2. ed. rev. e atual.
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Chagas, José Roberto O.
C433c Curso de capacitação teológica. 2. ed. rev. e atual. /José
Roberto O. Chagas. -- Campo Grande-MS: Kenosis, 2012.
412 p.
ISBN 978-85-64401-15-0
1. Teologia 2. Teologia - Prática cristã
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MódulO 11:
HISTÓRIA
DA IGREJA:
SÍNTESE HISTÓRICA,
BÍBLICA E TEOLÓGICA — DA IGREJA
PRIMITIVA À IGREJA IMPERIAL
11.1. O Papel Indispensável
do Estudo da História da Igreja
ij
P
esquisar sistematicamente a trajetória da Igreja, desde o seu
nascedouro até os dias atuais, pode se constituir uma tarefa laboriosa
e enfadonha, ou pode ser uma viagem prazerosa e enriquecedora.
Independente do trabalho árduo e da possível satisfação oriunda das descobertas
durante a pesquisa, é imprescindível estudar, com esmero, a História da Igreja.
Por hora, devido o espaço disponível, enfocaremos apenas o marco temporal
que vai desde a origem da Igreja Primitiva à Igreja Imperial (ou Pré-Medieval).
Há dados vitais nesta periodização especificada. Antes, porém, presumo ser
indispensável corroborar a importância da História, sobretudo seu papel salutar
na religião judaico-cristã. Espero que esta breve iniciação à História da Igreja
desperte o interesse de quem estudará esta matéria.
346
oBJeTIVos DesTA DIsCIPLInA
Nesta disciplina de iniciação à História da Igreja, pretendo abordar as
seguintes questões:
1. A provável origem da Igreja Primitiva.
2. Os principais fatores responsáveis pelo seu crescimento integral.
3. Como viviam os primeiros súditos de Jesus Cristo.
4. Quais eram as características primordiais da liderança apostólica.
5. De que maneira os primeiros cristãos reagiram diante das perseguições.
6. Quais elementos influenciaram a expansão do Evangelho ainda nos
primeiros séculos, etc.
7. Finalmente, no desfecho desta disciplina, após investigar sucintamente
o período de glória da Igreja Cristã, mostrarei também como a mesma, apesar
de ter conquistado tamanhas vitórias, entrou em vergonhosa decadência. A
Igreja, ironicamente, enquanto esteve sob intensa perseguição revolucionou o
mundo de sua época, todavia, quando aliou-se ao Estado e passou a receber dele
auxílio para manter e expandir sua causa, caiu em desgraça. E a Igreja hodierna
não caminha na mesma direção; a mesma história não estaria se repetindo mais
uma vez?
o QUe É “HIsTÓRIA”?
Há quem diga que o estudo do passado fornece parâmetros para o
entendimento do presente e conjecturas sobre o futuro.1 Vamos então estudar
a História, neste caso, da Igreja.
Mas o que é História?
ViGNA, Mayre B. C. & MASUKo, Marcos H. (coord./org.). META - Manual de ensino e técnicas avançadas. São Paulo:
1
Didática Paulista, 2006, p.22.
347
História é a narração metódica dos fatos políticos, sociais, econômicos e culturais
notáveis na vida dos povos e da humanidade em geral.2 É a ciência que estuda a
vida humana através do tempo,3 define Gilberto Cotrim. Para Silveira Bueno é
a narração crítica dos fatos da humanidade.4 Já os historiadores Carlos G. Mota
e Adriana Lopes sintetizam que a História é a disciplina que nos informa sobre
a vasta aventura da experiência humana.5 Henri Marrou disse que a história é o
conhecimento do passado humano; para Gabriel Monod significa o conjunto das
manifestações da atividade e do pensamento humanos, considerando sua sucessão,
seu desenvolvimento e suas relações de conexão ou dependência.6
DIVIsÃo CLÁssICA DA “HIsTÓRIA”
A História, por razão didática, tem sido dividida em períodos. A divisão clássica
é: 1) Idade Antiga, 2) Idade Média, 3) Idade Moderna e 4) Idade Contemporânea.
1. Idade Antiga — inicia-se aproximadamente em 4000 a.C., com o
advento da escrita, e estendendo-se até a queda de Roma em 476 d.C.
2. Idade Média — inicia-se em 476 e estende-se até 1453, quando
termina a Guerra dos Cem Anos e a cidade de Constantinopla cai diante dos
turcos otomanos.
3. Idade Moderna — inicia-se em 1453 e estende-se até 1789 (Revolução
Francesa).
4. Idade Contemporânea — inicia-se em 1789 e estende-se até nossos dias.
2
roDriGUES, Izabel C. M. (coorda.). Minidicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: Rideel, 2001, p.181.
3
CoTriM, Gilberto. História & reflexão. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.10.
4
BUENo, Silveira. Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Didática Paulista, 1999, p.481.
5
MoTA, Carlos G. & loPEZ, Adriana. História & civilização. São Paulo: Ática, 1995, p.2.
6
ViGNA, Mayre B. C. & MASUKo, Marcos H., op. cit., p. 22.
348
A História Geral é indispensável à sociedade, pois para acelerar as mudanças
essenciais em direção a um mundo melhor e mais justo é preciso conhecer o
passado, as raízes do mundo atual, usando-o como farol esclarecedor do presente.7
E atinente a História da Igreja, reitero também sua relevância atualmente: ela
pode ser estudada com outras divisões, não com menos interesse.
o noCIVo DesPReZo À HIsTÓRIA
Embora exista quem diga que pesquisar a história do Cristianismo é coisa
de crente que não tem coisa mais importante para fazer, cristãos maduros
deveriam apreciar grandemente a História,8 sobretudo quando ela envolve
suas crenças, seus ensinos e sua vivência. Mas esse desprezo à História não está
restrito ao senso comum. Pastores e pastoras, teólogos, teólogas e estudantes
de Teologia, curiosamente não veem muito sentido no estudo da História
Eclesiástica em um centro de formação teológica.9
Há várias razões para o cristão se interessar pela História, Geral e Eclesiástica:
1. O Deus judaico-cristão é o Deus da História.10
2. A Bíblia, pilastra normativa da crença, doutrina e vivência dos
cristãos, é a junção da revelação de Deus na História.11
3. O próprio dado religioso se constrói na História, em meio aos
fenômenos sociais, políticos e econômicos.12
4. Existe também, no paradigma da Teologia Disciplinar, uma Teologia
Histórica, essencial à Teologia Prática/Ministerial/Pastoral,13 à Teologia
Bíblica,14 e à Teologia Sistemática.15
7
ViCENTiNo, Cláudio. 2. ed. História geral. São Paulo: Scipione, 1992, p.8.
8
In: MACArThUr, John [et al.]. Pense biblicamente. São Paulo: Hagnos, 2005, p. 400.
9
DrEhEr, Martin N. A igreja no império romano. 7. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2009, p.7.
10
hoUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005, pp.114-120.
11
hArriS, R. Lairds. Introdução à Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2005.
