CADERNO 1
03 Currículo na
Educação
Integral
Currículo
e Educação
Integral
na Prática
UMA REFERÊNCIA
PARA ESTADOS
E MUNICÍPIOS
42 CADERNO 1
Educação Integral como Política Pública
“Currículo é o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produ-
ção e a socialização de significados no espaço social e que contribuem,
intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais dos
estudantes. E reitera-se que deve difundir os valores fundamentais do
interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem
comum e à ordem democrática, bem como considerar as condições de
escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento, a orientação
para o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não-for-
mais. Na Educação Básica, a organização do tempo curricular deve ser
construída em função das peculiaridades de seu meio e das característi-
cas próprias dos seus estudantes, não se restringindo às aulas das várias
disciplinas.” (BRASIL, 2013, p.26)
Gestão Integrada
Uma política de Educação Integral coloca em prática um modelo de
gestão integrada que garanta a unidade na rede municipal de educa-
ção ao mesmo tempo em que sustenta o exercício da autonomia de
cada escola e sua relação com o território.
No que diz respeito ao currículo, cabe à Secretaria de Educação pro-
mover um processo dialógico que envolva os gestores educacionais,
professores e, se possível, os estudantes na construção da matriz
curricular da rede e na definição dos recursos necessários a sua imple-
mentação (recursos materiais, formação e estratégias de avaliação e
monitoramento).
Por sua vez, cabe às escolas empreender um processo participativo de
revisão dos seus projeto político pedagógicos, ou seja, PPPs à luz da
matriz curricular da rede, orientando processos formativos permanentes
que apoiem professores e funcionários na implementação de práticas de
gestão e práticas pedagógicas orientadas pela Educação Integral.
A autonomia pedagógica das escolas pressupõe que devem ser garan-
tidas escolhas e adaptações necessárias a cada contexto. Ao mesmo
tempo, a Secretaria de Educação atua de forma estratégica na for-
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 43
mação continuada, apoiando o dia a dia dos profissionais e com eles
trabalhando o desdobramento de ações da matriz curricular nos proje-
tos político pedagógicos das escolas, seus planos anuais e regimentos.
Assim, a Secretaria monitora e acompanha cada escola com o objetivo
de conhecer em maior profundidade suas necessidades de formação e
suas possibilidades de contribuir para a formação das outras unidades, 8
construindo uma rede de solidariedade e cooperação voltada para a
inovação pedagógica, a inclusão, a sustentabilidade e a promoção da
equidade para todos e cada um de seus estudantes.
Gestão
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Centro de Referências em Educação Integral
Ilustração de um modelo integrado e integrador de desenvolvimento curricular na Educação Integral:
pensar de modo articulado e indissociável tanto no nível da escola quanto no nível da gestão
educacional a reelaboração curricular; as estratégias de avaliação e monitoramento das aprendizagens
(verde); a formação permanente. Conheça mais sobre essa proposta em: CREI – CENTRO DE
REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL. Educação Integral Na Prática. Caderno 1: Conceitos,
Princípios e estratégias estruturantes. São Paulo, CREI, 2017. Disponível em: <http://educacaointegral.
org.br/na-pratica/wp-content/uploads/2017/08/caderno-1_conceitos-principios-e-estrategias-
estruturantes_na-pratica-1.pdf>. Último acesso em 14/06/2018.
44 CADERNO 1
Por que gestão integrada e sistêmica
de uma rede municipal?
Aspecto já destacado pelo UNICEF desde 2007, na publicação
Redes de Aprendizagem10 , é necessário entender a rede municipal de
educação como mais do que um conjunto de escolas sob a gestão do
município, mas como um fluxo de trocas de informações e recursos
que alimentam relações e aprendizagens coletivas, orientadas por
um propósito comum. Nessa concepção, o aluno não é só de uma
professora ou mesmo de uma escola, mas é estudante de uma rede,
ao mesmo tempo em que também o professor é parte da equipe da
escola e da rede.
Nesse sentido, para a implementação da Educação Integral, é
essencial um modelo de gestão que rompa com o risco de isolamento
e o desperdício de bons recursos da própria rede, se estruturando
a partir do apoio da Secretaria de Educação às escolas e às suas
propostas pedagógicas. Além disso, a implementação da Educação
Integral demanda orientação, formação e acompanhamento
permanentes a gestores e professores.
Assim, no desenho deste modelo de gestão, é importante considerar
que algumas escolas já desenvolvem com sucesso projetos e práticas
orientadas pela Educação Integral. Por isso, é importante reconhecer
as inovações criadas pelas escolas de forma autônoma e potencializá-
las, fortalecendo suas relações com as demais escolas, superando o
isolamento que muitas vezes impede que uma rede de ensino seja
efetivamente uma rede de colaboração.
Para tanto, a Secretaria precisa desenvolver estratégias coletivas
de compartilhamento e troca. Estas estratégias são, inclusive,
fundamentais para a superação de desigualdades entre as unidades
de um mesmo município ou até mesmo de um mesmo território.
10
Saiba mais na pesquisa “Redes de Aprendizagem”, realizada por UNICEF, MEC, Inep, UNDIME, (BRASIL,
2007). Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/Redes_de_aprendizagem.pdf>. Último acesso
em: 10/06/2018. Redes de Aprendizagem, UNICEF, MEC, Inep, UNDIME, (BRASIL, 2007). Disponível
em: https://www.unicef.org/brazil/pt/Redes_de_aprendizagem.pdf. As redes de educação do Brasil
sempre foram consideradas conjuntos de unidades escolares sob a responsabilidade de determinado
esfera administrativa. Com a disseminação do conceito de “organização em rede”, entre as décadas de
1980-1990, alguns municípios passaram a criar um ambiente de colaboração entre as escolas, a equipe
central da secretaria de educação municipal de Educação e a comunidade local, articulando-as em torno
de “projetos de rede“.
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 45
Diálogo e Colaboração em Rede
A política curricular alinhada à Educação Integral, portanto, deve
ser orientada por uma visão sistêmica para toda a rede, fortemente
embasada pela colaboração, criando uma nova dinâmica e um clima
de compromisso de toda a comunidade com as questões locais e com
a qualidade da educação. A equipe técnica da Secretaria de Educa-
ção, diretores, coordenadores pedagógicos, professores, pais, alunos
e demais membros da comunidade devem ser instigados a trabalhar
em conjunto, trocando experiências e informações, com o objetivo de
proporcionar igualdade de oportunidades de aprendizagem e desen-
volvimento a todos os estudantes.
Desta forma, cabe à Secretaria de Educação organizar os valores da
rede, determinar o direcionamento que será dado aos recursos, coor-
denar os processos de formação e articular as escolas, garantindo as
condições para que as estratégias definidas se concretizem.
Além disso, para que as práticas de gestão e as práticas pedagógicas
da Educação Integral se disseminem e se fortaleçam, é fundamental
estabelecer uma relação de parceria da Secretaria com cada escola,
reconhecendo e valorizando seus conhecimentos e singularidades, mas
também agregando novos conhecimentos e práticas de outras escolas.
A Secretaria de Educação passa a ter como uma de suas principais
atribuições conhecer e disseminar as melhores práticas experimenta-
das por suas escolas, respeitando as especificidades de cada contexto,
ao mesmo tempo em que promove um processo colaborativo de
construção de um projeto comum.
