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Matrizes Do Pensamento Iv: Fenomenologia Existencial E Humanista

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MATRIZES DO

PENSAMENTO IV:
FENOMENOLOGIA
EXISTENCIAL E
HUMANISTA
Fenomenologia e
existencialismo na
prática psicoterápica
Priscila Neves Moreira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Relacionar a fenomenologia de Edmund Husserl e Martin Heidegger.


> Reconhecer as principais ideias de Jean-Paul Sartre e suas contribuições
para a prática psicológica.
> Descrever a aplicação dos principais conceitos da fenomenologia e do
existencialismo na prática psicoterápica.

Introdução
A fenomenologia é uma corrente filosófica dos séculos XIX e XX que permanece
importante até os dias atuais. Entre seus principais expoentes estão Edmund
Husserl e Martin Heidegger, porém tem sido aprimorada por diversos pesqui-
sadores ao longo da história.
Na psicologia, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir
uma mudança de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possi-
bilidades de intervenção. O existencialismo é mais um fruto dessa rica tradição
que incorpora novos elementos na reflexão psicológica aliada à filosofia.
Neste capítulo, você vai conhecer a fenomenologia e seus conceitos pri-
mordiais em Edmund Husserl, passando para as contribuições feitas por seu
discípulo, Martin Heidegger. Em seguida, abordaremos o existencialismo sar-
triano e as críticas que ele estabeleceu à forma de se fazer psicologia na época.
2 Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica

Finalmente, exemplificaremos a aplicação da psicoterapia fenomenológica


existencial, abrindo novas possibilidades de atuação profissional.

A fenomenologia em seus conceitos iniciais


— Husserl e Heidegger
Todo novo conhecimento parte de uma postura crítica em relação a algo que
já existe. Não é diferente com a fenomenologia. Essa área do conhecimento
filosófico parte de uma postura crítica de Edmund Husserl à forma de se fazer
filosofia em sua época. Husserl (1859–1938) lançou as bases para a fenomeno-
logia como a conhecemos hoje e, por isso, analisarmos sua trajetória e seus
principais conceitos é de suma importância.
A princípio, a fenomenologia não nasce na psicologia, mas das preocu-
pações filosóficas de Husserl, filósofo alemão, que desejava encontrar uma
forma rigorosa de fazer ciência. Ele acreditava que havia duas formas de se
conhecer uma coisa, ou um objeto, o que quer que seja: a atitude natural e
a atitude antinatural.
A atitude natural, geralmente praticada pelo senso comum, toma as coisas
que aparecem como verdades inquestionáveis. Dessa forma, os objetos e as
coisas em geral são o que são, como estão postas no mundo. Têm-se, assim,
a crença em noções preestabelecidas e verdades universais. Por outro lado,
têm-se a atitude antinatural característica da fenomenologia, que não se
detém nos conceitos preestabelecidos, mas busca “deixar-se tomar pelas
coisas da maneira como elas aparecem” (FEIJOO, 2011, p. 415).
Para Husserl, as coisas não são acabadas em si mesmas; antes, existem na
experiência, no encontro ou no fenômeno. É no fenômeno, no acontecimento,
que um objeto pode ser experimentado e conhecido (HOLANDA, 1997; NAS-
CIMENTO, 2005). É possível ler uma enciclopédia inteira sobre as definições
de sorvete, a história da fabricação e seus componentes químicos; contudo,
nenhum conhecimento preestabelecido pode se equiparar à experiência do
encontro do paladar humano com o sorvete. E esse encontro nunca será o
mesmo para cada pessoa, sempre será um fenômeno singular e subjetivo.
Esse breve exemplo ilustra a diferença das duas atitudes, uma baseada em
verdades preconcebidas e a outra baseada no encontro singular.
A atitude antinatural, ou atitude fenomenológica, ocorre por meio da
epoché. Esse conceito husserliano designa o movimento de suspensão, ou
colocar entre parênteses as verdades pressupostas e preconcebidas sobre
a realidade. É a suspensão dessa atitude natural, colocando em xeque a
Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica 3

ideia de que as coisas têm verdade em si mesmas, para além da experiência


subjetiva (NASCIMENTO, 2005).

