Revista de Reflexão Missiológica - Volume 4, Número 1 - janeiro-junho 2024, p.
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Igreja como comunidade missional
O ENGAJAMENTO DA IGREJA NA ARENA PÚBLICA
NO CONTEXTO AFRICANO
Tomás Chumbe Messele1
RESUMO
O crescimento fenomenal da Igreja africana traz consigo inúmeros desafios. É
preciso intensificar o ministério de ensino e discipulado na igreja africana. Isto exige
instrumentos adequados para atender trabalhadores, sociedade civil, pastores,
seminaristas, teólogos, pregadores leigos e professores de educação cristã a fim de
exercerem suas vocações na arena pública. Assim sendo, o artigo discorre a
respeito da natureza da igreja na arena pública no contexto africano. O artigo
enaltece uma teologia relevante para o contexto africano que emerge da realidade
do próprio africano e que dá partida, no engajamento da igreja africana na arena
pública considerando o contexto religioso, social, ambiental, político e econômico do
povo africano.
Palavras-chave: Igreja Missional, Teologia Contextual, Impacto, Igreja Africana
ABSTRACT
The phenomenal growth of the African Church brings with it numerous challenges. It
is necessary to intensify the ministry of teaching and discipleship in the African
church. This requires adequate instruments to assist workers, civil society, pastors,
seminarians, theologians, lay preachers and Christian education teachers in order to
exercise their vocations in the public arena. Therefore, the article discusses the
nature of the church in the public arena in the African context. The article praises a
theology relevant to the African context that emerges from the reality of the African
himself and that initiates the engagement of the African church in the public arena
considering the religious, social, environmental, political, and economic context of the
African people.
Keywords: Missional Church, Contextual Theology, Impact, African Church.
78
1
Tomás Chumbe Messele, bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Baptista do Huambo-
CBA, mestrando em Missiologia no Seminário Teológico Baptista do Huambo-CBA
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Igreja como comunidade missional
INTRODUÇÃO
No decorrer de nossas aulas de Desafios em África Hoje e Restrospectivas
Históricas, no curso de mestrado em missiologia, fomos desafiados em muitos
aspectos da nossa atuação missionária ocidental como igreja em África. Esta
atuação missionária ocidental de alguma forma tem gerado um cristianismo
deslocado dos africanos e do contexto africano, dificultando o engajamento da igreja
africana na arena pública. Reconhecemos e celebramos o envolvimento ocidental na
expansão do Evangelho em África, por outro lado esse envolvimento deixou lacunas
fortes no cristianismo africano, principalmente no exercício igreja como comunidade
missional africana.
Estamos em uma época em que formar uma identidade africana além do
colonialismo está no topo da agenda das igrejas e teólogos africanos. Hoje
encontramos pessoas e nações em crise de identidade, é a identidade que define
quem somos e o que podemos fazer. Segundo Nkrumah: “Nossa independência é
carente de sentido se não for ligada à libertação de todo o continente africano” 2. O
engajamento da igreja africana na arena pública, perde seu sentido quando ela é
construída com viés do contexto ocidental ou de outro fora de África. Para que o
engajamento da igreja africana na arena pública tenha sentido e identidade própria é
preciso construí-la a partir do contexto africano com pensamentos de mentes
africanas.
CONTEXTUALIZAÇÃO MISSIONAL
Há muitas práticas missionárias, convicções, suposições e modelos de
mudança na África que não são mais pertinentes nos dias de hoje para os africanos.
A negação geral da cultura e da personalidade africana, que aconteceu na chegada
das missões ocidentais, roubou do cristianismo de África alguns dos seus
fundamentos étnicos mais básicos e valiosos, os quais os cristãos africanos desejam
recuperar, apesar de estarem um pouco perdidos na história.
79
2
NKRUMAH. Luta de Classes na África. Edições Nova Cultura. 2018, p. 14
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Algumas características básicas das sociedades africanas como unidade
familiar, matrimônio, parentesco, moralidade social e comunitário, além de conceitos
sobre ética e justiça foram derrotados por forças seculares modernas que são hostis
à sociedade africana e ao Evangelho de Cristo.
