Spilotes Pullatus.
Spilotes Pullatus.
Departamento:
Cirurgia
Área de concentração:
Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres
Orientadora:
Prof. Dra. Selma Maria de Almeida Santos
São Paulo
2012
2
Autorizo a reprodução parcial ou total desta obra, para fins acadêmicos, desde que citada a fonte.
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Data: ____/____/______
Banca Examinadora
Instituição: ___________________________Julgamento:_____________________________
Instituição: ___________________________Julgamento:_____________________________
Instituição: ___________________________Julgamento:_____________________________
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AGRADECIMENTOS
À Dra. Selma Maria de Almeida Santos, por ter aceitado a minha orientação, mesmo
sabendo das dificuldades que encontraria em orientar uma pessoa completamente leiga em sua
linha de pesquisa, por ter me passado o conhecimento que hoje tenho sobre herpetologia, e
pela confiança e preocupação que teve comigo durante todo esse período.
Ao Dr. Marcovan Porto, por acreditar em mim, por ter me apresentado à Dra. Selma e
ter “vendido o meu peixe” por um valor bem maior do que “ele” vale.
Aos Drs. Otavio Augusto Vuolo Marques e Fausto Erritto Barbo, por me cederem
dados fundamentais para a realização dessa pesquisa, dados sem os quais muitos dos
resultados apresentados aqui não seriam possíveis, e que por isso, são tão responsáveis por
essa realização quanto eu e a Dra. Selma.
À Professora Dra. Maria Angélica Miglino, por ter me permitido realizar esse trabalho
pelo Programa de Pós-Graduação em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres da
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
Ao Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, e ao instituto, por ter
me acolhido durante esse período.
Aos funcionários das coleções herpetológicas do Museu de História Natural Capão da
Imbuia (MHNCI); Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (MNRJ); Museu
de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG); Museu
de Zoologia João Moojen, Universidade Federal de Viçosa (MZUFV); Museu de Zoologia da
Universidade Estadual de Campinas (ZUEC); Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCP); Fundação Nacional Ezequiel Dias
(FUNED), em especial, os curadores, Dr. Julio Cesar de Moura Leite, Dr. Ronaldo Fernandes,
Dr. Paulo Passos, Dra. Luciana Barreto Nascimento, Dr. Renato Feio, Dr. Paulo Roberto
Manzani, Dra. Gláucia Maria Funk Pontes, Dra. Giselle Cotta. Ao coordenador da Faculdade
de Medicina Veterinária do Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Prof. André
Vianna Martins e ao técnico do Laboratório de Anatomia Animal, Marcelo Caetano. A todos
vocês, muito obrigado, pelo empréstimo dos exemplares utilizados nessa pesquisa.
Ao Dr. Carlos Jared e à Dr. Marta Antoniazzi, por me permitirem utilizar o laboratório
para a obtenção das fotomicrografias.
Ao Valdir José Germano, por me ajudar na técnica de montagem dos hemepênes
utilizados nessa pesquisa.
Aos colegas do Grupo de Estudos de Reprodução de Squamata (GERES), Igor Stefan
Popovic Federsoni, Evandro Berti Galvão, Karina N. Kasperoviczus, Viviane Campos Garcia,
Kalena Barros da Silva, Patrícia Silva Marinho, Nathalie Sampo Bellini, Fernanda Magno
Amaral, e em especial à Letícia Ruiz Sueiro, por ter me ajudado, me ensinando sobre a coleta
dos dados reprodutivos; ao Claudio Augusto Rojas, pela ajuda com a leitura de algumas das
lâminas histológicas; à Maria Adelaida Hoyos Argáez, Henrique Bartolomeu Braz e Verônica
Alberto Barros, pela grande ajuda com os testes estatísticos, à Karina Maria Pereira da Silva,
por ter conseguido um artigo tão importante, que eu não encontrava; ao Victor Frias Czank,
por ter se empenhado tanto, e por tido paciência as inúmeras vezes que eu pedi para que ele
modificasse os desenhos científicos que compõem esse trabalho, e; à Lívia Cristina dos
Santos, por ter praticamente me coorientado, me ensinando tudo sobre o processamento
histológico, confecção das lâminas histológicas, fórmulas que foram utilizadas nesse trabalho,
criação de planilhas e testes estatísticos, e por se preocupar e se disponibilizar sempre em me
ajudar, mesmo estando longe.
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Ao “Coy” (Sérgio Serrano), por ter me fornecido um exemplar de Spilotes o qual pude
utilizar para preparação do sistema reprodutor masculino que ilustra essa dissertação.
À Silvia Regina Travaglia Cardoso, por disponibilizar as caninanas para que eu fizesse
as fotografias que ilustram a capa dessa dissertação.
Ao John Andermann, Daniel Velho, Edelcio Muscat, José Milton Longo, Osvaldo
Parthey, Luciano Castanho e Gustavo Knuppe, pessoas que eu não conheço, e mesmo assim, se
disponibilizaram a me ajudar com fotografias, vídeos e informações que foram muito úteis para essa
dissertação.
Aos amigos Chris (Christopher Lang) e Mª. Teresa C. G. V.de Carvalho, pela grande ajuda
com o idioma inglês, o que me capacitou para que tudo isso fosse possível, sem essa ajuda nada disso
teria se iniciado.
Aos colegas do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, Thaís
Barreto Guedes, Cristian Alexandro Gomes, José Salvatore Leister Patané, Hugo Leonardo
Sioufi Silva, Natália Ferreira Torello Viera, Adriano Tadeu Fellone, Darina Brumatti
Favorito, Dinah Lemos, Kelly Kishi, Vera Lúcia Moraes Torres e Daniela Petrim de Araújo.
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Anatomia dos Animais
Domésticos e Silvestres da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade
de São Paulo, em especial ao Maicon Silva, pela grande ajuda e informações sobre a seleção
da pós-graduação, mesmo antes de eu vir pra São Paulo e conhecê-lo, sem essa ajuda essa
etapa da minha vida não teria sido possível; aos técnicos Diogo Nader Palermo e Ronaldo
Agostinho da Silva pela ajuda nas técnicas laboratoriais, e; à Professora Dr. Paula Papa, pelo
grande aprendizado, pelos elogios e confiança que teve em mim.
Ao Ricardo Franciscon pela ajuda com o abstract desse trabalho.
À minha grande amiga Eliana da Silva Gulão pela ajuda com o abstract, pelas
correções feitas a este trabalho, e principalmente, por estar sempre torcendo pelo meu
sucesso.
Aos meus amigos de São Paulo, pela convivência e carinho de todos, em especial a
Vanessa Lima pelo companheirismo e amizade desde que chegamos a São Paulo para a
seleção na pós-graduação, ao amigão Carlos Eduardo Costa Silva (“Cretinão”) pela amizade e
por ter sido uma pessoa que eu sempre pude contar com o apoio, em tudo, aqui em São Paulo,
e a Ellen Rose Ribeiro de Souza, por cuidar de mim e por ter sido a minha “família” aqui em
São Paulo durante todo esse tempo.
Ao amigo Ruan Felipe Vieira Medrano, por ter acreditado tanto em mim, e me
ajudado no início dessa etapa, por ter conseguindo vários artigos que eu não encontrava, me
ajudando sempre com o inglês, e principalmente pelo companheirismo.
Aos meus amigos da graduação, que sempre acreditaram e torceram por mim, em
especial a “Canelão” (Raquel Diniz Lessa Pessanha), Silvana Araújo, Luiza Barcelos e Bianca
Andriolo, amigas de quem sinto tantas saudades.
À minha família, por todo amor recebido, em especial ao meu padrasto Sebastião da
Silva, por ter estado sempre me apoiando e ajudando em tudo, à minha irmã Giovana Ferreira
Muniz da Silva e ao meu irmão Giovane Ferreira Muniz da Silva por serem parte de mim e
por acreditarem tanto no meu sucesso, e ao meu sobrinho Gabriel Fernandes da Silva Mateus,
que tem medo de besouro, e que por isso, quando crescer, não será “Médico dos Bichinhos”
como o tio, e sim, Super-herói Com Medo de Besouro.
Á minha rainha, Arli Ferreira da Silva, mulher a quem devo tudo o que sou hoje, por
mesmo sem entender o que é uma dissertação e um mestrado, ter me dado força e me apoiado
(mesmo contra sua vontade) para que eu viesse para São Paulo realizar um sonho, e por ser
simplesmente, a melhor mãe do mundo.
Ao meu Paizão lá de cima, a quem devo todas as oportunidades que tive em minha
vida e, por ter me mostrado desde que eu era criança, o quanto sua criação, em especial a
natureza e os animais, é encantadora.
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Com a grande ajuda de cada um de vocês, seja de forma direta ou indireta, a realização
desse sonho foi possível! Muito obrigado!
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RESUMO
O ciclo reprodutivo de Spilotes pullatus na região sudeste do Brasil é descrito para machos e
fêmeas a partir de análises macroscópicas e microscópicas do aparelho reprodutor e órgãos
acessórios envolvidos na reprodução ao longo do ano. Os machos da espécie apresentam o
ciclo sazonal com o início da espermatogênese no verão, e durante o outono ocorre a
espermiação. Os gametas são estocados ao longo dos ductos deferentes que possuem um
formato convoluto. Os testículos entram em regressão e durante o inverno e a primavera
apresentam-se inativos. Não é incomum encontrar machos de Spilotes com anomalia gonadal,
apresentando uma massa testicular funcional próximo aos testículos. A cópula ocorre durante
o inverno, principalmente na metade final da estação, os gametas estocados nos ductos
deferentes não são esgotados durante a estação de acasalamento de forma que durante todo o
ano os machos possuem espermatozóides estocados nos ductos. Os rins, órgão reprodutor
acessório em Squamata, não apresentam variação em tamanho ao longo das estações em
nenhum dos sexos, mas mudanças microscópicas ocorrem no néfron dos machos na região do
segmento sexual renal, essa estrutura encontra-se hipertrofiada durante a estação de
acasalamento. Combate pode ocorrer durante a primavera e os machos tendem a ficar com a
porção cranial do corpo na vertical durante o duelo, diferentemente da maioria dos outros
colubrídeos que mantém quase todo o corpo na horizontal. Durante o combate os machos
podem expor o hemipênis. As fêmeas iniciam a vitelogênese no outono quando os folículos
menores do que 10 mm começam a receber depósito de vitelo. O forrageio das fêmeas
diminui de acordo com o desenvolvimento folicular. No final do inverno os folículos
encontram-se pré-ovulatórios e no oviduto médio observa-se uma hipertrofia das glândulas da
casca. As fêmeas parecem apresentar um período de proestro de seis dias e em seguida o
estro. Os hemipênes da espécie são únicos, sem nenhum tipo de bifurcação, enquanto que a
fêmea possui uma cloaca longa e com bolsas (vaginas) marcadamente bilobadas. Após a
cópula, no final do inverno, ocorre a ovulação. Nessa espécie parece haver ovulação reflexa,
sendo a cópula o estímulo para que ocorra a ovulação. A primavera é a estação onde as
fêmeas encontram-se prenhas e realizam a ovipostura. As fêmeas que não ovularam parecem
ter os folículos absorvidos pelo organismo. As caninanas produzem em média oito ovos que
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podem estar distribuídos igualmente ou não entre os ovários. Os ovos postos na primavera são
incubados em média por 73 dias e a eclosão ocorre durante o verão.