A Fenomenologia é um esforço, uma tentativa de clarificação da realidade humana.


É uma abertura à experiência, à vivência integral do mundo. É a busca do fenômeno,
daquilo que surge por si só, daquilo que aparece, que se revela. Fenomenologia
é ir às coisas mesmas, descobri-las tais quais se apresentam aos meus sentidos,
tais quais eu as percebo. Mas é um ir em busca aliado à minha própria experiência
subjetiva concreta. É um olhar e ver, não apenas uma colocação diante de algo. É
participação, envolvimento. Assim sendo, a Fenomenologia toma-se um modo de
existir, de se colocar no mundo, de fazer parte deste mundo. Neste contexto, temos
o ser humano também como um fenômeno (HOLANDA, 1997, p. 37).

Ao contrário do que ocorre das ciências ditas objetivas, todo e qualquer


fenômeno estudado não deve ser avaliado desconectado do mundo em que
ele existe e da consciência que pensa sobre ele. A fenomenologia parte da
consideração de que as coisas só existem inseridas em um mundo próprio e
para as consciências que refletem sobre elas. Sendo assim,

O que é colocado em parênteses não é negado, mas perde o caráter de absoluto


e inquestionável e de validade, que lhe é atribuído na atitude natural e passa a
valer como fenômeno de consciência. Na atitude fenomenológica propiciada pela
epoché, o modo de visão do mundo sofre uma transformação radical: deixa-se
de aceitar a evidência da existência das coisas, ao contrário, deixo de lidar com
o mundo físico [...] e passo a lidar com o “mundo da consciência”, formado pelas
vivências do sujeito (NASCIMENTO, 2005, p. 37).

A fenomenologia de Husserl dedicava-se ao método da pesquisa científica;


por meio da epoché e da atitude fenomenológica, ele acreditava ser possível
construir conhecimento de forma rigorosa, indo ao centro da questão, co-
nhecendo as coisas e o mundo a partir da relação que estabelecem entre si
e com a própria pessoa que observa e estuda. Sua teoria foi complementada
por seu aluno, Martin Heidegger (1889–1976), filósofo também alemão que
trouxe grandes contribuições à fenomenologia.

As contribuições do discípulo — Heidegger


e sua fenomenologia hermenêutica
Com Martin Heidegger, a fenomenologia ganha novas preocupações e novos
conceitos. Tendo estudado teologia, Heidegger se interessou pela hermenêu-
tica, palavra originária do grego “hermeneia” que significa “interpretação” ou
“interpretar”, ou seja, tornar algo compreensível (NASCIMENTO, 2005).
4 Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica

Heidegger interessava-se pelas questões ontológicas, ou seja, relativas ao


ser das coisas. Dessa forma, em sua fenomenologia hermenêutica, o filósofo
busca as interpretações da existência, ou seja, como o existir se traduz ou se
torna compreensível no mundo.
Em Heidegger, o mundo é indissociável do ser. O ser-aí ou ser-no-mundo
não é algo predefinido, ou uma verdade universal, antes toda e qualquer
existência é apenas um modo possível de ser, assim como cada interpretação
também é apenas aquela possível de acontecer.

[...) ser-aí não deve ser interpretado pela diferença de um modo determinado de
existir. É preciso descobri-lo pelo modo indeterminado em que, de início e na maior
parte das vezes, ele se dá: na medianidade, ou seja, na indiferença cotidiana do
existir. Acaba, assim, por chegar à estrutura fundamental do ser-no-mundo. O
caráter de abertura diferencia-o dos demais entes, cuja existência encontra-se
fechada (FEIJOO, 2011, p. 416).

Ser-aí é sempre uma indeterminação. Nesse ponto, a fenomenologia hei-


deggeriana diferencia-se da husserliana, pois nem mesmo com a atitude anti-
natural é possível chegar a uma determinação fechada, pois o ser não se fixa
em uma realidade estática, ele está em condição constante de indeterminação.
Nesses primeiros tópicos, você viu os principais conceitos da fenomenologia
husserliana e heideggeriana. Essa nova proposta de se fazer filosofia serviu de
inspiração para muitos outros pensadores da época e seguiu sendo aprimorada.
A seguir, veremos uma dessas contribuições feitas pelo filósofo Jean-Paul Sartre.

