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Conceito normativo de dano: em busca de


um conteúdo eficacial próprio

The legal concept of damage: reaffirming damage as


an independent requirement for civil liability

Rafael Peteffi da Silva


Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP.
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul. Professor
da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Editor Associado da Revista de
Direito Civil Contemporâneo. Membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.
[email protected]

Recebido em: 04.11.2023


Aprovado em: 09.01.2024

Área do Direito: Civil

Resumo: O presente estudo visa analisar o concei- Abstract: The present study aims to explore the
to jurídico ou normativo de dano enquanto requi- multiple facets of the legal concept of damage,
sito essencial e independente da responsabilidade as an independent requirement for civil liability.
civil. Primeiramente, tendo em vista a grande in- First, since there is great uncertainty about the
certeza em relação ao conteúdo do termo “dano nomenclature used to designate recoverable
indenizável”, apresenta-se uma acepção ampla e damage, the contrast between a broad and a
outra estrita do instituto. Após a delimitação dos specific approach will help the reader assess the
principais termos utilizados no trabalho, serão content of the legal institute. Moreover, the most
estudadas as mais importantes teorias que res- important theories that underpin the legal con-
paldam o conceito de dano, conferindo destaque cept of damage will be analysed, highlighting the
para as teorias que se conectam com a evolução theories that are connected with the development
do id quod interest, concluindo-se pela possibili- of the id quod interest, leading to the conclusion
dade de um conceito de dano como interesse ou that the legal concept of damage can be related
como lesão a interesse. Por fim, serão analisadas to the idea of harm caused to an interest. Finally,
as possibilidades de convivência entre o conceito it will address the possibility of the legal concept
jurídico de dano encontrado no trabalho com as of damage supported in this study to coexist with
figuras do dano per se, injury as such e dano in legal figures such as dano per se, injury as such
re ipsa. and dano in re ipsa.
Palavras-chave: Dano – Prejuízo – Responsabi- Keywords: Damage – Loss – Civil liability – Tort
lidade civil – Requisitos da responsabilidade civil. Law requirements.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
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Sumário: Introdução. 1. O ponto de partida terminológico e as teorias do dano com enfoque na


lesão a bens. 1.1. Os vários sentidos da expressão “dano indenizável”: acepção ampla e estrita.
1.2. O dano indenizável como menoscabo de bens. 1.2.1. Noções Gerais. 1.2.2. Ainda a divisão
entre as acepções estrita e ampla de dano indenizável, especialmente em relação à noção de
dano pelo prisma da lesão a bens. 2. A construção histórica da noção de interesse (id quod
interest) e as suas múltiplas acepções contemporâneas. 2.1. Os primeiros desenvolvimentos da
noção de interesse: id quod interest e a teoria da diferença. 2.2. As múltiplas acepções do termo
interesse: as possibilidades de entendimento do dano como lesão a interesse. 3. O interesse
como suporte para a noção de dano normativo em sentido estrito: operacionalidade dos concei-
tos. 3.1. Dano como interesse e dano entendido como lesão a interesse. 3.1.1. A noção de dano
como interesse. 3.1.2. A noção de dano como lesão a interesse. 3.2. Injury as such, dano per se
e dano in re ipsa: desafios para o enquadramento de algumas figuras na teoria contemporânea
do dano. 3.2.1. A problemática do dano per se, especialmente em relação aos transplantes do
Direito italiano. 3.2.2. Os problemas relacionados ao injury as such, aos danos autônomos e à
possibilidade de recepção de novos tipos de dano no ordenamento jurídico brasileiro. 3.2.3. A
adequada abordagem das manifestações das subjetividades humanas da vítima. Conclusões.
Referências bibliográficas.

“Nos sistemas jurídicos não se podem enxertar teorias; as teorias,


ainda que extendentes, têm de estar contidas no sistema.”1

Introdução
Um sistema justo e adequado de responsabilidade civil deve limitar, baseado em cri-
térios claros, excessos indenizatórios2. No intuito de restringir esses excessos, uma das
funções precípuas do instituto é selecionar, por intermédio de um rol de requisitos, os
danos ressarcíveis. A imposição de filtros ou balizamentos ao dever de indenizar coa-
duna-se com a noção contemporânea de responsabilidade civil, harmonizando-se com
a ideia de autonomia dos sujeitos de direito e evitando o “alargamento desmesurado da
responsabilidade perante cada actuação concreta”3.

1. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Di-
reito das Obrigações. Extinção das obrigações. Atual. Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade
Nery. São Paulo: Ed. RT, 2012. t. 25. p. 285-286.
2. VON BAR, Christian. The common European law of torts. Oxford: Oxford University Press, v. 2,
2000. p. 1. No original: “The law of delict can only operate as an effective, sensible and fair system
of compensation if excessive liability is avoided”.
3. BARBOSA, Mafalda Miranda. Liberdade v. Responsabilidade: a precaução como fundamento
da imputação delitual?. Coimbra: Almedina, 2006. p. 194. No mesmo sentido, PAPAYANNIS,
Diego. Manual de Daños Extracontractuales. Cidade do México: Suprema Corte de Justicia de la
Nación, 2022. p. 61.

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O dano é o alfa e o ômega da responsabilidade civil4, apresentando-se como um dos


seus requisitos fundantes, essencial para o nascimento do dever de indenizar. É nesse
contexto que Clóvis do Couto e Silva afirmava que só se conhece a responsabilidade civil
em um determinado ordenamento jurídico quando se conhece o seu conceito de dano5.
Apesar da existência de recentes e controvertidas abordagens que jogam luzes sobre
a relevância de funções pedagógicas e até mesmo punitivas da responsabilidade civil, o
que conferiria renovado destaque para a conduta do agente, a doutrina contemporânea
repete, à exaustão, que o eixo da responsabilidade civil foi modificado: do comporta-
mento do agente para o dano sofrido pela vítima6.
Mesmo os autores que imputam múltiplas funções à responsabilidade civil com-
preendem que o movimento de objetivação do instituto e o consequente desprestígio da
culpa acabou por aumentar o protagonismo do dano e da função reparatória7. Portan-
to, a importância do dano como requisito da responsabilidade civil, isto é, como filtro a
diferenciar os meros menoscabos sofridos pela vítima dos efetivos danos ressarcíveis,
é inegável8.

4. Usando-se exatamente esta expressão, confira-se: LE TOURNEAU, Philippe. Droit de la res-


ponsabilité et des contrats. 12. ed. Paris: Dalloz, 2021-2022. p. 554; AGUIAR DIAS, José de. Da
Responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1. p. 713 e YZQUIERDO TOL-
SADA, Mariano. Responsabilidad civil extracontratual: parte general. Madrid: Dykinson, 2015.
p. 159. Para o autor, “que el daño o perjuicio se presenta como primer elemento constitutivo de
la responsabilidad civil es algo fora de toda duda. Em efecto, si se trata de reparar, es necesario
que exista algo que reparar”.
5. COUTO e SILVA, Clóvis Veríssimo do. O conceito de dano no Direito brasileiro e comparado.
In: FRADERA, Vera Maria Jacob de (Org.). O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do
Couto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 217.
6. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 139; LE TOURNEAU, Philippe. Op. cit., p. 554; e BODIN DE MORAES, Maria Celina.
Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Re-
novar, 2003. p. 12.
7. MEKKI, Mustapha. La place du préjudice en droit de la responsabilité civile. Hokkaïdo Journal
of New Global Law and Policy, v. 5, p. 150-200, 2000.. p. 157; CALVO COSTA, Carlos A. Las nue-
vas fronteras del daño resarcible, La Ley, 2005. p. 1413-1430. Disponível em: [ www.calvocosta.
com.ar/articulos.php]. Acesso em: 30.06.2020. p. 1-2. Em sentido semelhante, veja-se: TUNC,
André. La responsabilité civile. 2. ed. Paris: Economica, 1989. p. 133. Entretanto, este autor, ao
contrário de Mekki, entende que as funções de punição, vingança e de restabelecimento da
ordem social não mais se sustentam contemporaneamente. Com a mesma opinião, no direito
brasileiro, consulte-se: PUSHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da respon-
sabilidade civil e o art. 927, § único do Código Civil. Revista Direito FGV, v. 1, n. 1, p. 91-107,
2005. p. 92.
8. BORGHETTI, Jean-Sébastien, Les intérêts protégés et l’étendue des préjudices réparables en
droit de la responsabilité civil extracontractuelle, In: BORGHETTI, Jean-Sébastien; DESHAYES,

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Apesar do crescente protagonismo, parcela considerável da doutrina clássica tra-


tou o dano como um elemento cujo conteúdo e cujos limites poderiam ser descobertos
naturalmente, “como se a necessidade evidente do prejuízo dispensasse toda a discus-
são sobre a sua definição”9. Nas últimas décadas, porém, o debate sobre o que seria
um dano passível de reparação vem atraindo crescente atenção dos juristas com visão
comparatista10.
A busca pelos limites do chamado “dano indenizável” em um determinado orde-
namento jurídico, contudo, é comumente investigada de uma maneira ampla, utili-
zando-se todos os requisitos clássicos da responsabilidade civil. De acordo com essa
abordagem, poderiam colmatar a moldura do “dano ressarcível” requisitos como os fa-
tores de atribuição, a antijuridicidade da conduta do agente e, de forma muito destacada
em ordenamentos com cláusula geral de responsabilidade civil extracontratual, o nexo
de causalidade.
Optando por caminho oposto, o presente estudo afasta-se da abordagem dos de-
mais requisitos da responsabilidade civil e restringe a análise das fronteiras do dever de
indenizar aos aspectos diretamente relacionados com a teoria do dano. Desse modo, o
primeiro capítulo do presente trabalho dedicar-se-á a analisar, diante de um mosaico de
significados que a expressão “dano indenizável” pode apresentar, um conceito jurídico
ou normativo de dano que possua conteúdo eficacial próprio, sem a necessidade de se
submeter a uma interface conceitual com os outros requisitos da responsabilidade civil.
Após o afastamento dos demais requisitos clássicos da responsabilidade civil, mister
pesquisar a possibilidade do dano se revestir de normatividade, marcando o seu papel
como um importante filtro da responsabilidade civil. Assim, na segunda parte do pri-
meiro capítulo, serão analisadas algumas teorias sobre o conceito de dano que desenvol-
vem uma abordagem por muitos considerada como “naturalística” ou “vulgar”, ou seja,
alinhadas com o pensamento que entende o dano como simples menoscabo de bens ou
como mera manifestação fenomênica.
O segundo capítulo do presente trabalho dedicar-se-á à compreensão da trajetória
do termo “interesse” na configuração das teorias sobre o conceito normativo de dano.

Olivier y PÉRÈS, Cécile. Études offertes à Geneviève Viney. París: LGDJ. 2008. p. 145-171. Para o
autor, “[...] le centre de gravité de la responsabilité civile semble s’être déplacé du comportement
de l’auteur du dommage vers la situation de la victime. En conséquence, il n’est pas illogique de
chercher à borner l’étendue de la responsabilité en jouant sur ce qui est désormais son élément
premier, tant du point de vue de la genèse du droit à réparation que du point de vue théorique,
c’est-à-dire le préjudice”.
9. LE TOURNEAU, Philippe. Op. cit., p. 555.
10. WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN, Reinhard
(Orgs.). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v. 2. Essential cases on damage.

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Em uma primeira parte, a evolução da noção de id quod interest será apresentada, real-
çando-se a sua conexão teórica com as modernas teorias que utilizam a “hipótese dife-
rencial” como fundamento para a conceituação normativa do dano.
Considerando a impressionante polissemia que o termo “interesse” pode apresen-
tar, imprescindível centrar esforços, na segunda parte do segundo capítulo, na especí-
fica conceituação de interesse como elemento da teoria do dano, separando-o das mui
comuns análises do interesse juridicamente protegido como elemento intimamente im-
bricado com outros institutos ou com outros requisitos da responsabilidade civil, como
a antijuridicidade.
O terceiro e derradeiro capítulo abordará a construção contemporânea de um con-
ceito normativo de dano. As possibilidades conceituais apresentadas possuem conse-
quências diretas na operacionalidade da responsabilidade civil, tanto em relação aos
danos patrimoniais quanto em relação aos danos extrapatrimoniais, descortinadas pela
noção de interesse. Nesse sentido, na segunda parte do terceiro capítulo, será analisa-
da a compatibilidade do conceito jurídico de dano com algumas figuras observadas na
doutrina e na jurisprudência, tais como o dano per se, o dano in re ipsa e o injury as such.
Assim, percorrendo o caminho apontado, o presente estudo pretende traçar uma
noção de dano que possua conteúdo normativo próprio, permitindo que o dano rea-
firme o seu protagonismo com um dos principais requisitos da responsabilidade civil.

1. O ponto de partida terminológico e as teorias do dano com


enfoque na lesão a bens
1.1. Os vários sentidos da expressão “dano indenizável”: acepção ampla e
estrita
É fundamental, para um trabalho que visa analisar o conceito de dano, que a utiliza-
ção consistente e precisa da terminologia seja observada. A multiplicidade de acepções
relacionadas com o termo “dano indenizável”, gera, em muitos aspectos, a já denunciada
“plurivocidade cacofônica”11, impedindo um denominador comum linguístico. Termi-
nologia imprecisa ao mesmo tempo reflete e gera um pensamento impreciso12.

11. MARTINS-COSTA, Judith. A linguagem da responsabilidade civil. In: BIANCHI, José Flávio;
MENDONÇA PINHEIRO. Rodrigo Gomes de; ARRUDA ALVIM, Teresa (Coords.). Jurisdição
e direito Privado: estudos em homenagem aos 20 anos da Ministra Nancy Andrighi no STJ. São
Paulo: Ed. RT, 2020. p. 392.
12. NOLAN, Donal. Rights, Damage and Loss. Oxford Journal of Legal Studies, v. 37, p. 255-275,
Issue 2, Summer 2017. p. 275. O autor adverte sobre os perigos da utilização indiscriminada de
termos como ‘damage’, ‘loss’, ‘injury’ e ‘harm’, afirmando que “loose terminology both reflects
and generates loose thinking.”

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O delineamento de um panorama geral terminológico13 das expressões utilizadas na


construção da teoria do dano, mormente no que se refere aos termos “dano indenizável”
e “dano ressarcível”, será o primeiro passo deste capítulo.
Sinde Monteiro afirma, dentro da perspectiva do Direito português, que “os bens
jurídicos gerais pessoa e patrimônio são demasiado extensos para que toda e qualquer
ingerência ou ataque (Eingriff) possa dar lugar a uma obrigação de indemnização”14.
A lição indica a função precípua da responsabilidade civil: a identificação, em abstrato
e em concreto, dos requisitos necessários para que o prejuízo sofrido pela vítima possa
configurar um dano ressarcível.
O termo “dano ressarcível” ou “dano indenizável”, portanto, em uma de suas acep-
ções possíveis, pode traduzir essa preocupação geral com os extensos limites impostos
ao dever de indenizar, relacionando-se diretamente com os múltiplos elementos da res-
ponsabilidade civil. Aqui, a configuração do dano indenizável pode ser entendida como
a criação da relação jurídica obrigacional entre agente e vítima, ou seja, equivale à veri-
ficação de todos os requisitos da responsabilidade civil para propiciar que a vítima, que-
rendo, possa exercer sua pretensão indenizatória contra o causador do prejuízo.
Nessa circunstância, o termo “dano indenizável” ultrapassa os limites da teoria do
dano e desloca o seu centro de atenção para a interface com os demais fatores da res-
ponsabilidade civil. Poder-se-ia notar a inexistência de um “dano indenizável” simples-
mente porque faltaria, por exemplo, a comprovação da antijuridicidade da conduta do
agente ou de um vínculo causal entre esta e o prejuízo sofrido pela vítima. Dentro dos
limites do presente trabalho, essa noção de dano indenizável será denominada de “no-
ção ampla”.
Em sistemas jurídicos munidos de grandes cláusulas gerais de responsabilidade ci-
vil extracontratual (como Brasil e França, por exemplo)15, o nexo de causalidade pode,
em diversos momentos, servir de critério para delimitar a extensão dos “danos inde-
nizáveis”. Não se admitem como indenizáveis todos os prejuízos “em cascata”16, pois

13. Realizou-se semelhante esforço de identificação de um panorama geral terminológico, mas em


relação à antijuridicidade, em PETEFFI DA SILVA, Rafael. Antijuridicidade como requisito da
responsabilidade civil extracontratual: amplitude conceitual e mecanismos de aferição. Revista
de Direito Civil Contemporâneo, v. 18, ano 6, p.169-214, jan.-mar. 2019. p. 172 e ss.
14. MONTEIRO, Jorge Ferreira Sinde. Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informa-
ções. Coimbra: Almedina. 1989. p. 175.
15. WAGNER, Gerhard. Comparative Tort Law. In: REIMANN, Mathias; ZIMMERMANN, Rei-
nhard (Orgs.). The Oxford Handbook of Comparative Law. New York: Oxford University Press.
2008. p. 1013.
16. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 603; BARBO-
SA, 2006, p. 26 – A autora leciona que a limitação da responsabilidade civil ocorre por critérios

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somente os danos em relação de causalidade adequada com a ação ou omissão do agen-


te podem ser reparados.
No rico exemplo dos danos por ricochete, a cadeia dos que possuem legitimidade
ativa para propor demandas visando à indenização do dano reflexo ou por ricochete
pode estar ligada ao nexo de causalidade17. Ao contrário do que ocorre em países como
Portugal, que possuem róis específicos positivados em sua legislação nacional, países
como a França e o Brasil modulam os seus róis de legitimados com o auxílio da teoria
do nexo de causalidade, segundo a proximidade da vítima direta com a vítima indireta
ou por ricochete18.
A ausência de um fator de atribuição19 também pode influenciar na colmatação da
acepção ampla de dano indenizável. Em hipóteses regidas pela responsabilidade subje-
tiva, a ausência do requisito culpa poderá fazer com que o prejuízo sofrido pela vítima
não se converta em um dano indenizável. Em muitas situações, por exemplo, a ação ou
omissão do médico que causa prejuízo ao paciente não gerará dever de indenizar se o

desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência, “designadamente através do nexo de causa-


lidade, facto que leva a que raramente sejam indemnizados todos os danos em cascata”.
17. PETEFFI DA SILVA, Rafael. RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Dano reflexo ou por ricochete:
ponto de partida para a diferenciação dos sistemas brasileiro e português de responsabilidade
civil extracontratual. In: PETEFFI DA SILVA, Rafael; GRAZIEIRO CELLA, José Renato (Org.).
Direito mercantil, direito civil, direito do consumidor e novas tecnologias. Barcelona: Ediciones
Laborum, 2015. v. 1. p. 51; NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 603. “Todos os danos, sejam dire-
tos ou indiretos, inclusive os danos por ricochete, devem ser reparados. O que é necessário é que
todos sejam certos e que ainda sejam, de acordo com o curso normal das coisas, consequência
adequada do fato gerador. Só não serão reparados os danos incertos e os que não sejam conse-
quência adequada do fato lesivo”.
18. PETEFFI DA SILVA, Rafael. RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Op cit.p. 51.
19. Apesar da expressão “fatores de atribuição” não ser tão comum em grande parte da doutri-
na brasileira, ela expressa as maneiras de justificar a atribuição de responsabilidade civil, verifi-
cadas, de acordo com o caso concreto, em elementos como a culpa, o defeito do produto e o risco
da atividade. Para a identificação de autores que se utilizam expressamente desta expressão,
consulte-se PAPAYANNIS, Diego. Op. cit.2022, p. 14. Para o autor: “Además de haber sufrido un
daño jurídicamente relevante, este debe haber sido causado por una acción, actividad o riesgo
perteneciente a la esfera de la parte demandada que pueda subsumirse en alguna de las catego-
rías de condiciones a las cuales el ordenamiento atribuye responsabilidad. La manera en que los
sistemas jurídicos identifican el tipo de acción apropiada a este respecto es mediante normas
que definen lo que llamaré “factores de atribución” (Ibidem, p. 14). Judith Martins-Costa, ape-
sar de admitir a utilização do termo “fatores de atribuição”, utiliza-se da expressão “fatores de
imputação”, indicando que “nexo de imputação” também é utilizado pela doutrina (MARTINS-
-COSTA, Judith. Op cit., 2020, p. 391). O atual Código Civil argentino utiliza-se da expressão
fatores de atribuição em inúmeras passagens, veja-se: “Artículo 1721. Factores de atribución.
La atribución de un daño al responsable puede basarse en factores objetivos o subjetivos. En
ausencia de normativa, el factor de atribución es la culpa.”

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erro médico, caracterizando a conduta culposa, não for observado. Fenômeno idêntico
pode ser constatado em hipóteses de responsabilidade civil pelo fato do produto, caso o
defeito não seja verificado20.
Apesar da importância dos requisitos já referidos para a configuração dessa noção
ampla do chamado dano indenizável, a antijuridicidade possui o papel mais destacado
nesse cenário, pois é comum que os sujeitos de direito sofram inúmeras consequências
negativas, causadas por condutas expressa ou implicitamente autorizadas pelo Direi-
to. Danos causados por regular exercício de direitos – como a concorrência leal, o líci-
to protesto de um determinado título cambial e o normal rompimento de uma relação
amorosa – possuem o potencial de causar consideráveis consequências negativas, sem
que estas se configurem em “danos indenizáveis”, exatamente pela falta de conduta anti-
jurídica por parte do causador do prejuízo. Mesmo os prejuízos observados quando da
lesão a bens ou interesses jurídicos largamente protegidos, como a vida ou a integridade
física, poderão não ser reparados se alguma pré-excludente da antijuridicidade (ilicitu-
de)21 se fizer presente, tal como a legítima defesa22.
Essa situação pode ser facilmente notada no Direito inglês, em que a tradição jurídi-
ca centrou sua preocupação nas condutas antijurídicas (injuria), gerando um desenvol-
vimento atrofiado da teoria do dano, o que também propiciou destacada relevância aos
demais requisitos da responsabilidade civil. A falta de desenvolvimento de um sofisti-
cado conceito específico de dano acabou por intensificar o protagonismo de requisitos
como o nexo de causalidade e a ilicitude (antijuridicidade)23.

20. BASTOS, Daniel Deggau. Responsabilidade pelos riscos e o defeito do produto: uma análise com-
parada com o Direito norte-americano. Tese (Doutorado). Florianópolis: Curso de Direito,
Universidade Federal de Santa Catarina, 2020.
21. Para a identificação da legítima defesa dentro da categoria de pré-excludente da ilicitude, ve-
ja-se: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Bens. Fatos
Jurídicos. Atualização de Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Ed. RT, 2012. t. 2. p. 351 e
ss. Para um estudo da correlação dos termos antijuridicidade e ilicitude, veja-se: PETEFFI DA
SILVA, Rafael. Op. cit., p. 172-177.
22. GARCIA-RIPOLL MONTIJANO, Martín. La antijuridicidad como requisito de la responsa-
bilidad civil. Anuario de Derecho Civil. Madrid: Boletín Oficial del Estado, 2013. t. 66. p. 1539.
Em sentido semelhante, veja-se: PONTES DE MIRANDA, Francisco. Op. cit., t. 2, p. 351-353;
BUERES, Alberto. Derecho de Daños. Buenos Aires: Hammurabi, 2001. P. 500 e PETEFFI DA
SILVA, Rafael. Op. cit., p. 191.
23. Nas palavras dos autores: “[t]hough one finds a great deal of case law and literature on damages,
little effort has been devoted to defining damage. The common lawyer, unlike the civil lawyer,
rarely asks himself the question ‘What damage is redressable in a tort action?’ since his system,
for a long time, concentrated not on damnum but on injuria. The reason for this different em-
phasis is historical: damage awards lay, until comparatively recently, within the exclusive control
of juries once the defendant’s behaviour had been found to be tortious. Only where damage was

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Como os sistemas jurídicos incluídos na tradição da Common Law contam com uma
multiplicidade de torts, cada qual com sua especificidade, não se pode afirmar que existe
um conceito único de dano, pois limites e características podem variar dependendo do
tort a ser analisado. A doutrina aponta que poderia haver mais de 70 conceitos distintos
de dano, relativos a cada um dos torts observados no Direito inglês24.
Em alguns trabalhos de harmonização da Responsabilidade Civil europeia observa-
-se a utilização dessa abordagem ampla de dano indenizável, em que a impossibilidade
da vítima exigir reparação pelas consequências negativas sofridas ocorre pela falta de
outros requisitos da responsabilidade civil.
O Draft Common Frame of Reference, de 2009, utiliza a noção de dano indenizável ou
do “dano juridicamente relevante” (legally relevant damage) em uma abordagem em que
dano e antijuridicidade aparecem imbricados. Destarte, ao dedicar o seu art. VI- 2:10125

an element of tort itself could judges formulate rules in terms of damage. So the task of fixing
the boundaries of liability had to be achieved through those concepts over which the judge
had exclusive control. Causation, remoteness and, later, duty, were the obvious devices. This
inheritance has still left its mark on modern law with the result that many issues of damages
still receive – and have received in this book – their main attention under the general heading of
causation” (DEAKIN, Simon; JOHNSTON, Angus; MARKESINIS, Basil. Markesinis & Deakin’s
Tort Law. 6. Ed. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 940).
24. Nas palavras do autor: “There is no general concept of ‘damage’ in English tort law, and academic
discussions of the topic have been few in number, but damage does play an important role in
most torts recognised by English law. As there are, according to one estimate, some 70 or more
torts recognised by the common law, it could be said that there are in fact 70 or more different
conceptions of damage in English tort law. That is to overstate the case somewhat, but it gives
some indication of the difficulty facing an English lawyer in this area. It by no means follows that
what is recognized as damage in Tort A is so recognized in Tort B.” (OLIPHANT, Ken. England
and Wales (Introduction). In: WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A;
ZIMMERMANN, Reinhard (Orgs.). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter, 2011. v. 2
(Essential cases on damage). p. 36).
25. Draft Common Frame of Reference VI. – 2: 101: “Meaning of legally relevant damage: (I) loss,
whether economic or non-economic, or injury is legally relevant damage if: (a) one of the fol-
lowing rules of this Chapter so provides; (b) the loss or injury results from a violation of a right
otherwise conferred by the law; or (c) the loss or injury results from a violation of an interest
worthy of legal protection. VI.-2:101 (2) In any case covered only by sub-paragraphs (b) or (c) of
paragraph (I) loss or injury constitutes legally relevant damage only if it would be fair and rea-
sonable for there to be a right to reparation or prevention, as the case may be, under V!. – I; !D!
(Basic rule) or I: 102 (Prevention). (3) In considering whether it would be fair and reasonable for
there to be a right to reparation or prevention regard is to be had to the ground of accountability.
To the nature and proximity of the damage or impending damage, to the reasonable expecta-
tions of the person who suffers or would suffer the damage, and to considerations of public
policy. (4) In this Book: (a) economic loss includes loss of income or profit, burdens incurred
and a reduction in the value of property: (b) non-economic loss includes pain and suffering and
impairment of the quality of life.”.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
42 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

ao chamado dano juridicamente relevante, Menezes Cordeiro aponta que, no DCFR,


ocorreu o “hábil”26 deslocamento dos questionamentos ínsitos à antijuridicidade para o
conceito de dano27. Pelas dificuldades do tratamento da antijuridicidade em trabalhos
de harmonização de vários ordenamentos jurídicos, a escolha justifica-se, ainda que os
substitutos do instituto da antijuridicidade contem com menor tradição jurídica28.
Pode-se encontrar um panorama semelhante em relação aos Princípios de Direito
Europeu de Responsabilidade Civil. Nesse diploma de harmonização da Responsabili-
dade Civil utilizou-se o conceito de “dano ressarcível”29. A tradução portuguesa para o
artigo correspondente dispõe que “o dano consiste em uma lesão material ou imaterial
a um interesse juridicamente protegido”. Na tradução oficial do documento para outras
línguas latinas, como o espanhol, a tradução da palavra inglesa harm conecta-se de ma-
neira mais direta com uma visão mais consequencialista do dano: “El daño requiere un
perjuicio material o inmaterial a un interés jurídicamente protegido”.
Helmut Koziol enfatizou que a lesão a interesses protegidos se relaciona diretamen-
te com o campo da antijuridicidade e cumpre um papel fundamental na sistemática dos
“Princípios”, pois representa solução adequada para resolver a dificuldade em traduzir,
em um documento de harmonização, as inúmeras diferenças e nuances que a antiju-
ridicidade desempenha nos mais variados países30. A ideia de que a antijuridicidade é
fundamental para a observação de uma noção ampla de “dano ressarcível” é inafastável
em qualquer ordenamento jurídico europeu31. Resta claro que, nesse diploma, a noção
de interesse protegido não se presta para demarcar os contornos dos prejuízos indeni-
záveis ou de seu remédio específico, mas para “delimitar o campo de proteção, com uma
função próxima da ‘ilicitude’”32.

26. MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil português. Coimbra: Almedina,
2010. V. 2. T. 3.p. 352.
27. PETEFFI DA SILVA, Rafael. Op. cit., p. 193.
28. REGLERO CAMPOS, Luis Fernando. BUSTO LAGO, José Manuel (Coord.). Tratado de Res-
ponsabilidad Civil. Atualizado por Fernando Peña Lopez. 5. ed. Madri: Arandiz, 2014. T. 1. p. 80.
29. Artigo 2:101. Recoverable Damage: “Damage requires material or immaterial harm to a legally
protected interest.”
30. EUROPEAN GROUP ON TORT LAW. Principles of European Tort Law. Viena: Springer, 2005.
p. 26. Comentários por KOZIOL, Helmut.
31. Ibidem, p. 25. “The idea behind placing the emphasis on ‘legally protected interest”, is of im-
portance for the understanding of the fundamental concept of the Principles. Underlying the
notion of interference with protected interests is one aspect of the concept which the European
Group on Tort Law in its discussions has called ‘wrongfulness’.” Em sentido semelhante,
REGLERO CAMPOS, Luis Fernando. Op. cit., p. 80.
32. MOTA PINTO, Paulo. Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo. Coimbra:
Coimbra Editora, 2008. V. 1. p. 503.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 43

Não restam dúvidas que o instituto do danno ingiusto, arquitetado pelo legislador
italiano do Código Civil de 1942, poderia ilustrar a utilização do “dano indenizável” em
seu sentido amplo, isto é, utilizando-se dos demais requisitos da responsabilidade
em sua caracterização. Contudo, pelo destaque que a importação da figura do “dano in-
justo” recebeu da doutrina brasileira nas últimas décadas, entende-se adequado dedicar
uma análise mais atenta para esse conceito em momento posterior.
No delineamento da noção de “dano indenizável” em seu sentido amplo, realizada
neste capítulo, restou evidente a sua capacidade de realizar a operação de seleção dos
prejuízos passíveis de indenização, o que justifica a sua existência na ciência do Direito.
Entretanto, essa abordagem do dano indenizável parece apenas ter o papel de destacar as
conexões do dano com os outros requisitos necessários para a gênese do dever de inde-
nizar, colocando em dúvida a existência de uma relevância normativa própria do dano
como requisito da responsabilidade civil33.
Na sequência do trabalho, portanto, observar-se-á a tentativa de demonstrar a pos-
sibilidade da teoria do dano, de acordo com uma noção estrita, contribuir de forma efe-
tiva para esse trabalho de seleção de prejuízos indenizáveis.

1.2. O dano indenizável como menoscabo de bens


No presente subcapítulo observar-se-á o início de uma tentativa, que acabará por
permear a integralidade do presente trabalho: o tratamento do dano de uma forma in-
dependente, sem se imiscuir, na medida do possível, com outros requisitos da respon-
sabilidade civil, consubstanciando uma “visão estrita” do dano. Assim, será verificada a
construção de possíveis conceitos de dano, todos com conteúdo eficacial próprio. Neste
item 1.2 será estudada uma abordagem que não parece ser a mais adequada para com-
por uma teoria contemporânea do dano, mas, por ainda ser utilizada de maneira bastan-
te frequente, necessita ter os seus elementos analisados.

1.2.1. Noções Gerais


Parcela da doutrina defende que o dano representaria a deterioração ou o menos-
cabo sofrido nos próprios bens da vítima. Grande parte do pensamento jurídico que
se relaciona com essa noção de dano costuma sentir-se confortável com a sinonímia

33. Autores que entendem o “conceito normativo de dano” na linha apresentada, ou seja, de acordo
com a acepção ampla de dano indenizável, admitem um problema de falta de conteúdo eficacial
próprio. Nesse sentido, CARNEIRO DA FRADA, Manuel. Direito civil/responsabilidade civil:
o método do caso. Coimbra: Almedina, 2010. p. 90: “o conceito normativo de dano não resolve
o problema do seu preenchimento. Embora evite as dificuldades de uma compreensão social
ou empírica de prejuízo, por si só é inoperante. Para o aludido preenchimento revelam os outros
pressupostos da responsabilidade, particularmente a ilicitude”. (grifou-se)

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
44 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

entre dano e prejuízo e aceita que a noção jurídica de dano esteja bastante conectada
com uma noção vulgar ou naturalística. À esta ideia também estaria atrelada a noção
de desvantagem, de uma modificação fenomênica, seja no campo patrimonial, seja no
campo extrapatrimonial34.
Há parcela da doutrina35 que entende que essa abordagem de dano contrapõe-se à
ideia de dano como lesão a interesse protegido, que se encontra amplamente difundida
na doutrina brasileira36.
Para a avaliação adequada dessa corrente, que considera o dano como lesão a bens,
é importante recordar que o entendimento de bem é, para Francisco Cavalcanti Pon-
tes de Miranda, “aproximativamente o de objeto do Direito; mais amplo, pois, que o de
coisa”37. A amplitude dessa categoria jurídica alberga noções como a que estabelece ser
o bem jurídico “qualquer objeto de satisfação”38 ou “tudo que nos agrada”39. Para Jorge
Bustamante Alsina, bem jurídico é todo objeto material ou imaterial, seja de valor eco-
nômico ou não, que serve ao homem para satisfazer suas necessidades40.
O bem jurídico, como objeto de Direito, pode representar simplesmente uma pro-
messa, quando relacionado com os direitos de crédito, ou um simples objeto, ou até
mesmo elementos mais amplos e sem satisfação patrimonial como a vida, a liberdade, o
nome, a honra, a saúde, a integridade física, a intimidade e a própria pessoa41.

34. Doutrinadores entendem possível separar as correntes que consideram o dano como a lesão ou
deterioração de algum bem jurídico e as correntes que o vinculam a uma simples manifestação
fenomênica ou consequência negativa, nesse sentido, BUERES, Alberto. Op. cit., p. 290-292;
CALVO COSTA, Carlos A. Daño resarcible. Buenos Aires: Hammurabi, 2005. p. 79. O autor
relaciona a ideia de dano como consequência negativa a grande parte da doutrina argentina, en-
globando nomes como Iturraspe, Alterini, e Bustamante Alsina. No Brasil, com posicionamen-
to semelhante, veja-se: BASTOS, Daniel Deggau. Responsabilidade civil pela perda do tempo:
dano ressarcível e categorias indenizatórias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
35. Exemplificativamente, veja-se: AGUIAR DIAS, José de. Op. cit., , p. 715.
36. A abordagem doutrinária que agasalha essa noção de dano será analisada no próximo capítulo.
37. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 2, p. 80-81.
38. ZANNONI, Eduardo. A. El daño em la responsabilidade civil. 3. ed. Buenos Aires: Astrea: 2005.
p. 51; BASTOS, Daniel Deggau. Op. cit., 2019, p. 14-15.
39. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense. 1995. v. 1.
p. 345.
40. BUSTAMANTE ALSINA, Jorge. Teoría General de la responsabilidad civil. 9. ed. Abeledo Per-
rot: Buenos Aires, 1993. p. 238. Nas palavras do autor: “Bien jurídico es todo objeto material o
inmaterial, sea de valor económico o no, que sirve al hombre para satisfacer sus necesidades”
(Ibidem, p. 238). No mesmo sentido, DE CUPIS, Adriano. El Daño: teoria general de la respon-
sabilidad civil. 2. ed. Barcelona: Bosch. 1975. p. 109.
41. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 2, 2012, p. 74; PEREIRA, Caio Mario
da Silva. Op. cit., p. 345, BUERES, Alberto. Op. cit., p. 285; ZANNONI, Eduardo. Op. cit., 2005,

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 45

Uma visão rígida de dano como mero menoscabo de bens gozou de grande prestí-
gio no Direito Romano clássico, quando se considerava que o dano estava intimamen-
te vinculado com o valor do bem lesado, normalmente entendido como coisa (quanti
aea res est)42. Essa abordagem em relação ao dano possuía, na concepção dos juristas da
época, a vantagem da praticidade e da certeza na quantificação do prejuízo43, tendo em
vista suportar uma visão estática do dano, sobretudo em um ambiente que normalmen-
te estabelecia a sinonímia entre bem e coisa. Essa noção de dano alinha-se com a obser-
vação naturalística do fenômeno danoso, equivalendo-se à acepção dominante do que
seria o dano.
Admite-se, entretanto, que esse período do Direito Romano já convivia com a ideia
de uma abordagem subjetiva e relacional do dano, representada pelo id quod interest44,
noção que está na base do desenvolvimento do conceito de “interesse” e que será melhor
desenvolvida nos capítulos posteriores.
Semelhante à linha de desenvolvimento observada no Direito Romano, a crítica dos
autores modernos à noção de dano como menoscabo de bens centra-se exatamente na
contraposição com a noção de dano como interesse ou como lesão a interesse45. Na hi-
pótese de destruição de uma residência, por exemplo, o valor de mercado do bem não
seria obrigatoriamente o único critério para se demarcar o dano, mas sim o valor que
essa casa teria para o seu proprietário, ou seja, um valor subjetivo extraído de uma con-
dição relacional e particular entre o bem lesado e seu titular46, traduzida pela noção de
interesse. Um mesmo objeto (bem) lesado, como uma casa ou um apartamento, pode
gerar, por exemplo, danos distintos para o seu proprietário e para o seu locatário, pois
eles possuem interesses distintos em relação a esse bem47.

p. 51. BASTOS, Daniel Deggau. Op. cit., , p. 14-15. Essa visão de bem não é unânime e podem
ser encontradas importantes vozes com pensamento distinto. Nesse sentido, exemplificativa-
mente, veja-se: RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva. 2002.
p. 116. “Com efeito, coisa é o gênero do qual bem é espécie. A diferença específica está no fato
de esta última incluir na sua compreensão a idéia de utilidade e raridade, ou seja, a de ter valor
econômico” (grifos no original)
42. ZIMMERMANN, Reinhard. The Law of Obligations: Roman Foundations of the Civilian Tradi-
tion. Cidade do Cabo: Juta & Co, 1990. p. 824, 970 e ss.
43. REINIG, Guilherme Henrique Lima. O problema da causalidade na responsabilidade civil: a teo-
ria do escopo de proteção da norma (Schutzzwecktheorie) e sua aplicabilidade no Direito Civil
brasileiro. São Paulo: Tese de Doutorado – Universidade de São Paulo, 2015. p. 43.
44. REINIG, Guilherme Henrique Lima. Op. cit., p. 43.
45. Todo o desenvolvimento da teoria do dano relacionada ao interesse será abordado nos próxi-
mos capítulos do presente trabalho.
46. BUERES, Alberto. Op. cit., p. 303.
47. NOLAN, Donal. Op. cit., 2017, p. 261. Para o autor, “While the issue of exactly what interest
is required need not detain us here, the fact that more than one person may have a sufficient

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
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46 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

Quando da subtração ou destruição de determinado numerário do bolso da vítima,


o dano não estaria representado por essa noção naturalística de menoscabo (pretium
commune), mas exatamente na noção de interesse, entendido como a idoneidade que es-
se bem possuía para satisfazer a necessidade específica do seu titular48 (pretium singolare).
Apesar das críticas relatadas, a visão de dano como menoscabo de bens é compar-
tilhada por grande parte da doutrina brasileira49, ocorrendo em outros países que in-
fluenciaram largamente a cultura jurídica do Brasil.50

interest to bring a claim in respect of damaged property–bailor and bailee, legal and equitable
owner–shows us that ‘damage’ in this context is a normative concept associated with a person, not
a factual concept associated with a particular physical entity.” (grifou-se). Em sentido semelhan-
te, veja-se: CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 73.
48. BASTOS, Daniel Deggau. Op. cit., p. 17.
49. A própria noção de dano de Agostinho Alvim parece levar em consideração essa espécie de dano
intimamente conectado com a deterioração de bens e com as consequências negativas para a
vítima, veja-se: “Nós entendemos que o têrmo dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qual-
quer bem jurídico, e aí se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, o dano é, para nós, a lesão
do patrimônio; o patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis
em dinheiro. Aprecia-se o dano tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio” (ALVIM,
Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. São Paulo: Saraiva, 1955. p. 187).
Há autores contemporâneos que replicam o entendimento do mestre, nesse sentido, veja-se o
comentário de Carlos Roberto Gonçalves à posição de Alvim, “Essa opinião sintetiza bem o
assunto, pois, enquanto o conceito clássico de dano é o de que constitui ele uma ‘diminuição
do patrimônio’, alguns autores o definem como a diminuição ou subtração de um ‘bem jurídi-
co’, para abranger não só o patrimônio, mas a honra, a saúde, a vida, suscetíveis de proteção.”
(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo:
Saraiva. 2013. v. 4. p. 362). Em sentido semelhante tem-se a opinião de Maria Helena Diniz: “Co-
mo nos ensina Carlos Alberto Bittar, o dano é prejuízo ressarcível experimentado pelo lesado,
traduzindo-se, se patrimonial, pela diminuição patrimonial sofrida por alguém em razão da
ação deflagrada pelo agente, mas pode atingir elementos de cunho pecuniário e moral”. Para a
autora, a noção de diminuição ou destruição de bens (ainda que acrescida da lesão a “interesses
jurídicos”) harmoniza-se com o trecho transcrito, como se pode notar da seguinte passagem: “o
dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento,
sofre uma pessoa, contra a sua vontade, e qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou
moral” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 23. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 63).
50. O autor, fazendo referência ao Direito português, leciona que nas últimas décadas não houve
grandes trabalhos monográficos sobre o tema e entende que “normalmente a doutrina fornece
uma noção geral de dano – como a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtracção
ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimo-
niais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante,
por ser tutelada pelo Direito – e refere-se, depois, especificamente para o dano patrimonial que
o dano é a ‘desvantagem que é causada a alguém no seu patrimônio, direitos ou na pessoa’ (for-
mulação do parágrafo 1293 do ABGB austríaco)” (MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 539-540).

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Doutrina Nacional 47

Importante notar que parcela da doutrina brasileira acaba por aliar a noção de da-
no como lesão a bem jurídico com a comparação entre a situação fática em que a vítima
se encontrava antes do fato danoso e a situação fática observada “imediatamente após a
sua prática”.51 No próximo capítulo será demonstrado que essa abordagem, que apenas
compara duas situações fáticas, não se confunde com a “hipótese diferencial” encontra-
da na teoria da diferença, que é normativamente construída.
Em França, a distinção entre dano e prejuízo possui relação com este estudo, pois
pode apresentar conexões conceituais e funcionais com uma visão naturalística de le-
são, deterioração ou menoscabo de bens. A visão que identifica o dano à lesão a uma
coisa, a uma pessoa ou a uma situação, enquanto o prejuízo seria apenas a consequên-
cia desta lesão, passou a ser considerada com maior seriedade depois da década de 50
do século passado. O prejuízo poderia ser patrimonial ou extrapatrimonial, indepen-
dentemente da natureza do bem lesado. Porém, considerável parcela doutrinária não vê
qualquer utilidade prática na distinção entre os dois conceitos.52.
Geneviève Viney e Patrice Jourdain entendem que a distinção entre dano e prejuízo
não traz maior interesse prático, sendo que ambos os termos são tratados, em sua obra,
como “les conséquences d’une atteinte a une personne ou a un bien, qu’on les nomme
préjudice ou dommage”53.
Essa visão do dano poderia parecer contraditória com a afirmação feita em momen-
to posterior da obra dos autores, em que encontramos a expressão “o prejuízo é a lesão
a um interesse”54, mas é importante notar que a noção de interesse utilizada pelos auto-
res guarda relação com o id quod interest que será desenvolvido no próximo capítulo55.

51. Nesse sentido, a lição de Araken de Assis: “o dano patrimonial consiste na perda, destruição
ou deterioração de algum bem inserido no patrimônio de alguém. Ele decorre da comparação
entre o estado patrimonial antes da ocorrência do ilícito e após a sua prática” (ASSIS, Araken de.
Liquidação do dano. Revista dos Tribunais, n. 759, p. 11-23, jan. 1999). Essa visão difere da siste-
mática apregoada pela teoria da diferença. Como será explicado no próximo capítulo, a teoria da
diferença apoia-se na “hipótese diferencial” constituída pela comparação do estado em que se
encontra a vítima após o evento danoso e o estado em que ela estaria se o este mesmo evento não
tivesse existido. Essa comparação não pode ser confundida com a que se efetua entre os estados
da vítima observados imediatamente antes e depois do estado danoso, uma comparação fática
que apenas retrata a deterioração do bem jurídico.
52. BORGHETTI, Jean-Sébastien. Op. Cit., , p. 4; LE TOURNEAU, Philippe. Op. cit., p. 556 “[...] Il
est d’usage, en droit français, de tenir pour synonyme les termes de dommage et de préjudice.”
Alerte-se que ambos os autores apenas trazem uma visão panorâmica do Direito francês, já que
são alguns dos maiores críticos da sinonímia entre dano e prejuízo.
53. VINEY, Geneviéve; JOURDAIN, Patrice. Traité de Droit Civil. 4. ed. Paris: L.G.D.J., 2013. V. Les
conditions de la responsabilité, p. 4.
54. VINEY, Geneviéve; JOURDAIN, Patrice. Op. cit., p. 25. No original: “Le préjudice est la lésion
d’un intèrêt”.
55. VINEY, Geneviéve; JOURDAIN, Patrice. Op. cit., p. 26.

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Assim, afastam-se os autores da chamada “fórmula” do “interesse legítimo juridicamen-


te protegido”56, mais conectado à seara da ilicitude57 e utilizado esporadicamente pela
jurisprudência francesa para limitar a proteção a algumas situações jurídicas, como o
que ocorreu com o prejuízo reflexo sofrido pela concubina nas hipóteses de morte do
seu concubino58.
Diante desse contexto complexo, os autores afirmam que o dano, em França, é nor-
malmente entendido, pelos juízes, com o mesmo significado contido na linguagem
comum, ou seja, como sinônimo de prejuízo59. Assim, defendem que, apesar de im-
portantes vozes dissidentes60, também é razoável considerar que a noção de perda ou
desvantagem seja, para muitos, suficiente para caracterizar a noção jurídica de dano in-
denizável61. Parcela da doutrina considera que esta visão de dano naturalístico coincidi-
ria com a visão normativa de dano62.
No próximo capítulo serão examinadas correntes doutrinárias que apresentarão
conceitos normativos de dano que se afastam da mera lesão de bens (concepção nor-
malmente atrelada a uma visão naturalística do instituto), geralmente utilizando-se da
noção de interesse como fundamento teórico para alicerçar tal mudança.

1.2.2. Ainda a divisão entre as acepções estrita e ampla de dano


indenizável, especialmente em relação à noção de dano pelo prisma
da lesão a bens
Realizando críticas específicas às ideias carneluttianas sobre o dano como lesão a in-
teresse63, José de Aguiar Dias leciona que

“como, para nós, é possível, como já insinuamos, exigir-se que a noção de dano se
restrinja à ideia de prejuízo, isto é, o resultado da lesão, só por isso se mostra mais

56. VINEY, Geneviéve; JOURDAIN, Patrice. Op. cit., p. 19. No original: “la lésion d’un intérêt légi-
time juridiquement protégé”.
57. As múltiplas acepções do termo interesse no âmbito da responsabilidade civil serão abordadas
no próximo capítulo.
58. VINEY, Geneviéve; JOURDAIN, Patrice. Op. cit., p. 18.
59. VINEY, Geneviéve; JOURDAIN, Patrice. Op. cit., p. 17. “En effet notre Code Civil n’a donné
aucune definition du dommage, ce qui a incité les juges à se référer au concept que désigne le
langage courant”.
60. BORGHETTI, Jean-Sébastien. Op. cit., 2008, p. 4; LE TOURNEAU, Philippe. Op. cit., p. 556.
61. VINEY, Geneviéve; JOURDAIN, Patrice. Op. cit., p. 20.
62. DOMINGO, Elena Vicente. El Daño. In: REGLERO CAMPOS, Luis Fernando. BUSTO LAGO,
José Manuel (Coord.). Lecciones de Responsabilidade Civil. 2. ed. Navarra: Aranzadi. 2013. p. 82.
63. O desenvolvimento da noção de interesse será abordado no próximo capítulo.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
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Doutrina Nacional 49

adequada do que a de Carnelutti a definição de Fischer, que considera o dano nas suas
duas acepções, a) vulgar, de prejuízo que alguém sofre, na sua alma, no seu corpo ou
seus bens, sem indagação de quem seja o autor da lesão de que resulta; b) a jurídica,
que, embora partindo da mesma concepção fundamental, é delimitada pela sua con-
cepção de pena ou dever de indenizar, e vem a ser o prejuízo sofrido pelo sujeito de
direitos em consequências da violação destes por fato alheio.”64

A lição do autor citado aborda o dano como lesão a bens em uma noção ampliada
(alma, corpo e bens), mas próxima de ideia de manifestação fenomênica65 e, ato contí-
nuo, empreende a distinção entre um conceito vulgar e um conceito jurídico de dano.
Interessa notar que autores como Adriano De Cupis, ao contrário de Aguiar Dias,
apoiam a sua abordagem do dano na noção de interesse, pois este seria o objeto do dano.
Contudo, ambos possuem alguns entendimentos similares, pois o autor italiano realiza
a diferenciação entre um elemento material e substancial do dano, relacionado a uma
manifestação fenomênica ou vulgar, e o elemento formal, advindo da norma jurídica66.
A junção desses dois elementos bastaria para que o dano consubstanciasse verdadei-
ro fato jurídico, apto a atrair a atenção do jurista67. Com efeito, De Cupis afirma que nem
todo dano receberia a atenção do Direito e, portanto, somente seriam considerados co-
mo fatos jurídicos aqueles danos físicos que normalmente advêm de atos antijurídicos68.
O autor italiano está correto em afirmar que os prejuízos advindos de atos lícitos,
na imensa maioria das hipóteses, não gerarão sanção jurídica, isto é, não estarão aptos
a gerar o dever de indenizar em favor da vítima69, exatamente por não preencherem a
integralidade do suporte fático das normas que regulam o sistema de responsabilidade
civil, como os arts. 186, 187, 188 e 927 do Código Civil brasileiro. Muitas manifestações

64. AGUIAR DIAS, José de. Op. cit., p. 715 (grifou-se).


65. Entretanto, o autor admite a aplicação da teoria da diferença, que representa um dos momentos
mais importantes da trajetória da Responsabilidade Civil na superação de um conceito vulgar
de dano, como será ilustrado no próximo capítulo. Veja-se: AGUIAR DIAS, José de. Op. cit.,
p. 718.
66. DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 82.
67. DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 81.
68. DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 83-84. Com entendimento semelhante, consulte-se CALVO
COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 62. Registre-se que se concorda com a afirmação de que o dano,
em diversas situações, somente gera consequências jurídicas quando conjugado com os demais
requisitos da responsabilidade civil, como já demonstrado no subcapítulo anterior, momento
em que a acepção ampla do “dano indenizável” foi estudada. Entretanto, o dano pode apresentar
um caráter jurídico ou normativo mesmo considerado isoladamente, tal como acontece com
outros requisitos, como o nexo de causalidade.
69. Nesse sentido, PETEFFI DA SILVA, Rafael. Op. cit., p. 169-214 e MARTINS-COSTA, Judith.
Op. cit.2020, p. 400.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
50 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

danosas, portanto, não se consubstanciam em fatos jurídicos70. Porém, o dano poderá


ter um sentido jurídico mesmo se considerado somente como elemento da hipótese de
incidência de uma norma jurídica.
Diante das delimitações conceituais que foram realizadas no item anterior, pode-se
verificar que o conceito jurídico de dano apontado por esses autores relaciona-se com
o sentido amplo de “dano indenizável”. O próprio Aguiar Dias admite que seu conceito
jurídico de dano parte da “mesma concepção fundamental” da noção de dano vulgar e
centra a diferenciação entre essas duas noções exatamente na possibilidade de o dano
gerar o dever de indenizar. Ilustrando o seu pensamento, o autor assevera que, como não
há norma jurídica que proíba os sujeitos de direito de diminuir o seu próprio patrimô-
nio, estar-se-ia diante de um mero dano vulgar quando a diminuição patrimonial partir
do próprio titular de bens e direitos71.
Opina-se que essa situação jurídica seria verificada porque a conduta do sujeito de
direito que diminui o seu próprio patrimônio não se reveste, na maioria das vezes, de an-
tijuridicidade ou, dependendo do contexto, por agasalhar uma das hipóteses de exclu-
dentes de causalidade (fato exclusivo da vítima) e é incapaz, portanto, de gerar o dever
de indenizar, exatamente por ausência de outros requisitos da responsabilidade civil,
distintos do dano72.
Poder-se-ia, portanto, afirmar que a noção de dano somente poderia ser considera-
da jurídica ou normativa se for admitida a comunhão do dano com algum outro requi-
sito da responsabilidade civil, mormente a antijuridicidade (ilicitude)?
A resposta é negativa, pois, conforme defendido no ponto 1.1. do presente trabalho,
somente uma noção estrita do dano poderá lhe garantir conteúdo eficacial próprio. Nes-
se sentido, existem categorias jurídicas que, analisadas isoladamente, podem não preen-
cher a integralidade do suporte fático de determinada norma e, consequentemente,

70. DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 92-94. O autor entende que, nos excepcionalíssimos casos em
que o dano reparável pode advir de atos lícitos, como no exemplo do estado de necessidade,
haveria dano em sentido jurídico porque o ordenamento confere relevância jurídica a esse tipo
de prejuízo.
71. AGUIAR DIAS, José de. Op. cit., 1997, p. 715; e DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 84. O autor
italiano utiliza-se, para realizar a diferenciação de dano em sentido amplo e dano em sentido
jurídico, exatamente do mesmo exemplo lembrado por Aguiar Dias. “El perjuicio que se sufre
por causa de uno mismo, se considera daño, en la acepción usual de la palabra; pero fácilmente
se descubre que tal perjuicio no tiene el valor de daño (entiéndase, por supuesto, em sentido
jurídico)” (Ibidem, p. 84).
72. GAMARRA, Jorge. Tratado de Derecho Civil Uruguayo. Montevidéo: Fundacion de La Cultu-
ra Universitária, 1992. T. XIX. P. 332-336. Em sentido semelhante CALVO COSTA, Carlos A.
Op. cit., p. 71. O próprio De Cupis admite que o dano, na situação narrada, não seria jurídico
exatamente porque a conduta de seu autor, que aqui se confunde com a figura da “vítima”, não
seria antijurídica. (DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 92).