ABSTRACT
The reproductive cycle of Spilotes pullatus in southeastern of Brazil is described for males
and females from macroscopic and microscopic analysis of the reproductive tract and
accessory organs involved in reproduction throughout the year. Males of the species exhibit a
seasonal cycle with the onset of spermatogenesis in the summer and during autumn
spermiation occurs. The gametes are stored along the vas deferens, which have a convoluted
shape. The testicles come in regression and during the winter and spring appear inactive. It is
not unusual to find male Spilotes with gonadal failure, with a testicular mass function next to
the testicles. Mating occurs during the winter, especially in the latter half of the season,
gametes stored in the vas deferens are not depleted during the breeding season so that
throughout the years, males have sperm stored in the vas. The kidneys, reproductive organ
accessory in Squamatas not show variation in size throughout the seasons in either sex, but
microscopic changes occur in the nephron of male sexual segment in the region of the kidney,
this structure is hypertrophied during the mating season. The kidneys, reproductive organ
accessory Squamatas not show variation in size throughout the seasons in either sex, but
microscopic changes occur in the nephron of male sexual segment in the region of the kidney,
this structure is hypertrophied during the mating season. Combat can occur during the spring
and the males tend to stay with the cranial portion of the body vertical during the duel, unlike
most other colubrids that keeps most of the body horizontally. During combat, males may
expose the hemipenis. The females begin the vitellogenesis on fall when the follicles smaller
than 10 mm start receiving tank calf. Female foraging decreases with the follicle
development. At the end of winter follicles are pre-ovulatory and in the medium oviduct there
is a hypertrophy of gland shell. Females appear to have a period of six days of proestrus and
then estrus. The specie hemipenes are unique, without any kind of bifurcation, while the
female has a long cloaca with pouch (or vaginal pouch) markedly bilobed. After mating in the
end of winter, ovulation occurs. In this species seems to be reflex ovulation, copulation being
the stimulus for ovulation to occur. Spring is the season when females are pregnant and do the
oviposition. Females that did not ovulate have to seem the follicles absorbed by the body. The
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tiger rat snake produce an average of eight eggs that may or may not be distributed equally
between the ovaries. The eggs laid in spring are incubated in medium for 73 days and
hatching occurs during the summer.
Keywords: Animal breeding. Combat. Renal sexual segment. Reflex ovulation. Hemipenis.
15
LISTA DE FIGURAS
Figura 29 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos de volume
testicular de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro................................... 58
Figura 37 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da largura da
região caudal do ducto deferente de Spilotes pullatus do sudeste
brasileiro..................................................................................................... 63
Figura 39 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da largura
cranial do rim masculino de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro.......... 65
Figura 42 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos do diâmetro do
segmento sexual renal de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro.............. 66
Figura 43 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da espessura do
epitélio do segmento sexual renal de Spilotes pullatus do sudeste
brasileiro..................................................................................................... 67
Figura 46 - Rim de Spilotes pullatus apresentando uma massa renal caudal ao rim.... 68
Figura 67 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da largura
cranial do rim de fêmeas de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro.......... 83
Figura 80 - Ritual de combate entre dois Spilotes pullatus machos na copa de uma
árvore durante a primavera......................................................................... 91
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Relação entre CRC, aspecto do ducto deferente e situação sexual com
base em analise histológica de Spilotes pullatus machos......................... 70
LISTA DE TABELAS
LISTA DE ABREVIATURAS
ov oviduto tb tuba
sd espermátide ut útero
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 27
2 REVISÃO DE LITERATURA............................................................................................ 32
2.1 MACHOS............................................................................................................................ 32
2.2 FÊMEAS............................................................................................................................. 34
2.3 CÓPULA............................................................................................................................. 36
2.4 PADRÃO DE ATIVIDADE............................................................................................... 36
2.5 CLASSIFICAÇÃO DO CICLO.......................................................................................... 37
3 MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................................ 40
3.1 PADRÃO DE ATIVIDADE............................................................................................... 40
3.1.1 Atividade alimentar........................................................................................................ 40
3.2 AMOSTRA PARA CICLO REPRODUTIVO................................................................... 41
3.2.1 Dados macroscópicos de ambos os sexos...................................................................... 41
3.2.2 Dados macroscópicos dos machos................................................................................. 42
3.2.3 Dados macroscópicos das fêmeas.................................................................................. 44
3.2.4 Coleta de tecidos para análises histológicas................................................................. 45
3.2.5 Dados para análises histológicas................................................................................... 48
3.3 ESTAÇÃO DE ACASALAMENTO, COMBATE ENTRE MACHOS E OVIPOSTURA 50
3.4 MATURIDADE SEXUAL.................................................................................................. 51
3.5 FECUNDIDADE................................................................................................................. 51
3.6 ESTAÇÕES ANUAIS......................................................................................................... 51
3.7 MORFOLOGIA DOS HEMIPÊNES.................................................................................. 52
3.8 ANÁLISES ESTATÍSTICAS............................................................................................. 52
3.8.1 Dimorfismo sexual.......................................................................................................... 53
3.8.2. Padrão de atividade....................................................................................................... 53
3.8.3. Dados reprodutivos........................................................................................................ 53
4 RESULTADOS..................................................................................................................... 56
4.1 SISTEMA REPRODUTOR MASCULINO........................................................................ 56
4.2 ANÁLISE MACROSCÓPICA DOS TESTÍCULOS.......................................................... 58
4.3 ANÁLISE MICROSCÓPICA DOS TESTÍCULOS........................................................... 59
25
1 INTRODUÇÃO
Essa serpente possui ampla distribuição geográfica, habita áreas da América Central e
América do Sul, podendo ser encontrada desde Tamaulipas, no México, até o Paraguai,
ocorrendo também no extremo nordeste da Argentina (SAVAGE, 2002) (Figura 2).
28
São reconhecidas cinco subspécies, dessas, três ocorrem no Brasil: Spilotes pullatus
pullatus (Linnaeus, 1758), Spilotes pullatus anomalepis (Bocourt, 1888) e Spilotes pullatus
maculatus (Amaral, 1929) (PETERS; OREJAS-MIRANDA, 1970).
A caninana é um dos maiores colubrídeos encontrados na América do Sul, podendo
atingir mais de 240 centímetros (cm) de comprimento. A coloração é predominantemente
negra na cabeça e no dorso, com faixas e manchas amarelas. Já o ventre, é amarelado com
manchas pretas. (AMARAL, 1929; BOOS, 2001; PONTES; ROCHA, 2008). A cabeça é
pouco distinta do pescoço, exceto quando o pescoço encontra-se inflado (AMARAL, 1929).
Seus olhos são relativamente grandes, negros e com pupilas redondas. A dentição é áglifa. A
escama cloacal é inteira ou dividida e as subcaudais são duplas (PONTES; ROCHA, 2008).
Essa serpente possui hábitos diurno, terrestre e arbóreo (VANZOLINI et al., 1980;
SAZINA; HADDAD, 1992; MARQUES, 1998; BOOS, 2001; MARQUES; SAZIMA, 2004;
PONTES; ROCHA 2008).
É um colubrídeo que caça sua presa de forma ativa em abrigos ou ninhos, tanto no
chão como em copas de árvores, e em períodos de repouso utiliza apenas o substrato arbóreo
(MARQUES, 1998). Em relação à presa, a dieta é bem variada, alimentam-se de ovos, aves,
roedores e morcegos (MARTINS; OLIVEIRA, 1998; BOOS, 2001), sendo as presas
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A Spilotes pullatus é uma serpente que pelo grande porte, beleza e peculiaridades,
desperta atenção de muitos admiradores de répteis, possui ampla distribuição geográfica, e
ainda assim, não se tem dado muita atenção a todo o processo reprodutivo dessa espécie.
O conhecimento das estratégias reprodutivas de uma espécie é o passo inicial para o
melhoramento genético que está intimamente ligado a economia, tanto de espécies de
importância pecuária como de animais de companhia, sejam esses domésticos ou exóticos. O
conhecimento da fisiologia reprodutiva é ainda, a informação básica para a preservação de
uma espécie de baixa densidade populacional bem como para o controle populacional de
espécies de alta densidade, tanto em seu habitat como em populações de cativeiros, seja em
zoológicos, criadouros conservacionistas ou comerciais.
A caninana por ser uma serpente de grande porte e possuir colorações vivas, com um
fascinante contraste entre as cores amarela e preta, é comumente encontrada como animal de
estimação. A maioria dos répteis que abastecem esse comércio são de duas origens: o tráfico
de animais silvestres e de criatórios sem nenhum acompanhamento e conhecimento
reprodutivo, visto que é virtualmente desconhecido o ciclo reprodutivo dessa espécie.
O conhecimento e a caracterização da biologia reprodutiva dessa espécie, com análises
histológicas e morfológicas do sistema reprodutor de machos e fêmeas, em diferentes épocas
do ano, junto com dados de literatura, e dados de animais mantidos em cativeiro, permitiram a
compreensão do ciclo reprodutivo anual, e comportamentos reprodutivos de machos e fêmeas
de caninanas, alcançando o objetivo de elucidar os principais eventos reprodutivos da espécie
Spilotes pullatus.
31
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 MACHOS
O sistema reprodutor masculino dos Squamata é formado por um par de testículos, que
estão alojados na cavidade celomática, o direito encontra-se cranial ao esquerdo dentro da
cavidade. Cada testículo é formado por túbulos seminíferos, células intersticiais e vasos
sanguíneos, que estão envoltos por uma bainha de tecido conjuntivo (DeNARDO, 2006). Os
túbulos seminíferos se ligam a rede testis, que transporta os espermatozóides para os ductos
eferentes, que por sua vez, se liga ao epidídimo, este, dá vazão para o ducto deferente, que por
fim, se conecta com a cloaca (TRAUTH; SEVER, 2011). As serpentes possuem um par de
órgãos copulatório chamados de hemipênis. Esses órgãos são bolsas membranosas, tubulares,
que se localizam na base da cauda e se comunicam com cloaca (DOWLING; SAVAGE,
1960).
Em serpentes, o período do ciclo reprodutivo masculino é normalmente refletido pelo
aumento do tamanho testicular, devido à atividade espermatogênica na fase ativa dos
testículos (SCHUETT et al., 2002; KROHMER et al., 2004). Poucos estudos, com espécies de
serpentes tropicais, têm avaliado o ciclo reprodutivo masculino por meio de estudos
histológicos, e para um conhecimento adequado do ciclo dos machos, é necessária uma série
de investigações do sistema urogenital, com análise histológica dos testículos sendo
primordial (MATHIES, 2011).
Durante a estação de acasalamento observa-se nos rins a hipertrofia do segmento
sexual renal (SSR) (ALDRIDGE et al., 2009), uma porção especializada do néfron, localizada
na região terminal ou pré-terminal (túbulo contorcido distal) e presente em todos os machos
de Squamata (FOX, 1977) (Figura 5). Embora essa estrutura esteja presente nos machos, ela
já foi encontrada desenvolvida em fêmeas, em pelo menos uma espécie (ScIncella laterale)
(SEVER; HOPKINS, 2005). Sabe-se que essa porção do néfron é andrógeno dependente com
desenvolvimento ontogenético (KROHMER et al., 2004) e com hipertrofia sazonal (FOX,
1977). Apesar da presença dessa estrutura nos rins de todos os Squamata, a função do
segmento sexual renal permanece ainda desconhecida (ALDRIDGE et al., 2011).
33
Os ductos deferentes dos Squamata é o local onde ocorre a estocagem de esperma nos
machos (SHINE, 1977a; SAINT-GIRONS, 1982; CLESSON et al., 2002; ALMEIDA-
SANTOS et al., 2004), e em viperídeos, tem se demonstrado também, uma atividade secretora
do ducto deferente (SIEGEL et al., 2009). Uma pesquisa recente sugere que também ocorra
uma atividade secretora por parte dos ductos dos colubrídeos (TRAUTH; SEVER, 2011).
Outros estudos, realizados com o sêmen coletado dos ductos deferentes, revelam a existência
de atividade de peptidases com variações sazonais, sugerindo que as ações modulatórias
dessas peptidases, nos peptídeos susceptíveis, são integradas aos eventos do ciclo reprodutivo
do macho, e também na viabilidade dos espermatozóides (MARINHO et al., 2008;
MARINHO et al., 2009). O ducto deferente é uma estrutura com funções bem além do
transporte de espermatozóides e, no entanto, é um componente do sistema reprodutor
masculino pouco avaliado histologicamente em pesquisas de biologia reprodutiva.