Jean-Paul Sartre e o existencialismo


Jean-Paul Sartre (1905–1980) foi um importante filósofo e pesquisador da
psicologia. Muito influenciado pela fenomenologia de Husserl, Sartre criticava
a forma de fazer psicologia em sua época e desejava contribuir para que uma
nova perspectiva de estudo e prática psicológicas fosse possível.
Sartre parte da noção de “retorno às coisas mesmas” originado em Husserl
para estudar sistematicamente a psicologia e rever seus métodos.

Criador de uma nova teoria psicológica, Sartre apresenta [...] uma proposta de
método de investigação da realidade humana. Nela traz como aspecto central da
compreensão do homem a questão acerca da escolha fundamental que o sujeito
faz de si mesmo, a qual se revela em todos seus atos, pensamentos, sentimentos,
concretizando-se no chamado “projeto de ser”. Essa psicanálise forneceria às
ciências em geral condições de compreender, de forma objetiva, o movimento do
homem no mundo, de captar o seu “ser”. Formula, assim, uma proposta metodo-
lógica capaz de viabilizar aquela que passaria a ser reconhecida como a psicologia
existencialista (SCHNEIDER, 2011, p. 20).
Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica 5

Como pode-se perceber, a questão do ser também passa a ser central na


psicologia existencialista de Sartre, que se preocupa mais com a noção que o
próprio ser humano tem de si, por meio de suas experiências de vida, do que
as noções preestabelecidas de ser humano que vinham sendo construídas
na psicologia da época.

Segundo Sartre, a forma mais rigorosa de entender a realidade humana seria partir
da compreensão de sujeito singular em seu campo social, em seu movimento efetivo
no mundo, em sua inserção em uma classe social em dada estrutura produtiva,
de sua relação com o contexto antropológico de uma certa época histórica, assim
como sua relação com a atmosfera humana do ambiente a que pertence [...] , no
meio de outros homens singulares, pois somente através desses dados consegui-
ríamos sacar à luz a dialética humana. Sartre declara [...] que o existencialismo a
fim de permanecer científico e heurístico [...] partirá de situações singulares para
compreender o universal e de situações universais para compreender o singular
(SCHNEIDER, 2011, p. 20–21).

Tem-se, portanto, uma relação de codependência entre o que é conside-


rado singular e aquilo considerado universal. O ser humano é essa existência
que acontece em meio a esses dois elementos, de forma ininterrupta. Tentar
dissociar esses elementos é impedir que se possa compreender a existência
de forma rigorosa.
O tema da liberdade é de grande importância para conhecer o existen-
cialismo de Sartre. Para ele, o ser humano é liberdade, o que significa que

[...] ele é o sujeito de sua própria história (engendrando aquilo que designou como
compromisso ontológico), ao mesmo tempo em que é também sujeito da história
da humanidade (desdobrando-se no compromisso político), constituindo-se, dessa
forma, no produtor da realidade social, da qual, dialeticamente, é também produto
(SCHNEIDER, 2011, p. 168).

A participação política e social do sujeito é parte integrante de sua exis-


tência, uma vez que não há como considerar a vida humana fora da cultura
e da comunidade em que é inserida. Sendo assim, ao mesmo tempo em que
o ser humano é afetado pelos elementos culturais, sociais e econômicos ao
seu redor, ele também pode afetar esses elementos.
Em meio a restrições e possibilidades que o mundo e a sociedade ofere-
cem, o sujeito exerce sua liberdade. Liberdade é uma condição inerente ao
ser humano na perspectiva de Sartre.
É na condição de liberdade que o ser humano se faz sujeito de si e de sua
história. Esse processo ocorre simultaneamente à formação social e política
do indivíduo que também opera como agenda para formar sua sociedade.
6 Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica

Para o homem, ser é escolher-se e essa escolha se dá como ação no mundo.