O cristianismo na África moderna está enfrentando muitas crises, parecendo
incapaz de enfrentá-las porque não foram utilizadas certas características da cultura
africana no estabelecimento do cristianismo em solo africano. “As igrejas africanas
herdaram uma estrutura eclesiástica hierárquica, autoritária e burocrática dos
missionários. Estas estruturas tenderam a arruinar o modo africano comunitário de
vida. A recente ênfase pentecostal e carismática, baseada na perda da estrutura e
na expressão religiosa espontânea, está agora dando origem a personalidade
eclesiásticas poderosas e autoritárias”3. A procura por estruturas pertinentes que
viabilizam o engajamento da igreja africana na arena pública, deve evitar aderir a
forma das igrejas antigas quanto das novas igrejas pentecostais e carismáticas com
vestes ocidentais.
Ao longo da história da igreja em África houve fatores que levaram a igreja em
África a um modelo missional descontextualizado do povo africano, e isso gerou
lacunas na missionalidade da igreja africana. Os preconceitos conceituais,
históricos, culturais, espirituais e econômicos europeus geralmente colocam os
africanos nos degraus mais baixos da escada do desenvolvimento humano. Além de
ferir profundamente esses povos, transformou a fé cristã em África numa forma de
reprodução e cópia, em última análise, sem raízes e sem alma. O cristianismo em
África tornou-se uma religião aparentemente mais preocupada com a observação
exterior de regulamentos e obrigações do que com convicção e transformação
integral. A tese de fundo é que a teologia produzida no ocidente quando posta em
contato com os africanos faz destes estranhos a eles mesmos, ou seja, eles
precisam deixar de ser quem são para poder se encaixar nos modos do pensar
ocidental.
Um dos pressupostos que contribui significativamente para o engajamento da
igreja na arena pública é comunicação.
80
3
TAYLOR. Missiologia Global para o seculo XXI: A consulta de Voz de Iguaçu, p.380
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A igreja africana precisa comunicar o evangelho, considerando as esferas de
influência do povo em que vive, isto é, os aspectos culturais, religiosos, políticos,
económicos, educacionais e sociais. Isso evitará com que os cristãos não:
“Subestimem a importância dos fatores culturais do seu povo
na comunicação do evangelho. Alguns se preocupam tanto
com a preservação da pureza do evangelho e das suas
formulações doutrinárias que têm sido insensíveis aos padrões
de pensamento e comportamento socioculturais das pessoas
às quais proclamam o evangelho”4.
A Missão de Deus, realizada por meio do seu povo, sempre será exercida e
desenvolvida em contextos específicos que possuem suas demandas e desafios
específicos. Estudar tais contextos e desafios é uma tarefa imprescindível que deve
ser levada a sério pela igreja na sua atuação missionária na arena pública. A
contextualização se tornou um tema indispensável no estudo da Missiologia. Isso se
aplica à leitura e interpretação das Escrituras. É conhecida a frase, atribuída ao
teólogo suíço Karl Barth, que disse: “É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra
o jornal”. Com isso queremos dizer que jamais devemos negligenciar o estudo das
questões contextuais contemporâneas sempre em diálogo com a Palavra de Deus.
Qual o risco de não se fazer isso? O risco é de uma mensagem colonizadora e
descontextualizada, Segundo Lidório:
“Contextualizar o evangelho é traduzi-lo de tal forma que o
senhorio de Cristo não será apenas um princípio abstrato ou
mera doutrina importada, mas fator determinante de vida em
toda sua dimensão e critério básico em relação aos valores
culturais que formam a substância com a qual avaliamos o
existir humano.”5
Contextualizar não é simplesmente fazer uma adaptação do Evangelho à
cultura do povo receptor como se eles fossem um depósito bancário; ao contrário, é
conhecer a cosmovisão do povo da melhor maneira, para conseguir conviver e
comunicar-se de forma que o Evangelho todo penetre e transforme cosmovisões,
valores, relacionamentos, costumes, e as esferas de influência do povo, de acordo
com a vontade e as promessas de Deus para a humanidade. Segundo Wright:
81
4
NICHOLLS. Contextualização: uma teologia do evangelho e cultura. 1983, p. 7
5
LIDÓRIO. Comunicação e Cultura: a antropologia aplicada ao desenvolvimento de ideias e ações
missionárias no contexto transcultural. 2014, p. 25
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“Não podemos separar a humanidade do seu ambiente natural
da terra. Fomos criados como parte dele e fomos criados para
cuidar dele. O que quer que façamos na terra, seja bem ou mal,
terá um impacto ecológico, devido à integração entre a vida
humana e todas as outras vidas na terra, colhemos
consequências das nossas ações”6.