12
D’ArAújo Filho, Caio Fábio. A igreja que transforma. 2. ed. São Paulo: Sepal, 1998, p.18.
13
loPES, Edson [et al.]. Fundamentos da teologia pastoral. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.
14
MirANDA, Valtair. Fundamentos da teologia bíblica. São Paulo: Mundo Cristão, 2011, p.12.
15
In: oliVA, Alfredo dos S. [et al.]. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2006, pp.18,19.
349
o QUe É “TeoLoGIA HIsTÓRICA”?
Teologia Histórica é, em síntese, uma divisão do estudo da Teologia que
procura entender e delinear como a igreja interpretou as Escrituras e desenvolveu
as suas doutrinas ao longo da história, desde o tempo dos apóstolos até o presente;16
enfoca especialmente o desenvolvimento histórico da doutrina e dá ênfase as
variações sectárias e o distanciamento da verdade bíblica que apareceram durante a
era cristã. Ela, em síntese, abrange: 1) História da Igreja; 2) História das Missões,
3) História dos Credos e das Confissões; 4) História das Doutrinas.17
Essa amplitudes de temas que a Teologia Histórica engloba é indispensável
inclusive à Teologia Sistemática (mas não está a ela restrita), cujo sistema de
conceitos depende das contribuições provenientes da História da Igreja.18
e o QUe É “HIsTÓRIA DA I GReJA ”?
A palavra história, de origem grega, vem de histor — aquele que sabe,
que conhece, conhecedor da lei, juiz. Cientificamente pode ser definida como a
narração metódica dos principais fatos ocorridos na vida dos povos, em particular, e
na vida da humanidade, em geral.19
Para Cairns, autoridade nesta tematização, História da Igreja é “o relato
interpretado da origem, progresso e impacto do Cristianismo sobre a sociedade
humana, baseado em dados organizados, reunidos pelo método científico a partir de
fontes arqueológicas, documentais ou vivas”.20
Matos, Doutor em História da Igreja, reitera:
16
GrENZ, Stanley [et al.]. Dicionário de teologia. São Paulo: Vida, 2002, p.130.
17
BENTho, Esdras C. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, pp.23,24.
18
FErrEirA, Franklin. Teologia cristã: uma introdução à sistematização das doutrinas. São Paulo: Vida Nova, 2011, p.25.
19
ANDrADE, Claudionor C. Dicionário teológico. 11. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, pp.175,176.
20
CAirNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.16.
350
A história da Igreja é a mais ampla das disciplinas que trata do
passado cristão. É o estudo da caminhada e do desenvolvimento
da Igreja através dos séculos, em muitas áreas diferentes:
missões e expansão geográfica; culto, liturgia e sacramentos;
espiritualidade e vida cristã prática; estrutura e forma de
governo; pregação, arquitetura e arte sacra; relacionamento
com a sociedade, a cultura e o Estado. Enfim, pode-se afirmar
que a história da Igreja[...] inclui tudo o que a Igreja faz no
mundo, sendo [...] um estudo e uma narrativa de eventos,
personagens e movimentos. Inclui o que hoje se denomina
história institucional e história social.21
FACes DeFoRMADAs DA I GReJA
Estudar a História da Igreja deveria ser um objetivo de todos os cristãos.
Primeiro, porque seus conhecimentos seriam enriquecidos; afinal, quem se
interessa pela investigação histórica aprenderá sobre Geografia,22 História
Geral,23 Economia,24 Psicologia,25 Filosofia,26 Sociologia,27 Linguística,28
Ciências Jurídicas,29 etc. Segundo, porque um conhecimento consistente pode
levar a uma vivência correta e abençoadora.
Doravante, no afã de tentar delimitar a Igreja e apresentar sua face real,
muitas anomalias eclesiológicas foram articuladas e disseminadas entre os
povos. E o Brasil não é exceção. Aqui também existem deformações.
21
MAToS, Alderi S. Fundamentos da teologia histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p.15.
22
FillioN, Jean-Claude. Enciclopédia da vida de Jesus. 2. ed. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2008.
23
GoNZÁlEZ, Justo. Ensaios sobre a história da igreja. São Paulo: Hagnos, 2010, pp.32-37.
24
rEiMEr, Ivoni R. [et al.]. Economia no mundo bíblico. São Leopoldo: Sinodal, 2006.
25
ColliNS, Gary R. Aconselhamento cristão. São Paulo: Vida Nova, 2004, pp.15-24.
26
BroWN, Colin. Filosofia e fé cristã. São Paulo: Vida Nova, 2007.
27
STArK, Rodney & BAiNBriDGE, William S. Uma teoria da religião. São Paulo: Paulinas, 2008.
28
BArClAY, William. Palavras chaves do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2009.
29
oliVEirA, Regis F. O direito na Bíblia. São Paulo: Bompastor, 2005.
351
O próximo passo é tentar definir o que é Igreja, afinal esta uma disciplina
de iniciação à História da Igreja. Sobre História, tanto seu uso comum quanto
teológico,30 já esboçamos algumas pistas. Vamos em seguida tentar definir
“igreja”. Esta é uma tarefa complexa. A Igreja, ou o Cristianismo, teve várias
faces31, diferentes rostos durante sua notável evolução histórica.32
o QUe É “IGReJA”?
DeFInIÇÕes eCLesIoLÓGICAs BAsILARes
J. Scott Horrel explica que o termo igreja é proveniente do grego,
ekklesia, literalmente, “os chamados para fora”. Tanto no uso clássico como na
Septuaginta significa “reunião”, “assembleia oficial”, “congregação”, ou “grupo
de soldados, exilados, religiosos ou anjos”. Das 115 ocorrências da palavra
referida nas páginas do Novo Testamento, pelo menos 111 referem-se à igreja
cristã, sendo usada 23 vezes em Atos, 62 vezes nas cartas de Paulo, 20 vezes
no Apocalipse, etc. Horrel ainda aponta pelo menos quatro usos de ekklesia
relacionados à igreja cristã nos escritos neotestamentários:
Reunião — De vez em quando, descreve um culto, um encontro ou
conjunto de cristãos (1 Co 11.18; 14.4, 19, 28, 34). A ênfase não recai sobre um
lugar ou prédio, mas a um agrupamento de pessoas com o propósito de cultuar
e ter comunhão, juntos; nesse sentido, quando a reunião termina a ekklesia
não existe mais.
Igreja local — Contrasta com a ideia anterior; o foco está no povo,
nas pessoas e não na reunião; o uso mais numeroso desta palavra é para uma
congregação ou comunidade local de cristãos (At 8.1; 11.22, 26; Rm 16.1), etc.
30
GoNZÁlEZ, Justo L. Breve dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2009, pp.160,161.
31
MAGAlhÃES, Antonio. Uma igreja com teologia. São Paulo: Fonte Editorial, 2006, pp.15-21.
32
WAChholZ, Wilhelm. História e teologia da Reforma. São Leopoldo: Sinodal, 2010, p.13.
