Dobra em Z de Segunda Ordem
Dobra em Z de Segunda Ordem
JOSÉ KLEBER
SOARES DE
MEIRELES
1
Resumo
Palavras-chave
Ortodontia. Fios ortodônticos. Técnicas de movimentação dentária.
1. Especialista em Ortodontia, Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia (Bauru/SP, Brasil). Mestrando em Ortodontia, Fundação Hermínio Ometto
– FHO/Uniararas (Araras/SP, Brasil). Professor coordenador dos cursos de Especialização e Imersão em Ortodontia do Instituto PRIME (Salvador/BA, Brasil).
alicates de uso geral, como o versátil 139 (minha dobra pela mesial). A seguir, será exemplificada
opção em 100% dos casos). A maior vantagem do a confecção dessa dobra com intuito de corre-
uso de alicates especiais é a padronização das do- ção da angulação do dente #11, com movimento
bras; porém, eles não contemplam todas as mag- distal da raiz.
nitudes necessárias dessas. Além disso, outros
ajustes podem ser necessários em dobras verti- Há, basicamente, duas formas de se fazer do-
cais, como a incorporação de dobras compensa- bras com o alicate 139: na primeira modalidade,
tórias para contrapor tendências indesejadas . 4
com o alicate apreendendo firmemente o fio em
posição (segundo a marcação feita em boca),
Antes de iniciarmos a confecção de uma do- pode-se empurrar a porção distal do fio com o
bra, é imprescindível ter em mente o que se dedo em direção apical, construindo a primei-
pretende dela e qual desenho gerará o resulta- ra dobra (Fig. 2A e 2B). Alternativamente, em vez
do almejado. Há diferentes formas de se pen- de empurrar para cima a porção do fio distal ao
sar a correção com essas dobras. Vou, aqui, su- alicate, pode-se segurar firmemente, com o dedo
gerir duas maneiras de avaliação que podem indicador, a porção mesial do fio e fazer um leve
ser úteis para o clínico: a primeira é o uso de giro de punho, para que o alicate construa essa
um template para orientar o que se pode es- dobra (Fig. 2C e 2D). Assim, o dedo serve somente
perar para a dobra. Um pequeno segmento de como apoio, enquanto a alicate é girado. O re-
arco com uma dobra pré-confeccionada pode sultado final é o mesmo: uma dobra para cima
ajudar na visualização do seu efeito em boca. (Fig. 2B). Na primeira opção, será necessário mu-
Ao inserir o fio nos braquetes vizinhos, vê-se o dar o alicate de posição, enquanto na segunda,
movimento esperado da dobra no dente a ser mantêm-se o alicate exatamente onde ele está
movimentado. Na Figura 1, vê-se um exemplo para fazer a próxima dobra. Sendo a segunda
desse template. A canaleta do braquete terá, ao opção mais simples e menos propensa a erros
fim da correção, a mesma angulação da por- de posicionamento, é nela que centraremos a
ção ativa da alça, o que, nesse exemplo, levaria explicação das dobras subsequentes.
a raiz para distal (e a coroa para mesial).
O ângulo gerado nessa primeira dobra influen-
Uma segunda dica, para quem prefere ter uma ciará na magnitude (atividade) da própria dobra
referência fixa, é saber em qual direção deve ser em Z. Ângulos maiores produzirão dobras mais
feita a primeira dobra quando se pretende an- ativas. Para a primeira ativação, algo em torno
gular mesial ou distalmente a raiz. Nesse caso, de 40˚ (Fig. 3) é suficiente, o que poderá ser au-
para que essa leitura funcione, deve-se sempre mentado em consultas subsequentes.
iniciar a confecção da dobra pela mesial. Se o
intuito for distalização da raiz (angulação me- A segunda dobra, sem remover o alicate da sua
sial da coroa), a primeira dobra deverá ser feita posição, é feita apoiando-se o dedo (com pres-
em direção apical, e o contrário é verdadeiro: são) na porção distal do fio, enquanto o pulso é
se o objetivo é angular distalmente a coroa, a girado em sentido horário (Fig. 4). Na confecção
primeira dobra será feita em sentido oclusal de todas as dobras, é importante segurar e pres-
(lembre-se: sempre iniciando a construção da sionar o fio bem próximo ao alicate.
Figura 1: Vistas frontal e superior do template feito com fio de TMA 0,017” x 0,025”. A porção ativa da dobra mostra
claramente o que deve-se esperar dela.