A despreocupação com a contextualização torna o engajamento da igreja
infrutífera, em vez de manifestar do reino de Deus na sociedade, ela se torna
colonizadora, não se importando com o povo à sua volta. Essa despreocupação
contextual faz com que: “encontramos templos de cimento para culturas de barro,
pianos de calda para povos de tambores, terno e gravata para os de túnica e
turbante, sapatos engraxados para pés descalço, estamos preocupados em exportar
nossas culturas que esquecemos de apresentar o evangelho de Deus”7.
Precisamos entender o contexto e a cultura africana, para levar uma
mensagem que realmente transforme, sem deixar, de forma alguma, de ser
totalmente biblíca, a fim de transmitir Cristo de forma compreensível para as
pessoas dentro das culturas e dos contextos que elas pertencem. Sabemos quão
necessário é que a palavra de Deus alcance a nossa sociedade de forma geral: a
família, a escola, a cultura, o trabalho, e os outros segmentos da sociedade.
“A igreja em África tem crescido bastante nos últimos anos diferentemente de
outros continentes, embora esse crescimento seja em expansão e fraco na
transformação de vidas e no ensino bíblico e contextualizado” 8. Para que a igreja
africana tenha impacto na arena pública em África precisará encarnar a Missão
restauradora e redentora de Cristo, precisará criar metodologias e estratégias
missionais, de fazer conhecido o Evangelho todo, que transforma o africano e a
realidade de África. Construir ou seguir esses parâmetros com pensamentos
eurocêntricos é como tirar um peixe do mar e colocá-lo no aquário, ele já não será o
mesmo, ou seja, perderá a sua essência. É necessário pregar o evangelho todo ao
africano todo, tendo em conta os desafios e inquietações de África.
82
6
WRIGHT. A Missão do Povo de Deus: uma teologia bíblica da missão da igreja. 2012, p.69
7
LIDÓRIO. Sal e Luz- Compreendendo, Vivendo e praticando a Missão. pg. 30
8
MBEWE. O Projecto de Deus para a Igreja: um guia para pastores e líderes africanos. 2022, p.15
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Para tanto, precisamos levar o Evangelho de forma que cause impacto na
arena pública. Nossa Missão não pode estar distanciada ou isolada da cultura e do
contexto humano. O Evangelho não foi enviado ao mundo por um desejo divino
desconectado da realidade humana, mas como solução divina perante a morte da
humanidade e da natureza criada, sendo assim a condição humana caída e o
universo amaldiçoado são as principais preocupações da igreja para no seu
engajamento na arena pública, e Ela precisa ser contextual, para apurar as questões
da atualidade e discuti-la, à luz do plano redentivo de Deus.
A IGREJA COMO COMUNIDADE MISSIONAL NA ÁFRICA
Ao longo da história da Igreja africana, o conceito predominante de Missão se
configurava na direção do cristão ao perdido, como se o alvo de Deus fosse
somente o perdido. Este pensamento dicotomizou e corrompeu a ação missionária
da igreja em África e desencadeou uma triste realidade da igreja africana, porque
hoje em toda África podemos ver um crescimento numérico de cristãos ou de igrejas
(templos), mas pouco fruto e profundidade ou maturidade dos cristãos. A Missão é
de Deus, ela envolve o mundo, a igreja e tudo que está relacionado nesta
perspectiva. O engajamento da igreja na arena pública (mundo), não se configura
em ganhar almas, porque o mundo não é composto por almas penadas, ele é
comporto por pessoas que têm origens, cultura, histórias, que são vendedores,
trabalhadores, artistas, políticos, religiosos, médicos, esportistas, professores,
empresários, engenheiros, agricultores.