352
Cristãos de uma região — Esclarece o referido teólogo que ekklesia
ocasionalmente envolve a totalidade de cristãos numa área geográfica — ex. “a
igreja da Ásia” (At 1 Co 16.19), “igrejas da Galácia” (Gl 1.2), etc. Embora tal
definição esteja próxima da seguinte, seu uso abrange todas as igrejas locais de
uma região; nessa acepção o termo igreja não pensa em distinções doutrinárias
ou organizacionais, contudo em proximidade geográfica.
O Corpo de Cristo. Aqui está o significado mais profundo, a expressão
mais marcante e extraordinária de ekklesia: a Igreja universal, o Corpo de Cristo, o
organismo espiritual composto de todos os regenerados através da fé em Jesus Cristo.33
Martins justifica que a palavra Igreja vem de ekklesia, originária do verbo
kalein, que significa “chamar”. Entre os gregos ela se referia a uma assembleia
do povo convocada regularmente para algum lugar público a fim de deliberar
sobre algum assunto, sem sentido religioso. Já no Antigo Testamento o termo
hebraico para as assembleias dos hebreus é kahal (Dt 23.1-3; Ne 13.1; Lm
1.10), e tem conotação religiosa; a Septuaginta, não raro, traduziu kahal por
ekklesia. Martins também diferencia a Igreja universal da Igreja local; a primeira
“é o conjunto de todo o povo de Deus em todos os séculos, o total dos eleitos, incluindo
os do Antigo Testamento” ou “todo o povo de Deus no mundo em determinada época
na história”; já a segunda “é uma comunidade de pessoas que pela fé e obediência
estão unidas a Cristo, e, organizadas, promovem o Seu Reino”.34
Algumas características de ekklesia: era a assembleia local, autônoma e
soberana em relação às cidades, democrática, com marcas peculiares ao alvo
da convocação, etc.35 Já uma ótima exegese teológica, gramatical, histórica e
sociológica sobre a igreja está disponível num livro Esdras C. Bentho.36
33
horrEl, John S. A essência da igreja. São Paulo: Hagnos, 2006, pp.36-41.
34
MArTiNS, Jaziel G. Manual do pastor e da igreja. Curitiba: A.D. Santos Editora, 2002, pp.5,6.
35
FAlCÃo SoBriNho, João. A túnica inconsútil. Rio de Janeiro: JUERP, 1998, p.15.
36
BENTho, Esdras C. Igreja: identidade & símbolos. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
353
Michael Dusing explica que ekklêsia originalmente denotava “um grupo de
cidadãos chamados e reunidos, visando a um propósito específico”. No entanto, com
acerto meritório, Dusing exorta que realmente não importa se os termos usados
são os hebraicos qahal/‘edah, ou os gregos, sunagõgê/ekklêsia — o significado é
indelevelmente o mesmo: a Igreja consiste naqueles que foram chamados para
fora do mundo, do pecado e da vida alienada de Deus, os quais, mediante a obra
de Cristo na sua redenção, foram reunidos como uma comunidade de fé que
compartilha das bênçãos e responsabilidades de servir ao Senhor.37 E esse servir ao
Senhor inclui o retorno ao mundo, do qual o pecador foi salvo pela graça de
Deus e sacrifício de Cristo, para proclamar o Evangelho transformador àqueles
que ainda estão nas trevas, sob a dominação do pecado e oprimidos por Satanás
e suas hostes espirituais da maldade.
QUAnDo A I GReJA “nAsCeU?”
Está claro que a Igreja não é uma organização mercantilista, nem mero
balcão de faturamento; ela é um organismo vivo do qual Jesus Cristo é o
cabeça! Qualquer análise bíblico-teológica séria caminhará nesta direção. Por
mais que se estude é impossível negar que a Igreja fundada por Jesus Cristo traz
certas marcas indeléveis.
Há alguns aspectos da Igreja que devem ser investigados na Eclesiologia,
que estuda a doutrina da Igreja. Porém, devido a ausência da referida disciplina
neste módulos do Curso de Capacitação Teológica, presumo ser oportuno
ressaltar alguns pontos importantes para melhor aproveitamento deste estudo.
Para alguns, a Igreja sempre existiu na mente e no coração de Deus,
ou seja, a Igreja foi projetada no coração de Deus, depois formada através
do ministério de Jesus Cristo e, finalmente, confirmada, no Pentecostes, com
poder glorioso, pelo Espírito Santo.
37
In: horToN, Stanley M. [et al.]. Teologia sistemática. 3. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, pp.536,537.
354
Goppelt, renomado teólogo alemão, com vistas à atividade histórica de
Jesus, questiona se ele realmente queria uma igreja; parece que é a rejeição
do chamado ao arrependimento por parte de Israel que leva ao surgimento da
Igreja, escreve; já em Mt 16.17-19 o nascimento da Igreja é vaticinado por
Jesus Cristo como um evento futuro, ou seja, ela não será reunida já durante
o tempo terreno de Jesus, e de acordo com a comissão (Mt 28.19), a Igreja
surge quando o Ressurreto e Glorificado envia seus discípulos para fazerem
discípulos de todas as nações.38
Nichols explica que em certo sentido, a Igreja nasceu quando Jesus
chamou seus primeiros discípulos, embora se diga que a sua história iniciou no
dia de Pentecostes, que seguiu-se à ressurreição, quando teve começo a vida
ativa da Igreja.39
O Dr.Merril F. Unger concorda que o Pentecostes sinalizou o nascimento
da Igreja.40
O Dr. Hörster afirma que, entre outras coisas, a primeira parte do livro de
Atos dos Apóstolos realça como nasceu a Igreja e como ela vivia.41
A respeito da origem da Igreja, apesar das opiniões opostas, a maioria
dos estudiosos parece crer que as evidências bíblicas são favoráveis ao dia
de Pentecostes, em At, para a inauguração da Igreja.42 No sentido cristão, a
Igreja apareceu pela primeira vez em Jerusalém, após a ascensão de Jesus.43
No entanto, também é certo que o conceito de igreja faz parte da revelação
progressiva nas Escrituras; embora não pareça correto falar de “igreja”
plenamente desenvolvida no Antigo Testamento, o conceito de “povo de
Deus” mostra o início de ideias centrais que externam a natureza da Igreja.44
38
GoPPElT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Teológica, 2002, pp.458, 459, 461.
39
NiCholS, Robert H. História da igreja cristã. 13. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, pp.29,30.
40
UNGEr, Merril F. Manual bíblico Unger. São Paulo: Vida Nova, 2006, p.458.
41
hÖrSTEr, Gerhard. Introdução e síntese do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 1996, p.66.
42
in: horToN, op. cit., p.538.
43
DoUGlAS, John D. [et al.]. O novo dicionário da Bíblia. 3. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2006, p.608.
44
FErrEirA, Franklin & MYATT, Alan. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p.945.
355
Fisher destaca três fases na vida da Igreja: pré-natal — neste, tem a
presença corporal de Cristo; infância — está vivendo como que sob a tutela do
Filho de Deus, contudo preparando-se para ter vida independente; maturidade
— tem o seu corpo de doutrinas, possui oficiais e se mostra apta para dirigir-se.