Portanto, ser é agir − a liberdade é nossa ação sobre o mundo. Ao escolher-me, ou
seja, ao realizar minha liberdade, que sempre se situa em direção a um fim, defino
as significações do mundo para mim (SCHNEIDER, 2011, p. 169).

A escolha, como exercício de uma pessoa que se reconhece em sua pró-


pria trajetória, é um elemento existencial poderoso, pois tira o indivíduo da
condição de receber determinações e verdades sobre si. Pelo contrário, ao
assumir sua existência na liberdade, a pessoa se reconhece e se encontra.
Esse processo não ocorre sem angústia, uma vez que escolher implica
responsabilizar-se por suas próprias atitudes, fazendo com que a pessoa
reconheça a si mesma na própria vida em vez de deter-se àquilo que “os
outros” esperam ou desejam.
A liberdade sartreana, a atitude antinatural e o Dasein são conceitos que
servem de base para uma psicoterapia fenomenológica existencial que usa
dessas ideias para compreender os dilemas humanos e buscar alternativas
de superação dos conflitos.

A liberdade sartreana é um conceito fundamental da psicoterapia


existencialista. Não se trata da liberdade do senso comum, em que
cada um faz aquilo que deseja. Trata-se daquilo que constitui cada pessoa: a
possibilidade de escolher a todo momento, e são essas escolhas que fazem a
vida humana existir. Liberdade não é um momento, é uma condição obrigatória
para existir.

Na psicoterapia
A fenomenologia e o existencialismo na psicologia são muito mais uma me-
todologia, ou seja, um modo de fazer, uma postura, do que necessariamente
um conjunto de técnicas prontas para se utilizar na prática clínica. As pro-
vocações filosóficas dos autores citados até aqui servem, principalmente,
para que o psicoterapeuta se abra para as muitas possibilidades do encontro
com o paciente.
A redução fenomenológica de Husserl, o afastamento das definições já
dadas, é um exercício que precisa partir do psicoterapeuta para que haja
maior possibilidade de o paciente revelar-se no encontro.
Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica 7

Na específica situação de psicoterapia, temos uma situação na qual o nosso campo


fenomenológico interage com o campo fenomenológico de outrem, partilhamos
experiências semelhantes e sentimentos mútuos, mas não podemos trocar sim-
plesmente de posição um com o outro. Não sendo possível esta troca, então não
podemos afirmar nada para este outro, pois isto seria tão somente uma projeção
minha no campo fenomenal do outro. Mas, se nos postarmos numa atitude de
escuta ativa, de espera, de observação atenta, no sentido de permitir o acesso
do fenômeno à nossa consciência, eis que este surge, pois o fenômeno aparece,
reveIa-se. [...] Essa tarefa realiza-se por meio da redução fenomenológica, no
sentido de me encontrar como cliente nele, com ele e através dele, como fenô-
meno. Significa abrir-me para perceber-lhe a essência, descobrir-lhe a totalidade
(HOLANDA, 1997, p. 41).

A atitude antinatural na psicoterapia


Frequentemente é comum que o psicólogo se incline para predefinições sobre
o ser humano, ou seja, busque conceitos ou explicações que trariam verdades
inequívocas sobre a personalidade humana, ou algo que seja considerado
transtorno. Não há problemas em consultar essas definições e explicações
de diagnósticos, contudo, não pode ser esse o norteador do trabalho e das
intervenções.
A atitude antinatural é estranhar toda e qualquer definição prévia e permitir
que cada paciente se revele da forma que existe em seu mundo particular.
Para isso não há manuais, é necessário que o psicólogo também se abra para
esse encontro. A atitude antinatural é o que possibilita que, no encontro
singular entre terapeuta e paciente, haja espaço para as expressões mais
íntimas e espontâneas que provoquem uma mudança de olhar e atitude do
próprio paciente para com seus dilemas.
O psicoterapeuta tem um papel fundamental na vida do paciente, uma
vez que

O primordial de uma atitude fenomenológica é não encarar o cliente como um


objeto (“o doente” que vem a ser “tratado”), mas uma pessoa, no mesmo nível
existencial do terapeuta. Esta valorização do encontro, do “estar junto” no presente,
é o que determina a diferença entre a relação médica (unidirecional, caracterizada
pelo uso de agentes intermediários, físicos ou bioquímicos, que são “aplicados”
a um “paciente” que se submete ao tratamento) e a relação psicoterápica (que
se caracteriza pela relação direta, cujo meio é o próprio “ambiente humano”, na
condição do diálogo, dia-Iogos, humano) (HOLANDA, 1997, p. 41–42).

