Históricos e Poéticos
Históricos e Poéticos
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Introdução aos Livros Históricos.
Embora todos os livros que fazem parte do Antigo Testamento contenham alguma história,
os chamados Livros Históricos consistem, essencialmente, em história. Esses livros históricos
são em números de doze, a saber: Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Reis, I e II Crônicas,
Esdras, Neemias e Ester.
Neste material, de forma compilada, conheceremos um pouco mais sobre o povo de Deus,
através da sua história e sua cultura.
Cada livro em particular reflete um tempo histórico por hora definido nele mesmo e
por vezes, sendo necessária consulta a outros livros das Escrituras para compreensão ampla,
com suas nuances sobre a saga do povo de Israel. Estes livros fornecem elementos históricos
fundamentais para compreendermos a história do povo israelita desde sua chegada a Canaã,
o período do cativeiro e pós-cativeiro.
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É possível observar no quadro anterior o espaço temporal e histórico que o conteúdo
de cada livro abrange. A partir disso é possível ter uma noção geral da história de Israel, e a
maneira como os eventos históricos internos e externos contribuíram para o desenvolvimento
do plano de Deus na história de seu povo. O conjunto de livros narra eventos que ocorreram
desde a chegada de Israel às margens do Jordão para conquistar a terra até o livramento que
Deus concedeu ao povo judeu quando estava sob o domínio persa.
Quando pensamos em uma historiografia hebraica, é necessário refletir sobre o
período da história de Israel, em que teve início o registro dos eventos associados ao povo da
promessa. Os registros históricos em sua forma escrita podem ter ocorrido muito depois de os
fatos descritos terem acontecido. A tradição oral era comum entre os povos do Oriente. Por
este motivo existe muito debate sobre as fontes históricas do registro bíblico e em que período
estes registros de fato aconteceram e quem os escreveu.
De acordo com Rendtorff (2006), Uma historiografia
propriamente dita existiu em Israel mais ou menos desde o tempo de
Davi. Ocupa-se, principalmente, com acontecimentos políticos. Assim,
acham-se descritos, no 1º livro de Samuel, a origem do reinado e a
ascensão de Davi, no 2º livro de Samuel trata-se da consolidação e
expansão do reino de Davi e das tramas em torno do problema da
sucessão no seu trono. Os livros dos Reis apresentam, a seguir, o
governo de Salomão como o último período glorioso do Reino Unido,
bem como a divisão em um reino do Norte e um reino do Sul e a
queda paulatina até o fim da existência política independente do povo
de Israel.
Não é nosso objetivo realizar aqui um estudo da crítica textual, pois este estudo é
bastante complexo e não se encaixa aqui. No entanto, é importante ressaltar que os registros
históricos pertinentes à nação de Israel são fundamentais para compreendermos, dentre
outras coisas, os fatos atuais ligados a este povo. A maneira como a nação judaica se
estabeleceu na terra prometida e os desdobramentos de suas lutas para se manter onde está
até hoje revelam a determinação desse povo em permanecer em sua terra, independentemente
dos inimigos que tenha que enfrentar.
Apesar de Davi ter sido um simples pastor de ovelhas em sua juventude, como rei de
Israel ele foi um líder organizado e metódico. Portanto, o registro histórico desses fatos na
época de Davi serve tanto a propósitos espirituais, pois nele vemos a determinação do rei
Davi em defender seu povo, como também vemos de perto as imperfeições de grandes homens
de Deus, como é o caso de Davi e Salomão, que foram seduzidos pelas mulheres, o primeiro
cometeu um adultério e assassinato, e, no caso do segundo, as mulheres o desviaram dos
caminhos do Deus de Israel e o levaram a adorar outros deuses estranhos.
A história que foi registrada mostra claramente as virtudes dos homens chamados por
Deus, bem como suas falhas e os graves erros que cometeram quando deixaram de seguir as
leis do Senhor Deus de Israel.
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A Bíblia não é um livro que registra a vida de “super-homens”, pelo contrário, sua
intenção é ser o mais fiel possível ao tratar do caráter, da personalidade e do temperamento
dos homens que foram chamados por Deus para realizar seus grandes feitos.
Toda a história bíblica apresenta naturalmente três períodos,
sendo o primeiro separado do segundo pelo desmembramento do
reino de Israel depois da morte de Salomão, e o segundo separado do
terceiro pelo cativeiro de Judá na Babilônia. O terceiro ainda
compreende a restauração do Estado judaico até o tempo em que se
encerram os oráculos do Antigo Testamento. O segundo e o terceiro
período são largamente ilustrados pelos escritos proféticos. [...] O
primeiro desses períodos ainda se pode subdividir em duas partes: a
primeira vai desde a entrada dos israelitas na Terra da Promissão até
o estabelecimento da monarquia; a segunda compreende a história da
monarquia israelita, até a morte de Salomão. A primeira parte trata
da história da conquista de Canaã, do enfraquecimento do espírito de
obediência, depois da morte de Josué, dos castigos e das diversas
fases de restauração do povo; a segunda descreve a revivescência
daquele espírito no tempo de Samuel e de Davi, e o brilhante reinado
de Salomão com as suas sombras. Josué, Juízes, Rute, 1 Sm. 1 a 10
tratam da primeira série de acontecimentos; 1 e 2 Sm, 1 Rs. Cap. 1 a
11, 1 Crônicas, 2 Crônicas, cap. 1 a 9, narram a parte restante
(ANGUS, 2003).
Os livros históricos nos permitem ter uma visão abrangente sobre o comportamento
de Israel frente à idolatria e outros pecados que Deus abominava. Em decorrência de
suas escolhas, Deus deixou o povo judeu à sua própria sorte, pois as escolhas erradas
deste povo resultaram em grande ruína para toda a nação.