Strong afirma sua possível existência em “germes”, isto é, em processo longevo
de gestação, antes do Pentecostes.45
A PRÁTICA CÚLTICA nA CoMUnIDADe De FÉ PRIMITIVA
Independente das discussões acerca da origem exata da Igreja, há consenso
quanto as suas principais características no período primitivo.
Primeiro, é digno de nota que o Cristianismo surgiu a partir um rabino
itinerante que pregou e realizou milagres durante três anos e meio nas
redondezas do subjugado Israel; e hoje, confirmam alguns pesquisadores, são
milhares de pessoas com um único objetivo de vida: seguir o referido rabino,
ou seja, o Senhor e Salvador Jesus Cristo.46
Segundo, nas primeiras décadas, após a ascensão de Jesus, a Igreja estava
circunscrita à cidade de Jerusalém; era apenas um pequeno grupo de crentes
vivendo numa grande comunidade pagã.47 Entre as suas marcas estavam: a
adoração a Deus, propagação do Evangelho, conduta retilínea, edificação das vidas
transformadas por Jesus mediante a operação do Espírito Santo, compromisso
com a ação social (cuidado dos órfãos, das viúvas, dos doentes, etc.), abolição de
distinções (sociais, econômicas, culturais), etc. Estudiosos deduzem, a partir de
análises das cartas de Paulo, tais como as destinadas à igreja de Corinto, que no
início havia pelo menos duas formas de culto: um público e outro restrito.
45
FErrEirA, Ebenézer S. Manual da igreja e do obreiro. 8. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1995, pp.31,32.
46
KENNEDY, D. James & NEWCoMBE, Jerry. E se Jesus não tivesse nascido? São Paulo: Vida, 2003, p.14.
47
NiCholS, op. cit., p.32.
356
No primeiro, a comunidade cristã, segundo a direção do Espírito Santo,
fazia orações, ministrava ensinos, cantava Salmos (mais tarde surgiram
os hinos cristãos), lia e explicava as Escrituras do Antigo Testamento (e,
posteriormente, incluíram as cartas dos apóstolos), citava atos e ensinos do
Mestre, o entusiasmo tinha livre expressão (até resultava em certa desordem).
Nessas reuniões era admitido pessoas estranhas, isto é, que ainda não haviam
se tornado cristãs; elas, comumente, quando tocadas pelo Espírito Santo,
confessavam os pecados e entregavam a vida a Jesus Cristo.
No segundo culto, acontecia uma refeição comum, repleta de júbilo e
amor, apenas com a participação dos fiéis. Cada um, segundo suas posses,
trazia a sua parte da alimentação que era generosa e alegremente repartida
entre todos; na mesma ocasião, celebrava-se a Ceia do Senhor. Outra prática
comum nos cultos primitivos era o levantamento de ofertas para o sustento da
obra missionária48 e beneficência (1 Co 16.2).
o CResCIMenTo InTeGRAL DA I GReJA ,
eM ATos Dos APÓsToLos, seGUnDo o DR. oRLAnDo CosTAs
A Igreja foi paulatinamente tendo maior visibilidade. E nada parecia detê-la.
De um lado os apóstolos faziam milagres e maravilhas, impactando a população.
Do outro, o crescente grupo convertido a Cristo, logo era integrado à comunidade
cristã, já repleta de multidões de fiéis; ela estava cheia de temor, coesa, unida;
repartia suas posses, vendia propriedades e bens para dividir o dinheiro conforme
a necessidade de cada um. Lucas diz que nenhum carente havia na Igreja, pois os
que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e
depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a quem tinha necessidade
(At 4.34,35). A Igreja, assim, cresceu...integralmente.
48
NorTh, Gary. Sacrifício e domínio. Brasília: Monergismo, 2009, p.16.
357
O Dr. Orlando Costas,49 pensador singular, identifica, de At 1.12 a 8.3, o
crescimento da Igreja em quatro dimensões imprescindíveis:
Orgânica — desenvolvimento interno da comunidade de fé: forma de
governo, estrutura financeira, liderança, etc. (At 1.25,26; 2.44, 46, 47; 6.1-7...).
Diaconal ou encarnacional — intensidade do serviço que a igreja presta
ao mundo, como prova irrefutável do amor redentor de Deus: grau de participação
na vida, conflitos, temores e esperanças da sociedade, ajudando a aliviar a dor
humana e a transformar as condições sociais, etc. (At 2.45; 3.6; 4.32-35)...
Conceptual — está relacionado à fé e à identidade da Igreja: grau de
consciência que a comunidade eclesial tem a respeito da sua existência e razão de
ser, sua compreensão da fé cristã, etc.; a espiritualidade é elemento imprescindível
para fomentar tal crescimento (At 1.14; 2.42, 47; 3.1; 4.24), etc.
Numérica — relacionada com a incorporação de novos crentes à
comunidade como resultado da pregação e da ação da Igreja: reprodução que o
povo de Deus experimenta ao proclamar o Evangelho, chamando homens e
mulheres ao arrependimento de seus pecados e à fé em Cristo como Senhor
e Salvador de suas vidas e também incorporando numa comunidade local de
crentes aqueles que respondem positiva e afirmativamente, inserindo-os na
luta do reino de Deus contra o exército do mal (At 2.41,47; 4.4; 5.14), etc.50
esTAGnAÇÃo e PeRseGUIÇÃo À I GReJA
Apesar do crescimento integral, a Igreja, em certo momento, também
cometeu alguns equívocos. Talvez tenha esbarrado exatamente na própria
eficiência e eficácia, afinal, quando o sucesso não é bem administrado converte-
se em sutil armadilha. Foi assim com vários líderes bíblicos.
49
CAlDAS, Carlos. Orlando Costas. São Paulo: Vida, 2007.
50
BArro, Jorge H. De cidade em cidade. 2. ed. rev. Londrina: Descoberta, 2006, pp.107-112.
358
John Maxwell escreveu sobre tal perigo.
Nunca se contente em ter atingido o seu alvo; não repouse
em seus louros. A história está repleta de pessoas que embora
tenham conquistado grandes coisas, perderam sua visão.
Quando Alexandre o Grande tinha uma visão conquistou
países, quando a perdeu, não pôde conquistar sequer uma
garrafa de licor. Enquanto Davi tinha uma visão, conquistou
Golias; quando perdeu sua visão, não pôde sobrepujar sua
própria luxúria. Enquanto Sansão tinha uma visão, pôde
vencer muitas batalhas; quando perdeu sua visão, não pôde
vencer sua batalha com Dalila. Enquanto Salomão tinha uma
visão, foi o homem mais sábio do mundo; quando perdeu
o sonho que Deus lhe havia dado, não pôde controlar suas
próprias paixões por mulheres estrangeiras. Enquanto Saul
teve uma visão, pôde conquistar reis; quando perdeu sua
visão, não pôde conquistar seu próprio ciúme. Enquanto
Noé teve uma visão, ele pôde construir uma arca e ajudar a
preservar a raça humana nos trilhos; quando perdeu sua visão
ficou bêbado. Enquanto Elias teve uma visão, pôde orar para
que fogo descesse do céu e cortou a cabeça dos falsos profetas;
quando perdeu seu sonho, fugiu de Jezabel. É o sonho que nos
mantém jovens; é a visão que nos mantém caminhando.51
Pode-se dizer que com a Igreja também foi assim. Cresceu orgânica,
diaconal, conceitual e numericamente em Jerusalém, mas parece que se
esqueceu, momentaneamente, dos outros campos aos quais deveria levar a
semente (Jo 4.35).