Relação da escola com o território
A relação indissociável entre a escola e território integra o modelo
curricular proposto na medida em que não é possível implementar prá-
ticas curriculares de Educação Integral desconectadas do contexto no
qual os estudantes e suas famílias vivem. O território tem a potência de
46 CADERNO 1
ser percebido, como proposto por Milton Santos (1994, 2002), como
um sistema integrador de relações sociais.11 A escola precisa trazer para
seu projeto político pedagógico saberes e práticas que constituem e se
situam no território tanto como hábitos, usos, costumes da cultura local
como potenciais que a conectam com territórios mais amplos, regionais,
nacionais, globais e mesmo virtuais. É, portanto, esse território em suas
diversas dimensões e escalas, que precisa ser conhecido, reconhecido e
incorporado pela reflexão crítica da escola no seu projeto pedagógico.
A relação de ensino e aprendizagem passa a ser construída com base
em aspectos “do” território, acompanhando suas ações e se trans-
formando “com” ele, inserindo dessa forma a escola “no” território.
A função da escola é ensinar os seus estudantes a refletir e produzir
conhecimento para a transformação da realidade local e global. Trata-
-se, assim, de uma concepção curricular que aposta na função social
da escola em materializar processos educativos que estejam a serviço
de um conhecimento sistemático e de uma reflexão crítica e reflexiva
da realidade, e, portanto, na capacidade de produzir processos forma-
tivos que gerem empoderamento, mudança de atitudes, novos hábitos
e valores para seus sujeitos.
11
SANTOS, M. Território, Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec, 1996. “O território não é apenas
o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido
como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade
é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da
residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.” (SANTOS, 2002, p.10) O sentimento de
“pertencimento ao chão” é a chave para a compreensão de território educativo – um sistema complexo,
no qual os sujeitos se sentem parte e atribuem a ele potencial pedagógico. Assim, território educativo
nos “remete a uma concepção abrangente de educação, em que o processo educativo confunde-se com um
processo amplo e multiforme de socialização” (CANÁRIO, 2006, p. 100-101).
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 47
Dica Dica
1 2
LEIA SOBRE COMO SAIBA MAIS COMO PENSAR
ARTICULAR CURRÍCULO E PLANEJAR A ARTICULAÇÃO ENTRE
E TERRITÓRIO NO CAPÍTULO 3
DESTE MATERIAL:
escola e território
“o que é território com a tecnologia
educativo?” social do bairro-
escola reconhecida
pela UNICEF
NO SITE
http://www.cidadeescolaaprendiz.org.
br/bairro-escola/ Último acesso em
10/10/2018
Clique aqui
Marcos Legais e a Educação Integral
Desde a redemocratização do país tornou-se consenso a necessidade
de garantir aos jovens brasileiros as condições básicas para que se
desenvolvam plenamente. O Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), de 1990, assegura às novas gerações as oportunidades e facili-
dades a fim de lhes facultar “o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (Art. 3).
A Educação Integral é a estratégia necessária para a realização desta
premissa do ECA, já que possibilita a articulação dos diversos agen-
tes, espaços e recursos de um lugar em torno de um projeto comum
voltado para o desenvolvimento das pessoas.
Dentre os diversos agentes, a escola possui um papel especial, pois
é ela a instituição local voltada para a função intencional de com-
partilhamento, a construção e a sistematização dos conhecimentos.
48 CADERNO 1
Compreendendo que, como assegura a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), de 1996, a educação abrange também os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência huma-
na, no trabalho, nas instituições de pesquisa, nos movimentos sociais,
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, cabe às
instituições de ensino apoiar as novas gerações na construção de senti-
do sobre todo este conhecimento. Reconhecendo-se como articuladora
desses diferentes saberes, a escola promove a partilha e construção de
significados, valores e identidades. É deste modo que se constrói um
currículo situado e integrador.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica,
lançadas pelo Ministério da Educação em 2013, “currículo é o conjun-
to de valores e práticas que proporcionam a produção e a socialização
de significados no espaço social e que contribuem, intensamente,
para a construção de identidades sociais e culturais dos estudantes”
(BRASIL, 2013, p. 27). Trata-se, assim, de um dispositivo que deve
respeitar, promover e valorizar as identidades e culturas dos diversos
grupos sociais a que pertencem os estudantes brasileiros.
Dica
CONHEÇA A ESTRUTURA E O TEXTO COMPLETO DAS
Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Básica
Clique aqui
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 49
O currículo orientado pela Educação Integral é requisito para a
qualidade social da educação da forma como esta foi descrita nas
Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013, p. 22 e p.66) uma
vez que: possibilita a articulação dos espaços e tempos educativos
dentro e fora da escola; promove a diversidade cultural, valorizando as
manifestações culturais da comunidade; estimula o gosto pela apren-
dizagem; conecta o projeto político pedagógico da escola ao trabalho
pedagógico e à infraestrutura; integra e valoriza os profissionais da
educação, os estudantes, as famílias e os agentes da comunidade;
orienta a formação dos profissionais da educação; realiza a parceria
com órgãos da assistência social, cidadania, ciência e tecnologia, es-
porte, turismo, cultura, saúde e meio ambiente.
“A matriz curricular deve assegurar movimento, dinamismo e mul-
tidimensionalidade, de tal modo que os diferentes campos do
conhecimento possam se coadunar com o conjunto de atividades
educativas e instigar, estimular o despertar das necessidades e de-
sejos.” (BRASIL, 2013, p. 30). A LDB determinou a necessidade
de elaboração de uma Base Nacional Curricular, formada por uma
parte comum e uma parte diversificada. A parte comum é compos-
ta pelos seguintes componentes: Língua Portuguesa, Matemática,
Arte, Educação Física e conhecimentos do mundo físico, natural
e da realidade social e política. A parte diversificada é composta
pelos estudos das características regionais e locais, além de uma
língua estrangeira moderna. Ambas as partes devem se articular
organicamente e os componentes curriculares podem ser orga-
nizados em forma de áreas de conhecimento, disciplinas, eixos
temáticos, módulos ou projetos”. (BRASIL, 2013, p. 32 e 33).12
O Texto integral das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013)
afirma que:
12
CREI. Educação Integral Na Prática. Caderno 1.Disponível em: http://educacaointegral.org.br/na-pratica/
wp-content/uploads/2017/08/caderno-1_conceitos-principios-e-estrategias-estruturantes_na-pratica-1.
pdf. Último acesso em 05/10/2018.
50 CADERNO 1
Art. 13. O currículo, assumindo como referência os princípios
educacionais garantidos à educação, assegurados no artigo 4º
desta Resolução, configura-se como o conjunto de valores e prá-
ticas que proporcionam a produção, a socialização de significados
no espaço social e contribuem intensamente para a construção
de identidades socioculturais dos educandos.
§ 1º O currículo deve difundir os valores fundamentais do in-
teresse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do respeito
ao bem comum e à ordem democrática, considerando as condi-
ções de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento,
a orientação para o trabalho, a promoção de práticas educativas
formais e não-formais.
§ 2º Na organização da proposta curricular, deve-se assegurar o
entendimento de currículo como experiências escolares que se
desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas rela-
ções sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com
os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo
para construir as identidades dos educandos.