A história de Israel pode ser mais bem compreendida se estivermos atentos aos
eventos principais e em que época ocorreram. Isso permite que o estudante tenha uma
visão geral dos eventos e compreenda as ações de Deus em relação a Israel em cada
um deles. Outra questão importante ao atentar para estes eventos é que eles nos
ajudam a delimitar melhor os fatos e a aprofundarmos o nosso entendimento sobre
eles.
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O Livro de Josué e o de Juízes
Dão início à série dos livros históricos do Antigo Testamento. O leitor da Bíblia
sabe que Josué foi o substituto de Moisés na missão de introduzi- los na terra de
Canaã. De acordo com Sellin e Fohrer (2007), “O Livro de Josué descreve principalmente a
conquista e a divisão das terras a ocidente do Jordão por Israel, no período que vai desde
Moisés até a morte de Josué”. A conquista de Canaã ficou sob a responsabilidade e
liderança de Josué.
Ao chegar a Canaã o povo de Israel encontrou vários povos em situações de
permissividade total. A degradação moral havia chegado no limite, pois os atos mais
macabros e desumanos eram praticados em rituais de adoração às divindades
cananeias.
Entre essas práticas era comum o sacrifício de crianças aos deuses, como é o caso dos
sacrifícios ao deus Moloque.
Essas abominações foram a causa da destruição destes povos e, como veremos
adiante, também foi a causa que levou o povo de Israel para o cativeiro. A idolatria foi
um câncer que enfraqueceu profundamente a espiritualidade e a moralidade do povo
judeu. O cativeiro foi uma maneira de Deus curá-lo da idolatria, que carregava consigo
práticas desumanas de sacrifício.
Voltando à questão da conquista de Canaã, vamos perceber que Deus havia
prometido esta terra aos descendentes de Abraão. Canaã era a região onde habitavam
os descendentes de Canaã que está registrado em Gênesis 10, 15-18. Dentre as nações
que habitavam a região de Canaã estão as seguintes: os heteus, os girgaseus, os
amorreus, os cananeus, os perezeus, os heveus e os jebuseus. Vale ressaltar que o
termo cananeus era uma maneira comum que denominava todas essas nações.
De acordo com Champlin (2002), “As descobertas
arqueológicas mostram que os cananeus eram bem
desenvolvidos nas artes e nas ciências. Suas construções eram
superiores às que Israel edificava na terra de Canaã, após tê-
la conquistado”.
Diante da iminente conquista por parte de Israel, os cananeus não
demonstraram medo, pois suas cidades eram fortificadas com muralhas e
consideradas intransponíveis, como é o caso de Jericó. Os cananeus se destacavam
em outras áreas do conhecimento humano, pois possuíam grande perícia na fabricação
de objetos de cerâmica, instrumentos musicais e no artesanato. Todavia, a maior
contribuição dos cananeus para no âmbito da cultura “foi o de terem sido possivelmente
os verdadeiros inventores do alfabeto como um meio útil para escrever” (THOMPSON, 2007).
FERRO NA PALESTINA:
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A Bíblia afirma que o ferro, em poder dos cananeus e filisteus, foi a razão pela
qual Israel não pode expulsá-los, Jz 1.19; 4.3; Js17.16-18; I Sm 13. 19-22. E também diz
que só depois de Saul e Davi quebrarem a força dos filisteus é que o ferro passou a ter
uso em Israel, II Sm 12.31; I Cr 22.3;29.7. Escavações têm revelado muitas relíquias de
ferro na Filístia datando 1100 a.C., porém nenhuma na região montanhosa da Palestina
até 1000 a.C.
O livro de Juízes trata dos primeiros 300 anos na Terra Prometida, período de
altos e baixos; opressão e livramento se alternam. O livro narra grandes proezas. É
incerta a duração exata do período dos juízes. Os anos de opressão, somam 111; e os
anos em que os juízes governaram proporcionando descanso, somam 299. Neste caso
temos:
111+299= 410. Porém Jefté, que viveu perto do fim do período dos juízes fala dele
como sendo de uns 300 anos, Jz 11.26,Contudo, a Bíblia diz que no quarto ano do
reinado de Salomão fazia 480 anos que Israel havia saído do Egito, I Rs 6.1. Neste caso
nos 480 anos, inclui o período dos juízes, os 40 anos da travessia do deserto, o período
do sacerdote Eli, Samuel, e o governo de Saul e Davi. Observe a seguir a
demonstração dos períodos em que Israel esteve sob a opressão dos inimigos; e os
períodos de descanso em que Israel esteve sob o governo dos juízes que Deus
levantou:
PERÍODOS DE OPRESSÃO:
Mesopotâmios ( 8 anos); Moabitas Amonitas (18 anos)
;Amalequitas Cananeus (20 anos); Midianitas e Amalequitas
(7 anos); Amonitas (18 anos) ; Filisteus ( 40 anos)
Total do Período : 111 anos
PERÍODOS DE DESCANSO:
Otniel, Jz 3.11.....40 anos ; Eúde, Jz 3.30 ...80 anos ; Sangar,
Jz 3.31 .. ;
Débora e Baraque, Jz 4.32 ....40 anos ; Gideão, Jz 8.28 ...40
anos ;
Abimeleque, Jz 9.22 ... 3 anos ; Tola, Jz 10.2 ... 23 anos ; Jair,
Jz 10.3 ...22 anos ;
Jefté, Jz 12.7 ...6 anos ; Ibsã, Jz 12.9 ...7 anos ; Elom, Jz
12.11 ...10 anos ;
Abdom, Jz 12.14 ...8 anos ; Sansão, Jz 15.20 ... 20 anos ;
Total : 299 anos
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Livro de Rute:
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precisas e verificáveis (1Sm 13; 17; 31), os das peregrinações de Davi fugitivo. A tensão
entre “Israel” e “Judá”, que se percebe nas histórias dos conflitos entre Davi e a casa de
Saul e da rebelião de Absalão, é um dado de valor sólido.