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 51

não atrair sanção jurídica de nenhuma espécie. Ainda assim, os elementos integrantes
da hipótese de incidência de um determinado dispositivo jurídico podem ser analisa-
dos de acordo com o seu conceito jurídico ou normativo, afastando-se de noções vulga-
res ou naturalísticas73.
São inúmeros os exemplos que poderiam ser fornecidos, mas é eloquente a análi-
se do termo “defeito” do produto ou do serviço, que se coloca como elemento essencial
de algumas normas do Código de Defesa do Consumidor brasileiro e tem o significado
construído juridicamente pela doutrina e pela jurisprudência, afastando-se de qualquer
noção vulgar. A conceituação de defeito, inclusive, é objeto de sofisticados “testes” e mo-
delagens de verificação74. O preenchimento da hipótese de incidência dessas normas e
a suas consequentes sanções indenizatórias somente ocorre com a observância, ex ante,
da categoria de defeito, normativamente construída pela ciência jurídica para ser o fa-
tor de atribuição da responsabilidade civil por fato do produto75.
Aliás, condicionar a existência do dano em sentido normativo ao surgimento do fa-
to jurídico (relação jurídica obrigacional entre ofensor e vítima) esbarra em uma im-
possibilidade lógica. Se o dano é um dos elementos para o próprio preenchimento da
hipótese de incidência das normas encontradas no ordenamento jurídico nacional (de-
signadamente o art. 927 do Código Civil) que darão sustentação para o surgimento do
fato jurídico, o conceito normativo de dano, detentor de conteúdo eficacial próprio, ne-
cessariamente precisa ser conhecido ex ante, sob pena de nunca se poder verificar a pró-
pria ocorrência da hipótese de incidência. Ademais, a aceitação de um conceito vulgar
de dano como apto a preencher a hipótese de incidência da norma pode gerar algumas
iniquidades evidentes76.

73. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 540.


74. É muito interessante a discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito dos critérios para a
identificação do defeito nos produtos. A análise das vantagens e desvantagens entre o critério
das legítimas expectativas do consumidor e os critérios do risk-utility test e do reasonable alter-
native design dão conta da importância do debate prévio sobre o conteúdo normativo de um dos
elementos da hipótese de incidência da norma. Para essa discussão, especialmente nos Estados
Unidos, veja-se: BASTOS, Daniel Deggau. Op. cit., p. 89 e ss.
75. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a de-
fesa do fornecedor. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 120 e ss. BASTOS, Daniel Deggau. Op. cit.,
p. 212 e ss.
76. Veja-se o exemplo que será apresentado no item 3.1.1, endossado pela doutrina nacional e inter-
nacional, em que se apresenta a situação de uma casa destruída por terceiro um pouco antes de
se dar a sua destruição, já previamente contratada pelo seu dono. Nesse caso, observa-se todos
os elementos do suporte fático da norma do art. 927 do Código Civil, exceto o dano. E existência
de um conceito normativo e jurídico de dano, que se afasta de uma mera manifestação fenomê-
nica, é o único fator a impedir o nascimento do dever de indenizar (fato jurídico), exatamente
pelo não preenchimento integral da fattispecie apontada (art. 927). Portanto, tem-se como ne-
cessário o conhecimento, ex ante, do conceito normativo de dano.

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Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
52 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

O mesmo poderia ser observado em relação a outros requisitos da responsabilidade


civil. O nexo de causalidade, por exemplo, é definido pelas mais diversas teorias jurídi-
cas aptas a conformar um conceito normativo e será utilizado como parâmetro para a
verificação do preenchimento da hipótese de incidência de algumas normas (art. 927
do CC brasileiro, por exemplo, exige que o ato ilícito tenha causado dano para gerar suas
consequências jurídicas). Entretanto, o nexo de causalidade, observado de forma iso-
lada, sem a companhia de outros requisitos da responsabilidade civil, poderá não gerar
qualquer efeito ou fato jurídico.
Semelhante situação encontra-se na análise dos fatores de atribuição. Mesmo em hi-
póteses em que o fato que causou o dano também se constituir em conduta ilícita, por
atingir situação jurídica da vítima tutelada pelo ordenamento, o dever de indenizar po-
de não ser gerado pela falta de conduta culposa77, em situações reguladas pela respon-
sabilidade civil subjetiva.
Nessas hipóteses, a abordagem por intermédio da dinâmica processual típica de
uma demanda indenizatória poderá facilitar o entendimento deste ponto: a reforma de
uma sentença judicial, motivada pela opinião da Corte de Apelação que admite a exis-
tência da culpa do ofensor, não teria o condão de reconhecer caráter normativo ao dano
ou ao nexo de causalidade, cuja existência já fora admitida, segundo parâmetros jurí-
dicos, pela decisão reformada. A decisão de segundo grau, ao verificar a culpa do ofen-
sor, apenas concluiria pela observância da integralidade dos elementos necessários para
preencher a hipótese de incidência das normas que compõe o sistema de responsabili-
dade civil, ratificando, no caso concreto, a existência do dano e do nexo de causalidade,
em sua acepção jurídica ou normativa, além de admitir a culpa (também em sua acep-
ção normativa), cuja existência havia sido negada pela instância inferior.
O dano integra o suporte fático das normas mais basilares para a conformação do
sistema de responsabilidade civil brasileiro, em especial a norma positivada no art. 927
do Código Civil. O preenchimento meramente parcial da fattispecie dessas normas, por
intermédio da verificação concreta do dano, em sua acepção jurídica ou normativa, po-
de não ser suficiente para gerar a sua consequência jurídica típica (criação do fato jurí-
dico lato sensu representado pela relação jurídica obrigacional entre vítima e ofensor e o
consequente dever de indenizar), mas não possui o condão de impor ao dano a condição
de elemento meramente vulgar ou naturalístico.
Concernente à interação entre dano e antijuridicidade, muito destacada no pen-
samento dos autores citados neste subcapítulo, pense-se no caso de uma ação inde-
nizatória movida contra uma pessoa que causou a tetraplegia do autor da demanda.

77. Pode-se conceber o exemplo de possível aplicabilidade de responsabilidade subjetiva quando


o médico cirurgião causa sequela física em paciente, mas não é condenado a indenizar o dano
porque este foi causado com ausência de negligência, imprudência ou imperícia.

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Doutrina Nacional 53

Poder-se-ia imaginar um nexo etiológico amplamente comprovado, analisado dentro


das balizas conceituais estabelecidas pelas teorias jurídicas sobre causalidade. Entre-
tanto, se verificado que o prejuízo sofrido pela vítima ocorreu devido a um ato do réu
realizado em legítima defesa, a demanda não geraria nenhuma consequência jurídica.
A pré-excludente de ilicitude (legítima defesa) impede o nascimento da relação ju-
rídica obrigacional entre as partes, caracterizada pelo dever de indenizar do ofensor e
o correspondente direito de crédito da vítima. Ainda assim, o nexo de causalidade e o
dano, analisados pelo julgador no caso concreto, manter-se-iam com o status de catego-
ria jurídica, informada por um correspondente conceito normativo. A observância da
legítima defesa, portanto, não teria o condão de transformar esses elementos em uma
mera manifestação vulgar ou naturalística, pois sua existência prévia foi confirmada de
acordo com padrões normativos.
Se posicionamento distinto fosse defendido, o critério para se distinguir a noção vul-
gar da noção normativa de dano seria exclusivamente dependente de fatores casuísti-
cos e exógenos ao próprio dano, como, nos exemplos examinados, a ilicitude (legítima
defesa) ou a culpa. Ironicamente, o dano específico e concreto (tetraplegia) transitaria
entre a noção vulgar e a noção jurídica de acordo com o sabor das opiniões das várias
instâncias decisórias a respeito da existência de outros requisitos da responsabilidade
civil, impossibilitando uma verdadeira teoria do dano.
Teorias relacionadas com a acepção estrita de dano indenizável, como a compensa-
tio lucri cum damno, demonstram que uma sofisticada teoria do dano, imbricada com
um conceito normativo ou jurídico, pode ser desenvolvida sem a dependência lógica e
dogmática dos outros requisitos da responsabilidade civil, comprovando a viabilidade
teórica de um conceito jurídico de dano, afastado da noção ampla de “dano indenizável”.
Importante sublinhar que não se está a defender que a noção de dano como sinôni-
mo de consequências negativa ou de menoscabo de bens seria a melhor conformação de
um conceito normativo de dano, apenas se está afirmando, por enquanto, que um con-
ceito normativo de dano não pode depender de outros requisitos da responsabilidade
civil, sob pena de se estar, uma vez mais, utilizando-se de um conceito amplo de “dano
indenizável”, relegando-o a um estado “inerte” e afastando-o de um conteúdo eficacial
próprio78.
Porém, repudia-se, desde logo, a criação de um dualismo radical entre visões fáticas
ou naturalísticas e noções jurídicas de dano, pois parece evidente que não existe uma
noção puramente normativa do instituto, isolada de uma base fática79.

78. Relembre-se a lição de Carneiro da Frada contida na nota 33.


79. MOTA PINTO, Paulo. Op. Cit., p. 546, nota de rodapé 1586. O próprio De Cupis entende que
não há antinomia entre as espécies de dano. Nas palavras do autor: “En cuanto hecho jurídico,

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54 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

Uma vez mais se afirma que a noção ampla de dano indenizável não sofre de nenhum
vício ontológico e pode se mostrar muito útil, principalmente em estudos de direito
comparado, quando será utilizada para determinar se algum dano específico (wrongful
conception, por exemplo) pode ser “indenizável” em determinado ordenamento jurídi-
co. A visão ampla apenas não é verdadeiramente útil para albergar um conceito jurídico
de dano enquanto requisito autônomo da responsabilidade civil.

2. A construção histórica da noção de interesse (id quod interest)


e as suas múltiplas acepções contemporâneas
No primeiro capítulo foram traçados os parâmetros para uma noção estrita de dano,
necessários para o estabelecimento dos contornos de um conceito jurídico com con-
teúdo eficacial próprio, além de esclarecer uma de suas possíveis manifestações: o dano
como menoscabo de bens. No capítulo que se inicia, serão exploradas teorias mais com-
plexas e sofisticadas, que respaldam conceitos jurídicos de dano, em sua visão estrita,
utilizando-se da noção de interesse.

2.1. Os primeiros desenvolvimentos da noção de interesse: id quod interest e


a teoria da diferença
O desenvolvimento histórico da noção do id quod interest é fundamental para uma
correta compreensão da teoria da diferença e sustenta a inexistência de oposição con-
ceitual entre esta e a noção de interesse.
Originalmente, o Direito Romano, nas hipóteses de danos advindos de inadimple-
mento contratual, guiava-se largamente por uma tendência objetiva de indenização de
prejuízos, baseada no quanti ea res est, ou seja, no valor objetivo do bem lesado, pouco
importando se a vítima pudesse apresentar algum outro tipo de prejuízo específico de-
corrente da lesão80.
Também em relação ao dano decorrente do furto de algum objeto, notava-se especí-
fica tendência objetiva de quantificação da indenização, com a adição de evidente fator
punitivo: o duplum obrigava o causador do dano a indenizar o dobro do valor do bem
furtado, afastando-se de uma abordagem subjetiva e individual do dano81.

el daño constituye, como se há expresado, una especie del daño entendido simplemente como
fenómeno de orden físico” (DE CUPIS, Adriano. Op. Cit., p. 82-84).
80. ZIMMERMANN, Reinhard. Op. Cit., 1990, p. 825.
81. ZIMMERMANN, Reinhard. Op. Cit., 1990, p. 932. No original: “The thief was liable for double,
and what had to be doubled was, generally speaking, not the plaintiff ’s interest in the object not

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Doutrina Nacional 55

Entretanto, o Direito Romano passou a conviver com a noção de id quod interest,


época em que não se conheceu um conceito geral e abstrato de dano indenizável82, que
era, muitas vezes, casuisticamente determinado de acordo com o tipo da actio83.
Apesar do Direito Romano ter se mantido longe de uma conceituação rigorosa do id
quod interest, pode-se afirmar, de uma maneira geral, que essa categoria significou a in-
trodução de uma abordagem sofisticada, subjetiva e relacional em direção ao conceito
de dano indenizável, representando firme contraponto à noção mais simplória e basea-
da exclusivamente no valor objetivo do bem lesado84. Como bem lembrado por Pontes
de Miranda, um mesmo microscópio quebrado pode gerar danos absolutamente diver-
sos, caso o seu proprietário seja um microbiologista ou uma pessoa que o tenha em seus
pertences para simples recreação85.
Mesmo em relação aos danos tipificados na Lex Aquilia, que originalmente esti-
pulavam uma abordagem objetiva dos danos, pode-se afirmar que, ao final do perío-
do clássico, a mudança em direção à utilização do id quod interest já podia ser notada
e a noção de dano já não estava mais restrita a formas baseadas em standards objetivos
rígidos, mas havia majoritariamente avançado para uma noção relacional. O id quod
interest, portanto, abria a possibilidade da indenização específica do dano particular
sofrido por cada uma das vítimas em decorrência do evento danoso, dando guarida
“para o que os juristas do ius commune denominavam de damnum emergens e lucrum
cessans”86.

being stolen (his ‘damages’, as we would put it), but the value of the stolen object at the time of
the commission of the delict.”
82. REINIG, Guilherme Henrique Lima. Op. cit., p. 42-43.
83. Em relação aos danos advindos de inadimplemento contratual, veja-se: ZIMMERMANN, Rei-
nhard. Op. Cit., 1990, p. 824-826.
84. REINIG, Guilherme Henrique Lima. Op. cit., p. 43; ZIMMERMANN, Reinhard. Op. cit., 1990,
p. 826.
85. Pontes de Miranda oferece exemplo análogo: “O dano é relativo, depende das circunstâncias
objetivas e subjetivas. O dano que se causa ao microbiologista, quebrando-se-lhe o microscó-
pio, não é o mesmo que se causaria ao sertanejo, ou ao trabalhador do campo, que, sem o usar
praticamente, tivesse um microscópio entre os objetos da sua casa” (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 53, p. 154). Em sentido semelhante, Mariano Izquierdo, utili-
zando as expressões dano comum e dano próprio, sendo este último o dano como fenômeno
relacional (YZQUIERDO TOLSADA, Mariano. Op. cit., 2015, p. 161).
86. ZIMMERMANN, Reinhard. Op. Cit., p. 972. No original: “The same development from a stan-
dardized way of evaluating merely the diminution in value of the damaged object to a refined
evaluation of the individual plaintiff ’s damages took place with regard to the ‘quanti ea res erit’
clause in chapter three. Generally speaking, the plaintiff received compensation for what the
jurists of the ius commune dubbed damnum emergens and lucrum cessans”.

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Durante a idade média, não se vislumbrou um avanço considerável no conceito de


interesse, sendo impossível identificar um conteúdo estável para o instituto, mas a ca-
racterística subjetiva e relacional do id quod interest permanecia presente87.
A pandectística alemã constitui o período histórico de importância mais eviden-
te para o id quod interest e para a teoria da diferença, pois concebeu a ideia de interesse
da vítima livre das amarras objetivas dos períodos pretéritos e, por conseguinte, vin-
culada a uma noção de reparação integral do prejuízo. Como método para a aferição
concreta da reparação integral, a doutrina se aproximou de uma “hipótese diferencial”,
caracterizada pela comparação da situação patrimonial real em que a vítima se encon-
tra após o dano e da situação hipotética na qual ela estaria se o evento danoso não hou-
vesse ocorrido88.
Como expoente maior dessa ideia comparativa aparece Friedrich Mommsen,
criador da Differenztheorie, para quem o conceito de id quod interest consubstancia exa-
tamente a hipótese diferencial referida89.
Por ser uma teoria criada no século XIX e, portanto, somente dedicada aos danos
patrimoniais, a aplicação concreta da teoria da diferença encontra-se muito vincula-
da à admissão das categorias de dano emergente e lucros cessantes, que representavam

87. REINIG, Guilherme Henrique Lima. Op. cit., p. 48. Para o autor: “os glosadores elaboraram um
conceito de interesse pormenorizado, tomando como ponto de partida as relações pessoais do
lesado” (Ibidem, p. 48).
88. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das obrigações. 12. ed. Coimbra: Almedina, 2009,
p. 596; ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. 10. ed. Coimbra: Almedi-
na, 2011. V. 1. P. 599. A teoria foi expressamente adotada em alguns diplomas jurídicos, como
o Código Civil português, art. 566, cujo número 02 dispõe que “a indenização em dinheiro tem
como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder
ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”. Igualmente, o BGB,
em seu parágrafo 249, número 01, define que “a pessoa responsável pelos danos deve restaurar
a posição que existiria se a circunstância que a obriga a reparar os danos não tivesse ocorrido”
(Section 249 – Nature and extent of damages. (1) A person who is liable in damages must restore
the position that would exist if the circumstance obliging him to pay damages had not occur-
red. (2) Where damages are payable for injury to a person or damage to a thing, the blige may
demand the required monetary amount in lieu of restoration. When a thing is damaged, the mo-
netary amount required under sentence 1 only includes value-added tax if and to the extent that
it is actually incurred. (ALEMANHA. Bürgerliches Gesetzbuch. 1900. Disponível em: [www.
gesetze-im-internet.de/englisch_bgb/englisch_bgb.html]. Acesso em: 29.03.2023). Para uma
noção da teoria da diferença na hipótese de danos causados por inadimplemento contratual,
veja-se: LARENZ, Karl. Derecho Civil-Parte General. Trad. Miguel Izquierdo y Macías-Picavea.
Madri: Editorial Revista de Direito Privado. 1978. p. 820.
89. ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 907 e REINIG, Guilherme Henrique Lima.
Op. cit., p. 61.

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Doutrina Nacional 57

“a extensão possível do interesse a ser aferido concretamente”90. Com efeito, a noção de


dano balizada pela situação concreta da vítima, referendada pela teoria da diferença,
mostra-se fundamental para respaldar algumas manifestações contemporâneas do da-
no, como a categoria de lucros cessantes91. O dano entendido meramente como obser-
vação de uma manifestação fenomênica, isto é, dentro de uma noção naturalística, não é
suficiente para albergar a pré-exclusão de lucros (lucros cessantes) como elemento a ser
indenizado. Ainda que a noção de dano como mero menoscabo objetivo de bens possa
albergar algumas manifestações de danos emergentes92, a hipótese diferencial será im-
portante para a identificação de situações mais complexas93.
Exatamente como observado nos primeiros desenvolvimentos do id quod interest
pelos Romanos, a doutrina contemporânea atesta que em hipóteses de danos represen-
tados por destruição de bens materiais, “ainda que o valor venal do bem constitua um
dano de inescusável referência, é necessário adequar a estimação ao valor que dito bem
tenha para a vítima”94.
Foi utilizando-se da noção relacional imanente à fórmula comparativa de Momm-
sem que Rudolf von Ihering, alguns anos depois, forjou as categorias de interesse

90. REINIG, Guilherme Henrique Lima. Op. cit., p. 66- 67. “A teoria do interesse é a condensação
formal do princípio da reparação integral. [...] O damnum emergens e o lucrum cessans desig-
nam, dessa forma, a extensão possível do interesse a ser aferido concretamente.”
91. Na doutrina contemporânea, relacionado expressamente a indenização dos lucros cessan-
tes com a teoria da diferença, veja-se: WINIGER, Bénédict. Comparative Report (Subjective
Value). In: WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN,
Reinhard (eds). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. V. 2: essential cases on
damage. P.165. “Several reports establish a link between subjective damage and loss of profit. [...]
Subjective damage can also serve the general principle that the victim should be placed into the
situation in which he or she would be without the damaging”; PEREIRA COELHO, Francisco
Manuel. O problema da causa virtual na responsabilidade civil. Coimbra: Almedina. 1998. p. 200
e ss.; e Parte da doutrina brasileira possui uma noção diversa e peculiar da Teoria da Diferença,
identificando uma incompatibilidade entre esta e a categoria dos lucros cessantes. Nesse senti-
do, veja-se: SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., p. 141. Considerando que a Teoria
da Diferença representaria um óbice não apenas para a categoria de lucros cessantes, mas tam-
bém para a responsabilidade pela perda de uma chance, veja-se: SCHREIBER, Anderson. Novos
paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São
Paulo: Atlas, 2007. p. 98.
92. DÍEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial. Madri: Civitas/Thomson
Reuters, 2011. v. 5. p. 330.
93. Corretamente defendendo a aplicação de uma situação hipotética para a identificação dos da-
nos emergentes, veja-se: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Lucros cessantes: do bom-senso ao
postulado normativo da razoabilidade. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 67.
94. BUSTO LAGO, José Manuel. La antijuridicidad del daño resarcible en la responsabilidad civil
extracontratual. Madri: Tecnos, 1998. p. 71.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
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contratual positivo e interesse contratual negativo, as quais representavam o dano inde-


nizável sofrido pelos atores da relação obrigacional em duas distintas situações95.
A diferença buscada pela teoria somente pode ser extraída de uma operação de com-
paração entre uma situação fática, observada após o dano, e uma situação contrafática e
hipotética, que advirá de uma suposição, mais ou menos precisa, do estado em que esta-
ria a vítima caso o evento danoso não houvesse ocorrido. Tem-se, portanto, como resul-
tado dessa operação, uma “hipótese diferencial”, resultante da comparação “entre uma
grandeza fática e uma normativa”96. No item 1.1 do presente trabalho demonstrou-se a
dificuldade que os sistemas ligados à tradição da Common Law possuem para apresen-
tar com um conceito unitário de dano, tendo em vista a multiplicidade de torts. Entre-
tanto, pode-se afirmar que a concepção majoritária e a Suprema Corte da Inglaterra, ao
enfrentar casos que possuem o loss com um dos requisitos para o surgimento do dever
de indenizar, afirmam a presença de uma hipótese diferencial, em que um dos elemen-
tos surge de uma análise contrafática97.
Diante do exposto, nota-se que o conteúdo normativo é imanente à noção de dano
vinculado à teoria da diferença. Não é correto afirmar, portanto, que a aplicação des-
sa teoria, muito atrelada à noção de consequências negativas, estaria obrigatoriamente
vinculada a um conceito naturalístico ou vulgar de dano98, pois a “diferença é, pelo me-
nos por um dos seus termos, normativamente construída”99.

95. STEINER, Renata. Reparação de danos: interesse positivo e interesse negativo. São Paulo: Quar-
tier Latin. 2018. p. 43 e ss.
96. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 541.
97. Nesse sentido, STEEL, Sandy. Damages without loss. Law Quaterly Review, v. 139, p. 129-242,
abr. 2023. p. 220 “First, it is comparative and counterfactual. It involves a comparison between
two conditions: an actual condition, and a counterfactual condition, the latter being the con-
dition the person would have been in had the wrong not occurred”. (...) “This counterfactual
concept of loss is adopted for two reasons. First, it can claim to be the dominant conception in
the law and has recently been endorsed by the Supreme Court”.
98. PIRES, Thatiane Cristina Fontão. Vorteilsausgleichung: a compensatio lucri cum damno na
responsabilidade civil alemã. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2016. p. 55. e STEINER, Renata. Op. cit., p 54 e 55. Para quem: “O
alcance dessa afirmação pode ser elucidada na doutrina de Hans Fisher, bastante citada no Di-
reito Brasileiro por força de sua tradução ao português de 1938. Para Fisher – conforme lição até
hoje predominante na Alemanha – a construção da teoria da diferença é aclamada pela superação
da visão estrita do prejuízo natural, o qual confundia o damnum com o prejuízo concreto sofrido
por um bem específico;” (grifou-se). Em sentido contrário, SCHREIBER, Anderson. Op. cit.,
p. 97; MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do inadimplemento das
obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense 2009. t. 2. p. 168-169; e SANSEVERINO, Paulo de Tarso
Vieira. Op. cit., p. 140.
99. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 544.

