I.
O REGULAMENTO ADMINISTRATIVO
Justificação da sua existência
É de questionar, por que é que a ordem jurídica prestou-se ao “desvio” de conferir um Poder, ou
uma função pertencente ao legislador aos órgãos da Administração Pública. A resposta a esta questão
resolve-se com recurso a factores como a necessidade de responder à complexidade da vida social
impulsionada pela evolução do Estado liberal e sua subsitituição pelo Estado de justiça social, que
cada vez mais reclama respostas efectivas e concretas às necessidades dos administrados. Esteves de
Oliveira, p. 103
Além disso, a consabida irregularidade com que o parlamento se reúne para decidir e definir os
destinos do Estado e a frequente necessidade de disciplinar a vida social não pode ficar acorrentada a
bases gerais, pelo que, surge óbvia a intervenção de pessoas, órgãos “conhecedores da realidade,
tecnicamente mais habilitados e funcionalmente mais eficazes a desenvolverem com respeito das bases
gerais criadas pela lei, os comandos nesta contidos para os tornarem susceptíveis de aplicação
concreta”. (Ibidem)
Em função do que fica exposto, é mais que justificada a importância dos regulamentos no exercício
da função administrativa com o fim de materializar o interesse público, pela satisfação das necessidades
colectivas, mediante uma disciplina legal, reforçadora acima de tudo das garantias dos cidadãos.
1. Conceito de regulamento
O regulamento é tradicionalmente entendido como norma jurídica de carácter geral, abstracto e
permanente dotada de eficácia externa e criada pela Administração no exercício da função
administrativa.
Merece especial atenção o regulamento por ser este o instrumento através do qual a Administração
Pública, no exercício da função administrativa de gestão pública, regula a sua organização,
funcionamento, relação com os particulares e controla a sua actividade.
O regulamento ocupa no âmbito das fontes do Direito Administrativo um lugar privilegiado, razão
pela qual a seguir lhe dedicamos uma especial atenção.
2. Características do regulamento administrativo
- Generalidade e abstração; distinção com o acto admnistrativo; exemplos;
- Vigência sucessiva, ou execução permanente vs execução instantânea; determinabilidade e
indeterminabilidade; exemplos
3. As relações entre o regulamento administrativo e a lei
- ambas são normas gerais e impessoais, objectivas e compõem a ordem jurídica; p. 95
- Os tribunais aplicam-nos indistintamente; p. 96
-
- Para o Prof. Marcello Caetano, “a lei é um acto político, pelo qual se firma a ordem jurídica
superior do Estado, definindo o sentido superior do seu pensamento e da sua acção; o regulamento é
um acto da Administração tendente a realizar essa ordem jurídica superior por meio de directrizes
impostas aos agentes e de normas de conduta pública”. (op.cit. p. 97)
- falta novidade ao regulamento face ao carácter inovador da lei;
- os regulamentos são normas derivadas ou secundárias do ordenamento jurídico;
-------
A relação entre regulamento e lei que fizemos referência no número anterior não se faz da mesma
forma e com igual intensidade. Toma em consideração a dependência mais ou menos intensa, ou se
quisermos entender, apertada, daquele em relação a esta. É nesta base que se fala de regulamentos
de execução, praeter legem e independentes. (Esteves de Oliveira, p. 110)
4. Os regulamentos de execução ou complementares
Mário Es
- Simples desenvolvimentos e aplicação de outras normas???;
- concretizar a lei; conforma a lei à realidade social vigente;
5. Os regulamentos praeter legem
Os regulamentos praeter legem, disciplinam matérias que vão além do que é legalmente prescrito por
lei exequenda, sem prejuízo do órgão legislativo avocar o poder de regular nos termos em que entender
conveniente quer por razões de conveniência quer de oportunidade
6. Os regulamentos independentes
Os regulamentos independentes correspondem a normas administrativas que disciplinam de
forma primária e inicial, isto é, sem referência a qualquer lei prévia, certas relações sociais não incluídas
no domínio legislativo “por natureza”.
A questão que se coloca e divide posições é feita nos seguintes termos:
- O órgão superior da Administração Pública goza de poder genérico de fixar, por regulamento, a
disciplina inicial de toda e qualquer relação social que não foi, ainda, objecto de prévia definição por
parte dos órgãos legislativos?