Malgrado a ausência de fontes externas, não podemos desmerecer o que nos
ensina 2Sm 8 sobre as guerras de Davi: somente a constituição de um Império
davídico, bem no começo do 1º milênio, quando tanto o Egito como a Assíria estão na
defensiva, pode explicar a prosperidade do reinado de Salomão, tendo Israel então
acesso ao Mediterrâneo e ao Mar Vermelho. As notícias sobre os funcionários de Davi
(2Sm 8,15-18; 20,23-26) e o recenseamento de que fala 2Sm 24 atestam uma vontade
decidida de organizar o território e marcam uma mudança significativa em relação ao
tempo de Saul, cujo aparato de defesa não passava de um embrião de exército
permanente. Em compensação, não se devem perguntar a Samuel informações
seguras quanto ao início da realeza. O perigo filisteu certamente pode explicar a
iniciativa dos anciãos que vêm pedir um rei a Samuel.
Elementos de uma compilação. Os livros de Samuel não são uma crônica que
acompanhe os acontecimentos passo a passo. São uma obra literária que reúne
materiais heterogêneos, às vezes muito antigos. Reúne tradições orais que devem
remontar aos próprios dias de Saul e Davi.
Lições acerca da realeza. A descoberta das tendências político-religiosas dos
narradores e escritores permite formular algumas hipóteses quanto à composição dos
livros de Samuel. Com efeito, mais que um longo capítulo da história antiga de Israel,
estes livros são um ensinamento do qual convém perceber os pontos principais.
O tema dominante é o da realeza. Não se procura encobrir a ambiguidade de sua
instituição. Israel tem por rei o Senhor. O que representa então um soberano humano?
O problema é resolvido em favor da instituição monárquica, já que, afinal, o Senhor e
seu intermediário, Samuel, presidem à designação de Saul.
Reflexão: Se, contudo, a iniciativa do povo é condenada sem cerimônia, talvez
seja para significar que a realeza de um homem, por direito, não procede da vontade
humana e sim, da autoridade divina, e que a monarquia israelita não é nem
democrática, nem autocrática, mas permanece subordinada à teocracia.
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1° Reis começa com a nação judaica no seu apogeu e 2° Reis termina com a nação
arruinada. Juntos cobrem um período de uns 400 anos
Salomão:
Nasceu de Bate-Seba, mulher à qual Davi não tinha direito, e, embora não
estivesse habilitado à sucessão, foi escolhido por Davi e aprovado por Deus para
sucessor no Trono, I Rs 1.30; I Cr 22. 9,10. Adonias, 4º filho de Davi, parece que era
herdeiro natural do trono, I Rs 2.15,22; IISm 3.3,4, visto que Amom, Absalão e
provavelmente Quileabe estavam mortos. De modo que, estando Davi já para morrer,
e antes de Salomão ser formalmente ungido rei, Adonias conspirou para apoderar-se
do reino. Mas a trama foi frustrada pelo profeta Natã. Salomão foi generoso com
Adonias, no entanto, este continuou se esforçando por lançar mão do trono; e não
demorou muito que ele fosse morto.
Salomão herdara de seu pai Davi o reino mais poderoso então existente. Foi uma era
de paz e prosperidade. Salomão manteve vastos empreendimentos e negócios, e criou
fama por suas realizações literárias. Escreveu 3.000 provérbios, 1.005 cânticos e obras
científicas de botânica e zoologia, 1° Rs 4.32,33. Escreveu três dos livros da Bíblia:
Provérbios, Eclesiastes e Cantares.
O reino unido durou 120 anos: Saul, 40 anos, At 13.21; Davi, 40 anos, II Sm 5.4;
Salomão, 40 anos, I. Rs 2.42. Depois da morte de Salomão, dividiu-se o reino; dez
tribos formaram o reino do Norte, chamado Israel; Judá e Benjamim, formaram o reino
do Sul, chamado Judá. O Reino do Norte durou pouco mais de 200 anos, e foi
destruído pela Assíria em 722 a.C.
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culto ao bezerro. Deus enviou Aías a dizer-lhe que sua casa seria derribada e Israel
desarraigado da terra e espalhado na região além Eufrates, I Rs 14. 10,15.
O Livro de II Reis é a continuação de I Reis, começando cerca de 80 anos
depois da divisão do reino, leva adiante as narrativas paralelas dos dois reinos por uns
130 anos, até à queda do reino do Norte; depois prossegue com a história do reino do
Sul por outros 120 anos, até o cativeiro babilônico.
O Reino do Norte, chamado Israel caiu em 722 a.C. nas mãos dos assírios, cuja capital
era Nínive.
O Reino do Sul, chamado Judá, mais tarde caiu nas mãos dos babilônicos, cuja capital
era Babel.
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Elias e Eliseu foram os profetas que Deus enviou, em mais uma de muitas
oportunidades de salvar o Reino do Norte. O ministério deles, tomado em conjunto,
durou uns 75 anos, no período central do reino do Norte, cerca de 875 a 800 a.C.,
através dos reinados de 6 reis, Acabe, Acazias, Jorão, Jeú, Jeoacaz e Joás.
