Sandor Szmutko/Shutterstock.
com
Criança participa de
manifestação de combate às
mudanças climáticas em Londres,
Reino Unido. Foto de 2019.
FRENTE 1
CAPÍTULO Verbo II: vozes verbais
15
Nessa fotografia, a criança brinca com uma bola que lembra o planeta Terra,
durante uma manifestação de milhares de pessoas que se reuniram por vários
dias, em diversos países, a fim de chamar a atenção para o problema das mudan-
ças climáticas. Quando um grande número de pessoas ocupa o espaço público
para manifestar suas opiniões sobre um problema da atualidade, as vozes de
muitos sujeitos se colocam no centro da ação.
No estudo da língua, a análise da vozes verbais nos permite identificar quem
realiza ou sobre quem recai determinada ação verbal, bem como seus efeitos
de sentido na construção dos textos. Neste capítulo, vamos estudar as vozes
verbais: ativa, passiva e reflexiva.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 5 04/04/2024 17:40:18
Os sentidos das vozes verbais isto é, em seu aspecto durativo, a viagem se prolonga, se
estende, se realiza em um longo período.
Estudamos, no capítulo anterior, os conceitos e prin-
No mesmo período, a oração “e os viajantes ficarão
cípios gerais do verbo. Além de classificar o verbo como
confinados dentro do foguete todo esse tempo” explicita
uma categoria gramatical que configura os processos da
outro fato verbal, o de que os viajantes sofrem o processo
realidade sob a influência do tempo, vimos que essa classe
de ficarem confinados. A eles cabe receber esse aconteci-
de palavras apresenta um conjunto de propriedades mais
mento de aspecto contínuo e habitual que é estar confinado
amplo do que o dos nomes, pois se estes se flexionam
em algum lugar por um dado tempo.
em número e pessoa, aqueles se flexionam em número,
pessoa, modo, tempo, aspecto e voz. exerce a ação
As flexões de número e de pessoa nos indicam, por
exemplo, a relação dos participantes de um enunciado,
A viagem até marte durará meses
manifestando-se nas formas de singular ou plural e da pri-
meira, segunda ou terceira pessoas.
As flexões de tempo e modo indicam, por exemplo, a sujeito verbo
posição temporal dos fatos verbais em relação ao momento
da enunciação (presente, passado e futuro) e os modos sofrem a ação
como o enunciador se posiciona em relação a esses fatos
verbais, como certeza (indicativo), dúvida/hipótese (subjun-
tivo) ou ordem/pedido (imperativo). Os viajantes ficarão confinados dentro do foguete
A flexão de aspecto indica a maneira como o enun-
ciador avalia o estado de coisas em relação ao fato verbal sujeito verbo
enunciado, referindo-se à duração como uma ação pro-
longada (aspecto durativo), uma ação terminada (aspecto Nesse período, duas vozes verbais produzem efeitos
conclusivo ou terminativo), uma ação iniciada (aspecto in- de sentido que se complementam – a viagem que dura,
coativo) ou uma ação corriqueira ou continuada (aspecto os viajantes que ficam confinados – e estabelecem uma
habitual ou permansivo). comparação com o enunciado anterior, que se refere ao
A voz verbal, por fim, coloca em evidência quem realiza isolamento provocado pela pandemia. O contraste entre
ou quem sofre uma ação verbal, quer dizer, se o sujeito essas duas situações e as reações da personagem Dona
realiza ou recebe o fato verbal enunciado. Dolores em cada uma são responsáveis por produzir o efei-
Leia a tirinha a seguir e compare os enunciados. to de humor da tirinha.
A perspectiva do verbo e o posicionamento
Will Leite - willtirando.com.br
dos enunciadores
A voz verbal cumpre a função de colocar no centro
da ação verbal determinado participante do processo ex-
presso pelo verbo. É notável que o próprio verbo, em sua
perspectiva, também produz diferentes significações, ainda
que se refiram a um mesmo acontecimento. A perspectiva
verbal trata do ponto de vista a respeito do acontecimento
enunciado e dos participantes que fazem parte dele.
A perspectiva verbal permite reconhecer o posiciona-
mento do enunciador, ao passo que a voz verbal indica
quem realiza ou quem sofre uma ação verbal. Dizer que
“manifestantes apedrejam vidraças” ou que “vidraças são
apedrejadas por manifestantes” são duas formas de tratar
um mesmo acontecimento, enunciado de perspectivas dis-
tintas, de modo que a voz verbal evidencia quem age na
ação (manifestantes, no primeiro exemplo) ou quem recebe
a ação (vidraças, no segundo), a despeito da posição de
sujeito da oração.
A ação verbal expressa por durará indica a continuida- Observe as duas manchetes a seguir, que se referem
de por “meses” do acontecimento expresso no sintagma a um mesmo acontecimento: a onda de protestos de um
nominal “A viagem até Marte”. Vale notar que o substantivo grupo que se tornou notável pelo uso característico de
viagem deriva de uma ação verbal (o ato de viajar), mas seu coletes amarelos durante todos os seus atos e pela con-
uso substantivado no enunciado permite que o fato verbal tinuidade das manifestações, que ocorrem desde 2018 e
expresso pela forma “durará” seja responsável por essa que começaram como um movimento contra o aumento do
ação. É a viagem quem realiza essa ação de “durar meses”, preço dos combustíveis na França.
6 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 6 04/04/2024 17:40:18
Texto 1
Coletes amarelos: Protestos violentos voltam a ocorrer nas ruas de Paris
Manifestantes destruíram e saquearam lojas em Paris neste sábado em um ressurgimento dos protestos dos “coletes amarelos”,
que começaram há quatro meses na França.
BBC News Brasil, 16 mar. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47544419. Acesso em: 18 mar. 2024.
Texto 2
Manifestantes depredam lojas de grife em Paris
Os manifestantes conhecidos como coletes amarelos entraram em confronto com a polícia em Paris pela décima oitava
semana seguida.
Band.com.br, 16 mar. 2019. Disponível em: https://www.band.uol.com.br/videos/manifestantes-depredam-lojas-de-grife-em-paris-16624233. Acesso em: 18 mar. 2024.
A escolha das formas verbais que compõem cada manchete não é isenta ou neutra. Em cada título, o discurso cons-
truído sobre um mesmo fato – os protestos realizados pelos coletes amarelos em Paris – é influenciado por variados
aspectos, como o enfoque que a notícia dá ao acontecimento relatado, o posicionamento do veículo de mídia que noticia
esse acontecimento, a mídia em que essa notícia circula e assim por diante.
Aqui, vamos explorar uma dessas possibilidades: o posicionamento do veículo de mídia. A centralidade da forma verbal
permite vislumbrar algumas dessas escolhas discursivas quanto aos posicionamentos dos enunciadores.
No Texto 1, a forma verbal “voltam a ocorrer” destaca a ocorrência de um fato (“protestos violentos”), relacionado à
agência de certo participante (“coletes amarelos”), mas esse participante não se liga ao verbo do enunciado diretamente
na oração: os “coletes amarelos” estão destacados no início da manchete, separados da oração principal por dois-pontos.
A construção da oração principal com uma locução verbal (em “voltam a ocorrer”), com verbo auxiliar + verbo no infi-
nitivo iniciado por preposição, aponta para o reinício (aspecto incoativo) do acontecimento – a retomada de protestos –,
fato que se insere em uma cadeia de ocorrências anteriores associadas aos mesmos participantes.
Nessa oração, o sujeito gramatical da locução verbal é “protestos violentos”. Observe que “ocorrer” é um verbo intran-
sitivo, cujo sentido é o de suceder um fato, um evento, mas um protesto é algo que, semanticamente, é sempre realizado
por alguém. Desse modo, a ação verbal expressa em “voltar a ocorrer” parece fruto do acaso, e não da ação orquestrada
de um grupo de pessoas.
Com essa escolha linguística, o enunciador parece querer chamar atenção para o tema da notícia (os coletes amarelos)
e só depois enunciar o acontecido (o reinício dos protestos), deixando a atribuição direta e objetiva da realização desses
protestos para o subtítulo (“Manifestantes destruíram e saquearam lojas…”).
Por esse título, pode-se inferir uma postura mais distante do veículo de mídia sobre o acontecimento, ao mesmo
tempo que explicita os “causadores” dos protestos sem dizer quais são as motivações ou as consequências desses
protestos. Cabe ao leitor fazer essa associação por conta própria.
Outras formas verbais produziriam diferentes sentidos, caso a primeira manchete tivesse sido redigida com outras
perspectivas verbais. Compare estas possibilidades de reescrita:
Coletes amarelos retomam protestos violentos nas ruas de Paris.
Coletes amarelos reiniciam protestos violentos nas ruas de Paris.
Protestos violentos são retomados nas ruas de Paris pelos coletes amarelos.
Protestos violentos são reiniciados nas ruas de Paris pelos coletes amarelos.
Nas duas primeiras “coletes amarelos” é o sujeito responsável por realizar protestos violentos. Nas duas últimas,
“protestos violentos” é o sujeito sobre o qual recai o acontecimento expresso pelo verbo, cuja ação é realizada pelos
coletes amarelos.
Em todas, a atribuição de responsabilidade é mais explícita e, sem dúvida, o leitor fica mais ciente do posicionamento a
respeito da origem ou dos responsáveis pelo acontecimento (coletes amarelos protestam) e do resultado (protestos violentos).
No Texto 2, o sujeito é diretamente associado ao fato verbal: manifestantes depredam. A escolha do verbo “depredar”,
cujo significado é “causar destruição” ou “apossar-se de bens alheios”, não é neutra: os manifestantes são responsáveis
pela destruição e/ou apropriação de algo. No caso, o texto dessa segunda manchete explicita o posicionamento contrário
do veículo de mídia à ação dos coletes amarelos (sem mencioná-los no título) e o favorecimento ou defesa da propriedade
das “lojas de grife”, alvos da depredação.
Por esse título, pode-se inferir que as lojas e as propriedades são tratadas como vítimas de violência e os manifestantes
são retratados como causadores da violência nos protestos.
FRENTE 1
Se modificada, a segunda manchete reforçaria ainda mais o alvo da depredação, caso tivesse sido redigida da se-
guinte maneira. Compare:
Lojas de grife em Paris são depredadas por manifestantes.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 7 04/04/2024 17:40:18
Ao analisar as diferentes possibilidades de construção das manchetes, é possível perceber os efeitos de sentido das
diferentes perspectivas e do uso das vozes verbais nos enunciados.
Como vimos, cada veículo de mídia adotou, por meio da perspectiva das formas verbais e das vozes verbais que com-
põem suas manchetes, diferentes posições diante do mesmo fato. Nesse procedimento, a língua é utilizada para produzir
discursos diferentes sobre um mesmo acontecimento da realidade.
Estabelecendo relações
Embora os veículos jornalísticos e seus profissionais, de modo geral, assumam a busca pela produção de notícias baseadas
em um relato isento e objetivo de fatos, a própria linguagem torna essa busca por neutralidade impossível, uma vez que a
linguagem nunca é neutra. A seleção de acontecimentos para serem relatados denota o posicionamento de um veículo tanto
quanto a escolha de palavras específicas para designar pessoas e fatos. A educação midiática também envolve reconhecer
os usos da linguagem para identificação dos posicionamentos dos enunciadores, isto é, dos veículos de mídia, em notícias,
reportagens e outros textos jornalísticos.
Classificação das vozes verbais
A classificação das vozes verbais se realiza por meio da observação dos papéis sintáticos e semânticos do período.
Elas se distinguem entre voz ativa, voz passiva e voz reflexiva. Tal classificação considera as relações entre o sujeito e o
complemento do verbo e os papéis (de agente ou de paciente) que cada um desses elementos cumpre na oração.
A flexão da voz do verbo ocorre com dois tipos de verbo: o transitivo direto e o transitivo direto e indireto. Nesses
verbos, o sujeito pode aparecer como aquele que realiza o fato verbal (voz ativa), que recebe o fato verbal (voz passiva)
ou que simultaneamente realiza e recebe o fato verbal (voz reflexiva).
Voz ativa
A voz ativa do verbo designa o acontecimento realizado pelo sujeito sobre o objeto (complemento verbal). Nela, o
acontecimento verbal é praticado pelo sujeito agente. A voz ativa é considerada, na língua portuguesa, a voz não mar-
cada, isto é, a voz padrão.
Leia esta manchete e observe a ação praticada pelo sujeito sobre o objeto.
Onde está a “Garota do Lo-Fi”? YouTube derruba live de música por engano
Rolling Stone, 12 jul. 2022. Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/entretenimento/onde-esta-garota-do-lo-fi-youtube-derruba
-live-de-musica-por-engano/. Acesso em: 18 mar. 2024.
A relação sintática centrada na forma verbal “derruba” requer um sujeito e um objeto: alguém derruba algo. A função
de “YouTube” é de sujeito, a de “live de música” é de objeto direto. Nessa estrutura, a relação semântica é do sujeito que
pratica uma ação e do objeto que sofre a ação praticada pelo sujeito.
Vejamos outros exemplos:
A editora publicou um novo livro. Eles alugaram aquela casa.
sujeito agente objeto direto sujeito agente objeto direto
voz ativa voz ativa
Observe que, nos exemplos dados, as formas verbais “publicou” e “alugaram” são verbos transitivos diretos, cuja
perspectiva semântica requer objetos para preencher seus sentidos.
Voz passiva
A voz passiva do verbo designa o fato verbal sofrido pelo sujeito. Nela, a ação verbal ocorre sobre o sujeito paciente.
O agente que realiza essa ação pode estar ou não presente na oração.
Leia esta outra manchete, que trata do mesmo acontecimento da manchete anterior. Observe a ação verbal sofrida
pelo sujeito.
Transmissão da “menina do lo-fi” é derrubada pelo YouTube após 20 mil horas
MENEZES, Clara. O Povo, 11 jul. 2022. Disponível em: https://www.opovo.com.br/vidaearte/2022/07/11/transmissao-da-menina-do-lo-fi-e-derrubada-pelo-
youtube-apos-20-mil-horas.html#:~:text=Ap%C3%B3s%2020%20mil%20horas%20em,milh%C3%B5es%20de%20reprodu%C3%A7%C3%B5es%20na%20
plataforma. Acesso em: 10 abr. 2024.
A relação sintática centrada na forma verbal “é derrubada” requer um sujeito que sofre essa ação: algo ou alguém foi
derrubado. Nessa construção, a ação verbal é realizada por alguém ou algo que pode estar explícito ou não.
8 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 8 10/04/2024 13:25:20
A função de “Transmissão da ‘menina do Lo-Fi’” é de sujeito, contudo é o “YouTube” o responsável pela ação verbal,
quem a realiza. O termo que designa quem realiza o fato verbal na voz passiva é o agente da passiva. Nessa estrutura,
a relação semântica é do sujeito que recebe a ação e do agente da passiva que a pratica.
Vejamos outros exemplos:
Um novo livro foi publicado [pela editora].
sujeito paciente verbo ser + particípio agente da passiva
voz passiva
Aquela casa foi alugada [por eles].
sujeito paciente verbo ser + particípio agente da passiva
voz passiva
Observe que o agente da passiva pode estar presente ou não na oração, ou seja, mesmo que fossem omitidos os
agentes da passiva, ambas as orações poderiam ser consideradas completas do ponto de vista sintático e semântico.
Entretanto, evidenciar essas estruturas na oração confere mais contexto ao enunciado.
Atenção
O agente da passiva é o termo da oração que, na voz passiva, realiza a ação expressa pelo verbo. Ainda que o verbo seja
de significação transitiva direta, na voz passiva a forma verbal é sempre seguida de preposição, normalmente “por” e suas
variações (ou, em alguns casos, “de” e suas variações). O agente da passiva pode ser representado por substantivo (ou
palavra substantivada), por pronome ou por numeral.
Transmissão é derrubada pelo YouTube.
sujeito paciente verbo ser + particípio agente da passiva
(substantivo) (preposição + substantivo próprio)
Passividade do verbo e a voz passiva
A voz passiva não deve ser confundida com a noção de passividade, associada à semântica do verbo, que é
relacionada ao fato de o sujeito receber a ação verbal. A voz é uma flexão do verbo. A passividade, por outro lado,
depende do sentido expresso pelo fato verbal. Há verbos que, mesmo quando estão na voz ativa, têm sentido passivo.
Leia esta manchete:
Trabalhadores recebem segunda parcela do 13o salário até esta terça
MAIA, Dhiego. InfoMoney, 19 dez. 2022. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/trabalhadores-recebem-segunda-parcela-do-13o-
salario-ate-esta-terca-veja-como-calcular-valor/. Acesso em: 18 mar. 2024.
A forma verbal “recebem”, no sentido de aceitar em pagamento, é transitiva direta. Na oração, embora o sujeito realize
a ação verbal, a semântica desse verbo denota um fato ou acontecimento do qual o sujeito é “alvo”. Assim, nem sempre a
passividade de uma ação verbal demanda o uso da flexão na voz passiva.
Voz passiva analítica
A voz passiva pode ser construída de duas maneiras. Nos exemplos apresentados anteriormente, como “Protes-
tos são retomados”, “Lojas são depredadas”, “O livro foi publicado”, “A casa foi alugada” e “Transmissão é derrubada”,
predomina o uso da forma verbal composta: verbo ser + particípio do verbo principal. Essa forma é classificada como
voz passiva analítica.
A formação da voz passiva analítica é predominante no português brasileiro, com o uso do verbo auxiliar “ser”, mas
alguns outros auxiliares também podem aparecer. Observe estes exemplos com o verbo auxiliar “segue”:
Campus segue ocupado, mas por poucos manifestantes
FRENTE 1
R7, 22 nov. 2019. Disponível em: https://noticias.r7.com/internacional/hong-kong-campus-segue-ocupado-mas-por-poucos-manifestantes-22112019.
Acesso em: 18 mar. 2024.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 9 04/04/2024 17:40:19
Em muitos casos, a voz passiva é utilizada quando sempre está explícito, o verbo deve concordar com ele:
não é possível ou desejável enunciar o agente da ação procura-se ideia ou procuram-se ideias.
expressa pelo verbo. Veja esta outra manchete, construída Cabe ao leitor inferir, pela leitura da reportagem à
com dois períodos centrados em formas verbais na voz qual essa frase da capa faz referência, quem é o agente
passiva analítica: responsável pela procura das ideias inovadoras. Com a
forma verbal seguinte “paga-se bem”, é mais fácil inferir
Brasília foi vandalizada e 300 foram presos que, possivelmente, se trata de empresas buscando pes-
no domingo soas criativas capazes de ter ideias inovadoras para ocupar
Poder 360, 9 jan. 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/ vagas bem remuneradas no mercado de trabalho.
brasil/brasilia-foi-vandalizada-e-300-foram-presos-no-domingo/.
Acesso em: 18 mar. 2024.
Atenção
Nessa manchete, as ações verbais expressas por
“vandalizar” e “prender” não identificam os agentes da Importante notar que são apresentadas duas estruturas
diferentes na capa da revista:
passiva no período, somente os sujeitos pacientes: “Brasí-
lia” e “300”. Não é possível ou não é desejável, dados os • Procuram-se ideias inovadoras voz passiva com
sentidos desses verbos, reconhecer quem os praticaram. partícula apassivadora
Contudo, cabe ao leitor inferir que parte dos autores da • Paga-se bem voz ativa com índice de indetermi-
vandalização está entre o grupo de pessoas que foram pre- nação do sujeito
sas. Essa característica da voz passiva faz com que ela seja
Posteriormente neste capítulo, essas duas construções
preferida quando há essa intencionalidade do enunciador.
serão estudadas mais detalhadamente.
Voz passiva sintética
Há uma outra possibilidade de construção da voz pas- Em “procuram-se ideias”, a relação semântica é de um
siva, que se realiza com verbo + pronome apassivador, sujeito paciente que recebe uma ação praticada por um
classificada como voz passiva sintética (ou voz passiva agente que não está explícito. Vejamos outros exemplos:
pronominal). Publicam-se livros.
Leia esta capa de uma revista:
verbo + pronome sujeito paciente
Reprodução
apassivador -se
Alugam-se casas.
verbo + pronome sujeito paciente
apassivador -se
Saiba mais
O pronome se funciona como partícula apassivadora
para a construção da voz passiva sintética. Contudo, al-
guns teóricos e estudiosos de gramática na atualidade
vêm questionando as construções da voz passiva sinté-
tica com esse pronome, argumentando que ele cumpre
um papel sintático de sujeito de uma oração na voz ativa
e um papel semântico indeterminado (quando não se
pode ou não se deseja identificar o sujeito). Então, no
exemplo “Procuram-se ideias inovadoras”, o “se” ocupa-
ria o espaço de sujeito indeterminado e agente da ação
verbal “procuram”; seguindo essa ideia, seria como se a
frase ficasse disposta da seguinte forma na ordem direta:
Se procuram ideias inovadoras.
sujeito verbo complemento verbal
(ob. direto)
Em “procuram-se ideias inovadoras”, a ação verbal de
O fato verbal expresso por “procuram” é sempre realizado
“procurar” implica que alguém busca algo. O sujeito pacien-
por alguém, não sendo possível que as ideias procurem a
te “ideias inovadoras” é alvo da ação verbal de “procurar”, si próprias. Assim, há sempre um sujeito ativo que realiza
mas o agente da passiva não está explícito na oração, exce- a ação verbal, a qual exige um objeto direto.
to pelo pronome apassivador -se. Como o sujeito paciente
10 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 10 04/04/2024 17:40:20
VOZ PASSIVA SINTÉTICA 3 ORAÇÃO COM SUJEITO INDETERMINADO
Como estudamos em capítulos anteriores, a estrutura sintática da oração com sujeito indeterminado é aquela em que
não podemos identificar o agente da ação expressa pelo verbo. Isso pode ocorrer quando não é possível ou desejável
identificar o sujeito da oração. Como sua estrutura (forma verbal + pronome se) é bastante similar à da voz passiva sintética,
é necessário diferenciar essas duas construções sintáticas.
Observe as frases da lousa no primeiro quadrinho da tirinha.
Jean Galvão, instagram
Vimos que a estrutura da voz passiva sintética (ou pronominal) é feita com verbo + pronome apassivador. Quanto
aos aspectos sintáticos e semânticos, a voz passiva requer a existência de um sujeito paciente, que recebe a ação verbal.
Em “vende-se casas”, por exemplo, o substantivo “casas” recebe a ação de vender. Essa oração equivale, na estru-
tura da voz passiva analítica, a “casas são vendidas”. Note que, na tirinha, a forma verbal “vende-se” não está seguindo
a regra prevista na norma-padrão, uma vez que não está concordando com o sujeito paciente “casas” – o correto, de
acordo com a norma-padrão, seria “vendem-se casas”. Observe que o verbo “vender” é transitivo direto.
Em “precisa-se de empregados”, o substantivo “empregados” não é agente nem paciente da ação verbal. Essa
oração equivale a “precisam de empregados” – no sentido de que alguém precisa de algo. Nesse caso não há voz pas-
siva, mas uma construção com um sujeito que não pode ser reconhecido ou definido. Observe que o verbo “precisar”
é transitivo indireto.
Em “assiste-se a bons filmes”, o substantivo “filmes” não é agente nem paciente da ação verbal. Essa oração equivale
a “assistem a bons filmes” – no sentido de que alguém assiste a bons filmes. Nesse caso também não há voz passiva,
mas uma construção com um sujeito que não pode ser identificado ou reconhecido. Observe que o verbo “assistir”, nesse
caso, também é transitivo indireto.
A oração com verbos na voz passiva sintética apresenta os seguintes elementos distintivos:
• verbo transitivo direto;
• sujeito determinado e explícito com papel semântico de paciente;
• concordância do sujeito com o verbo;
• pronome apassivador “se”.
A oração com sujeito indeterminado apresenta os seguintes elementos distintivos:
• verbo transitivo indireto, verbo intransitivo ou verbo de ligação;
• sujeito indeterminado ou implícito;
• verbo na 3a pessoa do singular;
• índice de indeterminação do sujeito “se”.
Para observar se uma oração está na voz passiva sintética ou se é somente uma oração com sujeito indeterminado, a
recomendação é tentar fazer a transformação para a voz passiva analítica. Em “precisa-se de empregados”, por exemplo,
a transformação para uma oração formada de verbo “ser” + particípio do verbo principal, como “empregados são precisa-
dos”, é inadequada e incongruente.
Atenção
A palavra “se”, quando usada junto a verbos intransitivos ou transitivos indiretos, não exerce nenhuma função sintática na
oração. Nesse caso, é empregada somente para marcar um sujeito indeterminado. Sendo assim, nas orações estudadas
anteriormente – “Precisa-se de empregados” (tirinha) e “Paga-se bem” (capa da revista) –, o “se” é um índice de indetermi-
nação do sujeito.
Voz reflexiva
A voz reflexiva do verbo designa o fato verbal em que o sujeito ocupa simultaneamente os papéis de agente e pa-
FRENTE 1
ciente. Isto é, ele realiza e recebe o fato verbal expresso na oração. De modo geral, na comparação com a voz ativa, a
voz reflexiva não modifica a ordem da organização sintática (sujeito – verbo – objeto).
Observe a voz reflexiva na tirinha a seguir, que trata de empatia.
11
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 11 04/04/2024 17:40:20
A tirinha explora os efeitos de sentido
Armandinho, de Alexandre Beck
relacionados ao sentimento de empatia. Na
oração “se perceber na realidade do outro”,
a voz reflexiva indica que o agente da ação
verbal é também o “objeto” dela. Assim, o
sujeito pratica e recebe a ação expressa
pelo verbo perceber: alguém percebe a
si mesmo.
A voz reflexiva geralmente é marcada por pronomes pessoais átonos, que exercem a função de objeto direto e são
flexionados na mesma pessoa do sujeito. Observe estes casos:
Minha filha se machucou hoje na escola.
sujeito objeto direto verbo transitivo
Eu me arrumei para a festa da escola.
sujeito objeto direto verbo transitivo
A voz reflexiva também pode expressar sentido de reciprocidade, quando uma ação verbal é compartilhada de forma
mútua entre dois ou mais agentes. Trata-se, portanto, da voz reflexiva recíproca.
Veja como isso ocorre nestes exemplos:
The Town 2023: Famosos se beijam no festival
TAVARES, Celso. G1, 7 set. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/the-town/2023/noticia/2023/09/07/
the-town-2023-famosos-se-beijam-no-festival-fotos.ghtml. Acesso em: 18 mar. 2024.
BBB 21: Juliette e Arthur se abraçam e se perdoam
UOL, 22 abr. 2021. Disponível em: https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2021/04/22/
juliette-abraca-arthur-em-noite-de-eliminacao-so-te-desejo-coisas-lindas.htm. Acesso em: 18 mar. 2024.
Nos exemplos, as formas verbais “beijar”, “abraçar” e “perdoar” são praticadas pelos sujeitos de modo recíproco,
explicitando fatos verbais realizados simultaneamente e em reciprocidade. Na voz reflexiva recíproca, as formas verbais
ficam sempre no plural.
Saiba mais
Há variedades linguísticas do português brasileiro em que a voz reflexiva é construída com o apagamento do pronome
reflexivo. O linguista Marcos Bagno, no livro Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, identifica casos como o da
variedade falada em Minas Gerais:
• Eu [me] formei em Direito. • Eu [me] assustei quando ouvi aquele trovão.
• Nós [nos] mudamos da Pampulha.
Voz ativa e voz passiva: transformações
O uso da voz passiva, em termos semânticos, é uma inversão nas relações dos sentidos expressos pelo verbo. Vimos
que a voz ativa é a organização sintática predominante na língua portuguesa – basta lembrar da ordem direta da oração
(sujeito – verbo – objeto, ou SVO). Assim, a voz passiva é a voz marcada, construída para expressar uma intencionalidade
pelo enunciador.
Releia o texto da capa da revista e compare as construções de cada oração em diferentes vozes:
Voz passiva sintética
Procuram-se ideias inovadoras
verbo transitivo direto + pronome apassivador -se sujeito paciente
Voz passiva analítica Voz ativa
Ideias inovadoras são procuradas [Pessoas] procuram ideias inovadoras
sujeito paciente verbo ser + particípio sujeito agente verbo objeto
[indeterminado] transitivo direto direto
12 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 12 04/04/2024 17:40:20
Assim, para toda voz passiva é possível reconhecer a voz ativa correspondente. Essa transformação de vozes é, de modo
geral, um dos principais enfoques das vozes verbais de diferentes vestibulares. Acompanhe a resolução do exercício a seguir.
Exercício resolvido
1. UEL-PR Obtém-se a forma verbal “prejudica-os”, transpondo para a voz ativa a frase:
a) Eles são prejudicados pelos próprios amigos. d) Eles foram prejudicados pelo chefe.
b) Ele vem sendo prejudicado pelos empresários. e) Eles são prejudicados pela ambição.
c) Ele é prejudicado pelos sucessivos equívocos.
Resolução:
A atividade pode ser resolvida observando as vozes verbais em cada uma das frases, transformando-as da voz
passiva para a voz ativa e fazendo a devida flexão verbal adequada (tempo e modo, pessoa e número). Também é
importante reconhecer a transformação dos pronomes pessoais do caso reto em pronomes oblíquos átonos.
Alternativa A: incorreta. A frase na voz ativa seria “os próprios amigos prejudicam-nos”.
Alternativa B: incorreta. A frase na voz ativa seria “os empresários vêm prejudicando-o”.
Alternativa C: incorreta. A frase na voz ativa seria “sucessivos equívocos prejudicam-no”.
Alternativa D: incorreta. A frase na voz ativa seria “o chefe prejudicou-os”.
Resposta: alternativa E.
Na transformação da voz ativa para a voz passiva ocorrem as seguintes mudanças:
• O sujeito agente passa a ser agente da passiva (pois ele continua sendo agente da ação verbal).
• O objeto direto passa a ser sujeito paciente.
• A forma verbal simples do verbo transitivo passa para a forma composta, com o auxiliar ser 1 o particípio do verbo
principal e preposição (geralmente “por”).
• A forma verbal no particípio concorda com o sujeito verbal.
Revisando
1. FCMSCSP 2021 Examine a tira do cartunista argen- a) O que a reação dos personagens ao texto do fo-
tino Quino. lheto publicitário indica?
b) Considerando o contexto, reescreva o texto do
folheto publicitário na voz ativa.
2. ESPM-SP 2019 Aborto, porte de armas e o presidente
Donald Trump foram alguns dos assuntos que dominaram
a primeira audiência de confirmação do juiz conservador
Brett Kavanaugh para a Suprema Corte dos Estados Unidos,
realizada em meio a protestos de ativistas e tentativas de
adiamento do processo por parte de democratas.
Kavanaugh passará por mais dois dias de sabatina, na
quarta e na quinta, e testemunhas contra e a favor do juiz
devem ser ouvidas na sexta.
(Folha de S.Paulo, 04/09/2018)
Assinale a afirmação correta sobre o trecho: “... teste-
munhas contra e a favor do juiz devem ser ouvidas na
sexta...” A frase está:
a) na voz passiva analítica, enfatizando o sujeito pa-
ciente “testemunhas”, alvo do processo verbal.
b) na voz ativa, enfatizando o agente indeterminado
do processo expresso pelo verbo.
c) na voz passiva sintética e, se transpuséssemos
FRENTE 1
para a voz ativa, teríamos “devem ouvir testemu-
nhas contra e a favor do juiz na sexta”, enfatizando
o sujeito indeterminado.
13
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 13 10/04/2024 13:26:22
d) na voz passiva analítica e, se transpuséssemos e pelo isolamento que o medo impõe.” (2o parágrafo)
para a voz ativa, teríamos “ouvirão testemunhas foi construído na voz passiva. Ao se adaptar tal trecho
contra e a favor do juiz na sexta”, realçando o su- para a voz ativa, a locução verbal “foram substituídas”
jeito indeterminado na ação de ouvir. assume a seguinte forma:
e) na voz passiva e, se transpuséssemos para a voz a) substitui. d) substituiu.
ativa, teríamos “deverão ouvir testemunhas contra b) substituíram. e) substituem.
e a favor do juiz na sexta”, dando destaque em c) substituiriam.
“testemunhas”.
5. Unesp 2024 Examine a charge de Millôr Fernandes,
3. Fuvest-SP 2018 Leia o texto. publicada originalmente em 12.03.1969.
No Brasil colonial, o indissolúvel vínculo do matri-
mônio, tal como ele era concebido pela Igreja Católica,
nem sempre terminava com a morte natural de um dos
cônjuges. A crise do casamento assumia várias formas: a
clausura das mulheres, enquanto os maridos continuavam
suas vidas; a separação ou a anulação do matrimônio de-
cretadas pela Igreja; a transgressão pela bigamia ou mesmo
pelo assassínio do cônjuge.
Maria Beatriz Nizza da Silva, História da Família no Brasil Colonial.
Adaptado.
a) No texto, que ideia é sintetizada pela palavra “crise”?
b) Reescreva a oração “tal como ele era concebido
pela Igreja Católica”, empregando a voz ativa e
fazendo as adaptações necessárias.
(Millôr Fernandes. Guia Millôr da filosofia, 2016.)
4. Unesp 2017 Leia o excerto do livro Violência urbana,
de Paulo Sérgio Pinheiro e Guilherme Assis de Almeida, a) Explicite a relação de sentido estabelecida entre
para responder à questão. a expressão “engolir minhas próprias palavras” e
De dia, ande na rua com cuidado, olhos bem abertos. a imagem da charge.
Evite falar com estranhos. À noite, não saia para caminhar, b) Reescreva na voz passiva a fala que compõe a
principalmente se estiver sozinho e seu bairro for deserto. charge.
Quando estacionar, tranque bem as portas do carro [...]. 6. Univag-MT 2021 Leia o início do conto “Músculos e
De madrugada, não pare em sinal vermelho. Se for assal-
nervos”, de Aluísio Azevedo, para responder à questão.
tado, não reaja – entregue tudo.
É provável que você já esteja exausto de ler e ouvir Terminava a primeira parte do espetáculo, quando
várias dessas recomendações. Faz tempo que a ideia de inte- D. Olímpia entrou no circo, pelo braço do pai.
grar uma comunidade e sentir-se confiante e seguro por ser Havia grande enchente. O público vibrava ainda sob
parte de um coletivo deixou de ser um sentimento comum a impressão do último trabalho exibido, que devia ter sido
aos habitantes das grandes cidades brasileiras. As noções maravilhoso, porque o entusiasmo explodia por toda a
de segurança e de vida comunitária foram substituídas pelo plateia e de todos os lados gritavam ferozmente: “Scott!
sentimento de insegurança e pelo isolamento que o medo À cena Scott!”. Dois sujeitos de libré azul com alamares
impõe. O outro deixa de ser isto como parceiro ou parceira dourados conduziam para o interior do teatro um cavalo
em potencial; o desconhecido é encarado como ameaça. O que acabava de servir. Muitos espectadores, de chapéu no
sentimento de insegurança transforma e desfigura a vida em alto da cabeça, estavam de pé e batiam com a bengala nas
nossas cidades. De lugares de encontro, troca, comunidade, costas das cadeiras; as cocotes pareciam loucas e soltavam
participação coletiva, as moradias e os espaços públicos guinchos, que ninguém entendia; das galerias trovejava um
transformam-se em palco do horror, do pânico e do medo. barulho infernal, e, por entre aquela descarga atroadora, só
A violência urbana subverte e desvirtua a função das o nome do idolatrado acrobata sobressaía, exclamado com
cidades, drena recursos públicos já escassos, ceifa vidas – delírio por mil vozes.
especialmente as dos jovens e dos mais pobres –, dilacera — Scott! Scott!
famílias, modificando nossas existências dramaticamente Olímpia sentiu-se aturdida; o pai, no íntimo, arrependia-
para pior. De potenciais cidadãos, passamos a ser con- -se de lhe ter feito a vontade, consentindo em levá-la ao
sumidores do medo. O que fazer diante desse quadro de circo, mas o médico recomendara tanto que não a contra-
insegurança e pânico, denunciado diariamente pelos jor- riassem... e ela havia mostrado tanto empenho no capricho
de ir aquela noite ao Politeama...
nais e alardeado pela mídia eletrônica? Qual tarefa impõe-se
De repente, um grito uníssono partiu da multidão.
aos cidadãos, na democracia e no Estado de direito?
Estalaram as palmas com mais ímpetos; choveram cha-
(Violência urbana, 2003.)
péus; arremessaram-se leques e ramalhetes, Scott havia
O trecho “As noções de segurança e de vida comunitá- reaparecido.
ria foram substituídas pelo sentimento de insegurança — Bravo! Bravo, Scott!
14 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 14 04/04/2024 17:40:23
E os aplausos recrudesceram ainda.
O ginasta, que entrara de carreira, parou em meio da arena, aprumou o corpo, sacudiu a cabeleira anelada, e, voltando-se
para a direita e para a esquerda, atirava beijos, sorrindo, no meio daquela tempestade gloriosa.
(Demônios, 2007.)
Dois sujeitos de libré azul com alamares dourados conduziam para o interior do teatro um cavalo que acabava de
servir. (2o parágrafo)
Transpondo-se para a voz passiva a oração centrada no verbo sublinhado, surge a forma verbal:
a) é conduzido. c) foi conduzido. e) são conduzidos.
b) eram conduzidos. d) era conduzido.
7. IFNMG 2015
A ação explicitada pelo verbo pode ser praticada pelo sujeito (voz ativa), sofrida pelo sujeito (voz passiva) ou praticada
e sofrida pelo sujeito (voz reflexiva).
Em qual dos trechos a seguir é identificada a voz passiva?
a) “Seu avô é um grande mentiroso” c) “Isso é um disco de vinil”
b) “O disco era colocado em um aparelho elétrico” d) “E assim a música tocava”
8. UFRGS 2015 À porta do Grande Hotel, pelas duas da tarde, Chagas e Silva postava-se de palito à boca, como se tivesse
descido do restaurante lá de cima. Poderia parecer, pela estampa, que somente ali se comesse bem em Porto Alegre. Longe
disso! A Rua da Praia que o diga, ou melhor, que o dissesse. O faz de conta do inefável personagem ligava-se mais à impor-
tância, à moldura que aquele portal lhe conferia. Ele, que tanto marcou a rua, tinha franco acesso às poltronas do saguão em
5 que se refestelavam os importantes. Andava dentro de um velho fraque, usava gravata, chapéu, bengala sob o braço, barba
curta, polainas e uns olhinhos apertados na tez bronzeada. O charuto apagado na boca, para durar bastante, era o toque
final dessa composição de pardavasco vindo das Alagoas.
Chagas e Silva chegou a Porto Alegre em 1928. Fixou-se na Rua da Praia, que percorria com passos lentos, carregando
um ar de indecifrável importância, tão ao jeito dos grandes de então. Os estudantes tomaram conta dele. Improvisaram co-
10 mícios na praça, carregando-o nos braços e fazendo-o discursar. Dava discretas mordidas e consentia em que lhe pagassem
o cafezinho. Mandava imprimir sonetos, que “trocava” por dinheiro.
Não era de meu propósito ocupar-me do “doutor” Chagas e, sim, de como se comia bem na Rua da Praia de antiga-
mente. Mas ele como que me puxou pela manga e levou-me a visitar casas por onde sua imaginação de longe esvoaçava.
Porto Alegre, sortida por tradicionais armazéns de especialidades, dispunha da melhor matéria-prima para as casas de
15 pasto. Essas casas punham ao alcance dos gourmets virtuosíssimos “secos e molhados” vindos de Portugal, da Itália, da
França e da Alemanha. Daí um longo e florescente período de boa comida, para regalo dos homens de espírito e dos que
eram mais estômago que outra coisa.
Na arte de comer bem, talvez a dificuldade fosse a da escolha. Para qualquer lado que o passante se virasse, encontraria
salões ornamentados, recintos maiores ou menores, tabernas ou simples tascas. A Cidade divertia-se também pela barriga.
Adaptado de: RUSCHEL, Nilo. Rua da Praia. Porto Alegre: Editora da Cidade, 2009. p. 110-111.
Assinale a alternativa que apresenta a correta passagem de segmento do texto da voz ativa para a voz passiva.
a) Chagas e Silva postava-se de palito à boca (l. 01) – Chagas e Silva era postado de palito à boca
b) Ele, que tanto marcou a rua (l. 04) – A rua, que tanto foi marcada por ele
c) Fixou-se na Rua da Praia (l. 08) – Foi fixado na Rua da Praia
FRENTE 1
d) Os estudantes tomaram conta dele (l. 09) – Ele foi tomado conta pelos estudantes
e) Essas casas punham ao alcance dos gourmets virtuosíssimos “secos e molhados” (l. 15) – Os gourmets eram
postos ao alcance de virtuosíssimos “secos e molhados” por essas casas
15
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 15 04/04/2024 17:40:23
Exercícios propostos
1. Uerj 2017 Natividade não se opôs, mas entendia que algumas
palavras deviam ser cortadas. (l. 18-19)
O discurso
A voz verbal na oração sublinhada põe em destaque a
Natividade é que não teve distrações de espécie al-
sugestão de Natividade em relação ao discurso do filho.
guma. Toda ela estava nos filhos, e agora especialmente
na carta e no discurso. Começou por não dar resposta às Identifique essa voz verbal e justifique seu emprego
efusões políticas de Paulo; foi um dos conselhos do conse- no texto, a partir da afirmativa acima.
5 lheiro. Quando o filho tornou pelas férias tinha esquecido
2. CPAEAM 2022
a carta que escrevera.
O discurso é que ele não esqueceu, mas quem é que Um caminho tortuoso
esquece os discursos que faz? Se são bons, a memória Do jeito que a ciência é ensinada nas escolas, não é
os grava em bronze; se ruins, deixam tal ou qual amar- à toa que a maioria das pessoas acha que o conhecimento
10 gor que dura muito. O melhor dos remédios, no segundo científico cresce linearmente, sempre se acumulando. No
caso, é supô-los excelentes, e, se a razão não aceita esta entanto, uma rápida olhada na história da ciência permite
imaginação, consultar pessoas que a aceitem, e crer nelas.
ver que não é bem assim: o caminho que leva ao conhe-
A opinião é um velho óleo incorruptível.
cimento é tortuoso e, às vezes, vai até para trás, quando
Paulo tinha talento. O discurso naquele dia podia pe-
uma ideia errada persiste por mais tempo do que deveria.
15 car aqui ou ali por alguma ênfase, e uma ou outra ideia
Isso pode ocorrer por razões como censura política
vulgar e exausta. Tinha talento Paulo. Em suma, o discurso
[…] ou por ideologias na classe científica, defendidas por
era bom. Santos achou-o excelente, leu-o aos amigos e
membros influentes.
resolveu transcrevê-lo nos jornais. Natividade não se opôs,
Apresentar a ciência nas escolas e universidades ou
mas entendia que algumas palavras deviam ser cortadas.
nos meios informais de comunicação como uma crença
20 — Cortadas, por quê? perguntou Santos, e ficou es-
infalível da civilização esconde um de seus lados mais
perando a resposta.
interessantes: o drama da descoberta, as incertezas da
— Pois você não vê, Agostinho; estas palavras têm sen-
criatividade.
tido republicano, explicou ela relendo a frase que a afligira.
Cientistas tendem a reagir negativamente às ideias que
Santos ouvia-as ler, leu-as para si, e não deixou de lhe
ameaçam o que eles pensam ser a verdade. Por um lado,
25 achar razão. Entretanto, não havia de as suprimir.
essa descrença é essencial, dado que a maioria das ideias
— Pois não se transcreve o discurso.
novas está errada. Por outro, ela pode revelar um conser-
— Ah! isso não! O discurso é magnífico, e não há
vadorismo que atravanca o avanço do conhecimento. Um
de morrer em S. Paulo; é preciso que a Corte o leia, e as
bom exemplo disso é o experimento de Albert Michelson e
províncias também, e até não se me daria fazê-lo traduzir
Edward Morley, realizado em 1887 para detectar o movi-
30 em francês. Em francês, pode ser que fique ainda melhor.
mento da Terra através do éter, o meio material cuja função
— Mas, Agostinho, isto pode fazer mal à carreira do
era servir de suporte para a propagação das ondas de luz. ·
rapaz; o imperador pode ser que não goste... Pedro, que
Tal qual as ondas de som se propagam no ar, supunha-
assistia desde alguns instantes ao debate, interveio doce-
-se que as ondas luminosas também necessitassem de um
mente para dizer que os receios da mãe não tinham base;
meio para se propagar, o éter. O experimento mediria as
35 era bom pôr a frase toda, e, a rigor, não diferia muito do
diferenças na velocidade da luz quando um raio luminoso
que os liberais diziam em 1848.
ia contra o éter ou a favor, como quando ·andamos de
— Um monarquista liberal pode muito bem assinar esse
bicicleta e sentimos um “vento” contra nosso corpo. (Unia
trecho, concluiu ele depois de reler as palavras do irmão.
bola jogada contra ou a favor do “vento” terá velocidades
— Justamente! assentiu o pai.
diferentes.)
40 Natividade, que em tudo via a inimizade dos gêmeos,
Para total e completa surpresa da comunidade cientí-
suspeitou que o intuito de Pedro fosse justamente compro-
fica, o experimento não detectou diferenças na velocidade
meter Paulo. Olhou para ele a ver se lhe descobria essa
da luz em qualquer direção.
intenção torcida, mas a cara do filho tinha então o aspecto
Em meio à perplexidade generalizada, várias tentativas
do entusiasmo. Pedro lia trechos do discurso, acentuando
de explicar o achado foram propostas, inclusive uma por
45 as belezas, repetindo as frases mais novas, cantando as mais
redondas, revolvendo-as na boca, tudo com tão boa sombra George Fitzgerald e Hendrik Lorentz que sugeria que as
que a mãe perdeu a suspeita, e a impressão do discurso foi hastes do aparato podiam encolher na direção do movi-
resolvida. Também se tirou uma edição em folheto, e o pai mento. Esse encolhimento de fato existe, mas não como
mandou encadernar ricamente sete exemplares, que levou proposto pelos dois.
50 aos ministros, e um ainda mais rico para a Regente. Apenas em 1905 Einstein explicou o que estava acon-
MACHADO DE ASSIS. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
tecendo, com sua teoria da relatividade especial: o éter
não existe – a velocidade da luz é sempre a mesma, uma
constante da natureza.
efusão: manifestação expansiva de sentimentos. Observações recentes andam questionando a exis-
assentir: concordar. tência de um outro meio material ainda não detectado,
a matéria escura. Essa matéria, supostamente feita de
16 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 16 04/04/2024 17:40:23
partículas diferentes das que compõem o que conhece- um possível encontro com um invasor celeste, inclusive sua
mos no Universo (ou seja, coisas feitas de elétrons, prótons destruição ou deflexão no espaço sideral.
e nêutrons), deve ser seis vezes mais abundante que a (O fim da Terra e do Céu, 2011. Adaptado.)
matéria comum e se aglomerar em torno de galáxias, in-
os astrônomos passaram a ser vistos por muitos como
clusive a nossa.
os novos profetas do Fim (2o parágrafo)
As observações não detectaram a quantidade esperada
de matéria escura. E agora? A coisa é complicada porque Ao se transpor esse trecho para a voz ativa, a forma
existem outros métodos de detecção da matéria escura verbal resultante será:
que parecem bastante claros. Qualquer que seja a reso- a) seriam vistos.
lução do impasse atual, estou certo de que algo de novo b) passaram a ver.
e surpreendente está para acontecer. Será interessante ver c) viram.
a reação da comunidade ao se deparar com o inesperado. d) foram vistos.
GLEISER, Marcelo. Um caminho tortuoso. Folha de São Paulo, e) passariam a ser vistos.
29 de abril de 2012. Com adaptações.
Assinale a opção correta em que o trecho em desta- 4. FCMSCSP 2023 Leia o artigo “Pedaço de mim”, do neu-
que corresponde à voz do verbo. rocientista Sidarta Ribeiro, para responder à questão.
a) “Observações recentes andam questionando a A cada ano, milhões de pessoas passam pela experiên
existência […]” – voz reflexiva. cia da perda traumática de uma extremidade corporal.
b) “Cientistas tendem a reagir negativamente às Frequentemente, as penas psicológicas e sociais da am-
ideias […]” – voz passiva sintética. putação vêm acompanhadas de uma dor mais bruta, fruto
c) “Do jeito que a ciência é ensinada nas escolas da percepção fantasmagórica do pedaço perdido, mão
[…]” – voz passiva analítica. ou pé ausente doendo em pesadelos de sono e vigília.
d) “[…] várias tentativas de explicar o achado foram Pulsando, queimando ou coçando, o membro fantasma
propostas […]” – voz passiva sintética. reclama da incompletude do mutilado. Um corpo que já
e) “Tal qual as ondas de som se propagam no ar […]” – não se representa como é, e sim como foi.
voz ativa analítica. Decepado de forma acidental, o membro leva consigo
terminais nervosos que não se reconstituem no coto. Dis-
3. FMJ-SP 2023 Leia o trecho do livro O fim da Terra e so resulta o desequilíbrio de vastos circuitos neurais que
do Céu, do físico brasileiro Marcelo Gleiser, para res- cartografam a interface com o ambiente, chegando até o
ponder à questão. âmago do sistema nervoso. As regiões cerebrais corres-
pondentes ao membro amputado são invadidas e loteadas
No dia 18 de maio de 1996, o jornal norte-americano por representações vizinhas, num processo que pune a
Boston Globe publicou a seguinte manchete: “Graças aos falta de atividade neural com a inexorável substituição de
Céus, o enorme asteroide só passou de raspão.” O dito- sinapses e células. Tal plasticidade remapeia a relação do
-cujo, com um diâmetro de quinhentos metros, passou corpo com o mundo, provocando a sensação fantasma.
pela Terra à distância de 446 mil quilômetros, um pouco Um poeta diria que o cérebro transforma em incômodo
maior do que a distância até a Lua. Esse foi o maior ob- a saudade do pedaço que perdeu. Será possível reverter
jeto a passar pela Terra jamais observado, e isso apenas esse processo?
cinco dias após seu ponto de maior proximidade. Imagine Um estudo de 2004 com pacientes biamputados sub-
o que Martinho Lutero ou Increase Mather não teriam metidos a transplantes de ambas as mãos mostrou que o
dito; decerto: “Deus nos mandou um sinal! Pecadores, cérebro é capaz de se reorganizar topograficamente mes-
arrependei-vos antes do fim do milênio que se aproxima mo após vários anos de amputação. Os resultados são
ou queimareis para sempre nas chamas do Inferno!” O que extremamente animadores do ponto de vista clínico, pois
antes era relegado a textos religiosos, profecias de pedras indicam que o córtex cerebral, anos depois da drástica
flamejantes que cairão dos céus trazendo a destruição do modificação induzida pela amputação, continua capaz
mundo, tornou-se parte perfeitamente legítima da esfera de plasticidade plena. A incorporação harmônica de uma
da astronomia. parte alheia devolve ao paciente sua função original, fun-
Analisemos os fatos: nas últimas duas décadas do sé- dindo duas pessoas num corpo novo e maravilhoso. Nada
culo passado, cientistas comprovaram que uma colisão se perde e tudo se transforma num milagre da cirurgia e
com um objeto extraterrestre dizimou os dinossauros; o da reabilitação em que o pedaço afastado renasce útil,
Congresso norte-americano ordenou à NASA que estudas- matando a saudade do corpo exilado de si. Regressam os
se seriamente a ameaça de futuras colisões; o horrendo e sinais, recria-se o mapa, segue refeita a vida.
magnífico impacto entre o cometa Shoemaker-Levy 9 e o (Limiar: ciência e vida contemporânea, 2020. Adaptado.)
planeta Júpiter foi observado em detalhe; e várias passagens
de asteroides perto da Terra foram registradas. Os antigos Considere as seguintes frases extraídas do artigo:
medos apocalípticos ressurgiram, anunciados pelos próprios 1. “A cada ano, milhões de pessoas passam pela
cientistas: os astrônomos passaram a ser vistos por muitos experiência da perda traumática de uma extremi-
como os novos profetas do Fim. Mas não basta só afirmar dade corporal.” (1o parágrafo)
FRENTE 1
que o Fim se aproxima; é importante também mostrar os 2. “Pulsando, queimando ou coçando, o membro
possíveis caminhos para a salvação. E assim fizeram os as- fantasma reclama da incompletude do mutilado.”
trônomos, sugerindo diversas estratégias de proteção contra (1o parágrafo)
17
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 17 04/04/2024 17:40:23
3. “A incorporação harmônica de uma parte alheia No português do Brasil, a função sintática do sujeito
devolve ao paciente sua função original, fundindo não possui, necessariamente, uma natureza de agen-
duas pessoas num corpo novo e maravilhoso.” (3o te, ainda que o verbo esteja na voz ativa, tal como
parágrafo) encontrado em:
a) Em qual dessas frases o autor faz uso do recurso a) “O carro furou o pneu”.
retórico da personificação? Justifique sua resposta. b) “e bateu no meio fio”.
b) Reescreva na voz ativa o trecho “As regiões ce- c) “O refém conseguiu acionar a população”.
rebrais correspondentes ao membro amputado d) “tentaram linchar eles”.
são invadidas e loteadas por representações vi- e) “afirmou o major”.
zinhas” (2o parágrafo).
7. Unicentro-PR 2017 Passando a frase: “Ela havia feito
5. FGV-SP 2021 Leia o texto de Teresinha Costa para muitos doces de leite para a festa” para a voz passiva,
responder à questão. obtém-se:
Em História social da criança e da família, Philippe a) Doces de leite para a festa foram feitos.
Ariès faz um estudo na Europa, no período compreendido b) Muitos doces de leite para a festa haviam sido fei-
entre a Idade Média e o século XX, para demonstrar como tos por ela.
a definição de criança se modificou no decorrer do tem- c) Fizeram-se muitos doces de leite por ela para a
po de acordo com parâmetros ideológicos. Pela análise de festa.
pinturas, diários, esculturas e vitrais produzidos na Europa d) Muitos doces de leite havia ela feito para a festa.
no período anterior aos ideais da Revolução Francesa, Ariès e) Para a festa ela fez muitos doces de leite.
forja a expressão “sentimento da infância” para designar “a
consciência da particularidade infantil, essa particularidade 8. ITA-SP 2017
que distingue essencialmente a criança do adulto”. Esse
sentimento vai aparecer a partir apenas do século XVII. A mídia realmente tem o poder de manipular
Na Idade Média, a criança era vista como um pe- as pessoas?
queno adulto, sem características que a diferenciassem, Por Francisco Fernandes Ladeira
e desconsiderada como alguém merecedor de cuidados
especiais. Isso não significava que as crianças fossem até À primeira vista, a resposta para a pergunta que inti-
então desprezadas ou negligenciadas, mas sim que não tula este artigo parece simples e óbvia: sim, a mídia é um
se tinha consciência de uma série de particularidades in- poderoso instrumento de manipulação. A ideia de que o
telectuais, comportamentais e emocionais que passaram, frágil cidadão comum é impotente frente aos gigantescos
então, a ser consideradas como inerentes ou até mesmo 5 e poderosos conglomerados da comunicação é bastante
naturais às crianças. Ariès comenta, inclusive, que os atrativa intelectualmente. Influentes nomes, como Adorno
pintores ocidentais reproduziam crianças vestidas como e Horkheimer, os primeiros pensadores a realizar análises
pequenos adultos, e que somente percebemos se tratar mais sistemáticas sobre o tema, concluíram que os meios
de uma criança devido ao seu tamanho reduzido. Nas de comunicação em larga escala moldavam e direciona-
sociedades agrárias, a infância era um período rapida- 10 vam as opiniões de seus receptores. Segundo eles, o rádio
mente superado e, tão logo a criança adquiria alguma torna todos os ouvintes iguais ao sujeitá-los, autoritaria-
independência, passava a participar da vida dos adultos mente, aos idênticos programas das várias estações. No
e de seus trabalhos, jogos e festas. livro Televisão e Consciência de Classe, Sarah Chucid Da
(Psicanálise com crianças, 2010.) Viá afirma que o vídeo apresenta um conjunto de imagens
Isso não significava que as crianças fossem até então 15 trabalhadas, cuja apreensão é momentânea, de forma a
desprezadas (2o parágrafo) persuadir rápida e transitoriamente o grande público. Por
sua vez, o psicólogo social Gustav Le Bon considerava
Se esta frase for transposta para a voz ativa, a locução que, nas massas, o indivíduo deixava de ser ele próprio
verbal sublinhada muda para: para ser um autômato sem vontade e os juízos aceitos pe-
a) desprezavam. 20 las multidões seriam sempre impostos e nunca discutidos.
b) eram desprezadas. Assim, fomentou-se a concepção de que a mídia seria
c) desprezam. capaz de manipular incondicionalmente uma audiência
d) seriam desprezadas. submissa, passiva e acrítica.
e) desprezassem. Todavia, como bons cidadãos céticos, devemos du-
25 vidar (ou ao menos manter certa ressalva) de proposições
6. Fuvest-SP 2020 Leia o trecho extraído de uma notí-
imediatistas e aparentemente fáceis. As relações entre mí-
cia veiculada na internet: dia e público são demasiadamente complexas, vão muito
“O carro furou o pneu e bateu no meio fio, então além de uma simples análise behaviorista de estímulo/
eles foram obrigados a parar. O refém conseguiu acionar resposta. As mensagens transmitidas pelos grandes veículos
a população, que depois pegou dois dos três indivídu- 30 de comunicação não são recebidas automaticamente e da
os e tentaram linchar eles. O outro conseguiu fugir, mas mesma maneira por todos os indivíduos. Na maioria das
foi preso momentos depois por uma viatura do 5o BPM”, vezes, o discurso midiático perde seu significado original
afirmou o major. na controversa relação emissor/receptor. Cada indivíduo
Disponível em https://www.gp1.com.br/. está envolto em uma “bolha ideológica”, apanágio de seu
18 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 18 04/04/2024 17:40:23
35 próprio processo de individuação, que condiciona sua Personagem
maneira de interpretar e agir sobre o mundo. Todos nós, ao O substantivo personagem, que um dia foi exclusiva-
entramos em contato com o mundo exterior, construímos
mente feminino, é cada vez mais – sobretudo no Brasil –
representações sobre a realidade. Cada um de nós forma
compreendido como aquilo que chamam “comum de
juízos de valor a respeito dos vários âmbitos do real, seus
dois”, uma palavra invariável que pode ser masculina ou
40 personagens, acontecimentos e fenômenos e, consequen-
feminina conforme o caso.
temente, acreditamos que esses juízos correspondem à
Barbarismo? Erro crasso? Seria preciso ser extrema-
“verdade”. [...]
mente conservador para condenar a esta altura algo que
[...] A mídia é apenas um, entre vários quadros ou
autores cultos vêm empregando há décadas e que todos os
grupos de referência, aos quais um indivíduo recorre
principais dicionários brasileiros e portugueses já aceitam:
45 como argumento para formular suas opiniões. Nesse
personagem é um substantivo de dois gêneros.
sentido, competem com os veículos de comunicação
Se não cabe acusar de incorrer em erro quem, fiel
como quadros ou grupos de referência fatores subje-
ao uso clássico, diz que Bentinho é “uma personagem”,
tivos/psicológicos (história familiar, trajetória pessoal,
tampouco faz sentido condenar quem opta pelo uso mo-
predisposição intelectual), o contexto social (renda, sexo,
derno e distingue entre “o personagem Bentinho” e “a
50 idade, grau de instrução, etnia, religião) e o ambiente
personagem Capitu”. Influência do francês?
informacional (associação comunitária, trabalho, igreja).
Vinda do francês personnage – e portanto descen-
“Os vários tipos de receptor situam-se numa complexa
dente do latim persona, inicialmente “máscara de teatro”,
rede de referências em que a comunicação interpessoal
e a midiática se completam e modificam”, afirmou a onde fomos buscar nosso substantivo pessoa –, a palavra
55 cientista social Alessandra Aldé em seu livro A construção teve seu gênero exclusivamente feminino defendido com
da política: democracia, cidadania e meios de comuni- ardor pelo influente gramático brasileiro Napoleão Mendes
cação de massa. Evidentemente, o peso de cada quadro de Almeida em seu Dicionário de questões vernáculas.
de referência tende a variar de acordo com a realidade Para Napoleão, o personagem não passava de um
individual. Seguindo essa linha de raciocínio, no original francesismo, influência do francês le personnage. Talvez
60 estudo Muito Além do Jardim Botânico, Carlos Eduardo fosse mesmo. Como em tantas outras questões em que
Lins da Silva constatou como telespectadores do Jornal o purismo foi atropelado pela marcha da história, cabe
Nacional acionam seus mecanismos de defesa, indivi perguntar: e daí?
duais ou coletivos, para filtrar as informações veiculadas, (Viva a língua brasileira!, 2016.)
traduzindo-as segundo seus próprios valores. “A síntese Verifica-se o emprego de voz passiva em:
65 e as conclusões que um telespectador vai realizar depois a) “Se não cabe acusar de incorrer em erro quem,
de assistir a um telejornal não podem ser antecipadas por fiel ao uso clássico, diz que Bentinho é ‘uma per-
ninguém; nem por quem produziu o telejornal, nem por
sonagem’” (3o parágrafo)
quem assistiu ao mesmo tempo que aquele telespecta-
b) “todos os principais dicionários brasileiros e
dor”, inferiu Carlos Eduardo.
portugueses já aceitam: personagem é um subs-
Adaptado de: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-
questao/a-midia-realmente-tem-o-poder-de-manipular-as-pessoas/. tantivo de dois gêneros.” (2o parágrafo)
(Publicado em 14/04/2015, na edição 846. Acesso em 13/07/2016.) c) “Para Napoleão, o personagem não passava de um
Assinale a opção em que o verbo destacado está na francesismo, influência do francês le personnage.”
voz passiva pronominal. (5o parágrafo)
a) Assim, fomentou-se a concepção de que a mí- d) “quem opta pelo uso moderno e distingue entre ‘o
dia seria capaz de manipular incondicionalmente personagem Bentinho’ e ‘a personagem Capitu’.”
uma audiência submissa, passiva e acrítica. (li- (3o parágrafo)
nhas 21 a 23) e) “Como em tantas outras questões em que o pu-
b) As mensagens transmitidas pelos grandes veículos rismo foi atropelado pela marcha da história, cabe
de comunicação não são recebidas automatica- perguntar: e daí?” (5o parágrafo)
mente e da mesma maneira por todos os indivíduos.
10. FMABC-SP 2021 Leia o trecho do livro A sociedade dos
(linhas 29 a 31)
indivíduos, de Norbert Elias, para responder à questão.
c) “Os vários tipos de receptor situam-se numa
complexa rede de referências [...]” (linhas 52 e 53) Todos sabem o que se pretende dizer quando se usa a
d) “[...] complexa rede de referências em que a palavra “sociedade”, ou pelo menos todos pensam saber.
comunicação interpessoal e a midiática se com- A palavra é passada de uma pessoa para outra como uma
pletam e modificam” [...] (linhas 52 a 54) moeda cujo valor fosse conhecido e cujo conteúdo já não
e) “A síntese e as conclusões que um telespectador precisasse ser testado. Quando uma pessoa diz “socieda-
vai realizar depois de assistir um telejornal não de” e outra a escuta, elas se entendem sem dificuldade.
podem ser antecipadas por ninguém; [...]” (linhas Mas será que realmente nos entendemos? A sociedade,
64 a 67) como sabemos, somos todos nós; é uma porção de pes-
soas juntas. Mas uma porção de pessoas juntas na Índia
FRENTE 1
9. USCS-SP 2022 Leia o texto, extraído do livro Viva a e na China formam um tipo de sociedade diferente da
língua brasileira!, de Sérgio Rodrigues, para respon- encontrada na América ou na Grã-Bretanha; a sociedade
der à questão. composta por muitos indivíduos na Europa do século XII
19
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 19 10/04/2024 13:26:47
era diferente da encontrada no século XVI ou no século XX. Não me alegra, ou me desgosta
E, embora todas essas sociedades certamente tenham Doutra o mimo, ou o desdém,
consistido e consistam em nada além de muitos indiví- Satisfaz-me e me contenta
duos, é claro que a mudança de uma forma de vida em Só Arminda e mais ninguém.
comum para outra não foi planejada por nenhum desses
indivíduos. Pelo menos, é impossível constatarmos que Cantem os outros pastores
qualquer pessoa do século XII ou mesmo do século XVI Outras pastoras também,
tenha conscientemente planejado o desenvolvimento da Que eu canto e cantarei sempre
sociedade industrial de nossos dias. Que tipo de forma- Só Arminda e mais ninguém.
ção é esta “sociedade” que compomos em conjunto, que (Viola de Lereno, 1980.)
não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem
Assinale a alternativa que indica duas estrofes em que
tampouco por todos nós juntos? Ela só existe porque existe
o termo “Arminda” surge como paciente da ação ex-
um grande número de pessoas, só continua a funcionar
pressa pelo verbo da oração de que faz parte.
porque muitas pessoas, isoladamente, querem e fazem
certas coisas e, no entanto, sua estrutura e suas grandes
a) Primeira e terceira estrofes.
transformações históricas independem, claramente, das b) Sétima e oitava estrofes.
intenções de qualquer pessoa em particular. c) Primeira e oitava estrofes.
(A sociedade dos indivíduos, 1994. Adaptado.) d) Terceira e quarta estrofes.
e) Terceira e quinta estrofes.
Ao se transpor a oração “a mudança de uma forma
de vida em comum para outra não foi planejada por 12. Unip-SP 2023 Leia o texto do escritor Moacyr Scliar.
nenhum desses indivíduos” para a voz ativa, a locução
O alho tem poderes que salvam da morte,
verbal sublinhada assume a seguinte forma:
use-o, e com o mau hálito não se importe.
a) planejaram.
Não o despreze, como aquele raro acusador
b) planejariam.
para quem alho faz piscar, dá sede e causa fedor.
c) planejaria.
d) planejara. Versos extraídos do Regimen sanitatis salernitanum, a
e) planejou. obra médica básica no término da Idade Média. São aforis-
mos rimados, aos quais não falta, como se vê, um toque de
11. Unesp 2015 A questão toma por base uma modinha humor. Seu sucesso não se deve porém só a esse aspecto,
de Domingos Caldas Barbosa (1740-1800). como também ao prestígio da escola médica de Salerno,
surgida naquela cidade italiana por volta do século XI. A
Protestos a Arminda região era conhecida pelo clima saudável, e tinha uma ou-
Conheço muitas pastoras tra atração: os restos mortais de São Mateus, o Evangelista.
Que beleza e graça têm, O afluxo de pessoas doentes provavelmente levou para
Mas é uma só que eu amo lá muitos médicos e estimulou a criação de uma escola
Só Arminda e mais ninguém. de medicina. Muitos trabalhos foram então publicados,
inclusive – o que era uma novidade – por uma mulher,
Revolvam meu coração Trotula, autora de um tratado de obstetrícia chamado De
Procurem meu peito bem, mulierum passionibus ante, in et post partum. Trotula era,
Verão estar dentro dele aparentemente, um apelido muito comum entre as par-
Só Arminda e mais ninguém. teiras de Salerno. A escola também incorporou as obras
da medicina árabe, graças a um estudioso conhecido –
De tantas, quantas belezas por haver nascido em Cartago, no Norte da África – como
Os meus ternos olhos veem, Constantinus Africanus.
Nenhuma outra me agrada Os médicos de Salerno estudavam a anatomia, mas
Só Arminda e mais ninguém. somente a de animais; um de seus tratados chama-se Ana-
tomia porci, A anatomia do porco. Tratava-se de um grande
Estes suspiros que eu solto progresso rumo a um conhecimento médico mais preciso,
Vão buscar meu doce bem, ainda que a dissecção de cadáveres humanos continuasse
É causa dos meus suspiros proibida. Em 1240 Frederico II conferiu à escola de Salerno
Só Arminda e mais ninguém. o direito de graduar médicos; o curso tinha cinco anos,
com um ano adicional de prática sob supervisão – uma
Os segredos de meu peito espécie de residência médica. Mais que isso, nenhum pro-
Guardá-los nele convém, fissional poderia trabalhar, a não ser que tivesse diploma.
Guardá-los aonde os veja A profissão tornava-se assim institucionalizada.
Só Arminda e mais ninguém. O Regimen sanitatis salernitanum tornou-se extrema-
mente popular, tendo sido traduzido para vários idiomas.
Não cuidem que a mim me importa Era muito apreciado pelo público em geral, por causa
Parecer às outras bem, de conselhos de bom senso tais como: “Nunca se ali-
Basta que de mim se agrade mente se seu estômago não estiver vazio e limpo” ou
Só Arminda e mais ninguém. “Levante de manhã cedo e lave com água fria as mãos
20 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 20 11/04/2024 13:08:38
e os olhos”. Também tinha recomendações para quem 14. PUC-SP O operário moderno carece de individualidade.
procurava médicos: A classe é mais forte do que o indivíduo e a pessoa se
dissolve no genérico. Porque essa é a primeira e a mais
Recorra primeiro ao Doutor Silêncio, grave mutilação que o homem sofre ao converter-se em
depois ao Doutor Alegria e depois ao Doutor Dieta. assalariado industrial. O capitalismo despoja-o de sua
(Moacyr Scliar. A paixão transformada, 1996. Adaptado.) natureza humana – coisa que não ocorreu com o escra-
vo – já que reduz todo o seu ser à força de trabalho,
Ao se transpor o trecho “A escola também incorporou
transformando-o só por este fato em objeto. E como to-
as obras da medicina árabe” (1o parágrafo) para a voz
dos os objetos, em mercadorias, em coisa susceptível de
passiva, a forma verbal resultante será: compra e venda. O operário perde, bruscamente, e em
a) foi incorporada. razão mesmo de seu estado social, toda relação humana
b) seriam incorporadas. e concreta com o mundo: nem são seus os instrumentos
c) tinha incorporado. que manipula, nem é seu o fruto de seu trabalho. Sequer
d) foram incorporadas. chega a vê-lo. Na realidade, não é um operário, já que
e) teria incorporado. não produz obras ou não tem consciência de que as pro-
duz, perdido em aspecto determinado da produção. É um
13. PUC-Campinas 2022 trabalhador, nome abstrato, que não designa uma tarefa
No museu do passado determinada, mas uma função. Assim a sua obra não o
distingue dos outros homens, tal como acontece com o
O interesse pela história deu origem aos museus e
médico, o engenheiro ou o carpinteiro. A abstração que
também à decisão de preservar os monumentos históri-
o qualifica – o trabalho medido pelo tempo – não separa,
cos. A justificativa inicial dessas iniciativas era: lembrar-se mas liga-o a outras abstrações. Daí sua ausência de mis-
para não repetir. Não deu muito certo, pois nunca pa- tério, de problematicidade, daí a sua transparência, que
ramos de repetir o pior. Na verdade, suspeito que nosso não é diversa da de qualquer instrumento.
gosto pelos resíduos do passado não seja pedagógico. (Paz, O. SIGNOS EM ROTAÇÃO. São Paulo: Perspectiva,
Por que nos importa a história? Por que deambulamos 2a ed., 1976, pág. 245.)
pelos museus?
Assinale a alternativa em que NÃO ocorre transfor-
Acreditamos que os homens devam afirmar-se se-
gundo as suas habilidades. Não queremos que o passado
mação de voz ativa em passiva ou vice-versa, nos
decida nosso destino: o que nos importa, em princípio, trechos do texto.
é o futuro. a) que não designa uma tarefa determinada/ não
Não me fale de suas façanhas de ontem, diga-me o tendo designado uma tarefa determinada
que sabe fazer. Se inventamos a arqueologia, a história, o b) a pessoa se dissolve no genérico/ dissolve-a no
museu, a restauração e a conservação das antiguidades, genérico
não foi para aprender uma lição. A razão dessa nossa c) não produz obras/ obras não são produzidas
paixão é o caráter incompleto da revolução moderna: o d) despoja-o de sua natureza humana/ ele é despo-
futuro é um terreno demasiado inquietante e incerto para jado de sua natureza humana
aceitarmos que só ele nos defina; portanto, o passado as- e) liga-o a outras abstrações/ ele é ligado a outras
sombra nossos dias. abstrações
Não conseguimos esquecer: proclamamos a liberdade
dos espíritos, mas cultivamos antigos preconceitos de raça, 15. UFF-RJ Uma cidade é uma cidade é uma cidade. Ela é fei-
cultura e classe. Ou então nos dizemos autônomos, mas ta à imagem e semelhança de nosso sangue mais secreto.
explicamos nossos atos pelos eventos da nossa infância Uma cidade não é um diamante transparente. Ela espelha,
ou pelo legado dos nossos pais. palmo a palmo, o mundo dos homens, suas contradições,
Numa cultura diferente da nossa, os restos do passado 5 abusões, virtudes e desterros. Milímetro por milímetro.
poderiam parecer bem mais importantes do que uma vida. A mão do homem em toda parte. No asfalto. No basal-
Talvez um homem do Antigo Regime nos dissesse que to domado. Na pedreira. Nos calçadões. Na rua, onde os
sem a presença do passado não haveria sociedade nem veículos veiculam nosso exaspero e desespero. Uma ci-
sujeitos. Talvez, para ele, a promessa de futuro contida no dade nos revela. Nos denuncia naquilo que escondemos.
sorriso de um menino valesse menos do que os artefatos 10 Grande construção, empreitada de porte enorme, regougo
que sustentam a memória de um povo. de martelos e martírios. Construímos nossa cidade. Somos
(Adaptado de: CALLIGARIS, Contardo. Terra de ninguém. construídos por ela. Os elos e cordames nos enlaçam, nos
S. Paulo, Cia das Letras, 2004, p. 331-332)
sufocam. Boiamos e nadamos dia e noite, levados numa
Transpondo-se para a voz passiva a frase proclama- escuma onde borbulhas se abrem, como furúnculos ma-
mos a liberdade dos espíritos, mas cultivamos antigos 15 duros. Onde está a saída, ou a entrada?
preconceitos, as formas verbais deverão ser: PELLEGRINO, Hélio. A burrice do demônio. Rio de Janeiro:
Rocco, 1988, p.82.
a) proclamam-se e cultivam-se.
b) é proclamada e são cultivados. a) Reescreva as duas frases de acordo com a orien-
FRENTE 1
c) seja proclamada e cultive-se. tação entre parênteses:
d) foram proclamados e cultivaram-se. Construímos nossa cidade. (voz passiva)
e) proclamavam-se e seriam cultivados. Somos construídos por ela. (voz ativa)
21
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 21 04/04/2024 17:40:23
b) Explique, agora, com uma frase completa, o sen- que se submete a todas as formas de invasão biométrica e
tido do trecho: de vigilância. E que ingere comida e água tóxicas. E vive,
Construímos nossa cidade. Somos construídos por ela. sem reclamar, na vizinhança de reatores nucleares. Um
(linhas 11-12) bom indicador dessa abdicação completa da responsabi-
lidade pela própria vida são os títulos dos best-sellers que
16. UFMS 2023 Leia um trecho do livro 24/7: capitalismo nos dizem, com uma fatalidade sombria, quais são os mil
tardio e os fins do sono, de Jonathan Crary. filmes que devemos ver antes de morrer, os cem destinos
turísticos que devemos visitar antes de morrer, os quinhen-
Segundo o coletivo Tiqqun, nós nos tornamos habitan-
tos livros que devemos ler antes de morrer.
tes inofensivos e maleáveis das sociedades urbanas globais.
(24/7: capitalismo tardio e os fins do sono, 2014.)
Mesmo na ausência de qualquer obrigação, escolhemos
fazer o que nos mandam fazer; permitimos que nossos Ao se transpor o trecho sublinhado para a voz ativa, a
corpos sejam administrados, que nossas ideias, nosso en- forma verbal resultante será
tretenimento e todas as nossas necessidades imaginárias a) administram.
sejam impostos de fora. Compramos produtos que nos b) administravam.
foram recomendados pelo monitoramento de nossas vidas c) administrem.
eletrônicas, e voluntariamente oferecemos feedbacks a d) administrariam.
respeito do que compramos. Somos o sujeito obediente e) administrassem.
Texto complementar
Enquadramento de notícias e sua influência na opinião pública
No século XV, foi dado o primeiro passo para a difusão de informações. A prensa móvel, a invenção do alemão Johannes
Gutenberg, originou a comunicação de massa ao permitir que um mesmo conteúdo fosse reproduzido em larga escala e assim
alcançasse muitas pessoas. Na sociedade contemporânea, o jornalismo é uma das principais atividades responsáveis por informar
e moldar a opinião pública. No entanto, ao contrário do que pensa grande parte da população, o jornalismo não informa com
isenção e neutralidade. Os meios de comunicação possuem seus critérios de abordagem de temas e utilizam certos mecanismos
para elaborar suas mensagens, como o enquadramento de notícias.
[...]
O que é o enquadramento noticioso?
Na maior parte do estudo de Jornalismo, considera-se que nenhuma informação divulgada na mídia é uma verdade absoluta.
Cada notícia é resultado de uma perspectiva sobre um acontecimento e o relato sobre esse mesmo episódio pode ser feito sob
outros pontos de vista sem que sejam ditas mentiras.
Como foi dito anteriormente, uma das estratégias de abordagem jornalística é o enquadramento. Trata-se do processo em que
os jornalistas escolhem palavras para a elaboração de uma ideia, hierarquizam informações, aprofundam ou não a discussão sobre
um assunto e selecionam dados e imagens para compor uma matéria. Tudo isso molda a forma como uma realidade é construída
e, consequentemente, compreendida pela população.
Na prática, acontece assim: vamos supor que um governante é acusado de estar envolvido em esquemas de corrupção
e, imediatamente, posta um texto em suas redes sociais se defendendo da acusação. Um jornal noticia o acontecimento com
o título “Governante é acusado de participar de esquemas de corrupção”. Paralelamente, outro jornal publica uma matéria
com o título “Governante defende sua integridade e afirma que não tem envolvimento com escândalos de corrupção”. Trata-se
de um exemplo simples em que os dois títulos possuem informações verídicas – a acusação e a declaração do governante – e
abordam o mesmo assunto. Porém, os enquadramentos são diferentes. O corpo da notícia abaixo de cada título também vai
possuir enquadramentos distintos, seguindo a perspectiva inicialmente apresentada.
As atitudes dos cidadãos em relação à notícia também podem ser moldadas de acordo com o enquadramento utilizado. Hoje
em dia, os estudos sobre jornalismo não consideram mais a ideia de que as pessoas absorvem diretamente o conteúdo da mídia
sem fazer qualquer tipo de leitura crítica. Porém, é praticamente consensual dentro do Jornalismo que a imprensa é responsável
por promover debates sobre certos assuntos e também o esquecimento de outros, que não são frequentemente abordados nos
meios de comunicação.
GARIBALDI, Christinny. Politize!, 29 jan. 2024. Disponível em: https://www.politize.com.br/enquadramento-de-noticias-e-sua-influencia/.
Acesso em: 15 fev. 2024.
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
22 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 22 04/04/2024 17:40:24
Quer saber mais?
Textos é salientado, a vítima é o sujeito paciente da ação e o
“Construções de voz em títulos de notícias e em manchetes: agente é suprimido da manchete.
uma contribuição para o ensino”, de Lennie Bertoque, Aryete
“Imparcialidade jornalística: do mito à realidade”, de Adísia
Dias Pereira e Vânia Cristina Casseb-Galvão. Polifonia,
Sá. Revista de Comunicação Social, Fortaleza, v. , n. / ,
Cuiabá, MT, v. , n. , p. -, jul./dez. . Disponível
p. -, . Disponível em: https://repositorio.ufc.br/
em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/
bitstream/riufc///_art_mabsa.pdf. Acesso
polifonia/article/view/. Acesso em: mar. .
em: fev. .
Nesse artigo de pesquisa, as vozes verbais são anali-
No texto, a professora Adísia Sá discute o tema da im-
sadas como parte indissociável da produção de efeitos
parcialidade em texto jornalísticos e sua relevância para
de sentido em textos jornalísticos. A voz passiva é uma
a transmissão de fatos.
demarcadora de perspectiva que geralmente no noti-
ciário se relaciona a notícias negativas em que o fato
Exercícios complementares
1. UFRGS 2014 O que havia de tão revolucionário na de dar-lhes sentido, ordenando a sociedade segundo novos
Revolução Francesa? Soberania popular, liberdade civil, 45 princípios. Esses princípios ainda permanecem como uma
igualdade perante a lei – as palavras hoje são ditas com denúncia da tirania e da injustiça. Afinal, em que estava
tanta facilidade que somos incapazes de imaginar seu empenhada a Revolução Francesa? Liberdade, igualdade,
5 caráter explosivo em 1789. Para os franceses do Antigo fraternidade.
Regime, os homens eram desiguais, e a desigualdade era Adaptado de: DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. In: ____.
O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo:
uma boa coisa, adequada à ordem hierárquica que fora
Cia. das Letras, 2010. p. 30-39.
posta na natureza pela própria obra de Deus. A liberdade
significava privilégio – isto é, literalmente, “lei privada”, Assinale a alternativa que contém a correta passagem
10 uma prerrogativa especial para fazer algo negado a ou- de um segmento que ocorre em voz passiva no texto
tras pessoas. O rei, como fonte de toda a lei, distribuía para a voz ativa.
privilégios, pois havia sido ungido como o agente de a) dizemos as palavras hoje com tanta facilidade...
Deus na terra. (l. -)
Durante todo o século XVIII, os filósofos do Ilumi- b) que a própria obra de Deus pusera na natureza.
15 nismo questionaram esses pressupostos, e os panfletistas (l. -)
profissionais conseguiram empanar a aura sagrada da co- c) pois o agente de Deus na terra o ungira. (l. -)
roa. Contudo, a desmontagem do quadro mental do Antigo d) Entre eles, feriram-se ou mataram-se no as-
Regime demandou violência iconoclasta, destruidora do salto à prisão... (l. -)
mundo, revolucionária. e) Afinal, em que se empenhou a Revolução France-
20 Seria ótimo se pudéssemos associar a Revolução ex- sa? (l. -)
clusivamente à Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, mas ela nasceu na violência e imprimiu seus 2. UEPG-PR (Adapt.)
princípios em um mundo violento. Os conquistadores da
Bastilha não se limitaram a destruir um símbolo do des- Delírio de voar
25 potismo real. Entre eles, 150 foram mortos ou feridos no Nos dez primeiros anos deste século havia uma mania
assalto à prisão e, quando os sobreviventes apanharam o pop em Paris – voar. As formas estranhas dos aeroplanos
diretor, cortaram sua cabeça e desfilaram-na por Paris na experimentais invadiam as páginas dos jornais. Cada proe-
ponta de uma lança. za dos aviadores era narrada em detalhe. Os parisienses
Como podemos captar esses momentos de loucura, acompanhavam fascinados as audácias dos aviadores, uma
30 quando tudo parecia possível e o mundo se afigurava elite extravagante de jovens brilhantes, cultos e elegantes,
como uma tábula rasa, apagada por uma onda de como- realçada por vários milionários e pelo interesse das moças.
ção popular e pronta para ser redesenhada? Parece incrível Multidões lotavam o campo de provas de Issy-les-Molincaux.
que um povo inteiro fosse capaz de se levantar e trans- Os pilotos e os inventores eram reconhecidos nas ruas e
formar as condições da vida cotidiana. Duzentos anos de homenageados em restaurantes. Todo dia algum biruta
35 experiências com admiráveis mundos novos tornaram-nos apresentava uma nova máquina, anunciava um plano mi-
céticos quanto ao planejamento social. Retrospectivamen- rabolante e desafiava a gravidade e a prudência.
te, a Revolução pode parecer um prelúdio ao totalitarismo. Paris virara a capital mundial da aviação desde a
Pode ser. Mas um excesso de visão histórica re- fundação do Aéro-Club de France, em 1898. Depois da
trospectiva pode distorcer o panorama de 1789. Os difusão dos grandes balões, em 1880, e dos dirigíveis infla-
40 revolucionários franceses não eram nossos contemporâ- dos a gás, em 1890 – os chamados “mais leves que o ar”,
FRENTE 1
neos. E eram um conjunto de pessoas não excepcionais chegara a hora dos aparelhos voadores práticos, menores
em circunstâncias excepcionais. Quando as coisas se de- e controláveis – os “mais pesados que o ar”. Durante mui-
sintegraram, eles reagiram a uma necessidade imperiosa to tempo eles foram descartados como impossíveis, mas
23
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 23 30/04/2024 14:44:20
agora as pré-condições haviam mudado. A tecnologia da Esse ajuste não é trivial. O Brasil possui poucos em-
aerodinâmica, da engenharia de estruturas, do desenho de pregos e trabalhadores de alta qualidade. A maioria dos
motores e da química de combustíveis havia chegado a atuais postos de trabalho está em setores que requerem
um estágio de evolução inédito. Combinadas, permitiam uma qualificação limitada: commodities, comércio e ser-
projetar máquinas inimaginadas. viços simples, transporte e, marginalmente, indústria. Bem
Simultaneamente, por caminhos paralelos, a fotografia diferente é a matriz econômica da Alemanha, por exem-
dera um salto com a invenção dos filmes flexíveis, em plo, que exporta 50% do PIB em bens e serviços de alta
1889. Surgiram câmeras modernas, mais sensíveis à luz, tecnologia. Ou seja, exporta ideias, pesquisa e ciência
mais velozes e fáceis de manejar. Em consequência, pro- que, em última análise, estão na cabeça dos trabalhadores.
liferaram os fotógrafos profissionais e amadores. Eles não (José Pastore. “Desemprego, desalento e informalidade”.
só registraram cada passo da infância da aviação como O Estado de S. Paulo , 26.08.2021.)
também popularizaram-na. Transportados pelos jornais, a) Explique o sentido atribuído pelo autor à expres-
os feitos dos pioneiros estimularam a vocação de muitos são “bala de prata” (1o parágrafo).
jovens candidatos a aviador. A mídia glamourizou a ou- b) Reescreva a frase “Sabe-se que elas destroem e
sadia de voar.
criam empregos.” (2o parágrafo), transpondo-a para
Inventar aviões era um ofício diletante e nada ren-
a voz passiva e substituindo o pronome “elas” pelo
doso – ainda. Exigia recursos financeiros para construir
seu referente.
aparelhos, contratar mecânicos, oficinas e hangares. Di-
nheiro nunca faltou ao brasileiro Alberto Santos-Dumont, 4. Famema-SP 2023 Leia o poema em prosa “Conto
filho de um rico fazendeiro mineiro, ou ao engenheiro cruel”, de Mário Quintana, para responder à questão.
e nobre francês marquês d’Ecquevilley-Montjustin. Voar
era um ideal delirante e dândi. Uma glória para homens Conto cruel
extraordinários. I
(SUPERINTERESSANTE, junho/99, p.36)
De repente, o leite talhou nos vasilhames. Foi um raio?
Marque as alternativas corretas, tendo em vista o em- Foi Leviatã? Foi o quê?
prego de verbos no texto: O burgomestre, debaixo das cobertas, resfolegava
01 O verbo usado em “As formas estranhas dos ae- orações meio esquecidas.
roplanos experimentais invadiam as páginas dos E os negros monstros das cornijas, com as faces ze-
jornais” assumiria, na voz passiva, a fortuna “eram bradas de relâmpagos, silenciosamente gargalhavam por
invadidas”. suas três ou quatro bocas superpostas.
02 Com o verbo na voz ativa, a frase “Cada proeza dos II
aviadores era narrada em detalhe” ficaria “Narrava
E amanheceu um enorme ovo, em pé, no meio da
em detalhe cada proeza dos aviadores”. praça, três palmos mais alto que os formosos alabardeiros
04 A forma verbal simples empregada em “Paris vira- que lhe puseram em torno para evitar a aproximação do
ra a capital mundial da aviação desde a fundação público. Foi chamado então o velho mágico, que escreveu
do Aéro-Club de France, em 1898”, corresponde na casca as três palavras infalíveis. E o ovo abriu-se ao
à forma composta “havia virado” ou “tinha virado”. meio e dele saiu um imponente senhor, tão magnifica-
08 Em “Voar era um ideal delirante e dândi”, “voar” mente vestido e resplandecente de alamares e crachás que
está empregado em função substantiva. todos pensaram que fosse o Rei de Ouros. E ei-lo que disse,
16 Em “Nos dez primeiros anos deste século havia encarando o seu povo: “Eu sou o novo burgomestre!” Dito
uma mania pop em Paris – voar”, o verbo haver e feito. Nunca houve tanta dança e tanta bebedeira na
foi empregado no pretérito perfeito do indicativo, cidade. Quanto ao velho burgomestre, nem foi preciso
com o sentido de existir. depô-lo, pois desapareceu tão misteriosamente como havia
aparecido o novo, ou o ovo. E os menestréis compuseram
Soma:
divertidas canções, que o populacho berrava nas estala-
3. FGV-SP 2022 Leia o trecho inicial do artigo “De- gens, entre gargalhadas e arrepios de medo.
semprego, desalento e informalidade”, do sociólogo III
José Pastore. Mas por onde andaria o burgomestre?
Como pode o Brasil se livrar desses três graves pro- O seu cachimbo de porcelana, em cujo forno se via
blemas? É a pergunta que mais recebo de estudantes e um Cupido de pernas trançadas, tocando flauta, foi en-
jornalistas. Infelizmente, não existe uma bala de prata. contrado à beira-rio. E apesar de todos os esforços, só
O emprego de hoje reflete o investimento de ontem. E, nos conseguiram pescar um baú, que não tinha nada a ver com
dias atuais, o Brasil investe apenas 15% do PIB, o que é a coisa, e uma sereiazinha insignificante e nada bonita,
irrisório para atender às necessidades de trabalho. uma sereiazinha de água doce, que nem sabia cantar e
Mas, mesmo na retomada dos investimentos, foi logo devolvida ao seu elemento.
especula-se sobre o impacto das tecnologias poupa- Mas quando casava a filha do mestre-escola, encontrou-
doras de mão de obra. Sabe-se que elas destroem e -se dentro do bolo de noiva a dentadura postiça do bur-
criam empregos. Entretanto, as novas vagas só podem gomestre, o que deu azo a que desmaiassem, no ato, duas
ser aproveitadas por trabalhadores que têm a qualifica- gerações inteiras de senhoras, e ao posterior suicídio do
ção exigida por elas. pasteleiro.
24 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 24 30/04/2024 14:46:01
E a caixa de rapé do burgomestre, que era inconfun- 6. PUC-Campinas 2022 Os franceses, no século XIX, se
dível e única, multiplicou-se estranhamente e começou valeram da palavra inglesa spleen para nomear a melan-
a ser achada em todas as salas de espera desertas, pelos colia, o sentimento depressivo. O cronista Rubem Braga
varredores verdes de terror, depois que era encerrado o era um mestre na expressão desse sentimento, ao qual,
expediente nas repartições públicas e começava a ouvir-se, nesta crônica, opôs o da vivacidade, ou, para usar outra
na rua, o passo trôpego do acendedor de lampiões. expressão inglesa, o de struggle for life:
(Melhores poemas, 2005.) “Daquela pequena conversa triste no bar, em que dis-
semos as coisas mais desesperadamente banais, saímos,
burgomestre: prefeito. os dois, com uma espécie de amor raivoso à vida, ciúme
cornija: moldura sobreposta, formando saliências, que e pressa da vida.
arremata a parte superior de uma parede, porta. Volto para casa. Estou cansado e tenho motivo já não
alabardeiro: soldado armado de alabarda (antiga arma digo para estar triste, mas, vamos dizer, aborrecido. Mas
composta de longa haste, que é rematada por peça me distraio olhando o passarinho que trouxe da roça. Não
pontiaguda de ferro). é bonito e canta pouco, esse bicudo que ainda não fez a
segunda muda. Mas o que é fascinante, nele, o que me
prende a ele, é sua vida, sua vitalidade inquieta, ágil, in-
“Foi chamado então o velho mágico” (4o parágrafo)
fatigável, seu apetite, seu susto, a reação instantânea com
Ao se transpor esse trecho para a voz passiva sintéti-
que abre o bico, zangado, quando o ameaço com a mão.
ca, a forma verbal resultante será:
Ele está tomando banho e se sacode todo, salta, muda
a) Chamou-se.
de poleiro, agita as penas – e me vigia de lado, com um
b) Chamaram-se.
olhinho escuro e vivo.
c) Chamavam. Mudo-lhe a água do bebedouro, jogo-lhe pedrinhas
d) Chamaram. de calcita que ele gosta de trincar. E me sinto bem com
e) Fora chamado. essa presença viva que não me compreende, mas que sen-
te em mim um outro bicho, amigo ou inimigo, uma outra
5. FMC-RJ 2022
vida. Ele não sabe da morte, não a espera nem a teme – e
O menino do alto a desmente em cada vibração de seu pequeno ser ávido e
Eliane Brum
inquieto. Meu bicudo é um grande companheiro e irmão,
e, na verdade, muito me ajuda.”
Leandro Siqueira dos Santos nunca havia reparado (Adaptado de: BRAGA, Rubem. Recado de primavera.
que nascera numa cidade partida. Perdeu a inocência no Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 156)
instante da descoberta. Quando os doutores disseram que
Falando da morte, o cronista diz que o passarinho não
nada mais poderiam fazer por ele, o pai arranjou uma por-
a espera nem a teme. Na voz passiva, o segmento em
5 ta velha, bichada, e sobre ela deitou o filho. Com a ajuda
itálico deverá ficar
de parentes, dos vizinhos, do povo de cima, carregou-o até
a) não se espera nem será temida.
o alto de seu destino. Pela primeira vez o menino decifrou
o precipício de sua vida. Pela primeira vez sentiu medo do
b) não é esperada nem temida.
barranco, das pedras, das cicatrizes escalavradas na terra. c) não a esperará ele, nem a temerá.
10 O menino percebeu naquele exato momento que havia d) não será esperada nem temida.
nascido com todas as pontes dinamitadas. Quando com- e) não sendo esperada, não a temerá.
preendeu, começou a envelhecer. Até a voz mudou. […]
7. Famema-SP 2021 O criminoso pode alegar que foi o
Quando se mergulha no coma, o corpo dorme. Os
segundo eu o autor do crime.
membros, as articulações desmaiam como se perdessem
(Carlos Drummond de Andrade. O avesso das coisas, 1990.)
15 a vida. Para que não se cristalizem no lugar errado, é
preciso que um fisioterapeuta movimente os pés, as mãos, Transpondo-se para a voz passiva a oração centrada
dia após dia. Não fizeram com o menino do alto. Selaram na locução verbal sublinhada, surge a forma verbal:
seu destino com a displicência com que a planície trata a a) pôde ser alegado.
cidade de cima. Não foi o acidente que roubou a liberdade b) pode alegar.
20 do menino. Não foi o traumatismo craniano que retorceu c) é alegado.
seus pés. Foi crime. d) pode ser alegado.
Fragmento. BRUM, Eliane. O menino do alto. In: ______. A vida que e) foi alegado.
ninguém vê. Porto Alegre: Arquipélago 2006. p. 72 e 73.
Na voz passiva sintética, a oração sublinhada em “...é 8. Unesp 2021 Leia o texto extraído da primeira parte,
preciso que um fisioterapeuta movimente os pés, as intitulada “A terra”, da obra Os Sertões, de Euclides
mãos, dia após dia” (linhas 15-17) teria a seguinte es- da Cunha. A obra resultou da cobertura jornalística da
trutura, de acordo com a norma padrão: Guerra de Canudos, realizada por Euclides da Cunha
a) Se movimente os pés, as mãos, dia após dia. para o jornal O Estado de S. Paulo de agosto a outu-
b) Se movimentem os pés, as mãos, dia após dia. bro de 1897, e foi publicada apenas em 1902.
FRENTE 1
c) Sejam movimentados os pés, as mãos, dia após dia. Percorrendo certa vez, nos fins de setembro [de
d) Estejam movimentados os pés, as mãos, dia após dia. 1897], as cercanias de Canudos, fugindo à monotonia
e) Fossem movimentados os pés, as mãos, dia após dia. de um canhoneio frouxo de tiros espaçados e soturnos,
25
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 25 04/04/2024 17:40:24
encontramos, no descer de uma encosta, anfiteatro irre- 9. Unifesp 2021 Leia o trecho do livro O oráculo da noi-
gular, onde as colinas se dispunham circulando um vale te, do neurocientista Sidarta Ribeiro.
único. Pequenos arbustos, icozeiros virentes viçando em
A palavra sonho, do latim somnium, significa muitas
tufos intermeados de palmatórias de flores rutilantes, da-
coisas diferentes, todas vivenciadas durante a vigília, e
vam ao lugar a aparência exata de algum velho jardim em
não durante o sono. Realizei “o sonho da minha vida”,
abandono. Ao lado uma árvore única, uma quixabeira alta,
“meu sonho de consumo” são frases usadas cotidia-
sobranceando a vegetação franzina.
namente pelas pessoas para dizer que pretendem ou
O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão
conseguiram alcançar algo. Todo mundo tem um sonho,
e protegido por ela – braços largamente abertos, face vol-
no sentido de plano futuro. Todo mundo deseja algo que
vida para os céus – um soldado descansava.
Descansava... havia três meses. não tem. Por que será que o sonho, fenômeno normal-
Morrera no assalto de 18 de julho [de 1897]. A co- mente noturno que tanto pode evocar o prazer quanto
ronha da Mannlicher estrondada, o cinturão e o boné o medo, é justamente a palavra usada para designar tudo
jogados a uma banda, e a farda em tiras, diziam que su- aquilo que se quer ter?
cumbira em luta corpo a corpo com adversário possante. O repertório publicitário contemporâneo não tem
Caíra, certo, derreando-se à violenta pancada que lhe dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos com-
sulcara a fronte, manchada de uma escara preta. E ao portamentos. Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra
enterrarem-se, dias depois, os mortos, não fora percebido. “sonho”. [...] Na área de desembarque de um aeroporto
Não compartira, por isto, a vala comum de menos de um nos Estados Unidos, uma foto enorme de um casal belo
côvado de fundo em que eram jogados, formando pela e sorridente, velejando num mar caribenho em dia en-
última vez juntos, os companheiros abatidos na batalha. solarado, sob a frase enigmática: “Aonde seus sonhos o
O destino que o removera do lar desprotegido fizera-lhe levarão?”, embaixo o logotipo da empresa de cartão de
afinal uma concessão: livrara-o da promiscuidade lúgubre crédito. Deduz-se do anúncio que os sonhos são como
de um fosso repugnante; e deixara-o ali há três meses – veleiros, capazes de levar-nos a lugares idílicos, perfei-
braços largamente abertos, rosto voltado para os céus, tos, altamente… desejáveis. As equações “sonho é igual
para os sóis ardentes, para os luares claros, para as estrelas a desejo que é igual a dinheiro” têm como variável oculta
fulgurantes... a liberdade de ir, ser e principalmente ter, liberdade que
E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conser- até os mais miseráveis podem experimentar no mundo
vando os traços fisionômicos, de modo a incutir a ilusão de regras frouxas do sonho noturno, mas que no sonho
exata de um lutador cansado, retemperando-se em tran- diurno é privilégio apenas dos detentores de um mágico
quilo sono, à sombra daquela árvore benfazeja. Nem um cartão plástico.
verme – o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria – A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para
lhe maculara os tecidos. Volvia ao turbilhão da vida sem dormir e sonhar, que acometem a maioria dos traba-
decomposição repugnante, numa exaustão imperceptível. lhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização
Era um aparelho revelando de modo absoluto, mas suges- contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância
tivo, a secura extrema dos ares. motivacional do sonho e sua banalização no mundo in-
(Os Sertões, 2016.) dustrial globalizado. [...] A indústria da saúde do sono,
um setor que cresce aceleradamente, tem valor estima-
do entre 30 bilhões e 40 bilhões de dólares. Mesmo
canhoneio: descarga de canhões. assim a insônia impera. Se o tempo é sempre escasso,
icozeiro: arbusto de folhas coriáceas, flores de tom se despertamos diariamente com o toque insistente do
verde-pálido e frutos bacáceos. despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cum-
palmatória: planta da família das cactáceas, de flores prir compromissos que se renovam ao infinito, se tão
amarelo-esverdeadas, com a parte inferior vermelha, poucos se lembram que sonham pela simples falta de
ou róseas, e bagas vermelhas. oportunidade de contemplar a vida interior, quando a
Mannlicher: rifle projetado por Ferdinand Ritter von insônia grassa e o bocejo se impõe, chega-se a duvidar
Mannlicher. da sobrevivência do sonho.
E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel,
Observa-se o emprego de voz passiva no trecho: sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da
a) “Descansava... havia três meses.” (3o parágrafo) cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das pers-
b) “Caíra, certo, derreando-se à violenta pancada pectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão
que lhe sulcara a fronte, manchada de uma esca- livre é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. [...] Na
ra preta.” (4o parágrafo) peça teatral A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón
c) “Nem um verme — o mais vulgar dos trágicos ana- de la Barca dramatizou a liberdade de construir o próprio
destino. O sonho é a imaginação sem freio nem controle,
listas da matéria — lhe maculara os tecidos.” (5o
solta para temer, criar, perder e achar.
parágrafo)
(O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, 2019.)
d) “Volvia ao turbilhão da vida sem decomposição
repugnante, numa exaustão imperceptível.” (5o Pode ser reescrito na voz passiva o seguinte trecho
parágrafo) do texto:
e) “E ao enterrarem-se, dias depois, os mortos, não a) “Pedro Calderón de la Barca dramatizou a liberda-
fora percebido.” (4o parágrafo) de de construir o próprio destino” (4o parágrafo).
26 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 26 04/04/2024 17:40:24
b) “É gritante o contraste entre a relevância moti- c) “Já nas sociedades rudimentares manifestam-se
vacional do sonho e sua banalização no mundo eles, segundo sua predominância, na distinção
industrial globalizado” (3o parágrafo). fundamental entre os povos caçadores ou coleto-
c) “O sonho é a imaginação sem freio nem controle, res e os povos lavradores.”
solta para temer, criar, perder e achar” (4o parágrafo). d) “Para uns, o objeto final, a mira de todo esforço, o
d) “Mesmo assim a insônia impera” (3o parágrafo). ponto de chegada, assume relevância tão capital,
e) “Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra ‘so- que chega a dispensar, por secundários, quase
nho’” (2o parágrafo). supérfluos, todos os processos intermediários.”
e) “Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore.”
10. FCMSCSP 2021 Leia o trecho de Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda, para responder à questão. 11. PUC-Campinas 2021
Nas formas de vida coletiva podem assinalar-se dois Parte do Coral humano
princípios que se combatem e regulam diversamente as
Que boa sensação a de cada um de nós, cronistas,
atividades dos homens. Esses dois princípios encarnam-
de repente não precisar mais escrever, a de ser apenas
-se nos tipos do aventureiro e do trabalhador. Já nas
uma parte do Coral humano, um grito em meio às vozes
sociedades rudimentares manifestam-se eles, segundo
que gritam “gol!”, um gemido noturno entre os muitos
sua predominância, na distinção fundamental entre os
gemidos na imensa e fria enfermaria de um hospital de
povos caçadores ou coletores e os povos lavradores.
indigentes... E que absurda e amiga paz a de saber que a
Para uns, o objeto final, a mira de todo esforço, o ponto
lua e a flor não deixam de ser a lua e a flor porque não
de chegada, assume relevância tão capital, que chega a
registramos seus nomes...
dispensar, por secundários, quase supérfluos, todos os
Poder dizer: vivi entre o que viveu. Fui multidão e
processos intermediários. Seu ideal será colher o fruto
povo, um lugar ocupado, uma rescendência de suor, uma
sem plantar a árvore.
voz que pediu licença, um olhar que mendigou prazeres.
Esse tipo humano ignora as fronteiras. No mundo
Das minhas mãos, prefiro não contar, a não ser na custosa
tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde
confissão de que foram mãos vadias, que não se aplica-
quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambi-
ram em algum esforço máximo. De bem, elas fizeram a
ciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim.
bênção e o carinho, mas um carinho vadio, sem precisão
Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos
de recompensa.
horizontes distantes.
Prevalecerá, assim, apenas um Existente na multidão,
O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga
um corista, aquele que não foi o solista de beleza alguma
primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar.
e que, por isso, se sente sem reponsabilidade alguma de
O esforço lento, pouco compensador e persistente, que,
eventuais erros cometidos, que nada tiveram de especial
no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e
que pudesse destacá-los.
sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem senti-
Deve-se viver em multidão. Viver entre os que, sim-
do bem nítido para ele. Seu campo visual é naturalmente
plesmente, estiverem vivendo. A vida coral nos alivia da
restrito. A parte maior do que o todo.
obrigação do êxito, da epopeia, sobretudo do êxito fabri-
Existe uma ética do trabalho, como existe uma ética
cado ou cínico. E sempre desconfiar dos feitos pessoais
da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só
que são repetida e enfaticamente comemorados, como
atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo
se a vida de cada um dependesse de alguma celebração
de praticar, e, inversamente, terá por imorais e detestáveis
gloriosa.
as qualidades próprias do aventureiro – audácia, imprevi-
(Adaptado de: MARIA, Antônio. O Jornal de Antônio Maria.
dência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem. Rio de Janeiro: Saga, 1968, p. 47-49)
Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a
uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aven- Transpondo-se para a voz passiva a frase “Ela não
tureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à reconhecia nesse cronista nem suas melhores qualida-
segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido des e tampouco seus piores defeitos”, a forma verbal
proveito material passam, ao contrário, por viciosos e resultante será:
desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido a) eram reconhecidos
e mesquinho do que o ideal do trabalhador. b) seriam reconhecidos
(Raízes do Brasil, 2014. Adaptado.) c) foram reconhecidas
d) tinham sido reconhecidas
erigir: erguer. e) teriam sido reconhecidos
12. UFRGS 2020 As primeiras lições que recebi de aero-
Verifica-se o emprego de voz passiva no seguinte tre- náutica foram-me dadas por um grande visionário: Júlio
cho do primeiro parágrafo: Verne. De 1888, mais ou menos, a 1891, quando parti
a) “Esses dois princípios encarnam-se nos tipos do pela primeira vez para a Europa, li, com grande interesse,
aventureiro e do trabalhador.” 5 todos os livros desse grande vidente da locomoção aérea
FRENTE 1
b) “Nas formas de vida coletiva podem assinalar-se e submarina.
dois princípios que se combatem e regulam diver- Estava eu em Paris quando, na véspera de partir para
samente as atividades dos homens.” o Brasil, fui, com meu pai, visitar uma exposição de
27
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 27 04/04/2024 17:40:24
máquinas no desaparecido Palácio da Indústria. Qual não Em primeiro lugar, é óbvio que se trata de um pedido
10 foi o meu espanto quando vi, pela primeira vez, um motor (ou de uma ordem) mais ou menos informal. Caso con-
a petróleo, da força de um cavalo, muito compacto, e leve, trário, não se usaria a expressão “pessoal”, mas talvez
em comparação aos que eu conhecia, e... funcionando! “Senhores” ou “Senhores alunos”.
Parei diante dele como que pregado pelo destino. Estava 15 Em segundo lugar, não se trata da tal concordân-
completamente fascinado. Meu pai, distraído, continuou a cia ideológica, nem de silepse (hipóteses previstas pela
15 andar até que, depois de alguns passos, dando pela minha gramática para explicar concordâncias mais ou menos
falta, voltou, perguntando-me o que havia. Contei-lhe a excepcionais, que se devem menos a fatores sintáticos
minha admiração de ver funcionar aquele motor, e ele me e mais aos semânticos; exemplos correntes do tipo “A
respondeu: “Por hoje basta”. Aproveitando-me dessas pa- 20 gente fomos” e “o pessoal gostaram” se explicam por esse
lavras, pedi-lhe licença para fazer meus estudos em Paris. critério). Como se pode saber que não se trata de concor-
20 Continuamos o passeio, e meu pai, como distraído, não dância ideológica ou de silepse? A resposta é que, nesses
me respondeu. Nessa mesma noite, no jantar de despe- casos, o verbo se liga ao sujeito em estrutura sem vocativo,
dida, reunida a família, meu pai anunciou que pretendia diferentemente do que acontece aqui. E em casos como
fazer-me voltar a Paris para acabar meus estudos. Nessa 25 “Pedro, venha cá”, “venha” não se liga a “Pedro”, mesmo
mesma noite corri vários livreiros; comprei todos os livros que pareça que sim, porque Pedro não é o sujeito.
25 que encontrei sobre balões e viagens aéreas. Para tentar formular uma hipótese mais clara para
Diante do motor a petróleo, tinha sentido a possibili- o problema apresentado, talvez se deva admitir que o
dade de tornar reais as fantasias de Júlio Verne. Ao motor sujeito de um verbo pode estar apagado e, mesmo assim,
a petróleo devi, mais tarde, todo o meu êxito. Tive a feli- 30 produzir concordância. O ideal é que se mostre que o
cidade de ser o primeiro a empregá-lo nos ares. fenômeno não ocorre só com ordens ou pedidos, e nem
30 Uma manhã, em São Paulo, com grande surpresa mi- só quando há vocativo. Vamos por partes: a) é normal, em
nha, convidou-me meu pai a ir à cidade e, dirigindo-se a português, haver orações sem sujeito expresso e, mesmo
um cartório de tabelião, mandou lavrar escritura de minha assim, haver flexão verbal. Exemplos correntes são frases
emancipação. Tinha eu dezoito anos. De volta a casa, 35 como “chegaram e saíram em seguida”, que todos conhe-
chamou-me ao escritório e disse-me: “Já lhe dei hoje a cemos das gramáticas; b) sempre que há um vocativo, em
35 liberdade; aqui está mais este capital”, e entregou-me tí- princípio, o sujeito pode não aparecer na frase. É o que
tulos no valor de muitas centenas de contos. “Tenho ainda ocorre em “meninos, saiam daqui”; mas o sujeito pode
alguns anos de vida; quero ver como você se conduz; vai aparecer, pois não seria estranha a sequência “meninos,
para Paris, o lugar mais perigoso para um rapaz. Vamos ver 40 vocês se comportem”; c) se forem aceitas as hipóteses a)
se você se faz um adulto; prefiro que não se faça doutor; e b) (diria que são fatos), não seria estranho que a frase
40 em Paris, você procurará um especialista em física, quí- “Pessoal, leiam o livro X” pudesse ser tratada como se
mica, mecânica, eletricidade, etc., estude essas matérias sua estrutura fosse “Pessoal, vocês leiam o livro x”. Se a
e não esqueça que o futuro do mundo está na mecânica”. palavra “vocês” não estivesse apagada, a concordância
Adaptado de DUMONT, Santos. O que eu vi, o que nós veremos. 45 se explicaria normalmente; d) assim, o problema real
Rio de Janeiro: Hedra, 2016. Organização de Marcos Villares. não é a concordância entre “pessoal” e “leiam”, mas a
passagem de “pessoal” a “vocês”, que não aparece na
Assinale a alternativa que apresenta uma oração na
superfície da frase.
voz passiva.
Este caso é apenas um, dentre tantos outros, que
a) As primeiras lições que recebi de aeronáutica 50 nos obrigariam a considerar na análise elementos que
foram-me dadas por um grande visionário: Júlio parecem não estar na frase, mas que atuam como se lá
Verne (l. 01-03). estivessem.
b) Parei diante dele como que pregado pelo destino Adaptado de: POSSENTI, Sírio. Malcomportadas línguas. São Paulo:
(l. 13). Parábola Editorial, 2009. p. 85-86.
c) Contei-lhe a minha admiração de ver funcionar
Assinale a alternativa que apresenta uma oração na
aquele motor (l. 16-17). voz passiva.
d) Diante do motor a petróleo, tinha sentido a pos- a) mesmo que pareça que sim, [...] (l. 25-26).
sibilidade de tornar reais as fantasias de Júlio b) é normal, em português, haver orações sem sujei-
Verne (l. 26-27). to expresso [...] (l. 32-33).
e) De volta à casa, chamou-me ao escritório (l. 33-34). c) Exemplos correntes são frases como “chegaram e
13. UFRGS 2019 Recebi consulta de um amigo que tenta saíram em seguida”, [...] (l. 34-35).
deslindar segredos da língua para estrangeiros que que- d) não seria estranha a sequência “meninos, vocês
rem aprender português. Seu problema: “se digo em uma se comportem”; [...] (l. 39-40).
sala de aula: ‘Pessoal, leiam o livro X’, como explicar e) se forem aceitas as hipóteses a) e b) [...] (l. 40-41).
5 a concordância? Certamente, não se diz ‘Pessoal, leia o
14. Unesp 2018 Leia o trecho do livro Bem-vindo ao deserto
livro X’”.
do real!, de Slavoj Žižek, para responder à questão.
Pela pergunta, vê-se que não se trata de fornecer re-
gras para corrigir eventuais problemas de padrão. Trata-se Numa antiga anedota que circulava na hoje faleci-
de entender um dado que ocorre regularmente, mas que da República Democrática Alemã, um operário alemão
10 parece oferecer alguma dificuldade de análise. consegue um emprego na Sibéria; sabendo que toda
28 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 28 04/04/2024 17:40:24
correspondência será lida pelos censores, ele combi- A ciência é uma tentativa, em grande parte bem-sucedida,
na com os amigos: “Vamos combinar um código: se de compreender o mundo, de controlar as coisas, de ter
uma carta estiver escrita em tinta azul, o que ela diz é domínio sobre nós mesmos, de seguir um rumo seguro.
verdade; se es tiver escrita em tinta vermelha, tudo é A microbiologia e a meteorologia explicam hoje o que,
mentira.” Um mês depois, os amigos recebem uma carta há alguns séculos, era considerado causa suficiente para
escrita em tinta azul: “Tudo aqui é maravilhoso: as lojas queimar mulheres na fogueira.
vivem cheias, a comida é abundante, os apartamentos (O mundo assombrado pelos demônios, 2006. Adaptado.)
são grandes e bem aquecidos, os cinemas exibem filmes
A microbiologia e a meteorologia explicam hoje o
do Ocidente, há muitas garotas, sempre prontas para que, há alguns séculos, era considerado causa suficiente
um programa – o único senão é que não se consegue para queimar mulheres na fogueira. (2o parágrafo)
encontrar tinta vermelha.” Neste caso, a estrutura é mais
refinada do que indicam as aparências: apesar de não Na voz passiva, o trecho transcrito assume a seguinte
ter como usar o código combinado para indicar que redação:
tudo o que está dito é mentira, mesmo assim ele con- a) O que, há alguns séculos, era considerado causa
segue passar a mensagem. Como? Pela introdução da suficiente para queimar mulheres na fogueira é ex-
referência ao código, como um de seus elementos, na plicado hoje pela microbiologia e pela meteorologia.
própria mensagem codificada. b) A microbiologia e a meteorologia explicariam hoje
(Bem-vindo ao deserto do real! 2003.) o que, há alguns séculos, era considerado causa
Um mês depois, os amigos recebem uma carta escrita suficiente para queimar mulheres na fogueira.
em tinta azul [...]. c) O que, há alguns séculos, era considerado cau-
sa suficiente para queimar mulheres na fogueira
Assinale a alternativa que expressa, na voz passiva, o seria explicado hoje pela microbiologia e pela
conteúdo dessa oração. meteorologia.
a) Um mês depois, uma carta escrita em tinta azul d) A microbiologia e a meteorologia explicaram hoje
seria recebida pelos amigos. o que, há alguns séculos, era considerado causa
b) Os amigos deveriam ter recebido, um mês de- suficiente para queimar mulheres na fogueira.
pois, uma carta escrita em tinta azul. e) O que, há alguns séculos, era considerado causa
c) Um mês depois, uma carta escrita em tinta azul foi suficiente para queimar mulheres na fogueira foi ex-
recebida pelos amigos. plicado hoje pela microbiologia e pela meteorologia.
d) Um mês depois, uma carta escrita em tinta azul é
recebida pelos amigos. 16. EsPCEx-SP 2022
e) Os amigos receberiam, um mês depois, uma carta
E a indústria de alimentos na pandemia?
escrita em tinta azul.
O editorial da edição de 10 de junho do British
15. Uefs-BA 2018 Leia o trecho de um artigo do livro Medical Journal, assinado por professores da Queen
O mundo assombrado pelos demônios, do astrônomo Mary University of London, na Inglaterra, propõe uma
e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996), para reflexão tão interessante que vale provocá-la entre nós,
responder à questão. aqui também: a pandemia de Covid-19 deveria tornar
ainda mais urgente o combate à outra pandemia, a de
Nós criamos uma civilização global em que os ele- obesidade.
mentos mais cruciais – o transporte, as comunicações O excesso de peso, por si só, já é um fator de risco im-
e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, portante para o agravamento da infecção pelo Sars-CoV 2,
a educação, o entretenimento, a proteção ao meio am- como lembram os autores. A probabilidade de uma pessoa
biente e até a importante instituição democrática do voto com obesidade severa morrer de Covid-19 chega a ser
– dependem profundamente da ciência e da tecnologia. 27% maior do que a de indivíduos com obesidade grau 1,
Também criamos uma ordem em que quase ninguém isto é, com um índice de massa corporal entre 30 e 34,9
compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para quilos por metro quadrado, de acordo com a plataforma
o desastre. de registros OpenSAFELY.
A candle in the dark é o título de um livro corajoso, O editorial cita uma série de outros dados e possíveis
baseado em grande parte na Bíblia, escrito por Thomas razões para a associação entre a má evolução de certos
Ady e publicado em Londres em 1656, que ataca a caça casos de Covid-19 e a obesidade. No entanto, o que mais
às bruxas, então na ordem do dia, tachando-a de fraude destaca é o ambiente obesogênico que o novo coronavírus
“para enganar o povo”. Qualquer doença ou tempestade, encontrou no planeta.
qualquer coisa fora do comum, era atribuída à bruxaria. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, para citar dois
As bruxas devem existir, escreveu Ady, citando a argumen- exemplos, entre 65% e 70% da população apresentam um
tação dos “negociantes de bruxas”, “do contrário como peso maior do que o recomendado para o bem da saúde.
é que essas coisas existem ou vêm a acontecer?”. Duran- E, assim, os autores apontam o dedo para a indústria de
te grande parte de nossa história tínhamos tanto medo alimentos que, em sua opinião, em todo o globo não pa-
FRENTE 1
do mundo exterior, com seus perigos imprevisíveis, que rou de promover produtos ultraprocessados, com muito
aceitávamos de bom grado qualquer coisa que prometes- açúcar, uma quantidade excessiva de sódio e gorduras
se suavizar ou atenuar o terror por meio de explicações. além da conta.
29
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15_P5.indd 29 04/04/2024 17:40:24
A crítica do editorial é mesmo cortante: “Fica claro que a indústria de alimentos divide a culpa não apenas pela
pandemia de obesidade como pelos casos mais graves de Covid-19 e suas consequências devastadoras”, está escrito.
E os autores cobram medidas, lembrando que o confinamento exigido pela Covid-19 aparentemente piorou o estado
nutricional das pessoas, em parte pela falta de acesso a alimentos frescos, em outra parte porque o pânico fez muita gente
estocar itens ultraprocessados em casa, já que esses costumam ter maior vida de prateleira, inclusive na despensa.
Mas o que deixou os autores realmente desconfortáveis foram as ações de marketing de algumas marcas nesses tempos
desafiadores. Todas, claro, querendo demonstrar o seu envolvimento com iniciativas de responsabilidade social, mas dando
tiros que, para olhos mais atentos, decididamente saíram pela culatra. Por exemplo, quando uma indústria bem popular na
Inglaterra distribuiu nada menos do que meio milhão de calóricos donuts para profissionais na linha de frente do National
Health Service britânico.
A impressão é de que as indústrias de alimentos verdadeiramente preocupadas com a população, cada vez mais aco-
metida pela obesidade, deveriam aproveitar a crise atual para botar a mão na consciência, parar de promover itens pouco
saudáveis e reformular boa parte do seu portfólio. As mortes por Covid-19 dão a pista de que essa é a maior causa que elas
poderiam abraçar no momento.
Fonte: Adaptado de https://abeso.org.br/e-a-industria-de-alimentos-na-pandemia. Publicado em 30 de junho de 2020. Acessado em 09 Mar 21.
O termo “ambiente obesogênico” foi criado pelo professor de Bioengenharia da Universidade da Califórnia, nos EUA,
Bruce Blumberg. Segundo ele, são os obesogênicos os responsáveis por contribuir no ganho de peso sem que o indi-
víduo tenha consciência de que está engordando.
Quanto às vozes do verbo, o trecho destacado em “O editorial da edição de 10 de junho do British Medical Journal,
assinado por professores da Queen Mary University of London”, está na voz
a) reflexiva. d) ativa.
b) passiva. e) passiva recíproca.
c) passiva pronominal.
BNCC em foco
EM13LP07
1. Uece 2015
A Internet e a neutralidade da rede
A Internet vista, unanimemente, como o território livre, a tecnologia libertadora que, em muitos países, permitiu o
florescimento da cidadania, a ampliação das oportunidades de educação, o ambiente para novas empresas e novos em-
preendedores, para o trabalho colaborativo em rede.
Graças a seu ambiente libertário, internacionalmente ajudou a derrubar ditaduras e monopólios de mídia, o controle da
5 informação, tanto por governos como por cartéis.
No entanto, não se considere um modelo consolidado. Em outros momentos da história surgiram novas tecnologias,
promovendo rupturas, abrindo espaço para a democratização e, no momento seguinte, quedaram dominadas por novos
cartéis e monopólios que se formaram.
Foi assim com o início da telefonia. Enquanto a Bell Co se consolidava, como grande companhia nacional, surgiram
10 inúmeras experiências locais, como a Mesa Telephone, para localidades rurais norte americanas, de tecnologia rudimentar
porém útil para ligar comunidades agrícolas.
Nasceram centenas de outras companhias por todo o país. Esse mesmo modelo disseminou-se pelo Brasil dos anos 40
em diante, com companhias municipais levando o telefone a cidades menores, em um surto de pioneirismo extraordinário.
Nos Estados Unidos, o movimento dos “independentes” permitiu às comunidades rurais estreitar laços, criar amizades,
15 sistemas de informação, da mesma maneira que as redes sociais de agora. Através do telefone desenvolveram noticiários
sobre o clima, sobre a região, relatórios de mercado etc.
Os “independentes” chegaram a ter 3 milhões de aparelhos, contra 2,5 milhões da Bell. Com a ajuda do J.P.Morgan, o
mais influente banco da época, a Bell reestruturou-se em torno da AT&T.
Em vez de declarar guerra aos “independentes”, a nova direção propôs um trabalho conjunto, facilitando para eles
20 as ligações de longa distância, desde que trocassem seus sistemas rústicos pelos padrões Bell. Quem não aderisse, não
teria ligações de longa distância.
30 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 30 10/04/2024 13:28:32
Como resultado, a AT&T matou a concorrência dos “independentes” e construiu o mais longevo e poderoso monopólio
da história, só desmembrado na década de 1980.
O mesmo processo de concentração se repetiu no rádio.
25 No início, o rádio tornou-se uma ferramenta tão democrática e disseminada quanto a Internet. Não havia controle e
qualquer pessoa, adquirindo um kit de rádio, montava sua estação sem fio.
Em 1921 havia 525 estatais transmissoras nos Estados Unidos. Até o final de 1924, mais de 2 milhões de aparelhos de
rádio. Segundo Tim Wu, autor do importante “Impérios da Comunicação”, antes da Internet os rádios foram a maior mídia
aberta do século.
30 Repetiu-se o mesmo processo do telefone. À medida que aumentava o público e criava escala, o mercado libertário era
enquadrado pelo poder público e a ocupação do espaço entregue a grupos particulares.
Hoje em dia, as concessões de rádio se tornaram ativos de empresas privadas, as rádios comunitárias são criminalizadas
e o exercício pessoal se restringe aos rádios amadores.
Esse é o desafio atual da Internet. Se não for garantida a neutralidade da rede – isto é, o direito de qualquer site ou pes-
35 soa de ter acesso à rede, sem privilégios – em breve o grande sonho libertário da Internet terá o mesmo destino do telefone
e do rádio.
Luís Nassif. Coluna Econômica. 07/09/2013.
Atente ao que se diz sobre o seguinte enunciado: “No entanto, não se considere um modelo consolidado” (linha 6).
I. Para ser entendido, o enunciador exige a cooperação do leitor, que deverá, por inferência, saber de qual modelo
ele fala.
II. Ao enunciado falta uma expressão que desempenhe o papel de sujeito da voz passiva do verbo considerar.
III. Dependendo do contexto, a não explicitação do sujeito do verbo considerar torna o enunciado passível de duas
leituras:
1. No entanto, não considere a si mesmo um modelo consolidado.
2. No entanto, não seja considerado (o modelo da Internet) como um modelo consolidado.
Está correto o que se diz em
a) I, II e III.
b) II e III apenas.
c) I e II apenas.
d) I e III apenas.
EM13LP08
2. UFSCar-SP 2023 Leia os textos a seguir para responder à questão.
Texto I
FRENTE 1
31
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 31 10/04/2024 13:29:18
Texto II
Você já imaginou uma Bancada do Cocar? Como seria o Brasil depois dela?
Desde o século XVI, os povos indígenas vêm sendo aldeados pela política. Acreditamos que a política com mais repre-
sentatividade e diversidade indígena é fundamental para criarmos uma sociedade mais coletiva, confiante, justa e resiliente
às mudanças climáticas. Vamos aldear a política!
Aldear a política significa eleger representantes dos povos indígenas em todos os estados, em defesa da forma de viver
e da natureza em que habitamos.
(Adaptado de Mídia Guarani Mbya. Disponível em https://www.facebook.com/midiaguaranimbya/photos/pcb.550687360075915/550687173409267/.
Acesso em 12/08/2022.
Compare as afirmações a seguir:
Desde o século XVI, os povos indígenas vêm sendo aldeados pela política.
Aldear a política significa eleger representantes dos povos indígenas.
A proposta de formar uma Bancada do Cocar e aldear a política, na segunda afirmação, está marcada pela
a) eliminação da expressão temporal.
b) mudança da voz verbal passiva para a ativa.
c) inclusão do verbo “significar”.
d) permanência do termo “povos indígenas”.
EM13LP08
3. UEPG-PR 2023
Crise de ansiedade “coletiva” em escola do Recife pode ter relação com uso excessivo de celular
O uso indiscriminado de celular e da internet pode ter sido a causa da crise de ansiedade coletiva registrada recentemente
em uma Escola de Ensino Médio na zona norte do Recife (PE). A unidade de ensino acionou o Serviço de Atendimento Móvel
de Urgência (SAMU) após 26 alunos apresentarem sintomas de crise de ansiedade.
Os estudantes relataram instabilidades como choro excessivo, falta de ar e tremor. Em vídeos que circulam na internet,
eles aparecem deitados no chão enquanto são atendidos por socorristas do SAMU.
De acordo com o PhD em neurociência, Fabiano de Abreu Agrela, o episódio ocorrido na escola pernambucana tem
relação direta com o mau uso do celular e das redes sociais. Segundo ele, esses hábitos estão deixando as pessoas menos
inteligentes e o excesso de redes sociais revela transtornos de personalidade, problemáticas que tendem a se agravar entre
adolescentes. Agrela alertou também que o apego exagerado dos jovens com o celular chega a ser até doentio, tornando-se
uma necessidade incontrolável da qual a pessoa não consegue se livrar.
O especialista considera ser de extrema urgência a formulação de uma política educacional para combater esses excessos.
“Esse acesso descontrolado muda a química cerebral, sobretudo quando essas crianças ainda estão em fase de desenvolvi-
mento. Esse tipo de vício é explicado pelo hormônio da dopamina, que é conhecida como neurotransmissor da recompensa”.
Adaptado de: ALBUQUERQUE, Mariana. Crise de ansiedade “coletiva” em escola do Recife pode ter relação com uso excessivo de celular. Eu Estudante,
Recife, 13/04/2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2022/04/5000141-crise-de-ansiedade-coletiva-em-
escola-do-recife-pode-ter-relacao-com-uso-excessivo-de-celular.html. Acesso em: 29/04/22.
Considerando o conteúdo do texto de Mariana Albuquerque e alguns aspectos gramaticais da língua portuguesa,
assinale o que for correto.
01 O uso do verbo auxiliar poder nas expressões “pode ter relação” (presente no título do texto) e “pode ter sido a
causa” (1o período do texto) indica uma modalização; ou seja, ele é utilizado pela autora para indicar um sentido
específico para aquele conteúdo (nesse caso, o de que a frase indica apenas uma possibilidade, e não um fato).
02 Podemos observar, no texto, alguns exemplos de palavras formadas por derivação sufixal: há a formação do adje-
tivo “recentemente” por meio do acréscimo do sufixo -mente ao advérbio “recente”, e a formação do substantivo
“formulação” por meio do acréscimo do sufixo -ção ao verbo “formular”.
04 Na oração destacada em “eles aparecem deitados no chão enquanto são atendidos por socorristas do SAMU”,
ocorre a elipse do sujeito paciente “eles” seguida da estrutura clássica da voz passiva analítica: verbo auxiliar ser
junto do particípio do verbo principal (são atendidos). Há, ainda, a presença do agente da passiva (por socorristas
do SAMU).
08 Com relação ao assunto fonemas e letras, pode-se afirmar que estão presentes no texto palavras que contêm
dígrafos vocálicos, como indiscriminado, formulação e ansiedade e palavras que contêm dígrafos consonantais,
como ocorrido, excessivo e crianças.
Soma:
32 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Verbo II: vozes verbais
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_005_032_f1_c15.indd 32 10/04/2024 13:29:57
Museu Boijmans Van Beuningen, Roterdã
A “Pequena” Torre de Babel (1563),
obra do pintor renascentista holandês
Pieter Bruegel, o Velho.
FRENTE 1
16
CAPÍTULO Concordância verbonominal
Segundo o texto bíblico de Gênesis, a humanidade, que compartilhava uma
única língua, desejava construir a Torre de Babel para alcançar o céu. Contu-
do, esse desejo ambicioso provocou a ira divina e, como punição, Deus fez
com que as pessoas passassem a falar línguas diferentes, a fim de discor-
darem entre si e, assim, desistirem de edificar a torre. Neste capítulo, vamos
estudar a concordância, uma propriedade do enunciado linguístico para es-
tabelecer relações entre os termos que o constituem, seja entre o verbo e o
sujeito (concordância verbal), seja entre o substantivo e seus determinantes –
artigos, adjetivos, numerais e pronomes (concordância nominal).
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 33 05/04/2024 15:10:46
Concordância verbal
A concordância verbal, em linhas gerais, diz respeito à relação estabelecida entre o verbo e o sujeito da oração, tanto
em número (singular ou plural) quanto em pessoa (1a, 2a e 3a).
Concordância com sujeito simples
O verbo concorda com o núcleo do sujeito. Observe no título da notícia a seguir que o núcleo do sujeito e o verbo
estão na 3a pessoa do plural.
suj. simples
Estados da Amazônia Legal querem que países desenvolvidos paguem pela proteção da floresta
núcleo adj. adn. verbo predicado verbal
OLIVEIRA, Eliane. O Globo, 13 abr. 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/estados-da-amazonia-legal-querem-que-paises-desenvolvidos-
paguem-pela-protecao-da-floresta-24969220. Acesso em: 25 mar. 2024.
Concordância com sujeito simples formado por pronome
Pronome relativo “que”
• Se o antecedente do pronome “que” for a expressão “um dos”, o verbo da oração subordinada fica no plural.
Brasil é um dos países que mais subiram o preço do diesel durante a crise, mostra estudo
NUNES, Fernanda; LUNA, Denise. O Estado de S. Paulo, 27 jan. 2021. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-um-dos-paises-
que-mais-subiram-o-preco-do-diesel-durante-a-crise-mostra-estudo,70003596288. Acesso em: 25 mar. 2024.
• Quando o pronome relativo “que” introduz uma oração subordinada adjetiva, o verbo da oração subordinada concor-
da com o termo da oração principal ao qual o pronome se refere.
Avião que estava submerso é retirado do Rio Paraná dois dias após acidente aéreo em Presidente Epitácio
G1, 17 abr. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2021/04/17/aviao-que-estava-submerso-e-retirado-do-rio-
parana-dois-dias-apos-acidente-aereo-em-presidente-epitacio.ghtml. Acesso em: 25 mar. 2024.
Pronome relativo “quem”
• O verbo pode concordar com o pronome “quem”, ou seja, fica na 3a pessoa do singular.
Com viagens mais caras, como ficam os créditos de quem comprou
passagens e diárias em hotéis antes da pandemia?
COSTA, Jhully. Gaúcha ZH, 8 nov. 2021. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/viagem/noticia/2021/11/com-viagens-mais-caras-
como-ficam-os-creditos-de-quem-comprou-passagens-e-diarias-em-hoteis-antes-da-pandemia-ckvmvk5np009p019m14irvyjt.html. Acesso em: 25 mar. 2024.
• O verbo também pode concordar com o antecedente do pronome.
Diretor da gravadora diz: “sou eu quem trabalho para a Taylor Swift”
NUNES, Caian. POPline, 16 dez. 2021. Disponível em: https://portalpopline.com.br/diretor-da-gravadora-diz-sou-eu-quem-trabalho-para-a-taylor-swift/.
Acesso em: 25 mar. 2024.
Pronomes interrogativos e indefinidos
• Quando o sujeito é formado por expressões como “nenhum de nós” e “alguns de nós”, o verbo pode ficar no plural,
concordando com o pronome pessoal, ou no singular, concordando com o pronome indefinido.
“A distribuição de vacinas e o processo de recuperação têm sido um pouco mais lentos no primeiro trimestre do
que alguns de nós esperávamos”, disse Solomon [diretor-presidente da Goldman Sachs].
NATARAJAN, Sridhar. Para presidente global da Goldman Sachs [...]. Infomoney, 24 fev. 2021. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/carreira/
ceo-do-goldman-critica-trabalho-remoto-e-diz-que-vai-corrigir-aberracao-o-mais-rapido-possivel/. Acesso em: 25 mar. 2024.
34 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 34 05/04/2024 15:10:46
Concordância com substantivos que possuem sentidos singulares ou plurais
Em alguns enunciados, o substantivo que funciona como núcleo do sujeito da oração pode estar no singular e apre-
sentar sentido plural ou, ainda, pode estar no plural e apresentar sentido singular. Veja, no quadro a seguir, as explicações
sobre como fica a concordância verbal para esses casos, além de alguns exemplos.
Núcleo do sujeito Regra Exemplo
Substantivo Aconteceu em 2020: Nuvem de gafanhoto ameaçou agro brasileiro
Verbo no singular
coletivo Canal Rural, 16 dez. 2020.
Férias é um descanso concedido ao empregado que trabalha pelo menos um
Sem determinante:
ano para o empregador.
verbo no singular
Férias: quais são os seus direitos? Justiça do Trabalho, 22 dez. 2019.
Substantivo no
plural com sentido
de singular
Os tênis são um estilo de calçado cada vez mais popular na moda e incorporado pelo
Com determinante: público geral como um acessório para se usar, também, fora dos ambientes esportivos.
verbo no plural COUTO, Deborah. Esses looks vão te convencer de que o tênis pode ser chique em qualquer época.
Purepeople, 5 set. 2019.
Estados Unidos atinge marca de 50% da população adulta vacinada contra
Sem determinante:
Covid-19
verbo no singular
ESTADÃO CONTEÚDO. Diário do Nordeste, 19 abr. 2021.
Substantivo
próprio com
sentido de plural
Com determinante: Por que os Estados Unidos são considerados um país e a União Europeia, não?
verbo no plural CHAN, Chay. Gizmodo Brasil, 21 dez. 2016.
Concordância verbal com sujeito composto
Sujeito composto é aquele que tem dois ou mais núcleos. Na manchete a seguir, o sujeito composto aparece antes
do verbo, e, em casos como este, a concordância é sempre no plural.
sujeito composto
China e Rússia fazem queixas contra carne e soja do Brasil
núcleo núcleo verbo predicado verbal
Valor Econômico, 18 abr. 2021. Disponível em: https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2021/04/18/
china-e-rssia-fazem-queixas-contra-carne-e-soja-do-brasil.ghtml. Acesso em: 25 mar. 2024.
Casos de concordância com sujeito composto
Sujeito Regras Exemplos
Para a equipe de Belém, sobraram os contra-ataques e os vacilos
Verbo no plural
(concordando com todos os da defesa da equipe alagoana nas saídas de bola.
núcleos do sujeito) FERNANDES, Bruno; SEIXAS, Josué. Remo vence CSA nos pênaltis e avança na
Copa do Brasil. UOL, 13 abr. 2021.
Posposto
Verbo no singular
Se sobrou arroz e feijão na geladeira, faça o quitute!
(concordando com
o núcleo mais próximo VEROTTI, Cristiane. Aprenda a preparar um hambúrguer vegano de
feijão e arroz. Nutritotal, 7 jul. 2020.
se ele estiver no singular)
Enfrentaram-se duas equipes tecnicamente evoluídas, perderam
Posposto com sentido de
muitas bolas, o terreno não estava fácil, estava duro e bastante molhado
reciprocidade
FRENTE 1
Verbo no plural e dificultava um pouco tecnicamente, sobretudo em termos ofensivos.
(verbo associado ao
pronome “se”) JORGE, Rui. “Francisco Conceição? Traz um ânimo ao jogo que é
sempre necessário”. Desporto ao Minuto, 25 mar. 2021.
35
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 35 05/04/2024 15:10:46
Sujeito Regras Exemplos
Verbo no plural [...] Eu e meu irmão fomos criados dentro desse ambiente de
Composto de diferentes
(a 1a pessoa prevalece incentivo à cultura. No fim, ambos fomos fazer teatro. [...]
pessoas gramaticais
sobre a 2a, e a 2a, sobre a 3a) SÉRGIO Mamberti: Doutor Victor formou gerações. Revista Trip, 28 maio 2021.
Ideia de exclusão:
o verbo concorda com o núcleo Ou Palmeiras ou Corinthians vencerá o campeonato.