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Doutrina Nacional 59

Desse modo, a teoria da diferença é capaz de conferir um tratamento normativo


sofisticado aos prejuízos sofridos pela vítima em decorrência do evento danoso, har-
monizando-se com um conceito jurídico de dano. A consequência danosa sofrida pela
vítima, traduzida pelo conceito jurídico e normativo de hipótese diferencial, não se res-
tringe ou se iguala à mera manifestação fenomênica típica do conceito naturalístico de
dano e, portanto, não se restringe à ideia de dano como mera destruição, deterioração
ou perecimento de bens100. Como bem apontado por Pontes de Miranda no recém-lem-
brado exemplo do microscópio quebrado, importa o que determinado bem lesado pro-
duzia de valor para uma vítima determinada, subjetivamente considerada.
Importante registrar, conforme anunciado no capítulo anterior, que o desenvolvi-
mento da teoria da diferença afasta e não se confunde com a ideia de indenização da
vítima mediante a sua recolocação ao chamado status quo ante101. A mera avaliação
da situação fática da vítima no momento anterior do fato danoso, comparada com a si-
tuação fática encontrada após evento, empiricamente constatada, atrela-se a uma no-
ção objetiva, incapaz de considerar espécies de prejuízos vinculados a uma abordagem
relacional102.
Os desafios contemporâneos da responsabilidade civil estimulam parcela da dou-
trina a denunciar uma alegada insuficiência da teoria da diferença para se estabelecer
como melhor opção para conformar um conceito normativo de dano103. A análise da
teoria de maneira mais atrelada à sua construção originária costuma intensificar as crí-
ticas à sua atual relevância.
Contudo, admitir um conceito de dano baseado em uma ideia comparativa, isto
é, na diferença entre a atual situação real da vítima após o evento danoso e a situação

100. DÍEZ-PICAZO, Luis. Op. cit., , p. 330.


101. Em sentido contrário, veja-se: SCHREIBER, Anderson. Op. cit., , p. 97 “Esta identificação do
dano jurídico com o dano natural (prejuízo) não se revelou tão problemática na fase inicial
da responsabilidade civil brasileira, marcadamente patrimonialista, em que a quantificação do
dano vincula-se exclusivamente à teoria da diferença. De fato, sendo aferido por uma simples
equação matemática entre o patrimônio da vítima anteriormente à lesão e o mesmo patrimônio
no momento que lhe é posterior, o dano patrimonial equivale, substancialmente, ao sentido
material ou vulgar de dano (dano como prejuízo). Em outras palavras, havendo decréscimo
econômico, há dano em sentido patrimonial e sua ressarcibilidade somente fica excluída pela
ausência dos demais pressupostos do ato ilícito, isto é, pela ausência da ilicitude da conduta ou
de nexo de causal entre a conduta e o dano” (SCHREIBER, Anderson. Op. cit., , p. 97).
102. Para uma ampla análise das implicações práticas de uma correta aplicação da teoria da diferen-
ça, veja-se: PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Op. cit., , p. 195-198. No direito brasileiro,
no mesmo sentido CARNAÚBA, Daniel. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea
e a técnica. São Paulo: Método, 2013. P. 53 e STEINER, Renata. Op. cit., p. 47.
103. DÍEZ-PICAZO, Luis. Op. Cit., 2011, p. 335.

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Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
60 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

hipotética, normativamente construída, em que esta vítima estaria na hipótese de au-


sência do fato danoso, não significa subscrever integralmente todos os aspectos da teo-
ria de Friedrich Mommsen, construída e desenvolvida na ambiência do século XIX104.
Passa-se a analisar algumas das críticas mais frequentes à aplicabilidade da teoria da di-
ferença, bem como a eventual possibilidade de sua superação.
A alegação de inadequação da teoria da diferença a algumas facetas das pretensões
indenizatórias, como ocorre nos casos de indenização in natura, pode ser afastada ao
se constatar que a comparação, ínsita à hipótese diferencial, não necessita ser realizada
entre “grandezas patrimoniais”, mas pode ser efetuada entre os chamados “estados reais
do lesado”105.
É exatamente essa noção de comparação entre situações da vítima, uma delas cons-
truída normativamente a partir de uma análise contrafática, que poderia até mesmo
flexibilizar a principal crítica que se observa em relação à teoria da diferença: sua aplica-
bilidade aos danos extrapatrimoniais. De acordo com os ditames do art. 944 do Código
Civil brasileiro, necessita-se avaliar a indenização, inclusive dos danos extrapatrimo-
niais, conforme a “extensão do dano” e, portanto, pode-se entender que “uma fórmula
comparativa também seja neles observável”106.
Ademais, não se pode admitir que a noção de hipótese diferencial deveria ser afas-
tada nos conhecidos casos de indenização equitativa, que podem ser observadas, no
Direito Brasileiro, nas hipóteses dos arts. 928, parágrafo único, e 944, parágrafo único,
ambos do Código Civil. Efetivamente, esses casos afastam-se da aplicação de um dos
princípios mais diretamente relacionado à teoria da diferença: o princípio da reparação
integral do prejuízo107. Entretanto, observa-se aqui apenas uma modificação no cálculo
da indenização, que somente poderá ser implementada após se conhecer a integral ex-
tensão do dano nos casos concretos, não afastando, portanto, a teoria da diferença “en-
quanto método de determinação do dano”108. Ora, a indenização equitativa, que poderá
considerar inúmeros elementos para a adequada medida da indenização, obrigatoria-
mente necessita partir da determinação do dano integral no caso concreto, obtida por
intermédio da aludida comparação entre dois estados do lesado.

104. MOTA PINTO, Paulo. Op. Cit., p. 555-552.


105. MOTA PINTO, Paulo. Op. Cit., p. 559.
106. STEINER, Renata. Op. cit., p. 51. Apontando que parcela da doutrina indica até mesmo a apli-
cabilidade dos conceitos de dano emergente e de lucro cessante à seara dos danos extrapatrimo-
niais, veja-se: GUEDES, Gigela Sampaio da Cruz. Op. cit., , p. 68-69.
107. Para a compreensão da indenização equitativa no direito brasileiro como expressão de exceção
ao princípio da reparação integral do prejuízo, veja-se: SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira.
Op. cit., p. 80 e ss.
108. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 54-55.

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Doutrina Nacional 61

Há grande discussão sobre a possibilidade de a teoria da diferença poder abarcar to-


da a complexidade do mecanismo da compensatio lucri cum damno109. Ulrich Magnus110
adota posicionamento intermediário, pois entende que, na atual conformação do Direi-
to alemão, a fronteira entre a compensatio lucri cum damno e a operação usual de quan-
tificação de danos é ainda vaga e possui um interesse preponderantemente teórico, pois
nem mesmo questões práticas concernentes ao ônus probatório adviriam dessa distin-
ção111. Todavia, afirma estar bastante difundida a opinião, tanto na doutrina como na
jurisprudência, de que o instituto se distancia do simples cálculo de danos112.
Destarte, uma aplicação automática e simplista da teoria da diferença faria com que
todas as vantagens advindas do ato danoso devessem ser descontadas no momento da
valoração do dano. Essa utilização da compensatio lucri cum damno causaria enormes
injustiças em variados casos concretos, como no exemplo dos parentes da vítima assas-
sinada que possivelmente não poderiam reclamar os prejuízos patrimoniais advindos
do fato danoso, porque foram agraciados com uma parte da herança113. Para se evitar
esse tipo de injustiça, o instituto vem apresentando critérios próprios, intensamente ca-
racterizados por noções valorativas e casuísticas114.

109. Tratou-se desse tema em PETEFFI DA SILVA, Rafael; LUIZ, Fernando Vieira. A compensatio
lucri cum damno: contornos essenciais do instituto e a necessidade de sua revisão nos casos
de benefícios previdenciários. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 13, ano 4, p. 281-312,
out.-dez. 2017. Entre os autores que admitem a necessidade da teoria da diferença levar em
conta a compensatio está DÍEZ-PICAZO, Luis. Derecho de Daños. Madri: Civitas. 1999. p. 319.
Para o autor, “Los sostenedores de la teoría de la diferencia en materia de conceptuación del
daño, no tiene más remedio que admitir la computación de beneficios.” Entretanto, o mesmo
autor adverte que a teoria da diferença propiciaria utilização automática e abstrata da compen-
satio, incompatível com a sua correta aplicação (DÍEZ-PICAZO, Luis. Op. cit., 1999, p. 335). No
mesmo sentido, PANTALEÓN, Angel Fernando. Comentário al art. 1029 del Código Civil. In:
Comentario del Código Civil. Madri: Ministério de Justicia, 1991. T. III, p. 1989 e ss.
110. MAGNUS, Ulrich. “Vorteilsausgleichung” – a typical German institute of the law of damages?.
In: VAN DIJK, Chris; MAGNUS, Ulrich (Coord.). Voordeelstoerekening naar Duits en Neder-
lands recht. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer Nederland, 2015. P. 1. Importante lembrar
que, no Direito alemão, o instituto da compensatio lucri cum damno vem sendo analisado sob o
termo Vorteilsausgleichung.
111. MAGNUS, Ulrich. Op. cit.,, p. 3. Texto original: “A further and more precise borderline between
Vorteilsausgleichung and damages calculation may be of theoretical interest but appears to be
practically unnecessary. Even under the aspect of burden of proof there probably is – and should
be – no difference”.
112. MAGNUS, Ulrich. Op. cit., p. 2.
113. PIRES, Thatiane Cristina Fontão. Op. cit., , p. 118.
114. PETEFFI DA SILVA; LUIZ, 2017. Suportando esse entendimento MAGNUS, Ulrich. Op. cit.,
2015, p. 3 e ss.; LANGE, Hermann; SCHIEMANN, Gottfried. Schadensersatz. 3. Ed. Tübin-
gen: Mohr Siebeck, 2003. P. 486, Texto original: “Da der Schadensersatzanspruch nach der

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Pelo que foi exposto, pode-se considerar que a teoria da diferença não se coloca co-
mo efetivo fundamento primordial da teoria da compensatio lucri cum damno, mas tam-
pouco se mostra antinômica ou incompatível com a compensação dos prejuízos com as
vantagens sofridas pela vítima, tendo em vista que a hipótese diferencial não é necessa-
riamente construída sob o ponto de vista estritamente “matemático”, mas pode e deve
levar em conta elementos de ordem valorativa. Portanto, a construção normativa da hi-
pótese diferencial, levando-se em conta o patrimônio global da vítima, “existe apenas
na medida em que uma determinada vantagem individual possa ser atribuída a uma
correspondente desvantagem independente”115, na lição da jurisprudência germânica.
Eventual vantagem econômica, objetivamente auferida pela vítima em decorrência do
dano, somente será considerada na determinação do seu estado patrimonial global, ob-
servado após o evento danoso, se satisfizer os critérios erigidos pela teoria da compen-
satio lucrim cum damno.
Durante a análise da sua aplicabilidade prática, observou-se que a teoria da diferen-
ça é dependente de uma hipótese normativa e contrafática, fundamentando-se em uma
visão relacional de dano, que será igualmente observada quando se averiguar, no próxi-
mo item, outras abordagens contemporâneas da noção de interesse.
Portanto, admite-se que a teoria da diferença traduz uma noção normativa de dano
com conteúdo eficacial próprio, pois consubstancia um dos principais marcos no de-
senvolvimento da teoria da responsabilidade civil, responsável por um afastamento da
ideia de dano como mera manifestação fenomênica (naturalística), normalmente vin-
culada a uma noção de deterioração, perecimento ou destruição de bens.
Parcela da doutrina alerta que o conceito contemporâneo de interesse, na ambiên-
cia da responsabilidade civil, não se afasta da noção relacionada à evolução do id quod

Differenzhypothese auf den im maßgeblichen Zeitpunkt vorhandenen Vermögenssaldo gerichtet


ist, könnte man die Berücksichtigung entstandener Vorteile als Frage der Schadensberechnung
qualifizieren, für die die auch im übringen geltenden Grundsätze den Ausschlag zu geben hät-
ten. Es besteht heute weitestgehend Einigkeit, daß die Problematik der Vorteilsausgleichung
nicht auf diesem Wege, sondern nur mittels wertender Entscheidungen zu bewältigen ist. Dieser
Umstand erfordert eine Abgrenzung von Vorteilsausgleichung im eigentlichen Sinne und Scha-
densberechnung”. Trad. De Thatiane Fontão Pires: “uma vez que a pretensão indenizatória é
dirigida, conforme a teoria da diferença, ao balanço patrimonial existente num dado momento,
poder-se-ia qualificar a consideração das vantagens decorrentes como uma questão do cálculo
dos danos, para o que os princípios, de outro modo alegados, também teriam sido decisivos. Há,
hoje, consenso generalizado de que a problemática da Vorteilsausgleichung [compensatio lucri
cum damno] não deve ir por esse caminho, e sim ser realizada somente por meio de decisões de
mérito valorativas. Essa circunstância exige uma delimitação da Vorteilsausgleichung em senti-
do estrito e do cálculo de danos” (PIRES, Thatiane Cristina Fontão. Op. cit., p. 118).
115. BGH V ZR 115/96, j. 06.06.1997. Trad. Pires a partir do origina„: „Ein solcher Zusammenhang
besteht nur insoweit, als sich ein bestimmter einzelner Vorteil auch einem bestimmten einzel-
nen Nachteil zuordnen l“ßt“ (apud PIRES, Thatiane Cristina Fontão. Op. cit., p. 125).

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Doutrina Nacional 63

interest116, intimamente conectada com a teoria da diferença117. Em países como a Ale-


manha, a noção de interesse é também associada a distintas abordagens do aspecto re-
lacional encontrado na teoria do dano, tal como o interesse como dano patrimonial
global e como contraposição ao caráter objetivo de verificação do dano (estimatio rei),
consagrando a metodologia subjetiva de identificação do dano indenizável em seu con-
ceito estrito118. Na Inglaterra, nas hipóteses de indenizações compensatórias119 (com-
pensatory damages), a comprovação da hipótese diferencial, consubstanciada na ideia
de loss120, costuma ser um dos requisitos mais prestigiados121.
Nota-se, portanto, que a compatibilidade da teoria da diferença com os modernos
desafios impostos pela responsabilidade civil contemporânea depende, em grande par-
te, da flexibilização, da atualização ou da compreensão mais sofisticada de algumas di-
retrizes observadas na gênese da teoria, ocorrida no século XIX.
Entretanto, mesmo com o trabalho de aggiornamento da teoria da diferença, algu-
mas soluções observadas em diversos países, na seara da responsabilidade civil, podem
se mostrar desarmônicas com a estrutura lógica da hipótese diferencial. Inegavelmente,
essa desarmonia, na visão de respeitados autores, é especialmente ilustrada pelos desa-
fios impostos pela problemática da irrelevância negativa da causa virtual122.

116. ZIMMERMANN, Reinhard. Op. Cit., 1990, p. 826. Para quem: “Quod actoris interest refers to
the plaint’ff ’s ‘interest’ (in the modern sense of the Word)”. (grifou-se).
117. STEINER, Renata. Op. cit., p. 43. Em relação ao dano patrimonial, esse também era o sentir de
Aguiar Dias: “a ideia de interesse (id quod interest) atende, no sistema de indenização, à noção
de patrimônio como unidade de valor. O dano se estabelece mediante o confronto entre o patri-
mônio realmente existente após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não se tivesse
produzido: o dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa operação” (AGUIAR
DIAS, José de. Op. cit., , p. 718).
118. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 520-529. Este autor alerta que, no Direito português, a noção
de interesse goza de pouco prestígio na teoria geral da responsabilidade civil, mas identifica, na
doutrina alemã “uma predominância para a identificação do ‘interesse’ com o dano, medido nos
termos da fórmula mommseniana da diferença, ou como medida de indemnização (isto é, a
própria diferença).”.
119. sabe-se que na tradição da Comon Law são admitidas outras modalidades de indenizações,
como as meramente punitivas, chamadas de punitive damages.
120. A exata definição de termos como damage, loss, injury e harm está longe de ser consensual no
Direito inglês. Alguns julgados muito conhecidos da House of Lords admitem a hipótese da
diferença sendo albergada sob o conceito de damage. Nesse sentido, veja-se: NOLAN, Donal.
Op. cit., 2017, p. 256.
121. STEEL, Sandy. Op. cit., p. 242.
122. PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Op. cit., 1998, p. 7-8; CRUZ, Gisela Sampaio da.
O problema do nexo de causalidade na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar. 2005.
p. 207 e ss.

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Mesmo inexistindo consenso doutrinário sobre a efetiva irrelevância da causa vir-


tual e nem mesmo sobre constituir problemática relacionada ao dano ou ao nexo de
causalidade123, nota-se posicionamento que sustenta que a aplicação tradicional da teo-
ria da diferença, especialmente no que toca a situação contrafática em que estaria a ví-
tima na ausência do fato danoso, teria que obrigatoriamente levar em consideração a
causa virtual, algo que somente aconteceria em situações específicas124. Portanto, parte
da doutrina que agasalha a tese da irrelevância negativa da causa virtual sustenta que
o dever de indenizar nasceria em desfavor do causador da deterioração de um bem da
vítima, ainda que não se cause um dano “entendido como ‘diferença’ no patrimônio
do lesado”125.
Uma análise objetiva do dano, baseada na deterioração do bem jurídico afetado e
afastada da noção subjetiva concreta e dinâmica126, teria que ser observada para se ad-
mitir a indenização da vítima que foi morta pelo ofensor (causa direta), ainda que o da-
no morte fosse seguramente causado por algum tipo de causa virtual posterior (colapso
do prédio em que a vítima estaria momentos depois). Desse modo, ainda admitindo a
possibilidade de se considerar a problemática da causa virtual como uma exceção que
comprovaria a regra de aplicabilidade da teoria da diferença, nota-se que a sua aplicação
deve ser sempre precedida de cuidadosa análise crítica.
Neste item mostrou-se o desenvolvimento da noção de id quod interest na tradição
do Direito Civil, consubstanciando uma noção relacional e subjetiva do dano que ainda
hoje, em alguns ordenamentos, representa a noção jurídica contemporânea de dano in-
denizável, considerado em seu sentido estrito.
Ainda que a contundência dos desafios conceituais impostos à teoria da diferença
possa abrir espaço para renovadas noções de interesse, os modelos de compreensão da
teoria do dano baseados em hipóteses diferenciais manterão a sua importância na con-
temporaneidade, contribuindo para suportar um conceito jurídico de dano com con-
teúdo eficacial próprio.
Contudo, pelas complexidades impostas pela aplicação contemporânea da teoria da
diferença e pela amplíssima utilização do termo “interesse” no Direito das Obrigações,
faz-se necessária a análise das aplicações mais destacadas, no intuito de verificar a sua
potencialidade para consubstanciar um conceito normativo de dano.

123. Veja-se, para ampla análise do problema em Portugal e na Alemanha, MOTA PINTO, Paulo.
Op. cit., p. 639-710.
124. No Direito Brasileiro, de acordo com a lição de Gisela Sampaio da Cruz Guedes, são exemplos
das poucas situações em que o legislador confere relevância à causa virtual os arts. 399, 667, 862
e 1218 do Código Civil. (CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., 2005, p. 250-251).
125. PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Op. cit., 1998, p. 8.
126. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 622.

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2.2. As múltiplas acepções do termo interesse: as possibilidades de


entendimento do dano como lesão a interesse
Até o presente momento, observou-se uma tentativa de identificação de conceitos
normativos de dano que pudessem garantir um conteúdo normativo próprio para o ins-
tituto, ou seja, que não transformassem o dano em mero elemento estéril, dependente
de uma análise conjunta com outros requisitos da responsabilidade civil para alcançar
relevância jurídica.
Demonstrou-se que a noção de dano como interesse (interesse como representação
do próprio dano) apresenta-se como séria candidata para concretizar o conceito jurí-
dico contemporâneo de dano indenizável em sua acepção estrita. Hodiernamente, a
noção de dano como “lesão a interesse” goza de igual ou maior prestígio. Contudo, infe-
lizmente, a mera enunciação da locução “lesão a interesse” não possui o condão de de-
marcar completamente os limites do conceito jurídico de dano, necessitando-se de uma
profunda tarefa de contextualização127.
Apesar do interesse ser considerado uma noção confusa e imprecisa128 – especial-
mente por ser utilizado por inúmeras áreas do Direito, sempre com significados distin-
tos – as possíveis idiossincrasias observadas em relação à aplicação do conceito serão
aprofundadas no próximo capítulo deste trabalho.
Emilio Betti denuncia que a confusão entre uma visão meramente psicológica e a
uma abordagem normativa do interesse contribui para que se tenha uma noção pou-
co precisa dessa categoria. Deve-se afastar a primeira, vinculada ao desejo do sujeito, e
abordar o interesse como a relação entre um sujeito, que anseia satisfazer as suas neces-
sidades, e o bem capaz de prover esses anseios e carências129.

127. LE TOURNEAU, Philippe. Op. Cit., p. 556. Nas palavras do au tor : “Les auteurs saisissent les
préjudice à travers ses multiple variété (préjudice matériel, moral, corporel, comercial...) plutôt
que dans son essence, sauf à affirmer qu’il peut être défini d’une façon large comme étant l’atte-
inte à um intérêt, ce qui ne fait que déplacer la difficulté conceptuelle sans la résoudre”.
128. BETTI, Emilio. Interesse. In: Novissimo Digesto Italiano. Diretto da Antonio Azara e Ernesto
Eula. Torino: Editrice Torinense, 1962. P. 838. Para uma relação entre motivo, fim e interesse no
Direito Civil, veja-se: SACCO, Rodolfo. Motivo, fine, interesse. 2012. Acesso em: [http://bddx.
leggiditalia.it/cgi-bin/FulShow]. Acesso em: 03.09.2018.
129. BETTI, Emilio. Interesse. In: Novissimo Digesto Italiano. Diretto da Antonio Azara e Ernesto
Eula. Torino: Editrice Torinense, 1962. P. 838: “Certamente esatta é l’intuizione que muove dalla
relazione di um soggeto (immaginato carente) con un bene o con una situazione prospetati
siccome ad esso accessibili e valutati como idonei a colmarne la carenza e soddisfarne l’esigenza.
Di qui nasce l’idea di una inclinazione o vacazione di un soggeto verso un oggeto stimato idoneo
a soddisfarlo.” Para uma relação entre motivo, fim e interesse no Direito Civil, veja-se: SACCO,
Rodolfo. Motivo, fine, interesse. 2012. Disponível em: [http://bddx.leggiditalia.it/cgi-bin/Ful-
Show]. Acesso em: 03.09.2018.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
66 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

Seguindo essa linha de entendimento, alguns autores identificam os elementos prin-


cipais na constituição do que se poderia chamar de uma noção geral de interesse: (i) o
sujeito, (ii) a necessidade ou carência pertencente ao sujeito e (iii) o bem, detentor da
idoneidade ou aptidão para satisfazer a necessidade pertencente ao sujeito. Alguns au-
tores ajuntam, a estes elementos básicos, o “vínculo relacional”, que seria observado
“entre a faculdade de apetência ou a inclinação volitiva, para a satisfação da necessidade
com o bem; e o bem, considerado idóneo para a satisfação da necessidade”130.
Mesmo quando circunscritos à seara jurídica, a multiplicidade de significados atre-
lados ao interesse é considerável, bastando lembrar, inicialmente, a utilização dessa ca-
tegoria em outras searas do Direito, como no Direito Público (interesse público) e no
Direito Processual (interesse de agir). Ainda que limitado ao Direito Civil, o intérprete
encontra-se diante de uma utilização ampla da noção de interesse131.
Não se discute, por exemplo, que a análise do interesse do credor na prestação con-
tratual é elemento fundante para o manejo de algumas posições jurídicas132, como a re-
tratada no direito potestativo de resolução contratual133. Ao se ilustrar a multiplicidade
de usos do interesse relacionados ao Direito Civil, descortina-se o problema central
para o objetivo do presente trabalho: a existência de alguns interesses que não geram
o dever de indenizar quando violados, ou seja, interesses juridicamente tutelados que,
diante de uma lesão, não oferecem ao seu titular a pretensão reparatória.

130. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 494.


131. STEINER, Renata. Op. cit., p. 29-30. Para a autora: “Refere-se, por exemplo, ao interesse do
sujeito como substrato da legitimidade – como se passa no interesse na anulação do negócio ju-
rídico (art. 168, CC), em sentido análogo à legitimidade processual (art. 17, Código de Processo
Civil de 2015) –, ao interesse como objeto contratual do mandato e do seguro (i.e, a atuação e a
asseguração de um interesse), o mesmo se passando na gestão de negócios (arts. 653, 757 e 861,
CC), e às inúmeras qualificações dos interesses ligados aos direitos reais (interesse social, legíti-
mo, do condomínio e dos possuidores, por exemplos). Em nenhuma dessas menções o legisla-
dor preocupou-se – nem se considera que deveria tê-lo feito – em definir o termo “interesse”.
132. SACCO, Rodolfo. Op. cit., p. 6-8; e FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. Adimplemento das obri-
gações. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 43. Para o último autor: “A prestação visa primordialmente
a suprir a necessidade de alguém (credor) de obtenção de um bem ou de realização de um fato.
Até a ocorrência do pagamento, há, de um lado, a necessidade do credor (decorrente de sua
carência, de seus desejos, curiosidades, aspirações o qualquer outro móvel subjetivo) e, de outro
lado, um bem ou um fato que, proveniente de outra pessoa (o devedor), é capaz de satisfazer essa
necessidade. Entre o bem ou o fato e a necessidade encontra-se o interesse, palavra que, como
demonstra a sua origem latina (inter est), porta em si o significado de estar entre algo, no meio.
Até a realização da prestação, há o interesse; com ela, há o preenchimento do espaço que medeia
a necessidade e o bem ou o fato. A esse preenchimento se costuma denominar ‘satisfação do
interesse’.” (Ibidem, p. 43).
133. AGUIAR JR., Ruy Rosado de. A extinção dos contratos por incumprimento do devedor; resolução.
Rio de Janeiro: Aide, 1991. P. 114 e 132; e MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 523.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 67

Considere-se a hipótese do terceiro interessado no inadimplemento de uma obriga-


ção, regulada pelo art. 304 do Código Civil brasileiro. O ordenamento jurídico qualifica
como interessado aquele terceiro que pode, em decorrência do inadimplemento do de-
vedor, sofrer algum tipo de efeito negativo em sua própria esfera jurídica134, observan-
do-se a situação do sublocatário ou do avalista como exemplos clássicos135. Há critério
normativo para a seleção dos interesses tutelados: não se tutelam os meramente emo-
cionais, observados, por exemplo, quando o pai ou a namorada do devedor intentam
quitar a dívida deste para com o credor, na esperança de satisfazer seus “interesses”, me-
ramente afetivos136.
Pense-se, portanto, na situação do sublocatário que tem como objetivo realizar o
pagamento dos aluguéis atrasados, na tentativa de evitar uma ação de despejo, e é ili-
citamente impedido pelo credor (locador), o qual somente aceita receber a prestação
diretamente do locatário. A “lesão ao interesse juridicamente tutelado” do terceiro in-
teressado, neste caso, ilicitamente perpetrada pela conduta do locador, abriria a pos-
sibilidade para a tutela do interesse lesado, mediante provocação do Estado-Juiz e por
intermédio de ações consignatórias. Entretanto, uma eventual tutela típica das deman-
das indenizatórias somente se ofereceria ao sublocatário lesado em caso de efetivo dano,
materializado, possivelmente, no eventual futuro despejo.
Caso o locatário (devedor) pudesse posteriormente quitar as obrigações com o lo-
cador (credor) ou o sublocatário obtivesse êxito em suas demandas consignatórias,
evitando o despejo ou qualquer outra consequência nefasta em sua esfera jurídica, o
desrespeito à situação jurídica do sublocatário, ou a “lesão ao interesse juridicamente
tutelado”, perpetrada pelo locador, não seria fonte de um dano indenizável.
Outros inúmeros exemplos poderiam ser expostos, como no caso da invasão de um
imóvel comercial desativado. Nessa hipótese, evidente é a existência de interesse jurí-
dico do titular do direito de propriedade em gozar do seu bem com exclusividade, cuja
lesão poderá ser legitimamente tutelada pelo Estado-Juiz, chancelando pretensões pos-
sessórias. Mais uma vez, caso a invasão não gere nenhum prejuízo, uma “hipótese dife-
rencial”, ou a lesão à concreta idoneidade do bem para satisfazer as necessidades do seu
titular, não haverá dano indenizável a ser reparado137.

134. FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. Op. cit., , p. 76.


135. FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. Op. cit., , p. 76.
136. FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. Op. cit., p. 76.
137. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Parte especial.
Direito das obrigações. Fatos ilícitos absolutos. Atualização de Rui Stoco. São Paulo: Ed. RT,
2012. T. 53. P. 262. “O fato pode ser fato ilícito absoluto sem causar dano. Entrou B na casa de
A, sem permissão, mas nenhum prejuízo patrimonial ou não-patrimonial resultou do seu ato
imprudente”.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
68 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

Tendo em vista os exemplos fornecidos, nota-se que, em alguns Códigos Civis, ape-
sar de ser encontrada inúmeras vezes138, a palavra interesse acaba por não respaldar o
significado empregado neste texto139. O direito privado utiliza-se do termo interesse,
portanto, em “contextos variados, com sentidos nem sempre coincidentes, e para efeitos
diversos140”, devendo o seu significado ser revelado em cada seara jurídica.
Como resolver os problemas trazidos por esses exemplos, em que a lesão a um inte-
resse é observada, mas não se verifica o surgimento de um dano a ser indenizado? Existe
a necessidade de se identificar o sentido exato da “lesão a interesse” na ambiência da res-
ponsabilidade civil, estabelecendo uma demarcação complementar aos limites do con-
ceito de dano indenizável, necessários para amenizar a vagueza semântica e operacional
da noção de interesse, que, como já alertado, é “aproximativa e imprecisa”141.
Em obras dedicadas ao “interesse contratual negativo” e ao “interesse contratual po-
sitivo”, categorias identificadas com os danos gerados na esfera dos incumprimentos
localizados na seara contratual e pré-contratual, alguns autores dão notícia de dois sig-
nificados possíveis para o interesse, sendo o primeiro afeto ao âmbito da ilicitude (anti-
juridicidade), ou seja, referente à situação jurídica tutelada; enquanto o segundo estaria
intimamente relacionado com o dano ou com sua forma de quantificação142, podendo-
-se admitir a criação de uma dicotomia entre um “interesse-posição jurídica” e o “inte-
resse-prejuízo” ou “interesse-dano”143.

138. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 488. O autor indica que a palavra interesse aparece mais de
oitenta vezes no diploma civil português, mas em nenhum momento com o sentido de dano
ou prejuízo, que seria o “o candidato mais relevante para densificação do substantivo presente
na expressão ‘interesse contratual negativo’ ou ‘interesse contratual positivo’” (MOTA PINTO,
Paulo. Op. cit., p. 492 e 493).
139. STEINER, Renata. Op. cit., p. 28-30. A autora afirma que o termo interesse aparece 54 vezes no
Código Civil brasileiro. Ainda assim, as normas afeitas à responsabilidade civil não se utilizam
da expressão “interesse” de maneira expressa.
140. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 491.
141. BETTI, Emilio. Op. Cit., p. 838.
142. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 502. Apesar de constituir tema lateral ao presente trabalho, im-
porta notar que a simples lesão a interesse juridicamente tutelado, ainda que na sua conforma-
ção de “situação jurídica”, não é suficiente, em algumas situações, para a caracterizar a conduta
ilícita ou antijurídica do lesante. Com efeito, a lesão a interesses inegavelmente tutelados, como
a vida, pode não eivar de ilicitude a conduta do lesante, caso este esteja protegido por alguma das
pré-excludentes, tal como a legítima defesa. Para o assunto, veja-se: PETEFFI DA SILVA, Rafael.
Op. cit.
143. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 507. A apresentação da dicotomia entre “interesse-situação
jurídica” e “interesse-dano” é grandemente baseada na obra de Claudio Turco. Interesse negativo
e resposabilità precontrattuale. Milano: Giuffré. 1990.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 69

Apesar da dúvida exposta pela doutrina sobre a necessidade desses conceitos para a
correta explicação da gênese do interesse-negativo e do interesse-positivo, parece que a
diferenciação entre as duas facetas do interesse, quer conectado com a antijuridicidade
(interesse-posição jurídica), quer conectado com o dano, apresenta-se como “indubi-
tavelmente interessante”144. A utilização original do termo interesse positivo e interesse
negativo, nas lições seminais de Jhering, restringiam-se à ideia de prejuízo, vinculada à
noção comparativa do id quod interest, não se imiscuindo com a noção de “interesse-si-
tuação jurídica” ou de direito subjetivo145.
Elastecendo o campo de análise e se afastando de um estudo circunscrito às catego-
rias de interesse contratual negativo e positivo, observa-se que a lesão a alguns interesses
vinculados à situação jurídica do seu titular pode não admoestar o “interesse-dano”, ou
seja, podem não atrair a pretensão indenizatória, como ilustrado pelo já analisado exem-
plo do terceiro interessado. Até mesmo dispositivos legais especificamente dedicados à
responsabilidade civil podem fazer referência ao interesse na sua acepção de mera situa-
ção jurídica146, o mesmo podendo ocorrer com diplomas de harmonização legal, como
ocorreu com a hipótese do art. 2:101 dos Princípios de Direito Europeu de Responsa-
bilidade Civil, de acordo com o explicitado no primeiro capítulo do presente trabalho.
No Direito Brasileiro, pode-se recordar do art. 81 do Código de Defesa do Consumi-
dor, em que os “interesses e direitos dos consumidores” aparecem como “objetos de pro-
teção da norma, ao lado ou em substituição à noção de direito subjetivo”147 e, portanto,
afastada da noção de dano ou prejuízo.
Ainda dentro das múltiplas possibilidades jurídicas do termo interesse na ambiên-
cia da responsabilidade civil, parcela da doutrina notou fenômeno típico da doutrina

144. MOTA PINTO, Paulo. Op. Cit., p. 517. O autor acredita que referenciar o interesse negativo
como situação jurídica e não apenas como manifestação prejudicial pode ser interessante no
contexto italiano, “em que a noção de interesse é autonomizada desde há muito como situação
jurídica tutelada e objecto do dano”. Porém, o autor entende que, diante das especificidades do
direito positivo português, a noção de interesse negativo como situação jurídica não se faz ne-
cessária. Steiner, apesar de igualmente afastar a solução proposta por Claudio Turco, entende
interessante a relação de simbiose que existiria entre as duas acepções de interesse (STEINER,
Renata. Op. cit., p. 63-64).
145. STEINER, Renata. Op. cit., p. 42-43. As correlações entre o interesse jurídico e os direitos subje-
tivos seriam desenvolvidos posteriormente pelo autor alemão. Em sentido semelhante, confira-
-se MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 519.
146. Veja-se o art. 483 do Código Civil português, com a interpretação encontrada em PIRES DE
LIMA, Fernando Andrade; ANTUNES VARELA, João de Matos. Código Civil anotado. 4. Ed.
Coimbra: Coimbra Editora. 2011. P. 472. “A ilicitude pode consistir também na violação de uma
disposição destinada a proteger interesses alheios” (grifos no original).
147. STEINER, Renata. Op. cit., p. 30.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
70 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

brasileira: a existência de uma chamada “teoria do interesse”, detentora de característi-


cas particulares, capazes de sugerir uma contraposição com a teoria da diferença148, que
alegadamente sustentaria um conceito meramente naturalístico de dano149. O desenvol-
vimento de presente trabalho já demonstrou que a teoria da diferença se mostra alinha-
da com a evolução do conceito de interesse (id quod interest), bem como consubstancia
uma teoria normativa do dano, afastada de uma ideia meramente vulgar ou naturalísti-
ca. Não haveria, portanto, espaço para a referida contraposição.
Contudo, Renata Steiner bem indica a falta de antinomia entre a teoria da diferen-
ça e a aludida “teoria do interesse”, enquanto esta estiver vinculada ao “interesse si-
tuação jurídica”150. Destarte, as duas teorias aludidas apenas teriam as suas eficácias
notadas em momentos distintos do processo de formação da relação obrigacional
entre vítima (credor) e o causador do dano (devedor), apresentando uma relação de
complementariedade.
Entretanto, como já se demonstrou, não se pode olvidar que a lesão ao “interesse si-
tuação jurídica” pode gerar diversas formas de tutela, absolutamente distintas da tutela
indenizatória que caracteriza a responsabilidade civil, exatamente por não se constituir
em elemento da noção jurídica de dano, enquanto este for entendido na sua concepção
estrita, dotado de conteúdo eficacial próprio151. A aludida complementariedade entre

148. Com esse diagnóstico, MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 528.
149. Apesar de apresentarem distinções em suas análises, é possível identificar, com essa aborda-
gem, autores como SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 97; MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit.,
p. 168-169. Com visão parcialmente conciliadora, veja-se: Sanseverino “a teoria do interesse é
aquela que explica de modo mais completo a noção moderna de dano, abrindo portas para o
reconhecimento de novas modalidades de prejuízo, atendendo a uma exigência do princípio
da reparação integral. Nem por isso retira a utilidade da teoria da diferença, que continua a de-
sempenhar um importante papel no ressarcimento de parcela expressiva dos danos materiais”
(SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., , p. 137-145).
150. STEINER, Renata. Op. cit., p. 64. Segundo a autora: “Com efeito, não basta compreender o que
acontece quando da ocorrência do dano – ou seja, a condução do lesado a uma situação hipotéti-
ca positiva ou negativa, marca da teoria da diferença –, mas, antes, determinar quando e por qual
razão a tutela recairá sobre o interesse positivo ou negativo. Isso diz respeito, essencialmente,
à compreensão da situação jurídica tutelada, o qual se confunde com o interesse protegido em
cada caso. Em outras palavras, a percepção do problema à luz da noção de interesse como objeto
de proteção da norma não coloca os acentos sobre a questão da consequência reparatória – não
serve à sua quantificação −, e sim no fundamento do dever de reparar, algo que se mostra tão
relevante quanto a primeira concepção antes vista” (Ibidem, p. 64).
151. ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 532. O autor bem separa a esfera da ilicitude,
em que há a lesão a interesses ou “valores” tutelados pelo direito e a seara do dano, em que a con-
sequência dessa lesão é observada: “uma coisa é, com efeito, a calúnia ou a injúria (a difamação
de um facto que fere a honra ou afecta o bom nome de uma pessoa) e outra o dano que a calú-
nia ou injúria causou (o despedimento do empregado; a perda da clientela, o rompimento do

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Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 71

as teorias referidas somente pode ser aceita, portanto, dentro dos limites da noção am-
pla do chamado dano indenizável, que se confunde com a observância de um conjunto
de requisitos relacionados com a responsabilidade civil e, portanto, com a formação do
vínculo obrigacional entre vítima e causador do dano.
Algo semelhante poderia ser observado na doutrina italiana majoritária, que enten-
de a lesão ao “interesse situação jurídica” como um elemento do conceito normativo de
dano (dano evento), devido à peculiar introdução da categoria de danno ingiusto pelo
legislador de 1942, somente admitindo a criação do dever de indenizar após a verifica-
ção de um prejuízo concreto e efetivo (dano consequência)152.
Esse panorama sistemático italiano foi responsável pela criação da igualmente pe-
culiar diferenciação entre “dano evento” e “dano consequência”153, sendo a primeira ca-
tegoria responsável pela identificação da ingiustizia do dano (verificação do interesse
juridicamente tutelado), relegando para a categoria de “dano consequência” a análise do
efetivo prejuízo sofrido pela vítima154.

noivado, etc.). E a ilicitude reporta-se ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso)
que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes)
do resultado (lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz”
(Ibidem, p. 532).
152. SALVI, Cesare. La Responsabilitá Civile. In: IUDICA, Giovanni; ZATTI, Paolo. Trattato di Di-
ritto Privato. 2. ed. Giuffrè: Milão. 2005. p. 48 e 50; VISINTINI, Giovanna. Trattato breve della
responsabilitá civile. 3. Ed. Padova: Cedam. 2005. p. 435; e SIRENA, Pietro. O conceito de dano
na disciplina italiana e francesa da responsabilidade civil. Revista Ajuris, v. 47, n. 149, p. 383-408,
2020. p. 396. “Configurando-se, porém, apenas o dano injusto (dano-evento), outros recursos
civis (autoproteção, precaução etc.) poderão ser exercidos, mas não subsistirá nenhuma obri-
gação de ressarcimento. A base dessa abordagem conceitual é, mais uma vez, estabelecida na
função de responsabilidade civil, que, de acordo com a opinião mais difundida, não poderia
consistir em punir o infrator ou impedir o ato ilícito, mas exclusivamente na reparação da perda
sofrida pela vítima ou por outras pessoas próximas a ela, como seus parentes.”
153. Parcela da doutrina brasileira parece ter adotado a lógica observada no Direito italiano, utili-
zando-se do binômio dano-evento e dano-prejuízo. Segundo este entendimento, o dever de
indenizar necessitaria do dano-prejuízo. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio. Cadastros de
restrição ao crédito: dano moral. Revista de Direito do Consumidor, n. 36, p.45-53, out./dez.
2000. p. 45-53. “O dano-evento é, pois, o dano imediato, enquanto que o dano-prejuízo é o
dano mediato. Ora, quando se fala em dano moral, é ao dano mediato, que se tem em vista.” (gri-
fou-se). Complementarmente, também é possível evidenciar que esse pensamento vincula do
dano-evento ao evento lesivo, na linha do pensamento italiano, nesse sentido, JUNQUEIRA
DE AZEVEDO, Antônio. O direito como sistema complexo e de 2ª Ordem; sua Autonomia,
Ato nulo e Ato Ilícito, Diferença de Espírito entre Responsabilidade Civil e Penal, Necessidade
de Prejuízo para Haver Direito de Indenização na Responsabilidade Civil. In: JUNQUEIRA DE
AZEVEDO, Antônio. Estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 34.
154. VISINTINI, Giovanna. Op. Cit., p. 435; e SIRENA, Pietro. Op. Cit., p. 395. “Com base nessa
abordagem conceitual, o dano-evento (dano injusto) constitui um requisito do ato ilícito como

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
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72 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

Entretanto, dentro das balizas do ordenamento jurídico brasileiro, não se pode


admitir que a lesão ao “interesse-dano” seja apenas um fenômeno relegado à fase de
quantificação155, pois a lesão dessa espécie de interesse é elemento essencial da própria
constituição do consequente dever de indenizar (relação jurídica obrigacional típica da
seara da responsabilidade civil). Como observado no exemplo do terceiro interessado
na prestação contratual, em que se verificou a lesão à situação jurídica do sublocatá-
rio, o surgimento da tutela indenizatória em favor do lesado foi obstado não apenas por
problemas de quantificação, mas pela própria inexistência do an debeatur. Esse esclare-
cimento é importante para se resguardar um conceito de dano com conteúdo eficacial
próprio, sem que o dano perca sua função dogmática e acabe por “colapsar na noção de
ato ilícito”156.
Apesar das dificuldades observadas, a noção de dano relacionada à lesão a interes-
se juridicamente protegido mostra-se fortemente prestigiada na doutrina contempo-
rânea157. Contudo, a vinculação do interesse protegido à seara das situações jurídicas
(antijuridicidade) faz com que importante doutrina entenda que o dano estaria loca-
lizado nas consequências aos interesses protegidos158. Essa noção é compartilhada por

tal, sendo que o dano-consequência (a perda sofrida pela parte lesada) constitui um outro requi-
sito de responsabilidade civil strictu sensu, qual seja, a obrigação de ressarcimento. Para que o
réu seja condenado a pagar uma indenização, é necessário, portanto, que dois requisitos distin-
tos sejam atendidos: primeiro, o fato que lhe é imputado (geralmente a título de dolo ou culpa)
deve ter causado a outros danos injustos (dano–evento), nos termos do art. 2.043 do Código
Civil italiano; além disso, como consequência desse evento, o autor deve ter sofrido uma perda
(patrimonial ou não patrimonial), conforme o disposto no art. 1.223 do Código Civil de 1942.”
155. Em sentido contrário, STEINER, Renata. Op. cit., p. 68.
156. NOLAN, Donal. Op. cit., p. 260. No original: “The first is that one occasionally comes across
instances where the word ‘damage’ is in effect being used (like ‘injury’) as a synonym for a rights
violation–in other words, a wrong. Again, this kind of usage is to be deprecated as, when ‘dama-
ge’ is collapsed into ‘wrong’, the utility of the damage concept as a distinct element of the cause of
action for negligence is lost.” (grifou-se)
157. Veja-se, CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara; CARRÁ, Denise Sá Vieira. Dano in re ipsa, respon-
sabilidade civil sem dano e o feitiço de Áquila: ou de como coisas distintas podem coexistir sem
se tocar. Revista Jurídica da FA7, v. 16, n. 2, p. 115-131, jul.-dez. 2019. P. 123; SCHREIBER, An-
derson. Op. cit., p. 97; MARINO, Francisco De Crescenzo. Perdas e danos. In: LOTUFO, Renan;
NANNI, Giovanni Ettore (Orgs). Obrigações. São Paulo: Atlas, 2011. p. 655 (o autor utiliza-se da
divisão entre dano-evento e dano-prejuízo para marcar as distintas eficácias do interesse).
158. Em obra recente, Judith Martins-Costa manifesta entendimento desses aspectos, visualizando
o dano como a consequência da lesão a interesse e não como lesão a interesse: “Trata-se, pois, do
efeito (diminuição ou subtração) da lesão a interesse tutelado pelo direito” e “[...] o dano extra-
patrimonial diz respeito às repercussões não patrimoniais de lesões a interesses e a bens jurídicos
integrantes da esfera do lesado [...].” (grifou-se) (MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., , p. 407 e
409). No mesmo sentido, CARBONAR, Dante O. Frazon. Dano: uma nova abordagem para a

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 73

importante parcela da doutrina sul-americana, fortemente influenciada pela doutrina


peninsular, que não se utiliza do termo “dano evento”, mas entende que nas hipóteses de
lesão a interesse juridicamente tutelado como um mero dano lato sensu, importante pa-
ra respaldar algumas tutelas de garantias de direitos, como a inibitória, mas insuficiente
para gerar o dano ressarcível como fenômeno típico da pretensão indenizatória, que se-
ria dependentes das consequências negativas159.
Em um primeiro momento, as delimitações conceituais aqui propostas podem pa-
recer alimentar um academicismo estéril, já que tanto o “interesse- situação jurídica”
(entendido em conexão com a antijuridicidade) como o “interesse-dano” devem fazer
parte da miríade de elementos integrantes da responsabilidade civil, necessários para
possibilitar o surgimento do dever de indenizar.
Entretanto, acredita-se que uma limitação mais rigorosa da noção de dano, advinda
da diferenciação das inúmeras acepções do termo interesse, representa o instrumen-
tal teórico mais apto a densificar os limites conceituais do instituto em sentido estrito,
aceito dentro das balizas do ordenamento jurídico brasileiro. Como se verá no próxi-
mo item, diferenças operacionais poderão ser notadas dependendo da abordagem a ser
adotada.
Assim, a diferenciação rigorosa da lesão a direito subjetivos ou de situações jurídi-
cas, afeitas à seara da ilicitude, em relação ao conceito normativo de dano, necessita ser
realizada para que um debate sobre as novas fronteiras do dano na responsabilidade ci-
vil possar ser realizado de forma racional, restituindo o papel do dano como efetivo re-
quisito ou “filtro” da responsabilidade civil, com conteúdo eficacial próprio.

3. O interesse como suporte para a noção de dano normativo em


sentido estrito: operacionalidade dos conceitos
Após a identificação das múltiplas acepções de interesse, expostas no capítulo ante-
rior, passa-se a abordar a noção de interesse como elemento apto a definir e operacionali-
zar a noção de dano em sentido estrito, dentro de uma perspectiva subjetiva e relacional.

3.1. Dano como interesse e dano entendido como lesão a interesse


Ainda que a tentativa de se identificar um conceito único de dano possa ser visto por
alguns autores como uma aspiração juvenil160, as duas abordagens que serão analisadas

Responsabilidade Civil contemporânea. Revista de Direito Civil Contemporâneo. v. 31, ano 9,


p. 155-192, abr.-jun. 2022. p. 164.
159. Nesse sentido, CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 74 e 79; BUERES, Alberto. Op. cit., p. 291.
160. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 815. O autor refere-se a um “pecado da juventude”.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
74 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

na primeira parte do presente capítulo apresentam-se como as candidatas mais sólidas


para embasar um conceito jurídico de dano, alinhadas com a tradição do id quod interest.

3.1.1. A noção de dano como interesse


No primeiro item do capítulo anterior abordou-se o desenvolvimento da noção de
id quod interest até a construção da teoria da diferença, bem como se analisou a eventual
capacidade de uma adequada interpretação desta teoria ser capaz de enfrentar os desa-
fios impostos pela responsabilidade civil contemporânea. Diante dessa perspectiva, o
conceito de dano se confundiria com o próprio interesse, traduzido pela visão da já ana-
lisada “hipótese diferencial”, ou seja, tem-se a noção de dano como interesse.
Para ilustrar a aplicabilidade prática dessa noção de dano em sentido estrito, recor-
de-se que a responsabilidade civil não tutela um bem do ponto de vista estático, mas de
maneira relativa161. Para além dos exemplos do microbiologista e do locatário, já lem-
brados neste trabalho, tem-se que a vítima que utilizava o seu automóvel ilicitamente
destruído por outrem apenas para atividades de lazer sofrerá determinado dano, geral-
mente restrito à categoria dos danos emergentes e eventuais danos extrapatrimoniais.
Por outro lado, o titular do veículo utilizado para empreender atividades comerciais ob-
servará um dano (interesse) distinto, possivelmente relacionados com a categoria dos
lucros cessantes162.
A “hipótese diferencial”, em ambas as situações, é sensivelmente diversa, pois as ví-
timas podem se encontrar, após o evento danoso, em situação fática semelhante, mas a
posição em que estariam sem a observância deste mesmo evento (auferida por um pensa-
mento contrafático) é bastante díspar, pois a segunda vítima, além de contar com o veículo
inalterado, teria auferido os lucros que a utilização do automóvel teria lhe proporcionado.
A referida perspectiva relacional e subjetiva respaldada pela noção de dano como in-
teresse se faz notar até mesmo em situações em que existe grave lesão a um determinado

161. NOLAN, Donal. Op. cit., , p. 261. Para o autor, “While the issue of exactly what interest is requi-
red need not detain us here, the fact that more than one person may have a sufficient interest to
bring a claim in respect of damaged property–bailor and bailee, legal and equitable owner–sho-
ws us that ‘damage’ in this context is a normative concept associated with a person, not a factual
concept associated with a particular physical entity.” (grifou-se). Em sentido semelhante, veja-
-se: CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 73.
162. “O dano é relativo, depende das circunstâncias objetivas e subjetivas. O dano que se causa ao mi-
crobiologista, quebrando-se-lhe o microscópio, não é o mesmo que se causaria ao sertanejo, ou
ao trabalhador do campo, que, sem o usar praticamente, tivesse um microscópio entre os objetos
da sua casa” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 53, p. 154). Em sentido
semelhante, Mariano Izquierdo, utilizando as expressões dano comum e dano próprio, sendo
este último o dano como fenômeno relacional (YZQUIERDO TOLSADA, Mariano. Op. cit.,
p. 161).