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Embora os livros de Reis e os livros de Crônicas cubram muito
do período da história israelita, os livros das Crônicas
enfatizam o reino do sul (Judá) e geralmente apenas
mencionam o reino do norte (Israel) ao descrever o modo
como interagia com Judá.
O CATIVEIRO DE ISRAEL
Oséias, o último rei de Israel reinou 9 anos, de 732-723 a.C.. Pagou tributo ao
rei da Assíria, porém fez uma aliança secreta com o rei do Egito. Vieram então os
assírios e aplicaram o último golpe de morte ao Reino do Norte.
Samaria caiu e seu povo acompanhou o resto de Israel ao cativeiro. Os profetas da
época foram Oséias, Isaías e Miquéias. O Reino do Norte durou cerca de 241 anos.
Cada um dos seus 19 reis andou nos pecados de Jeroboão, seu fundador. Deus enviou
profeta após profeta, e castigo após castigo, num esforço para fazer a nação voltar dos
seus pecados. Tudo, porém, debalde. Israel aderira aos seus ídolos. Não havia
remédio; a ira de Deus manifestou-se e removeu Israel de sua terra, através da Assíria
em 722 a.C..
O CATIVEIRO DE JUDÁ
Zedequias, o último rei de Judá, reinou cerca de 11 anos. Judá, o Reino do Sul, foi
levado para o cativeiro babilônico em quatro etapas:
605 a.C. – Nabucodonozor subjugou Jeoaquim, levou os tesouros da templo, a
descendência real, inclusive Daniel, II Cr 36.6,7.
597 a.C. – Nabucodonozor voltou e levou o restante dos tesouros e o rei Jeoaquim, e
10.000 dos príncipes, oficiais e homens principais, todos cativos à Babilônia, II Rs
24.14-16.
587 a.C. – Voltaram os babilônios, incendiaram Jerusalém, quebraram seus muros,
vazaram os olhos ao rei Zedequias e Levaram-no algemado para Babilônia com 832
cativos, deixando só um resto da classe mais pobre na região, II Rs 25.8-12; Jr 52.28-
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1° e 2° Livro de Crônicas:
Os dois livros das Crônicas trazem, na Bíblia hebraica, um título que se poderia
traduzir por Palavras (ou Atos) dos dias, isto é: livro dos atos diários referentes a uma
história ou ainda, segundo Jerônimo:
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Crônica de toda a história divina, nome que se
perpetuaria sob a forma de livros das Crônicas. Segundo
a tradução grega, o nome, longamente conservado na
tradição da Igreja, foi: Paralipômenos, palavra grega que
significa: coisas deixadas de lado, ou ainda: coisas
transmitidas à parte, termo aplicável ao conteúdo destes
livros, considerados como complementos aos livros de
Samuel e dos Reis. Com efeito, veremos que os relatos
dos livros das Crônicas retomam em grande parte os
relatos dos livros de Samuel e dos Reis, com outros
elementos complementares, numa perspectiva histórica e
teológica diferente.
A divisão em dois livros é artificial, visto que não existe corte entre eles. Em sua
origem, constituem um único livro, Crônicas mostra que o caráter deles é antes de
tudo religioso-histórico. Observe que, em Mt 23.35 e em Lc 11.51, Jesus menciona
fatos extraídos do primeiro (Gênesis: sangue de Abel) e do último livro da Bíblia
hebraica (Crônicas: sangue de Zacarias).
538 a. C. – Zorobabel, com 42.360 judeus, 77.337 servos, 200 cantores, 736 cavalos, 245
mulos, 435 camelos, 6.720 jumentos e 5.400 vasos de ouro e prata.
458 a.C. – Esdras, com 1.754 homens, 100 talentos de ouro, 750 talentos de prata, que
incluíam ofertas feitas pelo rei. Não se declara mulheres e crianças.
444 a.C. – Neemias, como governador, com uma escolta militar, veio reconstruir e fortificar
Jerusalém, às custas do governo.
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prolongou durante mais de um século. A atividade dos dois personagens principais,
Esdras e Neemias, não é mencionada em nenhum outro livro do Antigo Testamento
hebraico. Sem os dois livros que levam os nomes deles, seria muito difícil, senão
impossível, conhecer os eventos que marcaram a restauração do judaísmo após a
provação do Exílio.
Conteúdo dos livros. Distinguem-se com facilidade as diversas partes destes dois
livros:
O livro de Esdras conta inicialmente (caps. 1–6) a volta dos primeiros cativos
autorizados a retornar a Jerusalém por permissão de Ciro, rei dos persas, que acabava
de conquistar a Babilônia. Esses primeiros repatriados restabeleceram o altar sobre as
ruínas do Templo de Jerusalém , antes de reconstruir o próprio santuário , e apesar de
graves dificuldades advindas dos dirigentes regionais e dos adversários do judaísmo .
O Templo só foi inteiramente reconstruído vários anos depois, na época dos
profetas Ageu e Zacarias , sob o reinado de Dario (5,1-2).
Segundo os capítulos (7–10), após um intervalo de várias dezenas de anos,
Esdras , sacerdote e escriba, encarregado de uma missão oficial pelo rei da Pérsia,
Artaxerxes, chega a Jerusalém , onde se aflige por ver um estado de coisas bem pouco
fiel à tradição judaica, em especial por causa dos numerosos casamentos entre judeus
e pagãos. Empreende uma reforma radical neste ponto e, respaldado pelo povo,
manda os estrangeiros para fora das fronteiras da terra judaica, provavelmente
bastante restrita naquela época.