Dessa forma, é com a atitude antinatural do terapeuta que o ser do pa-


ciente pode se revelar.
8 Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica

Compreendendo o paciente na perspectiva do


Dasein
Na perspectiva do Dasein, o paciente está sempre sendo, na relação com o
mundo e consigo mesmo, de forma contínua, modificando a si e ao seu redor
enquanto vivencia suas experiências. Considerar a existência do paciente
como algo em constante mudança e impermanência é compreender melhor
o que significa o Dasein, ser-aí.
A pessoa que procura pela psicoterapia está, geralmente, presa a ideias e
pensamentos dos quais não vê saídas, gerando grande sofrimento emocional.
No espaço da psicoterapia, vai encontrar provocações e intervenções que lhe
abram outras perspectivas e possibilidades de compreensão do que tem vivido.

A “escuta” e as “intervenções”, que se realizam na terapia, buscam suscitar ques-


tionamentos que possibilitem a abertura a outras possibilidades de ser. [...] a
compreensão que temos de nós mesmos é marcada, cotidianamente, pela impes-
soalidade do mundo impessoal, porém, através do espaço psicoterápico, podemos
ampliar nosso horizonte de compreensão, pois, na dimensão de sentido designada
por Heidegger de “ser-com-o-outro” é possível a tematização, a elaboração e a
antecipação de nossas possibilidades mais próprias de ser (SÁ, 2004, p. 5).

Para que isso ocorra, o psicoterapeuta precisa abandonar a ideia de deten-


tor da verdade e da resposta correta. Se ficar preso à obrigação de determinar
o que o paciente é, ou qual transtorno ele tem, perde-se a possibilidade do
encontro e da revelação da pessoa sobre si mesma.

Considerando a importância da liberdade e das


escolhas no processo terapêutico
Geralmente, o paciente acredita que sua vida está de tal forma devido ao que
os outros fizeram consigo. Isso coloca o sujeito em uma condição de apenas
vítima das ações alheias. A compreensão de que o ser humano se desenvolve
socialmente e individualmente possibilita que o psicólogo mostre ao paciente
o seu potencial diante das escolhas de sua vida, aceitando as que foram feitas
e mais consciente daquelas que precisam acontecer.
A existência humana não é algo fechado em si mesmo. Ou seja, qualquer
conclusão que o paciente vier a chegar sobre si na psicoterapia estará em
constante mutação, uma vez que o ser-aí e a existência em liberdade continuam
acontecendo, abrindo novas possibilidades e encerrando outras. Essa é a
dinâmica da existência. A psicoterapia não visa ao encerramento do paciente
Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica 9

em uma visão fechada de si, mas ao acolhimento da realidade impermanente


de sua existência.

Um paciente chega ao consultório com um encaminhamento do psi-


quiatra. Senhor Carlos, 45 anos, foi diagnosticado com transtorno
do pânico e, como recomendação da empresa onde trabalha e dos familiares,
buscou a psicoterapia.
Senhor Carlos pede constantemente por uma confirmação do diagnóstico
e algum exercício ou medicamento que faça o sentimento de medo sumir para
poder retornar às suas atividades cotidianas.
A psicoterapeuta fenomenológica resiste ao impulso de falar apenas sobre
o diagnóstico e estimula Sr. Carlos a falar sobre si, sua história de vida e seus
relacionamentos.
Com o andamento das sessões, Sr. Carlos percebe que o diagnóstico do
transtorno do pânico não é o que mais precisa da sua atenção, mas sim os
elementos de sua trajetória que o fizeram compreender o mundo dessa forma
e como pode abrir-se para novas compreensões de mundo.
Apesar de existirem noções preestabelecidas sobre o transtorno do pânico,
a psicóloga não se deteve a essas definições, mas proporcionou o encontro
terapêutico de tal forma que o Sr. Carlos pudesse se expressar e revelar sua
existência de seu modo singular. Por meio da atitude antinatural, a psicóloga
incentivou o paciente a encontrar a si mesmo nas sessões e, por consequência,
ele se viu capaz de lidar melhor com seus dilemas e fazer as escolhas necessárias
para ter melhor qualidade de vida.

