profundo, percepção e/ou identificação de uma pessoa
como homem, mulher ou outra categoria de gênero presente em cada cul-
tura. Na maioria das pessoas, a identidade de gênero está diretamente
relacionada com o sexo designado ao nascimento (Ansara & Hegarty,
34 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

2012). Por exemplo, ao nascer, uma pessoa tem SDM e, ao longo da vida,
segue identificando-se e percebendo-se como homem. Essa correspondên-
cia entre sexo designado e identidade de gênero indica que a pessoa é cis
(ou cisgênero).
Um homem cis tem SDM (presença de pênis e saco escrotal) e se
identifica como homem. Uma mulher cis tem SDF (presença de vulva e
vagina) e se identifica como mulher. São o que tradicionalmente conhece-
mos como homens e mulheres, representando a maior parte da população.
Pessoas cuja identidade de gênero não está associada, alinhada ou con-
gruente com o sexo designado são chamadas de pessoas trans (ou transgê-
nero) (Catelan & Costa, 2015). Elas representam uma parcela bem menor
da população, em termos estatísticos.
Cis e trans são espectros classificatórios da identidade de gênero. Pes-
soas cis têm sexo designado ao nascimento e identidade de gênero corres-
pondentes, ao passo que pessoas trans têm uma identidade de gênero dife-
rente do sexo designado. Os termos genéricos trans ou transgênero podem
abarcar inúmeras identidades, apresentadas a seguir.

Homem trans, transgênero ou transexual


Pessoa com SDF (presença de vulva e vagina) que se identifica e se percebe
como homem (Winter et al., 2016). Exemplos de homens trans famosos
incluem Thammy Miranda e Elliot Page.

Mulher trans, transgênero ou transexual


Pessoa com SDM (presença de pênis e saco escrotal) que se identifica e se
percebe como mulher (Winter et al., 2016). Exemplos de mulheres trans
famosas incluem Roberta Close e Laerte Coutinho.

Travesti
Pessoa com SDM (presença de pênis e saco escrotal) que apresenta expres-
são visual tipicamente feminina, porém, muitas vezes, não se reconhece
nem como homem nem como mulher, mas sim como uma travesti, com
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 35

uma identidade de gênero feminina. Algumas ainda se identificam como


mulheres travestis, justamente como forma de contrapor o mito de que
travestis são homens vestidos de mulher. Trata-se de uma identidade de gê-
nero típica do contexto brasileiro e latino-americano, comumente associa-
da, no imaginário popular, à marginalidade, à prostituição e a “maus mo-
dos” (Barbosa, 2013). Com frequência, as travestis são confundidas com
homens com fetiches por roupas femininas, sendo tratadas com pronome
masculino. Em virtude de ser uma identidade feminina, menções a pessoas
que se identificam como travestis sempre devem ser feitas no pronome
feminino (a travesti), a não ser que a própria pessoa se refira a si mesma
com o pronome masculino. Exemplos de travestis famosas incluem Linn
da Quebrada e Amara Moira.
Mas qual é a diferença entre uma travesti e uma mulher trans? É fácil
descobrir: pergunte a ela. O critério utilizado para “definir” se alguém é
trans/transgênero, transexual, cis ou qualquer coisa é a autodesignação,
autorreferência ou autorrelato.

Pessoa não binária


Termo guarda-chuva para identidades de gênero que não são masculinas
ou femininas. Pessoas não binárias podem se identificar de inúmeras for-
mas. Alguns exemplos incluem: agênero (ausência total de gênero), bigênero
(identidade de gênero dupla ou ambígua), poligênero (identidade de gênero
plural ou múltipla), gênero fluido (identidade de gênero que pode fluir
entre homem e mulher), demigênero (identidade de gênero parcial), pan-
gênero (ter todos os gêneros acessíveis e possíveis dentro de sua vivência).
Exemplos de pessoas não binárias famosas incluem Demi Lovato e Sam
Smith.
Pessoas não binárias podem se identificar com alguns aspectos da mas-
culinidade, podendo, eventualmente, se nomear como pessoas transmas-
culinas (e não como homens trans), ou com aspectos da feminilidade, po-
dendo se identificar como pessoas transfemininas (e não como mulheres
trans). Isso independe do sexo designado ao nascimento.
Não se preocupe em “decorar” todos esses termos. Saiba que pessoas
não binárias, independentemente do sexo que foi designado a elas (mas-
36 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

culino ou feminino), fogem do binário homem-mulher/masculino-femi-


nino (Matsuno & Budge, 2017). Caso alguém chegue ao seu consultório
se apresentando com uma identidade que você desconhece (já que esses
termos estão constantemente sendo modificados e reformulados), pergun-
te com curiosidade clínica o que esse termo representa para ela.