§ 3º A organização do percurso formativo, aberto e contextuali-
zado, deve ser construída em função das peculiaridades do meio
e das características, interesses e necessidades dos estudantes,
incluindo não só os componentes curriculares centrais obriga-
tórios, previstos na legislação e nas normas educacionais, mas
outros, também, de modo flexível e variável, conforme cada pro-
jeto escolar, e assegurando:
I – concepção e organização do espaço curricular e físico que se
imbricam e alarguem, incluindo espaços, ambientes e equipamen-
tos que não apenas as salas de aula da escola, mas, igualmente, os
espaços de outras escolas e os socioculturais e esportivo-recrea-
tivos do entorno, da cidade e mesmo da região;
II – ampliação e diversificação dos tempos e espaços curriculares
que pressuponham profissionais da educação dispostos a inven-
tar e construir a escola de qualidade social, com responsabilidade
compartilhada com as demais autoridades que respondem pela
gestão dos órgãos do poder público, na busca de parcerias pos-
síveis e necessárias, até porque educar é responsabilidade da
família, do Estado e da sociedade;
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 51
III – escolha da abordagem didático-pedagógica disciplinar, pluridis-
ciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar pela escola, que oriente
o projeto político-pedagógico e resulte de pacto estabelecido en-
tre os profissionais da escola, conselhos escolares e comunidade,
subsidiando a organização da matriz curricular, a definição de eixos
temáticos e a constituição de redes de aprendizagem;
IV – compreensão da matriz curricular entendida como propul-
sora de movimento, dinamismo curricular e educacional, de tal
modo que os diferentes campos do conhecimento possam se co-
adunar com o conjunto de atividades educativas;
§ 3º A organização do percurso formativo, aberto e contextualiza-
do, deve ser construída em função das peculiaridades do meio e
das características, interesses e necessidades dos estudantes, in-
cluindo não só os componentes curriculares centrais obrigatórios,
previstos na legislação e nas normas educacionais, mas outros, tam-
bém, de modo flexível e variável, conforme cada projeto escolar, e
assegurando:
I – concepção e organização do espaço curricular e físico que se
imbricam e alarguem, incluindo espaços, ambientes e equipamen-
tos que não apenas as salas de aula da escola, mas, igualmente, os
espaços de outras escolas e os socioculturais e esportivo-recrea-
tivos do entorno, da cidade e mesmo da região;
II – ampliação e diversificação dos tempos e espaços curriculares
que pressuponham profissionais da educação dispostos a inven-
tar e construir a escola de qualidade social, com responsabilidade
compartilhada com as demais autoridades que respondem pela
gestão dos órgãos do poder público, na busca de parcerias pos-
síveis e necessárias, até porque educar é responsabilidade da
família, do Estado e da sociedade;
Art. 17. No Ensino Fundamental e no Ensino Médio, destinar-se-
-ão, pelo menos, 20% do total da carga horária anual ao conjunto
de programas e projetos interdisciplinares eletivos criados pela
escola, previsto no projeto pedagógico, de modo que os estudan-
tes do Ensino Fundamental e do Médio possam escolher aquele
programa ou projeto com que se identifiquem e que lhes permi-
tam melhor lidar com o conhecimento e a experiência.
52 CADERNO 1
§ 1º Tais programas e projetos devem ser desenvolvidos de modo
dinâmico, criativo e flexível, em articulação com a comunidade
em que a escola esteja inserida.
§ 2º A interdisciplinaridade e a contextualização devem assegurar a
transversalidade do conhecimento de diferentes disciplinas e eixos
temáticos, perpassando todo o currículo e propiciando a interlo-
cução entre os saberes e os diferentes campos do conhecimento.
A BNCC e a Educação Integral
A Base Nacional Comum Curricular, homologada em dezembro
de 2017, prevê direitos de aprendizagem e desenvolvimento que
devem ser garantidos a todos e cada um dos estudantes de cada
escola do país.
Em seu texto introdutório, a BNCC apresenta a Educação Integral
como proposta formativa da educação básica. Com base neste en-
foque, o documento apresenta dez competências gerais, que se
inter-relacionam e perpassam todos os componentes curriculares ao
longo da Educação Básica, para a construção de conhecimentos, habi-
lidades, atitudes e valores.
Resumidamente, ao concluir a Educação Básica, os brasileiros deverão
ser capazes de: participar da construção de uma sociedade solidária;
exercitar a curiosidade intelectual recorrendo à abordagem das ciên-
cias; valorizar esteticamente a diversidade artística e cultural; utilizar
as diversas linguagens para produzir sentidos compartilhados; utilizar
as tecnologias para produzir conhecimentos e resolver problemas;
construir seu projeto de vida; posicionar-se eticamente em relação ao
cuidado de si, dos outros e do planeta; reconhecer-se parte de uma
coletividade com a qual se compromete; orientar-se por princípios
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Tendo em vista estas competências, a BNCC organiza os direitos de
aprendizagem, os campos de experiência, as competências de cada
área e de cada componente curricular, as unidades temáticas e os
objetos de conhecimento. Esta organização é proposta como um
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 53
mapa para navegação, um cardápio de oportunidades para múltiplos
arranjos, jamais interferindo nas muitas possibilidades de organização
do conhecimento escolar.
Por isto, a BNCC não pode ser confundida com o currículo que cada
rede e escola constrói, com base em seu projeto político pedagógico,
seu contexto e as características de seus estudantes, valendo-se da
autonomia garantida pela LDB e pelas DCN.13
Desafios:
A BNCC foi gestada desde o debate e proposição do Plano Nacional
de Educação de 2010 e teve duas versões preliminares mais ampla-
mente debatidas entre 2014 e 2017. No entanto, a terceira versão
foi sumariamente publicada e homologada em 2017 desconsiderando
a ênfase na pluralidade de ideias pedagógicas garantida pela LDB e
pelas DCN e na teorização curricular contemporânea, a qual não é
referenciada ou citada.
O documento final desdobra as dez competências gerais em 29
competências específicas por área, 55 competências por componente
e arrola exatas 1.303 habilidades a serem fixadas durante o ensino
fundamental como aprendizagens essenciais (NEIRA, 2018). Portanto,
apesar de, em seu texto introdutório, a BNCC afirmar que “propõe a
superação da fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimen-
to, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto
para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudan-
te em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida”
(BRASIL, 2017, p.14), a apresentação desarticulada das áreas e dos
componentes curriculares nos capítulos seguintes, sem inferir qual-
quer relação com as competências gerais, coloca o desafio de que as
redes estaduais e municipais estabeleçam estas articulações.
13
CREI. Educação Integral Na Prática. Caderno 1.Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/na-
pratica/wp-content/uploads/2017/08/caderno-1_conceitos-principios-e-estrategias-estruturantes_na-
pratica-1.pdf>. Último acesso em 05/10/2018.
54 CADERNO 1
Riscos:
É preciso haver uma explicitação clara da relação entre a) a garantia
das aprendizagens previstas – na forma de direitos e objetivos; b)
os conhecimentos necessários para tanto; e c) as abordagens meto-
dológicas mais compatíveis, que indiquem critérios adequados para
planejamento e a avaliação do trabalho pedagógico. Essa é uma
iniciativa importante para evitar, tanto quanto possível, que redes
e escolas optem por aderir a sistemas apostilados, a livros didáticos
descontextualizados e a tecnologias educacionais pautados por um
conteudismo que já se mostrou ineficaz para produzir aprendizagem
(por orientar o planejamento exclusivamente para a obtenção de
resultados nas avaliações externas).
Para enfrentar esse risco, é fundamental que as redes e escolas promo-
vam processos participativos de construção, de reflexão e de discussão
das suas matrizes curriculares e apoiem as escolas a desenvolver:
① Critérios coletivos sobre por que, o que, como e quando ensinar e avaliar;
②
Pesquisa e produção de práticas pedagógicas integradoras e contextuali-
zadas que promovam o desenvolvimento das competências e garantam a
pertinência do processo educativo para todas e todas os/as estudantes.
A proposição formativa deste presente material recupera a noção
fundante da legislação e do debate curricular brasileiro de superar
desigualdades e ampliar a garantia de direitos de aprendizagem e
desenvolvimento por meio da educação escolar. Portanto, reco-
nhecemos a oportunidade histórica de reconstrução coletiva e
contextualizada das práticas escolares instaurada com a BNCC e,
por meio de sua leitura e interpretação críticas – com ênfase na
garantia de autonomia e liberdade de organização das unidades
escolares garantidas pelas DCN e LDB –, propomos recuperar a
perspectiva de recontextualização das aprendizagens no tempo e
espaço dos territórios educativos como práticas pedagógicas con-
cretas de garantia de direitos.
