RESENHA
118 PERSPECTIVA, Erechim. v. 46, n. 176, dezembro/2022
GATTO, John Taylor, Emburrecimento
programado: o currículo oculto da escolarização
obrigatória. Tradução Leonardo Araujo. Campinas,
SP: Kírion, 2019.
Felipe Biasus
Psicólogo (URI). Mestre em Psicologia (UFSC).
Docente da URI Erechim. E-mail:
[email protected] Data do recebimento: 05/06/2022 - Data do aceite: 23/08/2022
Originalmente escrito em 1991, “Embur- do editor da segunda edição em 2001 David
recimento Programado: o currículo oculto Albert; da nota deste mesmo editor, na pri-
da escolarização obrigatória” foi traduzido e meira edição de 1991 e uma referência sobre
publicado no Brasil somente em 2019. Apesar o autor. Após os cinco capítulos, apresenta
de a sua primeira edição em solo norte ameri- o pósfácio à edição de décimo aniversário
cano ter ocorrido há mais de 30 anos, o livro escrito por Gatto, em 2002 e o posfácio do
é atual para refletir a escola e a escolarização editor à edição de 2005, assinado por Chris
obrigatória, inclusive se considerarmos as Plant. Pode-se observar que ao longo dos 30
discussões atuais sobre o homeschooling. anos da primeira publicação, é considerada
Vejamos então, quem é John Taylor Gatto e uma obra relevante para pensar a escolariza-
o que seu livro - com um provocativo título ção obrigatória dos Estados Unidos. Ainda
- apresenta. que a obra problematize a escolarização obri-
gatória nos EUA, possibilita uma profunda
No ano da primeira publicação do livro, o
reflexão sobre a escolarização brasileira.
autor estava no magistério há mais de 30 anos
nos Estados Unidos, eleito professor do ano O primeiro capítulo “O professor de
da cidade de Nova York nos anos de 1989, sete lições” trata de um discurso do autor
1990 e 1991, sendo que em 1991 recebeu o proferido na ocasião em que foi nomeado
mesmo título, mas do Estado de Nova York. professor do ano do Estado de Nova York,
Foi conferencista e autor de vários livros, em 1991. Nele evidenciam-se as sete lições
entre eles “Armas de instrução em massa: a que se ensina na escola:
jornada de um professor pelo mundo obscuro a. Confusão - esta lição evidencia que
da escolarização obrigatório” publicado no tudo que se ensina está fora de contexto,
Brasil, em 2021, pela Editora Kírion. Seus li- ensina-se a não-relação e desconexões. Tal
vros tratam da educação moderna, criticando confusão, segundo o autor, é “imposta às
a ideologia, a história e as consequências da crianças por vários adultos que elas não
educação e escolarização obrigatória. conhecem, cada um trabalhando por conta
O livro em tela nesta resenha é composto própria com uma relação quase inexistente
por cinco capítulos, antecedidos pelo prefácio entre si, fingindo, em geral, uma especia-
assinado por Thomas Moore; pela introdução lidade que não possuem” (p. 43).
PERSPECTIVA, Erechim. v. 45, n.165, p. 119-121, dezembro/2022 / DOI: 10.31512/persp.v.46.n.176.2022.262.p.119-121 119
b. Posição de Classe - essa segunda lição dá (p. 49) que dizem o valor que as pessoas
conta de ensinar aos alunos que gostem de têm.
ficar trancadas com outras crianças ou ao
g. Não é possível se esconder - Na última
menos que suportem tal condição. Todos
lição, ensina-se que todos estão sendo
devem ficar em seus devidos lugares.
vigiados e observados constantemente
c. Indiferença - na terceira lição, Gatto pelos professores, inclusive em casa por
refere que ensina as “crianças a não se intermédio do “dever de casa”.
importarem muito com nada, embora
seja desejável parecer que se importam” Nas sete lições, Gatto aponta que não
(p. 45); ele destaca que os alunos nunca há necessidade em debater um currículo
passam por uma experiência completa, nacional, pois ele já existe embutido nelas e
pois tudo é dividido em prestações, lição destaca “as escolas ensinam exatamente o que
ensinada pelos sinais sonoros que marcam se pretende que ensinem, e fazem isso muito
os tempos na escola. bem: como ser um bom egípcio e permanecer
em seu lugar na pirâmide” (p. 52).