Em algumas espécies de serpentes, os machos, além de apresentarem mudanças
histológicas durante a época reprodutiva, apresentam também peculiaridades
34
Figura 6 - Corte e cópula de colubrídeo. Macho em monta dorsal tateando o dorso da fêmea
com a parte ventral do queixo e com a cloaca junto à da fêmea
2.2 FÊMEAS
(GIRLING, 2002). A terminologia utilizada é ampla, e basicamente essas regiões podem ser
denominadas de: infundíbulo, tuba, istmo, útero e vagina ou bolsa (URIBE et al., 1998;
GIRLING, 2002; SIEGEL et al., 2011a; b). O útero pode ainda ser dividido em duas porções,
a porção glandular, onde estão presentes as glândulas endometriais, e a porção aglandular,
região caudal do oviduto, onde não se encontram glândulas. A tuba pode ser caracterizada
como infundíbulo (SIEGEL et al., 2011a).
Os ovidutos funcionam como um canal para os ovos, entre a ovulação e a ovipostura, é
o local onde ocorre a fecundação, formação da casca dos ovos, e em algumas espécies, local
de estocagem de esperma (GIRLING, 2002). A região do oviduto médio (útero glandular) é a
responsável pela formação da casca do ovo, que é formada, em parte, por fibras protéicas
secretadas por essas glândulas (PALMER et al., 1993). Essas glândulas se desenvolvem
durante o período de crescimento folicular e vitelogênese, antes da ovulação (GIRLING,
2002).
O ciclo reprodutivo das fêmeas é composto de vários eventos que muitas das vezes
ocorrem em períodos distintos. Os principais eventos são a vitelogênese, o estro, a ovulação e
a oviposição.
A vitelogênese é o nome que se dá à transformação dos oócitos em folículos, nos
répteis. A vitelogênese pode ser classificada, de acordo com a fase, em primária, a fase de
quiescência folicular, onde o crescimento dos folículos é lento, ou em secundária, onde há um
rápido desenvolvimento folicular, devido ao depósito de vitelo nos folículos (ALDRIDGE,
1979). Em algumas espécies a cópula parece ser um estímulo para que a vitelogênese se
inicie, os folículos primários comecem a receber o vitelo para se transformarem em
secundário (BLANCHARD; BLANCHARD, 1941; BONA-GALLO; LICHT, 1983). Esse
vitelo depositado nos folículos durante a vitelogênese é o que garante o desenvolvimento do
embrião, e esse depósito de vitelo (vitelogênese secundária) pode ocorrer em apenas um
período restrito do ano ou ao longo de todo o ano (PIZZATTO et al., 2007).
A maioria, senão todos os colubrídeos de regiões temperadas produzem apenas uma
ninhada por ano e alguns podem ter um intervalo de um ano, ou até mais, entre os ciclos
reprodutivos (ALDRIDGE et al., 2009). A vitelogênese na maioria das serpentes da mata
atlântica, da região sudeste do Brasil, é restrita a estação das chuvas. Na região sudeste do
Brasil existe espécies com ocorrência de reprodução sazonal assim como serpentes com
reprodução contínua (MARQUES, 1998).
A fecundidade das serpentes é analisada através da massa, comprimento ou idade das
fêmeas, relacionando o tamanho da ninhada, o tamanho dos filhotes, ou massa relativa da
36
ninhada (SEIGEL; FORD, 1987). A fecundidade de uma espécie pode ser avaliada por meio
de estudos de campo, observações em cativeiro, ou por dissecações das fêmeas preservadas
em coleções científicas (PIZZATTO et al., 2007). A fecundidade pode variar de acordo com
os hábitos e modos reprodutivos das espécies. Em espécies arborícolas a fecundidade parece
ser menor do que em espécies terrestres, e a fecundidade em espécies vivíparas parece ser
maior do que a de espécies ovíparas (MARQUES, 1998).
2.3 CÓPULA
Atividades como combate, corte, cópula e outras atividades (e. g., a caça), em algumas
espécies, são mais freqüentes em determinados meses. Segundo Marques et al. (2001) a
37
atividade das serpentes no decorrer do dia é o principal fator que provoca diferença na
abundância de coleta desses animais ao longo do ano (MARQUES et al., 2001).
O padrão de atividade de serpentes que habitam áreas temperadas é intimamente
influenciado pelas variações climáticas, sendo a temperatura o principal fator (GREGORY,
1984). Em regiões tropicais a temperatura tem uma ligação menor com a atividade das
serpentes quando comparadas às serpentes de áreas temperadas. Nesses animais de regiões
tropicais a umidade, que é concentrada em certos períodos do ano, juntamente com a
disponibilidade de alimentos e a época de reprodução, influencia a atividade desses répteis
(MARQUES et al., 2001).
É comum picos de atividade no final da estação úmida e início da estação seca em
serpentes do cerrado, esse pico pode estar relacionado à época em que ocorre o acasalamento
(OLIVEIRA, 2001). A reprodução em Sibynomorphus mikanii e S. neuwiedii é o fator
principal que influencia o pico de atividade das serpentes dessas espécies (ROJAS, 2009).
A caninana possui padrões de atividade menores nos períodos de poucas chuvas e
menor temperatura, sendo mais frequentemente avistada na estação das chuvas (MARQUES
et al., 2001).
A reprodução dos répteis em geral é influenciada tanto por fatores endógenos como
por fatores exógenos (FITCH, 1982). As espécies de serpentes neotropicais possuem uma
enorme variedade de estratégias reprodutivas (SEIGEL; FORD, 1987). Para facilitar o
entendimento do ciclo das diferentes espécies, tem se proposto classificar as espécies de
acordo com o ciclo reprodutivo. Varias classificações são sugeridas (VOLSØE, 1944;
CREWS, 1984; CREWS, 1999; TSAI; TU, 2000). Em uma classificação mais recente, a
gametogênese do indivíduo pode ser classificada quanto ao período de ocorrência, em: cíclica
descontínua, onde existe um período de quiescência reprodutiva, das gônadas ou órgãos
acessórios, durante o ano; cíclica contínua, não existe um período de quiescência reprodutiva,
apenas uma redução da atividade reprodutiva, das gônadas ou órgãos acessórios, em um
determinado período do ano, ou; acíclica, onde a atividade reprodutiva das gônadas e órgãos
reprodutivos é contínua ao longo de todo o ano. De acordo com a ciclicidade da
gametogênese dos indivíduos, a população pode ser classificada em: sazonal, quando a
38
3 MATERIAIS E MÉTODOS
auxílio de barbante, o que facilita a medida de animais fixados que tenham grande
comprimento rostro-cloacal. Essas medidas são importantes para identificar se há dimorfismo
sexual no tamanho dos animais e comprimento da cauda, sendo o CRC também um dado
importante para eliminar o crescimento alométrico dos órgãos envolvidos na reprodução.
Após as mensurações exteriores, com uma tesoura cirúrgica foi realizada uma incisão
contínua no plano mediano, na região ventral dos animais, para coleta de dados do sistema
reprodutor e órgãos relacionados à reprodução. A incisão iniciou-se na antepenúltima escama
ventral, com o objetivo de preservar a escama cloacal, e seguiu-se cranialmente até a altura
das gônadas. Nesse intervalo de espaço, os órgãos foram desprendidos do peritônio e
exteriorizados da cavidade pleuroperitoneal para facilitar as mensurações.
Todas as medidas foram aferidas com um paquímetro digital Digimess com precisão
de 0,01 milímetro. As fotografias foram obtidas com uma câmera fotográfica Canon EOS
Rebel XS. As fotografias foram editadas com o auxilio do programa de edição de imagens
CorelDraw Graphics Suite X5.
Legenda: Vista ventral. Intestino Legenda: Vista ventral. Intestino Legenda: Vista ventral. Intestino
(in); testículo (te) e; tecido adiposo (in); testículo (te) e; tecido adiposo (in); testículo (te) e; tecido adiposo
(ta). Foto: Diego Muniz, 2012 (ta). Foto: Diego Muniz, 2012 (ta). Foto: Diego Muniz, 2012
43
Os dados de volume dos testículos foram utilizados para analisar a possível hipertrofia
sazonal da gônada.
2) Largura da região distal ocupada pelo ducto deferente (Figura 11). Esse dado permitiu
analisar se há variação na largura dos ductos ao longo do ano, indicando a época de
estocagem de espermatozóides. A relação dessa medida com a maturidade e
imaturidade dos machos também foi analisada.
caudal cranial
3) Comprimento total dos rins (Figura 12) e largura da região cranial desses órgãos
(Figura 13). Medidas que permitiram analisar o órgão quanto a variações de tamanho
ao longo das estações. Variações relacionadas à hipertrofia do segmento sexual renal
durante o ciclo reprodutivo (FOX, 1977).
Figura 12 - Comprimento total do rim de Spilotes Figura 13 - Largura da região cranial do rim de
Spilotes
caudal cranial
caudal cranial
Legenda: Vista dorsal. Rim direito (rmd) e; rim Legenda: Vista dorsal. Rim direito (rmd) e; rim
esquerdo (rme). Foto: Diego Muniz, 2011 esquerdo (rme). Foto: Diego Muniz, 2011
44
As medidas utilizadas para as análises foram referentes aos tecidos e órgãos do lado direito do
animal, embora tomadas medidas de ambos os lados a fim de comparação, minimizando o
possível erro de mensuração.
caudal cranial
Figura 15 - Fêmea de Spilotes com a musculatura Figura 16 - Fêmea de Spilotes com a musculatura
uterina distendida, “pós-postura” uterina relaxada
blsd
Legenda: Vista ventral. Intestino (in); útero (ut); Legenda: Vista ventral. Intestino (in); útero (ut) e;
rim (rm) e; bolsa direita (blsd). Diego Muniz, bolsa direita (blsd); bolsa esquerda (blse). Diego
2011 Muniz, 2011
4) Comprimento total dos rins e largura da região cranial dos mesmos. Dado utilizado
para comparação com as medidas dos machos. Assim como nos machos, utilizaram-se
apenas os dados dos órgãos direitos.
Como nomenclatura anatômica, utilizou a divisão do oviduto em: infundíbulo, tuba,
útero (porção glandular e porção aglandular) e bolsa, de acordo com Uribe et al. (1998);
Girling (2002) e; Siegel et al. (2011a;b).
folículos ovarianos. Além desses tecidos, também foi coletado tecido do rim, em sua porção
mais cranial, para que se possa comparar com o observado nos machos.
Figura 20 - Região caudal do oviduto de Spilotes Figura 21 - Região cranial do oviduto de Spilotes
coletada para análise histológica coletada para análise histológica
Legenda: Vista ventral. Intestino (in); útero Legenda: Vista ventral. Folículo primário (f¹);
aglandular (uta); bolsa direita (blsd); bolsa infundíbulo (if); intestino (in); tecido adiposo (ta);
esquerda (blse) e; área dos círculos mostrando as útero glandular (utg); tuba (tb) e; área dos
regiões coletadas para análise histológica. Foto: círculos mostrando as regiões coletadas para
Diego Muniz, 2011 análise histológica. Foto: Diego Muniz, 2011
Os tecidos foram desidratados em uma solução crescente de etanol: 70% por uma
hora; 80% por uma hora; 90% por uma hora; 100% por uma hora; 100% por mais uma hora; e
finalizando com 100% novamente por uma hora. Em seguida as amostras foram diafanizadas
com xilol por uma hora, após esse tempo o xilol era trocado e o processo continuava por mais
uma hora. A inclusão foi realizada com parafina por uma hora, em seguida trocava-se a
parafina e as peças foram então mantidas overnight. Para finalizar o processo, a parafina era
novamente trocada e os tecidos mantidos nesta por mais uma hora antes de serem emblocados
em parafina. Os blocos foram trimados e obtiveram-se cortes transversais de quatro a cinco
micrômetros de espessura para confecção das lâminas. Os cortes foram corados pelo método
de coloração básica, hematoxilina-eosina (H/E) (JUNQUEIRA et al., 1979) para análise
morfológica dos tecidos; observação do ciclo espermatogênico nos túbulos seminíferos, nas
lâminas de testículo; para discernir a presença de espermatozóides nos ductos deferentes, em
lâminas dos ductos; e para identificar a presença do seguimento sexual renal nas lâminas de
rins. Nas lâminas de tecido do sistema reprodutor feminino foi analisada a presença de
glândulas e espermatozóides.