51
MAXWEll, J. C. Seja tudo o que você pode ser! São Paulo: Sepal, 2002, pp.76, 77.
11.2. A Expansão e a
Decadência da Igreja Cristã
ij
A
Igreja enviada a pregar ao mundo inteiro se contém sublimada,
perplexa, atrapalhada, embebedada com a graça de Deus, perde
o caminho, não sabe mais onde o mundo está; em Jerusalém
ela germina e se arraiga, mas também se comunitariza, se fecha, se apequena e
se esquece do mundo pagão perdido.52 Esta certamente é a visão que se tem da
comunidade de fé primitiva, pouco tempos após o retorno de Jesus Cristo aos
céus, para reassumir seu lugar de honra, ao lado do Pai. Mas a tranquilidade dos
cristãos não seria permanente. Finalmente, como registra Atos dos Apóstolos,
explode uma onda de perseguição, sem precedentes, forçando a Igreja que
“estava em Jerusalém” (At 8.1) a tomar uma posição.
52
D’Araújo Filho, Caio Fábio. O sopro do Espírito. Niterói: Vinde, p.14.
360
Diante de tal situação, a igreja poderia se desencavernar, sair da sua zona
de conforto e levar o Evangelho à Judéia, à Samaria e aos confins da terra (At
1.8), ou seria assolada por Saulo, o perseguidor, cuja animosidade e ostracismo
ao Cristianismo eram evidentes: entrava de casa em casa, arrastava os cristãos
e os jogava na cadeia.
McNair cita os efeitos da perseguição:
• Espalhou os crentes e resultou em propagação do Evangelho.
• Separou os genuínos dos meramente “interessados”.
• Despertou os corações dos verdadeiros crentes.
• Fortaleceu esses crentes no seu testemunho do Evangelho.53
O crescimento da Igreja foi de tal impacto nas décadas iniciais que numa
carta que Plínio, governador da Bitínia, escreveu a Trajano, declarou que os
templos dos deuses estavam abandonados, lançados às moscas, enquanto os
cristãos em toda parte reuniam multidões.
O pequeno grupo de Jesus levou sua mensagem, em apenas alguns anos, a
todo o mundo conhecido na época, estabelecendo igrejas nos grandes centros
da Grécia, Ásia Menor, Egito, e até na capital do Império Romano.54
Scott assevera que o Cristianismo tinha-se estabelecido em Roma no
reinado de Cláudio — 25 anos depois da morte de Jesus; Paulo ao lhe escrever,
manda saudações a muitas pessoas e famílias, provando seu êxito ali e que não
era obra recente.55
A Igreja não é um clube ou um ajuntamento social; ela é uma realidade
espiritual.56 A Igreja nasce de Deus e, por isso, não é obra de nenhum homem;
ela não se organizou — nasceu.57
53
MCNAir, S. E. Bíblia explicada. 10. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1994, p.393.
54
DrANE, John. A Bíblia: fato ou fantasia? São Paulo: Bompastor, 1994, p. 123.
55
SCoTT, Benjamin. As catacumbas de Roma. 9. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1991, p.67.
56
CAlDAS, Carlos. Fundamentos da teologia da igreja. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p.15.
57
MirANDA, Gessé. Igreja cristã em ação. Campinas (SP): ICI, p. 57.
361
Também não era um balcão de faturamento, um nicho lucrativo, embora
o recolhimento de ofertas liberais e voluntárias para suprir carências reais e
específicas fosse uma prática cúltica comum.58
Nas primeiras décadas, sacerdócio não era negócio, vocação não era
profissão, igrejas não eram empresas, pastores não eram gestores, crentes não eram
clientes! Por isso ela cresceu orgânica, diaconal, conceitual e numericamente,
tanto em Israel quanto em outras nações. Essa realidade, todavia, foi mudando
aos poucos. E, de certa forma, para pior.
o PReLÚDIo DA TeRRÍVeL
DeGRADAÇÃo esPIRITUAL DA I GReJA
A deterioração espiritual de qualquer igreja não acontece subitamente. É
um processo, às vezes, moroso. A Igreja Cristã não foi exceção. Sua ruína foi
progressiva, sua degradação paulatina.
Os cristãos primitivos não concebiam a igreja como um lugar de culto
como se faz hoje; antes, se reuniam em casas (At 12.12; Rm 16.5, 23; Cl
4.15; Fm 1-4), no templo (At 5.12), auditórios públicos de escolas (At 19.9)
e nas sinagogas, até quando foram permitidos (At 14.1,3; 17.1; 18.4). O lugar,
naquela época, não era tão importante como o propósito de encontro para
comunhão uns com os outros e para culto a Deus.59
Sua preocupação inicial era com a adoração autêntica a Deus,
evangelização dos perdidos, edificação dos salvos e ação social para dirimir a
dor, atenuar ou erradicar o sofrimento que fustigava as pessoas, principalmente
que estavam aderindo a fé cristã. Não estava circunscrita ao templo judaico,
tanto é que após a sua destruição, em 70 d.C., a marcha prosseguiu; não parou
com a devastação da suntuosa edificação.
58
loPES, Hernandes D. Dinheiro: a prosperidade que vem de Deus. São Paulo: Hagnos, 2009.
59
CAirNS, op. cit., p.70.
362
PAZ ReLATIVA enTRe A I GReJA e o esTADo
O conflito entre Igreja e Estado é tema presente na história do Cristianismo.
Embora houvesse desacordo com alguns grupos religiosos, a princípio a relação
entre cristãos e a população não era necessariamente hostil. Seu estilo de
vida, aliás, produziu uma nova aparência para os de fora — eles contavam,
assim, com a simpatia do povo (At 2.47).60 A influência e respeito nos quais
os discípulos são vistos lhes dão a oportunidade de testemunhar,61 afinal uma
igreja cristã saudável atrai as pessoas para Cristo.62
Havia também certa harmonia entre cristãos e as autoridades legalmente
constituídas. A fé cristã, em seus primórdios, não foi adversa à autoridade.63 Os
cristãos não eram anarquistas. Jamais se rebelavam contra os governantes por
interesses pessoais, como faziam certos grupos revolucionários. Essa postura
favorecia a relação amistosa entre Igreja e Estado.