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bem pertencente à esfera jurídica da alegada vítima. Ilustra-se essa característica ope-
racional com o mui conhecido exemplo de uma casa na beira de uma estrada que é
culposamente destruída por um caminhão desgovernado, mas que já estava com sua
demolição contratada para o dia seguinte ao acidente163. Nesse caso, a destruição defini-
tiva do bem (casa) poderia até mesmo gerar apenas uma vantagem para o seu titular164.
Nessa hipótese, nota-se a utilidade da noção de dano como interesse para o conceito
de dano, pois uma visão distinta do instituto, relacionada ao mero menoscabo de bens,
poderia gerar a incorreta conclusão de que o responsável pela destruição da casa tornar-
-se-ia igualmente responsável por uma obrigação de indenizar. O mesmo raciocínio é
utilizado na hipótese em que um ato ilícito absoluto causa a destruição de plantas que
seriam necessariamente ceifadas pelo proprietário, pois já não mais dariam frutos165: a
destruição do bem não gerou hipótese diferencial e, portanto, não há dano, no sentido
jurídico, a ser reparado. Seguindo-se o raciocínio que suporta a formação do interesse
(id quod interest), nota-se que não há diferença entre a situação fática do proprietário
do imóvel destruído ou das plantas ceifadas após o evento causado pelo indigitado res-
ponsável e a situação projetada (contrafática) em que ele estaria na ausência do referi-
do evento.
Nos exemplos apresentados, os requisitos clássicos da responsabilidade civil estão
presentes: ato antijurídico e até mesmo culposo do ofensor e o nexo de causalidade en-
tre este ato e a destruição material da casa ou das plantas (que equivaleria à noção natu-
ralística de dano, como menoscabo de bens ou como mera manifestação fenomênica).
A hipótese de incidência de algumas normas do ordenamento jurídico, especialmente o

163. DÍEZ-PICAZO, Luis. Op. Cit., , p. 336. Utilizando-se exatamente do mesmo exemplo, veja-se:
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 22, p. 296-297; BASTOS, Daniel
Deggau. Op. cit., p. 17; LE TOURNEAU, Philippe. Droit de la Responsabilité. Action Dalloz.
Paris: Dalloz, 2021-2022. p. 557.
164. LE TOURNEAU, Philippe. Op. cit., p. 557. “A la limite, un dommage peut même être source de
[...] bénéfice pour la ‘victime’: je devais procéder à la démolition d’un vieux bâtiment, quand un
poids lourd sort de la route [...] et m’évite de le faire”. Evidentemente que ainda se poderá obser-
var a lesão de interesse mesmo em alguns casos em que o titular não possa mais fruir ou gozar
do bem. Se o dono de uma bicicleta se tornou tetraplégico após um acidente, este ainda poderá
vendê-la, satisfazendo, deste modo, alguma necessidade específica sua. Na hipótese da casa
destruída, por se tratar de bem imóvel destinado à demolição, a possibilidade da venda inexistia.
165. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 53, p. 264. “O que é atingível não
são apenas direitos sobre coisas. Quaisquer direitos e interesses tais, que, feridos, diminuam o
patrimônio em que se aglutinam. Se o fato ilícito absoluto, lato senso, destrói ou deteriora algo
que é de alguém, porém tal destruição ou deterioração de modo nenhum causou prejuízo (e. g.,
a pedra jogada rolou pela ribanceira sem ofender qualquer planta, ou só ofendeu planta que ia ser
ou devia ser cortada, porque não mais daria frutos), não houve dano que se tenha de ressarcir.”
(grifou-se)

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art. 927 do Código Civil, somente não serão preenchidos pela existência de um conceito
normativamente construído de dano, baseado na noção de interesse. Como a destrui-
ção material do bem, além dos demais requisitos da responsabilidade civil, foi obser-
vada, somente a admissão de um dano com conteúdo eficacial próprio pode justificar a
inexistência de indenização. Uma vez mais nota-se que não se trata de um problema de
quantificação, mas de afirmação do dano como requisito da responsabilidade civil, ad-
mitindo-se a ausência do an debeatur.
Esta análise está alinhada com o desenvolvimento da noção de interesse e da teoria
da diferença, enfocado no item 3.1, em que se demonstrou que a “hipótese diferencial”
extraída da aplicação desta teoria também depende de uma análise contrafática e, por-
tanto, distanciada de uma mera noção naturalística, consubstanciando um “conceito
subjetivo e uma avaliação concreta do dano166”.
Contudo, em relação ao exemplo da casa destruída pelo caminhão desgovernado,
nota-se posição doutrinária inclinada a considerar a teoria da diferença insuficiente pa-
ra regular a espécie. Para Diez-Picazo, a hipótese diferencial estaria verificada, pois o
bem estava no patrimônio antes do ato ilícito do motorista do caminhão, que foi respon-
sável pelo seu desaparecimento (ainda que parcial)167.
Pereira Coelho, com acerto, contesta essa visão, ao apontar a suficiência da teoria da
diferença para produzir o resultado adequado em situações como a narrada, concluindo
pela inexistência de dano indenizável. A correta construção da hipótese diferencial ocor-
re entre a “situação real e a situação hipotética actual do patrimônio do lesado”168. Não se
admite, portanto, que a diferença seja auferida levando-se em conta duas situações fáti-
cas: a que foi verificada antes da destruição do bem e a situação imediatamente posterior
ao ato do ofensor. Uma vez mais, é imperioso afastarmos essa noção, tão comum em nos-
sa doutrina e jurisprudência, de acreditar que a indenização deveria transportar a vítima

166. PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Op. cit., , p. 194-195. Lembre-se que outras constru-
ções igualmente normativas podem ser consideradas pertencentes à teoria do dano, tal como
a compensatio lucri cum damno, que terá o condão de obstar a criação do dever de indenizar
(sanção jurídica) mesmo quando observados todos os outros requisitos da responsabilidade
civil. Nota-se, portanto, que a construção normativa ou jurídica do conceito de dano possui
amplo conteúdo eficacial, ainda que afastada de uma análise conjunta dos outros requisitos da
responsabilidade civil.
167. DÍEZ-PICAZO, Luis. Op. Cit., , p. 336.
168. PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Op. cit., , p. 197. “Em síntese, haverá que proceder
ao apuramento da ‘diferença’ entre a situação real e a situação hipotética atuais do patrimônio
do lesado – isto é, na data mais recente possível –, devendo o montante da indenização apagar
ou compensar a exata separação entre elas” (grifou-se). (ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de.
Direito das obrigações. n. 65.3, B,. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1984. p. 529). No Direito
brasileiro, veja-se: AGUIAR DIAS, José de. Op. cit., 1997, p. 718.

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para o status quo ante, quando o que se busca é que a indenização a conduza a um equiva-
lente da situação em que ela estaria se o evento danoso não tivesse ocorrido169.
O presente item demonstrou que a teoria da diferença apresenta-se como ferramen-
tal útil e adequada para informar um conceito normativo de dano. Entretanto, levan-
do-se em conta o raciocínio desenvolvido no item 2.1 do presente trabalho, nota-se que
algumas situações, como a representada pelo problema da irrelevância negativa da cau-
sa virtual, impõem desafios inegáveis.
Ademais, nota-se o posicionamento visceralmente refratário à teoria da diferença
por parte da maioria da doutrina nacional, levando a aproximações com uma noção
vulgar de dano. Ainda que não se concorde com o cerne das críticas endereçadas à teo-
ria, normalmente advindas de sua má compreensão170, reconhece-se que o Direito é um
fenômeno cultural e a opinião geral sobre a teoria da diferença constitui-se em barreira
importante para sua aplicação.
Diante do exposto, ainda que se continue a considerar que o conceito jurídico de da-
no permaneça alinhado com o racional alicerçado em hipóteses diferenciais, os motivos
declinados, mais conectados a questões pragmáticas do que científicas, apontam para
se considerar o conceito normativo de dano como lesão a interesse o candidato com im-
portantes chances de aceitação pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras.

3.1.2. A noção de dano como lesão a interesse


Como visto, a noção de dano como lesão a interesse é bastante difundida na doutri-
na contemporânea. Entre os autores latinos responsáveis por propagar a vinculação de
um conceito normativo de dano à acepção de interesse, mas sem fazer alusão à hipóte-
se diferencial, é inegável a influência de Francesco Carnelutti. Em uma primeira mira-
da, dentro de um aspecto operacional, pode-se verificar que a abordagem de Carnelutti
também causa a impressão de sublinhar um caráter relacional e subjetivo como essen-
cial ao conceito jurídico de dano.
O mestre italiano entendia ser equivocado se considerar o dano de uma maneira es-
tática, como simples menoscabo a bens. Ao contrário, um pensamento relacional deve-
ria ser forçosamente levado em conta171, pois a ofensa a um determinado bem poderia

169. Esse tema já foi enfrentado no item 2.1 do presente trabalho. No Direito brasileiro, no mesmo
sentido CARNAÚBA, 2013, p. 53; STEINER, Renata. Op. cit., p. 47.
170. Essa análise foi realizada no item 2.1 do presente trabalho.
171. Para Francesco Carnelutti, “[...] in altre parole il danno riguarda sempre la situazione della per-
sona rispetto al bene, non il bene in sè. Appunto il concetto di lesione si attaglia all’interesse, non
invece al bene (considerato al di fuori dal suo rapporto con un uomo). Questo è il motivo, per cui
la formula può e deve essere semplificata in queste parole brevi: lesioni di interesse. Non credo

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lesar diferentes interesses, dependendo da idoneidade deste bem para satisfazer neces-
sidades específicas de determinada vítima.
Para os autores que possuem em Carnelutti forte inspiração, enquanto o bem pos-
sui a capacidade de satisfazer necessidades humanas, o interesse representa a possibi-
lidade de um sujeito de direito específico satisfazer as suas necessidades por intermédio
de determinado bem172, seguindo a ideia geral de interesse já enfrentada no item 2.2 do
presente trabalho173. O bem, portanto, conecta-se com a aptidão genérica para satisfazer
necessidades, de modo abstrato, enquanto o interesse aporta especificidade a essa apti-
dão, consubstanciando uma análise que obrigatoriamente inclui um ou vários sujeitos
determinados e a idoneidade do bem para satisfazer suas necessidades. Um bem não é
tutelado de maneira abstrata, pois somente os seus proprietários possuem interesses tu-
telados que se conectam com o bem174. Segundo o clássico exemplo de Carnelutti, o pão
é o bem, a fome é a necessidade e a capacidade ou aptidão do pão satisfazer essa neces-
sidade é o interesse175. Diante do exposto, poderia se afirmar que enquanto os adeptos
das modernas visões da teoria da diferença entendem o dano como interesse, os autores
alinhados com a visão carneluttiana vislumbram o dano como lesão a interesse.
Entretanto, alguns alertas necessitam ser feitos, pois não é possível ignorar que im-
portante doutrina indica que as lições de Carnelutti sobre o interesse não se conectam
especificamente com a noção de prejuízo esboçada neste trabalho, antes se relacionan-
do com o interesse como situação jurídica, ou seja, como elemento objetivo do ato ilíci-
to176, algo que em nossa tradição jurídica se convencionou chamar de antijuridicidade177.

che il danno possa essere definito più precisamente di così” (CARNELUTTI, Francesco. Il dan-
no e il reato. 2. Milão: Cedam, 1930. p. 14).
172. BUERES, Alberto. Op. cit., 2001, p. 290; CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 65.
173. Veja-se, especificamente, a lição associada às notas de rodapé 127 e 128.
174. DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 111; CALVO COSTA, p. 73.
175. CARNELUTTI, 1930, p. 30. No original: “La fame è un bisogno; il pane è un bene; poter man-
giare il pane, questo è un interesse”.
176. Nesse sentido, em relação à abordagem de Carnelutti, veja-se: Visintini: “Egli peró non disco-
nosceva affatto que la parola ‘danno’ potesse venire usata anche per indicare il danno risarcibile,
cioè la perdita, il mancato guadagno e in genere il depauperamento di cui può essere chiesto il
risarcimento, ma aveva una chiara nozione della struttura del fatto illecito, caraterizzata, da un
lato, dall’elemento soggetivo della condotta antigiuridica, alias della colpa come disobbedienza
all comando, e dall’altro lato, dell’elemento oggettivo, l’atto contra ius, ovverosia la lesione di un
interese giuridicamente rilevante” (grifou-se) (VISINTINI, Giovanna. Op. cit., p.431-432). No
mesmo sentido, MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 530. Veja-se, do próprio CARNELUTTI,
Francesco. Pserseverare Diabolicum. Foro Italiano, 1952. IV. p. 97-101.
177. BIANCA, Massimo. Diritto Civile: La Responsabilità. 2 ed. Milão: Giuffrè. 2012. v. 5. p. 551, no-
ta 22. Veja-se a análise já feita da menção a interesse realizada pelos diplomas de harmonização
da responsabilidade civil, no item 2.1 do presente trabalho.

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Como já apontado no item 2.2, o desenvolvimento da peculiar figura do danno ingius-


to178, no Direito italiano, acabou por atrair para a esfera do dano a tarefa da seleção dos
“interesses juridicamente tutelados” (interesse-situação jurídica), intimamente relacio-
nados com o elemento objetivo do ato ilícito179.
Portanto, a noção de dano como lesão a interesse, na linha da doutrina capitaneada
por Carnelutti, pode apresentar uma diferença bastante importante, do ponto de vista
operacional, em relação à visão de dano como interesse, já desenvolvida neste item. Com
efeito, já se demonstrou que, na hipótese de uma invasão de imóvel alheio, sem que ne-
nhum prejuízo possa ser observado como consequência desta invasão, tem-se apenas a
configuração de um ato ilícito absoluto180. Autores que entendem que o dano consubs-
tancia lesão a interesse jurídico como situação jurídica possuem entendimento diverso,
acreditando haver, em situação idêntica, um dano lato sensu181 (dano evento).
Ainda que esses mesmos autores admitam que esse dano latu sensu, carente de ver-
dadeira consequência lesiva, poderia apenas atrair outras tutelas em favor do titular do
interesse lesado, não sendo capaz de gerar o dever de indenizar (tutela ressarcitória em
favor da vítima), a diferenciação não está restrita a um academicismo estéril. Com efei-
to, ao centrar a análise na situação jurídica da vítima, o exame do eventual e efetivo pre-
juízo por esta sofrido acaba por ser relegado a uma mera verificação de um menoscabo
de bens ou de uma mera manifestação fenomênica. Como afirmava De Cupis, o crité-
rio para se considerar o dano como jurídico encontra-se na antijuridicidade do seu ato
causador, sendo que o que resta para a configuração do dano ressarcível seria apenas
um “simples fenômeno de ordem física”182. Assim, segundo a doutrina que agasalha esta

178. O Código Civil italiano atual foi promulgado apenas em 1942. As ideias originais de Carnelutti,
portanto, precedem esse diploma legislativo.
179. VISINTINI, Giovanna. Op. cit., p. 430 e ss. A maior parte da doutrina italiana entende que o ar-
tigo 2043 efetivamente deslocou a análise da antijuridicidade para a seara do próprio dano, com
o advento da noção de danno ingiusto. Nesse sentido, BUSNELLI, Francesco D.; COMMANDÉ,
Giovanni. Wrongfulness in the Italian Legal System. In: KOZIOL, Helmut (Coord.). Unification
of Tort Law: Wrongfulness. Haia: Kluwer International, 1998. p. 69 e ss.; SIRENA, Pietro. Op. cit.,
p. 395 e LUDOVICO, Giuseppe. Danos não patrimoniais (direito italiano). In: MANUS, Pedro
Paulo Teixeira; GITELMAN, Suely (Orgs.). Enciclopédia jurídica da PUCSP. São Paulo: Editora
PUCSP, 2020. t. 7 (Direito do Trabalho e Processo do Trabalho), p. 4. “[...] o artigo 2.043 identifi-
cou no critério da injustiça o requisito indefectível do dano civilmente indenizável, vinculando
o conceito de dano juridicamente relevante à antijuridicidade do ato lesivo”.
180. De acordo com Pontes de Miranda: “O fato pode ser fato ilícito absoluto sem causar dano. En-
trou B na casa de A, sem permissão, mas nenhum prejuízo patrimonial ou não-patrimonial
resultou do seu ato imprudente” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 53,
p. 262).
181. DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 91; CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 75 e 79.
182. DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 83 e 84. No mesmo sentido, CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit.,
p. 62.

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noção de dano, após verificada a lesão à situação jurídica da vítima (interesse-situação


jurídica) restaria apenas a observação da “consequência negativa”, da mera manifesta-
ção naturalística e fenomênica183 ou, ainda, da “perda”, do “ganho não auferido” ou do
“depauperamento”184, ou seja, algo afastado da noção relacional, subjetiva e concreta li-
gada ao id quod interest. Centrar a análise do interesse na situação jurídica do lesado cria
o risco, portanto, de novamente se descuidar do estudo do dano em sentido estrito, que
voltaria a ostentar contornos meramente naturalísticos185.
Esse tipo de abordagem poderia levar o intérprete a pensar equivocadamente o
exemplo da casa destruída por terceiro em momento em que sua demolição já estava
contratada. Segundo a concepção de alguns autores citados, por analisar o interesse en-
quanto este está vinculado à seara da ilicitude, a invasão do imóvel alheio já seria uma
lesão ao interesse do titular do imóvel de exercer o seu gozo com exclusividade186. Por-
tanto, com a verificação do simples menoscado de bem (casa destruída), isto é, com a
evidente transformação fenomênica e naturalística do imóvel, os requisitos do dano em
sentido “jurídico” estariam observados. Este resultado é diametralmente oposto ao en-
contrado com a utilização da noção de dano como interesse, anteriormente analisada.
Apesar da análise empreendida nos parágrafos anteriores, não se ignora que a visão
da corrente carneluttiana, na análise da situação jurídica da vítima, pauta-se por um
racional subjetivo e relacional, afastando-se, ainda que no campo da antijuridicidade
(elemento objetivo do ato ilícito), de uma mera lesão de bens ou de direitos subjetivos.
Acredita-se que esse olhar comunga dos mesmos critérios e princípios da noção do da-
no como interesse, sendo que alguns autores chegam mesmo a fazer alusão ao id quod
interest187. Portanto, considera-se possível aproveitar elementos do racional encontrado

183. BUERES, Alberto. Prefácio. In: CALVO COSTA, Carlos. Daño resarcible. Buenos Aires:
Hammurabi, 2005. p. 23-27.
184. VISINTINI, Giovanna. Op. cit., p. 431-432.
185. Análise semelhante foi realizada no item 2.2, ao mencionar a contraposição da teoria da diferen-
ça com a chamada “teoria do interesse”.
186. De acordo com De Cupis, “Aun en los supuestos en que a primera vista, el daño no parece deri-
varse de la violación del derecho, una atenta reflexión induce a reparar en su presencia. Así, por
ejemplo, la entrada abusiva em el fundo ajeno constituye siempre una violación dañosa de la
norma protectora del interés del propietario, aunque no se haya ocasionado perjuicio alguno al
cultivo, que pueda repercutir en la producción, sin embargo, con ello se ha lesionado el interés
del propietario del fundo, que no debe sufrir inmisiones o invasiones en 1a cosa propia, por
cuanto está reservada a su uso exclusivo. Se há perjudicado, por lo expuesto, el interés al goce ex-
clusivo, que constituye precisamente el interés protegido” (DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 91).
No mesmo sentido, CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 75 e 79.
187. CALVO COSTA, Carlos A. Op. cit., p. 72. O autor, ao adotar a abordagem Carneluttiana de
interesse leciona “El interés – que etimologicamente es id quod interest: relación, conexion – no

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na linha de pensamento de Carnelutti, em que a visão de idoneidade de determinado


bem para satisfazer as necessidades de determinada vítima poderia ser analisada de
maneira concreta e transportada para a seara do dano, possibilitando que o dano como
lesão a interesse tivesse capacidade operacional suficiente para sustentar um conceito
normativo de dano188.
A possibilidade de se relacionar o conceito jurídico de dano em sentido estrito com
a lesão a interesse não passou desapercebida por parcela da doutrina. Fernando Panta-
leon, ao se referir ao dano patrimonial, entende que a lesão ao interesse que se conecta
com o dano deve ser denominado de “real-concreto”189. Esse interesse “real-concreto”
também pode ser entendido como um interesse “subjetivo-histórico”, ressaltando o ca-
ráter relacional entre dano e as especificidades da vítima lesada. A esse respeito, assim
se manifesta o autor:

“Puede definirse el daño patrimonial como la lesión de un interés valorable em dine-


ro. Pero entendiendo ‘interés- como el interés ‘subjetivo-histórico’ del concreto daña-
do en la existencia o integridad de la cosa destuida o deteriorada, o en la realización de
la actividad impedida, o en la omisión de la actividad impuesta por la conducta del
dañante; no como el interés ‘objetivo-típico’ –del que se habla cuando se define el
derecho subjetivo como ‘interés jurídicamente protegido’.”190

Ao identificar a lesão a interesse na seara do dano, o autor permitiu a visualização de


um interesse como idoneidade de um bem para satisfazer as necessidades específicas e

es más que la relación entre el sujeto que experimenta esa necesidad y el bien apto para satisfa-
cer-la” DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 110, também faz alusão direta ao id quod interest em suas
manifestações.
188. Apesar de estar baseado em algumas premissas distintas, pois se alinha com as críticas feitas
pela doutrina espanhola à teoria da diferença, encontra-se, no Direito brasileiro, pensamento
de apoio à ideia de lesão a interesse circunscrito à teoria do dano, sem se imiscuir com a ação
causadora do prejuízo. FLUMINGAM, Silvano José Gomes. Dano-evento e dano-prejuízo. Dis-
sertação de Mestrado – USP. Orient. Antonio Junqueira de Azevedo. 2009. p. 136 e ss.
189. PANTALEÓN, Angel Fernando. Comentario del Código Civil. Madri: Ministério de Justicia,
1991. t. 3. p. 1991. Igualmente admitindo que a noção de dano deve se pautar por um critério
subjetivo ou real-concreto, veja-se outras manifestações da doutrina espanhola: YZQUIERDO
TOLSADA, Mariano. Op. cit., 2016, p. 162; MARTÍN-CASALS, Miquel; RIBOT, Jordi. General
Overview (Spain). In: WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMER-
MANN, Reinhard (eds). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v. 2 (essential
cases on damage). p. 31. “the prevailing idea is that damage corresponds to the loss of the real
or specific interest the victim had in the damaged property, although the objective value of this
property can be taken as a valid yardstick for compensation unless specific circumstances chan-
ging the measure of damages upward or downward are proven.”
190. PANTALEÓN, Angel Fernando. Op. cit.,1991, p. 1991.

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concretas de uma vítima determinada como possível noção normativa de dano. Nessa
perspectiva, o dano poderia ostentar um conteúdo eficacial próprio, fundamental para
o nascimento do dever de indenizar, vinculado a uma tutela indenizatória.
Essa concepção de dano está alinhada com os mesmos padrões relacionais, concre-
tos e subjetivos já alicerçados pela construção histórica do id quod interest, alcançando
resultados operacionais adequados191. Nota-se que a lesão do “interesse real-concreto”
(interesse-dano) estará vinculada ao nascimento de uma pretensão indenizatória, dis-
tinta da plêiade de tutelas capazes de serem observadas quando da lesão a uma qualquer
situação jurídica da vítima (interesse “objetivo-típico”, na linguagem de Pantaleon).
Emilio Betti, que entende o interesse como a relação do sujeito com um bem ou uma
situação apta a satisfazer a suas necessidades ou carências, não identifica antagonismo
entre a noção de interesse e de diferença, já que esta ocorre entre a “situação de carência
ou de expectativa insatisfeita de um lado, e a situação projetada idônea a satisfazer a ex-
pectativa insatisfeita, com a qual o interesse restaria satisfeito”192. A contraposição entre
a situação fática em que se encontra a vítima após o evento danoso e a situação contrafá-
tica em que ela se encontraria sem o referido evento (hipótese diferencial) harmoniza-se
com a possibilidade concreta e específica de determinado bem satisfazer as necessida-
des de determinada vítima, frustrada pelo evento danoso, responsável pela indesejada
situação fática que impôs a vítima193.
Portanto, pode-se admitir a noção de dano em sentido estrito como lesão a interes-
se, desde que compreendido na visão real-concreta circunscrita à teoria do dano, con-
substanciando um conceito jurídico de dano com conteúdo normativo próprio e com
inegáveis pontos de contato com a tradição dogmática da construção de uma hipótese
diferencial.
A abordagem da noção de interesse aqui apresentada somente descortina uma con-
tínua evolução do conceito normativo de dano, sempre alinhada com as características

191. De acordo com Zimmermann, “Quod actoris interest refers to the plaintiff ’s ‘interest’ (in the
modern sense of the word): he has to get what he was interested in, what concerned him, what
was of consequence to him; for, interestingly, the expression is not derived from interesse (– to
be in between) but from the phrase ‘quod mea, tua, nostra etc.) in re est’ (what is in it for me, you,
us, etc.). Generally speaking, quod interest was the more modern and flexible counterconcept
to the somewhat crude and limiting idea of awarding “quanti ea res est”, and it signified a shift
from an objective, standardized point of view to a more sophisticated and equitable approach,
characterized by individualizing and, on the whole, subjective criteria.” (grifou-se) (ZIMMER-
MANN, Reinhard. Op. cit., 1990, p. 826).
192. BETTI, Emilio. Op. cit., p. 839.
193. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 521, cita a opinião de Planck/Siber (BGB, II, 1, 1914, cit.,
par. 249, anot. 2, p. 67) “a diferença entre ambas as situações de facto faz o interesse, que o lesado
tinha na não verificação do fato lesivo. Por isso, o ressarcimento do dano é também ressarcimen-
to do interesse.”

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 83

relacionais, subjetivas e concretas, que caracterizam o desenvolvimento da ideia de id


quod interest194 desde o Direito Romano até os dias atuais, propiciando a concreção do
princípio da reparação integral, um melhor convívio com elementos da responsabilida-
de civil contemporânea e a identificação do locus operacional da tutela indenizatória.