No início do livro de Neemias (caps. 1–7) o relato explica de que maneira
Neemias, alto funcionário do rei Artaxerxes, entristecido com as notícias recebidas de
seus compatriotas de Jerusalém , obtém do rei a autorização para inspecionar a capital
judaica e empreender a reconstrução da mesma, começando pela muralha. Esta será
reconstruída em cinquenta e dois dias, graças ao zelo de Neemias, obrigado ao mesmo
tempo a lutar contra inimigos e a estimular a coragem e a disciplina de todos os
habitantes.
Nos capítulos 8–9, Esdras volta ao primeiro plano dos acontecimentos e
restaura o culto e a celebração das festas em conformidade com a Lei de Moisés , que
trouxera de Babilônia .
Após diversos trechos relatando compromissos do povo, listas e a festa de
inauguração da muralha, o livro termina com uma série de reformas efetuadas por
Neemias em Jerusalém por ocasião de uma segunda estada, mais ou menos doze anos
mais tarde (caps. 10–13).
Eis, portanto, como se apresenta o plano dos dois livros:
Esdras:
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1: O edito de Ciro.
2: Lista dos deportados repatriados.
3: Restabelecimento do culto.
4,1-5: Obstrução por parte dos inimigos de Judá .
4,6-24: Troca de correspondência durante o reinado de Xerxes e Artaxerxes.
5,1–6,18: Construção da Casa de Deus .
6,19-22: A Páscoa .
7,1-10: O escriba Esdras .
7,11-28: A carta de Artaxerxes.
8,1-14: Os companheiros de Esdras .
8,15-36: Viagem de Esdras a Jerusalém .
9: Oração de humilhação de Esdras .
10,1-17: Despedida das mulheres estrangeiras.
10,18-44: Lista dos culpados.
Neemias:
1: Oração de Neemias.
2: Viagem de Neemias a Jerusalém .
3,1-32: Restauração dos muros de Jerusalém .
3,33–4,17: Obstáculos e dificuldades.
5: Injustiças sociais. Intervenção de Neemias.
6: Término da reconstrução das muralhas.
7: Recenseamento dos israelitas.
8: Leitura pública da Lei.
9: Oração de confissão dos pecados.
10: Resoluções diversas.
11: Repartição dos habitantes de Jerusalém.
12: Sacerdotes e levitas.
13: Reformas diversas, realizadas por Neemias.
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Ester:
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Purim, observada ainda hoje pelos judeus, Et 9. 20,21. Purim, termo de origem
persa“pur”, significa sorte.
Cap. 10 (A Grandeza de Mordecai) Mordecai foi grande na casa do rei, o segundo
depois deste; cada vez mais se engrandecia; sua fama estendeu-se a todas as
províncias, Et 9.4; 10.3. Isso aconteceu no reinado de Xerxes, poderoso monarca do
império persa: Judeu, seu primeiro-ministro; judia, sua esposa favorita: Mordecai e
Ester, o cérebro e o coração do palácio!
Isso preparou o caminho para o trabalho de Esdras e Neemias. Como José no
Egito, e Daniel na Babilônia, assim foram Mordecai e Ester na Pérsia.
Assim finalizamos esta síntese dos Livros históricos, muitas são as lições
advindas destes qual podemos usufruir na vida prática, sempre memorando a
imutabilidade dos princípios do Senhor!
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Os Salmos, Jó e os Provérbios, nas Bíblias hebraicas, formam um grupo à parte,
com a denominação de Livros poéticos. No uso comum, cristão e moderno, porém,
acrescentam-se-lhes também o Eclesiastes e Cântico dos Cânticos; e é frequente entre
os estudiosos gregos bem como entre os autores modernos, estender a todos o nome
de Livros poéticos. E com razão; pois o Cântico dos Cânticos e Eclesiastes são escritos
em versos como os Provérbios.
Eclesiastes possui forma poética, embora menos rigorosa.
Trata-se, portanto, de um elemento comum a todos esses livros.
São também chamados livros didáticos ou sapienciais, por falarem muito de
sabedoria; os salmos são na máxima parte de gênero lírico, sem, todavia, lhes faltar o
elemento didático; o gênero do Cântico dos Cânticos é exclusivamente o lírico. De
resto, lírico e didático são os dois gêneros de poesia cultivada pelos hebreus.
O que caracteriza toda a poesia hebraica é o chamado paralelismo.
Ordinariamente, o verso compõe-se de dois membros ou hemistíquios, que repetem
ideias e palavras que se correspondem quando aos sentidos (paralelismo sinonímico),
como, por exemplo:
“Quando Israel saiu do Egito, e a casa de Jacó do meio dum povo bárbaro, Judá ficou
sendo o santuário de Deus, e Israel o seu domínio” (Sl 114.1-2).
Poesia hebraica
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nome Psalmoi, que se aplica a algo como “poemas adaptados à música” ou “hinos
para serem acompanhados por instrumentos musicais” . A tradução em latim é
chamada Liber Psalmorum, “O Livro dos Salmos” , que é como o conhecemos hoje.
Livro de Salmos
Esboço do Livro
Algumas observações quanto ao esboço são dignas de nota: Desde os tempos antigos,
os 150 salmos são organizados em cinco livros, tendo cada um, na sua conclusão, uma
enunciação de louvor e invocação dirigida a Deus, a saber: Livro 1 – 41.13; Livro 2 – 72.19;
Livro 3 – 89.52; Livro 4 – 106.48; Livro 5 – 150.1-6. O salmo 150 não é apenas o último dos
salmos; é também uma enunciação de louvor e invocação a Deus; ele é também uma
doxologia para todo o saltério.