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 55
A BNCC e o conceito de experiência educativa
“Anunciar os direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento consti-
tui-se, assim, numa tomada de posição: o reconhecimento de que à
escola cabe um papel de relevância na realização da formação in-
tegral dos estudantes. Isto implica em dizer que a formação integral
não é de exclusiva responsabilidade da escola, mas, ao contrário, que
esta formação não se dará sem que aquilo que lhe é próprio à escola:
o diálogo de forma sistemática com o universo de saberes, valores e
práticas do qual o estudante é portador. A Base Nacional Comum
Curricular [resulta], pois, da compreensão de que o Currículo Escolar
é o espaço de escolhas, formulações, seleção e hierarquização de sa-
beres e experiências formativas e de práticas que podem proporcionar
aos estudantes transitarem para formas mais profundas e abrangen-
tes de compreensão da realidade. Propõe-se superar as perspectivas
estandardizadas de currículo que projetam conteúdos mínimos em
rígidos degraus de evolução, e que se articulam de forma mais ou
menos sistemática e indicam o lugar onde o estudante deve chegar
para atender o desejo da escola. Essa forma tradicional precisa ser
suplantada por um currículo construído com o objetivo de garantir o
exercício do Direito à Aprendizagem e ao Desenvolvimento, a partir
da experiência escolar concebida de forma integrada, e responsável
pela apropriação, por parte do estudante, de conhecimentos prove-
nientes de diversos âmbitos de referência. Isto indica que a integração
é mais que o ato pedagógico; ela se apresenta como possibilidade
epistemológica [ou seja, da possibilidade de construir conhecimento].
Desta forma, a integração se constrói intencionalmente como ato de
conhecer. Trata-se de um ato que parte do lugar onde se encontra o
interlocutor para o reconhecimento e aproximação dos conhecimen-
tos consolidados na escola ou fora dela, constituindo-se em processo
de significação e ressignificação da experiência educativa.” (BONINI
et al, 2018, p.69)
Dica
ACESSE AQUI O TEXTO INTEGRAL DA
Base Nacional Curricular Comum Clique aqui
DISPONÍVEL NO SITE DO MEC.
56 CADERNO 1
O que são as dez Competências
Gerais da BNCC?
O conjunto das dez competências que orientam a BNCC afirma uma
concepção de Educação Integral e a importância do conhecimento em
uso, no lugar do acúmulo de informações. Com essas competências,
a Base retoma uma visão de educação para a vida que requer como
princípios pedagógicos uma visão integrada da aprendizagem e do
desenvolvimento humano, a contextualização na construção do co-
nhecimento escolar e a participação ativa dos sujeitos envolvidos nos
processos educativos, a começar pelos estudantes.
A BNCC define competência segundo a concepção adotada nos
últimos anos em vários documentos do Ministério da Educação e em
instituições educacionais internacionais, como a ONU e a UNICEF,
que explicita a relevância dos saberes em uso:
“Competência é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socio-
emocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas
da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho. Ao definir essas dez competências, a BNCC reconhece que
a educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam
para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, so-
cialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza,
mostrando-se alinhada à Agenda 2030 da Organização das Nações
Unidas (ONU)14 .” (BRASIL, 2017, p.8)
14
ONU. Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>.
Último acesso em 10/10/2018.
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 57
9
O que são as dez Competências Gerais indicadas na BNCC?
10. Responsabilidade 1. Conhecimento
e cidadania
9. Empatia e cooperação 2. Pensamento científico,
crítico e criativo
8. Autoconhecimento
e autocuidado COMPETÊNCIAS 3. Repertório cultural
GERAIS
BNCC
7. Argumentação 4. Comunicação
6. Trabalho
e projeto de vida 5. Cultura digital
As 10 dimensões das competências gerais propostas na BNCC como articuladoras das áreas
do conhecimento e de todo percurso formativo na educação básica brasileira. As competências
propriamente ditas são as ações ou a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores
nestas dimensões e nas áreas do conhecimento (os verbos destacados em negrito no texto abaixo
remetem à essa mobilização). Fonte: Movimento pela Base.
Segundo a BNCC, a formação pretendida para crianças, adolescen-
tes, jovens e adultos que frequentam as escolas brasileiras como
estudantes deve ter como objetivo o desenvolvimento das seguintes
competências:
① Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos
sobre o mundo físico, social e cultural para entender e explicar a
realidade (fatos, informações, fenômenos e processos linguísticos,
culturais, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos e naturais),
colaborando para a construção de uma sociedade solidária.
58 CADERNO 1
② Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria
das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica,
a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar
e testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar
soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
③ Desenvolver o senso estético para reconhecer, valorizar e fruir
as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
mundiais, e também para participar de práticas diversificadas da
produção artístico-cultural.
④ Utilizar conhecimentos das linguagens verbal (oral e escrita) e/
ou verbo-visual (como Libras), corporal, multimodal, artística,
matemática, científica, tecnológica e digital para expressar-se
e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em
diferentes contextos e, com eles, produzir sentidos que levem ao
entendimento mútuo.
⑤ Utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de forma
crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do cotidiano
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar
informações, produzir conhecimentos e resolver problemas.
⑥ Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais
para apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe
possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho
e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal,
profissional e social, com liberdade, autonomia, consciência crítica
e responsabilidade.
⑦ Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis,
para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e
decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos
e a consciência socioambiental em âmbito local, regional e global,
com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo,
dos outros e do planeta.
⑧ Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e
capacidade para lidar com elas e com a pressão do grupo.
⑨ Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a
cooperação para fazer-se respeitar e promover o respeito ao
outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos
e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 59
potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade,
habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra
natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com
a qual deve se comprometer.
⑩ Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade,
flexibilidade, resiliência e determinação para tomar decisões, com
base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios
éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Por que currículos baseados em competências?
No século XXI, vem ocorrendo uma renovação global de referen-
ciais curriculares nacionais em muitos países. Com a consolidação de
uma mudança social e tecnológica intensa15 , torna-se cada vez mais
necessário estabelecer conexões de temas e desafios entre as apren-
dizagens vividas na escola e os múltiplos contextos, temas e desafios
da vida e do trabalho. Essa tendência já havia sido antecipada pela
UNESCO no relatório de 1996, “Educação: um tesouro a descobrir”,
no qual se postulava que o enfoque da educação no século XXI de-
veria ser garantir o aprender a aprender em quatro pilares: aprender
a ser, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a conhecer.16
Diante dos desafios planetários contemporâneos, em escala local e
global, a proposta das mesmas organizações mundiais pactuada na
15
Com o alto desenvolvimento tecnológico, a sociedade e a vida cotidiana passou a ser cada vez
mais mediada por objetos técnicos, dos celulares-computadores (smartfones) à comida processada
industrialmente, aos carros, aos móveis e vestuário produzidos em larga escala e alta tecnologia. De uma
sociedade baseada na ciência da indústria, passamos a viver numa sociedade urbano-industrial baseada
em serviços de informação cada vez mais dependente da cultura e da ciência digital – o que Milton
Santos conceituou como a passagem do meio técnico-científico ao meio técnico-científico-informacional
(SANTOS, 1996; 2001). Nessa sociedade, os trabalhos humanos repetitivos passam a ser cada vez mais
substituídos por máquinas (catracas eletrônicas, caixas eletrônicos, buscadores eletrônicos etc.) e os
conhecimento e habilidades mais requeridos nessa sociedade da informação e do conhecimento científico
são justamente as competências criativas e críticas que apenas (ou ainda) os humanos podem produzir.