3.2. Injury as such, dano per se e dano in re ipsa: desafios para o


enquadramento de algumas figuras na teoria contemporânea do dano
Nos itens anteriores, tentou-se estabelecer a noção jurídica de dano, bem como ana-
lisar algumas possibilidades e limites operacionais que esse conceito descortina. Apesar
de ser impossível realizar, dentro dos limites do presente trabalho, um amplo e completo
exame de todas os reflexos práticos do conceito normativo de dano apresentado, acre-
dita-se que explorar as relações deste conceito com algumas hipóteses, normalmente
identificadas com os danos extrapatrimoniais, seja particularmente proveitoso, princi-
palmente por sua importância prática.
Figuras como o dano per se, o injury as such e o dano in re ipsa podem desafiar as fron-
teiras do dano indenizável, aproximando-se da mera antijuridicidade195. A dificuldade

194. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 520-529. Mota Pinto entende que a visão amplamente aceita
no Direito alemão, imantada pelo moderno entendimento da teoria da diferença e, portanto,
pela abordagem do dano como interesse, convive com abordagens doutrinárias que apenas vin-
culam o interesse a uma visão subjetiva que os bens possuem para as vítimas, contrapondo-se à
visão estática e objetiva de lesão a bens. Este autor alerta que, no Direito português, a noção de
interesse goza de pouco prestígio na teoria geral da responsabilidade civil, mas “Actualmente, na
doutrina alemã, distinguem-se vários significados da noção de interesse: o significado de “dano
patrimonial global’ (Gesamtvermogensshaden), apurado nos termos da hipótese da diferença,
pela comparação de situações patrimoniais; o sentido de valor subjectivo dos bens ofendidos
para o lesado (em contraposição aos valor objectivo); e um significado que se reporta às expec-
tativas juridicamente protegidas que o (futuro) lesado tem em relação aos seus bens afectados
pelo evento lesivo. Se tais diversas noções são por vezes criticadas e se considerou já, mesmo,
que são um obstáculo a uma ‘teoria geral do interesse’, a par, ou em lugar, da teoria do dano, com
préstimo para a responsabilidade civil, registra-se, porém, sem dúvida, uma predominância
para a identificação do ‘interesse’ com o dano, medido nos termos da fórmula mommseniana da
diferença, ou como medida de indemnização (isto é, a própria diferença)”.
195. NOLAN, Donald. Op. cit., , p. 260; ZAVALA DE GONZÁLEZ, Matilde M. Disminuciones psi-
cofísicas. Buenos Aires: Astrea, 2009. p. 5; e DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 83 “Si se quiere
considerar que el hecho productor del daño y el daño en sí, son elementos de un proceso com-
plejo, hay que convenir en que el elemento principal, determinante para la producción del efecto
jurídico – reacción del derecho – está constituido por el daño. La reacción del derecho, de hecho,
estando encaminada a reprimir el daño, se realiza solamente en cuanto aparece allí el daño en
sí; cierto, que es necesario que este daño derive de um hecho humano, pero lo decisivo, para que
actúe la reacción jurídica, es su existencia concreta” (Ibidem, p. 83). Em sentido semelhante, a
lição de Fernando Noronha: “Na relação do dano com o bem violado, é conveniente ressaltar

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84 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

para se caracterizar alguns prejuízos no campo extrapatrimonial – conjugada com a


crença196 de que a Responsabilidade Civil seria o remédio jurídico mais adequado ou
eficiente para evitar ou punir a lesão a alguns direitos – é responsável pela aparição de
movimentos que podem flertar conceitualmente com uma responsabilidade civil sem
danos.
Dentro das balizas dogmáticas do Direito Brasileiro, essa possibilidade seria im-
pensável197, pois, seguindo sólida tradição dos sistemas romano-germânicos198, o Di-
reito brasileiro realiza clara separação entre o dano e a ação que o tenha causado199,

que aquele não é propriamente a violação deste, e sim a consequência prejudicial resultante des-
sa violação. A violação do bem, em si mesma, configura o fato antijurídico, assim considerado
todo fato que se coloque em contradição com o ordenamento, deste modo afetando negativa-
mente quaisquer situações que eram juridicamente tuteladas” (NORONHA, Fernando. Op. cit.,
p. 580).
196. Essa crença é colocada em xeque, de maneira bastante contundente, pela doutrina contempo-
rânea. Nesse sentido, ver: PAPAYANNIS, Diego. Op. cit. p. xxxx e CARRÁ, Bruno Leonardo
Câmara; CARRÁ, Denise Sá Vieira. Dano in re ipsa, responsabilidade civil sem dano e o feitiço
de Áquila: ou de como coisas distintas podem coexistir sem se tocar. Revista Jurídica da FA7,
v. 16, n. 2, p. 115-131, jul.-dez. 2019. p. 120-121.
197. Durante o presente trabalho já se vaticinou que o dano é o alfa e o ômega da responsabilida-
de civil, com suporte em doutrina clássica e contemporânea. Posicionando-se especificamen-
te contra o surgimento de qualquer vertente de responsabilidade civil sem dano, consulte-se
MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., 2020. p. 406; JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio.
Op. cit., p. 32; CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara. Responsabilidade civil sem dano: uma análise
crítica. São Paulo: Atlas, 2015 e ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. Notas sobre
a teoria da responsabilidade civil sem dano. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 6. ano 3,
p. 89-103, jan.-mar. 2016. Mesmo os autores que entendem que a responsabilidade civil deveria
cumprir uma função puramente punitiva, em paralelo à função reparatória, admitem que o
ordenamento jurídico brasileiro precisaria de uma modificação legislativa para admitir a hi-
pótese (ROSENVALD, Nelson. O dano moral coletivo como uma pena civil. In: ROSENVALD,
Nelson (Coord.); TEIXEIRA NETO, Felipe (Coord.). Dano moral coletivo. Indaiatuba: Foco,
2018. p. 122).
198. REINIG, Guilherme Henrique Lima. Op. cit., p. 64. O autor, ao abordar a construção da ideia
de interesse na pandectística alemã assim se manifesta: “A descrição do fato do qual resulta o
dever de indenizar o interesse não integra, segundo MOMMSEN, este conceito”. Nesse aspecto,
sua obra desvincula o interesse do fundamento de origem da obrigação de indenizar: “são duas
questões totalmente diferentes e bem separáveis uma da outra, se no geral existe um interesse, e
se uma pretensão à reparação desse interesse é juridicamente fundada”. Em sentido semelhante,
ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 532.
199. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio. Op. cit., p 32-34. Para Atalá Correa, “uma separação
mais clara entre conduta ilícita e dano impede, ao mesmo tempo, que: (i) se veja dano onde ele
não existe e que (ii) se use a situação como pretexto para impor punição onde a lei previamente
não a estabelece” (CORREA, Atalá. Dano Moral: 20 anos de jurisprudência no Superior Tri-
bunal de Justiça. In: BIANCHI, José Flávio; MENDONÇA PINHEIRO. Rodrigo Gomes de;

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Doutrina Nacional 85

geralmente também caracterizada como ilícita. Com efeito, os arts. 186 e 187 do Código
Civil Brasileiro definem, em grande parte, os limites do ato ilícito200, mas o surgimento
do dever de indenizar somente ocorre nos casos em que essa ilicitude seja causadora de
dano efetivo, como bem definido pelo caput do art. 927 do mesmo diploma.
Ademais, o art. 944 estabelece o princípio da reparação integral, ressaltando que o
dano será quantificado pela sua extensão. Não há margem, portanto, para a aceitação de
figuras que se consubstanciem em simples ato atentatório a direitos, sem qualquer tipo
de dano aferível, ainda que por intermédio de presunções201.
Como já explicitado nos itens anteriores, mesmo nos ordenamentos jurídicos em
que uma noção de “dano evento” foi aceita, o dever de indenizar surge somente na hipó-
tese de real verificação de dano (dano consequência). A resposta do ordenamento jurí-
dico ao ato ilícito ou à “lesão a interesse” que não dá origem a prejuízo resta circunscrita
a outras tutelas, tais como inibitória, possessória, restituitória, entre outras202.
No Direito Brasileiro, também se observa a mesma plêiade de tutelas para dar gua-
rida a lesões de situações jurídicas (interesses juridicamente tutelados), reservando-se
a tutela indenizatória para os casos de efetiva presença de dano. Fundamental exemplo
é fornecido pela Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça, que assim anuncia: “da
anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano
moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

ARRUDA ALVIM, Teresa (Coords.). Jurisdição e direito privado: estudos em homenagem aos
20 anos da Ministra Nancy Andrighi no STJ. São Paulo: Ed. RT, 2020. P. 85).
200. Importante destacar que a menção ao dano no art. 186 é descabida, conforme lição de Fernando
Noronha: “O art. 159 do Código de 1916 referia a necessidade de ocorrência de um dano, mas
evidentemente este não entra na noção de ato ilícito, como dito no texto. No entanto, nesse
Código a referência era compreensível, porque o dispositivo, ao mesmo tempo que definia o
ato ilícito, estatuía a obrigação de reparar o dano que resultasse dele. Já no art. 186 do Código de
2002, que se limita a dar uma noção de ato ilícito, sem cuidar de suas consequências jurídicas,
que passaram a ser estabelecidas noutro lugar (art. 927, caput), a referência ao dano é injustifi-
cada” (NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 387).
201. ZIMMERMANN, Reinhard. Non-pecuniary damage without harm (Comparative Report).
(in) WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN, Reinhard
(eds). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. V. 2: essential cases on damage,
p. 709. Apesar de admitir que alguns poucos países europeus aceitam uma função punitiva para
o dano extrapatrimonial, a primazia da função compensatória parece ser um dos poucos con-
sensos do panorama europeu a respeito do dano extrapatrimonial. “In most countries covered
in this survey the damages award serves the purpose of compensation. This is supposed to be
the case also with regard to nonpecuniary damage, even if it is widely acknowledged that a sum
of money can hardly ‘compensate’ for the loss of an eye or a limb.”
202. SALVI, Cesare. Op. cit., p. 48; VISINTINI, Giovanna. Op. cit., p. 435; SIRENA, Pietro. Op. cit.,
p. 396. No mesmo sentido, em relação ao Direito brasileiro, veja-se: ALBUQUERQUE JÚNIOR,
Roberto Pauli de. Op. cit., p. 98.

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Note-se que o STJ admite que houve uma lesão a direito subjetivo ou interesse en-
quanto situação jurídica, tanto que concede à vítima a tutela jurídica necessária para
realizar o cancelamento do cadastro indevido. A possibilidade de indenização, entre-
tanto, somente ocorrerá quando um dano efetivo for comprovado203.

3.2.1. A problemática do dano per se, especialmente em relação aos


transplantes do Direito italiano
Limitações observadas no Direito italiano (art. 2059 do Código Civil) em relação à
possibilidade de se indenizar danos extrapatrimoniais foram responsáveis por criar, em
certo momento histórico, ousados e criativos movimentos jurisprudenciais204, que tive-
ram impacto no Direito brasileiro. A Corte de Cassação admitiu a reparabilidade das ca-
tegorias de dano biológico e de dano existencial205, caracterizados pela simples violação
advindas da lesão a direitos constitucionalmente resguardados (dano-evento)206, dando
guarida para a criação de figuras de dano per se, cuja tutela indenizatória dar-se-ia pela
simples lesão a um direito subjetivo (interesse-situação jurídica).
A evolução jurisprudencial, entretanto, fez com que a Corte de Cassação italiana re-
conhecesse a necessidade de ratificar a função reparatória como primeira propulsora da
Responsabilidade Civil, em detrimento de eventual função punitiva. Assim, em um mo-
vimento jurisprudencial iniciado na última década do século passado, a jurisprudência
passou a exigir a prova de efetivo prejuízo e requalificou os danos biológicos “como uma
espécie de dano-consequência”207. Em relação aos danos existenciais, são observadas as
presunções naturalmente admitidas em sede de dano extrapatrimoniais, mas a prova do

203. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio. Cadastros de restrição ao crédito: dano moral. Revista
de Direito do Consumidor, n. 36, p. 45-53, out./dez. 2000. Utilizando-se da diferenciação entre
dano-evento e dano-prejuízo, o autor entende que “O dano-evento é, pois, o dano imediato,
enquanto que o dano-prejuízo é o dano mediato. Ora, quando se fala em dano moral, é ao dano
mediato, que se tem em vista.”
204. BIANCA, Massimo. Op. cit., p. 186-203; LUDOVICO, Giuseppe. Op. cit., p. 6 e ss.
205. Não é possível, nos limites do presente trabalho, realizar uma análise minudente a respeito do
longo e complexo caminho de criação doutrinária e jurisprudencial das categorias de dano bio-
lógico e de dano existencial.
206. SIRENA, Pietro. Op. cit., p. 398-399; LUDOVICO, Giuseppe. Op. cit., p. 7. Assim se manifesta
o autor em relação ao Leading case da Corte Constitucional italiana sobre o dano biológico “De
acordo com esta perspectiva, a lesão da integridade psicofísica constituiria o evento causado
pelo ilícito, enquanto as outras tipologias de dano representariam a consequência do mesmo.
Em outras palavras, a ressarcibilidade da lesão da saúde existiria independentemente do fato
que a lesão tivesse provocado uma perda efetiva, a ser ressarcida, portanto, seria a lesão em si do
interesse constitucionalmente tutelado” (Idem).
207. SIRENA, Pietro. Op. cit., p. 398.

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dano existencial concreto é igualmente imprescindível, condizente com a sua natureza


atual de dano que não se caracteriza como mera violação de direito subjetivo208.
Efetivamente, este é o posicionamento contemporâneo em relação a qualquer da-
no extrapatrimonial, seguindo os ditames do art. 2.687, 1, do Código Civil italiano, que
afasta a aceitação dos chamados dano in re ipsa em sua configuração iure et iure, isto é,
considerados como sinônimos de dano per se209. Mesmo em searas com evidente desi-
gualdade entre as partes, como a encontrada nas relações trabalhistas, a Corte de Cassa-
ção entendeu a possibilidade da violação dos interesses protegidos (direitos subjetivos)
no âmbito da relação contratual de trabalho não gerar consequências indenizáveis. Dis-
cussões muito semelhantes podem hoje ser observadas em algumas decisões do Tribu-
nal Superior do Trabalho brasileiro210.
Assim como o Direito italiano abandonou a possibilidade de admitir a configura-
ção de uma noção de dano extrapatrimonial objetiva, baseada meramente na violação

208. “La giurisprudenza ravviza un danno conseguenza nel danno esistenziale, che comunque
dev’essere provato, seppire con l’ausilio di presunzioni” (BIANCA, Massimo. Op. cit., p. 187,
nota 209).
209. Salvi assevera que a decisão de 31 de julho de 2003, da Corte de Cassação, ressaltou a necessi-
dade probatória do dano sofrido, afastando a modalidade de dano in re ipsa, abandonando a
“superada teoria do dano-evento” (SALVI, Cesare. Op. cit., p. 56). Sirena afirma ainda “segundo
o que estabelece o art. 2.697, 1, do Código Civil, o ônus de provar o dano reparável incide sobre
o lesado, não sendo reconhecidos danos normativos, ou in re ipsa, que sejam reparáveis inde-
pendentemente da prova da sua existência ou do seu montante. Todavia, provada a lesão de um
direito constitucionalmente garantido da pessoa, a jurisprudência presume, até que se prove o
contrário, que o autor tenha sofrido um correspondente dano não patrimonial (sem prejuízo
de um recurso a uma avaliação médico-legal, se se tratar de lesão psicofísica)” (SIRENA, Pietro.
Op. cit., p. 401).
210. Ludovico afirma “Nesse sentido expressaram-se em 2006 as Seções Unidas da Cassação, as quais
foram chamadas a dirimir o conflito surgido entre a orientação que, em caso de desqualificação,
considerava in re ipsa o dano existencial sofrido pelo trabalhador, e a orientação que conside-
rava necessária a demonstração da existência efetiva do dano. (...)A necessidade da prova da
existência efetiva do dano verifica-se sobretudo com relação ao dano existencial, razão pela
qual – como justamente assinalam as Seções Unidas – este tipo de dano não pode ser automati-
camente deduzido da desqualificação profissional, não sendo possível excluir que “a lesão dos
interesses relacionais, ligados à relação trabalhista, permaneça essencialmente sem efeitos, isto
é, não provoque consequência prejudiciais à esfera subjetiva do trabalhador” (LUDOVICO,
Giuseppe. Op. cit., p. 32). A doutrina brasileira dá conta de divergência jurisprudencial a esse
respeito. Nesse sentido, confira-se TEPEDINO, Gustavo; SILVA, Rodrigo das Guia. Notas sobre
o dano moral no Direito Brasileiro. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 30, p. 33-60, out.-dez.
2021. p. 42: “Em que pese o amplo reconhecimento da possibilidade, em tese, de configuração de
dano existencial por imposição reiterada do trabalhador a jornada excessiva, identifica-se rele-
vante controvérsia, no âmbito do próprio TST, sobre a necessidade de o trabalhador reclamante
comprovar os prejuízos concretos que a jornada excessiva lhe teria causado.”

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de direitos constitucionalmente admitidos (dano biológico), autores sul-americanos


diretamente vinculados às noções carneluttianas de interesse possuem abordagens se-
melhantes. No contexto dos danos extrapatrimoniais, é coerente com o aspecto relacio-
nal imanente ao conceito jurídico de dano a visão que entende não bastar a mera lesão
a bens ou direitos como a intimidade, integridade física ou honra para a caracterização
do dano indenizável, ainda que fundamentais para “defender a dignidade humana”211.
Como efeito, faz-se necessário analisar a idoneidade destes bens e direitos personalís-
simos para satisfazer as necessidades particulares e concretadas da vítima212 (interesse
real-concreto), nos moldes da Súmula 385 do STJ.

3.2.2. Os problemas relacionados ao injury as such, aos danos


autônomos e à possibilidade de recepção de novos tipos de dano no
ordenamento jurídico brasileiro
Em relação aos grandes diplomas de harmonização da responsabilidade civil euro-
peia, o prestígio da noção de dano per se não se fez notar nos Princípios Europeus de
Responsabilidade civil (PETLS), mas não passou despercebido em outros estudos de
direito comparado213. Em relação ao “Draft Common Frame of Reference (DCFR)”, o
conteúdo do dispositivo VI.-6:204214 levantou acirrada crítica da doutrina germânica,
por estabelecer que haveria espaço para indenização de um chamado injury as such, in-
dependentemente da indenização de danos patrimoniais e extrapatrimoniais (econo-
mic or non-economic loss).
Em artigo escrito por 6 prestigiados autores alemães, Reinhard Zimmermann, Nils
Jansen, Gerhard Wagner, Horst Eidenmüler, Florian Faust e Hans Christoph Grigo-
leit, existe a advertência sobre a irrelevância da prescrição a respeito do injury as such,
pois o dispositivo 2:201 do mesmo diploma já garante a indenização integral dos da-
nos patrimoniais e extrapatrimoniais possivelmente sofridos pela vítima. Como, no
contexto do DCFR, não se notam as restrições do Direito italiano à reparação de danos

211. BUERES, Alberto. Op. cit., p. 287.


212. “En tal sentido, observamos que en el daño moral, por caso, es falso que la lesión a un bien o a un
derecho de la personalidad genere, de suyo, un daño moral. La imagen, la intimidad, el honor,
etcétera, si bien se tutelan para defender la dignidad humana, lo cierto es que no tienen un valor
a los efectos resarcitorios per se. Por ende, el perjuicio moral adviene debido a que esos bienes o
derechos de la personalidad satisfacen necesidades –intereses- del espíritu, el cual está asentado
en otro bien: la integridad psicofísica” (BUERES, Alberto. Op. cit., 2001, p. 287). (Grifou-se)
213. INFANTINO, Marta. Diffusing Law Softly: Insights into the European Travels of Italian Tort
Law. Journal of European Tort Law, v. 6, n. 3, p. 260-281, 2015. p. 278-280.
214. Art VI.-6:204: “Injury as such is to be compensated independent of compensation for economic
or non-economic loss”.

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extrapatrimoniais específicos, nenhuma necessidade existe para se importar uma figu-


ra semelhante ao dano biológico, sem falar no grande risco de uma dupla indenização
de um mesmo prejuízo. Se a indenização da integralidade dos danos já está garantida, o
que sobraria para ser indenizado sob o manto do injury as such (dano per se)215?
A tentativa de criação de certos danos “autônomos”, distanciados das categorias de
dano patrimonial e de dano extrapatrimonial, também tem servido para fomentar a
criação de certas hipóteses indenizatórias (heads of demages) desprovidas de qualquer
consequência para a vítima, afastando-se do conceito jurídico de dano. Tal situação foi
observada na construção da indenização do dano “pela perda do tempo útil”. Não há
dúvidas que a perda do tempo pode causar severos prejuízos, tanto patrimoniais como
extrapatrimoniais, que devem ser amplamente indenizados quando provados, mas não
se pode admitir responsabilidade civil advinda de mera lesão a bem jurídico (tempo?),
sob pena de se contemplar uma hipótese de responsabilidade civil sem dano, com o in-
tuito único de punir o ofensor216.
É imperioso salientar que a necessidade de existência de um dano, dentro de um pa-
radigma relacional, subjetivo e concreto, normativamente construído, é um requisito
do ordenamento jurídico nacional e não representa uma limitação à admissão de novos
danos indenizáveis ou à proteção às vítimas. São constantemente reconhecidas pelo Di-
reito novas situações juridicamente protegidas (interesses)217, cuja lesão poderá gerar
danos patrimoniais ou extrapatrimoniais, dependendo do caso concreto.

215. EIDENMULLER, Horst Eidenmu et al. The Common Frame of Reference for European Priva-
te Law: Policy Choices and Codification Problems. Oxford Journal of Legal Studies, v. 28, n. 4,
p. 659-708, 2008. p. 683-684 “In contrast to Italian law, however, the DCFR does not limit com-
pensation for non-economic loss to the category of pain and suffering: Art VI.-2:101 (4) ex-
pressly declares loss of amenities–impairment of the quality of life–to be worthy of redress
independent of, and in addition to, pain and suffering in the narrow sense of the term. Therefo-
re, other than Italian law, the DCFR simply does not need the concept of ‘injury as such’ on top of
a broad concept of non-pecuniary loss that goes well beyond the pain actually felt by the victim.
In allowing compensation both for impairment of the quality of life (loss of amenities) and for
injury as such, the DCFR is in serious danger of reproducing identical loss under two separate
heads of damage. The risk of double compensation is imminent.”
216. Trabalhou-se essa abordagem em BASTOS, Daniel Deggau; PETEFFI DA SILVA, Rafael. A bus-
ca pela autonomia do dano pela perda do tempo e a crítica ao compensation for injury as such.
Civilistica.com, a. 9, n. 2, p.1-27, set. 2020.
217. Na tradição da Civil Law, a antijuridicidade sempre foi o filtro para admitir novas situações jurí-
dicas protegidas (interesses). Nesse sentido, veja-se: PETEFFI DA SILVA, Rafael. Op. cit., p.185-
186 e DE CUPIS, Adriano. Op. cit., p. 93. Para o último autor: “La antijuridicidad, repetimos,
es la expresión de la prevalencia concedida por el derecho a un interés opuesto.” Em sentido
semelhante, ZANNONI, Eduardo. Op. cit., 2005, p. 55. “No es objeto de esta obra el estudio de la
tipificación del ilícito relativo a la lesión o agravio a los derechos de la personalidad. Este estudio
corresponde, específicamente, a otra área del terna de la responsabilidad civil: la antijuridicidad.”

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
90 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

A noção de dano defendida no presente trabalho suporta a construção de “novas”


categorias patrimoniais e extrapatrimoniais como a perda da chance, o dano reflexo ou
por ricochete, o dano advindo de wrongful conception e wrongful birth e mesmo o dano
pela perda do tempo útil, desde que adequadamente fundamentado218. O movimento de
contínua expansão da responsabilidade civil, tanto na seara patrimonial como na seara
extrapatrimonial, é amplamente compatível com a imposição legal de observância de
um dano efetivo sofrido pela vítima.

3.2.3. A adequada abordagem das manifestações das subjetividades


humanas da vítima
Tem-se observado, na doutrina brasileira, uma certa obsessão por desvincular o da-
no extrapatrimonial de qualquer noção relacionada com as consequências concreta-
mente observadas na subjetividade da vítima, como o seu sofrimento, consternação ou
constrangimento, apontando a lesão a interesse (situação jurídica) como único alicerce
jurídico para a definição desse tipo de dano, como se fosse possível sustentar uma an-
tinomia absoluta entre os dois fenômenos. Entretanto, se mera lesão a direito subjetivo
ou a “interesse situação-jurídica”, ainda que constitucionalmente garantido, fosse sufi-
ciente para o surgimento do dever de indenizar, o fenômeno teria que ser observado de
maneira uniforme, como solução sistêmica, inclusive nos casos de ofensa a outros di-
reitos subjetivos ou interesses legítimos constitucionalmente resguardados, como o do
proprietário. Não se tem notícia de doutrina ou jurisprudência que defendam essa pos-
sibilidade219. Como já defendido no presente trabalho, a mera invasão de propriedade
alheia, sem a comprovação de uma consequência danosa, não gera o dever de indenizar,
ainda que direito constitucionalmente resguardado tenha sido lesado (propriedade).

218. PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2013; PETEFFI DA SILVA, Rafael Peteffi da; RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Daño reflejo
o por rebote: pautas para un análisis de derecho comparado. Revista de Direito Civil Contempo-
râneo, v. 7, ano 3, p. 207-240, abr.-jun. 2016; PETEFFI DA SILVA, Rafael. Wrongful conception,
wrongful birth e wrongful life: possibilidade de recepção de novas modalidades de danos pelo
ordenamento brasileiro. Revista Ajuris, n. 117, p. 311-341, mar. 2010; BASTOS, Daniel Deggau;
SILVA, Rafael Peteffi. A busca pela autonomia do dano pela perda do tempo e a crítica ao com-
pensation for injury as such. Civilistica.com, a. 9, n. 2, p.1-27, set. 2020.
219. Essa mesma constatação é feita por Borghetti: “On pourrait certes faire valoir que la violation
du droit constitue en elle-même un préjudice. Il s’agit cependant d’un préjudice abstrait, pour ne
pas dire virtuel. En tout état de cause, cette explication n’est guère satisfaisante, car elle ne dit pas
pourquoi cette solution ne s’applique qu’à certains droits bien particuliers. Ainsi, la jurispru-
dence n’a jamais affirmé, à notre connaissance, que la violation d’un droit de propriété entraî-
-nait nécessairement un préjudice pour le titulaire de ce droit” (BORGHETTI, Jean-Sébastien.
Op. cit., p. 6, nota 32, grifou-se).