Por outro lado, é evidente que a paz relativa que a Igreja Cristã tinha
desfrutado naqueles primeiros anos era resultado (também) da percepção das
autoridades romanas de que os cristãos eram uma seita do Judaísmo, uma religião
reconhecida por lei romana.64
Existia, porém, um fator que ameaça a suposta tranquilidade: o culto ao
imperador. A referida “liturgia”, oriunda da Babilônia, Pérsia e Egito, chegou
às raias da loucura. Até então os cristãos não eram obrigados a tal prática
cúltica porque viviam à sombra dos judeus; não havia, aos olhos do povo e das
autoridades, diferença entre Cristianismo e Judaísmo.
60
BArro, Jorge H., op. cit., pp.108,112.
61
In: ArriNGToN, French L. [et al.]. Comentário bíblico pentecostal. 4. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p.641.
62
BÍBliA DE ESTUDo DE APliCAÇÃo PESSoAl. Rio de Janeiro: CPAD, 2004, p.1482.
63
DrEhEr, Martin N., op. cit., p.51.
64
In: ArriNGToN, op. cit., p.899.
363
Quando a diferença entre os dois segmentos religiosos tornou-se evidente,
a era da hostilidade aflorou. A Igreja, então, precisou escolher entre ser leal a
Cristo ou a César. Não houve dúvida. A comunidade de fé exteriorizou sua fé
em Jesus. E a resposta imperial veio a seguir: severas perseguições. Ela, porém,
não recuou. O sangue dos fiéis mártires a fertilizou, irrigou-a, a fê-la germinar
e crescer ainda mais. Os cristãos sofreram imensuráveis perdas, mas o Estado
perdeu a batalha, afinal a Igreja, até nas perseguições, mostrava-se mais forte
do que o adversário.65
ConsTAnTIno, o GRAnDe
A Igreja, mesmo perseguida, logrou grandes vitórias. O problema é que
ela não aprendeu a se sair bem em tempos de prosperidade. Os cristãos diante
das acentuadas perseguições imperiais, quando acusados de serem antisociais,
desleais, marginais, ateus, anárquicos, antropófagos e incendiários, eram fiéis
a seu Senhor, morriam por suas crenças. Nas épocas de bonança, contudo,
se corrompiam com enorme facilidade! Que ironia! Veja como a Igreja se
comportou quando a intensidade do conflito com o império dirimiu.
Flávio Valério Cláudio Constantino nasceu em 27 de fevereiro,
provavelmente após o ano 280 d.C. Alguns estudiosos dizem que ele era filho de
Constantino Cloro (membro da tetrarquia criada pelo imperador Diocleciano)
com uma princesa britânica (outros alegam que foi com a concubina Elena).
Fox afirma que Constantino era bom e virtuoso filho de um pai igualmente
cheio de virtudes, e nasceu na Inglaterra, sendo sua mãe Elena, filha do rei
Coilo. O príncipe generoso e gentil, desejoso de cultivar a educação e as belas
artes, sempre lia, escrevia ou estudava.66
65
ViGNA & MASUKo, op. cit., pp.41,42.
66
FoX, John. O livro dos mártires. 4. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.36.
364
Outros certificam que ele nasceu na Grã-Bretanha, a mãe era uma
princesa britânica, e o pai, muito estimado pela sua justiça e moderação. 67
Em 25 de julho de 306 d.C., com a morte do pai, as suas legiões aclamaram-
no imperador, embora precisasse lutar vários anos para ser reconhecido como
Augusto. Sua trajetória marcou uma nova era na história da Igreja, pois na
gestão dele preparou-se o caminho para que a fé cristã se tornasse a religião
oficial. Isto ocorreu em 380 d. C., com o batismo do imperador Teodósio I.68
A conversão dele do paganismo à religião cristã ainda é tema de
altercação. Pretendia ser o único governante do vasto império e sabia que
jamais alcançaria tal propósito sem a Igreja. Assim, suspeita-se que sua opção
pelo Cristianismo, a princípio, foi de caráter político.
Os escritores sagrados nem sempre defendem a mesma ideia sobre tal
assunto. Todavia se ele se converteu pode-se afirmar que não foi antes de
marchar contra Maxêncio, quando, segundo comenta-se, impressionado
pela força de uma profecia (Mt 24.30), viu ou pensou ter visto um fenômeno
extraordinário no céu.69
Para acentuar ainda mais o medo de Constantino, seu rival, além de
sagaz, parece que usava feitiçaria e encantamentos. Diante de tais fatos ele
ficou consternado. Não sabia que ajuda teria contra a feitiçaria de seu astuto
êmulo. Já nas contiguidades da cidade, ao olhar para o céu viu nas bandas
do sul, quando o sol se punha, um grande resplendor no firmamento, que
parecia uma cruz, com esta inscrição: In hoc vince, isto é: vence por meio disto.
A suposta visão o atordoou. Sob juramento repetiu várias vezes que era coisa
certa e verdadeira o que vira.
67
KNiGhT, A. & ANGliN, W. História do cristianismo. 9. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1998, p.53.
68
VASCoNCEloS, Yuri. “O triunfo da cruz”. In: Revista Aventuras na História. São Paulo: Abril, ed. 16, dezembro de 2004,
pp.34,35.
69
DoMiNoNi, Antônio. Surpreendente cruz. Londrina: Descoberta, 1999, p.75.
365
A seguir reuniu seus homens para discutir o significado do fenômeno.
Naquela mesma noite Cristo lhe apareceu em sonhos, com o sinal da mesma
cruz que dantes vira, e convidou-o a tomá-la como signo, e a levá-la em suas
guerras; assim, seria vitorioso sempre. Quanto ao seu inimigo, morreu afogado
quando uma ponte ruiu. O incidente foi visto como intervenção divina.
No decorrer de duas guerras contra os rivais para se firmar no
trono e dominar todo o Ocidente, pouco ao norte de Roma,
entre seus inimigos e a cidade estava a ponte Múlvia, sobre o
rio Tibre. Nesse lugar, durante um sonho, na noite anterior à
batalha, pareceu-lhe ver uma cruz, com a inscrição: “Por este
sinal vencerás”. Ao amanhecer o dia, mandou pintar este sinal,
às pressas, sobre o seu elmo e nos escudos dos seus soldados.
Em certo sentido combateu na qualidade de cristão e ganhou
a batalha. Com esta vitória, no dia 28 de outubro de 312 d.C.,
Constantino passou a crer que o Deus dos cristãos lhe havia
dado a vitória.70
AÇÕes De ConsTAnTIno
BenÉFICAs À “IGReJA” CRIsTÃ
O Dr. T. B. Maston justifica que a atitude inicial da Igreja Primitiva foi
de renunciar ao mundo e não de reformá-lo, logo sua mensagem era mais
de juízo do que de redenção. Essa atitude mudou. Ela perdeu parte da sua
esperança escatológica, fortaleceu-se a tendência do movimento cristão para
chegar às altas camadas, e a influência das novas gerações de cristãos ganhou
terreno, alterando o posicionamento inamistoso da Igreja com relação ao
mundo.
70
APoSTilA DE hiSTÓriA DA iGrEjA. Sem. Teol. Paulo L. Macalão, Brasília (DF), p.11.