O ponto de partida da igreja na arena pública, não pode ser o seu
crescimento numérico, mas sim a manifestação e a propagação do reino de Deus,
que consiste em paz, justiça, amor e alegria no Espírito Santo. Para que a igreja
africana se engaje fielmente na Missão de Deus nesta sociedade contemporânea,
ela precisa ter uma chave hermenêutica missional na sua leitura bíblica, que lhe
possibilita olhar para a realidade ao seu redor e discerni-la à luz da Missão de Deus,
no que Deus está a fazer e quer fazer no mundo à sua volta. Isto significa ler cada
parte da escritura:
“À luz do propósito de Deus para toda a criação, incluindo a
redenção da humanidade e a criação dos novos céus e da
nova terra; à luz do propósito de Deus para a vida humana em
geral no planeta, e de tudo o que a Bíblia ensina sobre a
cultura
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humana, sobre relações sociais, econômicas e políticas, sobre
ética e comportamento; à luz da eleição histórica, por Deus, do
Israel do Antigo Testamento, sua identidade e seu papel em
relação às nações, e as exigências que ele fez quanto à sua
adoração e sua ética; à luz da centralidade de Jesus de
Nazaré, sua identidade messiânica e sua missão em relação ao
Israel do Antigo Testamento e às nações, e de sua cruz e sua
ressurreição; à luz do chamado de Deus para a igreja, a
comunidade de judeus e gentios crentes, que constitui o povo
da aliança com Abraão, para ser agente da bênção de Deus
para as nações em nome e para a glória do Senhor Jesus
Cristo”9.
A vida da igreja africana na arena pública, precisa ser é um reflexo da Missão
de Deus no mundo e para o mundo. Tudo o que a igreja como comunidade
missional faz, seja em serviço, em proclamação e adoração deve estar vinculada ao
que Deus fez e está a fazer no mundo. Quando a igreja gera impacto
transformacional na arena pública ela se torna uma comunidade missional, que não
somente se reúne aos domingos ou sábados, mas que está nas praças e mercados,
nas escolas e faculdades, nos governos e nas empresas, nos hospitais e nas casas,
que está em toda a parte onde se regista a presença humana, onde cada um vive de
forma redentora refletindo a glória de Deus e fazer convergir em Cristo todas as
coisas.
“A igreja que se engaja na arena pública, se envolve na sociedade civil, seus
membros devem estar preparados para trabalhar ao lado dos membros da
sociedade cívil que não são membros da igreja, e podem até representar diferentes
afiliações religiosas, como a Religião Tradicional Africana ou o Islã. Ao reunir-se na
sociedade civil, o objetivo não é debater as diferenças religiosas, mas trabalhar
juntos para combater um mal como a corrupção e o nepotismo, ou para realizar
ações que promovam o bem comum e traga o Shalom de Deus na cidade, ou seja, a
prosperidade e o bem-estar de toda a comunidade”10, por exemplo:
“Em partes da Nigéria, líderes cristãos e muçulmanos
trabalharam juntos para acalmar a hostilidade gerada pela
violência inter-religiosa e criar oportunidades para
jovens cristãos e muçulmanos se encontrarem regularmente
em termos amistosos, digamos, num clube esportivo. Igrejas
9
WRIGHT. Reformado quer dizer Missional, p.13
10
AGANG.Teologia Pública Africana. 2022, p.150
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Igreja como comunidade missional
cristãs criaram campos de refugiados que oferecem abrigo a
famílias muçulmanas deslocadas pela violência religiosa.
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Na África do Sul, grupos com valores muito diferentes se
uniram como co-beligerantes para combater o apartheid”11.
Esses actos são exemplos de ações do engajamento da igreja na arena
pública no contexto africano em tempos de crises. O mundo em que vivemos está
em crise, enfrentamos crises culturais, crises morais, crises em todas as esferas da
sociedade, e a igreja precisa discernir essas crises como oportunidade. Segundo
Bosh: “a crise é o ponto onde o perigo e a oportunidade se encontram. Entretanto,
só podemos fazer justiça à nossa elevada vocação se reconhecemos a presença
tanto do perigo quanto da oportunidade e executamos nossa missão dentro do
campo de tensão engendrado por ambos.”12 Se olharmos a crise como uma moeda
de dois lados, perceberemos um fio de esperança do outro lado da moeda, como
bem disse a Analzira: “as crises oferecem à comunidade possiblidades de
confrontação, viabilizam novas escolhas e tornam-se necessárias para que o novo
possa emergir”13.