Gomes Canotilho e Vital Moreira e o Tribunal Constitucional português entendem que não
podem existir regulamentos puramente independentes, isto é, sem fundamento numa lei prévia, por
ser certo que não cabe ao Governo intervir, de modo independente, aí onde o Poder Legislativo não
interviu ou simplesmente se esqueceu de legislar. Mais, parece que uma actuação assim fere o princípio
da separação de poderes, através do qual se preconiza que o poder primário e inicial para fixar a
disciplina básica ou geral da sociedade compete ao Poder legislativo. (José Figueiredo Dias e Fernanda
Paula Oliveira, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, Coimbra, 2.ª ed., Almedina, 2010, p. 157)
Afonso Queiró e Vieira de Andrade entendem que é possível existir regulamentos independentes,
excepto no que respeita especificamente à matéria atribuída ao domínio legislativo “por natureza”,
isto é, matéria de reserva absoluta da Assembleia da República. A fundamentação para esta posição é
que na sociedade actual, em que o domínio político se estende a todas as zonas da vida social, não é
possível identificar as leis que fixam a competência objectiva/material do Governo. Com efeito, a este
compete em geral a satisfação de qualquer necessidade colectiva, pelo que, uma norma que especifique
as suas atribuições seria desnecessária. (ibidem)
Para Vieira de Andrade, o fundamento para que o Governo edite estas normas é a necessidade de
dinamizar a ordem jurídica em geral, ou como refere A. Queiró, no âmbito da promoção do
desenvolvimento económico-social e da satisfação das necessidades colectivas.
Quanto a nós, dispõe o art. 179/1 da CRM que compete à Assembleia da República legislar sobre
questões básicas da política interna e externa do país. Quererá este comando autorizar outras pessoas
com competência legislativa, maxime, o Governo a legislar sobre quesões “não básicas”? Que questões
seriam estas? Aliás, se não fossem básicas não haveria sequer necessidade de as regular, na medida em
que não iportariam o bem comum.
Com efeito, o seu n.º 2 cria um leque de matérias de exclusiva competência da AR, o que significa
dizer que em relação a estas matérias de modo algum o Governo poderá emitir normas. E o mais
curioso é que já no n.º 3, há expressa indicação de que as demais matérias básicas da sociedade
moçambicana serão objecto de emanação normativa do Governo por via de competente autorização.
Como se pode ver, parece que no ordenamento jurídico moçambicano não há espaço para que se
possa falar numa actividade administrativa de criação de normas primárias em matérias sobre relações
e conflitos ainda virgens de intervenção legislativa.
7. O poder regulamentar autónomo
Regulamentos provindos de corpos administrativos diferentes do Estado, idem, p. 101, CRM 278
8. Regulamentos autónomos das autarquias locais, regulamentos de organização e
funcionamento dos serviços públicos: a relação de serviço e as relações especiais e poder
Os regulamentos autónomos das autarquias locais são normas administrativas que correspondem
à “manifestação da autonomia reconhecida a um determinado ente administrativo para gerir e cuidar
dos interesses que são postos a seu cargo”. (Esteves de Oliveira, p. 117)
Correspondem em regra aos regulamentos praeter legem e destinam-se, nos termos do art. 278.º da
CRM a regulamentar os interesses próprios das respectivas populações, no âmbito das atribuições
próprias desses entes. (vide art. 6.º da Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro). Em relação a essas necessidades
colectivas, as autarquias gozam de poder regulamentar próprio, decorrente da autorização legal que
previamente define o seu campo de actuação.
Estes regulamentos autónomos (disciplinadores do modo e condições da prestação dos órgãos
dos serviços públicos aos utentes e o comportametno ou conduta a observar pelos agentes
administrativos), nomeadamente, diferem dos regulamentos independentes, cujo fulcro é a fixação de
uma disciplina primária e sem qualquer intervenção prévia do legislador na matéria regulamentada.
9. Os regulamentos internos
Os regulamentos internos contêm normas administrativas que “traçam o âmbito de cada sub-
unidade dentro de um serviço e as tarefas de cada agente, e a regular as relações entre agentes, dos
agentes com os órgãos de que dependem ou até o funcionamento de um órgão colegial” e bem assim
o modo de prestação de serviços ao utente. (Marcello Caetano, Manual de Direito..., p. 100; Esteves, p.
124)
Estes instrumentos só incidentalmente têm valor jurídico, mormente, quando alguma das
formalidades neles prescritas para o funcionamento do serviço influam na decisão final a ser proferida
pelo órgão da Admnistração Pública. Destacam-se de entre eles as circulares, contendo orientações
ou instruções do superior hierárquico para os seus subalternos, incluíndo-se nesta categoria os
regimentos (corpos de normas aprovadas por órgãos colegiais que visam disciplinar a sua organização
e funcionamento). Estes não vinculam os cidadãos, apenas se dirigindo aos funcionários. (ibidem,
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, Direito Administrativo Geral, Actividade Administrativa,
Lisboa, Tomo III, 2.ª ed., Dom Quixote, 2009, p. 258)
Em termos de consequências jurídicas, estas normas não estão sujeitas ao controlo jurisdicional
dada a sua particular função ordenadora dos serviços internos sem repercussão para o cidadão.