O título em português vem da tradução grega, Septuaginta, concluída em cerca
de 150 a.C. Psalmoi, o termo grego, significa “cânticos” ou “cânticos sagrados” e é
derivado da raiz que significa “impulso, toque”, em cordas de um instrumento de
cordas. O título hebraico é Tehillim, e significa “louvores” ou “cânticos de louvor”.
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5.Salmos de Devoção, Adoração, Louvor e Ações de graça: 8;
18; 23; 29; 30; 33; 46-48; 65-67; 75; 76; 81; 85;
87; 91; 93; 103-108; 135; 136; 138; 139; 145-150.
6.Salmos Litúrgicos: 15; 20; 21; 24; 84; 95-100; 113-118;
120-134.
(g) Salmos Imprecatórios: 35; 58; 69; 83; 109; 137.
Interpretação
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Temor e intimidade combinavam-se no entendimento que os israelitas tinham
desse relacionamento. Eles temiam o poder e a glória de Deus, sua majestade e
soberania. Ao mesmo tempo, protestavam diante dele, discutindo suas decisões e
pedindo sua intervenção. Eles o reverenciavam como Senhor e o reconheciam como
Pai.Esse senso de relacionamento especial é o que melhor explica os salmos que
amaldiçoam os inimigos de Israel. A aliança era tão estreita que qualquer inimigo de
Israel era inimigo de Deus e vice-versa. E mais, o relacionamento de Israel com Deus
era expresso num ódio feroz contra o mal, exigindo um julgamento tão severo quanto
o crime (109; 137.7-9). Mesmo essa exigência de julgamento era um produto da
aliança, uma convicção de que o Senhor justo protegeria seu povo e puniria os que
desdenhassem seu culto ou sua lei. Ao que parece, o julgamento ocorreria durante a
vida do perverso.
“O ensino de Jesus sobre o amor para com os inimigos (Mt
5.43-48) pode fazer com que os cristãos tenham dificuldades
em usá-los como oração, mas os cristãos não devem perder o
ódio pelo pecado nem o zelo pela santidade de Deus que os
originaram”. (LEWIS, 1958, p. 20).
Cantares
O título hebraico deste livro pode ser traduzido literalmente por “O Cântico dos
Cânticos”, expressão esta que significa “O Maior Cântico” (assim como “Rei dos reis”
significa “O Maior Rei”). É portanto, o maior cântico nupcial já escrito.
Salomão foi um escritor prolífico de 1005 cânticos (1Rs 4.32).
Seu nome consta no versículo inicial, que também fornece o título do livro (Ct
1.1), e em seis outros trechos do livro (Ct 1.5;3.7,9,11; 8.11,12). O escritor também
identifica-se com o noivo;
É possível que o livro tenha sido originalmente uma série de poemas trocados
entre ele e a noiva. Os oito capítulos do livro fazem referência a pelo menos quinze
espécies diferentes de animais e vinte e uma espécies de plantas. Esses dois campos
foram investigados e mencionados por Salomão em numerosos outros cânticos (1Rs
4.33). Finalmente, há referências geográficas no livro de lugares de todas as partes da
terra de Israel, o que sugere que o livro foi composto antes da divisão da nação em
Reino do Norte e Reino do Sul.
Salomão deve ter composto este livro no início do seu reinado, muito antes de
sua execrável poligamia. Liturgicamente, Cantares de Salomão veio a ser um dos cinco
rolos da terceira parte da Bíblia hebraica, os Hagiographa (“Escritos Sagrados”). Cada
um desses rolos era lido publicamente numa das festas anuais dos judeus.
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Propósito
Este livro foi inspirado pelo Espírito Santo e inserido nas Escrituras para
ressaltar a origem divina da alegria e dignidade do amor humano no casamento. O
livro de Gênesis revela que a sexualidade humana e casamento existiam antes da
queda de Adão e Eva no pecado (Gn 2.18-25). Embora o pecado tenha maculado essa
área importante da experiência humana, Deus quer que saibamos que a dita área da
vida pode ser pura, sadia e nobre. Cantares de Salomão, portanto, oferece um modelo
correto entre dois extremos através da história: (a) o abandono do amor conjugal para
a adoção da perversão sexual (isto é conjunção carnal de homossexuais ou de
lésbicas) e prática heterossexual fora do casamento e uma abstinência sexual, tida
(erroneamente) como o conceito do sexo, que nega o valor positivo do amor físico e
normal conjugal.
Desde a época do Talmude (150 a 500 d.C.) era comum entre os judeus
classificar este livro como uma música alegórica do amor de Deus por seu povo
escolhido. Seguindo esse padrão, os cristãos viram essa idéia no contexto do amor de
Cristo pela igreja. J. Hudson Taylor, seguindo o pensamento de Orígenes, encontrou aí
uma descrição do relacionamento do crente com o seu Senhor. (Union and
Communion, s.d.) É natural que a interpretação alegórica tenha encontrado adeptos
entre os homens devotos e estudiosos desde antigamente até os dias de hoje. O amor
terreno imutável é o nosso relacionamento humano mais precioso e significativo.
Sabemos que o nosso relacionamento com Deus deveria ser ao menos tão perfeito e
de tão excelente qualidade quanto esse, então empregamos as nossas melhores
ilustrações humanas na tentativa de descrever o amor e a resposta humano-divina.
Provérbios:
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“palavras do rei Lemuel”, ou melhor, de sua mãe.
Os rabinos diziam: “Ezequias e seus homens escreveram Isaías, Provérbios, Cantares e
Eclesiastes” (Baba Bathra 15ª); em outras palavras, editaram ou publicaram esses
livros. No que tange ao livro de Provérbios é duvidoso que essa declaração rabínica
esteja baseada em outra coisa além da rubrica de 25.1.