48
3. Diâmetro do túbulo contorcido distal, na porção do segmento sexual renal (Figura 23)
e;
4. Altura do epitélio da região do segmento sexual renal (Figura 23).
49
Fêmeas foram consideradas maduras quando apresentavam ovos nos ovidutos e/ou;
folículos secundários e/ou corpo albicans nos ovários e/ou; oviduto flácido (“pos-postura”)
e/ou; presença de espermatozóides no oviduto e/ou na bolsa (vagina). O tamanho mínimo de
folículos em vitelogênese secundária observado foi de 10 mm (cf. SHINE, 1978), esse
tamanho foi estabelecido a partir da análise da distribuição por mês dos tamanhos do eixo
maior do maior folículo de cada fêmea. O comprimento com o qual as fêmeas atingem a
maturidade sexual foi estimado a partir do CRC da menor fêmeas madura.
Foi determinante para a condição de macho sexualmente maduro, a presença de
espermátides e/ou espermatozóides nos testículos e/ou presença de espermatozóides nos
ductos deferentes. O comprimento com o qual os machos atingem a maturidade sexual foi
estimado a partir da análise do CRC do menor macho em primeiro ciclo espermatogênico.
3.5 FECUNDIDADE
A fecundidade foi estimada com base no número de ovos nos ovidutos ou número de
folículos pré-ovulatórios nos ovários.
3.6 ESTAÇÕES
de 80% do total anual de chuvas. E a estação da seca nos meses entre abril a setembro, nesse
período o trimestre mais seco ocorre nos meses de junho-julho-agosto (ALVES et al., 2002).
Para a descrição anatômica dos hemipênes foram utilizados quatro órgãos copulatórios
de animais fixados. O método utilizado para inverter os hemipênes seguiu Hussam (1999).
Um dos hemipênes foi retirado da base da cauda através de uma incisão ventral no plano
mediano. O órgão foi submerso em uma solução de KOH a 3% até apresentar-se clareado e
flexível (aproximadamente quatro dias). O órgão então foi invertido manualmente utilizando-
se um par de pinças. Depois de invertido o órgão foi preenchido com uma solução de agar-
agar.
A terminologia utilizada foi proposta por Dowling e Savage (1960) e Keogh (1999).
Antes das análises estatísticas todas as amostras foram testadas quanto à distribuição
dos dados pelos testes de normalidade Kolmogorov-Smirnov, Lilliefors, e Shapiro-Wilk. Para
verificar a homogeneidade entre as variâncias os dados foram submetidos ao teste de Levene.
As amostras que apresentaram normalidade nos três testes e homogeneidade entre as
variâncias foram então analisadas estatisticamente.
O nível de significância para todos os testes foi fixado em α igual a cinco por cento
(0,05).
As análises estatísticas foram feitas com auxilio dos softwares Statistica 8
(STATSOFT, 2009) e BioEstat 5.0 (AYRES et al., 2007). Os gráficos foram elaborados nos
softwares Microsoft Office Excel 2007 e Statistica 8 (STATSOFT, 2009) e editados no
CorelDraw Graphics Suite X5.
53
Todos os dados referentes aos órgãos e tecidos das serpentes foram submetidos a teste
de Correlação de Pearson com os dados de CRC, a fim de identificar correlação das medidas
desses órgãos e tecidos com o tamanho do animal.
Os dados macroscópicos: valores de volume testicular, largura da região distal do
ducto deferente, comprimento do rim e largura da região cranial do rim (em ambos os sexos),
apresentaram correlação com o CRC (p < 0,05). Já dos dados microscópicos apenas os valores
de diâmetro da região do segmento sexual renal e altura do epitélio do segmento sexual renal
apresentaram correlação com o CRC (p < 0,05).
Com base nesses resultados, essas amostras foram testadas estatisticamente por
análises de covariância (ANCOVA), tendo como covariável o CRC. Os gráficos para essas
54
amostras foram elaborados a partir dos resíduos da regressão linear entre cada uma das
variáveis e o CRC, com isso evitou-se o efeito do tamanho do corpo na análise de variação
dessas medidas ao longo das estações.
A amostra de volume testicular apresentou-se normal no teste Kolmogorov-Smirnov
(p > 20), porém, anormal nos testes Lilliefors (p < 0,5) e Shapiro-Wilk (W=0,79313; p=
0,00008). Essa mesma amostra mostrou variâncias não homogêneas no teste de Levene (F=
3,404395 e p= 0,033887). A amostra de comprimento do rim dos machos também mostrou
variâncias não homogêneas pelo teste de Levene (F= 3,761354; p= 0,023438). Por esse
motivo, nessas duas amostras foi feita a transformação dos dados utilizando-se a
transformação Box-cox.
As demais amostras, por não apresentarem correlação com o CRC, foram testadas por
análise de variância (ANOVA) um critério. Sendo submetidas a posteriori ao teste de post
hoc Tukey em casos de significância estatística.
Os dados referentes aos folículos e ovos das fêmeas não apresentam normalidade na
amostra em virtude da grande variação do tamanho dos folículos, por esse motivo para esses
dados utilizou-se o teste não paramétrico Kruskal-Wallis.
Os dados de fecundidade (relações entre CRC e número e comprimento de ovos)
foram analisados por meio de regressão linear simples com os dados brutos bem como
transformados através de Box-cox.
55
4 RESULTADOS
cranial caudal
caudal
Figura 29 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos de volume testicular de Spilotes
pullatus do sudeste brasileiro
Volume Testicular (Resíduo)
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior macho ( ); menor macho (00). Meses
entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro, estação da
seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da caixa (desvio
padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 27
59
Figura 30 - Distribuição ao longo dos anos dos valores de diâmetro do túbulo seminífero de Spilotes pullatus
do sudeste brasileiro
Diâmetro do Túbulo Seminífero (µm)
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior macho ( ); menor macho ( ). Meses
entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro, estação da
seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da caixa (desvio
padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 23
A largura da região distal ocupada pelo ducto deferente não possui uma variação
sazonal significativa (F= 1,436; p= 0,254). Tal evento indica a estocagem de espermatozóides
nos ductos deferentes durante todo o ano, o que foi comprovado nas análises histológicas dos
ductos deferentes (Figura 37).
Figura 37 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da largura da região caudal do
ducto deferente de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Largura da Região Distal do Ducto Deferente
(Resíduo)
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior macho (00); menor macho ( ).
Meses entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro,
estação da seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da
caixa (desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 31
64
Figura 38 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos do comprimento do rim
masculino de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Comprimento do Rim (Resíduo)
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior macho (00); menor macho (00).
Meses entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro,
estação da seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da
caixa (desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 28
65
Figura 39 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da largura cranial do rim de
Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior macho (00); menor macho (00).
Meses entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e
setembro, estação da seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e
inferior da caixa (desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e
mínimo). n= 29
Figura 40 - Néfron de Spilotes pullatus da região Figura 41 - Néfron de Spilotes pullatus da região
sudeste do Brasil durante o outono, com segmento sudeste do Brasil durante o verão, com segmento
sexual renal hipertrofiado sexual renal hipotrofiado
Legenda: Compare o diâmetro do SSR ao diâmetro Legenda: Compare o diâmetro do SSR ao diâmetro
do túbulo contorcido proximal. Corte transversal. do túbulo contorcido proximal. Corte transversal.
Segmento sexual renal (SSR) e; túbulo contorcido Segmento sexual renal (SSR) e; túbulo contorcido
proximal (tcp). Hematoxilina-eosina proximal (tcp). Hematoxilina-eosina
Figura 42 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos do diâmetro do segmento
sexual renal de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Diâmetro do Segmento Sexual Renal (Resíduo)
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior macho (00); menor macho (00). Meses
entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro, estação
da seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da caixa
(desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 22
67
Figura 43 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da espessura do epitélio do
segmento sexual renal de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Segmento Sexual Renal (Resíduo)
Espessura do Epitélio do
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior macho (00); menor macho (00). Meses
entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro, estação da
seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da caixa (desvio
padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 20
Quadro 1 - Relação entre CRC, aspecto do ducto deferente e situação sexual com base em analise
histológica de Spilotes pullatus machos
sptz
b) As bordas laterais são as regiões entre as duas faces. As duas bordas se unem no
ápice do hemipênis formando uma ponta no ápice do órgão (Figuras 52 e 53);
c) A base é a região mais proximal e está ligada ao corpo do animal. Ela possui a porção
proximal nua e a porção distal com espinhos grandes e densos. Esses espinhos estão
presentes em toda a face asulcada e nas bordas laterais (Figura 53), na face sulcada eles
estão ausentes próximo a borda do sulco espermático (plano mediano) (Figura 52);
Proximal Distal
Legenda: Vista ventral. Sulco espermático (sce); espinhos (esp); crista do sulco
(csc); cálice (clc); bulbo lateral (blt) e; bulbo apical (bap)
Proximal Distal
Legenda: Vista dorsal. Espinhos (esp); cálice (clc); bulbo lateral (blt) e; bulbo
apical (bap)
75
cranial caudal
cranial
caudal
Figura 56 - Distribuição do maior folículo ou ovo de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro ao longo dos anos
Eixo maior do maior folículo ou ovo (µm)
Figura 60 - Região caudal do oviduto, com aspecto distendido, de um exemplar de Spilotes pullatus
com folículos pré-ovulatórios nos ovários
caudal cranial
Figura 61 - Oviduto médio de Spilotes pullatus da Figura 62 - Oviduto médio de Spilotes pullatus da
região sudeste do Brasil, com glândulas região sudeste do Brasil, com glândulas
hipertrofiadas hipotrofiadas
Legenda: Corte transversal. Camada muscular Legenda: Corte transversal. Camada muscular
circular (cmc); camada muscular longitudinal circular (cmc); camada muscular longitudinal
(cml); epitélio (ep); glândulas (gld) e; lúmen (L). (cml); epitélio (ep); glândulas (gld); vaso
Hematoxilina-eosina sanguineo (vs) e; lúmen (L). Hematoxilina-eosina
Legenda: Caixas representam os animais agrupados por fase vitelogênica; linha superior e inferior da
caixa (desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valores máximos e mínimos). n= 9
81
Legenda: Corte transversal. Ducto da glândula (dct); glândula submucosa (gsb) e; lúmen (L). Hematoxilina-eosina
Legenda: Corte transversal. Cílio (cil); ducto (dct) e; lúmen (L). Hematoxilina-eosina
82
Assim como nos machos, não foram observadas mudanças macroscópicas em relação
ao tamanho dos rins de Spilotes pullatus. As medidas de comprimento renal (F= 0,072; p=
0,973) e largura da região cranial do rim (F= 1,300; p= 0,327) mantêm-se durante todas as
estações (Figuras 66 e 67 respectivamente).
Figura 66 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos do comprimento do rim feminino
de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Comprimento do Rim (Resíduo)
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior fêmea (00); menor fêmea (00). Meses
entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro, estação da
seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da caixa (desvio
padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 15
83
Figura 67 - Distribuição ao longo dos anos dos valores dos resíduos da largura cranial do rim
feminino de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Largura Cranial do Rim (Resíduo)
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior fêmea (00); menor fêmea (00).
Meses entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e
setembro, estação da seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior
e inferior da caixa (desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e
mínimo). n= 15
Análises histológicas dos rins das fêmeas mostram que não há diferença significativa
no diâmetro do túbulo contorcido distal (região do néfron onde se encontra o segmento sexual
nos machos) de Spilotes ao longo das estações (F= 2,339; p= 0,124) (Figura 68). A espessura
do epitélio do túbulo contorcido distal também não apresentou diferença significativa entre as
estações (F= 2,936; p= 0,0764) (Figura 69).