Substantivos ligados pelas mais próximo
conjunções “ou” ou “nem”
Ideia de inclusão:
Nem a festa nem a visita dos amigos fizeram-no se alegrar.
o verbo fica no plural
Nem um nem outro tem, ainda, um domínio semelhante ao do
Formado pelas expressões
Santos de Pelé, bicampeão da Libertadores e do Mundial num tempo
“um e outro”, Verbo no singular ou plural
“um ou outro” e (geralmente, fica no singular) em que ainda não havia, oficialmente, o Campeonato Brasileiro.
“nem um nem outro” BARRETO, Marcelo. Flamengo e Palmeiras disputam também título de clube
mais pinioncios financeiramente no Brasil. O Globo, 11 abr. 2021.
Substantivos sinônimos Ideia de gradação: o verbo Sua alegria, felicidade e contentamento contagiava/contagiavam a
no singular fica no singular ou no plural todos nós.
Aposto recapitulativo Alguns dos planetas mais importantes do ano vão fazer aspectos
(pronome indefinido
Verbo concorda tensos que podem forçar essas mudanças – mesmo que o taurino não
que segue um sujeito
com o pronome queira. Dinheiro, amor, família, tudo vai ser mexido de certa forma.
composto recapitulando o
que foi dito anteriormente) SIGNO de Touro: veja as características e previsões para 2021. Gshow, 19 abr. 2021.
Casos especiais de concordância verbal
Alguns casos de concordância verbal podem gerar dúvidas, como veremos na sequência.
Concordância verbal com sujeito simples
Veja, no quadro a seguir, casos especiais de concordância com sujeito simples formado por algumas expressões.
Sujeito Regra Exemplos
No pré-Covid, mais da metade das famílias do ES não tinha
Verbo no singular computador
(concordância com a FREITAS, Caroline. A Gazeta, 14 abr. 2021.
Expressões partitivas
expressão partitiva)
(parte de; metade de;
ou
a maior parte de; Apesar do esforço, a maioria dos lojistas que conversaram com
verbo no plural
a maioria de; uma porção de
(concordância com o O POVO revelam que a semana foi aquém do esperado na compa-
+ substantivo plural)
substantivo que segue a ração com a retomada do ano passado.
expressão partitiva) PIMENTEL, Samuel. Primeira semana de retomada do comércio é marcada por
movimento fraco, mas esperado. O Povo, 16 abr. 2021.
Cerca de 5 mil produtores de leite participam nesta segunda-
Quantidade aproximada O verbo concorda
(cerca de; mais de; perto de; com o numeral -feira de uma manifestação [...] em defesa da pecuária de leite nacional.
menos de + numeral) que se segue à expressão BOUÇAS, Cibelle. Manifestação pede apoio ao produtor de leite
em Minas Gerais. Globo Rural, 18 mar. 2024.
Nas primeiras semanas do distanciamento social provocado
O verbo concorda com a pela epidemia de Covid-19, grande parte da população brasileira
expressão numérica expressa apresentou problemas no estado de ânimo. Quarenta por cento se
pela porcentagem sentiram tristes ou deprimidos e 54% [...].
ou
Pesquisa da Fiocruz mapeia como a pandemia tem afetado a vida dos
Porcentagem o verbo concorda com brasileiros. Instituto de Comunicação e Informação Científica e
o numeral ou com o Tecnológica em Saúde, 21 maio 2020.
substantivo que especifica
a porcentagem, no caso de 30% dos hospitais têm estoque de kit intubação para cinco
expressão partitiva dias, diz estudo
UOL, 15 abr. 2021.
36 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16.indd 36 10/04/2024 16:41:19
Sujeito Regra Exemplos
IBGE: Quase um terço da água na Mata Atlântica recebe
O verbo concorda com o classificação negativa de qualidade
numerador da fração CARNEIRO, Lucianne. Valor Econômico, 15 abr. 2021.
Expressão fracionária
(o número que vem
acima do traço da fração) Quase dois terços das indústrias esperam faturar mais em 2021
MÁXIMO, Wellton. LEAL, Aline (Ed). Agência Brasil, 17 nov. 2020.
Concordância com os verbos “haver” e “fazer”
Verbos impessoais são aqueles que não admitem sujeito, assim a concordância é sempre feita na 3a pessoa do singular.
Por exemplo, o verbo “fazer” com sentido de tempo transcorrido e o verbo “haver” com ideia de existir são impessoais,
pois não têm um sujeito com o qual concordam. Por isso, nesses casos, os verbos devem ficar na 3a pessoa do singular.
Faz anos que não encontro meus primos. Há muitos convidados no salão.
obj. direto obj. direto adj. adv. de lugar
Quando o verbo “haver” fizer parte de uma locução verbal, o verbo auxiliar também deve ficar no singular:
Deve haver convidados.
Esses verbos:
• são impessoais: não têm sujeito e não concordam com o objeto direto que introduzem, logo estão sempre no singular;
• ocorrem antes do objeto direto que introduzem;
• geralmente vêm acompanhados de expressões que indicam tempo e lugar.
Existem outros verbos que seguem essa mesma lógica. Observe os exemplos:
Tem muitas pessoas no museu. Trata-se de propostas interessantes.
Atenção
O uso do verbo “tem” no lugar de “haver” é frequente na oralidade, mais especificamente em situações em que é comum
um menor controle do uso da língua. Na oração “Tem muitos alunos no laboratório de ciências”, por exemplo, o verbo “tem”
enuncia a presença de muitos alunos no espaço escolar em questão.
Concordância com o verbo “ser”
O verbo “ser” apresenta algumas regras próprias em relação à concordância.
• Verbo “ser” indicando hora, dia e distância: concorda com o numeral do predicativo.
São quatro horas da tarde. É uma hora da manhã.
São três quilômetros até a casa dele. Eram 4 de julho quando deixamos nossa cidade.
Na indicação de dia, o verbo “ser” pode aceitar as seguintes concordâncias:
• No singular, concordando com a palavra “dia” (explícita ou implícita):
Hoje é dia 3 de junho. Hoje é [dia] 3 de junho.
• No plural, concordando com o numeral e sem a palavra “dia” explícita.
Hoje são 3 de junho.
• Verbo “ser” com pronome interrogativo (quem, que), indefinido (tudo) ou demonstrativo (isto, isso, aquilo): concorda
com o predicativo do sujeito. Exemplo:
Nem tudo são flores: namoro de Luísa Sonza e Vitão ganha paródia!
FRENTE 1
predicativo do sujeito
Todateen, 13 set. 2020. Disponível em: https://todateen.com.br/noticias/nem-tudo-sao-flores-namoro-de-luisa-sonza-e-vitao-ganha-parodia.phtml.
Acesso em: 25 mar. 2024.
37
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 37 05/04/2024 15:10:46
• Verbo “ser” + sujeito formado por expressões que indicam quantidade, preço, valor e medida no plural: permanece
na 3a pessoa do singular.
Seis quilos é a quantidade necessária para o churrasco. Cem reais é barato para esse sapato.
• Verbo “ser” + pronome pessoal do caso reto: concorda com o pronome.
UFC: Jennifer Maia quer revanche com Valentina: “Se alguém pode vencê-la, sou eu”
RODRIGUES, Evelyn. Globo.com, 13 jan. 2022. Disponível em: https://ge.globo.com/combate/noticia/ufc-jennifer-maia-quer-revanche-com-valentina-se-alguem-
pode-vence-la-sou-eu.ghtml. Acesso em: 25 mar. 2024.
• Verbo “ser” + núcleo do predicativo no plural: concorda com o predicativo, ou seja, o verbo “ser” fica no plural.
sujeito
A polícia do gênero também somos nós
núcleo do sujeito: singular predicativo do sujeito (plural)
CUNHA, Leonam Lucas Nogueira. Carta Capital, 9 abr. 2021. Disponível em: www.cartacapital.com.br/opiniao/a-policia-do-genero-tambem-somos-nos/.
Acesso em: 25 mar. 2024.
Concordância na voz passiva sintética
Como vimos em capítulos anteriores, o verbo pode ser flexionado na voz passiva sintética ou pronominal. Nesse caso,
o verbo deve concordar com o sujeito paciente. Observe os exemplos.
Vendem-se flores. (= flores são vendidas)
Fazem-se bolos de aniversário. (= bolos de aniversário são feitos)
Atenção
A voz passiva é uma forma verbal usada para indicar que a pessoa a que o verbo se refere é o objeto da ação verbal, isto
é, o sujeito é paciente, pois é receptor da ação. A voz passiva pode ser dividida em dois tipos.
A voz passiva sintética é representada pela estrutura: verbo + se (pronome apassivador) + sujeito. A voz passiva analítica é
representada pela estrutura: sujeito paciente + verbo ser (auxiliar) + verbo no particípio [+ preposição + agente da passiva].
Saiba mais
Em sentenças semelhantes à “Aluga-se quartos para férias”, muitos linguistas têm considerado a palavra “se”, nessas orações,
um sujeito indeterminado. Em vista disso, essas construções são aceitas por parte dos especialistas, que consideram “quartos
para férias” como objeto direto do verbo “alugar”, e “se” como índice de indeterminação do sujeito. Construções desse tipo
são cada vez mais frequentes no português falado no Brasil, embora ainda não sejam aceitas pela gramática tradicional.
Concordância nominal
A concordância nominal é sempre determinada pela concordância do núcleo do sintagma nominal com seus deter-
minantes. Veja o exemplo a seguir.
art. adj. subst. (núcleo) art. (de + a) subst. (núcleo) adj.
O pequeno helicóptero espacial Ingenuity, da agência espacial norte-americana,
a Nasa, subiu aos céus de Marte às 11h50 (horário de Lisboa).
ADJUTO, Graça (ed.). Helicóptero Ingenuity, da Nasa, faz voo teste com êxito em Marte. Agência Brasil, 19 abr. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.
ebc.com.br/internacional/noticia/2021-04/helicoptero-ingenuity-da-nasa-faz-voo-teste-com-exito-em-marte. Acesso em: 25 mar. 2024.
No primeiro sintagma, o artigo “o” é flexionado no masculino e no singular para concordar com o substantivo “heli-
cóptero”. O mesmo ocorre com o adjetivo “pequeno” em relação à palavra “helicóptero”. No segundo sintagma nominal
da oração, tanto o artigo “a” (de + a) quanto o adjetivo “norte-americana” estão no feminino singular, concordando com o
substantivo “agência espacial”.
Os determinantes de um sintagma nominal – artigos, adjetivos, numerais e pronomes – concordam com o substantivo
a que se referem em gênero e número. As ocorrências que causam mais dúvidas, contudo, dizem respeito à concordância
do adjetivo. Na sequência, observe os casos em que há apenas um adjetivo (ou outro determinante) no sintagma nominal
e dois substantivos como núcleos.
38 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16.indd 38 10/04/2024 13:35:27
Concordância do adjetivo com dois ou mais substantivos
Analise como se faz a concordância no caso de sintagmas nominais com mais de um substantivo como núcleo e com
um único adjetivo como determinante.
Adjetivo anteposto aos substantivos
• Quando o adjetivo aparecer antes dos substantivos, ele deve concordar com o substantivo mais próximo. No exem-
plo a seguir, o adjetivo “belas” concorda com o substantivo feminino “praias” no feminino e no plural.
A região Sul da Ilha de Santa Catarina é repleta de belas praias e história.
VULCÃO em Florianópolis: a história por trás de resquícios vulcânicos no Sul da Ilha. ND mais, 19 abr. 2021. Disponível em: https://ndmais.com.br/meio-
ambiente/vulcao-em-floripa-a-historia-por-tras-de-resquicios-vulcanicos-no-sul-da-capital/. Acesso em:25 mar. 2024.
EXCEÇÕES
• Se os substantivos forem nomes próprios, o adjetivo deve ser flexionado no plural – flexiona-se também no feminino
desde que este seja o gênero dos dois substantivos.
Suspense fraco reúne os talentosos Anthony Hopkins e Colin Farrell
BRETAS, Maristela. Cinema no Escurinho, 3 mar. 2016. Disponível em: www.cinemanoescurinho.com.br/2016/03/suspense-fraco-reune-os-talentosos.html.
Acesso em: 25 mar. 2024.
• Se os substantivos forem palavras que indicam parentesco, os determinantes devem ser flexionados no plural – e no
feminino, apenas se este for o gênero dos dois substantivos. Veja o exemplo.
Alegres mãe e filha foram ao cinema.
Adjetivo posposto aos substantivos
• Quando o adjetivo (ou outro determinante) estiver posposto aos substantivos, ele varia conforme o gênero e o núme-
ro dos substantivos a que se referem. Veja o quadro a seguir.
Substantivos Regra Exemplo
Aos 90 anos, morre a atriz e cantora mexicana Flor Silvestre
Adjetivo no singular
Mesmo gênero e Isto É Gente, 28 nov. 2020.
no singular Indígenas usam tecnologias para manter língua e cultura vivas
Adjetivo no plural
MELLO, Daniel; ADJUTO, Graça (Ed.). Agência Brasil, 19 abr. 2021.
Particípio com valor
adjetivo no masculino e Os equipamentos e o insumo comprados para a produção da vacina são essenciais para
Mesmo gênero no plural (concordando combater a pandemia.
e números com ambos)
diferentes Particípio com valor
Os equipamentos e o insumo comprado para a produção da vacina são essenciais para
adjetivo concordando
combater a pandemia.
com o mais próximo
Adjetivo concorda
Semana com chuva e frio intenso em Santa Catarina
com o substantivo
Gêneros BC Notícias, 17 ago. 2020.
mais próximo
diferentes e
singular Adjetivo no masculino
plural (concordando Semana com chuva e frio intensos em Santa Catarina.
com ambos)
Adjetivo no masculino
Governo age para preservar matas e biomas brasileiros
plural (concordando
Governo do Brasil, 31 mar. 2021.
Gêneros com ambos)
diferentes e plural Adjetivo concorda em
gênero com o mais Governo age para preservar biomas e matas brasileiras.
próximo
Adjetivo no masculino
Gêneros plural (concordando As poesias e o teatro franceses são importantes para a formação cultural.
diferentes com ambos)
FRENTE 1
e números Adjetivo concorda em
diferentes gênero e número As poesias e o teatro francês são importantes para a formação cultural.
com o mais próximo
39
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 39 05/04/2024 15:10:46
Adjetivo com função de predicativo
• Quando estiver na função de predicativo do sujeito composto ou na função de predicativo de dois objetos, o adje
tivo deve ser flexionado no masculino plural ou no feminino plural, desde que faça referência a dois nomes de
gênero feminino.
Gasolina e etanol ficaram mais baratos no início de abril, aponta pesquisa
predicativo do sujeito
Motor Show, 19 abr. 2021. Disponível em: https://motorshow.com.br/gasolina-e-etanol-ficaram-mais-baratos-no-inicio-de-abril-aponta-pesquisa/.
Acesso em: 25 mar. 2024.
Gasolina e energia ficaram mais baratas no início de abril, aponta pesquisa.
predicativo do sujeito
A polícia encontrou o carro e a moto intactos na estrada.
predicativo do objeto
A polícia encontrou a moto e a bicicleta intactas na estrada.
predicativo do objeto
• Se o adjetivo estiver na função de predicativo e vier anteposto ao sujeito composto, ele poderá concordar com o
substantivo mais próximo. Por exemplo:
Está adequada a ortografia e o texto.
Estabelecendo relações
O conceito de concordância também se estende a outras áreas de estudo. No Direito, por exemplo, a concordância afirma que a
aplicação de uma norma da Constituição deve ser realizada em conexão com a totalidade das demais normas constitucionais. Assim,
por meio desse princípio, entende-se que as normas constitucionais devem ser interpretadas em unidade e de forma harmônica.
Casos de concordância nominal que causam a respeito da criação de uma Secretaria para Reunião Espe-
dúvidas frequentes cializada das Mulheres no MERCOSUL, redigida por decisão
da XXVI REM.
“Mesmo” e “próprio” BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Ofício 2167. Governo Federal, 2 dez. 2010.
Veja, nos exemplos a seguir, que as palavras “mesmo”
e “próprio” concordam em número e gênero com a palavra Já a expressão “em anexo” é invariável, como ocorre
a que se referem: Tina Turner (ela) e Ashley Benson (ela), em: Os arquivos vão em anexo.
respectivamente.
“Obrigado”
A história de Tina Turner por ela mesma A expressão “obrigado” concorda com o gênero de
BUTLER, Bethonie. Estadão, 1o abr. 2021. Disponível em: https:// quem agradece. Observe no cartaz do filme a seguir que
cultura.estadao.com.br/noticias/musica,a-historia-de-tina-turner-por-ela-
mesma,70003667899. Acesso em: 25 mar. 2024.
essa palavra concorda com o gênero do enunciador, que
é o protagonista do longa-metragem.
Ashley Benson vai estrelar terror com
Reprodução
celebridades que ela própria escreveu
Terra, 7 abr. 2021. Disponível em: www.terra.com.br/diversao/cinema/ashley-
benson-vai-estrelar-terror-com-celebridades-que-ela-propria-escreveu,dd22bfe
e79c9a8ccdd0e8915e5d3ca03t0ebt1ik.html. Acesso em: 25 mar. 2024.
“Anexo” e “incluso”
Tanto “anexo” como “incluso” concordam com os subs-
tantivos que modificam. Na sequência, observe a ocorrência
da palavra “anexa” no excerto de um ofício governamental.
Senhor Diretor,
Muito agradeceria os bons ofícios de Vossa Excelência
no sentido de encaminhar ao CMC a anexa correspondência
40 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 40 05/04/2024 15:10:46
“Meio” e “bastante” Já com o termo “um ou outro”, a concordância é feita
As palavras “meio” e “bastante” quando usadas como no singular tanto para o substantivo quanto para o adjetivo.
advérbios são invariáveis. Observe no excerto a seguir, Por exemplo:
extraído de um blog de viagens, algumas ocorrências do Um ou outro deputado eleito compareceu ao debate.
vocábulo “meio” empregado como advérbio.
“É bom”, “é proibido”, “é necessário”
Tem coisas que são difíceis de explicar com palavras [...]. Essas expressões apresentam dois tipos de concordância.
O que eu sinto por Budapeste é uma delas. Desde o momento • Quando o adjetivo vier antes do substantivo, concor-
em que cheguei lá pela primeira vez, depois de ser aceita pra da em gênero e número com o nome a que se refere.
um programa superlegal que achei de forma meio aleatória Observe o cartaz, elaborado pela prefeitura de Cam-
pela internet, [...] essa cidade provocou em mim um negócio pinas, que faz parte das ações de prevenção contra a
meio estranho, que não senti por Buenos Aires, Sevilha, Lyon covid-19. Nele, lemos a frase: “Proibida a entrada de
ou Valladolid. clientes sem máscara”.
[...]
Acervo da Prefeitura de Campinas
Cheguei à meia-noite [...]. O elevador ficou preso por al-
guns momentos, a campainha do apartamento não funcionava,
o prédio parecia meio assustador [...].
[...]
A dificuldade de comunicação, a tentativa de entender a
lógica do húngaro, a familiaridade estranha de voltar a viver
num lugar com calçadas meio sujas [...]
FERREIRA, Luisa. Tentanto explicar o inexplicável que foi Budapeste pra
mim. Janelas Abertas, 7 jan. 2015. Disponível em: https://janelasabertas.
com/2015/01/07/tentando-explicar-budapeste/. Acesso em: 25 mar. 2024.
O advérbio “bastante” também é invariável, como na
seguinte manchete:
Marília apresenta números bastante positivos
referentes ao saldo de empregos em outubro O adjetivo “proibida” precede o substantivo “entrada”
e concorda com ele: “proibida a entrada”. O que está de-
ABREU, Mauro. Assessoria de Imprensa PMM. Prefeitura de Marília,
23 nov. 2018. Disponível em: www.marilia.sp.gov.br/portal/
terminada como proibida é a entrada, por isso o uso do
noticias/0/3/1272/marilia-apresenta-numeros-bastante-positivos- artigo como determinante.
referentes-ao-saldo-de-empregos-em-outubro. Acesso em: 25 mar. 2024. • Se as expressões não forem precedidas de um de-
Já quando “meio” for um numeral, deve concordar terminante, o adjetivo fica no masculino singular:
em gênero e número com o substantivo que modifica. É necessário cautela ao dirigir.
Leia a tirinha.
"Milhar", "milhares", "milhão", "milhões"
Armandinho, de Alexandre Beck
As palavras “milhar”, “milhão” e seus plurais pertencem
ao gênero masculino, por isso os artigos e numerais que
acompanharem essas palavras também devem ser flexio-
nados no masculino.
Os milhares de reclamações.
Dois milhões de mulheres.
Em “meio-dia e meia”, no segundo quadrinho, “meia” é Um milhão de libras.
numeral, por isso concorda com “hora”, substantivo feminino.
A palavra “bastante”, por sua vez, na função de adjetivo, Casos de silepse: a concordância
deve variar em número conforme o substantivo que acom- ideológica
panha, embora esse uso não seja muito comum: Silepse é uma figura de linguagem empregada quando
Bastantes pessoas foram se vacinar. há concordância da ideia, não entre os termos utilizados
na frase. Dessa forma, ela não obedece às regras de con-
"Um e outro", "nem um nem outro" e "um ou outro" cordância gramatical. Por exemplo, na frase “Todos somos
Com as expressões “um e outro” e “nem um nem ou- responsáveis pela preservação ambiental”, o verbo “somos”
tro”, o substantivo fica no singular, e o adjetivo pode ficar concorda com o pronome “nós”, que está subentendido
no plural ou no singular. Por exemplo: (Nós, todas as pessoas...).
Uma e outra aluna presente/presentes fizeram a • Há três tipos de silepse: número, pessoa e gênero.
FRENTE 1
pergunta. • Silepse de número: ocorre quando um substantivo
Nem um nem outro professor substituto/substitutos singular se refere a uma ideia de plural. Ex.: A popu
foi contratado. lação foi às urnas e votaram nos seus candidatos.
41
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 41 05/04/2024 15:10:47
• Silepse de pessoa: ocorre quando o enunciador tam- mais frequente nos falares e na escrita, sobretudo em si-
bém se considera incluído em um sujeito na 3a pessoa tuações cotidianas menos controladas, o que aponta para
do plural. Ex.: Os baianos comemos acarajé, moqueca uma variação da língua.
e vatapá. Como esse uso está se tornando mais comum, tal forma
• Silepse de gênero: ocorre quando há discordância pode ser usada em alguns contextos de forma estilística, ora
entre os gêneros (feminino ou masculino). Ex.: Vossa buscando caracterizar o sujeito que enuncia, ora represen-
Santidade está atento aos pedidos dos fiéis. tando um grupo social específico, ora marcando um lugar
mais informal de fala ou escrita.
Concordância e variação Em textos como o poema em questão, dependendo do
objetivo do enunciador, podem ser usadas concordâncias
Em algumas situações de uso da língua, percebemos
que fogem ao padrão da língua com o intuito de caracterizar
que algumas regras de concordância fogem ao que pres-
o contexto narrado nas histórias apresentadas. Assim, esse
creve a norma-padrão da língua portuguesa. Isso pode
pode ter sido o objetivo do autor do poema: aproximar-se
acontecer tanto na modalidade escrita quanto na falada.
de seu público-alvo.
Flores e raiz Em provas de vestibular e em outras situações mais
Jabuti nas mãos
formais, é importante fazer uso da concordância padrão,
Do Infantil ao Ensino Médio
pois, em geral, é o que é solicitado nesses exames. As-
Não medeia
sim, se o poema fosse produzido em outro contexto mais
É papo reto, livre, inteligente e luminescente
monitorado, o verso “Emerge as flores” teria que ser rees-
Dialogando com o Protagonismo
crito conforme determina a norma-padrão: “Emergem
De Abdias do Nascimento
as flores”.
Alinhando na Altivez
Atenção
Do poeta Eduardo Oliveira
Vislumbrando afirmação no ENEM Alguns linguistas definem a concordância como a rela-
Ampliando o horizonte da população brasileira ção harmônica entre dois termos: o ativador (o verbo) e
Contrariando a racista sina o receptor (o sujeito). Assim, segundo a norma-padrão, o
Emerge as flores do SLAM INTERESCOLAR sujeito-receptor deve concordar com o verbo-ativador.
À partir da raiz e ramos
De uma árvore na Vila Guilhermina.
João Adão de Oliveira
Saiba mais
No poema, é possível observar no verso “Emerge as O Slam é um movimento criado com o intuito de promo-
ver encontros entre poetas. Nele, cada slammer (como os
flores no SLAM INTERESCOLAR” que o sujeito (“as flores”)
poetas são chamados) declama de forma performática seu
está no plural, mas o verbo a ele ligado (“emerge”) está
poema que, ao final, é avaliado por um júri popular. Por esse
no singular. Essa forma linguística – a não concordância motivo, esses encontros são conhecidos como “batalhas”.
quando o verbo antecede o sujeito – tem sido cada vez
Revisando
1. EEAR-SP 2023 Assinale a alternativa cujos verbos Segundo relatório do Banco Mundial, intitulado
completam o texto abaixo, observando a concordância. “Dividendos Digitais”, o número de usuários de internet
O trote é uma atividade lúdica em que _______ ser mais que triplicou em uma década, para 3,2 bilhões no
preservada a intimidade e a honra dos calouros. Os final do ano passado, representando mais de 40 por cento
abusos que, esporadicamente, _______ não podem da população mundial.
justificar que se _______ uma norma rígida para Embora a expansão da internet e de outras tecnologias
_______ essa prática tradicional nas universidades. digitais tenha facilitado a comunicação e promovido um
a) deveria – ocorrem – estabeleça – coibir senso de comunidade global, ela não ofereceu o enorme
b) deveriam – ocorrem – estabeleça – coibir aumento de produtividade que muitos esperavam, disse o
c) deveria – ocorre – estabeleçam – coibirem Banco. Ela também não melhorou as oportunidades para
d) deveriam – ocorre – estabeleçam – coibirem as pessoas mais pobres do mundo, nem ajudou a propagar
a “governança responsável”.
2. FGV-RJ 2017 “Os benefícios totais da transformação da informação
e comunicação somente se tornarão realidade se os países
Pobres precisam de banheiro, não de celular, continuarem a melhorar seu clima de negócios, investirem
diz BM na educação e saúde de sua população e proverem a boa
As famílias mais pobres do mundo estão mais pro- governança. Nos países em que esses fundamentos são
pensas a terem telefones celulares do que banheiros ou fracos, as tecnologias digitais não impulsionam a produti-
água limpa. vidade nem reduzem a desigualdade”, afirmou o relatório.
42 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 42 05/04/2024 15:10:47
A visão do Banco Mundial contrasta com o otimismo a proteção de sua integridade física e de seus direitos,
dos empreendedores da tecnologia, como Mark Zuckerberg além de medidas de prevenção destinadas a modificar
e Bill Gates, que têm argumentado que o acesso universal à 30 as relações entre homens e mulheres na sociedade, cam-
internet é essencial para eliminar a pobreza extrema. po no qual a educação desempenha papel estratégico.
“Quando as pessoas têm acesso às ferramentas e ao Apesar de tudo, o Brasil segue sendo um país violento
conhecimento da internet, elas têm acesso a oportunida- para as mulheres. Anualmente são registradas centenas de
des que tornam a vida melhor para todos nós”, diz uma ocorrências de violência doméstica, de violência sexual,
declaração do ano passado assinada, entre outros, por 35 além das elevadas taxas de homicídios de mulheres que,
Zuckerberg e Gates. quando motivadas pelas razões de gênero, são tipificadas
Segundo o Banco Mundial, conectar o mundo “é es-
como feminicídios. Esses números expressam uma parte
sencial, mas está longe de ser suficiente” para eliminar a
do problema e comumente dizemos que a subnotificação
pobreza.
é uma característica dessas situações.
http://exame.abril.com.br 14//01/2016. Adaptado.
40 O medo, a dúvida, a vergonha são algumas explica-
No trecho “se os países continuarem a melhorar seu ções para esse silêncio, mas novamente nos contentamos
clima de negócios, investirem na educação e saúde em olhar para as justificativas e não para as causas. [...]
de sua população e proverem a boa governança”, De modo geral, mudamos as leis, mas não a forma
substituindo-se a conjunção “se” por “caso”, os verbos como as instituições funcionam. O Sistema de Justiça
sublinhados poderiam, sem prejuízo para a correção, 45 segue atuando de forma seletiva e distribuindo de for-
mudar para: ma desigual o acesso à Justiça. Existem poucos serviços
a) continuam; investem; provenham. especializados para atender as mulheres em situação de
b) continuassem; investissem; proviessem. violência. Faltam protocolos que orientem o atendimen-
c) continuem; invistam; provejam. to. Falta capacitação para os profissionais cuja atuação
d) tivessem continuado; tivessem investido; tives- 50 é muitas vezes balizada por convicções pessoais e jul-
sem provisto. gamentos de valor que nada têm a ver com os direitos
e) tenham continuado; tenham investido; tenham humanos. [...]
provindo. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/
notícia/2018/02/violencia-contra-mulher-wania-pasinato.html -
3. AFA-SP 2021 Acesso em: 30/06/2020
As mulheres são vítimas de violência porque No texto (l. 38 a 43) foram empregados verbos na
1a pessoa do plural. Essa utilização pode ser justifica-
são mulheres
da porque
Wânia Pasinato
a) o objetivo central é enfatizar o canal comunicativo
Nos últimos anos, a violência contra as mulheres no entre os agentes da interlocução.
Brasil vem se tornando assunto público e reconhecido b) o propósito primordial é criar uma relação de total
como problema ao qual qualquer mulher, independen- intimidade com o interlocutor, facilitando a monta-
temente de raça, cor, etnia, idade ou classe social pode gem da tese demonstrada.
5 estar sujeita. Trata-se de reconhecer que a violência não c) o texto almeja envolver o leitor na construção do
é um infortúnio pessoal, mas tem origem na constituição ponto de vista defendido.
desigual dos lugares de homens e mulheres nas socieda- d) a função principal do texto é impor postura consen-
des – a desigualdade de gênero –, que tem implicações sual em torno de um tema.
não apenas nos papéis sociais do masculino e feminino
10 e nos comportamentos sexuais, mas também em uma Texto para as questões 4 e 5.
relação de poder. Em outras palavras, significa dizer que
a desigualdade é estrutural. Ou seja, social, histórica e OUVINDO CORES
culturalmente a sociedade designa às mulheres um lugar Definida como contaminação dos sentidos, a sinestesia
de submissão e menor poder em relação aos homens. não é doença, mas um fenômeno sensorial quase sempre
15 Qualquer outro fator – o desemprego, o alcoolismo, o acompanhado de memória e criatividade excepcionais.
ciúme, o comportamento da mulher, seu jeito de vestir ou “Quando escrevo uma equação na lousa vejo os
exercer sua sexualidade – não são causas, mas justificati- 5 números e as letras de cor diferente. E me pergunto:
vas socialmente aceitas para que as mulheres continuem que diabos meus alunos veem?” A frase é do americano
a sofrer violência. Richard Feynman, Nobel de Física em 1965. Ele faz parte
20 [...] Em anos recentes, esse reconhecimento foi de um grupo de pessoas para os quais o número dois
acompanhado por mudanças na forma como devemos pode ser amarelo, a palavra carro tem gosto de geleia de
responder a essa violência, atacando não as justificativas, 10 morango e a nota fá evoca a imagem de um círculo, por
mas as causas. O país tornou-se referência internacional exemplo. Essas são algumas das experiências sensoriais
com a Lei 11.340/2006 – a Lei Maria da Penha, cujo di- que povoam o cotidiano das pessoas com sinestesia. São
FRENTE 1
25 ferencial é a forma de abordar o problema, propondo a sensações difíceis de imaginar, mas tremendamente reais
criminalização e a aplicação de penas para os agressores, para quem as vive, tanto que os sinestésicos pensam que
mas também medidas que são dirigidas às mulheres para 15 todas as pessoas têm as mesmas percepções.
43
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 43 05/04/2024 15:10:47
Elas raramente sabem que são dotadas de uma ca- quaisquer ruídos, a não ser o do virar das folhas
racterística particular, mas não tardam muito a descobrir do caderno de questões.
sua memória prodigiosa e seu extraordinário potencial c) Concluída as questões da prova objetiva, a maio-
criativo. Estima-se que o fenômeno atinja uma em cada ria dos candidatos passaram imediatamente a
20 300 pessoas. elaborar a redação. Na sala, não se ouvia quais-
A sinestesia é um fenômeno de contaminação dos quer ruídos, a não ser o do virar das folhas do
sentidos em que um único estímulo visual, auditivo,
caderno de questões.
olfativo ou tátil – pode desencadear a percepção de dois
d) Haviam bastantes candidatos que já tinham termi-
eventos sensoriais diferentes e simultâneos. Há pessoas,
nado a redação, pois optou por fazê-la primeiro.
25 por exemplo, que toda vez que sentem um odor (real),
e) Havia bastante candidatos que já tinha terminado
escutam certo som (imaginário). Outros enxergam em
cor uma letra do alfabeto escrita com tinta preta. Não se a redação, pois optaram por fazê-la primeiro.
trata de um transtorno temporário na maioria dos casos, 7. UPE 2019
ainda que haja algumas raríssimas exceções; por isso um
30 dos principais critérios para o diagnóstico da sinestesia Importância da vacinação
é sua estabilidade ao longo do tempo. Geralmente, a as- O ditado popular “melhor prevenir do que remediar”
sociação entre estímulo e percepção ocorre apenas em se aplica perfeitamente à vacinação. Muitas doenças co-
um sentido: quem vê a cor vermelha (imaginária) toda muns no Brasil e no mundo deixaram de ser um problema
vez que ouve nota dó (real) não escuta a mesma nota de saúde pública por causa da vacinação massiva da popu-
35 (imaginária) quando vê qualquer coisa vermelha (real).
lação. Poliomielite, sarampo, rubéola, tétano e coqueluche
Disponível em: www2.uol.com.br
são só alguns exemplos de doenças comuns no passado
4. CFN 2023 Considerando a concordância verbal, qual e que as novas gerações só ouvem falar em histórias. O
a alternativa correta quando se altera o núcleo do resultado da vacinação não se resume a evitar doença.
sujeito da seguinte frase: “Geralmente, a associação Vacinas salvam vidas.
entre estímulo e percepção ocorre apenas em um Mas como a vacina ajuda o nosso sistema imunológico?
sentido:” (linhas 31 a 33)? Quando uma pessoa é infectada pela primeira vez por
a) Geralmente, as associações entre estímulo e per- um antígeno (substância estranha ao organismo), como o
cepção ocorre apenas em um sentido. vírus do sarampo, o sistema imunológico produz anticor-
b) Geralmente, as associações entre estímulo e per- pos (proteínas que atuam como defensoras no organismo)
cepção ocorrem apenas em um sentido. para combater aquele invasor. Mas essa produção não
c) Geralmente, a associação entre estímulos e per- é feita na velocidade suficiente para prevenir a doença,
cepções ocorrem apenas em um sentido. uma vez que o sistema imunológico não conhece aquele
d) Geralmente, a associação entre estímulos e per- invasor. Por isso, a pessoa fica doente, podendo chegar
cepção ocorrem apenas em um sentido. à morte. Mas se, anos depois, aquele organismo invadir
e) Geralmente, a associação entre estímulo e per- o corpo novamente, o sistema imunológico vai produzir
cepções ocorrem apenas em um sentido. anticorpos em uma velocidade suficiente para evitar que
a pessoa fique doente uma segunda vez. Essa proteção
5. CFN 2023 Na frase: “… sempre acompanhado de me- é chamada de imunidade. O que a vacina faz é gerar
mória e criatividade excepcionais.” (linhas 2 e 3). O essa imunidade. Com os mesmos antígenos que causam
adjetivo sublinhado está concordando gramaticalmente a doença, mas enfraquecidos ou mortos, a vacina ensina
com os substantivos “memória e criatividade”. Marque e estimula o sistema imunológico a produzir os anticorpos
a opção INCORRETA quanto à concordância nominal: que levam à imunidade. Portanto, a vacina faz as pessoas
a) Maria estava com o pé e a cabeça quebradas. desenvolverem imunidade sem ficar doente.
b) Ficamos meio chateadas com tal situação. Doenças controladas podem voltar
c) Lindas palavras e discursos destacaram as cele- Muitas doenças infecciosas estão ficando raras. Pessoas
brações de fim de ano. nascidas a partir de 1990 podem nunca ter tido contato
d) Os soldados estão todos alerta agora. com pessoas com sarampo ou rubéola e, definitivamen-
e) As certidões seguem anexas ao processo. te, com poliomielite. Isso porque as constantes ações de
vacinação foram capazes de controlar e eliminar essas
6. UFMS 2018 Considerando a norma culta da língua
doenças do Brasil. Então, não preciso vacinar meu filho
portuguesa, assinale a alternativa em que a concor-
contra essas doenças? Precisa sim. Essas doenças ainda
dância está correta:
fazem vítimas em outros lugares do mundo. Com a glo-
a) Concluído as questões da prova objetiva, a
balização, a pessoa pode passar por vários continentes
maioria dos candidatos passou imediatamente a
em uma única semana. Se não estiver vacinada, ela pode
elaborar a redação. Na sala, não se ouvia qual-
trazer a doença para o Brasil e transmitir para alguém que
quer ruídos, a não ser o do virar das folhas do não esteja imunizado.
caderno de questões. Pessoas não vacinadas, portanto, podem ser a porta
b) Concluídas as questões da prova objetiva, a de entrada de doenças que já foram eliminadas no Brasil.
maioria dos candidatos passou imediatamen- Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/
te a elaborar a redação. Na sala, não se ouviam vacinacao/pinioncio-da-vacinacao. Acesso em: 18/07/2018. Adaptado.
44 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 44 05/04/2024 15:10:47
O termo “concordância” é utilizado em referência a 8. Acafe-SC 2019 Analise as frases a seguir.
mecanismos de flexão, entre o sujeito e o verbo ou I. O chef do restaurante La Traviatta não perdoa ao geren-
entre o nome e seus determinantes. Assinale a alter- te, a quem dedicou boa parte de sua vida profissional.
nativa em que a concordância está em conformidade II. No mês de maio passado fizeram vinte e cinco
com a norma-padrão da língua. anos que Ayrton Senna morreu num acidente no
a) Confirmam as estatísticas: no passado, haviam circuito de Ímola, na Itália.
várias doenças que hoje foram erradicadas pela III. Encomendou-se os equipamentos necessários a
vacinação em massa da população. implantação do comitê de fiscalização das ações
b) Temos que ficar atentos: embora casos de po- de governança municipal.
liomielite não sejam registrados no Brasil fazem IV. Gostem ou não os arquitetos de plantão, haverá
quase 30 anos, a doença pode retornar. riscos se as normas técnicas forem ignoradas e se
c) Apesar da intensa campanha do Ministério da forem repetidos os erros do passado.
Saúde, ainda não foi completamente erradicado V. Após meio-dia e meia, terei selecionados textos
do país várias doenças sérias. bastantes para serem envelopados e anexados à
d) Quem de nós diríamos que veríamos, em pleno carta de apresentação.
século XXI, o retorno das doenças que considerá- VI. Não se realizaria a travessia do Atlântico se
vamos extintas do nosso país? Colombo não fosse um sonhador.
e) A esmagadora maioria das crianças que tomaram Assinale a alternativa que contém todas as frases corretas.
vacinas não teve as doenças contra as quais ain- a) II – IV – V c) I – II – VI
da lutamos para banir da nossa sociedade. b) I – IV – V – VI d) II – III – V – VI
Exercícios propostos
1. IFPE 2018 “Nosso estudo fornece evidências comportamentais
e neurais que apoiam a ligação entre generosidade e fe-
Estudo revela que praticar atos de licidade”, escreveu a equipe na revista científica Nature
generosidade traz felicidade Communications.
Cientistas realizaram experimento em um laboratório em Os pesquisadores informaram aos participantes que
Zurique com 50 pessoas que relataram seus próprios níveis cada um deles teria à disposição um valor de 25 francos
de felicidade após atos de generosidade suíços (US$ 26) por semana durante quatro semanas.
Metade dos participantes foram convidados a se com-
O que inspira os humanos a praticarem atos de ge- prometer a gastar o dinheiro com outras pessoas, enquanto
nerosidade? Economistas, psicólogos e filósofos refletem o resto poderia planejar como gastaria o dinheiro com
sobre esta questão há milênios. eles próprios. Nenhum dinheiro foi realmente recebido
Se pressupusermos que o comportamento humano é ou gasto por nenhum dos dois grupos.
motivado, principalmente, pelo interesse pessoal, parece Depois de se comprometerem com os gastos, os parti-
ilógico sacrificar voluntariamente os recursos pelos outros. cipantes responderam às perguntas enquanto seus cérebros
Na tentativa de resolver esse paradoxo, alguns especia- estavam sendo examinados. As perguntas evocaram cená-
listas formularam a teoria de que doar ou presentear satisfaz rios que opunham os próprios interesses dos participantes
o desejo de elevar a posição do indivíduo em um grupo. contra os interesses dos beneficiários da sua generosidade
Outros sugeriram que o ato promove a cooperação experimental.
tribal e a coesão – um elemento-chave na sobrevivência Os pesquisadores examinaram a atividade em três
dos mamíferos. Outra explicação é que doamos apenas áreas do cérebro – uma ligada ao altruísmo e ao compor-
porque esperamos receber algo em troca. tamento social; uma segunda, à felicidade; e uma terceira
Um estudo publicado recentemente sugere que a res- área envolvida na tomada de decisões.
posta pode ser muito mais simples: doar nos deixa felizes. A equipe descobriu que o grupo que se comprometeu
Os cientistas realizaram um experimento em um labo- a doar o dinheiro relatou estar mais feliz do que os que
ratório em Zurique com 50 pessoas que relataram seus iam gastar a quantia com eles próprios.
próprios níveis de felicidade após atos de generosidade. As descobertas têm implicações para a educação, polí-
Consistentemente, eles indicaram que doar era uma tica, economia e saúde pública, segundo os pesquisadores.
experiência de bem-estar. “A generosidade e a felicidade melhoram o bem-estar
Ao mesmo tempo, os exames de ressonância mag- individual e podem facilitar o sucesso social”, escreveram.
FRENTE 1
nética revelaram que uma área do cérebro ligada à Jornal do Commércio. Disponível em: http://jconline.ne10.uol.com.br/
canal/ mundo/internacional/noticia/2017/07/12/estudo-revela-que-
generosidade desencadeou uma resposta em outra parte praticar-atos-de-generosidade-traz-felicidade-294878.php.
relacionada à felicidade. Acesso: 8 out. 2017(adaptado).
45
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 45 05/04/2024 15:10:47
Analise as proposições a seguir, acerca da sintaxe de O potencial literário da aura das palavras é óbvio: em gran-
concordância em alguns trechos do texto, e assinale de parte, escrever é tirar proveito desses ecos e fantasmas,
a alternativa CORRETA. sem esquecer, claro, os sentidos literais.
(Adaptado de: RODRIGUES, Sérgio. São Paulo: Folha de S.Paulo.
I. Em: “Nosso estudo fornece evidências compor- 02/10/2020)
tamentais e neurais que apoiam a ligação [...]”
As formas verbais cumprem as normas de concordân-
(8o parágrafo), o termo em destaque deveria ter
cia na frase:
sido grafado no singular, concordando com “nos-
a) Não cabem aos escritores decidir soberanamente
so estudo”.
quais palavras devem ser consideradas belas ou
II. No trecho: “cada um deles teria à disposição [...]”
feias.
(9o parágrafo), se pluralizássemos o termo desta-
b) Costumam ser comuns, nos textos literários, que
cado, a correção gramatical não seria prejudicada.
os nomes empregados sejam atraentes já por sua
III. Em: “Metade dos participantes foram convida- musicalidade.
dos [...]” (10o parágrafo), o termo destacado tanto c) Há palavras nas quais se reconhece, para além
pode concordar com “participantes” quanto com do sentido próprio, efeitos que decorrem de sua
“metade”, o que faculta sua pluralização. sonoridade.
IV. No trecho: “foram convidados a se comprometer d) Depende de nossas reações subjetivas o efeito esté-
[...]” (10o parágrafo), a concordância está inadequa- tico que deriva dos aspectos mesmos das palavras.
da visto que ambas as formas verbais deveriam e) Por vezes faltam às palavras, sobretudo quando
estar com a mesma flexão de número. ditas em voz alta, a beleza do que elas têm como
V. Em: “o resto poderia planejar como gastaria [...]” significado.
(10o parágrafo), a concordância está adequada,
uma vez que o termo em destaque concorda com 3. Uema 2020 A questão toma como base o fragmento
“o resto”. de texto do filósofo Kant.
Estão CORRETAS, apenas, as proposições Esclarecimento é a saída do homem de sua meno-
a) I, II e III. ridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é
b) II, III e V. a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a
c) III, IV e V. direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpa-
d) I, II e IV. do dessa menoridade se a causa dela não se encontra na
e) I, IV e V. falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem
de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. “Tem
2. PUC-Campinas coragem de fazer uso de teu próprio entendimento”, tal
é o lema do esclarecimento. A preguiça e a covardia são
O que a palavra diz sem dizer as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens,
Mais do que forma e sentido, palavras têm uma aura, depois que a natureza de há muito os libertou de uma
um cheiro, um jeito. Podem ser legais ou malas, bonitas ou condição estranha, continuem, no entanto, de bom grado
feias, difíceis ou oferecidas, sisudas ou frívolas, francas ou menores durante toda a vida.
enigmáticas, de boa índole ou perversas. Podem enganar, KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1985 (adaptado).
fingindo uma facilidade que vira pedreira ali na esquina.
Mas também pode ser que, ao contrário, escondam as As expressões partitivas, de acordo com a norma-
delícias mais inebriantes sob uma casca dura e espinhenta. -padrão culta da língua, podem estabelecer dupla
Dito assim, as palavras soam como as pessoas, o que não possibilidade de concordância.
está longe da verdade. Como nas relações humanas, seu Analise o seguinte fragmento:
mundo é atravessado por uma rede de simpatias e antipa-
[...] uma tão grande parte dos homens, depois que a
tias que precede o sentido e, em certa medida, sobrevive
natureza de há muito os libertou de uma condição estra-
a ele. Isso ocorre porque, ao nos relacionarmos com as
nha, continuem, no entanto [...]
palavras, usamos reservas – cognitivas, emocionais e intui-
tivas – que vão muito além da razão. Que envolvem, por a) Discuta o efeito de sentido da concordância ver-
assim dizer, o corpo todo. Como poderia ser diferente? Na bal entre “grande parte dos homens” e o verbo
história do desenvolvimento de cada um de nós, o apren- relacionado à expressão partitiva.
dizado da linguagem coincidiu de forma perfeita com o b) Considerando o trecho “depois que a natureza de
aprendizado de simplesmente... ser. O que nos diz nossa há muito os libertou”, explique o valor semântico
intuição sobre a palavra “pulcritude”, por exemplo? Boa do verbo haver neste contexto.
coisa não é. Além de pernóstica, de sentido inacessível
aos mortais comuns sem a ajuda de um bom dicionário, 4. UFPE 2015 Conforme as regras da concordância
a palavra exala um mau cheiro – vamos ser francos – verbal, a alternativa em que o enunciado está correta-
entre o poeirento e o azedo. No entanto, a feiosa pulcri- mente redigido é:
tude, com seu bafo rançoso e sua verruga do tamanho a) Poderiam haver outros sinais de que estamos
de uma jabuticaba no nariz, quer dizer nada menos que mais conscientes da necessidade de cuidar do
beleza, formosura. Pode? No mundo das palavras, pode. meio ambiente.
46 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 46 05/04/2024 15:10:47
b) Outros sinais existe de que estamos mais conscien- d) Agora deve ser três horas.
tes da necessidade de cuidar do meio ambiente. e) O repórter é os olhos e os ouvidos da população.
c) Que outros sinais haveriam de que estamos mais
7. Ufam/PSC 2023 Assinale a alternativa em que a con-
conscientes da necessidade de cuidar do meio
cordância verbal está CORRETA:
ambiente?
a) O lixo de casas e condomínios devem ir para ater-
d) Que outros sinais haveriam de ter surgido com
ros sanitários.
relação ao fato de que estamos mais conscientes
b) O tratamento e a destinação do lixo evitaria que
da necessidade de cuidar do meio ambiente?
40% deles fosse despejado em aterros.
e) Foi mostrado amplamente alguns sinais de que
c) No passado, haviam cooperativas de catadores
estamos mais conscientes da necessidade de
de lixo em Manaus.
cuidar do meio ambiente.
d) Somos nós quem paga a conta pelo descaso da
5. PUC-Campinas 2023 prefeitura com o recolhimento do lixo.
e) Fazem dois anos que a prefeitura adia a resolu-
Origens do mal ção da questão do lixo.
A mente é um livro-caixa, com entradas e saídas: atrás
de cada sofrimento, estranheza ou malvadez, deve haver 8. Uniceub-DF 2020 Leia o trecho do romance Menino
alguma ofensa passada. Nossos sintomas e nossas aberra- de engenho, de José Lins do Rego, para responder à
ções seriam compensações ou retribuições: os que foram questão.
ofendidos sofrem da reminiscência da injúria passada, e os A velha Totonha de quando em vez batia no engenho.
que passaram por abusos violentos atuam com a crueldade E era um acontecimento para a meninada. Ela vivia de con-
da qual já foram vítimas. tar histórias de Trancoso. Pequenina e toda engelhada, tão
Ora, de tudo o que aprendi na minha formação clí- leve que uma ventania poderia carregá-la, andava léguas
nica de psicanalista, há uma regra que se verifica sempre: e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição
nossos males são efeitos de nossas interpretações (mais ou viva das Mil e uma noites. Que talento ela possuía para
menos capengas) do que os outros fizeram conosco. Não contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar
são consequências diretas das ações dos outros. em nome de todos os personagens! Sem nem um dente na
Por isso é possível mudar. Por isso o passado não boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras.
constitui propriamente um destino – porque nunca somos Menino de engenho, 2000.
apenas o efeito dos abusos sofridos. Em alguma medida,
sempre decidimos o sentido e o alcance que atribuímos à Trancoso: escritor português do século XVI.
violência da qual fomos vítimas. Somos, portanto, os arte- engelhada: enrugada.
sãos de nossas reações: escolhemos a vingança violenta
contra o mundo ou uma vida consagrada a lamber nossas Está em conformidade com as regras de concordân-
feridas. Ou, ainda, a coragem de ir em frente. cia da norma-padrão da língua portuguesa a seguinte
Em matéria de psicologia clínica, vale um ditado que frase escrita a partir do texto:
ouvi pouco tempo atrás, no norte rural do estado de Nova a) As histórias de Trancoso que Totonha costumava
York. Diz assim: “Não há como arregaçar as mangas se você contar à meninada causava comoção.
continua apontando seus dedos aos outros para culpá-los”. b) Eram possíveis perceber o quanto os garotos
(Adaptado de CALLIGARIS, Contardo. Terra de ninguém. São Paulo: gostavam dela e a recebiam com carinho.
Publifolha, 2004, p. 238-239)
c) Seu modo de narrar tinha um colorido todo espe-
As normas de concordância verbal estão plenamente cial de que se revestiam as palavras.
observadas na frase: d) Era natural que seu modo peculiar de contar as
a) Não cabem aos que não arregaçam as mangas histórias despertassem nos garotos curiosidade.
apontar seus dedos para os outros. e) Detentor de um vasto repertório de histórias, a
b) Costumam ser de grande valia quaisquer interpre- velha Totonha divertia os meninos do engenho.
tações que se faça com critério.
9. Unemat-MT 2019
c) Não se devem aos nossos defeitos do passado a
má orientação que damos ao presente. Brasil registra 40 mil casos de intoxicação
d) Situam-se entre a vingança violenta ou confiança por agrotóxicos em uma década
no futuro nossa escolha essencial. No Paraná, estado com maior número de casos re-
e) O que constitui os artesãos das próprias reações latados, comunidades se organizam para tentar se livrar
é a confiança no futuro que criam. dos efeitos dos venenos. Uma das opções é ‘cortina verde’.
O agrotóxico é uma ferramenta de trabalho comum na agri-
6. Urca-CE 2017 Marque a alternativa em que a con- cultura, mas esses produtos podem ser perigosos e muitas
cordância verbal não se encontra de acordo com a vezes são usados de maneira errada. De 2007 a 2017, data
norma culta: do último levantamento oficial, foram notificados cerca de
FRENTE 1
a) Tudo são boatos, nada parecem fatos verdadeiros. 40 mil casos de intoxicação aguda por causa deles. Quase
b) A cama do pedinte eram folhas de jornal. 1 900 pessoas morreram. Segundo maior produtor de grãos
c) Minha mãe é muitas coisas lá em casa. do país, o Paraná é o estado com o maior número de casos
47
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 47 05/04/2024 15:10:47
relatados – e também o que tem o sistema mais eficiente a) Têm sido praticado atividades físicas? Mudaram-
de notificações. Muitas comunidades paranaenses estão se -se hábitos alimentares?
organizando para tentar se livrar dos efeitos dos venenos b) Vêm-se praticando atividades físicas? Mudou-se
agrícolas. Em alguns casos, ele chega pelo ar. “A gente sente hábitos alimentares?
o cheiro do veneno entrando pela janela”, conta Mauritânia c) Têm sido praticadas atividades físicas? Mudaram
Guedes, que mora em Luiziana. Na cidade cercada por la- hábitos alimentares?
vouras, apenas a rua separa as casas da plantação em alguns
d) Atividades físicas tem sido praticadas? Mudou-se
bairros. Luiziana se tornou um dos primeiros municípios do
hábitos alimentares?
Paraná a fazer valer uma lei que impõe regras para o uso de
e) Atividades físicas vem sendo praticadas? Mudou
agrotóxicos ao redor da cidade. A regra entrou em vigor no
final de 2017 e determina que os agricultores que quiserem
hábitos alimentares?
produzir perto de núcleos habitacionais têm que implan- 11. UPE 2022
tar “cortinas verdes”. “Cortinas verdes” são duas fileiras de
árvores, uma arbórea e uma arbustiva, para o controle do O barroco é estilo ou será a alma do Brasil?
agrotóxico. Elas têm que ser implantadas há 50 metros O chamado Século de Ouro, que vai de fins do
da divisa da propriedade com o núcleo urbano. século XVI a fins do seguinte, é um dos momentos dou-
Disponível em:https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-
rural/noticia/2019/03/31/brasil-tem-40-mil-casos-de-intoxicacao-por-
rados e mais radiantes do Barroco, um estilo artístico que
agrotoxicos-em-uma-decada.ghtml. Acesso em: mar. 2019. é também uma expressão de vida, uma visão de mundo,
uma maneira de sentir, de ver, de se vestir e até de ser.
No trecho “Muitas comunidades paranaenses estão
Por isso, volta e meia a gente recorre a esse movimento
se organizando para tentar se livrar dos efeitos dos procurando decifrar o país: será o Brasil um país barroco
venenos agrícolas. Em alguns casos, ele chega pelo e, portanto, meio difícil de entender? Parece que sim.
ar”. A respeito dos aspectos linguísticos do texto, assi- O Brasil não só nasceu culturalmente barroco, como o
nale a alternativa correta. barroco é “a alma do Brasil”, para citar o livro de Affonso
a) A concordância correta seria “Eles chegam pelo ar”, Romano de Sant’Anna sobre o tema. Graças ao estilo,
porque a informação refere-se a “efeitos dos vene- o país foi capaz de criar esplendores como Ouro Preto,
nos agrícolas”. erguer obras-primas como algumas igrejas de Minas,
b) O vocábulo “se” no texto exerce a função de pre- Salvador, Recife e Olinda, e dar ao mundo um gênio como
posição. Aleijadinho. É por causa do barroco que o visitante sente
c) A vírgula foi empregada incorretamente em “Em aquela vertigem, um quase delírio, uma febre do ouro ao
alguns casos, ele chega pelo ar”, porque, sinta- entrar na Igreja de São Francisco, em Salvador, e olhar
ticamente, está separando sujeito do predicado para as paredes. O barroco não foi. Ele ainda é, conti-
da oração. nua presente em quase todas as manifestações da cultura
d) “Ele” é um pronome oblíquo, terceira pessoa do brasileira, da arquitetura à pintura, da comida à moda,
singular passando pelo futebol e pelo corpo feminino. [...] Barroca
e) “Efeitos dos venenos agrícolas” é sujeito da oração. é a técnica de composição que Villa-Lobos usou para criar
suas nove “Bachianas”. Barroco é o cinema de Glauber
10. Famema-SP 2020 Leia a charge do cartunista Duke Rocha, é nossa exuberante natureza, é o futebol de Pelé
para responder à questão. e de todos os que, driblando a racionalidade burra dos
técnicos, preferem a curva misteriosa de um chute ou o
esplendor de uma finta. Afinal, o barroco é o estilo em que,
ao contrário do renascentista, as regras e a premeditação
importam menos que a improvisação. Quer coisa mais
barroca que o Guga? Há ainda certa resistência em aceitar
o barroco como expressão de nossa alma. [...] Às vezes
se toma depreciativamente o estilo por seus excessos –
confusão, ênfase e paradoxos. Mas isso é barroquismo,
não é barroco. A evolução etimológica ajuda a entender.
Barroco, na origem, designa uma pérola grande e com
defeito – assim como um país que a gente conhece.
Zuenir Ventura. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/
Epoca/0,,EMI156437-15518,00.html. Acesso em: 16 ago. 2021.
Considerando que o texto exemplifica um texto es-
www.otempo.com.br
crito na “expressão culta” do português, na qual os
Nas perguntas do médico “Tem praticado atividades aspectos formais geralmente atendem às normas es-
físicas? Mudou hábitos alimentares?”, o sujeito das tabelecidas, assinale a alternativa CORRETA.
orações remete a “você”. Se os sujeitos fossem “ativi- a) Os tempos verbais empregados no trecho:
dades físicas” e “hábitos alimentares”, essas perguntas “O barroco não foi. Ele ainda é” geram incoe
assumiriam, em conformidade com a norma-padrão, a rência no texto, pois algo que “não foi” não
seguinte redação: pode permanecer.
48 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16 48 08/04/2024 16:22:11
b) As repetições da palavra “barroco” em todos os pa- composta por dois ideogramas japoneses – imagem e letra.
rágrafos do texto são, além de desnecessárias, uma O leitor não familiarizado com essa nova forma de expres-
marca do empobrecimento vocabular do texto. são deve, a essa altura, estar lol (do inglês, “laughing out
c) No trecho: “Quer coisa mais barroca que o Guga?”, 25 loud” ou “gargalhando”). Lol com razão, pois como uma
o autor empregou o ponto de interrogação para língua cifrada, entremeada de sinais e sem pontuação para
dirigir um questionamento direto ao leitor e ex- delimitar pausas pode ser uma revolução, uma abrupta
ruptura com o passado e vinda para ficar? Bem, as obras
pressar uma dúvida sua.
da literatura grega clássica, base da civilização ocidental,
d) No trecho: “será o Brasil um país barroco?”, há con-
30 foram escritas sem pontuação ou espaço entre as palavras.
cordância entre a forma verbal e seu sujeito, mesmo
“Unir razão e emoção na dose exata em frases curtas é
estando ele posicionado após o verbo. Essa mesma uma conquista enorme da vida on-line”, diz Tyler Schno-
norma vale para o enunciado “São consideradas ebelen, linguista e cientista de dados de São Francisco,
barrocas, no Brasil, várias manifestações”. nos Estados Unidos.
e) No 2º parágrafo, encontramos a palavra “obras- 35 A linguista canadense Gretchen McCulloch compara
-primas”, que se grafa com hífen. Também com os impactos da nova linguagem às grandes e profundas
hífen se grafam as palavras “mão-de-obra” e transformações históricas pelas quais passaram os idiomas
“dia-a-dia”. falados hoje no mundo. Diz ela: “Quando os historiadores
no futuro focarem no que está ocorrendo agora em nosso
12. PUC-PR 2023 O texto a seguir é referência para a 40 tempo, vão encontrar na língua inglesa mudanças tão fas-
questão. cinantes quanto as provocadas pelas palavras criadas por
Shakespeare e, antes, as de origem latina ou francesa trazi-
das pela Conquista Normanda da Inglaterra no ano 1066”.
Difícil não achar essa afirmação um exagero. Shakespeare
45 inventou ou recriou nada menos do que 1 700 palavras
usuais no inglês atual. O francês foi a língua culta da
Inglaterra até o século XII e deixou marcas profundas no
idioma, e não apenas pelas raízes latinas.
McCullouch exibe argumentos extraordinários para
50 justificar sua afirmação extraordinária. “Cerca de 4 bilhões
de pessoas já estão on-line. A imensa maioria delas só teve
sua existência percebida quando começou a escrever nas
redes sociais. Como você escreve define quem você é”. O
Disponível em: <https://laerte.art.br/acervo/?_sfm_decada=2020>. argumento demográfico da linguista canadense também
Acesso em: 12 jan. 2023. 55 é poderoso. Ela lembra que um terço das pessoas que se
Uma opção de reescrita adequada em relação à casaram nos Estados Unidos entre 2005 e 2012 se co-
norma-padrão para a frase do quadrinho é nheceram em sites de relacionamento e que antes disso,
em 1995 foi registrada a primeira grande onda de casais
a) Minha história começou fazem anos.
formados via internet: “Esses casais pioneiros da era conec-
b) Minha história começou faz anos.
60 tada podem ter filhos com idade para terem seus próprios
c) Minha história começa têm anos.
filhos. Então estão por aí os primeiros netos da internet.
d) Minha história começaria existe anos. É tolo pensar que todo o enorme poder computacional à
e) Minha história começara a anos. disposição deles será usado para preservar preconceitos
13. UFC-CE 2020 Uma hipótese extraordinária, pelo menos de comportamento e normas de linguagem prescritas por
para as pessoas com mais de 20 anos, está sendo colocada 65 um bando de burocratas do século XVII”. Sua conclusão,
de pé por linguistas de universidades dos Estados Unidos, da porém, não é sombria para quem não vê essas mudanças
Rússia, Canadá e Austrália. Esses estudiosos estão propon- com o mesmo otimismo. A professora diz que não se deve
5 do, em resumo, que as mensagens trocadas pela rapaziada encarar as linguagens como livros sagrados, mas como
no Twitter e em outros canais de conversa via internet estão “espaços para inovação e convivência, espaços para di-
lançando as bases de uma linguagem mais eficiente para 70 versão e criatividade linguísticas, onde, gloriosamente,
transmitir ideias e emoções do que aquela que o resto de todos possam se expressar”. Que do caos nasça a luz. [...]
nós considera as formas cultas de comunicação. “É dms é Adaptado de: ALCÂNTARA, Eurípedes. O idioma dos ‘netos da internet’.
isso mesmo com ctz mesmo que ngm acredite não é brinks Jornal O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/
10
o-idioma-dos-netos-da-internet-24082383. Acesso em: 6 jan. 2020.
xoxo”. Traduzindo a frase anterior, apenas uma caricatu-
ra criada para efeito ilustrativo do fenômeno no Brasil: “É Sobre o trecho “grandes e profundas transformações
demais. É isso mesmo, com certeza, mesmo que ninguém históricas pelas quais passaram os idiomas falados
acredite. Não é brincadeira. Beijos e abraços”. hoje no mundo” (linhas 36-38), é correto afirmar que o
15 Os linguistas acreditam não haver nisso uma regres-
verbo está no plural, porque:
são primal simplificadora, mas uma saudável revolução
a) concorda com “transformações”.
capaz de comunicar ideias abstratas e complexas. É bom,
portanto, nos interessarmos pelo uso dessas abreviaturas b) tem como sujeito o pronome “quais”.
FRENTE 1
e dos emojis, imagens com sinais de positivo, negativo, c) o sujeito é indeterminado e genérico.
20 palmas, risos, lágrimas e suas combinações capazes de d) concorda com o sujeito plural posposto.
produzir ainda outros significados. Emoji é uma palavra e) concorda com a ideia plural de “mundo”.
49
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 49 05/04/2024 15:10:48
14. PUC-PR 2022 O trecho de reportagem a seguir é re- IV. Erros de cálculo pode haver quanto ao percentual
ferência para a questão. de habitantes imunizados e, por isso, serão refei-
[...] Esta revolução feminina que todo o planeta abraça, tas as planilhas.
até os rincões mais hostis à mulher, ainda é um paradoxo. É V. Deviam ser duas horas da manhã quando chega-
assim neste Brasil-continente, onde, além disso, a maioria ram em casa os adolescentes.
das mulheres não é branca. Se por um lado se trata do VI. Durante a assembleia da ONU, realizou-se, no
quinto país do mundo com maior número de feminicídios, final da tarde, algumas eleições para diversos ór-
também é verdade que nele aparecem hoje, mais visíveis gãos que compõe o organograma da instituição.
do que nunca, e mais que em muitos outros lugares, a luta
da mulher e seus movimentos de liberação. Há no Brasil São CORRETAS as frases:
coletivos femininos em escolas públicas da periferia e nas a) I – III – IV c) II – IV – V
escolas para ricos nos bairros centrais. Na Grande São Paulo, b) II – III – VI d) I – V – VI
a maior cidade da América Latina, começaram a ser vis-
tos cartazes que incitam a denunciar a violência contra a 17. IFPE 2019
mulher. E a mulher começa a estar presente em todas as Movimentos sociais: breve definição
instituições do Estado e em todos os meios de comunicação.
Em linhas gerais, o conceito de movimento social
Disponível em: http://washingtonpamplona.com.br/o-mundo-das-
mulheres-tem-que-fazer-a-revolução-da-linguagem/. se refere à ação coletiva de um grupo organizado que
Acesso em: 10/08/21. objetiva alcançar mudanças sociais por meio do embate
político, conforme seus valores e ideologias, dentro de
Diferentes construções sintáticas podem ser feitas, consi-
uma determinada sociedade e de um contexto específi-
derando o destaque que se deseja dar a algum elemento
cos, permeados por tensões sociais (1). Os movimentos
da frase e, por causa disso, é preciso dar atenção às re-
sociais podem objetivar a mudança, a transição ou mes-
gras de concordância. Com base nessas informações e
mo a revolução de uma realidade hostil a certo grupo ou
na leitura adequada do ambiente sintático em que se en- classe social. Constroem uma identidade para a defesa de
contram os verbos destacados no texto, conclui-se que seus interesses, sejam eles a luta por um algum ideal ou
a) caso o substantivo movimentos não estivesse no o questionamento de uma realidade que se caracterize
plural, a forma verbal adequada seria aparece. como impeditivo à realização de seus anseios. Tornam-se
b) os dois apresentam sujeito plural posposto: mulher e porta-vozes de um grupo de pessoas que se encontra numa
libertação no primeiro caso e cartazes no segundo. mesma situação, seja social, econômica, política, religiosa,
c) o sujeito da primeira forma verbal é o anteceden- entre outras. Gianfranco Pasquino, em sua contribuição ao
te lugares, enquanto o da segunda é cartazes. Dicionário de Política (2004), organizado por ele, Norberto
d) ambos concordam com sujeito posposto: luta e mo- Bobbio e Nicolau Mateucci, afirma (2) que os movimentos
vimentos no primeiro caso e cartazes no segundo. sociais constituem tentativas – pautadas em valores co-
e) o sujeito antecedente da primeira forma verbal é muns àqueles que compõem o grupo – de definir formas
feminicídios e o da segunda, cartazes. de ação social para se alcançar determinados resultados.
Por outro lado, conforme aponta Alain Touraine, na
15. Uneb-BA 2019 Assinale a alternativa correta quanto à obra Em defesa da Sociologia (1976), para se compreender
concordância verbal. os movimentos sociais, mais do que pensar em valores
a) Às vezes, é atribuído aos jovens inexperientes as e crenças comuns para a ação social coletiva, seria ne-
mazelas dos adultos. cessário considerar as estruturas sociais nas quais os
b) Nem sempre se nota estas tendências entre os movimentos se manifestam. Cada sociedade ou estrutura
jovens. social teriam (5) como cenário um contexto histórico (ou
c) Muito fez para a cura do paciente o médico e os historicidades) no qual, assim como também apontava
enfermeiros. Karl Marx, estaria posto um conflito entre classes, terreno
d) Faltam às pessoas exibicionistas um pouco de das relações sociais, a depender dos modelos culturais,
decoro. políticos e sociais. Assim, os movimentos sociais fariam
e) A correta noção dos valores devem nortear o pro- explodir os conflitos já postos pela estrutura social (gera-
cedimento do juiz. dora por si só da contradição entre as classes), sendo uma
ferramenta fundamental para a ação com fins de interven-
16. Acafe-SC 2022 Analise as frases a seguir quanto à ção e mudança dessa estrutura.
concordância verbal. Dessa forma, para além das instituições democráticas
como os partidos, as eleições e o parlamento, a existência
I. Para que se tenha boas safras, deve-se plantar dos movimentos sociais é (4) de fundamental importância
boas sementes e torcer para que hajam chuvas para a sociedade civil enquanto meio de manifestação
suficientes. e reivindicação. Podemos citar como alguns exemplos
II. Fomos nós quem fez o trabalho de coleta dos de movimentos: o da causa operária, o movimento ne-
dados que se incluíram no relatório. gro (contra racismo e segregação racial), o movimento
III. Sobre essas diferentes interpretações, verificou- estudantil, o movimento de trabalhadores do campo, o
-se duas tendências de ordem ideológica: existe movimento feminista, os movimentos ambientalistas, os
pessoas que acredita nas vacinas e existe pessoas da luta contra a homofobia, os separatistas, os movimentos
que as defende. marxista, socialista, comunista, entre outros. Alguns desses
50 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 50 05/04/2024 15:10:49
movimentos possuem atuação centralizada em algumas qualquer, pode ser imaginado. As casas surgiam como se
regiões (como no caso de movimentos separatistas na fossem semeadas ao vento e, conforme as casas, as ruas
Europa). Outros, porém, com a expansão do processo de se fizeram. Há algumas delas que começam largas como
globalização (tanto do ponto de vista econômico como boulevards e acabam estreitas que nem vielas; dão voltas,
cultural) e a disseminação de meios de comunicação e circuitos inúteis e parecem fugir ao alinhamento reto com
veiculação da informação, rompem fronteiras geográficas um ódio tenaz e sagrado. Às vezes se sucedem na mesma
em razão da natureza de suas causas, ganhando adeptos direção com uma frequência irritante, outras se afastam, e
por todo o mundo, a exemplo do Greenpeace, movimento deixam de permeio um longo intervalo coeso e fechado de
ambientalista de forte atuação internacional. casas. Num trecho, há casas amontoadas umas sobre ou-
A existência de um movimento social requer uma tras numa angústia de espaço desoladora, logo adiante um
organização muito bem desenvolvida, o que demanda a vasto campo abre ao nosso olhar uma ampla perspectiva.
mobilização de recursos e pessoas muito engajadas (3). Marcham assim ao acaso as edificações e conse-
Os movimentos sociais não se limitam a manifestações guintemente o arruamento. Há casas de todos os gostos e
públicas esporádicas, mas trata-se de organizações que construídas de todas as formas. Vai-se por uma rua a ver
sistematicamente atuam para alcançar seus objetivos po- um correr de chalets, de porta e janela, parede de fron-
líticos, o que significa haver uma luta constante e de longo tal, humildes e acanhados, de repente se nos depara uma
prazo, dependendo da natureza da causa. Em outras pala- casa burguesa, dessas de compoteiras na cimalha rendi-
vras, os movimentos sociais possuem uma ação organizada lhada, a se erguer sobre um porão alto com mezaninos
de caráter permanente por uma determinada bandeira. gradeados. Passada essa surpresa, olha-se acolá e dá-se
RIBEIRO, Paulo Silvino. Movimentos sociais: breve definição. com uma choupana de pauapique, coberta de zinco ou
Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/
movimentos-sociais-breve-definicao.htm. mesmo palha, em torno da qual formiga uma população;
Acesso em: 22 set. 2018 (adaptado). adiante, é uma velha casa de roça, com varanda e colunas
de estilo pouco classificável, que parece vexada a querer
Analise alguns fragmentos do texto e marque a alter-
ocultar-se, diante daquela onda de edifícios disparatados
nativa que contém uma afirmação verdadeira sobre
e novos. Não há nos nossos subúrbios cousa alguma que
o fenômeno da concordância verbo-nominal presente
nos lembre os famosos das grandes cidades europeias,
em cada um deles.
com as suas vilas de ar repousado e satisfeito, as suas
a) No trecho “Cada sociedade ou estrutura social
estradas e ruas macadamizadas e cuidadas, nem mesmo
teriam como cenário um contexto histórico” (ref. 5 –
se encontram aqueles jardins, cuidadinhos, aparadinhos,
segundo parágrafo), o verbo sublinhado poderia penteados, porque os nossos, se os há, são em geral po-
ser flexionado no singular, já que a conjunção bres, feios e desleixados.
“ou” implica na ideia de exclusão de um dos nú- Os cuidados municipais também são variáveis e ca-
cleos nominais do sujeito. prichosos. Às vezes, nas ruas, há passeios em certas partes
b) No trecho “afirma que os movimentos sociais cons- e outras não; algumas vias de comunicação são calçadas e
tituem tentativas” (ref. 2 – primeiro parágrafo), o outras da mesma importância estão ainda em estado de
verbo sublinhado concorda com um sujeito elíptico. natureza. Encontra-se aqui um pontilhão bem cuidado
c) No trecho “o que demanda a mobilização de sobre um rio seco e passos além temos que atravessar um
recursos e pessoas muito engajadas” (ref. 3 – ribeirão sobre uma pinguela de trilhos mal juntos. Há pelas
quarto parágrafo), o adjetivo sublinhado vai para ruas damas elegantes, com sedas e brocados, evitando a
o feminino plural, concordando com os núcleos custo que a lama ou o pó lhes empane o brilho do vestido;
nominais “mobilização” e “ pessoas”. há operário de tamancos; há peralvilhos à última moda; há
d) No trecho “a existência dos movimentos sociais mulheres de chita; e assim pela tarde, quando essa gente
é de fundamental importância para a sociedade volta do trabalho ou do passeio, a mescla se faz numa
civil” (ref. 4 – terceiro parágrafo), o verbo admite mesma rua, num quarteirão, e quase sempre o mais bem
o plural, concordando com o adjunto adnominal posto não é que entra na melhor casa. Além disto, os
“dos movimentos sociais”. subúrbios têm mais aspectos interessantes, sem falar no
e) No trecho “dentro de uma determinada socie- namoro epidêmico e no espiritismo endêmico; as casas de
dade e de um contexto específicos, permeados cômodos (quem as suporia lá!) constituem um deles bem
por tensões sociais” (ref. 1 – primeiro parágrafo), inédito. Casas que mal dariam para uma pequena família,
o adjetivo sublinhado vai para o masculino plural, são divididas, subdivididas, e os minúsculos aposentos as-
concordando com os núcleos nominais “sociedade” sim obtidos, alugados à população miserável da cidade. Aí,
nesses caixotins humanos, é que se encontra a fauna me-
e “contexto”.
nos observada da nossa vida, sobre a qual a miséria paira
18. Urca-CE 2017 com um rigor londrino. Não se podem imaginar profissões
mais tristes e mais inopinadas da gente que habita tais
Espinhos e flores caixinhas. Além dos serventes de repartições, contínuos de
Os subúrbios do Rio de Janeiro são a mais curiosa escritórios, podemos deparar velhas fabricantes de rendas
cousa em matéria de edificação de cidade. A topografia do de bilros, compradores de garrafas vazias, castradores de
FRENTE 1
local, caprichosamente montuosa, influiu decerto para tal gatos, cães e galos, mandingueiros, catadores de ervas
aspecto, mais influíram, porém, os azares das construções. medicinais, enfim, uma variedade de profissões miseráveis
Nada mais irregular, mais caprichoso, mais sem plano que as nossas pequena e grande burguesias não podem
51
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 51 05/04/2024 15:10:49
adivinhar. Às vezes, num cubículo desses se amontoa uma b) O esforço para arrecadar dinheiro foi intenso,
família, e há ocasiões em que os seus chefes vão a pé para mas os formandos conseguiram realizar uma festa
a cidade por falta do níquel do trem. Ricardo Coração dos monstro, que ficará na memória.
Outros morava em uma pobre casa de cômodos de um c) Segue anexas às notas fiscais da empresa o bole-
dos subúrbios. Não era das sórdidas, mas era uma casa de tim informativo do Departamento de Pessoal.
cômodos dos subúrbios. Desde anos que ele a habitava d) Toda a família viajou para a Europa, salvo os avós
e gostava da casa que ficava trepada sobre uma colina, paternos.
olhando da janela do seu quarto para uma ampla extensão e) Os milhares e milhares de pessoas, presentes ao
edificada que ia da Piedade a Todos os Santos.
último show dos Rolling Stones, aplaudiram a ban-
Vistos assim do alto, os subúrbios têm a sua graça.
da delirantemente.
As casas pequeninas, pintadas de azul, de branco, de oca,
engastadas nas comas verde-negras das mangueiras, tendo 20. Unemat-MT 2016
de permeio, aqui e ali, um coqueiro ou uma palmeira, alta
e soberba, fazem a vista boa e a falta de percepção do Construção civil
desenho das ruas põe no programa um sabor de confusão A construção civil, não sofreu grandes modificação
democrática, de solidariedade perfeita entre as gentes que ao longo dos anos.
as habitavam; e o trem minúsculo, rápido, atravessa tudo O trabalho ainda continua de forma artesanal.
aquilo, dobrando à esquerda, inclinando-se para a direita, Estudos são feitos à fim de melhorar a produtividade
muito flexível nas suas grandes vértebras de carros, como 5 na construção civil, desde a preparação da argamassa até
uma cobra entre pedrouços. Era daquela janela que Ricar- o assentamento de tijolos
do espraiava as suas alegrias, as suas satisfações, os seus Mas, novos produtos aparecem no mercado, materiais
triunfos e também os seus sofrimentos e mágoas. Ainda de mais fácil trabalhabilidade, mais leve, mais barato...
agora estava ele lá, debruçado no peitoril, com a mão Fazendo assim, que a construção civil, procure novas
em concha no queixo, colhendo com a vista uma grande 10 tecnologia de construção.
parte daquela bela, grande e original cidade, capital de um SANTOS, Maria do Carmo O. T. Retratos da escrita na universidade.
grande país, de que ele a modos que era e se sentia ser, Maringá: Eduem, 2000. (adaptado)
a alma, consubstanciado os seus tênues sonhos e desejos O texto apresenta problemas de concordâncias a partir
em versos discutíveis, mas que a plangência do violão, do exigido pela norma-padrão da língua portuguesa.
se não lhes dava sentido, dava um quê de balbucio, de
Isto se comprova, pois:
queixume dorido da pátria criança ainda, ainda na sua
a) nas linhas 1, 9 e 10 há falta de concordância de
formação... Em que pensava ele? Não pensava só, sofria
número entre palavras.
também. Aquele tal preto continuava na sua mania de que-
b) nas linhas 1 e 3 há falta de concordância entre o
rer fazer a modinha dizer alguma cousa, e tinha adeptos.
Alguns já o citavam como rival dele, Ricardo; outros já
sujeito e o verbo.
afirmavam que o tal rapaz deixava longe o Coração dos c) nas linhas 3 e 7 há falta de concordância entre
Outros, e alguns mais – ingratos! – já esqueciam os tra- sujeito e predicado.
balhos, o tenaz trabalhar de Ricardo Coração dos Outros d) nas linhas 4 e 6 há falta de concordância entre
em prol do levantamento da modinha e do violão, e nem sujeito e objeto.
nomeavam o abnegado obreiro. e) nas linhas 4, 5 e 6 há falta de concordância entre
Triste Fim de Policarpo Quaresma, pp.160-165. sujeito e verbo.
... uma variedade de profissões miseráveis que as nos- 21. UFMS 2019 Considerando a norma culta da língua
sas pequena e grande burguesias não podem adivinhar. portuguesa, assinale a alternativa em que a concor-
O termo em destaque apresenta uma regra de con- dância verbal e a nominal estão corretas.
cordância nominal, observando a regra da Gramática a) Concluído as pesquisas sobre os percentuais
Normativa, assinale a alternativa em que, pluralizando- de eleitores que não fez o cadastro biométrico,
-se a frase, as palavras destacadas permanecem constatou-se que a maioria deles não tinha qual-
invariáveis: quer informações a respeito da obrigatoriedade
a) Só estudei o elementar, o que me deixa meio do cadastro.
apreensivo. b) Concluída as pesquisas sobre o percentual de
b) Meia palavra, meio tom – índice de sua sensatez. eleitores que não fizeram o cadastro biométri-
c) Estava só naquela ocasião; acreditei, pois em sua co, constatou-se que a maioria deles não tinham
meia promessa. qualquer informações a respeito da obrigatorie-
d) Passei muito inverno só. dade do cadastro.
e) Este é o meio mais exato para você resolver o c) Concluídas as pesquisas sobre os percentuais
problema: estude só. de eleitores que não fizeram o cadastro biométri-
co, constataram-se que a maioria deles não tinha
19. Ufam 2019 Observando as regras de concordância quaisquer informações a respeito da obrigatorie-
nominal, assinale a alternativa que NÃO está CORRETA: dade do cadastro.
a) Quando for novamente à feira, por favor, traga d) Concluídas as pesquisas sobre os percentuais de
biribás e melancia madura. eleitores que não fizeram o cadastro biométrico,
52 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 52 05/04/2024 15:10:49
constatou-se que a maioria deles não tinha quais- 25. UFC-CE 2020 [...] Sem palavras não podemos contar
quer informações a respeito da obrigatoriedade nossas ideias e sentimentos, nem nossos sonhos. E hoje,
do cadastro. em um mundo de total transformação em todas as esferas,
e) Concluído as pesquisas sobre o percentual de continua sendo a linguagem o que expressa essas mu-
5 danças. O que ocorre é que foi a realidade da vida que
eleitores que não fizeram o cadastro biométri-
evoluiu antes das palavras para expressá-la. E as palavras
co, constatou-se que a maioria deles não tinham foram também ficando velhas para descrever os movimen-
qualquer informações a respeito da obrigatorie- tos subterrâneos da humanidade em movimento.
dade do cadastro. Às vezes precisamos de décadas para encontrar a pa-
10 lavra que poderia expressar a mudança já realizada. Assim,
22. ESPM-RJ 2019
ultimamente, nasceram vocábulos como pós-verdade, ou
modernidade líquida, para tentar expressar o novo em nos-
sas relações e em nosso modo diverso de contar as coisas.
Será também esta última revolução da linguagem a
15 que poderá servir para culminar nos novos movimentos de
liberação do feminino para o político, duas realidades que
a linguagem já não consegue mais expressar. Termos como
masculino e feminino, esquerda e direita, paz e violência se
tornaram antiquados porque a realidade vivida a cada dia
20 neste novo século já é outra, e não sabemos como defini-la.
A revolução da linguagem, seja no tema da liberação
da mulher como para o surgimento de uma forma nova de
fazer política, será a última conquista da Humanidade, se
não quiser ficar restrita à escravidão de palavras que já não
25 são capazes de expressar o novo que está germinando e
começou a nascer. [...]
Adaptado de: ARIAS, Juan. O mundo das mulheres tem que fazer a
Observando o aviso, é possível constatar duas ocorrên- revolução da linguagem. El País. Disponível em:https://brasil.elpais.com/
brasil/2019/11/01/pinion/1572632713_597970.html. Acesso em: 6 jan. 2020.
cias linguísticas (uma ligada à transgressão gramatical
e outra ligada à semântica). Essas ocorrências são res- A forma feminina do adjetivo “restrita” (linha 24) se jus-
pectivamente de: tifica por:
a) concordância nominal e ambiguidade. a) concordar com “linguagem”.
b) concordância verbal e ambiguidade. b) referir-se a “liberação da mulher”.
c) flexão de gênero e polissemia. c) concordar com “Humanidade”.
d) ortografia e redundância. d) referir-se ao termo “política”.
e) regência verbal e léxico. e) relacionar-se a “última conquista”.
23. EAM-SP 2022 Assinale a opção na qual a concordân- 26. Univag-MT 2018 Assinale a alternativa em que a con-
cia nominal dos termos sublinhados está correta. cordância está de acordo com a norma-padrão da
a) Há bastante pessoas insatisfeitas com o que ganham. língua portuguesa.
b) Ana estava meia aborrecida com o resultado do jogo. a) Há meios para deixar a sociabilidade mais fácil
c) Devemos deixar claro que nós não estamos só. àquelas pessoas que as consideram difícil.
d) Seguem anexo as cópias dos documentos solicitados. b) Algumas pessoas têm dificuldade em agir com
e) Elas mesmas fazem a recepção dos convidados. naturalidade quando se encontram em grupo.
c) Tanto a solidão como a diabetes são problemas
24. FCM-MG 2022 Assinale a alternativa CORRETA em que devem ser combatido com políticas públicas.
que há a possibilidade de uma outra concordância no- d) Entre os fatores que favorece a criatividade está a
minal, destacada nos parênteses. introspecção, ainda que seja temporária.
a) “Elaborados de modo a facilitar a leitura, os ma- e) Dizem que a solidão ocasional é necessário para
nuais de medicina popular continham a descrição que se desenvolva uma autoconsciência sadia.
das moléstias [...]” – (ELABORADA).
b) “[...] contribuíram para a instrução acadêmica de 27. UFGD-MS 2019 Assinale a alternativa com as pala-
inúmeros praticantes leigos da medicina: senho- vras que preenchem correta e respectivamente as
res e senhoras de escravos [...]” – (LEIGO). lacunas no período a seguir.
c) “[...] bem como os conselhos e medicamentos ______ alguns dias, ______ nesse local obras de arte
que deveriam ser empregados em cada uma valiosas. Hoje, só _______ escombros de um incên-
delas, de fácil formulação e úteis na economia dio que chocou a todos.
doméstica.” – (ÚTIL). a) Fazem, haviam, existe
d) “Os manuais de medicina popular do Dr. Chernoviz b) Fazem, havia, existe
FRENTE 1
foram essenciais na difusão de saberes e práticas c) Fazem, haviam, existem
aprovados pelas instituições médicas oficiais [...]” – d) Faz, haviam, existe
(APROVADAS). e) Faz, havia, existem
53
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16.indd 53 10/04/2024 13:36:07
28. UFRR 2020 A exemplo da frase “Fazia horas que Uma nova formulação do trecho “há quem morra por
procuravam uma sombra.”, assinale a opção que apre- muito ter comido durante a vida toda”, em conformida-
senta concordância verbal semelhante de acordo de com a norma-padrão da língua, está em:
com a norma culta. a) Existe aqueles que morrem por que comem muito
a) Eles hão de fazer o que eu pedi. durante a vida toda.
b) Choveram pedidos de ingressos para o show. b) Existem aqueles que morre porque come muito
c) Faremos um recital de poesia na próxima sexta- durante a vida toda.
-feira. c) Existe aqueles que morre porque come muito du-
d) Houve problemas no caminho e não chegamos rante a vida toda.
a tempo. d) Existem aqueles que morrem porque comem mui-
e) Recuperaram o tempo perdido ao encontrar o to durante a vida toda.
ente querido. e) Existem aqueles que morrem por que comem
muito durante a vida toda.
29. ESPM-SP 2016 Em uma das opções a seguir, o verbo
HAVER é impessoal e, por isso, não deveria estar no 31. IFNMG 2017 Uma vez pregada a existência de um pen-
plural. Assinale-a: samento e uma interpretação únicos, no entanto, para que
a) Traficantes da Favela do Alemão haviam orde- serviriam o diálogo e o confronto sadio de interpretações?
nado o fechamento do comércio local, como Ao observar a regra de concordância entre adjetivo e
represália à morte de um deles. substantivo, sobre o trecho anterior, pode-se afirmar que:
b) Por haverem patrimônio ilegal, muitos políticos foram a) trata-se de um caso facultativo de concordância.
indiciados na investigação da Operação Lava Jato. Nesse caso, poderia ser a concordância com os
c) Até aqueles que estiveram envolvidos em tráfico substantivos englobados (pensamento e interpreta-
de influência se haverão com a Polícia Federal. ção), ou com o núcleo mais próximo (interpretação).
d) Em início de temporada, times grandes da Capital b) há erro de concordância no trecho, uma vez que
não se houveram bem nos jogos da última rodada. o adjetivo destacado deveria ser “única”, para
e) Em São Paulo e no Rio, houveram casos de po- concordar com “uma interpretação”.
liciais espancados por jovens mascarados nos c) trata-se de caso de adjetivo posposto a substantivo.
protestos de rua. Conforme a gramática normativa, quando o adjetivo
se refere a dois substantivos de mesmo gênero, o
30. Humanitas-SP 2019 Leia o trecho do romance de
adjetivo fica sempre no masculino e plural.
José Saramago para responder à questão.
d) há erro de concordância no trecho, uma vez
No geral do ano há quem morra por muito ter co- que o adjetivo destacado deveria ser “únicas”
mido durante a vida toda, razão por que se repetem para concordar com o núcleo mais próximo (In-
os acidentes apoplécticos [...]. Mas não falta, por isso terpretação) e plural, porque também se refere a
mesmo falecendo mais facilmente, quem morra por ter “pensamento”.
comido pouco durante toda a vida, ou o que dela resistiu
a um triste passadio de sardinha e arroz, mais a alface 32. EEAR-SP 2022 Assinale a alternativa que completa,
que deu a alcunha aos moradores, e carne quando faz correta e respectivamente, as lacunas seguintes.
anos sua majestade. [...] Mas esta cidade, mais que todas, 1. Temos ____ conhecidos na cidade.
é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de 2. São ____ risonhos com quem simpatizam.
escasso para o outro [...]. 3. Remeti ____ a nota fiscal.
Memorial do convento, 1995. 4. Os adultos chegaram ____, e as crianças vieram
____ com a professora.
a) bastante – bastantes – anexo – junto – juntas
acidentes apoplécticos: acidentes vasculares.
passadio: refeição simples e habitual. b) bastante – bastantes – em anexo – junto – juntas
sobejo: farto. c) bastantes – bastante – anexa – juntos – junto
d) bastantes – bastante – anexo - juntos - junto
Texto complementar
Concordância é variável e insiste em discordar de regras gramaticais
Quando Millôr Fernandes morreu, em março de 2012, o jornalista Luiz Zanin Oricchio, colunista de cultura de O Estado de
S. Paulo, publicou na internet o texto “Morreram Millôr Fernandes”. Na homenagem ao escritor, humorista e dramaturgo – para
citar algumas funções desempenhadas por Millôr –, Zanin explicou que o mesmo tipo de concordância verbal havia sido estampado
pelo jornal O Dia menos de uma semana antes. A capa anunciava “Morreram Chico Anysio”, destacando que o artista interpretou
mais de 200 personagens ao longo de sua carreira.
O jornalista também esclareceu que, de forma certeira, esse uso poético do “erro” de concordância já se destacava entre os versos
de “Atriz”, poema de Carlos Drummond de Andrade em tributo àquela que então era considerada a maior atriz do teatro brasileiro:
54 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 54 05/04/2024 15:10:49
Concordância zero
Mitos desfeitos
Monitoramento
¡ ¢¢¢¡¢£¢¢
¢¤£
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
Quer saber mais?
Filme Livro
Doze homens e uma sentença. Direção: Sidney Lumet. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem con-
. cessões, de Bruce Patton, William Ury e Roger Fischer.
Doze membros de um júri estão reunidos em uma sala e Tradução de Rachel Agavino. Sextante: São Paulo, .
devem entrar em concordância sobre o veredicto a ser O livro apresenta estratégias de negociação para
dado no julgamento do caso de um jovem acusado de construir concordâncias tanto no contexto profissional
assassinato. quanto no contexto cotidiano, bem como em relações
de amizade.
Site
Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: https:// Música
bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/. Acesso em: “Inútil”, de Ultraje a Rigor.
mar. . Na letra da canção, há diversos desvios de concordân-
FRENTE 1
Nesse site, há um Manual de Redação que apresenta cia verbal, os quais foram empregados para evidenciar
vários exemplos de aplicação das regras de concordância a marginalidade social do eu poético.
verbal e nominal.
55
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16.indd 55 10/04/2024 13:37:03
Exercícios complementares
1. UPE 2021 de entender um dado que ocorre regularmente, mas que
parece oferecer alguma dificuldade de análise. Em primei-
10 ro lugar, é óbvio que se trata de um pedido (ou de uma
ordem) mais ou menos informal. Caso contrário, não se
usaria a expressão “pessoal”, mas talvez “Senhores” ou
“Senhores alunos”.
Em segundo lugar, não se trata da tal concordân-
15 cia ideológica, nem de silepse (hipóteses previstas pela
gramática para explicar concordâncias mais ou menos
excepcionais, que se devem menos a fatores sintáticos
e mais aos semânticos; exemplos correntes do tipo “A
gente fomos” e “o pessoal gostaram” se explicam por
20 esse critério). Como se pode saber que não se trata de
concordância ideológica ou de silepse? A resposta é que,
nesses casos, o verbo se liga ao sujeito em estrutura sem
vocativo, diferentemente do que acontece aqui. E em
casos como “Pedro, venha cá”, “venha” não se liga a
25 “Pedro”, mesmo que pareça que sim, porque Pedro não
é o sujeito.
Para tentar formular uma hipótese mais clara para o
problema apresentado, talvez se deva admitir que o sujeito
de um verbo pode estar apagado e, mesmo assim, produzir
30 concordância. O ideal é que se mostre que o fenômeno
não ocorre só com ordens ou pedidos, e nem só quando
há vocativo. Vamos por partes: a) é normal, em português,
haver orações sem sujeito expresso e, mesmo assim, haver
flexão verbal. Exemplos correntes são frases como “che-
35 garam e saíram em seguida”, que todos conhecemos das
gramáticas; b) sempre que há um vocativo, em princípio,
Disponível em: https://redeglobo.globo.com/sp/eptv/eptv-na-escola- o sujeito pode não aparecer na frase. É o que ocorre em
ribeirao/noticia/a-leitura-como-aliada-da-boa-redacao.ghtml.
“meninos, saiam daqui”; mas o sujeito pode aparecer, pois
Prevalece, na parte verbal do texto, o emprego da não seria estranha a sequência “meninos, vocês se com-
norma culta da língua. Nesse contexto, é CORRETO 40 portem”; c) se forem aceitas as hipóteses a) e b) (diria que
afirmar que são fatos), não seria estranho que a frase “Pessoal, leiam
a) no trecho: “Canais de internet com resenhas e crí- o livro X” pudesse ser tratada como se sua estrutura fosse
ticas estimulam novos títulos”, a forma verbal está “Pessoal, vocês leiam o livro x”. Se a palavra “vocês” não
no plural em concordância com os termos ‘rese- estivesse apagada, a concordância se explicaria normal-
45 mente; d) assim, o problema real não é a concordância
nhas’ e ‘críticas’.
entre “pessoal” e “leiam”, mas a passagem de “pessoal” a
b) atendendo aos propósitos do texto, o autor
“vocês”, que não aparece na superfície da frase.
emprega o modo imperativo em “comece” e “pro-
Este caso é apenas um, dentre tantos outros, que nos
cure”, para dialogar diretamente com o leitor.
obrigariam a considerar na análise elementos que parecem
c) assim como em EXPERIÊNCIAS, está correta a 50 não estar na frase, mas que atuam como se lá estivessem.
grafia de EXTENDER; em DIVERSIDADE, está cor- Adaptado de: POSSENTI, Sírio. Malcomportadas línguas. São Paulo:
reta a grafia de CUMPLISIDADE. Parábola Editorial, 2009. p. 85-86.
d) no título, o ponto de interrogação é obrigatório De acordo com o autor do texto, a explicação para a
em “Como criar gosto pelos livros?”, e sua ausên- concordância verbal da frase ‘Pessoal, leia o livro X’ (l. 5)
cia fere os preceitos da norma culta da língua. está relacionada ao fato de a concordância verbal se
e) o acento gráfico da palavra ‘páginas’ é justificado fazer com um sujeito não expresso nem fonética nem
pela mesma regra que recomenda o acento gráfi- ortograficamente.
co na palavra ‘fácil’. Assinale a alternativa em que se encontra outro exem-
2. UFRGS 2019 Recebi consulta de um amigo que tenta plo desse mesmo fenômeno gramatical de que trata
deslindar segredos da língua para estrangeiros que querem o autor do texto.
aprender português. Seu problema: “se digo em uma sala a) Meninos, vocês se comportem.
de aula: ‘Pessoal, leiam o livro X’, como explicar a concor- b) Chegaram e saíram em seguida esses meninos.
5 dância? Certamente, não se diz ‘Pessoal, leia o livro X’”. c) Gente, chegaram as pizzas!
Pela pergunta, vê-se que não se trata de fornecer re- d) Gurizada, já terminaram a prova?
gras para corrigir eventuais problemas de padrão. Trata-se e) Guria, tu já leu o livro que o professor indicou?
56 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 56 05/04/2024 15:10:49
3. UPF-RS 2022 A ciência translacional não é algo que possa se embu-
tir no sistema por decreto. Grandes organizações, públicas
O que nos torna pouco competitivos? 60 e privadas, estão amarradas nas suas próprias burocracias,
Renato Rozental o que dificulta o processo criativo e de inovação. No con-
texto da inovação em saúde, precisamos inserir formas de
Lamentar a morte de mais de meio milhão de brasilei-
gestão flexíveis, ágeis, que envolvam tomadas de decisão
ros por covid-19 é pouco. Esta é uma discussão de resposta
descentralizadas, permitindo a responsabilização de todos
muito clara, quase óbvia. Se tivéssemos capacidade interna,
65 os atores envolvidos, de modo a ampliar os espaços de
poderíamos ter suprido parte das necessidades do mercado
e reduzido o impacto da pandemia no sistema de saúde criatividade e de ousadia na busca e na implementação
5
em tempo hábil. O quadro de calamidade é resultado de de soluções. O que não dá para aceitar é continuar a
décadas de políticas de incentivo à mera reprodução em andar com o “freio de mão puxado” e na contramão do
vez de estímulo à capacitação profissional e ao domínio desenvolvimento sustentável.
do processo produtivo. 70 Por fim, a dicotomia entre público e privado já de-
10 Começar reproduzindo (“copiando”) não é um proble- veria ter sido ultrapassada. A saúde é direito de todos e
ma. Basta lembrar da história do nylon, fibra têxtil sintética dever do Estado. Quem trabalha com inovação quer ver
patenteada pela empresa norte-americana DuPont em 1935 o produto funcionando no mercado global. Certa vez,
e usada para provocar a indústria japonesa e fazê-la ex- em 1995, tive a oportunidade de ouvir de Eric Kandel
portar menos seda. A resposta japonesa foi contundente 75 (Universidade Columbia), Rodolfo Llinás (Universidade
15 e imediata: “copiar” o processo de manufatura e produzir de Nova York) e Torsten Wiesel (Universidade Rockfeller)
nylon 6 meses após a desfeita. Atualmente, a China domina uma previsão sobre o cenário de concessões nos Insti-
o mercado mundial de nylon, seguida por Estados Unidos, tutos Nacionais da Saúde (NIH) em 2015-2020: “quem
Japão e Tigres Asiáticos. Os chineses perceberam que, na era não desenvolvesse uma ‘pílula’ para a sociedade como
tecnológica, “o caminho mais curto para crescer é apostar 80 resultado do seu projeto de pesquisa estaria fora do
20 em três frentes: inovação, inovação e inovação”. pool”. Tal visão está se tornando uma realidade global.
Nesse contexto, pergunto: qual é o perfil da nossa Pessoalmente, acredito que um dos compromissos mais
indústria farmacêutica? Produzimos genéricos… até hoje. preciosos que temos com a nossa população é o de pro-
Mas a política de “genéricos” tem como fragilidade o fato porcionar hoje, e não amanhã, uma solução para que
de incluir apenas medicamentos cujas patentes já tenham 85 todos possam ser atendidos a tempo e desfrutem de boa
25 expirado. O problema do conhecimento tecnológico in- qualidade de vida.
suficiente e a dificuldade do nosso país em evoluir de (ROZENTAL, Renato.O que nos torna pouco competitivos? [Centro
de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde. Fundação Oswaldo Cruz
“copiar” para “inovar” precisa ser tratado com prioridade e Instituto de Ciências Biomédicas. Universidade Federal do Rio de
e sem demagogia para romper o ciclo vicioso da depen- Janeiro]. Matéria publicada em Ciência Hoje de 20 de agosto de 2021.
dência tecnológica e trazer um diferencial competitivo. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/artigo/o-que-nos-torna-
pouco-competitivos/. Acesso em 18 de setembro de 2021).
30 O projeto de cranioplastia, reparo craniano extenso, Texto adaptado.
pode ilustrar tanto a inovação estimulada pela demanda
como os entraves burocráticos ao desenvolvimento do Assinale a alternativa correta, considerando aspectos
produto. Pelo lado clínico, as cirurgias de reconstrução gramaticais que se encontram a serviço da constru-
do crânio após remoção da calota craniana envolvem ção semântica do texto:
35 um alto custo, incluindo a malha de titânio e porcelanato a) Na sentença “Mas a política de ‘genéricos’ tem
usada atualmente, totalizando um gasto entre R$ 120 mil como fragilidade o fato de incluir apenas medica-
e R$ 200 mil por paciente, o que torna sua realização no mentos cujas patentes já tenham expirado.” (linhas
Sistema Único de Saúde (SUS) economicamente inviável. 23 a 25), o pronome adjetivo “cujas” concorda
A cranioplastia faz-se necessária não somente por razões com “patentes”, mas refere-se a “medicamentos”.
40 estéticas – o que, por si só, já justificaria o procedimento –, b) Na sentença “... usada para provocar a indústria
mas também para assegurar que o cérebro do paciente japonesa e fazê-la exportar menos seda.” (linhas
fique mais protegido e com melhor irrigação sanguínea, 13 e 14), o pronome “la” retoma indústria japone-
resultando em melhoras cognitivas e comportamentais
sa, evitando uma repetição.
e facilitando a reintrodução do indivíduo na sociedade.
c) No trecho “Por fim, a dicotomia entre público e pri-
45 No momento, infelizmente, a implantação de próteses
vado já deveria ter sido ultrapassada.” (linhas 70 e
cranianas é realizada pelo SUS somente mediante doação
71), há um problema de concordância verbal, na
ou após sentença judicial, considerando que o paciente
corre risco de vida. medida em que o verbo “deveria” – segundo pa-
Nossa equipe desenvolveu uma solução utilizando uma drões morfossintáticos que regem a norma culta
50 prótese de polimetilmetacrilato (PMMA) confeccionada du- da língua – teria de estar no plural para concordar
rante o período da cirurgia, com resultados semelhantes com “público e privado”.
e até superiores aos das próteses de titânio e porcelanato d) No período “Grandes organizações, públicas e
disponíveis, mas com custo cerca de 20 vezes menor que privadas, estão amarradas nas suas próprias bu-
o praticado no mercado, tornando o tratamento, em teoria, rocracias, o que dificulta o processo criativo e de
FRENTE 1
55 viável e acessível à rede SUS. Estamos confiantes nos resul- inovação” (linhas 59 a 61), a conjunção integrante
tados das próteses feitas de PMMA, na análise dos custos e “que” está relacionada ao verbo “dificulta”, na me-
na adequabilidade do produto para o mercado. dida em que inicia uma oração adjetiva.
57
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16 57 08/04/2024 16:25:39
e) No trecho “Pessoalmente, acredito que um dos b) Identificam-se outro enquadramento em relação
compromissos mais preciosos que temos com a à literatura da época, da qual A Escrava Isaura
nossa população é o de proporcionar hoje, e não se afasta significativamente, já que as desditas
amanhã, uma solução para que todos possam ser da escrava se encontra mais próximas das lendas
atendidos a tempo e desfrutem de boa qualidade que dos outros romances.
de vida.” (linhas 82 a 86), a expressão “a tempo” c) O alcance humano e o impacto social consagra-
poderia ser grafada com “h” [“há”] , já que diz respei- ram o livro de Bernardo Guimarães, destacando-o
to ao verbo haver e a tempo decorrido. como panfleto corajoso e viril, apesar do enqua-
dramento que o aproximava das lendas e não dos
4. FGV-SP 2020 Assinale a alternativa que atende à
romances que havia na época.
norma-padrão de concordância verbal.
d) A aparência branca e o caráter nobre de Isaura
a) O Brasil e o mundo põe-se a olhar com preocupa-
não era suficiente para livrá-la das maldades de
ção para a maior floresta tropical do planeta, que
seu senhor, um homem devasso e cruel, que, ao
as queimadas afetou.
término da narrativa, acabou recebendo a devida
b) Grande parte dos prejuízos à biodiversidade
punição.
decorrem da combinação de períodos de seca
e) A análise de Antonio Candido mostra que se en-
severa com o desmatamento e queimadas.
contrava, na boca de personagens de Guimarães,
c) Não se vê novidades quando se fala em quei-
tiradas e argumentos abolicionistas, que sinaliza
madas na Amazônia, já que elas ocorrem com
quanto o romancista timbrou em passar da descri-
frequência na região.
ção à doutrina no livro.
d) Dados do Inpe sugerem que, nos últimos anos,
têm havido aumento expressivo no número de fo- 6. IFNMG 2016
cos de incêndio florestal.
e) Em sete anos, a onda de incêndios florestais no Lixo Urbano: Veja como o movimento
Brasil foram maiores, deixando a Amazônia arder dumpster diving aproveita o que
em chamas. desperdiçamos todos os dias
5. Insper-SP 2019 A Escrava Isaura foi composta fora do Conhecido como dumpster diving, o movimento busca
enquadramento habitual dos outros romances e é algo compartilhar restos alimentícios a fim de acabar com a
excêntrica em relação a eles: conta as desditas de uma es- fome das pessoas
crava com aparência de branca, educada, de caráter nobre,
Diariamente, toneladas de comidas são jogadas fora
vítima dum senhor devasso e cruel, terminando tudo com
em todo o mundo. De acordo com dados da Organização
a punição dos culpados e o triunfo dos justos. A narrati-
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura,
va se funda em pessoas e lugares alheios à experiência de
cerca de um terço de todos os alimentos produzidos no
Bernardo Guimarães – fazenda luxuosa de Campos, a cida-
5 mundo, avaliados em um trilhão de dólares, é malgasto
de do Recife – reclamando esforço aturado de imaginação.
a cada ano.
O resultado não foi bom: o livro se encontra mais próximo
É comum que em restaurantes, feiras e supermercados
das lendas que dos outros romances, quando o seu próprio
algumas embalagens com produtos alimentícios sejam
caráter de tese requeria maior peso de realidade.
descartadas por estarem danificadas ou perto da data de
O malogro da obra é devido em parte à tese que
10 vencimento. Já em residências, as pessoas consomem mais
desejou expor, e que faz da construção novelística mero
do que precisam e acabam desperdiçando alimentos em
pretexto, já que não soube transcender o tom esquemá-
ótimas condições de uso.
tico, de parábola. Mas, considerada a situação brasileira
do tempo, daí provém igualmente o alcance humano e Foi neste contexto que surgiu o dumpster diving. Cada
social que consagrou o livro, destacando-o como panfleto vez mais conhecido e com mais adeptos, o movimento é
corajoso e viril, que pôs em relevo ante a imaginação po- 15 composto por “mergulhadores de lixeiras”, que buscam
pular situações intoleráveis de cativeiro. Numa literatura restos de comidas – como pão, chocolate, verduras – e
tão aplicada quanto a nossa, não é qualidade desprezí- compartilham os achados, gratuitamente, para saciar a
vel. Tanto mais quanto o romancista timbrou em passar fome das pessoas.
da descrição à doutrina, pondo na boca de personagens O movimento nasceu em Nova Iorque, mas se tornou
(sobretudo na parte decorrida em Recife) tiradas e argu- 20 popular na Europa graças aos alemães Benjamin Schmitt e
mentos abolicionistas. Helena Jachmann, dois jovens motivados pela indignação
Antonio Candido. Formação da literatura brasileira, 2000. Adaptado. ante o desperdício de toneladas de comida. Para facilitar
e otimizar o compartilhamento de comida, a dupla conta
O enunciado que está em conformidade com a norma- com um site, que em 2013, após seis meses no ar, já con-
-padrão de concordância é: 25 tava com aproximadamente 8 200 usuários cadastrados.
a) A base da narrativa do livro A Escrava Isaura A prática de mergulho no lixo, que também é conhe-
compõem-se de pessoas e lugares alheios à expe- cida como bin-diving, containering, DMart, dumpstering,
riência de Bernardo Guimarães — fazenda luxuosa tatting, skipping ou recycled food, enfrenta muitos proble-
de Campos, a cidade do Recife —, e isso reclama, mas, já que existem inúmeros argumentos que vão contra
na leitura, esforço aturado de imaginação. 30 o movimento.
58 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 58 05/04/2024 15:10:49
Movimento contra na literatura nacional. Mas, ah, não em cartilhas, gramáti-
Isso porque, os praticantes estão expostos a riscos para cas, manuais! O que os portugueses iriam pensar de nós?
a saúde. Além disso, alguns países têm legislações rigoro- (Adaptado de: RODRIGUES, Sérgio. Folha de São Paulo, 07/09/22)
sas, que preveem penas e multas para quem revira o lixo
As normas de concordância verbal estão plenamente
35 alheio e se apossa de itens que pertenciam a outra pessoa.
respeitadas na frase:
Outro ponto defendido por especialistas, na área de
a) Não se confundam os usos de uma língua com as
saúde e alimentícia, é de que muitos varejistas deveriam
vender o estoque que vai para o lixo a preços reduzidos. postulações rígidas de uma gramática.
Os mesmos, no entanto, afirmam que o risco é maior para b) Aos usos de uma língua não se devem aplicar o
40 eles, já que as pessoas que comprarem o produto podem que recomenda um purista exigente.
estar expostas a riscos de saúde. c) O emprego dos pronomes, em muitos casos, cos-
Disponível em: www.pensamentoverde.com.br/atitude/lixo-urbano-veja- tumam ser livres entre grandes mestres.
como-o-movimento-dumpster-diving-aproveitao-que-desperdicamos- d) Em expressões como “se liga” e “arroz de festa”
todos-os-dias/. Acessado em: 27 ago. 2015. (Adaptado)
revelam-se certa informalidade do autor.
Em “... cerca de um terço de todos os alimentos produ- e) É possível que ocorram em certos manuais o uso
zidos no mundo, avaliados em um trilhão de dólares, é de exemplos de uma língua artificial.
malgasto a cada ano.” (linhas 4-6)
8. UFVJM-MG 2016 Assinale a alternativa em que a con-
Marque a opção CORRETA:
cordância verbal está incorreta.
a) Há possibilidade de utilização de singular ou plu-
a) Os EUA decretaram guerra contra o tabagismo.
ral para concordar com a palavra ”alimentos”.
b) Setenta por cento das pessoas gostariam de
b) Se a expressão “cerca de um terço” fosse substi-
comprar um carro.
tuída pela expressão “a maior parte de todos os
c) Fazem dez dias que tudo ficou acertado, mas
alimentos...”, admitir-se-ia somente o plural.
nada ainda fora feito.
c) Se a expressão “cerca de um terço” fosse substi-
d) O sol, o vento forte e a falta de chuva, tudo preju-
tuída pela expressão “a maior parte de todos os
dicava a plantação de soja.
alimentos...”, admitir-se-ia somente o singular.
d) Há concordância verbal porque no caso de su- 9. USF-SP 2017 (Adapt.)
jeito com expressão “cerca de”, o verbo deve
concordar com o numeral.
Nova função para um antigo aliado
Enquanto a indústria farmacêutica aposta suas fichas
7. PUC-Campinas 2023 no desenvolvimento de medicamentos cada vez mais
sofisticados (e caros) para o combate à depressão, pes-
A independência que falta fazer quisas brasileiras indicam que um velho conhecido pode
“Existe uma língua oficial emprestada e que não repre- ser bastante útil contra a doença. Especialistas do Depar-
senta nem a psicologia, nem as tendências, nem a índole, tamento de Bioquímica da Universidade Federal de Santa
nem as necessidades, nem os ideais do simulacro de povo Catarina (UFSC) avaliam o uso de ácido ascórbico – a
que se chama o povo brasileiro. Essa língua oficial se cha- famosa vitamina C – no tratamento da depressão associada
ma língua portuguesa e vem feitinha de cinco em cinco a processos inflamatórios, presente em parte dos pacientes.
anos dos legisladores lusitanos.” “Para cada doença de cunho inflamatório, como
O parágrafo acima foi escrito há quase cem anos diabetes, asma e obesidade, existe uma porcentagem
por Mário de Andrade (1893-1945) para tratar de uma de aumento de chances de desenvolver depressão. No
realidade que, na essência, pouco mudou. Uma parcela caso de processos inflamatórios crônicos, essas chances
enorme dos brasileiros acha que aqui falamos – errado, aumentam”, explica a bioquímica Ana Lúcia Rodrigues,
claro – uma língua que não nos pertence. Como explicar que apresentou os resultados obtidos por seu grupo de
esse delírio coletivo? pesquisas no 31o encontro da Federação Brasileira de So-
Não se trata de uma dependência formal. Insidiosa, ciedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizado de
ela se manifesta por exemplo em salas de aula toda vez 29 de agosto a 1o de setembro em Foz do Iguaçu (PR).
que uma criança leva cascudos ao escrever numa reda- “Temos um conjunto de evidências que (1) dão uma boa
ção sobre as férias: “Me diverti muito”. Se divertiu, não: indicação de que o ácido ascórbico pode ser efetivo nesses
divertiu-se! Logo lhe ensinam que pronome oblíquo átono casos”, acredita a pesquisadora, coautora de um artigo
em início de frase é crime. Crime hediondo, aliás, visto sobre o tema publicado em julho deste ano no periódico
não prescrever nunca. De nada adiantou o poeta barroco Pharmacological Reports.
Gregório de Matos (1636-1696) ter tido o topete de es- Com trabalhos sobre os processos moleculares envol-
crever um verso como este quando ainda éramos colônia: vidos na depressão publicados regularmente nos últimos
“Vos dou os parabéns”. anos, o grupo da UFSC trabalha com a substância apli-
Às vezes o Brasil é meio lento. Se liga: língua é o que cada em ratos, que são tratados para desenvolver um
as pessoas falam e escrevem, postulado básico do qual comportamento semelhante ao de indivíduos deprimidos.
decorre que gramáticos e demais sábios devem ir atrás dela A lógica por trás da escolha do ácido ascórbico está re-
FRENTE 1
e não o contrário. Do Modernismo em diante, o pronome- lacionada a uma série de mecanismos moleculares que,
zinho abre-alas que ajuda a fazer um país (um exemplo acredita-se, podem entrar em ação no desenvolvimento
entre tantos de brasileirice desprezada) virou arroz de festa da depressão. “Existem vários marcadores inflamatórios
59
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 59 05/04/2024 15:10:49
ativados no cérebro de uma pessoa com depressão”, Em primeiro lugar, há espaços protegidos criados por
diz Rodrigues. “Nosso grupo trabalha para diminuir a lei, correspondentes às limitações e à utilização da pro-
neuroinflamação e compreender os moduladores do priedade privada – é o caso das áreas de preservação
neurotransmissor glutamato, que (2) têm sido alvo de permanente e de reserva legal. Em segundo lugar, há
investigação para fármacos com efeito antidepressivo”, espaços protegidos criados por ato dos proprietários, as
completa. RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural) e
Disponível em: www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/4877/n/nova_ as servidões ambientais. Por último, há os espaços pro-
funcao_para_um_antigo_aliado. Acesso em: 22/09/2016. tegidos criados por ato do poder público, que são as
Quais são os referentes dos pronomes relativos (1) e unidades de conservação e as áreas de interesse ecoló-
(2) destacados no texto? Explique sua resposta com gico. Cada um desses espaços protegidos submete-se a
base na relação de concordância verbal estabelecida um regime de proteção, correspondente a uma finalidade
entre esses pronomes e os verbos das orações adje- socioambiental fixada pela legislação.
A definição de espaços protegidos é uma estratégia de
tivas que eles iniciam.
proteção ambiental de escolhas radicais. Trata-se de uma
10. Acafe-SC 2017 (Adapt.) Complete as lacunas das fra- limitação de usos do território que, na maior parte das
ses a seguir. vezes, é feita sem considerar a necessária equalização de
interesses sobre o território, causando conflitos excessivos
1. O empresário desistiu da compra depois de e desnecessários. É evidente que a criação de unidades
ter sido informado de que naquele terreno já de conservação, por exemplo, pode se mostrar importante
________ várias invasões. ferramenta para a conservação da biodiversidade e para
2. Com o forte vento da noite passada, _________ a manutenção de processos ecológicos. A imposição dos
algumas frutas maduras. seus limites sob o território não pode ser feita, no entanto,
3. Não _________ projetos prontos, apenas esbo- como mera regra de exclusão das populações locais e
ços mal-acabados de desejos sem planejamento. situadas em seu entorno.
4. Em geral, ____________ muitos problemas com Essa situação mostra-se agravada quando a imposi-
um simples sorriso. ção de proibições, embargos ou limites absolutos é feita
5. Na passeata dos trabalhadores, _____________ pelo poder judiciário, nos termos de um conflito limitado
protestos contra a corrupção. ao presente nos autos de um processo judicial, no qual
6. É necessário um esforço de todos para que a participação limita-se às partes, sem, necessariamente,
sempre se ___________ continuamente as me- considerar todas as populações envolvidas na decisão e
lhorias, acima de tudo pensando no desenvolvi- impactadas pelo precedente. Na maior parte das vezes,
mento sustentável. o judiciário impõe soluções de ruptura, que não podem
contemplar vias alternativas, considerando a peculiaridade
Considerando a concordância verbal, a alternativa do fato ou as tecnologias disponíveis para conciliar os inte-
correta é: resses ambientais com os da sustentabilidade.
a) aconteceram – caiu – existem – resolve-se – de- Diferentemente do que acontece com a definição
verão haver – busque dos espaços protegidos, que é uma previsão estática de
b) aconteceu – caíram – existem – resolve-se – de- limitação de usos, a sustentabilidade necessita de uma
verá haver – busquem governança dinâmica, que possa equilibrar riscos e al-
c) aconteceram – caíram – existem – resolvem-se – terações da situação ambiental com benefícios sociais
deverá haver – busquem das intervenções humanas no ambiente. Essa análise é
d) aconteceram – caíram – existe – resolvesse – de- incompatível com regras predefinidas, estanques, ou com
verá haver – busque a solução binária decorrente dos processos judiciais.
BUENO, Francisco de Godoy. A gestão de espaços ambientais
11. IFPE 2019 protegidos. Jornal Gazeta do Povo. Publicado em 22 maio 2019.
www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-gestao-de-espacos-
A gestão de espaços ambientais protegidos ambientais-protegidos/. Acesso em: 25 maio 2019 (adaptado).
O meio ambiente é um bem de uso comum do povo. As regras de concordância promovem, em um texto,
Deve o poder público e a coletividade defendê-lo e preser- a correspondência harmoniosa entre as palavras e as
vá-lo. Quanto ao poder público, incumbe, especialmente, expressões que o compõem; e as regras de regência,
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais; por sua vez, tratam das relações de dependência en-
prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; tre os termos que formam a oração e entre as orações
preservar a diversidade e a integridade do patrimônio que o constituem. Sobre sintaxe de concordância e
genético do país; dentre outras medidas. Nesse intuito, de regência, analise as proposições a seguir, acerca de
destaca-se como medida de execução desse dever a de- trechos do texto, e assinale a alternativa CORRETA.
finição de espaços territoriais especialmente protegidos.
De fato, a legislação ambiental brasileira é pródiga I. Em “há espaços protegidos criados por ato dos
em estabelecer uma disciplina territorial, fixando, em proprietários” e em “há os espaços protegidos
áreas de domínio público e privado, espaços protegidos, criados por ato do poder público” (2o parágrafo), o
em que o uso é limitado ou proibido. Em linhas gerais, os verbo haver é impessoal e, portanto, intransitivo,
espaços protegidos são criados por três diferentes formas. podendo, por essa razão, ser grafado no singular.
60 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16.indd 60 10/04/2024 13:37:52
II. No trecho “Deve o poder público e a coletividade Sonhos românticos estão em alta. Há grupos, ge-
defendê-lo e preservá-lo” (1o parágrafo), a forma ralmente evangélicos, que só praticam sexo depois do
verbal em destaque, por estar anteposta ao seu casamento. Ele e ela. O caso mais famoso foi o do jo-
sujeito, pôde ser grafada no singular, concordan- gador Kaká. Parece estranho para a maioria de nós, que
do, apenas, com o núcleo mais próximo. prefere fazer sexo em todas as oportunidades possíveis.
III. Em “Nesse intuito, destaca-se como medida de Mas funciona. O namoro começa com o sonho de en-
execução desse dever a definição de espaços contrar alguém ideal. Continua com o desejo reprimido,
no máximo um beijinho. Quando o sexo acontece, depois
territoriais especialmente protegidos” (1o parágra-
do casamento, é uma explosão. Pode não ser tão bom – o
fo), o elemento destacado poderia ser pluralizado,
sexo, como o esporte, exige prática para melhorar. Mas
concordando, dessa forma, com “espaços territo-
para o casal é o máximo. Existe projeto romântico maior?
riais [...] protegidos”, e não haveria alteração de
Ter alguém único, que nos preencha totalmente, é um
sentido no trecho.
sonho tão forte que a ideia de existir uma “alma gêmea”
IV. Em “há espaços protegidos criados por lei” e em mexe com a gente. Fiz uma novela com esse nome e foi
“há espaços protegidos criados por ato dos pro- um sucesso absoluto na Rede Globo, inclusive na rea-
prietários” (2o parágrafo), se substituíssemos as presentação.
formas do verbo “haver” pelas do verbo “existir”, As pessoas gostam de achar que são duras e realistas.
este deveria ser grafado no plural, por não manter Homem, então, nem se fala. Mas os contos de fadas conti-
a impessoalidade daquele. nuam perpetuamente em alta. O príncipe continua a amar
V. No trecho “a legislação ambiental brasileira é Branca de Neve até quando parece morta, em um caixão
pródiga em estabelecer uma disciplina territorial” de vidro. Na Bela Adormecida, o príncipe a acorda com
(2o parágrafo), a preposição foi utilizada devido à um beijo depois de 100 anos. Sem perguntar se ela tinha
regência do adjetivo que a antecede, funcionan- escova de dentes. Vibramos com essas histórias enquanto
do como elemento de ligação entre esse nome a Disney enriquece! A mulher mais forte sente o coração
e o complemento que ele rege. bater rápido ao imaginar que ainda surgirá alguém que a
compreenda carinhosamente.
Estão CORRETAS, apenas, as proposições Que a tire da torre e permita que seja frágil. Vale o
a) I, II e III. mesmo para o homem forte: às vezes, só deseja uma mu-
b) II, IV e V. lher que lhe dê o direito de chorar. A mesma visão de
c) III, IV e V. mundo foi transposta para o mundo LGTB. Se não fosse
d) I, II e IV. uma vitória da identidade sexual, a questão do casamen-
e) I, III e V. to seria ultrapassada. Muitos casais héteros não fazem
questão das alianças. Mas, para o mundo LGTB, é uma
12. IFTO 2018
conquista. Nas baladas mais fervidas, há dezenas de rapa-
Somos todos românticos zes sem camisa com um sapatinho de cristal escondido em
algum lugar. Alguns nem vão às baladas. Diz um amigo:
Walcyr Carrasco. Revista Época, 21/3/2017.
— Lá, a gente nunca encontra um relacionamento
Ela é feminista. Liberada. Vai à balada, escolhe quem sério.
quer. Mas anda com um sapatinho de cristal na bolsa. Ele Bem, acho difícil descobrir um grande amor pulando
também. Tímido ou pegador, sonha, no fundo, com aquela que nem cabrito na pista.
moça que diz sim a tudo. Os tempos mudaram, as ideias No meio LGTB, sabe-se: o grande sonho do amor
evoluíram. Mas, no íntimo, cada um sonha com um prínci- romântico costuma ser realizado pelas lésbicas. Dizem
pe ou princesa encantado. Um garoto na adolescência faz haver diferença quando dois homens ou duas mulheres
uma divisão clara e cruel. Há as garotas “galinhas”, para passam uma noite juntos. No dia seguinte, entre elas, uma
“pegar”. E as para namorar. As “galinhas” topam relações se muda para a casa da outra. Entre eles? Bem... Nem há
eventuais, porque gostam. Como se gostar de sexo fosse dia seguinte. Relacionamentos entre mulheres costumam
algo negativo. O que ele quer, enfim? Uma difícil. Que, ser mais estáveis e duradouros. Tento explicar. Homens,
além do interesse físico, proporcione o sentimento român- por mais modernos que sejam, são criados como caça-
tico, acalente a ideia de um dia ter lar e filhos. Mesmo que dores. Desejam conquistar. Mulheres, queiram ou não,
seja apenas um sonho distante. Uma amiga comentou, vivem o sonho de Cinderela desde a infância. Quando
desanimada, que, cada vez que saía com alguém, o su- duas Cinderelas se encontram, para que príncipe?
jeito já propunha um motel. Ela ia, por acreditar que era Alguns dos meus amigos recém-separados que co-
o começo de uma relação. Ensinei-lhe a velha regra que nhecem uma mulher logo acreditam:
li em algum texto americano. — Ela não pensa em casar.
— Nunca da primeira ou segunda vez. Só na terceira Sempre aviso:
ou quarta vez que saírem. Ela não viu muito sentido, mas... — Pensa, sim. Chega um tempo que passarinha faz
Era romântica. Queria uma relação. Ele ficou nervoso da ninho. Mulher quer relacionamento estável, mesmo se diz
primeira e da segunda. Na quarta, já estavam namorando. que não. É da natureza humana.
FRENTE 1
E ainda dizia aos amigos. Passarinha? Acho que, no fundo do romantismo, há
— Ela não é qualquer uma. Os amigos se calavam. algo de atávico, parte do modo de ser humano. Certos
Todos já tinham ido com ela ao motel. impulsos vêm de nossa profunda origem animal. Casar-se
61
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 61 05/04/2024 15:10:50
e ter filhos, adotar crianças, fazer ninho, é um deles. b) Em (2), o verbo “ser” poderia concordar com “Es-
O romantismo, em suas diversas formas, é a expressão tudos” e ir para o plural.
máxima da sobrevivência da espécie. c) Em (3), caso o núcleo fosse “problemáticas”, a for-
Quanto à concordância verbal presente no texto, é ma verbal seria “advêm”.
correto afirmar que: d) Em (5), o verbo “ser” fica no singular por se tratar
a) No trecho “Há as garotas ‘galinhas’, para ‘pegar’”, de emprego de voz passiva.
o verbo “haver” tem o sentido de “existir”, deven- e) Em (4), mesmo que o substantivo acompanhando
do, por isso, permanecer na terceira pessoa do o percentual fosse singular, seria mantida a forma
singular, segundo as regras gramaticais. “têm”.
b) Na passagem “Dizem haver diferença quando 14. PUC-RS 2016 As transformações que __________ ocor-
dois homens ou duas mulheres passam uma noi- rido na sociedade contemporânea, em especial a partir
te juntos”, o verbo “dizer”, por concordar com o dos anos 70, __________ propiciando mudanças nas
substantivo “diferença”, teria a concordância cor- relações científicas estabelecidas com o ambiente in-
reta se estivesse no singular, ao invés do plural. ternacional. Um evento norteador das transformações
c) No período “Casar-se e ter filhos, adotar crianças, societais e decisivo para essas mudanças foi a globaliza-
fazer ninho, é um deles”, o verbo “ser” deveria, ção, que __________ fortes evidências do entrosamento
obrigatoriamente, estar no plural, uma vez que o entre ciência e sociedade e __________ a dinâmica
sujeito é composto. de produção do conhecimento, com efeitos no ensino
d) No excerto “Muitos casais héteros não fazem superior sobretudo, realçando a importância da inter-
questão das alianças”, o verbo “fazer” deveria vir nacionalização nas funções de transmitir e produzir
no singular para concordar com o sujeito, “muitos conhecimento.
casais”, classificado, segundo a gramática, como Universidade, ciência, inovação e sociedade.
36o Encontro Anual da ANPOCS. (Texto adaptado)
expressão partitiva.
e) Em “Parece estranho para a maioria de nós, que Assinale a alternativa que completa, correta e respec-
prefere fazer sexo em todas as oportunidades tivamente, as lacunas do texto.
possíveis”, o verbo preferir deveria vir no plural, a) tem – vem – trouxe – alterou
segundo as regras gramaticais, para concordar b) têm – vêm – trouxe – alterou
com a palavra “nós”. c) tem – veem – trouxe – alterou
d) tem – veem – trouxeram – alteraram
13. PUC-PR 2023 O texto a seguir é referência para a e) têm – vêm – trouxeram – alteraram
questão.
Texto para responder às questões 15 e 16.
Os dados da alfabetização no Brasil estão longe de
serem ideais (1). Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra Celular e trânsito não combinam
de Domicílio (Pnad) Contínua Educação de 2019, do IBGE, O uso de celular ao dirigir já é a terceira maior causa
são 11 milhões de brasileiros analfabetos. Mas os dados de mortes no trânsito no Brasil, com 54 mil vítimas ao ano,
preocupam mais ainda quando se fala em analfabetismo segundo dados da Associação Brasileira de Medicina do
funcional – a incapacidade de, mesmo sabendo ler, com- Tráfego (Abramet). Em todo o mundo, autoridades e órgãos
preender e interpretar textos e ideias e fazer operações governamentais se empenham para encontrar novos meios
matemáticas. Estudos estimam que até 29% da população de conscientizar os motoristas sobre o perigo, intensifi-
brasileira seja analfabeta funcional (2) – pessoas que en- cando a fiscalização e as punições. Mas por que, mesmo
contram dificuldades em encontrar emprego, se qualificar mais cientes dos riscos, as pessoas continuam a adotar um
na carreira e até mesmo em organizar a vida e as finanças comportamento que muitas vezes é fatal?
pessoais. Estudos do Center for Internet and Technology Addition,
Muito dessa problemática advém (3) do déficit de nos Estados Unidos, mostram que grande parte dos usuá-
hábito de leitura entre a população brasileira. Segundo rios simplesmente não consegue ignorar os avisos de novas
a pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” divulgada em mensagens ou chamadas mesmo que estejam dedicados a
2020, somente 52% dos brasileiros têm (4) o costume de outras atividades. Segundo os pesquisadores, isso acontece
ler. A média nacional de livros inteiros lidos em um ano porque a expectativa de receber os retornos e atualizações
é (5) de 4,2 livros por pessoa. E entre 2015 e 2019, o país em redes sociais e sua satisfação liberam doses de do-
perdeu 46 milhões de leitores. pamina no cérebro, neurotransmissor responsável pelas
Disponível em: <https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/especial- sensações de euforia, excitação e prazer. Contudo, em
publicitario/prefeitura-municipal-de-jaragua-do-sul/viver-jaragua/ doses elevadas, a substância bloqueia o acesso ao cór-
noticia/2021/11/12/analfabetismo-funcional-atinge-29percent-da-
populacao-brasileira.ghtml>. Acesso em: 04/03/22. tex pré-frontal, onde acontecem as análises e decisões
racionais. Esse tipo de compulsão foi quantificado por um
Acerca das relações de concordância, com base nas levantamento do aplicativo Dscout’s. O monitoramento de
estruturas contidas no texto, assinale a afirmação 94 usuários de smartphones durante cinco dias revelou
CORRETA. que, em média, os participantes tocaram em seus celulares
a) Em (1), o verbo “ser” deveria ficar no singular por 2 617 vezes em um único dia. Para 10% dos usuários, esse
concordar com alfabetização. índice chegou a 5.427 vezes.
62 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 62 05/04/2024 15:10:50
Novas tecnologias podem ajudar a combater esse 17. Unicentro-PR 2018 Sobre as regras gramaticais de
impulso restringindo o acesso ao celular durante os concordância, assinale o que estiver incorreto.
percursos. Ferramentas podem bloquear a entrada de a) Contiveram-se o rapaz e seus familiares durante
notificações e enviar uma resposta automática aos re- o tumulto.
metentes, avisando que o usuário está ao volante naquele b) A maioria dos clientes optaram por retirar o prê-
momento. O software do startup israelense Cellepathy mio em dinheiro.
vai além: combina Inteligência Artificial aos sensores dos c) Naquele dia, fizemos bastantes exercícios de fixação.
equipamentos para identificar e bloquear os aparelhos d) Mesmo com todo trabalho, estávamos menos
quando estiverem dentro de um carro em movimento.
cansados que no dia anterior.
“Nossos clientes hoje são corporações que implementam
e) As condições dos pacientes pioraram muito, o
o recurso nos celulares dos funcionários como parte de
que deixou os médicos bastantes preocupados.
sua política de segurança, mas é algo que devia ser item
obrigatório de fábrica em todos os dispositivos móveis, 18. FGV-SP 2020
assim como aconteceu com os airbags nos carros”, de-
fende o fundador Sean Ir. Uma mulher, da porta de onde saiu o
Adaptado de: https://dialogando.com.br/categoria/comportamento. homem, anuncia-lhe o que se verá
Acesso em: 02/05/2018.
— Compadre José, compadre,
15. UEPG-PR 2020 Assinale o que for correto quanto aos que na relva estais deitado:
elementos que estruturam o texto. conversais e não sabeis
01 No 1o período do 2o parágrafo, a locução verbal que vosso filho é chegado?
“consegue ignorar” está na 3a pessoa do singular Estais aí conversando
em vossa prosa entretida:
para concordar com a expressão “grande parte”
não sabeis que vosso filho
que forma o sujeito da oração.
saltou para dentro da vida?
02 Nos 1o e 2o períodos do 3o parágrafo, o ver- Saltou para dentro da vida
bo “poder” que precede os verbos “ajudar e ao dar o primeiro grito;
“bloquear” estabelece uma condição de pro- e estais aí conversando;
babilidade às ações estabelecidas pelos dois pois sabei que ele é nascido.
últimos verbos citados. João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina.
o
04 A conjunção “contudo” que inicia o 3 período Se, no texto, em lugar de “vosso”, fosse usado o
do 2o parágrafo pode ser substituída por “porém” pronome “teu” ou “seu”, a concordância nos quatro
sem causar comprometimento ao contexto. primeiros versos estaria correta apenas em:
08 O último período do 1o parágrafo foi redigido na a) “Compadre José, compadre, / que na relva está
forma interrogativa, provavelmente para anun- deitado: converse e não sabe / que teu filho é
ciar a resposta que está expressa no parágrafo chegado?”
seguinte. b) “Compadre José, compadre, / que na relva estás
Soma: deitado: conversa e não sabes / que seu filho é
chegado?”
16. UEPG-PR 2020 Assinale o que for correto no que se c) “Compadre José, compadre, / que na relva estais
refere à ortografia, acentuação e concordância verbal deitado: converse e não saiba / que seu filho é
e nominal. chegado?”
01 Dirigir com uma das mãos só é permitido pela d) “Compadre José, compadre, / que na relva está
lei nos casos em que o motorista deve fazer si- deitado: conversas e não saibas / que teu filho é
nal regulamentares de braço, mudar à marcha do chegado?”
veículo ou acionar equipamentos e acessórios e) “Compadre José, compadre, / que na relva estás
do veículo. deitado: conversas e não sabes / que teu filho é
chegado?”
02 Segundo a Polícia Rodoviária, se o condutor estiver
dirigindo a 100 km/h e se distrair com o aparelho 19. PUC-Rio 2023 O processo de colonização do territó-
por quatro ou cinco segundos, tirando os olhos da rio que hoje chamamos de América Latina está marcado
estrada, seguirá cerca de 120 m às cegas. por extremas violências, tanto físicas quanto simbólicas,
04 Com ligações, acesso a Internet e inúmeros praticadas contra os povos originariamente habitantes
aplicativos disponíveis, o uso dos celulares e destas terras. A conjuntura de escravização, a tentativa
smartphones estão entre as inflações de trânsito de desenraizamento, a tomada de terras, a negação da
mais cometidas. identidade indígena e de direitos configuram um geno-
cídio cujas consequências reverberam até hoje, gerando
08 Alto índice de acidentes e mortes estimula o de-
desigualdades nas formas de viver, nos acessos e nos
FRENTE 1
senvolvimento de novas tecnologias para impedir
modos de ser tratado pela população não indígena, em
o uso dos aparelhos ao volante. seu aparato legal, e na sutileza de discursos e práticas
Soma: cotidianas. Para Quijano (2010), podemos falar do fim do
63
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 63 05/04/2024 15:10:50
período colonial, enquanto o domínio da metrópole, situada em outra jurisdição territorial, sobre a colônia, mas precisamos
estar cientes da permanência do que o autor chama de colonialidade do poder, a qual está assentada em uma pretensa
hierarquização das culturas, que privilegia uma em detrimento das demais, instituindo um modelo único a ser seguido, em
uma busca de dominar e aniquilar as diversidades. Conforme o autor, a colonialidade transcende o colonialismo, é mais
profunda, duradoura e impõe-se na intersubjetividade, dominando corpos, sensibilidades e espíritos (Arias, 2011).
Uma das formas como essa opressão se instituiu, por exemplo, foi a imposição do nome que homenageou Américo
Vespúcio ao continente, pelo colonizador, ignorando o fato de que os indígenas já conheciam o nome das terras onde viviam.
Feres (2003) ressalta que o conceito de América Latina data do século XV e, apesar de significar um contraponto ao domínio
da América do Norte, expressa, acima de tudo, um rótulo com implicações psicossociais de cunho racial, segregador, que
desmerece e nega a diversidade cultural e étnica do território.