366
Mudanças mais significativas ocorreram especialmente com a ascensão
de Constantino ao trono. Através dele, a pacificação se tornou relativamente
completa e o poder do Estado foi usado para protegê-la e realizar o seu
programa. As intermitentes perseguições cessaram quase que em caráter
definitivo; as relações harmônicas entre a Igreja e o mundo se estabeleceram.
O Cristianismo, ao fazer a paz com o mundo, foi reconhecido pelo Estado,
primeiro como uma religião oficial e depois, a religião oficial.71
Os feitos benéficos durante a gestão de Constantino foram vários. A
perseguição, para citar exemplo, que durante quase 300 anos testou severamente
a unidade da Igreja e a fé dos seus membros,72 foi por ele suplantada. Há uma
voraz perseguição que merece destaque.
Acredita-se que uma das mais intensas perseguições de toda a história do
povo de Jesus Crito foi desencadeada pelo imperador Diocleciano, um homem
tirano, soberbo e selvagem. Galerio, filho adotivo/genro do referido monarca,
odiava os cristãos; não suportava vê-los crescer em quantidade e em riquezas;
logo, apoiado por sua mãe, uma fanática e seus comparsas — sacerdotes
pagãos e mestres de filosofia — incentivou o ímpio imperador a persegui-los
furiosamente.
Nos editos reais publicados constavam da destruição de todas as igrejas
e dos escritos sagrados (possivelmente instigado pelos filósofos), detenção
de todos os que pertencessem às ordens clericais, reivindicação de que todos
os cristãos em qualquer condição em toda parte do império oferecessem
sacrifício e voltassem a adorar os deuses, sob pena de morte em caso de
recusa, etc.
71
MASToN, T. B. A Igreja e o mundo. 3. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1997, pp. 11-19.
72
MirANDA, Gessé, op. cit., p. 79.
367
Durante perseguição implacável ora em foco, exemplares da “Bíblia”
foram queimados; templos construídos em todo o império durante meio
século, destruídos; pessoas pertencentes às ordens clericais eram presas e sem
chance de liberdade se não negassem o Cristianismo; outras sentenciadas à
morte por não adorar os deuses pagãos; cristãos, eram exilados dentro dos
templos e depois ateavam fogo. O imperador, inclusive, erigiu um monumento
com esta inscrição: “Em honra ao extermínio da superstição cristã”. Todavia,
finalmente, aqueles dias sombrios cessaram.
Os imperadores Constantino e Licínio divulgaram o Edito de Milão,
documento que conferia liberdade de culto.73 Também, talvez num surto de
liberalidade, decidiu favorecer de todos os modos os cristãos; deu-lhes os
principais cargos, isentou ministros cristãos de impostos e do serviço militar;
ajudou na construção de igrejas; encomendou Bíblias para as igrejas de
Constantinopla, sob a direção de Eusébio; proibiu o adultério, o concubinato
e que os senhores matassem os escravos, baniu o suplício da cruz, etc. A época
de bonança finalmente chegou!
A religião de Cristo saindo como do deserto e das prisões, finalmente
tomou posse do mundo. Era possível ver a cruz nas estradas principais, nos
íngremes cumes dos montes, nos fundos barrancos e nos vales distantes, nos
tetos das casas e nos mosaicos dos sobrados.
O lábaro com o monograma de Cristo “levantando-se acima do dragão
vencido” aparecia nas moedas de Constantino; o culto e o nome de Jesus se
exaltaram acima dos deuses vencidos do paganismo; a administração do estado
e dos negócios civis foi reunida com o governo da igreja; o imperador romano
presidia os concílios eclesiástico e ainda tomava parte nos debates; logo, se
tornou também o principal da igreja.74
73
BETTENSoN, H. Documentos da igreja cristã. São Paulo: Aste/Simpósio, 1998, pp.49,50.
74
KNiGhT, A. & ANGliN, W., op. cit., p.54.
368
nAsCe A oPULenTA IGReJA IMPeRIAL
Especialistas em história da Igreja dizem que do edito de Constantino, em
313 d.C., até à queda de Roma em 476 d.C. é a fase da Igreja Imperial. Foi, sem
dúvida, um período de “crescimento aparentemente miraculoso”, observou o
respeitado sociólogo Rodney Stark.75 No entanto, apesar da bonança e das
conquistas materiais, foi também um período trágico para a espiritualidade das
comunidades de fé.
A Igreja, naquela época, alterou o culto, a adoração e o testemunho; já
era, então, bem diferente da comunidade cristã primitiva. A Igreja outrora
perseguida, conquistou o império.76
Constantino, apesar dos atos bárbaros que praticou já sendo reconhecido
como cristão, era festejado em toda parte como o salvador. Até os teólogos
da corte o veneravam. Como recebiam privilégios do imperador, tais como
isenção de impostos, julgamentos especiais e, é claro, sustento financeiro,
viam-no apenas como “um anjo do Senhor vindo do céu”; era amado porque,
também, além de sancionar o episcopado monárquico, deu-lhes regalias.77
Iniciou-se ainda as perseguições aos pagãos, ocorrendo assim muitas
conversões falsas. O Cristianismo, por outro lado, se tornou a religião do status
quo. Todos queriam ser membros da Igreja e quase todos eram aceitos. Gente
mundana e ambiciosa desejava postos na Igreja para, assim, obter influência
social e política. Com a demanda frenética para aderir a fé estatal, o clero logo
viu que tinha nas mãos um grande nicho e passou a explorá-lo, não raro em
benefício pessoal.
75
STArK, Rodney. O crescimento da igreja. São Paulo: Paulinas, 2006.
76
lYrA, Sérgio P. R. “O ministério leigo: uma perspectiva histórico-missiológica”. In: Kohl, M. W. & BArro, A. C.
Ministério pastoral transformador. Londrina (PR): Descoberta, 2006, p.164.
77
DrEhEr, pp.61,62,66.
369
A ConsTRUÇÃo De TeMPLos
MeGALoMAnÍACos, PARA DeUs, eVIDenTeMenTe
A partir de Constantino multiplicaram-se em pouco tempo os lugares
dedicados ao culto. Souza explica que a generosidade do imperador e de sua
família favoreceu a construção de outros edifícios: em Jerusalém, o magnífico
conjunto do Santo Sepulcro; em Constantinopla, além dos templos pagãos
restaurados, ou templos novos, destaca-se a Igreja dos Doze Apóstolos, no
interior do qual ele mandou preparar o seu túmulo. Assim, as reuniões que
antes aconteciam nas casas, passaram a se concentrar nos templos e aos poucos
foi se consolidando a mentalidade de um lugar santo, sagrado, morada de Deus
como acontecia no Antigo Testamento.
