O documentário “A 13º Emenda”, da diretora Ava Duvernay, mostra os
desdobramentos sociais e novas dinâmicas que surgem no pós abolição estadunidense. Para
isso, trabalha com diversos sociólogos, ativistas, historiadores e políticos, na esperança de
destrinchar o link entre criminalidade, população negra e o crescimento do sistema prisional.
Em um misto de discussões sobre a demonização da pele preta, poder de influencia da mídia
sobre a percepção dos indivíduos e interesses políticos, a diretora demonstra, mais uma vez, o
poder do audiovisual como ferramenta histórica e historiográfica.
Nesse sentido, um ponto que se destaca e, consequentemente, tece o ritmo de outros
desdobramentos, é o lançamento do influente “Nascimento de uma nação”. Esse filme,
aclamado pelo publico e crítica da época, vinha como uma proposta de apresentar uma
história dos derrotados e foi responsável pelo crescimento de um sentimento nacionalista e
racista, em sua essência, proporcionando a volta de uma Ku Klux Klan nos países sulistas. No
entanto, o ponto que mais destaca essa função do audiovisual é a associação do homem negro
ao perigo, por causa de cena do homem preto, representado por um Black face e atitudes
animalescas, que tentava abusar de uma menina branca inocente. Sendo apoiado por teorias
racistas e eugenistas, a associação do preto com classes perigosas promovida por essa cena do
filme trilha um caminho pavimentado por sentimentos racistas e revanchistas no sul do país.
É nesse contexto, que o documentário começa a apresentar um ponto de perseguição
de negros nos estados do sul, responsável pela fuga dos negros desses estados e uma extensa
migração para lugares ao norte e a oeste, que hoje são conhecidos por terem população
majoritariamente negra, como Harlem e Compton. A ação desses grupos envolvia
linchamento e outras ações violentas, sendo retratado o caso de Emmet Till, um menino de 14
anos que foi morto por causa de, suposto assobio. Os linchamentos e essa “justiça” empregada
por brancos são registrados inúmeras vezes por jornais e veículos de mídia e de certo modo
pouco era repreendido, até um momento que começaram a ser vistos como uma vergonha da
nação e serem totalmente rechaçados pela grande mídia por sua brutalidade.
Então, o sistema começa a adotar outros recursos de opressão, e nesse momento
observamos a ascensão do Jim Crow e do sistema carcerário como meio de segregação. Um
ponto que me chamou muita a atenção é a semelhança desses acontecimentos com a teoria de
Michel Foucault. Em Vigiar e punir, principalmente, a ideia de mudança de Suplício para a
justiça de encarceramento é motivada principalmente pela noção de civilizado da sociedade
trabalhada. A semelhança com os linchamentos que começaram a ser vistos como brutal
demais para aquela nação ilibada, o que promove a transição para um sistema com o mesmo
propósito de matar, segregar e oprimir, mas com amparo legal e uma ideia de “justiça”
“civilizada”.
Logo, vemos a introdução do sistema carcerário e a associação dos pretos com classes
perigosas. Outro fator que vale destacar, é que essa associação de pretos com as classes
perigosas também se faz presente no Brasil pós abolição, apoiado pelas mesmas teorias
eugenistas e darwinistas sociais, que também favoreceu a prisão e segregação. Portanto, com
essas mudanças podemos observar, através dos relatos dos sociólogos e historiadores
convidados por Duvernay, como o próprio Estado que surgiu com essas “soluções civilizadas”
procurava meios de poder utilizá-las.
Nesse sentido, encontra-se a criminalização e repressão de movimentos sociais que
procuravam a emancipação preta. O surgimento de movimentos como o de MLK com um viés
reformista ou como os do BPP (Partido das Panteras Negras), que tinham um viés marxista
revolucionário, foram perseguidos diretamente pelo governo na grande mídia e
institucionalmente sendo tachados de inimigos públicos. O governo de Nixon, com as mãos
do FBI de Hoover foram essências para a prisão e assassinato de lideres negros mostrando um
sistema que visava defender seus próprios interesses. Portanto, lideranças como Fred
Hampton, Malcolm X, Luther King e Angela Davis foram abertamente perseguido pelo
estado.
Ainda nesse ponto de encarceramento da população preta, na transição de Nixon para
Reagan, a guerra as drogas é institucionalizada como política pública. Porém, essa guerra
como apresentado, afeta muito mais as populações pretas e provoca seu encarceramento. A
guerra volta seus olhos para as comunidades pretas diante da epidemia do crack, mas ignora
os executivos e juventude, branca, com cocaína, uma droga mais cara e presente em
ambientes de ricos. Nesse recorte, volta-se a com mais força a associação racial com o perigo,
com a ideia de que os negros estavam sujeitos a isso, um fator que chama a atenção é o dado
apresentado que mesmo os homens brancos sendo lideres nos casos de estupro contra
mulheres pretas, são os homens pretos que são colocados como perigosos e as mulheres
brancas como as protegidas, uma ideia de corrupção da bondade indissociável do branco.
Portanto, pode-se observar que o estado vem se organizando pra colocar vidas pretas
na grade e isso é representado por uma contagem que acontece ao longo do documentário
mostrando o numero crescente da população carcerária e depois mostrando estatísticas que
demonstram a maioria preta nesses ambientes. Para isso, o documentário nos apresenta os
projetos de Bill Clinton, e sua política de “Three Strikes Law”, que foi responsável por a
lotação e o boom da população carcerária. Além disso, vemos a participação e interesses de
megacorporações no progresso do sistema carcerário.
As megacorporações que além de uma conexão com o executivo, tem uma conexão
com o legislativo, mostrando como muitas leis foram produzidas por esse grupo de
empresários, o ALEC. Esse grupo que reunia grandes conglomerados tinha uma ligação forte
com Bill Clinton que com suas políticas favoreceu o boom carcerário e o encarceramento de
pessoas pobres, latinas e negras. Porém, um ponto importantíssimo é como esse
encarceramento que, teoricamente, é visto como meio de correção, é transformado em uma
fonte de lucro corporativa.
Um ponto que muito chama atenção é um fator que é apresentado ao longo do
documentário sobre um furo de contrato dentro da 13º Emenda, que proíbe trabalho sem
remuneração, tendo como o preso a exceção. Ou seja, o interesse das meã corporações dialoga
diretamente com esse furo de contrato e a lucratividade deles em cima de vidas negras
encarceradas para o lucro de grandes empresas, levantam a questão se a escravidão teve fim
nos e.u.a.