Vale lembrar que o mesmo foi feito com os nomes próprios dos indígenas, como afirmam Kope-nawa e Albert (2015), os
quais, em sua maioria, foram substituídos por nomes cristãos, cujos significados desconheciam. A perda do nome reflete a tenta-
tiva de apagar a identidade, borrar a memória e negar a história individual e coletiva do indígena e de seus antepassados, o que
denota uma grave marca de violência e desigualdade em nossa história enquanto povo, que nos faz desconhecer nossas raízes.
Adaptado de FEITOSA, Maria Zelfa De Souza; BOMFIM, Zulmira Aurea Cruz. Povos originários em contextos de desigualdade social: afetividade e bem viver
como modos de (re)existência ético-política. Rev. psicol. polít., São Paulo , v. 20, n. 49, p. 719-734, dez. 2020. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519549X2020000300019&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 31 jul. 2022. Adaptado.
a) Identifique o referente do pronome que na segunda linha do texto.
[que hoje chamamos de América Latina]
b) Indique, e corrija, o desvio gramatical encontrado no período abaixo.
A escolha do nome do continente e a mudança de nome de cada indivíduo indígena demonstra uma vontade de
apagar a identidade dos povos que aqui habitavam.
20. Unesp 2016 A questão focaliza um trecho do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078 de 11 de setembro
de 1990).
Art. 6o São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os ricos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos;
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha
e a igualdade nas contratações;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra
práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,
quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências;
IX – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Art. 7o Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de
que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos
nas normas de consumo.
www.planalto.gov.br
Nos trechos “asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade das contratações” (inciso II) e “assegurada a pro-
teção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados” (inciso VII), a análise das concordâncias dos adjetivos em
destaque permite afirmar que
a) apenas a primeira ocorrência está correta. d) as duas ocorrências estão incorretas.
b) apenas a segunda ocorrência está correta. e) as duas ocorrências estão corretas.
c) as duas ocorrências são aceitáveis, mas não corretas.
21. UFVJM-MG 2016 Assinale a alternativa em que a concordância nominal e a justificativa para sua utilização estão
corretas, segundo o português padrão.
a) Já havia bastantes cadeiras na sala. (Por ser classificado como adjetivo nessa oração, bastante deve concordar
em gênero e número com o substantivo que determina.)
64 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 64 05/04/2024 15:10:50
b) Ficamos alertos para atendê-lo quando necessi- característica do movimento realista – Universa-
tasse de ajuda. (Alerta nessa oração é classificada lismo e Cientificismo.
como adjetivo por isso deve concordar em núme- IV. Intertextualidade é quando há “diálogo” de um
ro e gênero com o substantivo.) texto com um ou mais textos, que podem ser ver-
c) Os meninos se encontravam nas piores condições bais, não verbais ou mistos. Assim é possível, por
possível. (Quando “possível” está acompanhado meio de uma releitura, perceber que o texto inicia
de “pior” ele funciona como advérbio devendo e termina com intertextualidade.
permanecer invariável.) V. O romance machadiano é narrado em primeira
d) Precisa de um tempo a só com ele para provar pessoa, possui, portanto, um narrador observador
sua inocência. (A locução “a só” funciona como – Prudêncio, escravo e amigo de Brás Cubas, que
adjetivo devendo flexionar em número para con- fora alfabetizado por Brás e com ele mantinha um
cordar com o substantivo que determina.) diário, resultando na obra que se diz póstuma.
22. Udesc 2023 Quincas Borba leu-me daí a dias a sua Assinale a alternativa que indica a sequência correta.
grande obra. Eram quatro volumes manuscritos, de cem a) V – F – V – V – V
páginas cada um, com letra miúda e citações latinas. O b) V – V– F – V – F
último volume compunha-se de um tratado político, fun- c) F – F – F – V – V
5 dado no Humanitismo; era talvez a parte mais enfadonha d) V – F – F – F – F
do sistema, posto que concebida com um formidável rigor e) F – V – F – V – F
de lógica. Reorganizada a sociedade pelo método dele,
nem por isso ficavam eliminadas a guerra, a insurreição, 23. UEM-PR 2023
o simples murro, a facada anônima, a miséria, a fome, as O que faz o Brasil ter a maior população de
10 doenças; mas sendo esses supostos flagelos verdadeiros
domésticas do mundo
equívocos do entendimento, porque não passariam de
Marina Wentzel
movimentos externos da substância interior, destinados a
não influir sobre o homem, senão como simples quebra Se organizasse um encontro de todos os seus trabalha-
da monotonia universal, claro estava que a sua existência dores domésticos, o Brasil reuniria uma população maior
15 não impediria a felicidade humana. Mas ainda quando que a da Dinamarca, composta majoritariamente por mu-
tais flagelos (o que era radicalmente falso) correspondes- lheres negras, de acordo com a Organização Internacional
sem no futuro à concepção acanhada de antigos tempos, 5 do Trabalho (OIT).
nem por isso ficava destruído o sistema, e por dois mo- Segundo dados de 2017, o país emprega cerca de
tivos: 1o porque sendo Humanitas a substância criadora 7 milhões de pessoas no setor − o maior grupo no mundo.
20 e absoluta, cada indivíduo deveria achar a maior delícia São três empregados para cada grupo de 100 habitantes −
do mundo em sacrificar-se ao princípio de que descende; e a liderança brasileira nesse ranking só é contestada pela
2o porque, ainda assim, não diminuiria o poder espiritual 10 informalidade e falta de dados confiáveis de outros países.
do homem sobre a terra, inventada unicamente para seu Com um perfil predominante feminino, afrodescen-
recreio dele, como as estrelas, as brisas, as tâmaras e o dente e de baixa escolaridade, o trabalho doméstico é
25 ruibarbo. Pangloss, dizia-me ele ao fechar o livro, não era alimentado pela desigualdade e pela dinâmica social
tão tolo como o pintou Voltaire. criada principalmente após a abolição da escravatura no
Fonte: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis p. 145. 15 Brasil, afirmam especialistas. […]
“Ainda hoje o trabalho doméstico é uma das prin-
Analise as proposições em relação à obra Memórias
cipais ocupações entre as mulheres, que são a maioria
Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis, ao Texto,
no setor em todo o mundo, cerca de 80%. No Brasil,
e assinale (V) para verdadeira e (F) para falsa.
permanece sendo a principal fonte de emprego entre as
I. Na oração “nem por isso ficavam eliminadas a 20 mulheres”, diz Claire Hobden, especialista em Trabalha-
guerra, a insurreição, o simples murro, a facada dores Vulneráveis da OIT. […]
anônima, a miséria, a fome, as doenças” (linhas 8 O professor e pesquisador americano David Evan Harris
a 10) a palavra destacada está anteposta a vários é um dos especialistas que defendem que o cenário do
substantivos, que variam quanto ao gênero e ao trabalho doméstico no Brasil atual é herança do período
número, logo o adjetivo pode ser flexionado no 25 escravagista.
masculino plural que não há transgressão às re- “O Brasil foi um dos últimos países do mundo a
gras gramaticais, quanto à sintaxe – concordância acabar com a escravidão. Se olharmos para quem são
nominal. as empregadas, veremos que elas tendem a ser pessoas
II. A leitura da obra leva o leitor a contemplar um ce- de cor”, diz o acadêmico, formado pela Universidade da
nário da sociedade carioca, ressaltando a capital 30 Califórnia em Berkeley, nos EUA, e mestre pela USP. […]
do Estado à época – Rio de janeiro, com contex- Segundo a historiadora e escritora Marília Bueno de
to histórico bastante marcante como a libertação Araújo Ariza, mesmo após a abolição, em 1888, mulheres
FRENTE 1
dos escravos e a Proclamação da República. e homens negros continuaram sendo servos ou escravos
III. O texto apresenta dois motivos, a estrutura que informais, o que também deixou seu legado no mercado
retrata o “1o motivo” (linhas 19 a 21) refere-se à 35 de trabalho. […]
65
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 65 05/04/2024 15:10:50
As domésticas de hoje são majoritariamente afrodes- aspectos – alta incidência de trabalho doméstico e desi-
cendentes porque “justamente eram essas pessoas que gualdade social – estão de alguma forma relacionados.
ocupavam os postos de trabalho mais aviltados na saída Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43120953.
Acesso: 16 mai 2023
da escravidão e na entrada da liberdade no pós-abolição”,
40 afirmou ela à BBC Brasil. Assinale o que for correto.
A ideia de ter um servo na família era muito comum, 01 Em “Se organizasse um encontro de todos os seus
mesmo entre quem não era rico e vivia nas regiões semiur- trabalhadores domésticos” (linhas 1 e 2), o valor de
banas do século 19, segundo Ariza. condicionalidade expresso na oração seria manti-
“A escravidão brasileira foi diversa, mas foi sobretudo do com a substituição de “se” por ainda que.
45 uma escravidão de pequena posse. No Brasil, todo mundo
02 No trecho “permanece sendo a principal fonte de
tinha escravos. Quando as pessoas tinham dinheiro, elas
emprego entre as mulheres” (linhas 19 e 20), o
compravam escravos com muita frequência.” […]
sujeito elíptico aponta para a expressão antece-
“Racismo estrutural” dente “o trabalho doméstico” (linha 16).
Ariza acredita que o Brasil do século 21 herdou do 04 Em “acabar com a escravidão” (linha 27), a substi-
50 passado colonial, imperial e escravista uma “profunda tuição de “acabar” por abolir não exige alteração
desigualdade na sociedade que não foi resolvida” e “um em termos de regência verbal.
racismo estrutural”. 08 A expressão “quaisquer direitos” (linha 57) apre-
“Essas duas coisas combinadas nos levam a um qua- senta um caso de ausência de concordância
dro contemporâneo que usa racionalmente o trabalho nominal, pois “quaisquer” não traz a desinência
55 doméstico porque ele é mal remunerado e, até recen- de plural -s exigida por “direitos”.
temente, não tinha quaisquer direitos reconhecidos”, 16 Em “Já que o trabalho formal é um meio de as-
resume. […] censão” (linha 63), a locução conjuntiva “Já que”
“Apesar dos esforços dos governos recentes em trazer expressa relação semântica de causa.
essas empregadas para a formalidade, o que se vê hoje é o
60 aumento da informalidade”, pondera o professor e doutor Soma:
em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
24. UFRGS 2019
(UFRJ) Carlos Eduardo Coutinho da Costa. […]
“Já que o trabalho formal é um meio de ascensão, as Cena 1
oportunidades nesse âmbito foram administradas por um Em uma madrugada chuvosa, um trabalhador residen-
65 viés racial, no qual negros foram encaminhados aos postos te em São Paulo acorda, ao amanhecer, às cinco horas,
inferiores, mais precarizados, para que não evoluíssem toma rapidamente o café da manhã, dirige-se até o carro,
economicamente”, diz Coutinho da Costa. […] acessa a rua, e, como de costume, faz o mesmo trajeto
5 até o trabalho. Mas, em um desses inúmeros dias, ouve
Desigualdade
pelo rádio que uma das avenidas de sua habitual rota
Em sua tese de mestrado na USP, o pesquisador ameri-
está totalmente congestionada. A partir dessa informação e
70 cano David Evan Harris comparou a relação da sociedade
enquanto dirige, o trabalhador inicia um processo mental
com os trabalhadores domésticos no Brasil e nos Estados
analítico para escolher uma rota alternativa que o faça
Unidos. Para ele, em ambos os países os empregados são
10 chegar à empresa no horário de sempre.
explorados, apesar das diferenças culturais.
Para decidir sobre essa nova rota, ele deverá consi-
No Brasil, diz Harris, predomina o discurso da derar: a nova distância a ser percorrida, o tempo gasto no
75 proximidade afetiva, na qual a empregada é tratada “pra- deslocamento, a quantidade de cruzamentos existentes em
ticamente como se fosse alguém da família”. Já nos EUA, cada rota, em qual das rotas encontrará chuva e em quais
elas costumam ser terceirizadas e recrutadas via empresas 15 rotas passará por áreas sujeitas a alagamento.
de serviços de limpeza. Essa profissionalização daria o
distanciamento necessário para que a “culpa” e o “cons- Cena 2
80 trangimento moral” das famílias americanas por causa da Mais tarde no mesmo dia, um casal residente na
desigualdade social fossem mitigados. mesma cidade obtém financiamento imobiliário e decide
“Se formos observar os diferentes países ao redor do pela compra de um apartamento. São inúmeras opções de
mundo e quantos serviçais eles têm, ou quão predomi- 20 imóveis à venda. Para a escolha adequada do local de sua
nante a ocupação doméstica é, veremos, grosso modo, morada em São Paulo, o casal deverá levar em conta, além
85 que o número de empregadas por porcentagem da po- do valor do apartamento, também outros critérios: variação do
pulação corresponde ao nível de desigualdade daquele preço dos imóveis por bairro, distância do apartamento
país”, afirma Evans. até a escola dos filhos pequenos, tempo gasto entre o
“Há dois fatores majoritários que são muito importan- 25 apartamento e o local de emprego do casal, preferência
tes para avaliar se um país vai ter uma grande população por um bairro tranquilo e existência de linha de ônibus
90 de serviçais. Primeiro, desigualdade e, segundo, acesso à integrada ao metrô nas proximidades do imóvel – entre
educação de qualidade pública, para que as pessoas con- outros critérios.
sigam alcançar oportunidades que vão além do trabalho Essas duas cenas urbanas descrevem situações co-
doméstico.” […] 30 muns pelas quais passam diariamente muitos dos cidadãos
A OIT não chega a afirmar que haja uma dinâmica residentes em grandes cidades. As protagonistas têm em
95 de causa e consequência, mas reconhece que ambos os comum a angústia de tomar uma decisão complexa,
66 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 66 05/04/2024 15:10:50
escolhida dentre várias possibilidades oferecidas pelo es- que procurasse. Milhares de pessoas faziam do hábito de
paço geográfico. Além de mostrar que a geografia é vivida frequentar os sebos um vício permanente: não imaginavam
35 no cotidiano, as duas cenas mostram também que, para ficar sem visitá-los uma ou mais vezes por semana.
tomar a decisão que lhes seja mais conveniente, nossas Entremos neste, um dos últimos que vão resistindo
protagonistas deverão realizar, primeiramente, uma análise à supremacia da internet. É um estabelecimento grande,
geoespacial da cidade. Em ambas as cenas, essa análise com muitos ácaros, sim, mas apinhado de livros que o
se desencadeia a partir de um sistema cerebral composto proprietário e seus funcionários buscaram ordenar por
40 de informações geográficas representadas internamente assunto. Nas prateleiras da entrada há ficção científica e
na forma de mapas mentais que induzirão as três prota- compêndios de autoajuda. Misticismo e literatura policial
gonistas a tomar suas decisões. Em cada cena podemos seguem oferecendo o que costuma interessar às multi-
visualizar uma pergunta espacial. Na primeira, o traba- dões. Mas logo surgem lições de física, da newtoniana à
lhador pergunta: “qual a melhor rota a seguir, desde este einsteiniana, onde se pode aprender algo sobre entropia
45 ponto onde estou até o local de meu trabalho, neste ho- e buracos negros, a teoria cosmológica do big bang e
rário de segunda-feira?” Na segunda, o questionamento os princípios da relatividade. Adiante, com um pouco de
seria: “qual é o lugar da cidade que reúne todos os critérios sorte, você se depara com uma boa edição de A origem
geográficos adequados à nossa moradia?” das espécies, do mestre Darwin, ao lado de uma apostila
A cena 1 é um exemplo clássico de análise de redes, com explicações e questões sobre genética.
50 enquanto a cena 2 é um exemplo clássico de alocação Num cantinho entre as estantes há objetos igualmente
espacial – duas das técnicas mais importantes da análise envelhecidos, não sei se para vender ou só decorar: uma
geoespacial. ampulheta, uma espátula para abrir folhas coladas, uma
A análise geoespacial reúne um conjunto de métodos bússola, um mata-borrão de madeira, uma caixinha de metal
e técnicas quantitativos dedicados à solução dessas e de para rapé (assim me informou o dono). Já no corredor se-
outras perguntas similares, em computador, cujas respostas guinte estão as obras de literatura. Lendo títulos e nomes de
55
autores, não há como não ver passar diante dos olhos qua-
dependem da organização espacial de informações geo-
dros da História, universal ou nacional: a mitologia grega,
gráficas em um determinado tempo. Dada a complexidade
Adriano e o império romano, os poemas épicos, as sombras
dos modelos, muitas técnicas de análise geoespacial foram
da Inquisição em O nome da rosa, a saga dos navegantes
transformadas em linguagem computacional e reunidas,
portugueses em Os Lusíadas, a ação da Companhia de Jesus
60 posteriormente, em um sistema de informação geográfica.
no Brasil colonial, a Inconfidência mineira recontada nos
Esse fato geotecnológico contribuiu para a popularização
versos de Cecília Meireles, a abolição da escravatura can-
da análise geoespacial realizada em computadores, que
tada por Castro Alves, poetas e prosadores do Modernismo
atualmente é simplificada pelo termo geoprocessamento.
de 22, os romancistas de 30... Alguma preocupação com a
Adaptado de: FERREIRA, Marcos César. Iniciação à análise geoespacial:
teoria, técnicas e exemplos para geoprocessamento. ordem cronológica, no caso da Literatura Brasileira, revela
São Paulo: Editora UNESP, 2014. p. 33-34. que passou por aqui algum aluno de Letras...
Vejo com alguma nostalgia o destino das grandes en-
Se a palavra informações (l. 40) fosse substituída pela ciclopédias: quem as comprará agora, tendo o Google ao
expressão um dado, quantas outras palavras seriam alcance de um toque numa tecla? Quando menino ia à
alteradas no segmento das linhas 38 a 42 para fins de casa de um vizinho que dispunha de uma grande enciclo-
concordância? pédia (creio que a Mirador) para me ajudar em trabalhos
a) 1. c) 3. e) 5. escolares, que iam desde a erosão do solo ao levantamento
b) 2. d) 4. dos nossos recursos hídricos, dos vários ciclos econômicos
da nossa história à importância das imigrações de estran-
25. EEAR-SP 2023 Assinale a alternativa em que há erro geiros nos séculos XIX e XX. O vizinho gostava de me
de concordância nominal. ajudar, baforando o cachimbo perfumado e consultando
a) As pessoas viram no céu o dirigível e a aeronave os volumes com os óculos de lentes grossas. Minha “pes-
movidas a querosene. quisa” era, quando muito, uma glosa do que achava na
b) Estudam territórios e reservas e registram-nos em enciclopédia, quando não uma cópia descarada...
modernos equipamentos. O bom cheiro de café toma conta do sebo. Vejo que
c) Fizeram parte de nossa longa viagem vários itine- usaram um velho coador de pano, talvez para acompanhar
rários e etapas bastante tranquilos. a idade dos livros... Enquanto me sirvo reparo numa estan-
d) A cultura da cana carrega, desde tempos coloniais, te diferente, fechada com portas de vidro. O dono do sebo
as imagens negativa e exploratória do trabalho. me explica que são obras raras, ou porque autografadas
pelos autores, ou por serem uma edição com valor especial
26. PUC-Campinas 2018 – como a de um exemplar de Grande sertão: veredas, de
1956, dedicado afetuosamente por Guimarães Rosa a um
Visita a um sebo amigo diplomata, seu antigo colega alemão da época da
Quem quiser hoje adquirir um livro usado, ou uma II Guerra. Quando lhe perguntei como é que um livro
edição rara, consulta na internet sites especializados, onde como aquele tinha ido parar ali, o dono só piscou: “segre-
há milhões de títulos para entrega em casa. Até pouco dos do ofício, segredos da minha garimpagem...”
FRENTE 1
tempo atrás o interessado deveria percorrer os “sebos” – O melhor de um sebo talvez sejam as “pechinchas”: uma
livrarias de publicações usadas –, sujar os dedos, entupir boa antologia de poetas arcádicos ou uma bem apresentada
as narinas de pó e contar com muita sorte para achar o história das Revoluções do século XVIII saem por menos
67
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 67 05/04/2024 15:10:50
do que custa um ingresso de cinema. Gosto também de ler 28. PUC-Campinas 2019
marginálias, essas notas que os leitores mais participativos
acrescentam às páginas, a lápis ou a tinta: “Esse Maquiavel A vida ao rés do chão
tem cada uma”, “Implacável análise do neoliberalismo”, A crônica não é um “gênero maior”. Não se imagina
“É assim que se resume a ação dos bolcheviques?”, “Sem uma literatura feita de grandes cronistas, que lhe dessem
base esse argumento contra os insumos químicos” etc. etc. o brilho universal dos grandes romancistas, dramaturgos
Acabo saindo sem comprar muita coisa: um livro já e poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel
clássico sobre Machado de Assis, um velho manual de a um cronista, por melhor que fosse. Portanto, parece
culinária (para um amigo que se julga um chef) e uma mesmo que a crônica é um gênero menor.
História da Pintura que há tempos vinha procurando. É “Graças a Deus”, seria o caso de dizer, porque sen-
possível que o advento da internet tenha me deixado mais do assim ela fica mais perto de nós. E para muitos pode
preguiçoso: ouço música, encontro artigos, me informo, servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve
discuto, edito, posto, tudo pelo computador. Mas tenho, de perto, mas para a literatura. Por meio dos assuntos, da
ainda, um pé nos sebos: são como que despojos de um composição solta, do ar de coisa sem necessidade que
museu que se oferecem ao visitante; são pegadas finais de costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo dia.
uma época em que os livros eram encarregados de enca- Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização lhe
dernar as páginas aonde íamos perseguir conhecimento, permite preservar certa profundidade de sentido e certo
informação, propostas políticas, sonhos, dados, roteiros, acabamento de forma. O fato de ficar tão perto do dia
análises, súmulas, tratados, manifestos, confissões... a dia age como quebra do monumental e da ênfase –
Num sebo, esse caos se organiza de alguma forma riscos de excessos que outros gêneros literários correm
para que um leitor, se promovido a explorador, quem sabe com frequência.
encontre algum tesouro. No Brasil ela tem uma boa história, como a de José
Gervásio Pereira Neves, inédito.
de Alencar na seção de jornal “Ao correr da pena”. Nesse
Palavras do texto inspiraram as frases que seguem, mesmo século XIX, nas crônicas de Machado de Assis
que devem, entretanto, ser consideradas independen- notava-se o corte elegante de um artigo lúcido e leve.
tes dele. A redação que está clara e em concordância No decênio de 30 do século XX, a crônica moderna se
com a norma-padrão da língua é: consolidou no Brasil como um gênero bem nosso, culti-
a) Até a pouco tempo, não seria viável, na maior vado por um número crescente de escritores, como Mário
parte dos estados brasileiros, as compras que a de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de
Andrade. Nesse período, apareceu aquele que de certo
internet propicia, mas isso não implica que a venda
modo seria “o” cronista, voltado de maneira exemplar e
de livros foi irrelevante.
praticamente exclusiva para esse gênero: Rubem Braga.
b) Proprietários de sebo lhe convenceram em ser re-
Parece às vezes que escrever crônica obriga a uma
presentante do grupo, sob a condição de receber
certa comunhão, produz um ar de família que aproxima
apoio quando houvesse algum evento do setor, os autores num nível acima da sua singularidade e das suas
mesmo que ele os avisasse a última hora. diferenças. É que a crônica brasileira bem realizada (que
c) Misto de depósito de obras usadas e de espaço a evidentemente em nada impede a verticalidade da ficção
explorar, os sebos teimaram em permanecer pela de Clarice Lispector ou a monumentalidade da prosa de
cidade, a lembrar que sempre houve quem se dis- um Guimarães Rosa) participa de uma língua-geral lírica,
pusesse a incluí-los entre suas rotas obrigatórias. irônica, casual, ora precisa, ora vaga, amparada por um
d) Acredito que ela tinha ido ajudá-lo, sim, na orga- diálogo rápido e certeiro, ou por uma espécie de monó-
nização das obras, se alguém tivesse dito que ele logo comunicativo.
tinha urgência disso, pois, sempre era gentil com
ela, intervia a seu favor, quando a criticavam. rés de: próximo de.
e) Meio constrangida, porque não quis assinar os
Adaptado de: CANDIDO, Antonio. Recortes. São Paulo:
dois últimos abaixo-assinado que circularam entre Companhia das Letras, 1993, p. 23-29, passim.
os sebos, dissimulou o mal-estar tentando pôr os
livros aonde ficassem mais visíveis ao interessado. As frases que seguem foram motivadas por palavras
do texto, mas devem ser analisadas independente-
27. UFSC Marque a única frase em que a concordância mente dele. A redação que se apresenta clara e em
nominal aparece de maneira inadequada. concordância com a norma-padrão da língua é:
a) Obrigava sua corpulência a exercício e evolução a) Ele que assume sua responsabilidade pelo confli-
forçada. to que instaurou, voluntaria ou involuntariamente,
b) Obrigava sua corpulência a exercício e evolução pois em nenhum momento buscou a serenidade
forçados. que se exige de um diálogo bem-intencionado.
c) Obrigava sua corpulência a exercício e evolução b) Dizem que atribuímos aquele estagiário os erros
forçadas. apontados pelos revisores nas últimas páginas do
d) Obrigava sua corpulência a forçado exercício e documento, mas isso não procede: muitos foram
evolução. os que acrescentaram ou suprimiram linhas; por
e) Obrigava sua corpulência a forçada evolução e isso, vários terão de se apresentarem para refazer
exercício. o trabalho.
68 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 68 05/04/2024 15:10:50
c) Sendo aquela uma boa história, ou não, o fato é Considerando as normas da língua padrão sobre con-
de que não devemos levar em conta depoimen- cordância verbal, é correto o que se afirma em:
tos de cuja consistência se possa duvidar, sob o a) Somente nas frases IV, V e VI todos os verbos
risco de termos nossas ações questionadas e no concordam com os respectivos sujeitos.
limite, impugnadas. b) Os verbos “resume” e “apresenta”, nas frases II e
d) Reconheço que nem sempre ajo sensatamente III, concordam com os respectivos sujeitos, a sa-
com discursos que buscam em vez de esclarecer ber: Juca Jacu e Ministério da Agricultura.
fatos e disposições de espírito, apontar minúcias c) Todas as frases contêm verbos que não concor-
irrelevantes, que, contrariamente, mais tornam dam com os respectivos sujeitos.
obscuros seu entendimento. d) Apenas as frases I e IV estão incorretas.
e) Embora grande parte de escritores com que as
jovens dialogaram tivesse sido capaz de sen- 31. IFPR 2020 O texto a seguir é parte de uma entrevista
sibilizá- las a ler cada vez mais, não somente dada a um jornal de grande circulação, cujo assunto
crônicas, mas também romances, peças de teatro era o nível de educação no Brasil.
e poemas, algumas disseram temer o desafio que Segundo Claudia, isso se dá, principalmente, por-
textos mais densos possam representar. que grande parte opta pela educação técnica com
intenção secundária, e o torna uma espécie de “cursi-
29. EEAR-SP 2023 Leia o texto abaixo e avalie os comen- nho pré-vestibular”.
tários sobre a concordância. BARONE, Isabelle. Existe salvação fora da universidade? In:
Cerca de duzentas milhões de pessoas visitaram Gazeta do Povo, ano 101 no 31.994, 22 a 28 jun 2019, p. 35.
aquelas grutas desde que foram abertas à visita- Há no texto da entrevista um problema de concordân-
ção. Esse grande fluxo passou a requerer restrição cia. Marque, entre as alternativas a seguir, aquela que
no acesso, já que existe pessoas que desrespeitam corrige o problema citado.
as regras de preservação do local, e o número de a) Segundo Claudia, isso se dá, principalmente, por-
fiscais é insuficiente para a demanda. Quando se que grande parte opta pela educação técnica
tratam de questões ambientais, os cuidados preci- com intenção secundária, e a torna uma espécie
sam ser redobrados. de “cursinho pré-vestibular”.
I. O certo é duzentos milhões, já que milhão é pala- b) Segundo Claudia, isso se dá, principalmente, por-
vra masculina. que grande parte opta pela educação técnica
II. O correto é existem porque o sujeito é pessoas, com intenção secundárias, e o torna uma espécie
no plural. de “cursinho pré-vestibular”.
III. O verbo tratar deveria estar no singular porque é c) Segundo Claudia, isso se dava, principalmente,
transitivo indireto acompanhado do pronome se, porque grande parte opta pela educação técnica
que é índice de indeterminação do sujeito. com intenção secundária, e o torna uma espécie
de “cursinho pré-vestibular”.
Está correto o que se afirma em
d) Segundo Claudia, isso se dá, principalmente, por-
a) I, II e III. c) I e III somente.
que grande parte optam pela educação técnica
b) I e II somente. d) II e III somente.
com intenção secundária, e o torna uma espécie
30. Acafe-SC 2018 Analise as frases a seguir. de “cursinho pré-vestibular”.
I. Visto que houve poucas inscrições até a presente 32. UFMG 2019 Leia o excerto para resolver a questão.
data, é provável que vai sobrar vagas.
Em 1988, ano em que o Sistema Único de Saúde (SUS)
II. Juca Jacu é um personagem ilhéu, maravilhoso
foi criado, não havia muitos hospitais públicos no país [...]
modelo de carne e osso onde se resume todas as
características da espécie tabajara. Assinale a alternativa cujo verbo em negrito substitui o
III. De acordo com informações prestadas pelo verbo havia do excerto original, mantendo a concor-
Ministério da Agricultura, 10% dos produtos agrí- dância lógica gramatical do português padrão.
colas comercializados no Brasil não apresenta a) Em 1988, ano em que o Sistema Único de Saúde
certificação sanitária. (SUS) foi criado, não existia muitos hospitais pú-
IV. As divagações metafísicas e a expressão de uma blicos no país.
angústia existencial compõe o ponto forte da po- b) Em 1988, ano em que o Sistema Único de Saúde
esia de Augusto dos Anjos. (SUS) foi criado, não existiam muitos hospitais pú-
V. Em 1971, no período da Guerra do Vietnã, uma blicos no país.
turma de pacifistas se reúne no Alasca e organi- c) Em 1988, ano em que o Sistema Único de Saúde
zam uma manifestação para protestar contra os (SUS) foi criado, não tinham muitos hospitais pú-
testes nucleares americanos. blicos no país.
FRENTE 1
VI. Vai começar amanhã, aqui em Joinville, as obras d) Em 1988, ano em que o Sistema Único de Saúde
de recuperação de uma das mais importantes ro- (SUS) foi criado, não tinha muitos hospitais públi-
dovias de Santa Catarina. cos no país.
69
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 69 05/04/2024 15:10:50
BNCC em foco
EM13LP15
1. Na manchete a seguir, publicada pelo jornal O Popular, é possível verificar que há um erro de escrita, segundo a
norma-padrão.
aShatilov/Shutterstock.com
A alternativa que apresenta a frase escrita de forma correta é:
a) Rede social oferecem vantagens, mas traz riscos.
b) Redes sociais oferece vantagem, mas traz riscos.
c) Redes sociais oferecem vantagem, mas trazem riscos.
d) Redes sociais oferecem vantagens, mas trazem riscos.
e) Rede social oferecem vantagem, mas trazem riscos.
EM13LP06
2. Leia um trecho do livro Pântano de sangue, de Pedro Bandeira, e, em seguida, preencha as lacunas do texto de
acordo a concordância e as demais regras da norma-padrão.
— Kara, vai ser de tempo correr todo o Pantanal atrás do tal Ente. Andrade é o tipo do sujeito que acre-
dita nas providências . Por aí não chegar a lugar nenhum. Esse Mike Sierrabrava, como chefão do
crime , está mais protegido do que o Papa. Se nem a polícia internacional conseguiu
pista sobre ele, não nós que vamos descobrir.
BANDEIRA, Pedro. Pântano de sangue. São Paulo: Moderna, 2014. p. 98.
Está correto:
a) perda – oficial – vamos – organizados – bom – quaisquer – será
b) perca – oficiais – vamos – organizado – bem – qualquer – serei
c) perca – oficial – vou – organizado – bem – qualquer – seremos
d) perda – oficiais – vou – organizados – bom – quaisquer – serei
e) perda – oficiais – vamos – organizado – bem – qualquer – seremos
EM13LP09
3. [...] o adjetivo concorda em gênero (masculino e feminino) e número (singular e plural) com o substantivo ou pronome a
que se refere (sujeito da oração). Combinam-se com o sujeito da mesma forma os artigos, os pronomes, os numerais e os
particípios, que exercem função semelhante à do adjetivo.
MARTINS, Eduardo. Com todas as letras. São Paulo: Moderna, 2000. p. 20.
Com base nesse excerto, podemos identificar que há erro de concordância em uma das frases a seguir. Qual das
alternativas deve ser corrigida?
a) Será lançado no semestre que vem uma nova revista.
b) Por estar inconformado com a decisão do diretor, um grupo marcou uma reunião com ele.
c) Um casal saiu desta cidade e foi para o interior.
d) Faz muito tempo que não saio de casa.
e) A maioria das pessoas se ofende muito fácil.
70 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Concordância verbonominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_033_070_f1_c16_P4.indd 70 05/04/2024 15:10:51
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
Ismael Nery. Autorretrato, 1930.
Óleo sobre papel, 62 cm 3 47,5 cm.
Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.
FRENTE 1
17
CAPÍTULO Colocação pronominal
Ismael Nery foi um dos maiores representantes da Arte Moderna brasileira e
grande nome do movimento surrealista, vanguarda que influenciou o movi-
mento modernista no Brasil. Em suas diversas manifestações, o Modernismo
abordou aspectos da dominação europeia presentes na linguagem, no pensa-
mento, na arte e na cultura. O poema “Pronominais”, de Oswald de Andrade, por
exemplo, trata da tensão entre a norma gramatical que determina a colocação
do pronome pessoal átono após o verbo, uma característica do português que
era falado em Portugal, e o uso comum da “Nação Brasileira” de posicioná-lo
antes do verbo. Neste capítulo, abordaremos as regras de colocação pronomi-
nal da norma-padrão e alguns usos correntes do português brasileiro.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 71 03/04/2024 16:54:31
Colocação pronominal: normas e uso que determinam a posição correta desses pronomes, no
entanto os usos da colocação pronominal podem variar de
Já vimos que a função exercida pelos pronomes na
acordo com o contexto e a finalidade comunicativa.
substituição dos substantivos é fazer progredir as ideias
A língua é um fato social e, como tal, está sujeita a
nos textos e evitar repetições desnecessárias. Também
mudanças e adaptações. Determinadas construções, como
estudamos que os pronomes pessoais oblíquos funcionam
a mesóclise – colocação do pronome no meio do verbo –
como complementos dos verbos. No uso desses pronomes,
são raras na linguagem cotidiana; seu emprego ocorre
é comum termos dúvidas quanto à colocação do pronome
em linguagem escrita, em textos mais antigos ou formais.
em relação ao verbo. Na crônica a seguir, essa questão é
A forma “dá-lo-ei”, por exemplo, seria inadequada em
ilustrada com humor.
contextos informais, mas poderia ser usada em um tex-
Papos to bastante formal, como: “Dar-te-ei uma chance, contudo
— Me disseram... dar-me-ás a confiança, a essência de todas as relações”.
— Disseram-me. Neste capítulo, vamos estudar as regras relacionadas
— Hein? à colocação dos pronomes oblíquos átonos (me, te, se,
— O correto é “disseram-me”. Não “me disseram”. o(s), a(s), lhe(s), nos e vos) que devem ser seguidas nas
— Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é “digo-te”? situações em que a norma-padrão é requisitada, como em
— O quê? uma redação de vestibular. Também vamos refletir sobre
— Digo-te que você... variações nos usos da colocação pronominal em alguns
— O “te” e o “você” não combinam. contextos e situações comunicativas.
— Lhe digo? Observe a seguir as três posições que o pronome pode
— Também não. O que você ia me dizer?
assumir em relação ao verbo:
— Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que
eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. a) antes do verbo: próclise
Como é que se diz? Ex.: Não me mandaram as flores.
— Partir-te a cara. b) no meio do verbo: mesóclise
— Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ex.: Oferecer-te-ei um mundo de ilusões.
Ou corrigir-me. c) depois do verbo: ênclise
— É para o seu bem. Ex.: Deram-lhe uma chance.
— Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo
como bem entender. Mais uma correção e eu... Quanto às regras de colocação pronominal, é preciso
— O quê? ressaltar que são convenções gramaticais estabelecidas por
— O mato. diferentes critérios, como a comparação com as regras do por-
— Que mato? tuguês lusitano. Por esse motivo, considera-se que a posição
— Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem? “normal” do pronome na língua portuguesa é a ênclise, uma
— Eu só estava querendo... vez que esta é uma característica dos falantes de determinada
— Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo região de Portugal. Alguns gramáticos explicam também que a
é elitismo! forma pronominal átona é complemento do verbo; logo, deve
— Se você prefere falar errado... vir após a forma verbal, mas, em alguns casos, essa posição
— Falo como todo mundo fala. O importante é me enten-
deve ser evitada. Vejamos a seguir as principais regras de
derem. Ou entenderem-me?
colocação dos pronomes pessoais oblíquos átonos.
— No caso... não sei.
— Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
— Esquece.
Próclise
— Não. Como “esquece”? Você prefere falar errado? E o Alguns termos funcionam como palavra atrativa, ou
certo é “esquece” ou “esqueça”? Ilumine-me. Me diga. Ensines- seja, atraem o pronome para antes do verbo. Assim, deve-
-lo-me, vamos. -se usar a próclise:
— Depende. a) com palavras negativas: não, nem, nunca, jamais,
— Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o ninguém, nenhum, nada (desde que não haja pausa
soubesses, mas não sabes-o. entre essas palavras e a forma verbal)
— Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
— Agradeço-lhe a permissão para falar errado que me dás.
Erasmo Spadotto
Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
— Por quê?
— Porque, com todo este papo, esqueci-lo. [...]
VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001. p. 65-66. © by Luis Fernando Verissimo
Na crônica, um personagem repreende o outro por
cometer desvios no uso do pronome oblíquo átono em
sua fala. Os pronomes átonos (não precedidos de prepo-
sição) podem assumir três posições em relação à forma
verbal: depois do verbo, antes de verbo ou no meio do Em “não me lembro”, a palavra negativa atrai o pronome
verbo. A gramática normativa estabelece algumas regras para antes do verbo.
72 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 72 03/04/2024 16:54:31
Não me tragam estéticas. Mesóclise
Álvaro de Campos.
Como já comentamos, o uso da mesóclise tem se tor-
Não acredito em Deus porque nunca o vi. nado cada vez mais raro, sendo mais comum em textos
Alberto Caeiro. antigos ou em situações muito formais. Além disso, a colo-
cação do pronome no meio do verbo restringe-se a dois
Atenção tempos verbais, desde que não haja termos que determi-
Se houver pausa, deve-se utilizar a ênclise. nam o uso da próclise.
Ex.: Não! Tirem-me daqui. Assim, deve-se usar a mesóclise quando o verbo esti-
ver no futuro do presente ou no futuro do pretérito, desde
que não haja palavra atrativa
b) com advérbio (desde que não haja pausa entre a for-
ma verbal e o advérbio) Tu virás ter conosco; ser-te-emos irmãos no céu...
Camilo Castelo Branco.
Amanhã te direi as palavras.
Fernando Pessoa.
Gildete manter-se-ia atenta para o que desse e viesse.
Jorge Amado.
Aqui se faz, lá se aprende.
Só me trouxeram alegrias, risos. Atenção
Atenção Se houver palavra atrativa, a próclise com o verbo no
futuro é obrigatória.
Se houver pausa, deve-se utilizar a ênclise. Ex.: Não lhe diria, para não o machucar.
Ex.: Aqui, estuda-se! Jamais se deve utilizar ênclise com o verbo no futuro.
c) com pronome relativo Ênclise
E assim nas calhas de roda Como vimos, a ênclise é considerada a posição normal
Gira, a entreter a razão, do pronome. Ou seja, se não houver palavra atrativa nem
Esse comboio de corda verbos no futuro (do presente e do pretérito), o pronome
Que se chama coração. deve vir depois do verbo. Assim, utiliza-se a ênclise:
Fernando Pessoa.
a) no início do período (desde que não seja futuro)
d) com pronomes indefinidos e demonstrativos
Tomava-se chá, palrava-se.
Ninguém vos rouba os castelos. Eça de Queirós.
Castro Alves.
Vou-me embora pra Pasárgada.
Isso me deixa muito feliz. Manuel Bandeira.
e) com conjunção subordinativa Atenção
Não gosto que me peguem no braço! Se o período iniciar com futuro, usa-se mesóclise.
Álvaro de Campos. Ex.: Tornar-se-ia difícil, se não fosse você.
Quando me sento a escrever versos [...]
Alberto Caeiro. b) depois de pausa (desde que não seja futuro)
f) com as conjunções alternativas “ou... ou, quer... quer” O conde vê, corre, atira-se também.
Eça de Queirós.
Ou ele se emenda, ou lhe dão a demissão.
Após a carnificina, resta-nos a esperança de uma hu-
g) nas orações que expressam desejo, se o sujeito esti- manidade purificada.
ver anteposto Manifesto Dadá.
Macacos me mordam!
Deus te abençoe! Atenção
h) nas orações iniciadas por palavras exclamativas Se após a pausa houver futuro, usa-se mesóclise.
Quanto me roubaram, presidente! Ex.: Se não fosse a tua recusa, dar-te-ia o conhecimento.
Como me fazem de besta!
c) com verbo no gerúndio (desde que não seja precedi-
i) nas orações interrogativas iniciadas por pronome ou
do de preposição ou advérbio)
advérbio interrogativo
Por que me olhas assim? Saúdo todos os que me lerem,
Quem te conquistou? Tirando-lhes o chapéu largo
Alberto Caeiro.
j) com infinitivo flexionado ou gerúndio, precedidos de Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o.
FRENTE 1
preposição Tenho pontos de contato com o futurismo. Oswald de
Por te amarem demais, ficastes convencida. Andrade, chamando-me de futurista, errou.
Em se tratando de futebol... Mário de Andrade.
73
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 73 03/04/2024 16:54:31
Atenção • Ênclise ao auxiliar
O professor tinha-lhe dito.
O gerúndio precedido de preposição ou de advérbio (sem
pausa) pede próclise. • Próclise ao auxiliar
Ex.: Não me confessando o crime, não poderei ajudá-lo. O professor lhe tinha dito.
d) com verbo no infinitivo impessoal Atenção
As confidências dos loucos, eu passaria a vida a Com palavra atrativa, só não é permitida a colocação do
provocá-las. pronome no meio da locução. Ex.:
Manifesto Surrealista.
O professor não lhe ia dizer.
O professor não ia dizer-lhe.
Para que enganar-me? [...] Não consigo modificar-me,
é o que mais me aflige.
Hífen nas locuções verbais
Graciliano Ramos.
Segundo o gramático Rocha Lima, a interposição do pro-
Atenção nome átono nas locuções verbais, sem se ligar por hífen ao
auxiliar, é sintaxe brasileira que se consagrou na literatura a
O infinitivo não flexionado precedido de preposição “para”
partir do Romantismo. O linguista dá ainda alguns exemplos:
ou de palavra negativa também aceita próclise. Ex.:
Estive lá para ver-te./Estive lá para te ver. Vais te perder!
Minha vontade era não lhe oferecer./Minha vontade era Olavo Bilac.
não oferecer-lhe.
Vivia sozinho, não quisera se casar.
José Lins do Rego.
e) com verbo no imperativo
“Conhece-te” é uma utopia, porém mais aceitável Variações no uso da colocação
porque contém também a maldade. pronominal
Manifesto Dadá.
No português brasileiro, alguns usos da colocação pro-
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... nominal são muito recorrentes e praticados pela maioria dos
Álvaro de Campos. falantes da língua, como é o caso do uso da próclise em
vez da ênclise, sem necessariamente haver alguma palavra
Colocação pronominal nas locuções verbais atrativa. Por isso, ainda que sejam considerados desvios em
relação às regras estabelecidas pela gramática normativa,
Em locuções verbais, formada por verbo auxiliar + forma
alguns linguistas defendem que a próclise deve ser conside-
nominal do verbo (infinitivo, gerúndio e particípio), há algu-
rada a posição “natural” da língua portuguesa falada no Brasil.
mas particularidades em relação à colocação pronominal.
Assim, as variações em relação à norma-padrão no que
Vejamos a seguir.
se refere à colocação pronominal não ocorrem apenas em
a) Com verbo no infinitivo, há quatro possibilidades: contextos comunicativos mais informais, mas também es-
• Ênclise ao infinitivo tão presentes em textos literários, composições musicais,
O professor ia falar-lhe. propagandas, entre outros. Veja alguns exemplos de uso
da próclise comuns na linguagem cotidiana:
• Ênclise ao auxiliar
O professor ia-lhe falar. Me passa a colher.
Te adoro, sabia?
• Próclise ao auxiliar Nos enganaram!
O professor lhe ia falar.
Veja que ocorre o uso da próclise sem que haja pa-
• Próclise ou ênclise ao infinitivo precedido de preposição lavra atrativa no trecho a seguir, extraído de uma obra do
Nunca deixei de lhe contar. modernista Mário de Andrade.
Nunca deixei de contar-lhe.
Elza viu ele abrir a porta da pensão. Pâam... Entrou de
b) Com verbo no gerúndio, há três possibilidades: novo no quartinho ainda agitado pela presença do estranho.
• Ênclise ao gerúndio Lhe deu um olhar de confiança. Tudo foi sossegando pouco
O professor ia dizendo-lhe. a pouco. Penca de livros sobre a escrivaninha, um piano. [...]
ANDADE, Mário. Amar: verbo intransitivo. Rio de Janeiro:
• Ênclise ao auxiliar Nova Fronteira, 2013. p. 19.
O professor ia-lhe dizendo. Como já mencionamos, embora haja regras para a colo-
• Próclise ao auxiliar cação pronominal, sua adequação só pode ser avaliada nos
usos linguísticos em contextos reais, isto é, considerando-se
O professor lhe ia dizendo.
a finalidade comunicativa nas diversas interações faladas
c) Com particípio, há duas possibilidades (não há ênclise ou escritas. Observe a seguir o cartaz de uma campanha
ao particípio): de adoção de animais.
74 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 74 03/04/2024 16:54:31
Analisando o cartaz pelo prisma das regras de coloca-
Acervo da Prefeitura Municipal de Bebedouro
ção pronominal, o texto contém um desvio em “Me leva pra
casa”. Segundo a norma-padrão, essa construção deveria
ser “Leve-me para casa”, pois, quando uma frase é iniciada
por verbo, o pronome deve vir depois dele (ênclise), e não
antes (próclise).
Embora o anúncio apresente uma variação no uso do
pronome oblíquo “me”, é preciso considerar a intenciona-
lidade do enunciador: levar as pessoas a adotar animais.
O uso de uma linguagem mais informal gera um efeito de apro-
ximação, mobilizando, portanto, o leitor a realizar a adoção.
O conhecimento das regras de colocação pronominal é
importante nas interações faladas ou escritas em que a variante
de prestígio é solicitada. Por outro lado, o real sentido desses
Em anúncios e outros textos que visam à aproximação do leitor, é comum usos só pode ser compreendido considerando-se o contexto
perceber o uso de pronomes oblíquos no início de frases. em que foi utilizado e a intenção comunicativa do texto.
Revisando
1. PUC-GO 2020 Observe as expressões sublinhadas flexionado no futuro do presente ou no futuro do
no fragmento do artigo A era da desinformação, de pretérito. A mesóclise é um tipo de colocação pro-
Manoel Lemos: nominal raro no uso coloquial da língua portuguesa.
No entanto, ainda é encontrada em contextos mais
Não podemos negar que a internet tornou-se um dos
principais meios para a disseminação de informações. Em
formais, como se observa em:
2018, a rede cruzou a marca dos 4 bilhões de usuários. a) Não lhe negou que era um improviso.
Mais da metade da população mundial está conectada a b) Faz muito tempo que lhe falei essas coisas.
ela. [...] c) Nunca um homem se achou em mais apertado
[...] lance.
Mas não é só a escala e a velocidade da internet que d) Referia-se à D. Evarista ou tê-la-ia encontrado em
são fatos novos. Ao contrário de seus predecessores – TV algum outro autor?
e rádio –, a internet está ao alcance de todos. Qualquer
3. Univap-SP 2016
pessoa pode usá-la para disseminar suas ideias a milhões.
Por um lado, foi possível dar voz a milhares de pessoas Dê-me um cigarro
que não eram representadas e que agora têm como lutar Diz a gramática
por seus direitos. Do outro, colocamos um canhão nas Do professor e do aluno
mãos dos que usam a desinformação como ferramenta. ANDRADE, O. Obras completas. Volumes 6-7. Rio de Janeiro:
(LEMOS, Manoel. A era da desinformação. O Estado de S. Paulo. Civilização Brasileira, 1972.
São Paulo, 10 jul. 2019. Caderno de economia, p. B6. Adaptado.)
Em “Dê-me um cigarro”, quanto à colocação do
Assinale a alternativa que corretamente nomeia o tipo pronome oblíquo “me”, em obediência às normas gra-
de colocação pronominal utilizada: maticais da Língua Portuguesa, ocorreu
a) Próclise. a) próclise, por tratar-se de início de frase.
b) Mesóclise. b) ênclise, por razões de eufonia.
c) Ênclise. c) mesóclise, pois o verbo “dar” apresenta-se no
d) Elipse. Futuro do Presente do Indicativo.
d) ênclise, pois trata-se de início de frase.
2. Enem A colocação pronominal é a posição que os
e) mesóclise, pois encontra-se no meio do verso
pronomes pessoais oblíquos átonos ocupam na poético.
frase em relação ao verbo a que se referem. São
pronomes oblíquos átonos: me, te, se, o, os, a, as, 4. Ifal 2016 Escolha a frase que apresenta erro de colo-
lhe, lhes, nos e vos. Esses pronomes podem assumir cação pronominal.
três posições na oração em relação ao verbo. Prócli- a) Arremataram-nas, num leilão online, os que de-
se, quando o pronome é colocado antes do verbo, ram os maiores lances.
devido a partículas atrativas, como o pronome rela- b) Se pudesse, explicaria-lhe tudo.
tivo. Ênclise, quando o pronome é colocado depois c) Meu filho tem-se interessado pelos negócios da
do verbo, o que acontece quando este estiver no família.
FRENTE 1
imperativo afirmativo ou no infinitivo impessoal regi- d) Ele preparou-se para a entrevista de emprego.
do da preposição “a” ou quando o verbo estiver no e) Sinto-me lisonjeado pelo elogio de tão ilustre
gerúndio. Mesóclise, usada quando o verbo estiver professor.
75
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 75 03/04/2024 16:54:32
Texto para as questões 5 e 6. 7. IFSP 2016 Analise o texto abaixo.
Nas belas e comoventes palavras de Inês de Castro, que O pai da Fernanda virá _______ mais cedo hoje. Devo
tenta dissuadir o rei do cruel intento de matá-la, lemos: _______ a respeito da nota em sua última avaliação?
É melhor que _______ informemos o quanto antes,
Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito para que haja tempo hábil para _________.
(Se de humano é matar uma donzela, Levando em consideração o uso e a colocação prono-
Fraca e sem força, só por ter sujeito minal, de acordo norma padrão da Língua Portuguesa,
O coração a quem soube vencê-la), os termos que melhor preenchem, respectivamente,
as lacunas são:
A estas criancinhas tem respeito, a) buscar-lhe – conta-lo – o – ajudá-la
Pois o não tens à morte escura dela; b) buscar-lhe – contar-lhe – lhe – ajudar-lhe
Mova-te a piedade sua e minha, c) buscá-lhe – conta-lhe – lhe – ajuda-lhe
d) buscar-lhe – conta-lo – o – ajuda-lhe
Pois te não move a culpa que não tinha
e) buscá-la – contar-lhe – o – ajudá-la
Luís de Camões. “Canto terceiro”. Os lusíadas. 19 ed.
São Paulo: Cultrix, 2011, p. 108.
8. EEAR-SP 2020 Assinale a alternativa em que a colo-
5. Identifique o pronome que se apresenta em duas po- cação pronominal está inadequada.
sições diferentes em relação ao verbo. Nomeie essas a) Calar-me-ei diante de tantos impropérios.
posições. b) Ninguém disse-lhe que eu já havia chegado?
c) Ao ir ao cinema, o shopping pareceu-me vazio.
6. Que caso de ênclise está presente em “vencê-la”? d) Eu me entristeci com as notícias veiculadas pela
A próclise seria possível? televisão.
Exercícios propostos
1. Unesp 2017 Para responder à questão, leia a crônica Minha tia, meio surpresa, respondeu com um riso
“Seu ‘Afredo’”, de Vinicius de Moraes (1913-1980), pu- amarelo:
blicada originalmente em setembro de 1953. — É, canto às vezes, de brincadeira...
Mas, um tanto formalizada, foi queixar-se a mi-
Seu Afredo (ele sempre subtraía o “l” do nome, ao se
apresentar com uma ligeira curvatura: “Afredo Paiva, um nha mãe, que lhe explicou o temperamento do nosso
seu criado...”) tornou-se inesquecível à minha infância encerador:
porque tratava-se muito mais de um linguista que de um — Não, ele é assim mesmo. Isso não é falta de res-
encerador. Como encerador, não ia muito lá das pernas. peito, não. É excesso de... gramática.
Lembro-me que, sempre depois de seu trabalho, minha Conta ela que seu Afredo, mal viu minha tia sair,
mãe ficava passeando pela sala com uma flanelinha debai- chegou-se a ela com ar disfarçado e falou:
xo de cada pé, para melhorar o lustro. Mas, como linguista, — Olhe aqui, dona Lídia, não leve a mal, mas essa
cultor do vernáculo e aplicador de sutilezas gramaticais, menina, sua irmã, se ela pensa que pode cantar no rádio
seu Afredo estava sozinho. com essa voz, ‘tá redondamente enganada. Nem em pro-
Tratava-se de um mulato quarentão, ultrarrespeita-
grama de calouro!
dor, mas em quem a preocupação linguística perturbava
E, a seguir, ponderou:
às vezes a colocação pronominal. Um dia, numa fila de
ônibus, minha mãe ficou ligeiramente ressabiada quando — Agora, piano é diferente. Pianista ela é!
seu Afredo, casualmente de passagem, parou junto a ela E acrescentou:
e perguntou-lhe à queima-roupa, na segunda do singular: — Eximinista pianista!
— Onde vais assim tão elegante? (Para uma menina com uma flor, 2009.)
Nós lhe dávamos uma bruta corda. Ele falava horas
a fio, no ritmo do trabalho, fazendo os mais deliciosos vernáculo: a língua própria de um país; língua nacional.
pedantismos que já me foi dado ouvir. Uma vez, minha ressabiado: desconfiado.
mãe, em meio à lide caseira, queixou-se do fatigante lide: trabalho penoso, labuta.
ramerrão do trabalho doméstico. Seu Afredo virou-se para ramerrão: rotina.
ela e disse:
— Dona Lídia, o que a senhora precisa fazer é ir a um
Observa-se no texto um desvio quanto às normas gra-
médico e tomar a sua quilometragem. Diz que é muito bão.
De outra feita, minha tia Graziela, recém-chegada de maticais referentes à colocação pronominal em:
fora, cantarolava ao piano enquanto seu Afredo, acocorado a) “Lembro-me que, sempre depois de seu trabalho,
perto dela, esfregava cera no soalho. Seu Afredo nunca minha mãe ficava passeando pela sala com uma
tinha visto minha tia mais gorda. Pois bem: chegou-se a flanelinha debaixo de cada pé, para melhorar o
ela e perguntou-lhe: — Cantas? lustro.” (1o parágrafo)
76 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 76 03/04/2024 16:54:32
b) “Seu Afredo [...] tornou-se inesquecível à minha — Hein?!... Faça-o subir, tenha a bondade. [...]
infância porque tratava-se muito mais de um lin- O advogado entrou ofegante. A porta bateu-lhe atrás
guista que de um encerador.” (1o parágrafo) com estrondo. Vinha oferecer-lhe seus serviços profissionais.
c) “Tratava-se de um mulato quarentão, ultrarrespei- Ali, naquela terra, tirante o juiz, “fique certo, seu dou-
tador, mas em quem a preocupação linguística tor, ninguém mais presta, nem eu mesmo!” [...]
perturbava às vezes a colocação pronominal.” — A que horas é o interrogatório? Perguntou calma-
mente o engenheiro.
(2o parágrafo)
d) “[...] seu Afredo, casualmente de passagem, parou Dentre as expressões numeradas no texto, assinale a
junto a ela e perguntou-lhe à queima-roupa, na alternativa que apresenta quais aceitariam a mesma
segunda do singular [...].” (2o parágrafo) construção que a do período: “A porta bateu-lhe atrás
e) “Seu Afredo virou-se para ela e disse: [...].” com estrondo”, quando substituído um de seus ter-
(4o parágrafo) mos pelo equivalente pronome (lhe, lhes), mantendo,
inclusive, a colocação posterior ao verbo.
2. IFPR 2020 Leia o trecho retirado do conto “O iniciado a) 5 e 6
do vento”, de Aníbal Machado, que servirá de base b) 2 e 3
para a questão. c) 1 e 2
A autoridade policial e o agente da estação abriram d) 1 e 4
caminho, pedindo a todos que se afastassem (1). Cada
3. Etec-SP 2018 Leia a música de Marcelo Jeneci e res-
qual queria ser o primeiro a ver a cara do engenheiro (2).
Este, calmo e alto, surgiu na plataforma do vagão. Não
ponda à questão.
sabia que viajara com algum personagem importante; mas Dar-te-ei
logo, pela convergência geral dos olhares em sua pessoa,
[...] Não te darei papéis, não te darei, esses rasgam, esses
compreendeu tudo. E empalideceu. Alguém teria dado o
[borram
aviso de sua chegada (3).
Não te darei discos, não, eles repetem, eles arranham
Houve o silêncio de alguns instantes para a “tomada”
Não te darei casacos, não te darei, nem essas coisas que
de sua figura; em seguida, rompeu um murmúrio indistinto,
[te resguardam e que se vão
mas hostil, cortado pelas sílabas tônicas de alguns palavrões
Dar-te-ei finalmente os beijos meus
conhecidos, se não de palavrões sussurrados por inteiro.
Deixarei que esses lábios sejam meus, sejam teus
— Para o Hotel Bela Vista? Interrogou o delegado.
Esses embalam, esses secam, mas esses ficam.
— Sim, respondeu o acusado numa voz firme que
Não te darei bombons, não te darei, eles acabam, eles
reconheceu não ser a sua.
[derretem
Os moleques tinham combinado uma vaia com busca-
Não te darei festas, não te darei, elas terminam, elas choram,
-pés que o perseguissem durante o trajeto até o Hotel.
[elas se vão [...]
Maltrapilhos e abandonados, brigavam sempre entre <https://www.letras.mus.br/marcelo-jeneci/1536205>.
si, mas o fato de ter sido um deles a vítima, unia-os agora Acesso em: 10.11.2017.
no ódio comum ao engenheiro (4). Disso tirou partido o
próprio escrivão do crime com uma parcialidade que a
Há, nessa música, uma construção gramatical cha-
população aplaudia, e que o juiz da Comarca, severo, mas mada de mesóclise – “dar-te-ei” – de pouco uso na
sempre alto e distante no desempenho de suas funções, linguagem escrita e quase extinto o uso na falada.
ignorava. Essa construção, chamada de colocação pronominal,
De tal juiz se dizia que era bom demais para aquele é uma das três posições possíveis – de acordo com a
burgo. [...] Nunca porém o quiseram elevar àquelas cume- gramática normativa.
adas. Sempre elogios, jamais a promoção.
Colocação pronominal
Mediante manobras mesquinhas que escapavam aos
olhos do juiz (5) sempre voltados para o mais alto e o Posição dos pronomes oblíquos átonos
mais longe, o seu esperto escrivão conseguira prestígio e em relação ao verbo
se fazia temido na cidade. [...]
[Já em seu quarto, aparece a dona hotel com chá e
frutas]
Ênclise Mesóclise Próclise
— O senhor deve estar lembrado de mim.
— Sim, como não? Quando o Quando o pronome oblíquo Quando o
pronome átono é posicionado entre pronome
— Vinte e tantos dias o senhor foi meu hóspede, não
oblíquo átono o radical e a desinência das oblíquo átono
é verdade? é posicionado formas verbais do futuro é posicionado
Colocou a bandeja na mesa. O engenheiro permane- depois do do presente e futuro antes do
cia silencioso. [...] verbo do pretérito verbo
A hoteleira não leva a mal o mutismo do hóspede (6).
Estava triste e preocupado, era natural. [...] Ao sair, lem- Baseando-se no que foi apresentado, assinale a alter-
FRENTE 1
brou-se de dizer: nativa que apresenta uma relação correta – de acordo
— Há um advogado lá embaixo, na sala, querendo com a gramática normativa – entre colocação prono-
falar-lhe. [...] minal e o seu uso na frase.
77
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 77 03/04/2024 16:54:32
a) Próclise – “Faça-me o favor de não atrasar para 3. Ele recordar-se-á com certeza de tudo o que sofreu.
nosso encontro!” 4. As pastas que perderam-se não foram as mais im-
b) Ênclise – “Não te darei discos, não, eles repetem.” portantes.
c) Ênclise – “Importava-se com o sucesso da prova.” 5. Sempre lhe dizia as mesmas palavras.
d) Mesóclise – “A música? Cantá-la-rei quando sou- 6. Me empreste o livro!
ber a letra.” 7. Por que permitir-se-iam esses abusos?
e) Mesóclise – “Alguém me procurou?”
Assinale a sequência correta das frases com uso errado
4. Col. Naval-RJ 2017 Em que opção a colocação pro- do pronome oblíquo.
nominal está de acordo com a modalidade padrão? a) 3 – 4 – 5 – 6
a) Quando o casal chegou ao restaurante, se calou b) 2 – 3 – 5 – 7
por motivos bem diferentes. c) 1 – 2 – 3 – 6
b) Os pais distraí-lo-iam com novas tecnologias, em- d) 1 – 4 – 6 – 7
bora o pediatra condenasse. e) 1 – 3 – 5 – 7
c) Por que a mulher questionou-os sobre o silêncio
8. Observe atentamente a propaganda a seguir.
que pairava no restaurante?
d) Por favor, solicitamos que entreguem-nos os celu-
Questerman/Shutterstock.com
lares antes da hora da prova.
e) O homem usava a Internet, e o garçom não inter-
rompeu-o para servir a comida.
5. UFC-CE 2012 Na frase: Me delegam responsabilida-
des que deveriam ser da escola ocorre:
a) ênclise indevida, de acordo com a norma oculta.
b) próclise indevida, de acordo com a norma oculta.
c) próclise obrigatória.
d) ênclise obrigatória.
6. UENP-PR 2019 Leia a tirinha a seguir e responda à
questão.
Na imagem anterior, a colocação pronominal não está
de acordo com a norma culta, que afirma que não de-
vemos iniciar períodos com pronome oblíquo. Qual
dos enunciados a seguir estará também em desacor-
do com a norma culta?
a) Não me entregue o agasalho.
b) Encontraram dois agasalhos que se encontravam
perdidos.
(Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/27434-tiras-
de-laerte#foto-587238. Acesso em: 26 jun. 2018). c) Quem me entregará o agasalho?
d) Entregar-me-á o agasalho.
Com base na tira, considere as afirmativas a seguir. e) Não entregue-me o agasalho.
I. Nos dois primeiros quadros, a próclise deve ser
priorizada. 9. Ufal 2014
II. O uso da próclise se deve ao fato de os verbos
Grão de Amor
estarem no presente.
Me deixe sim, mas só se for
III. O pronome pessoal oblíquo átono posposto ao
Pra ir ali e pra voltar
verbo caracteriza a ênclise.
Me deixe sim, meu grão de amor
IV. O emprego da ênclise é a forma adequada para
Mas nunca deixe de me amar.
as falas em questão.
Assinale a alternativa correta. Agora as noites são tão longas
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. No escuro eu penso em te encontrar
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. Me deixe só até a hora de voltar.
Disponível em: http://letras.mus.br. Acesso em: 10 dez. 2013
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (fragmento).
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. “Grão de amor” é uma composição intimista de cunho
coloquial. Levando em consideração que o interlo
7. Ifal 2017 Leia as frases a seguir e faça o que se pede. cutor dirige-se a uma segunda pessoa, como ficariam
1. Ninguém falou-me assim. os dois últimos versos da primeira estrofe, caso fos-
2. Deus o abençoe! sem reescritos na norma-padrão?
78 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 78 03/04/2024 16:54:33
a) Deixa-me, sim, meu grão de amor, mas nunca me às voltas com extensas bibliografias a serem muito mais
deixes de amar. “devoradas” do que realmente lidas ou estudadas. [...]
b) Deixa-me, sim, meu grão de amor, mas nunca me A insistência na quantidade de leituras sem o de-
deixe de amar. vido adentramento nos textos a serem compreendidos,
c) Deixe-me, sim, meu grão de amor, mas nunca dei- e não mecanicamente memorizados, revela uma visão
xes de amar-me. mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada.
d) Deixe-me, sim, meu grão de amor, mas nunca me A mesma, ainda que encarnada desde outro ângulo, que
deixa de amar. se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando
e) Me deixa, sim, meu grão de amor, mas nunca dei- identifica a possível qualidade de seu trabalho, ou não,
xes de amar-me. com a quantidade de páginas escritas. No entanto, um
dos documentos filosóficos mais importantes de que dis-
10. PUC-Minas 2021 pomos, As teses sobre Feuerbach, de Marx, tem apenas
duas páginas e meia.
A importância do ato de ler1
Parece importante, contudo, para evitar uma com-
Paulo Freire
preensão errônea do que estou afirmando, sublinhar que
Continuando neste esforço de “re-ler” momentos fun- a minha crítica à magicização da palavra não significa,
damentais de experiências de minha infância, de minha de maneira alguma, uma posição pouco responsável de
adolescência, de minha mocidade, em que a compreen minha parte com relação à necessidade que temos, edu-
são crítica da importância do ato de ler se veio em mim cadores e educandos, de ler, sempre e seriamente, os
constituindo através de sua prática, retomo o tempo em clássicos neste ou naquele campo do saber, de nos aden-
que, como aluno do chamado curso ginasial, me ex- trarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual, sem
perimentei na percepção crítica dos textos que lia em a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto professores
classe, com a colaboração, até hoje recordada, do meu e estudantes.
então professor de língua portuguesa. Não eram, porém, 1
Trabalho apresentado na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura,
aqueles momentos puros exercícios de que resultasse um realizado em Campinas, em novembro de 1981.
simples dar-nos conta de uma página escrita diante de
Atente para o excerto dado:
nós que devesse ser cadenciada, mecânica e enfadonha-
mente “soletrada” e realmente lida. Não eram aqueles Só apreendendo-a seriam capazes de saber, por isso,
momentos “lições de leitura”, no sentido tradicional desta de memorizá-la, de fixá-la. A memorização mecânica da
expressão. Eram momentos em que os textos se ofereciam descrição do elo não se constitui em conhecimento do obje-
à nossa inquieta procura, incluindo a do então jovem to. Por isso, é que a leitura de um texto, tomado como pura
professor José Pessoa. descrição de um objeto é feita no sentido de memorizá-la,
Algum tempo depois, como professor também de nem é real leitura, nem dela portanto resulta o conhecimen-
português, nos meus vinte anos, vivi intensamente a im- to do objeto de que o texto fala.
portância de ler e de escrever, no fundo indicotomizáveis,
Se observarmos as prescrições da gramática normati-
com os alunos das primeiras séries do então chamado cur-
va, é CORRETO afirmar:
so ginasial. A regência verbal, a sintaxe de concordância,
a) Em “não se constitui” há uma facultatividade na
o problema da crase, o sinclitismo pronominal, nada disso
colocação pronominal – estaria igualmente corre-
era reduzido por mim a tabletes de conhecimentos que
ta a forma “não constitui-se”.
devessem ser engolidos pelos estudantes. Tudo isso, pelo
contrário, era proposto à curiosidade dos alunos de ma- b) Em “objeto de que o texto fala”, o item lexical
neira dinâmica e viva, no corpo mesmo de textos, ora de “que” é um pronome demonstrativo e retoma,
autores que estudávamos, ora deles próprios, como objetos anaforicamente, o sintagma “o objeto”.
a serem desvelados e não como algo parado, cujo perfil c) Em “por isso, de memorizá-la” há um desvio, pois
eu descrevesse. Os alunos não tinham que memorizar me- a preposição “de” atrai o oblíquo e demanda pró-
canicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua clise – deveria ser “de a memorizar”.
significação profunda. Só apreendendo-a seriam capazes d) Em “Só apreendendo-a” deveria haver próclise,
de saber, por isso, de memorizá-la, de fixá-la. A memo- pois o advérbio (palavra que denota exclusão)
rização mecânica da descrição do elo não se constitui atrai o oblíquo.
em conhecimento do objeto. Por isso, é que a leitura de
um texto, tomado como pura descrição de um objeto é 11. IF Sul de Minas 2018 “Eu era a única negra da classe,
feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura, nem e não me lembro de ter visto outra nos demais cursos”.
dela portanto resulta o conhecimento do objeto de que Em se tratando das regras que orientam a colocação
o texto fala. dos pronomes na frase, assinale a alternativa que des-
Creio que muito de nossa insistência, enquanto pro- respeita os padrões impostos pela norma culta:
fessoras e professores, em que os estudantes “leiam”, num a) Contar-lhe-emos toda a verdade sobre o assunto.
semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na b) Me perdi porque anotei seu endereço de maneira
FRENTE 1
compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. errada!
Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas c) Este é um trabalho que me absorve muito.
as vezes em que jovens estudantes me falaram de sua luta d) Em se tratando disto, podemos contar com ele.
79
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17.indd 79 08/04/2024 16:41:11
12. IF Sul de Minas 2018 Leia o texto.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/cartum/cartunsdiarios/#28/12/2017. Acesso em: 16 mar. 2018.
A respeito do texto lido, assinale a alternativa CORRETA.
a) O humor se deve ao fato de o personagem corrigir a fala do outro, enfatizando a correta colocação pronominal.
b) O humor da tira advém da oportunidade dada ao pássaro de sobreviver à execução caso dissesse algo inusitado.
c) A expressão “Me decapita logo” está de acordo com o que prescreve a gramática normativa.
d) A tira critica o uso incorreto da língua portuguesa ao apontar, no último quadrinho, um erro no que concerne ao
uso do pronome pessoal.
e) O texto critica os falantes da língua portuguesa pela desvalorização do próprio idioma, o que levaria à morte da
língua.
13. Col. Naval-RJ 2017
O dono do livro
Li outro dia um fato real narrado pelo escritor moçambicano Mia Couto. Ele disse que certa vez chegou em casa no fim
do dia, já havia anoitecido, quando um garoto humilde de 16 anos o esperava sentado no muro. O garoto estava com um
dos braços para trás, o que perturbou o escritor, que imaginou que pudesse ser assaltado.
Mas logo o menino mostrou o que tinha em mãos: um livro do próprio Mia Couto. Esse livro é seu? perguntou o menino.
Sim, respondeu o escritor. Vim devolver. O garoto explicou que horas antes estava na rua quando viu uma moça com aquele
livro nas mãos, cuja capa trazia a foto do autor.
O garoto reconheceu Mia Couto pelas fotos que já havia visto em jornais. Então perguntou para a moça: Esse livro é do
Mia Couto? Ela respondeu: É. E o garoto mais que ligeiro tirou o livro das mãos dela e correu para a casa do escritor para
fazer a boa ação de devolver a obra ao verdadeiro dono.
Uma história assim pode acontecer em qualquer país habitado por pessoas que ainda não estejam familiarizadas com
os livros – aqui no Brasil, inclusive. De quem é o livro? A resposta não é a mesma de quando se pergunta: “Quem escreveu
o livro?”.
O autor é quem escreve, mas o livro é de quem lê, e isso de uma forma muito mais abrangente do que o conceito de
propriedade privada – comprei, é meu. O livro é de quem lê mesmo quando foi retirado de uma biblioteca, mesmo que seja
emprestado, mesmo que tenha sido encontrado num banco de praça.
O livro é de quem tem acesso às suas páginas e através delas consegue imaginar os personagens, os cenários, a voz e o
jeito com que se movimentam. São do leitor as sensações provocadas, a tristeza, a euforia, o medo, o espanto, tudo o que
é transmitido pelo autor, mas que reflete em quem lê de uma forma muito pessoal. É do leitor o prazer. É do leitor a identi-
ficação. É do leitor o aprendizado. É do leitor o livro.
Dias atrás gravei um comercial de rádio em prol do Instituto Estadual do Livro em que falo aos leitores exatamente isso:
os meus livros são os seus livros. E são, de fato. Não existe livro sem leitor. Não existe. É um objeto fantasma que não serve
pra nada.
Aquele garoto de Moçambique não vê assim. Para ele, o livro é de quem traz o nome estampado na capa, como se isso
sinalizasse o direito de posse. Não tem ideia de como se dá o processo todo, possivelmente nunca entrou numa livraria,
nem sabe o que é tiragem.
Mas, em seu desengano, teve a gentileza de tentar colocar as coisas em seu devido lugar, mesmo que para isso tenha
roubado o livro de uma garota sem perceber.
Ela era a dona do livro. E deve ter ficado estupefata. Um fã do Mia Couto afanou seu exemplar. Não levou o celular, a
carteira, só quis o livro. Um danado de um amante da literatura, deve ter pensado ela. Assim são as histórias escritas também
pela vida, interpretadas a seu modo por cada dono.
(Martha Medeiros. JORNAL ZERO HORA - 06/11/11. Revista O Globo, 25 de novembro de 2012.)
No trecho “[...] um garoto humilde de 16 anos o esperava sentado no muro.” (1o§), é também correta, de acordo com
a norma-padrão brasileira, a colocação enclítica do pronome o. Assinale a opção em que também ocorre essa dupla
possibilidade – próclise e ênclise – na colocação do pronome destacado.
80 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 80 03/04/2024 16:54:33
a) Ana me emprestou este livro. 15. Leia o texto a seguir:
b) Não lhe emprestarei o livro de novo. Enfim, chegou a hora da encomendação e da par-
c) Prefiro que me traga as publicações depois. tida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero
d) Sempre o vê sozinho na frente da biblioteca. daquele lance consternou a todos. Muitos homens cho-
e) Em lhe chegando a vez, termino de contar a his- ravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando
tória de ontem. a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra,
queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio
14. Ifal 2017 dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão
fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe sal-
Renúncia
tassem algumas lágrimas...
Chora de manso e no íntimo... Procura ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Disponível em:
Curtir sem queixa o mal que te crucia: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000194.pdf.
Acesso em: 22 mar. 2024.
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura. Considere as seguintes afirmações:
Só a dor enobrece e é grande e é pura. I. De acordo com a norma-padrão, a colocação do
Aprende a amá-la que a amarás um dia. se para antes de despedir (Sancha quis se despe-
Então ela será tua alegria, dir) feriria a regra para colocação pronominal em
E será, ela só, tua ventura... vigor, mas seu sentido permaneceria intacto.
A vida é vã como a sombra que passa... II. A colocação da ênclise ao longo do excerto está
Sofre sereno e de alma sobranceira, em consonância com o estilo da época, já que atual-
Sem um grito sequer, tua desgraça.
mente, em linguagem escrita culta, a recomendação
Encerra em ti tua tristeza inteira.
é a próclise, inclusive quando ocorre o infinitivo.
E pede humildemente a Deus que a faça
III. Em “que não admira lhe saltassem algumas lá-
Tua doce e constante companheira...
grimas...”, o pronome lhe está em posição equi-
(BANDEIRA, Manuel. A cinza das horas. In: Estrela da vida inteira.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 75) vocada, pois, segundo a norma-padrão, o correto
seria “saltassem-lhe”.
Nos excertos “o mal que te crucia”, “que a amarás
Estão corretas:
um dia” e “pede humildemente a Deus que a faça”,
a) apenas I. d) apenas I e II.
os pronomes em negrito estão, adequadamente, em
b) apenas II. e) todas.
posição proclítica, haja vista a força atrativa exercida
c) apenas I e III.
pelo vocábulo “que”, presente nos referidos trechos.
De acordo com a norma-padrão, qual das sentenças 16. Uerj Leia o excerto a seguir.
abaixo também se compõe de maneira adequada
E que ainda não pôde se converter em estrelas.
quanto à colocação do pronome átono?
a) Nada mantinha-se como antes. Nesse excerto, a colocação do pronome pessoal átono
b) Se permita sempre amar os outros. na locução verbal segue a norma coloquial corrente
c) Trataria-se de uma nova vitória do time. no português do Brasil. Reescreva o verso por inteiro,
d) Quando falará-se em ética na política? reposicionando o pronome em uma outra colocação
e) Aqui também se fazem boas ações. possível, segundo as normas do uso culto padrão.
Texto complementar
Português brasileiro e português europeu: reflexões sobre o ensino no Brasil
[...]
Não há como negar que a nossa história, como país colonizado, condicionou a nossa língua. Apesar de o grito de independência
ter sido proferido há quase dois séculos, ainda estamos presos a dogmas linguísticos que pouco têm a ver com a linguagem que
conseguimos adquirir. As nossas escolas ainda tentam copiar uma linguagem que não caracteriza o nosso povo, por, talvez, ainda
não ter se desvinculado das orientações e da obediência esperada. No ensino de Língua Portuguesa, sair desta redoma de vidro em
que se tornou a linguagem é ir de encontro a uma tradição purista e passadista e estar à mercê de um preconceito linguístico. [...]
No entanto, já não é nenhum segredo o fato de que somos “diferentes”, linguisticamente, em relação a Portugal. A nossa
fonética, sintaxe e o nosso léxico mudaram. Portanto, a consciência de um ensino mais voltado para a nossa realidade se faz,
cada dia, mais necessário. O próprio Oswald de Andrade já defendia a existência de uma língua vinda do povo e que refletia o
verdadeiro falar brasileiro. Observemos o que nos diz no poema Pronominais:
Dê-me um cigarro / Diz a gramática / Do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da
Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro.
Andrade faz-nos sempre refletir sobre a importância de um falar tipicamente brasileiro, que seja o reflexo da nossa cultura
FRENTE 1
e não um paradoxo que dificulta o aprendizado, além de não apresentar criatividade e interatividade. Esse fato nos mostra que
a visão que a grade curricular das escolas tenta passar para o estudante, bem como a não aceitação das variedades linguísticas,
servem apenas para reprimir a liberdade de expressão e a autenticidade de cada indivíduo.
81
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 81 03/04/2024 16:54:33
¡¢¢£ ££
¤¥ ¦
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
Quer saber mais?
Música Vídeo
“Eu te amo”, de Chico Buarque. Disponível em: https:// “Excesso de ênclise em situação informal: ‘xaveco erudi-
www.youtube.com/watch?v=HjjDfJ-k. Acesso em: to’, inadequação ou estilo? Hipóteses…”, Canal Português
mar. . é legal. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?
O título dessa canção de Chico Buarque é uma frase mui- v=kikmclYPM. Acesso em: mar. .
to falada no português brasileiro, ainda que a colocação Nesse vídeo, Carol Pereira comenta um caso de variação
do pronome antes do verbo, nesse caso, seja conside- linguística relacionado à colocação pronominal, levando
rada um desvio da norma-padrão. Há também outros o espectador a refletir não apenas sobre a intenção co-
trechos em que a próclise é utilizada, mostrando como municativa do falante, mas também sobre a adequação
esse é um uso bastante comum em diversos contextos. desse uso em determinados contextos.
Exercícios complementares
1. Udesc 2019 20 A notícia correu. Verdade, Marina, que você viu um
beija-flor? E eu modesta mas banhada de graça, verdade.
DE MAVIOSO ENCANTO Ligaram do jornal. Alô, Marina, a que horas? Que cor? De
Eu vi um beija-flor. que tamanho? E você tem certeza? Alguém mais viu? Olha
De manhã reuni a família ao redor da mesa do café gente, não quero fazer declarações. Sei que parece estra-
e disse: Gente, vou contar uma coisa importante e vocês 25 nho, mas eu vi. A hora não sei bem, nem o tamanho, não
precisam acreditar em mim. Hoje, enquanto vocês dor- medi. Sei que era um beija-flor feito os de antigamente,
5 miam, vi um beija-flor no terraço. com asas, bico, tudo. Um beija-flor de penas. Fotos? não
Foi assim. Era de madrugada e acordei chamada pela tenho, não falei com ele.
sede. Mas o dia me pareceu tão novo que parei para olhar. Vieram ver o terraço, mediram tudo, controlaram os
E de repente, lá estava ele tecendo entre as flores a rede de 30 ventos, aspiraram as flores. E chegaram à conclusão de que
seus voos. Um beija-flor de verdade em 1972, um beija- não, não era possível, nenhum beija-flor havia estado ali.
Colasanti, Marina. Crônicas para jovens. 1a ed. São Paulo:
10 -flor vivo numa cidade de 6 milhões de habitantes.
Global, 2012. pp.23 e 24.
Ficaram pasmos. Mas me amavam e acreditaram em
mim. Minha filha pediu que o descrevesse, pediu que o Analise as proposições em relação à crônica De
desenhasse e que o pintasse com todas as cores dos seus Mavioso Encanto, Marina Colasanti, e assinale (V) para
lápis. Meu marido comoveu-se, eu era uma mulher que verdadeira e (F) para falsa.
15 tinha visto um beija flor, e era dele. Beijou-me na testa. As Da leitura do período “Mas me amavam e acre-
domésticas foram convocadas para participar da alegria, ditaram em mim” (linhas 11 e 12), infere-se que os
mas, pessoas de pouca fé, se entreolharam descrentes. As familiares, mesmo surpresos e duvidosos com a
amigas às quais telefonamos me deram parabéns; afinal, notícia, deixaram que o amor fosse mais forte que
eram amigas. A novidade habitou minha casa. a dúvida.
82 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17.indd 82 10/04/2024 13:38:37
Em “Mas me amavam” (linha 11) e “Beijou-me na do capital. Por miséria espiritual, entendemos um conjunto
testa” (linha 15), quanto à colocação pronominal, de afetos e de posições políticas que vão da inveja à des-
têm-se próclise e ênclise, sequencialmente, po- 10 trutividade, do analfabetismo político à prepotência, do
rém, na segunda oração, o pronome pode estar complexo de inferioridade disfarçado de superioridade ao
também proclítico e, mesmo assim, mantém-se a punitivismo jurídico ao qual se adere com facilidade para
língua culta e a correção gramatical. se parecer moralmente bem situado. [...]
No período “Minha filha pediu que o descreves- Meritocracia
se, pediu que o desenhasse e que o pintasse 15 O que vem sendo chamado de meritocracia faz parte
com todas as cores” (linhas 12 e 13) as palavras desses processos. O poder do mérito desenvolveria uma
sociedade de vencedores e vencidos, como defendem
destacadas são, sequencialmente, na morfossin-
autores neoliberais. Sorte de quem for vencedor, azar de
taxe, pronome pessoal/objeto direto; pronome
quem for vencido. Mérito é um termo usado para falar
pessoal/objeto direto; pronome pessoal/objeto
20 dos ricos que já são ricos e podem se tornar ainda mais
direto e artigo definido/adjunto adnominal.
ricos, e dos pobres que conseguem se tornar cidadãos de
A estrutura “Sei que era um beija-flor feito os de
classe média e que mudam de condição econômica. Foi a
antigamente” (linha 26) revela que o beija-flor, de-
ascensão do que conhecemos como o “novo rico”, aquele
vido ao avanço da civilização, sofreu mutações grupo que deu um salto econômico em termos de classe,
e portanto diferente do beija flor conhecido em 25 que trouxe à moda a ideia de mérito.
outra época. O novo rico, um tipo de classe média, se constitui
O verbo aspirar em “aspiraram as flores” (linha 30), uma classe amparada na imitação dos muito ricos, seus
quanto à regência, classifica-se como transitivo di- hábitos, usos e costumes. Toda classe média baixa sofre
reto e o vocábulo flores, sintaticamente, é objeto a influência dessa estética e desses hábitos. O novo rico
direto. Substituindo-se o objeto direto pelo prono- 30 aproveita do “aparecer” com o objetivo explícito de enga-
me pessoal oblíquo tem-se: aspiraram-nas. nar menos os outros do que a si mesmo. Por isso, quando
Assinale a alternativa correta, de cima para baixo. melhor remunerado, quando alcançou o capital, ele com-
a) F – F – F – V – V pra logo os signos da riqueza: o carro de marca, a casa
b) V – V – F – V – F em Miami, o restaurante da moda, o relógio, a bolsa, a
c) F – F – V – V – V 35 viagem. Mas o novo rico é um modelo, e cada classe é
d) V – F – F – F – V “nova rica” à sua maneira. Cada um compra o que pode.
e) V – F – V – F – V Se não der para tudo isso, pode ser os óculos escuros do
camelô no lugar do de marca, pode ser a camiseta da loja
2. Urca-CE 2021 Assinale a alternativa que contém um do shopping no lugar da casa em Miami ou um tênis no
desvio de colocação pronominal: 40 lugar do carro. [...]
a) Jamais entregar-te-ão as encomendas amanhã. A classe média baixa, aquela que tem acesso aos
b) Jamais te entregarão as encomendas amanhã. produtos de “qualidade” variável conforme seu poder
c) Entrego-te as encomendas agora. de compra, inclusive aos produtos da indústria cultural de
d) Eu te entrego as encomendas agora. “qualidade”, é fruto do paradigma capitalista que oprime
e) Entregam-se-lhes as encomendas hoje. 45 e seduz ao mesmo tempo. O medo de perder o que se
conseguiu por meio de sacrifícios e esforços – mesmo que
3. Univap-SP 2016 A alternativa correta, quanto à colo- o que se tenha conseguido seja muito pouco comparado
cação do pronome, é aos realmente ricos – coloca muitas pessoas inconscien-
a) Necessito encontrá-lo logo, me disse aflito o rapaz. temente a serviço da ideologia meritocrática, ela mesma
b) Esta pesquisa é um trabalho que absorve-me tem- 50 uma forma de autodefesa simbólica para quem tem poucas
po demais. chances concretas de ascensão econômica ou social.
c) Em tratando-se de estações do ano, prefiro o verão. Vergonha
d) Tudo se resolve com o passar do tempo. A vergonha de ser pobre convoca a essa ideologia.
e) Se optassem por este novo processo, teriam-se Ela obriga muita gente a tentar parecer o que não é. Mas
obtido melhores resultados. 55 isso é compreensível. [...]. As pessoas tendem a se medir
pelas posses, pois os bens são um sinal de segurança e
4. Esc. Naval-RJ 2018 status em uma sociedade na qual coisas valem demais e,
Meritocracia: uma meditação sobre o novo certamente, mais do que as próprias pessoas. [...]
Ainda sobre a classe média, quem consegue mudar
rico e a vergonha de ser pobre 60 de classe social, muitas vezes, faz questão de esquecer de
(Márcia Tiburi)
onde veio. O pertencimento a uma classe é para muitos
Houve um tempo em que não se falava de classes sinônimos de sofrimento. A vergonha é um plus de so-
sociais. Era preciso insistir que elas não existissem. De um frimento para quem já sofre com a miséria e a pobreza.
lado para que a desigualdade não aparecesse, de outro Melhor esquecer a vergonha e acreditar na ilusão.
para que não aparecesse algo ainda mais triste, a vergonha 65 Por outro lado, há quem seja capaz de “capitalizar”
FRENTE 1
5 por ser objeto da opressão que atinge muita gente. [...] a própria pobreza e, nesse caso, temos que voltar à aná-
A chamada classe média baixa é a mais triste herdeira lise dialética de uma sociedade na qual tudo e todos se
da miséria espiritual que está no cerne das classes donas transformam em mercadoria. Nem todos conseguem se
83
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 83 03/04/2024 16:54:34
reconciliar com a vergonha e enfrentar a crítica social c) ao contrário dos meninos ricos, que, na maioria
70 e a cultural necessárias em uma situação dessas, muitos das vezes, perdem-se dentro de suas próprias
preferem recalcá-la. Não se deve julgar uma pessoa por mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem
isso, mas, antes, investigar o que está em jogo para buscar nas ruas à míngua e são ignorados, muitas vezes,
transformar esse cenário. por aqueles que têm o dever de acolhê-los, com
Só assim conseguiremos devolver os cidadãos à luta eles se envolver e cuidar deles.
75 política que lhes dá dignidade real. d) ao contrário dos meninos ricos que, na maioria
Texto adaptado de: https://revistacult.uol.com.br/home/
meritocracianovo-rico-vergonha-pobre/. Acesso em: 24 maio 2018.
das vezes, se perdem dentro de suas próprias
mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem
Assinale o que for correto quanto à colocação prono- nas ruas a míngua e são ignorados, muitas vezes,
minal e à regência. por aqueles que tem o dever de acolhê-lo, com
01 Em “Houve um tempo em que não se falava de ele se envolver, se importar e cuidar deles.
classes sociais.” (linhas 1 e 2), a próclise ocorre
porque a partícula negativa funciona como fator 7. UEPB O político famoso estava sem dinheiro e foi ao banco.
de atração. Dentro da agência descobriu que estava sem documento.
02 Em “devolver os cidadãos à luta política” (linhas 74 Falou direto com o gerente.
— Sabe quem sou? Estou sempre nos jornais, na TV.
e 75), a expressão “à luta política” funciona como
— É, sua fisionomia não me é estranha. Mas sempre
complemento nominal da expressão “os cidadãos”.
que isso acontece, eu faço um teste com o cliente. Por
04 Em “O novo rico, um tipo de classe média, se
exemplo, outro dia esteve aqui um senhor dizendo ser
constitui” (linha 26), a próclise se justifica devido
um famoso poeta. Ele fez um poema lindo, em poucos
a uma característica do uso dos pronomes pelos minutos, e então nós pagamos o cheque. Depois veio um
falantes brasileiros. cartunista, desenhou uma piada ótima, e nós pagamos.
08 Em “Só assim conseguiremos devolver os cida- Depois veio o Pelé e marcou cinco gols no nosso caixa.
dãos à luta política que lhes dá dignidade real.” E o senhor?
(linhas 74 e 75), a próclise é facultativa. O político ficou meio sem graça e falou pro gerente:
16 Em “ao qual se adere com facilidade” (linha 12), a re- — Mas... eu não sei fazer nada!
gência da forma verbal “adere” exige o emprego da E o gerente, direto para o caixa:
preposição “a” antes do pronome relativo “o qual”. — Pode pagar o cheque!
Ziraldo. Anedotinhas do Bichinho da maçã. São Paulo:
Soma: Melhoramentos, 1988, p. 23-24
5. A respeito da colocação pronominal, assinale a alter- Em “— É, sua fisionomia não me é estranha. [...]”, é cor-
nativa que não atende à norma culta. reto afirmar que:
a) Não se devem exigir dos pais atitudes que contra- I. A ocorrência da próclise é similar à frequência de
riam sua ideologia. uso em textos informais falados e escritos.
b) Isso é certo, porque, assim, ele se tornará um pro- II. O uso da próclise se deve à exigência de um atra-
fissional desacreditado. tor que justifica essa ocorrência.
c) A não ser dessa forma, servir-nos-á de nada ter- III. O pronome oblíquo exerce no contexto uma fun-
mos nossos representantes na empresa. ção sintática completiva verbal.
d) Essas reflexões nunca encontram-se escritas nos IV. O atributo “estranha” exerce função de predicati-
regimes internos. vo em relação ao objeto indireto.
e) Mas é nas ações cotidianas que se expressam e
Analise as proposições e marque a alternativa que
que se consolidam os valores do ser humano.
apresenta a(s) correta(s).
6. Cotil-SP 2019 Observe os trechos a seguir e escolha a) III apenas
aquele que mais se aproximar do padrão formal da b) I, II e III
norma culta, considerando os aspectos gramaticais, c) II apenas
semânticos e lexicais: d) II e IV
a) ao contrário dos meninos ricos que na maioria e) IV apenas
das vezes se perdem dentro de suas próprias
8. Udesc 2023 Quincas Borba leu-me daí a dias a sua
mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem
grande obra. Eram quatro volumes manuscritos, de cem
nas ruas a míngua e ignorados muitas vezes por páginas cada um, com letra miúda e citações latinas.
aqueles que tem o dever de acolhê-lo, com ele se O último volume compunha-se de um tratado políti-
envolver, se importar e cuidar deles. 5 co, fundado no Humanitismo; era talvez a parte mais
b) ao contrário dos meninos ricos que, na maioria enfadonha do sistema, posto que concebida com um for-
das vezes se perdem dentro de suas próprias midável rigor de lógica. Reorganizada a sociedade pelo
mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem método dele, nem por isso ficavam eliminadas a guer-
nas ruas a míngua e ignorados muitas vezes por ra, a insurreição, o simples murro, a facada anônima,
aqueles que têm o dever de acolhê-lo, com ele se 10 a miséria, a fome, as doenças; mas sendo esses supos-
envolver, se importar e cuidar. tos flagelos verdadeiros equívocos do entendimento,
84 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 84 03/04/2024 16:54:34
porque não passariam de movimentos externos da subs- 9. Fema-SP 2020 Assinale a alternativa que apresenta
tância interior, destinados a não influir sobre o homem, erro de colocação pronominal.
senão como simples quebra da monotonia universal, a) Sem texto, jamais se fará uma crônica, sem ima-
15 claro estava que a sua existência não impediria a feli- gens, far-se-á sempre, uma crônica.
cidade humana. Mas ainda quando tais flagelos (o que b) Se identificaram as situações que colocavam em
era radicalmente falso) correspondessem no futuro à risco a segurança das pessoas.
concepção acanhada de antigos tempos, nem por isso
c) Não se deve culpar os amigos pela sinceridade.
ficava destruído o sistema, e por dois motivos: 1o por-
d) Quando sair para realizar atividades físicas, nunca
20 que sendo Humanitas a substância criadora e absoluta,
se esqueça de levar uma roupa extra.
cada indivíduo deveria achar a maior delícia do mundo
e) “Sentei-me. Enquanto Virgília, calada, fazia estalar
em sacrificar-se ao princípio de que descende; 2o por-
que, ainda assim, não diminuiria o poder espiritual do as unhas.”
homem sobre a terra, inventada unicamente para seu 10. Unipê-PB 2017 Leia o seguinte trecho do capítulo
25 recreio dele, como as estrelas, as brisas, as tâmaras e o
“Contas”, de Vidas Secas.
ruibarbo. Pangloss, dizia-me ele ao fechar o livro, não
era tão tolo como o pintou Voltaire. Tinha a obrigação de trabalhar para os outros, na-
Fonte: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis p. 145 turalmente, conhecia do seu lugar. Bem. Nascera com
esse destino, ninguém tinha culpa de ele haver nascido
Analise as proposições em relação à obra Memórias
com um destino ruim. Que fazer? Podia mudar a sorte?
Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis, e assi-
nale (V) para verdadeira e (F) para falsa. 5 Se lhe dissessem que era possível melhorar de situa-
ção, espantar-se-ia. […] Era a sina. O pai vivera assim,
Embora seja inovador o tema política, na obra o avô também. E para trás não existia família. Cortar
de Machado, Brás Cubas entra para a política e mandacaru, ensebar látegos – aquilo estava no sangue.
mesmo desenvolvendo um trabalho medíocre, Conformava-se, não pretendia mais nada. Se lhe dessem
a situação lhe proporciona alguns status, as-
10 o que era dele, estava certo. Não davam. Era um des-
sim, com o desenvolvimento da obra, é possível
graçado, era como um cachorro, só recebia ossos. Por
observar que ele não se preocupa com a morali-
que seria que os homens ricos ainda lhe tomavam uma
dade, apresentando total desprendimento moral,
parte dos ossos? Fazia até nojo pessoas importantes se
social e material, tal qual ocorre com, também po-
ocuparem com semelhantes porcarias.
líticos, o Conselheiro Dutra e o Lobo Neves. (Graciliano Ramos, Vidas Secas. 103a. ed.,
Nas orações “leu-me” (linha 1), “compunha-se de Rio de Janeiro: Editora Record, 2007, p.97.)
um tratado político” (linhas 4 e 5) e “dizia-me ele
Assinale a alternativa em que a posposição do prono-
ao fechar o livro” (linha 26), quanto à colocação
me oblíquo caso fosse utilizada a forma enclítica, no
pronominal, há próclise e os verbos estão flexio-
texto, não contrariaria a norma gramatical, quanto à
nados no pretérito imperfeito do modo indicativo.
colocação pronominal.
A estrutura “porque não passariam de movimen-
a) “Se lhe dissessem” (l. 5).
tos externos da substância interior” (linhas 12 e 13)
b) “espantar-se-ia” (l. 6).
remete que todos os flagelos embora, aparente-
c) “Se lhe dessem” (l. 9).
mente, sejam procedentes do mundo físico eles
d) “ainda lhe tomavam” (l. 12).
são produtos da alma, do eu mais profundo do
e) “se ocuparem” (l. 13-14).
homem, razão por que são considerados equívo-
cos do entendimento. 11. FGV-SP 2014 CHEGANDO AO RECIFE, O RETIRAN-
A estrutura “destinados a não influir sobre o ho- TE SENTA-SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO
mem” (linha 13) faz alusão aos flagelos a que o ALTO E CAIADO E OUVE, SEM SER NOTADO, A CON-
homem está destinado, durante a sua existên- VERSA DE DOIS COVEIROS
cia, a um mundo pessimista, assim remetendo — O dia hoje está difícil;
à característica do Naturalismo – Objetivismo e não sei onde vamos parar.
Universalismo. Deviam dar um aumento,
Nas orações “leu-me” (linha 1) e “dizia-me ele ao ao menos aos deste setor de cá.
fechar o livro” (linha 26) as palavras destacadas, As avenidas do centro são melhores,
quanto à morfossintaxe, ambas são pronomes mas são para os protegidos:
oblíquos/objetos indiretos. há sempre menos trabalho
Assinale a alternativa que indica a sequência correta, e gorjetas pelo serviço;
de cima para baixo. e é mais numeroso o pessoal
a) F – F – V – V – V (toma mais tempo enterrar os ricos).
b) F – V – F – V – V — pois eu me daria por contente
FRENTE 1
c) F – F – F – F – V se me mandassem para cá.
d) V – F – V – F – F Se trabalhasses no de Casa Amarela
e) V – V – V – V – F não estarias a reclamar.
85
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17.indd 85 11/04/2024 13:16:45
De trabalhar no de Santo Amaro vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não
deve alegrar-se o colega se acham sobrecarregadas de pais e mães; não têm es-
porque parece que a gente posas, nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer
que se enterra no de Casa Amarela 40 emoções violentas; são condicionadas de tal modo que
está decidida a mudar-se praticamente não podem deixar de se portar como devem.
toda para debaixo da terra. E se, por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma.”
João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina.
Para chegar à estabilidade absoluta, foi necessário
Do ponto de vista das normas da língua escrita pa- abrir mão da arte e da ciência. “A felicidade universal man-
drão, está correta apenas a proposta de substituição 45 tém as engrenagens em funcionamento regular; a verdade
feita, entre colchetes, em e a beleza são incapazes de fazê-lo”, diz o líder. “Cada
a) “não sei onde [ou “aonde”] vamos parar”. vez que as massas tomavam o poder público, era a felici-
b) “Deviam dar um aumento / ao menos aos deste dade, mais que a verdade e a beleza, o que importava.”
[ou “desse”] setor de cá”. A verdade é considerada uma ameaça; a ciência e a arte,
c) “Há [ou “existem”] sempre menos trabalho / e gor- 50 perigos públicos. Mas não é necessário esforço totalitário
jetas pelo serviço”. para controlá-las. Todos aceitam de bom grado, fazem
d) “— pois eu me daria [ou “daria-me”] por contente”. “qualquer sacrifício em troca de uma vida sossegada” e
e) “que se enterra [ou “enterra-se] no de Casa Amarela”. de sua dose diária de soma. “Não foi muito bom para a
verdade, sem dúvida. Mas foi excelente para a felicidade.”
12. AFA-SP 2018 55 No universo de Orwell, a população é controlada pela
dor. No de Huxley, pelo prazer. “Orwell temia que nossa
MAIS QUE ORWELL, HUXLEY PREVIU
ruína seria causada pelo que odiamos. Huxley, pelo que
NOSSO TEMPO amamos”, escreve Postman. Só precisa haver censura, diz
Hélio Gurovitz
ele, se os tiranos acreditam que o público sabe a diferen-
Publicado em 1948, o livro 1984, de George Orwell, 60 ça entre discurso sério e entretenimento. [...] O alvo de
saltou para o topo da lista dos mais vendidos [...] A distopia Postman, em seu tempo, era a televisão, que ele julgava
de Orwel, mesmo situada no futuro, tinha um endere- ter imposto uma cultura fragmentada e superficial, incapaz
ço certo em seu tempo: o stalinismo. [...] O mundo da de manter com a verdade a relação reflexiva e racional da
5 “pós-verdade”, dos “fatos alternativos” e da anestesia palavra impressa. O computador só engatinhava, e Postman
intelectual nas redes sociais mais parece outra distopia, mal poderia prever como celulares, tablets e redes sociais
65
publicada em 1932: Admirável mundo novo, de Aldous se tornariam – bem mais que a TV – o soma contemporâ-
Huxley. neo. Mas suas palavras foram prescientes: “O que afligia a
Não se trata de uma tese nova. Ela foi levantada pela população em Admirável mundo novo não é que estives-
10 primeira vez em 1985, num livreto do teórico da comu- sem rindo em vez de pensar, mas que não sabiam do que
nicação americano Neil Postman: Amusing ourselves to estavam rindo, nem tinham parado de pensar”.
70
death (Nos divertindo até morrer), relembrado por seu filho (Adaptado, Revista Época no 973 – 13 de fevereiro de 2017, p.67)
Andrew em artigo recente no The Guardian. “Na visão de
Huxley, não é necessário nenhum Grande Irmão para des- Distopia: Pensamento, filosofia ou processo discur-
15 pojar a população de autonomia, maturidade ou história”, sivo caracterizado pelo totalitarismo, autoritarismo
escreveu Postman. “Ela acabaria amando sua opressão, e opressivo controle da sociedade, representando a
adorando as tecnologias que destroem sua capacidade antítese de utopia.
de pensar. Orwell temia aqueles que proibiriam os livros. (BECHARA, E. Dicionário da língua portuguesa. 1a ed.
Huxley temia que não haveria motivo para proibir um Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2011, p.533)
20 livro, pois não haveria ninguém que quisesse lê-los. Orwell
temia aqueles que nos privariam de informação. Huxley, Tendo como base o que prescreve a norma culta pa-
aqueles que nos dariam tanta que seríamos reduzidos à drão da Língua Portuguesa, assinale a alternativa cuja
passividade e ao egoísmo. Orwell temia que a verdade análise está correta.
fosse escondida de nós. Huxley, que fosse afogada num a) “Nos divertindo até morrer” (l.12) apresenta uma
25 mar de irrelevância. colocação pronominal adequada, pois, além de
No futuro pintado por Huxley, [...] não há mães, pais ser a tradução de um nome próprio, o gerúndio
ou casamentos. O sexo é livre. A diversão está disponível não admite ênclise.
na forma de jogos esportivos, cinema multissensorial e de b) Em “...grupos nativos ainda preservam costumes e
uma droga que garante o bem-estar sem efeito colateral: o tradições primitivos...” (l. 31 e 32), o adjetivo pode-
30 soma. Restaram na Terra dez áreas civilizadas e uns poucos ria estar no feminino para concordar com o último
territórios selvagens, onde grupos nativos ainda preservam elemento, já que está posposto a ele.
costumes e tradições primitivos, como família ou reli- c) O termo sublinhado em “... não têm esposas, nem
gião. “O mundo agora é estável”, diz um líder civilizado. filhos, nem amantes por quem possam sofrer...”
“As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca de- (l. 38 e 39) poderá ser substituído por os quais e
35 sejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em não acarretará alteração sintática nem semântica
segurança; nunca adoecem; não têm medo da morte; na sentença.
86 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17.indd 86 09/04/2024 10:38:28
d) Em “... não têm medo da morte; vivem na ditosa muitas vezes tenho de me isolar, abrir um livro físico (com
ignorância da paixão e da velhice...” (l. 36 e 37) o digital fica mais difícil ter foco), respirar fundo e, então,
os termos sublinhados exercem a mesma função curtir a história. Situação preocupante, principalmente
sintática: adjuntos adnominais dos substantivos a para um leitor voraz como eu. Só que se torna ainda mais
que se referem. alarmante quando noto que amigos, colegas de escrita,
repetem essa reclamação em tom uniforme. O que ocor-
13. Enem PPL 2023 re? Será que há algum mal universal que nos faz ler cada
vez pior?
Proclamação do amor antigramática Não chamaria de “mal”, mas de “cenário”. Trata-se
“Dá-me um beijo”, ela me disse, do mundo das redes sociais. Se antes nos acostumamos
E eu nunca mais voltei lá. a livros e revistas, a mergulhar em cada informação (e
Quem fala “dá-me” não ama, era tão pouca!) que surgia à nossa frente, agora surfamos
Quem ama fala “me dá” pelos dados (e são tantos!), preocupando-nos mais com
“Dá-me um beijo” é que é correto, a próxima onda do que com a que passou. Vamos de um
É linguagem de doutor, lado para outro, freneticamente, lendo status no Twitter,
Mas “me dá” tem mais afeto, no Facebook; vendo fotos no Instagram (imagens, afinal,
Beijo me-dado é melhor. são uma espécie de “leitura”), matérias em revistas, jornais
A gramática foi feita e sites; acessando blogs; assistindo a séries no Netflix.
Por um velho professor, Corremos os olhos do computador para o notebook, para
Por isso é tão má receita o Kindle, para o smartphone, para o tablet, para um livro
Pra dizer coisas de amor. impresso… Para a próxima invenção que colar, seja um
O mestre pune com zero relógio com mais informações vindas de seu pulso, seja
Quem não diz “amo-te”. Aposto um par de óculos mostrando tudo bem à frente. Não somos
Que em casa ele é mais sincero mais mergulhadores. Viramos surfistas – e tenha isso como
E diz pra mulher: “te gosto” elogio e crítica ao mesmo tempo.
Delírio dos olhos meus, Sim, há vantagens: agora também somos ligeiros. Vi-
Estás ficando antipática. ramos craques em consumir informações com rapidez.
Pelo diabo ou por deus Sabemos o que a vovó está postando no Facebook, ao
Manda às favas a gramática. mesmo tempo em que assistimos a Breaking Bad no
Fala, meu cheiro de rosa, computador e conferimos mensagens no WhatsApp.
Do jeito que estou pedindo: Nossas mentes estão ágeis.
“Hoje estou menas formosa, Pelo bem, pelo mal, há uma mutação em curso.
Com licença, vou se indo”. Somos leitores diferentes. Algo tem ocorrido em nosso
Comete miles de erros, cérebro que mudou nossos processos cognitivos. Enquanto
Mistura tu com você, os mais velhos podem até ter dificuldades para lidar com
E eu proclamarei aos berros: o universo do touch, da comunicação instantânea, uma
“Vós és o meu bem querer”. criança de poucos anos sabe navegar com talento pelo
LAGO, M. Disponível em: www.mariolago.com.br. iPad. Porém, na hora de se concentrar em uma só histó-
Acesso em: 30 out. 2021.
ria, em analisar um só caso, podem prevalecer a falta de
Nesse poema, o eu lírico defende o uso de algumas es- atenção, as falhas de memorização, a atitude de surfar sem
truturas consideradas inadequadas na norma-padrão da mergulhar em águas profundas.
língua. Esse uso, exemplificado por “me dá” e “te gosto”, Uma série de trabalhos científicos tem sido publicada
é legitimado sobre essa transformação do hábito de ler. Um dos estu-
a) pelo contexto de situação discutido ao longo do diosos do tema é o escritor americano Nicholas Carr. Em
poema. um agora já clássico artigo para a revista The Atlantic, ele
b) pelas características enunciativas requeridas pelo diz: “Nos últimos anos, tenho a sensação desconfortável
gênero poema. de que alguém ou algo tem pregado peças com meu cé-
c) pela interlocução construída entre o eu lírico e os rebro […]. Sinto isso ainda mais forte quando leio. Imergir
leitores do poema. em um livro ou em um longo artigo era fácil […]. Agora,
d) pela mobilização da função poética da linguagem minha concentração se perde frequentemente depois de
na composição do texto. duas ou três páginas […]. Acho que sei o que está ocor-
rendo. Por mais de uma década, tenho gastado tempo
e) pelo reconhecimento do valor social da varieda-
demais on-line.”
de de prestígio em textos escritos.
Trata-se de uma preocupação que tem se espalhado.
14. UPE 2018 A neurocientista Maryanne Wolf, do Centro de Pesquisas
de Leitura e Linguagem da Universidade Tufts, de Boston,
Como o Facebook nos transformou em vai ainda mais fundo na análise. Para ela, a era da internet
leitores desatentos tem moldado o cérebro, capaz de se adaptar, de repagi-
FRENTE 1
Sinto que venho me tornando um leitor menos atento. nar a rede de sinapses dos neurônios, de acordo com o
Meus olhos passam pelas palavras como se fossem on- tipo de leitura que faz. Em um de seus livros, avisa: “Li-
das que se quebram e somem. Para ganhar concentração, vros sempre foram uma forma de se aventurar, trabalhar a
87
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17.indd 87 10/04/2024 13:40:02
imaginação e crescer intelectualmente. Porém, na era da Estão CORRETAS:
internet, passou-se a ler rapidamente, sem análise nem a) I, II e III, apenas.
crítica.” Segundo a autora, isso faz com que os jovens b) I, II e IV, apenas.
de hoje desenvolvam menos conexões neurais. Ou seja, c) I, III e IV, apenas.
tenham cérebros menos eficazes. d) II, III e IV, apenas.
Não faltam estudos sobre o tema, na maioria muito e) I, II, III e IV.
ácidos e críticos, como os realizados por Maryanne Wolf.
Mas vale uma pausa. Grande parte dos cientistas ainda 15. FGV-SP 2019 Leia o texto para responder à questão.
acha cedo para chegar a conclusões irrefutáveis. Estou
O sertanejo, assoberbado de reveses, dobra-se,
com essa turma.
afinal.
Há milênios, ocorreu a mesma reação a uma inovação
Passa, certo dia, à sua porta, a primeira turma de “reti-
tão disruptora quanto é a internet para esta época: a escrita.
rantes”. Vê-a, assombrado, atravessar o terreiro, miseranda,
Sócrates, nos idos da Grécia Antiga, irritou-se com a chega-
desaparecendo adiante numa nuvem de poeira, na curva
da de tal tecnologia. Para ele, a leitura faria da mente, que
do caminho... No outro dia, outra. E outras. É o sertão
não mais precisaria memorizar tudo, um ente preguiçoso.
que se esvazia.
Reações contrárias, por vezes contendo premonições
Não resiste mais. Amatula-se num daqueles bandos,
apocalípticas, surgem sempre junto à chegada de novidades
que lá se vão caminho em fora, debruando de ossadas as
tecnológicas – em relação à escrita, à prensa de Gutenberg,
veredas, e lá se vai ele no êxodo penosíssimo para a costa,
à física de partículas, à internet ou aos aplicativos de tablets
para as serras distantes, para quaisquer lugares onde o não
e smartphones. Mas o que nossa história, a da humanida-
mate o elemento primordial da vida.
de, tem provado é que os avanços têm vindo para o bem.
Atinge-os. Salva-se.
Sim, muda o quê e quem somos. Há, porém, um balan-
Passam-se meses. Acaba-se o flagelo. Ei-lo de volta.
ço, usualmente positivo. No caso da leitura na era digital,
Vence-o saudade do sertão. Remigra. E torna feliz, revi-
aposto todas as minhas fichas no equilíbrio. Eventualmente,
gorado, cantando; esquecido de infortúnios, buscando
aprenderemos a lidar com essa nova forma de consumir
as mesmas horas passageiras da ventura perdidiça e
informações. Talvez saibamos juntar com proficiência o
instável, os mesmos dias longos de transes e provações
mergulho e o surfe. Neste momento, contudo, não vis-
demoradas.
lumbramos a chegada de tal equilíbrio. Por isso, estamos
(Euclides da Cunha. Os Sertões)
confusos como um animal em adaptação a um novo habitat.
A garantia de sobrevivência: leia, sempre, o que for, o que Assinale a alternativa que atende à norma-padrão de
lhe der prazer. E não deixe seu cérebro estacionar. colocação pronominal.
Filipe Vilicic. Disponível em: www.intrinseca.com.br/blog/2015/08/ a) Vai-se o sertanejo no êxodo para a costa, para as
como-o-facebook-nos-transformou-em-leitores-desatentos.
Acesso em: 03/06/2017. Adaptado. serras distantes – esvazia-se o sertão, ainda que
a saudade acompanhe o retirante.
Acerca de alguns aspectos formais do texto, analise o b) Quando acaba-se o flagelo, é como se todos os
que se afirma a seguir. problemas fossem esquecidos, e tudo se reesta-
I. No trecho: “Porém, na hora de se concentrar em belecesse como antes.
uma só história, em analisar um só caso, podem c) Por fim, o sertanejo se dobra e, depois de tantos
prevalecer a falta de atenção, as falhas de me- retirantes à sua porta, rapidamente amatula-se em
morização, a atitude de surfar sem mergulhar em um daqueles bandos.
águas profundas.” (4o parágrafo), evidenciamos d) Ainda que o flagelo tenha ameaçado-o, o sertane-
um caso de sujeito composto, o que justifica a for- jo volta ao sertão, movido pela saudade por estar
ma verbal destacada no plural. meses longe de sua casa.
II. No trecho: “Sabemos o que a vovó está postando e) Se vê, com assombro, a primeira turma de re-
no Facebook, ao mesmo tempo em que assistimos tirantes atravessar o terreiro, e depois outras
a Breaking Bad no computador” (3o parágrafo), o seguem-se nos dias posteriores.
autor opta por seguir a norma-padrão em relação
à regência da forma verbal destacada, ainda que, 16. Uerj Leia atentamente o texto.
em muitos registros do português brasileiro atual, Texto I
a preposição “a” não se verifique.
Penseroso:
III. No que se refere à colocação dos pronomes, no Vê – o mundo é belo. A natureza estende nas noites
trecho: “Trata-se de uma preocupação que tem estreladas o seu véu mágico sobre a terra, e os encan-
se espalhado.” (6o parágrafo), observamos que o tos da criação falam ao homem de poesia e de Deus.
autor optou por seguir a norma-padrão apenas no As noites, o sol, o luar, as flores, as nuvens da manhã,
primeiro caso (“Trata-se”). o sorriso da infância, até mesmo a agonia consolada
IV. Se o autor quisesse escrever que “os jovens desta e esperançosa do moribundo ungido que se volta para
geração não leem com atenção” deveria grafar a Deus. [...] Quando tua alma ardente abria seus voos para
forma verbal destacada sem acento, como orien- pairar sobre a vida cheia de amor, que vento de morte
ta o Acordo Ortográfico atualmente em vigor em murchou-te na fronte a coroa das ilusões, apagou-te no
nosso país. coração o fanal do sentimento, e despiu-te das asas da
88 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 88 03/04/2024 16:54:34
poesia? Alma de guerreiro, deu-te Deus porventura o Embalemo-nos nas suas águas azuis – sonhemos, cante-
corpo inteiriçado do paralítico? mos e creiamos.
[...] Oh! Não! Abre teu peito e ama. Tu nunca viste Álvares de Azevedo. Macário, noites na taverna e poemas malditos.
tua ilusão gelar-se na frente da amante morta, teu amor Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983, p.138-9.
degenerar nos lábios de uma adúltera. Alma fervorosa,
no orgulho de teu ceticismo não te suicides na atonia do fanal: farol, guia; inteiriçado: rijo, imóvel; atonia: fra-
desespero. queza.
A descrença é uma doença terrível: destrói com seu
bafo corrosivo o aço mais puro. [...] Para os peitos ro-
tos, desenganados nos seus afetos mais íntimos, onde
Observe os seguintes fragmentos do texto:
sepultam-se como cadáveres todas as crenças, para esses [...] onde sepultam-se como cadáveres todas as crenças
aquilo que se dá a todos os sepulcros, uma lágrima! [...] [...]
A esses leva uma torrente profunda: revolvem-se na treva Embalemo-nos nas suas águas azuis [...]
da descrença como satã no infinito da perdição e do
desespero! Mas nós, mas tu e eu que somos moços, que Sintetize, em uma frase completa, por que, no texto,
sentimos o futuro nas aspirações ardentes do peito, esses fragmentos representam atitudes diferentes
que temos a fé na cabeça e a poesia nos lábios, a nós o quanto às regras de colocação dos pronomes átonos
amor e a esperança: a nós o lago prateado da existência. enclíticos se e nos.
BNCC em foco
EM13LP06 Zika pode causar microcefalia?
1. UFVJM-MG 2017 Sim. Foram encontrados vírus no líquido que envol-
ve o bebê durante a gravidez e também no líquido do
ME EXPLICA sistema nervoso central dos bebês diagnosticados com
Entenda o zika vírus e seus sintomas microcefalia.
Doença é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o Como isso acontece?
mesmo vetor da dengue e da febre chikungunya O vírus invade a placenta, entra na corrente sanguí-
O que é o zika? nea do bebê e vai direto para o cérebro. Ali, o vírus pode
É uma infecção causada pelo zika vírus, transmitida provocar uma inflamação que retarda a multiplicação dos
pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo transmissor da neurônios e prejudica a formação do cérebro da criança.
dengue e da febre chikungunya. Existe algum tratamento para o zika? Como posso
Posso ser contaminado se entrar em contato com me prevenir?
alguém contaminado pelo vírus? Ainda não há tratamento específico para a doen-
Não. A transmissão acontece pelo picada do mosqui- ça, apenas para o alívio dos sintomas. Para limitar a
to, que após picar alguém contaminado, pode transportar transmissão do vírus, a pessoa deve ser mantida sob
o vírus durante toda a sua vida. mosquiteiros durante o estado febril, para evitar que
Como é o processo de transmissão? algum Aedes aegypti a pique.
A fêmea do mosquito deposita seus ovos em locais Mas alguém já está pesquisando a cura para o vírus?
com água parada. Ao saírem dos ovos, as larvas vivem Claro. Alguns cientistas da Universidade do Texas es-
na água por cerca de uma semana, transformam-se em tão em busca de uma vacina contra o zika.
mosquitos adultos, prontos para picar as pessoas. É verdade que o vírus se espalhou pela América
Quais são os sintomas?
Latina?
Os maiores incômodos são febre baixa e comichão na
Sim. Ao menos 21 países já estão contaminados.
pele, além de manchas avermelhadas. O mosquito adulto
A OMS, por sua vez, estima que pelo menos 4 milhões
do Aedes aegypti vive em média 45 dias, e depois que
de pessoas serão infectadas pelo zika vírus na América
a pessoa é picada leva de 3 a 12 dias para os sintomas
em 2016.
aparecerem.
E ele pode se espalhar pelo mundo?
Mas zika é dengue? Qual a diferença entre um e
Sim. No dia 1o de fevereiro a Organização Mundial
outro?
da Saúde (OMS) declarou emergência mundial por conta
Os sintomas do zika vírus são bastante parecidos (fe-
dos casos de microcefalia causados pelo zika.
bre, mal-estar, dores nas articulações) com os da dengue,
FRENTE 1
Fonte: ME EXPLICA, de 29 de fevereiro de 2016. Disponível em https://
mas menos intensos. E, claro, o vírus da dengue não causa www.cartacapital.com.br/carta-explica/entenda-o-zika-virus-e-seus-
microcefalia. sintomas/. Acessado em 07/03/2016.
89
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 89 03/04/2024 16:54:35
O título do texto “ME EXPLICA” deve ser considerado EM13LP08
a) ADEQUADO, pois, em títulos, o pronome “me” 3. Udesc 2020 (Adapt.) Certo dia em que me pus a pensar
deve ser utilizado na forma de próclise. nisso, veio-me a reflexão de que não era mau que andasse
b) INADEQUADO, pois o pronome “me”, em início eu a escrever aquelas tolices. Seriam como que exercícios
de parágrafo, não deve ser utilizado na forma de para bem escrever, com fluidez, claro, simples, atraente,
próclise. 5 de modo a dirigir-me à massa comum dos leitores, quando
c) ADEQUADO ao objetivo do autor, o de chamar tentasse a grande obra, sem nenhum aparelho rebarbati-
vo e pedante de fraseologia especial ou um falar abstrato
atenção do público geral por meio de uma lingua-
que faria afastar de mim o grosso dos legentes. Todo o ho-
gem informal.
mem, sendo capaz de discernir o verdadeiro do falso, por
d) INADEQUADO, pois o texto foi publicado em um
10 simples e natural intuição, desde que se lhe ponha este
veículo oficial e deveria obedecer às regras de
em face daquele, seria muito melhor que me dirigisse ao
utilização da língua.
maior número possível, com auxílio de livros singelos, ao al-
EM13LP08 cance das inteligências médias com uma instrução geral,
2. Uncisal 2015 do que gastar tempo com obras só capazes de serem en-
15 tendidas por sabichões enfatuados, abarrotados de títulos e
tiranizados na sua inteligência pelas tradições de escolas
e academias e por preconceitos livrescos e de autoridades.
Devia tratar de questões particulares com o espírito geral e
expô-las com esse espírito.
Fonte: Barreto, Lima. Diário do Hospício; O cemitério dos vivos; prefácio
Alfredo Bosi; organização e notas Augusto/Massi, Murilo Marcondes de
Moura. 1 ed – São Paulo: Companhia das Letras 2017, p. 134.
Analise as proposições em relação à obra O Cemi-
tério dos vivos, Lima Barreto, ao Texto, e assinale (V)
para verdadeira e (F) para falsa.
Nos períodos “Certo dia em que me pus a pensar nis-
so, veio-me a reflexão” (linhas 1 e 2) o pronome me,
quanto à colocação pronominal, sequencialmente,
está proclítico, devido à presença da partícula que,
pronome relativo que é atrativo; e enclítico, o que
se justifica pela manifestação da ordem natural –
verbo/objeto, além de não haver justificativa para
o uso da próclise ou da mesóclise.
Nas estruturas “a pensar” (linha 1), “a escrever”
(linha 3) e “a dirigir-me” (linha 5) a partícula des-
tacada, quanto à morfologia, é preposição; isto
ocorre por estarem os verbos no infinitivo, e,
quanto à transitividade, serem transitivo direto.
As orações destacadas em “veio-me a reflexão
de que não era mau” (linha 2) e “de modo a di-
Disponível em: http://depositodocalvin.blogspot.com.br/2008/11/
rigir-me à massa comum dos leitores, quando
calvin-haroldo-tirinha-511. Acesso em: 11 out. 2014. tentasse a grande obra” (linhas 5 e 6), em relação
à sintaxe, são classificadas, na sequência, oração
Na tirinha, a construção textual “Nos mostre seu cer-
subordinada substantiva completiva nominal e
tificado de ensino, dona!” representa uma estrutura
oração subordinada adverbial temporal.
típica de um contexto informal. De acordo com a
Na estrutura “que me pus a pensar nisso, veio-me
norma-padrão da língua portuguesa, há inadequação
a reflexão” (linhas 1 e 2), os pronomes destacados
nessa informalidade. Isso se dá porque
são classificados, morfossintaticamente, prono-
a) apresenta erro quanto à concordância e à regên-
me pessoal oblíquo/sujeito, e pronome pessoal
cia verbal.
oblíquo com valor de pronome demonstrativo,
b) a próclise, em contextos informais, costuma ser a
logo exercendo a função sintática de adjunto ad-
forma mais empregada.
nominal, na sequência.
c) há incoerência no emprego da forma verbal, pre-
visto para o registro oral da língua. Assinale a alternativa que indica a sequência correta,
d) o uso da 3a pessoa do plural está restrito a certos de cima para baixo.
contextos formais de fala e escrita. a) V – F – F – V d) F – V – V – F
e) a próclise, em quaisquer contextos que represen- b) F – V – F – V e) V – V – V – F
tem a oralidade, deve ser empregada. c) V – F – V – F
90 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Colocação pronominal
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_071_090_f1_c17_P4.indd 90 03/04/2024 16:54:35
HODLER, Ferdinand. O leitor.
1885. Óleo sobre tela,
31 cm 3 38 cm. Museu
Thyssen-Bornemisza, Madri.
Museu Nacional Thyssen-Bornemisza, Madri
FRENTE 1
18
CAPÍTULO Acentuação e ortografia
A obra do pintor suíço Ferdinand Hodler (1853-1918) apresenta um homem
idoso com a cabeça baixa, em leitura atenta ao que parece ser um jornal.
Podemos observar que todo o corpo do homem se inclina na direção do seu
objeto de leitura, evidenciando o seu envolvimento com essa prática. Este
capítulo dedica-se a estudar as qualidades físicas dos sons da nossa língua, a
acentuação das palavras. Também estudaremos a ortografia, isto é, a escrita
correta das palavras, o que exige treinamento e memorização. Além de co-
nhecer as regras e convenções ortográficas, as práticas de leitura e de escrita
podem contribuir para a incorporação das regras ortográficas.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 91 03/04/2024 10:24:25
Padrões de escrita: acentuação
Na língua, ao pronunciarmos uma palavra, percebemos que um dado som sobressai em relação aos outros, ou seja,
ele se destaca. A acentuação é decorrente de uma estreita relação entre certas qualidades físicas dos sons da fala, como:
a intensidade (maior ou menor força expiratória com que são proferidos); a altura (maior ou menor frequência de vibração
das pregas vocais); e a quantidade (maior ou menor duração com que são emitidos). Trataremos aqui dos acentos causados
pela intensidade, pois são mais comuns na língua portuguesa.
Saiba mais
O acento de intensidade pode expressar um efeito de ênfase ou uma descarga emocional exagerada, quando a sílaba em
que recai é pronunciada. Ex.: “Que desgraça!”; “Isto é fantástico”.
Quando aprendemos a ler e escrever, vamos adquirindo uma consciência silábica, ou seja, a ideia de que a palavra
pode ser segmentada em sílabas, cada qual com os seus respectivos sons e representação gráfica. Nesse processo, ao
longo da nossa vida escolar, podemos nos deparar com palavras parecidas, porém com configurações sonoras distintas.
Sábia (adjetivo)
Sabia (verbo)
Sabiá (substantivo)
Essas três palavras têm a mesma separação silábica, mas o acento de intensidade recai em sílabas diferentes.
Sá - bi - a
Sa - bi - a
Sa - bi - á
Graças à diferença de intensidade sonora, podemos distinguir as três palavras de acordo com as suas funções na
língua: adjetivo, verbo e substantivo, respectivamente. A essa intensidade sonora em determinada sílaba, damos o nome
de acento tônico.
Nas palavras com mais de duas sílabas, o acento tônico pode recair na última, na penúltima ou na antepenúltima
sílaba. Vejamos o quadro a seguir.
Posição do
Classificação Exemplos
acento tônico
Palavras abacaxi, amém, armazéns, chapéu, corrói, cristal, crochê, condor, gás, maracujá, nobel, papéis, pivô,
Última sílaba
oxítonas pôs, sabor, três, urubu, xerox
Penúltima Palavras açúcar, álbum, avaro, bíceps, bolo, colégio, decano, flecha, garagem, gratuito, hífen,
sílaba paroxítonas ibero, ímã, imagens, júri, órgãos, órfão, pote, próton, pudico, rubrica, tórax, túnel, úteis, vírus
Antepenúltima Palavras
acústica, círculo, dúvida, elétrico, fósforo, máximo, plástico, rápido, tóxico, último
sílaba proparoxítonas
As sílabas das palavras pronunciadas com menor intensidade são chamadas átonas.
Em palavras como “crochê”, “hífen” e “rápido”, as sílabas tônicas recebem um “acento gráfico” (agudo ou circunflexo), porém
isso não é uma regra, como verificamos em “nobel” e “rubrica”. Isso ocorre porque nem sempre as sílabas tônicas são marca-
das por acento gráfico, isto é, o acento tônico está relacionado à gramática da língua, sua estrutura, já a acentuação gráfica
é estabelecida por regras de ortografia. Conforme explicação de muitos linguistas, a ortografia é uma convenção social, um
acordo político e diplomático, como foi o último acordo que padronizou a ortografia da nossa língua com a dos países-membros
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal,
São Tomé e Príncipe e Timor-Leste). No Brasil, esse acordo foi estabelecido em 1990 e passou a vigorar em 2009.
Assim sendo, para saber ortografia é necessário treinamento, prática constante e memorização consciente. Pensando
nisso, podemos tirar algumas conclusões quanto às regras de acentuação gráfica a partir das palavras da tabela a seguir.
Recebem acento gráfico as palavras terminadas em
Monossílabos tônicos -a(s), -e(s) e -o(s).
Oxítonas -a(s), -e(s), -o(s), -em, -ens e ditongos abertos, como -éi(s), -éu(s) e -ói(s).
-i/is, -us, -r, -l, -x, -n, -um/-uns, -o/-ãos, -ã/-ãs, -ps, -on/-ns e ditongo oral, crescente ou decrescente,
Paroxítonas
seguido ou não de “s”.
Proparoxítonas Todas são acentuadas.
92 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 92 03/04/2024 10:24:25
Atenção
Ditongo é o encontro de vogais em uma mesma sílaba. Eles podem ser crescentes (sé-rie), decrescentes (vai), orais (má-goa)
ou nasais (cãi-bra). Os ditongos de pronúncia aberta “ei” (i-dei-a), “oi” (he-roi-co), que antes da última Reforma Ortográfica
eram acentuados em palavras paroxítonas, perderam o acento no atual Acordo (assembleia, plateia, geleia, jiboia, paranoico).
A seguir, apresentamos algumas particularidades sobre os usos dos sinais gráficos de acentuação da língua portuguesa.
Acento Função Curiosidades sobre o uso
Indicar vogal aberta e a
Agudo (´) As vogais i e u são sempre fechadas, mas recebem acento agudo (Ex.: túmulo, íntimo).
sílaba tônica.
O acento circunflexo tem valor diferencial na conjunção dos verbos “ter” e “ver” (ele
Indicar vogal fechada e a
Circunflexo (^) tem/eles têm; ele vem/eles vêm); mas, em ocorrências do grupo -em, utiliza-se o
sílaba tônica.
acento agudo (Ex.: alguém, porém).
Atenção
O acento grave (`) não indica sílaba tônica, limitando-se a exercer função gramatical: indicar a “junção” de duas vogais idên-
ticas, sobretudo da preposição a com o artigo feminino a(s). Além disso, é importante destacar que não existe diferença de
pronúncia entre a (sem acento) e à (com acento grave).
Atenção
Segundo o Acordo Ortográfico atual, o sinal gráfico trema não é mais usado na língua portuguesa, senão em nomes próprios
de origem estrangeira e seus derivados (Müller e mülleriano, por exemplo). Lembre-se, no entanto, de que a pronúncia das
palavras continua a mesma.
A seguir, vamos nos debruçar sobre o estudo da ortografia. Tal palavra é formada por hibridismo de dois radicais de
origem grega:
ORTO (correto) + GRAFIA (escrita)
Ortografia, portanto, é o saber escrever corretamente.
Sistema ortográfico de escrita
Comentamos anteriormente que aprender ortografia é uma atividade que exige treinamento e memorização. Assim
como aprender um instrumento musical ou um estilo de dança, bem como usar algum equipamento eletrônico, saber
as regras ortográficas demanda prática de leitura e de escrita constante. A ortografia é um conjunto de regras e normas
estabelecidas por acordos políticos e escolhas de um grupo de especialistas. Por isso, quando incorremos em uma inade-
quação de ortografia, o que ocorre, na verdade, é um desvio em relação às regras desses acordos político-ortográficos.
Saiba mais
Algumas línguas do mundo são ágrafas, isto é, não têm uma forma escrita, somente falada. Muitas vezes, essas línguas são
mais complexas em seu funcionamento do que as línguas com grafia.
Geralmente, os desvios ortográficos na língua portuguesa ocorrem por dois motivos:
1. O usuário da língua faz analogias entre fala e escrita, muitas vezes se afastando do uso convencionado pela orto-
grafia oficial.
2. O usuário utiliza uma variedade linguística (familiar ou da sua comunidade, por exemplo) e escreve valendo-se dela.
Em muitos casos, as analogias que os usuários da língua fazem são lógicas e racionais, mas esbarram nas convenções
ortográficas. Por exemplo, se escrevemos “encher” (com ch), o mais racional seria escrever “enxergar” também com ch,
uma vez que se trata do mesmo som /∫/, porém, conforme a ortografia oficial, a forma correta dessa palavra é com x. Isso
ocorre porque há irregularidades na relação entre o som (fonema) e a letra (grafema) que o representa, ou seja, um mesmo
som pode ser representado por diferentes letras ou uma letra pode representar mais de um som. Essas irregularidades
FRENTE 1
costumam gerar muitas dúvidas em relação à escrita correta de algumas palavras, sendo necessário memorizá-la ou utilizar
alguns critérios, como a etimologia.
93
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 93 03/04/2024 10:24:25
Observe, no quadro a seguir, os destaques nas palavras dadas como exemplos, em que o mesmo som pode ser
representado graficamente por diferentes letras.
Som Grafias possíveis Exemplos
J viajar, arranjar
/ /
G passagem, vertigem, penugem, relógio, refúgio
CH Palavras de origens diversas: chumbo, sanduíche, chope
/∫/
X enxergar, enxoval, mexicano, mexer
Ç amigaço, dentuça, distorção (distorcer) obtenção (obter)
C amadurecer, cinema
imersão (imergir), recurso (recorrer) repulsão (repelir), consenso (consentir) inversão (inverter),
S
ascensão (ascender)
/s/ SC ou SÇ nascer, desça
SS submissão (submeter), agressão (agredir) repressão (reprimir), cessão (ceder), discussão (discutir)
X Critério etimológico: explorar, sintaxe
XC Critério etimológico: excitação, exceção
S marquês, baronesa, francesa, poetisa, carinhoso, ênfase, deusa
/z/ X exagerado, exigir, exemplo
Z humanizar, conduzir, tristeza
Outros desvios ortográficos na escrita ocorrem em razão dos processos fonológicos e morfológicos muito comuns
na língua portuguesa falada. Esses processos já foram analisados em muitos estudos científicos. Veja alguns deles no
quadro a seguir.
Processos fonéticos e morfológicos que geram desvios ortográficos
Desvio ortográfico Exemplo
Troca do lh por li. agulha ñ agulia
Escrita simples de e do ditongo ei. queijo ñ quejo
menino ñ minino
Escrita i para e postônico ou pretônico.
sobe ñ sobi
mártir ñ mártire
Paragoge: acréscimo de fonema no fim de uma palavra, sem alterar o sentido.
amor ñ amore
Eliminação das marcas de plural redundantes. eles chegaram ñ eles chegou
falar ñ falá
Apócope: supressão do r em final de palavras.
pior ñ pió
mas ñ mais
Epêntese: inclusão de uma letra no meio da palavra.
rapaz ñ rapaiz
moleque ñ muleque
Escrita u para o postônico ou pretônico.
governo ñ guverno
Síncope da vogal postônica dos proparoxítonos. ônibus ñ onbus
legal ñ legau
Escrita u para l no final de sílaba.
farol ñ farou
andando ñ andano
Assimilação -ndo ñ -no, nos gerúndios.
chorando ñ chorano
flamengo ñ framengo
Rotacismo: repetição sistemática da letra r, sobretudo no lugar de l. chiclete ñ chicrete
papel ñ paper
prato ñ plato
Lambdacismo: troca de r por l.
fraco ñ flaco
abóbora ñ abobra
Síncope: extinção do fonema no interior de uma palavra.
para ñ pra
94 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18.indd 94 09/04/2024 10:40:07
Nesses exemplos, vemos que os erros ortográficos são previsíveis e podem ser explicados. Diante disso, o usuário
da língua deve sempre estar atento às convenções da escrita oficial, tendo em mente que o modo como falamos não
necessariamente é a maneira como devemos escrever as palavras.
Emprego do hífen
O emprego do hífen é outro aspecto relacionado à ortografia que sempre gera dúvidas aos usuários da língua portu-
guesa. Apesar de o novo Acordo Ortográfico estar vigente desde 2009, ainda hoje há algumas dificuldades no uso das
regras do hífen na hora de escrever.
O cartunista Jean Galvão fez uma brincadeira com o emprego (uso)
do hífen e a falta de trabalho. Além das pessoas estarem desempregadas,
o personagem comenta que o “Até o hífen está sem emprego!”, pois não
foi utilizado na expressão “Precisa-se” do cartaz, conforme as convenções
ortográficas.
De modo geral, o uso do hífen está relacionado às palavras derivadas
por prefixação. Casos de hífen em processo de sufixação ou composição
são menos comuns na língua portuguesa, por isso devemos dedicar nossa
atenção aos critérios de emprego do hífen na prefixação. É recomendável
Jean Galvão, Instagram
o uso do dicionário sempre que houver dúvidas.
No Acordo Ortográfico vigente, foram estabelecidos alguns critérios
para o emprego do hífen em processos de prefixação. São eles:
• Critério ortográfico: usamos o hífen para separar elementos que produ-
ziriam sequências ortográficas incomuns na língua portuguesa. Observe.
Uso do hífen por critérios ortográficos Exemplos
Se o prefixo terminado em vogal é seguido de palavra anti-herói,
iniciada por h. Não é comum na língua portuguesa palavras com a semi-humano,
letra h no meio (exceto nos dígrafos), por isso o hífen é usado. pré-histórico
mal-limpo,
Se o prefixo termina em consoante e a segunda palavra se inicia
Emprega-se hífen super-racional,
pela mesma consoante.
hiper-reativo
pós-guerra
Se há formação com prefixos tônicos. recém-nascido
aquém-mar
coobrigação,
Não se
Se os prefixos átonos co-, pre-, pro- e re- são seguidos de palavras preexistente,
emprega
iniciadas com a mesma vogal com a qual terminam. reescrever,
hífen
reedição
• Critério fonético: usamos o hífen para garantir a sucessão harmoniosa dos sons no processo de prefixação. Vejamos
os casos a seguir.