A vida da igreja e seu engajamento na arena pública estão intimamente
conectadas ao plano cósmico-redentor de Deus para o homem e sua criação, ao se
engajar na arena pública a igreja participa da narrativa histórica de Deus no mundo
de Deus, vivendo com alteridade e integridade influenciando todas as esferas de
influência da sociedade quer seja, política, social, económica, educacional, saúde e
artística.
A Missionalidade da igreja deve ser holística, isto é, deve ser abrangente e
inclusiva que alcança o homem e tudo à sua volta. O engajamento da igreja africana
precisa ser coerente, ampla e profunda quanto o são as necessidades e as
exigências humanas do seu povo. A igreja africana como comunidade missional,
não faz apenas perguntas que os crentes, teólogos e as igrejas fazem, mas também
lida com as aspirações e paixões do continente africano, trabalhando para combater
os demônios mais obscuros do continente, má-governação, corrupção, injustiça
11
Ibid, p.150
12
BOSH. Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, p.24
13
NASCIMENTO. Evangelização ou colonização? o risco de fazer missão sem se importar com o
outro, p. 18
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socioeconômica, competição religiosa, conflitos tribais e étnicos
e dominação política.
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Antes da queda, o homem vivia em perfeita harmonia, com Deus, a beleza
pairava sobre a criação. O homem tinha prazer no seu trabalho, na sua família e no
que estava à sua volta. No jardim do éden Deus se relacionava de maneira plena
com o homem. A queda do homem causou a sua separação com Deus, o caos
agora paira sobre a criação, e o trabalho se tornou um fardo. Segundo Wright.
“A desobediência e a rebelião do homem para com Deus,
trouxeram resultados desastrosos sobre a criação de Deus. O
mal e o pecado se entrelaçaram em cada aspecto da criação
de Deus e em cada dimensão da personalidade humana na
terra. Na dimensão física, estamos sujeitos a decadência e
morte vivendo em um ambiente poluído e caótico. Na dimensão
intelectual, usamos nosso poder de racionalidade para explicar,
desculpar e normalizar os nossos pecados. Na dimensão
social, cada relacionamento foi corrompido, o parteno, materno,
conjugal, familiar. Na dimensão espiritual, fomos separados de
Deus porque todos pecaram e destituído estão da glória de
Deus”14.
Na dimensão ambiental vemos a degradação do Meio Ambiente, como
poluição das águas, caça ilegal de animais, desflorestação e crise ambiental. A
Bíblia nos oferece o Evangelho que trata cada dimensão do problema criado pelo
pecado. Timothy Keller no seu livro, “Igreja Centrada, no Cap.11 A Tensão da
Cidade”15. Ele fala que a igreja é chamada a participar do dia a dia da cidade, Keller
faz referência do texto de (Jeremias 29.1-7). Quando o povo judeu foi deportado
para Babilónia e Deus deu a eles uma Missão, de como o seu povo deveria viver no
meio da Babilónia. Resumo aqui alguns aspectos desta Missão, que entendemos ser
parte da natureza da igreja que se engaja na arena pública do seu contexto.
Iº. Construam casas e habitam nelas: naquele contexto construir casas
dizia ser, pertencer, exercer cidadania em um lugar. Como cooperadores de Cristo,
a igreja em África precisa exercer sua cidadania, exercer cidadania é respeitar
direitos e deveres, é respeitar a constituição do país, Deus chama seu povo para
serem cidadãos excelentes/exemplares do país em que vivem, trabalhando pela
14
WRIGHT. A missão do Povo de Deus, p.50
15
KELLER. Igreja Centrada, p.162-174
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Igreja como comunidade missional
justiça, amando e servindo a cidade com palavras e obras, pela segurança e pela
paz.
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O conceito de shalom do Antigo Testamento, a palavra hebraica para “paz,”
abrange noções de cura, integridade e unidade de relacionamentos. O
shalom é ameaçado pelo pecado e pelo mal. Na África, essa ameaça muitas vezes
vem na forma de corrupção, guerras, fome, rejeição, que atuam contra o bem
comum de toda a sociedade, a igreja precisa proclamar a vida, morte e ressurreição
de Cristo, que tornam possível a libertação dessas ameaças.