(Esteves..., p. 129)
10. Os regulamentos externos
Os regulamentos externos compreendem normas administrativas, cuja aplicação afecta qualquer
pessoa. Por outras palavras, estas normas visam a produção de efeitos fora da pessoa colectiva de onde
elas emanam. (Marcelo Rebelo de Sousa, ibidem)
Devem ser consideradas de externas as normas organizatórias e funcionais, pois estas estão sujeitas
ao controlo jurisdicional e a sua aplicação é susceptível de causar prejuízos aos particulares. (Esteves...,
p. 129)
11. Competências e formas regulamentares (Tópicos)
O único órgão com competência regulamentar a nível nacional é o Governo. (art. 204, 1, f), 3,
210): Decretos e resoluções.
Autarquias locais têm competência regulamentar autónoma que lhes é reconhecida pelo art. 278
da CRM e art. 11 da LAL.
12. Existência, validade e eficácia dos regulamentos
Quais são os requisitos para tal?
a) Principais requisitos formais: processo de formação e a publicação dos regulamentos
Condicionantes da existência, validade e eficácia
Decretos e posturas
Arts. 21 a 35 da Lei 14/2011, de 10 de Agosto e 144 da CRM.
Art. 102 e ss e 13 da LAL
b) Principais requisitos substanciais: os limites do poder regulamentar – a hierarquia das fontes
do direito administrativo
Devem obedecer:
O princípio da legalidade (primado da lei (não contrariar a lei), reserva da lei (não inovar)
e precedência da lei(toda a actividade administrativa tem fundamento prévio numa lei
anterior);
Hierarquia
Fontes comuns
- CRM
- Direito Internacional recebido
- Lei e DL
A nível nacional
- Princípios gerais do Direito
- Dgoverno
- Diplomas ministeriais
- Despachos normativos – (Banco de Moçambique)
A nível das autarquias
- Princípios gerais do Direito
- Regulamentos das entidades tutelares, havendo
- Postura municipais/povoação
Não regular matérias constitucionalmente reservadas à lei
Mesmo nos casos de autorização ou delegação?
- Uns não por ferir a CRM
- Outros sim para adaptar à diversidade dos tipos de intervenção normativa nos campos
de tutela de bens difusos, como dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Que o
princípio da reserva deve ser elástico.
Não devem ter efeito retroactivo, com vista ao respeito das autoridades do tempo da
criação e respeito dos direitos dos particulares, legitimamente, adquiridos. Base: art. 3.º
CRM, 12 CC, os subprincípios da confiança e segurança jurídica. Porém, já não é aplicável
quando o regime é favorável aos cidadãos. Art. 57, 60 CRM.
Cada órgão com competência regulamentar não deve invadir a competência de outras
autoridades (competência subjectiva) e prosseguir o fim que determinou que lhe tenha sido
atribuído o poder regulamentar (competência objectiva)
Os regulamentos só podem ser substituídos e não revogados – portugal – para não dar
azo a que a AP desaplique certo tipo de leis. Vide Dec. 30/2001, de 15 de Outubro
Vinculação imediata dos regulamentos externos a todas as entidades públicas e privadas,
incluíndo o seu autor.
c) A violação dos requisitos de existência, validade e eficácia dos regulamentos
Inexistência
Ineficácia
13. A distinção entre a invalidade por ilegalidade
Inconstitucionalidade: orgânica,
Normas de dignidade constitucional – ilegalidade
Art. 245 CRM e lei 7/14
14. O início da vigência dos regulamentos: a inderrogabilidade singular dos regulamentos
5 CC
105 LAL
A regra da inderrogabilidade singular dos regulamentos traduz-se na ideia de que “a partir do
momento em que o regulamento [externo] entra em vigor vincula a todos os entes privados e
públicos (...)”. J. Figueiredo, p. 161). A AP não pode através das suas acções concretas violar os
comandos regulamentares sob pena de invalidade jurisdicional. A AP não pode revogar por via
individual e concreta os regulamentos administrativos que ela própria criou enquanto não forem
banidos da ordem jurídica.
Esta regra aplica-se porém ao regulamento interno.
15. Cessação da vigência dos regulamentos
a) A cessação automática
Caducidade
b) A cessação por nova manifestação da vontade da administração
Revogação, suspensão e modificação do regulamento
c) Apreciação e anulação contenciosa dos regulamentos ilegais
Lei 7/14