Mais: a realização da eucaristia nos lares foi proibida na reunião de
sínodo acontecida em Laodicéia entre 360 e 370 d.C.; bispos e anciãos foram
proibidos de oferecer os sacrifícios nos lares; desde então o templo passou a
ser sinônimo de igreja, prevalecendo a tendência inicial de substituir as igrejas
domésticas, sob a liderança de cristãos comuns, por igrejas particulares, estas
governadas pelo bispo autoritário.78
Horrel reitera que a partir de 312 d.C., com o sucesso e a suposta conversão
de Constantino, a religião oficial do Império Romano tornou-se a cristã. Assim,
financiados pelos impostos do império, foram construídos catedrais e centros
cristãos de porte nunca imaginados.79
Pelo menos dois fatores fundamentais podem ter impossibilitado a Igreja
de edificar templos no primeiro século:
1. A pobreza.
2. Perseguição.80
78
SoUZA, Mathias Q. Cortina Rasgada. Londrina: Ministério Multiplicação da Palavra, 2005, pp.103-105.
79
horrEl, op. cit., p.86.
80
NiCholS, p.33.
370
Quando Constantino se tornou cristão, houve uma grande
mudança da adoração subterrânea nas catacumbas e das igrejas
nas casas para as catedrais. A igreja nas casas, que tinha sido
o símbolo de comunidade e espiritualidade, desapareceu da
corrente principal da vida e estrutura da igreja; [...] parte do
movimento monástico e alguns grupos sectários continuaram
com a igreja nas casas como uma tradição paralela.81
Em suma, a Igreja não tinha posses nem templo para celebrar seus cultos,
porém foi capaz de abalar as estruturas do Império Romano com sua mensagem
e testemunho de vida. Porém, com a conversão de Constantino, o Cristianismo
passou a receber auxílio financeiro do Estado para a construção de suntuosos
templos e o próprio clero passou a ser remunerado pelos cofres públicos.
A Igreja, aliou-se, então, ao Império, contra o qual deixou também
de exercer a função profética de denúncia e de reivindicação,
pois o Estado começou, a partir daí a beneficiá-la.82
A oRGAnIZAÇÃo LoCAL DA I GReJA CRIsTÃ
Jesus Cristo fez mais do que dar organização à Igreja; ele a criou como
um organismo vivo e lhe deu vida abundante. Apenas recomendou a ela
ritos religiosos simples, como batismo, a Ceia do Senhor, a proclamação do
Evangelho,83 etc. Outrossim, de maneira resumida, pode-se afirmar sem
nenhuma aporia que a igreja local existe certamente para ser uma comunidade
de adoração, comunhão, ensino, serviço e testemunho.84
81
MANUAl Do AUXiliAr DE CÉlUlA. 3. ed. Curitiba: Ministério Igreja em Células, 1999, p.19.
82
In: BArro, Jorge H. [et al.]. Uma igreja sem propósitos. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 157.
83
BrAKEMEiEr, Gottfried. Panorama da dogmática cristã. São Leopoldo: Sinodal/ESTE, 2010, pp.97-115.
84
FErrEirA, Franklin, op. cit., p.190.
371
A Igreja é um organismo e precisa de organização. Em nosso País, a título
de exemplo, as igrejas estão inseridas em uma modalidade de instituições85
ou associações, ao lado de entidades relativamente similares86 com direitos e
deveres amplos. Não se pode, portanto, ignorar sua dimensão organizacional.
A Igreja em Jerusalém descobriu isso logo em seu estágio inicial. Já falamos
sobre o crescimento orgânico que envolve liderança, formas de governo, etc.
Ainda ratificamos a liderança de Pedro nesta fase da igreja (At 1.15), a escolha
de Matias para preencher a vaga no ministério e apostolado, do qual Judas se
transviou (At 1.26), a criteriosa escolha dos sete (At 6.1-7), etc.87
Porém a cooperação entre as igrejas no período apostólico não era
institucionalizada: não havia associações formais, convenções, juntas, ordens
de pastores, estatutos, regimes internos, normas de procedimento, auditoria e
tudo o mais que hoje conhecemos; mas havia amor, confiança, responsabilidade
mútua pelo cumprimento da missão dada por Jesus; depois a cooperação foi
sendo institucionalizada em vários formatos.88
A Igreja Primitiva não tinha um governo episcopal-sacerdotal monárquico.
Era liderada por gente simples, chamada e capacitada pelo Espírito. Não havia
elite de profissionais especializados para prestar assistência à comunidade de
fé. Essa realidade, porém, mudou.
o sURGIMenTo Do CLeRo
Décadas depois, vendo ameaçada a pilastra doutrinária, exigiu que o
bispo defendesse as igrejas com mais vigor. Iniciou a construção de uma forma
de governo que desembocaria no episcopado monárquico. Para Brunner, foram
o declínio espiritual e o sacramentalismo os reais motivos para essa mudança.89
85
GoNÇAlVES, Carlos R. Direito civil brasileiro. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pp.247,248.
86
DiNiZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva: 2005, pp.228-248.
87
BArro, Jorge H., 2006, pp.107,108.
88
FAlCÃo SoBriNho, João. A túnica inconsútil. Rio de Janeiro: JUERP, 1998, p.117.
89
BrUNNEr, Emil. O equívoco sobre a igreja. São Paulo: Novo Século, 2000, pp.94-99.
372
As altercações pelo poder logo ganharam terreno. Clemente, bispo de 91-
100 d.C., envolveu-se num problema particular da igreja em Corinto; Aniceto,
154-168 d.C., tentou, sem êxito, fazer com que Policarpo, bispo de Esmirna,
mudasse a data da celebração da Páscoa; Vítor (190-202 d.C.) foi mais além:
achou-se no direito de ameaçar de excomunhão às igrejas orientais devido ao
mesmo problema(?), mas foi censurado por Irineu, bispo de Lião, e Polícrates, bispo
de Éfeso, que também ratificou a independência de sua autoridade. Tertuliano,
de Cartago, ficou horrorizado quando Calixto, bispo romano (218-223 d.C.),
baseado em Mt 16.18, falou como se fosse o Bispo dos bispos; por tal insanidade
foi nomenclaturado de usurpador. A ideia, na época, lhe pareceu absurda.
Cipriano, bispo de Cartago, respondeu à altura as objeções que Estevão
I, bispo de Roma (253-257 d.C.) fez acerca de algumas práticas batismais da
Igreja situada ao norte da África; além de negar-lhe submissão, asseverou que
cada bispo era supremo em sua própria diocese.
No século III, quando Constantino declarou que o Cristianismo seria,
virtualmente, a religião oficial do Império Romano, a Igreja se tornou uma
instituição de prestígio irrefutável e o ofício do bispo foi engrandecido ainda
mais. Já o povo, isto é, o leigo, foi se tornando apenas uma classe diferente
e inferior de membro.90 O bispo, para o povo, tinha a autoridade divina
inquestionável que o capacitava a ensinar a verdade sem erros, poder divino
para declarar os pecados perdoados, depois o único cabeça da igreja local...
A Igreja ficou cada vez mais institucionalizada e independente do poder
e orientação do Espírito. Nascia, assim, a Igreja Católica Romana. Roma ainda
era a egrégia sede do governo do Império, logo, dava ao seu bispo, certo grau
de importância; quando deixou de ser o centro do poder político, tornou-se
uma potência religiosa. Os resultados estão na História da Igreja.
90
lYrA, Sérgio P. R., op. cit., p.164.
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MInHAs AnoTAÇÕes
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