Uso do hífen por critérios fonéticos Exemplos
micro-ondas,
Se o prefixo termina com a mesma vogal
auto-observação,
com que se inicia a segunda palavra.
Emprega-se hífen ante-estreia
Se os prefixos sub-/sob- são seguidos de r, sub-reitor,
evita-se sílaba com br. sob-rodas
Se o prefixo termina em consoante e a
transatlântico,
palavra que segue inicia-se
superintendente
por vogal.
antirracismo,
Se o prefixo terminado em vogal é seguido
ultrassom,
de r ou s, dobra-se a consoante.
Não se emprega hífen minissaia
agroecologia, autoanálise,
Se o prefixo termina com vogal diferente
extraorgânico,
da que inicia a segunda palavra.
semiárido
Em palavra composta formada com ele- pé de moleque,
mento de ligação. dia a dia
FRENTE 1
Além desses usos, emprega-se hífen:
• Para sequenciar duas palavras em uma palavra composta, podendo ser elas substantivo, adjetivo, numeral ou verbo:
arco-íris, alto-mar, amor-perfeito, franco-brasileiro, sexta-feira, porta-bandeira, quebra-cabeça.
95
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18.indd 95 11/04/2024 15:06:24
• Nas palavras compostas por justaposição que de- Saiba mais
signam espécies botânicas e zoológicas: bem-te-vi,
cobra-d’água, mico-leão-dourado, couve-flor, cravo-da- As regras completas que regem o uso do hífen podem
-índia, erva-cidreira, pimenta-do-reino. ser consultadas no link a seguir: https://www.academia.org.
br/sites/default/files/conteudo/o_acordo_ortogr_fico_da_
• Em palavras terminadas com sufixos de origem tupi- lngua_portuguesa_anexoi_e_ii.pdf. Acesso em: mar. .
-guarani: Mogi-Guaçu, capim-açu.
Revisando
1. EsPCEx-SP 2023 restaria o lote, à espera de outra casa maior, sem sinal dele
e dos seus, mas destinada a concentrar outras vivências.
Assiste à demolição Uma ordem, um estatuto pairava sobre os destroços, e tudo
— Morou mais de vinte anos nesta casa? Então vai era como devia ser, sem ilusão de permanência.
sentir “uma coisa” quando ela for demolida. Começou a Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. 12. ed.
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1979.
demolição. Passando pela rua, ele viu a casa já sem te-
lhado, e operários, na poeira, removendo caibros. Aquele Vocabulário
telhado que lhe dera tanto trabalho por causa das goteiras,
tapadas aqui, reaparecendo ali. Seu quarto de dormir estava caibro s.m. elemento estrutural de um telhado, geral-
exposto ao céu, no calor da manhã. Ao fundo, no terraço, mente peças de madeira que se dispõem da cumeeira
tinham desaparecido as colunas da pérgula, e a cobertura ao frechal, a intervalos regulares e paralelas umas às
de ramos de buganvília – dois troncos subindo do pátio outras, em que se cruzam e assentam as ripas, fre-
lá embaixo e enchendo de florinhas vermelhas o chão de quentemente mais finas e compridas, e sobre as quais
ladrilho, onde gatos da vizinhança amavam fazer sesta e se apoiam e se encaixam as telhas
surpreender tico-ticos. Passou nos dias seguintes e viu o pérgula s.f. espécie de galeria coberta de barrotes
progressivo desfazer- se das paredes, que escancarava a casa espacejados assentados em pilares, geralmente guar-
de frente e de flancos jogando-a por assim dizer na rua. Os necida de trepadeiras
marcos das portas apareciam emoldurando o vazio. O azul buganvília s.f. designação comum às plantas do gê-
e as nuvens circulavam pelos cômodos, em composição nero Bougainvillea, trepadeira, muito cultivadas como
surrealista. E o pequeno balcão da fachada, cercado de ar, ornamentais
parecia um mirante espacial, baixado ao nível dos míopes. de flanco s.m. pela lateral
A demolição prosseguiu à noite, espontaneamente. marco s.m. parte fixa que guarnece o vão de portas
Um lanço de parede desabou sozinho, para fora do tapu- e janelas, e onde as folhas destas se encaixam, pren-
me, quando já cessara na rua o movimento das lotações. dendo-se por meio de dobradiças
Caiu discreto, sem ferir ninguém, apenas avariando – des- tapume s.m. cerca ou vala guarnecida de sebe que de-
culpem – a rede telefônica. fende uma área; anteparo, geralmente de madeira, com
A casa encolhera-se, em processo involutivo. Já agora que se veda a entrada numa área, numa construção
de um só pavimento, sem teto, aspirava mesmo à desin- lambri s.m. revestimento interno de parede, usado
tegração. Chegou a vez da pequena sala de estar, da sala com fim decorativo ou para proteger contra frio, umi-
de jantar com seu lambri envernizado a preto, que ele dade ou barulho; feito de madeira, mármore, estuque,
passara meses raspando a poder de gilete, para recuperar numa só peça ou composto por painéis, que vão até
a cor da madeira. E a vez do escritório, parte pensante e certa altura ou do chão ao teto (mais usado no plural)
sentinte de seu mecanismo individual, do eu mais íntimo caliça s.f. conjunto de resíduos de uma obra de alvena-
e simultaneamente mais público, eu de gavetas sigilosas, ria demolida ou em desmoronamento, formado por pó
manuseadas por um profissional da escrita. De todo o ou fragmentos dos materiais diversos do reboco (cal,
tempo que vivera na casa, fora ali que passara o maior argamassa ressequida) e de pedras, tijolos desfeitos
número de horas, sentado, meio corcunda, desligado de lote s.m. porção de terra autônoma que resulta de lo-
acontecimentos, ouvindo, sem escutar, rumores que che- teamento ou desmembramento; terreno de pequenas
gavam de outro mundo – cantoria de bêbados, motor de dimensões, urbano ou rural, que se destina a constru-
avião, chorinho de bebê, galo na madrugada. ções ou à pequena agricultura
E não sentiu dor vendo esfarinharem-se esses compar-
Fonte: HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua
timentos de sua história pessoal. Nem sequer a melancolia Portuguesa. Elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e
do desvanecimento das coisas físicas. Elas tinham durado, Banco de Dados da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. Objetiva, 2009.
cumprido a tarefa. Chega o instante em que compreende-
mos a demolição como um resgate de formas cansadas, A ortoépia ocupa-se da boa pronunciação das pala-
sentença de liberdade. Talvez sejamos levados a essa
vras. A prosódia é a parte da fonética que tem por
compreensão pelo trabalho similar, mais surdo, que se vai
objeto a exata acentuação tônica das palavras. Assi-
desenvolvendo em nós. E não é preciso imaginar a alegria de
formas novas, mais claras, a surgirem constantemente nale a alternativa correta quanto à pronúncia indicada
de formas caducas, para aceitar de coração sereno o fim das entre parênteses após cada palavra.
coisas que se ligaram à nossa vida. a) rubrica (rú) d) Nobel (nó)
Fitou tranquilo o que tinha sido sua casa e era um b) ruim (rú) e) subsídio (sí )
amontoado de caliça e tijolo, a ser removido. Em breve c) gratuito (uí )
96 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18.indd 96 10/04/2024 13:41:29
2. Unichristus-CE 2022
Disponível em: https://diogoprofessor.blogspot.com. Acesso em: 24 maio 2021.
A tirinha faz menção ao Novo Acordo Ortográfico que entrou em vigência, de forma oficial, a partir de 2016. Além
dos vocábulos presentes que perderam o acento, outros termos também sofreram a perda de acentuação, como os
evidenciados em
a) linguiça – guisado. d) substantivo – urubu.
b) açougue – azedo. e) caju – caqui.
c) ideia – heroico.
3. IME-RJ 2019 Assinale a alternativa em que os vocábulos são acentuados de acordo com as mesmas regras de acen-
tuação gráfica das palavras transcritas a seguir, respectivamente: sandália; úmida; só; sensível; conteúdo.
a) réstia, sifilítico, vê, grátis, baú d) estória, poético, têm, viúva, maiúscula
b) água, família, há, revólver, frágil e) solitária, fáceis, deixá-lo, médio, carícia
c) infância, matéria, à, móveis, saúva
4. Efomm-RJ 2024
Recado pro bolsinho da camisa
Lourenço Diaféria
Não sei como você se chama, garoto, mas te vi um dia atravessando o viaduto de concreto.
Caía chuvisco.
Teus cabelos estavam ensopados e a camisa de brim grudada no teu corpo magro e ágil como flecha disparada pelo
arco do trabalho.
Você corria saltando no reflexo do asfalto molhado, como bolinha de gude rolada na infância.
Não deu tempo para perguntar teu nome. Tuas pernas finas tinham pressa. Você carregava a maleta de mão com fecho
cromado, e dentro dela havia o peso da responsabilidade de papéis sérios e urgentes, que deveriam chegar a um ponto
qualquer da Cidade, antes que se fechassem os guichês e portarias.
Outra vez te vi, garoto.
Fazia então um sol redondo e cheio pendurado no travessão do espaço.
Outra vez, teus cabelos úmidos de suor, a camisa de brim manchada, as calças rústicas mostrando a marca da barra que
tua mãe soltou de noite, fio por fio, com um sorriso e um orgulho:
— O moleque está crescendo!
Não sei como você se chama, garoto.
Te conheço de vista escalando os edifícios, alpinista de elevadores, abridor de picadas na multidão, ponta de lança
rompedor nesta briga de foice que são as ruas da Cidade.
Garoto que cresce sob o sol e chuva carregando na maleta cheques, duplicatas, títulos, recibos, cartas, telegramas, tutu,
bufunfa, grana e um retrato da menina que te espera na lanchonete.
Teu nome é: — gente.
Inventaram outro nome enrolado para dizer que você é garoto do batente.
Office-boy.
Guri que finta banco, escritório, repartição, fila, balcão, pedido de certidão, imposto a pagar, taxa de conservação, título
no protesto e que mata no peito e baixa no terreno quando encontra os olhos da garota da caixa, que pergunta de modo
muito legal:
— Tem dois cruzeiros trocados?
Moleque valente que acorda cedo, engole café com pão, fala tchau mesmo, vai pro ponto do ônibus ou estação, se
pendura na condução, se vira mais que pião, tem sua turma, conta vantagem, lê jornal na banca, esquenta a marmita, discute
FRENTE 1
a seleção, e depois do almoço bebe um refrigerante gelado e pede uma esfirra com limão.
E depois toca de novo a zunir pela Cidade, conhecido em tudo que é esquina, oi daqui, oi dali, até que a tarde chega e
o garoto sai correndo de volta pra casa, vestir o guarda-pó, apanhar a esferográfica, enfiar os cadernos na sacola e enfrentar
97
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 97 03/04/2024 10:24:26
a escola, o sono, a voz do professor, o quadro-negro, a 5. Uniceub-DF 2019
equação de duas incógnitas, depois de ter passado o dia
inteiro gastando sola.
Guri, teu nome é: — gente.
Menino de escritório, menino do batente, que agar-
ra o trabalho com unhas e dentes, sem você a Cidade
amanheceria paralisada como bicho enorme ao qual hou-
vessem cortado as pernas.
Pois bem: este recado não é para ser entregue a nin-
guém, a não ser a você mesmo.
Se quiser, guarde-o no bolsinho da camisa.
Um dia, quando você estiver completamente cresci-
do, quando tiver bigodes, telefones, papéis importantes
para preencher, alguns cabelos brancos; e sua mãe não
precisar (ou não puder mais) desmanchar a barra de suas
calças que ficaram curtas; quando você tiver de dar ordens A charge trabalha, de forma bem-humorada, uma das
de serviço a outros garotos da Cidade, saberá que, para mudanças estabelecidas pelo acordo ortográfico vi-
chegar a qualquer lugar, o segredo é não desistir no meio gente desde 2016.
do caminho. Assinale a alternativa que apresenta uma palavra que
Mas não se esqueça nunca de que as oportunidades sofreu a mudança apontada na charge, seguida de
não apenas se recebem ou se conquistam. outro vocábulo também modificado pela reforma.
As oportunidades também devem ser oferecidas para a) pinguim e autorretrato. d) joia e assembléia.
que as pessoas pequenas saibam que seu nome é: — gente. b) aquático e microônibus. e) água e heroi.
No futebol da vida, garoto, a parada é dura e a bola, divi- c) linguiça e mini-saia.
dida. Jogue o jogo mais limpo que você tiver. Jogue sério.
Não afrouxe se o passe recebido parecer longo 6. Ufam 2019 Assinale a alternativa em que a palavra
demais. sublinhada NÃO está CORRETAMENTE escrita, tendo
Os mais bonitos gols da vida são marcados pelos que sido trocado o S pelo Z ou vice-versa:
acreditam na força de seu pique. a) A qualquer momento a paralisação dos pro-
Ponha esse recado no bolsinho da camisa, guri. fessores, reivindicando melhores salários, será
Um dia você descobrirá que a vida nem sempre é a decretada.
conquista da taça. b) O objetivo dos jesuítas, no período colonial brasi-
A vida é participar do campeonato. leiro, era catequisar os índios.
Vai nela, garotão! c) Tantos foram os aplausos e os pedidos, que a
(Antologia da crónica brasileira – de Machado de Assis a
Lourenço Diaféria. São Paulo: Moderna, 2005. p. 196-9.)
cantora teve de bisar o seu maior sucesso.
d) Devido ao aquecimento global, as pesquizas se
Fonte: Livro-Português: Linguagem, 3/ William Roberto Cereja, Thereza voltam, cada vez mais, para o meio ambiente.
Cochar Magalhães, 11.ed – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 35-7.
e) Uma avezinha pousou na varanda e veio beliscar
Analise os fragmentos abaixo: os mamões do café da manhã.
I. “[...] mas te vi um dia atravessando o viaduto de 7. IFPE 2020
concreto.”
II. “Caía chuvisco.”
III. “[...] a camisa de brim grudada no teu corpo magro
e ágil [...]”
Assinale a opção correta em relação às regras de
acentuação.
a) A palavra destacada no primeiro fragmento não é
acentuada devido à mesma regra segundo a qual
não se acentua a palavra “moinho”.
b) A palavra destacada no segundo fragmento
recebe acento gráfico pela mesma regra de acen-
tuação da palavra “feiúra”.
c) A palavra destacada no terceiro fragmento recebe
acento gráfico pela mesma regra de acentuação
da palavra “água”.
d) Apenas as palavras destacadas no primeiro e no
terceiro fragmentos são paroxítonas.
e) As palavras destacadas nos três fragmentos são BECK, A. Disponível em: https://tirasarmandinho.tumblr.com/
paroxítonas. post/143703532119/tirinha-original. Acesso em: 26 out. 2019.
98 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18.indd 98 10/04/2024 13:41:50
Segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portu- 8. Ufam 2022 Assinale a alternativa na qual o emprego
guesa, a palavra “autoestima”, que foi empregada no do hífen está INCORRETO:
primeiro quadrinho, é grafada sem hífen. Isso acon- a) Durante o Festival, os barcos no sentido Manaus-
tece com muitos outros vocábulos. Considerando as -Parintins viajam sempre lotados.
regras para o uso do hífen em palavras com prefixos, b) Muitos acidentes e assassinatos ainda continuam
assinale a alternativa que possui uma palavra grafada mal-explicados pela polícia.
CORRETAMENTE, conforme o referido acordo. c) O time fechou-se na defesa, jogando apenas em
a) Micro-ondas. contra-ataque.
b) Contra-indicação. d) O para-quedas não abriu e, por isso, consumou-
c) Infra-estrutura. -se a tragédia.
d) Auto-escola. e) O enredo da escola de samba para 2023 é “Bahia
e) Mini-saia. de Todos-os-Santos”.
Exercícios propostos
1. EsSA-MG 2019 Assinale a alternativa em que todas 5. IFSC 2018 A indústria tecnológica se desenvolveu
as palavras são consideradas paroxítonas na escrita: muito nos últimos anos. Com isso, a quantidade e a
a) Paris – Brasil – Londres – Munique. qualidade dos produtos eletrônicos surpreendem
b) rubrica – satélites – fenômeno – planetário. cada dia mais os consumidores. Sabendo-se que as
c) universidade – significado – Singapura – país. palavras em destaque receberam acentos gráficos
d) publica – astronauta – viajaram – história. por serem proparoxítonas, em qual alternativa há so-
e) Brasília – Amazônia – Califórnia – Júpiter. mente palavras cujos acentos foram empregados com
base na mesma regra de acentuação?
2. Ufam 2019 Assinale a alternativa em que a palavra a) bêbado, pública, cáqui, trânsito
em destaque precisaria estar acentuada: b) mínimo, chapéu, cândida, biquíni
a) O cateter é um tubo flexível que se insere na veia c) abadá, tricô, flácido, avô
para extrair ou injetar fluidos. d) máxima, música, alfândega, obstáculo
b) O eletron é a menor partícula negativa de um átomo. e) tráfego, ímpeto, sábado, fênix
c) Os atletas olímpicos têm como meta bater os re-
cordes estabelecidos. 6. IFMS 2019
d) No dia a dia, as pessoas erram frequentemente a
pronúncia da palavra rubrica.
e) Avaro é uma pecha dada às pessoas sovinas, que
não gastam dinheiro à toa.
3. EEAR-SP 2023 Assinale a alternativa em que não há
erro de acentuação.
a) Caminhou pôr trilhas fechadas em matas longin-
quas para encontrar a sequoia, espécie gigantesca
que pode viver mil anos.
b) Caminhou por trilhas fechadas em matas longín-
quas para encontrar a sequoia, espécie gigantesca
que pode viver mil anos. (Disponível em: https://www.estudokids.com.br/wpcontent/
c) Caminhou por trilhas fechadas em matas longin- uploads/2015/01/charge-surgimento-objetivo-e-como-e-no-brasil.jpg.
Acesso em: 30 de set. de 2018.)
quas para encontrar a sequóia, espécie gigantesca
que pode viver mil anos. Assinale a alternativa que apresenta a regra que justi-
d) Caminhou pôr trilhas fechadas em matas longín- fica a acentuação do vocábulo “carnê”.
quas para encontrar a sequóia, espécie gigantesca a) Todas as proparoxítonas são acentuadas.
que pode viver mil anos. b) Acentuam-se as paroxítonas terminadas em diton-
go oral.
4. IFTO 2019 O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
c) Acentuam-se as oxítonas terminadas em “e”.
afetou a escrita de algumas palavras do português. Em qual
d) Acentuam-se as oxítonas terminadas em “em”.
das alternativas abaixo todas as palavras estão grafadas
e) Acentuam-se os ditongos abertos nas palavras
corretamente de acordo com o novo acordo ortográfico?
oxítonas.
a) Crêem; pólo; tranquilo.
b) Alcatéia; anti-higiênico; aero-espacial. 7. UFPR 2020 Em relação ao padrão ortográfico vigente
FRENTE 1
c) Infraestrutura; pára; enjôo. da língua portuguesa, considere as seguintes sentenças:
d) Bilíngue; alcaloide; feiura. 1. Mariana não pôde por na poupança o dinheiro
e) Sagüi; jóia; pelo. que recebeu de casamento.
99
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 99 03/04/2024 10:24:26
2. O voo que trouxe os passageiros de Londres a 9. EEAR-SP 2023 Assinale a alternativa em que há erro
São Paulo sofreu um atraso de 2 horas. de grafia na palavra em destaque.
3. A matéria-prima usada para fazer o bolo foi impor- a) Ali não se realizavam testes com gene humano.
tada da Itália. b) Consumia alimentos semi-integrais para manter-se
4. A microrregião da Chapada dos Veadeiros possui saudável.
21.337,58 km2 de área total e 62.656 habitantes c) Guardava com carinho muitos objetos que para
(2,94 de densidade populacional), distribuídos ele eram sacro-santos.
em 8 municípios. d) A médica mandou prevenir os instrumentos ne-
5. A Educação a Distância é uma forma de ensino cessários à cirurgia.
que possibilita a auto-aprendizagem.
10. EEAR-SP 2023 Assinale a alternativa em que o espa-
Segue(m) as normas da nova ortografia a(s) sentença(s): ço da palavra deve ser completado com sc.
a) 3 apenas. a) Desejo boa sorte em tão preten___iosa aventura!
b) 1 e 5 apenas. b) Encontrei apenas uma notícia su___inta neste jornal.
c) 2, 3 e 4 apenas. c) Escolhia produtos para sua residência com preço
d) 1, 2, 4 e 5 apenas. ace___ível.
e) 1, 2, 3, 4 e 5. d) Na reunião, a exposição do assunto su___itou al-
8. UFMS 2018 Observe atentamente a imagem a seguir. gumas dúvidas.
11. FGV-SP 2022 Leia a seguinte apresentação de uma
matéria jornalística sobre sinalização de trânsito:
Quando a sinalização é “pegadinha”
Estamos a anos-luz de uma sinalização rodoviária
que tenha alguma lógica e não contribua para provocar
acidentes.
Revista Época, 15/08/2013.
Analise os seguintes comentários sobre elementos
presentes no texto:
I. As aspas em “pegadinha” têm a finalidade de
marcar o emprego de palavra pertencente a um
registro linguístico diverso daquele que predomi-
na no texto.
II. Em “Estamos a anos-luz”, ocorre um erro de orto-
grafia ao se usar “a” em vez de “há”.
III. A forma verbal “contribua” poderia ser substituída
por “colabora”, sem prejuízo para o sentido e para
a correção gramatical.
É possível afirmar que o caráter humorístico da ima-
gem se deve: Tendo em vista o contexto, está correto apenas o que
a) ao empregar um desvio no registro ortográfico da se afirma em
palavra “ortografia”, de modo a causar a conver- a) I. c) III. e) II e III.
gência com o substantivo “horto” que remete a b) II. d) I e II.
uma pequena área de cultivo.
12. IFPE 2019
b) ao empregar um desvio no registro ortográfico o
que se faz perceber somente através da pronún- BALANÇAS E GANGORRAS AMBIENTAIS
cia da palavra “hortografia”, e não por seu registro (1) Tornou-se senso comum afirmar que devemos
escrito. equilibrar conservação ambiental, garantias sociais e
c) ao empregar de modo positivo um desvio no re- viabilidade econômica em prol do desenvolvimento sus-
gistro ortográfico de maneira a descaracterizar a tentável. Todavia, quando acompanhamos debates acerca
norma-padrão e, portanto, ratificá-la. de nossas regras ambientais, temos a sensação de que, ao
d) à confluência entre a imagem e o registro escrito, invés de estarem no mesmo time, os agentes dos chamados
visto que linguagem verbal e visual, neste caso, “pilares da sustentabilidade” agem como rivais tentando
não se relacionam. se sobrepor uns aos outros.
e) ao emprego do estigma em relação à variação (2) Pode-se afirmar que os ganhos ambientais foram
linguística, tomada negativamente e, portanto, consideráveis nas últimas décadas, desde o código flo-
evidenciando que registros desviantes da norma- restal, com sua confusa e genérica, porém indispensável,
-padrão não promovem novas relações verbais determinação de Áreas de Preservação Permanente, mas,
ou de significação. principalmente, com uma lei fundamental que estabelece
100 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18.indd 100 11/04/2024 15:10:57
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). em que os times Flamengo e Fluminense se enfrentam.
Dentre seus objetivos, assim como a conservação e a pre- Tal expressão caracteriza um encadeamento vocabular,
servação de habitat, espécies e recursos naturais, estão a que é a associação ocasional de palavras, e, no caso
promoção do desenvolvimento sustentável e a valorização do texto, da versão contraída das palavras. Analise as
econômica e social da diversidade biológica. alternativas a seguir e assinale aquela em que também
(3) Com o SNUC, haveria garantias de que áreas com há um encadeamento vocabular.
relevância ambiental seriam conservadas e também que a) Sexta-feira; Amor-perfeito.
populações que extraem desses ambientes a sua subsis- b) Ensino-aprendizagem; (Ponte) Rio-Niterói.
tência teriam seus direitos observados. Infelizmente, na
c) Guarda-roupa; força-tarefa.
prática, a teoria tem sido outra. Ainda que tenhamos, hoje,
d) Decreto-lei; primeiro-ministro.
algo como 17% de nosso território protegido por Unidades
e) Primeira-dama; Domingo-de-Páscoa.
de Conservação (UCs), a distribuição é desequilibrada e
perigosamente baixa em alguns biomas. 13. IFPE 2018
(4) Também instaurou-se um terrorismo verde desneces-
sário, por conta da insegurança jurídica de terras inseridas “O BONZINHO SE DÁ MAL”:
em UCs, muitas vezes decretadas, mas não efetivadas em GENEROSIDADE E MANIPULAÇÃO
razão da ausência de planos de manejo – espécie de plano (1) Você tenta levar sua vida direitinho. Busca ser cor-
diretor de UC, que determina, entre outros, usos pretendi- dial e ter empatia com o semelhante. Trata o outro bem,
dos na unidade –, assim como problemas de propriedade, pois acha que é assim que qualquer criatura merece ser
dado que a maioria das categorias de UCs são públicas, tratada. Com quem gosta mais, vai além. Se lhe sobra,
não prevendo propriedades privadas em sua área. Isso sig- compartilha. Quando vê o erro, o instinto de proteção
nificaria dizer que todos os proprietários do local deveriam passa na frente e você tenta alertar. Se cabem dois, por que
ser desapropriados e, portanto, indenizados. ir sozinho? Isso te alegra, então eu fico contente.
(5) Criou-se, então, o Fla-Flu ambiental: ruralistas e (2) A você, tudo isso parece ser natural, orgânico.
ambientalistas se enfrentando, enquanto nosso legado para E daí você se engana. De forma egoísta, acha que tem
a garantia de vida das gerações futuras se esvai perante o direito de retirar do outro o direito de ser quem ele é.
nossos olhos. Os erros de um lado são justificativas para Quer recíproca, similaridade, espelhamento de atitudes.
medidas arbitrárias do outro. A nova onda de desafetação Vê injustiça na troca, acha que faz mais e recebe menos.
de áreas baseia-se em categorizações (enquadramento em “Trouxa, agora está aí cultivando mágoas. Da próxima vez,
uma das categorias de UC) alegadamente equivocadas do farei diferente”. E não reflete sobre tudo o que se passou.
passado. Porém, ao invés de se solicitarem recategoriza- (3) Ser verdadeiramente generoso é uma virtude que
ções, ou, ainda, criação de mosaicos de UCs, busca-se que contempla um pequeno punhado de pessoas. Em geral,
sejam desafetadas e, portanto, desprotegidas. emprestamos em vez de doar. E não fazemos isso por uma
(6) Há, ainda, outros casos mais estranhos à lei atual, debilidade de caráter: a vida se mantém a partir de trocas,
cuja proposta é de se criarem novas categorias de unidades tudo só existe em relação.
para garantir benefícios específicos dentro de UCs. Dentre (4) Quando tentamos oferecer algo gratuitamente,
tantos exemplos, nesse contexto complexo, enquadra-se inconscientemente esperamos alguma contrapartida:
a reabertura da Estrada do Colono no Parque Nacional do reconhecimento, carinho, atenção, prestígio, escuta,
Iguaçu. Sua retomada exigiria a destruição de habitat em aprovação. Às vezes, buscamos apenas sermos perce-
plena recuperação, e uma abertura perigosa de precedentes. bidos e validados naquilo que somos, mas não cremos
(7) Essa guerra de forças no âmbito ambiental, absolu- ser. É bem comum. Nisso, tornam-se admiráveis os que
tamente inconveniente, leva-nos à perda de oportunidades ajudam desconhecidos, sem se importarem com os pro-
para parcerias público-privadas em prol da proteção de blemas dos que estão próximos – a quem poderão cobrar
nossos biomas, e ao desperdício de um potencial extraor pela generosidade?
dinário de serviços ecossistêmicos promovidos pelos (5) O mesmo vale para os mercenários: aqueles que
ambientes naturais. Lamentável que os lados dessa mesma sabem dar preço às coisas mais impalpáveis, que encon-
moeda não percebam que quem está perdendo, em última tram equivalência entre dois valores tão díspares, mas
instância, não é só o verde, mas também o vermelho, o deixam as intenções às claras. Só nos sentimos engana-
azul e todas as outras cores. dos quando não deixamos às claras o preço das nossas
HARDT, Marcos. Balanças e gangorras ambientais. Jornal Gazeta
do Povo. Publicado em: 21 maio 2019. Disponível em: https//www.
atitudes.
gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/balancas-egangorras-ambientais/. (6) A generosidade é uma das formas mais primitivas
Acesso em: 25 maio 2019 (adaptado). de manipulação desenvolvidas pelo ser humano. Vem do
Releia o seguinte trecho, extraído do quinto parágrafo berço. Mais precisamente, do colo. A nossa primeira re-
do texto: ferência de doação vem da mãe, ou de quem exerceu
esse papel. O bebê, indefeso e incapaz, estará submetido
Criou-se, então, o Fla-Flu Ambiental: ruralistas e am- à oferta que provém dessa fonte. E aí aprendemos o que
bientalistas se enfrentando, enquanto nosso legado para é chantagem emocional, que mais tarde se traduzirá no
a garantia de vida das gerações futuras se esvai perante duelo entre o “só eu sei o que fiz por você” versus “você
FRENTE 1
nossos olhos. poderia ser melhor para mim”. Quem sai vencedor? A
Nele, vemos, em destaque, a expressão Fla-Flu, que faz culpa. Justo ela, uma das emoções mais tóxicas que po-
menção à disputa clássica do futebol do Rio de Janeiro, voam nossa alma.
101
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 101 03/04/2024 10:24:26
(7) O comportamento de abuso é fruto desse eixo Por que, então, essa exibição global se revelou tão
desestrutural, seja para o abusador ou para o abusado. Há, importante? Por desencavar dos baús da História não
inclusive, uma espécie de alternância entre esses papéis. oficial o lamentável episódio da construção da ferrovia
Quando o dito generoso se vê menosprezado pelo outro, Madeira-Mamoré, uma insanidade contra a qual ninguém
diz: isso é um absurdo, depois de tudo que eu fiz. Mas não se opôs. Era de se esperar algum protesto de alguém com
percebe o quanto esse fazer é, em si, uma atitude abusiva. uma visão antielitista. Aquele trecho de estrada de ferro,
(8) Isso não é uma ode ao egoísmo ou à ganância. destruidor de vidas humanas e de hábitats, exigiu esforço
Mas a partilha saudável é aquela que se dá em acordo, de monumental e inútil. Segundo Márcio Souza, era uma
forma pura. Se não consegue, melhor não ser generoso, pseudoferrovia “que conduzia o nada a lugar nenhum”.
para também não ser hipócrita. Ou, pior: emitir faturas para Assinale a alternativa que contém a palavra, dentre
guardá-las na gaveta, à espera da melhor oportunidade de as que se encontram destacadas no texto, que deve
apresentá-la àquele que julgar devedor. Não esqueçamos:
obrigatoriamente levar hífen:
são as boas intenções que lotam o inferno.
a) antielitista
TORRES, João Rafael. “O bonzinho se dá mal”: generosidade e
manipulação. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas- b) autorrespeito
blogs/psique/o-bonzinho-se-da-mal-generosidade-e-manipulacao. c) multiinfecções
Acesso: 08 out. 2017 (adaptado).
d) pseudoferrovia
No 4o parágrafo do texto, há o emprego da palavra e) minisséries
contrapartida. Esse termo possui um prefixo que exi-
15. IFMT 2018 Quanto ao uso do hífen, julgue as alterna-
ge o uso do hífen em alguns casos, segundo o Novo
tivas abaixo e assinale a CORRETA.
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Assinale a a) Pré-história; autossuficiente; mato-grossense.
alternativa que contém a grafia CORRETA de palavras b) Auto-suficiente; anti-higiênico; extraoficial.
com o prefixo contra-. c) Extra-oficial; arqui-inimigo; semicírculo.
a) Contrarregra e contra-ataque. d) Extraoficial; arquinimigo; semi-círculo.
b) Contra-senso e contracheque. e) Minissaia; ultra-sonografia; anti-séptico.
c) Contraceptivo e contra-mão.
d) Contraponto e contra-filé. 16. IFMT 2018 O uso do hífen, com o Novo Acordo
e) Contrabaixo e contra-indicação. Ortográfico da Língua Portuguesa, sofreu algumas al-
terações com o objetivo de simplificar o seu emprego.
14. Ufam 2017 Leia o texto a seguir: A palavra “micro-ondas” grafa-se com hífen, pois, con-
Uma das mais importantes minisséries da Rede Globo forme a regra do Novo Acordo:
foi a exibição de Mad Maria, romance do amazonense a) o hífen é usado para ligar duas ou mais palavras
Márcio Souza. Há que se descontar, evidentemente, os que unem os vocábulos.
exageros em torno das tramas amorosas, tramas que, no b) o hífen é usado nas formações de palavras com
livro, ficam em segundo plano. Da mesma forma, a parte prefixos, se a palavra que segue ao prefixo come-
política, em que se denunciam os abusos do poder públi- çar por vogal igual a do final do prefixo.
co e a exploração dos trabalhadores, que sofreram com c) usa-se o hífen se a consoante final do prefixo e a
multiinfecções, não foi apresentada de forma satisfatória. inicial da palavra que lhe segue são iguais.
Ficou-se no regionalismo exótico, próprio para turistas d) usa-se hífen com sufixos, se a palavra que acom-
sem autorrespeito ou para quem, tranquilo morador do panhar o prefixo começar por consoante.
Sul e do Sudeste do país, desconhece por completo a e) o hífen é usado para separar duas palavras de
região amazônica. diferentes origens.
Texto complementar
Relações entre fala e escrita – Alguns mitos e perspectivas
[...]
No Ocidente, desde seu início até os fins da Idade Média, a escrita (manuscrita) é domínio de poucos e não se apresentava
como a conhecemos hoje. Escrever era um ofício profissional, que cabia a uma corporação de ofício na Idade Média – a dos
escribas. Na Antiguidade, como vimos, os escribas eram funcionários que estavam ligados aos templos, aos soberanos e im-
peradores, ao comércio. Na Idade Média, esses funcionários permanecem ligados também ao poder de governo, ao comércio
e à Igreja, mas também às escolas e Universidades que estão surgindo. Esses escribas da Idade Média das Universidades e
Monastérios eram copistas, que transcreviam a mão (manuscritos) textos antigos encontrados ou textos novos ditados pelos
padres filósofos. [...]
Os copistas escreviam sem pontuação e sem espaços entre as palavras, mas, neste momento, a cópia de um ditado feito, por
exemplo, por Santo Agostinho já era um trabalho de estabelecer relações entre sons da fala e letras, para produzir ou documentar
textos sagrados e filosóficos (mais tarde um pouco, científicos), históricos, literários (epopeias, dramas), jurídicos (leis, contratos).
Começam a surgir os escritos variados.
102 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 102 03/04/2024 10:24:26
Mas, na Idade Média, os manuscritos não são acessíveis a todos – somente aos escribas – e nunca passam sem a voz. Quase
sempre, o escriba do manuscrito não coincide com o autor que lhe dita o texto. Aí, texto e grafia (o escrito e a escrita) estão bas-
tante separados: o autor está encarregado do texto e o escriba, da escrita. [...]
Por outro lado, era impossível ler sem a voz ou a palavra falada; ler silenciosamente. Santo Agostinho, por exemplo, considera
a leitura silenciosa como anomalia. Por essa época, a escrita ainda era menos importante que a palavra falada e tendia a se reduzir
à cópia para registro de textos ditados ou já anteriormente escritos. [...]
Pode-se dizer que é com o advento da imprensa e da escrita mecânica que a escrita separa-se da palavra falada, deslocando-se
do território do som e do tempo para o do olho e do espaço. O texto ganha autonomia em relação à palavra falada e o escrito passa
a significar mais do que simplesmente a escrita. [...]
ROJO, Roxane. As relações entre fala e escrita: mitos e perspectivas: caderno do professor. Belo Horizonte: Ceale, 2006. p. 22-23.
(Coleção Alfabetização e Letramento)
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
Quer saber mais?
Site além de abordar as particularidades sobre a nova or-
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Disponível tografia. Conta também com um guia simplificado e
em: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no- comentado sobre as mudanças que ocorreram apenas
vocabulario. Acesso em: 11 mar. 2024. no Brasil.
O site apresenta uma ferramenta de busca no Vocabu-
Uma gramática simpática, de Luiz Eduardo de Castro
lário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), contendo
Neves. Rio de Janeiro: Lexikon, 2019.
mais de 382 mil entradas, as respectivas classes grama-
Uma obra leve e bem-humorada para quem quer sa-
ticais e informações complementares. O Volp apresenta
ber mais sobre a língua portuguesa. É uma gramática
o registro oficial das palavras da língua portuguesa, es-
que pode ser “lida”, como um dos livros de história do
pecialmente do português brasileiro, e é atualizado
mesmo autor, e que pode ser consultada a qualquer
continuamente por especialistas do idioma.
momento, como se requer de uma gramática como
Livros referência.
A nova ortografia sem mistério, de Paulo Geiger e Renata
de Cassia Menezes. Rio de Janeiro: Lexikon, 2009.
A obra explica de forma simples e acessível a língua
portuguesa, sua história e a questão da ortografia,
Exercícios complementares
1. EsSA-MG 2022 De acordo com as regras de acentua- essa poesia vulgar
ção, assinale a alternativa em que as palavras receberam que não me deixa mentir
acento gráfico por serem classificadas, respectivamente, que pode ser aquilo,
lonjura, no azul, tranquila?
como: oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas.
se nuvem, por que perdura?
a) café, alcoólatra, escritório
montanha, como vacila?
b) mocotó, bíceps, exército Fonte: LEMINSKI, P. Toda Poesia. São Paulo:
c) açaí, arquétipo, táctil Companhia das letras, 2013, p. 249.
d) dúvida, rubrica, órfã
A respeito do texto do poeta Paulo Leminski, assinale
e) trânsito, baía, ômega
o que for correto.
2. UEPG-PR 2022 01 As palavras “súbito” e “estúpido” recebem acento
gráfico pelo fato de a tonicidade de ambas estar
Estupor localizada na antepenúltima sílaba.
esse súbito não ter 02 Na oração “que me leva a duvidar”, a utilização do
esse estúpido querer pronome possessivo “me” serve para estabelecer
que me leva a duvidar uma relação de pertencimento entre o sujeito e o
quando eu devia crer substantivo “dúvida”.
esse sentir-se cair 04 Pelo fato de a palavra “estúpido” ter quatro sí-
FRENTE 1
quando não existe lugar labas, enquanto o vocábulo “súbito” apresenta
aonde se possa ir apenas três, esses termos não podem ser inseri-
esse pegar ou largar dos na mesma regra de acentuação gráfica.
103
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 103 03/04/2024 10:24:26
08 Na frase “esse súbito não ter”, o termo “súbito” 16 a palavra “coronavírus” é formada por derivação.
poderia ser substituído pela palavra “abrupto” 32 a acentuação gráfica das palavras “asiático”
sem prejuízo semântico para a adequada inter- (linha 4), “ético” (linha 10) e “pública” (linha 13)
pretação do período. obedece à regra das proparoxítonas; já a de “di-
Soma: namarquês” (linha 2), “chinês” (linha 6) e “país”
(linha 8) segue as regras das oxítonas.
3. UFSC 2022 Soma:
Charge sobre coronavírus feita por jornal
4. UFMS 2020 A palavra “após” recebe acento gráfico
europeu irrita China por ser:
China afirma que a charge excedeu o “limite ético da a) oxítona terminada em “o”, seguida de “s”.
liberdade de expressão”. Mais de 100 pessoas já morreram b) proparoxítona.
no país por causa do coronavírus. c) paroxítona terminada em ditongo decrescente.
d) monossílabo tônico terminado em “o”.
Reprodução/Niels BoBojesen/
Jyllands-Posten
e) paroxítona terminada em “o”, seguida de “s”.
5. EEAR-SP 2023 Considerando a acentuação das pala-
vras, assinale a alternativa que completa os espaços
da frase abaixo.
Este livro _______ elegias com temáticas naturais,
para pessoas que _______ em busca de um senti-
mento mais _______. Que a natureza _______ os
Na charge, vírus da doença substituem as
estrelas da bandeira chinesa.
que se dipuserem a ler esses poemas!
a) contém – vêm – fluido – abençoe
Uma charge divulgada nesta segunda-feira (27/1/2020) b) contêm – vêm – fluído – abençõe
pelo jornal dinamarquês Jyllands Posten irritou as autori- c) contêm – vem – fluído – abençoe
dades da China, ao substituir as estrelas da bandeira do d) contém – vem – fluido – abençoe
país asiático por moléculas do coronavírus. A embaixada
5 chinesa na Dinamarca afirmou que o desenho é um “in- 6. UCPel-RS 2018
sulto à China, que fere o povo chinês”.
O surto do coronavírus teve início na China. Mais TWEET DE OBAMA SOBRE
de 100 pessoas já morreram no país e outras 4 500 estão CHARLOTTESVILLE É O MAIS CURTIDO
infectadas pela doença. A embaixada chinesa argumen- DA HISTÓRIA DO TWITTER
10 tou que a charge excedeu o “limite ético da liberdade de
expressão”. Por isso, a entidade exigiu que o jornal e o Ex-presidente norte-americano tuitou uma frase de Nelson
cartunista, Niels Bo Bojesen, realizassem uma desculpa Mandela
pública ao povo chinês. 16/08/2017 – 07h19 – ATUALIZADA ÀS 08h28 – POR
Contudo, o editor do jornal, Jacob Nybroe, declarou AGÊNCIA EFE
15 nesta terça-feira (28/1/2020) que “não podemos nos des- Um tweet do ex-presidente dos Estados Unidos,
culpar por algo que não achamos que está errado. Não Barack Obama, sobre a violência racista do último sábado
temos a intenção de humilhar, nem de brincar, e não acre- em Charlottesville, na Virgínia, se converteu, na noite de
ditamos que a charge a tenha”. terça-feira, na mensagem com mais curtidas da história
Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2020-01-28/
charge-sobre-coronavirus-feita-por-jornal-europeu-irrita-china.html.
do Twitter.
[Adaptado]. Acesso em: 20 out. 2021. A postagem de Obama, que utilizou trechos de uma
entrevista de Nelson Mandela, acompanhada de uma foto
Com base no texto e de acordo com a variedade pa-
do ex-presidente americano com um grupo de crianças de
drão da língua escrita, é correto afirmar que: várias etnias, alcançou 2,71 milhões de “curtidas” (likes)
01 a interpretação da charge depende do contexto e superou assim uma mensagem que a cantora Ariana
das informações noticiadas a partir do surgimento Grande publicou após o atentado em sua apresentação
do coronavírus. em Manchester, no Reino Unido, em maio deste ano, que
02 a charge produzida pelo jornal dinamarquês tem 2,7 milhões de “curtidas”.
Jyllands Posten e reproduzida no início da maté- Os trechos da entrevista de Mandela, divididos em
ria jornalística é composta de linguagem verbal e três tweets, dizem: “Ninguém nasce odiando outra pessoa
não verbal. por causa da cor da sua pele, sua cultura ou sua religião.
04 o texto traz uma notícia cuja informação principal As pessoas precisam aprender a odiar, e se elas podem
é o surgimento do surto de coronavírus na China. aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.
08 o diretor do jornal dinamarquês Jyllands Posten O tweet do ex-presidente americano também é um
desculpou-se pela publicação da charge alegan- dos mais populares da história quanto aos compartilha-
do não ter a intenção de humilhar tampouco de mentos (retweets), mas, neste quesito, ainda está na quinta
brincar com a nação chinesa. posição com 1,12 milhão.
104 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 104 03/04/2024 10:24:26
O tweet com mais retweets da história, com III. Há trechos escritos em discurso indireto e em dis-
3,65 milhões, é o de um adolescente que pedia “nuggets” curso indireto livre que revelam as opiniões da mãe
de frango de graça, seguido de uma “selfie” da apresen- Alice; da filha; e de Elizete sobre a saída da narrado-
tadora e comediante Ellen DeGeneres durante a premiação ra do seu apartamento e da região onde ela morava
do Oscar em 2014, com 3,44 milhões. até aquele momento.
Disponível em: http://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2017/08/
tweet-de-obama-sobre-charlottesville-e-o-mais-curtido-da-historia-do-
IV. O trecho sugere que Alice, a filha e Elizete têm a mes-
twitter.html. Acesso em: 11 out. 2017. (Texto adaptado) ma preocupação com a sustentabilidade ambiental.
V. Quanto à variação linguística, há trechos escritos
Das opções que seguem, a que está correta, segundo
na variante culta, na variante regional e na varian-
as regras de acentuação é:
te coloquial da língua portuguesa.
a) Está e ninguém estão acentuadas porque são
VI. As palavras “última”, “austríaca”, “família”, “móveis”
oxítonas.
seguem a mesma regra de acentuação do novo
b) Violência e história são acentuadas por termina-
acordo ortográfico.
rem em ditongo crescente, neste caso, as duas
levam acento por serem consideradas exclusiva- É correto o que se afirma em:
mente proparoxítonas. a) I, II e IV, apenas. d) II, III, IV e V, apenas.
c) Três é uma monossílaba tônica, por isso está b) I, III e V, apenas. e) I, II, III, IV, V e VI.
acentuada, enquanto que várias é uma oxítona c) II, III e VI, apenas.
acentuada porque termina em “as”.
8. IFTO 2020 Marque a opção em que a sequência de
d) Último e sábado estão acentuadas por serem
palavras está gramaticalmente correta.
proparoxítonas em que o acento agudo se apre-
a) país, idéias, ápto, hífen
senta sobre a semivogal.
b) difícil, táxi, vírus, troféu
e) Três e após estão acentuadas, pois são oxítonas ter-
c) apóio, hóteis, tórax, plágio
minadas respectivamente em “e” e “o”, seguida de “s.
d) tátil, plebéia, saúde, último
7. Unitins-TO 2021 Leia o fragmento do romance Qua- e) réus, grátis, têm, heróico
renta dias, de Maria Valéria Rezende, para responder
9. Mackenzie-SP 2017 Ciência é uma das formas de busca
à questão.
de conhecimento desenvolvida pelo homem moderno.
[...] Sob seu escopo inserem-se as mais diferentes realidades
Minha filha disse O que é isso, mãe? Parece que virou físicas, sociais e psíquicas, entre outras. A linguagem,
uma velhota sentimental, com esse apego a coisas comple- 5 manifestação presente em todos os momentos de nossas
tamente ultrapassadas. Pronto. Foi o que bastou pra Elizete vidas e em todas as nossas atividades, podendo até ser
pegar a deixa e por as mãos na massa, esvaziar gavetas e tomada como definidora da própria natureza humana,
estantes, separar roupas que Vixe, Alice, só servem mesmo passou a ser tratada sob a perspectiva dessa forma de co-
pra brechó, ou nem isso, uma velharia!, há quanto tempo nhecimento, ou seja, passou a ser objeto de investigação
10 científica, a partir do início do século XX.
você não renova seu guarda-roupa?, arrastar móveis, alugar
Por ter um papel central na vida dos seres humanos,
caminhonetes e levar minhas coisas pra garagem dela, botar
a linguagem tem como sua característica primordial ser
cartazes família-vende-tudo, uma estafa só de olhar. A essa
multifacetada. Tal característica exige que, ao submeter-se
altura nem tentei mais resistir, não podia mesmo trazer meus
ao tratamento científico, essa realidade multifacetada sofra
teréns todos, valiam muito menos que o custo do caminhão 15 cortes e abstrações, tendo como consequência o fato de
de mudança por uns cinco mil quilômetros. A última peça que ela só pode ser entendida a partir de diferentes pers-
a sair de minha casa foi a cadeira de balanço austríaca com pectivas, gerando uma pluralidade de teorias que buscam
a palhinha gasta protegida por uma almofada de ponto de compreendê-la e explicá-la.
cruz, restos da casa da minha avó, onde eu tinha arriado Esmeralda Vailati Negrão, “A cartografia sintática”,
pra ficar, amuada, assistindo ao rebuliço, à derrocada da em Novos caminhos da linguística.
minha vida tão boínha, e só pensando que, graças a Deus, Assinale a alternativa correta.
não tinha ainda posto em prática a decisão de ter um gato, a) A palavra multifacetada (linha 13) refere-se à
pobrezinho, o que seria dele naquela situação [...]. característica da linguagem humana de possuir
REZENDE, Maria Valéria. Quarenta dias. Rio de Janeiro: diferentes particularidades.
Objetiva, 2014, p. 1.
b) Em o fato de que ela (linhas 15-16) é opcional
Sobre o texto e tipos de discursos, avalie as afirma- o emprego da preposição de antes de que, de
ções a seguir. acordo com a norma culta.
I. Quem fala no texto é uma mulher, em primeira pessoa, c) É facultativo o emprego do acento indicador de
que lamenta ser obrigada a deixar seu apartamento, crase na expressão a partir de (linha 16).
onde havia recordações dos seus antepassados, d) O pronome ela (linha 16) estabelece relação de
para se arriscar em outro lugar muito distante. coesão textual catafórica com a expressão plura-
II. O excerto é construído pelos discursos indireto e lidade de teorias.
FRENTE 1
direto por meio dos quais o leitor fica sabendo e) Pelas atuais regras ortográficas de acentuação, a
como foi a mudança de Alice para satisfazer a fi- palavra compreendê-la (linha 18) pode ser escrita
lha e a Elizete. sem ou com acento circunflexo.
105
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 105 03/04/2024 10:24:26
10. UFRR 2020 Assinale a alternativa em que todas as Comprou um copo de agua mineral, 2 cruzeiros. Zanguei
palavras estão grafadas de acordo com as normas da 10 com ele. Onde já se viu favelado com estas finezas?
Língua Portuguesa. ...Os meninos come muito pão. Eles gostam de pão
a) Enchaqueca; abaixo; mexer; recauchutar; cham- mole. Mas quando não tem eles comem pão duro.
pu; chuchu; chouriço. Duro é o pão que nós comemos. Dura é a cama que
b) Enxaqueca; abaicho; mexer; recauxutar; xampu; dormimos. Dura é a vida do favelado.
chuchu; xouriço. 15 Oh! São Paulo rainha que ostenta vaidosa a tua coroa
c) Enxaqueca; abaixo; mecher; recauchutar; xampu; de ouro que são os arranha-céus. Que veste viludo e seda
xuxu; chouriço. e calça meias de algodão que é a favela.
...O dinheiro não deu para comprar carne, eu fiz ma-
d) Enchaqueca; abaicho; mecher; recauxutar; cham-
carrão com cenoura. Não tinha gordura, ficou horrível. A
pu; xuxu; xouriço.
20 Vera é a única que reclama e pede mais. E pede:
e) Enxaqueca; abaixo; mexer; recauchutar; xampu;
— Mamãe, vende eu para a Dona Julita, porque lá
chuchu; chouriço.
tem comida gostosa.
11. Mackenzie-SP 2019 É importante notar que o esforço Eu sei que existe brasileiros aqui dentro de São Paulo
para a produção dos sentidos ocorre em virtude de os ho- que sofre mais do que eu. Em junho de 1957 eu fiquei
mens desejarem estabelecer cadeias comunicativas, seja 25 doente e percorri as sedes do Serviço Social. Devido eu
para informar, convencer, emocionar, seja para explicar, carregar muito ferro fiquei com dor nos rins. Para não ver
5 determinar, aconselhar. Mas, para que isto acontecesse, foi os meus filhos passar fome fui pedir auxilio ao propalado
necessária aos diversos grupos humanos a criação de có- Serviço Social. Foi lá que eu vi as lagrimas deslisar dos
digos linguísticos próprios, acordos que conhecemos pelo olhos dos pobres. Como é pungente ver os dramas que
nome de línguas e que expressam maneiras particulares de 30 ali se desenrola. A ironia com que são tratados os pobres.
conceber os significados, as formas de uso, os mecanismos A unica coisa que eles querem saber são os nomes e os
10 de elaboração do universo das palavras. Sem isto, as expres- endereços dos pobres.
sões linguísticas cairiam no vazio e as sentenças resultariam Jesus, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: diário de uma favelada.
10a ed. São Paulo: Ática. pp. 41 e 42.
incompreensíveis. Imaginem como ficaria um alemão que
não sabe português diante da frase “A lição está difícil”. Relacione as duas colunas a seguir pautando a transgres-
Em nosso caso, o código comum é a língua portu- são, quanto à língua formal culta, identificada no texto.
15 guesa: graças a ela produzimos, verbalmente, os efeitos 1. “Cosinhei as batatas” (linha 5)
de sentido. No entanto, não se deve considerar o código 2. “Dura é a cama que dormimos” (linhas 13-14)
comum como uma referência padrão que se mantém inal- 3. “vende eu para a Dona Julita” (linha 21)
terada. Ao contrário, a língua possui variabilidades, usos 4. “eu vi as lagrimas” (linha 28)
diferenciados conforme a situação cultural, econômica, 5. “os dramas que ali se desenrola” (linhas 29-30)
20 etária, regional do usuário.
Adilson Citelli, O texto argumentativo. acentuação gráfica
regência verbal
Assinale a alternativa correta. concordância verbal
a) A expressão verbal desejarem estabelecer (linha 3), ortografia
sem prejuízo para a norma culta da língua, pode emprego inadequado do pronome reto
também ser empregada da seguinte forma: “de-
Assinale a alternativa que contém a sequência correta,
sejarem estabelecerem”.
de cima para baixo.
b) No uso da norma culta escrita da língua portugue-
a) 4-5-2-1-3 d) 4-2-5-1-3
sa, a forma foi necessária (linhas 5-6) poderia ser
b) 5-2-3-1-4 e) 4-5-2-3-1
também escrita como “foi necessário”.
c) 2-1-4-3-5
c) A expressão “sem isso” poderia ser empregada
corretamente no lugar de sem isto (linha 10), efe- 13. UFPR 2019 Considere o seguinte trecho de um texto pu-
tivamente utilizada no texto. blicado na revista Mente Curiosa (Ano 3, no 49, fev. 2019):
d) É opcional o uso do acento indicador da crase na
As selfies são comuns nas redes sociais. O termo
expressão graças a ela (linha 15).
americano não tem tradução para o português, elas basi-
e) A forma verbal mantém (linha 17) poderia ser re-
camente funcionam como __________. O que as pessoas
escrita, sem prejuízo para o uso da norma culta,
não sabem é que essas publicações revelam muito sobre
pela sua variante “mantêm”. a __________ de quem posta e têm um impacto direto na
12. Udesc 2019 22 de maio Eu hoje estou triste. Estou nervosa. de quem vê.
Não sei se choro ou saio correndo sem parar até cair incon- Assinale a alternativa que preenche corretamente as
ciente. É que hoje amanheceu chovendo. E eu não saí para lacunas acima, na ordem em que aparecem no texto.
arranjar dinheiro. Passei o dia escrevendo. Sobrou macar- a) auto retrato – auto estima.
5 rão, eu vou esquentar para os meninos. Cosinhei as batatas, b) autorretrato – autoestima.
eles comeram. Tem uns metais e um pouco de ferro que eu c) auto-retrato – autoestima.
vou vender no Seu Manuel. Quando o João chegou da es- d) auto-retrato – auto-estima.
cola eu mandei ele vender os ferros. Recebeu 13 cruzeiros. e) autorretrato – auto-estima.
106 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 106 03/04/2024 10:24:27
14. IFSC 2019 Determinadas palavras são frequentes na e ao restante da sociedade. A política feminista não se
redação oficial. Conforme as regras do Acordo Or- refere apenas ao Estado, mas aos homens e às mulheres
tográfico que entrou em vigor em 2009, assinale a 25 em geral. As empresas têm políticas para realizarem deter-
opção CORRETA que contém apenas palavras grafa- minadas metas no relacionamento com outras empresas,
das conforme o Acordo. ou com os seus empregados. As pessoas, no seu relaciona-
mento cotidiano, desenvolvem políticas para alcançar seus
I. abaixo-assinado, Advocacia-Geral da União, antihi- objetivos nas relações de trabalho, de amor, ou de lazer;
giênico, capitão de mar e guerra, capitão-tenente, 30 dizer “Você precisa ser mais político” é completamente
vice-coordenador. distinto de dizer “Você precisa se politizar mais”, isto é,
II. contra-almirante, co-obrigação, coocupante, decreto- “precisa ocupar-se mais da esfera política institucional”.
-lei, diretor-adjunto, diretor-executivo, diretor-geral, [...] Não resta dúvida, porém, de que este segundo sig-
sócio-gerente. nificado é muito mais vago e impreciso do que o primeiro.
III. diretor-presidente, editor-assistente, editor-chefe, 35 A evolução histórica em relação ao gigantismo das Institui-
ex-diretor, general de brigada, general de exérci- ções Políticas – o Estado onipresente – é acompanhada de
to, segundo-secretário. uma politização geral da sociedade em seus mínimos deta-
lhes, por exigir um posicionamento diário frente ao Poder.
IV. matéria-prima, ouvidor-geral, papel-moeda, pós-
Mas ao mesmo tempo traz consigo a imposição de normas
-graduação, pós-operatório, pré-escolar, pré-natal,
40 com que balizar a própria aplicação da palavra política,
pré-vestibular; Secretaria-Geral. procurando determinar o que é e o que não é “política”.
V. primeira-dama, primeiro-ministro, primeiro-secretário, Desta forma, oculta-se ao eleitor o seu ser político,
pró-ativo, Procurador-Geral, relator-geral, salário- atribuindo-se esta qualidade apenas ao eleito. Ou então
-família, Secretaria-Executiva, tenente-coronel. atribui-se à pessoa um espaço e um tempo determinado
Assinale a alternativa CORRETA: 45 para que exerça uma atividade política, na hora das elei-
a) As afirmações I, II e IV estão corretas. ções, quando está na tribuna da Câmara dos Deputados
b) As afirmações II, III, IV e V estão corretas. depois de ter sido eleita, quando senta no palácio para
c) As afirmações II, III e IV estão corretas. despachar com seus secretários mesmo sem ter sido eleita.
A própria delimitação rígida da política constitui, portanto,
d) As afirmações III, IV e V estão corretas.
50 um produto da história; e este é, sem dúvida, o principal
e) As afirmações I, II, III e V estão corretas.
motivo pelo qual não basta ater-se a um significado ge-
15. FGV-RJ 2019 (Adapt.) A frase abaixo em que a grafia ral da política, que apagaria todas as figuras com que se
do termo em negrito está equivocada é: apresentou em sua gênese.
Esta delimitação operada pelo nível institucional traz
a) O atleta genioso deve ter sido mal-educado pe-
55 consigo alterações profundas na esfera de valores associa-
los pais;
dos à política. Uma conjuntura institucional insatisfatória,
b) Trata-se de pessoa mal-educada; pela corrupção ou pela violência, jamais dissociadas,
c) Os mal-educados não são pessoas agradáveis; reflete-se numa desmoralização da atividade política –
d) Nenhum mal-educado deve estar presente na festa; politicagem – que pode reverter em apatia e na procura
e) Os arruaceiros presos são muito mal-educados. 60 de alternativas extra-institucionais como a luta armada. Ao
mesmo tempo, processa-se uma inversão na valorização
16. IFSul-RS 2019 (Adapt.) da atividade política na própria esfera institucional, em
que ela deixa de ser um direito, passando a ser apenas
A política e as políticas
um dever e uma responsabilidade. [...]
Apesar da multiplicidade de facetas a que se aplica MAAR, Leo Wolfgang. A política e as políticas. In: ____. O que é
a palavra “política”___ uma delas goza de indiscutível política. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1985. (fragmento)
unanimidade___ a referência ao poder político___ à esfera
Analise as afirmativas em relação ao emprego da
da política institucional. Um deputado ou um órgão de
norma culta da língua e preencha a sentença como
5 administração pública são políticos para a totalidade das
pessoas. Todas as atividades associadas de algum modo à Verdadeira (V) ou Falsa (F).
esfera institucional política, e o espaço onde se realizam, O verbo ter (linha 25) foi grafado com acento por
também são políticos. Um comício é uma reunião política estar conjugado na terceira pessoa do plural, as-
e um partido é uma associação política, um indivíduo sim diferenciando-se da forma singular.
10 que questiona a ordem institucional pode ser um preso Para atender ao acordo ortográfico vigente, a
político; as ações do governo, o discurso de um vereador, palavra extra-institucionais (linha 60) deve ser
o voto de um eleitor são políticos. grafada sem o uso do hífen.
Mas há um outro conjunto em que a mesma palavra Em relação à sintaxe de regência, o adjetivo asso-
manifesta-se claramente de um modo diverso. Quando ciadas (linha 6) possui como complemento nominal
15 se fala da política da Igreja, isto não se refere apenas às
a expressão à esfera institucional política.
relações entre a Igreja e as instituições políticas, mas à
O substantivo dúvida é acentuado para diferen-
existência de uma política que se expressa na Igreja em
relação a certas questões como a miséria, a violência, etc.
ciar-se do verbo duvidar, conjugado na terceira
Do mesmo modo, a política dos sindicatos não se refere pessoa do singular do presente do indicativo.
FRENTE 1
20 unicamente à política sindical, desenvolvida pelo governo A sequência correta é
para os sindicatos, mas às questões que dizem respeito à a) V – V – V – F. c) F – V – F – V.
própria atividade do sindicato em relação aos seus filiados b) V – V – F – F. d) V – F – V – V.
107
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 107 03/04/2024 10:24:27
BNCC em foco
EM13LP06 Não houve briga. Eu até estou achando isso aqui
1. UEPG/PSS-PR 2021 monotono. Vejo as crianças abrir as latas de linguiça e
exclamar satisfeitas:
20 de julho de 1955 15 — Hum! Tá gostosa!
Deixei o leito as 4 horas para escrever. Abri a porta e A Dona Alice deu-me uma para experimentar. Mas a
contemplei o céu estrelado. Quando o astro-rei começou lata está estufada. Já está podre.
despontar eu fui buscar água. Tive sorte! As mulheres não Trecho disponível em: JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo –
diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2001.
estavam na torneira. Enchi minha lata e zarpei. [...] Fui no
Arnaldo buscar o leite e o pão. Quando retornava encon-
trei o senhor Ismael com uma faca de 30 centimetros mais A palavra “discontente” (linha 4)
ou menos. Disse-me que estava a espera do Binidito e do a) está escrita em desacordo com a ortografia vigente.
Miguel para matá-los, que êles lhe expancaram quando b) deveria estar escrita no plural.
êle estava embriagado. c) pode apresentar duas possibilidades de escrita
Lhe aconselhei a não brigar, que o crime não trás aceitas pelas regras de ortografia.
vantagens a ninguem, apenas deturpa a vida. Senti o cheiro d) é um exemplo de estrangeirismo.
do alcool, disisti. Sei que os ébrios não atende. e) apresenta um problema de flexão quanto ao gênero.
Adaptado de: JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo.
São Paulo: Ática, 2000. EM13LP10
3. IFSC 2019 Leia o texto a seguir para responder à
A escritora Carolina Maria de Jesus redigiu sua obra
questão.
mais famosa, Quarto de Despejo, em 1955, quando a or-
tografia era diferente da atual. Além disso, a autora não Passamos a vida em só 25 lugares
escrevia de acordo com o padrão gramatical, mas sim de Já teve vontade de explorar novos ares e, quando deu
acordo com a variedade popular da língua. Identifique por si, estava no mesmo boteco de sempre? Esses “horizon-
apenas vocábulos grafados de maneira ortograficamen- tes limitados” são universais, de acordo com matemáticos
te adequada, de acordo com o padrão atual, e assinale da Universidade e Londres. Não importa se você é um
o que for correto. jovem executivo ou um jogador de futevôlei aposentado –
01 Leito, contemplei, despontar. segundo cientistas, qualquer pessoa é capaz de frequen-
02 Enchi, zarpei, retornava. tar, no máximo 25 lugares. Entram nessa conta todos os
04 Centimetros, espera, expancaram. locais visitados duas vezes por semana, por pelo menos
08 Aconselhei, vantagens, deturpa 10 minutos. O ponto de ônibus, portanto, já desconta dos
25 totais. Isso para quem é popular: 25 é o recorde alcan-
Soma: çado por aqueles que mantêm uma rede grande de amigos.
Para os introvertidos, os horizontes são ainda mais fechados.
EM13LP06
(Ana Carolina Leonardi. Superinteressante, edição 392,
2. IFCE 2020 agosto de 2018, p. 10.)
Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada Quanto às regras de acentuação, assinale a alternati-
Carolina Maria de Jesus va CORRETA.
a) A palavra “mantêm” recebe acento circunflexo
17 DE MAIO Levantei nervosa. Com vontade de mor-
por estar no plural, demonstrando-se o acento
rer. Já que os pobres estão mal colocados, para que viver?
diferencial.
Será que os pobres de outro país sofrem igual aos pobres
b) Em “recorde” temos um erro de acentuação gráfi-
do Brasil? Eu estava discontente que até cheguei a brigar
5 com o meu filho José Carlos sem motivo... ca, em virtude de a palavra ser uma proparoxítona.
... Chegou um caminhão aqui na favela. O motorista c) As palavras “futevôlei” e “ônibus” se acentuam
e o seu ajudante jogam umas latas. É linguiça enlatada. pela mesma regra.
Penso: é assim que fazem esses comerciantes insaciaveis. d) Segundo a nova ortografia, o uso de trema em
Ficam esperando os preços subir na ganancia de ganhar “frequentar” é facultativo.
10 mais. E quando apodrece jogam para os corvos e os in- e) O vocábulo “você” deve ser acentuado por ser
felizes favelados. oxítona terminada em ditongo aberto.
108 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Acentuação e ortografia
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_091_108_f1_c18_P4.indd 108 03/04/2024 10:24:27
Chekunov Aleksandr/Shutterstock.com
Músicos de orquestra
ensaiam juntos antes de
apresentação musical.
FRENTE 1
Questões semânticas e notacionais
19
CAPÍTULO
e vícios de linguagem
A apresentação de uma orquestra é um evento que requer dos músicos grande
empenho para que estejam em harmonia com todo o grupo. Em um concerto
musical, uma nota fora do tempo, do tom ou da escala em que os demais mú-
sicos estão tocando pode produzir efeitos diferentes dos esperados, causando
ruído em vez de música. Da mesma forma, o falante pode se deparar com “ruídos”
em seus enunciados, causados, por exemplo, pelo uso inadequado de palavras
e expressões. Neste capítulo, vamos conhecer alguns desses casos, como vícios
de linguagem, dúvidas notacionais e algumas palavras que se parecem ou são
iguais, mas que não partilham do mesmo sentido.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 109 04/04/2024 16:42:48
As palavras e seus sentidos Os contextos de uso de uma palavra polissêmica po-
dem ser distintos, por exemplo, o campo artístico, no qual se
A pronúncia das palavras concerto e conserto, que vimos
insere a “estrela de cinema”, e o campo científico, no qual
na abertura, é idêntica nas variedades do português brasilei-
está a acepção astronômica original da palavra. Existe uma
ro, ainda que elas tenham grafias diferentes. Uma explicação
relação de sentido entre essas acepções: uma se refere
para essa diferença remonta às formas anteriores dessas pa-
a um corpo celeste que produz energia e tem luz própria,
lavras em relação a seus significados. A palavra concertare,
outra se refere a uma pessoa de destaque ou um artista
do latim, é formada pelas partículas cum (junto, com) e certare
renomado, que é alguém que brilha, em sentido figurado,
(contenda, disputa), designando um conflito junto de alguém.
em seu ofício. Cabe ao leitor reconhecer os sentidos mais
O significado de concerto como apresentação musical, um sen-
adequados com base no contexto.
tido relativamente mais recente, deriva desse sentido de “luta
No segundo título, por exemplo, é muito improvável
conjunta” de músicos, expressando a ideia de junção de
que qualquer leitor tenha pensado que o texto estivesse
pessoas ou de instrumentos em um esforço coletivo. Entre os
se referindo a uma pessoa famosa. Não há qualquer ambi-
significados ainda em uso da mesma palavra concertar estão
guidade nesse caso.
“concordar”, “conciliar”, “combinar”, entre outros. Consertare,
Mas nem todas as palavras da língua são polissêmicas.
também do latim, é formada pelas partículas cum (junto, com)
Muitas delas, ainda que sejam muito parecidas – ou perfei-
e serere (atar, unir), designando a ação de remendar ou de
tamente idênticas –, têm significados e origens diferentes.
reparar algo; é do mesmo serere que surge coser, sinônimo
As palavras com escrita e/ou pronúncia iguais, mas sem
de costurar, e semear, sinônimo de plantar.
uma origem comum, são chamadas de homônimas.
Observe que, no latim, as palavras que originaram
concertar e consertar já apresentavam escrita e sentidos Atenção
distintos. Assim, a forma das palavra (significante) e aquilo
que elas representam (significado) podem estar diretamente A homonímia é uma propriedade do signo linguístico de
relacionados às origens da própria língua. No caso do por- apresentar identidades fônicas (homofonia) ou gráficas
tuguês, uma língua viva, as palavras surgem, desaparecem, (homografia) sem compartilhar o mesmo sentido.
caem em desuso, mudam de forma ou de significado ao
longo do tempo. Nessa dinâmica, algumas palavras podem Quando palavras de significados diferentes apresentam
compartilhar formas iguais ou parecidas, na escrita ou na grafia e/ou pronúncia idênticas, podem ocorrer dúvidas no
pronúncia, mas terem significados diferentes. momento de empregá-las. A tira a seguir exemplifica um
Além disso, todas as línguas humanas apresentam o problema de comunicação em razão disso.
fenômeno da polissemia (do latim poli = “muitos” + sema =
Armandinho, de Alexandre Beck
“significado”), que é a capacidade das palavras de com-
portarem múltiplos sentidos, uma vez que há mais coisas
e ideias no mundo do que palavras para representá-las.
Os exemplos de concertar/consertar, contudo, não são
um caso de polissemia, pois não há entre esses pares de
palavras uma raiz de sentido comum, são palavras com
origem e sentido diferentes.
Atenção
A polissemia é uma propriedade do signo linguístico de
assumir diferentes sentidos, geralmente associados a uma
mesma raiz ou sentido específico, relacionados à origem
etimológica. A polissemia implica uma relação de significa-
dos possíveis que uma palavra assume em certos contextos.
Leia as manchetes a seguir e compare os contextos
em que foi usada a palavra estrela.
Barbie: conheça a mulher que criou a boneca
estrela de cinema A construção de sentido na tirinha decorre dos efeitos
ES Brasil, 26 jul. 2023. Disponível em: https://esbrasil.com.br/conheca- de sentido produzidos pela semelhança gráfica e sonora da
empresaria-criou-a-boneca-barbie/. Acesso em: 3 mar. 2024. palavra vendo: uma delas, a forma verbal no gerúndio
de “ver”, outra, o presente do indicativo do verbo “vender”.
O que sabemos sobre a estrela mais longínqua já
A ambiguidade está presente porque a tirinha sugere, por
observada pela humanidade meio da presença da placa nas mãos do personagem, o
POSSES, Ana; MELLO, Duilia de. Galileu, 25 ago. 2023. Disponível em: https:// contexto de que ele está vendendo alguma coisa.
revistagalileu.globo.com/colunistas/mulheres-das-estrelas/coluna/2023/08/o-que-
sabemos-sobre-a-estrela-mais-longinqua-ja-observada-pela-humanidade.ghtml. Essa conclusão é possível se pensarmos que, em mui-
Acesso em: 3 mar. 2024. tos casos, placas são usadas para anunciar alguma coisa,
110 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 110 04/04/2024 16:42:48
como os imóveis com placas de “vende-se” e “aluga-se”. Homônimos homógrafos
Mas, no último quadrinho, é perceptível que o jogo de sen-
tidos entre as palavras foi intencional, pois o significado Almoço /ô/ (refeição) Almoço /ó/ (verbo “almoçar”)
mais plausível é o de “ver”, uma vez que sabemos que o Coro /ô/ (cantores) Coro /ó/ (verbo “corar”)
Sol não pode ser vendido. O fenômeno da homonímia se
manifesta em diferentes palavras, podendo gerar dúvidas Colher /é/ (utensílio de mesa) Colher /ê/ (verbo “colher”)
em muitos usos. Gelo /ê/ (água em estado sólido) Gelo /é/ (verbo “gelar”)
Palavras homófonas, homógrafas Gosto /ô/ (sabor) Gosto /ó/ (verbo “gostar”)
e parônimas Hábito (costume) Habito (verbo “habitar”)
Na leitura da tirinha, notamos que as palavras vendo Jogo /ô/ (entretenimento) Jogo /ó/ (verbo “jogar”)
(ver) e vendo (vender) são idênticas na escrita e na pro- Molho /ô/ (caldo) Molho /ó/ (verbo “molhar”)
núncia, mas com significados distintos, pois possuem uma
origem semântica diferente; assim como a palavra manga, Sede /é/ (matriz) Sede /ê/ (vontade de beber)
que designa uma fruta e uma parte de um vestuário. Olho /ô/ (vista) Olho /ó/ (verbo “olhar”)
Manga e vendo são exemplos de palavras homônimas
perfeitas, com pronúncia e grafia idênticas. Há também Os homônimos perfeitos e homógrafos geram menos
palavras homógrafas, com grafia idêntica e pronúncia di- dúvidas quanto a seus usos. No entanto, os homônimos
ferente (caso de “colher”, verbo e substantivo), e palavras homófonos (homo = “igual” 1 fono = “som”) podem gerar dú-
homófonas, com pronúncia idêntica e grafia diferente (caso vidas na escrita dessas palavras, em razão de as pronúncias
de “seção”, “sessão” e “cessão”). serem iguais. Compare a pronúncia das palavras destacadas
nos exemplos a seguir.
Grafia Fonética
Significado
(escrita) (som)
A calça ficou larga, agora preciso usar um cinto.
Homônimo perfeito igual igual diferente A calça ficou justa, agora sinto ela apertar minhas
Homônimo homófono diferente igual diferente pernas.
Homônimo homógrafo igual diferente diferente
Esses casos se diferenciam na escrita, mas em uma si-
Os homônimos perfeitos só são possíveis de distin- tuação de oralidade a pronúncia não permite diferenciá-las,
guir pelo contexto. Na tirinha, por exemplo, mesmo que somente o contexto. Conheça outros casos.
a palavra vendo seja um homônimo perfeito, é possível
reconhecer o significado mais plausível pelo contexto. Co- Homônimos homófonos
nheça alguns deles. Assento (cadeira, lugar) Acento (sinal gráfico)
Aço (liga de ferro) Asso (verbo “assar”)
Homônimos perfeitos
Serrar (cortar com serra) Cerrar (terminar, fechar)
Cedo (verbo “ceder”) Cedo (advérbio de tempo)
Cela (pequeno
Caminho (verbo “caminhar”) Caminho (lugar a seguir) Sela (assento para cavalgar)
compartimento)
Leve (com pouco peso) Leve (verbo “levar”) Concerto (espetáculo musical) Conserto (reparação)
Morro (monte) Morro (verbo “morrer”) Coser (cozinhar) Cozer (costurar)
Rio (verbo “rir’) Rio (curso fluvial) Censo (levantamento
Senso (sentido)
estatístico)
São (verbo “ser”) São (saúde); São (santo)
Sessão (reunião, Seção (divisão, repartição);
Verão (verbo “ver”) Verão (estação do ano) apresentação) Cessão (transferência, doação)
Traz (verbo “trazer”) Trás (local posterior)
Os homônimos homógrafos (homo = “igual” 1 grafo =
“escrita”) têm uma distinção mais perceptível na oralidade, Vaso (recipiente) Vazo (“vazar”)
geralmente provocada pela mudança de tonalidade de uma
vogal. Observe a pronúncia das palavras destacadas nos As palavras homônimas sempre têm algum aspecto
exemplos a seguir: idêntico entre si, seja a grafia ou a pronúncia; mas os sig-
nificados são sempre diferentes. Outras palavras, por sua
Gostei da parede da casa pintada nessa cor. (/ô/)
vez, podem ser parecidas entre si, porém nem a grafia nem
FRENTE 1
Gostei tanto da música que agora sei de cor. (/ó/) a pronúncia são idênticas, tampouco os significados o são.
Esses casos, além da pronúncia, podem ser diferencia- Palavras assim são chamadas de parônimas. Conheça al-
dos pelo contexto. Conheça alguns deles. guns exemplos de parônimos.
111
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 111 04/04/2024 16:42:48
Parônimos
Absolver (inocentar) Absorver (aspirar, sorver)
Aferir (avaliar, calcular) Auferir (ganhar, obter resultado)
Cavaleiro (homem que anda a cavalo) Cavalheiro (homem educado)
Cumprimento (saudação) Comprimento (tamanho)
Descrição (ato de descrever) Discrição (qualidade de ser discreto)
Discriminar (diferenciar, segregar) Descriminar (descriminalizar)
Dilatar (ampliar, alargar, estender) Delatar (denunciar, acusar)
Iminência (prestes a ocorrer) Eminência (pessoa de destaque, forma de tratamento religioso)
Imergir (mergulhar) Emergir (tornar aparente)
Imigrar (entrar em um país) Emigrar (sair de um país)
Inflação (aumento dos preços) Infração (penalidade)
Infringir (desobedecer, desrespeitar, transgredir) Infligir (aplicar punição, causar dano ou prejuízo)
Mandado (ordem judicial) Mandato (procuração)
Retificar (corrigir) Ratificar (confirmar)
Soar (produzir som) Suar (transpirar)
Tráfego (trânsito) Tráfico (comércio ilegal)
Atenção
A paronímia é um fenômeno semelhante ao da homonímia, mas se refere a palavras que são muito parecidas na grafia
e/ou na pronúncia, com significados diferentes.
A questão envolvendo o conhecimento da norma-padrão a respeito dos usos adequados, em certos contextos, de
homônimos e de parônimos, não deve se confundir com preconceito linguístico. Em muitos casos, no uso da língua no dia a
dia, desvios à norma ocorrem na fala ou na escrita, sem que isso prejudique a compreensão dos sentidos dos textos.
Observe este exemplo de uso de palavras parônimas que, embora acabe provocando algum efeito de humor, não
prejudica o entendimento do sentido que o enunciador pretendia transmitir.
Reprodução
“Pracas” do Brasil: veja uma série de erros de português
cometidos pelo país
Os produtos da mesa devem conter “glúten” – que é uma proteína encontrada
no trigo, no centeio, na aveia e na cevada – e não “glúteos”. O verbo conter tam-
bém gerou confusão: como ele está no plural, deveria receber acento circunflexo =
“contêm”.
BOL, 21 jul. 2016. Disponível em: https://www.bol.uol.com.br/fotos/2016/07/21/pracas-do-brasil-
veja-uma-serie-de-erros-de-portugues-cometidos-pelo-pais.htm?foto=9. Acesso em: 3 mar. 2024.
Combater o preconceito linguístico também é uma forma de compreender que a língua é viva e que ela tem muitas
nuances e diversas situações de interação, algumas em que a adequação à norma-padrão é fundamental e outras em que
as normas podem ser secundárias em relação à situação de interação.
É relevante notar que, ao abordar o preconceito linguístico, muitas vezes o ponto central da discussão está relacio-
nado às formas de discriminação dos usos da língua por certos grupos sociais. Nesse exemplo do cartaz, o fenômeno
da paronímia (e o caso de concordância verbal e acentuação de palavras) foi apontado como “erro de português”, mas
nessa abordagem aparentemente bem-humorada de placas com desvios gramaticais há uma dose de preconceito com
os indivíduos que não têm pleno domínio da língua e das normas correntes do português brasileiro.
Há situações em que o monitoramento do uso da norma-padrão da língua não é a prioridade. E há tantas outras situa
ções em que esse monitoramento é imprescindível. O vestibular é um desses contextos em que o uso da norma-padrão
é exigido e altamente monitorado, sobretudo na redação do candidato, por isso é preciso conhecer também essas regras.
Veremos a seguir alguns dos aspectos que podem afetar os efeitos de sentido de um enunciado em uma interação.
Algumas dessas dúvidas notacionais provêm de questões normativas relacionadas à homonímia e à paronímia de palavras.
112 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 112 04/04/2024 16:42:48
Questões notacionais: dúvidas comuns
Como vimos, homônimos e parônimos podem gerar dúvidas na hora da escrita. Além deles, o emprego de alguns termos
e expressões específicas também gera confusões em situações formais de escrita. Vejamos alguns casos.
Por que, porque, por quê e porquê
Leia a tirinha a seguir e observe os diferentes usos dos porquês, que têm sons idênticos e grafias distintas.
Jean Galvão, Instagram
1. Por que: utilizado em frases interrogativas, no início ou no meio da frase; também pode ser usado em frases afirmati-
vas, como equivalente de “pelo qual” e suas variações.
• Por que você não vai dormir?
• Você vai me explicar por que não posso ir ao shopping?
• Estas são as causas por que (pelas quais) estamos lutando.
2. Por quê: usado no final de frases interrogativas, sempre antes da pontuação.
• Trabalhei muito ontem à noite. Sabe por quê?
• Você não comeu? Por quê?
3. Porque: utilizado em frases afirmativas (explicativas ou causais) e em respostas de perguntas; em geral, equivale a
“pois” e “como”.
• Frase afirmativa: Vou ao hospital porque (pois) não estou me sentindo bem.
• Pergunta: Por que ele está chorando? Resposta: Porque machucou o pé.
• Ele não foi ao trabalho porque (pois) o carro quebrou.
4. Porquê: forma substantivada, precedido de artigo, pronome ou numeral; em geral, equivale a “motivo”, “razão”.
• Gostaria de saber os porquês (os motivos) de ter sido demitido.
• Não foi explicado o porquê (a razão) daquela reunião.
• Todos gargalhavam muito e ninguém me dizia o porquê (a razão).
Onde e aonde
A tirinha a seguir apresenta uma maneira criativa de diferenciar os termos onde e aonde. Leia.
Tira de Custódio
1. Onde: como pronome relativo, é usado para se referir a lugares estáticos, indicando ausência de movimento; equi-
vale a “em que”, “no(a) qual”.
• Estou na empresa onde trabalho. • Esta é a casa onde moro.
2. Aonde: advérbio usado para se referir ao movimento de um lugar para outro; equivale a “para onde”, “para qual”.
• Aonde você vai? • Chegamos aonde moro.
Em relação ao uso de “aonde”, o verbo “ir” expressa o sentido de movimento por meio da preposição “a” (“ir a algum
FRENTE 1
lugar”, “ir para algum lugar”).
• A cidade onde vou ficar está a oito horas de viagem daqui.
• Aonde você pensa que vai a essa hora da noite?
113
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 113 04/04/2024 16:42:49
Como advérbio, “onde” e “aonde” permitem construir frases interrogativas. A diferença pode ser observada na ideia
de movimento da forma verbal que o advérbio modifica.
• Onde deixei as chaves do carro? • Aonde vamos nas próximas férias?
= “em que lugar” = “para qual lugar”
Mal e mau
A tirinha mostra com humor os usos de mal e mau, que são palavras homófonas. Observe.
Will Leite - willtirando.com.br
1. Mau: adjetivo que se opõe a “bom”. 2. Mal: advérbio que se opõe a “bem”.
• Afaste esses maus pensamentos de sua mente. • Eu preciso descansar porque tenho dormido mal.
• Ele sempre estava de mau humor. • O mal da humanidade é a desigualdade social.
Senão e se não
As expressões senão e se não são muito semelhantes na pronúncia, mas são usadas em contextos diferentes.
1. Senão: como preposição, significa “salvo”, “exceto”; como conjunção adversativa, significa “caso contrário”, “a não
ser”, “mas”, “porém”.
• Ninguém mais foi à festa, senão o aniversariante. • Comporte-se, senão ficará de castigo.
preposição (= “exceto”) conjunção (= “caso contrário”)
Em relação ao “senão”, ele pode assumir uma forma substantivada, precedido de artigo, pronome ou numeral, com a
devida concordância nominal. Em geral significa “falha”, “obstáculo”.
• Descobrimos alguns senões depois que assinamos o contrato.
substantivo (= “problemas”, “falhas”)
2. Se não: indica condição, funciona com a conjunção condicional “se”, equivalendo a “caso não”.
• Se não se dedicar, não será aprovado. • Se não chover, iremos à praia pela manhã.
Mas e mais
As palavras mas e mais são parônimas, e seus usos produzem efeitos de sentido diferentes. A pronúncia da conjun-
ção “mas” como “mais” é muito comum em algumas variantes da língua portuguesa, o que gera dúvidas e equívocos no
uso dessas palavras.
1. Mas: é uma conjunção que indica oposição; equivale a 2. Mais: como advérbio, indica quantidade ou intensida-
“porém”, “contudo”, “todavia”, “entretanto”. de; é antônimo de “menos”.
• Quero viajar, mas tenho que estudar para a prova. • A cada dia tenho mais trabalho a fazer e menos tempo.
conjunção (= “porém”, “contudo”) advérbio (oposto de ”menos”)
A fim de e afim
As expressões afim e a fim de são semelhantes, mas produzem efeitos de sentido diferentes.
1. A fim de: locução prepositiva que indica finalidade; 2. Afim: adjetivo que significa “igual”, “semelhante”, “pa-
equivale a “para” ou “com a finalidade de”. recido”.
• Adiantou o serviço, a fim de sair mais cedo. • Não tínhamos interesses afins.
locução prepositiva (= “para”) adjetivo (= “semelhantes”, “parecidos”)
114 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 114 04/04/2024 16:42:49
Ao encontro de e de encontro a
As duas expressões são semelhantes, mas indicam sentidos opostos.
1. Ao encontro de: locução prepositiva que equivale a “na direção de”, “em favor de”.
• A noiva se encaminhou ao encontro do noivo no altar.
2. De encontro a: locução prepositiva que equivale a “em oposição a”, “para confrontar”, “para chocar-se com”.
• O grêmio estudantil votou de encontro às ideias da direção.
Ao invés de e em vez de
As duas expressões são semelhantes, mas são usadas em contextos diferentes.
1. Ao invés de: locução prepositiva que equivale a “ao contrário de”, indicando oposição.
• Decidiu ficar em casa ao invés de sair debaixo de chuva.
= “ao contrário de”
2. Em vez de: locução prepositiva que equivale a “no lugar de”, indicando substituição.
• Decidimos ir ao cinema em vez do teatro.
= “no lugar de”
Cerca de, a cerca de, acerca de e há cerca de
As três expressões são idênticas na pronúncia, mas têm sentidos diferentes.
1. Cerca de/a cerca de: locução prepositiva que equivale a “a uma distância de”, “em torno de”, “aproximadamente”.
• A próxima cidade está a cerca de vinte quilômetros daqui.
= “a uma distância de”
• Com o recorde de trânsito, levei cerca de três horas para chegar em casa.
= “em torno de”, “aproximadamente”
2. Acerca de: locução prepositiva que equivale a “a respeito de”, “sobre”.
• Estudou tudo o que podia acerca das teorias da evolução das espécies.
= “sobre as”, “a respeito das”
3. Há cerca de: expressão com verbo “haver”, geralmente usada para indicar tempo decorrido; equivale a “faz cerca
de” ou “faz aproximadamente”.
• Formou-se em economia há cerca de dez anos.
= “faz aproximadamente”
À medida que e na medida em que
As duas expressões geralmente são confundidas uma com a outra e podem gerar até mesmo uma expressão inexis-
tente: “à medida em que”.
1. À medida que: locução conjuntiva que equivale a “à proporção que”, indicando proporcionalidade.
• O custo de vida fica mais alto à medida que a inflação aumenta.
= à proporção que
2. Na medida em que: locução conjuntiva que equivale a “uma vez que”, indicando causalidade.
• À medida que não cumpriu as metas combinadas, foi demitido.
= “uma vez que”
FRENTE 1
A princípio e em princípio
As duas expressões são semelhantes, mas usadas em contextos diferentes.
115
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 115 04/04/2024 16:42:49
1. A princípio: locução adverbial que equivale a “inicial- • O almoço está sobre a mesa da cozinha.
mente”, “para começar”.
• A princípio, parecia que o candidato ganharia a eleição. = “em cima de”
• Falamos sobre aquele assunto polêmico.
= “inicialmente”
2. Em princípio: locução adverbial que equivale a “teori- = “a respeito de”
camente”, “em tese”.
• Em princípio, não podemos concordar com essa solução. Vícios de linguagem
Os usos cotidianos da língua, em situações informais
= “teoricamente”, “em tese”. de interação, não demandam do falante um monitora-
mento preciso das normas gramaticais. Desvios de
Demais e de mais concordância e regência, ambiguidades e repetições,
As duas expressões são semelhantes na pronúncia e confusões de pronúncia e de escrita de homônimos e
distintas na escrita, com sentidos diferentes. parônimos, entre outros, podem ocorrer sem que isso
1. Demais: como advérbio, indica a intensidade de uma implique incompreensão.
ação ou qualidade; pode ser substituído por outros advér- Em situações mais formais, que exigem o uso da
bios de intensidade, como “muito” ou “excessivamente”. norma-padrão, contudo, alguns desses desvios pode
• Esperei tempo demais na fila do banco. produzir equívocos ou estranhamento. Veja como esta
postagem em uma rede social brinca com o uso exces-
sivo de palavras estrangeiras, produzindo um efeito de
advérbio (= “muito”)
sentido bem-humorado.
Como pronome indefinido, cumpre a função de nomear
Gustavo Belschansky
“os restantes” ou “os outros”.
• Os demais aguardaram ainda mais tempo na fila.
pronome indefinido (= “outros”)
2. De mais: como locução adverbial, equivale a “a mais”,
oposto de “a menos”.
• Preparei uma receita, mas coloquei sal de mais.
locução adverbial (= “a mais”)
Tampouco e tão pouco
As duas expressões são semelhantes na pronúncia e
Disponível em: https://www.facebook.com/sebastiao.salgados/
distintas na escrita, com significados diferentes. photos/a.2930636630325962/4129332693789677/. Acesso em: 18 mar. 2024.
1. Tampouco: advérbio que equivale a “também não” ou “nem”.
• Não consigo dormir, tampouco você. O humor decorre do uso desnecessário do termo bakery
(“padaria”, em inglês) para se referir ao estabelecimento
comercial. Diante da pergunta, a resposta poderia ser so-
= “nem” mente “sim, vai ser uma padaria”, mas o efeito de sentido
2. Tão pouco: locução que equivale a “muito pouco”. da frase parece ser de uma oposição, como se bakery e
• Falta tão pouco para você conseguir. padaria se referissem a lugares diferentes.
Como forma de evidenciar esse “exagero” no uso
= “muito pouco” de palavras estrangeiras, o enunciador faz uma mistura
cômica do português e do inglês, em frases como “então
Sob e sobre tá, my friend...” e “let’s que let’s”, inventando uma “meia”
São expressões semelhantes na pronúncia e distintas tradução para a expressão “vamos que vamos”, inexistente
na escrita, e seus significados podem ser opostos. em inglês.
1. Sob: preposição que equivale a “embaixo de”; tam- É muito presente no português brasileiro o emprésti-
bém pode indicar relação de influência ou efeito. mo de palavras estrangeiras, muitas delas provenientes do
• Não consigo dirigir sob tanta chuva. inglês, com a finalidade de designar ideias que, em geral,
têm palavras equivalentes na língua portuguesa. Em muitos
casos, esse uso pode ser parte do linguajar de certo gru-
= “embaixo de” po social, como estratégia de identificação ou de status.
2. Sobre: preposição que equivale a “em cima de”, “aci- Entretanto, em algumas situações, esse uso representa um
ma de”, também é sinônimo de “a respeito de”, “ao vício de linguagem e pode ser considerado inadequado em
longo de”, “correspondente a”. determinado contexto.
116 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 116 04/04/2024 16:42:50
Estabelecendo relações • Ambiguidade sintática: construções sintáticas que
permitem mais de uma possibilidade de interpretação.
A história de toda língua é marcada pela influência de Ex.: Vimos o incêndio do prédio.
outras línguas, que a modificam e que são modificadas Nesse caso, “do prédio” pode se referir ao prédio que
por elas. O português brasileiro, por exemplo, é oriundo se incendiou, exercendo a função de adjunto adnomi-
do português europeu, mas foi bastante enriquecido com
nal de “incêndio”, ou ao prédio de onde um incêndio
o léxico de línguas indígenas e africanas, incorporando
foi visto, funcionando como adjunto adverbial de lugar.
muitas palavras em diferentes campos semânticos. Além
dessas línguas indissociáveis da formação cultural do Queísmo
Brasil, outras línguas europeias também deixaram influ-
ências, como o espanhol, o francês, o alemão, o italiano O queísmo é um fenômeno recente, considerado um
e o inglês. O próprio português europeu ao longo de vício de linguagem, atribuído ao uso excessivo do termo
séculos se modificou a partir de uma raiz comum no latim que em textos. Observe este exemplo.
e também recebeu influências do árabe. • Uma vez que o que permite que possamos atribuir
mais que uma função em frases, pode ser que usemos
Vale ressaltar que existe uma fronteira tênue entre as o que em excesso sem perceber e que isso gere mui-
figuras de linguagem e alguns vícios de linguagem. A lin- tos porquês no leitor.
guista Maria Helena Moura Neves, por exemplo, comenta A flexibilidade de usos do que (como pronome relati-
que o vício de linguagem se refere a uma expressão lin- vo, pronome indefinido, advérbio, preposição, conjunção,
guística que, quando alcança determinado valor estético ou interjeição e mesmo substantivo) pode abrir espaço para
comunicativo, é considerada como uma figura de lingua- construções nas quais a repetição seja excessiva. Muitas
gem, mas é tomada como vício quando falha em produzir vezes, é possível evitar o queísmo com simples substituições
o efeito de sentido esperado pelo enunciador. de termos, como outros pronomes, advérbios e conjunções.
Apresentamos a seguir alguns exemplos que devem Na redação do vestibular, evitar esse vício de linguagem
ser evitados em situações formais de interação, como é o ajuda a demonstrar bom domínio do léxico. Veja como a
caso da redação do vestibular. Não se pretende, no entanto, frase anterior poderia ficar evitando-se a repetição do “que”.
julgar ou condenar tais usos em situações cotidianas, em
• Como o que permite atribuir mais de uma função em
que a linguagem pode ser menos monitorada.
frases, é possível utilizá-lo em excesso sem perceber,
Estrangeirismo gerando muitos porquês no leitor.
O estrangeirismo é o uso de palavra, expressão ou
construção sintática comum em outra língua, que são toma-
Gerundismo
das de empréstimos e podem ou não ser adaptadas gráfica O gerundismo é uma construção sintática em que pre-
ou foneticamente. O fenômeno linguístico do estrangeirismo domina o uso do gerúndio, geralmente utilizada de maneira
é bastante comum e enriquecedor em diferentes situações, inadequada ou excessiva. Como forma nominal do verbo, o
principalmente quando a língua não tem uma palavra para gerúndio se refere a um processo verbal contínuo, a ação
designar um objeto, uma ação, uma ideia ou um fenômeno. verbal que está em curso. Isto é, o gerúndio expressa uma
Em situações formais de interação, pode ser reco- ação que está acontecendo e é formado por radical do
mendável evitar excessos de uso, salvo quando não haja verbo + vogal temática + desinência -ndo.
termos equivalentes. Em um contexto corporativo, por O fenômeno pode ocorrer quando o aspecto durativo
exemplo, termos como feedback e marketing são mui- do verbo não está expresso no sentido da frase, normal-
to usados e aceitos e não há termos equivalentes no mente associado ao tempo verbal no futuro do presente.
português, mas deadline, meeting e budget podem ser Observe.
substituídos respectivamente por “prazo”, “reunião” e • Aspecto durativo: ação duradoura no presente (no
“orçamento”, a fim de evitar dificuldades na comunicação. momento da enunciação.
Ex.: Estou trabalhando hoje entre 8:30h e 12h.
Ambiguidade
• Aspecto incoativo: ação iniciada após a enunciação
A ambiguidade é o uso de palavra, expressão ou (futuro).
construção sintática que admite mais de uma relação de
Ex.: Vou estar verificando seu problema agora.
sentido, produzindo em geral problemas ou mais de uma
interpretação possível. A ambiguidade pode ser um recurso No primeiro exemplo, a construção não transgride a
estilístico usado intencionalmente para provocar diferentes norma gramatical, uma vez que está totalmente correta;
efeitos de sentido, mas é considerada um vício quando, no segundo, no entanto, o aspecto durativo se perde, de
de maneira inconsciente ou fortuita, produz confusão. O modo que o uso do gerúndio, nesse caso, é inadequado.
fenômeno pode ocorrer em dois níveis: Uma forma de se evitar o gerundismo é recorrer, com
• Ambiguidade lexical: palavras ou expressões que mais frequência, às formas verbais do indicativo, como o
permitem mais de um sentido. presente ou o futuro do presente. Veja:
FRENTE 1
Ex.: Ela estava em nossa companhia ontem. • Trabalho hoje entre 8:30h e 12h.
Nesse caso, companhia pode se referir a “estar junto • Vou verificar o seu problema agora. / Verificarei seu
de” ou a uma empresa da qual as pessoas fazem parte. problema agora.
117
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19.indd 117 11/04/2024 14:05:16
Pleonasmo Solecismo
O pleonasmo (ou redundância) é uma figura de lingua- O solecismo é um desvio de concordância, regência,
gem em que ocorre uma superabundância de termos em colocação ou ordenação de elementos em uma construção
uma expressão ou frase, provocando repetição ou reite- sintática. Observe.
ração desnecessária. Geralmente, o pleonasmo vicioso é • Concordância: inadequação na concordância de nú-
uma inadequação não proposital, em que o falante perde mero ou gênero em sintagmas nominais e de número
ou ignora certas referências semânticas das palavras ou ou pessoa em sintagmas verbais. Exemplos:
expressões em uso. Os convidado estão atrasado. Os convidados estão
Alguns exemplos são bastante comuns na linguagem atrasados.
cotidiana em muitas variedades do português brasileiro, A gente vamos junto. A gente vai junto.
como “subir para cima”, “descer para baixo”, “entrar para Haviam muitos manifestantes. Havia muitos mani-
dentro”, “sair para fora”, em que os sentidos expressos nas festantes.
formas verbais são enfatizados, repetidos, pelo sentido da Falta cinco alunos. Faltam cinco alunos.
locução prepositiva. Veja outros exemplos.
• Regência: problemas de regência verbal ou nominal no
Pleonasmos viciosos uso inadequado de preposição e pronomes relativos.
Exemplos:
Conviver junto
Encarar de frente Demonstrava obediência no pai. Demonstrava obe-
Gritar alto diência ao pai.
Sussurrar baixo
Assisti o filme ontem. Assisti ao filme ontem.
Metades iguais
Fui no parque. Fui ao parque.
Consenso geral
Recebi o exame, cujo qual estava esperando. Re-
cebi o exame, o qual estava esperando.
Acabamento final
Elo de ligação
• Colocação: inadequação de colocação pronominal.
Retomar de novo Ex.: Não paguei-te ontem. Não te paguei ontem.
Ré pra trás Além desses casos de vícios de linguagem, também
podemos citar:
Saiba mais • cacofonia: som desagradável formado pela sequên-
cia de duas ou mais palavras. Ex.: “uma por cada”,
O pleonasmo é uma figura de linguagem que pode ser usa-
da como recurso estilístico para produzir efeitos literários
“boca dela”, “uma mão”.
reiterativos e/ou repetitivos. Assim, quando inseridas em • barbarismo: desvio fonético, morfológico ou semân-
uma situação em que prevalece o valor estético, algumas tico no emprego de uma palavra. Ex.: dizer “gratuíto”
redundâncias lexicais ou sintáticas acabam por ser valori- (em vez de gratuito) e “rúbrica” (em vez de “rubrica”),
zadas, em vez de condenadas. É o que ocorre em “Chovia escrever “cidadões” (em vez de “cidadãos”).
uma triste chuva de resignação”, de Manuel Bandeira, e em
• eco: repetição não intencional de sons. Ex.: O trabalho
“Ele morreu de morte matada”, de Chico Buarque.
foi feito sem jeito, mas foi aceito.
Revisando
1. UEG-GO 2016 Em termos verbais, o humor da tira é construído a partir da polissemia presente na palavra
a) engenheiro d) grande
b) resolvido e) subir
c) cadeira
118 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19.indd 118 11/04/2024 15:14:14
2. Unifesp 2016 O lugar da pessoa com deficiência precisa ser des-
locado dos conceitos equivocados de dependência, de
inabilidades, de incapacidades, de tristezas, de recolhi-
mento para o amplo convívio, para as oportunidades,
para a visibilidade e para as potências resultantes de suas
experiências.
[...]
Aproveitar holofotes, fama, prestígio e adoração pú-
blica diante desse caldo de humanidade latente parece ser
oportunidade incrível para despertar novos pensamentos
e olhares a respeito das diferenças. Em um _______ de
duas horas, dedicar cinco minutos a causas com poucas
chances de protagonismo me parece um tempo valioso
em sua _______ e simples de ser despendido.
Adaptado de: MARQUES, Jairo. Como uma das maiores bandas de rock
do mundo faz a diferença pela inclusão. Disponível em:
https://bit.ly/3OAjYix. Acesso em: 27 abr. 2022.
Assinale a alternativa que completa, correta e respec-
tivamente, de cima para baixo, as lacunas do texto.
a) esternava – conserto – repercussão
b) externava – conserto – repercurssão
c) esternava – concerto – repercurssão
d) externava – concerto – repercussão
4. CPS-SP 2016 Leia o texto e o poema e responda à
questão.
A ondomotriz é uma forma de energia renovável
Assinale a alternativa que preenche, correta e respec- que se aproveita da energia das ondas oceânicas. Além
tivamente, as lacunas da tira. de poder fornecer energia, as ondas também serviram
a) Por que – à – a – porquê de inspiração para Manuel Bandeira compor o poema
b) Porquê – a – a – por que “A onda”.
c) Por que – à – à – porque
d) Por quê – à – à – porque A onda
e) Por quê – a – a – porque a onda anda
aonde anda
3. PUC-RS 2022 Há seis anos, na Cidade do México, a onda?
rodou o mundo a imagem de um garoto com autismo a onda ainda
se emocionando e chorando ao ouvir a banda inglesa ainda onda
Coldplay, no palco, cantando “Fix You”, algo como “te ainda anda
consertar”, em português. Foi um momento de fazer pas- aonde?
sarinhar o coração de quem tem fé na alma. Ao lado do aonde?
pai, também em prantos, o menino _______ um senti- a onda a onda
mento de plenitude ao poder assistir à manifestação
artística de seus ídolos ali de pertinho. Diante de tantas No poema, há o emprego do advérbio aonde. Segun-
incompreensões em torno de uma condição diferente do as gramáticas normativas, esse advérbio deve ser
que muitos querem ver como igual, poder estar ali vi- utilizado para indicar o local ou destino para o qual se
brando livremente, com toda a estereotipia que lhe é vai, ou seja, expressa a ideia de movimento.
peculiar, parecia um alento sem igual. Assinale a alternativa em que o emprego do advérbio
Em abril passado, de volta ao país latino, o grupo, aonde está de acordo com as gramáticas normativas.
um dos mais populares do mundo, que já deixou outras a) Nunca sei aonde te achar.
marcas inclusivas em sua trajetória, como ter feito o en- b) Esta é a casa aonde eu moro.
cerramento da Paralimpíada de Londres, em 2012, não só c) Informe aonde você está agora.
convidou o agora adolescente Huillo para a festa como d) Não sei aonde o avião aterrissou.
o colocou para dançar. e) Aonde você pretende levar sua amiga.
A multidão ouviu e ovacionou o novato artista, que
cantou e tocou ao piano, ao lado dos músicos consa- 5. UFRGS 2019 — Para mim esta é a melhor hora do dia —
grados, uma canção chamada “Different is Ok”, “Ser Ema disse, voltando do quarto dos meninos. — Com as
diferente é normal”, dando um intervalo nos hits tão espe- crianças na cama, a casa fica tão sossegada.
FRENTE 1
rados para uma pequena reflexão a respeito de aproveitar — Só que já é noite — a amiga corrigiu, sem tirar os
a vida sendo como é. olhos da revista. Ema agachou-se para recolher o quebra-
[...] -cabeça esparramado pelo chão.
119
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 119 04/04/2024 16:42:51
— É força de expressão, sua boba. O dia acaba quan- Começou quando iniciei um relacionamento com
do eu vou dormir, isto é, o dia tem vinte quatro horas e alguém completamente diferente de mim, diferente a um
a semana tem sete dias, não está certo? – Descobriu um ponto radical mesmo: ele, por si só, foi meu primeiro
sapato sob a poltrona. Pegou-o e, quase deitada no tapete, “nunca imaginei um dia”. Feitos para ficarem a dois
procurou, depois, o par 1 dos outros móveis. planetas de distância um do outro. Mas o amor não
Era bom ter uma amiga experiente. Nem precisa ser respeita a lógica, e eu, que sempre me senti tão confor-
da mesma idade – deixou-se cair no sofá – Bárbara, muito tável num mundo planejado inaugurei a instabilidade
mais sábia. Examinou-a a ler: uma linha de luz dourada emocional na minha vida. Prendi a respiração e dei um
valorizava o perfil privilegiado. As duas eram tão inse- belo mergulho.
paráveis quanto seus maridos, colegas de escritório. Até A partir daí, comecei a fazer coisas que nunca
ter filhos juntas conseguiram, acreditasse quem quisesse. havia feito. Mergulhar, aliás, foi uma delas. Sempre
Tão gostoso, ambas no hospital. A semelhança física te- respeitosa com o mar e chata para molhar os cabelos
ria contribuído para o perfeito entendimento? “Imaginava afundei em busca de tartarugas gigantes e peixes colo-
que fossem irmãs”, muitos diziam, o que sempre causava ridos no mar de Fernando de Noronha. Traumatizada
satisfação. com cavalos (por causa de um equino que quase me
— O que está se passando nessa cabecinha? – Bárbara levou ao chão quando eu tinha oito anos), participei da
estranhou a amiga, só doente pararia quieta. Admirou-a: minha primeira cavalgada depois dos 40, em São Fran-
os cabelos soltos, caídos no rosto, escondiam os olhos cisco de Paula. Roqueira convicta e avessa a pagode,
2 , azuis ou verdes, conforme o reflexo da roupa. De assisti a um show do Zeca Pagodinho na Lapa. Para ver
que cor estariam hoje seus olhos? o Ronaldo Fenômeno jogar ao vivo, me infiltrei na tor-
Ema aprumou o corpo. cida do Olímpico num jogo entre Grêmio e Corinthians,
— Pensava que se nós morássemos numa casa grande, mesmo sendo colorada.
vocês e nós... Meu paladar deixou de ser monótono: comecei a pro-
Bárbara sorriu. Também ela uma vez tivera a ideia. – var alimentos que nunca havia provado antes. E muitas
As crianças brigariam o tempo todo. outras coisas vetadas por causa do “medo do ridículo”
Novamente a amiga tinha razão. Os filhos não se receberam alvará de soltura. O ridículo deixou de existir
suportavam, discutiam por qualquer motivo, ciúme na minha vida.
doentio de tudo. O que sombreava o relacionamento Não deixei de ser eu. Apenas abri o leque, me permi-
dos casais. tindo ser um “eu” mais amplo. E sinto que é um caminho
— Pelo menos podíamos morar mais perto, então. sem volta.
Se o marido estivesse em casa, seria obrigada a as- Um mês atrás participei de outro capítulo da série
sistir à televisão, 3 , ele mal chegava, ia ligando o “Nunca imaginei um dia”. Viajei numa excursão, eu que
aparelho, ainda que soubesse que ela detestava sentar que sempre rejeitei essa modalidade turística. Sigo preferindo
nem múmia diante do aparelho – levantou-se, repelindo a viajar a dois ou sozinha, mas foi uma experiência fasci-
lembrança. Preparou uma jarra de limonada. 4 todo nante, ainda mais que a viagem não tinha como destino
aquele interesse de Bárbara na revista? Reformulou a per- um país do circuito Elizabeth Arden (Paris-Londres-Nova
gunta em voz alta. York), mas um país africano, muçulmano e desértico. Aliás,
— Nada em especial. Uma pesquisa sobre o compor- o deserto de Atacama, no Chile, será meu provável “nunca
tamento das crianças na escola, de como se modificam as imaginei um dia” do próximo ano.
personalidades longe dos pais. E agora cometi a loucura jamais pensada, a insanida-
Adaptado de: VAN STEEN, Edla. Intimidade. In: MORICONI, Italo (org.) de que nunca me permiti, o ato que me faria merecer uma
Os cem melhores contos brasileiros do século. 1. ed. Rio de Janeiro: camisa de força: eu, que nunca me comovi com bichos
Objetiva, 2009. p. 440-441.
de estimação, adotei um gato de rua.
Assinale a alternativa que preenche corretamente as Pode colocar a culpa no espírito natalino: trouxe um
lacunas 1, 2, 3 e 4, nessa ordem. bichano de três meses pra casa, surpreendendo minhas
a) em baixo – cinza – por que – Porque filhas, que já haviam se acostumado com a ideia de ter
b) embaixo – cinzas – porque – Por que uma mãe sem coração. E o que mais me estarrece: estou
c) embaixo – cinza – porque – Por que apaixonada por ele.
d) em baixo – cinzas – por que – Porque Ainda há muitas experiências a conferir: fazer com-
e) embaixo – cinzas – porque – Porque pras pela internet, andar num balão, cozinhar dignamente,
me tatuar, ler livros pelo kindle, viajar de navio e mais
6. Col. Naval-RJ 2021 umas 400 coisas que nunca imaginei fazer um dia, mas
que já não duvido. Pois tem essa também: deixei de ser
Nunca imaginei um dia tão cética.
Até alguns anos atrás, eu costumava dizer frases como Já que é improvável que o próximo ano seja diferente
“eu jamais vou fazer isso” ou “nem morta eu faço aquilo”, de qualquer outro, que a novidade sejamos nós.
limitando minhas possibilidades de descoberta e emoção. Medeiros, Martha. Nunca Imaginei um dia. 2009. Disponível em: http://
Não é fácil libertar-se do manual de instruções que nos alagoinhaipaumirim.blogspot.com/2009/12/nunca-imaginei-um-dia-
martha-medeiros.html. Acesso em: 10 fev. 2021.
autoimpomos. Às vezes, leva-se uma vida inteira, e nem
assim conseguimos viabilizar esse projeto. Por sorte, minha Assinale a opção que completa, corretamente, as la-
ficha caiu há tempo. cunas do período a seguir.
120 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 120 04/04/2024 16:42:51
“__________ alguns anos, __________ ampliar suas Assinale a alternativa correta.
descobertas e suas emoções, a autora passou a viven- a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
ciar __________ inovações, __________ foi a adoção b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
de um gato de rua a __________ comovente.” c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
a) Há – a fim de – bastantes – mas – mais d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas
b) Há – afim de – bastantes – mais – mais e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
c) A – a fim de – bastante – mas – mais
d) A – afim de – bastantes – mais – mas 8. PUC-SP 2020
e) Há – a fim de – bastante – mas – mais No meio do caminho tinha uma pedra
7. UEL-PR 2016 Leia a tirinha, abaixo, e responda à tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
questão.
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
(Gazeta do Povo. Opinião. Disponível em: <http://www.gazetadopovo. no meio do caminho tinha uma pedra.
com.br/opiniao/charges/benett/>. Acesso em: 14 ago. 2015.)
Andrade, C. Drummond de. ‘‘Alguma Poesia’’. In Reunião –
10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio Ed., 1969.
Em relação aos recursos linguísticos utilizados na tiri-
nha, considere as afirmativas a seguir. As alternativas abaixo destacam recursos de lingua-
I. A locução “vou ficar” caracteriza-se como um gem que dão expressividade ao texto em questão.
gerundismo que enfatiza a resignação contínua Contudo, uma delas se constitui em vício de lingua-
da personagem. gem. Indique-a.
II. Em “promovida a felicidade”, a ausência de crase a) Quiasmo ou ordenação cruzada, presente em No
cria uma ambiguidade proposital devido à pre- meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pe-
sença de dois substantivos femininos na frase. dra no meio do caminho.
III. Na oração “em que me encontro”, a presença da b) Metáfora, expressa nas palavras caminho e pedra.
preposição “em” deve-se à exigência feita pelo c) Hipérbato, em No meio do caminho tinha uma pedra.
verbo, segundo a norma-padrão. d) Anáfora, em Nunca me esquecerei.
IV. Na oração “faz tempo”, o verbo está flexionado no e) Solecismo, em Tinha uma pedra no meio do
presente, mas indica passado. caminho.
Exercícios propostos
1. Fuvest-SP 2023 Com base na peça publicitária da Anistia Internacional,
é correto afirmar que
a) a correlação verbovisual, reforçada pela polisse-
mia do verbo “desligar”, contrapõe quem vive e
quem observa a guerra.
b) os pronomes “você” e “eles” indicam compatibilida-
de ideológica entre grupos de regiões diferentes.
c) a linguagem visual impede a conscientização
acerca das realidades das zonas de guerra.
d) a omissão do verbo no segundo período do texto
coloca o leitor como participante da guerra.
e) os recursos visuais possuem independência da ex-
pressão linguística na interpretação da publicidade.
2. UFSC 2022
Um Apólogo
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de
FRENTE 1
linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda
enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
121
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 121 04/04/2024 16:42:52
— Deixe-me, senhora. Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete,
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à
digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e pobre agulha:
falarei sempre que me der na cabeça. — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na
agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho
ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com para ninguém. Onde me espetam, fico.
a sua vida e deixe a dos outros. Contei esta história a um professor de melancolia, que
— Mas você é orgulhosa. me disse, abanando a cabeça:
— Decerto que sou. — Também eu tenho servido de agulha a muita linha
— Mas por quê? ordinária!
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de (ASSIS, Machado de. Contos. 18. ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 89-90.)
nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Apólogo: Gênero que expressa uma verdade moral
Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu? em forma de fábula. (N.E.)
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo Galgos: cães ágeis.
um pedaço ao outro, dou feição aos babados... Diana: Era a deusa da caça entre os romanos. Arma-
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou da de arco, Diana vivia nas matas protegendo a caça,
adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao acompanhada de seus cães. (N.E.)
que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador. Todas as proposições referem-se ao texto. Assinale
— Você é imperador? a(s) VERDADEIRA(S).
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um 01 O título nomeia um gênero literário, sendo que,
papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o cami- nessa narrativa, aparecem objetos que se perso-
nho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que
nificam, assumindo os cargos dos nobres.
prendo, ligo, ajunto...
02 Há um tratamento desigual entre os personagens
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da
no diálogo. Os pronomes de tratamento empre-
baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de
gados por eles são: senhora, você, imperador e
uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não
baronesa.
andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano,
04 “Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da
pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha,
e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e
pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os entrou a coser.” Há, nesse período composto por
dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana – para coordenação, o seguinte: anáfora, um verbo (abun-
dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha: dante quanto à flexão verbal) – repetido mais de
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia duas vezes – e uma palavra homônima homófona
há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se de cozer.
importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, 08 No parágrafo do texto de Machado de Assis que
unidinha a eles, furando abaixo e acima... principia com “A linha não respondia;” não exis-
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto te o ruído da voz humana, nem o diálogo entre
pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, personagens, entretanto fica clara a presença de
como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras onomatopeia, de verbos na forma nominal do ge-
loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava respos- rúndio e de um substantivo diminutivo formado
ta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio por derivação sufixal.
na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic- 16 A obra terminada pela costureira da baronesa não
-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira tinha botões e destinava-se a agasalhar a “bela
dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda dama” para a festa noturna na qual a música é
nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e entoada, enquanto o corpo entra em movimento
ficou esperando o baile. ritmado, tão informal quanto as festas funks dos
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A cos- jovens de 2001.
tureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada 32 A agulha concorda com a linha, confirmando ser
no corpinho, para dar algum ponto necessário. E en- ela – a linha – a única responsável por prender
quanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um pedaço do tecido ao outro.
um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, 64 A expressão sublinhada, a seguir, retirada do tex-
abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha,
to, tem como sinônimo o que está após o sinal
perguntou-lhe:
de igualdade: “Mas a verdade é que você faz um
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no
papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando
corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegân-
o caminho, ...” = você faz uma atividade sob a pró-
cia? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas,
pria orientação...
enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes
de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Soma:
122 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 122 04/04/2024 16:42:52
3. Ifal 2018 Os anúncios publicitários, em linhas gerais, Não mudei o seu nome quando fui registrá-la porque
têm como propósito estabelecer, no imaginário social, creio que todo barco adquire uma certa personalidade
um desejo “inconsciente” pelo consumo de um produ- com o nome de batismo, especialmente uma canoa. [...]
to. Em muitos casos, há uma nítida falta de preocupação Fonte: KLINK, Amyr. Cem dias entre céu e mar. Companhia de Bolso, 2005.
entre o que está sendo divulgado e a norma culta da No trecho “Não mudei o seu nome quando fui registrá-
língua, já que esses exemplares de textos circulam em -la porque creio que todo barco adquire uma certa
várias instâncias públicas, a exemplo deste, disposto personalidade com o nome de batismo”, é CORRETO
no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em afirmar que o autor:
Brasília, em set. de 2017. a) empregou, devidamente, a palavra “barco” como
sinônimo de “canoa”.
b) empregou, devidamente, a palavra “barco” como
parônimo de “canoa”.
c) empregou, indevidamente, a palavra “barco”
como sinônimo de “canoa”.
d) empregou, devidamente, a palavra “barco” como
homônimo de “canoa”.
e) empregou, devidamente, a palavra “barco” como
antônimo de “canoa”.
5. Unicamp-SP Millôr Fernandes foi dramaturgo, jor-
nalista, humorista e autor de frases que se tornaram
célebres. Em uma delas, lê-se:
Por quê? é filosofia. Porque é pretensão.
a) Explique a diferença no funcionamento linguístico
da expressão “porque” indicada nas duas formas
de grafá-la.
b) Explique o sentido do segundo enunciado do
texto (Porque é pretensão), levando em conside-
ração a forma como ele se contrapõe ao primeiro
Fonte: Domínio público. enunciado. Considere em sua resposta apenas o
Assim, podemos verificar que a violação gramatical se sentido atribuído à palavra pretensão que se en-
deu no plano do(a): contra abaixo.
a) Segmentação de palavras.
b) Sentido estabelecido entre as partes e o todo. pretensão: vaidade exagerada, presunção.
c) Ambiguidade entre termos.
d) Polissemia entre palavras homônimas e parônimas.
e) Desrespeito ao Novo Acordo Ortográfico. 6. Integrado Medicina-PR 2023
4. Ufam/PSC 2023 No melhor futuro climático, mais de 60%
dos corais estarão ameaçados até 2100
QUERER
“Cientistas fizeram projeções sobre população de
Rosa era seu nome e – como a mulher dos meus so-
corais sob eventos como ondas de calor e acidificação”
nhos, aquela de quem nunca saberei todos os segredos
Phillippe Watanabe
e para quem sempre terei uma história nova – era miste-
riosa, elegante, cheia de enigmas. Suas linhas perfeitas Mesmo no melhor cenário possível de crise climá-
escondiam-lhe muito bem a idade. Muito se contava a tica – que já parece algo distante da realidade –, mais
seu respeito. Grandes aventuras, viagens perigosas. Todos da metade dos “corais do mundo” (64%) poderá estar
na ilha a conheciam. sob, ao menos, uma condição ambiental inadequada
Não resisti, e fui ter com ela. E, desde a hora em que 5 até o fim deste século. Se antes ações de longo prazo
deitei os olhos em suas doces curvas, não descansei mais estratégicas já eram tidas como necessárias para garan-
até que fosse minha. Pertencia a um velho pescador, e não tir a saúde desses seres, um novo estudo mostra que o
foi fácil fazê-lo entender essa súbita paixão. tempo disponível para colocá-las em prática pode ser
Rosa IX, linda e encantadora canoa de nobre madeira, mais curto do que se imaginava.
o caubi, nove metros talhados de uma única tora, linhas 10 A pesquisa em questão foi publicada nesta terça-feira
perfeitas, traço fino, estilo apurado, um verdadeiro caso (11), na revista científica Plos Biology. Os corais são uma
de amor. Foi no Natal de 1977, na ilha de Santo Amaro, importante e sensível fonte de biodiversidade na Terra,
FRENTE 1
e, fechado o negócio, eu nem pensara em como levá-la com diversas espécies dependentes dessas estruturas vi-
até Paraty. Fomos juntos, por mar, e vivi então a minha vas, que atuam como abrigo, local de reprodução e de
primeira travessia, a sós, por dois dias e uma noite. 15 alimentação.
123
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 123 04/04/2024 16:42:55
Considerando um cenário climático “meio do caminho”, sobrepesca, eutrofização (resumidamente, poluição das
ou seja, com implementação de medidas de redução nas águas) e desenvolvimento costeiro.
emissões de gases-estufa, cerca de 97% dos corais do mundo 70 “A imensa área de corais sob risco, os prazos de
estariam sob condições ambientais inadequadas até 2100. sustentabilidade ambiental cada vez menores, sob múl-
tiplas e simultâneas interferências humanas, combinado
ao limitado número de áreas que poderiam servir como
refúgio, apresentam um desafio considerável para a adap-
75 tação dos ecossistemas recifais, ao mesmo tempo em que
demonstram a urgência da implementação de esforços
de mitigação e conservação”, afirmam os pesquisadores.
WATANABE, Phillippe. No melhor futuro climático, mais de 60% dos
corais estarão ameaçados até 2100. Folha de S.Paulo, São Paulo,
12 de outubro de 2022. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.
br/ambiente/2022/10/no-melhor-futuro-climatico-mais-de-60-dos-
20 No pior caso possível, praticamente todos os corais do coraisestarao-ameacados-ate-2100.shtml>. Acesso em: 12/10/2022.
mundo estariam sob ao menos uma pressão que levaria a
uma situação ambiental inadequada até 2055.
Assinale a alternativa, em que o termo em destaque
Segundo os cientistas, esses dados sugerem que o NÃO possa ser substituído pela palavra sugerida para
tempo disponível para que os corais consigam suportar não haver alteração de sentido:
25 os distúrbios humanos é metade do que se pensava. a) “[...] um novo estudo mostra que o tempo dispo-
“Claramente, o tempo para adaptação dos ecossis- nível para colocá-las em prática pode ser mais
temas aos distúrbios humanos está acabando, ao mesmo curto do que se imaginava.” (1o parágrafo). O des-
tempo em que há um reduzido número de áreas viáveis taque pode ser trocado por a fim de.
para a expansão além da distribuição atual”, dizem os b) “Segundo os cientistas, esses dados sugerem
30 pesquisadores. que o tempo disponível para que os corais consi-
O estudo buscou estimar o ano após o qual as mu- gam suportar os distúrbios humanos é metade do
danças na natureza poderão superar, definitivamente, os que se pensava.” (5o parágrafo). O destaque pode
limites de tolerância dos corais. Tais limites podem ser ser trocado por para.
definidos como os limiares registrados em literatura cien- c) “Ou seja, os cientistas estimaram a partir de qual
35 tífica sob os quais houve perdas nas populações de corais, data alguma dessas variáveis — ou várias delas
com mudanças na comunidade e no funcionamento do simultaneamente — excedia o limite dos corais.”
ecossistema. (9o parágrafo). O destaque pode ser trocado por
Para chegar aos anos-chave, os pesquisadores utiliza- quer dizer.
ram projeções de ondas de calor marinhas, acidificação
d) “Como já apontado, para chegar aos resultados,
40 do oceano, tempestades, poluição proveniente da terra e
foram considerados diferentes cenários [...]” (10o pa-
alterações humanas locais.
rágrafo). O destaque pode ser trocado por conforme.
Ou seja, os cientistas estimaram a partir de qual data
e) “Se a situação futura parece complexa, a passada
alguma dessas variáveis – ou várias delas simultanea-
mente – excedia o limite dos corais. Vale mencionar que
já apontava problemas.” (11o parágrafo). O desta-
45 exceder tal limite não necessariamente significará sempre que pode ser trocado por porque.
a morte desses seres vivos, mas pode, sim, representar 7. Col. Naval-RJ 2014 Leia o texto a seguir para respon-
eventos de extinção, desaparecimento em determinadas
der à questão.
regiões ou adaptação.
Como já apontado, para chegar aos resultados, foram Aumenta o número de adultos que não consegue focar
50 considerados diferentes cenários de emissões de gases- sua atenção em uma única coisa por muito tempo. São
-estufa segundo as modelagens climáticas do IPCC (Painel tantos os estímulos e tanta a pressão para que o entorno
Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU). No seja completamente desvendado que aprendemos a ver e/ou
mais otimista, o mundo consegue controlar a temperatura fazer várias coisas ao mesmo tempo. Nós nos tornamos, à
com um aumento de cerca de 1,8 °C – já ultrapassamos semelhança dos computadores, pessoas multitarefa, não
55 a casa do 1,1 °C em relação ao período pré-industrial. é verdade?
No mais pessimista, o planeta pode chegar até 5,7 °C, no Vamos tomar como exemplo uma pessoa dirigin-
período 2081-2100. do. Ela precisa estar atenta aos veículos que vêm atrás,
Se a situação futura parece complexa, a passada já ao lado e à frente, à velocidade média dos carros por
apontava problemas. Os cientistas mostram que, em 2005, onde trafega, às orientações do GPS ou de programas
60 cerca de 44% dos corais do mundo já enfrentavam situa- que sinalizam o trânsito em tempo real, às informações
ções ambientais inadequadas. O grande número assusta, de alguma emissora de rádio que comenta o trânsito, ao
mas é próximo a outras estimativas de que o mundo tenha planejamento mental feito e refeito várias vezes do trajeto
perdido em torno de metade de seus corais desde 1950. que deve fazer para chegar ao seu destino, aos semáforos,
Segundo o estudo, recentemente, o fator principal faixas de pedestres etc.
65 relacionado à insustentabilidade dos corais são pres- Quando me vejo em tal situação, eu me lembro que
sões locais relacionadas à densidade populacional. Entre dirigir, após um dia de intenso trabalho no retorno para
os pontos prejudiciais associados a tais pressões estão casa, já foi uma atividade prazerosa e desestressante.
124 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 124 04/04/2024 16:42:56
O uso da internet ajudou a transformar nossa maneira 8. FGV-SP 2016 No primeiro aniversário da morte de Luís
de olhar para o mundo. Não mais observamos os detalhes, Garcia, Iaiá foi com o marido ao cemitério, afim de depo-
por causa de nossa ganância em relação a novas e diferentes sitar na sepultura do pai uma coroa de saudades. Outra
informações. Quantas vezes sentei em frente ao computador coroa havia ali sido posta, com uma fita aonde lia-se es-
para buscar textos sobre um tema e, de repente, me dei tas palavras: — A meu marido. Iaiá beijou com ardor a
conta de que estava em temas que em nada se relacionavam singela dedicatória, como beijaria a madrasta se ela lhe
com meu tema primeiro. aparecesse naquele instante. Era sincera a piedade da
Aliás, a leitura também sofreu transformações pelo nos- viúva. Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões.
so costume de ler na internet. Sofremos de uma tentação (Machado de Assis. Iaiá Garcia, 1983. Adaptado)
permanente de pular palavras e frases inteiras, apenas para
irmos direto ao ponto. O problema é que alguns textos a) No texto, há duas passagens que foram trans-
exigem a leitura atenta de palavra por palavra, de frase por critas em discordância com a norma-padrão da
frase, para que faça sentido. Aliás, não é a combinação e a língua portuguesa. Transcreva-as e faça as devi-
sucessão das palavras que dá sentido e beleza a um texto? das correções.
Se está difícil para nós, adultos, focar nossa atenção, b) Explique que sentido assume a preposição “com”
imagine, caro leitor, para as crianças. Elas já nasceram na formação das expressões nas passagens “Iaiá
neste mundo de profusão de estímulos de todos os tipos; foi com o marido ao cemitério” e “Iaiá beijou com
elas são exigidas, desde o início da vida, a dar conta de ardor a singela dedicatória”.
várias coisas ao mesmo tempo; elas são estimuladas com
diferentes objetos, sons, imagens etc. 9. FGV-SP 2021 Leia o poema de Alberto Caeiro para
Aí, um belo dia elas vão para a escola. Professores e responder à questão.
pais, a partir de então, querem que as crianças prestem
Não basta abrir a janela
atenção em uma única coisa por muito tempo. E quando
Para ver os campos e o rio.
elas não conseguem, reclamamos, levamos ao médico,
Não é bastante não ser cego
arriscamos hipóteses de que sejam portadoras de síndro-
Para ver as árvores e as flores.
mes que exigem tratamento etc.
A maioria dessas crianças sabe focar sua atenção, É preciso também não ter filosofia nenhuma.
sim. Elas já sabem usar programas complexos em seus Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
aparelhos eletrônicos, brincam com jogos desafiantes que Há só cada um de nós, como uma cave.
exigem atenção constante aos detalhes e, se deixarmos, Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
passam horas em uma única atividade de que gostam. E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Mas, nos estudos, queremos que elas prestem atenção Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
no que é preciso, e não no que gostam. E isso, caro leitor,
exige a árdua aprendizagem da autodisciplina. Que leva cave: pavimento de uma construção que fica abaixo
tempo, é bom lembrar. do nível do solo.
As crianças precisam de nós, pais e professores, para
começar a aprender isso. Aliás, boa parte desse trabalho Considere os versos:
é nosso, e não delas.
Não basta mandarmos que elas prestem atenção: isso Não basta abrir a janela
de nada as ajuda. O que pode ajudar, por exemplo, é Para ver os campos e o rio.
analisarmos o contexto em que estão quando precisam E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse
focar a atenção e organizá-lo para que seja favorável a tal
exigência. E é preciso lembrar que não se pode esperar No contexto, os termos sublinhados podem ser corre-
toda a atenção delas por muito tempo: o ensino desse tamente substituídos por:
quesito no mundo de hoje é um processo lento e gradual. a) “afim de” e “quando”.
SAYÃO, Rosely. Profusão de estímulos. Folha de S.Paulo, b) “a fim de” e “caso”.
11 fev. 2014 - adaptado.
c) “afim de” e “caso”.
Assinale a opção em que o termo destacado está gra- d) “a fim de” e “conforme”.
fado corretamente, de acordo com o contexto em que e) “a fim de” e “quando”.
foi utilizado.
10. Uepa 2014
a) Ela precisa estar atenta às informações de algu-
mas emissoras de rádio a cerca do trânsito. Saímos do Facebook
b) Com o advento da tecnologia, são tantos os estí- Desde a semana passada, quando os governadores
mulos e tanta pressão por que passam as pessoas. de São Paulo e Rio de Janeiro anunciaram o aumento de
c) Uma pessoa dirigindo precisa estar mas atenta R$ 0,20 na passagem de ônibus, a população brasileira
aos veículos que vêm atrás, ao lado e à frente. vem desencadeando uma das maiores revoltas públicas
d) Os adultos mau conseguem focar sua atenção que o país já viu em mais de duas décadas!
em uma única coisa. É claro que o aumento de tarifa foi apenas a gota
FRENTE 1
e) As crianças, afim de dar conta de várias coisas ao d’água que fez toda essa revolta transbordar pela maioria
mesmo tempo, são muito exigidas desde o início das grandes cidades do país. E, na minha opinião, a po-
da vida. pulação está corretíssima em protestar!
125
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 125 04/04/2024 16:42:56
O Brasil tem hoje a 6a maior economia do mundo, aconteceu aqui. Os governantes que quiserem atuar de
mas também é um dos países mais corruptos e bu- forma realmente democrática vão ter que estudar as redes
rocráticos do mundo! A grande maioria das decisões para poder dar uma resposta à altura dessa nova realida-
que são tomadas pelos nossos governantes dificilmente de brasileira, em vez de ficarem só tentando “localizar
favorece ou melhora a vida dos trabalhadores e cida- as lideranças” do movimento. Enfim… é em momentos
dãos de bem. como esse que as relações entre as redes sociais e as ruas
Quase R$ 30 bilhões de reais já foram gastos na se estreitam. Milhares de pessoas estão nas ruas relatando,
preparação para a Copa do Mundo de 2014, segundo o pelas redes sociais, o calor da mobilização social. Mas
governo federal, e por causa disso, a inflação só aumenta! também há outras centenas de milhares de pessoas que
Enquanto isso, o Brasil continua a investir pouco na edu- estão nas redes interagindo, compartilhando e se posicio-
cação e menos ainda na saúde pública. E, agora, querem nando a favor do movimento, o que aumenta ainda mais
enfiar “guela abaixo” do povo brasileiro mais um aumento a mobilização social, para além das ruas!
no valor de um transporte público extremamente precário E é nessa interação entre as redes sociais e as ruas que,
e ineficiente. principalmente, o Facebook ganha um papel de destaque.
Mas o que o Facebook e as redes sociais têm a ver (Fonte: http://www.felipe-moreira.com/
com isso? manifestacoes-no-brasil-x-facebook/)
Praticamente TUDO! Sobre a linguagem do texto, é correto afirmar que:
A maior parte da comunicação entre as pessoas que es-
a) o uso de expressões estrangeiras pode ser baseado
tão participando das manifestações está sendo feita on-line
em critérios como renovação, precisão e necessida-
através do Facebook, bem como de outras redes sociais
de dos usuários e do tipo de comunicação.
também, como o Twitter, YouTube e o Google+. Realmente
b) o tipo de linguagem é composto de um vocabulá-
nós podemos comprovar o poder que as redes sociais têm
e o efeito que elas podem causar na vida das pessoas! To- rio cuja vantagem está no uso de termos comuns,
dos os tweets e compartilhamentos, que começaram nas e por isso econômico.
redes sociais, se transformaram em uma grande multidão c) os termos usados apresentam certas desvanta-
nas ruas protestando por melhorias em todo o país! gens, pois os preferidos pelos usuários não são
Um levantamento da agência digital Today mostrou os mesmos usados em situações específicas de
que os protestos geraram 548 944 publicações nas princi- busca na rede.
pais redes sociais. O Twitter foi o meio mais utilizado pelas d) existem várias espécies de linguagens, sendo
pessoas, com 88% (cerca de 483 839 posts). No Facebook que todas elas consistem de um vocabulário e de
foram 60 mil postagens. O Google+ e blogs correspondeu um conjunto de símbolos inteligíveis a qualquer
aos 2% restantes. usuário da internet.
As hashtags mais utilizadas foram: vemprarua; e) a presença de termos estrangeiros evita a
ogiganteacordou; protestosp; mudabrasil; semviolencia; ambiguidade e aumenta a diversidade de termi-
democracianaotemfronteiras; changebrazil. Esses números nologia, podendo ser usados em qualquer meio
correspondem apenas à segunda-feira dia 17/06/13, mas de comunicação.
já podemos ter uma ideia de como essas manifestações
estão mobilizando os brasileiros nas redes sociais. 11. UEA-AM 2023 Considere a tirinha de Fernando
Brasileiros de pelo menos 13 países se organizaram Gonsales.
pelo Facebook para promover uma série de protestos em
solidariedade aos manifestantes brasileiros. Foram reali-
zados protestos em países como: França, Espanha, Reino
Unido, Alemanha, Itália, Portugal, Holanda, Irlanda,
Bélgica, Estados Unidos, Canadá, Argentina e México.
Pelo número de participantes confirmados no Facebook,
os dois maiores protestos foram realizados na Alemanha
e na Irlanda.
(www.folha.uol.com.br)
No Brasil, o grupo “Anonymous” assumiu um tipo
de liderança ideológica no Facebook durante essas ma- Para produzir o efeito de humor da tirinha, o cartunista
nifestações que acontecem pelo Brasil. Prova disso é a mobiliza o seguinte recurso expressivo:
fanpage principal do grupo no Facebook que teve uma a) gradação.
guinada explosiva nos últimos dias. O crescimento sema- b) eufemismo.
nal de curtidas, segundo as estatísticas da própria página, c) redundância.
pulou de 7 000 por semana para cerca de 130 mil. Eram d) ambiguidade.
400 mil fãs na semana passada e hoje já são quase 850 mil e) contradição.
fãs. Eles englobam a manifestação pela redução da tarifa
do transporte público, criticam a corrupção, os erros de 12. EsPCEx-SP 2016 Assinale a alternativa em que o pro-
governo e injustiças no país. nome grifado não apresenta vício de linguagem.
Manifestações organizadas pelas redes sociais ain- a) Quando Ana entrou no consultório de Vilma, en-
da são algo muito novo no Brasil e com dinâmicas bem controu-a com seu noivo.
diferentes de qualquer outro tipo de manifestação que já b) Caro investidor, cuide melhor de seu dinheiro.
126 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 126 04/04/2024 16:42:56
c) O professor proibiu que o aluno utilizasse sua d)
gramática.
d) Aída disse a Luís que não concordava com sua
reprovação.
e) Você deve buscar seu amigo e levá-lo em seu
carro até o aeroporto.
13. Insper-SP 2014
Para você estar passando adiante (Disponível em http://educacao.uol.com.br/album/tiras)
Este artigo foi feito especialmente para que você possa
e)
estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre
a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar
espalhando essa praga terrível da comunicação moderna,
o futuro do gerúndio. Você pode também estar passando
por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando
pela internet.
O importante é estar garantindo que a pessoa em
questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que
ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo
estar se dando conta da maneira como tudo o que ela
costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de
quem precisa estar escutando. [...]
(FREIRE, Ricardo. As cem melhores crônicas brasileiras.