A. B.
As duas próximas dobras são iguais às primei- contorno do arco. É imprescindível que o fio seja
ras: inicialmente, leva-se para cima a porção checado em sentido oclusal e lateral. O arco deve
distal do fio, da mesma forma que feito ante- permanecer com seu contorno, sem sair da linha
riormente, com uma pressão do dedo na mesial traçada do arco parabólico (Fig. 6A). Em uma vis-
e uma leve rotação do conjunto pulso/alicate ta lateral, as porções posterior e anterior do fio
(Fig. 5A), e, sem tirar o alicate de posição, repe- devem também manter-se em linha, sob pena de
te-se a manobra, com o dedo na distal do alicate, se gerar um degrau de intrusão/extrusão, caso
de pressão digital e rotação do pulso para fina- isso não ocorra. Perceba que a dobra sai e volta
lização da dobra (Fig. 5B). O objetivo é fazer com para o nível do arco, restando apenas o segmento
que a porção posterior do fio fique paralela ao do incisivo lateral angulado (Fig. 6B).
CASOS CLÍNICOS
A primeira situação clínica que exemplifica a uti- A paciente já se encontrava com fios retangu-
lidade da dobra em Z de segunda ordem é a reso- lares nessa fase, o que ensejava maior cuidado
lução de casos nos quais há grande proximidade com a dobra, visto que, com fios mais rígidos,
entre raízes vizinhas. Isso ocorre mais comu- há a necessidade de confecção de uma dobra
mente em dentes que naturalmente apresentam menos “ativa”, uma vez que braquetes cerâmi-
grande angulação de suas coroas, como incisi- cos policristalinos possuem menor resistência
vos e caninos. Os incisivos laterais superiores, à fratura do que braquetes metálicos ou mes-
dentes com uma morfologia bastante variável, mo cerâmicos monocristalinos7. Para diminuir
são geralmente desafiadores no ato de colagem, o risco de fratura, optou-se por fazer a dobra
provocando, muitas vezes, erros de posiciona- em fio de TMA 0,017” x 0,025”.
mento dos braquetes, especialmente no que tan-
ge à angulação. Não raro, somos surpreendidos, Após a confecção da primeira dobra, com pou-
no controle radiográfico, com a constatação da ca ativação, o que pode ser visto inserindo-
proximidade entre as raízes desses dentes com -se o arco nos braquetes dos dentes vizinhos
seus vizinhos. Aqui, cabe um parêntese: radio- (Fig. 8), é possível dar continuidade, caso ne-
grafias de controle não devem ultrapassar seis cessário, ao aumento dessas, até a obtenção
meses, sob pena de atrasos maiores ao trata- do resultado almejado (Fig. 9). Uma vez que
mento pela não constatação precoce desses se considere que os dentes já apresentam a
erros. Apesar do paralelismo radicular ser um correção desejada, pode-se recolar o braque-
dos nossos ideais terapêuticos, a não obtenção te de forma passiva (Fig. 10) ou continuar com
desse, ao fim do tratamento, não está definitiva- as dobras nos fios subsequentes. Um controle
mente ligada a problemas como reabertura dos radiográfico é necessário para confirmar a
espaços ; porém, o contato entre raízes vizinhas
5
correção da angulação (Fig. 11).
deve ser corrigido para evitar essas reaberturas,
bem como reabsorções radiculares6. Uma segunda condição, que pode ser muito be-
neficiada pelo uso de dobras em Z de segunda
Caso clínico 1 ordem, é a situação na qual a cirurgia ortogná-
tica está planejada para segmentação maxilar.
A paciente 1, em sua radiografia de controle de As raízes precisam estar afastadas, com uma
seis meses, apresentou contato entre as raízes distância inter-radicular aumentada, para que a
dos incisivos central e lateral superiores do osteotomia seja feita com menor risco de dano à
lado direito (Fig. 7). As opções seriam: a corre- crista óssea e às raízes8. É possível que, mesmo
ção da angulação, por meio da recolagem do tendo feito, no início do tratamento, uma cola-
braquete e retorno do arco para um fio mais gem compensatória, a quantidade de espaço
flexível; a confecção de dobras em Z de segunda ainda não seja suficiente para o acesso seguro à
ordem; ou a manutenção da angulação existen- citada osteotomia inter-radicular. Em tal condi-
te. A opção, nesse caso, recaiu sobre a confec- ção, a dobra em Z de segunda ordem pode pro-
ção de uma dobra em Z de segunda ordem. ver uma boa e rápida solução (Fig. 12).
Figura 12: A proximidade das raízes dos incisivos laterais e caninos impossibilita VÍDEO EXPLICATIVO: Caso clínico 1.
um acesso seguro para a osteotomia. A dobra em Z de segunda ordem é usada,
nesse caso, para prover esse espaço.