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 91

Tanto uma hipótese diferencial observada na seara extrapatrimonial, assim como


a capacidade concreta e subjetiva de um bem extrapatrimonial satisfazer necessida-
des humanas (dano como lesão a interesse real-concreto) acabam por frequentemente
se aproximar das variadas manifestações do espírito humano, seguidamente traduzi-
das como angústia, humilhação, desconforto, constrangimento, sofrimento ou dor. Em
inúmeras hipóteses, a situação fática em que a vítima se encontra após a ofensa aos
seus bens jurídicos extrapatrimoniais – como os direitos da personalidade, por exem-
plo – apresenta-se concretamente diferente da situação contrafática e normativamente
construída em que a vítima estaria sem a ofensa (hipótese diferencial) exatamente pe-
la observância das citadas consequências negativas relacionadas ao espírito humano220.
A lesão a esses bens jurídicos (situações jurídicas) retirou-lhes a aptidão ou idoneida-
de para, analisadas as subjetividades da vítima, satisfazer uma concreta necessidade
humana básica: manter o seu titular afastado de consequências negativas como a ver-
gonha, humilhação, frustração, constrangimento, dor, a falta de amenidades da vida,
entre outros.
Munido dessa concepção, o Superior Tribunal de Justiça entende que não se pode
indenizar a veiculação de inverídica e desabonadora informação se esta não agrava a si-
tuação gerada por informação pretérita, igualmente contrária à honra da vítima, mas
veiculada legitimamente, por intermédio de lícita inscrição nos cadastros de restrição
ao crédito (Súmula 385). A situação da vítima após a lesão ao seu direito subjetivo não
parece mais gravosa do que aquela em ela estaria se a veiculação de notícia inverídica
não tivesse ocorrido, pois a pecha de má pagadora já havia lhe sido imposta, licitamente.
É absolutamente legítimo que entendimentos divergentes sobre a situação fática da
vítima após o ato ilícito sejam apresentados, mas, para que se situem nos limites dogmá-
ticos do Direito Brasileiro, não poderão estar centrados em uma argumentação exclu-
sivamente baseada na lesão a situações jurídicas ou a direitos subjetivos, aptas a apenas
atestarem a ilicitude da conduta do ofensor. O efetivo prejuízo da vítima não é me-
ra consequência do dano, mas apresenta-se como seu cerne significativo e existencial,
vinculado ao an debeatur.221 Em 2014, o Superior Tribunal de Justiça julgou um dos

220. A favor da possibilidade de se utilizar uma fórmula comparativa na análise dos danos extrapa-
trimoniais, veja-se: STEINER, Renata. Op. cit., p. 51.
221. De acordo com Zavala de González, “La objeción fundamental que suscitan las teorías que ha-
cen coincidir el daño con la materia lesionada – sea que se atienda al derecho violado o al interés
menoscabado – es que no atienden al perjuicio en sí mismo, sino a su proveniencia; con ello y de
algún modo, el daño resarcible quedaría reducido a la antijuridicidad. Sin embargo, cuando el
Derecho se ocupa de reparar, no es relevante el exclusivo mal que entraña la lesión, intrínseca-
mente considerada, sino las concretas consecuencias – económicas o espirituales – que aquélla
infiere a la víctima” (ZAVALA DE GONZÁLEZ, Matilde M. Op. cit., p. 5); e JUNQUEIRA DE
AZEVEDO, Antônio. Op. cit., p. 33-34 e ss.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
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92 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2024 • RDCC 38

precedentes222 mais lembrados pela doutrina brasileira223, distinguindo o dano da me-


ra ilicitude.
Apesar de se sustentar que o dano extrapatrimonial necessita de verificação de al-
gum tipo de consequência efetiva para a vítima, é evidente que esta pode se distanciar
da mera dor ou sofrimento e se manifestar em situações mais complexas. Aliás, nem
mesmo se pode afirmar que a noção de dano apresentada neste trabalho imponha a ne-
cessidade de uma total consciência da vítima em relação ao dano sofrido. Um dos te-
mas mais debatidos na Europa refere-se à possibilidade de se indenizar severos danos
sofridos pela vítima, que resta em estado de coma após o evento danoso. Como a vítima
não possui consciência do penoso estado em que se encontra, algumas posições, tanto
doutrinárias quanto jurisprudenciais, inclinaram-se para uma impossibilidade de in-
denização, por não existir efetivo efeito danoso e pelo fato da vítima não ter condições
de gozar das compensações financeiras advindas da indenização224. Outras abordagens,
apoiando a indenização dos danos sofridos pela vítima a sua integridade física, recor-
rem à ideia de injury as such ou de dano per se225.
Acredita-se que ambas as abordagens estejam equivocadas. Advoga-se pela indeni-
zação da vítima lesada, exatamente nos moldes da jurisprudência da Grã-Bretanha, que
admite não existir a possibilidade de pain and suffering, em decorrência do estado co-
matoso, mas defende a inequívoca existência de dano efetivo consubstanciado no loss

222. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 1.269.246/RS, rel. Min.
Luís Felipe Salomão, Órgão Julgador: 4ª T., j. 20.05.2014, Publicação: DJe 27.05.2014. “A verifi-
cação do dano moral não reside exatamente na simples ocorrência do ilícito, de sorte que nem
todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importan-
te é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a
de maneira relevante” (grifou-se).
223. CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara; CARRÁ, Denise Sá Vieira. Op. cit., 2019, p. 122; ALMEIDA,
F. C. Inversão do ônus da prova, lesão a direitos de personalidade e dano imaterial: análise do
REsp 1.269.246/RS. Revista IBERC, v. 6, n. 1, p. 175-193, 2023.
224. Nesse sentido, parte da doutrina suíça que pensou que teria havido uma pura punição para o
médico anestesista que culposamente ministrou uma overdose de medicamentos que acabou
por deixar a vítima em um estado vegetativo. WINIGER, Bénédict; FLEURY, Patrick; FEHR,
Pierre-Emmanuel/ AVRAMOV, Philippe. Non-pecuniary damage without harm (Switzer-
land). (in) WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN,
Reinhard (eds). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v. 2: essential cases on
damage. p. 663. Discorda-se frontalmente da visão da doutrina suíça.
225. Essa é a leitura feita por parte da doutrina alemã em casos de lesão à saúde da vítima que, além das
lesões à sua integridade física, gera estado de coma. MARTENS, Sebastian; ZIMMERMANN,
Reinhard. Non-pecuniary damage without harm (Germany). (in) WINIGER, Bénédict; KO-
ZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN, Reinhard (eds). Digest of European Tort
Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v 2: essential cases on damage. p. 659.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 93

of amenity226. A análise da situação da vítima em coma descortina inegável hipótese di-


ferencial, tendo em vista que o estado comatoso observado depois do dano é diametral-
mente oposto à situação em que a vítima estaria (gozando de maneira plena de sua vida)
caso o evento danoso não tivesse sido observado227. Existe lesão a um interesse especí-
fico e concreto da vítima.
Note-se que o direito estrangeiro, ao contrário do que se observa amiúde na cena
jurídica brasileira, não possui pruridos e nem constrangimento ao fazer referência a
aspectos relacionais e concretos da subjetividade da vítima quando trata do dano ex-
trapatrimonial: dor e sofrimento (pain and suffering) e perda das amenidades da vida
(loss of amenity) são termos que balizam o discurso em obras de direito comparado so-
bre a responsabilidade civil228, honrando as melhores tradições das noções normativas
de dano, baseadas no id quod interest e afastadas de uma rudimentar visão naturalística.
Como visto, nos casos em que a vítima adentra estado comatoso imediatamente
após o ato danoso, a ausência de elementos como a dor e o sofrimento (pain and suffer-
ing) não representam empecilho para a configuração do dano extrapatrimonial ressar-
cível. Contudo, em algumas situações, a falta de alguma capacidade sensorial da vítima,
isto é, a incapacidade de estar exposta a sentimentos como dor e sofrimento poderá mi-
tigar ou até mesmo afastar qualquer tipo de indenização229.
O Tribunal de Relação do Porto diminuiu a indenização que normalmente é conce-
dida em hipóteses de dano reflexo extrapatrimonial em decorrência de morte de côn-
juge porque o cônjuge sobrevivente (vítima reflexa) apresentava sérios problemas de

226. ZIMMERMANN, Reinhard. Non-pecuniary damage without harm (Comparative Report).


(in) WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN, Reinhard
(eds). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v. 2: essential cases on damage.
p. 716.
227. Em sentido semelhante, a judiciosa decisão da Suprema Corte de Justiça da Áustria (Oberster
Gerichtshof). “A person who is deprived of his ability to perceive experiences suffers harm whi-
ch is at least as significant in liability law terms as interference with his well-being through pain”
(KARNER, Ernst. Non-pecuniary damage without harm (Austria). In: WINIGER, Bénédict;
KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN, Reinhard (eds). Digest of European
Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v. 2: essential cases on damage. p. 661.
228. MARTENS, Sebastian; ZIMMERMANN, Reinhard. Op. cit., 2011, p. 659. Essa é a leitura feita
por parte da doutrina alemã em casos de lesão à saúde da vítima que, além das lesões à sua inte-
gridade física, gera estado de coma.
229. Nesse sentido, a leitura do Enunciado 445, da V Jornada de Direito Civil, deve ser feita de manei-
ra muito cuidadosa “O dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de
sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”. O exemplo do estado comatoso
mostra que sentimentos como dor e sofrimento não são requisitos para a indenização do dano
moral em todas as situações, mas seguidamente será exatamente esse tipo de manifestação hu-
mana que consubstanciará o dano ressarcível.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
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demência, ainda que nos raros momentos de lucidez fosse possível aquilatar a morte do
ex-marido230. Uma argumentação baseada nas subjetividades da vítima também foi ela-
borada pela Suprema Corte da Áustria, que admitiu a indenização pela fratura nas duas
pernas da vítima cadeirante, apesar desta não poder sentir dor em decorrência da fra-
tura. Essa situação teria o condão de diminuir a indenização concedida à vítima, mas o
caso concreto demonstrou que a vítima sofreu com febres e vômito no dia do acidente,
assim como teve que se submeter a penosas cirurgias posteriores e alguns desconfortos
relacionados com a sua deficiência física. Portanto, a análise da condição concreta e sub-
jetiva da vítima pautou a ratio decidendi231 do Tribunal.
Não se pode ignorar que muitas cortes parecem admitir a existência de dano utilizan-
do-se das criticadas expressões “dano normativo” ou “dano objetivo”, em situações de lesão
de interesses-situações jurídicas no campo extrapatrimonial, como em algumas hipóte-
ses de lesão de direito da personalidade232, ou até mesmo no campo patrimonial, como se
reconhece em algumas jurisdições em hipóteses de dano por violação à concorrência233

230. PEREIRA, André; MANUEL VELOSO, Maria. Non-pecuniary damage without harm (Por-
tugal). In: WINIGER, Bénédict; KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN,
Reinhard (eds). Digest of European Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v. 2: essential cases on
damage. p. 679.
231. KARNER, Ernst. Non-pecuniary damage without harm (Austria). In: WINIGER, Bénédict;
KOZIOL, Helmut; KOCH, Bernhard A; ZIMMERMANN, Reinhard (eds). Digest of European
Tort Law. Berlin: De Gruyter. 2011. v. 2: essential cases on damage. p. 662. A Suprema Corte da
Áustria, entretanto, admitiu que uma soma mínima poderia ser deferida a título de indenização,
pela violação do direito de personalidade as such. Entende-se que Situação totalmente diferente
ocorreria se a vítima lesada já se encontrasse em estado de coma quando do ato danoso. Ima-
gine-se um paciente que se encontra em coma devido a uma patologia. Durante seu estado de
inconsciência, uma enfermeira, por imperícia, deixa cair um bisturi que acaba por causar um
corte na perda do paciente. Imagine-se que nenhuma dor ou desconforto tenha sido sentido pe-
la vítima e nem mesmo qualquer tipo de dano estético pode ser verificado no momento em que
a vítima recobra a consciência, um ano após o fato danoso. A lesão a direito da personalidade
parece inegável, permitindo, dependendo das circunstâncias do caso, imaginar-se até mesmo
consequências na seara criminal para a enfermeira. Entretanto, neste caso, não se vislumbra um
dano efetivo como lesão a interesse real e concreto.
232. LE TOURNEAU, Philippe. Op. cit., p. 558. Ao criticar a “desintegração do dano” em relação a
uma “teoria dos direitos subjetivos”, observada na atual jurisprudência francesa em caso de res-
ponsabilidade civil por lesão a direitos da personalidade, assim se manifesta o autor “il est vrai
qu’une mesure de cessation d’illicite peut être prononcée sans necéssité d’un préjudice, et que
la violation du droit consomme une illicéité, cependant, des dommages et intérêt présupposent
l’existence d’un préjudice et s’y mesurent, il fait donc remplir à la condamnation pécuniaire une
fonction autre que réparatrice”; com crítica semelhante, veja-se: JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
Antônio. Op. cit., . p. 33-34 e ss.
233. BORGHETTI, Jean-Sébastien. Op. cit., p. 6, nota 32; LE TOURNEAU, Philippe. Op. cit., p. 557.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
Doutrina Nacional 95

ou no caso do chamado “dano de uso”234, ainda que seja complexo extrair da ratio deci-
dendi de muitas decisões se existe uma verdadeira indenização por mero fato antijurídi-
co ou se existiria uma forte presunção iuris tantum235 em relação ao dano pretensamente
sofrido pela vítima236.
É nesse sentido de se estabelecer presunções relativas que se admite, apesar dos eviden-
tes problemas terminológicos, a utilização da expressão dano in re ipsa em conformida-
de com as balizas do ordenamento jurídico brasileiro, pois se pode facilmente presumir,
em algumas situações de danos extrapatrimoniais, o dano efetivo sofrido pela vítima.
Parcela da doutrina identifica e critica uma contemporânea tendência do Superior Tri-
bunal de Justiça em respaldar o que seria uma “vertente subjetiva do dano moral”237,

234. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 583-590. Concorda-se com a crítica do autor a alusão a um
chamado “dano normativo” ou “dano objetivo” para sustentar a indenização de um dano ocor-
rido pela privação de uso de determinado bem. Paulo Mota Pinto afirma que as consequências
específicas da privação do bem é que caracterizam o dano e não a mera lesão ao direito subjetivo:
“como concretizações dependentes de elementos subjectivos e contextuais, as vantagens concre-
tas do gozo autonomizam-se, quer do direito pessoal de gozo, por exemplo, de um locatário, quer
daquele ius utendi e fruendi do proprietário em que se traduz a faculdade de utilização” (MOTA
PINTO, Paulo. Op. cit., p. 588).
235. Alguns autores entendem que os danos, nos casos de concorrência desleal, seriam apenas presu-
midos, en raison des difficultés que susciterait sa preuve directe, ainda que essa ausência de provar
possa conferir a essas hipóteses um aspecto de pena privada. (VINEY, Geneviéve; JOURDAIN,
Patrice. Op. cit., p. 11-13).
236. Mesmo em relação aos danos morais coletivos, existe a necessidade de se verificar uma efetiva
consequência para a verificação do dano. Em relação a essa complexa categoria jurídica, alguns
autores entendem que a configuração do dano moral em perspectiva coletiva nem mesmo seria
possível. (Nesse sentido, ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos
e tutela coletiva de direitos. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 48 e ss. e ROSEN-
VALD, Nelson. Op. cit., p. 117 e ss.). Outros autores apoiam a sua indenização, mas indicam que
o dano moral coletivo não poderia se confundir com a mera antijuridicidade (Nesse sentido,
TEIXEIRA NETO, Felipe. Ainda sobre o conceito de dano moral coletivo. In: ROSENVALD,
Nelson (Coord.); TEIXEIRA NETO, Felipe (Coord.). Dano moral coletivo. Indaiatuba: Foco,
2018. p. 44 e ss.), entendendo pela necessidade de efeitos concretos sobre o patrimônio moral
da coletividade, (Nesse sentido, CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara; CARRÁ, Denise Sá Vieira.
Op. cit., p. 128). Apesar de contar com jurisprudência pacífica, interessante a menção do autor
ao julgado: Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.726.270/BA, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/
Acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Órgão Julgador: 3ª T., j. 27.11.2018, DJe 07.02.2019,
em que o Ministro Ricardo Villas Boas Cueva entende que não basta a mera lesão à situação
jurídica (interesse) dos consumidores garantido pelo § 2º do art. 43 do CDC, asseverando ex-
pressamente que, apesar da ofensa ao comando legal, o ato ilícito “passou ao largo de produzir
sofrimentos, intranquilidade social ou alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva,
descaracterizando, assim, o dano moral coletivo.” (grifou-se)
237. TEPEDINO, Gustavo; SILVA, Rodrigo das Guia. Op. cit., , p. 45-46 citam as seguintes decisões
do STJ em confirmação à sua afirmação: STJ, 4ª T. AgInt no REsp 1.827.470/PR, j. 15.10.2019.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
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caracterizada pela “dor psicológica sofrida pela vítima”238. De acordo com o exemplo da
vítima que adentra em estado comatoso logo após o evento danoso, acredita-se que a ju-
risprudência não adota uma noção simplória caracterizada somente pela dor psicoló-
gica sofrida pela vítima. Ao contrário, acerta a Corte brasileira ao adotar um conceito
subjetivo, relacional e sofisticado para a verificação do dano moral, na linha dos parâme-
tros impostos pelo ordenamento jurídico nacional e pela tradição do id quod interest239.
Durante o presente trabalho apresentaram-se possibilidades de noções normativas
de dano, afastadas de uma mera noção naturalística, mas vinculadas a um prejuízo efeti-
vo sofrido pela vítima. Levando-se em conta o arcabouço jurídico brasileiro, examinan-
do as normas dedicas à responsabilidade civil, acredita-se que a noção de dano baseado

Em sentido similar, v., ilustrativamente, STJ, 3ª T. AgInt no REsp 1.795.421/SP, j. 27.5.2019; e


STJ, 3ª T. REsp nº 1.605.466/SP, j. 16.8.2016; STJ, 4ª T. AgInt no AREsp 1.701.482/RJ, rel. Min.
Luis Felipe Salomão, j. 30.11.2020. Em sentido similar, v., ilustrativamente, STJ, 4ª T. AgInt no
AREsp 1.692.558/AL, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 23.11.2020; e STJ, 3ª T. AgInt
no AREsp 1.506.584/RJ rel. Min. Moura Ribeiro, j. 10.8.2020.
238. TEPEDINO, Gustavo; SILVA, Rodrigo das Guia. Op. cit., , p. 46.
239. Ainda que não contando com uma ratio decidendi totalmente esclarecedora, pode-se observar
julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça que ratificam as teses colocadas o presente tra-
balho. De forma paradigmática encontram-se acórdãos que vinculam o conceito de dano in re
ipsa à seara probatória, tendo em vista a presunção de consequências prejudiciais para a vítima.
Nesse sentido, STJ. REsp 1.512.001/SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., j. 27.04.2021, DJe
30.04.2021, em que o causador de um acidente de trânsito não foi condenado pelo pagamento
por danos morais, apesar de ter se evadido do local do acidente, pois, no caso concreto, a vítima
recebeu auxílio imediato do SAMU, evitando que o ato reprovável do agente causasse efetivos
prejuízos à vítima. De acordo com o voto do Ministro Relator, o dano in re ipsa somente é ad-
mitido quando “determinados atos ilícitos sempre ocasionam dor e sofrimento, dispensando,
por conseguinte, a produção de qualquer indício do dano, possibilidade prevista no art. 375 do
CPC/2015”. Felipe Teixeira Neto, ao comentar o acórdão, manifesta-se de maneira semelhante
“Na situação posta, o Tribunal considerou duas hipóteses possíveis de serem aventadas: ainda
que reprovável, a evasão do demandado (condutor do veículo) do local dos fatos, a depender das
consequências concretas dela decorrentes, poderia ou não gerar um dano moral, ainda que in re
ipsa. E, no caso concreto, à míngua de consequências diretas e específicas decorrentes da evasão
do local, ainda que inferidas a partir de máximas de experiência comum, concluiu no sentido da
inexistência de um dano moral indenizável.
Duas, portanto, foram as teses reconhecidas no acórdão, que incrementam o percurso de aper-
feiçoamento da aplicação da categoria jurídica em debate. A primeira delas, no sentido de que o
dano decorre invariavelmente das consequências do fato imputável ao agente e não da sua gravida-
de em si, seja ela abstrata ou mesmo concreta; a segunda, de que o dano moral, para que possa ser
presumido in re ipsa, pressupõe o exame acurado das circunstâncias do fato e a demonstração,
ainda que em tese, da sua potencialidade abstrata a comprometer atributos inerentes à persona-
lidade, alterando a sua situação ex ante” (grifou-se) (TEIXEIRA NETO, Felipe. Dano moral in re
ipsa e dano por mera conduta: comentários ao Recurso Especial 1.512.001/SP. Revista de Direito
Civil Contemporâneo, v. 36, ano 10, p. 323-345, jul.-set. 2023).

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 38. ano 11. p. 33-107. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2024.
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em uma mera lesão de direitos (situações jurídicas), sem a presença de dano efetivo so-
frido pela vítima, seria admitir um “dano anti-normativo”240.

Conclusões
Diante dos argumentos expostos no presente trabalho acredita-se que se possa ex-
trair algumas conclusões principais, que possibilitam a construção de um conceito nor-
mativo de dano para o direito civil contemporâneo:
1. Ainda que se tenha admitido que a noção ampla do termo “dano indenizável” pos-
sui utilidade dogmática, pois traduz a observância da totalidade dos requisitos para a
formação do dever de indenizar, a construção de uma noção estrita de dano indenizável
mostrou-se fundamental para a fixação de um conceito de dano com grau relevante de
autonomia e com conteúdo eficacial próprio.
2. A noção de dano como mera lesão ou menoscabo de bens aproxima-se de uma
noção naturalística, incapaz de absorver a riqueza e a multiplicidade das manifestações
danosas indenizáveis. Observou-se, portanto, desde o Direito Romano, a tentativa de
construção de uma noção sofisticada e relacional, baseada no id quod interest (interes-
se), apta a recepcionar os distintos e relativos efeitos sentidos pelas vítimas diante da le-
são a bens tutelados.
3. De acordo com o contexto da época, a pandectística alemã do século XIX traduziu
essa noção de interesse na chamada teoria da diferença, em que o dano em seu sentido
jurídico seria definido pela comparação da situação patrimonial real em que a vítima se
encontra após o dano e da situação hipotética (normativamente construída) na qual ela
estaria se o evento danoso não houvesse ocorrido.

240. Em sentido semelhante, ZIMMERMANN, Reinhard. Op. cit., , p. 716, ao comentar as decisões
que admitiam a reparação sem uma efetiva consequência danosa para a vítima: “These are all
somewhat helpless, occasionally speculative, and ultimately unconvincing attempts to rationa-
lise a decision that is based, ultimately, on a feeling of compassion with persons who have been
particularly severely injured rather than on strictly legal argument”. No Direito Brasileiro tam-
bém não passaram despercebidos pela doutrina os riscos em se admitir uma responsabilidade
civil afastada de seus elementos essenciais, determinados pelo ordenamento jurídico nacional.
Nesse sentido, TEPEDINO, Gustavo. Editorial. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v.6,
n. 24, out./dez. 2005): “E nem mesmo a caótica intervenção do Estado em áreas sociais críticas –
como saúde, transporte, segurança pública – autoriza o superdimensionamento do dever de
reparar para a promoção de justiça retributiva entre particulares. Tão grave quanto a ausência de
reparação por um dano injusto mostra-se a imputação do dever de reparar sem a configuração
de seus elementos essenciais, fazendo-se do agente uma nova vítima”. Em sentido semelhante,
pugnando pelo respeito aos elementos essenciais da Responsabilidade Civil, veja-se: RODRI-
GUES JR., Otavio Luiz. Nexo causal probabilístico: elementos para a crítica de um conceito.
Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 8, ano 3, p. 115-137, jul.-set. 2016.

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4. Essa “hipótese diferencial” representou a resposta da época para um distancia-


mento definitivo de uma noção naturalística de dano, capaz de conferir a resposta para
os desafios observados no momento histórico de sua criação. Ainda que os contornos
da teoria da diferença, ambientados no sex. XIX, possam parecer insuficientes para re-
cepcionar a ampla gama de manifestações danosas da contemporaneidade, mostrou-se
que a ideia de uma “hipótese diferencial” continua atualíssima e útil para configurar e
quantificar os danos atualmente verificados, inclusive em relação aos danos extrapatri-
moniais. A “hipótese diferencial” confunde-se com a própria noção de dano, respaldan-
do um conceito normativo de dano como interesse.
5. Apesar da inegável importância do interesse na configuração de um conceito nor-
mativo de dano, verificou-se tratar-se de expressão utilizada em “contextos variados,
com sentidos nem sempre coincidentes, e para efeitos diversos241”, devendo o seu signi-
ficado ser revelado em cada seara jurídica.
6. Nesse sentido, empreendeu-se distinção entre o interesse quando relacionado à si-
tuação jurídica da vítima e quando esse interesse efetivamente conecta-se com o prejuí-
zo, admitindo-se as expressões “interesse-situação jurídica” e “interesse-dano”.
7. A lesão ao “interesse situação jurídica” pode gerar diversas formas de tutela, abso-
lutamente distintas da tutela indenizatória que caracteriza a responsabilidade civil, exa-
tamente por não se constituir em elemento da noção jurídica de dano, enquanto este for
entendido na sua concepção estrita, dotado de conteúdo eficacial próprio.
8. Abordou-se a noção de interesse como elemento apto a definir e operacionalizar a
noção de dano em sentido estrito, dentro de uma perspectiva subjetiva e relacional. Para
tanto, demonstrou-se que a noção de dano como interesse, atrelada a uma hipótese di-
ferencial, ainda representa um racional útil para a identificação de danos indenizáveis,
ressaltando a importância do dano como requisito autônomo e inafastável para o surgi-
mento do dever de indexar.
9. A noção de dano como lesão a interesse real-concreto mostrou-se apta a configu-
rar o conceito jurídico de dano com conteúdo eficacial próprio, desde que o interesse
seja entendido como a idoneidade de determinado bem jurídico para satisfazer neces-
sidades específicas e concretas da vítima e afastado da seara da ilicitude, onde apenas se
identificam situações jurídicas protegidas pelo direito, sem conferir tratamento aos pre-
juízos sofridos pelas vítimas.
10. Reafirmou-se a inafastabilidade do dano como requisito imposto pelo ordena-
mento jurídico brasileiro para o surgimento dever de indenizar. Alertou-se que figuras
como o dano per se, o injury as such e o dano in re ipsa podem desafiar as fronteiras do
dano indenizável, aproximando-se da mera antijuridicidade.

241. MOTA PINTO, Paulo. Op. cit., p. 491.

Silva, Rafael Peteffi da. Conceito normativo de dano: em busca de um conteúdo eficacial próprio.
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11. Seguindo sólida tradição dos sistemas romano-germânicos, o Direito brasilei-


ro realiza clara separação entre o dano e a ação que o tenha causado. Com efeito, os
arts. 186 e 187 do Código Civil Brasileiro definem, em grande parte, os limites do ato
ilícito, cuja verificação pode proporcionar, para a vítima, o manejo de tutelas possessó-
rias, inibitórias e restituitórias, entre outras. O surgimento do dever de indenizar, contu-
do, somente ocorre nos casos em que essa ilicitude seja causadora de dano efetivo, como
bem definido pelo caput do art. 927 do mesmo diploma e pela jurisprudência do Supe-
rior Tribunal de Justiça.
12. Os danos não são configurados pela simples violação a direitos constitucional-
mente resguardados (dano-evento), afastando-se a aceitação de figuras como o dano
per se e o injury as such, já rejeitadas até mesmo pela jurisprudência italiana, berço de fi-
guradas como o dano biológico e o dano existencial.
13. A noção de dano defendida no presente trabalho suporta a construção de “novas”
categorias patrimoniais e extrapatrimoniais como a perda da chance, o dano reflexo ou
por ricochete, o dano advindo de wrongful conception e wrongful birth, o dano existen-
cial e mesmo o dano pela perda do tempo útil, desde que adequadamente fundamentado.
14. A configuração do dano extrapatrimonial pode ocorrer sem a observância de
sentimentos como a dor ou o sofrimento da vítima (exemplo da vítima que adentra es-
tado comatoso). Porém, em inúmeras hipóteses, a situação fática em que a vítima se
encontra após a ofensa aos seus bens jurídicos extrapatrimoniais – como os direitos da
personalidade, por exemplo – apresenta-se concretamente diferente da situação contra-
fática e normativamente construída em que a vítima estaria sem a ofensa (hipótese di-
ferencial) exatamente pela observância das consequências negativas relacionadas ao
espírito humano. Assim, manifestações humanas como constrangimento, humilhação,
dor e perda de amenidades da vida podem não ser mera consequência do dano, mas re-
presentar seu cerne significativo e existencial, vinculado ao an debeatur.
15. É no sentido de se estabelecer presunções relativas que se admite, apesar dos evi-
dentes problemas terminológicos, a utilização da expressão dano in re ipsa em confor-
midade com as balizas do ordenamento jurídico brasileiro.
16. O conceito jurídico de dano como lesão a interesse real-concreto é capaz de con-
ferir conteúdo normativo próprio ao instituto, respaldando uma noção relacional, di-
nâmica e concreta, alinhada às normas fundamentais da Responsabilidade Civil no
ordenamento jurídico brasileiro.

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Doutrina Nacional 107

PESQUISAS DO EDITORIAL
Área do Direito: Civil

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