São Paulo: Objetiva, 2010)
Assinale a alternativa na qual o autor emprega a mes-
ma estratégia discursiva usada por Ricardo Freire na
defesa de seu ponto de vista sobre o gerundismo.
a) Do chefão ao Office-boy escuta-se o vou estar A tradição nos trópicos
providenciando, vamos estar mandando, vão estar te-
Luís de Camões, o grande poeta português, e
lefonando. Viu? O intruso é usurpador. Quer indicar
uma operadora de telemarketing: por que será que em
futuro. Esquece que a nossa língua tem duas formas
Os Lusíadas o poeta disse “cantando espalharei por
pra falar no porvir. Uma: o futuro simples (manda-
toda parte”, e não “a cantar espalharei por toda par-
rei, mandarás, mandará). A outra: o composto (vou
te”? Os operadores de telemarketing sabem a razão:
mandar, vais mandar, vai mandar). O gerundismo
o gerúndio do Brasil é a forma clássica da língua;
pertence ao time do empurra-com-a-barriga. Finge
modernismo é o jeito de falar dos portugueses.
que faz. Mas embroma. (Disponível em http://veja.abril.com.br/311007/p_104.shtml)
(SQUARISI, Dad. www.brasiliaemdia.com.br)
14. FGV-SP 2022 Examine a tirinha de Jean Galvão, pu-
b) Nas redações de vestibulandos, o problema com o
blicada em sua conta no Instagram em 26.11.2020.
gerundismo é mais profundo. Vai além de clichês
ou modismos, [...] e afeta os mecanismos estruturais
da língua. A maior parte das falhas ocorre quando o
gerúndio aparece depois de uma ou mais orações,
“pendurado” no fim da frase. Isso torna ambígua a
identificação do sujeito e compromete a coerência
do enunciado.
(Chico Viana, Revista Língua Portuguesa)
c) Todos os defensores da língua pura estão criticando
uma locução verbal supostamente nova que apare- a) O que é um pleonasmo? Identifique o pleonasmo
ceu e se espalhou. Confesso que não a ouvia, ou não que ocorre na tirinha.
me dava conta de que existia, até que tive minha b) Cite outro recurso expressivo que também con-
atenção chamada para ela pelos guardiões da língua tribui para o efeito de humor da tirinha. Justifique
que imaginam que tudo aquilo de que não gostam sua resposta.
ou for novo – o que vier antes – é necessariamen-
te ruim. Penso o contrário. Se não gostam, deve ser
15. Acafe-SC 2022 Assinale a frase que está escrita de
interessante. Se acham que não serve para nada, al- acordo com as normas da língua-padrão.
FRENTE 1
guma serventia deve ter. a) Os primeiros imigrantes chegaram àquelas terras
(Sírio Possenti, http://vaiencarar.wordpress.com/2010/07/27/
em 1877, de cujas florestas extraíram a madeira
possenti-em-defesa-do-gerundio/) para construção das primeiras casas.
127
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19.indd 127 10/04/2024 16:42:36
b) Se a comunidade nos provasse do equipamento Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tem-
que necessitamos para prestar a ela mesmo esse po se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado.
serviço, todos sairíamos ganhando. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do
c) Assim que deu três horas, saiu da sala mais ou soluço e continuou a fitá-lo.
menos vinte e cinco crianças. Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
d) Até aonde eu sei, se o partido dele interpor re- Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas
que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo.
curso não devem haver eleições antes de seis
Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se
meses.
com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
16. PUC-Rio 2017 No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto
sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no
Tentação meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maio-
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a cla- res, de tantos esgotos secos − lá estava uma menina,
ridade das duas horas, ela era ruiva. como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam
Na rua vazia as pedras vibravam de calor − a cabeça profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um ins-
da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, tante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à
ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando gravidade com que se pediam.
inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse Mas ambos eram comprometidos.
seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de Ela com sua infância impossível, o centro da inocên-
momento a momento, abalando o queixo que se apoiava cia que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele,
conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com com sua natureza aprisionada. A dona esperava impacien-
soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desa- te sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se
lento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com
de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai
importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos
insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e
sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.
O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou
partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, para trás.
LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro:
apertando-a contra os joelhos. Editora do Autor, 1964, p. 67-69.
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste
mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comuni- a) Justifique a concordância de gênero aplicada à
cação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando palavra sublinhada em “e encarnada na figura de
uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um um cão” (3o parágrafo do conto “Tentação”).
basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era b) Reescreva a frase abaixo no passado.
um basset ruivo. Se nos sonhos eu sentir medo de ladrões, eles
Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando serão por certo imaginários.
seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro. c) Reescreva o período em destaque, usando a
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avi- expressão tão... que. Faça as adaptações neces-
sado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. sárias.
Ambos se olhavam. A constatação é que as bases neurobiológicas do
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem afeto desempenham papel muito significativo no com-
donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo portamento humano, a ponto de aumentar as chances
para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. de sobrevivência.
Texto complementar
Aprenda a falar bem para uma multidão virtual
O medo de falar em público é maior do que ser enterrado vivo ou de um apocalipse. Para driblar a ansiedade e o terror de discursar
para muitas pessoas por uma tela, siga essas dicas.
Manuela Stelzer | 16 de Junho de 2021
Faça um roteiro em tópicos, mas não um discurso (pode ser chato assistir alguém lendo) – Ao se dirigir a um grupo grande de
pessoas, um bom planejamento serve como bote salva-vidas. Nessa preparação, são três passos principais: roteiro, ensaio e estudo
do público. O roteiro deve ser curto: resuma em 15 palavras a mensagem que quer passar, e não a perca de vista. Evite escrever
tudo que irá falar, se não vai ter que recorrer demais à leitura e o discurso acaba engessado e monótono. Invista no ensaio e, se
tiver coragem, grave: por mais que possa causar certa vergonha, assistir a si mesmo ajuda a perceber erros e vícios de linguagem,
e a pensar em mudanças. Mas antes do conteúdo, é importante preocupar-se com o receptor da mensagem. “Antes do ‘o que eu
vou falar’ tem o ‘para quem eu vou falar’. ‘O que’ depende de ‘para quem’”, diz a palestrante e campeã mundial de oratória Lena
Souza. Para ela, antes de definir o assunto e maneira de transmiti-lo, é essencial conhecer o público e estudá-lo, para entender
suas expectativas, necessidades e realidade. “Se não, a pessoa fala, fala, fala e não conecta com o outro, não engaja.”
128 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 128 04/04/2024 16:42:57
Falar em público pode causar medo. Alongue-se e relaxe antes de começar – Em 2013, uma pesquisa da empresa britânica
OnePoll perguntou a 2 mil voluntários o que mais lhes causava terror. Falar em público ficou atrás apenas do medo de perder entes
queridos, e superou o de ser enterrado vivo, de fogo e até de um apocalipse. Uma atividade que causa tanto pavor merece uma breve
sessão de descontração, o que diminui a tensão do momento e pode até melhorar a performance. “O medo encolhe nosso corpo. Toda
vez que você vai se comunicar, parte da mensagem chega antes de abrir a boca. É o olhar, o tronco, o ombro, o enquadramento. Tudo
comunica, até por meio [da] tela”, diz Lena Souza. Por isso, antes de suas palestras, ela mesma reproduz a dica: põe som na caixa e
faz uma série de alongamentos para aliviar a tensão e assim melhorar a expressão corporal durante a fala em público.
Proponha interações para “acordar” um público já cansado das telas – Quem nunca entrou em uma live, reunião ou treina-
mento virtual e logo nos primeiros segundos já se distraiu e recorreu à tela do WhatsApp? “O maior desafio hoje é prender a atenção
das pessoas”, diz Lena Souza. E ela tem razão: de acordo com uma pesquisa canadense, o tempo de atenção do ser humano é hoje de
apenas 8 segundos. Em tempos de overdose de telas, pode ficar ainda mais complicado manter o foco de um grupo grande de ouvintes
apenas pela imagem e fala. Por isso, a dica é inovar: “Abuse um pouco, quebre padrões. Crie um cenário diferente, planeje interações
ao longo do discurso, proponha atividades, instigue a curiosidade do público”, sugere Lena, que ressalta a importância de um bom
enquadramento, luz e som. “Precisa cuidar desses detalhes. Sempre indico falar direto com a lente, não com a tela, porque soa mais
persuasivo, e a pessoa sente que você está falando diretamente com ela.” A fonoaudióloga Michelle Uguetto acrescenta: “A linguagem
não verbal é muito importante para a comunicação. Uma dica é manter a câmera na altura dos olhos — deixá-la acima do olhar passa
uma ideia de arrogância, e abaixo, de insegurança. São detalhes que podem comprometer a mensagem transmitida.”.
STELZER, Manuela. Gama Revista, 16 jun. 2021. Disponível em: https://gamarevista.uol.com.br/estilo-de-vida/5-dicas/aprenda-a-falar-bem-para-uma-
multidao-virtual/. Acesso em: 4 mar. 2024.
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
Quer saber mais?
Livro Site
Dúvidas em português nunca mais, de Cilene Cunha, Edi- Ciberdúvidas da língua portuguesa. 2011-2023. Dispo-
la Vianna da Silva e Regina Célia Cabral Angelim. São nível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/. Acesso em:
Paulo: Lexikon, 2011. 4 mar. 2024.
Essa obra oferece um compilado de dúvidas sobre a Esse site, mantido e atualizado pelo Instituto Universitário
língua, que vão desde grafia de palavras, acentuação, de Lisboa, em Portugal, é um fórum de perguntas e res-
pontuação até pronomes, conjugações verbais e adequa- postas que funciona como um repositório de informações
ção vocabular. O livro é um guia prático e não se pretende e questões sobre a língua portuguesa. É possível mandar
nem gramática, nem dicionário. Os capítulos contam com suas próprias dúvidas, mas é mais provável que você já
exercícios de fixação do conteúdo. encontre sua dúvida apresentada por outros usuários e
respondida por especialistas.
Exercícios complementares
1. Enem Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
O blues já valeu a pena
Essa pequena CHICO BUARQUE. Disponível em: www.chicobuarque.com.br.
Meu tempo é curto, o tempo dela sobra Acesso em: 31 jun. 2012.
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora O texto Essa pequena registra a expressão subjetiva
Temo que não dure muito a nossa novela, mas do enunciador, trabalhada em uma linguagem infor-
Eu sou tão feliz com ela
mal, comum na música popular. Observa-se, como
Meu dia voa e ela não acorda
marca da variedade coloquial da linguagem presente
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
no texto, o uso de
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
Não canso de contemplá-la a) palavras emprestadas de língua estrangeira, de
Feito avarento, conto os meus minutos uso inusitado no português.
Cada segundo que se esvai b) expressões populares, que reforçam a proximida-
Cuidando dela, que anda noutro mundo de entre o autor e o leitor.
FRENTE 1
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai c) palavras polissêmicas, que geram ambiguidade.
Às vezes ela pinta a boca e sai d) formas pronominais em primeira pessoa.
Fique à vontade, eu digo, take your time e) repetições sonoras no final dos versos.
129
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 129 04/04/2024 16:42:58
2. Fuvest/ETE-SP 2022 que estuda, entre outros temas, a aversão aos pobres. Em
2017, foi escolhido como palavra do ano pela Fundación
del Español Urgente (Fundéu) e no mesmo ano foi inte-
grado ao dicionário da língua espanhola.
25 Assim como o termo xenofobia, que quer dizer aversão
ou medo direcionado aos estrangeiros, Cortina procurou
uma palavra que desse conta de descrever a rejeição aos
pobres. Ela defende, aliás, que a verdadeira “fobia” só é
direcionada contra os estrangeiros pobres e não pelos que
30 detêm recurso financeiro ou boa condição de vida e passam
a viver em um novo país.
“A aporofobia é um sentimento sempre presente no
ser humano, segundo a Adela Cortina. Esse medo do pobre
faz parte da nossa estrutura de pensamento, mas pode ser
35 mudado por meio de uma educação”, explica Lancellotti
para Ecoa. “Acontece também com os refugiados, que
morrem nos mares mediterrâneos, pois os países da Europa
se negam a socorrê-los”.
Quais são os alvos da aporofobia?
40 Para James Moura Jr., doutor em psicologia social pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador
visitante do Boston College (EUA), que estuda as conse-
quências da aporofobia, é preciso entender a pobreza de
uma perspectiva multidimensional para analisar alguns
45 impactos sutis desse preconceito.
Disponível em: https://bit.ly/38U3MoX/. “Quando se pensa na ideia de linhas de pobreza,
é o dinheiro que é usado como régua. Mas o filósofo e
Tendo como objetivo aumentar o estoque de sangue
economista Amartya Sen traz ao debate a compreensão de
do HEMORIO, a campanha publicitária faz uso dos se-
que ela deve ser entendida como privação de forma mais
guintes recursos linguísticos: 50 ampla, para além da pobreza financeira”, alerta.
a) intertextualidade e prosopopeia. “Nesse caso, a pessoa é privada de formas de ser e fa-
b) ambiguidade e paradoxo. zer, por exemplo, a falta de acesso à educação, mobilidade
c) neologia e polissíndeto. e cultura. Assim, é possível ser considerado pobre em uma
d) ambiguidade e paronímia. perspectiva multidimensional. É uma forma mais ampla de
e) intertextualidade e polissemia. 55 compreender a pobreza”, completa ele, afirmando que é
por isso que muitas pessoas podem não se sentir bem-vindas
3. UEM-PR 2022
em um lugar, mesmo quando podem pagar por ele.
Aporofobia: aversão a pessoas pobres está No Brasil, no começo dos anos 2000, o grupo Racio-
nais MC’s popularizou, entre as suas muitas composições,
presente até na arquitetura
Giacomo Vicenzo
60 os versos da música “Negro Drama”: “O dinheiro tira um
homem da miséria, mas não pode arrancar, de dentro dele,
A palavra aporofobia tem ganhado holofotes com as a favela”.
denúncias feitas pelo padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Os versos forjados na periferia de São Paulo vão ao
Povo de Rua. Entre as fotos postadas em suas redes sociais encontro das explicações feitas por Moura Jr., para quem
ele mostra elementos da chamada “arquitetura antipobres”, 65 os símbolos que representam “os pobres” e seus territórios
5 que impedem, nos espaços públicos, a estadia, descanso não desaparecem, mesmo com a ascensão econômica, e
ou passagem de pessoas em situação de rua. “Grades, são percebidos e repudiados pela elite. Sobretudo entre os
dutos de água, pedras pontiagudas. Há os que querem períodos de 2002 a 2015, momentos em que houve queda
disfarçar com vasos e com paisagismo”, diz ele para Ecoa. ininterrupta da desigualdade de renda no Brasil, como mos-
Aporofobia significa aversão, medo e desprezo aos 70 tra estudo do Insper e publicado em reportagem na Folha.
10 pobres e desfavorecidos financeiramente. O termo, que se “Depois desse período de incremento da renda, ou-
tornou um neologismo no Brasil, deriva do grego da junção tras pessoas começaram a frequentar espaços elitizados
das palavras á-poros [pobres] + fobos [medo]. como aeroportos, pois muitos que não tinham como pagar
Para entender como a aporofobia se enraíza na socie- passaram a ter essa possibilidade”, lembra o doutor em
dade e cria uma construção mental que entende pessoas 75 psicologia social.
15 como mais ou menos humanas, Ecoa conversou com “No entanto, havia uma construção das classes mais al-
Lancellotti e com um doutor em psicologia social que tas de uma espécie de preconceito aos pobres, pois eles ainda
estuda as causas e as consequências do preconceito. eram reconhecidos como pessoas de classes mais baixas por
O que é aporofobia e quando o termo surgiu? uma série de sinais simbólicos”, completa.
O termo aporofobia foi usado pela primeira vez em 80 Entre as afirmações de preconceito, o pesquisador
20 meados dos anos 90 pela filósofa espanhola Adela Cortina, lembra de falas como a do Ministro da Economia Paulo
130 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 130 04/04/2024 16:42:58
Guedes em um evento privado, que comentava o período escola. As meninas pagavam em jujubas, bolo inglês e
em que o dólar estava a R$ 1,80: “Todo mundo indo pra guaraná.
Disneylândia, empregada doméstica indo pra Disneylân- Já o bueiro me socializava. Convidava com frequência
85 dia, uma festa danada”, disse na ocasião. o Liquinho, vulgo Ricardo. Mais forte do que eu, ajudava
Para Lancellotti, esse preconceito vem aumentando a levantar a pesada e lacrada tampa de metal. Eu ficava
na proporção em que o empobrecimento cresce. “Está com a responsabilidade de descer às profundezas do lodo.
acontecendo um empobrecimento acelerado, temos uma Tirava toda a roupa – a mãe não perdoaria o petróleo
população de rua que aumentou 53% em 2019 [de acordo do esgoto – e pulava de cueca, apalpando às cegas o
90 com dados da Prefeitura de São Paulo]. Mas esses números fundo com as mãos. Esquecia a nojeira imaginando as
estavam abaixo da realidade, pois consideravam menos recompensas. Repartia os lucros com os colegas que me
de 25 mil e nós acreditávamos que já tínhamos 32 mil acompanhavam nas expedições ao submundo de Porto
pessoas nessas condições à época”, aponta o padre. [...] Alegre. Lembro que compramos uma bola de futebol com
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/01/25/ a arrecadação de duas semanas.
aporofobia-aversao-a-pessoas-pobres-esta-presente-ate-na-arquitetura.
Espantoso o número de itens perdidos. Assim como os
htm#:~:text=Aporofobia%3A%20avers%C3%A3o%20a%20pessoas%20
pobres,%2F01%2F2022%20%2D%20UOL%20ECO. professores paravam no meu colégio, acreditava na greve
Acesso 12 set 2022. dos objetos: moedas e anéis rolavam e cédulas voavam
De acordo com o texto, assinale o que for correto. dos bolsos para protestar por melhores condições.
Sofria para me manter estável, pois nunca pedia di-
01 A aproximação de “aporofobia” (linha 32) e “xe-
nheiro a ninguém. Desde cedo, descobri que vadiar é
nofobia” (linha 25) faz que esses vocábulos sejam
também trabalhar duro.
entendidos como sinônimos.
Disponível em: http://carpinejar.blogspot.com.br/2016/06/achado-nao-e-
02 A proximidade fonética e ortográfica entre “apo- roubado.html. Acesso em: 22 jun. 2016.
rofobia” (linha 18) e “xenofobia” (linha 25) permite
que o autor do texto explore a relação de paroní- Que par exemplifica um caso de palavras homógrafas?
mia estabelecida entre esses vocábulos. a) Achado / roubado.
04 O uso de “‘festa’” (linha 85), em sentido conota- b) Vadiar / trabalhar.
tivo, permite que Paulo Guedes avalie o uso de c) Casa (verbo) / casa (substantivo).
transporte aéreo por indivíduos socioeconomica- d) Colher (verbo) / colher (substantivo).
mente desfavorecidos como excessivo. 5. IFCE
08 Os vocábulos “aversão”, “medo” e “desprezo” (li-
nha 9) são empregados com sentido aproximado, Nasce um escritor
mantendo, portanto, uma relação de sinonímia. O primeiro dever passado pelo novo professor de
16 O vocábulo “‘régua’” (linha 47) pode ser substi- português foi uma descrição tendo o mar como tema.
tuído por medida, mantendo sentido do texto A classe inspirou, toda ela, nos encapelados mares de
original. Camões, aqueles nunca dantes navegados. O episódio
5 do Adamastor foi reescrito pela meninada. Prisioneiro no
4. IFSul-RS 2017 internato, eu vivia na saudade das praias do Pontal onde
ACHADO NÃO É ROUBADO conhecera a liberdade e o sonho. O mar de Ilhéus foi o
tema de minha descrição.
Fabrício Carpinejar
Padre Cabral levara os deveres para corrigir em sua cela.
Não ganhava mesada, nem ajuda de custo na infância. 10 Na aula seguinte, entre risonho e solene, anunciou a exis-
Eu me virava como dava. Recebia casa, comida e roupa tência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala
lavada e não havia como miar, latir e reivindicar mais nada de aula. Pediu que escutassem com atenção o dever que ia
aos pais, só agradecer. ler. Tinha certeza, afirmou, que o autor daquela página seria
As minhas fontes de renda eram praticamente duas: no futuro um escritor conhecido. Não regateou elogios. Eu
procurar dinheiro nas bolsas vazias da mãe, torcendo para 15 acabara de completar onze anos.
que deixasse alguma nota na pressa da troca dos acessó- Passei a ser uma personalidade, segundo os cânones
rios, ou catar moedas nas ruas e nos bueiros. do colégio, ao lado dos futebolistas, dos campeões de
A modalidade de caça a dinheiro perdido exigia matemática e de religião, dos que obtinham medalhas. Fui
disciplina e profissionalismo. Saía de casa pelas 13h e admitido numa espécie de Círculo Literário onde brilha-
caminhava por duas horas, com a cabeça apontada ao 20 vam alunos mais velhos. Nem assim deixei de me sentir
meio-fio como pedra em estilingue. Varria a poeira com os prisioneiro, sensação permanente durante os dois anos
pés e cortava o mato com canivete. Fui voluntário remoto em que estudei no colégio dos jesuítas. Houve, porém,
do Departamento Municipal de Limpeza Urbana. sensível mudança na limitada vida do aluno interno: o
Gastava o meu Kichute em vinte quadras, do bairro padre Cabral tomou-me sob sua proteção e colocou em
Petrópolis ao centro. Voltava quando atingia a entrada 25 minhas mãos livros de sua estante. Primeiro “As Viagens
do viaduto da Conceição e reiniciava a minha arqueolo- de Gulliver”, depois clássicos portugueses, traduções de
gia monetária no outro lado da rua. Levava um saquinho ficcionistas ingleses e franceses.
FRENTE 1
para colher as moedas. Cada tarde rendia o equivalente Data dessa época minha paixão por Charles Dickens.
a três reais. Encontrar correntinhas, colares e broches Demoraria ainda a conhecer Mark Twain: o norte-ame-
salvava o dia. Poderia revender no mercado paralelo da 30 ricano não figurava entre os prediletos do padre Cabral.
131
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 131 04/04/2024 16:42:58
Recordo com carinho a figura do jesuíta português Considerada a norma-padrão da língua, a observação
erudito e amável. Menos por me haver anunciado escritor, correta é:
sobretudo por me haver dado o amor aos livros, por me a) No quadrinho, a expressão Por quê? está em-
haver revelado o mundo da criação literária. Ajudou-me a pregada adequadamente, mas se a frase, com
35 suportar aqueles dois anos de internato, a fazer mais leve sentido equivalente, tivesse outra redação − “Ela
a minha prisão, minha primeira prisão. se perguntava desesperadamente porque havia
AMADO, Jorge. O menino Grapiúna.
Rio de Janeiro. Record. 1987. p. 117-20.
feito aquilo” − o que está em destaque também
estaria empregado com correção.
A palavra “descrição” (linha 2) é parônima de discri- b) No quadrinho, a expressão Por quê? está em-
ção. O par de parônimas, cujos significados estão pregada adequadamente, como também está na
corretamente apontados, está na opção frase “Não entendo o por quê de tanta discussão”.
a) espiar = sofrer castigo / expiar = olhar, observar. c) A colocação do pronome em Me perdoa...!! é
b) flagrante = perfumado / fragrante = evidente. condenada pelas regras gramaticais, sendo con-
c) emergir = mergulhar / imergir = vir à tona. siderada aceitável exclusivamente quando se
d) comprimento = saudação / cumprimento = extensão. trata de textos humorísticos.
e) concerto = sessão musical / conserto = reparo. d) O sinal indicativo da crase em Induz à humildade
6. Fuvest-SP Dos termos sublinhados nas frases abaixo, está adequadamente empregado, como o estaria
o único que está inadequado ao contexto ocorre em: também em “Induz à esse tipo de virtude encon-
a) O mundo está na iminência de enfrentar o re- trado em pessoas despretensiosas”.
crudescimento da fome devido à escassez de e) A análise da composição do quadrinho evidencia
alimentos. que o verbo “encher” está empregado como tran-
b) Para atender a todos os interessados no concur- sitivo direto e indireto, sendo que o objeto direto
so, foi preciso dilatar o prazo das inscrições. é indicado por meio da representação visual.
c) Ao fazer cópias de músicas e filmes pela internet, 8. UFRGS 2023 A questão está relacionada ao texto.
é preciso ter cuidado para não infringir a lei.
d) O município que se tornou símbolo da emigração Carducci saía do atelier. Sandro tentou seguir adiante,
brasileira para os EUA tenta se adaptar ao movi- mas o fotógrafo já o chamava.
mento migratório inverso. — É comigo?
e) A cobrança de juros excessivos, com o objetivo — Sim. Não gostaria de conhecer meu estabelecimento?
Sandro ia dar uma desculpa, mas o gesto do outro,
de aferir lucro exagerado, desestimula o cresci-
imperioso e afável, acabou por vencê-lo.
mento da produção.
Dentro do estúdio vagava um cheiro de líquidos peri-
7. PUC-Campinas 2017 gosos. Sandro conhecia 1 o método fotográfico, apenas
o que entrevia no indigente estúdio de Paolo Pappalardo,
em Ancona. O que Nadar ocultara, Carducci hoje mos-
trava. Abriu a tampa de uma caixa-baú organizada em
compartimentos quadrangulares.
Ali estavam, acomodados, vidros transparentes de
diversos tamanhos, com rótulos em francês.
Continham pós e soluções. Também 2 funis, tubos
milimetrados, pequenos cálices em formato de sino e uma
balança. No verso da tampa, um carimbo oval, em pirogravura:
Charles Chevalier – Paris.
— É meu material — disse Carducci. — Essa caixa já
vem pronta, da França, pelo porto de Montevidéu. Acom-
panha uma câmara portátil e um pequeno manual para
os amadores. Claro que os pós e os líquidos acabam, mas
ali – e mostrava uma sucessão de garrafas numa prateleira
– está a reposição que eu mesmo providencio. Agora vou
lhe explicar como isso funciona. E colocou um vaso com
flores de tule sobre a sua mesinha de trabalho. Fotogra-
fou-o, revelou a chapa e copiou-a.
— Que tal? Não parece um quadro? Em preto e bran-
co, mas um quadro.
— Bonito.
— Quer que lhe tire uma foto?
— Não sou bom modelo. Foi um desastre, a última
vez que me tiraram.
(Mulheres alteradas 3. Trad. Ryla Vinagre. Rocco: Rio de Janeiro, A cara decepcionada de Carducci, entretanto, fez com
2003, 2003, p. 71) que concordasse. E posou, inquieto.
132 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 132 04/04/2024 16:42:59
Já com a foto na mão, teve uma sensação de alívio. Analise as proposições em relação à obra Melhores
Guardou-a. contos, Lygia Fagundes Telles, ao conto “As formigas”,
— Está ótima. Quanto lhe devo? ao trecho do conto, e assinale (V) para verdadeira e
— Esqueça. Venha para conversar. Afinal, temos o mes- (F) para falsa.
mo trabalho, embora cada qual a seu modo. — Carducci
I. Embora a autora se enquadre no período pós-
tossiu de modo preocupante. — Desculpe: como o senhor
-moderno ou contemporâneo, o conto possui
vê, a idade não traz só experiência. Que me diz? Não
uma linguagem simbólica, que comprova a
devemos criar inimizades. Somos patrícios. A cidade é tão
exuberância da narrativa pela fusão de ima-
pequena. Ademais, esse boato que corre a seu respeito é
gens (descrições) auditivas, olfativas e visuais,
uma infâmia. Inventarem uma coisa dessas...
constituindo uma característica da escola sim-
Sandro tornou-se sensível 3 generosidade.
bolista – sinestesia.
— Virei qualquer dia desses. Aguarde.
II. A descrição caricata da dona da pensão, a pre-
Adaptado de: ASSIS BRASIL, L. A. O pintor de retratos.
Porto Alegre: L&PM, 2002. sença do animal de estimação – um gato, o
codinome que ela recebe – bruxa, são elemen-
Assinale a alternativa que preenche corretamente as tos que causam estranheza e cotizam-se para a
lacunas 1, 2 e 3, nessa ordem. atmosfera do fantástico, do sobrenatural.
a) mal – havia – àquela III. No período “e olhou pelo buraco tão reduzi-
b) mau – havia – aquela do como o aro de um anel” (linha 31) a palavra
c) mau – havia – àquela destacada, e que estabelece a relação de
d) mal – haviam – àquela comparação, pode ser substituída por tal qual,
e) mal – haviam – aquela sem comprometer a classificação morfológica,
o sentido e a coerência, no texto.
9. Udesc 2019 (Adapt.) IV. Nas estruturas “é raro à beça” (linha 5) e “Café
As formigas das sete às nove” (linha 12) o sinal gráfico da
crase somente é obrigatório na segunda estru-
[...]
tura, por se tratar de hora determinada, e na
— Mas que ossos tão miudinhos! São de criança?
primeira estrutura o emprego é optativo.
— Ele disse que eram de adulto. De um anão.
V. Na oração “Não deixem a porta aberta senão
— De um anão? É mesmo, a gente vê que já estão
meu gato foge” (linhas 15 e 16) a palavra em
5 formados... Mas que maravilha, é raro à beça esqueleto
destaque pode ser substituída por se não, pois
de anão. E tão limpo, olha aí — admirou-se ela. Trouxe
ambas têm a mesma acepção que contrário,
na ponta dos dedos um pequeno crânio de uma brancura
logo não há alteração semântica.
de cal. — Tão perfeito, todos os dentinhos!
— Eu ia jogar tudo no lixo, mas se você se interessa Assinale a alternativa correta.
10 pode ficar com ele. O banheiro é aqui ao lado, só vocês a) Somente as afirmativas II, III e V são verdadeiras.
é que vão usar, tenho o meu lá embaixo. Banho quente, b) Somente as afirmativas I, IV e V são verdadeiras.
extra. Telefone, também. Café das sete às nove, deixo a c) Somente as afirmativas II, IV e V são verdadeiras.
mesa posta na cozinha com a garrafa térmica, fechem bem d) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras.
a garrafa — recomendou coçando a cabeça, A peruca se e) Todas as afirmativas são verdadeiras.
15 deslocou ligeiramente. Soltou uma baforada final: — Não
deixem a porta aberta senão meu gato foge. 10. Acafe-SC 2016 Assinale a frase elaborada de acordo
Ficamos nos olhando e rindo enquanto ouvíamos o com as normas do português-padrão.
barulho dos seus chinelos de salto na escada. E a tosse a) A Unidade Básica de Saúde que fica na rua Caldas
encatarrada. da Imperatriz, esclarece que o medicamento sin-
20 Esvaziei a mala, dependurei a blusa amarrotada num vastatina 10 mg chegou ao almoxarifado central
cabide que enfiei num vão da veneziana, prendi na parede, no início deste mês, aonde pode ser retirado pe-
com durex, uma gravura de Grassmann e sentei meu urso
los pacientes do SUS.
de pelúcia em cima do travesseiro. Fiquei vendo minha
b) Solicitamos o asfaltamento dessa rua por que nos
prima subir na cadeira, desatarraxar a lâmpada fraquíssima
dias de chuva os moradores não conseguem su-
25 que pendia de um fio solitário no meio do teto e no lugar
atarraxar uma lâmpada de duzentas velas que tirou da sa- bir na rua que também é muito íngreme.
cola. O quarto ficou mais alegre. Em compensação, agora c) A Brastemp informa, por meio de nota de sua as-
a gente podia ver que a roupa de cama não era tão alva sessoria de imprensa, que entrou em contato com a
assim, alva era a pequena tíbia que ela tirou de dentro do consumidora Solange Azambuja e ofereceu a troca
30 caixotinho. Examinou-a. Tirou uma vértebra e olhou pelo do produto com custos operacionais gratuitos.
buraco tão reduzido como o aro de um anel. Guardou-as d) Só uma pergunta, todos os dias esse cara posta
com a delicadeza com que se amontoam ovos numa caixa. fotos de mulheres semi nuas em sua coluna, por-
— Um anão. Raríssimo, entende? E acho que não falta que somente essa foto causou indignação?
FRENTE 1
nenhum ossinho, vou trazer as ligaduras, quero ver se no
35 fim da semana começo a montar ele. [...] 11. Unifor-CE 2022 Dois Cavalos atravessa a ponte devagar,
Telles, Lygia Fagundes. Melhores contos / Lygia Fagundes Telles, seleção à velocidade mínima autorizada, para dar ao espanhol
de Eduardo Portella. – [13. Ed] - São Paulo: Global, 2015. p. 123. tempo de admirar a beleza das paisagens de terra e mar,
133
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 133 04/04/2024 16:42:59
e também a grandiosa obra de engenharia que liga as 14. IFMT 2020 O texto a seguir serve de base para res-
duas margens do rio, esta construção, falamos da frase, ponder à questão.
é perifrástica, usámo-la só para não repetirmos a palavra
ponte, de que resultaria solecismo, da espécie pleonásti- Gerundismo – evite esse vício de linguagem
ca ou redundante Tanto se tem falado a respeito de gerundismo, que já
SARAMAGO, J. In: A jangada de Pedra. São Paulo: há quem tenha prática sobre o uso do gerúndio. Há até
Companhia das Letras, 1988.
quem pergunte se o gerúndio não é mais usado ou se é
*grafia preservada do português de Portugal.
errado o seu emprego. Então, antes que se comece a tomar
A partir dos esclarecimentos acerca da escrita nesse o certo pelo duvidoso e o errado pelo certo, vamos nos
fragmento, pode-se dizer que lembrar de algumas regras gramaticais.
a) ao esclarecer o termo “construção”, o autor evita Comecemos pelo significado da palavra “gerúndio”.
uma ambiguidade. Se procurarmos as definições nas gramáticas em uso,
b) ao substituir a palavra “ponte”, o autor usou a ca- encontraremos, geralmente, a seguinte explicação: “Ge-
táfora como recurso coesivo. rúndio é uma das formas nominais do verbo que apresenta
c) ao optar por não repetir a palavra “ponte”, o autor o processo verbal em curso e que desempenha a função
rompe com a ênfase da frase. de adjetivo ou advérbio”.
d) ao evitar solecismo na frase, o autor demonstra Ele apresenta-se de duas formas. A simples (Ex.:
domínio das técnicas da narrativa. Chegando a hora da largada, a luz verde acendeu) e a
e) ao justificar a frase perifrástica, o autor revela cui- composta (Ex.: Tendo chegado ao fim da corrida, o carro
foi recolhido ao boxe).
dado apenas com o conteúdo da frase.
O gerúndio expressa uma ação que está em curso
12. Unifesp ___ dois meses, a jornalista britânica Rowenna ou que ocorre simultaneamente ou, ainda, que remete a
Davis, 25 anos, foi furtada. Só que não levaram sua car- uma ideia de progressão. Sua forma nominal é derivada
teira ou seu carro, mas sua identidade virtual. Um hacker do radical do verbo acrescida da vogal temática e da de-
invadiu e tomou conta de seu e-mail e – além de bisbilho- sinência -ndo. Exemplos: comendo; partindo.
tar suas mensagens e ter acesso a seus dados bancários Veja, a seguir, o uso do gerúndio na prática:
– passou a escrever aos mais de 5 mil contatos de Rowenna E a lama desceu pelo morro, destruindo tudo que
dizendo que ela teria sido assaltada em Madri e pedindo encontrava pela frente.
ajuda em dinheiro. Rindo, ele se lembrava com saudades dos dias felizes
Quando ela escreveu para seu endereço de e-mail que tivera.
pedindo ao hacker ao menos sua lista de contatos profis- Abrindo o laptop, começou a escrever.
sionais de volta, Rowenna teve como resposta a cobrança “Caminhando sozinho aquela noite pela praia deserta,
de R$ 1,4 mil. Ela se negou a pagar, a polícia não fez nada. fiz algumas reflexões sobre a morte” (Erico Veríssimo, Solo
A jornalista só retomou o controle do e-mail porque um de Clarineta, p. 12).
amigo conhecia um funcionário do provedor da conta, Como vimos nos exemplos, o gerúndio pode ser em-
que desativou o processo de verificação de senha criado pregado de diferentes maneiras em nossa língua sem que
pelo invasor. tenhamos praticado nenhuma heresia. Já com o gerundis-
(Galileu, dezembro de 2011. Adaptado.) mo é outra história. Nesse caso, trata-se do uso inadequado
do gerúndio. Um vício de linguagem que se alastrou de
A lacuna do início do texto deve ser corretamente modo tão corriqueiro e insistente que até já virou piada.
preenchida com Então, se você usa expressões como: “Vou estar pesqui-
a) À. sando seu caso” ou “Vou estar completando sua ligação”,
b) Há cerca de. mude imediatamente sua fala para: “Vou pesquisar seu
c) Fazem. caso” e “Vou completar sua ligação”. Note que, nos dois ca-
d) Acerca de. sos, você passa a usar somente duas formas verbais (“vou” +
e) A. “pesquisar” ou “vou” + “completar”) no lugar de três. Além
disso, a ideia temporal a ser transmitida é a de futuro e não
13. IFSC Preencha adequadamente os espaços com a de presente em curso.
palavra “mal” ou “mau”: O gerundismo, portanto, é uma mania que peca pelo
Ana canta muito bem, mas toca violão muito ____. excesso, pela inadequação do verbo, que ocorre ao trans-
O meio-campo caiu de ____ jeito. formarmos, desnecessariamente, um verbo conjugado em
O apartamento foi ____ construído. um gerúndio.
Hoje o tempo está ____. (Fonte: UOL. Adaptado. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/
Sapato ____ fabricado é sempre um ____ sapato. disciplinas/portugues/gerundismo-evite-esse-vicio-de-linguagem.htm.
Acesso em: 20 jan. 2019).
Essa história está muito ____ contada.
Assinale a sequência CORRETA. A partir da leitura do texto “Gerundismo – evite esse
a) mau – mau – mal – mau – mal – mau – mal vício de linguagem”, marque a alternativa correta.
b) mal – mau – mal – mau – mal – mau – mal a) O equívoco das pessoas consiste em usar o
c) mal – mau – mau – mau – mau – mau – mau gerúndio de maneiras diversas, sendo que há
d) mal – mau – mau – mau – mal – mau – mal apenas uma forma gramaticalmente correta de
e) mau – mau – mal – mau – mal – mau – mau fazer seu uso.
134 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 134 04/04/2024 16:42:59
b) Gerúndio e gerundismo são a mesma coisa e os dois são considerados vícios de linguagem.
c) Gerúndio é uma forma inadequada de usar o verbo.
d) O gerundismo é considerado um vício de linguagem e deve ser evitado.
e) O gerúndio e o gerundismo fazem uso exatamente dos mesmos tempos verbais, mas o gerundismo é conside-
rado errado pelo uso excessivo de verbos em sua forma.
15. Unesp 2016 (Adapt.) Leia o poema de Manuel Bandeira (1886-1968) para responder à questão.
Poema só para Jaime Ovalle
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
– Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.
(Estrela da vida inteira, 1993.)
Jaime Ovalle (1894-1955): compositor e instrumentista. Aproximou-se do meio intelectual carioca e se tornou amigo
íntimo de Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Sérgio Buarque de Hollanda e Manuel Bandeira. Sua música mais famosa é “Azulão”,
em parceria com o poeta Manuel Bandeira. (Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira)
Pleonasmo (do grego pleonasmós, superabundância): emprego de palavras redundantes, de igual sentido; redundância.
Há o pleonasmo vicioso, decorrente da ignorância da língua e que deve ser evitado, e o pleonasmo estilístico, usado inten-
cionalmente para comunicar à expressão mais vigor ou intensidade.
(Domingos Paschoal Cegalla. Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, 2009. Adaptado.)
Transcreva o verso em que se verifica a ocorrência de um pleonasmo. Justifique sua resposta.
16. PUC-Campinas 2022
O que a palavra diz sem dizer
Mais do que forma e sentido, palavras têm uma aura, um cheiro, um jeito. Podem ser legais ou malas, bonitas ou feias,
difíceis ou oferecidas, sisudas ou frívolas, francas ou enigmáticas, de boa índole ou perversas. Podem enganar, fingindo uma
facilidade que vira pedreira ali na esquina. Mas também pode ser que, ao contrário, escondam as delícias mais inebriantes
sob uma casca dura e espinhenta.
Dito assim, as palavras soam como as pessoas, o que não está longe da verdade. Como nas relações humanas, seu mundo
é atravessado por uma rede de simpatias e antipatias que precede o sentido e, em certa medida, sobrevive a ele. Isso ocorre
porque, ao nos relacionarmos com as palavras, usamos reservas – cognitivas, emocionais e intuitivas – que vão muito além
da razão. Que envolvem, por assim dizer, o corpo todo.
Como poderia ser diferente? Na história do desenvolvimento de cada um de nós, o aprendizado da linguagem coincidiu
de forma perfeita com o aprendizado de simplesmente... ser.
O que nos diz nossa intuição sobre a palavra “pulcritude”, por exemplo? Boa coisa não é. Além de pernóstica, de sentido
inacessível aos mortais comuns sem a ajuda de um bom dicionário, a palavra exala um mau cheiro – vamos ser francos – entre
o poeirento e o azedo. No entanto, a feiosa pulcritude, com seu bafo rançoso e sua verruga do tamanho de uma jabuticaba
no nariz, quer dizer nada menos que beleza, formosura. Pode? No mundo das palavras, pode.
O potencial literário da aura das palavras é óbvio: em grande parte, escrever é tirar proveito desses ecos e fantasmas,
sem esquecer, claro, os sentidos literais.
(Adaptado de: RODRIGUES, Sérgio. São Paulo: Folha de S.Paulo. 02/10/2020)
Está adequado o emprego de ambos os termos sublinhados na frase:
a) Quando ouvimos palavras que seu som nos agrada, podemos não nos dar conta em que seu sentido nada tem
de positivo.
b) Um cronista que não lhe falte talento cabe usar palavras para as quais a atenção do leitor será captada.
c) Ao citar a palavra pulcritude, aonde o som nada tem de agradável, o autor lembra a significação que devemos
FRENTE 1
reconhecê-la.
d) Um dicionário, à que tanto devemos, ajuda-nos a reconhecer em cada palavra o efetivo sentido que a corresponde.
e) A aura de que desfrutam as palavras mais sonoras magnetiza aquele que lhes reconhece esse encanto.
135
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 135 04/04/2024 16:42:59
BNCC em foco
EM13LP14 a) A missão da ciência é catalogar o mundo para
1. Unicamp-SP 2023 A imagem a seguir foi publica- devolvê-lo em ordem a Deus.
da no Instagram da professora de português, Laura b) Dois errados não fazem um certo, mas fazem uma
Boesing. boa desculpa.
c) O que agora é provado foi uma vez apenas ima-
ginado.
d) Quando o despertador pifa, ninguém dorme.
e) Tenho um sexto sentido, mas nenhum dos outros
cinco.
EM13LP06
3. ESPM-SP 2017 Texto para a questão.
Acrobata da Dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...
Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d’aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.
(Cruz e Sousa)
(Disponível em https://www.instagram.com/p/CdzDGaFLBFh/.
Acesso em 20/07/2022.)
gavroche: garotos de Paris, figuradamente artista.
Qual a função dos elementos não verbais na imagem?
estertor: respiração anormal própria de moribundos.
a) Ensinar aspectos históricos sobre os povos origi- fremente: vibrante, agitado, violento.
nários. estuoso: que ferve, ardente, febril.
b) Ilustrar a gradação dos verbos usados no infinitivo.
c) Demonstrar que “erro” e “desvios” são sinônimos.
Assinale a alternativa em que a indicação entre parên-
d) Representar a polissemia da palavra “português”.
teses não está de acordo com o verso:
EM13LP1 a) “Gargalha, ri, num riso de tormenta,” (pleonasmo
2. Fempar-PR 2023 Um dos problemas mais comuns vicioso)
na estruturação de uma frase é a possibilidade de b) “salta, gavroche, salta clown, varado” (assonância)
ambiguidade, ou seja, a possibilidade de duplo enten- c) “Da gargalhada atroz, sanguinolenta,” (sinestesia)
dimento em algum de seus termos. d) “nessas macabras piruetas d’aço...” (metáfora)
Assinale a frase em que ocorre uma possível ambi- e) “afogado em teu sangue estuoso e quente,”
guidade. (aliteração)
136 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Questões semânticas e notacionais e vícios de linguagem
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_109_136_f1_c19_P4.indd 136 04/04/2024 16:43:00
Luis War/Shutterstock.com
O Portal Grande Sertão está localizado
na cidade de Cordisburgo, em Minas
Gerais. O monumento referencia o
romance Grande sertão: veredas, de
Guimarães Rosa, marcando a entrada
do sertão mineiro, região que figura
nas diversas obras do autor.
FRENTE 2
13
CAPÍTULO As inovações literárias do Modernismo
A era da modernidade na literatura brasileira tem seu marco na Semana
de , evento que abalou a cultura nacional. Os anos seguintes refletem
o contexto pós-guerra, a corrida armamentista e o fim de muitos governos
autocráticos, de modo que a produção artística investiga os estados da
alma do sujeito fruto desse conturbado período histórico.
A sondagem existencial somada à inventividade linguística e narrativa se
encontram no centro da prosa produzida a partir da segunda metade do
século XX, tendo a subjetividade e o fluxo de consciência como elementos
presentes. O novo tratamento dado à linguagem também se desenvolve na
poesia, que questiona a convencionalidade estrutural e temática do poema,
propondo novos caminhos para a expressão poética.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 137 05/04/2024 16:13:52
Guimarães Rosa: o universo do sertão — Famigerado? Bem. É: “importante”, que merece louvor,
respeito…
No capítulo anterior, estudamos a vida e a produção — “Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na
estética do mineiro Guimarães Rosa, autor conhecido pela Escritura?”
inventividade linguística, pelas inovações na prosa moder- Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo,
nista e pelo caráter regional de sua prosa que excede o então eu sincero disse:
espaço geográfico. — Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o
O sertão na obra de Rosa representa as agruras do que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem
ser humano, que, independentemente de habitar os rin- famigerado, o mais que pudesse!…
cões do Brasil ou centros urbanos, vive experiências que — “Ah, bem!…” — soltou, exultante.
o colocam diante dos mais diversos sentimentos, relações ROSA, João Guimarães. Famigerado. In: ROSA, João Guimarães.
Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 52.
interpessoais e crises de existência. As relações humanas
no espaço sertanejo, no entanto, ampliam o sentido do O caráter ambivalente presente neste e em outros con-
estar no mundo, como afirma o personagem de Grande tos de Primeiras estórias está na iminência da violência
sertão: veredas, “sertão: é dentro da gente”. As marcas de presente no sertão, praticada por homens como o referido
regionalismo, como as crenças, as cantigas, os provérbios jagunço, e na manobra do homem instruído que a transfor-
e os casos contados pela gente do interior traduzem a alma ma de forma engenhosamente linguística.
humana de maneira simples sem deixar de ser complexa. Para entender melhor como ocorre essa construção de
Por essa razão, a linguagem com suas variantes regio- mudança de destino e transformações na vida dos persona-
nais, associada a neologismos e recursos poéticos, dá ao gens na prosa roseana, vamos analisar alguns de seus textos.
texto de Guimarães Rosa outra dimensão, capaz de ressigni-
ficar a literatura regional e os temas da literatura tradicional. “O burrinho pedrês”: a saga do herói no sertão
Em sua obra de contos Primeiras estórias, livro publi- [...]
cado em , o autor passeia por temas que exploram, — Ara, veja, louvado tu seja! Hô-hô... Meu compadre
em determinados contos, o perfil psicológico dos perso- Sete-de-Ouros está velho... Mas ainda pode aguentar uma via-
nagens e, em outros, a abordagem ao realismo fantástico. gem, vez em quando... Arreia este burro também, Francolim!
Os personagens apresentam perfil similar e habitam nar- [...]
rativas que permeiam a morte, a vontade de permanecer Quatrocentas e muitas reses, lotação de dois trens-de-bois.
vivo eternamente, entre outros temas ligados ao universo Na véspera, o Major Saulo saíra pela invernada, com os cam-
da jagunçagem, todos frutos de um trabalho que expande peiros, ele escolhendo, eles apartando. O peso era calculado
os arquétipos, o lirismo e a metafísica. a olho. O preço fora discutido e combinado, em telegramas. E
O conto “Famigerado” é um exemplar do tom anedó- já chegara o aviso do agente: os especiais estavam esperando,
tico presente no livro, já que o protagonista é um jagunço na estação do arraial.
matador que, após ser nomeado de “famigerado”, busca [...]
pelo significado do termo. Temido por todos da região, ele E vamos, vamos com Deus, minha gente. Dá a saída,
consegue a resposta de um homem letrado que, ao saber Bastião. [...]
do risco que corria, resolve dar-lhe apenas um dos signifi- — Toca, gente! Ligeiro! Faz parede!
Sebastião entrou no curral. Zé Grande, o guieiro, sopra no
cados da expressão, evitando sofrer as consequências por
berrante. Os outros se põem em duas alas divergentes — fazem
revelar o outro (e real sentido) do termo direcionado a ele.
paredes, formando a xiringa. Sinoca escancara a porteira, que
— “Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me en- fica segurando. Leofredo, o contador, reclama:
sinar o que é mesmo que é: fasmisgerado… faz-me-gerado… — Apertem mais, p’ra o gado sair fino, gente! Ajusta, Juca,
falmisgeraldo… familhas-gerado…?” tu não sabe fazer o gado? Ei, um!...
Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara É o primeiro jacto de uma represa. Saltou uma vaca china,
com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de estabanada, olhando para os lados ainda indecisa. — Dois!
toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha mi- — Pula um pé-duro mofino, como veado perseguido. Passam
nha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí todos. Três, quatro, cinco. Dez. Quinze. Vinte. Trinta.
outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito — Hê boi! Hê boi! Hê boi-hê boi-he boi!...
intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele — Cinquenta! Sessenta!
homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para — Rebate esse bicho bezerro. Pra um lado! Não presta,
exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação? não pesa nada.
[...] — Oitenta! Cem!
— Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável”… — Cerca o mestiço da Uberaba. Topa, Tote!... Eh bicho
— “Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não bronco... Chifre torto, orelhudo, desinquieto e de tundá!...
entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arre- [...]
negar? Farsância? Nome de ofensa?” — Eh, boi!... Eh, boi! .. .
— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, — Quatrocentos e cinquenta... e sessenta. Pronto, seu
de outros usos… Major. [...]
— “Pois… e o que é que é, em fala de pobre, linguagem — Mais depressa, é para esmoer?! – ralha o Major. —
de em dia-de-semana?” Boiada boa!...
138 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 138 05/04/2024 16:13:53
Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, cubetos, A prosa poética de Guimarães Rosa mescla elementos
lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, chur- do universo popular com a erudição. O uso da redondilha
riados, corombos, cometos, bocalvos, borralhos, chumbados, menor, medida velha medieval comum nos textos do Trova-
chitados, vareiros, silveiros... [...] dorismo, garante o balanço do passo mais lento do animal
— Eh, boi lá!... Eh-ê-ê-eh, boi!... Tou! Tou! Tou...
rumo a seu destino. Ao fazermos a escansão, fica mais claro
As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e
touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa o uso do recurso poético presente no parágrafo. Leia em
embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estron- voz alta para perceber o ritmo no texto.
dos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres As/ an/cas/ ba/lan/çam, es/tron/dos/ e/ ba/ques,
imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência e as/ va/gas/ de/dor/sos, e o/ be/rro/ quei/xo/so/
dos pastos de lá do sertão... [...] das/ va/cas/ e/ tou/ros, do/ ga/do/ jun/quei/ra,
Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando...
ba/ten/do/ com as/ cau/das, de/ chi/fres/ i/men/sos,
Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem,
mu/gin/do/ no/ mei/o, com/ mui/ta/ tris/teza,
volta, vem na vara, vai não volta, vai varando... [...]
na/ ma/ssa em/bo/la/da, sau/da/de/ dos/ cam/pos,
ROSA, João Guimarães. O burrinho pedrês. In: ROSA, João Guimarães.
Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 35-51. com a/tri/tos/ de/ cou/ros, que/rên/cia/ dos/ pas/tos
es/tra/los/ de/ guam/pas/, de/ lá/ do/ ser/tão... [...]
Guimarães Rosa é um dos principais autores da gera-
ção de , conhecido principalmente por sua capacidade
de encantar o leitor com sua inventividade linguística. O escansão: consiste na técnica de decompor o verso em
constante uso dos recursos de musicalidade aproxima seus seus elementos fundamentais. De acordo com a métrica
textos em prosa da poesia. O trecho do conto “O burrinho greco-latina, o ato de escandir fragmenta o verso em pés,
unidades silábicas formadas segundo o critério da dura-
pedrês”, por exemplo, é capaz de reproduzir o som das
ção ou quantidade dos fonemas.
batidas das patas dos animais na saída do pasto rumo à
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 12. ed. rev.,
viagem para outra região. ampl. e atual. São Paulo: Cultrix, 2013. p. 163.
A narrativa pertence ao livro de nove contos Sagarana,
publicado em . Essa obra sintetiza de certa maneira a A inventividade linguística de Guimarães Rosa compõe
tópica rosiana sobre o sertão e o mundo. Os personagens narrativas que se debruçam na sondagem psicológica, em
são homens do meio rural, sertanejos, rudes, imersos no um processo investigativo do interior dos personagens,
universo particularizado do sertão mineiro, com suas crenças, sertanejos ambientados no sertão. O intimismo e a intros-
religiosidade, misticismo e superstições, marcas identitárias
pecção revelam a complexidade da obra rosiana, em que o
dessa população. No entanto, os personagens são, sobretu-
leitor percebe a relação do universo interno do ser humano
do, seres humanos diante de grandes problemas universais,
em diálogo com aquilo que lhe é exterior. O regionalismo
como destino, vingança, honra, violência, amor, entre outras
universal recria esses conflitos no mundo do sertão. Nesse
questões que permeiam nossa existência.
sentido, os personagens de contos, novelas e romances
rosianos se veem diante de questões filosóficas. Em “O
Sagarana: título de obra de João Guimarães Rosa resul-
burrinho pedrês”, a figura sábia do animal é humanizada,
tante do hibridismo dos termos “saga” (origem germânica),
contrapondo-se à sabedoria dos homens que viajam junto
cujo significado se refere à lenda, à fábula, ao conto heroi-
co, e “rana” (origem tupi), que significa “à maneira de”. As dele.
nove narrativas se assemelham a sagas heroicas, similares
Atenção
a novelas de cavalaria.
O regionalismo é um termo comum na literatura brasileira
A história de um burrinho velho chamado Sete-de- em alguns momentos, por isso é importante verificar as
-Ouros, “miúdo e resignado”, relembra as narrativas heroi- peculiaridades em cada escola literária. No Romantismo,
cas da tradição oral. As marcas da oralidade, bem como as movimento literário do século XIX, as obras de caráter
regional tinham o intuito de registrar os aspectos deter-
redondilhas que dão ao texto o aspecto de cantiga medie-
minantes da região em que se passava cada narrativa,
val, são audíveis. O transporte do gado a ser levado pelos tais como fauna, flora, elementos culturais, para pintar um
homens da Fazenda da Tampa do Major Saulo remete retrato do país que se formava concomitante à literatura no
a uma travessia que dependerá da sabedoria do burrinho. momento de independência e construção de identidade
No trecho em prosa, Guimarães Rosa seleciona pala- nacional. No século XX, a prosa regionalista intenciona
vras trissílabas, paroxítonas, que causam um efeito sonoro denunciar, no texto literário, os problemas específicos
de poesia. Cada termo refere-se ao formato de chifre dos que assolam determinadas regiões, sendo o Nordeste
animais. Repare que, ao ler em voz alta, o som interrompido a que mais se destaca, em especial por conta das duras
FRENTE 2
na segunda sílaba, a tônica, reproduz os passos rápidos secas sofridas no início do século. Algumas das principais
dos animais saídos do pasto em fila. obras desse movimento estético são O quinze, de Rachel
de Queiroz, e Vidas secas, de Graciliano Ramos. O regio-
Ga/ lhu/ dos,/ gai/ o/ los,/ es/ tre/ los,/ es/ pá/ cios,/ com/ nalismo de Guimarães Rosa está para além das intenções
bu/ cos,/ cu/ be/ tos,/ lo/ bu/ nos,/ lom/ par/ dos,/ cal/ dei/ ros,/ românticas ou denunciadoras da prosa de , uma vez
cam/ brai/ as,/ cha/ mu/ rros,/ chu/ rria/ dos,/ co/ rom/ bos,/ que em suas obras a imagem do sertão compõe a aspe-
cor/ ne/ tos,/ bo/ cal/ vos,/ bo/ rra/ lhos,/ chum/ ba/ dos,/ chi/ reza e a vastidão do próprio ser humano.
ta/ dos,/ va/ rei/ ros,/ sil/ vei/ ros...
139
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 139 05/04/2024 16:13:53
No final da narrativa, o animal, velho e cansado, salva desregrado, valente e sem lei. Casado com Dionóra, maltra-
dois homens em meio a uma enchente no Rio da Fome; um tava a mulher e a filha pequena, quando as duas fogem com
sobre seu dorso e o outro pendurado na sua cauda. Seu Ovídio, homem que se compromete a cuidar de ambas. Após
nome, Sete-de-Ouros, é uma alusão à carta do tarot, que ser abandonado pela esposa, Augusto também foi aban-
reforça o misticismo e cujo significado se associa a uma donado por seus capangas, o que o leva a procurá-los na
avaliação a ser feita sobre as conquistas alcançadas até fazenda onde foram contratados, a fim de acertar as contas.
aquele momento da vida, além de avaliar os obstáculos que Contudo, diante das dívidas, da falta de crédito e das terras
impedem o próximo passo para o crescimento. O burrinho em desmando, Nhô Augusto passou a ser considerado um
do conto de Guimarães Rosa é rico em referências à sabe- homem sem caráter. Por isso, o Major Consilva ordenou que
doria popular, uma vez que apresenta diversos provérbios o marcassem a ferro e o matassem.
e ensinamentos do universo dos sertanejos, ao passo que E aí, quando tudo esteve a ponto, abrasaram o ferro com
retoma a tradição literária e os aspectos da heroicidade a marca do gado do major – que soía ser um triângulo inscrito
dos textos da literatura universal. numa circunferência –, e imprimiram-na, com chiado, cha-
musco e fumaça, na polpa glútea direita de Nhô Augusto. Mas
Saiba mais
recuaram todos, num susto, porque Nhô Augusto viveu-se, com
um berro e um salto, medonhos.
Andrew Lever/iStockphoto.com
ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. In: ROSA,
João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 376.
O burro é o animal que carregou o menino Jesus ainda no
ventre da mãe, quando a família fugia da fúria de Herodes,
além de tê-lo carregado na entrada de Jerusalém.
A simplicidade e a sabedoria simbólicas do animal se con-
trapõem aos ornamentos dos reis e príncipes. No contexto
bíblico, seu jugo é a cruz que assume com disposição.
Por esse motivo, Deus deu-lhe essa marca sobre o dorso. A inscrição de um triângulo em uma circunferência é
As narrativas de Guimarães Rosa são permeadas pela simbólica na história de Augusto Matraga, que passa por um
religiosidade e misticismo dos homens do sertão, o que processo de transformação mística ao longo de sua cura.
permite compreender a escolha desse animal para ser o Encontrado quase morto por um casal de negros, o homem
herói da narrativa “O burrinho pedrês”. valente torna-se resignado, temente a Deus, confessando
seus pecados a um padre, passando a trabalhar e a viver
da terra, a ajudar o próximo, como em uma via crucis de
“A hora e vez de Augusto Matraga”: a travessia
redenção por todo o mal praticado no decorrer de sua vida.
em busca do “eu” O salto da morte para a salvação é anunciado na
Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. epígrafe do conto, que consiste em um provérbio capiau
Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaí- sinalizando o movimento na vida do protagonista. Nesse
bas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto – o homem – nessa sentido, o berro e o salto medonhos de Nhô Augusto são
noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial representativos da sua mudança, da travessia pela qual pas-
da Virgem Nossa senhora das Dores do Córrego do Murici. sa em busca do próprio destino. Tal como um sapo, o pulo
[...] ocorre antes pela necessidade, não se tratando de beleza.
No mais, sempre com os capangas, com as mulheres per-
didas com o que houvesse de pior. [...] Sapo não pula por boniteza,
Fora assim desde menino, uma meninice à louca e à lar- mas porém, por precisão!
ga, de filho único de pai pancrácio. E ela, Dionóra, tivera ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. In: ROSA,
João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 363.
culpa, por haver contrariado e desafiado a família toda, para
se casar. [...] A marca feita a ferro em seu corpo tem um círculo que
Se fosse, se aceitasse de ir com outro, Nhô Augusto era remete a um ponto expandido dentro do símbolo da per-
capaz de matá-la. Para isso, sim, ele prestava muito. feição: o triângulo, em referência à Santíssima Trindade. As
ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. In: ROSA, João três pontas do triângulo associam-se aos três nomes do
Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 363-369.
personagem – Augusto Esteves, Nhô Augusto, Matraga –,
O conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, última aos três espaços por onde ele passa nesse processo de
narrativa de Sagarana, já apresenta de início um homem ascese – Murici, Tombador, Rala Coco. Assim, a narrativa
140 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 140 05/04/2024 16:13:53
se organiza em três momentos: o mal, a purgação do mal, vai trepar no pé-de-fruta...” O Dito nem queria falar na briga.
redenção. Ele subia mais primeiro – o brinquedo ele tinha inventado.
Antes de subir, botava a camisinha para dentro da calça, re-
— Eu vou p’ra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!...
sumia o pelo-sinal, o Dito era um irmão tão bonzinho e sério,
E a minha vez há de chegar... P’ra o céu eu vou, nem que seja
todas as coisas certas ele fazia. [...] — “Dito, você não guarda
a porrete!...
raiva de mim, que eu fiz?” — “Você fez sem por querer, só por
ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. In: ROSA,
João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 381. causa da dor que estava doendo...” O Dito fungava no nariz,
ele estava sempre endefluxado. Falava: — “Mais, se você tornar
a fazer, eu dou em você, de ponta-pé, eu jogo pedrada!...”
Rafael Martos Martins/Shutterstock.com
[...] — “Dito, a gente vai ser sempre amigos, os mais de todos,
você quer?” — “Demais, Miguilim. Eu já falei.”
ROSA, João Guimarães. Campo geral. Manuelzão e Miguilim.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 60.
“Campo geral” é uma novela publicada em , in-
tegrando inicialmente a obra Corpo de baile e, depois,
passando a integrar o livro publicado em , Manuelzão
e Miguilim. Por essa razão, é comum ouvirmos dizer que a
novela se chama “Miguilim”, pois aborda a história de um
menino de oito anos que enfrenta uma série de problemas
no seio da sua família no Mutum, localizado no interior de
Minas Gerais, um covão entre dois morros.
A revoada de maritacas representa o chamado a Nhô Augusto.
O carinho extremo pelo tio Terez e as divergências na
relação com o pai, Nhô Bero, colocam o pequeno Miguilim
Com a chegada de Joãozinho Bem-Bem e seu bando em um dilema, principalmente por não perceber com objeti-
de jagunços hospedados por Nhô Augusto, o protagonista vidade e clareza a realidade ao seu redor, como o triângulo
recebe o convite para juntar-se ao grupo, visto que sua amoroso entre os dois irmãos e sua mãe, Nhanina.
valentia e manejo de armas são observados pelo líder. A A narrativa, em terceira pessoa, adota a perspectiva
recusa à empreitada, porém, não o livra de seu destino. infantil, perpassando pensamentos, angústias, medos e
Após o tempo de chuva, uma revoada de maritacas funcio- reflexões do menino. O misticismo, a religiosidade e as
na como um chamado a Nhô Augusto, que viaja sem rumo crenças do sertão mineiro são marcas da obra rosiana e,
montado em um burro. presentes nessa novela, contribuem para a composição da
O efeito sonoro do nome do pássaro – maritaca – linguagem coloquial do ambiente, cuja dimensão é amplia-
remete ao próprio nome do personagem que, no final da da pela inventividade tão característica do autor. O olhar
narrativa, ao matar Joãzinho Bem-Bem e morrer em defesa infantil ganha destaque no linguajar típico das crianças,
de um homem ameaçado de morte por ele e seu bando, marcado por termos no diminutivo, além do contato íntimo
torna-se, finalmente, Matraga, Augusto Matraga. que Miguilim tem com os animais e com a natureza que lhe
Ao longo de sua transformação, ele passa pelos cuidados cabe na palma da mão, como os bichinhos que gosta de
dos negros – pai Serapião e mãe Quitéria –, casal que faz observar após as chuvas.
uma espécie de trabalho alquímico com o personagem,
tal como se faz com um matraz, outro termo que relembra novela: designa uma forma literária ainda à espera de ple-
Matraga. na configuração, em grande parte devido ao critério que
Em diálogo com a tradição literária, o duelo que se continua a ser empregado por alguns estudiosos. No geral,
desenrola no final da narrativa destaca a saga do herói adotam uma distinção mecânica, baseada no número de
honrado, morto em nome de uma causa justa. A elevação páginas ou palavras: a novela conteria de cem a duzentas
espiritual de Augusto Matraga está para além do território páginas, ou mais de vinte mil palavras, “situa-se a meio
do sertão, pois ele atravessa o sertão de si. caminho entre o romance e o conto”, menos extensa que
zzcapture/Shutterstock.com
o primeiro, mais longa que o segundo. [...] Do prisma da
estrutura, a novela apresenta um quadro típico, a começar
matraz: balão de vidro com fundo achatado e
da ação: essencialmente multívoca, polivalente, ostenta
gargalo longo utilizado para reações químicas.
pluralidade dramática. Constitui-se de uma série de uni-
dades ou células dramáticas encadeadas, com início, meio
e fim. De onde parecer uma fileira de contos enlaçados.
“Campo geral”: ver com os olhos da alma Todavia, cada unidade não é autônoma: a sua fisionomia
FRENTE 2
Quando Miguilim de repente pensou, fechou os olhos: própria resulta de participar de um conjunto, de tal forma
deixava o Dito dar, o Dito podia bater o tanto que quisesse, que, separada dela, não tem, as mais das vezes, razão de
ele ficava quieto, não podia brigar com o Dito! Mas o Dito ser. Ou, ao menos, quando destacada, perde algo do seu
não batia. O Dito ia saindo embora, nem insultava, só fungava; significado, e acaba comprometendo a progressão em que
se inscreve.
decerto pensava que ele Miguilim estava ficando doido. [...]
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 12. ed. rev.,
Com algum tempo, mais não agüentava: ia porque ia, pro- ampl. e atual. São Paulo: Cultrix, 2013. p. 320-321.
curar o Dito! Mas o Dito já vinha vindo. — “Miguilim, a gente
141
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 141 09/04/2024 11:08:48
A ligação íntima entre Miguilim e o irmão mais novo, exemplares em . Joana, a protagonista, guarda muitas
Dito, está intrinsecamente vinculada ao processo de tra- semelhanças com sua criadora, seja no que se refere à
vessia enfrentado pelo protagonista. As perdas e a relação configuração familiar, seja no que diz respeito à personali-
com a morte permitem a ele olhar para si mesmo, rompendo dade de Clarice, considerada obstinada por seus biógrafos.
com sua miopia simbólica, descoberta ao final da narrativa. A obra teve uma recepção considerável no meio literário:
Mais do que enxergar o mundo ao seu redor com os óculos muitos nomes da crítica teceram elogios e compararam o
que lhe são oferecidos por um doutor recém-chegado ao texto às produções de grandes escritores europeus, como
Mutum, Miguilim vê o mundo com os olhos da alma. Virginia Woolf e Jaymes Joyce, fato que desagradou a au-
tora, que prontamente negou essas influências.
Clarice Lispector: a escrita da
Saiba mais
revelação
Clarice Lispector se destacou não apenas como escri-
Romances: a estética da paixão, dor e tora no campo ficcional, mas como jornalista, profissão
existência na qual ingressou na década de . A autora viveu
um dilema nessa carreira, uma vez que era necessário
escrever sobre moda, beleza e comportamento feminino,
Folha do Acervo UH/Folhapress
o que a levou a usar pseudônimos, como Ilka Soares,
escritora fantasma que adota um perfil questionador do
estereótipo feminino nas páginas que escrevia, rompen-
do com o gênero jornalístico.
O lustre, seu segundo romance, foi publicado em .
Diferentemente do primeiro, o título chamou menos atenção
e, até hoje, é considerado um dos livros que mais destoa do
projeto literário de Clarice. O existencialismo é uma carac-
terística marcante da obra, o que pode explicar, em parte,
o êxito do romance na França, berço de Jean-Paul Sartre.
Na narrativa, desvendamos a história de Virgínia, contada
desde sua infância até a vida solitária na cidade.
A experimentação da geração de é evidente na pro-
sa de Clarice Lispector, que radicaliza a linguagem narrativa
pela indefinição do gênero e pelos enredos fragmentados.
O narrador moderno, tão diverso daquele convencionado
nas obras do século XIX, figura no texto diluído em fluxos de
consciência que atravessam as histórias e as impulsionam
a um só tempo.
O romance mais emblemático da autora, A paixão
A escrita de Clarice Lispector (-), nascida na segundo G.H, publicado em , traz à tona as inquieta-
Ucrânia e naturalizada brasileira, é considerada “nômade” ções de uma mulher em busca da sua própria identidade.
por apresentar personagens em constante movimento A história é capaz de desestruturar o leitor por levá-lo ao
entre os mundos interno e externo, permitindo ao leitor confronto de suas próprias paixões e mergulhar no caos de
notar a complexidade humana descrita em cenários da si mesmo, muitas vezes pego por estar distraído, como as
vida corriqueira. personagens de Clarice Lispector, surpreendidas de forma
Na infância e na adolescência, Clarice viveu no epifânica em situações corriqueiras do dia a dia.
Nordeste, espaço retratado em muitos de seus contos;
na vida adulta, casou-se com o diplomata Maury Gurgel [...] estou procurando, estou procurando. Estou tentando
Valente, cuja profissão levou o casal a viver em diversos entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem,
países – período no qual Lispector se correspondeu com mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do
diversos escritores brasileiros por cartas, mantendo-se sem- que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.
[...]
pre atenta à produção literária produzida no Brasil. Esse
Abri um pouco a porta estreita do guarda-roupa, e o escuro
deslocamento territorial e, consequentemente, linguístico
de dentro escapou-se como um bafo. [...]
marca um não pertencimento nas suas narrativas. O próprio
De encontro ao rosto que eu pusera dentro da abertura,
nome de batismo da escritora era outro, Haya Pinkhasovna
bem próximo de meus olhos, na meia escuridão, movera-se a
Lispector, o que imprime, de certa maneira, a busca de si na
barata grossa. Meu grito foi tão abafado que só pelo silêncio
paradoxal construção de complexos personagens comuns.
contrastante percebi que não havia gritado, o grito ficara me
Ela própria afirmava que não havia lugar para se viver, pois batendo dentro do peito.
tudo é terra dos outros e, portanto, os outros estão felizes. [...]
O primeiro romance publicado de Clarice foi Perto do LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H.
coração selvagem, que saiu com uma tiragem inicial de mil Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 5-6; 35.
142 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 142 05/04/2024 16:13:56
O romance apresenta um enredo banal, no qual uma sua incomunicabilidade na cidade grande, na ausência de
mulher decide fazer a faxina no quarto de serviços após conhecimento dado o seu semianalfabetíssimo, e funciona
despedir a empregada. O encontro repentino com uma ba- como um exílio da personagem em si mesma. Macabéa,
rata desperta nojo na personagem, o que a leva a esmagar não se alimenta do outro, mas de si mesma, sendo uma
o inseto na porta do armário. O contato com o selvagem, moça solitária que morre atropelada no meio da rua, o que
com esse mundo cru independente do mundo civilizado, ironicamente justifica o título da obra, A hora da estrela.
lança a personagem para fora do que lhe é humano, en- A obra de Clarice dificilmente pode ser classificada de
frentando o que há de asqueroso em si mesma. modo genérico, pois apresenta uma variedade de experi-
mentações e fases. No entanto, o crítico literário Alfredo
Verifica-se, no mundo de Clarice Lispector, uma cons-
Bosi chama a atenção para o fato de que:
tante reversão do espaço como ambivalência cotidiana ao
espaço geral da existência em sua realidade fáctica. Com A palavra neutra de Clarice Lispector articula essa ex-
essa reversão, que atinge principalmente o meio doméstico periência metafísica radical valendo-se do verbo “ser” e de
e familiar, a vida cotidiana se decompõe, e desaparecem o construções sintáticas anômalas que obrigam o leitor a re-
comum e o banal. Se isso é o que ocorre, de maneira violenta, pensar as relações convencionais praticadas pela sua própria
na experiência de G.H., não é menos verdade que a seme- linguagem [...]
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.
lhante reversão deve-se ao caráter abstratificado das situações
São Paulo: Cultrix, 2021. p. 339.
nos romances de Clarice Lispector. São imprecisas quanto ao
tempo e ao local, e desprovidas de contorno social e histórico. Os romances apresentam diversas digressões e trazem
NUNES, Benedito. O drama da linguagem. personagens voltados para o seu interior, o que acaba por
São Paulo: Ática, 1995. p. 113. exaltar, junto aos fluxos de consciência e às epifanias a que
O desassossego das personagens clariceanas está em seus personagens estão expostos, um viés que Bosi define
outros romances, como O lustre, em que o deslocamento como “procura inconsciente do supraindividual”.
da personagem Virgínia a leva da vida simples na granja
da família à solidão em meio às construções cobertas de
Contos: a experiência humana entre a náusea
sombras e silêncio da cidade. Em Perto do coração selvagem, e a fascinação
Joana desloca-se em viagens que revertem o mundo so- [...] Foi então que aconteceu. De pura afobação a
cial do patriarcado transgredido às nuances existenciais da galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse
personagem em busca de si mesma. prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a mater-
Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, romance nidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre
publicado em , traz a professora Lóri, que deixa sua o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando
cidade no interior e se muda para o Rio de Janeiro. Nesse os olhos. [...]
deslocamento, vivencia a experiência de uma jornada em Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a
busca do prazer e do amor, enfrentando, para isso, seus jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem
dramas internos e o peso de si mesma. A travessia da dor suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada,
em busca da própria razão existencial está na prosa de era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento
Clarice Lispector, comumente, como um processo de ama- especial. [...]
durecimento próprio da natureza de ser humano que seus LISPECTOR, Clarice. Uma galinha. In: LISPECTOR, Clarice.
Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 31.
personagens carregam.
Em A hora da estrela, talvez a obra mais famosa de “Uma galinha”, publicado em no livro Laços de
Clarice, publicada em , mesmo ano de sua morte, o família, é um dos contos que compõem a obra e que
narrador-personagem Rodrigo S.M. conta ao leitor a história exploram a complexidade das relações humanas, além de
de Macabéa, nordestina pobre e faminta que se dirige para diferentes maneiras de aprisionamento do indivíduo. A nar-
São Paulo para trabalhar como datilógrafa. No limite entre rativa apresenta a situação de uma ave que deveria servir
ser alguém e ser nada no mundo, Macabéa vai até uma de almoço para a família em um domingo. No entanto, na
cartomante, que lhe apresenta a possibilidade de um futuro iminência de sua morte, foge pelo telhado. A agonia da fuga
maravilhoso. Instigada com o presságio descortinado pelas faz com que ave ponha um ovo, o que impede a família de
palavras da mulher, a protagonista, ao deixar a consulta, matá-la, alçando-a, a partir de então, ao posto de “rainha
atravessa a rua e é atropelada. da casa”.
Nessa obra emblemática, a metalinguagem, assim Como outros contos, a narrativa de Clarice Lispector
como em inúmeros contos, funciona como um recurso apresenta um núcleo com tensão conflitiva desencadeada
narrativo, em que o narrador expõe em primeira pessoa por uma crise. Ser uma galinha capaz de gerar a vida muda
FRENTE 2
não apenas as reflexões sobre a vida vazia de sentido do a concepção da família sobre a ave, exemplar do papel
personagem, mas questões inquiridoras sobre si mesmo e desempenhado pelas figuras femininas que a cercam, en-
sobre a vida propriamente dita. O ato da escrita e o valor da quanto ao homem cabe a função de caçá-la e aprisioná-la.
palavra são elementos de extrema relevância no romance, A ficção incômoda da autora voltou-se, muitas vezes,
que não apresenta linearidade. para a mulher a quem é imposta uma existência insignifi-
A linguagem é o traço de maior destaque na prosa de cante. No conto “Amor”, a personagem Ana é uma dona
Clarice Lispector, o que, no caso de Macabéa, se reflete na de casa de classe média, mãe e esposa dedicada ao lar,
143
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 143 05/04/2024 16:13:56
ao qual se doa diariamente, evitando “a hora perigosa da No trecho do conto, os pensamentos e sentimentos da
tarde”, momento em que, estando sozinha, pode correr o protagonista são acessados pelo fluxo de consciência, uma
risco de olhar para si mesma e descobrir o indivíduo por das características da prosa moderna, capaz de mergulhar
trás das funções domésticas. o leitor no nível pré-discursivo de consciência do persona-
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo
gem, revelando seu ser psíquico, seus medos, sua angústia,
saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no sua crise existencial propriamente dita.
colo e o bonde começou a andar. O auge dessa crise geralmente ocorre pelo olhar,
[...] quando os personagens de Clarice Lispector vivem a ex-
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e suma- periência da epifania, deslumbrando-se com algo exterior
renta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, que lhe é revelado, provocando uma crise interna. Em Ana,
instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espa- essa crise é desencadeada pela imagem do cego que mas-
çosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no ca chiclete na escuridão e mostra a ela a obscuridade da
apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento sua própria vida.
batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que
O núcleo da história desse conto é aquele momento de
se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo
tensão conflitiva, extensa e profunda, que se estabeleceu entre
horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que
a personagem e o cego, e logo entre ela e as coisas todas. O
tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores.
cego é, na verdade, o mediador de uma incompatibilidade
Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a
latente com o mundo que jaz no ânimo de Ana. De certa
água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa
maneira, a sua função mediadora não difere das árvores do
com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de
Jardim Botânico, que também exteriorizam o perigo de viver.
fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava
Essa incompatibilidade está em correlação com a estranheza
a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente
e a violência da vida, que agridem a personagem através da
de vida. Certa hora da tarde era mais perigosa.
fisionomia grotesca do cego, quando ela sente a comoção
Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela.
Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. [...] da náusea assenhorar-se de si. A tensão conflitiva vem, por-
[...] tanto, qualificada pela náusea, que precipita a mulher num
Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego estado de alheamento, verdadeiro êxtase diante das coisas,
mascava chicles. que a paralisa e esvazia, por instantes, de sua vida pessoal.
NUNES, Benedito. O drama da linguagem. São Paulo: Ática, 1995. p. 85.
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os
irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe violento, espaçado.
Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que fluxo de consciência: trata-se de um monólogo interior,
não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. Sem sofrimento, em que a ênfase se encontra nos níveis de consciência
com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o pré-discursivos, os quais investigam o ser psíquico do
parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de personagem.
sorrir – como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem epifania: manifestação, aparição ou súbita revelação es-
a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. [...] piritual em um momento de evanescência. Nas narrativas
Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta de Clarice Lispector, essa iluminação é frequentemente
não explodisse. [...] E um cego mascando goma despedaçava desencadeada por um fato corriqueiro.
tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia
de náusea doce, até a boca. Nos contos dos livros Laços de família e Felicidade
LISPECTOR, Clarice. Amor. In: LISPECTOR, Clarice. Laços de Família.
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 19.
clandestina (), o confronto pelo olhar ocorre entre o
personagem central e outras pessoas, animais, vegetais ou
objetos, o que, segundo o crítico Benedito Nunes, se dá
Acervo do Arquivo Nacional do Brasil
pela “potência mágica do olhar e do descortínio contem-
plativo silencioso”.
A densidade introspectiva dos contos de Clarice
Lispector está intimamente ligada à quebra da linearidade
narrativa e da sequência lógica de eventos. Nesse sentido,
o leitor se sente desnorteado, já que os limites de tempo
e espaço são rompidos e, normalmente, anunciados por
um narrador cuja voz se mescla ao fluxo de pensamentos
dos personagens.
A inquietude dos personagens se contrapõe ao universo
calmo e rotineiro de suas vidas comuns, em que a normali-
dade soa enjoativa. Quando a personagem é uma mulher,
sua experiência associa-se à falta. No entanto, a busca ou
construção da identidade mediante o olhar alheio também
convive com a angústia de personagens que nem sempre
Bonde circulando pelas ruas do Rio de Janeiro, na década de 1950. encontram amor como resposta. Às vezes, a violência ou o
144 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 144 05/04/2024 16:13:56
ódio é o que se alcança na busca de si mesmo, como ocorre para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando-me mes-
nos contos “O búfalo”, “O crime do professor de Matemática” mo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja
e “Feliz Aniversário”, todos de Laços de Família. precisando danadamente que eu sofra. [...]
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina: contos.
Rio de Janeiro, 1998. p. 6-7.
[...] os contos sobre os “laços de família”, alguns com
insolúveis nós, outros com voltas em fitas que acabam sendo No conto homônimo que abre o livro, “Felicidade clandes-
bem amarradas e que se recompõem harmônicas nas curvas tina”, os dramas da infância e o sofrimento moral vivenciado
do conjunto. Porque, em todos, o surpreendente não está só pela protagonista, que deseja possuir o livro prometido em
no tão doloroso das relações mal-enredadas, ou numa eufo- empréstimo pela colega da escola, Reinações de Narizinho,
ria melancolicamente mal disfarçada, mas na periclitância de são consequências da inveja e da pulsão de morte.
uma palavra “verdadeira” que nunca chega a ser dita e que é
guardada, na sua virtualidade, em algum recanto obscuro das [...] vemos o sofrimento moral imposto pela filha do dono
relações familiares. da livraria à menina que não pode comprar o livro desejado.
GOTLIB, Nádia Battella. Clarice: uma vida que se conta. O comportamento perverso da garota nos é apresentado como
São Paulo: Ática, 1995. p. 329. fruto de um sentimento de vingança, derivado, por sua vez, da
profunda inveja que essa personagem parece sentir não só
Carnaval Filmes
da protagonista, mas também de todas as garotas do colégio,
cuja aparência era diametralmente oposta à sua figura [...]
ROEFERO, Elcio Luis. Cenas da infância ou modulações do desejo
e da dor: dois contos de Clarice Lispector. Revista Ângulo.
Lorena, v. 1, n. 1, p. 48, 1978.
Os contos clariceanos, bem como os romances e crôni-
cas, são textos que parecem discorrer de forma ensaística
sobre a alma humana. Embora suas narrativas não sejam
propriamente textos dissertativos sobre as paixões huma-
nas, por meio de cenas do cotidiano mais banal, acessam
o caos e o abismo sobre os quais os indivíduos caminham.
Por essa razão, tocam o leitor sensível, capaz de ver-se
espelhado em cada personagem que tem sua essência
desvendada.
Cena do filme Felicidade clandestina.
Uma vez que Clarice não se prendia aos moldes co- João Cabral de Melo Neto:
mumente atribuídos aos gêneros literários, suas narrativas o engenheiro da poesia
transitam entre o conto, a crônica e o ensaio, como ocor-
re com os textos publicados em jornal entre os anos de
Homero Sérgio/Folhapress
e , posteriormente lançados no volume intitulado
Felicidade clandestina.
Entre os temas abordados nos contos, destacam-se
a família, a infância e a adolescência. As narrativas apre-
sentam toques autobiográficos, como o espaço das ruas de
Recife, local onde a autora viveu na infância, o que imprime
nessas histórias o tom memorialístico.
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente
crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto
nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, en-
chia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas.
Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias
gostaria de ter: um pai dono de livraria.
A poesia de João Cabral de Melo Neto é considerada
[...]
dura, adjetivo aqui aplicado devido à ausência de orna-
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer
sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, infor- mentos, à preocupação métrica e ao ritmo marcado, uma
mou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro vez que, para o poeta, quanto mais visual e concreta a
Lobato. linguagem, mais poética ela se torna.
FRENTE 2
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar A influência das artes plásticas norteou a estética ca-
vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente bralina no sentido de dar-lhe a ideia de matéria como forma
acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua de experimentação para a construção poética. Pintores
casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. [...] como Miró e Mondrian inspiraram João Cabral. O quadro
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que Composição com vermelho, amarelo e azul (a seguir)
era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu integra a proposta de um novo olhar para os limites da
corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera pintura, cujas linhas pretas demarcam o espaço de cada cor.
145
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 145 09/04/2024 11:09:23
A abstração racional dialoga com a concretude a que se poema. As palavras vazias ou leves como os grãos estraga-
propõe a poesia avessa a ritmo do poeta pernambucano dos são dispensadas, mas “a pedra dá à frase seu grão mais
João Cabral de Melo Neto. vivo”. A feitura de um conjunto de versos, nesse sentido,
está atrelada, conforme a visão do poeta, a um trabalho
Kunstmuseum Den Haag, Países Baixos
consciente, para além da ideia romântica de inspiração,
exigindo dedicação e esforço.
João Cabral era um crítico ferrenho do poeta do
Classicismo português Luís Vaz de Camões, figura que o
assombrava desde a infância com os sonetos metrificados.
A leitura dos poemas cabralinos, por outro lado, dá trabalho
ao leitor, pois esses textos contêm essa pedra que “obstrui
a leitura fluviante flutual”. Por essa razão, além da ausência
de um lirismo sentimental, sua poesia áspera é uma “faca
só lâmina”, como ele mesmo definiu.
Se para o poeta a instância sentimental está condenada,
e com ela o nexo imediato e afetivo com o mundo, impõe-
-se, para a poesia continuar, a necessidade de uma ordem
outra, ao largo do caminho lírico. O salto de Cabral – original
e definitivo – estará na efetivação de um estilo que repele
toda confissão ou pieguismo; estará na construção de uma
matéria poética que se quer imune à oscilação e à angústia,
qualificada por um máximo de autonomia e resistente a qual-
quer ameaça de desequilíbrio. É o que já se pode reconhecer
em alguns poemas de O engenheiro (1945), [...]. Afastada a
Composição com vermelho, amarelo e azul, é um óleo sobre tela, que mede
59,5 cm 3 59,5 cm e pertence ao Haags Gemeentemuseum, que mantém o “desordem da alma”, uma luz reveladora vem incidir sobre
Museu Escher, localizado em Haia, na Holanda. objetos, seres, cenas e situações do mundo, com os quais
se objetiva reflexamente o ato mesmo da construção verbal.
Em seu poema “O engenheiro”, por exemplo, percebe- A “tolha limpa”, a “louça branca”, a “laranja verde”, o “lá-
mos que arquitetura textual, em sua plasticidade, mostra o pis gasto” são índices da busca da composição de figuras
mundo ao leitor. Os símbolos, a organização gráfica e até e paisagens, de organização plástica, em suma, a supor a
mesmo o formato de cada palavra minuciosamente sele- estaticidade que o movimento, antes o espaço que a duração.
cionada são o resultado do aprendizado que João Cabral BOSI, Alfredo (org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 2007. p. 146.
(Texto de Alcides Vilaça)
adquiriu com os pintores e com os arquitetos, como Le
Corbusier, que o inspirou a escrever como quem constrói Como diplomata, João Cabral trabalhou em países
uma casa. no período de anos, o que lhe possibilitou ter estabi-
lidade financeira para escrever poesia. O ato da escrita
© F.L.C/AUTVIS, Brasil, 2023
Foto: Dirk Renckhoff/imageBROKER/Shutterstock
não significava, no entanto, resultado de inspiração, pois
para ele a escrita da poesia é um trabalho árduo e nada
superficial. Essa observação se assemelha muito à teoria
de Carlos Drummond sobre o fazer poético, quando este
afirmava que produzir poesia era uma atividade de trans-
piração, ou seja, um ato que requer dedicação.
Próximo de Drummond, João Cabral afirmava que es-
crevia porque havia lido o poeta mineiro. Tal como o amigo,
trabalhou como funcionário público, tendo de lidar com as
burocracias e atividades corriqueiras que em um primeiro
momento impediriam a poesia de ser. No poema “Difícil ser
funcionário”, o eu lírico observa que os objetos usados no
cotidiano para afazeres da vida prática, funcional e voltada
à mecanicidade do trabalho não permitem que a poesia
brote, como a máquina “que nunca escreve cartas” e a
garrafa “que nunca bebeu álcool.
Ao se dirigir ao poeta Carlos Drummond de Andrade
na última estrofe de “Difícil ser funcionário”, João Cabral
Fachada do museu de arte suíço que leva o nome do arquiteto Le Corbusier. alude ao poema “A flor e a náusea”, da fase social de
Drummond. A angústia do eu lírico cabralino diante da vida
Em seu poema “Catar feijão”, o ato de separar os grãos de funcionário o impele a pedir conselho ao amigo poeta
das pedras é comparado ao fazer poético. No entanto, a para saber como colher a flor diante da náusea causada
pedra é valorizada por apresentar o peso necessário ao pelo trabalho.
146 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 146 09/04/2024 11:09:52
Morte e vida severina: auto de Natal Severino busca se particularizar, apresentando seu
pernambucano nome e origem, mas sua condição social acaba por torná-lo
uma representação coletiva, já que tantos outros severinos
Com uma proposta bem distinta da produção mais seca
sofrem o mesmo destino do protagonista, o que é reconhe-
da poesia desprovida de ornamentos, a peça encomendada
cido pelo eu lírico no auto. O título da peça trabalha com
na década de pela dramaturga Maria Clara Machado
essa ambivalência, pois as palavras antitéticas “morte” e
apresenta uma estrutura construída com ritmo cadenciado
“vida” se encontram unidas pela conjunção aditiva “e”. Além
pelo redondilho maior e pelo uso das rimas.
disso, o adjetivo “severina” caracteriza de forma generali-
João Cabral dá vida ao personagem Severino, que re-
presenta a condição oprimida do sertanejo que foge da zada os retirantes da seca, ao passo que também serve de
seca em busca de melhores condições de vida. A jornada nome, ou seja, de individuação do protagonista.
desse homem que procura se apresentar ao leitor no iní- Apesar do tom de tristeza e da presença constante da
cio da ação, no entanto, é repleta de desolação, miséria e morte ao longo da viagem, Severino encontra vida no final,
morte até o Recife. ao conhecer um mestre carpinteiro que recebe a notícia do
nascimento de seu menino. Como na narrativa cristã, em
— Severino, retirante, meio ao ambiente humilde, Severino testemunha a vida
deixe agora que lhe diga: que resiste à miséria e à seca.
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia, E não há melhor resposta
se não vale mais saltar que o espetáculo da vida:
fora da ponte e da vida; vê-la desfiar seu fio,
nem conheço essa resposta, que também se chama vida,
se quer mesmo que lhe diga ver a fábrica que ela mesma,
é difícil defender, teimosamente, se fabrica,
só com palavras, a vida, vê-la brotar como há pouco
ainda mais quando ela é em nova vida explodida;
esta que vê, severina mesmo quando é assim pequena
mas se responder não pude a explosão, como a ocorrida;
à pergunta que fazia, como a de há pouco, franzina;
ela, a vida, a respondeu mesmo quando é a explosão
com sua presença viva. de uma vida Severina.
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. In: MELO NETO, MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. In: MELO NETO,
João Cabral de. Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. João Cabral de. Morte e vida severina e outros poemas em voz alta.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p. 115-116. © by herdeiros de Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p. 115-116. © by herdeiros de
João Cabral de Melo Neto. João Cabral de Melo Neto.
FRENTE 2
147
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 147 09/04/2024 12:35:24
Revisando
1. Leia o excerto de “O burrinho pedrês”, conto publi- Mas, aí soou o pio, que vinha da moita em cada mi-
cado em Sagarana (1946), de Guimarães Rosa, para nuto, justo:
responder à questão. — João, corta pau! João, corta pau!
[...]
— Apertem mais, p’ra o gado sair fino, gente! Ajusta,
— Eu não entro! A modo e coisa que esse passarinho
Juca, tu não sabe fazer o gado? Ei, um!...
ou veio ficar aqui para dar aviso para mim, que também
É o primeiro jacto de uma represa. Saltou uma vaca
sou João, ou então ele está mas é agourando...
china, estabanada, olhando para os lados ainda indecisa.
ROSA, João Guimarães. O burrinho pedrês. In: ROSA, João Guimarães.
— Dois! — Pula um pé-duro mofino, como veado per- Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 91.
seguido. Passam todos. Três, quatro, cinco. Dez. Quinze.
Vinte. Trinta. 3. Leia os trechos do conto “O burrinho pedrês”, de
[...] Guimarães Rosa.
— Boiada boa!... Texto I
Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos,
cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias,
chamurros, churriados, corombos, cometos, bocalvos, chamurros, churriados, corombos, cornetos, bocalvos,
borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros... borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros...
[...]
Texto II
— Eh, boi lá! ... Eh-ê-ê-eh, boi! ... Tou! Tou! Tou...
As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e
As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e
touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na mas-
touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na mas-
sa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas,
sa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas,
estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira,
estrondos e baques, e o berro queixoso do gado Junqueira,
de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos cam-
de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos cam-
pos, querência dos pastos de lá do sertão...
pos, querência dos pastos de lá do sertão...
ROSA, João Guimarães. O burrinho pedrês. In: ROSA, João Guimarães.
ROSA, João Guimarães. O burrinho pedrês. In: ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 50-51.
Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 48-51.
I. O primeiro fragmento articula-se por meio de um
Guimarães Rosa é considerado inovador do ponto de
bloco nominal composto apenas de substantivos
vista da linguagem por compor, em suas obras, trans-
que, ao mesmo tempo, nomeiam e caracterizam
formações linguísticas. Indique o recurso estilístico
os semoventes.
comum no gênero lírico presente no trecho seguinte:
II. As imagens que emergem dos textos configuram
“As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas
um Brasil arcaico e rural, espaço este muito pre-
e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio”.
sente na obra Sagarana, de João Guimarães Rosa.
a) Musicalidade criada mediante redondilho menor.
III. Apesar de articulados em prosa, é possível
b) Onomatopeia causada pelo som reproduzido pe-
identificar, respectivamente, nos fragmentos, se-
los animais.
quências de duas e de cinco sílabas métricas,
c) Presença de palavras trissílabas e de aliteração.
recurso que atribui musicalidade aos trechos.
d) Movimento indicado pelo uso de redondilho maior.
IV. Nos dois fragmentos, além da figura do protago-
e) Rimas resultantes da utilização de palavras no plural.
nista destacada, avulta um cenário campestre no
2. O trabalho com a linguagem por meio da recriação qual se desenrolarão as peripécias vividas por
de palavras e a descrição minuciosa da natureza, em Augusto Matraga.
especial da fauna e da flora, são uma constante na São corretas apenas:
obra de João Guimarães Rosa. Esses elementos são a) I e IV.
recursos estéticos importantes que contribuem para b) II, III e IV.
integrar as personagens aos ambientes onde vivem, c) I, II e III.
estabelecendo relações entre natureza e cultura. Em d) II e IV.
“O burrinho pedrês”, conto presente no livro Sagarana, e) I e II.
de 1946, referências do mundo natural concorrem
4. Leia o trecho da novela Campo geral.
para criar uma atmosfera única, caracterizada pela
predominância da vida animal, em volta da qual evol- Miguilim mesmo começava a ter medo, trás do que
ve todo aquele pequeno mundo nômade de Major ouvia, que nem pragas. Ah, Tio Terêz devia de ir embo-
ra, de ligeiro, ligeiro, se não o Pai já devia estar voltando
Saulo e seus boiadeiros.
por causa da chuva, podia sair homem morto daquela
Com base nessa afirmação e na leitura do desfecho
casa, Vovó Izidra xingava Tio Terêz de “Caim” que matou
do conto, explique o efeito da natureza sobre as per-
Abel, Miguilim tremia receando os desatinos das pessoas
sonagens no trecho seguinte.
grandes, tio Terêz podia correr, sair escondido, pela porta da
E, quando essa chegou, Sete-de-Ouros avançou, reso- cozinha... Que fosse como se já tivesse ido há muito tempo!...
luto. Chafurdou, espadanou água, e foi. Então, os cavalos ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 11. ed.
também quiseram caminhar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
148 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 148 09/04/2024 11:17:00
Sobre a voz narrativa de Campo geral, é correto 8. UFPR 2022 Assinale a alternativa correta a respeito de
afirmar que há simultaneidade entre as falas e pensa- Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto.
mentos do protagonista e do narrador? a) Severino constata a presença reiterada da morte
em seu percurso e afirma: “só a morte deparei / e
Leia o seguinte trecho do conto “Amor”, de Clarice
às vezes até festiva”; a festa a que ele se refere
Lispector, para responder às questões 5 e 6.
comemorava o Dia de Finados, também conheci-
Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à do como Dia dos Mortos.
beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, b) Chegando à Zona da Mata, Severino se anima ao
sua alma batia-lhe no peito – o que sucedia? A piedade perceber que os rios que correm naquela região não
pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mun- se interrompem, o que torna a terra mais fértil, porém
do lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de em seguida ele se depara com mais um enterro.
casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam c) Após escutar uma conversa entre dois coveiros que
limpas, os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava –
trabalham em cemitérios de Recife, Severino com-
que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia
preende que só a morte pode igualar as pessoas,
que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente
louco de viver. O menino que se aproximou correndo pois, a partir do momento em que os corpos são
era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que enterrados, as diferenças sociais deixam de existir.
corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. d) O auto se encerra com uma fala em que, ante-
Protegia-se trêmula. vendo que seu filho recém-nascido teria uma vida
[...] tão difícil quanto a do retirante que ele conhecera
Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como um pouco antes, Seu José pergunta se não seria
se soubesse de um mal – o cego ou o belo Jardim Botâni- melhor para Severino desistir de viver.
co? [...] A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. e) As referências ao tamanho pequeno das covas nos
LISPECTOR, Clarice. Amor. In: LISPECTOR, Clarice. Laços de família. cemitérios do interior, como por exemplo em “Esta
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 31.
cova em que estás / com palmos medida”, relacio-
5. Clarice Lispector, comumente, utiliza em seus textos nam-se ao tamanho dos próprios versos de Morte
um recurso que contribui no processo de investiga- e vida severina, que têm sempre a mesma medida.
ção psíquica de suas personagens, derivado de um
9. Fuvest-SP 2023 Leia o trecho e responda à questão.
evento banal. Em “Amor”, tal processo ocorre quando
Ana se depara com um cego mascando chicles, o que No dia em que Luisaltino não foi trabalhar na roça
promove uma nova relação com sua vida e sua pró- – disse que estava perrengue – Pai teve uma hora em que
pria casa. Trata-se do recurso chamado: quis conversar com Miguilim. Drelina, a Chica e Tome-
a) fluxo de consciência. zinho tinham trazido o almoço e voltaram para casa. Pai
b) discurso indireto-livre. fez um cigarro, e falou do feijão-das-águas, e de quantos
carros de milho que podia vender para seo Braz do Bião.
c) epifania.
Perguntou. Mas Miguilim não sabia responder, não achou
d) fragmentação narrativa.
jeito, cabeça dele não dava para esses assuntos. Pai fechou
e) foco narrativo com onisciência.
a cara. Pai disse: “Vigia, Miguilim: ali!” Miguilim olhou
6. Considerando o contexto do conto “Amor”, explique a e não respondeu. Não estava vendo. Era uma plantação
oscilação da personagem entre o Jardim Botânico e a brotando da terra, lá adiante, mas direito ele não estava
imagem do cego. enxergando. Pai calou a boca, muitas vezes. Mas, de noite,
em casa, mesmo na frente de Miguilim, pai disse à Mãe
7. Sobre as características da obra de Clarice Lispector, que ele não prestava, que menino bom era o Dito, que
é correto afirmar que: Deus tinha levado para si, era muito melhor tivesse levado
a) a causa socialista e posteriormente o ceticismo na Miguilim em vez d´o Dito.
política brasileira da década de marcaram Guimarães Rosa, “Campo Geral”, In: Manuelzão e Miguilim
(Corpo de Baile).
sua vida.
b) sua produção poética é marcada pela presença a) No trecho acima, o Pai diz preferir Dito a Miguilim.
constante de metáforas e símbolos, predileção Preencha as lacunas a seguir, substituindo os ter-
pelo movimento parnasiano. mos originais por outro verbo e outro adjetivo,
c) sua prosa e poesia foram marcadas por temas re- respectivamente, que salientem o mesmo critério
lacionados à paisagem nordestina, denúncia da de valor do Pai a respeito dos filhos.
condição de exploração dos retirantes das. Pai disse à Mãe que ele não _______________ ,
FRENTE 2
d) a escritora nunca esteve filiada a nenhum movi- (verbo)
mento literário, contudo, é possível observar certa que menino _______________ era o Dito.
inclinação neossimbolista em razão da presença (adjetivo)
de temas como o espiritualismo. b) Reproduza uma frase do trecho que apresente
e) a renovação das formas de expressão literária é uma característica de Miguilim, a qual será en-
característica da obra da escritora, que utilizou em focada, em tom esperançoso, no arremate da
suas narrativas a técnica do fluxo de consciência. narrativa. Em seguida, justifique a sua escolha.
149
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 149 09/04/2024 11:17:27
10. Enem 2022 mudanças mais profundas e interiores que não viessem a
se refletir no escrever. Mas mudar só porque isso é uma
Ser cronista coluna ou uma crônica? Ser mais leve só porque o leitor
Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente assim o quer? Divertir? Fazer passar uns minutos de leitu-
no assunto. ra? E outra coisa: nos meus livros quero profundamente
Crônica é um relato? É uma conversa? É um resumo a comunicação profunda comigo e com o leitor. Aqui
de um estado de espírito? Não sei, pois antes de começar no Jornal apenas falo com o leitor e agrada-me que ele
a escrever para o Jornal do Brasil, eu só tinha escrito ro- fique agradado. Vou dizer a verdade: não estou contente.
mances e contos. LISPECTOR, C. In: A descoberta do mundo.
Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
E também sem perceber, à medida que escrevia
para aqui, ia me tornando pessoal demais, correndo o No texto, ao refletir sobre a atividade de cronista, a
risco deem breve publicar minha vida passada e presente, autora questiona características do gênero crônica,
o que não pretendo. Outra coisa notei: basta eu saber como
que estou escrevendo para jornal, isto é, para algo aberto a) relação distanciada entre os interlocutores.
facilmente por todo o mundo, e não para um livro, que só b) articulação de vários núcleos narrativos.
é aberto por quem realmente quer, para que, sem mesmo c) brevidade no tratamento da temática.
sentir, o modo de escrever se transforme. Não é que me d) descrição minuciosa dos personagens.
desagrade mudar, pelo contrário. Mas queria que fossem e) público leitor exclusivo.
Exercícios propostos
1. Enem 2021 d) ao emprego de ditados populares que resgatam
memórias e saberes coletivos.
A volta do marido pródigo e) às descrições de costumes regionais que desmis-
— Bom dia, seu Marrinha! Como passou de ontem? tificam crenças e superstições.
— Bem. Já sabe, não é? Só ganha meio dia. [...]
Lá além, Generoso cotuca Tercino: 2. Fuvest-SP 2019 E grita a piranha cor de palha, irrita-
— [...] Vai em festa, dorme que-horas, e, quando che- díssima:
ga, ainda é todo enfeitado e salamistrão!... — Tenho dentes de navalha, e com um pulo de ida-
— Que é que hei de fazer, seu Marrinha... Amanhe- -e-volta resolvo a questão!...
ci com uma nevralgia... Fiquei com cisma de apanhar — Exagero... — diz a arraia — eu durmo na areia,
friagem... de ferrão a prumo, e sempre há um descuidoso que vem
— Hum... se espetar.
— Mas o senhor vai ver como eu toco o meu serviço — Pois, amigas, — murmura o gimnoto, mole, car-
e ainda faço este povo trabalhar... regando a bateria — nem quero pensar no assunto: se
[...] eu soltar três pensamentos elétricos, bate-poço, poço em
Pintão suou para desprender um pedrouço, e teve volta, até vocês duas boiarão mortas...
de pular para trás, para que a laje lhe não esmagasse um
pé. Pragueja: gimnoto: peixe-elétrico.
— Quem não tem brio engorda!
— É... Esse sujeito só é isso, e mais isso... — opina
Sidu. Esse texto, extraído de Sagarana, de Guimarães Rosa,
—Também, tudo p’ra ele sai bom, e no fim dá cer- a) antecipa o destino funesto do ex-militar Cassiano
to... — diz Correia, suspirando e retomando o enxadão. Gomes e do marido traído Turíbio Todo, em “Due-
— “P’ra uns, as vacas morrem ... p’ra outros até boi pega lo”, ao qual serve como epígrafe.
a parir...”. b) assemelha-se ao caráter existencial da disputa
Seu Marra já concordou: entre Brilhante, Dansador e Rodapião na novela
— Está bem, seu Laio, por hoje, como foi por doença, “Conversa de Bois”.
eu aponto o dia todo. Que é a última vez!... E agora, deixa c) reúne as três figurações do protagonista da no-
de conversa fiada e vai pegando a ferramenta! vela “A hora e vez de Augusto Matraga”, assim
ROSA, J. G. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.
denominados: Augusto Estêves, Nhô Augusto e
Esse texto tem importância singular como patrimônio lin- Augusto Matraga.
guístico para a preservação da cultura nacional devido d) representa o misticismo e a atmosfera de feitiçaria
a) à menção a enfermidades que indicam falta de que envolve o preto velho João Mangalô e sua
cuidado pessoal. desavença com o narrador-personagem José, em
b) à referência a profissões já extintas que caracteri- “São Marcos”.
zam a vida no campo. e) constitui uma das cantigas de “O burrinho Pedrês”,
c) aos nomes de personagens que acentuam as- em que a sagacidade da boiada se sobressai à
pectos de sua personalidade. ignorância do burrinho.
150 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 150 05/04/2024 16:13:58
3. Enem PPL 2019 O mato do Mutúm é um enorme soltar três pensamentos elétricos, bate-poço, poço em
mundo preto, que nasce dos buracões e sobe a serra. volta, até vocês duas boiarão mortas… (Conversa a dois
O guará-lobo trota a vago no campo. As pessôas mais metros de profundidade).
velhas são inimigas dos meninos. Soltam e estumam ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro:
cachorros, para ir matar os bichinhos assustados – o Nova Fronteira, 2001. p. 175.
tatú que se agarra no chão dando guinchos suplicantes, Considerando o conto Duelo, do livro Sagarana, de
os macacos que fazem artes, o coelho que mesmo até João Guimarães Rosa, representado nessa epígrafe,
quando dorme todo-tempo sonha que está sendo perse-
assinale a alternativa correta.
guido. O tatú levanta as mãozinhas cruzadas, ele não
a) Os animais aparecem nas várias fábulas do livro
sabe – e os cachorros estão rasgando o sangue dele, e
em sua feição convencional, como pressuposto
ele pega a sororocar. O tamanduá. Tamanduá passeia no
pelas regras da alegoria, a exemplo da raposa e
cerrado, na beira do capoeirão. Ele conhece as árvores,
abraça as árvores. Nenhum nem pode rezar, triste é o do lobo das fábulas clássicas, que representam,
gemido deles campeando socôrro. Todo choro suplican- respectivamente, a esperteza e a força, ficando,
do por socôrro é feito para Nossa Senhora, como quem no livro, aquém da concretude de animais reais
diz a salve-rainha. Tem uma Nossa Senhora velhinha. e de qualquer protagonismo – exemplo disso é
Os homens, pé-ante-pé, indo a peitavento, cercaram o Brabagato, no conto “Conversa de bois”.
casal de tamanduás, encantoados contra o barranco, b) O interior do Brasil, com seus rios, florestas, vila-
o casal de tamanduás estavam dormindo. Os homens rejos e fazendas é o cenário dos contos do livro,
empurraram com a vara de ferrão, com pancada bruta, a maioria dos conflitos destes se dão naqueles
o tamanduá que se acordava. Deu som surdo, no cor- ambientes, às vezes, em vários deles ao mesmo
po do bicho, quando bateram, o tamanduá caiu pra lá, tempo, implicando, pois, inserção de alegorias em
como um colchão velho. que animais aparecem representados por figuras
ROSA, G. Noites do sertão. Corpo de baile. Rio de Janeiro:
humanas – exemplo disso é o conto “A hora e a
Nova Fronteira, 2016.
vez de Augusto Matraga”.
Na obra de Guimarães Rosa, destaca-se o aspecto
c) A cultura popular atravessa o livro, no qual estão
afetivo no contorno da paisagem dos sertões minei-
presentes as formas simples da oralidade popular
ros. Nesse fragmento, o narrador empresta à cena
pré-literárias, presentes nas epígrafes dos contos,
uma expressividade apoiada na
grafadas como provérbio capiau, cantos antigos,
a) plasticidade de cores e sons dos elementos
dentre outros, as quais mantêm forte relação com
nativos.
as narrativas, indo muito além de mera ilustração –
b) dinâmica do ataque e da fuga na luta pela sobre-
exemplo disso é o conto “Sarapalha”.
vivência.
d) A separação entre homem e natureza aparece
c) religiosidade na contemplação do sertanejo e de
plenamente realizada no livro, de tal modo que a
seus costumes.
função da fauna e da flora do interior de Minas Ge-
d) correspondência entre práticas e tradições e a
rais, presente em vários contos, é de evidente pano
hostilidade do campo.
de fundo para a ação dos protagonistas do livro, to-
e) humanização da presa em contraste com o des-
dos eles desintegrados da vida natural – exemplo
dém e a ferocidade do homem.
disso é a trajetória de vida de Augusto Esteves.
4. Uerj 2018 Guimarães Rosa afirmou, em uma entrevis- e) O livro expõe as visões de mundo e de Brasil
ta, que somente renovando a língua é que se pode de seu escritor, destacando-se a superioridade
renovar o mundo. Visando a essa renovação, recorria do homem sertanejo sobre os demais seres, os
a neologismos e inversões pouco usuais de termos, animais e as plantas, as mulheres, com destaque
explorando novos sentidos em seus textos. para a prostituta, e, sobretudo, o homem e a mu-
Um exemplo dessas inversões encontra-se em: lher negros, que nunca são apresentados como
a) Nossa mãe era quem regia, protagonistas – exemplo disso é o personagem
b) Nossa mãe muito não se demonstrava. Lalino Salãthiel.
c) Nossa mãe terminou indo também, de uma vez,
d) Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita Texto para as questões 6 e 7.
cordura;
Que já houve um tempo em que eles conversavam,
5. UFGD-MS 2023 E grita a piranha cor de palha, irri- entre si e com os homens, é certo e indiscutível, pois
tadíssima: que bem comprovado nos livros das fadas carochas. Mas,
FRENTE 2
— Tenho dentes de navalha, e com um pulo de ida e hoje-em-dia, agora, agorinha mesmo, aqui, aí, ali e em
volta resolvo a questão!... toda a parte, poderão os bichos falar e serem entendidos,
— Exagero... — diz a arraia — eu durmo na areia de por você, por mim, por todo o mundo, por qualquer um
ferrão a prumo, e sempre há um descuidoso que vem se filho de Deus?!
espetar. — Falam, sim senhor, falam!... — afirma o Manuel
— Pois amigas, — murmura o gimnoto, mole, car- Timborna, das Porteirinhas, – filho do Timborna ve-
regando a bateria — não quero pensar no assunto: se eu lho, pegador de passarinhos, e pai dessa infinidade de
151
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 151 05/04/2024 16:13:58
Timborninhas barrigudos, que arrastam calças compridas d) Como ocorre em Grande Sertão: veredas, um
e simulam todos o mesmo tamanho, a mesma idade e o narrador que está inserido na tradição escri-
mesmo bom-parecer; – Manuel Timborna, que, em vez ta dispõe-se a “recontar diferente, enfeitado e
de caçar serviço para fazer, vive falando invenções só lá acrescentado ponto e pouco” um “caso aconte-
dele mesmo, coisas que as outras pessoas não sabem e cido que se deu”, que lhe será contado, por sua
nem querem escutar. vez, por um típico representante da tradição oral.
— Pode ser que seja, Timborna. Isso não é de hoje: ...
“Visa sub obscurum noctis pecudesque locutae. Infandum!...” 8. ITA-SP Miguilim espremia os olhos. Drelina e a Chica
Mas, e os bois? Os bois também?... riam. Tomezinho tinha ido se esconder.
— Ora, ora!... Esses é que são os mais!... Boi fala o — Este nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí,
tempo todo. Eu até posso contar um caso acontecido que Miguilim...
se deu. E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim,
— Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfei- com todo o jeito.
tado e acrescentado ponto e pouco... — Olha, agora!
— Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era
que não seja. uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as
E começou o caso, na encruzilhada da Ibiúva, logo árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia,
após a cava do Mata-Quatro, onde, com a palhada de a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas
milho e o algodoal do pompons frouxos, se truncam as passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui,
derradeiras roças da Fazenda dos Caetanos e o mato de ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... O senhor tinha reti-
terra ruim começa dos dois lados; ali, uma irara rolava rado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava,
e rodopiava, acabando de tomar banho de sol e poei- contava tudo como era, como tinha visto. Mãe esteve
ra – o primeiro dos quatro ou cinco que ela saracoteia assim assustada; mas o senhor dizia que aquilo era do
cada manhã. modo mesmo, só que Miguilim também carecia de usar
GUIMARÃES ROSA, João. Sagarana. Rio de Janeiro; São Paulo:
Record, 1984. p. 303-304.
óculos, dali por diante. O senhor bebia café com eles.
Era o doutor José Lourenço, do Curvelo. Tudo podia. Co-
6. PUC-RS 2023 No trecho apresentado, registra-se ração de Miguilim batia descompassado, ele careceu de
o encontro entre dois universos contrastantes: o ir lá dentro, contar à Rosa, à Maria Pretinha, a Mãitina.
________, na figura ________, que represen- A Chica veio correndo atrás, mexeu: — “Miguilim, você
ta um cenário ________; e o ________, na figura é piticego...” E ele respondeu: — “Donazinha...”
________, que representa um cenário ________. Quando voltou, o doutor José Lourenço já tinha ido
a) iletrado – do narrador – rural e arcaico – letrado – embora.
de Manuel Timborna – urbano e moderno (Guimarães Rosa. Manuelzão e Miguilim. “Campo Geral”)
b) letrado – de Manuel Timborna – rural e arcaico – A narrativa
iletrado – do narrador – urbano e moderno I. desenvolve-se num universo fantástico, corrobo-
c) iletrado – de Manuel Timborna – urbano e moder- rado pela subversão da linguagem.
no – letrado – do narrador – rural e arcaico II. não retrata as experiências afetivas entre Migui-
d) letrado – do narrador – urbano e moderno – ile- lim e as outras personagens, pois o foco está nas
trado – de Manuel Timborna – rural e arcaico ações dele.
7. PUC-RS 2023 A respeito do trecho selecionado e III. é escrita em terceira pessoa, mas a história é fil-
da obra de Guimarães Rosa, assinale a alternativa trada pela perspectiva do menino Miguilim.
correta: Está(ão) correta(s)
a) Entre o tempo passado, “bem comprovado nos a) apenas I.
livros das fadas carochas”, e o tempo presente, b) apenas I e II.
“hoje-em-dia, agora, agorinha mesmo”, depreende- c) apenas II.
-se, pelo discurso do narrador, uma continuidade d) apenas III.
no entendimento e na explicação do mundo e dos e) todas.
fenômenos naturais.
9. UEL-PR 2020 Leia o trecho a seguir.
b) O questionamento do narrador, dirigido a Manuel
Timborna, a respeito da capacidade dos animais Não se arrependeu um só instante de ter rompido
se comunicarem com os humanos pode ser en- com Macabéa pois seu destino era o de subir para um
tendido como um questionamento da lógica dia entrar no mundo dos outros. Ele tinha fome de ser
científico-racional à visão de mundo calcada na outro.
lógica mítico-sacral. LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. 10. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1984. p. 75.
c) A caracterização de Manuel Timborna feita pelo
narrador sugere tratar-se de um membro de uma Com base no trecho, assinale a alternativa correta.
família tradicional na região, provavelmente um a) Olímpico rompera com Macabéa, pois havia re-
grande proprietário de terras, cuja relevância so- cebido uma proposta de trabalho vantajosa e
cial e política é dada como evidente. precisaria morar em outra cidade.
152 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 152 05/04/2024 16:13:58
b) O fim do namoro entre Olímpico e Macabéa evi- d) “O direito ao grito” representa a poderosa repres-
dencia a ambição do rapaz em contraste com a são que se abate contra a protagonista no sentido
estagnação da protagonista. de impedi-la de concretizar suas fantasias e de
c) Olímpico abandonou Macabéa porque tentara dar vazão a suas insatisfações.
fazer sexo com ela, mas, diante dos pudores da e) “Saída discreta pela porta dos fundos” enfatiza a
moça, perdeu o interesse no relacionamento. insipidez do percurso da protagonista, inclusive
d) O término do namoro deixa Macabéa tão trans- no momento em que ela agoniza, sem outras pes-
tornada que, ao correr de volta para casa, é soas ao redor.
atropelada por um automóvel e acaba morrendo.
12. UFRGS 2019 No bloco superior abaixo, estão listados
e) Olímpico desistiu de Macabéa porque pouco an-
os nomes de personagens de A hora da estrela, de
tes conhecera Glória, que, em suas estratégias de
Clarice Lispector, e de Gota d’água, de Chico Buarque
sedução, prometera fazer dele um deputado.
e Paulo Pontes; no inferior, trechos relacionados a es-
10. UEL-PR 2020 Sobre as trajetórias de personagens sas personagens.
femininas nas obras, considere as afirmativas a seguir. Associe adequadamente o bloco inferior ao superior.
I. Teresa, de Amor de perdição, é uma típica perso-
1 – Macabéa
nagem romântica, perseguida por sofrimentos, en-
2 – Joana
quanto Henriqueta, de O demônio familiar, prepara
várias artimanhas para ludibriar seus pretendentes, Ninguém vai sambar na minha caveira. Vocês tão
sem portar-se de modo honrado. de prova: eu não sou mulher pra macho chegar e
II. Clara, em Clara dos Anjos, resolve tornar-se pros- usar como quer, depois dizer tchau.
tituta após ter sido abandonada grávida pelo na- Pra não ser trapo nem lixo, nem sombra, obje-
morado, enquanto Madama Carlota, a cartomante to, nada, eu prefiro ser um bicho, ser esta besta
de A hora da estrela, relata ter vivido muitos infor- danada. Me arrasto, berro, me xingo, me mordo,
túnios, incluindo a prostituição. babo, me bato, me mato, mato e me vingo, me
III. Carlotinha, de O demônio familiar, é uma jovem vingo, me mato e mato.
espevitada que ousa rejeitar um pretendente inde- Então defendia-se da morte por intermédio de
sejado, enquanto Alice, de Quarenta dias, assume um viver de menos, gastando pouco de sua vida
o encargo de localizar o jovem desaparecido, a para esta não se acabar.
despeito de estar numa cidade pouco conhecida. Ela nascera com maus antecedentes e agora pa-
IV. Glória, colega de trabalho de Macabéa, em A hora recia uma filha de um não-sei-o-quê com ar de se
da estrela, põe seus desejos e sensualidade acima desculpar por ocupar espaço.
do senso de amizade, enquanto Norinha, a filha de
A sequência correta de preenchimento, de cima para
Alice, em Quarenta dias, tem um percurso indivi-
baixo, é
dualista ao submeter a mãe a grandes alterações
a) – – –
de hábitos.
b) – – –
Assinale a alternativa correta. c) – – –
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. d) – – –
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. e) – – –
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. 13. UFRGS 2019 Assinale a alternativa correta sobre o ro-
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. mance A hora da estrela, de Clarice Lispector.
a) Rodrigo S. M. é narrador onisciente, de modelo rea-
11. UEL-PR 2020 O livro “A hora da estrela” apresenta, lista tradicional.
em seu início, uma relação com mais de dez títulos b) O diário de Macabéa ocupa parte da narrativa, em
alternativos. Assinale a alternativa em que o título al- que aparecem seus dilemas existenciais.
ternativo é explicado corretamente. c) Macabéa é modelo de personagem consciente
a) “A culpa é minha” remete ao fato de que Maca- existencial e socialmente.
béa assume responsabilidade por seus atos que d) Olímpico é namorado de Macabéa, dedicado e
a conduzem a um desfecho trágico. compreensivo.
b) “Eu não posso fazer nada” corresponde aos e) Glória é colega de Macabéa, estabelecendo um
FRENTE 2
dilemas do narrador-personagem, que se vê im- contraponto de mulher urbana e decidida.
possibilitado de criar grandes perspectivas para
a protagonista. 14. Unicentro-PR 2023 Sobre Inocência e A hora da es-
c) “Ela que se arranje” aponta para a indiferença do trela, considere as afirmativas a seguir.
narrador-personagem que gradativamente se de- I. Há, em comum, entre Inocência e Macabéa, o
sencanta com Macabéa, abdicando da ideia de fato de ambas serem cobiçadas por vários ho-
salvá-la. mens: Inocência é desejada por Cirino, Manecão
153
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 153 05/04/2024 16:13:59
e Meyer; Macabéa é disputada por Olímpico, pelo III. “Cem anos de perdão” narra a história de uma
narrador e por outros homens com quem ela trava garota que roubava rosas e pitangas. Decorre da
contato no trabalho. leitura desse conto uma reflexão política acerca
II. O espaço físico de Inocência é o sertão, mas o da estratificação social, que força crianças pobres
romance evidencia o trânsito de valores entre a deixar a escola e encontrar meios de sustentar
o ambiente urbano e o rural; A hora da estrela a família.
ressalta as experiências das protagonistas nos
Está(ão) correta(s) a(s) proposição(ões):
dois espaços – o nordestino e a cidade do Rio de
a) I e II d) I
Janeiro –, privilegiando as vitórias e as realiza-
b) I e III e) III
ções neste lugar.
c) II e III
III. O narrador de Inocência está em terceira pessoa,
sem desempenhar o papel de personagem do 16. UPE/SSA Graciliano Ramos, Clarice Lispector e
romance, embora se detenha, em algumas pas- Guimarães Rosa produziram nos mesmos gêneros
sagens, para emitir comentários; o narrador de textuais narrativos; são romancistas e contistas, cujas
A hora da estrela já se manifesta em primeira pes- produções são referenciadas nacional e internacio-
soa, comentando sobre o ato de narrar e sobre a nalmente.
protagonista. Sobre isso, analise as afirmativas a seguir:
IV. Mais de cem anos separam Inocência e A hora I. Graciliano Ramos, em seu romance Vidas secas,
da estrela: o primeiro é associado ao romance retoma um dos problemas vivenciados pelo ho-
sertanejo romântico, embora já contenha traços mem nordestino, que, apesar de remontar ao início
realistas, como a ausência de um herói típico do do século passado, haja vista a alusão a ele reali-
Romantismo; o segundo traz a subjetividade de zada no título do romance de Rachel de Queiroz,
Clarice Lispector pela figura do narrador, mas fo- O quinze, ainda persiste na atualidade. Do mesmo
caliza mais intensamente as questões sociais do modo, Patativa de Assaré tratou da seca em seus
que na trajetória anterior da autora. poemas populares, e a televisão não se cansa de
Assinale a alternativa correta. transmitir as consequências desse fenômeno.
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. II. Clarice Lispector, em A Hora da Estrela, parece
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. dar sequência à temática de Vidas secas, quando
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. trata da trajetória de Macabéa, imigrante nordes-
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. tina no Rio de Janeiro. Por sua vez, Fabiano e sua
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. família, no último capítulo de Vidas secas, deixam
a fazenda. O romance termina em aberto; den-
15. UTFPR 2023 José Miguel Wisnik, no ensaio A coisa tre outras possibilidades, sugere o início de uma
social, p. 448, reflete sobre os modos como a preocupa- nova vida na cidade, onde os meninos poderiam
ção com o social se revela na obra de Clarice Lispector: até ir à escola.
“Engana-se, pois, quem pensar Clarice como uma III. Há pontos comuns entre a produção dos três
escritora desligada da inquietude e do fervor social, autores, pois os textos por eles criados demons-
supostamente mergulhada nos desvãos existenciais e tram, dentre outros aspectos, preocupação com a
psicológicos de uma obra da qual a dimensão política linguagem, a interioridade e a condição humana,
estaria ausente. O que acontece é que o sentimento da além de as narrativas se desenrolarem no campo,
injustiça está pulsando, sempre visceralmente, e com tendo a cidade apenas como plano de fundo. Es-
a “veemência da arte”, justamente ali onde é menos
sas afirmações se confirmam nos romances Vidas
esperado.”
secas e A Hora da Estrela e no conto “A menina
Um século de Clarice Lispector – ensaios críticos. Org. Yudith
Rosenbaum e Cleusa Rios P. Passos. Fósforo, 2021. Edição do Kindle. de lá”, integrante da coletânea Primeiras histórias,
de João Guimarães Rosa.
Conciliando a citação acima à leitura do livro Felicida- IV. Em A Hora da Estrela, há dois discursos narrativos
de clandestina, considere as seguintes proposições: que se intercruzam, assim como ocorre em Vidas
I. No conto “O grande passeio”, a preocupação so- secas e Famigerado, pois o narrador onisciente
cial se mostra pela descrição do modo de vida e intruso analisa cada uma das personagens dos
da protagonista – “uma velhinha” – vivendo de fa- três romances, revelando minuciosamente suas
vores e de esmolas: “Quando lhe davam alguma interioridades. Isso interfere na continuidade da
esmola davam-lhe pouca, pois ela era pequena e narrativa que sofre rupturas constantes, as quais
realmente não precisava comer muito.” resultam dos comentários do narrador intruso.
II. Em “Restos de carnaval”, o senso da injustiça so- V. Os contos dos três autores, Clarice Lispector,
cial evidencia-se quando a protagonista – menina Graciliano Ramos e Guimarães Rosa são psicoló-
de anos – ganha uma fantasia de Rosa, ainda gicos, tal como “Amor”, pertencente à coletânea
que confeccionada com sobras de papel compra- Laços de Família, de Clarice Lispector; “O reló-
do pela mãe da amiga. gio do Hospital”, de Graciliano Ramos, integrante
154 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 154 05/04/2024 16:13:59
de Insônia e O Espelho, de Primeiras Histórias, de o texto reflete sobre a dinâmica das relações hu-
Guimarães Rosa. Acresce-se, ainda, que todos manas, que envolvem o que é falado e o que é
eles, com exceção de “Amor”, são narrados em comunicado silenciosamente.
primeira pessoa, imprimindo-lhes um tom emotivo a expressão “Às vezes” (linha ) pode ser substi-
e confessional. tuída por “Ocasionalmente” sem prejuízo ao sentido
Está correto, apenas, o que se afirma em: original do texto.
a) I, II e III. a questão central explorada no texto é a neces-
b) I, III e IV. sidade humana de falar com outras pessoas para
c) II, IV e V. evitar a solidão.
d) I, II, III e IV. a curta extensão do texto evidencia como Clarice
e) I, II e V. Lispector rompe com características tradicionais
do gênero crônica.
17. UPF-RS Sobre a chamada Geração de 45, que alguns Soma:
críticos denominam de pós-modernista, apenas é in-
correto afirmar que: 19. UFSC 2022
a) Apresenta um primeiro balanço de sua produção liberdade
por meio da publicação, em , da antologia
Com uma amiga chegamos a um tal ponto de simplici-
Panorama da nova poesia brasileira, organizada
dade ou liberdade que às vezes eu telefono e ela responde:
por Fernando Ferreira de Loanda. não estou com vontade de falar. Então eu digo até logo e
b) Encontra em João Cabral de Melo Neto o seu vou fazer outra coisa.
expoente maior, em que pese o fato de o poeta per- LISPECTOR, Clarice. liberdade. In: LISPECTOR, Clarice.
nambucano situar-se no grupo mais por circunstância Crônicas para jovens: de amor e amizade. Rio de Janeiro:
Rocco Jovens Leitores, 2010. p. 117.
cronológica do que por afinidades programáticas.
c) Regride plenamente a concepções e procedimentos Com base na leitura do texto “liberdade”, na obra
poéticos parnasiano-simbolistas, desconsiderando Crônicas para jovens: de amor e amizade, de Clarice
toda a poesia existencial europeia de entreguerras, Lispector, no contexto sócio-histórico e literário e de
de filiação surrealista, que poderia insuflar algum acordo com a variedade padrão da língua escrita, é
sopro de modernidade à produção do grupo. correto afirmar que:
d) Reúne, basicamente, poetas amadurecidos du- o emprego do termo “ou” (linha ) marca uma
rante a II Guerra Mundial, como Hélio Pelegrino, relação de antagonismo entre os termos “simplici-
Ledo Ivo, Geir Campos, Fernando Ferreira de Loanda dade” (linhas -) e “liberdade” (linha ).
e José Paulo Paes, entre vários outros. o texto é marcado pela presença das vozes da
e) Rejeita o verso livre e o coloquialismo dos mo- narradora e de sua amiga.
dernistas de , operando um retorno ao verso a narradora do texto aceita com naturalidade a re-
metrificado e à dicção nobre em seus poemas. cusa de sua interlocutora de continuar o diálogo.
Clarice Lispector escreveu essa obra com o ob-
18. UFSC 2022 jetivo de aproximar sua literatura dos jovens,
especialmente dos não leitores, razão pela qual
a comunicação muda
fez uso de textos curtos e simples.
O que nos salva da solidão é a solidão de cada um Soma:
dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas,
apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente Os textos I e II são referentes às questões de 20 a 22.
uma à outra é o sentimento de solidão. Texto I
LISPECTOR, Clarice. a comunicação muda. In: LISPECTOR, Clarice.
Crônicas para jovens: de amor e amizade. Rio de Janeiro: Quanto eu tiver setenta anos
Rocco Jovens Leitores, 2010. p. 53.
quando eu tiver setenta anos
Com base na leitura do texto “a comunicação muda”, então vai acabar esta minha adolescência
na obra Crônicas para jovens: de amor e amizade,
vou largar da vida louca
de Clarice Lispector, no contexto sócio-histórico e lite-
e terminar minha livre docência
rário e de acordo com a variedade padrão da língua
escrita, é correto afirmar que: vou fazer o que meu pai quer
Crônicas para jovens: de amor e amizade pode começar a vida com passo perfeito
FRENTE 2
ser considerada uma obra desviante no percurso vou fazer o que minha mãe deseja
da autora, reconhecida como produtora de narra- aproveitar as oportunidades
tivas ficcionais para o público infantil. de virar um pilar da sociedade
a preocupação da autora com a clareza de seus e terminar meu curso de direito
textos, constantemente enaltecida pela crítica lite- então ver tudo em sã consciência
rária nacional, pode ser identificada no texto pela quando acabar esta adolescência
repetição do termo “solidão” (linhas e ). Paulo Leminski
155
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 155 05/04/2024 16:13:59
Texto II Assinale a alternativa correta.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, a) Estão corretas as afirmativas I e II.
ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua b) Estão corretas as afirmativas I e III.
mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária c) Estão corretas as afirmativas II e III.
daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a d) Todas as afirmativas estão corretas.
nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada e) Nenhuma das afirmativas está correta.
de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez
mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa 21. Mackenzie-SP 2018 Considerando o Texto II, assinale
mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme a alternativa correta.
surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de a) A narradora do conto é a mãe que resolve o con-
casa e você nem quis ler! flito da posse do livro entre as duas garotas do
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que conto, dissolvendo a forma emocional da angústia
acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que vivia uma das meninas.
que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de per- b) Em “Felicidade clandestina” encontramos um
versidade de sua filha desconhecida e a menina loura em bem-sucedido caso de narração que simula a voz
pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então da infância, numa linguagem marcada pelo insóli-
que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para to e por alegorias.
a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para c) “Felicidade clandestina” é narrado por uma nar-
mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.”
radora onisciente em terceira pessoa, aspecto
Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo
representativo da prosa introspectiva de Clarice
que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou
Lispector.
pequena, pode ter a ousadia de querer.
d) Não obstante encontremos crianças como perso-
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e
nagens, o tema do mundo infantil possui pouca
assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada.
Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí
relevância em “Felicidade clandestina”
andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso e) A narradora do conto é uma adulta que decide
com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto reviver uma memória marcante da infância, traço
tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. da prosa de Clarice Lispector, que tão bem soube
Meu peito estava quente, meu coração pensativo. representar a voz do feminino na nossa literatura.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que
22. Mackenzie-SP 2018 Assinale a alternativa correta.
não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas
a) Por ser ambientado no Recife, o conto pode ser
depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de
classificado como pertencente à produção dos
novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer
pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara escritores regionalistas.
o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as b) No fragmento de “Felicidade clandestina”, po-
mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que demos afirmar que a posse do livro por parte da
era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina protagonista constitui-se como metáfora de um
para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! encontro amoroso.
Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era c) Em “Acho que eu não disse nada. Peguei o livro.
uma rainha delicada. Não, não saí pulando como sempre. Saí andan-
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com do bem devagar.”, a personagem principal, leitora
o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. compulsiva, está frustrada pela responsabilidade
Não era mais uma menina com um livro: era uma da posse do livro.
mulher com o seu amante. d) A decisão da mãe de não dar em definitivo o livro
“Felicidade Clandestina”, Clarice Lispector para a personagem principal constitui uma denún-
cia, por parte de Clarice Lispector, das injustiças
20. Mackenzie-SP 2018 Considere as afirmações abaixo,
cotidianas, dado que é também uma autora enga-
que estabelecem uma comparação entre o poema de
jada em seu tempo, fiel à proposta existencialista
Paulo Leminski e o trecho do conto de Clarice Lispector:
de Jean-Paul Sartre.
I. Tanto o poema quanto o fragmento selecionado e) A posse do livro não tem relação direta com a felici-
do conto são reflexões sobre o processo de ama- dade da narradora, que se explica pelo sentimento
durecimento de um indivíduo; de vingança contra a menina que a prejudicou.
II. Enquanto o poema de Leminski aborda o tema do
amadurecimento com o uso do humor, o conto de
As questões de 23 a 25 referem-se ao texto a seguir.
Lispector escolhe um registro mais intimista para
o mesmo tema; Uma esperança
III. A última frase do trecho de “Felicidade clandes- Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica
tina” mostra que a personagem que ficou com a que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo
posse do livro não deu nenhum passo em direção assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e
à vida adulta. verde: o inseto.
156 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 156 05/04/2024 16:13:59
Houve o grito abafado de um de meus filhos: Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo
— Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta
cadeira! — Emoção dele também que unia em uma só como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não
as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa me lembro mais o que aconteceu. É, acho que não acon-
minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar direta- teceu nada.
mente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo.
cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubi- Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
tável, lá estava ela, e mais magra e verde não podia ser.
23. Cefet-MG 2018 No texto, ao explorar a ambiguidade
— Ela quase não tem corpo — queixei-me.
do termo ‘esperança’, a autora
— Ela só tem alma — explicou meu filho e, como
a) associa o aparecimento do inseto à fragilidade
filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa
das relações humanas.
que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas
b) propõe uma reflexão sobre as diferenças entre
pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou inseto e estado de espírito.
renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que c) questiona a relação entre o pensamento positivo
retroceder caminho. Custava a aprender. e a falta de sentido da vida.
— Ela é burrinha — comentou o menino. d) manifesta uma percepção desiludida do senti-
— Sei disso – respondi um pouco trágica. mento de confiança no futuro.
— Está agora procurando outro caminho, olhe, coi-
24. Cefet-MG 2018 Analise as seguintes afirmativas:
tada, como ela hesita.
— Sei, é assim mesmo. I. No título da crônica, o artigo indefinido indica, ao
— Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é mesmo tempo, uma singularidade e uma indefinição.
guiada pelas antenas. II. No trecho “Não uma aranha, mas me parecia ‘a’
— Sei — continuei mais infeliz ainda. aranha”, a mudança de artigo tem função inten-
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigian- sificadora.
do-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo III. No trecho “Encabulei com a delicadeza”, o artigo
de fogo do lar para que não apagasse. pode ser suprimido sem alterar o sentido da frase.
— Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa
que só pode andar devagar assim. Está correto o que se afirma em
Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah a) I e II.
não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, b) I e III.
tem sido sempre assim comigo. c) II e III.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu d) I, II e III.
de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas
25. Cefet-MG 2018 O menino, morta a aranha, fez um tro-
me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível,
cadilho com o inseto e a nossa esperança. Meu outro
parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a espe-
filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer.
rança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos
menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu No contexto da narrativa, o dito popular que traduz o
disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infeliz- efeito de humor do trocadilho mencionado é
mente a hora certa de perder a esperança: a) “Em esperanças se gastam vidas”.
— É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte... b) “A esperança é a última que morre”.
— Mas ela vai esmigalhar a esperança! — respondeu c) “Quem tem esperança, tem paciência”.
o menino com ferocidade. d) “Quem vive de esperança, morre de fome”.
— Preciso falar com a empregada para limpar atrás
dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo 26. FMJ-SP 2022 Ele era triste e alto. Jamais falava comigo
o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei que não desse a entender que seu maior defeito consistia
um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a na sua tendência para a destruição. E por isso, dizia, ali-
empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de faci- sando os cabelos negros como quem alisa o pelo macio e
litar o caminho da esperança. quente de um gatinho, por isso é que sua vida se resumia
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho com o num monte de cacos: uns brilhantes, outros baços, uns
inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava alegres, outros como um “pedaço de hora perdida”, sem
vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: significação, uns vermelhos e completos, outros brancos,
a esperança pousara em casa, alma e corpo. mas já espedaçados.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é Eu, na verdade, não sabia o que retrucar e lamentava
FRENTE 2
um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que não ter um gesto de reserva, como o seu, de alisar o cabe-
isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, lo, para sair da confusão. No entanto, para quem leu um
nunca tentei pegá-la. pouco e pensou bastante nas noites de insônia, é relativa-
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperan- mente fácil dizer qualquer coisa que pareça profunda. Eu
ça bem menor que esta pousara no meu braço. Não senti lhe respondia que mesmo destruindo ele construía: pelo
nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei menos esse monte de cacos para onde olhar e de que falar.
consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Perfeitamente absurdo. Ele, sem dúvida, também o achava,
157
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 157 05/04/2024 16:13:59
porque não respondia. Ficava muito triste, a olhar para o Os últimos quatro versos do poema rompem com a
chão e a alisar seu gatinho morno. série de contrapontos entre a usina e o banguê, pois
Assim passavam as horas. Às vezes eu mandava buscar a) negam haver diferença química entre o açúcar
uma xícara de café, que ele bebia com muito açúcar e cristal e o açúcar mascavo.
gulosamente. E eu pensava um pensamento muito engra- b) esclarecem que a aparência do açúcar varia com
çado: é que se achasse que andava a destruir tudo, não
a espécie de cana cultivada.
teria gosto em beber café e não pediria mais.
c) revelam que na base de toda empresa açucareira
(A bela e a fera, 1999.)
está o trabalhador rural.