Mensagem Relevante
“...E eis que está aqui quem é mais do que Salomão” (Mt 12.42;
Lc 11.31).
Paulo falou de Cristo como a “sabedoria de Deus” (1Co 1.24; CI
2.3).
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Agur, filho de Jaque. (Pv 30.4 com Jo 3.13). E Ele relembra aqueles que, à semelhança
dos “insensatos” sem discriminação do livro de Provérbios, não reconhecem a Ele ou à
Sua mensagem de que “a sabedoria é justificada por seus filhos” (Mt 11.19).
Eclesiastes:
Poucos escritos bíblicos têm provocado gama tão grande de opiniões com
respeito ao significado como Eclesiastes. Tentar determinar o centro de sua
mensagem revela-se uma tortura e uma frustração, mas não deixa de ser também
importante. O livro nos apresenta uma caixa repleta de enigmas. Cada vez que a
abrimos temos de enfrentar de novo seu estilo, percorrer seus argumentos, decodificar
suas figuras. E ao fazer isso percebemos Deus agindo, vemos nossos problemas
humanos diminuídos, encontramos alertas contra nossas soluções simplistas.
Aguçamos nossos anseios por aquele cuja cruz e ressurreição são janelas para a
plenitude do que Deus deseja para a vida humana.
O título hebraico “Koheleth” (derivado de kahal, “reunir-se”) significa
“Pregador” ou “alguém que se dirige à uma assembleia”. O termo é usado sete vezes
nesse livro, mas não aparece em nenhum outro do Antigo Testamento. Os tradutores
gregos deram-lhe o nome de “Eclesiastes”, que significa “função de pregador”. É um
título bem apropriado, pois contém muitas características de sermão, embora não
principie por texto bíblico.
No versículo inicial de Eclesiastes, o autor se identifica como “pregador”
(koheleth). A palavra vem de uma raiz que significa “reunir”, e, assim, provavelmente
indica alguém que reúne uma assembleia para ouvi-Io falar, portanto, um orador ou
pregador. A Septuaginta usou o termo grego Ecclesiastes, que as traduções em inglês e
português transpuseram como o nome do livro. O termo designa “um membro da
ecclesia, a assembleia dos cidadãos na Grécia”. Já no início da era cristã, ecclesia era o
termo usado para se referir à Igreja.
A autoria salomônica foi aceita tanto pela tradição judaica como pela tradição
cristã até épocas relativamente recentes. Martinho Lutero parece ter sido o primeiro a
negar isso.
Interpretação:
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abordagem favorita tem sido associar a perspectiva consistentemente pessimista ao
autor inicial e explicar pontos de vista contraditórios como inserções de autores
posteriores que tentaram corrigir afirmações exageradas com o propósito de tornar o
livro mais coerente com os ensinamentos religiosos em vigor na época.
O livro de fato apresenta oscilações entre confiança e pessimismo. Mas elas
não precisam nos instigar a abandonar a convicção na unidade e integridade de
Eclesiastes. Tais oscilações não seriam uma consequência natural da luta entre a fé,
por um lado, e os interesses pelos assuntos mundanos, por outro, tanto no coração do
próprio Salomão como na vida centrada na terra que o livro retrata? Barton escreve:
“Quando um homem contemporâneo percebe quantos conceitos diferentes e estados
de humor ele pode ter, descobre menos autores em um livro como Koheleth” (1908, p.
162).
Se este livro representa a luta de uma alma com dúvidas sombrias, também revela o
comportamento de um homem que notou o lado positivo das coisas. Apesar de sua
atitude pessimista, a vida é tão preciosa quanto um “copo de ouro” (12.6), e a resposta
final ao sentido da vida é: “Teme a Deus e guarda os seus mandamentos” (12.13).
Organização
O Livro de Jó
Embora o nome do autor nunca venha a ser conhecido por nós, algumas
qualidades desse homem podem ser determinadas por meio do livro que ele escreveu.
Quem quer que ele tenha sido, foi uma das maiores figuras literárias do mundo.
Qualquer lista de grandes obras-primas na área da literatura certamente incluirão livro
de Jó. Na verdade, muitos a colocariam no topo da lista. Alfred Tennyson descreveu o
livro de Jó como o maior poema dos tempos antigos e modernos e Thomas Carlyle
disse que não existe nada dentro ou fora da Bíblia com o mesmo valor literário.
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Historicidade do Livro
Com frequência, alguns perguntam: Será que Jó é um homem real? Ou, será
que o livro de Jó é uma história real?
Estas duas perguntas não precisam receber a mesma resposta.
Que houve um Jó com a reputação de retidão é fato atestado por uma
referência a ele em Ezequiel 14.14. É muito provável que a narrativa básica do livro
tenha sido fundamentada em uma personagem real com esse nome.
Não precisamos com isso, no entanto, presumir que o livro de Jó está
descrevendo um acontecimento histórico do começo ao fim. Somente por meio de
revelação especial o autor poderia ter acesso à informação concernente às duas cenas
no céu descritas nos capítulos 1 e 2. Além disso, é evidente que o prólogo prepara o
terreno para o debate que o autor tem em mente. O diálogo entre os amigos está em
forma poética altamente estilizada, muito diferente de um debate espontâneo.
Esses e outros fatores têm levado à opinião geral de que a narrativa básica do
livro é uma história antiga de um homem real que sofreu imensamente. Um autor
anônimo usou esse material para discutir o significado do sofrimento humano e o
relacionamento de Deus com ele. Esse autor realizou um trabalho esplêndido.
O livro de Jó é um livro universal porque se dirige a uma necessidade universal
– a agonia do coração humano torturado pela angústia e pelas muitas aflições a que a
carne é sujeita.