84
Figura 68 - Distribuição ao longo dos anos dos valores do diâmetro do túbulo contorcido distal de
fêmeas de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior fêmea (00); menor fêmea (00).
Meses entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro,
estação da seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da
caixa (desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 16
Figura 69 - Distribuição ao longo dos anos dos valores da espessura do epitélio do túbulo contorcido
distal de fêmeas de Spilotes pullatus do sudeste brasileiro
Túbulo Contorcido Distal (µm)
Espessura do Epitélio do
Legenda: Pontos representam o valor de cada indivíduo. Maior fêmea (00); menor fêmea (00).
Meses entre outubro e março compreendem a estação das chuvas e os meses entre abril e setembro,
estação da seca. Caixas representam os animais agrupados por estação. Linha superior e inferior da
caixa (desvio padrão); linha central da caixa (média) e; hastes (valore máximo e mínimo). n= 16
85
A menor fêmea madura encontra-se em estado avançado do ciclo (com folículos pré-
ovulatório nos ovários ou ovos nos ovidutos) apresenta 1.280mm de CRC e possui cinco ovos
no oviduto. De todas as fêmeas com ovos no oviduto ou folículo em estado avançado de
depósito de vitelo, esta menor fêmea é a que apresenta o maior ovo, mas uma menor
quantidade de ovos nos ovidutos. (Tabela 1 e Figura 56).
Tabela 1 - Tamanho do eixo maior do maior folículo secundário/ovo de fêmeas Spilotes pullatus em
estado avançado do ciclo
CRC (mm) Maior Folículo Maior ovo (mm) Número de ovos
Secundário (mm) ou folículo pré-
ovulatório
1280 - 59,23 5
1290 45,47 - 6
1340 22,95 - 9
1360 32,92 - 8
1395 47,18 8
1430 42,94 - 10
1460 47,48 - 9
1480 - 44,69 11
1470 - 58,00 10
1520 36,55 - 9
1520 36,91 - 8
1540 42,42 - 9
1550 42,63 - 5*
1565 48,74 - 10
- não observado
* apenas de um ovário, o outro havia sido removido
86
4.19 FECUNDIDADE
CRC ♀ (mm)
Legenda: Folículo secundário ( ); ovo ( ) e linha representa a tendência. n= 13
O tamanho dos ovos (comprimento do eixo maior) não apresenta relação significativa
com o CRC das fêmeas quando analisados os dados brutos (F=0,004; p= 0,947 e; n=14) bem
como quando os dados são transformados através de Box-cox (F= 0,035; p= 0,853 e; n= 14)
(Figura 71).
Figura 71 - Relação entre comprimento rostro-cloacal da fêmea e comprimento
de ovos ou folículos pré-ovulatórios em Spilotes pullatus
Comprimento do ovo ou
Folículo pré-ovulatório
CRC ♀ (mm)
Figura 72 - Folículo
cranial caudal secundário de Spilotes
pullatus apresentando
um formato esferóide
Legenda: Folículo
primário (f¹) e;
folículo secundário
(f²). Foto: Diego
Muniz, 2012
Figura 73 - Ovos de
Spilotes pullatus com
formato esferóide
cranial
caudal
Figura 75 - Disposição dos folículos pré-ovulatórios de Spilotes pullatus distribuídos em linha com leve
inclinação em relação ao plano horizontal do animal dentro da cavidade celomática
Legenda: Corte sagital mediano, vista lateral esquerda. Desenho: Diego Muniz, 2012
Em Spilotes a bolsa é bem demarcada por ter um diâmetro maior do que o oviduto. A
bolsa direita é maior e cranial a bolsa esquerda (Figuras 76, 77, 78 e 79). Cada bolsa encontra-
se laterodorsal ao intestino e apresenta dois lobos, um dorsal e um ventral. Esses lobos são
bem demarcados por estarem separados por um sulco mediano. Esse sulco se origina devido à
dobra formada pela posição dos dois lobos da bolsa envolvendo o intestino (sequência das
Figuras 76, 77 e 78). A bolsa se fusiona a contralateral no plano mediano, dorsal ao intestino
(Figuras 77, 78 e 79).
89
Foram observadas algumas interações sociais entre indivíduos de Spilotes pullatus que
são descritas a seguir.
Em Spilotes pullatus foi observado ritual de combate entre machos durante o período
da primavera e tais interações duram em média uma hora (Quadro 2).
Em um dos casos, foi observado combate entre dois machos nas margens de um rio.
Os machos se entrelaçavam tentando manter a porção cranial do corpo ereta sempre acima do
oponente, em dados momentos, percebia-se a utilização da porção final da cauda na tentativa
de imobilizar o oponente, em algumas ocasiões era possível observar o hemipênis exposto, de
um dos indivíduos, na tentativa de segurar o adversário que sempre tentava fuga. O combate
ocorreu no substrato arbóreo e em parte no terrestre. Durante o combate os colubrídeos
chegaram a cair do galho da árvore dentro do rio (Figura 80).
Figura 80 - Ritual de combate entre dois Spilotes pullatus machos na copa de uma árvore
durante a primavera
Desenho: Diego Muniz, 2011. Elaborado a partir do vídeo gravado por José Milton Longo
na margem do rio Sucuriú, Costa Rica, MT
92
Quadro 3 - Período de cópula de Spilotes pullatus estimada a partir de analise de fêmeas dissecadas
Estação Sptz na Bolsa¹ Sptz na porção caudal do Sêmen na
Data oviduto¹ cloaca²
Inverno X X -
23/07/1987
Inverno X X -
24/08/2006
Inverno - - X
27/08/2006
Inverno X X -
05/09/2005
Inverno ○ ○ -
Setembro
Primavera ○ ○ -
Novenbro
¹ analisado histológicamente;
² analisado macroscópicamente;
x observado;
○ Não observado
- não analisado
95
cranial caudal
Figura 84 - Sêmen de Spilotes pullatus e esfregaço do sêmen encontrado na cloaca de uma fêmea da espécie
que apresentava folículos pré-ovulatórios nos ovários
Quadro 4 - Estação de postura, incubação e eclosão dos ovos de Spilotes pullatus capturadas prenhes na
região sudeste do Brasil
Ovipostura Número Incubação Eclosão Fonte
(Estação - Mês) de ovos (dias) (Estação - Mês)
Quadro 5 - Estação de cópula, postura e incubação dos ovos ex situ de Spilotes pullatus
Cópula Duração Ovipostura Númer Incubaçã Eclosão Fonte
(Estação – da (Estação - o de o (dias) (Estação -
data) Cópula Mês) ovos Mês)
Inverno4 e
primavera4 Primavera4 Verão John
5/03/2011 α - 20/04/2011α 7α 78 α Julho α Andermann,
20/04/2011 β - 8/06/2011β 8β 82 β Agosto β com pess.
¹ Animal mantido junto com um macho e mais uma fêmea durante todo o ano;
² Fêmea capturada em São Paulo e mantida em cativeiro sozinha por 20 dias. Um macho capturado no
Espírito Santo foi alocado junto com ela e 8 dias após ocorreu a cópula;
³ Fêmea mantida em cativeiro com o macho em menos de um mês;
4
Estação boreal;
α Primeira observação;
β Segunda observação do mesmo animal;
* 75 dias depois da postura um ovo foi descartado por se encontrar atrésico;
** 73 dias depois da postura dois ovos foram descartados por estarem atrésicos
98
Porcentagem de Animais
Durante o verão é possível encontrar mais de 60% das fêmeas portando algum
conteúdo alimentar no estômago ou intestino, porcentagem essa maior do que a dos machos
(compare as Figuras 95 e 96).
5 DISCUSSÃO
Para se avaliar o ciclo reprodutivo de uma espécie é preciso saber quais indivíduos
estão sexualmente maduros. Para isso é essencial que a amostra não seja constituída de
indivíduos imaturos que inviabilizariam a descrição da gametogênese. O menor macho de
Spilotes pullatus analisado apresentava 1.150mm de comprimento rostro-cloacal (CRC), e
estava em seu primeiro ciclo espermatogênico. Não foi analisado nenhum macho menor na
amostra, portanto é possível que exista machos que entrem em seu primeiro ciclo
espermatogênico com o CRC um pouco menor do que o que foi analisado. A menor fêmea
avaliada possui 1.280mm de CRC, e a exemplo dos machos também se encontrava madura, e
em fase final do ciclo reprodutivo, já apresentando ovos nos ovidutos. Como essa fêmea
encontra-se em fase final do ciclo, é bem provável que ela tenha atingido a maturidade sexual
com um CRC um pouco menor. Portanto, caninanas de ambos os sexos parece atingirem a
maturidade sexual por volta dos 1.000mm de comprimento rostro-cloacal. No entanto, a
maturidade sexual determinada através do comprimento do animal não parece ser muito
fidedigna em caninanas. Alguns machos de Spilotes possuem um comprimento rostro-cloacal
consideravelmente grande (e. g. 1.500mm) e ainda assim podem estar imaturos, o que
demonstra a importância de análises histológicas para se caracterizar o indivíduo como
maduro ou imaturo.
Os machos maduros de Squamata apresentam um aumento do comprimento e massa
dos testículos durante a fase ativa das gônadas devido a grande atividade espermatogênica
nesse período (SCHUETT et al., 2002; KROMER, et al., 2004). Os machos de Spilotes
pullatus que habitam a região sudeste do Brasil apresentam um aumento do volume desses
órgãos durante o verão, principalmente no final da estação. A atividade de divisão celular
iniciada no verão faz com que ao final dessa estação o epitélio germinativo encontre-se com
grande número de células. Esse evento reflete no volume testicular, que durante esse período
encontra-se maior. No final do verão e durante o outono começa a espermiogênese e esse
fenômeno leva ao aumento da espessura do epitélio seminífero, uma vez que varias linhagens
de células germinativas compõem o epitélio nessa fase. No inverno o epitélio seminífero
finaliza o ciclo, os últimos espermatozóides são formados e então cessa a produção de
gametas. Os testículos permanecem inativos até o final da primavera. Quando se inicia outro
verão, já é possível observar a multiplicação de espermatogônias novamente, iniciando um
novo ciclo. Este tipo de produção de gameta onde o individuo possui um período do ano de
106
quiescência reprodutiva é classificado, de acordo com Mathies (2011), como sendo cíclica
descontínua. De acordo com o mesmo trabalho, quando existe uma sincronia do ciclo da
população, ou seja, o período de produção de gametas e de quiescência reprodutiva de todos
os indivíduos da população ocorrendo no mesmo período, a reprodução da população pode ser
classificada como sazonal. Em se tratando de machos de Spilotes, existe uma sincronia da
população em relação à atividade testicular, que ocorre no verão e outono, e uma sincronia no
período de quiescência reprodutiva, compreendendo o inverno e a primavera. O que classifica
a reprodução desse colubrídeo como sendo, além de cíclica descontínua, sazonal.
Há um tipo de anomalia testícular que não é incomum encontrar em alguns espécimes
de Spilotes. Alguns machos possuem um dos testículos com um pequeno lobo, esse lobo
compartilha da mesma túnica albugínea do testículo, e por isso se trata de um testículo
lobulado. Outra anomalia parecida e um pouco mais incomum é existência de uma massa
testicular próximo ao testículo, mas sem ligação direta com o órgão, essa massa testicular
possui sua própria túnica albugínea, portanto sugere-se que não seja um lobo do órgão, e sim
uma estrutura individual. Essa massa testicular, bem como o lobo, é formada de tecido
testicular funcional, apresentam o ciclo de produção de gametas exatamente igual ao ciclo
testicular do indivíduo. É comum observar também nos rins de machos uma massa de tecido
sem ligação direta com o órgão. Fox (1965) descreve os dois testículos de duas espécies de
Leptotyphlops e Typhlops, como sendo normalmente lobulados em todos os espécimes, sendo
encontrado de quatro a seis lobos, e até possuindo lobos com espaçamento entre eles. Ele
considerou os testículos lobulados mesmo quando essa massa continha sua própria túnica
albugínea, pois, segundo ele, como eles dividem um único epidídimo isso os torna um único
órgão. Werner e Drook (1967) observaram o mesmo fenômeno também em Leptotyphlops,
mas consideraram o testículo como tendo varias partes ou vários corpos e não como lobulado.