A resposta da narradora à alegação do homem, de d) denunciam a exploração do trabalho infantil nos
que ele tinha uma tendência à destruição, canaviais nordestinos.
a) mostrava para ele o quanto era positivo admitir os e) explicam que a estação do ano define em qual-
próprios defeitos em vez de, como a maioria das quer processo o tipo de açúcar.
pessoas, escondê-los.
b) propunha uma mudança de perspectiva, segundo 28. Enem 2019
a qual os restos de uma destruição poderiam ser
de certo modo valorizados. Uma ouriça
c) buscava consolá-lo com a ideia de que todas as Se o de longe esboça lhe chegar perto,
pessoas têm pontos fracos, mesmo aquelas que se fecha (convexo integral de esfera),
aparentemente são fortes. se eriça (bélica e multiespinhenta):
d) desmentia-o, argumentando que ele estaria en- e, esfera e espinho, se ouriça à espera.
ganado, que não era verdade que ele era uma Mas não passiva (como ouriço na loca);
pessoa destrutiva. nem só defensiva (como se eriça o gato)
e) apontava a contradição de uma pessoa melancó- sim agressiva (como jamais o ouriço),
lica, aparentemente desanimada, gostar de café do agressivo capaz de bote, de salto
com tanta avidez. (não do salto para trás, como o gato):
daquele capaz de salto para o assalto.
27. Fuvest-SP 2021
Se o de longe lhe chega em (de longe),
Psicanálise do açúcar de esfera aos espinhos, ela se desouriça.
O açúcar cristal, ou açúcar de usina, Reconverte: o metal hermético e armado
mostra a mais instável das brancuras: na carne de antes (côncava e propícia),
as molas felinas (para o assalto),
quem do Recife sabe direito o quanto,
nas molas em espiral (para o abraço).
e o pouco desse quanto, que ela dura.
MELO NETO, J. C. A educação pela pedra.
Sabe o mínimo do pouco que o cristal Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1997.
se estabiliza cristal sobre o açúcar,
Com apuro formal, o poema tece um conjunto semân-
por cima do fundo antigo, de mascavo,
tico que metaforiza a atitude feminina de
do mascavo barrento que se incuba;
a) tenacidade transformada em brandura.
e sabe que tudo pode romper o mínimo
b) obstinação traduzida em isolamento.
em que o cristal é capaz de censura:
c) inércia provocada pelo desejo platônico.
pois o tal fundo mascavo logo aflora
d) irreverência cultivada de forma cautelosa.
quer inverno ou verão mele o açúcar.
e) desconfiança consumada pela intolerância.
Só os banguês que-ainda purgam ainda
29. UPF-RS 2019 Considere as afirmações a seguir em re-
o açúcar bruto com barro, de mistura;
lação à obra A educação pela pedra, de João Cabral
a usina já não o purga: da infância,
de Melo Neto.
não de depois de adulto, ela o educa;
I. A coletânea, que reúne poemas, já indica em seu
em enfermarias, com vácuos e turbinas,
título a depuração alcançada pela poética do autor.
em mãos de metal de gente indústria,
II. O livro apresenta poemas construídos com lin-
a usina o leva a sublimar em cristal
guagem seca, dura, precisa e concisa.
o pardo do xarope: não o purga, cura.
III. Deixando de lado a concepção romântica, o autor
Mas como a cana se cria ainda hoje,
faz uso de rigor matemático na construção dos
em mãos de barro de gente agricultura,
poemas que integram a coletânea.
o barrento da pré-infância logo aflora
Está correto o que se afirma em
quer inverno ou verão mele o açúcar. a) I, II e III.
João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.
b) I e III, apenas.
banguê: engenho de açúcar primitivo movido a força c) II e III, apenas.
animal. d) I e II, apenas.
e) II, apenas.
158 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 158 05/04/2024 16:13:59
30. Unifesp 2019 A verve social da poesia de João Cabral c) Com peixes e cavalos sonâmbulos
de Melo Neto mostra-se mais evidente nos versos: pintas a obscura metafísica
a) A cana cortada é uma foice. do limbo.
Cortada num ângulo agudo, d) Ó face sonhada
ganha o gume afiado da foice de um silêncio de lua,
que a corta em foice, um dar-se mútuo. na noite da lâmpada
Menino, o gume de uma cana pressinto a tua.
cortou-me ao quase de cegar-me, e) As nuvens são cabelos
e uma cicatriz, que não guardo, crescendo como rios;
soube dentro de mim guardar-se. são os gestos brancos
b) Formas primitivas fecham os olhos da cantora muda;
escafandros ocultam luzes frias;
32. Unichristus-CE 2023
invisíveis na superfície pálpebras não batem.
Friorentos corremos ao sol gelado CATAR FEIJÃO
de teu país de mina onde guardas
Catar feijão se limita com escrever:
o alimento a química o enxofre da noite.
Joga-se os grãos na água do alguidar
c) No espaço jornal
E as palavras na da folha de papel;
a sombra come a laranja, a laranja
E depois, joga-se fora o que boiar.
se atira no rio,
não é um rio, é o mar
Certo, toda palavra boiará no papel,
que transborda de meu olho.
Água congelada, por chumbo seu verbo
No espaço jornal
Pois para catar esse feijão, soprar nele,
nascendo do relógio
E jogar fora o leve e oco, palha e eco.
vejo mãos, não palavras,
MELO NETO, João Cabral de. In: NICOLA, José de. Literatura brasileira:
sonho alta noite a mulher das origens aos nossos dias. 18 ed. São Paulo: Scipione, 2011. (fragmento).
tenho a mulher e o peixe.
d) Os sonhos cobrem-se de pó. Nesse poema, o eu lírico mobiliza recursos expressi-
Um último esforço de concentração vos que inferem que o ato de escrever
morre no meu peito de homem enforcado. a) busca gerar novos sentidos.
Tenho no meu quarto manequins corcundas b) é marcado pela escolha aleatória das palavras.
onde me reproduzo c) tem seu fundamento básico no lirismo.
e me contemplo em silêncio. d) deve priorizar a concisão.
e) O mar soprava sinos e) consiste em um trabalho de depuração
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos. 33. UFRGS Leia a seguir o diálogo entre Severino e Mestre
Minha memória cheia de palavras Carpina, retirado de Morte e vida Severina, de João
meus pensamentos procurando fantasmas Cabral de Melo Neto.
meus pesadelos atrasados de muitas noites. — Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita:
31. Famerp-SP 2018 Leia um trecho do ensaio de Modesto
há muito no lamaçal
Carone para responder à questão.
apodrece a sua vida?
É fato sabido que a trajetória de João Cabral come- e a vida que tem vivido
ça num surrealismo despojado da escrita automática, foi sempre comprada à vista?
passa pelo ardor da construção e da lucidez, discute — Severino, retirante,
a pureza e a decantação da poesia antilírica e, des-
sou de Nazaré da Mata,
cartando a desconfiança (então em moda) quanto à
mas tanto lá como aqui
possibilidade de dizer o mundo e os seus conflitos,
jamais me fiaram nada:
assume, de Morte e vida severina em diante, o lado
a vida de cada dia
sujo da miséria do Nordeste.
(Modesto Carone. “Severinos e comendadores”. In:
cada dia hei de comprá-la.
Roberto Schwarz (org). Os pobres na literatura brasileira, 1983.) — Seu José, mestre carpina,
e que interesse, me diga,
Segundo Modesto Carone, o trecho que melhor ilus-
há nessa vida a retalho
tra a última fase da poesia de João Cabral é:
que é cada dia adquirida?
FRENTE 2
a) O mar, que só preza a pedra,
que faz de coral suas árvores, espera poder um dia
luta por curar os ossos comprá-la em grandes partidas?
da doença de possuir carne, — Severino, retirante,
b) Sobre o lado ímpar da memória não sei bem o que lhe diga:
o anjo da guarda esqueceu não é que espere comprar
perguntas que não se respondem. em grosso tais partidas,
159
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 159 05/04/2024 16:13:59
mas o que compro a retalho c) paradoxal, ao abordar, metalinguisticamente, sua
é, de qualquer forma, vida. incapacidade de comunicar algo, considerado
— Seu José, mestre carpina, inútil, embora acabe expressando suas convic-
que diferença faria ções sobre o discurso poético, que é difícil para
se em vez de continuar um leitor que não existe ou que não é receptivo
tomasse a melhor saída: à sua arte.
a de saltar, numa noite, d) centrado no código linguístico, na medida em que
fora da ponte e da vida? analisa a sua própria produção artística e a sua
incapacidade de se fazer entender diante de um
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes
interlocutor presente e sensível a novas formas
afirmações.
de expressão.
Severino, retirante chegado ao Recife, questiona
e) incapaz de confessar seus sentimentos e de
a vida miserável de Mestre Carpina.
traduzir em palavras concretas e significativas o
Mestre Carpina defende a necessidade de viver
desdém que sente em relação à dificuldade que o
mesmo que em condição precária. leitor encontra para interpretar seu ofício.
Mestre Carpina nega-se a ouvir os infundados
questionamentos de Severino. 35. UPE
Severino, em sua última interrogação, aponta
uma hesitação entre viver e morrer.
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É
E A QUE VAI
A sequência correta de preenchimento, de cima para
baixo, é — O meu nome é Severino,
a) V – V – F – V como não tenho outro de pia.
b) V – F – F – F Como há muitos Severinos,
c) V – F – V – V que é santo de romaria,
d) F – V – F – V deram então de me chamar
e) F – V – V – F Severino de Maria;
34. EBMSP-BA como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
O artista inconfessável fiquei sendo o da Maria
Fazer o que seja é inútil. do finado Zacarias.
Não fazer nada é inútil. Mais isso ainda diz pouco:
Mas entre fazer e não fazer há muitos na freguesia,
mais vale o inútil do fazer. por causa de um coronel
Mas não, fazer para esquecer que se chamou Zacarias
que é inútil: nunca o esquecer. e que foi o mais antigo
Mas fazer o inútil sabendo senhor desta sesmaria.
que ele é inútil, e bem sabendo Como então dizer quem falo
que é inútil e que seu sentido ora a Vossas Senhorias?
não será sequer pressentido,
Vejamos: é o Severino
fazer: porque ele é mais difícil
da Maria do Zacarias,
do que não fazer, e difícilmente
lá da serra da Costela,
se poderá dizer
limites da Paraíba.
com mais desdém, ou então dizer
[...]
mais direto ao leitor Ninguém
[continuação...]
que o feito o foi para ninguém.
Somos muitos Severinos
MELO NETO, João Cabral de. “O artista inconfessável”. SECCHIN, Antônio
Carlos (Org). João Cabral de Melo Neto (seleções). São Paulo: Global Editora. iguais em tudo na vida:
Disponível em: <http://culturanavegante.blogspot.com.br/ 2010/11/o-artista
na mesma cabeça grande
inconfessavel-joao-cabral-de.html>. Acesso em: 29 ago. 2015.
que a custo é que se equilibra,
Os versos de João Cabral de Melo Neto revelam um no mesmo ventre crescido
eu poético
sobre as mesmas pernas finas
a) angustiado, diante da constatação de que a poe-
e iguais também porque o sangue,
sia não é necessária nem útil para qualquer leitor,
até mesmo para ele, na condição de artista. que usamos tem pouca tinta.
b) pessimista, refletindo sobre o seu verdadeiro desejo E se somos Severinos
de comunicar algo que ele mesmo considera inútil iguais em tudo na vida,
para um leitor ávido por informações importantes. morremos de morte igual,
160 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 160 05/04/2024 16:13:59
mesma morte severina: Está CORRETO o que se afirma, apenas, em
que é a morte de que se morre a) I e II.
de velhice antes dos trinta, b) I e III.
de emboscada antes dos vinte c) II e III.
d) I.
de fome um pouco por dia
e) II.
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina/ 36. Leia o texto a seguir para responder à questão.
ataca em qualquer idade,/ As metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão ori-
e até gente não nascida). ginais que produzem um efeito poético radical: o efeito de
João Cabral de Melo Neto ressaca do significado novo sobre o significado corrente.
Analise as afirmativas a seguir: A gente lê, por exemplo, que `o sabiá veio molhar o pio
no poço, que é bom ressoador’, e não fica apenas com
I. No início do trecho, Severino se apresenta e, para
uma admirável vocação acústica; as palavras `molhar’ e
se diferenciar dos demais Severinos existentes
`poço’ descongelam-se, libertam-se da sua hibernação
na ‘freguesia’, revela informações acerca dos pais
dicionarística ou corrente, e perturbam como um reachado
e da região onde vive. Mas o lavrador tem dificul-
todavia surpreendente.
dades em sua apresentação, pois Severinos no
LOPES, Óscar apud PESSOA, José Vinícius. Sobre João Guimarães Rosa.
norte são “iguais em tudo na vida”. [s.d.]. Disponível em: https://circuitoguimaraesrosa.com.br/Guimaraes_
II. À medida que apresenta, Severino faz revelações Rosa/Jose_Vinicius_Pessoa_Sobre_Guimaraes_Rosa.pdf.
Acesso em: 6 mar. 2023.
sobre ele e os demais sujeitos que estão em condi-
ções de sobrevida tão ou mais precárias que a sua. Segundo o crítico Óscar Lopes, as palavras com novo
É uma vida cercada pela morte, que, se não lhes significado “descongelam-se, libertam-se da sua hiber-
rouba os dias pela doença, rouba pela violência. nação dicionarística ou corrente, e perturbam como
III. “A gente não nascida” é uma referência às crian- um reachado todavia surpreendente”. Considerando
ças não nascidas, por causa da doença da mãe, os neologismos e a inventividade de Guimarães Rosa,
cujas vidas são similares à de Severino, pois es- explique as expressões no diminutivo, como pertim,
sas mulheres também são vítimas da fome, da sozim, bobinho, de Campo Geral, as quais ilustram a
seca, do desemprego e da violência humana. afirmação do crítico.
Texto complementar
O provérbio em João Guimarães Rosa
¡¢
¡¢
£¤£ ¥¦§¡
¦ ¨§¡¦ ¡¢
FRENTE 2
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
161
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 161 05/04/2024 16:13:59
Quer saber mais?
Música Morte e vida severina. Animação de Afonso Serpa. Disponí-
O canto de Macabéa ou A hora da estrela, álbum musical vel em: https://www.youtube.com/watch?v=alOXpuFXyo.
produzido por Sarau Cultura Brasileira, música original Acesso em: fev. .
de Chico César, produção musical e arranjos de Marcelo De caráter minimalista, a animação é uma adaptação ci-
Caldi e participações de Claudia Ventura, Claudio Gabriel nematográfica D da obra de João Cabral de Melo Neto.
e Juliana Linhares.
Filmes
Disponível em diversas plataformas de streaming, o álbum
Morte e vida severina. Direção: Zelito Viana. .
traz a trilha sonora do espetáculo “A hora da estrela ou O
Esse filme é uma adaptação da obra homônima de João
canto de Macabéa”, inspirado na obra de Clarice Lispector,
Cabral de Melo Neto, que colaborou com criação do ro-
e conta com Chico César e Laila Garin nos vocais.
teiro junto do diretor.
Vídeos
A hora e a vez de Augusto Matraga. Direção: Vinícius
Canal TV Cultura. Panorama com Clarice Lispector.
Coimbra. .
YouTube, . Disponível em: https://youtu.be/
A história do fazendeiro orgulhoso, valente e falido é
ohHPlEVnU. Acesso em: fev. .
adaptada do conto de Guimarães Rosa para a tela de
Julio Lerner entrevista Clarice Lispector pouco antes do
cinema. Depois da quase morte, o personagem passa
falecimento da autora. O especial traz também depoimen-
por um processo de redenção e torna-se temente a Deus.
tos de admiradores da escritora.
Mutum. Direção: Sandra Kogut. .
Entrevista de Guimarães Rosa. YouTube, . Disponível
A narrativa sobre o menino Miguilim é adaptada da novela
em: https://www.youtube.com/watch?v=ndsNFESP.
“Campo geral”, de Guimarães Rosa.
Acesso em: fev. .
Entrevista de Guimarães Rosa cedida a Walter Höllerer para
um canal de televisão independente de Berlim, em .
Exercícios complementares
1. PUC-SP O sol cresce, amadurece. Mas eles estão esperando é a febre, mais o tremor. Primo Ribeiro parece um defunto –
sarro de amarelo na cara chupada, olhos sujos, desbrilhados, e as mãos pendulando, compondo o equilíbrio, sempre a
escorar dos lados a bambeza do corpo. Mãos moles, sem firmeza, que deixam cair tudo quanto ele queira pegar. Baba,
baba, cospe, cospe, vai fincando o queixo no peito; e trouxe cá para fora a caixinha de remédio, a cornicha de pó e mais
o cobertor.
O trecho apresentado integra o conto “Sarapalha” e faz parte da obra Sagarana de João Guimarães Rosa. Dessa
narrativa como um todo, é errado afirmar que
a) apresenta duas narrativas, uma em tempo presente e outra, em tempo passado, a qual assume dimensão mítica
na cabeça delirante de Primo Ribeiro.
b) enfoca a solidão, o abandono e a decadência de duas personagens acometidas de maleita e que passam os dias
em diálogo sobre suas condições físicas e sentimentais.
c) gera um conflito entre dois primos, quando um deles revela ter gostado muito de Luísa, mulher do outro, que o
abandonara por um boiadeiro.
d) usa predominantemente discurso indireto livre, que faz aflorar o pensamento íntimo da personagem e despreza
o diálogo objetivo e direto por sua incapacidade de interlocução.
2. FICSAE-SP
As ancas balançam, e as vagas de De mostrar o seu amor.”
dorsos, das vacas e touros, batendo Boi bem bravo, bate baixo, bota baba,
com as caudas, mugindo no meio, boi berrando...
na massa embolada, com atritos de Dança doido, dá de duro, dá de dentro,
couros, estralos de guampas, estrondos dá direito... Vai,
e baques, e o berro queixoso do gado Vem, volta, vem na vara, vai não volta,
junqueira, de chifres imensos, com vai varando...
muita tristeza, saudade dos campos, “Todo passarinh’ do mato
querência dos pastos de lá do sertão... Tem seu pio diferente.
“Um boi preto, um boi pintado, Cantiga de amor doído
Cada um tem sua cor. Não carece ter rompante...”
Cada coração um jeito
O trecho integra o conto “O burrinho Pedrês”, da obra Sagarana, escrita por João Guimarães Rosa. Dele é correto
afirmar que
162 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 162 09/04/2024 11:20:37
a) descreve o movimento agitado dos bois por meio a passagem do tempo sofreram ao longo dos séculos uma
de uma linguagem construída apenas pelo em- grande evolução. No início o Sol era a referência natural
prego abusivo de frases nominais e de gerúndios. para a separação entre o dia e a noite, mas depois os
b) apresenta um jogo entre a forma poética e a relógios solares foram seguidos de outros que vieram a
prosaica e, em ambos os gêneros, é possível utilizar o escoamento de líquidos, de areia, ou a queima de
constatar a presença de um ritmo marcado pelo fluidos, até chegar aos dispositivos mecânicos que origina-
uso de redondilhas. ram as pêndulas. Com a eletrônica, surgiram os relógios de
c) há presença significativa de figuras sonoras, como quartzo e de césio, aposentando os chamados “relógios
as aliterações, que emprestam ao texto ritmo duro de corda”. O mostrador digital que está no seu pulso ou no
seu celular tem muita história: tudo teria começado com a
e pesado, impedindo a musicalidade e o lirismo
haste vertical ao sol, que projetava sua sombra num plano
próprios da arte popular.
horizontal demarcado. A ampulheta e a clepsidra são as
d) há uma mistura de textos narrativos e textos poé-
simpáticas bisavós das atuais engenhocas eletrônicas, e
ticos que quebra a sequência do conto e oferece
até hoje intrigam e divertem crianças de todas as idades.
ao leitor um texto de duvidosa qualidade estética.
Mas a evolução dos maquinismos humanos que di-
3. UEM-PR Assinale o que for correto sobre Manuelzão videm e medem as horas não suprimiu nem diminuiu a
e Miguilim, de Guimarães Rosa. preocupação dos homens com o Tempo, essa entidade
Nas duas narrativas que compõem o volume implacável, sempre a lembrar a condição da nossa mor-
Manuelzão e Miguilim, encontramos uma lin- talidade. Na mitologia grega, o deus Chronos era o senhor
guagem literária inovadora, com a utilização de do tempo que se podia medir, por isso chamado “crono-
lógico”, a fluir incessantemente. No entanto, a memória
neologismos e com a recuperação (e a revita-
e a imaginação humanas criam tempos outros: uma auto-
lização) de vocábulos já pertencentes à língua
biografia recupera o passado, a ficção científica pretende
portuguesa, em um procedimento que é uma das
vislumbrar o futuro. No Brasil, muito da força de um José
marcas registradas de Guimarães Rosa.
Lins do Rego, de um Manuel Bandeira ou de um Pedro
Em Manuelzão e Miguilim há utilização de ele-
Nava vem do memorialismo artisticamente trabalhado.
mentos naturais (tais como a fauna e a flora) que,
A própria história nacional sofre os efeitos de uma inter-
embora tragam consigo muito da cor local do venção no passado: escritores românticos, logo depois
espaço das narrativas, abrem-se para uma inter- da Independência, sentiram necessidade de emprestar ao
pretação universalizante capaz de ultrapassar as país um passado glorioso, e recorreram às idealizações
fronteiras brasileiras em termos de significado e do Indianismo.
de capacidade de representação. No cinema, uma das homenagens mais bonitas ao
Dito, irmão mais velho do protagonista de “Uma tempo passado é a do filme Amarcord (“eu me recordo”,
história de amor”, representa o homem em estado em dialeto italiano), do cineasta Federico Fellini. São
de natureza, praticamente selvagem, sendo um lembranças pessoais de uma época dura, quando o fas-
dos marcos do neoindianismo que é atribuído a cismo crescia e dominava a Itália. Já um tempo futuro
Guimarães Rosa em sua fase que antecede seus terrivelmente sombrio é projetado no filme Blade Runner,
grandes romances urbanos. o caçador de androides, do diretor Ridley Scott, no cenário
Em uma relação repleta de reviravoltas, Tio Terêz futurista de uma metrópole caótica.
inicialmente desperta a antipatia da personagem Se o relógio da História marca tempos sinistros, o
Miguilim, situação esta que se transforma em de- tempo construído pela arte abre-se para a poesia: o tem-
finitivo apenas ao fim da narrativa, quando, ao po do sonho e da fantasia arrebatou multidões no filme
presentear o menino com um par de óculos, abre O mágico de Oz estrelado por Judy Garland e eternizado
para ele as perspectivas da educação e da cultura. pelo tema da canção “Além do arco-íris”. Aliás, a arte da
Manuelzão, de presença marcante também no música é, sempre, uma habitação especial do tempo: as
enredo de “Campo geral”, contrasta com os de- notas combinam-se, ritmam e produzem melodias, aden-
mais personagens ao se caracterizar como o sando as horas com seu envolvimento.
intelectual por excelência, sendo a representação São diferentes as qualidades do tempo e as cir-
do filósofo humanista, inclusive distinguindo-se cunstâncias de seus respectivos relógios: há o “relógio
biológico”, que regula o ritmo do nosso corpo; há o “re-
pelo fato de possuir educação formal avançada.
lógio de ponto”, que controla a presença do trabalhador
Soma:
numa empresa; e há a necessidade de “acertar os relógios”,
4. UFRGS para combinar uma ação em grupo; há o desafio de “correr
contra o relógio”, obrigando-nos à pressa; e há quem “seja
FRENTE 2
O tempo e suas medidas como um relógio”, quando extremamente pontual.
O homem vive dentro do tempo, o tempo que ele pre- Por vezes barateamos o sentido do tempo, tornando-o
enche, mede, avalia, ama e teme. Para marcar a passagem uma espécie de vazio a preencher: é quando fazemos algo
e as medidas do tempo, inventou o relógio. A palavra vem para “passar o tempo”, e apelamos para um jogo, uma
do latim horologium, e se refere a um quadrante do céu brincadeira, um “passatempo” como as palavras cruza-
que os antigos aprenderam a observar para se orientarem das. Em compensação, nas horas de grande expectativa,
no tempo e no espaço. Os artefatos construídos para medir queixamo-nos de que “o tempo não passa”. “Tempo é
163
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 163 05/04/2024 16:13:59
dinheiro” é o lema dos capitalistas e investidores e dos a) A religiosidade cristã católica rege as decisões
operadores da Bolsa; e é uma obsessão para os atletas humanas e transforma os homens e a natureza a
olímpicos em busca de recordes. partir da ação direta de Deus.
Nos relógios primitivos, nos cronômetros sofisticados, b) A ausência de aliterações e a economia de adje-
nos sinos das velhas igrejas, no pulsar do coração e da tivos são recursos utilizados para representar a
pressão das artérias, a expressão do tempo se confunde aridez da natureza.
com a evidência mesma do que é vivo. No tic-tac da c) A descrição pormenorizada do espaço físico visa
pêndula de um relógio de sala, na casa da avó, os neti- a excluir a dimensão psicológica e mística da nar-
nhos ouvem inconscientemente o tempo passar. O Big Ben
rativa, para fortalecer a feição pitoresca da região.
londrino marcou horas terríveis sob o bombardeio nazista.
d) A descrição do meio físico é mediada pela visão
Na passagem de um ano para outro, contamos os últimos
do narrador, que apresenta a natureza como ele-
dez segundos cantando e festejando, na esperança de um
mento tão reversível quanto a condição humana.
novo tempo, de um ano melhor.
e) São narrados duelos que se travam entre o meio
ALCÂNTARA, Péricles, inédito.
e o homem e que são vencidos apenas pelo uso
Ao final de Uma Estória de Amor, da obra Manuelzão da força física e da valentia.
e Miguilim, de Guimarães Rosa, o Velho Camilo con-
ta a história do Boi Bonito, que acaba capturado pelo 6. Unicamp-SP [...] E, páginas adiante, o padre se portou
Vaqueiro Menino. ainda mais excelentemente, porque era mesmo uma brava
Sobre o duelo entre o Boi Bonito e o Vaqueiro Menino, criatura. Tanto assim, que, na despedida, insistiu:
considere as seguintes afirmações. — Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida
I. O Boi, que desafiara inúmeros vaqueiros, afinal é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa
se rende ao vaqueiro que venceu o medo, re- muito a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter
conhecendo que para ele estava “guardado e muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua hora
destinado”. e a sua vez: você há de ter a sua.
ROSA, João Guimarães. “A hora e vez de Augusto Matraga”. Sagarana.
II. Após ouvir a narrativa do duelo, Manuelzão des- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 380.
cobre seu destino: tocar mais uma vez a boiada,
já que não estava doente. [...] Então, Augusto Matraga fechou um pouco os
III. Tanto a história contada por Camilo como a de olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de san-
Manuelzão são encerradas de modo festivo, o gue, e de seu rosto subia um sério contentamento.
que é próprio do mundo sertanejo. Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse,
agora sussurrando, sumido:
Quais estão corretas?
— Põe a bênção na minha filha..., seja lá onde for
a) Apenas I.
que ela esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que
b) Apenas II.
está tudo em ordem!
c) Apenas I e II.
Depois morreu.
d) Apenas II e III. Idem, p. 413.
e) I, II e III.
a) O segundo excerto, de certo modo, confirma os
5. UFPR 2020 Leia o trecho abaixo, extraído de Sagarana, ditos do padre apresentados no primeiro. Con-
de João Guimarães Rosa: tudo, “a hora e a vez” do protagonista não são
Estremecem, amarelas, as flores da aroeira. Há um asseguradas, segundo a narrativa, pela reza e
frêmito nos caules rosados da erva-de-sapo. A erva-de-anum pelo trabalho. O que lhe garantiu ter “a sua hora
crispa as folhas, longas, como folhas de mangueira. Tre- e a sua vez”?
pidam, sacudindo as estrelinhas alaranjadas, os ramos da b) “A hora e a vez” de Nhô Augusto relacionam-se
vassourinha. Tirita a mamona, de folhas peludas, como aos encontros que ele tem com outra persona-
o corselete de um caçununga, brilhando em verde-azul! gem, Joãozinho Bem-Bem, em dois momentos
A pitangueira se abala, do jarrete à grimpa. E o açoita- da narrativa. Em cada um desses momentos, Nhô
-cavalos derruba frutinhas fendilhadas, entrando em con- Augusto precisa realizar uma escolha. Indique
vulsões. quais são essas escolhas que importam para o
— Mas, meu Deus, como isto é bonito! Que lugar processo de transformação da personagem pro-
bonito p’r’a gente deitar no chão e se acabar!... tagonista.
É o mato, todo enfeitado, tremendo também com a
sezão. 7. UFSM-RS Em “A hora e vez de Augusto Matraga” (1946),
(GUIMARÃES ROSA. “Sarapalha”. Sagarana. Obra completa (vol. 1). de Guimarães Rosa, o personagem-título, após longa
Nova Aguilar, 1994. p. 295.) penitência, tem uma espécie de revelação:
O trecho extraído do conto “Sarapalha”, do livro Nhô Augusto sentia saudades de mulheres. E a força
Sagarana, de Guimarães Rosa, exemplifica um aspec- da vida nele latejava, em ondas largas, numa tensão con-
to que está presente em todos os contos do mesmo fortante, que era um regresso e um ressurgimento. Assim,
livro. Assinale a alternativa que reconhece esse as- sim, que era bom fazer penitência, com a tentação estimu-
pecto de forma adequada. lando, com o rasto no terreno conquistado, com o perigo
164 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 164 05/04/2024 16:13:59
e tudo. Nem pensou mais em morte, nem em ir para o céu A linguagem peculiar é um dos aspectos que con-
[...]. Bastava-lhe rezar e aguentar firme, com o diabo ali ferem a Guimarães Rosa um lugar de destaque na
perto, subjugado e apanhado de rijo, que era um prazer. literatura brasileira. No fragmento lido, a tensão
A partir do fragmento, assinale a alternativa que ex- entre a personagem e o narrador se estabelece
pressa a visão de Matraga relativa às provações. porque
a) A tentação é incorporada pelas mulheres que, a) o narrador se cala, pensa e monologa, tentando as-
segundo a perspectiva do personagem, são a ori- sim evitar a perigosa pergunta de seu interlocutor.
gem de todos os tormentos. b) o sertanejo emprega um discurso cifrado, com
b) As dificuldades parecem positivas na concepção enigmas, como se vê em “a conversa era para
de Nhô Augusto, pois valorizam ainda mais a sua teias de aranhas”.
capacidade de resistência. c) entre os dois homens cria-se uma comunicação
c) A visão da personagem demonstra a sua admira- impossível, decorrente de suas diferenças socio-
ção pelo Mal, elemento que se sobrepõe ao Bem. culturais.
d) As tentações, de acordo com o pensamento de d) a fala do sertanejo é interrompida pelo gesto de
Matraga, devem ser evitadas a todo custo, já que impaciência do narrador, decidido a mudar o as-
aproximam o homem da danação. sunto da conversa.
e) Segundo o pensamento de Matraga, deve-se, e) a palavra desconhecida adquire o poder de gerar
eventualmente, ceder à tentação para lembrar conflito e separar as personagens em planos in-
que somos apenas humanos. comunicáveis.
8. UPF-RS Em relação à obra Primeiras estórias, de 10. Leia o texto a seguir, sobre miopia.
Guimarães Rosa, apenas é incorreto afirmar que: A miopia (CID 10 - H52.1) é uma condição comum
a) Reúne contos de vários tipos, entre eles o psico- em que a pessoa vê objetos próximos com clareza, mas
lógico, o anedótico, o fantástico e o satírico. objetos mais distantes são borrados. O grau da miopia
b) Confere destaque à voz do narrador culto, que indica o quanto sua capacidade de focar objetos distantes
permanece distanciado das personagens e preo- está afetada. Pessoas com grau de miopia grave podem
cupado em desvendar a lógica subjacente à ação ver claramente apenas objetos a poucos centímetros de
das crianças, loucos e seres rústicos que povoam distância, enquanto aqueles com miopia leve podem ver
os contos. claramente os objetos até vários metros de distância.
c) Demonstra a preocupação do autor em recriar a A miopia pode se desenvolver gradualmente ou
linguagem, através de deslocamentos sintáticos e rapidamente, muitas vezes piora durante a infância e
do uso de arcaísmos e neologismos, entre outros adolescência.
recursos. MARQUES, Melissa. O que é miopia. Minha vida, 31 out. 2014.
d) Não se trata, apesar do título, do livro de estreia Disponível em: https://www.minhavida.com.br/saude/temas/miopia.
Acesso em: 26 mar. 2024.
do autor, mas apenas de seu primeiro livro com-
posto unicamente de narrativas curtas. Na novela Campo Geral, de Guimarães Rosa, a des-
e) Ultrapassa, frequentemente, as fronteiras entre a focalização do olhar de Miguilim é consecutiva de sua
narrativa e a poesia lírica, através do destaque dado miopia. Estabeleça uma relação entre as característi-
aos aspectos sonoros e melódicos da linguagem. cas da doença e a simbologia na obra.
9. Enem Leia os trechos a seguir, extraídos de A hora da
Famigerado estrela, de Clarice Lispector, e responda às ques-
tões 11 e 12.
Com arranco, [o sertanejo] calou-se. Como arrepen-
dido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí (Há os que têm. E há os que não têm. É muito sim-
estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. ples: a moça não tinha. Não tinha o quê? É apenas isso
Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. mesmo: não tinha. Se der para me entenderem, está bem.
Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não Se não, também está bem. Mas por que trato dessa moça
me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um quando o que mais desejo é trigo puramente maduro e
orgulho indeciso. Redigiu seu monologar. ouro no estio?)
O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e [...]
coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, insequentes, (Ela me incomoda tanto que fiquei oco. Estou oco
como dificultação. A conversa era para teias de aranha.
FRENTE 2
desta moça. E ela tanto mais me incomoda quanto menos
Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir reclama. Estou com raiva. Uma cólera de derrubar copos
seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, e pratos e quebrar vidraças. Como me vingar? Ou melhor,
sonso, no me iludir, ele enigmava. E, pá: como me compensar? Já sei: amando meu cão que tem
— Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me mais comida do que a moça. Por que ela não reage? Cadê
ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-me- um pouco de fibra? Não, ela é doce e obediente.)
-gerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...? LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. 10. ed. Rio de Janeiro:
ROSA, J. G. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. Nova Fronteira, 1984. p. 32-33.
165
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 165 05/04/2024 16:13:59
11. UEL-PR 2020 Com base nos trechos e na leitura do conhecimento da espécie de ausência que tinha de si
romance, considere as afirmativas a seguir. em si mesma. Se fosse criatura que se exprimisse diria:
I. O uso da primeira pessoa explica-se por se tratar o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim. (Vai ser
de uma fala do narrador-personagem dirigida à difícil escrever esta história. Apesar de eu não ter nada
outra personagem da história. a ver com a moça, terei que me escrever todo através
II. A referência à intransitividade deliberada do ver- dela por entre espantos meus. Os fatos são sonoros mas
bo “ter” no trecho corresponde tanto a um uso entre os fatos há um sussurro. É um sussurro que me
peculiar da linguagem em outras passagens do impressiona).
livro quanto à insignificância da protagonista. (LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela.)
III. O fato de haver referência à personagem como “a Considerando o fragmento transcrito de “A hora da
moça” deve-se ao recurso de retardar o momento estrela” e o romance como um todo, assinale a alter-
de informar seu nome, o que ocorre apenas quan- nativa cujas informações preenchem corretamente
do ela encontra Olímpico. as lacunas do enunciado a seguir.
IV. O “trigo puramente maduro” constitui uma ima- A experiência de impessoalidade e __________ que
gem de esplendor que se caracteriza como o caracterizam Macabea evidenciam ___________
contrário do perfil da personagem da moça. existentes entre a protagonista e aquele que conduz
Assinale a alternativa correta.
o relato, ao mesmo tempo em que sensibilizam este
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
último e o levam a tentar transpor ____________ da
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
moça, exprimindo a situação enfrentada por ela. Essa
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
tentativa deverá ___________ da personagem, à me-
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
dida que inscrever, na história dela, os espantos que
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
experimenta na condição de narrador e que, inevita-
12. UEL-PR 2020 Sobre os trechos, assinale a alternativa velmente, atravessarão a sua escrita.
correta. a) a alienação / as diferenças / a incapacidade /
a) Os parênteses servem para o leitor se orientar aproximá-lo.
na narrativa: quando esses sinais são utilizados, b) a alienação / as diferenças / a revolta / aproximá-lo.
o narrador entra em cena para comentar; quando c) a alienação / as semelhanças / a revolta / aproxi-
são suprimidos, a narrativa se restringe à ação da má-lo.
protagonista. d) a alienação / as diferenças / a revolta / distanciá-lo.
b) A pergunta final no primeiro trecho entre parênte- e) o conformismo / as semelhanças / a incapacidade /
ses revela o desprezo que existe na relação entre distanciá-lo.
o narrador e a personagem, atitude predominante
daquele, na maior parte da narrativa. 14. UPF-RS No desfecho de A hora da estrela, de Clarice
c) O incômodo expresso pelo narrador-personagem Lispector, a personagem Macabéa sofre um atropela-
indica o descompasso entre ele e a protagonista, mento e morre. Em relação a esse desfecho, apenas
tanto no plano dos lugares sociais que cada um é incorreto afirmar que:
ocupa quanto no plano do temperamento. a) Após a cena do atropelamento, ao longo de vá-
d) O ímpeto de “derrubar copos e pratos e quebrar rias páginas, revela-se não apenas a indecisão
vidraças” é transportado do narrador-persona- do narrador, Rodrigo S. M., quanto ao destino
gem para a protagonista à medida que a narrativa que dará à sua protagonista, como também sua
avança e as adversidades se avolumam na traje- relutância em anunciar a morte de Macabéa ao
tória de Macabéa. leitor.
e) A indignação do narrador-personagem com a b) Ao final de sua agonia, Macabéa profere uma
falta de reação de Macabéa é equilibrada pela última e enigmática frase, “— Quanto ao futuro”,
constatação de sua obediência, traço de caráter justamente um dos doze títulos alternativos que fi-
admirado por ele, que garante a ela êxitos ex- guram no início do romance, junto ao título A hora
pressivos no plano afetivo e no profissional, com da estrela.
o desdobramento da narrativa. c) Por amarga ironia, Macabéa, que nunca desperta-
ra atenção maior das outras pessoas ao longo de
13. UPF-RS 2019 Quanto à moça, ela vive num limbo im-
toda a sua vida, encontra a sua “hora de estrela”
pessoal, sem alcançar o pior nem o melhor. Ela somente
no momento de morrer, ao se ver cercada por vá-
vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando. Na
verdade – para que mais que isso? O seu viver é ralo. Sim. rios desconhecidos que espiam seu corpo caído
Mas por que estou me sentindo culpado? E procurando no meio da rua.
aliviar-me do peso de nada ter feito de concreto em be- d) Após o atropelamento, Macabéa se entrega, re-
nefício da moça. [...] signada, à morte, pois em momento algum dera
[...] Vou agora começar pelo meio dizendo que – crédito às fantasiosas promessas de felicidade
que ela era incompetente, incompetente para a vida. futura que madama Carlota, a cartomante, lhe
Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava acabara de fazer.
166 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 166 05/04/2024 16:13:59
e) A narrativa de Lispector estabelece um diálo- Qual(is) está(ão) correta(s)?
go intertextual com o conto “A cartomante”, de a) Apenas I.
Machado de Assis, no qual também há uma per- b) Apenas II.
sonagem que, logo após visitar uma cartomante c) Apenas I e II.
e receber dela vaticínios auspiciosos, encontra a d) Apenas I e III.
morte. e) I, II e III.
15. ITA-SP O título do livro A hora da estrela, de Clarice 18. Udesc Analise as proposições em relação à obra
Lispector, diz respeito ao seguinte momento do A hora da estrela, Clarice Lispector.
romance: I. O tempo na obra é o psicológico, pois há uma
a) O despertar amoroso de Macabéa no namoro análise mais aprofundada dos personagens que
com Olímpico. revela, por meio da narrativa interior, o fluxo da
b) A descoberta de Macabéa de que Olímpico a consciência.
traía com Glória. II. A leitura da obra leva o leitor a inferir que, ao ser
c) A obtenção por Macabéa de um bom emprego atropelada, Macabéa descobre a sua essência,
como datilógrafa. desvelando a situação paradoxal de que ela só
d) A previsão do grande futuro de Macabéa, feita nasce, ou seja, só chega a ter consciência de si
pela cartomante. mesma, na hora da sua morte.
e) A morte de Macabéa, atropelada por um carro de III. Da leitura da obra infere-se que o fato de a au-
luxo. tora ter criado um personagem-narrador foi para
que ele relatasse a história com sentimentalismo,
16. UFRGS Assinale a alternativa correta sobre a obra descrevesse Macabéa com ternura e desse a ela
A hora da estrela, de Clarice Lispector. um final feliz.
a) Um dos aspectos mais marcantes de A hora da IV. Toda a narrativa é entrecortada pela metalin-
estrela é o caráter metaficcional da narrativa. guagem: é o narrador, Rodrigo S. M., tecendo
b) Rodrigo S. M. sente-se à vontade para narrar a his- ponderações em relação à posição e ao papel
tória de Macabéa. que o escritor ocupa na sociedade e, principal-
c) Macabéa tem laços fortes de amizade e compa- mente, sobre o ato de escrever.
nheirismo com todos que a cercam. V. Infere-se da leitura da obra que os apelos do
d) Macabéa é a típica moradora da zona sul do Rio mundo midiático afastavam os pensamentos de
de Janeiro, com seu jeito indolente e descontraído. Macabéa sobre a sua triste condição de sobrevi-
e) Macabéa transforma-se em uma cantora promis- vente no mundo. Era por meio da Rádio Relógio
sora, que se apresenta na Rádio Minuto. que ela contava as horas, os minutos, os segundos,
sem música para nutrir seus impossíveis sonhos.
17. UFRGS 2015 Considere os segmentos a seguir, reti-
Assinale a alternativa correta.
rados de Água viva, de Clarice Lispector.
a) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras.
Sei que depois de me leres é difícil reproduzir de b) Somente as afirmativas I, III e V são verdadeiras.
ouvido a minha música, não é possível cantá-la sem tê-la c) Somente as afirmativas II e III são verdadeiras.
decorado. E corno decorar uma coisa que não tem história? d) Somente as afirmativas I, II, IV e V são verdadeiras.
[...] e) Somente as afirmativas I, IV e V são verdadeiras.
Isto tudo que estou escrevendo é tão quente como um
ovo quente que a gente passa depressa de uma mão para 19. UFSC Nascera inteiramente raquítica, herança do ser-
a outra e de novo da outra para a primeira a fim de não tão – os maus antecedentes de que falei. Com dois anos
se queimar – já pintei um ovo. E agora como ria pintura de idade lhe haviam morrido os pais de febres ruins no
só digo: ovo e basta. sertão de Alagoas, lá onde o diabo perdera as botas.
Muito depois fora para Maceió com a tia beata, única
Leia as seguintes afirmações sobre os segmentos e parenta sua no mundo. Uma outra vez se lembrava de
a autora. coisa esquecida. Por exemplo a tia lhe dando cascudos
no alto da cabeça porque o cocoruto de uma cabeça
I. Clarice Lispector é a grande representante da
devia ser, imaginava a tia, um ponto vital. Dava-lhe
narrativa intimista brasileira, com sua prosa que
sempre com os nós dos dedos na cabeça de ossos fracos
explora a subjetividade, a partir do eu que absor-
por falta de cálcio. Batia mas não era somente porque
ve os temas do mundo.
ao bater gozava de grande prazer sensual – a tia que
FRENTE 2
II. O enredo, na narrativa, está a serviço das re- não se casara por nojo – é que também considerava de
flexões e dos sentimentos, motivo pelo qual é dever seu evitar que a menina viesse um dia a ser uma
possível chamá-la de prosa poética. dessas moças que em Maceió ficavam nas ruas de ci-
III. A narradora tem consciência da limitação da pala- garro aceso esperando homem. Embora a menina não
vra para representar a complexidade da vida e do tivesse dado mostras de no futuro vir a ser vagabunda
mundo, por isso se contenta com a palavra mínima/ de rua. Pois até mesmo o fato de vir a ser uma mulher
a palavra básica. não parecia pertencer à sua vocação. A 1mulherice só
167
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13.indd 167 10/04/2024 13:46:37
lhe nasceria tarde porque até no capim vagabundo há cedo em paz seus textos complexos e abstratos. Há na
desejo de sol. As pancadas ela esquecia, pois esperan- gênese dos seus contos e romances tal exacerbação
do-se um pouco a dor termina por passar. Mas o que do momento interior que, a certa altura do seu itinerá-
doía mais era ser privada da sobremesa de todos os dias: rio, a própria subjetividade entra em crise. O espírito,
goiabada com queijo, a única paixão de sua vida. Pois perdido no labirinto da memória e da autoanálise, re-
não era que esse castigo se tornara o predileto da tia clama um novo equilíbrio.
sabida? A menina não perguntava por que era sempre (Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira, 1994. Adaptado.)
castigada mas nem tudo se precisa saber e não saber
Tal comentário refere-se a
fazia parte importante de sua vida.
a) Jorge Amado. d) Guimarães Rosa.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro:
Rocco, 1999. p. 28. b) José Lins do Rego. e) Clarice Lispector.
c) Graciliano Ramos.
Com base no texto, na leitura do romance A hora da
estrela, lançado em 1977, e no contexto de sua publi- 21. Unioeste-PR 2020 Sobre o conto “Felicidade clan-
cação, assinale a(s) proposição(ões) correta(s). destina”, de Clarice Lispector, é CORRETO afirmar que:
Macabéa, personagem central de A hora da es- a) traz um protagonista masculino, o que é típico do
trela, mantém ao longo da vida uma crença cega universo ficcional desta escritora.
na igreja, traço incutido pela tia beata que a obri- b) traz um narrador masculino envolvido por perso-
gara a decorar e a repetir os padre-nossos e as nagens femininas, como estratégia de reafirmação
ave-marias desde menina. da posição feminina no universo ficcional.
No romance A hora da estrela, a autora tentou c) traz um narrador feminino, marcado pela falta, por
ocultar-se por trás do pseudônimo de Rodrigo S. M., uma carência que são típicas da humanidade tal
um narrador onisciente intruso que busca o tem- como costuma ser descrita no universo ficcional
po todo problematizar o processo de criação. desta escritora.
O vocábulo “mulherice” (ref. ) é um neologismo de- d) traz como narrador-protagonista uma persona-
rivado do substantivo “mulher”. Diferentemente da gem imbuída de bastante poder, para questionar
condição física atribuída automaticamente às pes- a forma como ela lida com ele cotidianamente.
soas do sexo feminino, o narrador dá a entender e) traz uma narradora observadora, que critica o
que a “mulherice” seria constituída pela persona- comportamento masculino para reafirmar-se dian-
gem ao longo do tempo, física e psicologicamente. te dos homens.
A datilógrafa Macabéa adorava goiabada com
queijo, divertia-se recortando anúncios de jornais As questões 22 e 23 referem-se ao texto a seguir.
velhos, bebia o mesmo refrigerante que todos
Se eu fosse eu
bebem, passeava aos finais de semana no cais e
dividia seu quarto com outras cinco meninas, to- Quando não sei onde guardei um papel importante
e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e
das de nome Maria. Essa associação de Macabéa
tivesse um papel importante para guardar, que lugar es-
a banalidades, gostos, comportamentos e pes-
colheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão
soas comuns ajuda a compor a imagem de uma
pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura
mulher sem traços próprios, cópia sem viço de
do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria
tantas outras sertanejas indigentes.
melhor, sentir.
O romance de Clarice Lispector distancia-se, E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você,
pelo tempo e pela temática, da geração de ; como seria e o que faria? Logo de início se sente um cons-
ainda carrega parte da crítica social característi- trangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou
ca daquele momento, mas a imagem da menina de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara.
cuja herança do sertão é o raquitismo de retirante No entanto, já li biografias de pessoas que de repente
fica em segundo plano, ganhando maior relevo a passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de
problemática da modernização das cidades de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me
Maceió e do Rio de Janeiro, locais onde Macabéa cumprimentariam na rua porque até a minha fisionomia
tenta ganhar a vida. teria mudado. Como? Não sei.
O título da obra revela forte ironia, tendo em vista Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não
que é algo que nunca se concretiza: a hora da es- posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo mo-
trela, quando finalmente Macabéa brilharia tal qual tivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria
suas artistas de cinema preferidas, não ocorre, de- tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro. “Se eu
vido ao acidente fatal sofrido pela protagonista. fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de vi-
Soma: ver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto
tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas
20. Unifesp 2018 O uso intensivo da metáfora insólita, loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência
a entrega ao fluxo da consciência, a ruptura com o do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno
enredo factual foram constantes do seu estilo de nar- a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos
rar. Os analistas à caça de estruturas não deixarão tão a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de
168 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 168 05/04/2024 16:14:00
um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivi- O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se
nhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como
porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conse-
pudor que se tem diante do que é grande demais. guem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os
Rocco, 1999. (Adaptado). bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não
se importam que saibam que eles sabem.
22. Cefet-MG 2019 A possibilidade alavancada pela ex- Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bo-
pressão que dá título ao texto manifesta-se na bas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil).
a) falta de sentido da vida. Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos
b) aceitação das incertezas. perdem por não nascer em Minas!
c) inutilidade das coisas materiais. Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando
d) desestabilização das aparências. por cima das casas. É quase impossível evitar o excesso
de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de
23. Cefet-MG 2019 No segundo parágrafo, as perguntas excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
explicitam LISPECTOR, Clarice. Das vantagens de ser bobo. Disponível em:
http://www.revistapazes.com/das-vantagens-de-ser-bobo/. Acesso em
a) vozes das personagens.
10 de maio de 2017. Originalmente publicado no Jornal do Brasil
b) interlocuções com o leitor. em 12 de setembro de 1970.
c) dúvidas existenciais da autora.
d) reflexões filosóficas sobre o assunto. 24. IME-RJ 2018 Considere o trecho abaixo:
Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que
Texto para as questões 24 e 25. ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam
que eles sabem.
DAS VANTAGENS DE SER BOBO
A autora discorre sobre a posse de um saber. A respei-
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo to desse saber, podemos afirmar que
para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar
a) os bobos que se fazem de bobos estão prati-
sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado
cando, na verdade, a sabedoria que os espertos
por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo.
deveriam ter.
Estou pensando.”.
b) os bobos que aparentemente se fazem de bobos
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque
os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, estão praticando, na verdade, a sabedoria dos
e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem espertos.
a ideia. c) os bobos, por serem naturalmente criativos, com-
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os es- provam possuir a sabedoria necessária para vencer.
pertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às d) os bobos, por serem naturalmente criativos, não
espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, permitem que ninguém desconfie de sua dissimu-
e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo lada esperteza, que nada mais é do que produto
ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca de sua criatividade; assim definimos sua estraté-
parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é gia para vencer na vida.
um Dostoievski. e) os bobos acabam por se tornar espertos e, por
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por isso, ganham as lutas da vida, já que não se im-
exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para portam que “saibam que eles sabem”.
a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse
que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se 25. IME-RJ 2018 Sobre as considerações a respeito de
mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o ser esperto vs. ser bobo encontradas no texto, assi-
aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Cha- nale o par de análises que destoa das considerações
mado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho feitas pela autora.
estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais a) Os espertos pretendem conquistar o mundo pela
valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem sagacidade; o bobo ganha o mundo por sua es-
de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto es-
pontaneidade.
tar tranquilo, enquanto o esperto não dorme à noite com
b) Os espertos muitas vezes atingem seus objetivos;
medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no
os bobos podem ser facilmente ludibriados.
estômago. O bobo não percebe que venceu.
c) O esperto preocupa-se todo o tempo em entender
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvan-
FRENTE 2
tagem: pode receber uma punhalada de quem menos o mundo para tirar proveito desse entendimento;
espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César ser bobo é sentir o mundo e tomar parte nele.
terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”. d) Os sentimentos do esperto são mais intensos que
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! os do bobo; o coração do bobo é pouco acessível.
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem es- e) O esperto é prevenido; o bobo muitas vezes pre-
tar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria cisa lidar com complicações em que se mete por
morrido na cruz. ser bobo.
169
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 169 05/04/2024 16:14:00
26. Enem b) revela o conflito vivido pela personagem entre o
tipo de vida que havia escolhido e as coisas que
Declaração de amor passou a desejar.
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. c) constitui, para a personagem, uma alteração no
Ela não é fácil. Não é maleável. [...] A língua por- modo de vida que antes a fazia sofrer e do qual
tuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. agora havia se libertado.
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das d) remete à excitação da personagem por ter con-
pessoas a primeira capa de superficialismo.
seguido harmonizar sua antiga vida com os novos
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais
desejos e sensações.
complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de
uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar 28. UFPR 2020 Em Morte e vida severina, Severino é um
montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes a retirante que sai do interior com a intenção de chegar
galope. Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao ao litoral, à cidade do Recife. Quando atinge a Zona da
máximo em minhas mãos. E este desejo todos os que es- Mata, última região antes da chegada ao Recife, diz ele:
crevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram
para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. — Nunca esperei muita coisa,
Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do digo a Vossas Senhorias.
pensamento alguma coisa que lhe dê vida. O que me fez retirar
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do não foi a grande cobiça;
encantamento de lidar com uma língua que não foi apro- o que apenas busquei
fundada. O que recebi de herança não me chega. foi defender minha vida
Se eu fosse muda e também não pudesse escrever, da tal velhice que chega
e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu antes de se inteirar trinta;
diria: inglês, que é preciso e belo. Mas, como não nasci se na serra vivi vinte,
muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para se alcancei lá tal medida,
mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu o que pensei, retirando,
até queria não ter aprendido outras línguas: só para que foi estendê-la um pouco ainda.
a minha abordagem do português fosse virgem e límpida. Mas não senti diferença
LISPECTOR, C. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro:
entre o Agreste e a Caatinga,
Rocco, 1999. (Adapt.). e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
O trecho em que Clarice Lispector declara seu amor Está apenas em que a terra
pela língua portuguesa, acentuando seu caráter patri- é por aqui mais macia;
monial e sua capacidade de renovação, é: está apenas no pavio,
a) a “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio ou melhor, na lamparina:
para quem escreve”. pois é igual o querosene
b) “Um Camões e outros iguais não bastaram para nos que em toda parte ilumina,
dar para sempre uma herança de língua já feita”. e quer nesta terra gorda
c) “Todos nós que escrevemos estamos fazendo do tú- quer na serra, de caliça,
mulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida”. a vida arde sempre
d) “Mas não falei do encantamento de lidar com uma com a mesma chama mortiça.
língua que não foi aprofundada”. […]
e) “Eu até queria não ter aprendido outras línguas: Sim, o melhor é apressar
só para que a minha abordagem do português o fim dessa ladainha,
fim do rosário de nomes
fosse virgem e límpida”.
que a linha do rio enfia;
27. Unicamp-SP 2017 No conto “Amor”, de Clarice Lispector, é chegar logo ao Recife,
após ver um cego mascando chicletes, a personagem derradeira ave-maria
passa por uma situação que, segundo o narrador, ela do rosário, derradeira
própria chama de “crise”: invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era e esta minha viagem se finda.
o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo (MELLO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro:
espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha Nova Aguilar, 1994, p. 186-187.)
ganho uma força e vozes mais altas.
Considerando o trecho citado e a leitura integral do
LISPECTOR, Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 23.
auto de João Cabral de Melo Neto, assinale a alter-
Essa crise, que transforma a relação da personagem nativa correta.
com o mundo e com a família, a) O auto de João Cabral foi concluído em ,
a) nasce do colapso da vontade de viver da perso- tempo em que ainda se iluminavam as casas
nagem, em razão do doloroso prazer com que com lamparinas, e, nessa situação, a percepção
passou a ver as coisas. que Severino tem dos lugares que conhece é
170 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 170 05/04/2024 16:14:00
prejudicada pelas limitações da época e por sua e) Os personagens da peça de Guarnieri são con-
própria ignorância. siderados alegóricos, porque não apresentam
b) A comparação de Recife com a “derradeira ave- conflitos psicológicos, enquanto os de João Cabral
-maria/ do rosário”, assim como as várias rezas são personagens individualizados e diversos
que Severino testemunha ao longo da viagem, entre si.
mostra a presença constante da religiosidade
como um fator de atraso na vida dos nordestinos. 30. UEG-GO 2018 Observe a imagem e leia o poema a
c) Ao final, fica claro para o leitor que a vida no Recife seguir para responder à questão.
também seria semelhante à das regiões menos
desenvolvidas da Caatinga, do Agreste e da Zona
da Mata, porque a pobreza não é causada pelas
condições naturais, mas por uma estrutura social
excludente.
d) O empenho social de João Cabral de Melo Neto
é o de sugerir aos retirantes que não saiam de
sua terra, visto que, sem preparo, eles enfrentam
dificuldades enormes no Recife, valendo mais a
pena procurar desenvolver sua própria região.
e) Ao chegar ao Recife, Severino ouve uma longa
conversa entre dois coveiros e, percebendo que
sua viagem havia sido inútil, entende a conversa
como uma sugestão e se suicida, atirando-se no
rio Capibaribe.
29. UFPR 2019 Anatol Rosenfeld, um importante estudio-
so da cena teatral brasileira, faz no trecho abaixo uma
síntese que explica as motivações para o emprego de FRANCO, Siron. O aliado (1978), Óleo sobre tela. Disponível em:
recursos narrativos na dramaturgia que, segundo ele, <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra12757/o-aliado>.
Acesso em: 24 ago. 2017.
começa a ser realizada no Brasil ao fim da década de
50 do século XX. Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
O uso de recursos épicos por parte de dramaturgos De um que apanhe esse grito que ele
e diretores teatrais não é arbitrário, correspondendo, ao e o lance a outro; de um outro galo
contrário, a transformações históricas que suscitam o surgir que apanhe o grito de um galo antes
de novas temáticas, novos problemas, novas valorações e
e o lance a outro; e de outros galos
novas concepções de mundo.
que com muitos outros galos se cruzem
(ROSENFELD, Anatol: O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 12.)
os fios de sol de seus gritos de galo,
Considerando o trecho citado e a leitura integral de para que a manhã, desde uma teia tênue,
Morte e Vida Severina, Auto de Natal Pernambucano, se vá tecendo, entre todos os galos.
de João Cabral de Melo Neto, e Eles não usam Black-tie, E se encorpando em tela, entre todos,
de Gianfrancesco Guarnieri, assinale a alternativa se erguendo tenda, onde entrem todos,
correta. se entretendendo para todos, no toldo
a) O auto de João Cabral de Melo Neto utiliza o (a manhã) que plana livre de armação.
verso e recursos da tradição oral popular do A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
Nordeste para reforçar o caráter religioso da que, tecido, se eleva por si: luz balão.
peça, excluindo indícios de crítica social aos MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a manhã. Disponível em: <http://
problemas regionais. www.jornaldepoesia.jor.br/joao02.html>. Acesso em: 24 ago. 2017.
b) O conflito entre pai e filho em Eles não usam Black- A leitura da pintura e do poema permite que se entre-
-tie transpõe para o ambiente cotidiano de uma veja a importância da
família os conflitos e impasses da classe operária a) expectativa de pessoas e animais que anseiam
diante dos desmandos dos patrões. pela construção de um mundo melhor.
c) A peça de Guarnieri faz referências à cultura e ao b) solidariedade e da comunicação para a constru-
FRENTE 2
ambiente da favela, incluindo até letras de sam- ção de vínculos e de novas realidades.
bas antigos, o que reforça a imagem idealizada c) ênfase a sentidos que se estabelecem por meio
do morro e da figura do malandro. do isolamento individual.
d) Morte e vida Severina utiliza versos de metrifica- d) indiferença e da informação para constituir narra-
ção idêntica em todo o texto, o que prejudica o tivas ficcionais de caráter social.
ritmo musical e melódico, ao contrário do que se e) caracterização literal de figuras cujo retrato meta-
observa na peça de Guarnieri. foriza o desencontro entre os seres.
171
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 171 05/04/2024 16:14:00
31. UFRGS 2020 Leia o fragmento da canção “Funeral de ao Classicismo, como a presença de versos livres
um lavrador”, feita por Chico Buarque de Holanda, em e brancos.
1968, a partir da obra Morte e vida Severina (Auto de o verbo “jazer” no poema remete ao significado de
Natal pernambucano), de João Cabral de Melo Neto. “estar sepultado”. Tal sentido é negado pelo poe-
É uma cova grande pra tua carne pouca
ta ao afirmar que “Nesta terra ninguém jaz” (ref. ),
Mas a terra dada, não se abre a boca pois a terra não envolve o corpo, tal qual mortalha,
É a conta menor que tiraste em vida como o mar não envolve o rio; ambos misturam-se,
É a parte que te cabe deste latifúndio integram-se, passam a fazer parte um do outro.
É a terra que querias ver dividida as formas verbais “vem” (ref. ) e “vêm” (ref. ) são
Estarás mais ancho que estavas no mundo variantes da a pessoa do plural do presente do
Mas a terra dada, não se abre a boca indicativo do verbo “ver”.
o tema principal do poema “Cemitério pernam-
Considere as afirmações abaixo, sobre o fragmento.
bucano”, a reforma agrária, contrasta com o de
I. O tema da reforma agrária, recuperado por Chico
Morte e vida severina: auto de Natal pernambu-
Buarque de Holanda, também está presente no
cano, cujo foco é denunciar a falta de cemitérios
Auto de João Cabral de Melo Neto.
e de maternidades públicas para acolher as vidas
II. A magreza do lavrador faz a cova parecer um
ceifadas pela morte e as que chegavam unica-
latifúndio.
mente pelas mãos das parteiras sertanejas.
III. A morte, para o lavrador pobre, parece ser mais
ao longo do poema, percebe-se o uso de con-
vantajosa do que a miséria em vida.
junções e locuções conjuntivas. É o que ocorre
Quais estão corretas?
nas referências , , e , em que elas denotam,
a) Apenas I.
respectivamente, explicação, adição, conclusão e
b) Apenas II.
consequência.
c) Apenas III.
em Paisagens com figuras, coletânea na qual o
d) Apenas II e III.
poema “Cemitério pernambucano” foi publicado
e) I, II e III.
pela primeira vez, há poemas que aludem à seca,
32. UFSC à pobreza e ao vazio, permitindo que o poeta
estabeleça paralelos com a Espanha, local onde
Cemitério pernambucano João Cabral de Melo Neto atuou como diplomata.
(Nossa Senhora da Luz) Soma:
Nesta terra ninguém jaz,
33. UFJF/Pism-MG
pois também não jaz um rio,
noutro rio, nem o mar O futebol brasileiro evocado da Europa
é cemitério de rios. A bola não é inimiga
Nenhum dos mortos daqui como o touro, numa corrida;
vem vestido de caixão. e embora seja um utensílio
Portanto, eles não se enterram, caseiro e que não se usa sem risco,
são derramados no chão. não é o utensílio impessoal,
Vêm em redes de varandas sempre manso, de gesto usual:
abertas ao sol e à chuva. é um utensílio semivivo,
Trazem suas próprias moscas. de reação própria como bicho,
O chão lhes vai como luva. e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
Mortos ao ar-livre, que eram, usar com malícia e atenção
hoje à terra-livre estão. dando aos pés astúcia de mão.
São tão da terra que a terra MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1992. p. 407.
nem sente sua intrusão.
MELO NETO, João Cabral de. Melhores poemas. Seleção de Antonio O poema de João Cabral de Melo Neto estabelece
Carlos Secchin. São Paulo: Global, 2010. p. 108.
uma comparação que se fundamenta:
Com base na variedade-padrão escrita da língua por- a) na personificação da bola para aproximá-la da
tuguesa, na leitura do texto, lançado inicialmente em imagem de um ser vivo.
Paisagens com figuras (1955), nos demais poemas de b) na relação entre o uso do touro em esportes na
João Cabral de Melo Neto presentes em Melhores Europa e a bola como utensílio doméstico.
poemas e no contexto de sua publicação, é correto c) na representação da figura feminina, que é iguala-
afirmar que: da a um objeto ou um bicho.
embora tenha sido escrito em meados do século d) na diferença entre o estilo do futebol europeu e
XX, o poema “Cemitério pernambucano”, de João o do brasileiro.
Cabral de Melo Neto, é um soneto e, como tal, traz e) na ideia de que o futebol é um esporte sedutor
consigo algumas características que remontam através da referência à malícia e à mulher.
172 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 172 05/04/2024 16:14:00
34. ITA-SP O poema a seguir, de João Cabral de Melo Neto, integra o livro A escola das facas.
A voz do canavial
Voz sem saliva da cigarra, ao vento que por suas folhas,
do papel seco que se amassa, de navalha a navalha, soa,
de quando se dobra o jornal: vento que o dia e a noite toda
assim canta o canavial, o folheia, e nele se esfola.
Sobre o poema, é incorreto afirmar que a descrição
a) compara o som das folhas do canavial com o da cigarra.
b) põe em relevo a rusticidade da plantação de cana-de-açúcar.
c) destaca o som do vento que passa pela plantação.
d) associa o som do canavial com o amassar das folhas de papel.
e) faz do vento a navalha que corta o canavial.
35. UPE Em relação a Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, coloque V para as afirmativas verdadeiras e
F para as falsas.
Trata-se do relato da história de um retirante que, tomando como modelo Vidas secas, deixa seu torrão natal e
vai para a metrópole em busca de melhor qualidade de vida. Assim, Severino, protagonista do Auto de Natal per-
nambucano, chega a Recife e consegue ascender socialmente, pois é contratado para trabalhar em uma fábrica
atingindo seus objetivos.
Integra o texto cabralino uma cena intitulada “Funeral do lavrador”, composta por redondilhas, a qual foi musica-
da por Chico Buarque de Holanda, na década de 1970, momento de plena ditadura. Contudo, o texto não sofreu
nenhuma censura do sistema constituído, por não apresentar ideologia, na época, considerada subversiva.
Morte e vida severina segue a estrutura de um auto. Como romance que é, em treze capítulos, a personagem
central desloca-se da Serra da Costela, situada no interior de Alagoas, vem margeando o Rio Capibaribe, chega
ao Recife, onde se encontra com Mestre Carpina.
O texto de João Cabral é composto por versos metrificados, redondilhas, em uma perfeita harmonia entre a per-
sonagem e a linguagem, peculiar à literatura popular desde os autos do teatrólogo português Gil Vicente até a
atualidade.
Nos versos: “E se somos Severinos / iguais em tudo na vida, / morremos de morte igual, / mesma morte severina: /
que é a morte de que se morre / de velhice antes dos trinta”, encontramos o uso de aliterações que trazem
musicalidade ao texto. Além disso, a palavra severina exerce uma função adjetiva, pois qualifica o substantivo
“morte” de modo criativo e inusitado.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.
a) F – F – F – V – V
b) V – V – V – F – V
c) V – V – F – F – V
d) V – F – V – F – V
e) V – V – V – F – F
36. Unifesp
O nada que é
Um canavial tem a extensão Ante um canavial a medida
ante a qual todo metro é vão. métrica é de todo esquecida,
Tem o escancarado do mar porque embora todo povoado
que existe para desafiar povoa-o o pleno anonimato
que números e seus afins que dá esse efeito singular:
possam prendê-lo nos seus sins. de um nada prenhe como o mar.
FRENTE 2
MELO NETO, João Cabral. Museu de tudo e depois. 1988.
Ao comparar o canavial ao mar, a imagem construída pelo eu lírico formaliza-se em
a) um eufemismo entre a ideia de metro e a de medida.
b) um paradoxo entre a ideia de nada e a de imensidão.
c) uma assimetria entre a ideia de nada e a de anonimato.
d) uma descontinuidade entre a ideia de mar e a de canavial.
e) uma contradição entre a ideia de extensão e a de canavial.
173
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 173 05/04/2024 16:14:00
BNCC em foco
EM13LP07 EM13LP03
1. Leia o texto de Massaud Moisés sobre tempo psico- 3.
lógico.
Museu de Arte Moderna, Nova York
É que o tempo psicológico se opõe frontalmente ao
outro: como o próprio adjetivo “psicológico” sugere, ainda
na mais corriqueira de suas conotações, essa forma de
tempo aborrece ou ignora a marcação do relógio. Tempo
interior, imerso no labirinto mental de cada um, apenas
cronometrado pelas sensações, ideias, pensamentos, pe-
las “vivências”, em suma, que, como sabemos, não têm
idade: pertence à experiência mais corriqueira, repetida
diariamente, saber como não significa nada, em última
análise, afirmar que determinada sensação ocorreu há dez
anos, vinte dias, etc.
MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa II. 15. ed. São Paulo:
Cultrix, 1994. p. 107. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/
disponiveis/8/8150/tde-24082007-152437/publico/TESE_VERA_MARIA_
MIRANDA_LEAO_BRITO.pdf. Acesso em: 21 mar. 2024.
Broadway Boogie-Woogie é a última pintura que
Considere o texto de Massaud Moisés e comente como
Mondrian completou. Nas fases iniciais de sua gênese,
o tempo psicológico da novela Campo Geral contribui os dois desenhos de 1942 da Coleção Newman, ainda
para compor a dimensão lírica da narrativa. apresenta muitos pontos de coincidência com a pintura
EM13LP48
que a precedeu, New York City I. Nos estudos preliminares
2. Segundo Wolfgang Kayser, a supressão da função me- o ritmo da pintura é determinado pelas longas linhas da
grade, enquanto outros acentos indicam a inserção de
diadora do narrador é ruinosa para a ficção. É que
pequenas faixas de cor ilimitada, característica das alte-
tradicionalmente coube ao narrador, como eixo em torno
rações animadoras que Mondrian fez em Nova York nas
do qual revolve a narração, garantir a ordem significativa
pinturas de seus últimos anos em Europa. Um exemplo de
da obra e do mundo narrado. No entanto, se esta ordem
uma pintura tão alterada é Composition London, que em
é posta em dúvida, a ausência do organizador e a supres- seu estado atual – isto é, após as mudanças que Mondrian
são de uma ordem ilusória certamente se justificam. fez nele em Nova York – deve ser aproximadamente con-
Trata-se, no fundo, de uma radicalização do romance temporâneo aos esboços de Boogie-Woogie da Broadway.
psicológico e realista do século passado; mas este excesso BROADWAY Boogie-Woogie, 1942 de Piet Mondrian. Piet Mondrian:
levou a consequências que invertem por inteiro a forma do Biography, Paintings, & Quotes, [s.d.]. Disponível em: https://www.piet-
mondrian.org/broadway-boogie-woogie.jsp. Acesso em: 21 mar. 2024.
romance tradicional. A enfocação microscópica aplicada
à vida psíquica teve efeitos semelhantes à visão de um A obra Boogie-Woogie de Mondrian é considerada o
inseto debaixo da lente do microscópio. [...] ápice de sua produção estética. A pintura repleta de
ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno. In: pequenos quadrados, apesar de abstrata, inspira-se
ROSELFELD, Anatol. Texto/contexto. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 84.
nas referências das ruas de Manhattan e no ritmo do
Selecione dois textos da prosa de Clarice Lispector estilo musical boogie woogie.
em que o foco narrativo esteja em consonância com Considere a forte influência das artes plásticas, espe-
a abordagem feita por Anatol Rosenfeld no capítulo cialmente de Mondrian, na poética do pernambucano
“Reflexões sobre o romance moderno”. Escreva uma João Cabral de Melo Neto. Explique por que a inspira-
resenha para tratar da radicalização da autora em re- ção do quadro pode ser associada com a inspiração
lação ao romance tradicional. poética de Cabral.
174 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 13 As inovações literárias do Modernismo
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_137_174_f2_c13_P4.indd 174 05/04/2024 16:14:01
Cortesia Projeto Hélio Oiticica
Foto: Jaime Acioli
A imagem “Seja marginal, seja herói”, de
Hélio Oiticica, serviu de poema-bandeira para
o movimento Poesia Marginal, que marcou a
produção literária da década de 1970.
FRENTE 2
14
CAPÍTULO Pós-Modernismo e contemporaneidade
Neste capítulo, vamos nos aprofundar na prosa e na poesia do Pós-Modernismo.
Os escritores desse período compartilharam uma preocupação com a lingua-
gem; poetas e prosadores se dedicaram a inovar linguística e esteticamente.
Na obra dos autores mais contemporâneos, vamos observar a interseção
entre História e Literatura, além do uso de estratégias metaficcionais.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 175 09/04/2024 11:35:27
Concretismo, Neoconcretismo e estilo de vida estadunidense, o American way of life.
A ressignificação a partir de sua reprodução em série am-
desdobramentos pliava com cores impactantes as imagens de ícones do
A representação da palavra de forma concreta já mundo artístico, como Elvis Presley e Marilyn Monroe.
havia sido uma forma de marcar a vanguarda da poesia No Brasil, o contexto similar de industrialização e con-
na literatura francesa do início do século XX. Guillaume sumo foi impulsionado pelo Plano de Metas do governo
Apollinaire (-) propôs a junção de palavra e ima- Juscelino Kubitschek, cujo slogan era “Cinquenta anos em
gem nos seus caligramas (caligrafia e ideograma), poemas cinco”. O plano incentivava o desenvolvimento dos setores
escritos representando imagens. A inspiração vinda das de energia, indústria e transporte, além da construção da
vanguardas europeias, especialmente do Cubismo e do nova capital do país, Brasília.
Surrealismo, ganhou força a partir de encontros com artistas A produção literária desse momento histórico foi volta-
como Georges Braque, Pablo Picasso e Henri Matisse. da à imagem e à concretude da palavra. Os irmãos Augusto
Apesar da inovação, Apollinaire priorizava a imagem, a qual de Campos e Haroldo de Campos reuniam-se com o ami-
se sobrepunha ao significado das palavras seleciona- go Décio Pignatari para tratar de arte e literatura, além de
das em seus textos. No Brasil, os poetas que seguiram criarem poemas concretos com o intuito de dar destaque à
caminho similar no Concretismo privilegiavam a palavra, materialidade do texto a partir do aspecto verbivocovisual,
radicalizando a poesia tradicional mediante depuração do ou seja, do trabalho minucioso da palavra, da sua produção
verso e eliminação da sintaxe. sonora e da imagem. O lançamento oficial do movimento
chamado Concretismo ocorreu em , na Exposição
Guillaume Apollinaire
Nacional de Arte Concreta do Museu de Arte Moderna de
São Paulo. No entanto, desde , o grupo já publicava
sua proposta de ruptura na Revista Noigandres, a qual
teve cinco números lançados.
Eduardo Knapp/Folhapress
Os cavaleiros do Concretismo.
Reprodução
Caligrama de Guillaume Apollinaire.
O contexto que levou os poetas à fragmentação literá-
ria foi marcado pela incerteza do pós-guerra, em meados do
século XX. A polarização do mundo causada pela Guerra
Fria, o avanço do crescimento industrial, a velocidade da
informação, o estímulo ao consumo e a massificação da
cultura pelos veículos de comunicação foram fatores que
contribuíram com a crise nas formas de expressão cultural
e da escrita literária.
As novas formas de expressão representavam o consu-
mo desenfreado apoiado no capitalismo da era da imagem.
A Pop Art de Andy Warhol usava a serigrafia para abordar
a ideia do objeto massificado e sua reprodução em série,
no intuito de criticar o comportamento da época pautado no Capa da Revista Noigrandes de número 1 (1952).
176 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 176 03/04/2024 14:25:57
O grupo rompeu com a poesia convencional, mas do poema há placas de trânsito, com a indicação “proibido
também se distanciou da proposta de poesia figurativa, a virar à esquerda” e “direita livre”.
exemplo dos poemas de Apollinaire, que provocam o leitor Outra produção de Augusto de Campos associada a
a participar da construção poética, como um planejador um momento específico vivenciado no Brasil é o poema
capaz de construir a própria leitura. Nesse sentido, a poesia “Viva vaia”, dedicado a Caetano Veloso em , na oca-
concreta é plural e aberta a múltiplos significados. sião dos Festivais de Música Popular Brasileira. Na edição
Os poemas concretos são resultantes de uma postura de , durante a eliminatória, na qual Caetano apre-
crítica acerca das formas dispostas no espaço gráfico, cuja sentou a canção “É proibido proibir” com Os Mutantes, o
ruptura com o lirismo poético valoriza, sobretudo, a palavra cantor recebeu vaias do público. A música se baseava em
e o jogo semântico promovido pela justaposição de pala- um slogan do movimento estudantil ocorrido na França.
vra e imagem. Por essa razão, o ideograma suplanta a ideia O poeta concreto Augusto de Campos brincou com o jogo
do caligrama da poesia francesa. de palavras “vaia viva” como um elogio à inovação van-
A primeira série de poemas concretos publicados em guardista que provocou a vaia, o que não desmerece o ato
foi de Augusto de Campos, intitulada Poetamenos. de vaiar um artista, ao contrário, a vaia é vista como uma
Nos textos, é possível ver que a sintaxe convencional foi forma de celebrar o desconforto provocado pela atuação
abandonada, já que as palavras ganharam uma estrutu- no campo artístico.
ra planejada por meio do espaço gráfico. Na época, os O conhecimento e a experiência na área da linguística
recursos para a criação visual exigiram que os poetas im- levaram Décio Pignatari a publicar o primeiro livro sobre
primissem diversas vezes o texto até atingir o objetivo de o assunto no Brasil, em , Informação, linguagem,
diagramação e cor. comunicação. Ele criou poemas com apelo à semiótica,
teoria que propõe o uso de signos e formas que assumem
“Antir-ruído”, poema de Augusto de Campos. In: VIVA VAIA - Poemas
1949-1979. São Paulo, Ateliê Editorial, 2001 © Augusto de Campos.
a construção de significado no campo da comunicação.
Em seu poema denominado “Beba Coca Cola”, a lin-
guagem publicitária utiliza os recursos visuais, como formato
da letra e cores da propaganda de um refrigerante, para
fazer crítica ao capitalismo, analisado como rasteiro e vil
no último termo disposto: “cloaca”. A oposição à manipu-
lação e à imagem do imperialismo dos Estados Unidos se
manifesta na injunção dos verbos imperativos, o que torna
o poema um slogan.
No poema “hombre hambre hembra”, Pignatari propõe
ao leitor dar múltiplos significados ao texto, associando de
forma lúdica termos em espanhol (homem, fome, fêmea) e
sua disposição na página em branco.
No poema hombre hambre hembra (1958), o poeta utiliza
pares mínimos da língua espanhola “hombre” (homem), “hambre”
(fome) e “hembra” (fêmea), destacando-se nos níveis gráfico e
fonético esta distinção. A abertura do poema concreto ao lance
de dados do conteúdo expresso alça a interpretação literária
ao nível da sugestionabilidade, nos permitindo visualizar, por
uma leitura heteronormativa, o possível encaixamento entre os
blocos superior e inferior como a pretensa complementariedade
os gêneros sexuais e a fome [...] presente nos espaços vazios que
anseio, famigeradamente por serem preenchidos, ou ainda, o
grave problema social da fome entre os homens.
Anti-ruído (1964), poema concreto de Augusto de Campos que figura entre
os chamados pop concretos. VIEIRA, Julio Henrique; HOLSEL, Evelina. A signagem de Décio Pignatari.
Revistas USP, dez. 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/esse/
Os “pop concretos” são imagens extraídas de jornais article/download/127626/124679/243596. Acesso em: 21 mar. 2024.
com base na técnica dadaísta ready-made de Marcel Haroldo de Campos, entre as inovações poéticas dos
Duchamp, vertente vanguardista que antecedeu e inspirou “Cavaleiros do Concretismo”, provocou jogos linguísticos
os poetas concretos na ousadia no campo artístico. e relações entre os sons das palavras, utilizando com fre-
Posteriormente, a poesia concreta expressou des- quência as figuras de linguagem aliteração e assonância.
FRENTE 2
contentamento com o cenário político brasileiro, algo que O uso de trocadilhos, além da engenhosidade do raciocínio,
Augusto de Campos representou em seu poema “Olho por aproximou o poeta do baiano barroco Gregório de Matos
olho”, publicado em . A ausência de palavras e a pre- Guerra, autor sobre o qual dedicou estudo e tratou no livro
sença de olhos aludem à censura do momento histórico O sequestro do Barroco, publicado em .
de opressão à cultura, à democracia e aos direitos civis. A postura social de Haroldo de Campos visa ao en-
O título remete à Lei de Talião, que visa à rigorosa recipro- cadeamento com o formato revolucionário da poética de
cidade do crime e da pena, chamada retaliação. No alto Maiakóvski e do cubo-futurismo soviético. Em seu longo
177
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 177 09/04/2024 11:36:00
poema “Servidão de passagem”, o autor apresenta o rom- Estabelecendo relações
pimento com a expectativa de leitura ao associar palavras
de campos semânticos distintos, porém com sonoridade Arnaldo Antunes é um artista ligado às artes visuais da con-
similar. O exercício da leitura induz à reflexão sobre o con- temporaneidade. A exposição “Palavra em movimento”,
realizada em cidades brasileiras, é a compilação de vários
texto de violência promovido, por exemplo, pelos termos
trabalhos – colagens, adesivos, fotografias, cartazes –
“soldado”, “sovado”, “sangrado”.
que o artista criou ao longo da carreira, os quais remetem
a propostas inovadoras de experimentação da palavra
Os desdobramentos do Concretismo: com o espaço, como fizeram os artistas do Concretismo
Ferreira Gullar e o Neoconcretismo e do Neoconcretismo. Saiba mais sobre a exposição em:
O Neoconcretismo foi um movimento dissidente do https://revistacontinente.com.br/secoes/curtas/palavra-
Concretismo, em que os autores, liderados por Ferreira em-movimento.
Gullar, acreditavam haver pouca interação do leitor com o Toda a poesia do multiartista brasileiro emerge em
texto criado pelo artista. Nesse sentido, o poema neocon- meios técnicos diversos, trabalhando a palavra irrompi-
creto é um “não objeto”, ou seja, uma intenção que só se da em suas dimensões verbais, sonoras e visuais. Com
materializa enquanto objeto com a participação plena do obras e processo criativo marcados pelo vanguardismo,
leitor. O caráter plástico das obras produzidas evidencia a exposição propõe uma síntese dessa trajetória eclética,
o modo particular que coloca a arte em outra dimensão, o enfatizando a produção de Arnaldo Antunes no âmbito
que, para Gullar, está associado ao fato de o corpo estar do circuito das artes visuais contemporâneas.
ligado ao mundo e participar da criação artística. Segundo o curador da mostra, Daniel Rangel, a
O “Poema enterrado”, escrito por Ferreira Gullar, foi maneira integrada de criar de Antunes é inspirada na
construído por Hélio Oiticica, que desenhou uma sala com poesia concreta e remete à expressão joyceana verbivo-
as dimensões de metros quadrados debaixo do chão, covisual, que sintetiza a proposta, colocada em prática
cujo acesso se dava por uma escada. A proposta aparenta nos anos 1950 pelos concretistas brasileiros, dos novos
uma instalação artística, mas ainda poesia, promovendo modos de se fazer poesia, visando a uma “arte geral
o lirismo com uma única palavra: “rejuvenesça”. O leitor da palavra”.
entra na sala do poema por uma porta na qual se encontra O recorte cronológico da exposição – o mais com-
um cubo vermelho de meio metro, o qual guarda um cubo pleto já apresentado da obra do artista – evidencia um
verde, que por sua vez tem no seu interior um cubo branco percurso no qual a poesia ultrapassa seus limites para
com a palavra selecionada. se manifestar na letra de uma música, em placas de rua,
Ao lado de Gullar, outros artistas se destacaram na pro- em objetos comuns, em imagens com movimento ou até
dução do Neoconcretismo. Lygia Clark produziu a série mesmo no tradicional papel, emoldurado e pendurado
Bichos, obra que tem como base a geometria e intenciona nas paredes da exposição.
romper os limites da superfície, sendo articulável e dobra- Arnaldo Antunes – Palavra em movimento. Riotur. Disponível em:
diça. O trabalho de caráter visual dos neoconcretos ganhou https://riotur.rio/evento/arnaldo-antunes-palavra-em-movimento/.
Acesso em: 17 fev. 2023.
ares de performance nas mãos de Hélio Oiticica com
Parangolés, obra feita a partir de caixas, faixas e bandeiras
elaboradas com tecidos e plásticos. A obra, considerada
pelo próprio artista uma “antiobra de arte”, foi produzida
Literatura contemporânea de 1960
com o objetivo de ser vestida, fazendo com que o espec- a 1980
tador se torne parte do projeto artístico. A diversidade literária da produção de a
privilegiou o conto, o romance e a crônica, mas os poetas
Cortesia Projeto Hélio Oiticica
Foto: Deborah Engel/Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
continuaram escrevendo o gênero lírico, sobretudo consi-
derando o contexto histórico em que os autores estavam
inseridos.
A poesia: entre o engajamento social e
a marginalidade
O poeta maranhense Ferreira Gullar, após sua
participação no movimento concretista e fundação do
Neoconcretismo, produziu uma poesia mais engajada po-
liticamente. Durante o período de ditadura militar no Brasil,
o autor permaneceu exilado em Buenos Aires, capital da
Argentina, que também vivenciou um regime autocrático no
mesmo período. Na incerteza do contexto, em , Gullar
escreveu seu mais famoso texto – “Poema sujo” – como se
fosse o seu último. O poema foi gravado pelo amigo Vinicius
Hélio Oiticica. Parangolé “Eu sou pedra 90” (196-/1986). Tinta plástica sobre
de Moraes e divulgado no Brasil, o que propiciou o retorno
tecido, 67 cm 3 73,5 cm. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. do poeta ao seu país de origem.
178 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 178 09/04/2024 11:36:58
a juventude que quer tomar o poder? São a mesma juven-
Reprodução
tude que vai sempre matar amanhã o velhote inimigo que
morreu ontem. Vocês não estão entendendo nada, nada,
nada, absolutamente nada”.
As inovações estéticas do Tropicalismo, similares à pro-
posta modernista do Manifesto Antropófago encabeçado por
Oswald de Andrade, buscavam reinventar a música brasileira
sob inspiração da cultura pop nacional e estrangeira.
O movimento tropicalista reverberou em outros cam-
pos artísticos, influenciando poetas como Torquato Neto,
expoente da Poesia Marginal, e o Cinema Novo, voltado
às críticas sociais.
Cortesia Projeto Hélio Oiticica
Foto: Jaime Acioli
Capa da primeira edição do “Poema sujo”, de Ferreira Gullar.
A estrutura do poema é resultado da experiência do
autor, que mesclou recurso visual, liberdade e métrica
nos versos antitéticos. O conflito marcado por escuridão
e claridade evidencia o sentimento de medo e desejo de
expressão pela linguagem poética. Os versos associam
cenas do passado e ideais políticos de tendência marxista,
tornando-se um símbolo da poesia engajada e da postura
do poeta diante da desigualdade social.
Reprodução
Bandeira-poema da Poesia Marginal: “Seja marginal, seja herói”,
de Hélio Oiticica.
A Poesia Marginal, produzida na década de ,
apresentou caráter anticultural, pois os autores não se ren-
deram às exigências do mercado editorial. A insatisfação
com a tradição literária levou os poetas a mesclarem artes
visuais e teatro, apresentando suas produções em lugares
públicos e usando performances para seus happenings,
Imagem de cartaz do espetáculo Tropicália (2017), em homenagem aos eventos com características cênicas.
50 anos do movimento conhecido como Tropicalismo ou Tropicália, que A partir da prática do it yourself (faça você mesmo),
revolucionou os pilares da cultura brasileira da época, buscando afastar-se
os poetas produziram seus textos e foram responsáveis
do intelectualismo da Bossa Nova e aproximar-se da cultura popular.
por todo o processo de criação, impressão e divulgação,
A década de no Brasil apresentou uma efer- o que os caracterizava como marginais no mundo edito-
vescência cultural que ganhou visibilidade no Festival de rial. O grupo chamado Geração Mimeógrafo, formado por
Música Popular Brasileira, veiculado por canais de televi- conhecidos autores, como Torquato Neto, Cacaso, Waly
são, que teve seu auge nas edições entre e . Os Salomão, Francisco Alvim, Ana Cristina Cesar, Chacal e
músicos apresentavam ao público suas canções, competin- Paulo Leminski, preocupava-se em baratear a produção,
do entre si. Com “Alegria, alegria” e “Domingo no parque”, além de distribuir sob baixo custo ou gratuitamente os poe-
na edição de , Caetano Veloso, Gilberto Gil e o grupo mas em portas de teatro, cinemas e praças públicas.
Os Mutantes causaram perplexidade ao misturar ritmos e As imagens simbólicas da cultura marginal são as obras
sonoridades e utilizar a guitarra elétrica, em contrapartida criadas por Hélio Oiticica em , “Homenagem a Cara de
FRENTE 2
ao violão usado nas produções da MPB. Cavalo” e a bandeira-poema “Seja marginal, seja herói”, que
Já durante a eliminatória paulista de , Caetano visaram à transgressão dos valores burgueses. Na referida
Veloso e Os Mutantes, ao cantarem “É proibido proibir”, bandeira, a imagem do corpo do criminoso Cara de Cavalo
foram vaiados pela plateia, que virou as costas para o pal- (Manoel Moreira), vítima de emboscada do esquadrão da
co como forma de protesto. A reação do cantor foi bradar morte carioca em , atingido por tiros, tornou-se
contra a alienação do público, dizendo: “Mas é isso que é resposta à repressão policial.
179
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 179 09/04/2024 11:37:45
Entre as publicações da Poesia Marginal estão a re- apresentar uma banalidade, no entanto registram profunda
vista coletiva Navilouca e os periódicos Jornal Dobrabil crise do sujeito imerso no mundo.
e Almanaque Biotônico Vitalidade, os quais reuniram di- Ana Cristina rompe com o estereótipo da poética fe-
versos textos dos poetas, além de contribuições de artistas minina, já que ela brinca com os limites entre realidade e
plásticos e de músicos. ficção, questionando a própria linguagem poética. A crítica
literária Flora Sussekind afirma que a sua poesia não é pro-
Aquarela priamente uma biografia, mas as várias referências a textos
O corpo no cavalete da intimidade, como cartas e diários, são uma forma de
é um pássaro que agoniza tornar o fato íntimo da vida humana mais próximo do leitor,
exausto do próprio grito. sendo o caráter pessoal “antes de tudo, representação da
As vísceras vasculhadas
experiência, efeito calculado”.
principiam a contagem
Confira, a seguir, uma questão de vestibular que aborda
regressiva.
No assoalho o sangue uma obra em que a poeta cria um efeito lírico inédito de
se decompõe em matizes cenas recortadas do cotidiano.
que a brisa beija e balança:
o verde – de nossas matas
o amarelo – de nosso ouro Exercício resolvido
o azul – de nosso céu
o branco o negro o negro. 1. Unicamp-SP 2019
CACASO. Aquarela. Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/ [...]
iberoamerica/brasil/cacaso.html. Acesso em: 21 mar. 2024. Eu tenho uma ideia.
Eu não tenho a menor ideia.
Apesar da postura irreverente semelhante à dos mo-
Uma frase em cada linha.
dernistas, o grupo apresentou também poemas de caráter Um golpe de exercício.
político em oposição à vigência do regime militar. Nesse Memórias de Copacabana.
sentido, é comum o leitor notar, além da espontaneidade Santa Clara às três da tarde.
e de humor nos textos, uma expressão poética acerca do Autobiografia. Não, biografia.
cotidiano da vida social. Mulher.
Papai Noel e os marcianos.
A voz feminina em prosa e verso Billy the Kid versus Drácula.
A produção estética realizada por mulheres na literatura Drácula versus Billy the Kid.
Muito sentimental.
contemporânea brasileira ganha ares de liberdade temática
Agora pouco sentimental.
e formal. Na poesia e na prosa, há harmonização entre os Pensa no seu amor de hoje que sempre dura menos que
temas que dão lugar à voz feminina sobre sua relação com [o seu
a família, a sociedade, a religião, a sexualidade etc. O leitor amor de ontem.
pode se surpreender pela densidade psicológica nas nar- Gertrude: estas são ideias bem comuns.
rativas ou pelo lugar do sujeito lírico que se lança em cenas Apresenta a jazz-band.
do cotidiano em tom crítico por liberdade artística e social. Não, toca blues com ela.
Esta é a minha vida.
Ana Cristina Cesar (1952-1983) Atravessa a ponte.
[...]
(Ana Cristina Cesar, A teus pés. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 9.)
Lewy Moraes/Folhapress
Esse trecho do poema de abertura de A teus pés, de
Ana Cristina Cesar,
a) expressa nostalgia do passado, visto que mobiliza
referências à cultura pop dos anos .
b) requisita a participação do leitor, já que as refe-
rências biográficas são fragmentárias.
c) exclui a dimensão biográfica, pois se refere a per-
sonagens imaginários e de ficção.
d) tematiza a descrença na poesia, uma vez que a
poeta se contradiz continuamente.
Ana Cristina Cesar, nascida no Rio de Janeiro em junho
de , licenciou-se em Letras pela Pontifícia Universidade Resolução:
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e tornou-se uma A estrutura do poema de Ana Cristina Cesar parece um
das poetas mais potentes do cenário da Poesia Marginal, recorte de fragmentos à maneira de uma colagem ou
tendo também circulado pela crítica literária. Sua liberdade de cenas justapostas. Por isso, é preciso que o leitor
estética incomum, marcada por um aparente improviso e seja criativo no ato da leitura e se envolva com o que lê.
pela linguagem coloquial, resguarda em tom confessional Resposta: alternativa B.
referências ao cotidiano. As cenas de sua poesia parecem
180 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 180 09/04/2024 11:38:22
Adélia Prado (1935-) e a religiosidade. A obra tem uma estrutura que indica uma
lógica única que conecta os blocos por um fio temático.
A epígrafe de cada bloco auxilia na unificação da obra.
Ministério da Cultura/Wikimedia Commons
Bagagem evidencia o projeto poético que serviu de guia para
toda a obra de Adélia Prado, inclusive o romance e o conto.
Lygia Fagundes Telles (1923-2022)
Fábio Guinalz/Fotoarena
Nascida em Divinópolis, Minas Gerais, Adélia Prado é
poeta, romancista e contista. Seus primeiros versos foram
escritos ainda na adolescência, depois do falecimento de
sua mãe. Frequentou a escola Normal e se formou profes-
sora em . Lecionou por dez anos e voltou a estudar,
graduando-se em Filosofia. Adélia Prado também atuou na
vida pública, ocupando o cargo de chefe da Divisão Cul- Nascida em São Paulo em , a escritora Lygia
tural da Prefeitura de Divinópolis, porém nunca deixou de Fagundes Telles passou sua infância no interior do estado.
escrever. Sua primeira publicação foi Bagagem (). Um Filha de um promotor público e de uma pianista, a escritora
de seus poemas mais conhecidos, “Com licença poética”, ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
faz parte dessa obra. onde se formou, mas sua paixão pela literatura, cultivada
desde a adolescência, tornou-se sua verdadeira vocação.
Com licença poética Ela abandonou a carreira de Direito para dedicar-se à escri-
Quando nasci um anjo esbelto, ta e passou a colaborar com o jornal A manhã, publicando
desses que tocam trombeta, anunciou: crônicas semanalmente.
vai carregar bandeira. Seu primeiro romance, Ciranda de pedra, foi lançado
Cargo muito pesado pra mulher, em . Segundo a crítica, foi com essa obra que ela al-
esta espécie ainda envergonhada. cançou a maturidade literária. Em suas obras, destacam-se
Aceito os subterfúgios que me cabem, a introspecção psicológica e o aspecto imaginativo. Tais
sem precisar mentir. características tornaram-se cada vez mais recorrentes na
Não sou feia que não possa casar, ficção brasileira, principalmente depois da década de .
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
Diversos escritores, como Cyro dos Anjos, Osman Lins,
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Otávio de Faria e Lygia Fagundes Telles, cultivaram em ro-
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
mances e contos a abordagem psicológica densa, a tensão
Inauguro linhagens, fundo reinos
interior e o fluxo de consciência. O conflito dos persona-
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree, gens nessas obras é interiorizado, já que são apresentados
já a minha vontade de alegria, como oprimidos pela estrutura social que os cerca.
sua raiz vai ao meu mil avô. Lygia Fagundes Telles, também conhecida como “a
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. grande dama da literatura brasileira”, foi quem melhor re-
Mulher é desdobrável. Eu sou. presentou essa tendência. Sua obra de maior destaque
PRADO, Adélia. “Com licença poética”. Bagagem. Rio de Janeiro: é As meninas (), seu terceiro romance, com caráter
Record, 2003. © by Adélia Prado. subversivo e ousado que explora os sentimentos, a sexua-
O termo “licença poética” remete à liberdade da cria- lidade e o papel da mulher, entre outros temas. A autora
ção artística, que não se conforma nos moldes estéticos e usou o fluxo de consciência para apresentar as peculiari-
formais. Nesse poema, Adélia Prado criou uma espécie de dades da vida de três meninas em um contexto de extrema
paródia ou paráfrase de outro poema famoso, “Poema de censura e repressão. As protagonistas, Lorena, Lia e Ana
sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade. O eu lírico Clara, alternam-se na narração da trama que apresenta a
do poema “Com licença poética” anuncia um anjo esbelto jornada para a vida adulta durante a ditadura.
FRENTE 2
e desdobrável, ou seja, que está pronto para se reinventar Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe,
e reivindicar um lugar central. Essa posição é contrária à não confundir com a minha que acabei de inventar agora.
do eu lírico do poema de Drummond, que se declara torto, Originalíssima. Se eu sou, não estou porque para que eu seja
gauche e à margem. é preciso que eu não esteja. Mas não esteja onde? Muito boa
Alguns dos temas recorrentes da obra da autora já a pergunta, não esteja onde. Fora de mim, é lógico. Para que
apareciam no livro Bagagem, como o papel da mulher e da eu seja assim inteira (essencial e essência) é preciso que não
família, o ambiente doméstico, o fazer poético, a sexualidade esteja em outro lugar senão em mim. Não me desintegro na
181
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 181 09/04/2024 11:39:05
natureza porque ela me toma e me devolve na íntegra: não há morais, além de abordar temas como a violência, o consu-
competição mas identificação dos elementos. Apenas isso. Na mismo e a sexualidade.
cidade me desintegro porque na cidade eu não sou, eu estou: — Teu quarto continua igual, lá em cima. Vou dormir que
estou competindo e como dentro das regras do jogo (milhares amanhã cedo tem feira. Tem lençol limpo no armário do banheiro.
de regras) preciso competir bem, tenho consequentemente de Então fez uma coisa que não faria, antigamente. Segurou-o
estar bem para competir o melhor possível. pelas duas orelhas para beijá-lo não na testa, mas nas duas faces.
TELLES, Lygia Fagundes. As meninas. Rio de Janeiro: Quase demorada. Aquele cheiro – cigarro, cebola, cachorro,
Livraria José Olympio, 1974.
sabonete, cansaço, velhice. Mais qualquer coisa úmida que
No trecho do romance podemos observar que o pen- parecia piedade, fadiga de ver. Ou amor. Uma espécie de amor.
samento da personagem Lorena se volta para dentro, ela — Amanhã a gente fala melhor, mãe. Tem tempo, dorme
mergulha em seu interior analisando questões existenciais. bem. Debruçado na mesa, acendeu mais um cigarro enquanto
Esse é um bom exemplo da forte tendência introspectiva ouvia os passos dela subindo pesados pela escada até o andar
da obra de Telles. Destacamos também a preocupação superior. Quando ouviu a porta do quarto bater, levantou e saiu
da autora em apresentar a condição feminina nos mais di- da cozinha.
ABREU, Caio Fernando. Linda, uma história horrível. Conto brasileiro,
versos espaços – jovens estudantes, crianças, senhoras 28 mar. 2013. Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/linda-uma-
idosas e mulheres maduras. Segundo a professora Regina historia-horrivel-conto-de-caio-fernando-abreu/. Acesso em: 21 mar. 2024.
Dalcastagnè, esse é:
No trecho do conto de Caio Fernando Abreu, “Linda, uma
[...] um dos motivos de sua atualidade. Afinal, o último sé- história horrível”, nota-se a angústia e a solidão no encontro de
culo foi, para as mulheres, um período de transição. Transição mãe e filho, quase dois desconhecidos. O autor, influenciado
entre os papéis tradicionais de mãe e esposa, do passado, e pela narrativa intimista de Clarice Lispector, abordava a solidão
uma nova situação, que ainda não atingimos plenamente, mas de seus personagens perdidos na cidade grande.
para a qual nos encaminhamos, de igualdade entre os sexos,
Seja a preferência pelas parábolas ou por uma literatura
quando as mulheres poderão realizar suas vidas das mais di-
centrada em viagens biográficas, a chave estaria no desvio
ferentes maneiras, sem as pressões e os constrangimentos que
estilístico ou no desbunde individual como respostas diretas
tão bem são retratados nos seus livros.
à impossibilidade de uma expressão artística sem as barreiras
DALCASTAGNÈ, Regina. Lygia Fagundes Telles e a ambiguidade feminina
Nonada, 9 mar. 2016. Disponível em: https://www.nonada.com.br/2016/03/ censórias. Romance-reportagem, conto-notícia, depoimentos
lygia-fagundes-telles-e-a-ambiguidade-feminina/. Acesso em: 21 mar. 2024. de políticos, presos, exilados? Tais opções literárias também
A escritora também se destacou como contista. A obra estariam ancoradas numa resposta à censura.
SUSSEKIND, Flora apud CARDOSO, Tânia Cardoso de. Entre vozes
Seminário dos ratos, de , tem os títulos mais conheci- e silêncios, um sujeito se inscreve na experiência da escrita poética:
dos e é composta de contos, cujos temas principais são a poesia de Ana Cristina César. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/
o amor, o medo e a solidão. Nela, a autora explorou conflitos handle/10183/22988. Acesso em: 21 mar. 2024.
sociais e existenciais. Os contos têm forte simbologia, como A prosa de tendência mais psicológica e autorreflexiva
se pode observar no homônimo “Seminário dos ratos”, em apresentou as relações do indivíduo com o meio no qual
que ela transcendeu a realidade e tocou o realismo mágico. está inserido e com o outro. No entanto, não se trata de
Por meio de metáforas, alegorias e simbologias, Lygia fez empatia ou alteridade, mas de uma relação com o contexto
uma crítica à repressão política vivenciada no Brasil no ano de extremo individualismo, muitas vezes aliado à valoriza-
de lançamento do livro. ção do dinheiro e dos bens materiais.
Lygia Fagundes Telles também produziu outras formas Autores contemporâneos como Lygia Fagundes Telles,
literárias, como o fragmento, a memória e o miniconto. Foi Marina Colasanti, Caio Fernando Abreu, Autran Dourado,
uma autora que conseguiu conquistar tanto a crítica quanto o Nélida Piñon, Raduan Nassar, entre outros nomes de
público e foi membro da Academia Brasileira de Letras. Mor- destaque, apresentaram obras de ficção introspectivas,
reu aos anos, de causas naturais, na cidade São Paulo. com temas como o drama dos relacionamentos humanos,
o questionamento ao patriarcado, as relações homoafetivas,
A prosa: entre a tendência psicológica e o a mutabilidade humana e as desilusões com o amor e com
cenário urbano a vida em si.
O contexto político ditatorial, iniciado com o golpe Para tratar da individualidade dos personagens, os au-
civil-militar em , instituiu uma atmosfera de insegu- tores utilizaram como recursos o fluxo de consciência e o
rança, repressão e tortura. Ao mesmo tempo, houve intensa discurso indireto livre, concentrando o leitor no plano dos
produção cultural e aumento do consumo devido a novas pensamentos e dando ao texto dinamismo e fluidez.
tecnologias que propiciaram um cenário mais democrático Ele diz que sou exigente, fico em casa lavando a louça,
aos interessados na reprodução artística. A classe média, fazendo compras, e por cima reclamo da vida. Enquanto ele
especialmente, passou a consumir produtos de arte divul- constrói o seu mundo com pequenos tijolos, e ainda que alguns
gados pela televisão, pelo cinema e pela ampliação do destes muros venham ao chão, os amigos o cumprimentam
mercado editorial. pelo esforço de criar olarias de barro, todas sólidas e visíveis.
A produção literária contemporânea brasileira produzida A mim também me saúdam por alimentar um homem que
entre as décadas de e apresenta diversidade sonha com casas grandes, senzalas e mocambos, e assim faz
temática, expressa a crise existencial do ser humano inserido o país progredir. E é por isto que sou a sombra do homem que
no mundo moderno, a ruptura com determinados valores todos dizem eu amar. Deixo que o sol entre pela casa, para
182 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 182 03/04/2024 14:26:01
dourar os objetos comprados com esforço comum. Embora ele A literatura com temas políticos e de realidade social,
não me cumprimente pelos objetos fluorescentes. Ao contrário, que enfatizava aspectos acerca da desigualdade de classes
através da certeza do meu amor, proclama que não faço outra e das injustiças, foi uma ferramenta de denúncia usada por
coisa senão consumir o dinheiro que ele arrecada no verão. autores como Fernando Morais e Fernando Gabeira, entre
Eu peço então que compreenda minha nostalgia por uma terra outras produções. Já a violência em suas diversas formas
antigamente trabalhada pela mulher, ele franze o rosto como de manifestação foi apresentada em linguagem brutal nos
se eu estivesse propondo uma teoria que envergonha a família
contos de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan.
e a escritura definitiva do nosso apartamento.
No conto “Passeio Noturno I”, Rubem Fonseca explo-
O que mais quer, mulher, não lhe basta termos casado em
rou o “brutalismo” condensado em poucos parágrafos,
comunhão de bens? E dizendo que eu era parte do seu futuro,
cuja tensão, mediada pela voz narrativa, é resultado da
que só ele porém tinha o direito de construir, percebi que a
desestabilização da condição de poder e de domínio do
generosidade do homem habilitava-me a ser apenas uma dona
de um passado com regras ditadas no convívio comum. personagem que se encontra no topo da pirâmide social.
MORICONI, Italo. Os cem melhores contos brasileiros do século. Esse poder representado pelo motor de seu carro poten-
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 451. te, o qual “custou uma fortuna”, é uma alegoria das cenas
do cotidiano moderno transformado em espetáculo nas
O conteúdo das propagandas era direcionado, em sua
narrativas brutalistas.
maioria, ao público masculino, no período compreendido
entre e . E, mesmo vendendo produtos para
Saiba mais
as mulheres, apresentavam-se de modo machista. Mas o
período também teve algum avanço para a independência
© Instituto Bardi / Casa de Vidro,
Lina Bo Bardi / AUTVIS, Brasil, 2023
Foto: xm4thx/Shutterstock.com
feminina, como a pílula anticoncepcional.
A condição feminina e a ruptura de determinados pa-
drões de comportamento fizeram parte da temática de
contos contemporâneos, como o conto “I love my husband”,
de Nélida Piñon. A narrativa em primeira pessoa marca de
forma irônica a condição de inferioridade e submissão da
mulher em relação ao homem, figura na qual, em prol de
seu sucesso profissional, se concentra o esforço feminino.
O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) é um
exemplo de arquitetura brutalista. Concebido em 1947, o edifício tem
Saiba mais a assinatura de Lina Bo Bardi, que buscou mesclar a cultura popular
brasileira com o Modernismo europeu.
No período da ditadura militar, entre os anos de e
, houve intensa perseguição aos intelectuais, aos De origem francesa, cunhado pela expressão béton brut
militantes de sindicatos e aos líderes estudantis. Nes- (concreto bruto), o Brutalismo surgiu na arquitetura por volta
se cenário de ativismo contra a repressão do governo dos anos de . As estruturas e o concreto aparente, com
autocrático, as mulheres ingressaram na luta armada, o valorização dos volumes, ganharam destaque nas obras de
que representou transgressão ao papel feminino vigen- Le Corbusier. Na literatura, a tendência artística privilegiava
te. Além de empunharem armas, as mulheres buscaram as cenas do cotidiano moderno como um espetáculo brutal
a experiência de um comportamento sexual mais li- pintado com fortes imagens inspiradas no individualismo,
bertário, ao contrário do que pregava o casamento. na busca pelo consumo desenfreado e na violência.
Esses caminhos para a emancipação feminina foram
impulsionados pelo advento da pílula anticoncepcional [...] Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando
e pela difusão de obras de autoras feministas, como ouviu o som das borrachas dos pneus batendo no meio-fio.
O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, e A mística do Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas
feminino, de Betty Friedan. Nesse contexto, as mulheres pernas, [...] um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto
passaram a reivindicar direitos iguais. partindo os dois ossões [...].
[...] Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou
Arquivo Nacional do Brasil, Rio de Janeiro
minha mulher [...]. Vou dormir, boa noite para todos, respondi,
amanhã vou ter um dia terrível na companhia.
FONSECA, Rubem. Passeio noturno – Parte I. In: MORICONI, Italo. Os cem
melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 283.
A morte apresentada como um alívio, uma “dose diá-
ria para relaxar”, é o que causa choque no leitor, uma vez
que é violência gratuita. Ademais, o modo de vida indivi-
FRENTE 2
dualista do personagem no contexto pós-moderno o leva
a se relacionar com coisas e outros sujeitos de maneira
fragmentada, em um narcisismo social que anula o outro
Mulheres em passeata contra a ditadura militar no Brasil, em 1968. Na foto, e esvazia os valores éticos e morais. O individualismo que
a classe artística protesta em manifestação contra a censura aos meios
dilui e desfaz determinados princípios é um elemento da
culturais imposta pelo governo militar. Em destaque estão as atrizes Tônia
Carrero, Eva Wilma, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker. pós-modernidade capaz de corromper regras sociais e
promover a falta de referência para lidar com a realidade.
183
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 183 09/04/2024 11:39:31
Pela estrutura das obras, essa desconstrução é feita José Alferes tornou a examinar o envelope, preocupado
a partir do uso do foco narrativo em primeira pessoa, o com a possibilidade de um equívoco ou de simples brinca-
que leva o leitor à compreensão do sujeito reificado pelos deira de desocupados. — Mas a quem interessaria divertir-se
à custa de um estranho em uma metrópole de cinco milhões
índices de sua fantasia de poder. Os objetos que estão ao
de habitantes? — A ideia era evidentemente absurda, tendo-se
seu redor marcam o local social dos personagens, porém
em conta que o seu círculo de relações não excedia o corpo
os espaços são vazios ao mesmo tempo, por isso faz-se de funcionários do hotel, onde se encontrava hospedado havia
necessário o preenchimento desse abismo interno do su- quatro meses.
jeito. A narrativa, portanto, parece um relatório em que o RUBIÃO, Murilo. O convidado. Disponível em: https://www.
executivo disserta sobre a atribulação de seu dia, que, na fantasticacultural.com.br/artigo/855/o_convidado_-_murilo_rubiao__
conto_completo. Acesso em: 21 mar. 2024.
verdade, é completamente vazio de significado.
O uso dessas ferramentas de linguagem e estrutura J. J. Veiga (-), nascido em Corumbá de Goiás,
chocam o leitor, desestabilizando sua leitura convencional, além do realismo fantástico, escreveu uma prosa de temáti-
uma vez que a noção de realidade oscila para a ficção, dada ca regionalista de caráter social. Tendo recebido três vezes
o Prêmio Jabuti, o autor teve grande êxito e reconhecimen-
a proximidade entre os dois universos. Esse incômodo leva
to pela sua obra. Entre seus contos de maior destaque está
à reflexão, movendo o leitor de uma postura estática para o
“A usina atrás do morro”, publicado em no seu pri-
questionamento da própria realidade circundante.
meiro livro, Os cavalinhos de platiplanto, em que o autor
faz uma abordagem aos impactos do processo de indus-
Contistas e cronistas: Dalton Trevisan,
trialização no país.
Murilo Rubião, J. J. Veiga e Rubem Braga
Felizmente não passava ninguém por perto. Se alguém
A produção da prosa contemporânea brasileira mescla
soubesse da agressão haveria de querer saber o motivo, e como
tendências e temas de forma eclética e diversificada. No poderia eu contar tudo e ainda esperar que me dessem razão?
entanto, a abordagem ao ambiente, à urbanidade e aos as- Para não chegar em casa com sinais de desordem no corpo
suntos a ela inerentes são um elo entre as produções, que desci até o rio, lavei o sangue dos ralões do punho e da testa
exploram esteticamente a condição humana fragmentada e o sujo do paletó e dos joelhos da calça, enquanto pensava
pelos aspectos da pós-modernidade, como o consumismo, um plano eficiente de vingança. Uma pedrada bem acertada
o individualismo e o imediatismo impulsionado pelas rela- na cabeça, ou uma porretada de surpresa, resolveria o meu
ções humanas líquidas, além de outros temas do cotidiano caso. Ele não perderia por esperar.
VEIGA, J. J. A usina atrás do morro. Disponível em: https://durasletras.
brasileiro. com/conto-a-usina-atras-do-morro-de-jose-j-veiga/.
Nos contos do curitibano Dalton Trevisan (-), o Acesso em: 21 mar. 2024.
cotidiano se destaca pelo foco na opressão, na violência Rubem Braga (-), autor conhecido por suas
praticada contra mulheres e crianças, na representação de crônicas em periódicos, apresenta um perfil mais engajado
um mundo que costumamos rejeitar. O autor aclamado pela politicamente em relação aos demais autores desse grupo
crítica recebeu, em , o Prêmio Camões pelo conjunto da prosa contemporânea. Seu estilo lírico com pitadas de
de sua obra. Conhecido pelo apelido “Vampiro de Curitiba” ironia fez duras críticas às injustiças ocorridas no Brasil,
dada a sua reclusão e rejeição a entrevistas, Trevisan como a censura à imprensa, no contexto da ditadura da Era
publicou, em , o livro com esse título, em que a perver- Vargas. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi correspon-
sidade do personagem Nelsinho personifica a degradação dente para o jornal Diário Carioca na Itália. Essa postura
humana em atos de violência sexual na cidade de Curitiba. combativa o fez ser preso no período que viveu em Porto
Alegre. Como sua produção predomina no gênero crônica,
Ouça o risco da unha na meia de seda. Que me arranhasse é comum a reflexão sobre eventos do cotidiano, bem como
o corpo inteiro, vertendo sangue do peito. Aqui jaz Nelsinho, o uma linguagem marcada pelo coloquialismo.
que se finou de ataque. Gênio do espelho, existe em Curitiba
Talvez seja bom que a gente se sinta humilde diante desse
alguém mais aflito do que eu?
mundo misterioso e infinito. Mas a consciência dessa humilda-
TREVISAN, Dalton. Vampiro de Curitiba. Disponível em: https://www.
gazetadopovo.com.br/caderno-g/especiais/dalton-trevisan-90-anos/o- de contém um certo orgulho. E também a gente pensa muita
vampiro-de-curitiba-2jjxb6kfv0lll2ityartf3dfp/. Acesso em: 21 mar. 2024. coisa que não sabe pensar.
BRAGA, Rubem. O céu. Disponível em: https://cronicabrasileira.org.br/
Os autores J. J. Veiga e Murilo Rubião, diferentemente cronicas/9847/o-ceu. Acesso em: 21 mar. 2024.
do colega curitibano, passeiam pelo universo do realismo
fantástico. Milton Hatoum (1952-)
Apesar de sua pequena produção estética de apenas Zana teve de deixar tudo: o bairro portuário de Manaus,
contos, Murilo Rubião (-), nascido no sul de a rua em declive sombreada por mangueiras centenárias, o
Minas Gerais, é considerado o precursor do estilo no Brasil, lugar que para ela era quase tão vital quanto a Biblos de sua
tendo seus textos traduzidos em vários idiomas. Seu conto infância: a pequena cidade no Líbano que ela recordava em
mais famoso e inquietante é “O convidado”, texto que levou voz alta, vagando pelos aposentos empoeirados até se per-
anos para ser concluído, no qual o personagem principal der no quintal, onde a copa da velha seringueira sombreava
é estranhamente recebido em uma festa, mas não sabe as palmeiras e o pomar cultivados por mais de meio século.
Perto do alpendre, o cheiro das açucenas-brancas se misturava
quem o convidou.
184 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 184 10/04/2024 13:47:25
com o do filho caçula. Então ela sentava no chão, rezava sozi- Retornou ao Brasil em e assumiu a cadeira de
nha e chorava, desejando a volta de Omar. Antes de abandonar literatura francesa da Universidade Federal do Amazonas.
a casa, Zana via o vulto do pai e do esposo nos pesadelos Conciliou a carreira acadêmica com a escrita e publicou seu
das últimas noites, depois sentia a presença de ambos no primeiro romance, Relato de um certo Oriente, em .
quarto em que haviam dormido. Durante o dia eu a ouvia Também escreveu alguns contos nesse período, que foram
repetir as palavras do pesadelo, “Eles andam por aqui, meu reunidos e publicados posteriormente. O segundo romance,
pai e Halim vieram me visitar... eles estão nesta casa”, e ai de Dois irmãos, foi lançado apenas nos anos , após um
quem duvidasse disso com uma palavra, um gesto, um olhar. longo tempo de escrita e reescrita. Tal dedicação rendeu
Ela imaginava o sofá cinzento na sala onde Halim largava o sucesso à obra que foi traduzida para diversos idiomas e
narguilé para abraçá-la, lembrava a voz do pai conversando adaptada para graphic novel.
com barqueiros e pescadores no Manaus Harbour, e ali no
alpendre lembrava a rede vermelha do Caçula, o cheiro dele, Hatoum cria textos ricos em detalhes, apresentando lu-
o corpo que ela mesma despia na rede onde ele terminava suas gares, pessoas e conjunturas extraídos de seu imaginário
noitadas. “Sei que um dia ele vai voltar”, Zana me dizia sem enquanto manauara descendente de libaneses. [...] A imagem
olhar para mim, talvez sem sentir a minha presença, o rosto do imigrante abre caminho para conceitos como identidade,
entrelugar e memória. A temática se define pela presença de
que fora tão belo agora sombrio, abatido. A mesma frase eu
quem migra, mas não apenas geograficamente – aquele cuja
ouvi, como uma oração murmurada, no dia em que ela desa-
condição primordial é o exílio, fomentado pela voz, presen-
pareceu na casa deserta. Eu a procurei por todos os cantos e
ça e olhar do outro. [...] Um dos procedimentos centrais na
só fui encontrá-la ao anoitecer, deitada sobre folhas e palmas
construção dos romances de Hatoum é a fusão entre o so-
secas, o braço engessado sujo, cheio de titica de pássaros, o
cial e o existencial: trata das histórias particulares de certos
rosto inchado, a saia e a anágua molhadas de urina. Eu não
personagens sem descuidar da observação do contexto social
a vi morrer, eu não quis vê-la morrer. Mas alguns dias antes
e histórico em que eles vivem. Esse contexto envolve quase
de sua morte, ela deitada na cama de uma clínica, soube que
sempre o processo de integração dos imigrantes originários do
ergueu a cabeça e perguntou em árabe para que só a filha e a
Oriente Médio no Norte do Brasil e as repercussões da ditadura
amiga quase centenária entendessem (e para que ela mesma militar brasileira naquela região.
não se traísse): “Meus filhos já fizeram as pazes?”. Repetiu a MILTON Hatoum. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.
pergunta com a força que lhe restava, com a coragem que mãe São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.
aflita encontra na hora da morte. Ninguém respondeu. Então org.br/pessoa7721/milton-hatoum. Acesso em: 21 mar. 2024.
o rosto quase sem rugas de Zana desvaneceu; ela ainda virou Podemos observar nas obras de Milton Hatoum ele-
a cabeça para o lado, à procura da única janelinha na parede mentos de suas memórias e de experiências pessoais
cinzenta, onde se apagava um pedaço do céu crepuscular. entremeados ao contexto sociocultural amazônico. Essa
HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 7-8.
tendência é evidenciada no trecho que abre essa aula.
Conhecido como o arquiteto de romances, Hatoum constrói
Karime Xavier/Folhapress
narrativas complexas sobre relações familiares, miscigena-
ção e relação entre culturas.
A OBRA DOIS IRMÃOS
Dois irmãos narra a história dos gêmeos Yaqub e Omar
e a difícil relação entre eles. Filhos de uma família libanesa
que vive em Manaus e se dedica ao comércio, os irmãos se
odeiam e disputam os afetos e a atenção maternos. Yaqub é
mais conservador, estudioso, racional e tímido. Omar é con-
siderado o caçula, pois nasceu depois de Yaqub, é mimado
pela mãe e torna-se irritadiço, agressivo e irresponsável.
Na adolescência, a rivalidade entre os dois se acen-
tua quando ambos se apaixonam pela mesma moça, Lívia.
Após um incidente durante uma sessão de cinema, Lívia e
Yaqub são flagrados em um momento de troca de carinho.
Omar agride o irmão com uma garrafa e deixa uma cicatriz
em formato de meia-lua em seu rosto. Com o intuito de
corrigir os filhos, Halim, o pai, planeja enviá-los ao Líbano,
Nascido em Manaus, capital do Amazonas, o romancis- mas Zana, a mãe, impede que Omar seja enviado com a
FRENTE 2
ta, contista e professor Milton Hatoum é descendente de desculpa de que o rapaz tem a saúde frágil.
libaneses que imigraram para o Brasil. Passou a infância na Assim, os irmãos são separados, Yaqub é enviado ao
capital amazonense, mas durante a adolescência se mudou Líbano e passa a viver longe de sua família, e Omar per-
para Brasília. Na vida adulta, em São Paulo, trabalhou como manece em Manaus. A diferença entre os irmãos cresce
professor e jornalista. Nos anos , viajou para a Europa e culmina na incapacidade de Yaqub de perdoar sua fa-
como estudante bolsista, vivendo em Madri e Barcelona. mília. De volta ao Brasil, instala-se em São Paulo, onde se
Em Paris, frequentou a Universidade Sorbonne. forma como engenheiro e casa-se em segredo com Lívia.
185
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 185 03/04/2024 14:26:04
Em Manaus, Omar segue enganando os pais e gastando em Manaus, o principal tema é o ódio entre os irmãos, um
dinheiro de forma leviana. A ruptura entre os irmãos leva tópico que ultrapassa questões regionais.
a família à ruína.
Atenção
A.PAES/Shutterstock.com
A fragmentação é uma estratégia presente nas narrativas
desde a Antiguidade, porém foi na contemporaneidade
que seu uso se intensificou. Podemos relacionar o uso
desse artifício com o entendimento de sujeito e identidade
do século XXI. A identidade fraturada e múltipla do sujeito
contemporâneo se reflete nessas narrativas.
Bernardo Carvalho (1960-)
Edilson Dantas/Agência O Globo
Um dos espaços em que se desenrola o enredo de Dois irmãos é a cidade
de Manaus, capital do Amazonas.
A história é contada por um narrador em primeira
pessoa, não protagonista, que tece o enredo a partir de
memórias, das suas próprias e das que têm de Halim e
Domingas, sua mãe e empregada da casa. A princípio, sua
identidade não é revelada, mas, ao final da obra, enten-
de-se que é Nael quem conta a história na tentativa de
entender a sua própria e descobrir qual dos dois irmãos
gêmeos é seu pai. Ele cresce entre a família, mas sem gozar
de laços familiares. No momento em que escreve a história, Romancista, contista, jornalista e tradutor, Bernardo
vive no cômodo dos fundos do casarão que um dia abrigou Carvalho nasceu no Rio de Janeiro. Formado em jornalismo,
a família libanesa. mudou-se para São Paulo e começou a trabalhar para a
Folha de S.Paulo, enquanto se dedicava ao mestrado em
Eu não sabia nada de mim, como vim ao mundo, de onde Cinema e à sua produção literária. Atuou também como cor-
tinha vindo. A origem: as origens. Meu passado, de alguma respondente internacional em Nova York, Paris e Londres.
forma palpitando na vida dos meus antepassados, nada disso Em , lançou sua primeira coletânea de contos,
eu sabia. Minha infância, sem nenhum sinal de origem. É como Aberração. Na obra, o tema do desaparecimento se faz
esquecer uma criança dentro de um barco num rio deserto, presente e também a narrativa epistolar. Seu primeiro ro-
até que uma das margens a acolhe. Anos depois, desconfiei:
mance, Onze, gênero em que se destacou, foi lançado em
um dos gêmeos era meu pai.
. Em seguida, publicou Os bêbados e os sonâmbulos
HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 63.
() e Mongólia (), consolidando a construção de
O pano de fundo da obra é a vida dos imigrantes de personagens marcados pelo desaparecimento misterioso.
origem árabe que vieram para o Brasil na primeira metade Sua obra mais celebrada é Nove noites, de , roman-
do século XX. Muitos vindos principalmente do Líbano e ce em que mesclou fatos e ficção para narrar a busca por
da Síria buscavam no Brasil melhores condições de vida personagens desaparecidos.
e refúgio da guerra civil. Podemos observar que o imigrante é
Não resta dúvida de que a pós-modernidade é a era das
apresentado como um sujeito dividido entre a saudade da
identidades instáveis [...]. Essa afirmação, aliás, não é válida
pátria e o medo de morrer. Outro ponto a se observar na somente para os estudos sociológicos, mas também para a
obra é a expansão do comércio e a decadência da cidade literatura, tanto no que compete à temática presente nos tex-
de Manaus, cuja história é contada entrelaçada à dos gê- tos atuais quanto no perfil de suas personagens ou ainda em
meos Yaqub e Omar. outros elementos estruturais da prosa de ficção contemporâ-
Como é um romance construído a partir das memórias nea. Bernardo Carvalho, um dos autores mais instigantes da
do narrador, o tempo da narrativa é fragmentado, não linear. atual literatura brasileira, exprime bem, em sua prosa, esse
O narrador avança e recua no tempo revelando ao leitor “fenômeno” da sociedade contemporânea; indivíduos perdidos
pouco a pouco as ações dos personagens; seu trabalho é num mundo muitas vezes refratário e hostil, sem rumo e sem
o de juntar “os cacos dispersos, tentando recompor a tela identidade, às vezes totalmente influenciados pelo meio em
do passado”. que vivem e, ao mesmo tempo, desintegrados desse universo.
A obra apresenta linguagem coloquial com termos re- Em poucas palavras, indivíduos deslocados.
gionais, além de termos árabes e indígenas, refletindo a PEREIRA, Márcia Moreira; SILVA, Maurício. Identidades provisórias:
a narrativa pós-moderna de Bernardo Carvalho. Disponível em: http://
convivência das diferentes culturas apresentadas no en- periodicos.pucminas.br/index.php/contraponto/article/view/8375.
redo. Apesar de tratar da vida de uma família imigrante Acesso em: 21 mar. 2024.
186 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 186 03/04/2024 14:26:05
Como observamos no trecho crítico, a obra de Carvalho apresenta personagens com identidades instáveis, o que
reflete a própria sociedade pós-moderna, em que os indivíduos se sentem deslocados e fragmentados. A estrutura da
obra é uma representação da fragmentação e do deslocamento dos sujeitos.
A OBRA NOVE NOITES
Nove noites narra a investigação do misterioso suicídio do antropólogo americano Buell Quain, ocorrido em ,
enquanto ele vivia entre o povo Krahô. As circunstâncias da morte nunca foram totalmente compreendidas. Aparentemente
sem motivação, Buell Quain se cortou e em seguida se enforcou na frente de dois indígenas que o acompanhavam de
volta à cidade de Carolina, Maranhão.
O narrador-protagonista lê sobre o ocorrido em um artigo de jornal, e o nome do antropólogo remete a um episódio
que viveu enquanto cuidava do pai hospitalizado.
Fazia duas noites que eu estava sem dormir. Por isso, demorei para acordar na terceira madrugada. Demorei para entender que
aquelas palavras não faziam parte do meu sonho. Quando abri os olhos, o velho estava falando sozinho. Tinham-no amarrado, já não
podia sentar ou levantar. Meu pai continuava imóvel, de olhos abertos e arregalados, como se só lhe restasse o terror e mais nenhuma
outra opção. [...] Passei a mão nos cabelos molhados do meu pai e me aproximei do leito ao lado. Quando abri as cortinas, o velho
olhou para mim com olhos vidrados e se calou. Perguntei se estava tudo bem. Ele continuou me olhando em silêncio. Repeti em
inglês. Perguntei se precisava de alguma coisa, se queria que eu chamasse a enfermeira. Ele não se mexia, mas chegou a balbuciar
algum som, como se quisesse dizer que estava bem, ou pelo menos foi assim que eu o entendi ou quis entender no início: “Well...”.
Quando fechei a cortina, no entanto, ouvi um nome às minhas costas. Ele me chamava por outro nome. Abri as cortinas e perguntei
de novo se precisava de alguma coisa. E ele repetiu o nome. Me chamava “Bill”, ou pelo menos foi isso que entendi. Tentava estender
o braço na minha direção. Segurei a mão dele. Ele apertou a minha com a força que lhe restava e começou a falar em inglês, com
esforço, mas ao mesmo tempo num tom de voz de quem está feliz e admirado de rever um amigo: “Quem diria? Bill Cohen! Até
que enfim! Rapaz, você não sabe há quanto tempo estou esperando”. De repente, começou a respirar de uma maneira estranha. [...]
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
O narrador faz a relação entre os nomes Bill Cohen e Buell Quain e vai atrás de informações sobre o homem doente,
descobrindo que ele se chama Andrew Parsons, um fotógrafo estadunidense. Assim, ele dá início a uma investigação com
o intuito de descobrir o que realmente aconteceu com o antropólogo Buell Quain, e, para isso, viaja até o território Krahô..
A partir desse momento, a narrativa se torna polifônica e se constrói a partir da voz de dois narradores: Manuel Perna,
amigo de Quain, que fala por meio de uma carta-testamento; e do jornalista, que fala por meio da investigação sobre o
caso e de suas memórias de infância, quando costumava ir ao Alto do Xingu com o pai.
As vozes desses dois narradores são diferenciadas tanto na estrutura do texto – na fala do sertanejo há o emprego da fonte
em itálico, e na do jornalista, a cursiva romana – como no tom utilizado.
[...]
Enquanto a voz de Manoel Perna é marcada pela poeticidade, pela dor e pelo trauma em função da perda de um amigo
querido, o discurso do narrador-jornalista revela-se mais enxuto, seco, objetivo, informativo, porém, igualmente carregado de
traumas e fissuras emocionais, [...].
NAVAS, Diana; QUEIROZ, Lara. Nove noites, de Bernardo de Carvalho: entre o real e o ficcional na pós-modernidade brasileira.
In: Produção literária contemporânea em Portugal e no Brasil. São Paulo: Bagai, 2021. p. 114-115.
É importante notar que a elaboração desse livro exigiu de Carvalho trabalhar também suas habilidades de tradutor,
uma vez que foi necessário pesquisar, ler e traduzir diversos documentos em língua inglesa. O processo de escrita uniu
história e ficção, explorando a intertextualidade que originou um romance meta-historiográfico.
Ao longo da obra, o leitor encontra fatos históricos apresentados com dados ficcionais, o que evidencia como a linha
entre ficção e realidade é tênue, muitas vezes tornando difícil a divisão entre uma e outra.
Carta, depoimento, testemunho, memórias, romance investigativo, autobiografia, real e ficcional, Nove Noites pode ser tudo
isso e talvez mais. Embora seja claramente apresentado como romance na contracapa, trata-se de uma narrativa híbrida, labiríntica
e aberta que, assim como o território do contemporâneo, aponta-nos para indefinições, para o plural, para a (con)fluência, ao
mesmo tempo em que exibe as múltiplas formas de criação literária neste início de século XXI.
NAVAS, Diana; QUEIROZ, Lara. Nove noites, de Bernardo de Carvalho: entre o real e o ficcional na pós-modernidade brasileira.
In: Produção literária contemporânea em Portugal e no Brasil. São Paulo: Bagai, 2021. p. 120.
O romance não oferece resposta definitiva para o suicídio de Quain Bell. Por meio de uma narrativa híbrida e metafic-
cional, conclui que respostas definitivas não existem, assim como não há uma versão da História, ela é feita de múltiplas
FRENTE 2
histórias, experiências e verdades.
Atenção
A metaficção é um fenômeno estético autorreferente, ou seja, é a ficção sobre a ficção – um tipo de ficção que evidencia
sua natureza ficcional. A metaficção historiográfica é uma narrativa que mistura a ficção autorreflexiva e a revisão crítica de
um fato histórico.
187
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 187 03/04/2024 14:26:05
Revisando
1. Confira os caligramas de Guillaume Apollinaire. a) de um período de contestações à Ditadura Militar,
de ampliação das liberdades democráticas no país
Guillaume Apollinaire
e de intensa efervescência cultural.
b) da radicalização política do movimento estudantil
contra a Ditadura Militar e de utilização da cultura
como expressão política.
c) do momento da deposição do presidente João
Goulart e da intensificação da repressão cultural.
d) do momento de aceitação das ações repressivas
da Ditadura Militar por meio da música e da poesia.
e) do descontentamento dos jovens com o conser-
vadorismo da música popular brasileira durante a
Ditadura Militar.
3. PUC-Rio
A partir da comparação com o Concretismo, pode-se
Texto 1
afirmar que há entre as propostas
a) similaridade, pois ambos defendem a imagem so- O Assinalado
breposta ao texto na poesia.
Tu és o louco da imortal loucura,
b) diferença, uma vez que Apollinaire rompeu amiza- o louco da loucura mais suprema.
de com os concretistas. A terra é sempre a tua negra algema,
c) semelhança, pois para ambos o verso ainda é a prende-te nela extrema Desventura.
unidade mais importante do poema.
d) diversidade, porque o Concretismo apela ao ideo- Mas essa mesma algema de amargura,
grama, juntando imagem e ideia. mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu’alma suplicando gema
e) desarmonia, pois os concretistas queriam imitar o
e rebente em estrelas de ternura.
modelo da geração heroica modernista.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
2. FGV-SP Viva Vaia é um poema concreto publicado que povoas o mundo despovoado,
em 1972 e dedicado ao compositor Caetano Veloso, de belezas eternas, pouco a pouco.
que havia sido vaiado por grande parte do público
presente ao Teatro Tuca, no Festival Internacional da Na Natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
Canção de 1968. Desde então, em diversos momen-
os teus espasmos imortais de louco!
tos, o poema é utilizado com intuito de dar significação
BILAC, Olavo. In: BARBOSA, Frederico (org.). Clássicos da poesia
a episódios da cena política e cultural brasileira. brasileira. Rio de Janeiro: O Globo, Klick Editora, 1997. pp.163-164.
Texto 2
Casablanca
Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar as facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardias...
Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no
[cinema...
As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
[madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano
CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Brasiliense, 1982. p.60.
Capa do livro Viva Vaia, de Augusto de Campos.
Determine as diferenças no emprego da linguagem e
Sobre o contexto de sua elaboração, podemos afir- na concepção formal entre os poemas de Olavo Bilac
mar que se trata e Ana Cristina Cesar.
188 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 188 03/04/2024 14:26:06
Leia o poema seguinte para responder às questões da década de 1970. Explique como a fala da mulher
4 e 5. sintetiza a temática do corpo e o prazer feminino ao
mesmo tempo que contraria seu papel como militante.
Receita para fazer uma mulher independente
Toma-se uma mulher 7. Leia o trecho do conto “I love my husband”, de Nélida
Piñon.
Criada para ser o mito do lar
Em tamanho maternal Eu amo meu marido. De manhã à noite. Mal acordo,
Enrola-se sua alma em manto azul celeste ofereço-lhe café. Ele suspira exausto da noite sempre
Embebe-se-lhe a carne em véu e arroz branco maldormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três
Coloca-se a sua pele a marinar em cotidiano salgado vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu
Arrancam-se os seus cabelos e as sobras de unhas vocifero com aflição. Não quero meu esforço confundido
Cortam-se todos os tendões sensíveis com um líquido frio que ele tragará como me traga duas
Joga-se-lhe gelo em uma bacia de recusas de arder vezes por semana, especialmente no sábado.
Separam-se as suas partes cozidas em lágrimas noturnas Depois, arrumo-lhe o nó da gravata e ele protesta
Reserva-se o preparo por tempo imemorável por consertar-lhe unicamente a parte menor de sua vida.
Mistura-se a sua carne cansada com o suor das crias Rio para que ele saia mais tranquilo, capaz de enfrentar
Acrescenta-se-lhe o trabalho na madrugada a vida lá fora e trazer de volta para a sala de visitas um
Aumentam-se o sal e a pimenta de arder seus olhos e a pão sempre quentinho e farto.
[língua Ele diz que sou exigente, fico em casa lavando a
Salpica-se açafrão da terra em sua ausência de chão louça, fazendo compras, e ainda por cima reclamo da
Rasga-se a sua carne em mil pedaços vida, enquanto ele constrói o seu mundo com pequenos
Deixa-se ela dormir solitária sobre a mesa da cozinha tijolos. E ainda que alguns destes muros venham ao chão,
Embebida em vinho vencido os amigos o cumprimentam pelo esforço de criar olarias
Coberta com papel de arroz frio de barro, todas sólidas e visíveis.