Afirmação de gênero
Muitas pessoas trans (binárias ou não binárias) costumam procurar pro-
cedimentos médicos para alinhar seu corpo à sua identidade de gênero.
Isso pode incluir cirurgias (p. ex., mastectomia masculinizadora em ho-
mens trans ou outras pessoas com SDF; neovaginoplastia para construir
um novo órgão genital em mulheres trans e outras pessoas com SDM) e
terapia hormonal (testosterona para homens trans e outras pessoas com
SDF; estrogênio e antiandrogênicos para mulheres trans e outras pessoas
com SDM). Contudo, nem todas as pessoas trans desejam passar por esse
tipo de procedimento, e isso não é critério para definir se são ou não trans
(lembre-se da autodesignação).
Não existe “mudança” ou “troca” de sexo. O processo de afirmação de
gênero (ou, em alguns casos, transição de gênero) é a forma mais adequada
para falar sobre: 1) a experiência particular e o reconhecimento público
do gênero com o qual a pessoa se identifica; 2) procedimentos médicos
que auxiliam o processo de modificação de características corporais; e 3)
mudanças jurídicas (p. ex., retificação do nome e do sexo em certidão de
nascimento, registro civil, cartões de banco, etc.).

Incongruência, disforia, criatividade e não


conformidade
A incongruência de gênero ocorre quando a identidade de gênero não
está de acordo ou alinhada com o sexo designado ao nascimento. Por
exemplo, uma pessoa nasce com pênis e características associadas ao sexo
masculino, mas tem identidade de gênero feminina, identificando-se in-
terna e socialmente como mulher. Essa incongruência não necessariamente
será um problema para a pessoa (De Cuypere et al., 2010).
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 37

Muitas vezes, a incongruência é acompanhada de disforia de gêne-


ro, que é caracterizada como um estado significativo de desconforto, so-
frimento e estresse que uma pessoa apresenta devido à incongruência de
gênero (De Cuypere et al., 2010; Drescher et al., 2016; Kreukels et al.,
2012). Outros, como Ristori et al. (2019), Strang et al. (2018) e Wiepjes et
al. (2018), ainda utilizam o termo DG. Em geral, os processos de afirma-
ção de gênero auxiliam a atenuar e a reduzir esse estado, tanto com o uso
de procedimentos médicos quanto pela própria experiência de ser reco-
nhecido e tratado pelo nome e pela identidade escolhidos. Ao longo deste
livro, de maneira geral, abordamos disforia de gênero não como uma ca-
tegoria diagnóstica, mas como um construto dimensional. Isso indica que
as descrições contidas nos critérios diagnósticos de gênero não explicam a
diversidade de vivências sem sofrimento relacionado com a incongruência
de gênero (Lindley & Galupo, 2020).
Na adolescência, a DG caracteriza-se, principalmente, por desconfor-
to com a aparência física e características sexuais secundárias associadas ao
sexo designado ao nascimento (Brink et al., 2020). Por exemplo, embora
não seja generalizado, é comum que meninas trans apresentem intenso
incômodo com a presença do pênis e com a voz e que meninos trans se sin-
tam desconfortáveis com os seios (referidos por muitos como “intrusos”)
e a cintura larga.
Devido a essas experiências, pode haver dificuldade para olhar-se no
espelho, tirar fotos, expor-se em redes sociais, falar ao telefone ou até mes-
mo sair de casa. Em casos extremos, comportamentos autolesivos (tanto
nos órgãos genitais quanto em outras partes do corpo) ocorrem como for-
ma de aliviar o mal-estar. Crises de DG provocam um estado agudo de
aflição e podem ser ativadas por situações de estresse com uso incorreto de
nomes (p. ex., ser chamado pelo nome de registro/nascença, seja de propó-
sito ou não) e pronomes (p. ex., um homem trans ser tratado como “ela”)
(Galupo & Pulice-Farrow, 2020).
Já em crianças, é necessário diferenciar DG da repressão social à cria-
tividade de gênero, que é um movimento intrínseco à infância por meio
do qual as crianças usam sua vontade e sua criatividade para expressar seu
gênero como melhor lhes convêm. Antes de tudo, recomenda-se não ca-
tegorizar crianças com nomenclaturas como “trans”, “travesti” etc. Em
38 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