IIº. Casem-se e tenham filhos e filhas: o texto fala sobre construir família, a
família é uma das melhores maneira de expressar Deus, pois Deus existe
em comunidade, como evidenciado pelos relacionamentos dentro da Trindade e Ele
estende a mão para além de si mesmo para cuidar de toda a criação. Essa mesma
atitude deve formar o senso de responsabilidade da igreja África ao se engajar na
arena pública. ”Não devemos ser como Caim que negou a sua responsabilidade de
cuidar do seu irmão, mas devemos obedecer a Cristo e amar nosso próximo como a
nós mesmos. Ao fazer isso, construiremos a comunidade humana edificada em
Cristo e veremos o próximo não como um extra-opcional, mas como parte do que
significa ser como Deus. Pois todos os seres humanos carregam a imagem de Deus
e são dotados de direitos e responsabilidades na criação” 16. Isso implica que a
dignidade humana de todos deve ser respeitada. O mandato de Deus sobre a Igreja
em Missão, é ser exemplar não pelo que têm, mas pelo que são, filhos de Deus.
IIIº. Busquem a prosperidade da cidade: Deus chama o seu povo não
somente para viver aqui nesta terra e esperar ir para os céus, mas para trabalhar
abundantemente no desenvolvimento social, económico, político e espiritual da
cidade, se envolvendo no dia a dia da cidade e trazer uma harmonia ambiental na
cidade que vive, manifestando o reino dos céus.
Segundo Stott “a Igreja tem uma dupla responsabilidade cultural em relação
ao mundo que vive, por um lado a Igreja deve viver, servir e testemunhar no mundo
os propósitos de Deus em todas as coisas criadas, por outro a Igreja deve evitar se
16
AGANG.Teologia Pública Africana. 2022, p.155
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Igreja como comunidade missional
contaminar com as ideias que corrompem a criação e desumanizam a
humanidade”17.
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Para impactar as esferas de influência do seu tempo a igreja africana deve
viver como um povo redimido, se cremos que o Evangelho oferece a verdadeira
narrativa do mundo, e estamos, portanto, empenhados em moldar nossa vida inteira
em conformidade com Ele, então nos envolveremos de facto com a narrativa de
Deus que está a acontecer ao nosso redor. Vivenciaremos as Boas Novas do Reino
de Cristo como a alternativa crível ao modo de vida de nossos contemporâneos,
convidando-os a deixar as crenças idólatras da narrativa cultural e a compreender o
mundo e viver nele segundo à luz do Evangelho de Cristo.
Goheen, em seu livro “Introdução à cosmovisão cristã,” 18 apresenta uma
abordagem bíblica, de como a igreja pode se engajar na arena pública e impactar as
esferas de influência da sociedade, que estão inundadas de corrupção, abuso,
mentira, negligência, racismo. E como uma comunidade que se engaja na arena
pública, a igreja africana precisa discernir as crises e gemidos do mundo à sua volta
como uma oportunidade para manifestar o plano redentor de Deus nestas esferas de
influência, como:
Economias e Negócios: comprar e vender eram tão comuns no Antigo
Testamento como são hoje. É difícil trabalhar com integridade dentro de uma
estrutura com objetivos errados: uma empresa que funciona desafiando os princípios
bíblicos provavelmente será um lugar muito difícil para um cristão dedicado. Para se
engajar na arena pública no contexto africano a igreja, deverá apoiar práticas justas
nos negócios, deverá se concentrar no desenvolvimento de empresas locais que
encarnando princípios bíblicos contribuem para o desenvolvimento socioeconômico
da sociedade, deverá se preocupar com a falta de desemprego ao seu redor e
buscar políticas ou criar fórum próprios para a criação de negócios, primando
sempre por negócios justos que glorifiquem a Deus e abençoe a sociedade.
17
STOTT. O discípulo Radical, p.13
18
GOHEEN e BARTHOLOMEW. Introdução à cosmovisão cristã, p.215-220
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Igreja como comunidade missional
Política: o governo procede de Deus, mas o drama bíblico nos convoca a
fazer o que pudermos para conduzir a política de tal maneira que glorifique a Deus e
abençoe todos os povos.