Aos poucos, pingam-se inumeráveis gotas de descaso A mim também me saúdam por alimentar um homem
Nas partes mais íntimas que sonha com casas-grandes, senzalas e mocambos, e
Frita-se aos poucos em óleo de silêncio fervente assim faz o país progredir. E é por isto que sou a sombra
até o amanhecer do homem que todos dizem eu amar. Deixo que o sol entre
pela casa, para dourar os objetos comprados com esforço
Serve-se nua
comum. Embora ele não me cumprimente pelos objetos
Sem acompanhamento.
fluorescentes. Ao contrário, através da certeza do meu
Cassia C. S. Instagram: @cassiacris.s, 4 dez. 2022.
amor, proclama que não faço outra coisa senão consumir
4. A condição da mulher é um dos temas recorrentes o dinheiro que ele arrecada no verão. Eu peço então que
nas obras das poetas da literatura contemporânea compreenda minha nostalgia por uma terra antigamente
brasileira. Reflita sobre como esse tema é evidencia- trabalhada pela mulher, ele franze o rosto como se eu lhe
do no poema anterior. estivesse propondo uma teoria que envergonha a família
e a escritura definitiva do nosso apartamento.
5. Explique o efeito de sentido dos dois últimos versos MORICONI, Italo. Os cem melhores contos brasileiros do século.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 451.
do poema.
Considere o texto e explique a evocação de “senzalas
6. Leia o trecho do conto de Caio Fernando Abreu para e mocambos” estabelecida pela narradora.
responder à questão.
8. O cerne do enredo da obra Dois irmãos é a relação
Éramos diferentes, ai como éramos diferentes, éra-
mos melhores, éramos mais, éramos superiores, éramos conflituosa entre os gêmeos Yaqub e Omar. A disputa
escolhidos, éramos vagamente sagrados, mas no final das pelo amor da mãe e o relacionamento turbulento dos
contas os bicos dos meus peitos não endureceram e o teu irmãos retomam um mito bíblico. Explique como se
pau não levantou, cultura demais mata o corpo da gente, constrói literariamente a relação de intertextualidade.
cara, filmes demais, livros demais, palavras demais.
9. Leia um trecho de Nove noites, de Bernardo Carvalho.
[...]
Ah não me venha com essas histórias de atraiçoa- Decidi-me por uma interpretação selvagem e um tanto
mos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal moral: “Cãmtwyon” passou a ser, para mim, ao mesmo
nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa tempo a casa do caracol e seu fardo no mundo, a casca
mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser que ele carrega onde quer que esteja e que também lhe
serve de abrigo, o próprio corpo, do qual não pode se
FRENTE 2
feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz.
ABREU, Caio Fernando. Os sobreviventes. Disponível em https://mafua. livrar a não ser com a morte, o seu aqui e o seu agora para
ufsc.br/2013/caio-fernando-abreu-e-os-novos-limites-do-humano- sempre. “Cãmtwyon” passou a ser para mim o rastro do
retratos-de-uma-subjetividade-esfacelada-diante-da-pos-modernidade/ .
Acesso em: 21 mar. 2024.
caracol: não adianta fugir, aonde quer que você vá estará
sempre aqui. A imagem me fez lembrar um texto de Francis
O trecho do conto “Os sobreviventes”, de Caio Ponge sobre os caracóis: “Aceita-te como tu és. De acordo
Fernando Abreu, explana as tensões do diálogo entre com os teus vícios. Na proporção da tua medida”.
um homem e uma mulher, personagens transgressores CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
189
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 189 03/04/2024 14:26:06
Por que, de acordo com o narrador, o nome de batis- a) Autobiografia: há consonância entre a vida do
mo dado a Buell Quain em ritual indígena, Cãmtwyon, narrador e do autor.
apresenta carga filosófica? b) Reportagem: trata de dados e fatos ocorridos no Brasil.
c) Romance investigativo: presença da atmosfera in-
10. Nove noites é um exemplar da literatura contempo- vestigativa.
rânea cuja classificação se torna insustentável pela d) Romance epistolar: narrativa entremeada de tre-
presença de diversos elementos de gêneros literários chos de epístolas.
distintos. Dos gêneros seguintes, indique o único que e) Crônica jornalística: perspectiva unilateral de in-
não aparece no livro. vestigador policial.
Exercícios propostos
1. Imed-RS Analise o texto a seguir: 3. PUC-Minas
O texto acima, de __________________________,
é um dos exemplos mais famosos da ____________.
Assinale a alternativa que preenche, correta e respec- CAMPOS, Augusto de. Pós-tudo. 1984. Disponível em: <www2.uol.
com.br/augustodecampos/poemas.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013.
tivamente, as lacunas do trecho acima.
a) Ferreira Gullar – poesia concreta O poema de Augusto de Campos pertence à poesia
b) Décio Pignatari – poesia concreta concreta. Constitui uma característica desse movimento:
c) Ronaldo Azevedo – poesia surrealista a) a busca por novas formas de expressão do sen-
d) Ferreira Gullar – poesia surrealista timento.
e) Décio Pignatari – poesia surrealista b) a negação dos valores estéticos do Modernismo.
c) a valorização dos elementos gráficos do poema.
2. UFJF-MG Leia o poema concreto a seguir, de Décio d) o envolvimento com os problemas políticos do país.
Pignatari, para responder à questão.
4. UEG-GO Leia os poemas que seguem:
CAMPOS, Augusto de. In: Poesia concreta. São Paulo:
PIGNATARI, Décio. Contribuição a um alfabeto duplo. In: Abril Educação, 1982.
Poesia, Pois é, Poesia./ Poetc. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 184.
O bicho
Uma das questões centrais para Décio Pignatari é a
“afirmação plena da vida por meio da afirmação da razão, Vi ontem um bicho
do sensível e do sexual, numa síntese feliz” Na imundície do pátio
(SIMON, Iumna Maria; DANTAS, Vinícius. Literatura comentada: Catando comida entre os detritos.
poesia concreta. São Paulo: Abril Educação, 1982. p. 18).
Quando achava alguma coisa,
Levando em consideração esse comentário, elabore Não examinava nem cheirava:
uma proposta de leitura para o poema anterior. Engolia com voracidade.
190 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 190 03/04/2024 14:26:06
O bicho não era um cão, Invisível, delicioso
Não era um gato, Que faz com que o teu ar
Não era um rato. Pareça mais um olhar,
O bicho, meu Deus, era um homem. Suave mistério amoroso,
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro:
Cidade de meu andar
Nova Fronteira, 1993. p. 201-2. (Deste já tão longo andar!)
Os poemas de Augusto de Campos e de Manuel E talvez de meu repouso...
(Mário Quintana)
Bandeira tematizam
a) a miséria, que, muitas vezes, tem como contra- Texto 3
ponto a riqueza de muitos.
Impressionista
b) a questão da fome e da violência que se verifica
nos grandes centros urbanos. Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
c) o descaso social com relação aos menores aban-
de alaranjado brilhante.
donados e às crianças de rua.
Por muito tempo moramos numa casa,
d) o desemprego, que ocorre sempre quando a de-
como ele mesmo dizia,
manda é maior do que a oferta.
constantemente amanhecendo.
5. UPE (Adélia Prado)
Texto 1 Texto 4
Meu pai
meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem
quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica (Décio Pignatari)
Fluminense ele Considerando os Textos 1, 2, 3 e 4, bem como os auto-
examinou o estojo com res e seus respectivos contextos históricos e literários,
o nome da loja dobrou analise as proposições a seguir.
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou: I. O Texto apresenta um eu lírico ligado ao cotidiano,
quero ver pois Ferreira Gullar, poeta também neoconcretista,
agora qual é o tem como um de seus temas a realidade social.
sacana que vai dizer II. No Texto , encontra-se um eu lírico que temati-
que eu nunca estive za o cotidiano, situações corriqueiras, com uma
no Rio de Janeiro percepção aguda das coisas simples da vida; no
(Ferreira Gullar) entanto, há um certo pessimismo em relação à
cidade que o faz evadir-se, criando, em sonho,
Texto 2
outra cidade.
O mapa III. Adélia Prado é dona de uma linguagem simples,
Olho o mapa da cidade e preocupada com uma temática feminina, ligada
Como quem examinasse à família e à religiosidade. No Texto , percebe-
A anatomia de um corpo... -se um eu lírico que se mostra incompatível com
(E nem que fosse o meu corpo!) o clima da imagem da casa desejada, a ponto de
Sinto uma dor infinita não se sentir bem com a cor alaranjada de suas
Das ruas de Porto Alegre paredes.
Onde jamais passarei... IV. Pignatari possui uma linguagem que valoriza os
Há tanta esquina esquisita, esquemas e diagramas, fazendo de seus versos
Tanta nuança de paredes, um projeto de designer. No poema, há um texto
Há tanta moça bonita
FRENTE 2
duplo, uma fusão de imagens, cujos significados
Nas ruas que não andei se revelam por essa duplicidade, como um espe-
(E há uma rua encantada lho que projeta uma imagem invertida.
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses, Estão CORRETAS:
Poeira ou folha levada a) I, II e IV, apenas. d) II, III e IV, apenas.
No vento da madrugada, b) I, II, III e IV. e) III e IV, apenas.
Serei um pouco do nada c) II e III, apenas.
191
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 191 03/04/2024 14:26:07
6. ITA-SP Considere o poema a seguir, de Ronaldo Azeredo: E, por isso mesmo, também, copiar não tem graça. Um
dos poemas mais inesperados que escrevi foi “O formi-
gueiro”, no comecinho do movimento da poesia concreta.
É que, após os últimos poemas de “A luta corporal”
(1953), entrei num impasse, porque, inadvertidamente,
implodira minha linguagem poética. Não podia voltar atrás
nem seguir em frente.
Foi quando, instigado por três jovens poetas paulistas,
tentei reconstruir o poema. Havíamos optado por trocar o
discurso pela sintaxe visual.
Já em alguns poemas de “A luta corporal”, havia ex-
plorado a materialidade da palavra escrita, percebendo o
branco da página como parte da linguagem, como o seu
contrário, o silêncio.
Por isso, diferentemente dos paulistas – que explo-
ravam o grafismo dos vocábulos, desintegrando-os em
letras –, eu desejava expor o “cerne claro” da palavra,
materializado no branco da página.
Daí por que, nesse poema, busquei um modo de gra-
far as palavras, não mais como uma sucessão de letras,
e sim como construção aberta, deixando à mostra seu
núcleo de silêncio.
Mas não podia grafá-las pondo as letras numa ordem
arbitrária. Por isso, tive de descobrir um meio de superar
Esse texto o arbitrário, de criar uma determinação necessária.
I. explora a organização visual das palavras sobre Ocorre, porém, que essas eram questões latentes em
a página. mim, mas era necessário surgir a motivação poética para
II. põe ênfase apenas na forma, e não no conteúdo pô-las em prática.
da mensagem. E isso surgiu das próprias letras, que, de repente, me
III. pode ser lido não apenas na sequência horizontal pareceram formigas, o que me levou a uma lembrança
das linhas. mágica, de minha infância, em nossa casa, em São Luís do
IV. não apresenta preocupação social. Maranhão. A casa tinha um amplo quintal, em que surgiu,
certa manhã, um formigueiro: eram formigas ruivas que
Estão corretas
brotavam de dentro da terra.
a) I e II. Eu ouvira dizer que “onde tem formiga tem dinheiro
b) I, II e III. enterrado” e convenci minhas irmãs a cavarem comigo o
c) I e III. chão do quintal de onde brotavam as formigas. E cavamos
d) II e IV. a tarde inteira à procura do tesouro que não aparecia,
e) todas. até que caiu uma tempestade e pôs fim à nossa busca.
Foi essa lembrança que abriu o caminho para o poema,
Textos para as questões de 7 a 9. mas não sabia como realizá-lo. Basicamente, eu tinha
Texto 1 as letras, que me lembravam formigas, mas isso era ape-
nas o pretexto-tema para explorar a linguagem em sua
ambiguidade de som e silêncio, matéria e significado.
Que fazer então?
Como encontrei a solução, não me lembro, mas
sei que não surgiu pronta, e sim como possibilidades
a explorar.
Tinha a palavra “formiga”, que era o elemento cerne.
Experimentei desintegrá-la numa explosão que dispersou
as letras até o limite da página e depois a reconstruí numa
nova ordem: já não era a palavra “formiga”, e sim um sig-
Disponível em: <www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/ferreira_ no inventado. Foi então que pensei em grafar as palavras
gullar2_formigueiiro.html>. Acesso em: 30 abr. 2012.
numa ordem outra e que nos permitisse lê-las.
Texto 2 Em seguida, surgiu a ideia mais importante para a in-
venção do poema: constituir um núcleo, formado por uma
Nasce o poema série de frases dispostas de tal modo que as letras de certas
Não vou discutir se o que escrevo, como poeta, é bom palavras servissem para formar outras. Nasceu o núcleo do
ou ruim. Uma coisa, porém, é verdade: parto sempre de poema, a metáfora gráfica de um formigueiro. Ele surgiu
algo, para mim inesperado, a que chamo de espanto. E é da conjugação das seguintes frases: “A formiga trabalha
isso que me dá prazer, me faz criar o poema. na treva a terra cega traça o mapa do ouro maldita urbe”.
192 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 192 03/04/2024 14:26:07
Construído esse núcleo, o poema nasceu dele, palavra 11. Famema-SP 2021 O verbo “teologa”, no contexto da
por palavra, sendo que cada palavra ocupava uma página ideia de amor expressa no poema, significa:
inteira e suas letras obedeciam à posição que ocupavam a) formular teorias desnecessárias sobre algo que,
no núcleo. Desse modo, a forma das palavras nada tinha na prática, dispensa as explicações.
da escrita comum. Não era arbitrária porque determinada b) prescrever as regras que, seguidas passo a pas-
pela posição que cada letra ocupava no núcleo. so, permitem chegar a algo valioso.
“O formigueiro” foi, na verdade, o primeiro livro-
c) experimentar, na prática, um conjunto de situa-
-poema que inventei, muito embora, ao fazê-lo, não tivesse
ções que, na teoria, não existem.
consciência disso.
d) descrever com precisão um estado de coisas di-
Chamaria de livro-poema um tipo de criação poética
em que a integração do poema no livro é de tal ordem fícil de atingir.
que se torna impossível dissociá-los. Nos livros-poemas e) produzir um discurso coerente a fim de conven-
posteriores, essa integração é maior, porque as pági- cer as pessoas sobre uma verdade.
nas são cortadas para acentuar a expressão vocabular.
12. Unicamp-SP 2024
O livro-poema é que me levou a fazer os poemas espa-
ciais, manuseáveis, e finalmente o poema-enterrado, de Texto 1
que o leitor participa, corporalmente, entrando no poema. Que século, meus Deus! – exclamaram os ratos
GULLAR, Ferreira. Folha de S.Paulo, São Paulo, 29 jan. 2012. E começaram a roer o edifício.
p. E10. Ilustrada. (“Edifício Esplendor” (1955), de Carlos Drummond de Andrade, epígrafe
do conto “Seminário dos Ratos”, de Lygia Fagundes Telles.)
7. UFG-GO A que movimento literário o poeta se refere Texto 2
ao dizer “Havíamos optado por trocar o discurso pela Epígrafe é um paratexto (um texto que acompanha o
sintaxe visual”? Explique como o autor caracteriza texto principal), que pode justificar ou comentar um título
esse movimento. ou texto; referenciar a relação entre o autor do texto e
o da epígrafe; criar um efeito por meio do qual a presença
8. UFG-GO Segundo Ferreira Gullar, o processo de da epígrafe já evoca a identificação do autor do texto com
criação de suas palavras não foi arbitrário. Explique uma época ou movimento.
como surgiu a motivação poética para a criação de (Adaptado de: GENETTE, G. Paratextos Editoriais.
O formigueiro. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia: Ateliê Editorial, 2009.)
9. UFG-GO A disposição gráfica do Texto 1 remete à ar- Considerando os textos 1 e 2, assinale a alternativa
quitetura de um formigueiro, e, como tal, esse texto foi correta.
elaborado a partir de um núcleo. Segundo a descrição a) A epígrafe associa o conto de Lygia ao “sentimen-
feita por Ferreira Gullar no Texto 2, qual é a base des- to do mundo” drummondiano.
se núcleo e como ele se constitui? b) A epígrafe mostra que os versos de Drummond
são imprescindíveis à escrita do conto.
Leia o trecho do poema “Amor feinho”, de Adélia Prado, c) A epígrafe justifica o título do conto e comenta os
para responder às questões 10 e 11. possíveis sentidos críticos dele.
d) A epígrafe identifica Lygia à geração de do
Eu quero amor feinho.
Modernismo, ao lado de Drummond.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
As questões 13 e 14 referem-se à obra Bagagem, de
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo Adélia Prado.
e filhos tem os quantos haja. 13. UFRGS 2020 Leia as seguintes afirmações sobre o
Tudo que não fala, faz.
poema “Ensinamento”.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
I. O sujeito lírico mostra que o sentimento é revela-
e saudade roxa e branca,
do pelas ações das pessoas.
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho. II. A cena recuperada mostra o gesto de amor da
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é: mãe para com o pai.
eu sou homem você é mulher. III. O ensinamento do poema é que o amor é mais
Amor feinho não tem ilusão, importante do que a instrução.
o que ele tem é esperança: Quais estão corretas?
eu quero amor feinho.
a) Apenas I. d) Apenas I e III.
FRENTE 2
(Bagagem, 2011.)
b) Apenas II. e) I, II e III.
10. Famema-SP 2021 Segundo o eu lírico, o “amor feinho” é c) Apenas III.
a) um acontecimento único na vida de uma pessoa.
b) uma experiência cotidiana, desejável e possível. 14. UFRGS 2020 Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso)
c) uma ilusão em que alguns amantes acreditam. as seguintes afirmações sobre poemas da obra.
d) uma maneira de viver acessível a qualquer pessoa. “Com licença poética” apresenta intertextualida-
e) um estado de aceitação de uma vida desinteressante. de com a obra de Carlos Drummond de Andrade.
193
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 193 03/04/2024 14:26:07
“Sedução” trata do homem amado, prometido tentando se agarrar ao banco, Não quero!, gritou. Ago-
para o casamento. ra não, meu Deus, espera um pouco, ainda não estou
“Antes do nome” caracteriza-se como reflexão preparado! Calou-se, ouvindo os passos que desciam tran-
sobre o fazer poético. quilamente a escada. Mais tênue que a brisa, um sopro
“Páscoa” caracteriza a velhice. pareceu reavivar a alameda. Agora está nas minhas costas,
ele pensou, e sentiu o braço se estender na direção do seu
A sequência correta de preenchimento de cima para ombro. Sentiu a mão ir baixando numa crispação de quem
baixo, é (familiar e contudo cerimonioso) dá um sinal, Sou eu. O
a) F – V – F – F d) F – V – V – V toque manso. Preciso acordar, ordenou se contraindo in-
b) V – V – F – V e) V – F – V – F teiro, isso é apenas um sonho! Preciso acordar!, acordar.
c) V – F – V – V Acordar, ficou repetindo e abriu os olhos. (p. )
Para a questão a seguir, assinale V para verdadeiro e Fragmento 2
F para falso. Cumpriu a rotina da manhã com uma curiosidade
comovida, atento aos menores gestos que sempre repetiu
15. UFPE Somente no século XX a produção literária fe- automaticamente e que agora analisava, fragmentando-os
minina passou a ser socialmente valorizada no Brasil em câmara lenta, como se fosse a primeira vez que abria
e reconhecida pela nossa história da literatura oficial. uma torneira. Podia também ser a última. Fechou-a, mas
Considerando a participação das mulheres nas letras que sentimento era esse? (p. -)
nacionais e a leitura do texto a seguir, analise as pro-
posições que se seguem. Fragmento 3
A alegria era quase insuportável: da primeira vez,
Com licença poética escapei acordando. Agora vou escapar dormindo. Não
Quando nasci um anjo esbelto, era simples? Recostou a cabeça no espaldar do banco,
desses que tocam trombeta, anunciou: mas não era sutil? Enganar assim essa morte saindo pela
vai carregar bandeira. porta do sono. Preciso dormir, murmurou fechando os
Cargo muito pesado pra mulher, olhos. Por entre a sonolência verde-cinza, viu que reto-
esta espécie ainda envergonhada. mava o sonho no ponto exato em que fora interrompido.
Aceito os subterfúgios que me cabem, A escada. Os passos. Sentiu o ombro tocado de leve.
sem precisar mentir. Voltou-se. (p. )
PRADO, Adélia. TELLES, Lygia Fagundes. A mão no ombro. In: TELLES, Lygia Fagundes.
Melhores contos de Lygia Fagundes Telles. Seleção de Eduardo Portella.
A Academia Brasileira de Letras teve como pri- 13. ed. São Paulo: Global, 2015. [Fragmentos].
meira mulher a ocupar um lugar de honra, apenas Com base na leitura de três fragmentos do conto “A
na segunda metade do século XX, a escritora mão no ombro”, da coletânea Melhores contos de
Rachel de Queiroz. Lygia Fagundes Telles, originalmente publicada em
Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Adélia 1983, no contexto sócio-histórico e literário da obra e,
Prado, Cecília Meireles, entre outras, são nomes ainda, de acordo com a variedade padrão da língua
que se destacam na produção literária nacional, escrita, é correto afirmar que:
pela qualidade estética de suas obras. o conto evidencia três passagens: o momento em
Como se constata na leitura do poema em apreço, que o protagonista sonha com a morte; o instante
Adélia Prado faz opção por uma estética que pri- em que ele retoma a rotina da vida imbuído da
vilegia uma linguagem simples, sem pretensões reflexão sobre o sonho; e o momento derradeiro
acadêmicas, mais próxima do falar cotidiano. em que ele se depara novamente com a morte.
O poema em questão expressa a condição da mu- o título do conto expressa o gesto produzido pela
lher em nossa sociedade e dialoga com o poema mão que desperta o protagonista do sonho e o
de Carlos Drummond de Andrade, como se lê: salva da morte.
“Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem o conto constrói-se em torno de uma reflexão so-
na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”. bre a vida diante da iminência da morte.
No poema, fica claro que a representação da as ocorrências sublinhadas do termo “se”, no
mulher em nossa sociedade está associada a Fragmento , integram o verbo que o segue ou o
potência, dignidade e soberania nas atividades antecede, denotando atitudes próprias do sujeito.
sociais e políticas, ao contrário do que acontece as ocorrências sublinhadas da palavra “agora”,
com as mulheres em outros contextos mundiais. nos Fragmentos e , indicam circunstância de
16. UFSC 2020 tempo e referem-se ao momento em que o prota-
gonista estava sonhando.
A mão no ombro no Fragmento , a coesão do parágrafo é esta-
Fragmento 1 belecida pela manutenção do verbo na primeira
E se cheguei até aqui é porque vou morrer. Já?, horrori- pessoa do singular com sujeito oculto.
zou-se olhando para os lados mas evitando olhar para trás.
Soma:
A vertigem o fez fechar de novo os olhos. Equilibrou-se
194 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 194 03/04/2024 14:26:07
17. UCPel-RS 2023 Leia o poema que segue: 18. Unisc-RS 2024 Leia o texto “Poema Esquisito”, de
Adélia Prado, e analise as afirmativas.
Com licença poética
POEMA ESQUISITO
Quando nasci um anjo esbelto,
Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.
desses que tocam trombeta, anunciou:
Não é hábito. É rarissimamente que ela dói.
vai carregar bandeira.
Ninguém tem culpa.
Cargo muito pesado pra mulher,
Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos,
esta espécie ainda envergonhada.
não existe mais o modo de eles terem seus olhos sobre
Aceito os subterfúgios que me cabem, [mim.
sem precisar mentir. Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos?
Não tão feia que não possa casar, É dentro de mim que eles estão.
acho o Rio de Janeiro uma beleza e Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.
ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa,
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. que abunda nos cemitérios.
Inauguro linhagens, fundo reinos Quem plantou foi o vento, a água da chuva.
— dor não é amargura. Quem vai matar é o sol.
Minha tristeza não tem pedigree, Passou finados não fui lá, aniversário também não.
já a minha vontade de alegria, Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?
sua raiz vai ao meu mil avô. É de tanto lembrá-los que eu não vou.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. Ôôôô pai
Ôôôô mãe
Dentro de mim eles respondem
Mulher é desdobrável. Eu sou.
tenazes e duros,
PRADO, Adélia. Bagagem. São Paulo:
Editora Civilização Brasileira, 2006. porque o zelo do espírito é sem meiguices:
Ôôôôi fia.
A poesia “Com licença poética”, publicada em 1975, PRADO, Adélia. Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2008.
apresenta a autora Adélia Prado, desconhecida no I. O eu lírico afirma, implicitamente, que a morte dos
meio literário, até então. Em suas primeiras publica- pais é a causa de sua dor de cabeça.
ções, percebem-se temas que estarão presentes em II. De acordo com o arranjo textual, pode-se dizer
grande parte de suas poesias. Assim, com base no que a saudade é uma das temáticas explicitadas
contexto sócio-histórico, literário e cultural, é correto no poema.
afirmar que a autora III. O eu lírico descuida das datas comemorativas,
a) é uma poetisa que dá voz ao feminino dentro de pois elas não são necessárias para que se lembre
um contexto sócio-histórico predominantemente de seus pais.
masculino. A autora consagra-se em um período IV. O eu lírico demonstra ser o interlocutor em um
literário também composto pela grande maioria diálogo com ele mesmo, manifestado a partir do
de escritores homens, esse período literário de- que ele diz ser o espírito dos pais.
nomina-se Tendências contemporâneas. V. O poema faz referência explícita à vida de triste-
b) propõe em suas poesias enfatizar uma perspecti- zas e de sofrimentos experienciada pelos pais do
va da mulher, enfocando o “feminino” em primeiro eu lírico.
plano. Destaca-se como a voz mais feminina da Assinale a alternativa correta.
poesia brasileira presente no modernismo. a) Somente a afirmativa I está correta.
c) pertence ao movimento literário denominado pré- b) As afirmativas I, II, III estão incorretas.
-modernismo, sua poesia é muito presente, visto c) Somente as afirmativas II, III e IV estão corretas.
que é a única autora desse movimento. d) As afirmativas I e IV estão incorretas.
d) é uma poetisa com apreço aos modernistas, que e) Todas as afirmativas estão corretas.
expõe em suas obras o caráter feminista pre- 19. UEPG-PR 2023 Sobre Obra completa, de Murilo
sente nas tendências do período modernista da Rubião, assinale o que for correto.
semana de , em que era a única personalida- Os contos de Rubião são escritos tendo por base
de mulher. temáticas bastante diversas, mas um sentimento
e) é a mais relevante poetisa presente nas biogra- recorrente nos personagens é a desesperança
FRENTE 2
fias históricas e nas tendências contemporâneas frente à realidade. O conto O ex-mágico da taberna
e pré-modernas da literatura brasileira. Ela se des- Minhota narra as desventuras de um homem que
taca pela poesia feminista, em que luta contra o nasce já adulto e após incansáveis tentativas de
machismo presente na academia literária, tendo livrar-se de sua mágica e de pôr termo à sua vida,
maior força ao se aliar à Clarice Lispector, Cecília ouve por acaso na rua que “ser funcionário público
Meireles e Lygia Fagundes Telles. era suicidar-se aos poucos” (RUBIÃO, , p. ).
195
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 195 03/04/2024 14:26:07
Diante disso, o protagonista inicia uma carreira em 20. Enem
um órgão do governo e a esmagadora sensação Labaredas nas trevas
de tédio e desesperança da vida real acaba por
Fragmentos do diário secreto de
minar aos poucos sua magia. Uma possibilidade de
leitura para o conto é a de que as agruras e a bana- Teodor Konrad Nalecz Korzeniowski
lidade do cotidiano exterminam a magia da vida. 20 DE JULHO [1912]
A presença regular do insólito permeando seus Peter Sumerville pede-me que escreva um artigo sobre
contos permite que Murilo Rubião textualize situa- Crane. Envio-lhe uma carta: “Acredite-me, prezado senhor,
ções quase inimagináveis. O conto Alfredo, por nenhum jornal ou revista se interessaria por qualquer coisa
exemplo, retrata um relacionamento românti- que eu, ou outra pessoa, escrevesse sobre Stephen Crane.
co entre um ser humano (Joaquim) e um camelo Ririam da sugestão. [...] Dificilmente encontro alguém,
(Alfredo). Cientes de que seriam duramente critica- agora, que saiba quem é Stephen Crane ou lembre-se de
dos pela sociedade caso o relacionamento viesse algo dele. Para os jovens escritores que estão surgindo ele
a público, os personagens vivenciam sentimentos simplesmente não existe”.
antagônicos – a alegria do amor e a tristeza de 20 DE DEZEMBRO [1919]
precisar escondê-lo: “Alfredo, enternecido com a Muito peixe foi embrulhado pelas folhas de jornal.
melancolia que machucava os meus olhos, passou Sou reconhecido como o maior escritor vivo da língua
de leve na minha face a sua áspera língua. Levan- inglesa. Já se passaram dezenove anos desde que Crane
tando-me, puxei-o pela corda e fomos descendo morreu, mas eu não o esqueço. E parece que outros tam-
lentamente a serra” (RUBIÃO, , p. ). bém não. The London Mercury resolveu celebrar os vinte
Os textos de Murilo Rubião são considerados por e cinco anos de publicação de um livro que, segundo
muitos teóricos como ficção cristã, uma vez que a eles, foi “um fenômeno hoje esquecido” e me pediram
totalidade de seus contos é iniciada por epígrafes um artigo.
retiradas da Bíblia que se emparelham com outros FONSECA, R. Romance negro e outras histórias. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992 (fragmento).
excertos de textos bíblicos inseridos ao longo do
texto. Um exemplo típico dessa estratégia de Rubião Na construção de textos literários, os autores recor-
é o conto Marina, a intangível, cuja epígrafe é com- rem com frequência a expressões metafóricas. Ao
plementada pelo excerto que segue, que encerra o empregar o enunciado metafórico “Muito peixe foi
conto: “A existência de Marina está neste trecho dos embrulhado pelas folhas de jornal”, pretendeu-se es-
Cânticos: ‘Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, que, tabelecer, entre dois fragmentos do texto em questão,
se encontrardes o meu amado, lhe façais saber que uma relação semântica de
estou enferma de amor’” (RUBIÃO, , p. ). a) causalidade, segundo a qual se relacionam as
Murilo Rubião é considerado um expoente da partes de um texto, em que uma contém a causa
escrita literária de ficção científica, e a presença e a outra, a consequência.
de elementos estranhos e acontecimentos inex- b) temporalidade, segundo a qual se articulam as
plicáveis em seus contos é natural. Em alguns partes de um texto, situando no tempo o que é
escritos, Rubião desafia até mesmo os limites de relatado nas partes em questão.
tempo e espaço e os flexibiliza de acordo com c) condicionalidade, segundo a qual se combinam
as necessidades do texto. O conto Mariazinha é duas partes de um texto, em que uma resulta ou
um exemplo, pois, aqui, a linha temporal é des- depende de circunstâncias apresentadas na outra.
bordada, ampliada, estourada: “Ao meu enterro, d) adversidade, segundo a qual se articulam duas
Zaragota, amigo fiel, compareceria ainda con- partes de um texto em que uma apresenta uma
valescente do enforcamento que sofrerá. Não orientação argumentativa distinta e oposta à outra.
compareceu” (RUBIÃO, , p. ). e) finalidade, segundo a qual se articulam duas partes
Em Teleco, o coelhinho, vemos o personagem de um texto em que uma apresenta o meio, por
que dá nome ao conto assumir um sem-número exemplo, para uma ação e a outra, o desfecho da
de aparências. De certa maneira, as mutações do mesma.
personagem podem ser lidas como uma metáfora
para as diversas identidades que assumimos em 21. UFRGS 2018 No bloco abaixo, estão listados os títu-
diferentes contextos (profissional, familiar, social) los de alguns contos do livro Morangos mofados, de
pois ao longo do texto é possível perceber que as Caio Fernando Abreu; no seguinte, aspectos e/ou te-
metamorfoses de Teleco são tentativas de adapta- mas relacionados aos contos.
ção às ocasiões que vivencia. Bem como Teleco, o Associe adequadamente os dois blocos.
ser humano molda intencionalmente sua aparên- . Pela passagem de uma grande dor
cia e seu modo de agir como forma de adaptação . Além do ponto
frente a diferentes pessoas e situações. . Os companheiros (Uma história embaraçada)
. Luz e sombra
Soma: . Pera, uva ou maçã?
196 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 196 03/04/2024 14:26:07
Amigos reúnem-se em ambiente sombrio, que é 24. FICSAE-SP 2020 Leia o trecho inicial do conto “O co-
invadido por morcegos. brador”, de Rubem Fonseca.
Narrador apresenta uma conversa telefônica en- Na porta da rua uma dentadura grande, embaixo es-
tre um amigo e uma amiga. crito Dr. Carvalho, Dentista. Na sala de espera vazia uma
Psicanalista narra as sessões com uma paciente, placa, Espere o Doutor, ele está atendendo um cliente.
que ocorrem todas as segundas e quintas, às 17h. Esperei meia hora, o dente doendo, a porta abriu e sur-
Narrador, caminhando na chuva, conta sua an- giu uma mulher acompanhada de um sujeito grande, uns
gústia e sua expectativa em direção ao encontro quarenta anos, de jaleco branco.
de outro sujeito. Entrei no gabinete, sentei na cadeira, o dentista botou
A sequência correta de preenchimento, é um guardanapo de papel no meu pescoço. Abri a boca e
a) – – – . d) – – – . disse que o meu dente de trás estava doendo muito. Ele
b) – – – . e) – – – . olhou com um espelhinho e perguntou como é que eu
tinha deixado os meus dentes ficarem naquele estado.
c) – – – .
Só rindo. Esses caras são engraçados.
22. UFRGS Considere as seguintes afirmações sobre o li- Vou ter que arrancar, ele disse, o senhor já tem pou-
vro Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu. cos dentes e se não fizer um tratamento rápido vai perder
I. Os contos apresentam as características marcantes todos os outros, inclusive estes aqui – e deu uma pancada
da prosa de Caio Fernando Abreu: tom confessio- estridente nos meus dentes da frente.
Uma injeção de anestesia na gengiva. Mostrou o dente
nal, linguagem coloquial e perspectiva intimista.
na ponta do boticão: A raiz está podre, vê?, disse com
II. Os contos trazem referências explícitas à gera-
pouco caso. São quatrocentos cruzeiros.
ção da década de e ao contexto histórico
Só rindo. Não tem não, meu chapa, eu disse.
brasileiro. Não tem não o quê?
III. A estrutura do livro é dividida em duas partes, Não tem quatrocentos cruzeiros. Fui andando em
O mofo e Os morangos, justificando, pois, seu direção à porta.
título. Ele bloqueou a porta com o corpo. É melhor pagar,
Quais estão corretas? disse. Era um homem grande […]. E meu físico franzino
a) Apenas I. encoraja as pessoas. Odeio dentistas, comerciantes, advo-
b) Apenas III. gados, industriais, funcionários, médicos, executivos, essa
c) Apenas I e II. canalha inteira. Todos eles estão me devendo muito. Abri
d) Apenas II e III. o blusão, tirei o 38 [...]. Ele ficou branco, recuou. Apon-
e) I, II e III. tando o revólver para o peito dele comecei a aliviar o meu
coração: tirei as gavetas dos armários, joguei tudo no chão,
23. Enem 2014 Em todas as datas cívicas a máquina é agora chutei os vidrinhos todos como se fossem balas, eles pipo-
uma parte importante das festividades. Você se lembra cavam e explodiam na parede. Arrebentar os cuspidores e
que antigamente os feriados eram comemorados no co- motores foi mais difícil, cheguei a machucar as mãos e os
reto ou no campo de futebol, mas hoje tudo se passa ao pés. O dentista me olhava, várias vezes deve ter pensado
pé da máquina. Em tempo de eleição todos os candida- em pular em cima de mim, eu queria muito que ele fizesse
tos querem fazer seus comícios à sombra dela, e como isso para dar um tiro naquela barriga grande […].
isso não é possível, alguém tem de sobrar, nem todos Eu não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para
se conformam e sempre surgem conflitos. Felizmente a ele, agora eu só cobro!
máquina ainda não foi danificada nesses esparramos, e (O melhor de Rubem Fonseca, 2015.)
espero que não seja. No trecho, o narrador expressa, sobretudo, um senti-
A única pessoa que ainda não rendeu homenagem mento de
à máquina é o vigário, mas você sabe como ele é ran- a) perplexidade.
zinza, e hoje mais ainda, com a idade. Em todo caso, b) melancolia.
ainda não tentou nada contra ela, e ai dele. Enquanto c) rancor.
ficar nas censuras veladas, vamos tolerando; é um di- d) tédio.
reito que ele tem. e) desprezo.
VEIGA, J. J. A máquina extraviada. In: MORICONI, I. Os cem melhores
contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000 (fragmento). Texto para as questões de 25 a 27.
A presença do inusitado ou do fantástico na vida Passeio à Infância
cotidiana é frequente na obra de José J. Veiga. No
Primeiro vamos lá embaixo no córrego; pegaremos
FRENTE 2
fragmento, a situação de singularidade experimenta- dois pequenos carás dourados. E como faz calor, veja, os
da pelas personagens constrói-se a partir do lagostins saem da toca. Quer ir de batelão, na ilha, comer
a) afastamento da religião tradicional. ingás? Ou vamos ficar bestando nessa areia onde o sol
b) medo crescente diante da tecnologia. dourado atravessa a água rasa? Não catemos pedrinhas
c) desrespeito político em âmbito municipal. redondas para atiradeira, porque é urgente subir no morro;
d) impacto sociocultural das inovações. os sanhaços estão bicando os cajus maduros. É janeiro,
e) conflito entre diferentes classes sociais. grande mês de janeiro!
197
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 197 03/04/2024 14:26:07
Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro lado é tão bela e estranha! Inutilmente tento convertê-la em
do morro e descer escorregando no capim até a beira do menina de pernas magras, o joelho ralado, um pouco de
açude. Com dois paus de pita, faremos uma balsa, e, como lama seca do brejo no meio dos dedos dos pés.
o carnaval é no mês que vem, vamos apanhar tabatinga Linda como a areia que a onda ondeou. Saíra grande!
para fazer formas de máscaras. Ou então vamos jogar bola- Na adolescência me torturaria; mas sou um homem madu-
-preta: do outro lado do jardim tem um pé de saboneteira. ro. Ainda assim às vezes é como um bando de sanhaços
Se quiser, vamos. Converta-se, bela mulher estranha, bicando os cajus de meu cajueiro, um cardume de peixes
numa simples menina de pernas magras e vamos passear dourados avançando, saltando ao sol, na piracema; um
nessa infância de uma terra longe. É verdade que jamais bambual com sombra fria, onde ouvi um silvo de cobra,
comeu angu de fundo de panela? e eu quisera tanto dormir. Tanto dormir! Preciso de um
Bem pouca coisa eu sei: mas tudo que sei lhe en- sossego de beira de rio, com remanso, com cigarras. Mas
sino. Estaremos debaixo da goiabeira; eu cortarei uma você é como se houvesse demasiadas cigarras cantando
forquilha com o canivete. Mas não consigo imaginá-la numa pobre tarde de homem.
assim; talvez se na praia ainda houver pitangueiras... Julho, 1945
Havia pitangueiras na praia? Tenho uma ideia vaga de pi- Crônica extraída do livro “200 crônicas escolhidas”, de Rubem Braga.
tangueiras junto à praia. Iremos catar conchas cor-de-rosa
e búzios crespos, ou armar o alçapão junto do brejo para 25. Efomm-RJ 2019 Ao longo do texto percebe-se o de-
pegar papa-capim. Quer? Agora devem ser três horas sejo do homem maduro em transformar, transmutar, a
da tarde, as galinhas lá fora estão cacarejando de sono, mulher estranha em uma menina. Todavia, a seguinte
você gosta de fruta-pão assada com manteiga? Eu lhe passagem evidencia que o seu empenho é ineficaz:
dou aipim ainda quente com melado. Talvez você fosse a) Converta-se, bela mulher estranha, numa simples
como aquela menina rica, de fora, que achou horrível menina de pernas magras e vamos passear nessa
nosso pobre doce de abóbora e coco. infância de uma terra longe.
Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na sombra b) Talvez você fosse como aquela menina rica, de
fria do bambual; ali pescarei piaus. Há rolinhas. Ou então fora, que achou horrível nosso pobre doce de
ir descendo o rio numa canoa bem devagar e de repente abóbora e coco.
dar um galope na correnteza, passando rente às pedras, c) Mas como eu poderia, mulher estranha, convertê-
como se a canoa fosse um cavalo solto. Ou nadar mar
-la em menina para subir comigo pela capoeira?
afora até não poder mais e depois virar e ficar olhando
d) Quero levá-la para a meninice.
as nuvens brancas. Bem pouca coisa eu sei; os outros
e) Inutilmente tento convertê-la em menina de per-
meninos riram de mim porque cortei uma iba de assa-
nas magras, o joelho ralado, um pouco de lama
-peixe. Lembro-me que vi o ladrão morrer afogado com
seca do brejo no meio dos dedos dos pés.
os soldados de canoa dando tiros, e havia uma mulher do
outro lado do rio gritando. 26. Efomm-RJ 2019 O encontro com a mulher mencionada
Mas como eu poderia, mulher estranha, convertê-la no texto desencadeia no narrador os sentimentos de
em menina para subir comigo pela capoeira? Uma vez vi a) estranheza e admiração.
uma urutu junto de um tronco queimado; e me lembro
b) adoração e tortura.
de muitas meninas. Tinha uma que para mim uma ado-
c) tristeza e saudosismo.
ração. Ah, paixão da infância, paixão que não amarga.
d) nostalgia e encantamento.
Assim eu queria gostar de você, mulher estranha que
e) distração e amor.
ora venho conhecer, homem maduro. Homem maduro,
ido e vivido; mas quando a olhei, você estava distraída, 27. Efomm-RJ 2019 A crônica Passeio de Infância, de
meus olhos eram outra vez os encantados olhos daquele Rubem Braga, é um texto:
menino feio do segundo ano primário que quase não a) que apresenta, simultaneamente, elementos narra-
tinha coragem de olhar a menina um pouco mais alta tivos e descritivos, valendo-se da primeira pessoa
da ponta direita do banco.
do plural para convidar a mulher a desfrutar com
Adoração de infância. Ao menos você conhece um
ele tanto da fauna e da flora como de suas experi-
passarinho chamado saíra? É um passarinho miúdo: ima-
ências já vividas.
gine uma saíra grande que de súbito aparecesse a um
b) predominantemente descritivo, com vocabulário
menino que só tivesse visto coleiros e curiós, ou pobres
cambaxirras. Imagine um arco-íris visto na mais remota
regional variado, linguagem objetiva e, por vezes,
infância, sobre os morros e o rio. O menino da roça que irônica.
pela primeira vez vê as algas do mar se balançando sob a c) de caráter narrativo, apresentando contrastes de
onda clara, junto da pedra. sentimentos e uma reflexão sobre os problemas
Ardente da mais pura paixão de beleza é a adoração da vida rural.
da infância. Na minha adolescência você seria uma tor- d) descritivo, apresentando marcas de subjetividade
tura. Quero levá-la para a meninice. Bem pouca coisa eu para contrastar com o mundo em que vivemos.
sei; uma vez na fazenda riram: ele não sabe nem passar e) predominantemente narrativo, em primeira pes-
um barbicacho! Mas o que sei lhe ensino; são pequenas soa, fazendo uso da fauna e da flora para retratar
coisas do mato e da água, são humildes coisas, e você problemas sociais e cotidianos da vida no campo.
198 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 198 03/04/2024 14:26:07
28. UFG-GO A respeito do romance contemporâneo, os c) Na busca de dados sobre Buell Quain, o narrador
livros Pão cozido debaixo de brasa, Dois irmãos e volta ao Xingu para ouvir o que os índios lembra-
Mongólia aproximam-se pela vam de Quain, conseguindo, durante o tempo
a) ausência de narrador onisciente. que lá permaneceu, o testemunho dos índios en-
b) representação do mundo globalizado. volvidos no mistério do suicídio.
c) ruptura das normas sintáticas. d) O autor Bernardo Carvalho constrói uma obra di-
d) adoção de elementos fantásticos. ferente e complexa, em que mistura realidade e
e) exploração de contatos interculturais. ficção, apresentando um enigma em torno de um
suicídio cujas causas serão investigadas. Porém, a
29. Enem A lavadeira começou a viver como uma serviçal
verdade permanecerá ambígua.
que impõe respeito e não mais como escrava. Mas essa
regalia súbita foi efêmera. Meus irmãos, nos frequentes 31. UFU-MG Considere o romance Nove noites, de
deslizes que adulteravam este novo relacionamento, eram Bernardo Carvalho, e faça o que se pede.
dardejados pelo olhar severo de Emilie; eles nunca su- a) Explique a técnica narrativa utilizada na composi-
portaram de bom grado que uma índia passasse a comer
ção da obra.
na mesa da sala, usando os mesmos talheres e pratos, e
b) Explique o título do romance, relacionando-o com
comprimindo com os lábios o mesmo cristal dos copos
o enredo.
e a mesma porcelana das xícaras de café. Uma espécie de
asco e repulsa tingia-lhes o rosto, já não comiam com a 32. UFG-GO A fim de causar a impressão de que o ro-
mesma saciedade e recusavam-se a elogiar os pastéis de mance trata da “realidade”, Bernardo Carvalho, em
picadinho de carneiro, os folheados de nata e tâmara, e Mongólia, recorre à
o arroz com amêndoas, dourado, exalando um cheiro de
a) inserção desconexa de diários que leva o leitor a
cebola tostada. Aquela mulher, sentada e muda, com o
perder o fio da meada.
rosto rastreado de rugas, era capaz de tirar o sabor e o odor
b) interpenetração de narradores que expõem rela-
dos alimentos e de suprimir a voz e o gesto como se o seu
silêncio ou a sua presença que era só silêncio impedisse
tos de aventura humorísticos.
o outro de viver. c) construção de metáforas que atenuam a crítica ao
HATOUM. M. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. regime comunista.
d) inclusão de dados históricos e de crenças religio-
Ao apresentar uma situação de tensão em família, o
sas que acompanham registros de viagem.
narrador destila, nesse fragmento, uma percepção
e) explicitação do projeto de escrita de um livro que
das relações humanas e sociais demarcada pelo
é feita pelo narrador.
a) predomínio dos estigmas de classe e de raça so-
bre a intimidade da convivência. 33. UFG-GO (Adapt.) Considerando-se as relações entre
b) discurso da manutenção de uma ética doméstica Literatura e História, observa-se que tanto Milton Hatoum
contra a subversão dos valores. quanto Miguel Jorge apropriam-se de fatos “reais” na
c) desejo de superação do passado de escassez composição de suas obras ficcionais. Em Dois irmãos,
em prol do presente de abastança. por exemplo, a morte de Antenor Laval, amigo de Omar,
d) sentimento de insubordinação à autoridade re- ocorre por ocasião do cerco da Cidade Flutuante pe-
presentada pela matriarca da família. los militares, em 1964. Em uma das duas narrativas de
e) rancor com a ingratidão e a hipocrisia geradas pe- Pão cozido debaixo de brasa, a luz azul encontrada por
las mudanças nas regras da casa. Felipa, João Bertolino e Nec-Nec é o Césio 137, que
30. UFU-MG Considerando a obra Nove noites e a intro- provocou uma contaminação radioativa, em 1987.
dução a seguir, assinale a alternativa correta. Compare o diferente papel que o evento histórico tem
na construção da obra Dois irmãos.
Isto é para quando você vier. É preciso estar prepa-
rado. Alguém terá que preveni-lo. Vai entrar numa terra 34. UFSM-RS Observe o fragmento a seguir, extraído do
em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos romance Nove noites (2006), de Bernardo Carvalho.
que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios. Qualquer
coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, O Xingu, em todo o caso, ficou guardado na minha
ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. memória como a imagem do inferno. Não entendia o
Bernardo Carvalho. “Nove noites”. que dera na cabeça dos índios para se instalarem lá,
[...]. Não pensei mais no assunto até o antropólogo que
a) O fragmento acima refere-se à carta que Buell
por fim me levou aos Krahô, em agosto de 2001, me
Quain escrevera antes de cometer o suicídio e que
FRENTE 2
esclarecer: “Veja o Xingu. Por que os índios estão lá?
fora deixada para Manoel Perna, seu grande ami-
Porque foram sendo empurrados, encurralados, foram
go, como forma de atestar a inocência dos índios.
fugindo até se estabelecerem no lugar mais inóspito e
b) A narrativa é constituída por relatos verídicos, in-
inacessível, o mais terrível para a sua sobrevivência, e
cluindo cientistas verdadeiros como Lévi-Strauss ao mesmo tempo sua última e única condição. O Xingu
(antropólogo) e as respostas às indagações sobre foi o que lhes restou”.
a morte de Buell Quain encontravam-se em poder Fonte: CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo:
dos índios Krahô. Companhia das Letras, 2006. p. 64-65.
199
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 199 03/04/2024 14:26:07
A partir do exposto, assinale a alternativa INCORRETA.
a) No fragmento, fica implícita a ideia de que o sacrifício dos Krahô é inevitável para o surgimento de uma nova
ordem, neoliberal e globalizada.
b) Na passagem, fica nítido o desconforto do narrador em relação ao Xingu e o seu desconhecimento relativo à si-
tuação dos indígenas, o que reproduz a ignorância generalizada em torno das necessidades dessas populações.
c) O excerto tem o seu sentido complementado por outra passagem do romance, na qual o narrador afirma que os
Krahô são “os órfãos da civilização. Estão abandonados” (p. ).
d) Na passagem, a afirmação de que o Xingu é a “última e única condição” dos Krahô é uma revelação com clara
conotação trágica.
e) A passagem assinala o estranhamento do narrador-personagem em relação aos Krahô, estranhamento reforçado
em outras situações, como, por exemplo, quando o personagem resiste a participar dos rituais da tribo.
35. Fuvest-SP 2024 Em Dois irmãos, de Milton Hatoum, os gêmeos Yaqub e Omar representam duas personalidades
antagônicas que se enfrentam ao longo da narrativa. A rivalidade entre eles tem como resultado:
a) A prosperidade econômica de ambos. d) A morte de Rânia, a irmã dos gêmeos.
b) A reconstrução dos laços entre eles. e) A desagregação e a ruína da família.
c) A ida de Nael a São Paulo para viver com Yaqub.
36. Fuvest-SP 2024 A partir da leitura de Dois irmãos, com o foco na questão da paternidade de Nael, narrador do ro-
mance, pode-se afirmar:
a) Nenhum dos dois irmãos assumiu a paternidade de Nael, nem Nael os reconheceu como pais.
b) Nael é filho de Rochiram, de quem ganha a casa no fundo do terreno para escrever suas memórias.
c) Nael gostaria que Yaqub fosse seu pai, pelos projetos e visão de mundo que compartilhava com ele.
d) A cena final do romance, na qual Omar e Nael se encontram, confirma a paternidade de Omar.
e) Embora não quisesse ter tido filhos, Halim é o pai de Nael, Omar e Yaqub.
Texto complementar
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
Quer saber mais?
Vídeos RODA VIVA. Entrevista com Haroldo de Campos.
LITERATURA PUC-SP. Literatura e Vestibular: Seminário dos YouTube, . Disponível em: https://youtu.be/
Ratos, Lygia Fagundes Telles. YouTube, . Disponível zeyMRvdAg. Acesso em: fev. .
em: https://youtu.be/soiLDMJ_zo. Acesso: fev. . Nesse vídeo, do Canal Roda Viva, Haroldo de Campos,
O canal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo poeta concretista, ensaísta e tradutor, aborda, em entre-
oferece aulas sobre as leituras obrigatórias do vestibular. vista cedida em , assuntos relacionados a literatura,
Nesse vídeo, uma análise da obra Seminário dos ratos. cinema e teatro.
LITERATURA PUC-SP. Literatura e Vestibular: Nove Noites, DIOGO BRANDÃO. Diogo Brandão no Teaser do Curta
Bernardo Carvalho. YouTube, . Disponível em: https:// Metragem Feliz Ano Novo. YouTube, . Disponível
youtu.be/sg-przvzs?list=PLuGalMrrEyidPmrahmQryVW em: https://www.youtube.com/watch?v=lTrGfCcDg.
hxSLzNJ. Acesso: fev. . Acesso em: fev. .
O canal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Esse curta-metragem, baseado no conto “Feliz Ano Novo”,
oferece aulas sobre as leituras obrigatórias do vestibular. de Rubem Fonseca, foi dirigido por Guilherme Folly. Leia
Nesse vídeo, a pesquisadora Lara Queiroz analisa a obra o conto brutalista para conferir o filme.
Nove noites.
200 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 200 10/04/2024 13:48:53
Exercícios complementares
1. UPE/SSA 2022 Texto III
Texto I
Mar Azul
Não há vagas
mar azul
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço mar azul marco azul
do arroz mar azul marco azul barco azul
não cabe no poema. mar azul marco azul barco azul arco azul
Não cabem no poema o gás mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
a luz o telefone GULLAR, Ferreira. Mar azul.
a sonegação
do leite Disponível em: https://www.tudoepoema.com.br/ferreira-gullar-mar-azul/
Acesso em: 05 jun. 2021.
da carne
do açúcar Texto IV
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
— porque o poema, senhores,
está fechado: Somos muitos – obra do muralista Kobra.
“não há vagas”
Com base na leitura dos Textos I, II, III e IV e tendo
Só cabe no poema
em vista as características da obra de Ferreira Gullar,
o homem sem estômago
assinale a alternativa CORRETA.
a mulher de nuvens
a fruta sem preço a) O poema Não há vagas (Texto I) revela a ênfase
O poema, senhores, no engajamento social e na poesia verbivocovi-
não fede sual, traços característicos do experimentalismo
nem cheira e do Concretismo na poética impressionista de
GULLAR, Ferreira. Não há vagas. Disponível em: https:// Ferreira Gullar.
poesiaspoemaseversos.com.br/ferreira-gullar-poemas/ b) No poema Mar azul (Texto III), as características
Acesso em: 5 jun. 2021.
da poesia concreta e social de Ferreira Gullar
Texto II
evidenciam-se na disposição formal de versos e
Meu povo, meu poema estrofes, com a utilização de substantivos, verbos,
Meu povo e meu poema crescem juntos advérbios e adjetivos na composição da imagem
como cresce no fruto visual de uma onda do mar.
a árvore nova c) O Texto II representa a imagem idealizada do povo
No povo meu poema vai nascendo brasileiro em sua pluralidade cultural e étnica. Os
como no canavial Textos II e IV configuram relações intertextuais pa-
nasce verde o açúcar rodísticas quanto à representação multicultural do
No povo meu poema está maduro brasileiro e à identidade entre o povo e a poesia.
como o sol d) A principal característica da obra de Ferreira
na garganta do futuro Gullar é a reflexão sobre a linguagem poética,
Meu povo em meu poema como se nota nos Textos I e II, nos quais a poesia
se reflete é compreendida como trabalho árduo, racional,
FRENTE 2
como a espiga se funde em terra fértil com destaque para a métrica fixa e rígida na orga-
nização estrutural dos poemas.
Ao povo seu poema aqui devolvo e) Ferreira Gullar destacou-se no Modernismo bra-
menos como quem canta sileiro com sua poesia social. Os Textos I e II são
do que planta exemplos da poesia social de Ferreira Gullar e
GULLAR, Ferreira. Meu povo, meu poema.
Disponível em: https://www.tudoepoema.com.br/ferreiragullar-meu- exploram a utilização de versos livres e da meta-
povo-meu-poema/ Acesso em: 28 maio 2021. linguagem.
201
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 201 03/04/2024 14:26:08
2. Ufam Leia o poema a seguir, de autoria de Augusto Está correto o que se afirma em
de Campos. a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) I e III, apenas.
e) I, II e III.
4. UPF-RS Na década de 1950, surge, no Brasil, o mo-
vimento da poesia concreta, liderado pelos irmãos
Augusto e Haroldo de Campos e por Décio Pignatari.
Algumas características marcantes da poesia concre-
ta são:
a) a valorização da palavra solta, que se fragmenta e
Leia agora as afirmativas feitas sobre o poema. se recompõe na página, e o uso do espaço gráfico
I. Trata-se de um produto da chamada poesia con- como elemento estrutural do poema.
creta. b) a retomada das formas fixas, como o soneto e o
II. Trabalha com a decomposição de uma palavra epigrama, e a valorização dos temas universais.
central: “número”. c) o emprego da linguagem coloquial e o desenvol-
III. Explora aspectos visuais, semânticos e sonoros. vimento de temas do cotidiano.
IV. A partir do sistema fonético, cria um campo lin- d) o uso estilizado de formas da literatura oral, como o
guístico específico. cordel nordestino, e a pregação político-partidária.
V. Busca a ruptura com o verso tradicional. e) o recurso à musicalidade do verso e a afirmação
Assinale a alternativa correta. do corpo e do desejo.
a) Somente as afirmativas I, II e V estão corretas.
b) Somente as afirmativas I, III e IV estão corretas. 5. Enem
c) Somente as afirmativas I, III e V estão corretas.
d) Somente as afirmativas II, IV e V estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.
3. Unifesp Leia os textos e analise as afirmações.
Texto 1
Disponível em: <www.custodio.net>. (Adapt.).
Texto 2 CLARK, L. Bicho de bolso. Placas de metal, 1966.
ra terra ter
rat erra ter O objeto escultórico produzido por Lygia Clark, repre-
rate rra ter sentante do Neoconcretismo, exemplifica o início de
rater ra ter uma vertente importante na arte contemporânea, que
raterr a ter amplia as funções da arte. Tendo como referência a
raterra terr obra Bicho de bolso, identifica-se essa vertente pelo(a)
araterra ter a) participação efetiva do espectador na obra, o que
raraterra te determina a proximidade entre arte e vida.
rraraterra t b) percepção do uso de objetos cotidianos para a
erraraterra
confecção da obra de arte, aproximando arte e
terraraterra
realidade.
PIGNATARI, Décio.
c) reconhecimento do uso de técnicas artesanais na
I. A graça do texto decorre da ambiguidade que as- arte, o que determina a consolidação de valores
sume o termo “concreta” na situação apresentada. culturais.
II. O texto é exemplo de poesia concreta, relaciona- d) reflexão sobre a captação artística de imagens
da ao experimentalismo poético, no qual o poema com meios ópticos, revelando o desenvolvimento
rompe com o verso tradicional e transforma-se de uma linguagem própria.
em objeto visual. e) entendimento sobre o uso de métodos de produ-
III. Para a interpretação do texto , pode-se prescin- ção em série para a confecção da obra de arte, o
dir dos signos verbais. que atualiza as linguagens artísticas.
202 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 202 03/04/2024 14:26:08
6. UFJF/Pism-MG A prosa memorialista ou autobiográfica, gênero
bastante difundido durante o período simbolista,
Pulsar é retomada na segunda metade do século XX
pela pena de grandes escritores, como Dalton
Trevisan e Rubem Fonseca. Por meio de uma
linguagem introspectiva, o escritor faz emergir
seu universo pessoal como reação velada às
intempéries da vida anônima e massificada nos
grandes centros urbanos.
Em função de sua preocupação com a organi-
zação do texto, com a precisão e a concisão da
linguagem, João Cabral de Melo Neto é conside-
rado precursor da poesia concreta e visual. Sua
obra poética abarca desde os poemas surrealis-
tas de “A pedra do sono”, passando pelos poemas
metalinguísticos de “Psicologia da composição”,
Campos, Augusto. Viva vaia – poesia 1949-1979. São Paulo:
Duas cidades, 1979. p. 175. até a ênfase social de “Morte e vida severina”,
poema que relata a trajetória de Severino, reti-
Explique como se articula a substituição de letras por rante nordestino que ruma para o Recife.
outros sinais gráficos na construção do poema con- Os textos em prosa contemporâneos – contrarian-
creto “Pulsar”, de Augusto de Campos.
do a tendência da poesia do mesmo período, que
7. UEM-PR Leia as informações a seguir sobre tendências intensifica e diversifica procedimentos técnicos da
contemporâneas da literatura e assinale o que for correto. terceira geração do Modernismo – retomam um
modo tradicional de narrar. A fragmentação que
O que, no campo literário, de modo geral, a crítica dava o tom da ficção de Clarice Lispector e de João
tem chamado de tendências contemporâneas aponta para
Guimarães Rosa cede lugar a narrativas construí-
as obras e os movimentos surgidos a partir de meados da
das segundo os moldes tradicionais, com começo,
década de 1950 e que refletem, nas décadas de 1960 e
meio e fim, normalmente narradas a partir de um
1970, um momento histórico caracterizado inicialmente
pelo autoritarismo e pela censura, seguido de um progressi-
ponto de vista onisciente, imbuído da missão de
vo processo de democratização. Trata-se de uma produção trazer ordem ao caos da realidade extraliterária.
literária bastante vasta e diversificada. Na poesia, dois as- Soma:
pectos são considerados: um marcado pela permanência,
em que autores consagrados continuam produzindo com 8. Unicamp-SP 2019
certa ênfase na temática social; outro, pela ruptura, em que
Atrás dos olhos das meninas sérias
ganha corpo a luta contra esquemas analítico-discursivos
da sintaxe tradicional. Na prosa, uma das características Mas poderei dizer-vos que elas ousam? Ou vão, por
mais marcantes é a pluralidade de estilos, consequência de [injunções muito mais sérias,
diferentes tratamentos conferidos à linguagem. lustrar pecados que jamais repousam?
O texto acima encontra-se no livro A teus pés, de
O Concretismo, no âmbito da poesia, impulsionado
Ana Cristina Cesar. Leia-o atentamente e responda às
pelos avanços tecnológicos da época e pelos meios
questões.
de comunicação de massa, abandona o discurso
a) Indique a quem se referem, no texto, a segunda
poético tradicional em prol dos recursos gráficos
pessoa do plural (“vos”) e a terceira pessoa do
das palavras. Decorrem daí a abolição do verso tra-
plural (“elas”).
dicional, o aproveitamento do espaço em branco,
b) Por meio da partícula “Ou”, o poema estabelece
a exploração da palavra como “coisa”, a ausência
de lirismo, a rejeição do tema (o poema não signifi- uma alternativa entre duas situações: a ousadia e
ca, ele é), a possibilidade de leituras múltiplas. Essa a ação de “lustrar pecados”. Explique de que ma-
estética teve em Haroldo de Campos, Augusto de neira a primeira situação é diferente da segunda,
Campos e Décio Pignatari seus principais poetas. levando em consideração o título do poema.
No âmbito da ficção, a temática política, para es- 9. Enem
capar à censura aos meios de comunicação de
FRENTE 2
massa, valeu-se de subterfúgios. O romance- Primeira lição
-reportagem, por meio de uma linguagem jornalís- Os gêneros de poesia são: lírico, satírico, didático,
tica e baseado em fatos reais, denuncia e protesta épico, ligeiro.
contra a violência social e política. De outro lado, O gênero lírico compreende o lirismo.
o realismo mágico denuncia o mesmo estado Lirismo é a tradução de um sentimento subjetivo, sin-
de coisas por meio de situações consideradas cero e pessoal.
irreais, absurdas e/ou insólitas. É a linguagem do coração, do amor.
203
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 203 03/04/2024 14:26:08
O lirismo é assim denominado porque em outros 11. UFRGS 2020 Leia o fragmento a seguir da obra, em que
tempos os versos sentimentais eram declamados ao som a personagem Lia conversa com o motorista de Lorena.
da lira.
O lirismo pode ser: — A filha também lhe dá alegria? Ele demora na res-
a) Elegíaco, quando trata de assuntos tristes, quase posta. Vejo sua boca entortar. — Essa moda que vocês
sempre a morte. têm, essa de liberdade. Cismou de andar solta demais e
b) Bucólico, quando versa sobre assuntos campestres. não topo isso. Agora inventou de estudar de novo. Entrou
c) Erótico, quando versa sobre o amor. num curso de madureza.
O lirismo elegíaco compreende a elegia, a nênia, a — E isso não é bom? — Só sei que antes de fechar os
endecha, o epitáfio e o epicédio. olhos quero ver a garota casada, é só o que peço a Deus.
Elegia é uma poesia que trata de assuntos tristes. Ver ela casada.
Nênia é uma poesia em homenagem a uma pessoa — Garantida, o senhor quer dizer. Mas ela pode
morta. estudar, ter uma profissão e casar também, não é mais
Era declamada junto à fogueira onde o cadáver era garantido assim? Se casar errado, fica desempregada. Mais
incinerado. velha, com filhos, entende
Endecha é uma poesia que revela as dores do coração. [...].
Epitáfio é um pequeno verso gravado em pedras tu-
— A Loreninha também fala assim mas vocês são de
mulares.
família rica, podem ter esses luxos. Minha filha é moça
Epicédio é uma poesia onde o poeta relata a vida de
pobre e lugar de moça pobre é em casa, com o marido,
uma pessoa morta.
CESAR. A. C. Poética. São Paulo. Companhia das Letras, 2013.
com os filhos. Estudar só serve pra atrapalhar a cabeça
dela quando estiver lavando roupa no tanque.
No poema de Ana Cristina Cesar, a relação entre as
definições apresentadas e o processo de construção Considere as afirmações abaixo, a respeito da situa-
do texto indica que o(a) ção da mulher, tema ilustrado no fragmento acima e
a) caráter descritivo dos versos assinala uma con- presente em outros momentos do romance.
cepção irônica de lirismo. I. O discurso do motorista é exemplo de postura
b) tom explicativo e contido constitui uma forma pe- patriarcalista, que desaprova a liberdade da mu-
culiar de expressão poética. lher, especialmente se ela for de classe baixa,
c) seleção e o recorte do tema revelam uma visão pois a maior aspiração que ela pode ter na vida
pessimista da criação artística. é o casamento.
d) enumeração de distintas manifestações líricas II. A sexualidade feminina não é tema tratado no ro-
produz um efeito de impessoalidade. mance, aparecendo apenas de modo difuso, a fim
e) referência a gêneros poéticos clássicos expressa de escapar da censura vigente à época de sua
a adesão do eu lírico às tradições literárias. publicação, em .
III. As ideias de Lia mostram sua postura libertária em
As questões 10 e 11 referem-se à obra As meninas, de
Lygia Fagundes Telles. relação ao papel da mulher na sociedade, contra-
riando as visões estereotipadas que a reduzem a
10. UFRGS 2020 No bloco superior abaixo, estão listadas um ser passivo e dependente dos homens.
personagens do romance; no inferior, características
Quais estão corretas?
dessas personagens.
a) Apenas I. d) Apenas II e III.
Associe adequadamente o bloco inferior ao superior.
b) Apenas II. e) I, II e III.
. Lorena Vaz Leme
c) Apenas I e III.
. Lia de Melo Shultz
. Ana Clara Conceição 12. Uema 2015 O texto a seguir faz parte do conto “Verde
É modelo, viciada em drogas, e divide-se entre o Lagarto Amarelo”, de Lygia Fagundes Telles. O episódio
noivo rico e o amante traficante. a seguir reproduz o diálogo entre dois irmãos, Rodolfo
Envolve-se na militância política contra a ditadura e Eduardo. Leia-o, com atenção, a fim de responder à
e presencia a prisão de seu namorado. questão.
É culta, vive trancada em seu quarto-concha, pos-
Ele entrou no seu passo macio, sem ruído, não chega-
sui um passado trágico, relacionado à morte do
va a ser felino: apenas um andar discreto. Polido.
irmão e à loucura do pai.
— Rodolfo! Onde está você?... Dormindo? — pergun-
É filha de mãe baiana, vai para São Paulo estudar
tou quando me viu levantar da poltrona e vestir a camisa.
Ciências Sociais, fugindo do passado sombrio do Baixou o tom de voz. — Está sozinho?
pai, um ex-militar nazista. Ele sabe muito bem que estou sozinho, ele sabe que
A sequência correta de preenchimento, de cima para sempre estou sozinho.
baixo, é — Estava lendo.
a) – – – . d) – – – . — Dostoiévski?
b) – – – . e) – – – . Fechei o livro e não pude deixar de sorrir. Nada lhe
c) – – – . escapava.
204 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 204 03/04/2024 14:26:08
— Queria lembrar uma certa passagem... Só que está um físico que estudava a estrutura das bolhas, po-
quente demais, acho que este é o dia mais quente desde dia amar uma mulher como a rival.
que começou o verão. b) o destaque dado à rivalidade entre as mulheres,
Ele deixou a pasta na cadeira e abriu o pacote de já que, de acordo com o pensamento da época,
uvas roxas. elas deveriam se unir para combater os abusos
— Estavam tão maduras, olha só que beleza — disse de uma sociedade machista e excludente.
tirando um cacho e balançando-o no ar como um pêndulo.
c) a ênfase dada à irrelevância da pesquisa científica
— Prova! Uma delícia.
no âmbito social, já que a personagem masculina
[...]
estuda a estrutura da bolha de sabão.
— Vou fazer um café — anunciei.
— Só se for para você, tomei há pouco na esquina. d) o destaque dado no conto à emergência de uma
Era mentira. O bar da esquina era imundo e para ele o café nova masculinidade, já que a personagem masculi-
fazia parte de um ritual nobre, limpo. [...] na se mostra dócil e despreocupada.
TELLES, Lygia Fagundes. Melhores contos de Lygia Fagundes Telles/ e) a exploração dos conflitos e das fragilidades das
Seleção de Eduardo Portella. 12. ed. Coleção melhores contos. personagens, abordagem que, ao dar relevo à vul-
São Paulo: Global, 2003.
nerabilidade dos sujeitos, contraria o comodismo
No fragmento a seguir, há ocorrência de um recurso característico de parte da sociedade da época.
linguístico que aproxima sensações de planos senso-
riais diferentes, conhecido como sinestesia. 14. Enem
Ele entrou no seu passo macio, sem ruído, não chega- Casamento
va a ser felino: apenas um andar discreto. Polido.
— Rodolfo! Onde está você?... Dormindo? — pergun- Há mulheres que dizem:
tou quando me viu levantar da poltrona e vestir a camisa. Meu marido, se quiser pescar, pesque,
Baixou o tom de voz. — Está sozinho? mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
O trecho que apresenta recurso sinestésico, a exem-
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
plo do fragmento anterior, é É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
a) “A vaia amarela dos papagaios / rompe o silêncio de vez em quando os cotovelos se esbarram,
da despedida.” (Carlos Drummond de Andrade). ele fala coisas como “este foi difícil”
b) “Duro é o pão que nós comemos. Dura é a cama “prateou no ar dando rabanadas”
que dormimos.” (Carolina Maria de Jesus). e faz o gesto com a mão.
c) “O cabelo louro, a pele bronzeada de sol, as mãos O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
de estátua.” (Lygia Fagundes Telles). atravessa a cozinha como um rio profundo.
d) “... Eu durmi. E tive um sonho maravilhoso. Sonhei Por fim, os peixes na travessa,
que eu era um anjo.” (Carolina Maria de Jesus). vamos dormir.
e) “No meio do caminho tinha uma pedra...” (Carlos Coisas prateadas espocam:
Drummond de Andrade). somos noivo e noiva.
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.
13. UFSM-RS De acordo com Ítalo Moriconi, diante do
consumismo e da internacionalização em que mer- O poema de Adélia Prado, que segue a proposta mo-
gulha a classe média, a arte do conto busca trazer derna de tematização de fatos cotidianos, apresenta
o outro lado [...]. O contista brasileiro dos anos 1970 a prosaica ação de limpar peixes na qual a voz lírica
quer desafinar o coro dos contentes. A partir de tais reconhece uma
informações, considere o fragmento a seguir, retirado a) expectativa do marido em relação à esposa.
do conto “A estrutura da bolha de sabão” (1978), de b) imposição dos afazeres conjugais.
Lygia Fagundes Telles, narrativa cujo ponto de partida c) disposição para realizar tarefas masculinas.
é um triângulo amoroso: d) dissonância entre as vozes masculina e feminina.
Convidaram-me e sentei, os joelhos de ambos en- e) forma de consagração da cumplicidade no casa-
costados nos meus, a mesa pequena enfeixando copos mento.
e hálitos. Me refugiei nos cubos de gelo amontoados no
fundo do copo, ele podia estudar a estrutura do gelo, não 15. UFRGS Leia o poema “Tabaréu”, de Adélia Prado.
era mais fácil? Mas ela queria fazer perguntas. Uma antiga Vira e mexe eu penso é numa toada só.
amizade? Uma antiga amizade. Ah. Fomos colegas? Não, Fiz curso de filosofia pra escovar o pensamento,
nos conhecemos numa praia, onde? Por aí, numa praia. não valeu. O mais universal que eu chego
Ah. Aos poucos o ciúme foi tomando forma e transbordan- é a recepção de Nossa Senhora de Fátima
FRENTE 2
do espesso como um licor azul-verde, do tom da pintura em Santo Antônio do Monte.
dos seus olhos. Escorreu pelas nossas roupas, empapou a
Duas mil pessoas com velas louvando a Maria
toalha de mesa, pingou gota a gota.
num oco de escuro, pedindo bom parto,
A partir do fragmento, pode-se dizer que, no conto, a es- moço de bom gênio pra casar,
tratégia utilizada para desafinar o coro dos contentes é boa hora pra nascer e morrer.
a) a exposição crítica do abismo entre as classes so- O cheiro do povo espiritado,
ciais, já que a narradora questiona como o amigo, isso eu entendo sem desatino.
205
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 205 03/04/2024 14:26:08
Porque, mercê de Deus, o poder que eu tenho Por que não gritas, Tu mesmo,
é de fazer poesia, quando ela insiste feito a miraculosa trama dos teares,
água no fundo da mina, levantando morrinho de areia. já que Tua voz reboa
É quando clareia e refresca, abre sol, chove, nos quatro cantos do mundo?
conforme necessidades. Tudo progrediu na terra
Às vezes dá até de escurecer de repente e insistes em caixeiros-viajantes
com trovoada e raio. Não desaponta nunca. de porta em porta, a cavalo!
É feito sol. Olha aqui, cidadão,
Feito amor divino. repara, minha senhora,
neste canivete mágico:
Considere as seguintes afirmações sobre esse poema. corta, saca e fura,
I. O curso de filosofia tentaria organizar/escovar o é um faqueiro completo!
pensamento, mas a poeta reconhece que sua ca- Ó Deus,
pacidade de alcançar o “universal” é limitada: ela me deixa trabalhar na cozinha,
é capaz, sim, de entender uma cena de fé coleti- nem vendedor nem escrivão,
me deixa fazer Teu pão.
va, com suas solicitações práticas e emocionadas.
Filha, diz-me o Senhor,
II. O uso do registro oral e popular (“vira e mexe”,
eu só como palavras.
“escovar o pensamento”, “o mais universal que Adélia Prado. Oráculos de maio.
eu chego”) revela a perspectiva despretensiosa
a) Interprete a leitura crítica do cotidiano realizada
e informal da poeta, que contrasta com os versos
pelo eu lírico.
metrificados do poema, os quais mantêm, em sua
b) Exemplifique sua interpretação dos versos de
maioria, o mesmo número de sílabas.
Adélia Prado quanto à estilização corresponden-
III. A capacidade de escrever poesia associa-se a fe-
te, efetuada na linguagem.
nômenos naturais, como água caindo sobre areia,
variação de temperatura, sol e raio, dos quais 18. UFPE Analise as afirmações que são feitas a seguir,
derivam as dúvidas sobre a existência de Deus quanto à imagem e ao poema dispostos.
enunciadas no poema.
Qual(is) está(ão) correta(s)?
a) Apenas I. d) Apenas II e III.
b) Apenas II. e) I, II e III.
c) Apenas I e III.
16. Enem
Resumo
Gerou os filhos, os netos,
Deu à casa o ar de sua graça
e vai morrer de câncer.
O modo como pousa a cabeça para um retrato
é o da que, afinal, aceitou ser dispensável.
Espera, sem uivos, a campa, a tampa, a inscrição: (Poeminha em língua de brincar, de Manoel de Barros, poeta mato-
-grossense, com ilustrações de Martha Barros.)
1906-1970
SAUDADE DOS SEUS, LEONORA. Não tenho bens de acontecimentos.
PRADO, A. Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2007. O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
O texto de Adélia Prado apresenta uma mulher cuja
— Imagens são palavras que nos faltaram.
vida se “resume”. Sua expressão poética revela
— Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
a) contradições do universo feminino infeliz. — Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
b) frustração relativa às obrigações cotidianas. Ai frases de pensar!
c) busca de identidade no universo familiar. Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
d) subterfúgios de uma existência complexa. Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo).
e) resignação diante da condição social imposta. Concluindo: há pessoas que se compõem de atos,
[ruídos, retratos.
17. UFF-RJ Leia o poema “O poeta ficou cansado”, de Adélia
Outras de palavras.
Prado, representativo da estética contemporânea.
Poetas e tontos se compõem com palavras.
O poeta ficou cansado (Manoel de Barros)
Pois não quero mais ser Teu arauto. O poema de Manoel de Barros se assemelha à
Já que todos têm voz, poesia do pessoano Alberto Caeiro, homem sim-
por que só eu devo tomar navios ples da Aldeia, para quem “Pensar é estar doente
de rota que não escolhi? dos olhos”.
206 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 206 03/04/2024 14:26:08
Assim como Caeiro, a simplicidade de Barros é Os textos I e II, ainda que muito distantes entre si do
enganosa, pois só é conseguida a partir de um ponto de vista cronológico, tratam basicamente do
profundo conhecimento da língua portuguesa, que mesmo tema, evidenciando alguns dos aspectos
permite a sua depuração numa poesia de cunho atemporais da existência humana. Enquanto em
filosófico, como se pode ler no texto em foco. Camões (texto I) a Senhora é apreciada em cada deta-
A partir da leitura do poema destacado, verifica- lhe de sua composição, formando um todo perfeito e
-se que a infância e a natureza são referências divino, Seu João de Dalton Trevisan (texto II):
fundamentais para os poetas Manoel de Barros e a) resigna-se em apreciar sua Senhora apenas de
Alberto Caeiro. longe.
As ilustrações de Martha Barros para o livro do b) idealiza platonicamente a imagem da mulher amada.
poeta buscam inspiração nos desenhos impreci- c) foge ao julgamento da beleza exterior de nhá Biela.
sos e inacabados das crianças. d) lamenta a cegueira que o impede de ver sua musa.
Por suas características, o poema de Manoel de e) contenta-se com a indistinção da figura de nhá Biela.
Barros é precisamente destinado ao público infantil.
20. Unesp 2018 Leia o conto “A moça rica”, de Rubem
19. UFJF/Pism-MG Braga (1913-1990), para responder à questão.
TEXTO I
A madrugada era escura nas moitas de mangue, e
CLIII eu avançava no batelão velho; remava cansado, com um
Criou a Natureza damas belas, resto de sono. De longe veio um rincho de cavalo; depois,
Que foram de altos plectros celebradas; numa choça de pescador, junto do morro, tremulou a luz
Delas tomou as partes mais prezadas, de uma lamparina.
E a vós, Senhora, fez do melhor delas. Aquele rincho de cavalo me fez lembrar a moça que eu
encontrara galopando na praia. Ela era corada, forte. Viera
Elas diante vós são as estrelas, do Rio, sabíamos que era muito rica, filha de um irmão de
Que ficam com vos ver logo eclipsadas. um homem de nossa terra. A princípio a olhei com espanto,
Mas se elas têm por sol essas rosadas quase desgosto: ela usava calças compridas, fazia caçadas,
Luzes de sol maior, felizes elas! dava tiros, saía de barco com os pescadores. Mas na segunda
Em perfeição, em graça e gentileza, noite, quando nos juntamos todos na casa de Joaquim Pes-
Por um modo entre humanos peregrino, cador, ela cantou; tinha bebido cachaça, como todos nós, e
A todo belo excede essa beleza. cantou primeiro uma coisa em inglês, depois o Luar do sertão
e uma canção antiga que dizia assim: “Esse alguém que logo
Oh! Quem tivera partes de divino
encanta deve ser alguma santa”. Era uma canção triste.
Para vos merecer! Mas se pureza
Cantando, ela parou de me assustar; cantando, ela
De amor vale ante vós, de vós sou digno.
deixou que eu a adorasse com essa adoração súbita, mas
(CAMÕES, Luís de. Rimas: Segunda parte, Sonetos. In: Obra completa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. p. 529.) tímida, esse fervor confuso da adolescência – adoração
sem esperança, ela devia ter dois anos mais do que eu. E
TEXTO II amaria o rapaz de suéter e sapato de basquete, que cos-
34. tuma ir ao Rio, ou (murmurava-se) o homem casado, que
Seu João, perdido de catarata negra nos dois já tinha ido até à Europa e tinha um automóvel e uma co-
olhos: leção de espingardas magníficas. Não a mim, com minha
— Meu consolo que, em vez de nhá Biela, vejo pobre flaubert, não a mim, de calça e camisa, descalço,
uma nuvem. não a mim, que não sabia lidar nem com um motor de
popa, apenas tocar um batelão com meu remo.
Duas semanas depois que ela chegou é que a encon-
trei na praia solitária; eu vinha a pé, ela veio galopando
a cavalo; vi-a de longe, meu coração bateu adivinhando
quem poderia estar galopando sozinha a cavalo, ao longo
da praia, na manhã fria. Pensei que ela fosse passar me
dando apenas um adeus, esse “bom-dia” que no interior
a gente dá a quem encontra; mas parou, o animal res-
folegando e ela respirando forte, com os seios agitados
dentro da blusa fina, branca. São as duas imagens que se
gravaram na minha memória, desse encontro: a pele escura
FRENTE 2
e suada do cavalo e a seda branca da blusa; aquela dupla
respiração animal no ar fino da manhã.
E saltou, me chamando pelo nome, conversou co-
migo. Séria, como se eu fosse um rapaz mais velho do
que ela, um homem como os de sua roda, com calças de
(TREVISAN, Dalton. 111 ais. Ilustração de Ivan Pinheiro Machado. “palm-beach”, relógio de pulso. Perguntou coisas sobre
Porto Alegre: L&PM, 2001, p. 39.) peixes; fiquei com vergonha de não saber quase nada,
207
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 207 03/04/2024 14:26:08
não sabia os nomes dos peixes que ela dizia, deviam ser Não recebeu uma resposta direta do empregado da
peixes de outros lugares mais importantes, com certeza estrada, que se limitou a apontar o morro, onde se dispu-
mais bonitos. Perguntou se a gente comia aqueles cocos nham, sem simetria, dezenas de casinhas brancas.
dos coqueirinhos junto da praia – e falou de minha irmã, — Belas mulheres? – indagou o viajante.
que conhecera, quis saber se era verdade que eu nadara — Casas vazias.
desde a ponta do Boi até perto da lagoa. Percebeu logo que tinha pela frente um cretino. Apa-
De repente me fulminou: “Por que você não gosta nhou as malas e se dispôs a subir as íngremes ladeiras que
de mim? Você me trata sempre de um modo esquisito...” o conduziriam ao povoado.
Respondi, estúpido, com a voz rouca: “Eu não”. [...]
Ela então riu, disse que eu confessara que não gostava Durante todo o percurso, desde as vias secundárias à
mesmo dela, e eu disse: “Não é isso.” Montou o cavalo, avenida principal, os moradores do lugar observaram Cariba
perguntou se eu não queria ir na garupa. Inventei que com desconfiança. Talvez estranhassem as valises de couro
precisava passar na casa dos Lisboa. Não insistiu, me deu de camelo que carregava ou o seu paletó xadrez, as calças
um adeus muito alegre; no dia seguinte foi-se embora. de veludo azul. Mesmo sendo o seu traje usual nas cons-
Agora eu estava ali remando no batelão, para ir no tantes viagens que fazia, achou prudente desfazer qualquer
Severone apanhar uns camarões vivos para isca; e o relin- mal-entendido provocado pela sua presença entre eles:
cho distante de um cavalo me fez lembrar a moça bonita — Que cidade é esta? – perguntou, esforçando-se para
e rica. Eu disse comigo – rema, bobalhão! – e fui remando dar às palavras o máximo de cordialidade.
com força, sem ligar para os respingos de água fria, cada Nem chegou a indagar pelas mulheres, conforme pre-
vez com mais força, como se isto adiantasse alguma coisa. tendia. Pegaram-no com violência pelos braços e o foram
(Os melhores contos, 1997.) levando, aos trancos, para a delegacia de polícia:
— É o homem procurado – disseram ao delegado, um
batelão: embarcação movida a remo. sargento espadaúdo e rude.
rincho: relincho. [...]
flaubert: um tipo de espingarda. O sargento chegara a uma conclusão, entretanto di-
vagava:
O espanto inicial demonstrado pelo narrador em rela- — O telegrama da Chefia de Polícia não esclarece
ção à moça deve-se ao fato de ela nada sobre a nacionalidade do delinquente, sua aparên-
a) portar-se de forma independente. cia, idade e quais os crimes que cometeu. Diz tratar-se
b) agir de modo dissimulado. de elemento altamente perigoso, identificável pelo mau
c) cantar muito bem. hábito de fazer perguntas e que estaria hoje neste lugar.
d) demonstrar orgulho de sua cidade natal. [...]
e) ser bastante rica. Cinco meses após a sua detenção, ele não mais espera
sair da cadeia. Das suas grades, observa os homens que
21. UFRGS Assinale a alternativa correta sobre o conto passam na rua. Mal o encaram, amedrontados, apressam
Caixinha de música, que faz parte do livro Morangos o passo.
Mofados, de Caio Fernando Abreu. Pressente, às vezes, que irão perguntar qualquer coisa
a) O protagonista, na primeira pessoa, conta o des- aos companheiros e fica à espreita, ansioso que isso acon-
fecho trágico de sua história de amor. teça. Logo se desengana. Abrem a boca, arrependem-se,
b) O protagonista, na primeira pessoa, conta o final e se afastam rapidamente.
feliz de sua história de amor. Caminha, dentro da noite, de um lado para outro.
c) O narrador, na primeira pessoa, conta uma história E, ao avistar o guarda, cumprindo sua ronda noturna, a
de amor com final feliz. examinar se as celas estão em ordem, corre para as grades
d) Uma história de amor com desfecho trágico é nar- internas, impelido por uma débil esperança:
rada na terceira pessoa. — Alguém fez hoje alguma pergunta?
— Não. Ainda é você a única pessoa que faz pergun-
e) Uma história de amor com final feliz é narrada na
tas nesta cidade.
terceira pessoa.
MURILO RUBIÃO
Obra completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
22. Uerj
A CIDADE comboio: trem.
Destinava-se a uma cidade maior, mas o trem perma- valise: mala de mão.
neceu indefinidamente na antepenúltima estação. espadaúdo: de ombros largos.
Cariba acreditou que a demora poderia ser atribuída
a algum comboio de carga descarrilado na linha, acidente No conto “A Cidade”, há indícios de que acontecimen-
comum naquele trecho da ferrovia. Como se fizesse excessi- tos incomuns cercam a história de Cariba, que acaba
vo o atraso e ninguém o procurasse para lhe explicar o que por ser preso. Sua prisão pode ser compreendida
estava ocorrendo, pensou numa provável desconsideração como uma crítica social.
à sua pessoa, em virtude de ser o único passageiro do trem. Transcreva do texto o fragmento que aponta não só
Chamou o funcionário que examinara as passagens o motivo, mas também a falta de evidências para a
e quis saber se constituía motivo para tanta negligência o prisão de Cariba. Em seguida, explicite a crítica que o
fato de ir vazia a composição. texto faz à sociedade.
208 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 208 09/04/2024 11:40:20
23. Fuvest-SP 2022 O que me espanta não é a traição que dá na vista, não é o tolice que brilho em público: é a decência que
se mantém, é a dignidade que se preserva, é a honradez que se resguarda, é o sacrifício obscuro e cotidiano que se continua.
Eu lhe digo, por que tenho vivido em muitos cantos do Brasil e mexido com muita gente – eu posso lhe dizer que, entre
milhares de homens tão diferentes de caráter e mesmo de ideias, sempre se tem conservado, através de todas as tribulações
e contingências, um patrimônio comum. E você, Graciliano Ramos, faz porte deste nosso patrimônio.
O que senti vontade de lhe dizer hoje, e fica dito agora, é o seguinte: que tanto quanto eu, há milhares de pessoas no Brasil
que não estão presentes ao banquete mas que desejam que você fique sabendo que estão ao seu lado. Conte conosco, não
apenas na hora de beber e de comer, como também na hora de ter ódio de Julião Tavares, de lutar contra Julião Tavares – e de
matar Julião Tavares.
Rubem Braga – “Discurso de um ausente”, mensagem do cronista a seu amigo Graciliano Ramos
por ocasião do jantar em homenagem aos cinquenta anos do autor de Angústia.
a) Como os valores éticos descritos por Rubem Braga constituem a resistência (e logo a tensão) que forma o ponto
de vista em Angústia?
b) Caracterize o perfil de Julião Tavares, de modo a explicar por que o cronista o considera um inimigo do “patri-
mônio comum”.
24. Enem 2020 Viajo Curitiba das conferências positivistas, elas são onze em Curitiba, há treze no mundo inteiro; do tocador
de realejo que não roda a manivela desde que o macaquinho morreu; dos bravos soldados do fogo que passam chispando
no carro vermelho atrás do incêndio que ninguém não viu, esta Curitiba e a do cachorro-quente com chope duplo no Buraco
do Tatu eu viajo.
Curitiba, aquela do Burro Brabo, um cidadão misterioso morreu nos braços da Rosicler, quem foi? quem não foi? foi o
reizinho do Sião; da Ponte Preta da estação, a única ponte da cidade, sem rio por baixo, esta Curitiba viajo.
Curitiba sem pinheiro ou céu azul, pelo que vosmecê é – província, cárcere, lar –, esta Curitiba, e não a outra para inglês
ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.
TREVISAN, D. Em busca de Curitiba perdida.
Rio de Janeiro: Record, 1992.
A tematização de Curitiba é frequente na obra de Dalton Trevisan. No fragmento, a relação do narrador com o espaço
urbano é caracterizada por um olhar
a) destituído de afetividade, que ironiza os costumes e as tradições da sociedade curitibana.
b) marcado pela negatividade, que busca desconstruir perspectivas habituais de representação da cidade.
c) carregado de melancolia, que constata a falta de identidade cultural diante dos impactos da urbanização.
d) embevecido pela simplicidade do cenário, indiferente à descrição de elementos de reconhecido valor histórico.
e) distanciado dos elementos narrados, que recorre ao ponto de vista do viajante como expressão de estranhamento.
25. Unioeste-PR 2023 Acerca do conto “A moça tecelã”, de Marina Colasanti, é CORRETO afirmar.
a) O fato de a personagem feminina ser uma tecelã reforça a visão patriarcal, de acordo com a qual a mulher deve
ocupar-se das tarefas restritas ao espaço doméstico.
b) No decorrer da narrativa, a atividade de tecer perde seu teor positivo para tornar-se um peso sobre a persona-
gem, o que culmina com o abandono da profissão.
c) Em um jogo intertextual, o conto atribui à personagem feminina o potencial de fazer, desfazer e refazer a própria
história.
d) A narrativa tematiza a impossibilidade de sentir-se satisfeita estando sozinha, razão pela qual a moça tece para si
um companheiro com quem vive para sempre.
e) A narrativa tem um tom pessimista, pois o desfecho consiste no destecer de tudo o que havia sido criado, inclu-
sive o marido, que acabou tornando-se nada.
26. Enem São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoas governa. A indagação atingirá a fauna e a flora
domesticadas. Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números e invertidos em estatísticas. O homem do censo
entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelas casas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo apartamento, pelo
cortiço e pelo hotel, perguntando:
— Quantos são aqui?
Pergunta triste, de resto. Um homem dirá:
— Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só há pulgas e ratos.
E outro:
FRENTE 2
— Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas. Tome nota dos seus nomes, se quiser.
Querendo levar todos, é favor... [...]
E outro:
— Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de
meu quarto e de meu peito!
Rubem Braga. Para gostar de ler. v. 3.
São Paulo: Ática, 1998, p. 32-3 (fragmento).
209
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 209 03/04/2024 14:26:08
O fragmento anterior, em que há referência a um fato sócio-histórico – o recenseamento –, apresenta característica
marcante do gênero crônica ao
a) expressar o tema de forma abstrata, evocando imagens e buscando apresentar a ideia de uma coisa por meio
de outra.
b) manter-se fiel aos acontecimentos, retratando os personagens em um só tempo e um só espaço.
c) contar história centrada na solução de um enigma, construindo os personagens psicologicamente e revelando-os
pouco a pouco.
d) evocar, de maneira satírica, a vida na cidade, visando transmitir ensinamentos práticos do cotidiano, para manter
as pessoas informadas.
e) valer-se de tema do cotidiano como ponto de partida para a construção de texto que recebe tratamento
estético.
27. PUC-RS 2023 O texto a seguir consiste no trecho inicial do conto Além do ponto, que integra o livro Morangos
Mofados (1982), de Caio Fernando Abreu (1948-1996).
Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre
perdia todos pelos bares, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem
assim eu ia no meio da chuva, uma garrafa de conhaque e um maço de cigarros molhados no bolso. Teve uma hora que eu
podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse o táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque,
e eu pensei com força que seria melhor chegar molhado, porque então beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio,
mais umidade que entrava pelo pano das roupas, pela sola fina dos sapatos, e fumaríamos beberíamos sem medidas, haveria
discos, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo
meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio e o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas da
mão e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pelos, eu enfiava as mãos avermelhadas nos bolsos e ia indo, eu ia indo
pulando as poças d’água com as pernas geladas.
ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 34.
Sobre o trecho, assinale a alternativa correta:
a) A narração funciona como um monólogo interior, no qual o protagonista apresenta-se como um sujeito seguro
de si e de suas ações e decisões.
b) Há um interlocutor bem definido na cena, a quem o narrador-protagonista se dirige, justamente o sujeito que ele
está indo encontrar.
c) A menção às “vozes roucas” e ao “sax gemido” sugere que o espaço interior para o qual o narrador se encaminha
é tão hostil e precário quanto o espaço exterior pelo qual ele se desloca.
d) O uso de repetições, como “Chovia, chovia, chovia” e “ia indo, eu ia indo”, contribui para intensificar a carga dra-
mática e psicológica da cena narrada.
28. UFPR 2020 Leia o trecho abaixo, de Relato de um certo oriente, de Milton Hatoum:
No meu íntimo, creio que deixei a família e a cidade também por não suportar a convivência estúpida com os serviçais.
Lembro Dorner dizer que o privilégio aqui no norte não decorre apenas da posse de riquezas.
— Aqui reina uma forma estranha de escravidão – opinava Dorner. — A humilhação e a ameaça são o açoite; a comida
e a integração ilusória à família do senhor são as correntes e golilhas. Havia alguma verdade nesta sentença.
(HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 88.)
A respeito desse romance, considere as seguintes afirmativas:
. Quem narra essa parte do relato é Hakim, filho preferido de Emilie, a quem ela ensinou o árabe na infância e que
muito jovem se mudaria para o Sul do Brasil, jamais vendo a mãe novamente.
. Dorner é um comerciante alemão, concorrente da loja da família de Emilie, a Parisiense, mas que se mantivera
próximo à família por sua antiga amizade com Emir, o irmão suicida da matriarca.
. O julgamento de Dorner, com o qual o narrador concorda, é injusto, e o tratamento cordial que toda a família de
Emilie dedica à serviçal Anastácia Socorro é prova desse equívoco.
. A referência à escravidão permite que se localize a ação de Relato de um certo Oriente no final do século XIX,
período em que o Ciclo da Borracha atraiu imigrantes para a região Norte.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente a afirmativa é verdadeira.
b) Somente as afirmativas e são verdadeiras.
c) Somente as afirmativas e são verdadeiras.
d) Somente as afirmativas , e são verdadeiras.
e) As afirmativas , , e são verdadeiras.
210 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 210 03/04/2024 14:26:08
29. Fuvest-SP 2021 Considere o texto para responder à questão.
A ficção começou no dia em que botei os pés nos Estados Unidos. A edição do The New York Times, de 19 de fevereiro
de 2002, que distribuíram a bordo, anunciava as novas estratégias do Pentágono: disseminar notícias – até mesmo falsas, se
preciso – pela mídia internacional; usar todos os meios para “influenciar as audiências estrangeiras”.
Bernardo Carvalho, Nove Noites.
a) Identifique o narrador do excerto e o contexto histórico a que ele faz alusão.
b) A frase “A ficção começou no dia em que botei os pés nos Estados Unidos” diz respeito ao encontro com uma
nova personagem na intriga do romance. Que personagem é essa e a qual revelação ela está diretamente
relacionada?
Texto para as questões 30 e 31.
Leusipo perguntou o que eu tinha ido fazer na aldeia. Preferi achar que o tom era amistoso e, no meu paternalismo
ingênuo, comecei a lhe explicar o que era um romance. Eu tentava convencê-lo de que não havia motivo para preocupa-
ção. Tudo o que eu queria saber já era conhecido. E ele me perguntava: “Então, porque você quer saber, se já sabe?”
Tentei lhe explicar que pretendia escrever um livro e mais uma vez o que era um romance, o que era um livro de ficção (e
mostrava o que tinha nas mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma consequência na realidade. Ele seguia incrédulo.
Fazia-se de desentendido, mas na verdade só queria me intimidar. As minhas explicações sobre o romance eram inúteis.
Eu tentava dizer que, para os brancos que não acreditam em deuses, a ficção servia de mitologia, era o equivalente dos
mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase, já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada a não ser:
“O que você quer com o passado?”. Repetia. E, diante da sua insistência bovina, tive de me render à evidência de que
eu não sabia responder à sua pergunta.
Bernardo Carvalho, Nove Noites. Adaptado.
30. Fuvest-SP 2021 As respostas do narrador às perguntas de Leusipo são uma tentativa de disfarçar o caráter
a) fabular do romance, inspirado nas lendas e tradições dos Krahô.
b) investigativo do romance, embasado em testemunhos dos Krahô.
c) político do romance, a respeito das condições de vida dos Krahô.
d) etnográfico do romance, através do registro da cultura dos Krahô.
e) biográfico do romance, relatando sua vivência junto aos Krahô.
31. Fuvest-SP 2021 Na cena apresentada, que explora o desconforto gerado pela difícil interlocução com o indígena, o
narrador
a) abandona a ideia de investigar o passado, ao se ver encurralado por Leusipo.
b) explora a sua posição ameaçadora de homem branco, ao insistir em permanecer na aldeia.
c) age com ousadia, ao procurar subjugar Leusipo a contribuir com o seu projeto.
d) identifica-se com a sabedoria de Leusipo, ao preterir do papel interrogativo e se deixar questionar.
e) sente-se frustrado com a reação de Leusipo, que não se deixa levar por sua diplomacia.
32. UEM-PR 2019 Com relação ao fragmento a seguir, retirado do romance Dois irmãos, de Milton Hatoum, assinale o
que for correto.
Pau-Mulato: bela rubiácea. E que apelido para uma mulher!
O apelido foi o de menos. Depois de Dália, Zana pensou que o Caçula ia desistir de amar alguém. Não desistiu; não
era tão fraco assim. Além disso, as mulheres da casa não saciavam a sede do Caçula. E o aventureiro, quando menos espera,
cai na malhadeira e se enrosca.
Desta vez Halim parecia baqueado. Não bebeu, não queria falar. Contava esse e aquele caso, dos gêmeos, e de sua vida,
de Zana, e eu juntava os cacos dispersos, tentando recompor a tela do passado.
“Certas coisas a gente não deve contar a ninguém”, disse ele, mirando nos meus olhos.
Relutou, insistiu no silêncio. Mas para quem ia desabafar? Eu era seu confidente, bem ou mal era um membro da família,
o neto de Halim.
HATOUM, M. Dois irmãos São Paulo: Cia das Letras, 2003, p. 134.
“Pau-Mulato”, apelido dado por Zana à mulher que seu filho Omar escolhera para namorar, foi a única que não
cedeu à força desestabilizadora da mãe, que sempre expulsou todas as mulheres que se aproximavam dele.
FRENTE 2
Yaqub é o irmão caçula. Embora ele fosse muito mulherengo, sua mãe Zana tinha esperança de que ele aban-
donasse a vida boêmia. Ela havia expulsado outras mulheres de Yaqub de sua casa. No entanto, as relações
entre Pau-Mulato e o Caçula pareciam ir a rumo diferente, o que desesperou a mãe, ao ver seu filho adorado nos
braços dessa mulher.
No fragmento acima, o narrador Nael aproveita o ensejo do clima de confissão e de cumplicidade entre ele e
Halim para mostrar ao leitor que ele é neto de Halim e, portanto, um membro da família.
211
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 211 03/04/2024 14:26:08
A mãe do Caçula tem uma postura dominadora sobre o filho, principalmente no que diz respeito às mulheres,
quase sempre conseguindo colocar fim aos relacionamentos amorosos do filho, que obedecia, na maioria das
vezes. No entanto, quando Pau-Mulato entra na vida dele, as coisas mudam, e ele não desiste de amá-la, como
mostra o narrador: “Não desistiu; não era tão fraco assim”, o que expressa, também, um juízo de valor do narrador
sobre a personagem.
O narrador nunca foi bem aceito pela família, nunca foi reconhecido oficialmente como neto, como filho de um
dos gêmeos. Nael, desse modo, sempre ocupou um lugar periférico na família. Halim, por falta de opção, acaba
transformando o narrador em seu confidente, por isso a assertiva: “bem ou mal era um membro da família, o
neto de Halim.”
Soma:
33. UFPR 2019 Escritores de uma nova geração, Milton Hatoum (nascido em 1952) e Bernardo Carvalho (nascido em
1960) já garantiram seu lugar no panorama multifacetado da literatura brasileira contemporânea. Relato de um certo
Oriente, publicado em 1989, marcou a estreia de Milton Hatoum na literatura. Nove noites, publicado em 2002, é o
sétimo livro lançado por Bernardo Carvalho, que estreou na literatura em 1993 com o livro de contos Aberração.
A respeito das comparações entre Relato de um certo Oriente e Nove noites, considere as seguintes afirmativas:
. Milton Hatoum consegue trazer para a sua ficção o espaço amazonense sem cair no exagero do exotismo;
Bernardo Carvalho, por sua vez, tensiona o realismo pela inclusão, na ficção, de fatos e personagens históricos,
autobiografia e experiências pessoais.
. Através de estratégias diferentes, os dois romances buscam compreender o passado, conscientes da obrigação
histórica de recuperá-lo tal como aconteceu: Relato de um certo Oriente resgata a memória trágica de uma família
que viveu em Manaus; Nove noites investiga a morte de um antropólogo no sul do Maranhão, para entregar ao
leitor a solução de um mistério até então não resolvido.
. A epígrafe de W.H. Auden – “Que a memória refaça/A praia e os passos/O rosto e o ponto do encontro” (em
tradução de Sandra Stroparo e Caetano Galindo) – anuncia o elemento central da narrativa de Milton Hatoum.
O título do romance de Bernardo Carvalho se refere às nove noites que o antropólogo Buell Quain passou na
companhia de Manoel Perna, durante a sua estada entre os índios Krahô.
. O tratamento dado aos nativos em Relato de um certo Oriente pode ser verificado na humilhação e nos abusos so-
fridos pelas caboclas e índias que trabalhavam na casa de Emilie, principalmente por parte dos dois “inomináveis”.
Em Nove noites, a narração do jornalista volta a momentos centrais da história do Brasil no século XX –
Estado Novo, Ditadura Militar e Período Democrático –, marcando a situação de vulnerabilidade permanente dos
índios num mundo de brancos.
. Na Manaus multicultural da primeira metade do século XX, Emilie e seus filhos, com a curiosidade natural do imi-
grante, atravessam constantemente o rio que separa a cidade da floresta. Da mesma forma, o narrador-jornalista
de Nove noites visita inúmeras vezes os índios Krahô, em busca de informações sobre o suicídio de Buell Quain.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente as afirmativas e são verdadeiras.
b) Somente as afirmativas e são verdadeiras.
c) Somente as afirmativas , e são verdadeiras.
d) Somente as afirmativas , e são verdadeiras.
e) As afirmativas , , , e são verdadeiras.
34. Enem
TEXTO I
Voluntário
Rosa tecia redes, e os produtos de sua pequena indústria gozavam de boa fama nos arredores. A reputação da tapuia
crescera com a feitura de uma maqueira de tucum ornamentada com a coroa brasileira, obra de ingênuo gosto, que lhe valera
a admiração de toda a comarca e provocara a inveja da célebre Ana Raimunda, de Óbidos, a qual chegara a formar uma fortu-
nazinha com aquela especialidade, quando a indústria norte-americana reduzira à inatividade os teares rotineiros do Amazonas.
SOUSA, I. Contos amazônicos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
TEXTO II
Relato de um certo Oriente
Emilie, ao contrário de meu pai, de Dorner e dos nossos vizinhos, não tinha vivido no interior do Amazonas. Ela, como
eu, jamais atravessara o rio. Manaus era o seu mundo visível. O outro latejava na sua memória. Imantada por uma voz me-
lodiosa, quase encantada, Emilie maravilha-se com a descrição da trepadeira que espanta a inveja, das folhas malhadas de
um tajá que reproduz a fortuna de um homem, das receitas de curandeiros que veem em certas ervas da floresta o enigma
212 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 212 03/04/2024 14:26:09
das doenças mais temíveis, com as infusões de coloração sanguínea aconselhadas para aliviar trinta e seis dores do corpo
humano. “E existem ervas que não curam nada”, revelava a lavadeira, “mas assanham a mente da gente. Basta tomar um gole
do líquido fervendo para que o cristão sonhe uma única noite muitas vidas diferentes”. Esse relato poderia ser de duvidosa
veracidade para outras pessoas, mas não para Emilie.
HATOUM, M. São Paulo: Cia. das Letras, 2008
As representações da Amazônia na literatura brasileira mantêm relação com o papel atribuído à região na construção
do imaginário nacional. Pertencentes a contextos históricos distintos, os fragmentos diferenciam-se ao propor uma
representação da realidade amazônica em que se evidenciam
a) aspectos da produção econômica e da cura na tradição popular.
b) manifestações culturais autênticas e da resignação familiar.
c) valores sociais autóctones e influência dos estrangeiros.
d) formas de resistência locais e do cultivo das superstições.
e) costumes domésticos e levantamento das tradições indígenas.
35. PUC-PR 2022 Leia o seguinte fragmento de Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum:
Quantas vezes recomecei a ordenação de episódios, e quantas vezes me surpreendi ao esbarrar no mesmo início, ou
no vaivém vertiginoso de capítulos entrelaçados, formados de páginas e páginas numeradas de forma caótica. Também me
deparei com um outro problema: como transcrever a fala engrolada de uns e o sotaque de outros? Tantas confidências de
várias pessoas em tão poucos dias ressoavam como um coral de vozes dispersas. Restava então recorrer à minha própria voz,
que planaria como um pássaro gigantesco e frágil sobre as outras vozes. Assim, os depoimentos gravados, os incidentes, e
tudo o que era audível e visível passou a ser norteado por uma única voz, que se debatia entre a hesitação e os murmúrios
do passado. E o passado era como um perseguidor invisível, uma mão transparente acenando para mim, gravitando em torno
de épocas e lugares situados muito longe da minha breve permanência na cidade.
HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 147-148.
Com base nesse trecho e na leitura do livro inteiro, considere as seguintes afirmativas:
I. Relato de um certo Oriente é como uma narrativa polifônica, onde muitas vozes ressoam como num coral; no
entanto todas estas vozes estão regidas por uma única voz, que funciona à maneira de um editor ou maestro.
II. Relato de relatos, narrativa de narrativas, este romance de estreia de Milton Hatoum, semelhante a Mil e uma noites,
é construído como uma moldura dentro da qual se inserem outras narrativas, como “vozes dispersas”, quase que
de maneira independente.
III. Embora ambientado em Manaus, Relato de um certo Oriente recolhe as vivências e as memórias de várias famí-
lias libanesas que emigraram para a capital amazonense por volta dos anos , formando assim um “coral de
vozes” híbrido e múltiplo.
É CORRETO apenas o que se afirma em:
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.
36. UFPR 2021 Assinale a alternativa correta em relação a Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum.
a) A narração do atropelamento da menina Soraya exemplifica o registro predominante ao longo de todo o romance:
relatos de memórias, apresentados em linguagem poética, contendo lacunas que impedem saber exatamente o
que aconteceu.
b) A leitura em conjunto dos vários depoimentos que compõem a obra esclarece detalhes desconhecidos de um
ou outro narrador, desfazendo, assim, os mistérios relativos ao passado da família de libaneses cuja matriarca,
Emilie, teve morte trágica.
c) A obra é representativa da literatura regionalista de cunho social por ter como tema a desagregação de uma
família de imigrantes libaneses motivada pelo prejuízo econômico que tiveram em suas atividades comerciais;
assim como Manaus, eles não resistiram ao declínio causado pelo fim do ciclo da borracha.
FRENTE 2
d) Alguns descendentes de Emilie foram excluídos do convívio familiar por adotarem atitudes rebeldes, motivadas
por diferenças religiosas: uns optaram pela religião muçulmana do pai, enquanto outros adotaram o cristianismo
da matriarca.
e) O romance alterna a apresentação de espaços considerados exóticos, como a floresta amazônica e a Cidade
Flutuante, com cenas que se passam em paisagens urbanas europeias, nas cidades onde a narradora principal
e seu irmão biológico moraram.
213
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14_P4.indd 213 03/04/2024 14:26:09
BNCC em foco
Leia o trecho do conto “Seminário dos ratos” para responder às questões 1 e 2.
[...] Prossiga, prossiga, queria que me informasse sobre a repercussão. Na imprensa, é óbvio. O Chefe das Relações
Públicas pigarreou discretamente, murmurou um bueno e apalpou os bolsos. Pediu licença para fumar.
— Bueno, é do conhecimento de Vossa Excelência que causou espécie o fato de termos escolhido este local. Por que
instalar o VII Seminário dos Roedores numa casa de campo, completamente isolada? Essa a primeira indagação geral. A se-
gunda é que gastamos demais para tornar esta mansão habitável, um desperdício quando podíamos dispor de outros locais
já prontos. O noticiarista de um vespertino, marquei bem a cara dele, Excelência, esse chegou a ser insolente quando rosnou
que tem tanto edifício em disponibilidade [...].
— Gastando milhões? Bilhões estão consumindo esses demônios, por acaso ele ignora as estatísticas? Estou apostando
como é da esquerda, estou apostando. Ou então, amigo dos ratos. Enfim, não tem importância, prossiga por favor. [...]
— O de sempre... Não se conformam é de nos reunirmos em local retirado, que devíamos estar lá no Centro, dentro
do problema. Nosso Assessor de Imprensa já esclareceu o óbvio, que este Seminário é o Quartel-General de uma verda-
deira batalha! E que traçar as coordenadas de uma ação conjunta deste porte exige meditação. Lucidez. Onde poderiam os
senhores trabalhar senão aqui, respirando um ar que só o campo pode oferecer? Nesta bendita solidão, em contato íntimo
com a natureza... O Delegado de Massachusetts achou genial essa ideia do encontro em pleno campo. Um moço muito
gentil, tão simples. Achou excelente nossa piscina térmica, Vossa Excelência sabia? Foi campeão de nado de peito, está lá se
divertindo, adorou nossa água-de-coco!
TELLES, Lygia Fagundes. Seminário dos ratos. In: ______. Seminário dos ratos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
EM13LP01
1. O conto “Seminário dos ratos”, de Lygia Fagundes Telles, pode ser entendido como uma alegoria e uma crítica à re-
pressão política no Brasil em 1977. Justifique.
EM13LP06
2. No trecho selecionado é possível observar o uso da ironia e da crítica. Como isso é evidenciado?
EM13LP48
3. Leia o trecho do conto “O cobrador”, de Rubem Fonseca.
Tão me devendo colégio, namorada, aparelho de som, respeito, sanduíche de mortadela no botequim da rua Vieira
Fazenda, sorvete, bola de futebol.
Fico na frente da televisão para aumentar o meu ódio. Quando minha cólera está diminuindo e eu perco a vontade de
cobrar o que me devem eu sento na frente da televisão e em pouco tempo meu ódio volta. Quero muito pegar um camarada
que faz anúncio de uísque. Ele está vestidinho, bonitinho, todo sanforizado, abraçado com uma loura reluzente, e joga pe-
drinhas de gelo num copo e sorri com todos os dentes, os dentes dele são certinhos e são verdadeiros, e eu quero pegar ele
com a navalha e cortar os dois lados da bochecha até as orelhas, e aqueles dentes branquinhos vão todos ficar de fora num
sorriso de caveira vermelha. Agora está ali, sorrindo, e logo beija a loura na boca. Não perde por esperar.
O cobrador. Disponível em: https://vermelho.org.br/2015/09/25/rubem-fonseca-o-cobrador/. Acesso em: 21 mar. 2024.
O protagonista do conto de Rubem Fonseca sintetiza o espírito de violência presente em contos da contemporanei-
dade. Explique a relação do foco narrativo com sua demonstração de desejo de cobrança.
214 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 14 Pós-Modernismo e contemporaneidade
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_175_214_f2_c14.indd 214 09/04/2024 11:40:43
A intervenção urbana de @coisaficoupreta
suscita uma importante reflexão a respeito da
representação de personagens negras nos
livros. Para além da representatividade, ou
seja, para sua presença, é importante avaliar
também que tipo de personagem negra
encontramos na ficção.
"Se o livro não diz" Gleyson Borges - a coisa ficou preta Lambe Lambe em Maceió-AL 2019
FRENTE 2
15
CAPÍTULO África e diáspora africana
Neste capítulo, vamos nos aprofundar na história e na literatura dos po-
vos africanos falantes de língua portuguesa, principalmente de Angola e
Moçambique. A interseção entre essas duas áreas do saber é evidente nes-
ses países, onde muitos escritores têm usado a literatura como ferramenta
de denúncia, mas também de transformação e pavimentação do futuro.
Vamos, ainda, voltar nossos olhos para a produção literária afrodescenden-
te que mescla fatos históricos, além das próprias vivências, com a ficção.
Nessas literaturas, o sujeito negro sai da periferia da história para contar as
próprias experiências de vida.
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 215 10/04/2024 13:50:09
Literaturas africanas em língua portuguesa
As pessoas devem estudar, pois é a única maneira de poderem pensar sobre tudo com a sua cabeça e não com a cabeça
dos outros. O homem tem de saber muito, sempre mais e mais, para poder conquistar sua liberdade, para saber julgar. Se não
percebes as palavras que eu pronuncio, como podes saber se estou a falar bem ou não? Terás de perguntar a outro. Dependes
sempre de outro, não és livre.
PEPETELA. Mayombe. Angola: Texto Editores, 2013.
No Brasil, assim como em outros lugares do mundo, é comum as pessoas entenderem a África como um continente
homogêneo, ou seja, um território em que toda a população é igual, divide a mesma cultura, costumes e hábitos. Nada
poderia estar tão longe da verdade. Há cerca de anos, a Lei federal no . tornou obrigatório o ensino da história
e da cultura africana e afrodescendente. A decisão veio somente depois de diferentes movimentos sociais reivindicarem
a inserção desses temas no currículo obrigatório. Conhecer a história e a cultura dos povos africanos é um passo para
entender quem somos, já que a África é a porção continental mais antiga do planeta, ou seja, o berço da humanidade.
Por muito tempo, o discurso eurocêntrico induziu a uma interpretação equivocada da história da África, dando a en-
tender que, antes da chegada do europeu, não havia uma cultura, uma política, uma organização social entre os povos
africanos. A parcialidade desse discurso demandou a busca por uma visão mais equilibrada e justa da história, em que os
sujeitos africanos são apresentados como detentores de seu próprio destino. Como Pepetela, autor angolano, bem es-
creveu: a liberdade está atrelada à capacidade de pensar por si, o que só pode acontecer se tivermos à nossa disposição
as diferentes perspectivas de um fato, para assim refletir sobre eles. Com esse intuito, o ensino e o incentivo à leitura das
literaturas africanas visam ampliar o horizonte do leitor, oferecendo novas visões da África e da diáspora africana.
Aqui nos concentraremos nas literaturas de Angola e Moçambique. Mas é importante falar, mesmo que panoramica-
mente, sobre características mais gerais das literaturas dos países africanos colonizados por Portugal. São eles: Angola,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Países africanos colonizados por Portugal
TUNÍSIA Mar Mediterrâneo
MARROCOS
ARGÉLIA LÍBIA
SAARA OCIDENTAL EGITO
Ma
Trópico de Câncer
r V
e
rm
CABO MAURITÂNIA
elh
VERDE MALI NÍGER
o
CHADE SUDÃO ERITREIA
SENEGAL
GÂMBIA BURKINA
GUINÉ- GUINÉ FASO DJIBUTI
-BISSAU BENIM NIGÉRIA
COSTA DO
SERRA LEOA MARFIM GANA SUDÃO ETIÓPIA
REPÚBLICA
LIBÉRIA DO SUL
CENTRO-AFRICANA
TOGO CAMARÕES
GUINÉ EQUATORIAL SOMÁLIA
UGANDA
Equador CONGO QUÊNIA
0°
SÃO TOMÉ GABÃO
REPÚBLICA RUANDA
E PRÍNCIPE
DEMOCRÁTICA BURUNDI
Meridiano de Greenwich
DO CONGO
TANZÂNIA
OCEANO SEYCHELLES
ATLÂNTICO COMORES
ANGOLA
MALAUÍ MAYOTTE
ZÂMBIA
MOÇAMBIQUE
ZIMBÁBUE
NAMÍBIA MADAGASCAR
Trópico de Capricórnio BOTSUANA
ESSUATÍNI
N
ÁFRICA LESOTO OCEANO
DO SUL
ÍNDICO
0 835 km
0°
Fonte: elaborado com base em MAPA político da África. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Mapa_pol%C3%ADtico_da_%C3%81frica.svg. Acesso em: 12 mar. 2024.
Críticos literários, como Manuel Ferreira, defendem que as literaturas africanas de língua portuguesa se desenvolveram
em quatro momentos. No primeiro deles, temos a alienação cultural, uma literatura que segue os moldes europeus e não
trata de nenhuma especificidade dos lugares de onde é produzida. No segundo momento, observa-se um despertar para a
realidade, ou seja, o nascimento de um sentimento nacionalista, a tomada de consciência a respeito da situação do sujeito
negro. No terceiro momento, surge a consciência da colonização, do papel de colonizado. Essa é a fase da revolta e o
fim da alienação, o que leva ao quarto momento, no qual se busca a identidade africana, a individualidade como escritor
africano, possibilitando o desenvolvimento de temas como mestiçagem, identidade e africanismo.
216 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 216 05/04/2024 16:27:42
Considerando as características mais gerais, esses momentos ocorreram de forma dinâmica, ou seja, de maneiras
distintas entre os países. Todavia, é possível indicar, em cada um deles, estágios significativos de mudanças.
[...] A crítica e os historiadores concordam que os fundamentos desses momentos caracterizam-se pelo surgimento de movi-
mentos literários significativos ou de obras importantes para o desenvolvimento das literaturas, entre os quais podem ser citados:
a) em Cabo Verde, a publicação da revista Claridade (1936-1960);
b) em São Tomé e Príncipe, a publicação do livro de poemas Ilha de nome santo (1942), de Francisco José Tenreiro;
c) em Angola, o movimento “Vamos descobrir Angola” (1948) e a publicação da revista Mensagem (1951-1952);
d) em Moçambique, a publicação da revista Msaho (1952);
e) na Guiné-Bissau, a publicação da antologia Mantenhas para quem luta! (1977), pelo Conselho Nacional de Cultura.
FONSECA, Maria Nazareth Soares; MOREIRA, Terezinha Taborda. Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa. Cadernos CESPUC De Pesquisa Série Ensaios,
Belo Horizonte, n. 16, p. 13-69, set. 2007. p. 16. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoscespuc/article/view/14767. Acesso em: 12 mar. 2024.
Cada uma das literaturas dos países africanos de língua portuguesa tem suas especificidades, mas, sem dúvida, po-
demos destacar alguns elementos em comum: a busca pela identidade, um discurso de resistência, a reivindicação por
liberdade e mudanças e a releitura da história da África.
Samuel Borges Photography/Shutterstock.com
TLF Images/Shutterstock.com
Um rapaz salta nas águas da praia de Santa Maria em Sal, Jovens em atividades de lazer e movimento de pedestres na
Cabo Verde. praça dos Heróis Nacionais, Guiné-Bissau.
Fabian Plock/Shutterstock.com
A noite da capital angolana, Luanda. Santo Antonio, capital da ilha de Príncipe, São Tomé e Príncipe. Xinovap/Shutterstock.com
JonathanJonesCreate/Shutterstock.com
FRENTE 2
Crianças brincam de pular corda na cidade de Nampula, Moçambique.
217
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 217 05/04/2024 16:27:46
Pontos importantes sobre a história e a
povos bantos: conjunto de povos localizados atualmen-
literatura de Angola te na África Central, Centro-Ocidental, Austral e parte da
Muadiê: eu gramo de Luanda – casas, ruas, paus, mar, céu África Oriental. São unidades por afinidades linguísticas
e nuvias, Ilhinha pescadórica. Beleza toda eu não escoiço. Eu e culturais.
digo: Luanda – e meu coração ri, meus olhos fecham, sôdade. quicongo: língua do grupo banto.
Porque eu só estou cá, quando estou longe. De longe é que
se ama. Apesar de breve, a síntese de Lopes e Macedo apre-
VIEIRA, José Luandino. João Véncio: os seus amores. senta uma história anterior à chegada dos europeus, o que
Lisboa: Edições 70, 1981.
revela povos socialmente organizados e detentores de lín-
gua, cultura e história próprias.
muadiê: moço, homem.
No âmbito da literatura, precisamos considerar, inicial-
mente, a tradição oral, uma marca forte na África que tem
impacto também na escrita literária. Há, em um primeiro
Miguel Almeida/Shutterstock.com
momento, a produção de uma literatura a partir do olhar
do invasor. No entanto, nas décadas de e , sur-
gem os precursores da moderna literatura angolana, como
Antônio de Assis Júnior (-), Castro Soromenho
(-) e Oscar Ribas (-). Didaticamente, o
marco inicial dessa literatura angolana seria a publicação de
O segredo da morta, de Antônio de Assis Júnior, em .
Como estudamos anteriormente, o desenvolvimento
da literatura de cada país tem momentos importantes de
mudança. Em , surgiu o Vamos descobrir Angola, mo-
vimento criado por estudantes e intelectuais angolanos que
tinham como objetivo conhecer profundamente seu próprio
país. Colaboraram para o movimento a insatisfação com o
colonizador e o exemplo dos modernistas brasileiros. A
Barcos pesqueiros na costa de Luanda.
partir dos anos , observa-se que a poética angolana
Entre os países africanos de língua portuguesa, temos dois passa a focar a contestação da presença portuguesa, a
que mantêm relações mais estreitas com o Brasil – Angola e ideia da mãe-pátria e a identidade.
Moçambique. Por isso, vamos nos dedicar a compreender [...] A poesia adquire uma intencionalidade pedagógica
um pouco da história e da literatura desses países. Sobre e didática: com ela tenta-se recriar África e Angola, os valores
a história de Angola, o texto a seguir, de Nei Lopes e José ancestrais do homem africano e da sua terra, bem como ensinar
Rivair Macedo (duas referências nos estudos africanos), esse mesmo homem a descobrir-se como individualidade. Essa
levanta os principais pontos. poesia põe em prática a reposição da tradição oral, onde as
País situado no centro-oeste do continente africano, próprias línguas nacionais ocupam um espaço importante. É,
limitado pela República Democrática do Congo, Zâmbia, numa palavra, a poesia da “angolanidade”.
FONSECA, Maria Nazareth Soares; MOREIRA, Terezinha Taborda.
Namíbia, Oceano Atlântico. [...] O território foi ocupado por Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa. Cadernos
povos bantos entre os séculos VIII e XIII, datando aproxima- CESPUC De Pesquisa Série Ensaios, Belo Horizonte, p. 13-69, set.
damente do século XI a formação dos primeiros Estados. [...] 2007. p. 34. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/
cadernoscespuc/article/view/14767/11446. Acesso em: 12 mar. 2024.
a História de Angola, bem como de toda a África Centro-
-Ocidental, no período de 1100 a 1500 ainda carece de
Saiba mais
mais estudos. [...] Observe-se que a origem da atual Angola
está no antigo reino ambundo do Dongo (Ndongo), formado Tanto em Angola quanto em Moçambique o jornal teve
no século XV, entre os rios Cuanza e Dande, e governa- um papel importante na divulgação de ideias e textos,
do por soberanos que ostentavam o título de ngola, nome além da elaboração de um projeto literário para a nação.
provavelmente relacionado ao quicongo ngola, adivinho. A revista angolana Mensagem (-) e a moçam-
Em meados do século seguinte, o líder Ngola Kiluanje or- bicana Msaho () são dois exemplos de veículos que
ganiza uma coalizão para a resistência aos portugueses, ajudaram a consolidar e afirmar a literatura de cada país.
dá-lhes guerra sem trégua até ser derrotado c. 1580. [...]
Chegados ao litoral no final do século XV, os portugueses
A década de é um período de maior experimenta-
vão aos poucos penetrando no território, na sequência de
lismo, quando surgem nomes importantes, dentre eles Ruy
seu estabelecimento no reino do Congo. Em 1575, fundam
Duarte de Carvalho e Arlindo Barbeitos. Nesse momento,
na Ilha de Luanda o entreposto comercial que dá origem à
é importante destacar o trabalho com a língua, isto é, o
cidade de mesmo nome, capital da futura República. Desde
então, as diversas unidades políticas locais, aliadas ou não,
esforço de africanizar a língua portuguesa, na tentativa de
empreenderam firme resistência à ocupação estrangeira. se apropriar e ressignificar essa herança do colonizador.
LOPES, Nei; MACEDO, José Rivair. Dicionário de História da África:
Destacamos, entre os autores da geração de , a
séculos VII a XVI. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. produção de Ana Paula Tavares, que reflete sobre os rituais
218 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 218 05/04/2024 16:27:47
e a tradição oral de Huíla – província de Angola onde ela Entretanto durante o período pré-colonial, Moçambique
nasceu –, o papel da mulher na sociedade angolana, as não existiu como uma unidade política centralizada e, sim,
funções delegadas a homens e mulheres, rituais de inicia- como uma região onde coexistiram vários reinos. [...] Então,
ção e de passagem. vivendo sob a influência das poderosas vertentes econômi-
A construção literária de Angola é muito forte na cas representadas pela cultura comercial e muçulmana da
poesia que apresentava a ideia de uma África livre e de- costa e a metalúrgica e animista do interior, a região experi-
nunciava a opressão colonialista ao mundo. A narrativa mentou um grande surto de desenvolvimento. [...] atingindo
também desempenhou esse papel, principalmente nas em 1505 o porto de Sofala, cerca de cinquenta anos depois
obras de José Luandino Vieira – cujo trecho de obra lemos os portugueses controlavam uma vasta extensão no vale do
anteriormente –, Pepetela e Manuel Rui. Entre as vozes Zambeze [...]. Aí estabeleceram vários centros comerciais e
mais recentes, o nome que se destaca é o de Ondjaki. administrativos, principalmente os de Sena e Tete. A partir
dessas bases foram tomando dos muçulmanos o controle do
Atenção comércio de ouro [...].
LOPES, Nei; MACEDO, José Rivair. Dicionário de História da África:
A produção poética angolana pode ser organizada em três séculos VII a XVI. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
períodos: de a , marcado pela conscientização;
A presença dos portugueses em suas colônias tinha
a década de , marcada pelas inovações estéticas; e a
geração de , que se destaca de ecletismo.
como objetivo extrair as riquezas, e, em Moçambique, não foi
diferente; a população local sofreu com diversos combates
que visavam ganhar território na direção das minas de ouro
Destaques sobre a história e a literatura do Zimbábue. Tanto Moçambique quanto Angola sofreram
de Moçambique com o sequestro e a escravização da população por séculos.
A formação da literatura moçambicana se deu de
forma similar às dos demais países africanos de língua
Yury Birukov/Shutterstock.com
portuguesa. Para efeitos didáticos, podemos organizá-la
em três fases:
• Fase colonial: abrange a literatura escrita sob o do-
mínio português que versa sobre as especificidades
da vida na colônia, como a resistência ao estrangeiro,
a exploração do sujeito negro, o racismo, a violên-
cia física e psicológica, a objetificação da mulher e
a opressão do colonizador. Entre os autores desse
período, destacam-se Rui de Noronha "(-),
João Dias (-) e Luís Bernardo Honwana.
• Fase nacionalista: a produção evidencia uma verten-
te política, com forte crítica às estruturas colonialistas,
o choque entre negros, mestiços e brancos, racismo
e exclusão social. O grupo de autores que compõe
essa fase é responsável por forjar uma identidade
moçambicana. Os principais nomes são: Noémia de
Sousa (-), cujos versos abrem esta seção,
José Craveirinha (-), Ungulani Ba Ka Khosa
e Mia Couto.
• Fase pós-independência ou pós-colonial: nesse mo-
Parte da arquitetura de Maputo, capital de Moçambique, é uma herança da mento, não é possível pensar em um projeto literário
colonização portuguesa. coletivo, pois cada escritor vai relatar sua experiência
pessoal na pós-colonialidade; assim, a literatura toma
Agora vamos nos aprofundar na história de Moçambique
um caminho mais intimista e individual. Destacam-
e nas particularidades de sua literatura. A seguir, vamos ler
-se os escritores Ungulani Ba Ka Khosa, Mia Couto e
um resumo também elaborado por Nei Lopes e José Rivair
Paulina Chiziane – a primeira mulher a escrever um
Macedo. romance em Moçambique.
País litorâneo da África Oriental, limitado a leste pelo A partir dos anos e , surge a tendência de
FRENTE 2
Oceano Índico, ao norte pela Tanzânia, a oeste por Maláui, reescrita da história e repensamento crítico a respeito do
Zâmbia e Zimbábue e ao sul e a sudoeste pela África do Sul. conceito de nação engendrado na fase nacionalista. Não
[...] Desenvolvido a partir da ilha de mesmo nome, o território é possível estudar as literaturas africanas apartadas de sua
do atual Moçambique foi inicialmente habitado por grupos história, sua filosofia e seu pensamento. Nas próximas aulas,
[...] e pastores dos povos coissã; e a partir do século III d.C. vamos nos aprofundar no perfil literário de alguns escritores
povoado por antepassados dos atuais bantos locais [...] até angolanos e moçambicanos e observar como a história de
a chegada dos primeiros mercadores árabes, no século VIII. cada país se reflete na ficção.
219
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 219 10/04/2024 13:50:34
Saiba mais Pepetela (-)
A figura de maior
Karime Xavier/Folhapress
Reprodução Youtube. Camões I.P.
destaque na poesia da
moçambicanidade e
referência obrigatória
em toda a literatura afri-
cana é José Craveirinha.
A poesia de Craveirinha
engloba todas as fases
ou etapas da poesia
moçambicana, desde
os anos 40 até pratica-
mente os nossos dias.
Em Craveirinha vamos encontrar uma poesia tipo realista,
uma poesia da negritude, cultural, social, política, uma
poesia de prisão, uma poesia carregada de marcas da
tradição oral, bem como muito poema com grande pendor
lírico e intimista.
FONSECA, Maria Nazareth Soares; MOREIRA, Terezinha Taborda. Registrado como Artur Carlos Maurício Pestana dos
Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa. Cadernos Santos, Pepetela nasceu em Benguela, Angola, em .
CESPUC de Pesquisa Série Ensaios, Belo Horizonte, p. 13-69, set.
2007. p. 52. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/
Mudou-se para Portugal com o intuito de estudar Engenha-
cadernoscespuc/article/view/14767/11446. Acesso em: 12 mar. 2024. ria, mas acabou migrando para o curso de Letras. Ainda na
adolescência tomou conhecimento da situação de Angola
como colônia portuguesa; já adulto integrou o Movimento
Atenção Popular pela Libertação de Angola (MPLA). Viveu na Argélia,
onde ajudou a disseminar a ideologia do movimento.
A literatura moçambicana pode ser organizada em três Em , foi chamado para servir na luta pela inde-
fases: a colonial, a nacionalista e a pós-colonial. Importante pendência em Cabinda. Além de atuar como guerrilheiro,
lembrar que tal organização tem cunho didático e tanto
foi responsável pelo setor de educação do MPLA. Perma-
as características quanto os temas abordados nas obras
neceu na frente de batalha até , quando foi assinado
independem de fase.
um acordo de paz com Portugal. Em seguida, fixou resi-
dência em Luanda, onde fez parte da delegação do MPLA
e assumiu o cargo de vice-ministro da Educação. Após a
Angola: autores e obras independência, dedicou-se ao ensino e à carreira literária.
A presença portuguesa em Angola durou mais de
anos, tendo a independência chegado somente Mayombe
depois de muitos conflitos com a colônia. A guerra civil Pepetela escreveu mais de romances, além de pe-
se instaurou após a independência em , estendendo- ças e crônicas. Mayombe () foi escrito durante o tempo
-se até meados dos anos . Todos esses dados são em que o autor estava na frente da batalha de libertação
importantes porque a literatura e a história angolana ca- e apresenta o cotidiano dos guerrilheiros do MPLA que
minham juntas, como veremos a seguir. lutavam contra os portugueses na floresta do Mayombe,
localizada na região de Cabinda, Angola. A obra narra
Fabian Plock/Shutterstock.com
a missão de um grupo de guerrilheiros que adentra a floresta
com o objetivo de combater os colonialistas e assegurar
a liberdade de Angola.
Nessa obra, a floresta tem papel fundamental, pois é
dentro dela que está sendo gerado o novo povo de Angola.
Por meio do conflito multicultural e dos desafios que cada
guerrilheiro é obrigado a enfrentar, o autor reflete sobre a
falta de unidade do povo angolano, mesmo quando a luta
parece se dar por um mesmo objetivo: a independência
da então colônia em relação a Portugal.
O livro se divide em seis partes: A missão; A base;
Ondina; A surucucu; A amoreira; Epílogo. Ele é narrado por
várias vozes. Trata-se, portanto, de uma obra polifônica, em
que os personagens se revezam com o narrador oniscien-
te e onipresente para contar a história. Sempre que um
personagem toma a palavra, a tipografia muda, e há uma
Memorial da Guerra Civil em Luanda, Angola. apresentação.
220 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 220 05/04/2024 16:27:49
Eu, O Narrador, Sou Teoria. também já viveu no Brasil – em Olinda e no Rio de Janeiro –
Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a cor na Índia, na Alemanha, nos Países Baixos e em Moçambique.
escura de café, vinda da mãe, misturada ao branco defunto do Dedicou-se ao estudo da Agronomia e da Silvicultura,
meu pai, comerciante português. Trago em mim o inconciliável mas nunca deixou de estudar seu país, Angola. Seu desejo
e é este o meu motor. Num Universo de sim ou não, branco pela escrita tornou-se forte demais e passou a atuar como
ou negro, eu represento o talvez. jornalista. Sua estreia literária foi com o romance A conjura,
PEPETELA. Mayombe. Luanda: Texto Editores, 2013. p. 4. de , que retrata o período em que Angola esteve sob
Cada personagem pode ser entendido como uma ale- domínio português. O autor se destaca também na escri-
goria dos propósitos do MPLA: Sem medo é o comandante ta de contos, crônicas e poemas. Escreveu, ainda, peças
do grupo; Teoria é professor da Base; Milagre, Mundo teatrais; uma delas – Chovem amores na rua do matador
Novo e Lutamos são alguns dos guerrilheiros da missão; () – em parceria com o amigo e também autor Mia
Ingratidão do Tuga é um guerrilheiro kimbundo que ajuda Couto. Sua bibliografia conta com mais de obras, entre
a acentuar o tribalismo dentro do grupo. elas o romance O vendedor de passados ().
Pepetela propõe, por meio da obra Mayombe, uma re- O enredo do romance gira em torno de Félix Ventura,
flexão sobre a realidade da sociedade angolana, após tantos um vendedor de passados cujo trabalho é criar – por meio
anos de opressão colonial, sobre a divisão da própria popu- de fotos, documentos e outros registros – um passado dig-
lação que, por vezes, entra em conflito com os guerrilheiros. no ou importante para as pessoas que estão destinadas a
Os personagens da obra acreditam que a independência viver na pobreza por não terem uma “boa” árvore genea-
de Portugal vai permitir a criação de uma Angola para os lógica. É interessante notar que o narrador dessa história
angolanos e pôr fim nas diferenças étnicas. No entanto, eles é uma osga, réptil similar a uma lagartixa.
se veem lutando dentro de uma floresta hostil, enquanto a — Posso saber o seu nome?
corrupção, as disputas pelo poder e o tribalismo levam a [...]
batalha para um desfecho totalmente diferente. — Tive muitos nomes, mas quero esquecê-los a todos.
Importante apontar que a literatura angolana tem um Prefiro que seja você o primeiro a baptizar-me. [...]
papel muito significativo na luta de libertação do país, isto é, Precisava de um novo nome, e de documentos nacionais,
um caráter anticolonialista. Ela ajudou a divulgar as causas autênticos, que dessem testemunho dessa identidade. O albino
mais urgentes, salientando a importância da emancipação ouvia-o aterrado:
da nação. Além disso, livros como Mayombe dão voz ao co- — Não! – conseguiu dizer. — Isso eu não faço. Fabrico so-
lonizado, que é sistematicamente silenciado pelo discurso nhos, não sou um falsário... Além disso, permita-me a franqueza,
do dominador, que, por sua vez, busca tornar sua “versão” seria difícil inventar para o senhor toda uma genealogia africana.
da história a oficial e “verdadeira”. Como vimos, história e — Essa agora! E por quê?!...
literatura caminham juntas em Angola, razão pela qual se — Bem... O cavalheiro é branco!
deve levar em consideração que Mayombe foi escrito nos — E então?! Você é mais branco do que eu!...
anos , durante os conflitos pró-independência. — Branco, eu?! — o albino engasgou-se. Tirou um lenço
do bolso e enxugou a testa: — Não, não! Sou negro. Sou ne-
Saiba mais gro puro. Sou um autóctone. Não está a ver que sou negro?...