Fenomenologia é, antes de tudo, uma postura diante de si e do mundo.


Não à toa, seus conceitos são descritos como “atitude”, “abertura”, etc. Um
equívoco comum é utilizar os conceitos da fenomenologia e do existencialismo
como novas verdades científicas sobre o mundo e sobre as pessoas.
Para o psicólogo fenomenológico, o estranhamento e a abertura de sentidos
precisam se concretizar no seu olhar sobre o mundo, sua postura ao receber
o paciente e sua visão de si mesmo.
Neste capítulo, abordamos os conceitos que servem de base para uma
psicoterapia fenomenológica e existencial. Relacionando a fenomenologia de
Husserl e Heidegger, vimos a importância dos conceitos atitude antinatural ou
fenomenológica, a análise ontológica e o conceito Dasein, que, na psicoterapia
fenomenológica, é usado para melhor compreender o ser humano. Em seguida,
abordamos os conceitos do existencialismo sartreano, principalmente no que
diz respeito ao conceito de liberdade e escolhas.
10 Fenomenologia e existencialismo na prática psicoterápica

O profissional de psicologia, ao utilizar desses conceitos, orienta o seu


trabalho por meio de uma postura de afastamento e estranhamento diante
daquilo que o paciente relata e também diante das suas noções preconcebidas.
No momento do encontro entre psicoterapeuta e paciente, é necessário ser
garantido o espaço seguro para que o sujeito se revele e se sinta amparado
em suas angústias. Nesse momento, as intervenções feitas com habilidade
e cuidado capacitam o sujeito para lidar melhor com seus desafios diários.

Referências
FEIJOO, A. M. L. C. A crise da subjetividade e o despontar das psicologias fenomenológi-
cas. Psicologia em estudo, Maringá, v. 16, n. 3, p. 409–417, set. 2011. Disponível em: https://
www.scielo.br/j/pe/a/b9jyW5hk4pDkQ4t6h63Hrhb/?lang=pt. Acesso em: 22 jan. 2022.
HOLANDA, A. Fenomenologia, psicoterapia e psicologia humanista. Estudos de Psico-
logia, Campinas, v. 14, n. 2, p. 33–46, ago. 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
estpsi/a/gBqGJPm3TPshYVnNQm43jsK/?lang=pt. Acesso em: 22 jan. 2022.
NASCIMENTO, C. L. A epoché husserliana e a clínica psicoterápica. Orientador: Roberto
Novaes de Sá. 2005. 86 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2005.
SÁ, R. N. A analítica heideggeriana da existência em “ser e tempo”. Niterói: Programa
de Pós-Graduação em Estudos da Subjetividade; UFF, 2004. 5 p. Disponível em: http://
www.ifen.com.br/jornada/roberto-analitica_heideggeriana.pdf. Acesso em: 22 jan. 2022.
SCHNEIDER, D. R. Sartre e a psicologia clínica. Florianópolis: UFSC, 2011. 290 p. Disponível
em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/187669. Acesso em: 22 jan. 2022.

Leituras recomendadas
FEIJOO, A. M. L. C. A existência para além do sujeito: a crise da subjetividade moderna e
suas repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica com fundamentos
fenomenológico-existenciais. Rio de Janeiro: IFEN; Via Verita, 2011. 207 p.
SÁ, R. N. Para além da técnica: ensaios fenomenológicos sobre psicoterapia atenção
e cuidado. Rio de Janeiro: Via Verita, 2017. 140 p.

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