Nenhum dos autores cita a presença desse fenômeno em tecido renal.
Embora a produção de gametas em caninanas ocorra apenas em um determinado
período do ano, como foi discutido, é possível encontrar espermatozóides nos ductos
deferentes das Spilotes ao longo de todo o ano. Os espermatozóides liberados no lúmen dos
túbulos seminíferos, durante a estação de espermatogênese, são encaminhados para o
epidídimo através dos túbulos eferentes e seguem para o ducto deferente onde permanecem
estocados. O processo de estocagem de esperma é mais estudado em fêmeas (FOX, 1956;
SCHUETT, 1992), mas sabe-se que também ocorre em machos (SHINE, 1977a; SAINT-
GIRONS, 1982; CLESSON et al., 2002; ALMEIDA-SANTOS et al., 2004). Além da função
de estocagem de esperma, estudos recentes mostram atividade secretora do ducto deferente
107
longo do ano podem apresentar a estação de cópula prematura, ocorrendo no final do outono.
Isso pode estar relacionado à facilidade de alimentação e encontro do parceiro nessas
condições. Anderson (1965) relata um comportamento de corte em Nerodia sipedon fora da
época de acasalamento da espécie. Segundo Aldridge et al. (2009), pode-se observar
comportamentos de corte fora da estação normal de cópula e não necessariamente refletir um
período normal de acasalamento. Embora o observado ex situ em Spilotes pullatus tenha
ocorrido de fato cópula, e não apenas corte. Dessa forma, o inverno parece ser a estação de
cópula das Spilotes independentemente da região onde elas habitam. Caninanas mantidas em
cativeiro no hemisfério norte apresentaram a estação de acasalamento nos meses de março e
abril o que corresponde ao final do inverno e início de primavera boreal. A ovipostura ocorre
nos meses de abril e junho, primavera boreal. Embora os meses em que se observaram os
eventos reprodutivos não correspondam aos meses observados nos animais do hemisfério sul,
as estações em que os eventos ocorrem são as mesmas correspondentes as estações austrais. É
importante ressaltar que devido ao eixo de rotação da Terra ser inclinado, o hemisfério norte e
sul encontra-se em posições diferentes em relação ao Sol, o que faz com que as estações
sejam inversas nos hemisférios (MOURÃO, 1998). A inclinação no eixo de rotação terrestre
garante que, em determinadas épocas do ano, um dos hemisférios sempre recebe mais luz
solar durante o período de rotação de aproximadamente 24 horas, enquanto que no outro,
ocorre justamente o inverso (LANGHI; NARDI, 2007). As influências estacionais ambientais
provavelmente sejam os maiores fatores relacionados à estação de cópula das Spilotes. Por
esse motivo a cópula é observada durante o final do inverno, independente dos meses do ano,
seja inverno austral (hemisfério sul) ou boreal (hemisfério norte).
Em Thamnophis a exposição a baixas temperaturas e a períodos de escuridão é
essencial para o desenvolvimento da receptividade sexual (BONA-GALO; LICTH, 1983).
Embora o estudo com duração de quatro anos realizado por Whittier et al. (1987a), tenha
mostrado que no primeiro ano a temperatura e o fotoperíodo teve influência no acasalamento
dessa mesma espécie, já nos anos seguinte apenas a temperatura influenciou a cópula. Eles
concluíram assim como Aleksiuk e Gregory (1974), que a estação de acasalamento é
controlada apenas pela temperatura e não pelo fotoperíodo. Assim, mais estudos, envolvendo
a inter-relação entre ciclos reprodutivos e o fotoperíodo, poderiam ser realizados.
Durante a cópula em serpentes o macho insere o hemipênis na cloaca da fêmea.
Embora em algumas espécies a bolsa (vagina) tem formato compatível com a inserção do
hemipênis (LUDWING; RAHN, 1943; ALMEIDA-SANTOS, 2005), e tem sido proposto que
o órgão copulatório seja introduzido na bolsa durante a cópula (ALDRIDGE, 1992). O
110
mesmo não foi observado para Spilotes, o encaixe do hemipênis na bolsa da fêmea não parece
ser possível. A bolsa é marcadamente bilobada diferentemente dos hemipênes que são únicos
(simples), não parecendo ser compatíveis de encaixe. A morfologia do hemipênis dos machos
sugere que a introdução desse órgão ocorra apenas a nível cloacal. Uma vez que a cloaca da
fêmea é longa e seria possível abrigar perfeitamente a forma do hemipênis. Provavelmente o
sêmen é depositado na abertura de cada lobo da bolsa, e a função dessa estrutura seja a de
receber o grande volume de sêmen depositado pelo macho durante a cópula para então aos
poucos ser encaminhado a cada oviduto.
Outros trabalhos propõem que a inserção do hemipênis ocorra apenas a nível cloacal.
Pope (1941) descreve o hemipênis de Liophis como sendo único e tendo um perfeito encaixe
com a cloaca longa da fêmea. Blackburn (1998) sugere que, em Squamata, comumente o
hemipênis é restrito à cloaca.
A cópula em serpentes pode ter um período longo, durando até 28 horas
(HAMMERSON, 1978; ANTONIO, 1980). Em Spilotes pullatus dura em média três horas.
Esse longo período de cópula em serpentes parece estar envolvido com o mecanismo de
ereção do hemipênis, que em serpentes, foi recentemente explicado. O relaxamento do corpo
cavernoso do hemipênis, de serpentes, se dá pelo mesmo mecanismo observado em outros
vertebrados. Uma potente neurotoxina que bloqueia os potenciais de ação nos nervos é
envolvida no processo, a tetrodoxina. Essa neurotoxina liga-se aos poros dos canais de sódio,
existentes nas membranas das células nervosas, levando ao relaxamento do corpo cavernoso
(ver CAPEL et al., 2011). Dessa forma, a longa duração da cópula em serpentes, parece estar
envolvida com a descoberta da presença de um canal de sódio resistente a tetrodoxina, no
corpo cavernoso dos hemipênes desse taxon. Esse canal de sódio diferenciado, resistente a
tetrodoxina, pode ser responsável pela resposta lenta do músculo liso após a estimulação do
nervo, e parece explicar a duração longa da cópula em serpentes (para detalhes ver CAPEL,
et al., 2011).
Antes da cópula, em Spilotes, os machos cortejam as fêmeas. Em animais mantidos em
cativeiro observa-se que o cortejo começa ocorrendo seis dias antes de a cópula acontecer. Há
muito tempo tem se observado uma longa duração de corte e cópula em serpentes. Ruthven
(1912) observou o comportamento de corte de cinco machos em uma fêmea de Thamnophis
em cativeiro. Este autor registrou que a fêmea foi cortejada por todos os machos durante cinco
dias antes da cópula, que teve a duração de duas horas e quinze minutos. Fêmeas que são
atrativas e não receptivas aos machos tem sido observadas por outros autores (e.g.
WHITTIER; TOKARZ, 1992; ALDRIDGE et al., 2005). Esse período longo de corte
111
observado em Spilotes bem como em outras serpentes ex sito, onde se observa fêmeas
atrativas aos machos, mas não receptivas, provavelmente compreende o período de proestro
observados em espécies de mamíferos. O proestro é a fase que antecede o estro no ciclo estral
dos mamíferos, essa fase é caracterizada, assim como o estro, por altos níveis de estrogênio.
No entanto, diferente do estro, fase em que as fêmeas aceitam a cópula, durante o proestro as
fêmeas de mamíferos são atrativas para os machos, mas não são receptivas, e, não aceitam a
cópula (para detalhes ver HEAPE, 1900). A condição de cativeiro talvez facilite a observação
dessa fase de proestro em serpentes, uma vez que as fêmeas ex situ, mantidas juntamente com
os machos em uma área limitada durante todo o período, não tem como escaparem da corte
dos machos na nesta fase, já na natureza essas fêmeas em proestro, que estão atrativas, mas
não receptivas aos machos, são podem se esquivar da corte.
O comportamento reprodutivo em serpentes envolve a corte, cópula, e em algumas
espécies, combate entre os machos (CARPENTER, 1977). Das 2.700 espécies de serpentes
somente para 6% tem se registrado combate entre machos (SHUETT et al., 2001). Durante o
final da época de cópula (início da primavera) foi observado combate entre machos de
caninanas, e em dois dos três relatos havia uma fêmea por perto. O ritual de combate das
Spilotes parece consistir em atingir com a cabeça uma posição superior à cabeça do oponente,
mostrando ser maior e superior ao adversário, o que provavelmente impressionaria a fêmea.
Durante o ritual os machos se entrelaçam, realizando uma torção entre seus corpos. O
entrelaçamento dos corpos parece ser conseqüência da tentativa de alcançar o objetivo do
combate. É possível perceber que ao entrelaçar o concorrente o macho consegue segurar o
oponente e encurtar o corpo do mesmo de forma que ele não possa ter a cabeça em uma
posição superior a sua, o que leva o macho, que está em desvantagem, muitas vezes recuar.
Dessa forma, desfazendo, em parte, o entrelaçamento, ele aumenta a área livre do corpo. Com
o corpo esticado (e não entrelaçado), ele aumenta o alcance e consegue sobrepor sua cabeça a
cabeça do oponente. Esse objetivo de manter a cabeça superior pode ser uma tentativa de se
mostrar um macho maior. Schuett (1997) demonstrou que o tamanho dos machos é
importante para o sucesso no combate e prioridade para o acasalamento. Carpenter (1977)
descreve o combate para colubrídeos como sendo praticamente horizontal com os animais
elevando, raramente, apenas a cabeça e parte do pescoço à cima do chão, com exceção de
algumas espécies do velho mundo como Elaphe longissima e Ptyas mucosa que levantam a
região cranial do corpo e tenta força a cabeça do oponente para baixo. Almeida-Santos e
Marques (2002) demonstram que Chironius não se enquadra nesse padrão geral descrito para
colubrídeos por Carpenter (1977), segundo os autores, a espécie apresenta um ritual de
112
combate em que os machos tendem a manter a porção cranial do corpo elevado na vertical.
Essa postura de elevação da porção cranial do corpo é típica de viperídeos e nota-se, além da
posição vertical, uma tentativa de empurrar a cabeça do oponente para baixo (CARPENTER,
1977). As espécies de colubrídeo citadas por Carpenter (1977) e a estudada por Almeida-
Santos e Marques (2002), assim como Spilotes pullatus, são espécies semi-arborícolas, o que
sugere que os colubrídeos que utilizem esse substrato apresentem um ritual de combate
adotando a elevação da porção cranial do corpo, semelhante aos viperídeos, e não de forma
horizontal como outros colubrídeos. Embora haja uma semelhança na postura do ritual de
combate de Spilotes com o dos viperídeos, o combate é completamente diferente. Em
viperídeos, como citado, observa-se os machos tentando empurrar a cabeça do oponente
contra o chão (CARPENTER, 1977), o que leva a acreditar que o objetivo da competição é
conter à força a cabeça do rival, já em caninanas o objetivo do combate parece ser manter a
cabeça em altura superior a do oponente, para se mostrar maior. O combate em Spilotes tem
duração aproximada de uma hora, apesar do longo tempo do ritual, o combate é inofensivo
para os participantes, não resulta em qualquer tipo de prejuízo físico, além do gasto energético
para os machos envolvidos.
