Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Época de recurso — Direito dos Contratos I
3.º ano TAN — 08.09.2022
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque
Tópicos de correção
Grupo I
Bento adquiriu, sob reserva de propriedade, um motociclo a António. Acordaram que o preço
(€20.000) seria pago em vinte prestações mensais de igual valor e que a entrega seria realizada
no momento do pagamento da décima prestação devida a título de preço. Acordaram ainda que
André poderia resolver o contrato por falta de pagamento de qualquer prestação,
independentemente do respetivo valor. Por fim, André exigiu, como modo de pressão ao
cumprimento, o pagamento de 15.000€ a Belarmino, que seriam devidos em caso de
incumprimento.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Bento não pagou a nona prestação. Esclareça a António a respeito dos direitos que lhe
assistem. (3,5 valores)
Qualificação completa e fundada como contrato de compra e venda a prestações sob
reserva de propriedade. Discussão e tomada de posição fundamentada a respeito da
aplicação do artigo 934.º do CC (em particular por não ter sido feita entrega); análise
no confronto com o regime consagrado no artigo 886.º do CC.
2) Após o pagamento da décima prestação, Bento decidiu vender o motociclo a Cecília. Na
sequência da falta de pagamento sucessivo quatro prestações, António resolveu o
contrato e exigiu a devolução do motociclo. Bento informou-o, porém, da grave colisão
de Cecília com um pesado, que resultou na total destruição do motociclo. Quid juris? (3,5
valores)
Emolduramento dogmático da compra e venda sob reserva de propriedade e consequente
qualificação do contrato celebrado entre B e C como compra e venda de bem alheio
(892.º CC). Análise do regime da compra e venda de bem alheio e aprofundamento do
regime de restituição consagrado no artigo 894.º CC. Discussão e tomada de posição
fundamentada sobre a aplicação do artigo 1269.º.
3) António pretende, após a falta de cumprimento de cinco prestações e na sequência de
diversas interpelações, Bento lhe devolva o automóvel e que pague os €15.000. Quid
juris? (3 valores)
Análise do regime do artigo 934.º do CC em particular por referência à possibilidade de
A resolver o contrato em face do incumprimento (definitivo) de B. Discussão e tomada
de posição fundamentada a respeito da natureza da cláusula penal acordada entre A e B
e, em coerência, sobre aplicação do artigo 935.º CC.
4) Um ano e meio após a celebração do contrato, Bento a António queixou-se de problemas
mecânicos. Este desresponsabilizou-se, afirmando ter adquirido o automóvel a um stand
pouco tempo antes da celebração do contrato. Quid juris? (3 valores)
Qualificação do contrato celebrado entre A e B como compra e venda de coisa
defeituosa. O facto de A ter adquirido o automóvel a um profissional pressuporia a
análise do problema à luz do regime consagrado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de
outubro (aplicável aos direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e
serviços digitais).
Grupo II
David contratou Emanuel para que este lhe reabilitasse um imóvel situado em Sines, pelo preço
de global de € 70.000.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Emanuel contratou Filipa para se ocupar da canalização. Cinco meses depois a
canalização apresentou defeitos. David contactou Filipa para proceder a reparação, o que
esta recusou. Daniel decidiu, então, contactar Zélia para proceder à reparação. Exige
agora de Emanuel e Filipa o pagamento daquelas despesas. Quid juris? (3 valores)
Qualificação completa e fundada do contrato celebrado entre D e E como empreitada
(1207.º do CC) e do contrato celebrado entre E e F como subempreitada (1213.º CC).
Discussão e tomada de posição fundamentada a respeito da existência de relações
diretas entre dono da obra e subempreiteiro no que respeita à eliminação de defeitos.
Resposta à questão de saber se (e em que condições) o dono da obra pode recorrer a
terceiros para efetuar reparações e, consequentemente, responsabilizar empreiteiro ou
subempreiteiro pelos custos do recurso a terceiro.
2) David apercebeu-se, durante a execução da obra, que Emanuel estava a executar
defeituosamente a obra. Cinco meses depois, aquando da comunicação do resultado da
verificação, informou Emanuel que recusava a obra por se tratar de obra defeituosa. Quid
juris? (3 valores)
Análise do regime do artigo 1209.º CC. Impunha-se, em concreto, responder à questão
de saber se o dono da obra está obrigado a denunciar imediatamente os defeitos no
momento da fiscalização ou se, pelo contrário, podia esperar pelo pode diferir essa
denuncia para o momento da comunicação do resultado da verificação (o que parece
constituir abuso de direito).
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