d. Dependência Emocional - nesta lição
refere que através das práticas avaliativas O segundo capítulo “Escola psicopata” é
e julgadoras ensinam-se as crianças a ce- o discurso proferido, em 1990, quando rece-
derem sua vontade à “cadeia hierárquica beu o prêmio de professor do ano da cidade
adequada” (p. 46), afinal a individualidade de Nova York, com um texto contundente,
é algo contraditório para fazer parte de sis- refere que “as escolas e a escolarização são
temas de classificação, ou seja, extinguem- cada vez mais irrelevantes nas empreitadas
-se a individualidade e criatividade. Em do planeta” (p. 58) e aponta que a escola é
seu lugar imprime-se a dependência. psicopata e sem consciência. Afinal, a criança
é levada a parar o que está fazendo ao tocar de
e. Dependência Intelectual - a quinta lição uma sineta, para iniciar outra atividade sem
segue a linha da dependência, mas evi- qualquer conexão com o que estava fazendo.
dencia a questão intelectual, ensina que
Como um ativista da educação em ho-
se deve esperar outras pessoas, especia-
meschooling, apresenta a divulgação de
listas, darem sentido às vidas dos alunos,
uma pesquisa de que crianças educadas em
e assim crianças bem-sucedidas passam
casa são, aparentemente, cinco ou dez vezes
a ser aquelas que pensam aquilo que lhes
superiores quanto à habilidade de raciocinar.
é mandado pensar, sem resistência, sem
Além disso, indica que é preciso perceber
questionamentos e, se possível, com entu-
que “a instituição escolar ‘escolariza’ mui-
siasmo. A lição aqui não é a criatividade,
to bem, embora não eduque. [...] A culpa
mas, o desenvolvimento da conformidade.
não é dos professores ruins ou da falta de
f. Autoestima provisória - Essa lição ensina investimentos. É simplesmente impossível
que “o respeito próprio de uma criança que a educação e a escolarização sejam a
deve depender da opinião de um especia- mesma coisa” (p. 59). Ao longo do capítulo,
lista” (p. 48), afinal os alunos são cons- discute diversos problemas da escolarização
tantemente avaliados e julgados. Boletins, e evidencia efeitos nas crianças. Também
notas e provas indicam que as crianças não aponta o que pode ser feito, destacando o
devem confiar em si mesmas ou em seus autoconhecimento com uma base do conhe-
pais, mas, em vez disso, “deveriam confiar cimento verdadeiro, bem como, a confiança
na avaliação de autoridades credenciadas” nas pessoas e em suas capacidades. Além
120 PERSPECTIVA, Erechim. v. 45, n.165, p. 119-121, dezembro/2022 / DOI: 10.31512/persp.v.46.n.176.2022.262.p.119-121
disso, destaca a importância da vivência da O quinto e último capítulo “O princípio
singularidade e da autonomia, alicerçadas em congregacional” pode ser compreendido
sólidas relações familiares. como uma proposta possível para a educação
No terceiro capítulo “O esverdeado Mo- e o desenvolvimento. Questionando a ideia
nongahela”, o autor conta algumas histórias de um pensamento global, defende as habi-
de sua infância e do seu jeito de fazer que lidades locais, o amor local, o conhecimento
local e o desenvolvimento por intermédio da
promove desenvolvimento, crescimento e
dialética. Nas últimas páginas desse capítulo,
autonomia. Um fazer que sai do caminho da
o autor anuncia o que pode ser feito em face
criança, dá tempo, espaço e respeito.
ao poder destrutivo da escolarização.
O quarto capítulo “Precisamos menos de
Por fim, o livro de Gatto é uma obra - ain-
escola, não mais” apresenta um conjunto de da que curta em extensão - profunda e con-
ideias muito bem articuladas, problematiza tundente quanto à análise da escolarização
a escolarização obrigatória e destaca o que obrigatória. Em tempos que o debate sobre a
é fundamental para a educação, ou seja, legalidade do homeschooling no Brasil toma
favorecer a descoberta de um propósito gra- cada vez mais corpo, temos uma excelente
tificante para si mesmo, um sentido. Porém, obra - antiga, mas atual - para refletirmos
tal promoção é impossível com as crianças o futuro que estamos construindo. Indicada
trancafiadas e distantes do mundo real, por para pedagogos, psicólogos educacionais e
aproximadamente 12 anos de suas vidas. estudantes de Pedagogia.
PERSPECTIVA, Erechim. v. 45, n.165, p. 119-121, dezembro/2022 / DOI: 10.31512/persp.v.46.n.176.2022.262.p.119-121 121
122 PERSPECTIVA, Erechim. v. 46, n. 176, dezembro/2022