Caso clínico 2 fios retangulares contínuos, uma vez que, nesse pe-
ríodo, ainda não era possível recolar os braquetes
A paciente 2, portadora de grande assimetria dos incisivos laterais (é necessário manter os fios rí-
esquelética mandibular (Fig. 13), estava sendo gidos na fase pós-cirúrgica por um período não in-
tratada com descompensação ortodôntica, ob- ferior a 90 dias, em caso de segmentação maxilar).
jetivando cirurgia ortognática, na qual estava Após constatação da estabilidade óssea pós-cirúr-
planejada, além da cirurgia mandibular para gica (cerca de 100 dias após a cirurgia), os braquetes
correção da assimetria, uma cirurgia segmentar dos incisivos laterais foram recolados, para corri-
de maxila, para expansão. Na avaliação radio- gir sua angulação, e fios flexíveis foram inseridos:
gráfica, após seis meses do início do tratamento, inicialmente, o fio 0,016”x0,022” NiTi, então, o fio
considerou-se que as raízes dos incisivos late- 0,017”x0,025” NiTi e, posteriormente, um fio de aço
rais superiores e caninos ainda não apresenta- de mesmo calibre. O caso foi finalizado oito meses
vam divergência suficiente (Fig. 14). Nesse ponto, após a cirurgia, com a correção oclusal e facial da
as opções eram a recolagem dos braquetes ou a assimetria (Fig. 18).
confecção de dobras para divergir essas raízes.
A segunda opção foi a escolhida. Uma terceira circunstância corriqueiramente
associada à necessidade de ajuste de angulação
A primeira dobra foi feita ainda em fio redon- coroa/raiz é a abertura de espaços para inserção
do de aço 0,018”. Após isso, essas dobras fo- de implantes. Após a perda de um dente, as uni-
ram aumentadas nos fios seguintes: 0,020” e dades vizinhas migram em direção ao local da
0,017” x 0,025”de aço (Fig. 15). perda, o que tende a gerar um considerável desa-
juste na oclusão, além de dificuldade de reabilita-
Após a constatação radiográfica da divergência ra- ção (Fig. 19). Em tais casos, após a abertura do sítio
dicular e da compatibilidade maxilomandibular, a para inserção de implante, geralmente feita com
paciente foi encaminhada para o cirurgião, e a ci- o uso de molas comprimidas, as distâncias entre
rurgia pôde ser feita com segurança (Fig. 16). Trinta dentes na região coronal e apical são usualmente
dias após a cirurgia, a paciente retornou ao con- diferentes, por conta da força repelente aplicada à
sultório e a Ortodontia pós-cirúrgica foi iniciada, nível coronal, a qual gera um momento que tende
ainda com as dobras em Z em posição, (Fig. 17) com a afastar as coroas e aproximar as raízes (Fig. 20),
Figura 13: Paciente apresentando assimetria mandibular de magnitude moderada, com mordida cruzada posterior
unilateral (lado direito), Classe II subdivisão direita, além de inclinação (cant) do plano oclusal e desvio de linhas médias.
Figura 17: Fase de finalização pós-cirúrgica, ainda com fios retangulares contínuos, com as dobras em posição.
Figura 20: Abertura de espaço entre pré-molares Figura 21: O espaço ideal entre o implante e as raízes vizinhas
inferiores. A força repelente da mola comprimida, deve ser maior do que 1,5mm.
aplicada em nível coronal, gera um momento que
tende a divergir as coroas e convergir as raízes.
Figura 23: Duas dobras em Z de segunda ordem com configurações divergentes foram feitas em fio retangular
0,017” x 0,025” de aço.
A sequência de imagens radiográficas da Figu- cal onde anteriormente estavam as raízes dos
ra 25 mostra a mecânica em andamento, desde pré-molares. A próxima sequência de imagens
o início do tratamento, começando com o uso oclusais (Fig. 26) evidencia o grande incremento
das molas que obtiveram a divergência coro- do rebordo alveolar obtido pela formação óssea
nal, sem correspondente divergência radicular; na área “atrás” do movimento dentário (área de
passando pela evolução da correção radicular, tensão), culminando com a obtenção de um sítio
com uso das dobras; até essa fase final, quando ósseo com dimensões adequadas para inserção
foi possível fazer a inserção do implante no lo- de implante, sem necessidade de enxerto prévio.
A. B.
A. B. C. D.
Figura 26: Quatro momentos da abertura de espaço. O volume da ponte óssea criada atrás do movimento dos pré-molares
evidencia claramente o sucesso desse tipo de tratamento.
CONCLUSÃO
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