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NUSSBAUN - Concordância Mediata. - A Arte de Fazer Versos (LIVRO RARO E EXCELENTE)

Concordância Mediata.
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CAPITULO SEGUNDO

Concordância Mediata.

E' a que Dorchain assignala na versifica-


ção moderna, como antithetica da concor-
dância immediata, pela qual se caracteriza a
versificação do periodo clássico.
A opposição desses dous termos, corres-
pondente a uma verdadeira opposição de
princípios, resalta da simples leitura de uma
estrophe clássica e de uma estrophe mo-
derna, tendo-se principalmente em conside-
ração o sentido e o rythmo dos versos. A
distincção é a seguinte :
Si se tratar de versos clássicos (visto que
obedecem a um modelo certo e prefixado,
livres do enjambement e de outras fôrmas
revolucionárias da arte moderna) verificar-
se-ha que existe nelles uma correspondência
intima e immediata entre o sentido e o
rythmo.
l5a A ARTE DE FAZER VERSOS

Quer dizer: cada idéia dentro de um verso,


encontra nelle a fôrma apertada e justa, a
tal ponto que uma pausa da voz chega a
corresponder, ás vezes, de modo exacto e
completo, a uma suspensão do próprio pen-
samento. O mesmo papel representa o hemis-
tichio; a mesma funcção representa a rima,
collocada inexoravelmente como uma tranca
no final de cada alexandrino.
Não existem, senão mui raramente, as
estrophes de três, de cinco, ou de sele ver-
sos : estes marcham quasi sempre empare-
lhados, completando-se, na dependência de
um jugo que os tyrannisa, como a canga dos
bois.
Dorchain refere-se, principalmente, quando
trata deste assumpto, aos versos da antiga
tragédia clássica, fazendo depois a com-
paração com o alexandrino revolucionário
de Victor Hugo e dos poetas parnasianos.
Em portuguez, só de 1870 para cá se cul-
tiva essa espécie de verso, introduzido na
nossa lingua por influencia franceza. Ainda
assim, é o cotejo em grande parte applicavel
ao verso portuguez, pois já não é pequena a
distancia que vai da estructura do alexan-
drino cultivado no período romântico á que
ENJAMBEMENT, CONCORDÂNCIA MEDI ATA l53

elle apresenta na phase contemporânea : é a


mesma distancia que vai dos versos martel-
lados e monótonos da Morte de D. João, de
Junqueiro, aos de Alberto de Oliveira e
Raymundo, de Bilac ou de Delfino.
O molde clássico é, na verdade, muito
mais acanhado e martyrisante, reflectindo
bem a época ferrenha em que imperava
cathedraticamente a férula de Boileau; mas
o nosso alexandrino de 1870 offerece ainda
alguma cousa de parecido com o seu remoto
antepassado francez. Não é difficil indicar
um exemplo, escolhido, aüás, em uma das
melhores producções daquelle tempo :

« No seu olhar de fogo ha raios de loucura...


Tem cantos de prazer, tem risos de amargura!
Muda sempre de céo, de rumo, de pharol!
Aqui — pede ao direito a voz forte e serena;
Alli — ruge feroz, feroz como uma hyena...
Assassina na treva, ou mata á luz do sol! »

Percebe-se bem como nesses alexandrinos


coincidem perfeitamente o sentido eo rythmo:
cada verso, e, ás vezes, cada hemistichio,
consegue encerrar uma phrase completa e
acabada; cada rima finaliza invariavelmente
'.)•
l54 A ARTE DE FAZER VERSOS

um pensamento e um período rythmico; não


ha um só deslocamento de pausa, uma única
innovação revolucionaria contra as fôrmas
archaicas e convencionaes daquella espécie
de metro.
Comparem-se agora esses versos mofinos,
embora inspirados, com a rija e larga en-
vergadura da audaciosa musa moderna :

Leva a mão a um penhasco, e o penhasco vacilla,


Rola, cae, faz-se em ouro; a relva de esmeralda,
Ardendo, vae tocal-a a sua mão que escalda,
E a relva, que verdeja, é ouro que scintilla.
Que sede intensa! A' bocca a água chega mudada
Em ouro derretido, em ouro que suffoca;
Nem já para gemer a voz lhe foi deixada :
E1 ouro... é ouro... é ouro... é ouro quanto toca! »

Já não chega o largo bojo do alexandrino


para comportar a idéia; o pensamento extra-
vasa de um verso para outro, como neste
maravilhoso especimen, do mesmo Luiz Del-
fino :

Como o sol, quando paira abaixo do horizonte,


Que sobe e encontra o mar, que sobe e encontra o monte,
Que sobe e encontra o céo... Esse instante hade vir.
ENJAMBEMENT, CONCORDÂNCIA MEDIATA l55
IIMIMOIIWXWWIWIWW^WWSWW

Aqui, a concordância do rythmo com o


sentido fica desaffogada e livre, e só se vae
realizar muito depois ; a estructura do verso
é outra; os enjambements pullulam, como
requintes maravilhosos de fôrma, de harmo-
nia e de expressão; a própria lingua parece
outro instrumento, e tem vibrações enérgi-
cas, até então desconhecidas e inéditas.
Si cotejarmos o decasyllabo antigo com o
moderno, o resultado não será, de certo,
menos edificante. Camões, que o manejou
melhor do que ninguém do seu tempo, nos
extraordinários arroubos da sua epopéa
immortal, não escreveu em todo o poema
dos Lusíadas uma única estância que se
possa comparar a esta bellissima estrophe,
ainda que de sentido suspenso, retalhada de
uma composição de Raymundo :

Comburentes, flammivonas bombardas;


Ignea selva de canos de espingardas;
Estampidos, estrepitos, clangores,
E' bebedo de pólvora e fumaça,
Napoleão, que galopando passa
Ao rufar dos frenéticos tambores...

Toda a grandeza desses versos avultará


ainda mais, si a compararmos com a chatice
l56 A ARTE DE FAZER VERSOS

das composições de outros poetas muito


menores que Camões. Nem é possível o
cotejo entre a mesquinhez de uns e a raa-
gestade de outro, senão pelo simile feliz que
oceorreu a Dorchain, a propósito dos recur-
sos technicos de Racine e de Victor Hugo:
vae entre elles a mesma differença que entre
os arranjos musicaes de Lulli e a orches-
tração sumptuosa e formidável do gênio de
Ricardo Wagner!

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