16
“Em 1996, o Relatório Delors propôs uma visão integrada da educação baseada em dois conceitos
chave: aprendizagem ao longo da vida e os quatro pilares da educação (aprender a conhecer, a fazer, a
ser e a viver juntos). Não era, intrinsecamente, um modelo para a reforma educacional, mas uma base
de reflexão e debate sobre quais deveriam ser as escolhas para a formulação de políticas. O relatório
argumentava que as escolhas sobre educação eram determinadas por escolhas sobre o tipo de sociedade
em que queríamos viver. Além da funcionalidade imediata da educação, considerava a formação da
pessoa como um todo, como elemento essencial do propósito da educação. O Relatório Delors estava
diretamente alinhado com os princípios morais e intelectuais subjacentes à UNESCO e, portanto, suas
análises e recomendações eram mais humanistas e menos instrumentais e condicionadas pelo mercado
do que outros estudos de reforma educacional da época.” (UNESCO, 2015, p.19)
60 CADERNO 1
Declaração de INCHEON em 2015 é o enfoque do Desenvolvimento
Sustentável Global, com 17 grandes Objetivos do Desenvolvimen-
to Sustentável que dependem fortemente da educação baseada em
competências para ser alcançado.
Dica Saiba mais
Conheça Conheça a
a definição plataforma-
que a Unesco Agenda para o
utiliza para Desenvolvimento
conhecimentos Sustentável até 2030
e competências <HTTP://WWW.AGENDA2030.ORG.BR/>.
Último acesso em 10/10/2018.
Clique aqui Clique aqui
Tendências mundiais
Muitas orientações curriculares nacionais têm buscado estabelecer
competências gerais como grandes objetivos organizadores da cons-
trução do conhecimento escolar e da formação global das crianças
e jovens, bem como para a formação continuada de professores. As
competências funcionam como macro-objetivos e condicionantes
metodológicos das propostas integradoras de todo desenho curricular
e da implementação das políticas educacionais correlacionadas: apren-
der conhecimentos, habilidades, valores e atitudes no uso e para o uso
social dessas aprendizagens. Aprender para mobilizar e transferir co-
nhecimentos de um campo a outro do conhecimento e entre diferentes
contextos, da escola às situações sociais cotidianas. A ilustração abaixo
tenta mostrar essa inversão contemporânea na ênfase curricular.
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL
10 61
Tendência de virada das ênfases
curriculares no século XXI
Criar e transferir conhecimentos e
capacidades em situações novas e
Criar e contextualizadas
ALGORITMOS
transferir
Entender
Compreender
INTELIGÊNCIA
Entender e
ARTIFICIAL
Compreender fenômenos
Informações
e dados
BUSCA
dados
Centro de Referências em Educação Integral
A tendência de inversão de ênfase nas intencionalidades pedagógicas do currículo para a construção
de conhecimentos poderosos (emancipadores) em um mundo cada vez mais mediado pelo
desenvolvimento tecnológico e pela inteligência artificial: da ênfase na identificação e compreensão
básica de informações e dados à ênfase na criação de conhecimentos e nas capacidades de transferí-
los entre diferentes contextos sociais e objetos de investigação.
A imagem acima tenta expressar uma tendência mundial na revisão
curricular em muitos países ao longo do século XXI – a tendência de
inverter o que ocorria predominantemente na educação durante o
século XX (pirâmide à esquerda): grande ênfase no letramento nas
várias áreas do conhecimento para praticar a identificação e deco-
dificação de informações e dados (base mais larga da pirâmide), uma
ênfase mediana no desenvolvimento das capacidades de entender
e compreender linguagens e fenômenos (meio da pirâmide) e pouca
ênfase nas capacidades de transferir, criar ou aplicar conhecimentos
e capacidades em outros usos e contextos para além da escola (topo
mais estreito da pirâmide). Com o avanço e disseminação das novas
tecnologias digitais de busca e de inteligência artificial (como o google,
aplicativos de smartphones e computadores, dentre outros), as capa-
cidades da base da pirâmide (pontos pontilhados) são cada vez mais
62 CADERNO 1
rapidamente desempenhadas por máquinas do que por seres huma-
nos. Se, com a modernidade, a escola já deveria se comprometer com
o ideal de formação humana para o desenvolvimento integral e o pen-
samento crítico autônomo, com a massificação do ensino e o avanço
tecnológico da inteligência artificial o imperativo ético torna-se tam-
bém técnico: habilitar crianças e jovens a serem autores e autônomos
no uso das tecnologias para desenvolvimento da compreensão, análise
e transferência de conhecimentos e capacidades a novas situações.
Nesse contexto, a educação no século XXI precisa fazer o inverso do
passado (pirâmide invertida à direita) e fortalecer o desenvolvimento
de competências de aprendizagem profunda: aprender no contexto de
uso e para o uso social de conhecimentos e habilidades ou seja, esti-
mular a criação e transferência de conhecimentos e capacidades para
além do contexto de aprendizagem inicial, aplicando-os em situações
novas e contextualizadas.
Para isso, as ênfases didáticas do passado precisam ser invertidas,
como exemplifica a pirâmide da direita: garantir apenas na medida
necessária o letramento para formar a capacidade básica de identificar
e decodificar informações (base menor), intensificar as capacidades de
entender e compreender fenômenos (meio da pirâmide) e dar muita
ênfase no desenvolvimento das capacidades de criação e transferência
de conhecimentos e habilidades em novas situações, ou seja, aplican-
do-os em contextos novos, conectados com a realidade, diferentes e
mais amplos que o contexto escolar (topo alargado da pirâmide).
Ao postular competências gerais como objetivos transversais e
integradores para o ensino e aprendizagem da construção de conhe-
cimentos relevantes para a vida, as propostas curriculares nacionais
estimulam, assim, o enfoque nas estratégias de aprendizagem ativa
(no uso e para o uso dos conhecimentos) e nas capacidades de trans-
ferência de saberes de um contexto a outro, de uma disciplina a outra,
da sala de aula e da escola aos diferentes contextos sociais.
As competências praticamente consensuais que podem ser identifi-
cadas nas diretrizes curriculares nacionais e regionais (por exemplo,
entre países muito diversos como Portugal, Inglaterra, África do Sul,
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 63
Canadá, Finlândia, Estados Unidos, Coreia do Sul, Cingapura, Austrá-
lia, Nova Zelândia, Chile e Colômbia) são: comunicação, colaboração,
criatividade e pensamento crítico. As mais recorrentes, além dessas
quatro, são cidadania e autoconhecimento/desenvolvimento pessoal.17
Intensificando o argumento da proposta educacional da UNESCO
(1996 e 2015), trata-se de uma abordagem não mais em dupla hélice
entre conhecimentos e habilidades: conhecer para saber fazer e saber
fazer para conhecer mais. Trata-se de intencionalmente reorganizar
os currículos e práticas escolares para girar uma hélice quádrupla:
formar conhecimentos para ampliar habilidades que exijam desen-
volver atitudes e valores que fortaleçam autoconhecimento, crítica e
comprometimento ético-cidadão com o território e com o mundo, o
que, por sua vez, estimula e aprofunda a construção de mais conhe-
cimentos, habilidades, valor e atitudes. O motor da hélice deve ser,
portanto, ativar constantemente a atitude investigativa e crítica (de si
mesmo, dos conhecimentos, do mundo, do outro) de modo situado e
integrado nos territórios – do local ao global.
Problematização: Especial atenção precisa ser dada à definição dos
conhecimentos essenciais ou conhecimentos mínimos propostos em
cada referencial curricular: há uma visão da contribuição formativa
essencial de cada área de conhecimento? A listagem de habilidades a
serem garantidas vem acompanhada de especificação de contextuali-
zação e campo de conhecimentos e valores associados à sua aplicação
em práticas pedagógicas? Qual o papel dado aos professores na autoria
e implementação das práticas curriculares? Qual o papel dado aos
estudantes? Como se especifica em termos de práticas escolares de
ensino, aprendizagem e avaliação as competências gerais e os valores
de construção de autonomia dos indivíduos e de centralidade decisó-
ria do trabalho coletivo? São perguntas como essas que esclarecem,
na prática, as diferentes propostas e concepções curriculares.