primeiro lugar, essa identidade pode não persistir na adolescência. Ainda,


entende-se que é direito da criança/adolescente de escolher ou recusar uma
categoria que mais lhe represente e com a qual se identifique. A palavra fi-
nal sobre a sua experiência, ou a “verdade sobre o gênero”, é da própria pes-
soa, e não do profissional de saúde, que não deve se prestar a determinar a
identidade de gênero de qualquer pessoa (Catelan & Lomando, no prelo).
O termo não conformidade de gênero, embora eventualmente utili-
zado como sinônimo descritivo das experiências trans, diz respeito a com-
portamentos e expressões atípicos durante a infância e a adolescência no
que diz respeito a padrões e expectativas de conduta tipicamente associa-
dos a um gênero específico na maior parte dos contextos culturais (Abdo,
2021). Por exemplo, muitos homens gays, embora não todos, foram meni-
nos que usavam vestidos, sapatos e maquiagem, ou expressavam compor-
tamentos considerados afeminados.

Papel de gênero
Conjunto de comportamentos socialmente associados/atribuídos à mas-
culinidade e à feminilidade. Durante muito tempo, por exemplo, o papel
de cuidado doméstico e familiar foi imposto às mulheres, que eram des-
providas de direitos (tanto as brancas, por não poderem trabalhar, quanto
as negras, muitas vezes forçadas ao trabalho precário). Já as expectativas
relacionadas com homens incluem virilidade, proteção, força e o ato de ser
o “chefe da família”.

Expressão de gênero
Modo como cada pessoa demonstra e se expressa visualmente em termos
de gênero por meio de símbolos, roupas, acessórios e comportamentos.
Não tem relação direta com a identidade de gênero da pessoa. Essa expres-
são diz respeito aos marcadores visuais (socialmente estabelecidos como
masculinos, femininos ou andróginos/neutros) e às expressões comporta-
mentais (geralmente entendidas como masculinizadas ou afeminadas).
Expressão de gênero e identidade de gênero não estão necessariamente
alinhadas. Há mulheres (cis ou trans) mais masculinizadas, ao passo que
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 39

há homens (cis ou trans) mais afeminados. Identidade fala mais sobre o


interno, e a expressão, sobre o externo.
Drag queen é um homem (em geral, cis) que adota uma expressão
de gênero exageradamente feminina (roupas, acessórios, maquiagens) para
fazer performances artísticas. Fora do contexto artístico, a pessoa não se
apresenta dessa maneira. O correspondente feminino de drag queen é drag
king (uma mulher que adota a expressão de gênero masculina com os mes-
mos propósitos). Nem drag queen nem drag king têm a ver com ser trans.

Orientação sexual
Aspecto central da sexualidade que designa um padrão relativamente está-
vel e duradouro de atração sexual e/ou romântica por outras pessoas com
base no gênero. A percepção desse padrão leva a pessoa a desenvolver um
determinado conceito/senso de identidade para dar nome à sua experiên-
cia.
Evita-se falar opção sexual. Esse termo é impreciso e dá a entender que
uma pessoa opta por uma orientação sexual, o que não é compatível com
as evidências científicas. Basicamente, a orientação sexual está relacionada
com: 1) qual padrão de gênero nos atrai física e/ou emocionalmente; 2)
com quem decidimos ou não ter relações sexuais e/ou afetivas; e 3) como
nos percebemos interna e socialmente a partir da constatação disso. Pode-
mos dividir a orientação sexual em três elementos ao mesmo tempo distin-
tos e inter-relacionados:

1. Desejo sexual: componente psicológico que indica a atração dire-


cionada a pessoas com determinadas expressões e/ou identidades de
gênero. A percepção ou estímulo sensorial da pessoa desejada ativa
o sistema de recompensa do córtex cerebral (no caso da atração se-
xual). A medula espinal coordena essa atividade cerebral a partir de
informações sensoriais recebidas pelos órgãos genitais, provocando
modificações fisiológicas que deixam a pessoa apta à atividade se-
xual. O desejo pode ser direcionado para pessoas do gênero oposto,
do mesmo gênero, ambos, ou independentemente do gênero (Le-
vine, 2003). Ele é eliciado, na maior parte das vezes, pela expressão
40 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

de gênero da pessoa desejada (visual), já que a identidade de gênero


(autodefinição) não é acessível por outro meio que não o autorre-
lato. O desejo sexual não está necessariamente associado ao desejo
romântico. Há pessoas que não apresentam desejo sexual, somente
atração afetiva, que é coordenada pelo corpo estriado do diencéfalo.
Isso não necessariamente configura uma disfunção sexual.
2. Comportamento sexual: engajamento da pessoa em atividades de
estimulação sensorial (não necessariamente associadas ou restritas
aos órgãos genitais), tanto na forma individual (p. ex., masturba-
ção) quanto em atividades sexuais com uma ou mais pessoas. O
comportamento sexual (voluntário e consentido) resulta das res-
postas fisiológicas de excitação sexual e pode ocorrer em intera-
ções com pessoas do gênero oposto, do mesmo gênero, ambos,
ou independentemente do gênero. As chamadas práticas sexuais
são as preferências sexuais que independem da orientação sexual.
Isso inclui gostos, posições, carícias, orgasmos, limitações, ou seja,
a forma como cada pessoa escolhe fazer a gestão da sua vida se-
xual. Não é incomum que indivíduos, de forma corriqueira, re-
firam-se ao sexo utilizando-o como sinônimo de relações sexuais
com penetração. Sobre isso, esclarecemos que penetração vaginal
ou anal não é sinônimo de sexo. Sexo oral é sexo, e não simples-
mente uma “preliminar”, assim como a prática masturbatória (que
pode envolver, ou não, penetração através do uso de toys [brin-
quedos], outros acessórios sexuais ou simplesmente os dedos).
Nessa categoria, também se enquadram práticas como o BDSM
(que não necessariamente tem penetração), definidas como prá-
ticas sexuais consensuais que envolvem bondage (i.e., prender ou
amarrar com fins eróticos), disciplina, dominação, submissão, sa-
dismo e masoquismo, sendo as atividades descritas nessa ordem
pelas letras da própria sigla. Nesse sentido, pode-se utilizar o ter-
mo francês gouinage, que representa formas variadas de prazer
que não envolvem penetração, para observar que existem diversas
formas de sexo, que podem envolver todos os sentidos do corpo,
não tendo relação com ou se restringindo à prática da penetração.
Especialmente em relações entre pessoas do mesmo gênero, o ter-
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 41

mo ativo indica a pessoa que penetra (com pênis, dedos ou aces-


sórios) e/ou “toma a frente” do ato sexual. Passivo é quem recebe
a penetração (independentemente de qual tipo) e/ou que “se deixa
levar” (de forma engajada e interessada). Versátil é quem adota as
duas práticas. Isso independe de identidade de gênero, expressão
de gênero ou orientação sexual.
3. Identidade sexual: forma como cada pessoa categoriza, rotula e
descreve sua própria orientação sexual (Morgan, 2013). Isso se dá
a partir de uma “negociação” com a cultura na qual a pessoa está
inserida; depende de quais terminologias, referências e conceitos
estão disponíveis no vocabulário da comunidade. A forma como
alguém nomeia sua experiência sexual depende também das con-
dições proporcionadas pelo ambiente (p. ex., vivências diretas de
discriminação podem inibir a pessoa de adotar e/ou expressar de-
termina identidade; isso será abordado mais adiante).