Em dois dos casos de combate observados, havia três animais, dois dos quais
participavam do ritual e ao final do combate, o provável vencedor copulou com o terceiro
animal. O que leva a acreditar, que o motivo do combate foi o acesso a fêmea que estava nas
cercanias. O comportamento de combate em serpentes normalmente ocorre durante a estação
de acasalamento e principalmente relacionado à cópula (CAPULA; LUISELLI, 1997;
SCHUETT et al., 2001; ALMEIDA-SANTOS; MARQUES, 2002), como nesses dois relatos
observados em caninanas. No entanto, uma observação de combate entre machos de Spilotes
ocorreu na primavera, no final da estação, o que não corresponde mais a época de cópula da
espécie. Assim, o motivo inicial para o combate, pode ser alguma forma de dominância ou
territorialismo (MARQUES et al., 2009). Nesse caso só havia dois indivíduos e os mesmos
estavam combatendo, algumas vezes os machos utilizavam a cauda na tentativa de conter o
oponente. Nesse relato foi observado exposição do hemipênis de um dos animais. Almeida-
Santos et al., (1998) também observou em Micrurus frontalis um comportamento agonístico.
Embora comportamento homossexual ocorra em serpentes, nem sempre essa conduta pode ser
considerada um caso desse tipo de comportamento. Em alguns casos esse procedimento pode
estar relacionado à interações de subordinação e dominância (TRYON; MURPHY, 1982). Em
caninanas, parece que a ação de expor o hemipênis, durante o combate, não se trata de
comportamento homossexual ou interações de subordinação e dominância, como observados
113
por Tryon e Murphy (1982). A exposição do órgão copulatório com tentativa de introduzi-lo
no outro macho, parece ter sido uma estratégia de contenção, com o objetivo de prender o
corpo do rival impedindo que ele pudesse se locomover a frente, e com isso ganhar
comprimento, para alcançar com sua cabeça a posição mais elevada, mostrando ser maior e
superior. A utilização do hemipênis, portanto, parece ter tido a mesma função da utilização da
cauda, a de contenção. Se o macho conseguisse introduzir o órgão copulatório no outro e o
intumescer, a contenção seria bem mais eficiente, uma vez que a cauda desliza com facilidade
e o hemipênis intumescido na cloaca manteria o oponente preso.
O combate entre machos normalmente está presente nas espécies que apresentam
dimorfismo sexual de tamanho, sendo os machos maiores do que as fêmeas (SHINE, 1994).
Spilotes não apresenta dimorfismo sexual de tamanho, ambos, machos e fêmeas, apresentam
um comprimento (CRC) semelhante. No entanto, quando analisados por meio do cálculo de
Índice de Dimorfismo Sexual, o resultado mostra machos maiores do que fêmeas. Segundo
Marques e Muriel (2007) a maioria dos trabalhos tem mostrado que em colubrídeos
neotropicais as fêmeas são maiores do que os machos (e. g. FOWLER; SALOMÃO, 1994;
MARQUES, 1996; OLIVEIRA, 2001; PIZZATTO; MARQUES, 2002), mas na subfamília
Colubrinae isso parece não ser o padrão (e. g. SHINE, 1994).
Como discutido anteriormente, a gametogênese das Spilotes machos ocorre no verão e
outono e a cópula em final de inverno. Sendo assim, os machos ao acasalarem estão com os
testículos inativos, os espermatozóides transmitidos para o trato reprodutivo da fêmea são
gametas que se encontram estocados no ducto deferente. A gametogênese das caninanas
fêmeas tem início no outono, a época em que a espermatogênese nos machos está sendo
finalizada é exatamente o período em que os folículos ovarianos das fêmeas começam a
receber vitelo. No inverno o tamanho dos folículos aumenta consideravelmente, o que
coincide com a estação de acasalamento da espécie. Blanchard e Blanchard (1941) discutem
que a inseminação estimulou a vitelogênese na espécie estudada por eles (Thamnophis s.
sirtalis). Bona-Gallo e Licht (1983) estudaram a influência da temperatura e da inseminação
na iniciação da vitelogênese em outra subespécie de Thamnophis sirtalis e perceberam que
apenas as fêmeas que haviam acasalado iniciaram a vitelogênese. Os autores concluíram que a
inseminação parece ser um pré-requisito para a iniciação da vitelogênese. Mendonça e Crews,
(1990) também afirmam que o acasalamento induz a recrudescência ovariana em
Thamnophis. Em Spilotes, embora a estação de acasalamento coincida com o aumento dos
folículos, o estímulo da inseminação não parece iniciar a vitelogênese. De cinco fêmeas
analisadas histologicamente que continham folículos pré-ovulatórios, três haviam sido
114
inseminadas e duas não apresentavam espermatozóides no sistema reprodutor. Isso indica que
mesmo fêmeas que não foram inseminadas iniciam a vitelogênese e os folículos chegam a um
tamanho considerável, exatamente como em fêmeas inseminadas. Uma fêmea sacrificada
durante a cópula foi necropsiada e já apresentava folículos pré-ovulatórios nos ovários, o que
sugere que a inseminação não induz o inicio da vitelogênese nas Spilotes, mas sim que o estro
das fêmeas corresponde à fase final do ciclo ovariano. E, portanto, fêmeas com folículos pré-
ovulatórios, coincidentemente, encontram-se em estro e são atrativas e receptivas aos machos.
Whittier e Crews (1986) e Whittier et al. (1987b) afirmam que a corte e o acasalamento não
foi requisito para o inicio da vitelogênese em Thamnophis estudadas por eles (mesma espécie
estudada pelos autores citados a cima). Aldridge et al. (2009) propõem uma hipótese
alternativa para esses achados, sugerindo, que apenas fêmeas em inicio de vitelogênese são
atrativas para os machos e receptivas à copula. Essa alternativa proposta por Aldridge et al.
(2009) pode fazer sentido, mas talvez não exista uma ligação direta entre a vitelogênese e
fêmeas receptivas, como ele relaciona. Em Spilotes as fêmeas receptivas são as que
apresentam o estágio final da vitelogênese, e se em Thamnophis o que se observa são fêmeas
receptivas no início da vitelogênese, pode-se simplesmente concluir que as espécies de
serpentes apresentam o estro em diferentes períodos, e não parece ser a vitelogênese que
influencia o estro nessas fêmeas, bem como não parece ser a cópula que influencia o início da
vitelogênese.
Sugere-se, que todas as fêmeas maduras sexualmente de Spilotes pullatus iniciem o
desenvolvimento folicular e desenvolvam folículos pré-ovulatórios durante a estação
reprodutiva (inverno), pois todas as fêmeas no final de inverno apresentam os folículos pré-
ovulatórios. Na primavera algumas fêmeas apresentam os ovos nos ovidutos, as que não
apresentam ovos, são fêmeas que possuem folículo em estágio inicial (vitelogênese primária)
e apresenta o oviduto distendido e/ou cicatriz de ovulação nos ovários, o que indica que essas
fêmeas ovularam e fizeram ovipostura durante a estação. Todas essas fêmeas da população
ciclando no mesmo período permite classificar o ciclo das caninanas fêmeas como sazonal de
acordo com a classificação de Mathies (2011), e ainda sugere que Spilotes possui um ciclo
anual. Existem algumas fêmeas na primavera que não apresentam nem ovos nem sinais de que
fizeram ovipostura, e ainda apresentam folículos grandes na primavera, mas os folículos são
menores do que os das fêmeas com folículos pré-ovulatórios no final do inverno. Isso pode
indicar que essas fêmeas, por não ovularem no inverno, podem ter entrado em um estágio de
involução folicular, ou seja, esses folículos seriam absorvidos pelo organismo da fêmea, e por
isso essas fêmeas apresentam folículos intermediários entre pré-ovulatório e primários. Dessa
115
forma, sugere-se que em Spilotes a cópula seja responsável pela indução da ovulação nas
fêmeas, e que, portanto as caninanas que não copularam no final do inverno teriam seus
folículos absorvidos durante a primavera. Isso caracterizaria as caninanas, como animais de
ovulação reflexa.
É bem conhecido para varias espécies de mamíferos (e. g. gatos, ferrets, ursos, lhamas
e coellhos) que a cópula é o estímulo primordial para que ocorra a ovulação, o que é chamado
de ovulação reflexa (para revisão, ver KAUFFMAN; RISSMAN, 2006). Esse fenômeno é
pouco estudado em répteis, foi sugerido na espécie de serpente Boiga irregularis por Mathies
et al., (2004) e demonstrado na espécie de quelônio Caretta caretta por Manire et al., (2008).
Em espécies com ovulação reflexa, vários estímulos são importantes para que ocorra a
ovulação, mas o principal é o estímulo da vagina e da cérvix durante o coito (KAUFFMAN;
RISSMAN, 2006).
Os hemipênes de caninanas possuem numerosos espinhos, principalmente na porção
média do órgão. Esses espinhos nos hemipênes podem ser formados de uma matriz de
colágeno altamente calcificada, como o observado em Crotalus (CAPEL et al., 2011). Talvez
a presença de espinhos no corpo dos hemipênes de Spilotes possua uma função estimulatória a
nível cloacal para induzir a ovulação na fêmea. Em algumas espécies de mamíferos em que as
fêmeas possuem ovulação reflexa, uma das funções que tem sido proposta para os espinhos
penianos dos machos é a de estímulo para ovulação (e.g. ZARROW; CLARK, 1968). Nesse
caso, os espinhos dos hemipênes das Spilotes pode não ter apenas a função de ancoragem do
hemipênis na cloaca da fêmea durante a cópula, como sugerido por Pope (1941) e Ludwig e
Rahn (1943). O hemipênis é introduzido em uma condição de meio intumescido e depois de
introduzido ocorre a intumescência completa do órgão (EDGREN, 1953). Os machos de
caninana possuem um hemipênis robusto e com um diâmetro grande, o próprio órgão
intumescido causa uma dilatação na região da cloaca da fêmea de Spilotes como o observado
também em por Edgren (1953) em Heterodon platyrhIno. Essa própria dilatação, por si só,
provavelmente cause um atrito no interior da cloaca da fêmea, mantendo-o ancorado durante a
cópula. Portanto, conclui-se que os espinhos são úteis, porem, dispensáveis para está função.
Sugere-se que esses espinhos nos órgãos copulatórios de Spilotes tenham também uma função
estimulatória. Pope (1941) relata ainda que a parede interna da cloaca da fêmea, de espécies
cujo macho possui espinhos nos hemipênes, é espessa, e que a parede da cloaca de fêmeas, de
espécies em que os machos não possuem espinhos no órgão copulatório, é fina. Essa região da
cloaca em Spilotes pullatus apresenta-se realmente bem espessa e pode estar relacionada a
uma área rica em receptores que captariam os estímulos relacionados à ovulação reflexa.
116
folículos, o que é importante para essa espécie, uma vez que a fecundidade é baixa. O
tamanho do ovo não é relacionado ao tamanho da fêmea, fêmeas menores podem apresentar
ovos de tamanhos maiores do que fêmeas maiores, embora a quantidade de ovos nesse caso
seja menor. Sugere-se que o tamanho dos ovos possui uma relação inversa a quantidade dos
mesmos. A média de ovos postos pelas caninanas é de 8,82 (± 1,81) ovos por postura.
Marques (1998) sugere que serpentes arborícolas apresentam menor fecundidade, bem como
serpentes ovíparas, o que talvez justifique a baixa fecundidade da Spilotes em relação ao
grande tamanho corporal das fêmeas.
A espécie possui uma baixa fecundidade, mas certas fêmeas podem compensar o baixo
nível de fecundidade produzindo mais de uma ninhada na mesma estação reprodutiva. Uma
fêmea mantida em cativeiro no hemisfério norte produziu uma primeira ninhada de sete
animais, logo após a ovipostura a fêmea apresentou estro (encontrava-se receptiva ao macho)
e permitiu a cópula. Posteriormente está fêmea realizou uma segunda postura de oito ovos. Os
quinze ovos foram fertilizados e eclodiram. Tryon e Murphy (1982) alegam que em condições
ótimas de cativeiro (ciclos naturais de fotoperíodo e temperatura) a produção de mais de uma
ninhada é completamente possível em certo número de espécies, e parece ser dependente de
disponibilidade de comida e também de machos no período certo do ano.