88
Não se trata de politizar o Evangelho de Cristo, pois ele não é de esquerda
nem de direita, o Evangelho é de Cristo, que É tudo em todos e sobre todos. Para se
engajar na arena pública no contexto africano a igreja, precisará buscar justiça pelos
injustiçados, oprimidos, empobrecidos por causa dos sistemas do seu mundo que
desumanizam a pessoa. Para se engajar na arena pública no contexto africano a
igreja, precisará ser a voz profética na arena pública, não se conformando com as
injustiças e corrupção, mas confrontar com a verdade e criar fórum de diálogo para
apontar caminhos para se fazer melhor política.
Esportes e Competição: esportes, atividades desportivas e competição são,
portanto, bons quando vistos como um dos aspectos válidos do mundo de Deus e
quando estão em conformidade com o propósito de Deus na criação, mas podem
facilmente se tornar ídolos, assumindo uma posição de adoração que por direito
pertence a Deus.
Criatividade e arte: historicamente, a igreja tem uma grande tradição de arte
e criatividade. A própria bíblia contém muita literatura extraordinariamente bela em
forma de poesias, parábolas, narrativas mágicas e cômicas, biografias. No passado
a Igreja foi o centro da criatividade artística, em que manuscritos decorados e
iluminados, pinturas esculturas, vitrais, poesia e peças teatrais, literatura, música e
arquitetura se uniram para proclamar a glória de Deus. É um rico legado que
precisamos recuperar, precisamos reconhecer as possibilidades da criatividade em
todas as diferentes áreas de nossa vida, é verdade que nem todos somos chamados
a ser artístas, mas somos chamados a ser criativo e apreciar a arte.
Mundo acadêmico: os acadêmicos cristãos em África deverão trabalhar para
arrancar as teorias de seu solo idólatra e replantá-las no solo do Evangelho, onde
podem se desenvolver de forma mais frutífera. Os acadêmicos cristãos deverão
tentar fazer distinção entre descobertas e estruturas da criação e tendências
religiosas idólatras em todas as teorias, em suas próprias inclusive, trabalhando com
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Igreja como comunidade missional
humildade, fidelidade e devoção a fim de redirecionar o trabalho teórico para que
esteja alinhado com uma cosmovisão bíblica.
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Educação: para oferecer um testemunho educacional que seja de fato
íntegro e relevante, precisamos afirmar que nossa visão da educação está
alicerçada em uma cosmovisão muito diferente daquela da cultura ao redor, uma
que gera compromissos de fé fundamentalmente diferentes. A tarefa da igreja em
África será de questionar e debater-se com a tradição educacional que se
desenvolveu em nossa cultura, buscando traduzir fielmente o Evangelho e suas
implicações para educação nesse ambiente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O continente africano está inundado por corrupção, injustiça, poluição e violência,
Deus chama a sua Igreja não para atacar a cidade, não para serem indiferentes, não
para desprezar nem fugir, mas para buscar a paz, a prosperidade e amar a cidade.
Fazer o bem e trabalhar para cidade é a natureza da igreja como comunidade
missional. Querer o bem, servir e orar pela cidade não apenas revela o amor e a
compaixão de Deus, mas edifica o povo de Deus que leva a mensagem do
Evangelho. A natureza, as faculdades, as famílias, os seres humanos, os governos,
os hospitais, as economias, anseiam com grande expectativa a manifestação dos
filhos de Deus – a igreja de Cristo que está em Missão. Cada pessoa se refugiando
nas drogas é um gemido, a política, a educação, a saúde, a economia gemem não
só por novas ideias e filosofia, mas por restauração e redenção. Na medida que a
igreja como comunidade missional encarnar em si a Missão de restauração e
redenção, todas as coisas vão convergir em Cristo. Esta é uma das perspectivas da
igreja missional no contexto africano hoje, não só hoje, mas até Cristo voltar, onde
todos cristãos são missionários, cooperadores do que Deus está fazendo neste
século. É assim que vive e age a igreja que se engaja na arena pública do seu
contexto!
Revista de Reflexão Missiológica, Volume 4, Número 1, jan-jun, 2024, ISSN-2764-8885
Revista de Reflexão Missiológica - Volume 4, Número 1 - janeiro-junho 2024, p. 78- 91
Igreja como comunidade missional
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