É fundamental lembrar que identidade sexual é diferente de identida-


de de gênero. A primeira diz respeito à nomeação que a pessoa dá à própria
sexualidade, ao passo que a segunda é a autocategorização do gênero da
pessoa. Algumas das identidades sexuais mais comuns incluem:

 Heterossexual (ou hétero): pessoa (cis ou trans) que se relaciona


com o gênero oposto. É a identidade sexual mais predominante na
população mundial.
 Gay: homem (cis ou trans) que se relaciona com outros homens
(cis ou trans).
 Lésbica: mulher (cis ou trans) que se relaciona com outras mulhe-
res (cis ou trans).
 Bissexual: pessoa (cis ou trans) que se relaciona com homens e
mulheres (cis ou trans), e em alguns casos, com pessoas de outros
gêneros.
 Pansexual: pessoa (cis ou trans) que se relaciona com pessoas inde-
pendentemente do gênero.
 Assexual: palavra utilizada para designar a orientação de alguém
(cis ou trans) que não sente atração sexual por outras pessoas (in-
42 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

dependentemente do gênero), sem apresentar sofrimento por isso


(Prause & Graham, 2007). Isso não significa que elas não se relacio-
nam com outras pessoas (assexualidade não é celibato), tampouco
que não sentem atração romântica (a maioria sente essa atração).
Algumas eventualmente se relacionam sexualmente para satisfazer
a parceria, por pressão, por medo de rejeição etc. A assexualidade
cinza refere-se a pessoas assexuais que sentem pouca atração se-
xual, sendo um meio-termo entre assexualidade e alossexualidade
(termo utilizado para designar pessoas que sentem atração sexual).
Pessoas assexuais no espectro cinza costumam se identificar como
gray-sexuais. Pessoas assexuais que sentem atração sexual somen-
te quando estão em uma relação afetiva e sob forte envolvimento
emocional são chamadas de demissexuais (Chasin, 2015). Mais
informações acerca da assexualidade podem ser encontradas no Ca-
pítulo 19.

O termo homossexual costuma ser utilizado nos estudos científicos


tradicionais para descrever comportamentos sexuais entre pessoas do mes-
mo gênero. Também pode ser utilizado por algumas pessoas para designar
a identidade sexual, nomeando sua experiência com pessoas do mesmo
gênero.
É importante não pressupor que a pessoa se identifica assim porque
se relaciona com o mesmo gênero. A maior parte das pessoas que se rela-
cionam com pessoas do mesmo gênero se identifica como gays, lésbicas ou
bissexuais. Algumas pessoas (embora não a maioria) se ofendem quando
são chamadas de homossexuais, pois essa palavra foi criada por volta do
século 19 para diferenciar as pessoas consideradas normais (heterossexuais)
das doentes, desviantes e pecaminosas (nomeadas a partir daí como ho-
mossexuais).
Os termos homem que faz sexo com homem (HSH) e mulher que
faz sexo com mulher (MSM) costumam ser utilizados em muitos estudos
científicos tradicionais, principalmente em pesquisas sobre HIV e outras
infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), para avaliar os comportamen-
tos sexuais das pessoas. O motivo dessa escolha é que nem todas as pes-
soas que se relacionam sexualmente com o mesmo gênero se identificam
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 43