17
Na síntese de FULLAN et al (2018), os 6 Cs do currículos mundiais são: comunicação, colaboração,
criatividade e pensamento crítico, cidadania e caráter (palavra esta que, que em inglês é mais utilizada
do que em português para designar desenvolvimento pessoal e autoconhecimento). Para estudos
comparados entre as propostas curriculares nacionais entre diferentes países, ver por exemplo REIMERS;
CHUNG (2017) ou FADEL et al (2016).
11
64 CADERNO 1
Como definir currículo?
Que dimensões compõem o processo
Centro de Referências em Educação Integral
de elaboração de um currículo?
Por que?
SUJEITOS MARCOS
O que? LEGAIS
Como?
ensinar
Onde?
e avaliar?
Quando?
TERRITÓRIO/
Para quem? CONTEXTO
Por quem?
Ilustração das questões fundamentais que compõem a elaboração curricular em uma perspectiva
de Educação Integral situada no território e centrada nos sujeitos aos quais garantir direitos de
aprendizagem e desenvolvimento.
Competências gerais, território
e áreas do conhecimento
Currículo é uma resposta teórico-prática do
POR QUE, O QUE, O ONDE, O QUANDO, O COMO,
O COM QUEM, O PARA QUEM, O PARA QUE E O PARA
QUANDO ensinar e avaliar aprendizagens
Se considerada a forma clássica de apresentação curricular, seriam
respectivamente a definição de objetivos, conteúdos, propostas meto-
dológicas, os tempos e os espaços previstos para o ensino e a avaliação.
Seja qual for a terminologia adotada, será preciso explicitar nos currí-
culos todos os seus elementos constitutivos: os por ques, que são as
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 65
aprendizagens pretendidas; os o ques necessários para garantir essas
aprendizagens, isto é, temas, conceitos, procedimentos, valores, atitu-
des, normas de conduta e tudo o mais que contribuir nesse sentido;
os comos, que são as abordagens que favorecem a conquista das
aprendizagens pretendidas, do ponto de vista do modelo curricular, da
organização em modalidades didáticas e do tratamento metodológico
específico; os quandos, que são os tempos de experiência e os perío-
dos compatíveis com as abordagens do que é objeto de aprendizagem
Inserir na página 63
dos alunos. Os ondes são os arranjos espaciais, os equipamentos e
as infraestruturas necessários para suportar e favorecer as apren-
dizagens quando são refletidos e tomados como objeto de estudo,
investigação e construção de conhecimento.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
E DESENVOLVIMENTO
BNCC
O “por que” e “o que” ensinar e avaliar
DIAGNÓSTICO E ESCUTA DOS SUJEITOS
CURRÍCULO, PPP
E PLANOS ANUAIS
“como” e o “para quem” garantir direitos
de aprendizagem e desenvolvimento
PEDAGOGIA E CONTEXTUALIZAÇÃO
NO TERRITÓRIO
as perguntas curriculares: “por que”,
“o que”, “como” “quando e onde” e “para
quem” garantir direitos de aprendizagem
e desenvolvimento no território
Centro
Quadrode Referências em Educação
esquemático queIntegral
explicita
as responsabilidades pela definição dos
elementos da matriz curricular. Fonte: Elaboração própria
Quadro esquemático que explicita as responsabilidades pela definição dos elementos da matriz
curricular. Fonte: Elaboração própria
TERRITÓRIO
“o que”, “como” “quando e onde” e “para
quem” garantir direitos de aprendizagem
e desenvolvimento no território
66 CADERNO 1 Quadro esquemático que explicita as responsabilidades pela definição dos
elementos da matriz curricular. Fonte: Elaboração própria
Centro de Referências em Educação Integral
TERRITÓRIO
BNCC/DCN
ETRIZES DA REDE
DIR
PPP
ALL FFÍÍSS
CIIA IICC
OOC
AA
SS
EEM
ALL
MOC
A
LLTTUU R
CII O
O NN
CCUU
AALL
ININTTEEL T UAALL
L EEC T U
DIMENSÕES DO
DESENVOLVIMENTO
Esquema ilustrativo do processo de implementação curricular por meio de processos coerentes com a
concepção de educação para o desenvolvimento integral
Esquema ilustrativo do processo de implementação curricular por meio de processos coerentes com a
concepção de educação para o desenvolvimento integral
Como relacionar território e currículo?
Um território – agentes, espaços, dinâmicas e saberes de um lugar –
torna-se educativo quando seus potenciais educativos são identificados
e passam a ser acionados por intencionalidades pedagógicas. O territó-
rio insere questões e as sustenta, adquirindo dimensão no currículo da
escola e, pelo próprio processo de aprendizagem, recebe de novo as
questões reinventadas.
Um currículo, na perspectiva da Educação Integral, deve integrar os
potenciais educativos, pois isto amplia as ferramentas de contextua-
lização no processo de produção do conhecimento – aumentando a
pertinência, a inclusão e os vínculos estabelecidos entre estudantes
uns com os outros e com o conhecimento – e diversifica as ofertas
educativas e os espaços de aprendizagem dos estudantes – potencia-
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 67
lizando, entre outras coisas, a tão desejada articulação entre escola e
famílias, escola e comunidade.
Pode-se afirmar, igualmente, que é assim que o currículo integrador
também apoia o desenvolvimento das competências gerais da BNCC,
na medida em que oferece um campo concreto de experiências no
qual os estudantes podem aplicar e consolidar habilidades, refletir
sobre o conhecimento construído e tomar consciência das atitudes
relacionadas a ele.
Este currículo integrador é com-
Dica posto por práticas pedagógicas
que articulam saberes locais e
Conheça a
proposta de potenciais educativos em prol da
Currículo aprendizagem dos educandos e da
da Cidade transformação do território.
Educadora da Esse processo confere à escola
Associação um papel fundamental na promo-
Cidade Escola ção do território como educativo.
Aprendiz Mobilizados por intencionalidades
pedagógicas, os educadores têm a
oportunidade de constituir práticas
pedagógicas baseadas no vínculo,
Clique aqui
na pertinência e em múltiplas lin-
guagens e interações.
Elementos para articular currículo e território
Reconhecer saberes locais
Os saberes são os modos de ser e fazer de cada território, e refletem
a cultura de um local e o contexto no qual uma comunidade está in-
serida. São conhecimentos socialmente construídos e estão presentes
em todos os territórios ainda que não sejam percebidos ou concebidos
como tal. Os saberes locais correspondem, portanto, a um reconheci-
68 CADERNO 1
mento: perceber e nomear práticas da vida cotidiana, como modos de
fazer e interagir, hábitos, valores, memórias e histórias daqueles que
residem no território.
Sob a perspectiva da Educação Integral, esses saberes operam como
insumo, vivência e contextualização do processo educativo empre-
endido por escolas, organizações sociais do território, como museus,
centro culturais, entre outros equipamentos. Os saberes locais são
fundamentais para a construção de aprendizagens significativas e
relevantes para crianças e jovens, pois constituem suas vivências,
percepções e concepções “espontâneas”, ou seja, são práticas e co-
nhecimentos prévios com as quais os estudantes chegam à escola.
Quais saberes?