Uma das fêmeas de caninanas In situ, dissecada para as análises, apresentava folículos
pré-ovulatórios nos ovários juntamente com a porção caudal do oviduto distendido. Essa
região ovidutal distendida pode estar relacionada à postura recente realizada pela fêmea, uma
vez que o tamanho consideravelmente grande dos ovos de Spilotes causa uma distensão da
musculatura ovidutal. Pelo fato da fêmea ao mesmo tempo apresentar características de uma
fêmea pós-postura e apresentar folículos pré-ovulatórios nos ovários, pode-se concluir que
mesmo as fêmeas In situ de Spilotes pullatus podem apresentar mais de uma prenhez em uma
mesma estação de cópula. Análises histológicas do oviduto dessa fêmea mostram a presença
de espermatozóides na bolsa, indicando que a mesma havia copulado mesmo após uma
prenhez. Tal fato sugere que as fêmeas da espécie, que produzem uma segunda ninhada na
estação reprodutiva, apresentam estro após a ovipostura e são receptivas aos machos.
Para outras espécies da subfamília colubrinae já foram relatadas ocorrência de
ninhadas múltiplas (PINTO et al., 2010; TRYON, 1984). Assim como a Spilotes, essas
espécies parece apresentarem uma taxa de fertilidade baixa (o número de ovos relatados em
cada ovipostura é parecido com a média observada para Spilotes pullatus). Ninhadas múltiplas
podem ser comuns em espécies de colubrídeos. Essa estratégia parece estar associada à ampla
disponibilidade de comida e boas condições ambientais durante o ano (BROWN; SHINE,
118
2002). Pinto e Marques (2010) mostram que embora a ocorrência de ninhadas múltiplas
possa indicar um padrão reprodutivo assazonal, foi possível observar a ocorrência de ninhadas
múltiplas nas duas espécies de colubrinae estudadas por eles e que apresentam reprodução
sazonal, e que, portanto, essa ninhada múltipla seria provavelmente observada somente
durante a estação chuvosa. O mesmo é observado nas Spilotes, fêmeas podem apresentar a
produção de mais de uma ninhada, mas durante apenas a estação reprodutiva.
Uma vez que a produção de ninhadas múltiplas pode ser comum em espécies de
colubrídeos (BROWN; SHINE, 2002), para diferenciar fêmeas que apresenta mais de um
estro (produzem mais de uma ninhada) apenas dentro de um período no ano das fêmeas que
apresenta mais de um estro ao longo de todo o ano (produzem ninhadas múltiplas ao longo de
todo o ano), propõem-se a classificação dos ciclos reprodutivos das serpentes em: “Ciclo
poliestral estacional”, o que indicaria que as fêmeas (poliestricas estacionais) podem
apresentar mais de um estro, desde que apenas dentro de uma estação de acasalamento
sazonal, produzindo mais de uma ninhada nesse período. Diferenciando das fêmeas que
possuem ninhadas múltiplas ao longo de todo o ano (reprodução assazonal) que poderiam ser
classificadas como poliestricas (“ciclo poliestral”). E ainda o termo, monoestrica utilizado
para as fêmeas que apresentem apenas um estro por estação de acasalamento (“ciclo
monoestral”) (a classificação sugerida aqui está sumarizada no Quadro 6).
Quadro 6 - Possível classificação de ciclos reprodutivos de serpentes em relação ao estro das fêmeas
Ciclo Reprodutivo
individuais como a capacidade de caçar e obter sucesso nesta atividade durante a prenhez,
bem como o próprio interesse em se alimentar e capacidade de digestão durante esse período.
A postura dos ovos de caninana ocorre no inicio da primavera, início da estação
chuvosa. Durante esse período é possível encontrar fêmeas com o oviduto distendido devido à
ovipostura ou ainda cicatriz de ovulação nos ovários. Outros colubrídeos da região sudeste do
Brasil apresentam esse mesmo período do ano como época de postura dos ovos, e. g.
Oxyrhopus guibei (PIZZATTO; MARQUES, 2002), Mastigodryas bifossatus (MARQUES;
MURIEL, 2007), Chironius flavolIneatus e C. quadricarInatus (PINTO et al., 2010). Esse
período representa temperatura e umidade ótimas para a incubação dos ovos e para o
desenvolvimento dos embriões. Fêmeas que põem seus ovos em temperatura ótima para o
desenvolvimento dos embriões produzem um maior número de filhotes normais (sem má
formação congênita) e aumenta sua contribuição para gerações futuras (VINEGAR, 1977).
Alem disso, filhotes nascidos em temperaturas médias (ótima) emergem dos ovos em menos
tempo do que filhotes incubados em altas ou baixas temperaturas. Os filhotes incubados em
temperaturas baixas têm mais dificuldades de se locomoverem, capturar e comer alimentos do
que os filhotes incubados em temperaturas médias ou altas. A temperatura não influencia
apenas o período de incubação, mas também o desempenho dos filhotes necessário para a
sobrevivência (BURGER, 1991).
O tempo de incubação dos ovos de Spilotes pullatus dura em média 73 dias, e a
eclosão ocorre durante o verão. Os animais mantidos em cativeiro e que fizeram a ovipostura
durante o inverno (e não durante a primavera, como observado nos animais In situ) possuem
um período de incubação maior, em média 102 dias. Segundo Packard et al. (1983) e Gutzke
e Packard (1987) o período de incubação é diretamente influenciado pela temperatura de
incubação, o que justificaria o longo período de incubação dos ovos das Spilotes cativas que
fizeram ovipostura no inverno, já que a temperatura dessa estação não seria a ótima para a
incubação dos ovos desse colubrídeo.
Em algumas fêmeas do final da primavera e do verão, estações após a o período
reprodutivo, foi possível observar toda a região da submucosa da tuba completamente
margeada por glândulas acinosas simples, essas glândulas desembocam seus ductos no lúmen
do oviduto. Durante outras estações e mesmo em algumas fêmeas durante o verão ou
primavera, não foi observado qualquer tipo de glândula na tuba. Por essas glândulas serem
observadas em apenas algumas fêmeas das estações pós-postura e não em todas as fêmeas
dessa estação, provavelmente seja um tipo de glândula que se desenvolva em um período
curto e por isso é de difícil observação. Em tartarugas, Sharkar et al. (1995) observou que
121
durante um curto período, no pico do ciclo reprodutivo, da ovulação até oviposição, surgem
glândulas na submucosa na região do infundíbulo e istmo do oviduto. Mas o trabalho relata
que essas glândulas estão presentes durante toda a fase do ciclo nas outras regiões do oviduto.
As glândulas observadas na tuba do oviduto de Spilotes, e que parece surgir apenas por um
curto período após a estação de postura, não se parece com nenhum outro tipo de glândula
observada em outras porções do oviduto, sugerindo se tratar de uma glândula com outra
função. Provavelmente a função dessas glândulas não esteja relacionada com a produção dos
ovos, uma vez que elas só foram notadas em algumas fêmeas após a estação de ovipostura e
que apresentavam apenas folículos primários nos ovidutos. Essas glândulas podem estar
envolvidas com algum tipo de secreção que ajudaria a recuperação dos ovidutos após a
oviposição. Em varias descrições de ovidutos de Squamata, o infundíbulo e a tuba não são
diferenciados (ver revisão GIRLING, 2002). Em Spilotes sugere-se a diferenciação dessas
regiões, uma vez que, mesmo que aparentemente por um período curto, há uma diferença
histológica e provavelmente funcional dessas porções.
O padrão de atividade de serpentes tropicais tem uma forte influência de vários
fatores, dentre eles a reprodução (MARQUES et al., 2000). A atividade anual das caninanas
tem certa relação com o ciclo reprodutivo da espécie, mas relação direta, apenas com
determinados eventos do ciclo. A espécie mostra uma atividade maior durante o verão e início
do outono, tanto adultos como juvenis. O pico de atividade dos filhotes está relacionado à
fatores reprodutivos (recrudescência). Como a eclosão dos ovos ocorre durante o verão é de se
esperar que durante essa estação e a estação seguinte, outono, se observe um maior número de
juvenis na população. Outros trabalhos também têm mostrado o pico de atividade dos filhotes
durante a estação de eclosão dos ovos, e também a estação logo após esse período (e.g.
SALOMÃO et al., 1995; ROJAS, 2009). Já a maior atividade dos adultos, durante o verão e
início do outono, não parece estar relacionada diretamente com a reprodução. Outro fator que
pode influenciar a atividade de certas espécies é a disponibilidade de alimentos (MARQUES
et al., 2000). O trabalho de Marques et al., (2000) sobre atividade sazonal, relata que de
quatro espécies com base na mesma dieta, roedores, apenas uma não variava o padrão de
atividade, as outras três, dentre elas Spilotes pullatus, apresentavam uma sazonalidade na
atividade. Com isso, o trabalho conclui que a disponibilidade de presas por si só não
explicaria a atividade sazonal em Spilotes e nas outras duas espécies. Como discutido
anteriormente, os machos de caninanas caçam durante todo o ano, já as fêmeas tendem a se
alimentarem mais durante o período do verão e outono (período entre um ciclo reprodutivo e
outro), a atividade de caça dos machos juntamente com a das fêmeas, durante esse período,
122
pode contribuir para esse pico de atividade dos adultos, durante essa época. Essa sazonalidade
observada em caninanas, realmente não é justificada somente com disponibilidade de presas,
mas pode estar relacionada ao maior período de forrageio da espécie, período esse em que
machos e fêmeas encontram-se forrageando. Portanto o pico de atividade de Spilotes adultas
tem uma relação direta com o forrageio das fêmeas e, o declínio de atividade, uma relação
direta com a fase vitelogênica das fêmeas, uma vez que, mesmo com disponibilidade de
presas o forrageio das fêmeas tende a diminuir de acordo com o avanço do desenvolvimento
folicular ovariano.
Os outros eventos do ciclo como, corte, cópula e ovipostura não influenciam no pico
da atividade sazonal dos adultos, mas pode ser observado um pequeno aumento na atividade
correspondendo à época desses eventos, que ocorrem no final do inverno e início da
primavera.
Existem alguns trabalhos que sugerem a classificação dos ciclos reprodutivos de
serpentes. Aldridge et al. (2009) sugerem o termo pré-ovulatório e pós-ovulatório para
descrever a ocorrência temporal da espermatogênese, vitelogênese, comportamento de
acasalamento e produção de hormônios em serpentes. Onde pré-ovulatório seria o período em
que o evento ocorreria imediatamente antes da ovulação e pós-ovulatório o período em que o
evento ocorreria depois da ovulação. As caninanas da região sudeste do Brasil possui os
testículos ativos, realizando a espermatogênese, durante o verão e outono, e os
espermatozóides são estocados, ao longo dos ductos deferentes, durante todo o inverno,
quando os testículos encontram-se inativos, e então ocorre a cópula e ovulação. A
espermatogênese das caninanas pode então ser classificada de acordo com a ocorrência
temporal em, pós-ovulatória. A vitelogênese seria classificada como pré-ovulatória, uma vez
que se inicia no final de outono e a ovulação ocorre no final do inverno. E a cópula é também
considerada pré-ovulatória, já que a espécie copula e a ovulação ocorrer dentro de pouco
tempo depois.
Assim como os machos possuem um período de quiescência na espermatogêne
(inverno e primavera), e portanto são classificados como tendo gametogênese cíclica
descontínua, a gametogênese da fêmea também tem um período de quiescência (primavera e
verão), e isso a classifica como cíclica descontínua. Uma vez que esse ciclo é sincronizado em
todas as fêmeas da população, logo, assim como os machos, o ciclo das caninanas fêmeas
também é sazonal (de acordo com a classificação sugerida por MATHIES, 2011).
123
6 CONCLUSÃO
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