como gays, lésbicas, homossexuais ou bissexuais. Há, inclusive, homens


que se relacionam com outros homens e se identificam como heteros-
sexuais (muitas vezes, para se proteger de constrangimento ou discrimi-
nação). Simplesmente perguntar a identidade sexual da pessoa traria um
viés importante de pesquisa e prejudicaria os indicadores epidemiológicos,
considerando que uma das populações mais impactadas por HIV/ISTs são
os HSH (independentemente da identidade sexual).
A pessoa pode nomear sua orientação sexual de outras formas. Al-
guns homens gays referem a si como “bichas” ou “viados”. Contudo, esses
termos não devem ser utilizados sem autorização da pessoa e sem ter in-
timidade com ela. “Bicha” ou “viado” são xingamentos depreciativos que
algumas pessoas optaram por adotar como identidade ou referência para
afirmar que ser gay, bicha, viado ou qualquer outra coisa não é motivo de
vergonha, mas de orgulho.
A distinção dos três elementos da orientação sexual (desejo, compor-
tamento e identidade) é importante porque eles não estão necessariamente
congruentes ou alinhados. Por exemplo, uma pessoa pode sentir atração
somente por mulheres (desejo), transar com homens e mulheres (com-
portamento) e se referenciar como heterossexual (identidade). É o caso de
muitos garotos de programa, que, por vezes, têm namorada ou esposa e só
fazem sexo com homens por motivos financeiros. Nos seus círculos sociais,
eles se entendem e vivem como homens heterossexuais, não partilhando
ou se identificando com as comunidades de homens gays ou bissexuais. É
em virtude desse tipo de público que o termo HSH foi criado.
Identidade de gênero, expressão de gênero e orientação sexual são
construtos distintos. Um homem trans (identidade de gênero) pode ser
um gay (orientação sexual) masculinizado (expressão de gênero). Uma
mulher trans (identidade de gênero) pode ser lésbica (orientação sexual)
com características visuais femininas (expressão de gênero). Uma mulher
cis (identidade de gênero) pode ser heterossexual (orientação sexual) e ter
aparência mais masculina (expressão de gênero). Uma coisa não depende
da outra. Muitos homens cis gays têm expressão de gênero mais afeminada,
mas ser afeminado não é sinônimo de ser gay. Homens cis héteros podem
ter expressão de gênero mais feminina, o que não tem nada a ver com sua
sexualidade.
44 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

Considerações finais
O desenvolvimento de uma psicoterapia que respeite e valorize a diversida-
de sexual e de gênero passa, necessariamente, pela aquisição de competên-
cias fundamentais para avaliação e intervenção afirmativas, culturalmente
sensíveis e empáticas. Podemos dizer que a incorporação dos conceitos
básicos em gênero e sexualidade já é 50% do nosso trabalho, pois ajuda
terapeutas a ficarem “letrados” em uma realidade cultural e identitária que
costuma ser pouco discutida e explorada na sociedade, de maneira geral, e
nas psicoterapias, de maneira específica. Os outros 50% serão abordados
ao longo deste livro, com ênfase na seção de aplicações clínicas específicas.

Referências
Abdo, C. H. N. (2021). Latin Ameri- Brink, F., Vollmann, M., & Weelie, S.
can and Latina/Latino Issues in Sexu- (2020). Relationships between trans-
al Health. In D. L. Rowland & E. A. gender congruence, gender identity
Jannini (Eds.), Cultural differences and rumination, and self-esteem in trans-
the practice of sexual medicine: A guide gender and gender-nonconforming
for sexual health practitioners (pp. 183- individuals. Psychology of Sexual Orien-
205). Springer. tation and Gender Diversity, 7(2), 230-
American Psychological Association. 235.
(2015). Publication manual of the Catelan, R. F., & Costa, A. B. (2015).
American Psychological Association (6th Diretrizes para práticas psicológicas com
ed.). American Psychological Associa- pessoas trans e em não conformidade de
tion. gênero. American Psychological Associ-
Ansara, Y. G., & Hegarty, P. (2012). ation.
Cisgenderism in psychology: Pathol- Catelan, R. F., & Lomando, E. M. (no
ogizing and misgendering child from prelo). Incongruência, disforia e cria-
1999 to 2008. Psychology & Sexuality, tividade de gênero: TCC para crianças
3(2), 137-160. e adolescentes que divergem das nor-
Barbosa, B. C. (2013). “Doidas e pu- mas de gênero. In J. B. Gomes (Org.),
tas”: Usos das categorias travesti e tran- Guia prático da terapia cognitivo-com-
sexual. Sexualidad, Salud y Sociedad: portamental para terapeutas de crianças
Revista Latinoamericana, 14(2), 352- e adolescentes. Sinopsys.
379.
Manual de gênero e sexualidade na psicoterapia 45

Chasin, C. J. D. (2015). Making sense Gijs, L., Cohen-Kettenis, P. T. (2012).