A plataforma Currículo da Cidade Educadora
da Associação Cidade Escola Aprendiz mapeou
18 saberes já observados nos territórios:
Alimentação, Brincar, Calendário Local, Cultura de Paz, Cultura Popular,
Curas e Rezas, Economia Local, Étnico-racial, Expressões Artísticas,
Gênero, Habitação, Língua Falada, Meio Ambiente, Mobilidade Urbana,
Narrativas Locais, Organização Política, Patrimônio e Tecnologia
Conheça esses saberes
clicando aqui
Nesse sentido, os saberes locais podem ser tema ou ponto de parti-
da para a reflexão intencional das áreas do conhecimento escolar, ou
seja, saberes a partir dos quais se criam temas geradores e contexto
para a reflexão sobre as linguagens, a matemática, as ciências huma-
nas e as ciências da natureza.
A identificação destes saberes, apesar de fundamental, não represen-
ta por si só a incorporação dos potenciais educativos do território ao
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 69
currículo escolar. Para isto, é indispensável que haja intencionalidade
pedagógica na transformação destes potenciais educativos em con-
textos para aprendizagem e construção do conhecimento.
Mapear Potenciais Educativos
Os potenciais educativos são agentes, espaços ou dinâmicas de cada
território quando reconhecidos como capazes de gerar aprendizagem.
Quando identificados ou mapeados com intencionalidade pedagógica,
esses potenciais educativos revelam também formas de materialização
dos saberes locais e objetos de reflexão das áreas do conhecimento
naquele território.
Os agentes são pessoas, coletivos ou instituições (públicas ou priva-
das) que atuam direta ou indiretamente naquele local, modificando
suas dinâmicas, gerando demandas ou realizando intervenções. Os
agentes, se articulados, têm poder de transformar um território.
Os espaços são os ambientes (de fora e de dentro das edificações, das
escolas, dos museus, entre outros) e os lugares (espaço físico dotado de
significado, de identidade que atribui sentido e valor afetivo e social).
As dinâmicas são os processos naturais e sociais que ocorrem no
território: eventos climáticos, festas, rituais, deslocamentos, enfim,
processos que caracterizam formas de uso do território.
Definir a intencionalidade pedagógica
Intencionalidade pedagógica é o objetivo de ensino e aprendizagem
que o educador quer mobilizar nos estudantes a partir da sua prática.
É a partir da intencionalidade pedagógica que o educador articula o
reconhecimento dos saberes locais, dos potenciais do território e os
objetivos pedagógicos do currículo (competências gerais, conheci-
mentos e habilidades interdisciplinares ou propostos pelas áreas do
conhecimento). Alguns verbos auxiliam os educadores na tarefa de
definir e especificar seus objetivos curriculares por meio da investiga-
ção do território:
70 CADERNO 1
•• identificar, observar
•• mapear, registrar
•• experimentar, praticar
•• participar, fruir
•• ilustrar, exemplificar
•• explicar, argumentar
•• investigar, pesquisar
•• descrever, narrar
•• avaliar, comparar
•• ocupar, intervir
•• transformar, ativar
Por exemplo, a escola pode mobilizar estes objetivos de ensino e
aprendizagem na investigação do território para:
•• Identificar ou observar fenômenos in locco, de modo a ilustrar
conceitos e desenvolver explicações,
•• Desenvolver estratégias de coleta de dados (medições diretas,
entrevistas), registro ou mapeamento,
•• Avaliar condições comparando pontos positivos e negativos,
•• Ocupar ou usar determinados espaços como ambientes de
aprendizagem e interação
•• Transformar ou recriar certos ambientes, recuperando espaços
antes degradados ou renovando seus usos
A importância do território para a elaboração curricular
O “como” ensinar e avaliar implica o diagnóstico ou a escuta de
“quem” está envolvido na prática curricular: crianças e adolescentes,
sujeitos principais para quem se dirige o processo de aprendizagem
e desenvolvimento, bem como a escuta dos professores e demais
educadores, sujeitos por quem recai a responsabilidade institucional
pública da garantia dos processos de ensino e de avaliação. Dessa
escuta podem emergir práticas inovadoras, por exemplo, de co-res-
ponsabilização e estímulo à autonomia das crianças e jovens pelo
monitoramento e avaliação de sua própria própria aprendizagem e
desenvolvimento.
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 71
12
A importância do território
para a elaboração curricular
LINGUAGENS,
INVESTIGAÇÃO DO MÉTODOS E CAMPOS Proposta de triangulação
TERRITÓRIO DE CONHECIMENTO entre as competências gerais
DAS ÁREAS
da BNCC, a investigação
do território (potenciais
educativos e temas
geradores) e os objetivos
formativos de cada área
COMPETÊNCIAS do conhecimento como
GERAIS estratégia integrada e
integradora para a elaboração
de currículos alinhados à
Educação Integral.
Centro de Referências em Educação Integral
Desse diagnóstico e escuta, com frequência emergem eixos temáticos
(como afirma as DCN), temas geradores ou temas estruturantes (como
afirma a BNCC) cuja abordagem nas práticas de ensino e apren-
dizagem conferem pertinência e relevância para contextualizar os
conteúdos curriculares (unidades temáticas, objetos de conhecimento
e habilidades) no território – mediante temas, questões, saberes e
práticas relevantes para os estudantes e para a comunidade escolar.
A atenção aos estudantes contribui, muito frequentemente, para
tornar visíveis aspectos do território que podem ser objetos da cons-
trução do conhecimento, afinal, não basta estar em um território para
conhecê-lo. É preciso intencionalmente observar e refletir conceitual-
mente sobre os lugares – de residência, de estudo, de trabalho para
torná-los objetos de conhecimento (NASCIMENTO, 2017)
O território pode emergir como conteúdo e contexto para integrar
competências gerais e as áreas do conhecimento no currículo, envol-
vendo temas, saberes e práticas situados no ambiente local, como
conectados com territórios mais amplos, regionais, nacionais, globais e
mesmo virtuais.
72 CADERNO 1
É, portanto, esse território em suas diversas dimensões e escalas, que
precisa ser conhecido, reconhecido e incorporado pela escola nas diver-
sas práticas pedagógicas como estratégia de contextualização e criação
de vínculo, pertinência e relevância do estudo para os estudantes.
Nesse sentido, a contextualização no território ou a materialização
da “escola-território” no currículo (o “como, quando, onde e a quem”
ensinar) permite situar e especificar os objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento (o “por que” e o “o que” ensinar definidos pela BNCC)
de todas as áreas do conhecimento para os sujeitos da educação (em
quem se materializam os direitos de aprendizagem e desenvolvimento).
Dica Dica
1 2
Reflita sobre Reflita sobre as
perguntas-chave contribuições
para organizar formativas
a investigação das áreas do
pedagógica do conhecimento
território para o
desenvolvimento
integral
Clique aqui Clique aqui
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 73
A BNCC, currículos locais e autonomia escolar
Em conformidade com os princípios, direitos e deveres previstos na
Constituição Federal, a BNCC é um instrumento previsto na legislação
educacional com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL,
1996), nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013) e no Pla-
no Nacional de Educação de 2014.18
A Base Nacional Curricular Comum não é um currículo,
mas a base de princípios e conteúdos sobre os quais os diversos
currículos escolares brasileiros devem ser reelaborados e escritos.
Em lugar de especificar direitos de aprendizagem e desenvolvimento
comuns a todos os estudantes brasileiros, a BNCC define competên-
cias gerais e lista mais de mil habilidades, por áreas e componentes,
de modo desarticulado. Além desse desafio, ela induz à construção de
currículos conteudistas que assumem o ensino e avaliação das habili-
dades em grades fechadas.