Para o afirmar bastar-nos-ia o testemunho de uma mulher que, ao morrer de
um cancro, declarava que o livro de Jó falava à sua alma como nenhum outro livro da
Bíblia. Ao testemunho dos grandes sofredores se têm juntado as vozes de grandes
cristãos e grandes poetas num coro de admiração pelas verdades que o livro transmite,
por vezes, através da mais elevada poesia. Lutero afirmava que o livro de Jó era
“magnífico e sublime como nenhum outro das Escrituras”.
Tennyson chamava-lhe “o maior poema de todos os
tempos – antigos e modernos”.
Qual é, então, a mensagem do livro, como se dirige ele à grande necessidade
universal?
O livro denuncia, de maneira notável, a insuficiência dos horizontes humanos
para uma compreensão adequada do problema do sofrimento. Todas as figuras do
drama falam com o desconhecimento absoluto das alegações de Satanás contra a
piedade de Jó, descritas no prólogo, e da consequente permissão divina – a permissão
concedida a Satanás, de provar, se puder, a exatidão das suas acusações. Com o
prólogo como pano de fundo, os sofrimentos de Jó aparecem, portanto, não como
irrefutável prova de castigo divino, como pretendiam os amigos, mas como prova de
confiança divina no seu caráter. Devemos evitar o uso de linguagem que possa fazer
supor que um Deus onisciente necessitava de uma demonstração da integridade do
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Seu servo para pôr termo a uma pequena dúvida que surgira na Sua mente; mas
podemos encontrar na história a sugestão daquela verdade de que “agora vemos por
espelho, em enigma”. Jó e os seus amigos tentavam resolver um problema para o qual
lhes faltavam elementos; era como se procurassem formar a figura de um quebra-
cabeça sem possuírem todas as peças. Consequentemente, o livro de Jó é um
eloquente comentário à insuficiência da mente humana para reduzir a complexidade
do problema a fórmulas simples e acessíveis. É um livro em que o homem silencioso, o
homem que se cala, realiza mais do que o que discorre e o que discursa (Cfr. 2.13;
13.5).
Mas o autor, que recomenda, sem dúvida, a humildade perante o sofrimento,
jamais advoga o desespero. Ele crê num Deus que pode satisfazer a necessidade
humana. O aparecimento dos homens que vêm aconselhar Jó conduz à controvérsia, à
desilusão e ao desespero; a revelação de Deus promove a submissão, a fé e a
coragem. A palavra do homem é impotente para penetrar a escuridão da mente de Jó;
a palavra de Deus traz luz e luz eterna. O Deus da teofania não responde a nenhuma
das questões tão calorosamente debatidas em todo o livro; mas satisfaz a necessidade
do coração de Jó. Não explica cada fase da batalha; mas torna Jó mais do que
vencedor nessa batalha.
Como os restantes livros do Velho Testamento, Jó anuncia-nos Cristo. Surgem
problemas e ouvem-se grandes soluços de agonia a que só Jesus pode responder. O
livro toma o seu lugar no testemunho de todas as idades e de todos os tempos: no
coração humano existe um vazio que só Jesus pode preencher.
Jó é um dos livros sapienciais e poéticos do Antigo Testamento; “sapiencial”,
porque trata profundamente de relevantes assuntos universais da humanidade;
“poético”, porque a quase totalidade do livro está elaborada em estilo poético. Sua
poesia, todavia, tem por base um personagem histórico e real (Ez 14.14,20) e um
evento histórico e real (Tg 5.11).
Reflexão
A fidelidade a Deus não é garantia de que o crente não passará por aflições,
dores e sofrimentos nesta vida (At 28.16).
Na realidade, Jesus ensinou que tais coisas poderão acontecer ao crente (Jo
16.1-4,33; 2Tm 3.12). A Bíblia contém numerosos exemplos de santos que passaram
por grandes sofrimentos, por diversas razões e.g., José, Davi, Jó, Jeremias e Paulo.
Por que os crentes sofrem? São diversas as razões por que os crentes sofrem.
O crente experimenta sofrimento como uma decorrência da queda de Adão e
Eva. Quando o pecado entrou no mundo, entrou também a dor, a tristeza, o conflito e,
finalmente, a morte sobre o ser humano (Gn 3.16-19). A Bíblia afirma o seguinte: “Pelo
que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também
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a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram” (Rm 5.12). Realmente, a
totalidade da criação geme sob os efeitos do pecado, e anseia por um novo céu e nova
terra (Rm 8.20-23; 2Pe 3.10-13). É nosso dever sempre recorrermos à graça, fortaleza e
consolo divinos (1Co 10.13).
Certos crentes sofrem pela mesma razão que os descrentes sofrem, e
consequência de seus próprios atos. A lei bíblica “Tudo o que o homem semear, isso
também ceifará” (Gl 6.7) aplica-se a todos de modo geral. Se guiarmos com
imprudência o nosso automóvel, poderemos sofrer graves danos. Se não formos
comedidos em nossos hábitos alimentares, certamente vamos ter graves problemas de
saúde. É nosso dever sempre proceder com sabedoria e de acordo com a Palavra de
Deus e evitar tudo o que nos privaria do cuidado providente de Deus.
O crente também sofre, pelo menos no seu espírito, por habitar num mundo
pecaminoso e corrompido. Por toda parte ao nosso redor estão os efeitos do pecado.
Sentimos aflição e angústia ao vermos o domínio da iniquidade sobre tantas vidas (Ez
9.4; At 17.16; 2Pe 2.8).
É nosso dever orar a Deus para que Ele suplante vitoriosamente o poder do pecado!
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