in and of the asexual community: Nav- A European network for the investi-
igating relationships and identities in a gation of gender incongruence: The
context of resistance. Journal of Com- ENIGI initiave. European Psychiatry,
munity & Applied Social Psychology, 27(6), 445-450.
25(2), 167-180. Levine, C. (2003). Introduction:
Coleman, C. A. (2012). Construction Structure, development, and identity
of consumer vulnerability by gender formation. Identity: An International
and ethics of empowerment. In C. C. Journal of Theory and Research, 3(3),
Otnes & L. T. Zayer (Eds.), Gender, 191-195.
culture, and consumer behavior (pp. Lindley, L., & Galupo, M. P. (2020).
3-32). Routledge. Gender dysphoria and minority stress:
De Cuypere, G., Knudson, G., & Support for inclusion of gender dys-
Bockting, W. (2010). Response of phoria as a proximal stressor. Psychol-
the world professional association for ogy of Sexual Orientation and Gender
transgender health to the proposed Diversity, 7(3), 265-275.
DSM 5 criteria for gender incongru- Matsuno, E., & Budge, S. L. (2017).
ence. International Journal of Trangen- Non-binary/genderqueer identities: A
derism, 12(2), 119-123. critical review of the literature. Current
Drescher, J., Cohen-Kettenis, P. T., & Sexual Health Reports, 9(3), 116-120.
Reed, G. M. (2016). Gender incon- Morgan, E. M. (2013). Contemporary
gruence of childhood in the ICD-11: issues in sexual orientation and iden-
Controversies, proposal, and rationale. tity development in emerging adult-
The Lancet Psychiatry, 3(3), 297-304. hood. Emerging Adulthood, 1(1) 52-66.
Galupo, M. P., & Pulice-Farrow, L. Morrow, V. (2006). Understanding
(2020). Subjective ratings of gender gender differences in context: Impli-
dysphoria scales by transgender indi- cations for young children’s everyday
viduals. Archives of Sexual Behavior, lives. Children & Society, 20(2), 92-
49(2), 479-488. 104.
Hughes, I. A., Houk, C., Ahmed, S. Prause, N., & Graham, C. A. (2007).
F., & Lee, P. A. (2006). Consensus Asexuality: Classification and charac-
statement on management of intersex terization. Archives of Sexual Behavior,
disorders. Journal of Pediatric Urology, 36(3), 341-356.
2(3), 148-162. Reiner, W. G. (2002). Gender identi-
Kreukels, B. P. C., Haraldsen, I. R., ty and sex assignment: A reappraisal
De Cuypere, G., Richter-Appelt, H., for the 21st century. Advances in Ex-
46 Conceitos básicos em gênero e sexualidade

perimental Medicine and Biology, 511, Child & Adolescent Psychology, 47(1),
175-189. 105-115.
Ristori, J., Fischer, A. D., Castellini, Wiepjes, C. M., Nota, N. M., Blok,
G., Sensi, C., Cipriani, A., Ricca, V., C. J. M., Klaver, M., Vries, A. L. C.
& Maggi, M. (2019). Gender dyspho- de S., Wensing-Kruger, A., Jongh, R.
ria and anorexia nervosa symptoms in T., Bouman, MB., Steensma, T. D.,
two adolescents. Archives of Sexual Be- Cohen-Kettenis, P., Gooren, L. J.
havior, 48(5), 1625-1631. G., Kreukels, B. P. C., & Heijer, M.
Strang, J. F., Meagher, H., Kenworthy, (2018). The Amsterdam cohort of
L., Vries, A. L. C., Menvielle, E., Lei- gender dysphoria study (1972-2015):
bowitz, S., Janssen, A., Cohen-Kette- Trends in prevalence, treatment, and
nis, P., Shumer, D. E., Edwards-Leep- regrets. The Journal Sexual of Medicine,
er, L., Pleak, R. R., Spack, N., Karasic, 15(4), 582-590.
D. H., Schreier, H., Balleur, A., Winter, S., De Cuypere, G., Green, J.,
Tishelman, A., Ehrensaft, D., Rodnan, Kane, R., & Knudson, G. (2016). The
L., Kuschner, E. S., ... & Anthony, L. Proposed ICD-11 gender incongru-
G. (2018). Initial clinical gidelines for ence of childhood diagnosis: A world
co-occuring autism spectrum disorder professional association for transgen-
and gender dysphoria or incongru- der health membership survey. Archives
ence in adolescents. Journal of Clinical Sexual Behavior, 45(7), 1605-1614.

Você também pode gostar