18
“A Constituição Federal de 1988 menciona a exigência de fixação de “conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum.” A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) de 1996 determina que “os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e
do ensino médio devem ter base nacional comum”. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica de 2013 explicam que a base nacional comum “constitui-se de conhecimentos, saberes e valores
produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras do
conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas
atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da cidadania;
e nos movimentos sociais”. Finalmente, o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 estipula
o prazo de dois anos para “estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes
pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos
de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do ensino fundamental e médio,
respeitada a diversidade regional, estadual e local.” Para atender às determinações do PNE, em junho
de 2015, o MEC instituiu uma comissão de especialistas. Compuseram o grupo mais de uma centena de
profissionais, entre professores da Educação Básica representantes de todos os Estados da Federação e
pesquisadores vinculados a 35 universidades. Disponibilizada no portal eletrônico para consulta pública
em setembro daquele ano, a primeira versão do documento também foi encaminhada a leitores críticos
e submetida ao escrutínio de várias associações e entidades científicas. A ideia não era uniformizar o
currículo, mas sim estimular estados, municípios e unidades escolares a repensarem e fortalecerem suas
propostas, estratégia necessária para enfrentar o assédio promovido por vários setores (empresariado,
editoras de livros didáticos, igreja etc.) que, em muitos casos, acabam por corroer propostas locais de
cunho democrático.” NEIRA, Marcos. “Essa base não”. Artigo publicado no jornal da USP de 19/09/2018.
Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/essa-base-nao/. Último acesso em, 21/09/2018.
74 CADERNO 1
Outro problema diz respeito à implementação, uma vez que a BNCC
não explicita as responsabilidades de cada nível. Há um conjunto de
iniciativas que dizem respeito aos diferentes níveis de concretização
curricular, dois deles externos à escola e dois deles internos. Isso 13
porque a BNCC é um documento nacional, que terá de se desdobrar
em uma proposta curricular no âmbito das secretarias de educação e
depois, por fim, no âmbito das escolas – no Projeto Político Pedagógi-
co (PPP) e nos planos de ensino dos professores.
A importância do território para
Centro de Referências em Educação Integral
a elaboração curricular
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
LDB
BASE
DIRETRIZES
NACIONAL
CURRICULARES
COMUM
ESCOLAS
práticas
MATRIZ MATRIZ ppp e planos
TERRITÓRIO pedagógicas
CURRICULAR CURRICULAR anuais das
EDUCATIVO na escola e no
ESTADUAL MUNICIPAL escolas
território
A imagem acima demonstra o ordenamento jurídico da legislação de currículo no Brasil e destaca o
papel do território educativo na contextualização dos objetivos curriculares no que diz respeito às
matrizes das redes (estaduais e municipais) e às propostas das escolas (PPP e práticas pedagógicas).
A necessidade de contextualização nos territórios é reforçada pelos
marcos legais curriculares brasileiros desde 1988 e estão explícitas no
texto introdutório da BNCC nas seguintes passagens:
“a Lei de Diretrizes de Base da Educação deixa claros dois conceitos
decisivos para todo o desenvolvimento da questão curricular no Bra-
sil. O primeiro, já antecipado pela Constituição, estabelece a relação
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 75
entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria curricular:
as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos.
“O segundo se refere ao foco do currículo. Ao dizer que os conteúdos
curriculares estão a serviço do desenvolvimento de competências, a
LDB orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas
dos conteúdos mínimos a ser ensinados. Essas são duas noções fun-
dantes da BNCC.” (BRASIL, 2017, p.11)
“A BNCC e os currículos se identificam na comunhão de princípios e
valores que, como já mencionado, orientam a LDB e as DCN. Dessa
maneira, reconhecem que a educação tem um compromisso com a
formação e o desenvolvimento humano global, em suas dimensões
intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica. Além dis-
so, BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar
as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação
Básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante
o conjunto de decisões que caracterizam o currículo em ação. São
essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à realidade
local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino
e das instituições escolares, como também o contexto e as carac-
terísticas dos alunos. Essas decisões, que resultam de um processo
de envolvimento e participação das famílias e da comunidade,
referem-se, entre outras ações, a:
• Contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares,
identificando estratégias para apresentá-los, representá-los,
exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com
base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendiza-
gens estão situadas;
• Decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos com-
ponentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica
das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas,
interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da
aprendizagem;
• Selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógi-
cas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos
complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades
de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem,
suas comunidades, seus grupos de socialização, etc.;
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• Conceber e pôr em prática situações e procedimentos para moti
var e engajar os alunos nas aprendizagens;
• Construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de
processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as
condições de aprendizagem, tomando tais registros como referên-
cia para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos
alunos;
• Selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecno-
lógicos para apoiar o processo de ensinar e aprender;
• Criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores,
bem como manter processos permanentes de formação docente
que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de
ensino e aprendizagem;
• Manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão pedagó-
gica e curricular para os demais educadores, no âmbito das escolas e
sistemas de ensino.” (BRASIL, 2017, p.15 e 16, grifo nosso)
Autonomia e liberdade das redes de ensino e das escolas
Fundamental salientar que as redes e escolas têm autonomia para
definir suas estratégias para concretizar os direitos essenciais de
aprendizagem e desenvolvimento postulados pela BNCC:
•• “Organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos,
alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados,
com base na idade, na competência e em outros critérios, ou
por forma diversa de organização, sempre que o interesse do
processo de aprendizagem assim o recomendar”. (BRASIL, 1996,
Artigo 23)
•• Definição da “relação adequada entre o número de alunos
e o professor, a carga horária e as condições materiais do
estabelecimento” (BRASIL, 1996, Artigo 25)
•• Organização curricular e escolar conforme necessidade da
comunidade educativa:
CAP 03 • CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGR AL 77
“§ 3º A organização do percurso formativo, aberto e contextualiza-
do, deve ser construída em função das peculiaridades do meio e das
características, interesses e necessidades dos estudantes, incluindo
não só os componentes curriculares centrais obrigatórios, previstos
na legislação e nas normas educacionais, mas outros, também, de
modo flexível e variável, conforme cada projeto escolar, e asseguran-
do: I – concepção e organização do espaço curricular e físico que se
imbriquem e alarguem, incluindo espaços, ambientes e equipamentos
que não apenas as salas de aula da escola, mas, igualmente, os es-
paços de outras escolas e os socioculturais e esportivo-recreativos do
entorno, da cidade e mesmo da região; II – ampliação e diversificação
dos tempos e espaços curriculares que pressuponham profissionais da
educação dispostos a inventar e construir a escola de qualidade social,
(...) III – escolha da abordagem didático-pedagógica disciplinar, pluri-
disciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar pela escola, que oriente
o projeto político-pedagógico e resulte de pacto estabelecido entre os
profissionais da escola, conselhos escolares e comunidade, subsidiando
a organização da matriz curricular, a definição de eixos temáticos e a
constituição de redes de aprendizagem” (BRASIL, 2013, p.66)
Além disso, a Resolução nº 2 do Conselho Nacional de Educação CNE/
CP, de 22 de dezembro de 2017, determina no parágrafo único do
Capítulo I que as escolas poderão adotar as propostas de organização e
progressão que julgarem necessárias para implementação da BNCC.
“CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º A presente Resolução e seu Anexo instituem a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), como documento de caráter normativo
que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens es-
senciais como direito das crianças, jovens e adultos no âmbito da
Educação Básica escolar, e orientam sua implementação pelos siste-
mas de ensino das diferentes instâncias federativas, bem como pelas
instituições ou redes escolares.
Parágrafo Único. No exercício de sua autonomia, prevista nos artigos
12, 13 e 23 da LDB, no processo de construção de suas propostas
pedagógicas, atendidos todos os direitos e objetivos de aprendizagem
instituídos na BNCC, as instituições escolares, redes de escolas e seus
respectivos sistemas de ensino poderão adotar formas de organiza-
ção e propostas de progressão que julgarem necessários.” (BRASIL,
CNE/CP. Grifo nosso).