AGUALUSA, José Eduardo. O vendedor de passados.
Além de Mayombe, Pepetela escreveu As aventuras de Rio de Janeiro: Gryphus, 2018. p. 16.
Ngunga (); O cão e os caluandas (); A geração da
A questão identitária é muito forte em toda a obra.
utopia (); O desejo de Kianda (), entre outras obras.
A manobra de inventar um passado visa assegurar à nova
burguesia a permanência em seu status social, mas também
José Eduardo Agualusa (-) apagar o passado colonialista, a miséria e a precariedade
resultantes de anos de guerra. A obra suscita reflexões
sobre a memória, sobre a fragilidade que existe entre fic-
Marcelo Justo/Folhapress, 1616, ILUSTRADA
ção e realidade, e questiona a própria escrita da história.
O personagem negro albino reforça a ideia de que a cor
de pele não é o único indicador de negritude, ratificando
a importância dos valores culturais e civilizatórios, do pen-
samento, a maneira de ser e estar no mundo.
Saiba mais
FRENTE 2
Agualusa também é autor do livro de contos O homem
que parecia um domingo (); dos romances Teoria
geral do esquecimento () e A sociedade dos so-
nhadores involuntários (); e da coletânea de poesias
Coração dos bosques (). A obra O vendedor de
José Eduardo Agualusa, nasceu em Huambo, Angola, passados foi adaptada para o cinema em e está
em . O autor é filho de um descendente de portugueses disponível em plataformas de streaming.
e de uma brasileira. Na juventude, mudou-se para Lisboa, mas
221
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 221 05/04/2024 16:27:50
Ondjaki (-)
maurodopereira/Shutterstock.com
David Hartley/Shutterstock
Ondjaki, pseudônimo de Ndalu de Almeida, nasceu Jovens caminham na baía de Luanda, capital da Angola.
em e viveu a infância e parte da adolescência em
Saiba mais
Luanda, de onde saiu para estudar Sociologia na Univer-
sidade de Lisboa, Portugal. Estudou em colégios públicos, Ondjaki é uma palavra de origem kimbundu que significa
pois o socialismo era o regime vigente na época e, por “guerreiro”. Entre suas obras, destacamos os romances:
esse motivo, conviveu com crianças de diferentes níveis Quantas madrugadas tem a noite (), Os transparen-
sociais. Sua infância e sua adolescência foram vividas em tes () e O livro do deslembramento (), além do
um período turbulento de guerra civil, mas, por viver na infantojuvenil Uma escuridão bonita ().
capital de Angola, conseguiu escapar do pior da guerra.
Formou-se em Sociologia pela Universidade de Lisboa
e estudou cinema na Universidade Columbia, em Nova York. Moçambique: autores e obras
Iniciou suas leituras muito cedo, e suas influências são de Os primeiros portugueses chegaram a Moçambique
autores como Luandino Vieira, Pepetela, Ana Paula Tavares, em . Durante um bom tempo, o país foi usado como
Manuel Rui, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Pablo Neru- entreposto comercial e ponto de apoio para navios em
da e Gabriel García Márquez. Em sua obra, também estão rota para o Oriente. A condição de colônia se prolongou
presentes influências musicais de Jorge Palma, Caetano por quatro séculos, e a independência só viria em . A
Veloso e Adriana Calcanhoto, bem como da cultura popular, Luta Armada de Libertação Nacional foi um conflito armado
evidenciadas por meio da inserção de ditados populares e entre as força da Frente de Libertação de Moçambique
menções a obras de teledramaturgia e filmes. (Frelimo) e as Forças Armadas de Portugal, pavimentando
Em sua obra, Ondjaki recria histórias vividas por ele e o caminho para a libertação do país africano.
seus amigos, nascidos durante a guerra civil angolana; ao Após a Independência, o país caiu em uma guerra civil,
recuperar sua infância, torna-se impossível não falar sobre marcada por uma crise econômica e pela defasagem da
fatos importantes de Angola. Sua escrita é ideológica e crí- infraestrutura. Os investimentos privados foram retirados do
tica, mas não partidária. Ondjaki transita no tempo, sempre país, e Moçambique se tornou economicamente debilitado.
recordando momentos de sua infância, o período esco- Estima-se que cerca milhão de pessoas morreram durante
lar, os professores etc. Ele também faz muitas menções a guerra civil moçambicana.
a partidos políticos, figuras políticas importantes, regimes
totalitários e órgãos internacionais humanitários. Uma das Luís Bernardo Honwana (1942-)
características fortes de sua escrita é a “invencionice”, a
Reprodução Youtube. FUNDASO - Fundação SOICO. Acesso em: 10 nov. 2022.
maneira como se apropria da língua portuguesa e a trabalha
literariamente, criando narrativas altamente poéticas.
O “dia da véspera do carnaval”, como dizia avó Nhé, era
dia de confusão com roupas e pinturas a serem preparadas,
sonhadas e inventadas. Mas quando acontecia era um dia rápi-
do, por que os dias mágicos passam depressa deixando marcas
profundas na nossa memória, que alguns chamam também
de coração.
ONDJAKI. O último carnaval. In: ONDJAKI. Os da minha rua.
Rio de Janeiro: Pallas, 2021.
Em seu livro de contos Os da minha rua (), Ondjaki
apresenta cenas de uma infância em Luanda, e podemos
observar o tratamento delicado que o autor confere a temas
difíceis, como a fome e as desigualdades sociais. Ele ainda
aborda temas universais: relações interpessoais, passagem Nascido em Maputo, capital de Moçambique, Honwana
para a vida adulta, sentimentos, amizades e amores. foi criado no interior do país em virtude do trabalho do pai,
222 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 222 05/04/2024 16:27:53
que era intérprete. O autor era integrante da Frelimo e foi — Ele não me aconselha. Dá-me forças para continuar...
condenado a três anos de prisão por suas atividades anti- — O Papá acredita muito n’Ele?
coloniais, à época consideradas subversivas. A coletânea O Papá olhou-me como se me visse pela primeira vez e
de contos Nós matamos o Cão Tinhoso! foi publicada em depois explicou:
, mesmo ano em que foi preso. — Meu filho, tem de haver uma esperança! Quando
Em , foi a Portugal para estudar Direito na Universidade um dia acaba e sabemos que amanhã será tudo igualzinho,
temos de ir arranjar forças para continuar a sorrir e conti-
de Lisboa. Depois da independência de Moçambique
nuar a dizer “isso não tem importância”. Ainda hoje viste o
(), foi nomeado diretor de gabinete do presidente
Sr. Castro a enxovalhar-me! Isso foi só um bocadinho da ração
Samora Machel (-). Teve uma carreira política
de hoje... Não, meu filho, mesmo que isto tudo O negue, Ele
ativa e consistente em seu país, desempenhando cargos
tem de existir!...
como secretário de Estado da Cultura e ministro da Cultura, O Papá parou de repente e sorriu num esforço. Depois
além de ocupar posições em órgãos importantes como acrescentou:
a Unesco e o Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa. — Mesmo um pobre tem de ter alguma coisa... Mesmo que
seja só uma esperança!... Mesmo que ela seja falsa.
Nós matamos o Cão Tinhoso! HONWANA, Luís Bernardo. Papá, cobra e eu. In: HONWANA,
Entre os temas abordados na obra estão a opressão, Luís Bernardo. Nós matamos o Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.
a violência, o autoritarismo e a objetificação da mulher. O Frequentemente os personagens dos contos se veem
pano de fundo dos contos é o período de colonização em situações nas quais a arbitrariedade do sistema colo-
portuguesa, e o clima de tensão é bastante evidente em nial os obriga a se calar diante de violências várias: física,
contos como “Dina”, que narra a história de um homem sexual, psicológica. Esse silêncio se tornou meio de sobre-
idoso chamado Madala que trabalha em uma plantação. vivência para um povo obrigado a viver sob o olhar atento
Um dia, na hora do almoço, sua filha Maria vai visitá-lo. O e tirano do colonizador.
capataz do lugar, homem branco, sem saber de quem a O silenciamento e a resignação do moçambicano co-
menina é filha, leva-a para o matagal a fim e a ataca se- lonizado é espelhado no Cão Tinhoso, envelhecido, cheio
xualmente. Essa situação gera um clima de tensão entre os de cicatrizes e feridas. Sua morte pode ser lida como a
trabalhadores, que se solidarizam com Madala. A posição representação do sujeito resignado, já que deve surgir um
de resignação do velho, quando este aceita as desculpas povo que busca sua liberdade e sua autonomia.
do capataz – que lhe oferece uma bebida –, suscita o des-
O Cão Tinhoso tinha a pele velha, cheia de pelos brancos,
prezo dos mais novos.
cicatrizes e muitas feridas. Ninguém gostava dele porque era
Madala aceitou a garrafa que lhe era estendida [...] Todo um cão feio. Tinha sempre muitas moscas a comer-lhe as cros-
o acampamento olhava para o Madala. O jovem do Grupo do tas das feridas e quando andava, as moscas iam com ele a voar
Curral avançou um passo: em volta e a pousar nas crostas das feridas. Ninguém gostava
— Madala! de lhe passar a mão pelas costas como aos outros cães. Bem,
Com uma expressão cheia de dureza, Madala relanceou a Isaura era a única que fazia isso.
o olhar pelas fisionomias ansiosas que o cercavam. O Quim disse-me um dia que o Cão Tinhoso era muito
A garrafa estava toda suada e o vinho era de um ama- velho, mas que quando ainda era novo devia ter sido um cão
relo sujo, avermelhado. Madala bebeu de uma única vez, com o pelo a brilhar como o do Mike. O Quim disse-me tam-
deixando que uma boa parte lhe molhasse as barbas e lhe bém que as feridas do Cão Tinhoso eram por causa da guerra
escorresse pelo pescoço. Depois devolveu a garrafa vazia ao e da bomba atómica, mas isso é capaz de ser pêta.
capataz. [...] HONWANA, Luís Bernardo. Nós matamos o Cão Tinhoso! In: HONWANA,
Luís Bernardo. Nós matamos o Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.
O jovem do grupo do curral cuspiu para os pés de Madala:
— Cão!...
HONWANA, Luís Bernardo. Dina. In: HONWANA, Luís Bernardo. pêta: mentira.
Nós matamos o Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.
O universo das crianças também é apresentado em O viés crítico da obra, que denuncia a situação de misé-
alguns contos: “Nós matamos o Cão Tinhoso!”, conto que ria, desrespeito, destruição e violência do sistema colonial,
dá nome ao livro e é o primeiro da obra; “As mãos dos evidencia a importância da literatura no combate às injus-
pretos”; “Papá, cobra e eu” e “Inventário de móveis e ja- tiças sociais. A obra de Honwana se tornou um marco na
centes”. Nesses textos, são as crianças que compartilham literatura de Moçambique, influenciando uma geração de
suas experiências na atmosfera opressora da colonização. escritores dentro e fora do país.
Pode-se perceber a tensão nas relações entre os brancos
Atenção
FRENTE 2
e os negros. Um exemplo desse tipo de embate é o trata-
mento que o pai do personagem Ginho, de “Papá, cobra e Luís Bernardo Honwana, falante do rongo e da língua
eu”, recebe do vizinho branco. O menino se entristece com portuguesa, desenvolve um trabalho interessante com a
a humilhação à qual o pai foi submetido. linguagem. A representação do contexto social e cultural
é feita por meio da mistura dos dois idiomas, além da
— Por que é que o Papá reza quando está muito zangado? inserção de expressões moçambicanas, com o intuito de
— Porque Ele é o melhor conselheiro. apresentar o falar típico daquele povo.
— O que é que Ele lhe aconselha?
223
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 223 05/04/2024 16:27:53
Paulina Chiziane (1955-) a caçulinha, recém-adquirida. O nosso lar é um polígono de seis
pontos. É polígamo. Um hexágono amoroso.
Leonardo Negrão/Sipa USA/ Fotoarena
CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2021. p. 58.
Saiba mais
Niketche é o nome de uma dança do amor tradicional de
Zambézia e Nampula.
Com o intuito de conquistar o amor do marido somente
para si, Rami recorre a diversos estratagemas: magia, tatua-
gens, banhos especiais. No entanto, não tem sucesso em
sua empreitada, tampouco encontra apoio em sua família.
Apenas sua mãe demonstra compaixão, mas aconselha a
Paulina Chiziane nasceu em Manjacaze, no sul de filha a seguir a vida da mesma forma, sempre obediente e
Moçambique. Ficou conhecida por ser a primeira mulher fiel ao marido.
a escrever e publicar um romance em seu país. Chiziane O marido de Rami, quando confrontado, despreza as
vem de uma família pobre e foi com a avó que aprendeu a súplicas da esposa e explica que os homens são diferen-
contar histórias. A autora é considerada uma das escritoras tes das mulheres; eles são livres e podem tomar para si
de maior expressão da literatura pós-colonial. quantas mulheres desejarem. Sua sogra fez campanha
A contadora de histórias, como ela mesma gosta de se para que todas as amantes e filhos fossem legitimados, por
definir, frequentou o curso de Linguística da Universidade meio do lobolo, uma prática tradicional na qual a família da
Eduardo Mondlane, em Maputo, mas não chegou a concluí- noiva recebe compensação financeira da família do noivo.
-lo. Também integrou a Frelimo, abandonando o movimento
O ciclo de lobolos começou com a Ju. Foi com dinheiro
para atuar como enfermeira da Cruz Vermelha durante a
e não com gado. Lobolou-se a mãe, com muito dinheiro, num
guerra civil.
lobolo-casamento. As crianças foram legalmente reconhecidas,
Assim como Honwana, Chiziane fala português e ron-
mas não tinham sido apresentadas aos espíritos da família. [...].
ga, além de chope, e utiliza a mistura desses idiomas em Depois fez-se lobolo da Lu e dos filhos. As nortenhas espantaram-
sua escrita permeada de oralidade. Outra característica -se. Essa história de lobolo era nova para elas. Queriam dizer não
de sua produção é a poeticidade construída por meio do por ser contra os seus costumes culturais. Mas envolve dinheiro
uso de metáforas e comparações. e muito dinheiro. Dinheiro para os pais, dinheiro para elas, e
Em , Paulina Chiziane ganhou o Prêmio Camões, para os filhos. Dinheiro que faz falta para comer, para viver, para
o maior reconhecimento literário em língua portuguesa. investir. Quando se trata de benesses, qualquer cultura serve. Elas
Dessa forma, ela se tornou a primeira mulher africana a esqueceram o matriarcado e disseram sim à tradição patriarcal.
recebê-lo. No anúncio de sua premiação, o júri destacou Passámos três meses a andar de festa em festa. Era importante
“a importância que [a autora] dedica nos seus livros aos que todos os lobolos fossem feitos numa rajada, antes que o Tony
problemas da mulher moçambicana e africana [...], o vasto mudasse de ideias.
alcance de sua obra, festejada por público e crítica, e a CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2021. p. 124-125.
ponte que seu trabalho constrói com outras artes”.
Paulina Chiziane é autora de Balada de amor ao vento
() e O alegre canto da perdiz (). hbpro/Shutterstock.com
Niketche: uma história de poligamia
Romance publicado em , Niketche conta a história
de Rami, uma mulher submissa e fiel ao marido, Tony, com
quem está casada há anos. Apesar de ser boa esposa, não
consegue conquistar o amor do marido, o que a torna uma
mulher triste. Ciente de que o marido tem uma amante, Rami
decide visitá-la e se dá conta de que Julieta tem melhores
condições de vida do que ela, a esposa oficial. As mulheres
se desentendem, mas Rami acaba descobrindo a existência
de outra amante, Luísa. A visita à casa de Luísa leva a protago-
nista ao conhecimento de outras amantes, como Saly e Mauá.
O coração do meu Tony é uma constelação de cinco pontos.
Um pentágono. Eu, Rami, sou a primeira-dama, a rainha-mãe.
Depois vem a Julieta, a enganada, ocupando o posto de segunda
dama. Segue-se a Luísa, a desejada, no lugar de terceira dama. A
Saly, a apetecida, é a quarta. Finalmente a Mauá Sualé, a amada, Maputo, capital de Moçambique.
224 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 224 05/04/2024 16:27:54
Rami passa, então, a gerenciar o sistema polígamo no por segurança, respeito e estabilidade financeira para cui-
qual seu marido a colocou contra sua vontade. Há uma dar de si e dos filhos.
escala semanal que todas as esposas devem seguir. Essa
nova realidade, e até mesmo todo o processo de lega- Saiba mais
lização de mulheres e filhos, demonstra que a mulher é A kutchinga é um ritual tradicional de Moçambique que
tratada como um bem a ser negociado. Ela é rebaixada a tem o objetivo de purificar a mulher que ficou viúva.
apenas cumprir suas funções como dona de casa e fazer
as vontades do marido.
Mas a primeira-dama começa a ajudar as outras mu-
Mia Couto (1955-)
lheres a tornarem-se financeiramente independentes,
emprestando dinheiro para abertura de pequenos negó-
Andersen Ulf/Sipa/Shutterstock.com
cios. Esse movimento faz com que elas deixem Tony em
segundo plano e passem a desejar ser a primeira esposa
de outros homens. Em certo momento, as esposas confron-
tam Tony por não cumprir com suas obrigações de marido
polígamo. Acreditando que Rami é quem incentiva a revolta
das esposas, ele pede o divórcio, mas ela não aceita, e as
demais esposas também não. Tony foge e é dado como
morto. Rami deve, então, passar pelos rituais de purificação,
mas o marido retorna para casa depois de ter fugido para
Paris com uma amante.
— Vi a tua morte e fui ao teu funeral — desabafo. — Usei
luto pesado. Os malvados da tua família até o meu cabelo
raparam. Até o kutchinga, cerimónia de purificação sexual,
aconteceu.
— O quê? António Emílio Leite Couto é natural de Sofala, Moçambi-
— É a mais pura verdade. que. Filho de uma família de emigrantes portugueses, cujo pai
— Quando? era intelectual, jornalista e poeta. Os primeiros poemas de Mia
— Há poucas horas, nesta madrugada. Sou tchingada de Couto foram publicados quando ele tinha apenas anos.
fresco. Ingressou no curso de Medicina em Lourenço Marques,
Ele olha para o relógio. São dez horas da manhã. em . Dois anos depois, iniciou uma carreira jornalística.
— Quem foi o tal? Com a independência de Moçambique, foi convidado para
— Foi o Levy. assumir a direção da Agência de Informação do país. Atuou
— Não reagiste, não resististe? nessa área até , quando voltou para a universidade,
— Como? É a nossa tradição, não é? Não me maltratou,
dessa vez para se formar em Biologia. Seu trabalho de
descansa. Foi até muito suave, muito gentil. É um grande ca-
campo como biólogo abrange a recolha de mitos e lendas
valheiro, aquele teu irmão.
relacionados aos recursos naturais.
Falo com muito prazer e ele sente a dor de marido traído.
Mia Couto é um dos autores africanos mais traduzidos
No meu peito explodem aplausos. Surpreendo-me. Sinto que
endureci nas minhas atitudes. O meu desejo de vingança é
e divulgados pelo mundo. Já recebeu prêmios de grande
superior a qualquer força deste mundo. expressão, e seu livro Terra sonâmbula é considerado um
— És uma mulher de força, Rami. Uma mulher de princí- dos dez melhores livros africanos do século XX.
pios. Podias aceitar tudo, tudo, menos o kutchinga.
Terra sonâmbula
— Ensinaste-me a obediência e a submissão. [...]
CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: O primeiro romance de Mia Couto, publicado em ,
Companhia das Letras, 2021. p. 227. já demonstra o talento e a engenhosidade do autor. Tendo
Em uma reviravolta da narrativa, Tony é abandonado como pano fundo a guerra civil moçambicana, a narrativa
por todas as suas amantes. Ele se volta então a Rami, que sobre o velho Tuahir e o menino Muidinga mistura história
sempre esteve ao seu lado, mas descobre que ela engra- e ficção, como é característico das literaturas africanas.
vidou durante o ritual de purificação. Rami chega ao fim Com o intuito de escapar dos conflitos, Tuahir e Muindinga
da história com dois filhos, mais forte e segura de si. Tony iniciam uma viagem; no caminho encontram um ônibus in-
termina sozinho. cendiado, que serve de abrigo para ambos. O veículo está
FRENTE 2
A condição da mulher na sociedade moçambicana é cheio de corpos carbonizados que os dois resolvem enterrar.
a principal temática e preocupação de Chiziane. Na obra Ao lado do ônibus, eles avistam mais um corpo carbonizado
Niketche, a autora trata das dores, da solidão, da infelicida- junto a uma mala contendo um diário pertencente ao morto.
de e da submissão feminina. Ao tratar da poligamia, aceita Mais tarde, se começa a escutar um pranto, num fio quase
apenas para os homens, Chiziane expõe mais uma ferra- inaudível. É Muidinga que chora. O velho se levanta e zanga:
menta de opressão da mulher. A trajetória dos personagens — Pára de chorar!
revela uma constante busca pelo amor, mas, principalmente, — É que me dói uma tristeza...
225
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 225 05/04/2024 16:27:55
— Chorando assim você vai chamar os espíritos. Ou se
nooaonphoto/Shutterstock.com
cala ou lhe rebento a tristeza à porrada.
— Nós nunca mais vamos sair daqui.
— Vamos, com a certeza. Qualquer coisa vai acontecer
qualquer dia. E essa guerra vai acabar. A estrada já vai-se en-
cher de gente, camiões. Como no tempo de antigamente. Mais
sereno, o velho passa um braço sobre os ombros trementes do
rapaz e lhe pergunta:
— Tens medo da noite?
Muidinga acena afirmativamente.
— Então vai acender uma fogueira lá fora. O miúdo se
levanta e escolhe entre os papéis, receando rasgar uma fo-
lha escrita. Acaba por arrancar a capa de um dos cadernos.
Para fazer fogo usa esse papel. Depois se senta ao lado da
fogueira, ajeita os cadernos e começa a ler. Balbucia letra a Pescadores na costa de Moçambique.
letra, percorrendo o lento desenho de cada uma. Sorri com
a satisfação de uma conquista. Vai-se habituando, ganhando
despacho.
Literatura marginalizada: vozes
— Que estás a jazer, rapaz? da periferia
— Estou a ler. Eu não sei o que eles acham no meu diário. Escrevo a miséria
— É verdade, já esquecia. Você era capaz ler. Então leia e a vida infausta dos favelados. Fico pensando o que será Quarto
em voz alta que é para me dormecer. de despejo?, umas coisas que eu escrevia há tanto tempo para
COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São Paulo: desafogar as misérias que enlaçavam-me igual o cipó quando
Companhia das Letras, 2007. p. 12-13.
enlaça as árvores, unindo todas. Eu era revoltada, não acreditava
As histórias de Muidinga e Kindzu, o morto, passam a em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu
se misturar ao longo do romance. A viagem de Muidinga e sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia
Tuahir é narrada com os flashbacks da viagem do próprio que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse
Kindzu, que estava à procura dos naparamas. Para o garo- tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada.
to, esses guerreiros tradicionais, que são abençoados por São Paulo: Ática, 2014. p. 170.
feiticeiros, constituem a única esperança para pôr fim aos
senhores da guerra. Nas aulas anteriores, nos aprofundamos em alguns
A viagem dos personagens é uma metáfora para a aspectos importantes da história de Angola e Moçam-
jornada do autoconhecimento de Muidinga, que deseja re- bique, como a chegada dos portugueses, o sistema
descobrir suas origens, sua identidade, retomando crenças, colonial e as lutas por independência, além dos conflitos
costumes e valores de sua ancestralidade. Uma possível internos que se seguiram à emancipação de cada país.
leitura do romance é a de que o velho e o menino represen- Ademais, há que se ter sempre em vista que o tráfico de
tam duas gerações do povo moçambicano que apontam, escravizados gerou consequências terríveis no continen-
respectivamente, para o passado e o futuro. te africano e fora dele.
Sabemos como o processo de independência e o fim
Para o professor Mário César Lugarinho, Terra Sonâmbula é
da escravização no Brasil também foi permeado de pro-
um dos livros mais encantadores da língua portuguesa e Mia
blemas que ressoam até os dias de hoje na sociedade.
Couto, o melhor discípulo de Guimarães Rosa. “O efeito imedia-
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
to da leitura é o encantamento”, comenta. “Somos literalmente
mais de % da população do nosso país é negra. No
enfeitiçados pela leitura. Não há leitor de língua portuguesa que
consiga passar incólume por ela. Esse encantamento, muitas entanto, essa grande parcela de brasileiros tem vivido à
vezes, consegue amenizar o horror da destruição.” margem da sociedade há séculos.
É graças a uma linguagem extremamente poética que o O Brasil é a maior diáspora africana do mundo e o
autor faz do horror da guerra civil algum encantamento. O segundo maior país com população afrodescendente.
docente explica que Mia Couto lança mão de recursos da Segundo a União Africana, essa população também é
poesia lírica – notadamente o alargamento do sentido das pa- parte da África, uma vez que os valores culturais e filo-
lavras, de sua semântica – para instigar o leitor a possibilidades sóficos de seus ancestrais enraizaram e fortaleceram a
imprevistas de leitura. comunidade negra através dos séculos.
PRADO, Luiz. Em “Terra Sonâmbula”, poesia se eleva de ruínas
materiais e espirituais. Jornal da USP, São Paulo, 28 jul. 2021. Saiba mais
Disponível em: https://jornal.usp.br/cultura/em-terra-sonambula-poesia-
se-eleva-de-ruinas-materiais-e-espirituais/. Acesso em: 12 mar. 2024. Diásporas africanas é um conceito político usado para
nomear as comunidades com população afrodescenden-
A linguagem poética da obra é, sem dúvida, outra carac-
te, sejam elas descendentes dos africanos sequestrados
terística que chama muito a atenção. Seu trabalho lembra o
e escravizados ao longo do processo colonial, sejam
de escritores como Guimarães Rosa e Jorge Amado. Couto descendentes dos africanos que imigraram em busca de
se utiliza de aforismos, metáforas e neologismos, além da tra- melhores condições de vida.
dição oral, para singularizar a linguagem de seus romances.
226 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 226 05/04/2024 16:27:56
Estabelecendo relações descoberta pelo jornalista Audálio Dantas (-), na
década de , que se comprometeu a organizar as me-
No Carnaval de , diversas escolas de samba no Rio mórias de Carolina Maria de Jesus e apresentar o material
de Janeiro e em São Paulo apresentaram enredos que a um editor. O livro rapidamente se tornou um best-seller,
resgatam e valorizam a contribuição de pessoas pretas na com mil exemplares vendidos. Foi traduzido para
história do Brasil e do mundo. A escola de samba Beija-flor
idiomas e distribuído em mais de países. Apesar
de Nilópolis homenageou nomes importantes da intelectua-
desse alvoroço inicial, a autora morreu em , quase
lidade brasileira, convidando-os para desfilar: Conceição
Evaristo, Aza Njeri, Djamila Ribeiro e Eliana Alves Cruz são completamente esquecida.
alguns dos destaques da escola. Em São Paulo, a Colorado Quarto de despejo: diário de uma favelada
do Brás criou um enredo para reverenciar o legado da auto-
ra Carolina Maria de Jesus; a comissão de frente apresentou Publicado em , Quarto de despejo retrata o co-
uma crítica à “elite literária”. O Carnaval é, sem dúvida, uma tidiano de fome, abandono, violência e marginalização de
das maiores manifestações culturais do Brasil. Unindo a uma parcela da população. Carolina Maria de Jesus fala
música, as artes plásticas e a estética, apresenta denúncia desde as margens da sociedade; como mulher e negra, seu
social e propõe reflexões sobre assuntos relevantes. testemunho e sua voz são de grande importância.
Sua linguagem é simples, mas forte e carregada de
William Volcov/Shutterstock
verdade. A verdade que Carolina Maria de Jesus vivia todos
os dias. A originalidade e a honestidade de seu relato são
capazes de comover e levar os leitores à reflexão.
20 DE JUNHO ...Dei leite para a Vera. O que eu sei é que
o leite está sendo despesas extras e está prejudicando a minha
minguada bolsa. Deitei a Vera e saí. Eu estava tão nervosa!
Acho que se eu estivesse num campo de batalha, não ia sobrar
ninguém com vida. Eu pensava nas roupas por lavar. Na Vera. E
se a doença fosse piorar? Eu não posso contar com o pai dela.
Ele não conhece a Vera. E nem a Vera conhece ele.
Bailarinos da comissão de frente da Beija-Flor de Nilópolis durante
Tudo na minha vida é fantástico. Pai não conhece filho,
desfile no Rio de Janeiro (RJ), 2022.
filho não conhece pai.
...Não tinha papéis nas ruas. E eu queria comprar um
Carolina Maria de Jesus (1914-1977) par de sapatos para a Vera. [...] Segui catando papel. Ganhei
41 cruzeiros. Fiquei pensando na Vera, que ia bradar e chorar,
porque ela quando não tem o que calçar fica lamentando que não
Acervo UH/Folhapress
gosta de ser pobre. Penso: se a miséria revolta até as crianças...
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada.
São Paulo: Ática, 2014. p. 56.
Nessa obra, Carolina Maria de Jesus apresenta um re-
trato bastante particular da miséria e do descaso social com
uma população majoritariamente afrodescendente forçada
a viver nas periferias e nas favelas. Além disso, sua obra
propõe uma reflexão sobre a mulher negra que, sem dúvi-
da, configura a pessoa em maior vulnerabilidade social no
Brasil e no mundo.
[...] Carolina era um ser da escrita e a palavra era sua
Nascida em Sacramento, Minas Gerais, é filha de uma essência, além de singular e criativa no uso da linguagem – pre-
família de negros, pobres e muito humildes. Frequentou por cisamos lembrar que, como uma sociedade colonialista, racista e
apenas dois anos uma escola espírita, mantida por pessoas hétero-patriarcal é dado a alguns o privilégio de brincar com a
influentes da sociedade, que recebia crianças pobres. linguagem – e sabemos muito bem de quem estamos falando –,
Mudou-se para São Paulo em com seus três filhos. ela possuía uma gramática do cotidiano, como bem disse
Nesse momento, a cidade vivia um processo de moderni- Conceição Evaristo, ou podemos pensar no pretuguês de Lélia
zação ao mesmo tempo que surgiam as primeiras favelas. Gonzalez, e aí fica claro o porquê Carolina e sua linguagem
Carolina Maria de Jesus e seus filhos moraram na favela do foram desprezadas e objetificadas.
Canindé, bairro da região central de São Paulo. Para susten- Objetificação essa que não conseguiu apagar a singularidade
FRENTE 2
tar os filhos sozinha, a escritora recolhia papel, ferro e outros dessa poeta, romancista, compositora, cantora, pensadora etc.
FERREIRA, Carolina. 60 anos de quarto de despejo. In: DEMARCHI,
materiais para vender. Ademir et al. 60 anos de “Quarto de despejo”: homenagem a Carolina
Sempre teve gosto pela leitura e lia tudo que estivesse Maria de Jesus. Rio de Janeiro: Revista Mallarmargens, 2020. p. 14-15.
disponível. Começar a escrever foi um passo natural para
ela, que encontrava na escrita uma espécie de escape da pretuguês: conceito criado por Lélia Gonzalez. Refere-se
dura realidade que enfrentava. Seus escritos sobre a vida à africanização da língua portuguesa brasileira.
na favela do Canindé se tornariam mais tarde um livro. Foi
227
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 227 05/04/2024 16:27:57
A linguagem, a literariedade e a importância de Carolina Sérgio Vaz (1964-)
Maria de Jesus foram julgadas e desprezadas. Depois de
Keiny Andrade/Folhapress
Quarto de despejo, a autora ainda publicou Casa de alvenaria
() e Pedaços de fome (). Assim como sucedeu com
Maria Firmina dos Reis (-), a história e o legado de
Carolina Maria de Jesus foram invisibilizados pela sociedade
até que recentemente sua obra foi redescoberta, dando ori-
gem a diversas pesquisas acerca de sua produção literária.
Ferréz (1975-)
Rivaldo Gomes/Folhapress
Sérgio Vaz é um poeta, contista e produtor cultural
nascido em Minas Gerais, mas muito cedo mudou-se com
a família para a Região Metropolitana de São Paulo, mais
especificamente para Taboão da Serra. Seu interesse pela
literatura surgiu ainda na adolescência, quando começou
a escrever letras de música. Em , fundou a Cooperifa,
Cooperativa de Artistas da Periferia, promovendo encontros
culturais e saraus semanalmente.
Estreou na literatura com a obra Subindo a ladeira
mora a noite (); também publicou A margem do vento
(), Pensamentos vadios (), A poesia dos deuses
inferiores (), Colecionador de pedras (), Cooperifa –
antropologia periférica (), Literatura, pão e poesia
O autor Ferréz é também fundador do grupo 1dasul, que promove eventos
culturais na periferia de São Paulo. () e Flores de alvenaria (). A maior parte de sua
obra foi publicada de maneira independente. A linguagem
Ferréz é o nome literário do autor e empreendedor de sua poesia é coloquial e representa liricamente o coti-
paulista Reginaldo Ferreira da Silva. A escrita está presen- diano periférico, mas também suscita reflexões existenciais.
te em sua vida desde a adolescência, mas, antes de se
dedicar completamente a ela, teve diferentes empregos: Racionais MC’s
balconista, auxiliar-geral, chapeiro, arquivista etc.
Estreou na literatura com a coletânea de poesia Forta-
Jales Valquer / Fotoarena
leza da desilusão (), obra em que se pode observar
a influência do Concretismo. Sua obra mais conhecida é
Capão pecado (), cujo enredo gira em torno do co-
tidiano da periferia de São Paulo. O próprio título do livro
faz referência ao bairro paulista Capão Redondo, um dos
mais populosos da cidade.
Rael é o personagem principal da trama. Ele se apaixo-
na por Paula, namorada de seu amigo Matcherros, e esse
sentimento vai gerar incertezas e confrontar os valores do
personagem. Sua história é trágica e tortuosa, assim como
as de outros personagens. Rael acaba cedendo à paixão:
casa-se com a namorada do amigo e tem um filho com ela,
porém é traído por Paula. Depois de perder tudo – mulher,
filho, emprego –, resolve matar seu antigo empregador e O grupo de rap brasileiro Racionais MC’s surgiu na
termina na cadeia. década de , na periferia de São Paulo. Os quatro
Capão pecado é um marco da chamada literatura racionais se uniram com o intuito de denunciar o racismo
marginal ou periférica, ou seja, da literatura escrita pelas mi- e as consequências que o sistema capitalista gera nas
norias sociais e cujo enredo foca a realidade das periferias grandes cidades. Esse sistema opressor está diretamente
urbanas. O questionamento das estruturas sociais brasilei- ligado à escalada da violência e da miséria que acomete
ras, a linguagem informal, a vida permeada de violência, principalmente a população afrodescendente.
pobreza e criminalidade são algumas das características O primeiro álbum do grupo, Holocausto urbano (),
marcantes dessa obra. teve uma venda expressiva e o tornou muito conhecido na
228 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 228 05/04/2024 16:27:58
cena paulistana. Tal sucesso possibilitou ao grupo desenvol- mais diversos campos culturais, como Memórias póstumas de
ver diversos projetos especialmente voltados para pessoas Brás Cubas, de Machado de Assis; Grande sertão: veredas, de
em situação de vulnerabilidade, inclusive dando palestras Guimarães Rosa; Terra em transe, de Glauber Rocha; e Chega
em escolas para tratar de assuntos como racismo, violência de saudade, de João Gilberto.
policial e drogas. OLIVEIRA, Acauam de Oliveira. O evangelho marginal dos Racionais MC’s.
In: RACIONAIS MC’S. Sobrevivendo no inferno. São Paulo:
O sucesso nacional chegou com Raio X Brasil () e Companhia das Letras, 2018. p. 22-23.
Sobrevivendo no inferno (), álbum histórico que passou
a marca de , milhão de cópias vendidas. O impacto dessa O álbum tem faixas, sendo dez canções, a decla-
obra foi tão singular na cena do rap brasileiro que se tornou mação de um depoimento e uma música instrumental. Com
um divisor de águas para o movimento. forte viés crítico, as canções reverenciam a cultura negra,
as religiões de matriz africana e o sincretismo religioso.
Saiba mais Ao refletir sobre a condição do sujeito negro, as canções
funcionam como uma denúncia e apresentam sujeitos so-
O hip-hop surgiu na década de , nos Estados Unidos.
Nesse período, as grandes cidades estadunidenses en- cialmente excluídos que se esforçam para sobreviver em
frentavam uma crise econômica que levou a uma situação um cotidiano de violência por meio da fé.
de grande violência urbana. Negros e latinos eram as Sobrevivendo no inferno é também uma resposta ao
maiores vítimas desse contexto. O movimento, que en- Massacre do Carandiru e à escalada da violência poli-
volve o break, o grafite e o rap, surgiu como uma reação cial, sobretudo contra jovens negros, sistematicamente
a essa condição. assassinados no Brasil. A canção “Diário de um detento”
foi escrita em parceria por Mano Brown e Jocenir Prado
e apresenta o depoimento de um detento que vivenciou
Sobrevivendo no inferno
o Massacre do Carandiru. Em formato de diário, o relato
Progressivamente, Sobrevivendo no inferno foi sendo re-
ganha ainda mais força e se inicia na véspera do ocorrido,
conhecido como uma das grandes obras-primas da música
para depois narrar a chacina e findar no dia seguinte.
popular brasileira. Pode-se dizer que nesse trabalho, lançado
Em “Capítulo , versículo ”, temos o conflito entre
pela produtora independente Cosa Nostra, criada pelos pró-
prios Racionais, o grupo alcança sua maturidade estética e a moralidade de quem vive à margem da sociedade e a
crítica. Essa nova maneira de tematizar o cotidiano periférico moralidade hegemônica. A canção inicia com dados esta-
teria impacto em vários segmentos artísticos, como a literatura, tísticos que evidenciam a situação vulnerável dos negros
o teatro, o cinema e a televisão, tornando o grupo uma espécie em São Paulo, principalmente da juventude. O objetivo da
de vetor para as mais diversas produções artísticas da periferia. denúncia é defender o sujeito negro da classe alta. Essas
[...] Seu impacto no cenário nacional pode ser comparado duas canções são exemplos de como o álbum apresenta
sem exageros ao de outras grandes obras pertencentes aos a realidade cruel e opressiva de quem vive nas periferias.
Revisando
Leia o texto a seguir e responda às questões 1 e 2. ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da úl-
tima guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz
Para nós, brasileiros, a África mostra-se ambígua: tão
loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade
próxima da sociedade e tão longe das consciências! Quan-
do muito, sua lembrança evoca escravidão, máscaras e perdido em terra alheia.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 26. ed. São Paulo: Martins, 1974.
tambores, pobreza, fome, aids e todo tipo de violência
em guerras tribais ou guerras civis. Texto II
MACEDO, José Rivair. História da África. [...] E os homens, vestidos de verde, tornaram-se ver-
São Paulo: Contexto, 2021. p. 8.
des como as folhas e castanhos como os troncos colossais.
A folhagem da abóbada não deixava penetrar o Sol e o
1. O que sugere a afirmação “a África mostra-se am- capim não cresceu em baixo, no terreiro limpo que ligava
bígua: tão próxima da sociedade e tão longe das as casas. Ligava, não: separava com amarelo, pois a liga-
consciências”, de José Rivair Macedo? ção era feita pelo verde. Assim foi parida pelo Mayombe
a base guerrilheira.
2. De que maneira a literatura pode colaborar com a
A mata criou cordas nos pés dos homens, criou cobras
criação de um novo imaginário a respeito da África?
à frente dos homens, a mata gerou montanhas intranspo-
níveis, feras, aguaceiros, rios caudalosos, lama, escuridão,
FRENTE 2
Leia os textos a seguir para responder às questões Medo. A mata abriu valas camufladas de folhas sob os pés
3 e 4. dos homens, barulhos imensos no silêncio da noite, der-
Texto I rubou árvores sobre os homens. E os homens avançaram.
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrin- E os homens tornaram-se verdes, e dos seus braços folhas
do, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas brotaram, e flores, e a mata curvou-se em abóbada, e a
alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de mata estendeu-lhes a sombra protetora, e os frutos.
uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam PEPETELA. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2013.
229
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 229 05/04/2024 16:27:58
3. O cortiço, de Aluísio Azevedo, e Mayombe, de Pepetela, Leia o trecho a seguir e responda às questões de 6 a 8.
são obras em que as figuras individuais são substituídas Contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu fiquei
pela coletividade. Considerando os espaços represen- compreendendo que eu adoro o meu Brasil. O meu olhar
tados nas duas obras, explique a semelhança entre as posou nos arvoredos que existe no início da rua Pedro
suas descrições. Vicente. As folhas movia-se. Pensei: elas estão aplaudin-
4. Explique o que sugere a metáfora presente na frase do este meu gesto de amor a minha Pátria. [...] Toquei o
“Assim foi parida pelo Mayombe a base guerrilheira”. carrinho e fui buscar mais papeis. A Vera ia sorrindo. E eu
pensei no Casemiro de Abreu, que disse: “Ri criança. A
5. Leia os trechos a seguir. vida é bela”. Só se a vida era boa naquele tempo. Porque
agora a época está apropriada para dizer: “Chora criança.
[...] Benjamin Moser, autor da [...] biografia de Clarice
A vida é amarga”.
Lispector, vem sendo acusado de racismo desde que um
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada.
trecho do livro [...] foi resgatado nas redes sociais. [...] São Paulo: Ática, 2014.
“Numa foto, ela aparece em pé, ao lado de Carolina
Maria de Jesus, negra que escreveu um angustiante livro 6. O poeta Casimiro de Abreu pertence ao movimento
de memórias da pobreza brasileira, Quarto de despejo, romântico. Considerando o trecho lido, aponte como
uma das revelações literárias de 1960. Ao lado da pro- Carolina Maria de Jesus retoma e rompe com esse
verbialmente linda Clarice, com a roupa sob medida e movimento.
os grandes óculos escuros que a faziam parecer uma 7. No trecho, temos dois tipos de intertextualidade. Ex-
estrela de cinema, Carolina parece tensa e fora do lugar, plique como ela se dá.
como se alguém tivesse arrastado a empregada domés-
tica de Clarice para dentro do quadro”, escreve [...]. 8. Quarto de despejo reproduz a linguagem da autora,
O trecho provocou comentários indignados nas redes que não segue a norma-padrão da língua portuguesa.
sociais. Muitos condenaram o caráter racista dos comentá- De que maneira isso é evidenciado?
rios de Moser ao não reconhecer Carolina de Jesus como
9. Leia os trechos sobre a literatura marginal periférica,
escritora, mas sim como uma “negra” que, ao lado da
estudada neste capítulo, e, em seguida, relacione-os.
“proverbialmente linda” Clarice, poderia ser confundida
com uma empregada doméstica. Não há dúvidas: o pensamento pós-moderno tem nos
ESCRITOR é acusado de racismo por trecho em biografia de Clarice tornado mais sensíveis às diferenças, às representações
Lispector. Revista Cult (Notícias), São Paulo, [2011]. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/escritor-e-acusado-de-racismo-por-
das vozes marginais e à importância da heterogeneidade.
trecho-em-biografia-de-clarice-lispector/. Acesso em: 12 mar. 2024. Houve uma enorme mudança sobre o que é comumente
considerado o centro e as margens.
Mulheres negras compartilham a experiência co-
PATERSON, Janet M. Pensando o conceito de alteridade hoje. [Entrevista
letiva de exploração econômica, sexual e psicológica cedida a] Sandra Regina Goulart Almeida. Aletria, Belo Horizonte, v. 16,
que teve início no sequestro do Atlântico. No continen- p. 13-19, jul-dez, 2007 p. 14-15. Disponível em: https://periodicos.
ufmg.br/index.php/aletria/article/view/18168. Acesso em: 12 mar. 2024.
te africano anterior aos choques civilizacionais com
o Ocidente, a construção da identidade das mulheres Com o aumento da visibilidade, a literatura marginal
tinha como fundamento o respeito à figura feminina que periférica não pode mais ser considerada à margem da tra-
ocupava um lugar social de prestígio em sua comuni- dição literária brasileira, ou do mercado editorial, mas é
dade. Escravizadas, passamos a experienciar a vida em produzida por quem foi excluído social e economicamente.
um regime que oprimia todas as instâncias do nosso ser. BARROS, Gracinda. Literatura Marginal Periférica.
Wikifavelas - Dicionário de favelas Marielle Franco,
NJERI, Aza; AZIZA, Dandara. Entre a fumaça e as cinzas: estado de
Rio de Janeiro, [2024]. Disponível em:https://wikifavelas.com.br/
maafa pela perspectiva mulherismo africana e a psicologia africana.
index.php/Literatura_Marginal_Perif%C3%A9rica.
Problemata: R. Intern. Fil, v. 11. n. 2, 2020. Disponível em: Acesso: em 12 mar. 2024.
https://periodicos.ufpb.br/index.php/problemata/article/
view/53729/30944. Acesso em: 12 mar. 2024.
10. Segundo o Dicionário Michaelis, a palavra rap é um ter-
Escreva um pequeno texto evidenciando a relação mo em inglês que significa “bater (viva e rapidamente)”
entre os dois trechos. De que maneira a obra e o le- ou “condenar, censurar”. Considerando o significado
gado de Carolina são oprimidos com a colocação de do termo, explique como forma e conteúdo compõem
Benjamin Moser? as canções do grupo Racionais MC’s.
Exercícios propostos
1. PUC-Minas Leia o fragmento do romance Bom dia, — Menino, no tempo do branco isso não era assim...
camaradas, de Ondjaki. Depois, sorria. Eu mesmo queria era entender aquele
sorriso. Tinha ouvido histórias incríveis de maus tratos, de
“Mas, camarada António, tu não preferes que o país más condições de vida, pagamentos injustos, e tudo mais.
seja assim livre?”, eu gostava de fazer essa pergunta quan- Mas o camarada António gostava dessa frase dele a favor
do entrava na cozinha. [...] dos portugueses, e sorria assim tipo mistério. [...]
230 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 230 10/04/2024 13:53:24
— Mas, António... Tu não achas que cada um deve 3. FCL-SP Sobre o excerto de Os da minha rua, de Ondjaki,
mandar no seu país? Os portugueses tavam aqui a fazer apresentado a seguir, é correto afirmar que:
o quê?
Uma pessoa quando é criança parece que tem a boca
— É!, menino, mas naquele tempo a cidade estava
preparada para sabores bem diferentes sem serem muito
mesmo limpa... tinha tudo, não faltava nada...
picantes de arder na língua. São misturas que inventam
— Ó António, não vês que não tinha tudo? As pes-
uma poesia mastigada tipo segredos de fim da tarde. Era
soas não ganhavam um salário justo, quem fosse negro
assim, antigamente, na casa da minha avó. No tempo da
não podia ser diretor, por exemplo...
Madalena Kamussekele.
— Mas tinha sempre pão na loja, menino, os
machimbondos [ônibus de transporte público] funcio- a) O tempo tende a estabilizar-se no passado, mas o
navam... — ele só sorrindo. uso constante dos verbos nas formas do presente
— Mas ninguém era livre, António... não vês isso? coloca em dúvida o que está sendo dito.
— Ninguém era livre como assim? Era livre sim, b) A infância é responsável pela visão lúdica das per-
podia andar na rua e tudo... sonagens, não importando se o presente aponta
— Não é isso, António — eu levantava-me do ban- para os descompassos gerados pela modernidade.
co. — Não eram angolanos que mandavam no país, c) A evocação do tempo passado mantém o univer-
eram portugueses... E isso não pode ser... so encantado da infância, pleno de poesia.
O camarada António aí ria só. d) A opção pelo presente revela o intenso diálogo do
In: ONDJAKI. Bom dia camarada. Rio de Janeiro: Agir, 2006. p. 17-18. autor com os meios de comunicação de massa.
No texto de Ondjaki, o diálogo entre António e o narra- e) O tempo passado se mescla continuamente à
dor permite identificar um conflito fundamentalmente: perspectiva histórica, levando ao registro de uma
a) racial. Angola imemorial.
b) filosófico.
4. UEL-PR Sobre a obra O planalto e a estepe, de Pepetela,
c) educativo.
assinale a alternativa correta.
d) ideológico.
a) Conta a história de dois jovens anticomunistas caça-
2. Fuvest-SP Leia o excerto de Mayombe, de Pepetela, dos pela polícia durante a ditadura militar angolana
no qual as personagens “dirigente” e Comandante Sem entre os anos trinta e quarenta do século passado.
Medo discutem o comportamento do combatente cha- b) Conta a história do casamento secreto entre Jean-
mado Mundo Novo. As indicações [d] e [C] identificam, -Michel e Sarangerel durante a Guerra Civil que
respectivamente, as falas iniciais do “dirigente” e do assolou a Europa na década de cinquenta do
Comandante Sem Medo, que se alternam, no diálogo. século passado.
c) Narra a história do amor impossível entre dois
[d] [...] A propósito do Mundo Novo: a que chamas jovens militantes chineses, impedidos de se rela-
tu ser dogmático? cionar por pertencerem a famílias inimigas.
[C] — Ser dogmático? Sabes tão bem como eu.
d) Narra a saga de Júlio e Sarangerel em busca da
— Depende, as palavras são relativas. Sem Medo sorriu.
filha que lhes foi retirada, ainda bebê, pelos mili-
— Tens razão, as palavras são relativas. Ele é dema-
tantes ligados a partidos anticomunistas da Rússia
siado rígido na sua conceção da disciplina, não vê as
e da China.
condições existentes, quer aplicar o esquema tal qual
e) O romance entre Júlio e Sarangerel traz como
o aprendeu. A isso eu chamo dogmático, penso que é a
verdadeira aceção da palavra. A sua verdade é absoluta e pano de fundo os bastidores da atuação política
toda feita, recusa-se a pô-la em dúvida, mesmo que fosse nos países do chamado bloco comunista durante
para a discutir e a reforçar em seguida, com os dados da a Guerra Fria.
prática. Como os católicos que recusam pôr em dúvida Observe a imagem e leia o texto para responder às
a existência de Deus, porque isso poderia perturbá-los. questões 5 e 6.
— E tu, Sem Medo? As tuas ideias não são absolutas?
— Todo o homem tende para isso, sobretudo se teve
uma educação religiosa. Muitas vezes tenho de fazer um
esforço para evitar de engolir como verdade universal
qualquer constatação particular.
a) Que relação se estabelece, no excerto, entre a
forma dialogal e as ideias expressas pelo Coman-
FRENTE 2
dante Sem Medo?
b) No plano da narração de Mayombe, isto é, no seu
modo de organizar e distribuir o discurso narra-
tivo, emprega-se algum recurso para evitar que
o próprio romance, considerado no seu conjunto,
recaia no dogmatismo criticado no excerto? Expli-
que resumidamente. Amoreira africana. https://www.google.com.br
231
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 231 10/04/2024 13:54:43
O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo e) crítica esclarecida à mentalidade animista – que
transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo tende a personificar os elementos da natureza – e
esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas ao tribalismo, ainda muito difundidos entre os guer-
em decomposição. rilheiros do Movimento Popular de Libertação de
[...]
Angola (MPLA).
Mas o Comissário não ouviu o que o Comandante
disse. Os lábios já mal se moviam. 7. PUC-Minas “… o que me interessa é um pouco exer-
A amoreira gigante à sua frente. O tronco destaca-se citar o absurdo”, afirma José Eduardo Agualusa sobre
do sincretismo da mata, mas se eu percorrer com os olhos sua produção literária. Em O vendedor de passados,
o tronco para cima, a folhagem dele mistura-se à folhagem
esse “exercício do absurdo” só NÃO propicia:
geral e é de novo o sincretismo. Só o tronco se destaca, se
individualiza. Tal é o Mayombe, os gigantes só o são em
a) uma denúncia quanto à história e ao cenário polí-
parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se na massa. Tal o tico de Angola.
homem. As impressões visuais são menos nítidas e a mancha b) uma crítica às concepções religiosas que negam
verde predominante faz esbater progressivamente a claridade a possibilidade de reencarnação.
do tronco da amoreira gigante. As manchas verdes são cada c) uma discussão acerca dos limites entre o real e o
vez mais sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco da imaginário.
amoreira ainda se afirma, debatendo-se. Tal é a vida. d) uma problematização da narrativa histórica en-
[...] quanto detentora da verdade dos fatos.
Os olhos de Sem Medo ficaram abertos, contem-
plando o tronco já invisível do gigante que para sempre 8. Acafe-SC 2023 Sobre o romance “O vendedor de
desaparecera no seu elemento verde. passados”, de José Eduardo Agualusa, considere as
Pepetela, Mayombe. afirmativas a seguir:
I. Eulálio conta a história de Félix Ventura, um negro
5. Fuvest-SP Consideradas no âmbito dos valores que albino que vende passados para aqueles que de-
são postos em jogo em Mayombe, as relações entre a sejam uma nova árvore genealógica.
árvore e a floresta, tal como concebidas e expressas II. Geralmente, seus clientes buscam um passado
no excerto, ensejam a valorização de uma conduta comum, vulgar. Com raras exceções, alguns bus-
que corresponde à da personagem cam um passado digno de admiração para poder
a) João Romão, de O cortiço, observadas as rela- mostrar seu poder diante da sociedade.
ções que estabelece com a comunidade dos III. Félix frequenta antiquários e sebos, em busca de
encortiçados. elementos que possam ajudá-lo na construção de
b) Jacinto, de A cidade e as serras, tendo em vista suas um passado verossímil para seus clientes.
práticas de beneficência junto aos pobres de Paris. IV. O romance, publicado em , é uma imensa
c) Fabiano, de Vidas secas, na medida em que ele sátira política e social da Angola atual. O livro é
se integrava na comunidade dos sertanejos, seus constituído por pequenos capítulos quase como
iguais e vizinhos. se fossem contos, muitas vezes a relação entre os
d) Pedro Bala, de Capitães da Areia, em especial ao capítulos não é nada óbvia.
completar sua trajetória de politização. V. A narrativa de Agualusa rasura os limites entre a
e) Augusto Matraga, do conto “A hora e vez de Augusto realidade e o sonho, a sanidade e a loucura, crian-
Matraga”, de Sagarana, na sua fase inicial, quando do um território fecundo para alcançar a essência
era o valentão do lugar. de uma identidade. Na gestação desses vínculos
capazes de transformar uma realidade através
6. Fuvest-SP Considerando-se o excerto no contexto de
dos sonhos, há que se criar o ambiente propício
Mayombe, os paralelos que nele são estabelecidos en-
para esse fim, um local em que se tenha o acon-
tre aspectos da natureza e da vida humana podem ser
chego e a segurança do pertencimento. Esse
interpretados como uma
local é concretizado em O vendedor de passados
a) reflexão relacionada ao próprio Comandante Sem
através da casa, que se transforma numa presen-
Medo e a seu dilema característico entre a valoriza-
ça viva e portadora da segurança e aconchego
ção do indivíduo e o engajamento em um projeto
de que necessitam esses personagens. A casa é
eminentemente coletivo.
transformada numa facilitadora para o ambiente
b) caracterização flagrante da dificuldade de aceder
de sonho e loucura.
ao plano do raciocínio abstrato, típica da atitude
pragmática do militante revolucionário. São corretas as afirmativas:
c) figuração da harmonia que reina no mundo a) I, II, III, IV e IV. c) I, II, IV e V.
natural, em contraste com as dissensões que ca- b) I, III, IV e V. d) I, II e III.
racterizam as relações humanas, notadamente
nas zonas urbanizadas. 9. UEL-PR Leia o texto a seguir.
d) representação do juízo do Comissário a respeito Acordava molhado, tanto como os éles dela. Os meus
da manifesta incapacidade que tem o Comandante companheiros também, pois não tínhamos segredos desses
Sem Medo de ultrapassar o dogmatismo doutrinário. e partilhávamos. Mas sabíamos, Ludmila era um sonho
232 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 232 05/04/2024 16:27:58
impossível, como uma etérea patinadora sobre o gelo, ris- nosso lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo.
cando círculos e ovais irrealizáveis, levantando pó de neve Nenhuma narração tinha fim, o sono lhe apagava a boca
na derrapagem ligeira, um meteoro silencioso luzindo na antes do desfecho. Éramos nós que recolhíamos seu corpo
noite, uma gata se espreguiçando voluptuosamente, uma dorminhoso. Não lhe deitávamos dentro da casa: ele sem-
quimera. Ludmila era bela demais, não existia na reali- pre recusara cama feita. Seu conceito era que a morte
dade, fugaz produto de um pintor inspirado. O belo não nos apanha deitados sobre a moleza de uma esteira. Leito
existe se faz doer. A nós doía tudo por causa de Ludmila. dele era o puro chão, lugar onde a chuva também gosta de
E dos seus éles molhados. deitar. Nós simplesmente lhe encostávamos na parede da
(PEPETELA. O planalto e a estepe. São Paulo: Leya, 2009, p. 37.)
casa. Ali ficava até de manhã. Lhe encontrávamos cober-
to de formigas. Parece que os insectos gostavam do suor
Com relação a esse texto, considere as afirmativas a docicado do velho Taímo. Ele nem sentia o corrupio do
seguir. formigueiro em sua pele.
I. O narrador conta como foi a sua primeira relação — Chiças: transpiro mais que palmeira!
sexual, que ocorreu com Ludmila, a bela profes- Proferia tontices enquanto ia acordando. Nós lhe
sora por quem passará a vida apaixonado e a sacudíamos os infatigáveis bichos. Taímo nos sacudia a
nós, incomodado por lhe dedicarmos cuidados.
quem buscará a vida toda.
Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos
II. O trecho “não tínhamos segredos desses e
transabertos. Como dormia fora, nem dávamos conta. Mi-
partilhávamos” indica que os amigos não se im- nha mãe, manhã seguinte, é que nos convocava:
portavam em dividir o amor carnal de Ludmila, — Venham: papá teve um sonho!
visto que era impossível que ela optasse por ape-
E nos juntávamos, todos completos, para escutar as
nas um deles. verdades que lhe tinham sido reveladas. Taímo recebia
III. Recupera certo clichê romântico, na medida em que notícia do futuro por via dos antepassados. Dizia tantas
mostra a personagem feminina como construção previsões que nem havia tempo de provar nenhuma. Eu
idealizada, tornando-se uma figura inalcançável. me perguntava sobre a verdade daquelas visões do velho,
IV. Traz à tona certa sensualidade inocente do grupo estorinhador como ele era.
de rapazes, tornando o amor coletivo, e não con- — Nem duvidem, avisava mamã, suspeitando-nos.
E assim seguia nossa criancice, tempos afora. Nesses
cretizado, uma metáfora de juventude.
anos ainda tudo tinha sentido: a razão deste mundo estava
Assinale a alternativa correta.
num outro mundo inexplicável. Os mais velhos faziam
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. a ponte entre esses dois mundos. [...]
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. Mia Couto. Terra sonâmbula. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. 11. Uerj Este texto é uma narrativa ficcional que se refe-
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. re à própria ficção, o que caracteriza uma espécie de
10. Unicamp-SP 2022 Tudo na vida é mortal, tudo se apaga. metalinguagem. A metalinguagem está melhor explici-
Se a tua chama se apaga é em ti que está a falta. Faz o que te tada no seguinte trecho:
digo e magia nenhuma te derrubará nesta vida. Tu és feitiço a) As estórias dele faziam o nosso lugarzinho cres-
por excelência e não deves procurar mais magia nenhuma. cer até ficar maior que o mundo. (ref. )
Corpo de mulher é magia. Força. Fraqueza. Salvação. Per- b) Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos
dição. O universo inteiro cabe nas curvas de uma mulher. transabertos. (ref. )
(Paulina Chiziane, Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: c) E nos juntávamos, todos completos, para escutar
Companhia das Letras, 2021. p. 38.) as verdades que lhe tinham sido reveladas. (ref. )
O excerto corresponde a uma das primeiras lições d) Nesses anos ainda tudo tinha sentido: (ref. )
que a conselheira amorosa oferece a Rami, a perso-
12. Uerj A escrita literária de Mia Couto explora diversas
nagem principal do romance. Tendo em vista as várias
camadas da linguagem: vocabulário, construções
peripécias vividas por Rami, essa lição é
sintáticas, sonoridade. O exemplo em que ocorre cla-
a) aceita pela protagonista, mas sua trajetória lhe ensina
ramente exploração da sonoridade das palavras é:
que o corpo feminino é, no fim das contas, perdição.
a) Nesse entretempo, ele nos chamava para escu-
b) abandonada pela personagem principal, uma vez que
tarmos seus imprevistos improvisos. (ref. )
seu marido não se encanta com seus novos ardis.
b) Não lhe deitávamos dentro da casa: ele sempre
c) frustrada, pois Rami, ao conhecer suas rivais, per-
recusara cama feita. (ref. )
cebe que não possui todos os atributos desejáveis.
c) Ele nem sentia o corrupio do formigueiro em sua
d) confrontada com a experiência pessoal de
pele. (ref. )
FRENTE 2
Rami e de suas rivais, transformando-as de modo
d) Nós lhe sacudíamos os infatigáveis bichos. (ref. )
significativo.
13. Uerj Um elemento importante na organização do tex-
Texto para as questões de 11 a 13.
to é o uso de algumas personificações.
O tempo em que o mundo tinha a nossa idade Uma dessas personificações encontra-se em:
a) Éramos nós que recolhíamos seu corpo dormi-
Nesse entretempo, ele nos chamava para escutarmos
seus imprevistos improvisos. As estórias dele faziam o nhoso. (ref. )
233
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 233 05/04/2024 16:27:59
b) Seu conceito era que a morte nos apanha deita- Leia a passagem do romance Niketche e responda às
dos sobre a moleza de uma esteira. (ref. ) questões 15 e 16.
c) Nós lhe sacudíamos os infatigáveis bichos. (ref. ) Preciso de um espaço para repousar o meu ser. Preciso
d) Os mais velhos faziam a ponte entre esses dois de um pedaço de terra. Mas onde está minha terra? Na ter-
mundos. (ref. ) ra do meu marido? Não, não sou de lá. Ele diz-me que não
14. Unicamp-SP 2024 sou de lá, e se os espíritos da sua família não me quiserem
lá, pode expulsar-me de lá. O meu cordão umbilical foi
Texto 1 enterrado na terra onde nasci, mas a tradição também diz
A língua portuguesa veio com o império, com as con- que não sou de lá. Na terra do meu marido sou estrangeira.
quistas, com as descobertas. Por consequência, é uma Na terra dos meus pais sou passageira. Não sou de lugar
linguagem de supremacia colonial. Tem marcas de racis- nenhum. Não tenho registo, no mapa da vida não tenho
mo, de supremacia, de machismo”. nome. Uso este nome de casada que me pode ser retirado
“O racismo marcou não só a minha escrita, não só o a qualquer momento. Por empréstimo. A minha alma é a
meu trabalho. Marcou toda uma geração, que é a minha. minha morada. Mas onde vive a minha alma? Uma mulher
No meu caso, eu uso a escrita para gritar um basta, para sozinha é um grão de poeira no espaço, que o vento varre
fazer uma denúncia, mas, acima de tudo, para criar um para cá e para lá, na purificação do mundo. Uma sombra
debate para uma melhor compreensão entre as diferentes sem sol, nem solo, nem nome.
vivências. (CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo:
(Trechos de entrevista da escritora Paulina Chiziane a Giuliana Miranda. Companhia de Bolso, 2021. p. 80.)
Folha de S.Paulo, Ilustrada, 03/06/2022. Acesso em: 10/09/2023.)
15. UEL-PR 2024 Acerca da questão do espaço em
Texto 2
Niketche, considere as afirmativas a seguir.
I. A condição de “estrangeira” vivida pela prota-
gonista na terra de Tony tem seu fundamento na
migração de Rami, que veio do norte da África
para Moçambique.
II. As inquietações de Rami quanto ao espaço es-
tão ligadas também às diferenças culturais entre
“Sororidade” é um termo bastante usado para remeter o norte e o sul de Moçambique.
à ideia do acolhimento de mulheres que estão juntas ten- III. Ao dizer que a alma é a morada, Rami amplia a
tando vencer o patriarcado. O termo vem do latim “sorór”, ideia de que “espaço” e “terra” têm, no trecho,
que significa “irmãs”, surge no contexto da Revolução sentidos múltiplos, com valores conotativos e
Francesa (1789-1799), e lembra o lema “Liberdade, Igual- denotativos.
dade, Fraternidade”.
IV. O desligamento de espaços físicos – “Não sou
Em 2017, Vilma Piedade publica o livro “Dororidade”,
de lugar nenhum” – reflete uma crise tipicamente
no qual afirma que a sororidade “parece não dar conta
contemporânea, materializada, no trecho, no de-
da nossa pretitude”. E que, a partir dessa percepção, pen-
sou num novo conceito – especificamente, “a dor que
sabafo pessoal de Rami.
só pode ser sentida a depender da cor da pele. Quanto Assinale a alternativa correta.
mais preta, mais racismo, mais dor”. a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
Falando à jornalista Glória Maria, Danila de Jesus, b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
pesquisadora da UFBA, destacou a importância de difun- c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
dir o uso do termo a partir da ampliação da consciência
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
sobre raças em ambientes formativos, como o da educa-
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
ção. “É possível fazer isso, por exemplo, no cumprimento
da Lei 10.639, que obriga o ensino da história e cultura 16. UEL-PR 2024 Acerca da questão da mulher, conside-
afro-brasileira e africana nas escolas”. re as afirmativas a seguir.
(Adaptado de Glória Maria. O que é “dororidade”? Conceito feminista
trata das dores que unem as mulheres negras para além do machismo. I. A repetição de “lá”, empregado para se referir a
Revista AzMina | ODS 10, ODS 5. Publicada em: 13/06/2022.) diferentes lugares nas frases iniciais do trecho,
a) Vilma Piedade propõe outro nome para substi- aponta para a vulnerabilidade da mulher.
tuir o termo “sororidade” (texto ). Por que ela faz II. O cotejo entre a condição de filha e solteira e a
essa proposta? Explique essa mudança com base condição de casada mostra o pequeno valor atri-
na primeira declaração de Paulina Chiziane sobre buído à mulher.
a língua portuguesa (texto ). III. O termo “empréstimo” reforça o sentido da identida-
b) De acordo com o segundo trecho da entrevis- de efêmera da protagonista a que corresponde uma
ta de Paulina Chiziane, no texto , sua escrita e espécie de dívida: a submissão a certas normas.
todo seu trabalho estão marcados pelo racismo. IV. A comparação da mulher sozinha a “um grão
Por que essa declaração se relaciona com o que de poeira no espaço” remete à necessidade de
a Lei ., citada no texto , especifica? união de forças a que Rami se nega a aderir.
234 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 234 05/04/2024 16:27:59
Assinale a alternativa correta. Um lugar que não se pode plantar uma flor para aspirar
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. o seu perfume, para ouvir o zumbido das abelhas ou o
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. colibri acariciando-a com seu frágil biquinho. O unico
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. perfume que exala na favela é a lama podre, os excre-
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. mentos e a pinga.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. ...Hoje ninguém vai dormir porque os favelados que
não trabalham já estão começando a fazer batucada. Lata,
17. UEL-PR 2023 Leia o fragmento a seguir, retirado do frigideira, panelas, tudo serve para acompanhar o cantar
romance “Niketche: uma história de poligamia”, de desafinado dos notivagos.
Paulina Chiziane. JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada.
São Paulo: Ática, 2019.
Fico feliz. Fico triste. Eles nem imaginam que a mãe
Considerando o contexto expresso no fragmento acima,
que partiu para a festa de aniversário não é a mesma que
todas as alternativas abaixo são verdadeiras, exceto:
regressa. Ah, mas como esta viagem me transformou! Co-
a) Carolina acredita em uma força suprema, capaz de
mecei a frequentar a casa da Lu. A partilhar segredos.
modificar algumas situações vivenciadas na favela.
O Vito passou a ser a sombra misteriosa perseguindo a
sombra do meu ser. A lua que brilha na fresta da minha
b) Alimentar-se do lixo, segundo a narrativa de Caroli-
janela. Excelente amante polígamo, distribuindo-nos amor na, é algo necessário, apesar de a protagonista ter a
roubado, numa escala justa, tudo por igual. A situação consciência de que se trata de uma ação perigosa.
embaraçava-me, por vezes enjoava-me. A minha cons- c) A linguagem apresentada no diário é um aspecto
ciência censurava-me, mas o meu corpo estava lá à hora identitário da protagonista, uma autodidata que
combinada, absolutamente dependente daqueles encon- aprende a ler e a escrever com os livros e as re-
tros secretos como uma viciada em heroína. Por vezes me vistas que encontrava no lixo.
assalta o medo de ser descoberta. Quando o Tony der por d) Para Carolina, batucada é uma forma de lin-
mim, o manto da fidelidade estará roído até ao último fio. guagem dos desempregados da favela, o que
A moral é uma moeda. De um lado o pecado, de outro atrapalha o descanso dos trabalhadores.
lado a virtude. Silêncio e segredo unidos, no equilíbrio e) No terceiro parágrafo do fragmento, nota-se que
do mundo. Carolina nutre esperança por dias melhores, pois
(CHIZIANE, P. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: é capaz de fazer alusão, de forma poética, a vá-
Companhia das Letras, 2004. p. 88-89.) rios elementos da natureza.
Nesse fragmento, a narradora-protagonista Rami ex-
19. Unicamp-SP 2019 ...Nas ruas e casas comerciais já
pressa seus sentimentos, após a festa de aniversário se vê as faixas indicando os nomes dos futuros deputa-
na casa de Luísa. Com base nesse fragmento e nes- dos. Alguns nomes já são conhecidos. São reincidentes
sas informações, responda aos itens a seguir. que já foram preteridos nas urnas. Mas o povo não está
a) Qual é a relação entre as personagens Rami, Vito interessado nas eleições, que é o cavalo de Troia que
e Luísa? aparece de quatro em quatro anos.
b) Explique de que modo os enunciados “A lua que (Carolina Maria de Jesus. Quarto de despejo. São Paulo: Ática, 2014. p. 43.)
brilha na fresta da minha janela.” e “A moral é uma O trecho anterior faz parte das considerações po-
moeda.” são imagens que sintetizam o aconteci- líticas que aparecem repetidamente em Quarto de
mento de grande transformação na vida de Rami. despejo, de Carolina Maria de Jesus. Considerando
o conjunto dessas observações, indique a alternativa
18. Unisc-RS 2024 Em Quarto de Despejo, a partir da elabo-
que resume de modo adequado a posição da autora
ração de seus diários, Carolina Maria de Jesus apresenta
sobre a lógica política das eleições.
o seu cotidiano na favela do Canindé da década de 1950.
a) Por meio das eleições, políticos de determinados par-
As narrativas curtas ilustram um cotidiano de extrema
tidos acabam se perpetuando no exercício do poder.
pobreza, com ameaças constantes de violências de todos
b) Os políticos se aproximam do povo e, depois das elei-
os tipos. Leia o registro do dia 30 de maio.
ções, se esquecem dos compromissos assumidos.
30 DE MAIO ... Troquei a Vera e saímos. Ia pensando: c) Os políticos preteridos são aqueles que acabam ven-
será que Deus vai ter pena de mim? Será que eu arranjo cendo as eleições, por força de sua persistência.
dinheiro hoje? Será que Deus sabe que existe as favelas e d) Graças ao desinteresse do povo, os políticos se apro-
que os favelados passam fome? priam do Estado, contrariando a própria democracia.
...O José Carlos chegou com uma sacola de biscoitos
que catou no lixo. Quando eu vejo eles comendo as coisas 20. UFRGS 2020 A questão refere-se à obra Quarto de
FRENTE 2
do lixo penso: E se tiver veneno? É que as crianças não despejo, de Carolina Maria de Jesus.
suporta a fome. Os biscoitos estavam gostosos. Eu comi Quando eu fui catar papel encontrei um preto. Es-
pensando naquele provérbio: quem entra na dança deve tava rasgado e sujo que dava pena. Nos seus trajes rôtos
dançar. E como eu também tenho fome, devo comer. êle podia representar-se como diretor do sindicato dos
Chegaram novas pessoas para a favela. Estão esfar- miseráveis.
rapadas, andar curvado e os olhos fitos no solo como se 2 de maio de 1958 […] Passei o dia catando papel.
pensasse na sua desdita por residir num lugar sem atração. A noite meus pés doíam tanto que eu não podia andar.
235
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 235 05/04/2024 16:27:59
14 de junho … Está chovendo. Eu não posso ir catar Leia os trechos seguir retirados da obra Nós matamos
papel. O dia que chove eu sou mendiga. o Cão Tinhoso!, de Luís Bernardo Honwana, para res-
3 de maio ... Fui na feira da Rua Carlos de Campos, ponder à questão 22.
catar qualquer coisa.
Depois fui catar lenha. Parece que vim ao mundo Primeiro senti-me quase bem no chão, embora o eco
predestinada a catar. Só não cato a felicidade. continuasse a encher-me a cabeça. Quando abri os olhos
veio o zumbido e senti raiva de mim mesmo por ter caí-
Considere as seguintes afirmações sobre a ação de do. O eco atrapalhava-me a vista a tal ponto que não
“catar”. tinha certeza do que via, mas depois, quando minha vista
I. Relaciona-se ao título da obra, uma vez que Quarto deixou de tremer, vi as duas pernas vestidas de escura,
de despejo serve de metáfora à situação da pró- que, nascidas uma de cada lado do meu corpo cresciam
pria personagem, que vive na favela como um longamente para cima, tesas e tensas convergindo para a
objeto descartado. placa de metal brilhante do cinto. Por cima delas, lá em
II. Associa-se à atividade da escritora, que recolhe cima, perto da lâmpada do teto, a cara fitava-me atenta,
da experiência de viver do lixo a própria matéria sorrindo satisfeita. Voltei a fechar os olhos.
HONWANA, Luís Bernardo. A velhota. In: ______.
para a sua criação literária. Nós matamos o Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.
III. Refere-se à descoberta dos diários de Carolina
pelo jornalista Audálio Dantas, graças ao qual ela Dobrado sobre o ventre e com as mãos pendentes
se torna uma escritora de grande sucesso edito- para o chão, Madala ouviu a última das doze badaladas
do meio-dia. Erguendo a cabeça, divisou por entre os pés
rial, condição que lhe garante sustentabilidade
de milho a brancura esverdeada das calças do capataz,
financeira e saída definitiva da miséria.
a dez passos de distância. Não ousou endireitar-se mais
Quais estão corretas? porque sabia que apenas devia largar o trabalho quando
a) Apenas I. d) Apenas I e II. ouvisse a ordem traduzida num berro. [...]
b) Apenas II. e) I, II e III. — O branco é mau... — continuou o rapaz. — Ele
c) Apenas III. demora muito antes de mandar largar... Eu via isso quando
trabalhava na machamba... Também não deixa as pessoas
21. UFRGS Leia o seguinte fragmento, do romance endireitarem-se por um bocado para descansar as costas.
Cidade de Deus, de Paulo Lins, publicado em 1997 e HONWANA, Luís Bernardo. Dina. In: ______.
considerado um dos precursores na abordagem da Nós matamos Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.
violência das favelas cariocas a partir de dentro, isto é,
por um autor que foi morador da periferia. 22. Escrito durante o período colonial, Nós matamos o Cão
Tinhoso!, apresenta cenas de tensão entre brancos e
É que arrisco a prosa mesmo com balas atravessando
negros. Como essa tensão se constrói nos trechos lidos?
os fonemas. É o verbo, aquele que é maior que o seu
tamanho, que diz, faz e acontece. Aqui ele cambaleia 23. UFT-TO 2023
baleado. Dito por bocas sem dentes e olhares cariados,
nos conchavos de becos, nas decisões de morte. A areia DINA
move-se nos fundos dos mares. A ausência de sol escurece Dobrado sobre o ventre e com as mãos pendentes
mesmo as matas. O líquido-morango do sorvete mela para o chão, Madala ouviu a última das doze badaladas
as mãos. A palavra nasce no pensamento, desprende-se do meio-dia. Erguendo a cabeça, divisou por entre os
dos lábios adquirindo alma nos ouvidos, e às vezes essa pés de milho a brancura esverdeada das calças do capataz,
magia sonora não salta à boca porque é engolida a seco. a dez passos de distância. Não ousou endireitar-se mais
Massacrada no estômago com arroz e feijão a quase pala- porque sabia que apenas devia largar o trabalho quando
vra é defecada ao invés de falada. Falha a fala. Fala a bala. ouvisse a ordem traduzida num berro. Apoiou os cotovelos
Sobre esse fragmento, considere as afirmações que aos joelhos e esperou pacientemente.
O sol estava mesmo em cima do seu dorso nu, mas
seguem.
convinha suportar um pouco mais. Contou o tempo pelo
I. A palavra sai de forma agressiva, “defecada ao
número de gotas de suor que lhe pingavam pela ponta do
invés de falada”, porque o narrador acaba concor-
nariz para uma pedrinha que brilhava no chão, a seus pés,
dando com a ideia de que não vale a pena escrever
e concluiu que o capataz devia estar muito zangado. Vol-
literatura sobre a realidade urbana periférica.
tou a espreitar as pernas a dez passos de distância e viu-as
II. O narrador usa linguagem figurada (como as balas ainda na mesma posição. Alongando a vista para além
atravessando os fonemas ou os olhares cariados) delas, viu a mancha escura do corpo do Filimone, igual-
para explicar que, mesmo vivendo em um lugar per- mente dobrado sob a superfície das folhas mais altas dos
meado de crimes e miséria, se arrisca a fazer literatura. pés de milho, aguardando a ordem de largar o trabalho.
III. Ao mencionar que “Fala a bala”, o narrador dá A dor dos rins era-lhe insuportável, e muito pior agora
a entender que a violência é a linguagem que a que já tinha tocado o dina. Quando os músculos do pes-
maioria dos moradores das favelas conhece. coço lhe começaram a doer pela torção a que os submetia,
Quais estão corretas? mantendo a cabeça erguida, deixou cair os braços até tocar
a) Apenas I. d) Apenas II e III. nas folhinhas carnudas e escorregadias das ervas que devia
b) Apenas II. e) I, II e III. arrancar. Maquinalmente, apalpou-as para sentir a resistên-
c) Apenas I e III. cia dura do caule diminuto, entranhou os dedos por entre os
236 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 236 05/04/2024 16:27:59
raminhos e retesou o corpo. Embora a planta não resistisse Angola. Como esse texto se relaciona com a história
grandemente ao empuxão, os tendões da parte posterior da de Angola?
articulação do joelho latejaram-lhe dolorosamente. Depois
ergueu a planta para se reanimar com o cheiro forte da terra Leia um trecho do conto “Os quedes vermelhos da
negra que vinha presa às raízes esbranquiçadas. Tchi”, extraído da obra Os da minha rua, de Ondjaki, e
Fonte: HONWANA, Luís Bernardo. Nós matamos o Cão Tinhoso!
responda às questões 26 e 27.
São Paulo: Kapulana, 2017, p. 57-58. (fragmento)
Na cozinha, encontrei o meu cantil antigo. Tinham
A partir da leitura do fragmento do conto Dina do
dado aqueles cantis soviéticos na segunda classe, acho
escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana, é
eu, e como eram feitos lá para aqueles frios da União
CORRETO afirmar que o narrador: Soviética, eram uns cantis que em vez de manterem a água
a) explica o motivo pelo qual o capataz atrasa o sinal gelada, lhe aqueciam masé bué. Então nós já tínhamos
para pausar o trabalho. desenvolvido uma técnica: enchíamos o cantil de água
b) conduz a história por um olhar que observa os tra- ou sumo e deixávamos o cantil dormir na arca, por uma
balhadores em seus afazeres. noite. De manhã, ia mesmo assim, congeladito, a derreter
c) relata o instante em que os trabalhadores se re- à medida que a manhã avançava, sempre com o líquido
voltam contra a opressão do trabalho. puramente gelado. Era um cantil verde-escuro, que não
d) descreve o olhar do capataz, justificando suas dava para confundir, era soviético mesmo, duro, resistente,
ações nas relações de trabalho. que durava anos. Fazia lembrar as akás que eu vi num
documentário na televisão, disseram que se pode enterrar
Leia os trechos a seguir para responder às questões uma aká por quarenta anos e desenterrar que ela ainda
24 e 25. funciona. O Cláudio disse que o primo dele, que é coman-
do, já confirmou que isso é verdade. Dia 1o de maio, Dia
O Cão Tinhoso olhava-me com força. Os seus olhos Internacional do Trabalhador: quase não havia barulho na
azuis não tinham brilho nenhum, mas eram enormes e es- minha rua, só alguns gatos, os guardas da casa do Jika iam-
tavam cheios de lágrimas que lhe escorriam pelo focinho. -se deitar, pousavam as akás no chão, lavavam-se ali numa
Metiam medo aqueles olhos, assim tão grandes, a olhar torneira no jardim de trás. O meu pai acordou-me cedo,
como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer di- mais cedo do que tínhamos combinado. Matabichamos
zer. Quando eu olhava para dentro deles, sentia um peso juntos, nesse momento que eu adorava: o meu pai abria
muito maior do que quando tinha a corda a tremer de tão as portas grandes da janela da sala, e víamos o abacateiro
esticada, com os ossos a querer fugir da minha mão com que se espreguiçava para acordar também. Eu e o meu pai
os latidos que saíam a chiar, afogados na boca fechada. matabichávamos com todos os cheiros da manhã.
HONWANA, Luís Bernardo. Nós matamos o Cão Tinhoso! In: HONWANA, ONDJAKI. Os quedes vermelhos da Tchi. In: ONDJAKI.
Luís Bernardo. Nós matamos o Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017. Os de minha rua. Rio de Janeiro: Pallas, 2021.
Foi no tempo da oitava classe, na aula de português.
26. A coletânea de contos Os de minha rua, de Ondjaki,
Eu já tinha lido esse texto dois anos antes mas daquela
tem traços autobiográficos. O autor já declarou que
vez a estória me parecia mais bem contada com detalhes
que atrapalhavam uma pessoa só de ler ainda em leitura a infância em Luanda não era drasticamente afetada
silenciosa – como a camarada professora de português pela guerra civil, mas em seu texto há passagens que
tinha mandado. Era um texto muito conhecido em Luanda: deixam entrever a realidade bélica. Justifique essa afir-
Nós matamos o Cão Tinhoso. Eu lembrava-me de tudo: do mação com base na leitura do trecho selecionado.
Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas pendu-
radas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão 27. A linguagem de Ondjaki, mesmo ao tratar de temas
com feridas penduradas. Os olhos do cão. Os olhos da mais duros, tem uma alta carga poética. Aponte um
Isaura. E agora de repente me aparecia ali de novo. Fiquei recurso utilizado pelo autor que evidencie a literarie-
atrapalhado. [...] Não quero dar essa responsabilidade na dade do texto.
camarada professora de português, mas foi isso que eu
pensei na minha cabeça cheia de pensamentos tristes: se 28. Leia o trecho a seguir e relacione-o ao álbum Sobre-
essa professora nos manda ler este texto outra vez, a Isaura vivendo no inferno.
vai chorar bué, o Cão Tinhoso vai sofrer mais outra vez O RAP é para os negros vibração estética e política,
e vão rebolar no chão a rir do Ginho, que tem medo de que anima nosso corpo, cutuca nossas ideias, impulsio-
disparar por causa dos olhos do Cão Tinhoso. na a luta antirracista e pode ser usado como instrumento
ONDJAKI. Nós choramos pelo cão tinhoso. In: _____. intelectual na reconstrução das formas de ser e estar no
Os de minha rua. Rio de Janeiro: Pallas, 2021
mundo dos afro-brasileiros.
NJERI, Aza; AZIZA, Dandara. Entre a fumaça e as cinzas: estado de
24. Considerando o momento em que Honwana escreveu maafa pela perspectiva mulherismo africana e a psicologia africana.
FRENTE 2
Problemata: R. Intern. Fil, v. 11. n. 2, 2020. Disponível em: https://
o conto “Nós matamos o Cão Tinhoso!”, o persona- periodicos.ufpb.br/index.php/problemata/article/view/53729/30944.
gem do cão pode ser lido como metáfora do povo Acesso em: 26 mar. 2024.
moçambicano? Explique.
29. UFGD-MS Em Terra sonâmbula, de Mia Couto, de que
25. No segundo trecho, Ondjaki apresenta uma cena es- maneira os cadernos de Kindzu adquirem importância
colar em que o texto de Honwana é lido. O menino para a sobrevivência do menino Muidinga em meio à
narrador fala que o texto é bastante conhecido em guerra civil que assola o país?
237
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 237 05/04/2024 16:27:59
a) Sendo Muidinga semianalfabeto, os cadernos Ângela Lúcia estendeu-lhe o rosto, ele beijou-a, ela beijou-
de Kindzu permitem que ele, à medida que os -o, e depois disse: — É a primeira vez que beijo um albino.
decifra, perceba que a leitura é um poderoso ins- Adaptado de AGUALUSA, José Eduardo. O vendedor de passados.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2018. p. 131-132.
trumento de resistência ao poder estabelecido.
b) Sendo Tuahir analfabeto, os cadernos de Kindzu 31. UEL-PR 2020 Sobre o romance, considere as afirma-
permitem que Muidinga, ao lê-los, entretenha o tivas a seguir.
velho durante a longa viagem que intentam fazer I. A passagem “mas isto é mera suposição...” contribui
para fugir da guerra. para a verossimilhança do relato, pois o narrador se
c) Ao ler os cadernos de Kindzu para o analfabeto restringe ao espaço físico da casa de Félix Ventura,
Tuahir, Muidinga, ao se identificar com o relato, as- sem acompanhá-lo em todos os lugares.
simila melhor seu próprio drama de resistência à II. O trecho “A maior parte, porém, recua em espíri-
guerra e a busca aos pais desaparecidos. to...” explicita que o narrador tem conhecimento
d) Ao ler os cadernos de Kindzu, Muidinga finalmen- das práticas de discriminação experimentadas
te identifica e localiza, ao final do relato, seu irmão pelo protagonista na vida social.
desaparecido no início da guerra. III. No trecho “lançam algum comentário frouxo so-
e) Através dos cadernos de Kindzu, Muidinga percebe bre o estado do tempo.”, o narrador discorre com
que Tuahir é na verdade seu pai, apesar do esforço ironia, tão comum em outras passagens do ro-
deste em manter a informação em segredo a fim de mance, sobre a dissimulação humana.
não comprometer a fuga do local de conflito. IV. No trecho “É a primeira vez que beijo um albino.”,
o narrador compromete a veracidade do relato,
30. FCL-SP 2018 Sobre a divisão do foco narrativo em pois ele desconhece se Ângela teve experiências
Mayombe, de Pepetela, é correto afirmar que ela afetivas com outros albinos em sua vida.
a) funciona como resposta da literatura angolana ao
Assinale a alternativa correta.
avanço do capitalismo em sua sociedade, cujo espírito
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
promove o choque entre os planos sociais, culturais b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
e ideológicos, ao quebrar o isolamento desses c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
mundos e fixar a separação entre capital e trabalho. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
b) conjuga elementos da modernidade e da tra- e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
dição, recuperando desta última os aspectos
culturais fundamentais, ao mesmo tempo em que 32. UEL-PR 2022 Quanto aos recursos coesivos presen-
põe em questão as heranças negativas ainda pre- tes no texto, considere as afirmativas a seguir.
sentes na sociedade angolana. I. No fragmento “Ao serem apresentadas a Félix
c) descreve os acontecimentos e as alianças que Ventura”, fica evidente o sentido condicional con-
iluminam um Estado movido pelos interesses das dizente à sequência do que é narrado depois.
classes dominantes e que a favor dela aciona seus II. Em “... dizem ‘muito prazer’, e a seguir desviam os
aparelhos, quer ideológicos, quer repressivos. olhos”, há na expressão entre aspas um exemplo
d) articula-se à feição multidimensional das persona- de discurso indireto livre.
gens para expressar a tensão interna do romance, III. A expressão “recua em espírito” caracteriza uso
expondo as contradições que nem mesmo a no- conotativo da linguagem, em conformidade ao
bre motivação coletiva poderia diluir. que foi expresso anteriormente: “não é para ser
e) constitui um exercício cinematográfico, com cor- tomado de forma literal”.
tes incríveis pelos quais se dá a mudança de IV. Ao longo do trecho, as ocorrências dos pronomes
planos, sempre a partir de uma ideia que os cos- “o” e “lhe” fazem referência direta a Félix Ventura.
ture cineticamente. Assinale a alternativa correta.
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
Leia o fragmento a seguir, retirado da obra O vendedor
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
de passados, de José Eduardo Agualusa, e responda c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
às questões 31 e 32. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
Félix conheceu Ângela Lúcia na inauguração de uma e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
mostra de pintura. Creio – mas isto é mera suposição – que
33. FCL-SP Sobre Mayombe, de Pepetela, é correto afir-
se apaixonou por ela assim que trocaram as primeiras pa-
lavras, porque a vida inteira o preparara para se entregar à
mar que:
primeira mulher que, vendo-o, não recuasse horrorizada. a) O romance trata dos velhos fantasmas coloniais
Quando digo recuar, entendam-me, não é para ser tomado que se perpetuaram com a independência de
de forma literal. Ao serem apresentadas a Félix Ventura, há Angola e que sacudiram a frágil sustentação da
mulheres que recuam realmente, dão um curto passo atrás, utopia que mediara o empenho, fundindo ética e
ao mesmo tempo que lhe estendem a mão. A maior parte, estética no projeto literário do continente africano.
porém, recua em espírito, isto é, estendem-lhe a mão (ou o b) Em Mayombe o clima de diálogo predomina, mas
rosto), dizem “muito prazer”, e a seguir desviam os olhos e as conversas são atravessadas pelos sinais da in-
lançam algum comentário frouxo sobre o estado do tempo. comunicabilidade. A incompreensão, a rivalidade,
238 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 238 05/04/2024 16:27:59
as intrigas manifestas ou tão somente sugeridas 35. UFU-MG 2018 Sobre a obra de Mia Couto, Terra
fazem prever a irrealização dos propósitos que sonâmbula, depreende-se que esse texto
teriam levado à luta. a) abarca heróis no sentido clássico com capaci-
c) Palco de situações expressivas da atmosfera pre- dade de atos heroicos movidos por sentimentos
dominante naquele momento histórico, a floresta nobres e elevados em prol da comunidade.
labiríntica e traiçoeira funciona estrategicamente b) funde histórias e estabelece pontos de contato
como uma alegoria do projeto de nação imagina- entre épocas diferentes permitindo a identifica-
do e perseguido pelos militantes. ção de um personagem com outro.
d) A língua em estilhaços, o ritmo desgovernado da c) solidifica a percepção de uma identidade nacional
memória, o entrecruzamento de referências cul- unificada à medida que há um amadurecimento de
turais, o aproveitamento possível de elementos personagens.
identificados com a tradição integram a estratégia d) traz à tona a preocupação de reconstrução da
do autor na escolha da floresta como espaço pri- cultura moçambicana no sentido de alinhá-la às
vilegiado do romance. culturas modernas.
e) Politizado, o Mayombe é lugar de conflito e contra-
dição, podendo ser visto como uma representação 36. FCL-SP Sobre o foco narrativo de Mayombe, de
de Luanda, a capital do país, onde a luta ia ga- Pepetela, é correto afirmar que
nhando força e onde, em novembro de , se a) Assumido por vários narradores, cujas falas são
proclama a independência do país. organizadas por uma espécie de narrador titular, o
fio narrativo do romance é dividido e comungado
34. UFU-MG 2019 O romance Terra Sonâmbula, de Mia pelos elementos que vivem as ações do enredo.
Couto, é uma das mais importantes obras da literatura b) A divisão do fio narrativo no romance, onde tudo
moçambicana após a independência do país. Sobre a convida à comunhão, constitui uma necessária
elaboração dessa trama narrativa, assinale a alternati-
operação de fragmentação, disposta a marcar os
va INCORRETA.
dois lados antagônicos em questão: o dos ango-
a) Mesmo em se tratando de uma guerra, a obra
lanos e o dos portugueses.
não apresenta tom épico, pois não há ênfase nas
c) A marca do foco narrativo é a da democratiza-
cenas de batalha, estando o foco nos efeitos de-
vastadores da guerra. ção da voz, articulada ao peso dos monólogos
b) O romance se compõe de múltiplas narrativas que nos quais cada narrador está mergulhado e dos
se cruzam na obra; o próprio ato de narrar aparece quais nunca consegue sair sem se transformar
como essencial ao ato de permanecer vivo. radicalmente.
c) A combinação entre a tradição oral moçambicana d) A fragmentação narrativa do romance é um sinal
e a tradição literária, de origem europeia, ocor- de que a autoridade, de que a palavra é manifes-
re sempre de modo tenso, mostrando a distância tação, não pode ser compartilhada e sim exercida
entre elas. de maneira unívoca.
d) A obra pode ser vista como narrativa de viagem, e) O foco narrativo, que privilegia a constante intera-
porém, em vários momentos, o deslocamento ção dialógica entre os personagens, configura-se
experimentado é mais temporal e psicológico do em um universo à parte, independente do espaço
que espacial. onde se dão as ações do romance.
Texto complementar
A herança colonial
A expressão cultural africana
FRENTE 2
239
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 239 05/04/2024 16:27:59
Veja os principais assuntos e conceitos trabalhados neste capítulo acessando a seção Resumindo
no livro digital, na Plataforma Poliedro.
Quer saber mais?
Site e as peculiaridades sociais, culturais e históricas dos povos
Aza Njeri. Disponível em: https://www.youtube.com/azanjeri. do continente africano.
Acesso em: mar. .
Sangue negro, de Noémia de Sousa. São Paulo: Kapulana,
Aza Njeri é doutora em Literaturas Africanas pela UFRJ,
.
professora de graduação e pós-graduação do Departa-
Coletânea com os poemas da poeta moçambicana Noémia
mento de Letras da PUC-Rio e professora de Filosofia
de Sousa. Sua obra representa a luta e a resistência da
Africana na pós-graduação em História da África no Ins-
mulher e do povo moçambicano.
tituto Pretos de Pesquisa e Memória Pretos Novos, no Rio
de Janeiro. Em seu canal, ela compartilha conhecimento Amargos como frutos, de Ana Paula Tavares. Rio de Janeiro:
sobre filosofias e literaturas africanas. Pallas, .
Obra completa da importante poeta angolana. Sua obra
Podcast
influenciou a nova geração, com destaque para o poeta
Podcast ponta de lança. Disponível em: https://open.spotify.
Ondjaki.
com/show/MtdbrMtUAzeniVSLbYnM. Acesso em: mar.
. Filme
Disponível em plataformas de streaming, esse podcast Oxalá cresçam pitangas. Direção: Kiluanje Liberdade;
apresenta reflexões e discussões sobre os mais diversos Ondjaki. .
assuntos relacionados ao continente africano. O documentário produzido pelo escritor, poeta e cineasta
Ondjaki apresenta a cidade de Luanda três anos após o
Livros
fim da guerra pela independência. Por meio da história
História da África, de José Rivair Macedo. São Paulo:
de dez pessoas, vislumbramos diferentes formas de viver
Contexto, .
e entender a capital angolana.
Nesse livro, o professor de História da África José Rivair
Macedo oferece subsídios para compreender as diferenças
Exercícios complementares
Segue o início de Mayombe, escrito pelo angola- Eu, O Narrador, sou Teoria.
no Pepetela, livro que conta a luta de Angola pela Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a
independência de Portugal. Leia-o atentamente e res- cor escura de café, vinda da mãe, misturada ao branco
ponda às questões de 1 a 6. defunto do meu pai, comerciante português. Trago em
mim o inconciliável e é este o meu motor. Num Universo
O rio Lombe brilhava na vegetação densa. Vinte vezes de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez.
o tinham atravessado. Teoria, o professor, tinha escorregado Talvez é não, para quem quer ouvir sim e significa sim para
numa pedra e esfolara profundamente o joelho. O Coman- quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens
dante dissera a Teoria para voltar à Base, acompanhado de um exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu que
guerrilheiro. O professor, fazendo uma careta, respondera: devo tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens
— Somos dezesseis. Ficaremos catorze. que devem aceitar o talvez? Face a este problema capital,
Matemática simples que resolvera a questão: era difícil as pessoas dividem-se aos meus olhos em dois grupos: os
conseguir se um efetivo suficiente. De mau grado, o Co- maniqueístas e os outros. É bom esclarecer que raros são
mandante deu ordem de avançar. Vinha por vezes juntar-se os outros, o Mundo é geralmente maniqueísta.
a Teoria, que caminhava em penúltima posição, para saber O Comissário Político, alto e magro como Teoria, acer-
como se sentia. O professor escondia o sofrimento. E sorria cou-se dele.
sem ânimo. — O Comando pensa que deves voltar ou esperar-nos
À hora de acampar, alguns combatentes foram procurar aqui. Dentro de três dias estaremos de volta. Ficará alguém
lenha seca, enquanto o Comando se reunia. Pangu-Akitina, contigo. Ou podes tentar regressar à Base aos poucos. De-
o enfermeiro, aplicou um penso no ferimento do professor. pende do teu estado.
O joelho estava muito inchado e só com grande esforço ele O professor respondeu sem hesitar:
podia avançar. — Acho que é um erro. Posso ainda andar. Temos pou-
Aos grupos de quatro, prepararam o jantar: arroz com ca gente, dois guerrilheiros a menos fazem uma diferença
corned-beef. Terminaram a refeição às seis da tarde, quan- grande. O plano irá por água abaixo.
do já o Sol desaparecera e a noite cobrira o Mayombe. As — É pouco, mas talvez chegue.
árvores enormes, das quais pendiam cipós grossos como — Posso discutir com o Comando?
cabos, dançavam em sombras com os movimentos das — Vou ver.
chamas. Só o fumo podia libertar-se do Mayombe e subir, O Comissário voltou para junto do Comandante e do
por entre as folhas e as lianas, dispersando-se rapidamente Chefe de Operações. Momentos depois, fazia sinal a Teoria.
no alto, como água precipitada por cascata estreita que se O professor levantou-se e uma dor aguda subiu-lhe pelo
espalha num lago. joelho até ao ventre. Sentiu que não poderia ir muito longe.
240 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 240 09/04/2024 11:49:21
A escuridão relativa escondia-lhe as feições e ninguém se c) Sendo ele um professor, acovarda-se diante do
apercebeu da careta. Procurou andar normalmente e apro- perigo da morte.
ximou-se dos três responsáveis. d) Ele mostra a inutilidade do conhecimento em mo-
O Comandante Sem Medo contemplou-o fixamente, mentos de crise, pois é condenado a lutar mesmo
enquanto o professor se sentava, gritando calado para es- machucado.
conder as dores insuportáveis. Estou arrumado, pensou. e) O conhecimento se mostra importante em mo-
— É inútil armares em forte – disse Sem Medo. —
mentos de crise, pois salva o professor da morte.
Topa-se bem que estás à rasca, embora tentes esconder.
Não vejo qual é o mal de reconheceres que não podes 3. FEI-SP 2017 Há mudança do foco narrativo no trecho
continuar. Serás um peso-morto para nós. citado. Nesse momento, lê-se:
Teoria esboçou um gesto de irritação. a) o elogio de Teoria à sua condição mestiça.
— Eu é que sei como me sinto. Afirmo que posso conti- b) a negação de sua raça e de sua condição mestiça.
nuar. Já fui tratado e amanhã melhoro. É evidente que nada
c) a denúncia contra a sociedade que, sendo mani-
está partido, é só um esfolamento sem gravidade. Mesmo o
queísta, não aceita os mestiços.
perigo de infecção está afastado.
d) o reconhecimento de que, no geral, as pessoas
— Se amanhã encontramos o inimigo – disse o Co-
missário — e for necessário retirar rapidamente, tu não são tolerantes.
poderás correr. e) o reconhecimento de que não é o maniqueísmo
— Querem que corra aqui para provar que poderei? que gera o racismo.
— Sou contra a tua participação – repetiu o Comissá-
4. FEI-SP 2017 O Comissário e o Comandante travam
rio. — Não vale a pena insistir. [...]
um debate sobre a possibilidade de participação de
— É evidente que a razão objetiva está do lado do
Comissário — disse o Comandante. Teoria na ação contra os portugueses. Ao final, o foco
— No entanto, eu compreendo o camarada Teoria... do problema está:
Por mim, se ele acha que pode continuar, não me oponho. a) no fato de Teoria ser mesquinho e, portanto, não
Mas objetivamente o Comissário tem razão... merecer avançar com os revolucionários.
— E subjetivamente? — perguntou o Comissário. b) na generosidade dos revolucionários, que pre-
— Subjetivamente... sabes? Há vezes em que um ho- ferem acolher o desejo de um doente terminal a
mem precisa de sofrer, precisa de saber que está a sofrer confrontá-lo em nome do grupo.
e precisa de ultrapassar o sofrimento. Para quê, por quê? c) na insegurança dos revolucionários, quando con-
Às vezes, por nada. Outras vezes, por muita coisa que não frontados com as dores de Teoria.
sabe, não pode ou não quer explicar. Teoria sabe e pode d) na morte de Teoria, que se aproxima.
explicar. Mas não quer, e acho que nisso ele tem razão. e) no fato de Teoria poder prejudicar todo o grupo
— O problema é que se trata duma operação de guerra de revolucionários ou apenas a si mesmo.
e não dum passeio. Num passeio, um tipo pode agir contra
toda a razão, só porque lhe apetece ir pela esquerda em vez 5. FEI-SP 2017 O espaço do romance é caracterizado como:
de ir pela direita. Na guerra não tem esse direito, arrisca a) urbano e em uma zona industrial de Angola.
a vida dos outros... b) rural e em uma zona agrícola de Angola.
— Neste caso? Não, aqui só arrisca a sua [...]. c) rural e em uma zona pecuária.
(PEPETELA. Mayombe. 5. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1993. p. 03) d) em uma região de floresta densa.
e) em uma região árida.
1. FEI-SP 2017 Sabendo que a narrativa conta a luta de
Angola pela independência de Portugal, o fragmento 6. FEI-SP 2017 A discussão entre os personagens su-
gira em torno: gere que há:
a) de um grupo de revolucionários que se prepara a) uma união clara entre os revolucionários, unificados
para combater os colonizadores. em torno do desejo de libertar Angola do domínio
b) do avanço das tropas portuguesas e da fuga dos português, ideal que os faz superar as diferenças
combatentes angolanos. pessoais.
c) do poder dos revolucionários e da fraqueza dos b) a adesão incondicional de todos com relação ao
colonizadores portugueses. que sabem ser o bem para a revolução, não im-
d) da dificuldade de organização dos revolucioná- portando as diferenças de pontos de vista entre
rios pelo excesso de vaidade deles. os personagens.
e) da aceitação dos colonizados de que não podem c) a consonância dos modos de lutar pela revolução
combater os portugueses. e um acordo que prevalece sem discussão sobre
os pontos de vista individuais.
FRENTE 2
2. FEI-SP 2017 Aos personagens, são atribuídos nomes d) uma harmonia com relação a um ideal comum, a
que identificam suas funções no grupo. Sobre Teoria, qual dita claramente quais devem ser os modos e
está correto o que se afirma em: as estratégias da luta.
a) É um revolucionário, mas se nega a participar da e) indícios de falta de unidade do grupo de revolu-
operação contra o colonizador. cionários, os quais parecem lutar, cada um a seu
b) É um dos revolucionários e é também reconheci- modo, por seus ideais, dependendo de sua fun-
do por eles como o professor. ção, formação ou raça.
241
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 241 05/04/2024 16:27:59
7. Fuvest-SP 2020 — Que farás se eu continuar a andar? — b) aos diferentes graus de instrução formal entre os
perguntou o Comissário. falantes de língua portuguesa.
— Das duas, uma: ou te prendo ou te acompanho. c) à existência de uma língua ideal que alguns falan-
Estou indeciso. A primeira repugna-me, nem é justa. A
tes lusitanos creem ser a falada em Portugal.
segunda hipótese agrada-me muito mais, mas não avisei
d) ao intercâmbio cultural que ocorre entre os povos
na Base nem trouxe o sacador.
[...] dos diferentes países de língua portuguesa.
— Nunca me prenderias! e) à distância territorial entre os falantes do portu-
— Achas que não? guês que vivem em Portugal e no Brasil.
O Comissário deitou o cigarro fora.
— Que vais fazer a Dolisie, João? 10. Fuvest-SP 2022 Por narrativas paralelas entende-se um
Pela primeira vez, Sem Medo chamara-o pelo nome. procedimento literário segundo o qual dois ou mais fios
Pepetela, Mayombe. narrativos pertencentes a níveis distintos de realidade
se desenrolam intercaladamente formando um todo.
a) Identifique o evento diretamente relacionado à mu-
Considerando-se a sua estrutura, as duas narrativas que
dança de tratamento entre Comissário e Sem Medo.
b) “Sem Medo” não é um apelido aleatório. Justi- podem ser identificadas com base nessa definição são:
fique a afirmação com base em elementos do a) Quincas Borba e Nove noites
desfecho do romance. b) Campo geral e Terra sonâmbula
c) Angústia e Campo geral
8. Fuvest-SP 2018 Leia o texto e responda ao que se pede. d) Nove noites e Terra sonâmbula
e) Quincas Borba e Angústia
— É por isso que faço confiança nos angolanos. São
uns confusionistas, mas todos esquecem as makas* e os Leia o texto, que contém o início do conto “A menina do
rancores para salvar um companheiro em perigo. É esse
futuro torcido”, incluído em Vozes anoitecidas, de Mia
o mérito do Movimento, ter conseguido o milagre de co-
Couto, e responda às questões de 11 a 13.
meçar a transformar os homens. Mais uma geração e o
angolano será um homem novo. O que é preciso é ação. Joseldo Bastante, mecânico da pequena vila, punha
Pepetela, Mayombe. nos ouvidos a solução da sua vida. Viajante que passava,
carro que parava, ele aproximava e capturava as conversas.
*makas: questões, conflitos. Foi assim que chegou de ouvir um destino para sua filha
mais velha, Filomeninha. Durante toda uma semana, che-
a) A fala de Comandante Sem Medo alude a uma gavam da cidade notícias de um jovem que fazia sucesso
questão central do romance Mayombe: um ob- virando e revirando o corpo, igual uma cobra. O rapaz
jetivo político a ser conquistado por meio do tinha sido contratado por um empresário para exibir suas
Movimento. Qual é esse objetivo? habilidades, confundir o trás para a frente. Percorria as
b) As “makas” e os “rancores” dos angolanos repercu- terras e o povo corria para lhe ver. Assim, o jovem ganhou
tem no modo como o romance é narrado? Explique. dinheiro até encher caixas, malas e panelas. Só devido das
dobragens e enrolamentos da espinha e seus anexos. O
9. Enem 2023 contorcionista era citado e recitado pelos camionistas e
De quem é esta língua? cada um aumentava uma volta nas vantagens elásticas do
José Eduardo Agualusa rapaz. Chegaram mesmo a dizer que, numa exibição, ele
Uma pequena editora brasileira, a Urutau, acaba de se amarrou no próprio corpo como se fosse um cinto. Foi
lançar em Lisboa uma “antologia antirracista de poetas es- preciso o empresário ajudar para desatar o nó; não fosse
trangeiros em Portugal”, com o título Volta para a tua terra. isso, ainda hoje o rapaz estaria cintado.
O livro denuncia as diversas formas de racismo a que COUTO, Mia. Vozes anoitecidas. São Paulo:
os imigrantes estão sujeitos. Alguns dos poetas brasileiros Companhia das Letras, 2013. p. 127.
antologiados queixam-se do desdém com que um grande
11. UEL-PR 2020 Assinale a alternativa que explica
número de portugueses acolhe o português brasileiro. É
corretamente a frase: “O contorcionista era citado e
uma queixa frequente.
recitado pelos camionistas e cada um aumentava uma
“Aqui em Portugal eles dizem / — eles dizem — / que
nosso português é errado, que nós não falamos português”,
volta nas vantagens elásticas do rapaz.”.
escreve a poetisa paulista Maria Giulia Pinheiro, para con- a) Com a frase, o narrador enfatiza como Joseldo fi-
cluir: “Se a sua linguagem, a lusitana, / ainda conserva a cava embevecido com as histórias a respeito do
palavra da opressão / ela não é a mais bonita do mundo./ contorcionista.
Ela é uma das mais violentas”. b) A frase demonstra que os relatos dos caminhonei-
AGUALUSA, J. E. Disponível em: https://oglobo.globo.com. ros eram convincentes porque eram repetitivos.
Acesso em: 22 nov. 2021 (adaptado). c) O trecho “aumentava uma volta” aponta tanto
O texto de Agualusa tematiza o preconceito em rela- para as habilidades corporais do jovem quanto para
ção ao português brasileiro. Com base no trecho citado os relatos desiguais dos caminhoneiros.
pelo autor, infere-se que esse preconceito se deve d) O termo “elásticas” está mais associado à forma
a) à dificuldade de consolidação da literatura brasi- do relato dos caminhoneiros do que às habilida-
leira em outros países. des corporais do contorcionista.
242 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 242 09/04/2024 22:43:31
e) O termo “vantagens” já demonstra que o contor- Sorri. Agora, quem carecia de tradução era eu. Nun-
cionista era um falsário, embora os caminhoneiros ca escutara Temporina tão acrescida de belezas. Ou ela
acreditassem nas habilidades de seus movimentos. se enfeitava, especial, para o visitante? Desconfiado, me
retirei, pé-ante-pé, escadas afora. Deixei os dois na va-
12. UEL-PR 2020 O trecho contém uma frase significativa randa e fiquei no pátio, a respeitosa distância. De longe,
tanto para este conto quanto para outros contos do ainda vi como Temporina se sentava no colo do italiano e
livro: “O rapaz tinha sido contratado por um empresá- como seus corpos se enleavam. De súbito, o rosto dela se
rio para exibir suas habilidades, confundir o trás para colocou em luz e eu me espantei: em flagrante de amor
a frente.”. Sobre a relação desse trecho com os outros Temporina juvenescia. Toda ela era sem ruga, sem cicatriz
contos do livro, assinale a alternativa correta. do tempo. E recuei meus olhos, recolhi meu enleio. O
a) O que se percebe tanto nesse conto quanto em italiano havia de descer e eu retomaria meus serviços.
Agora, por certo, ele não carecia de tradutor.
outros contos do livro é um conjunto muito farto
Na espera, adormeci. No dia seguinte, quando des-
de habilidades extraordinárias nas personagens
pertei já o italiano se passeava pelo quintal. Temporina
que as conduz à superação de adversidades.
falava para ele:
b) A imagem do contorcionista e de seus movimentos — Andei olhando você. Desculpa, Massimo, mas você
corporais inusitados é representativa dos esforços não sabe andar.
de diversas personagens dos contos do livro que — Como não sei andar?
convivem com a miséria e com a ignorância. — Não sabe pisar. Não sabe andar neste chão. Venha
c) Um traço comum entre esse conto e outros con- aqui: lhe vou ensinar a caminhar.
tos do livro é a circulação de empresários por Ele riu, acreditando ser brincadeira. Porém, ela, grave,
espaços muito pobres, o que provoca o progres- advertiu:
so tanto dos lugares quanto das personagens — Falo sério: saber pisar neste chão é assunto de vida
que ali vivem. ou morte. Venha, que eu lhe ensino.
d) A questão central da frase é a ideia de confusão, que, O italiano cedeu. Aproximaram-se e sustiveram-se
nesse conto, se exemplifica pelo fato de Joseldo mãos nas mãos. [...]
COUTO, Mia. O último voo do flamingo. São Paulo:
ter compreendido mal as notícias, uma vez que as
Companhia das Letras, 2005. p. 67-68.
histórias sobre o contorcionista eram falsas.
e) As inversões do tempo constituem aspecto re- O fragmento e/ou o romance revelam
levante desse conto e de outros do livro, pois os vivos unidos aos mortos e, através desses, a
a sequência dos eventos narrados sofre siste- força da tradição é transmitida.
maticamente a interferência dos desvarios das relatos, confissões e depoimentos do narrador
personagens. Massimo sobre o passado de Moçambique.
13. UEL-PR 2020 Quanto ao destino de Filomeninha, as- personagem Temporina, no convívio com o tradutor
e com o italiano, ensinando-lhes os valores tradicio-
sinale a alternativa correta.
nais da terra, passados pelos mortos e pelos vivos.
a) Ela treina muito à espera do empresário, mas
este, ao chegar à vila, a recusa, já desinteressado obra inteira perpassada por elementos de uma
pelo contorcionismo. realidade fantástica que se contrapõe ao realis-
mo literário.
b) Ela é iludida pelo empresário e abandona a vila
com ele, sem corresponder às expectativas do pai. uma ambiguidade da narrativa no fragmento des-
c) Ela se apaixona pelo contorcionista e abandona a tacado, o que constitui uma exceção no romance
vila, sem dar explicações à família. como um todo.
uma visão da cultura africana, que tem em Hortência
d) Ela ingressa no mundo do espetáculo com o con-
e Temporina duas representações.
torcionista e garante muito dinheiro à família.
Soma:
e) Ela é acolhida pelo empresário, mas, no dia da
estreia de seu espetáculo, morre devido ao trei- 15. Fuvest-SP 2022 Muitos povos indígenas brasileiros costu-
namento exaustivo. mavam matar os gêmeos antes do contato com os brancos,
que combateram o prática, “Quando chegamos lá (ao
14. UFBA — Entende agora por que viemos aqui? Para você
Parque Indígena do Xingu), ainda matavam. Fizemos uma
ver que em Tizangara não há dois mundos.
campanha, mas, apesar da tolerância, os índios ainda re-
Ele que visse, por si, os vivos e os mortos partilharem
cebem com muita reserva os gêmeos. O repúdio ao duo é
da mesma casa. Como Hortência e seu sobrinho. E pen-
FRENTE 2
muito forte”, disse à Folha o sertanista Orlando Villas Boas.
sasse nisso quando procurasse os seus mortos.
“Muitos povos indígenas têm uma atitude contrária aos gê-
— Por isso eu lhe pergunto, Massimo: qual vila o meos porque seriam sinal de transgressão. Eles são vistos
senhor está visitando? como perigosos e, segundo os índios, poderiam trazer ma-
— Como assim, qual vila? les e doenças”, afirma a antropóloga Betty Mindlin, autora
— É porque aqui temos três vilas com seus respectivos de “Terra Grávida”, antologia de mitos indígenas.
nomes – Tizangara-terra, Tizangara-céu, Tizangara-água. Índios brasileiros matavam gêmeos. Redação.
Eu conheço as três. E só eu amo todas elas. Folha de S.Paulo, 30/01/2000.
243
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 243 05/04/2024 16:28:00
a) Qual personagem de Terra sonâmbula é estig- Assim fora, desde há quase uma vida. Nas poucas
matizada pelo mesmo motivo apresentado na noites que partilháramos, tudo se repetia: jantávamos em
matéria? Justifique a sua resposta. silêncio, conforme sua interdição. Dava mau azar alguém
b) No romance de Mia Couto, como a personagem falar durante a refeição. Se escutavam apenas os dedos ema-
Romão Pinto representa uma crítica ao dito “ho- grecendo a farinha, molhando e remolhando a ufa no caril
mem civilizado”? de peixe seco. E ouviam-se os mastigares, em flagrante de
maxilas. Depois do jantar, ele se erguia e proclamava a sua
16. Enem PPL intenção de se desossar. Entrava no escuro e só regressava de
TEXTO I manhã, recomposto como orvalho em folha da madrugada.
Quem sabe, devido às atividades culinárias da esposa, Nunca testemunhei com medo de que notasse meus des-
confios. Assim, tinha por certo ser mais uma de suas muitas
nesses idílios Vadinho dizia-lhe “Meu manuê de milho
mentiras. Já antes ele nos estranhava com seus devaneios.
verde, meu acarajé cheiroso, minha franguinha gorda”, e
Vivia à razão de juras.
tais comparações gastronômicas davam justa ideia de certo
Ele não se desfazia, quando lhe pedíamos contas.
encanto sensual e caseiro de dona Flor a esconder-se sob
Respondia devolvendo pergunta:
uma natureza tranquila e dócil. Vadinho conhecia-lhe as
— O nosso corpo é feito de quê? De carne, sangue,
fraquezas e as expunha ao sol, aquela ânsia controlada
águas contidas?
de tímida, aquele recatado desejo fazendo-se violência e
Não, segundo ele, o corpo era feito de tempo. Acaba-
mesmo incontinência ao libertar-se na cama.
do o tempo que nos é devido, termina também o corpo.
AMADO, J. Dona Flor e seus dois maridos. São Paulo: Martins, 1966.
Depois de tudo, sobra o quê? Os ossos. O não tempo,
TEXTO II nossa mineral essência. Se de alguma coisa temos que tra-
As suas mãos trabalham na braguilha das calças do tar bem é do esqueleto, nossa tímida e oculta eternidade.
falecido. Dulcineusa me confessou mais tarde: era assim COUTO, Mia. O último voo do flamingo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005. p. 131-132.
que o marido gostava de começar as intimidades. Um
fazer de conta que era outra coisa, a exemplo do gato que O último voo do flamingo retrata a realidade da fictícia
distrai o olhar enquanto segura a presa nas patas. Esse o Tizangara, onde acontecimentos extraordinários têm
acordo silencioso que tinham: ele chegava em casa e se lugar. A partir do pensamento “O mundo não é o que
queixava que tinha um botão a cair. Calada, Dulcineusa existe, mas o que acontece” — um dito de Tizangara
se armava dos apetrechos da costura e se posicionava a que abre o capítulo inicial do romance de onde foi
jeito dos prazeres e dos afazeres. extraído o fragmento em análise —, comente o tom
COUTO, M. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. de comicidade e o universo mágico que envolvem a
São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
trama desse romance da literatura moçambicana.
Tema recorrente na obra de Jorge Amado, a figura
feminina aparece, no fragmento, retratada de forma se- 18. Unicamp-SP Leia o seguinte trecho da obra Terra
melhante à que se vê no texto do moçambicano Mia Sonâmbula, de Mia Couto, extraído do Sexto caderno
Couto. Nesses dois textos, com relação ao universo de Kindzu, subintitulado O regresso a Matimati.
feminino em seu contexto doméstico, observa-se que Lembrei meu pai, sua palavra sempre azeda: agora,
a) o desejo sexual é entendido como uma fraqueza somos um povo de mendigos, nem temos onde cair vivos.
moral, incompatível com a mulher casada. Era como se ainda escutasse:
b) a mulher tem um comportamento marcado por — Mas você, meu filho, não se meta a mudar os
convenções de papéis sexuais. destinos.
c) à mulher cabe o poder da sedução, expresso pe- Afinal, eu contrariava suas mandanças. Fossem os
los gestos, olhares e silêncios que ensaiam. naparamas, fosse o filho de Farida: eu não estava a deixar
d) a mulher incorpora o sentimento de culpa e age o tempo quieto. Talvez, quem sabe, cumprisse o que sem-
com apatia, como no mito bíblico da serpente. pre fora: sonhador de lembranças, inventor de verdades.
e) a dissimulação e a malícia fazem parte do repertó- Um sonâmbulo passeando entre o fogo. Um sonâmbulo
como a terra em que nascera. Ou como aquelas fogueiras
rio feminino nos espaços público e íntimo.
por entre as quais eu abria caminho no areal.
17. UFBA (Mia Couto, Terra Sonâmbula. São Paulo:
Companhia de Bolso, 2015, p. 104.)
I.
O mundo não é o que existe, mas o que acontece Na passagem citada, a personagem Kindzu recorda
Dito de Tizangara os ensinamentos de seu pai diante do estado deso-
II. lador em que se encontrava sua terra, assolada pela
— Vou lá fora pendurar os ossos. guerra, e reflete sobre a coerência de suas ações em
Meu pai sempre anunciava a decisão, já no virar da relação a tais ensinamentos. Levando em considera-
porta. Falava como se estivesse sozinho. Era assim há mui- ção o contexto da narrativa do romance de Mia Couto,
tos anos. Como lhe doessem os ossos e sofresse de grandes é correto afirmar que:
cansaços, ele, antes de deitar, se libertava do esqueleto a) A demanda realizada por Kindzu e que é relatada
para melhor dormir. em seus cadernos funciona como uma forma de fuga
244 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 244 10/04/2024 13:57:12
para a personagem Muidinga, que se aliena da reali- 20. UFRGS 2018 Considere as seguintes afirmações so-
dade da guerra pela leitura dos cadernos, indicando bre as escritoras Carolina Maria de Jesus e Clarice
de modo inequívoco a função social da literatura. Lispector e sobre suas obras.
b) A narrativa contida nos cadernos de Kindzu, lida I. Carolina Maria de Jesus (-) e Clarice
por Muidinga e Tuahir, representa o universo oní- Lispector (-) pertencem à mesma ge-
rico e se contrapõe à realidade objetiva das duas ração cronológica, mas não tiveram a mesma
personagens, razão pela qual ambas as narrativas trajetória no campo literário, dada a diferença de
aparecem no livro de modo intercalado, sem, ne- classe e raça.
cessariamente, haver uma interseção entre elas. II. Quarto de despejo, publicado em , é o tes-
c) Segundo a personagem Kindzu, a sua terra, temunho, em primeira pessoa, de Carolina Maria
sonâmbula como ele, seria um lugar da sobrepo- de Jesus sobre sua vida de miséria em uma favela
sição entre sonho e realidade, tal como ocorre na paulista. Editado por Audálio Dantas, está presen-
narrativa que registra em seus cadernos, em que te no livro a tensão entre a linguagem dominada
é impossível o estabelecimento de uma delimita- por Carolina e aquela que, para ela, seria a lingua-
ção entre o onírico e o real. gem literária.
d) O sonho, sugerido pelo termo “sonâmbulo”, contra- III. Clarice Lispector, em A hora da estrela (), cria
põe-se à realidade da guerra, sugerida pela palavra uma personagem, Macabéa, que narra, em primeira
“fogo”; terra sonâmbula seria, pois, um lugar em que pessoa, as dificuldades de sua vida de empregada
os limites entre realidade e sonho aparecem bem doméstica e moradora de uma favela carioca.
delimitados e no qual as personagens estão conde- Quais estão corretas?
nadas definitivamente à miséria da guerra. a) Apenas I.
19. UFRGS 2018 No bloco abaixo, estão listados os títulos b) Apenas III.
dos romances de Carolina Maria de Jesus e de Clarice c) Apenas I e II.
Lispector; em seguida, trechos desses romances. d) Apenas II e III.
Associe adequadamente os blocos. e) I, II e III.
1. Quarto de despejo 21. UFRGS 2018 Sobre o livro Quarto de despejo, de
2. A hora da estrela Carolina Maria de Jesus, assinale com V (verdadeiro)
Ela me incomoda tanto que fiquei oco. Estou ou F (falso) as seguintes afirmações.
oco desta moça. E ela tanto mais me incomoda A história, estruturada em forma de diário, abar-
quanto menos reclama. [...] Como me vingar? Ou ca cinco anos da vida de Carolina, que, segundo
melhor, como me compensar? Já sei: amando a narradora, suporta sua rotina de fome e violên-
meu cão que tem mais comida do que a moça. cia através da escrita.
Por que ela não reage? Cadê um pouco de fibra? A autora produz uma narrativa de grande potên-
Não, ela é doce e obediente. cia, apesar dos desvios gramaticais presentes no
Achei um saco de fubá no lixo e trouxe para dar texto.
ao porco. Eu já estou tão habituada com as latas A narradora reflete sobre desigualdade social e
de lixo, que não sei passar por elas sem ver o racismo. A força do texto está no depoimento de
que há dentro. [...] Ontem eu li aquela fábula da rã quem sente essas mazelas no corpo e ainda assim
e a vaca. Tenho a impressão que sou rã. Queria se apresenta como voz vigorosa e propositiva.
crescer até ficar do tamanho da vaca. O livro, relato atípico na tradição literária brasileira,
A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que nunca obteve sucesso editorial, permanecendo
sabemos o que encerra. E nós quando estamos esquecido até os dias de hoje.
no fim da vida é que sabemos como a nossa vida A sequência correta de preenchimento é
decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta a) F – V – F – F.
é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro. b) V – F – V – V.
“Una Furtiva Lacrima” fora a única coisa belíssima c) V – F – F – V.
na sua vida. [...] Era a primeira vez que chorava, d) V – V – V – F.
não sabia que tinha tanta água nos olhos. [...] Não e) F – V – V – V.
chorava por causa da vida que levava: porque,
não tendo conhecido outros modos de viver, acei- 22. UFSC 2020
FRENTE 2
tara que com ela era “assim”. Mas também creio
25 de dezembro...
que chorava porque, através da música, adivinha-
O João entrou dizendo que estava com dor de barriga.
va talvez que havia outros modos de sentir.
Percebi que foi por ele ter comido melancia deturpada.
A sequência correta de preenchimento é Hoje jogaram um caminhão de melancia perto do rio.
a) – – – . d) – – – . Não sei porque é que estes comerciantes inconscien-
b) – – – . e) – – – . tes vem jogar seus produtos deteriorados aqui perto da
c) – – – . favela, para as crianças ver e comer.
245
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15.indd 245 10/04/2024 13:57:36
... Na minha opinião os atacadistas de São Paulo Texto II
estão se divertindo com o povo igual os Cesar quando
torturava os cristãos. Só que o Cesar da atualidade supera
RISOS
o Cesar do passado. Os outros era perseguido pela fé. E Ri, criança, a vida é curta,
nós, pela fome! O sonho dura um instante.
Naquela epoca, os que não queriam morrer deixavam Depois... o cipreste esguio
de amar a Cristo. Mostra a cova ao viandante!
Mas nós não podemos deixar de comer.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. A vida é triste – quem nega?
São Paulo: Ática, 2018. p. 146.
– Nem vale a pena dizê-lo.
Com base no texto […] e na leitura integral de Quarto de Deus a parte entre seus dedos
despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Qual um fio de cabelo!
Jesus, publicada pela primeira vez em livro em 1960,
no contexto sócio-histórico e literário da obra e, ainda, Como o dia, a nossa vida
de acordo com a obra O cemitério dos vivos, de Lima Na aurora – é toda venturas,
Barreto, e com a variedade padrão da língua escrita, De tarde – doce tristeza,
é correto afirmar que: De noite – sombras escuras!
o sucesso de Quarto de despejo promoveu
também o sucesso da autora, que saiu da margina- A velhice tem gemidos,
lidade para conquistar a cidade e se afirmar como – A dor das visões passadas –
escritora integrada à elite econômica paulistana. – A mocidade – queixumes,
podemos observar, em Quarto de despejo, traços Só a infância tem risadas!
da estética realista, entre os quais o registro minu-
cioso do cotidiano, a linguagem simples e direta e Ri, criança, a vida é curta,
a animalização de personagens. O sonho dura um instante.
as obras Quarto de despejo e O cemitério dos Depois... o cipreste esguio
vivos apresentam em comum o valor documental, Mostra a cova ao viandante!
uma vez que ambas são depoimentos pessoais (Casemiro J. M. de Abreu, As primaveras. Rio de Janeiro: Tipografia de
Paula Brito,1859, p. 237-238.)
elaborados esteticamente por autores que passa-
ram por internação em hospital psiquiátrico. a) Nas três linhas iniciais do texto I, a autora esta-
os termos “deturpada” (referência ) e “deterio- belece uma relação entre o sujeito da ação e
rados” (referência ) são formas nominais cuja o espaço em que ele se encontra. Mencione
função é qualificar os nomes “melancia” e “produ- e explique dois recursos poéticos que compõem a
tos”, respectivamente. cena narrativa.
a política de César conhecida como “Pão e Circo” b) A representação da infância no texto I se apro-
consistia em promover espetáculos e distribuir xima e, ao mesmo tempo, difere daquela que se
alimentos para manter a população de Roma sob encontra no texto II. Considerando que o texto I
controle, prática retomada por autoridades políti- é um excerto do diário de Carolina Maria de
cas em São Paulo e condenada, no excerto, pela Jesus e o texto II é um poema romântico, identifi-
narradora. que e explique essa diferença na representação
de acordo com o excerto, para sobreviver ao César da infância, com base nos períodos literários.
da atualidade, a fome, é necessário deixar de amar
a Cristo. 24. UFRGS 2020 Um tema em Quarto de despejo é en-
Soma: contrado também no poema “O bicho”, de Manuel
Bandeira, transcrito a seguir.
23. Unicamp-SP 2020 O bicho
Texto I Vi ontem um bicho
[...] Contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu Na imundície do pátio
fiquei compreendendo que eu adoro o meu Brasil. O meu Catando comida entre os detritos.
olhar posou nos arvoredos que existe no início da rua
Pedro Vicente. As folhas movia-se. Pensei: elas estão aplau- Quando achava alguma coisa,
dindo este meu gesto de amor a minha Pátria. [...] Toquei Não examinava nem cheirava:
o carrinho e fui buscar mais papeis. A Vera ia sorrindo. E Engolia com voracidade.
eu pensei no Casemiro de Abreu, que disse: “Ri criança. A
vida é bela”. Só se a vida era boa naquele tempo. Porque O bicho não era um cão,
agora a época está apropriada para dizer: “Chora criança. Não era um gato,
A vida é amarga”. Não era um rato.
(Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo.
São Paulo: Ática, 2014, p. 35-36.) O bicho, meu Deus, era um homem.
246 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 246 05/04/2024 16:28:00
Assinale a alternativa que identifica esse tema recor- Fiz o café e fui carregar água. Olhei o céu, a estrela
rente nas duas obras. Dalva já estava no céu. Como é horrível pisar na lama.
a) A revolta e a indignação daqueles que sofrem a JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada.
São Paulo: Ática, 2018, p. 58.
miséria e a marginalização social.
b) O problema da fome, que avilta a dignidade humana. Com base no texto e na leitura integral da obra Quarto
c) A aceitação da pobreza, que se tornou uma con- de despejo: diário de uma favelada, publicada pela pri-
dição inerente às sociedades modernas. meira vez em livro em 1960, no contexto sócio-histórico
d) A esperança como forma de enfrentar o sofrimen- e literário e, ainda, de acordo com a variedade padrão
to da fome e de garantir a sobrevivência. da língua escrita, é correto afirmar que:
e) O ato de escrever funciona como modo de driblar o vocábulo “leito” (ref. ) sugere que a narradora
a fome. deixou o hospital durante a madrugada, após mais
uma de suas internações hospitalares, situação cor-
25. UFRGS 2019 Leia este trecho de Quarto de despejo, riqueira agravada pela alimentação inadequada e
de Carolina Maria de Jesus. pela falta de água tratada na região onde morava.
18 de dezembro... Eu estava escrevendo. Ela pergun- no texto, a narradora reitera a importância da es-
tou-me: crita em sua vida, pois a literatura era uma das
— Dona Carolina, eu estou neste livro? Deixa eu ver! únicas possibilidades de esquecer seu entorno.
— Não. Quem vai ler isto é o senhor Audálio Dantas, o projeto estético, marcado por uma visão fanta-
que vai publicá-lo. siosa da vida, permite que a narradora ignore as
— E porque é que eu estou nisto? dificuldades cotidianas, razão pela qual se atém
— Você está aqui por que naquele dia que o Armin apenas à beleza do despontar de uma estrela.
brigou com você e começou a bater-te, você saiu correndo o cotidiano da favela evidencia a brutalidade
nua para a rua. e a violência sistêmica a que todos os morado-
Ela não gostou e disse-me: res estão submetidos, fazendo com que brigas,
— O que é que a senhora ganha com isto? episódios de violência doméstica e surras sejam
... Resolvi entrar para dentro de casa. Olhei o céu com vistos como entretenimento pela vizinhança.
suas nuvens negras que estavam prestes a transformar-se em suas peregrinações como catadora, a prota-
em chuva. gonista revela seu desprezo pela cidade de São
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. Paulo, de luxo e opulência para poucos, razão
São Paulo: Ática, 2018, p. 58.
pela qual prefere manter distância desse espaço,
Considere as seguintes afirmações sobre o trecho habitando na favela.
acima. Vera, João e José Carlos, filhos da narradora,
I. Está presente no fragmento uma tensão que per- adaptam-se com mais facilidade do que a mãe à
passa o conjunto do livro: ao mesmo tempo que vida na favela, sendo caracterizados como bajula-
se apropria da experiência de pobreza e violência dores, que pedem esmolas e obedecem à mãe.
da favela, Carolina quer diferenciar-se dela. Soma:
II. Audálio Dantas aparece como figura que represen-
ta oportunidade de publicação e autoridade letrada. 27. UFJF-MG 2015
III. Aparece no fragmento uma alternância narrativa Sombras miúdas
que marca Quarto de despejo: do dia a dia in-
A história de Ivanildo é que ele simplesmente não
clemente na favela para certa linguagem literária
tem história. Morador de rua, virou notícia porque teve
idealizada por Carolina. 85% corpo queimado por gasolina e faleceu na última
Quais estão corretas? terça-feira (27), e é só, mais nada.
a) Apenas I. O assassino, conforme as investigações policiais, era
b) Apenas II. outro morador de rua, e o crime, vejam vocês a ironia da
c) Apenas III. miséria humana –, foi motivado por conquista de territó-
d) Apenas I e III. rio. Dizem que precisavam de mais espaço para viverem
e) I, II e III. na rua.
Pois é, as calçadas! Há pessoas em guerra pelas cal-
26. UFSC 2019 çadas frias da cidade de São Paulo.
12 de junho Não conheci Ivanildo nem o seu algoz piromaníaco,
Eu deixei o leito as 3 da manhã porque quando a gente mas tenho uma vaga ideia de quem sejam os infelizes. Já
FRENTE 2
perde o sono começa pensar nas misérias que nos rodeia. os vi queimando na retina dos meus olhos, numa dessas
[...] Deixei o leito para escrever. Enquanto escrevo vou noites geladas e indignas, em suas casas de papelão que
pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na se movem como fantasmas pela nossa imaginação.
luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhan- Ivanildo não devia ter documentos, tampouco identi-
tes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo dade. Indigente, deve ter sido enterrado com seus trapos
as flores de todas as qualidades. [...] É preciso criar este numa vala qualquer, de um cemitério qualquer, que é o
ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela. lugar certo para qualquer um de nós, miserável ou não.
247
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 247 05/04/2024 16:28:00
Outro dia vi um Ivanildo fuçando uma lata de lixo a cultivá-lo com versos de Drummond e os seus próprios,
à procura de comida que sobra dos nossos pratos, mas dedicados ao grande brasileiro.
o dono da lanchonete apareceu para expulsá-lo com um Fonte: PEPETELA. A geração da utopia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira:
2000, p. 30-31 (fragmento).
cabo de vassoura.
Fiquei com a impressão de que mendigos trazem má No fragmento do romance do escritor angolano Pepetela,
sorte para o comércio, e que restos de comida não são Horácio aconselha seus amigos Malongo, Vítor e Furtado
para restos de pessoas. a lerem o poeta Drummond de Andrade.
“Nós, os filhos de Deus, privatizamos até as migalhas”. Analise as afirmativas a seguir.
Tenho a impressão que os únicos que gostam dos I. A poesia de Drummond é melhor que a de Camões
moradores de rua são os cachorros. Aliás, de raça ou não, e de Pessoa.
não conheço nenhum cachorro que não tenha um men- II. Há uma aproximação entre a literatura de Drummond
digo pra cuidar. e a realidade angolana.
Moradores de rua são uma espécie rara de seres hu- III. Nas escolas portuguesas se estuda a poesia de
manos: Eles não têm dentes, eles não cortam os cabelos, Drummond.
eles não tomam banho, pedem-nos esmolas, dormem no IV. A poesia de Drummond está sendo usada para
nosso caminho de casa, e nós, a não ser que peguem fogo, alfabetizar nas escolas angolanas.
simplesmente não os vemos. V. As obras dos literatos brasileiros possuem uma
É difícil vê-los. Somos cristãos demais para enxer- linguagem próxima a dos angolanos nas cidades.
gá-los. Assinale a alternativa CORRETA.
E tem mais, dizem que são invisíveis a olho nu. a) Apenas as afirmativas II, IV e V estão corretas.
Mas não são, suas sombras miúdas se arrastam em b) Apenas as afirmativas II, III e IV estão corretas.
nossas orações, para o deleite da nossa hipocrisia. Fingir c) Apenas as afirmativas I, II e V estão corretas.
que gostamos de deus é a melhor forma de agradar o d) Apenas as afirmativas I, III e V estão corretas.
diabo.
Um ser humano pegando fogo na calçada e os nos- 29. FCL-SP 2018 Ao final de Mayombe, de Pepetela, o
sos joelhos doendo de tanto rezar pela nossa felicidade narrador titular apresenta-se e ficamos sabendo que se
material... trata de(o)
Deus sabe o que faz, a gente não. Devia ser o contrário. a) Mundo Novo.
Se dependesse de mim, a humanidade (?) já tinha b) Chefe de Operações.
pegado fogo há muito tempo. Um por um. c) Comissário Político.
(VAZ, Sérgio. Literatura, pão e poesia: histórias de um povo lindo e d) Muatiânvua.
inteligente. São Paulo: Global, 2011. p. 67-68) e) Comandante Sem Medo.
a) Segundo o Dicionário Houaiss, ironia é “figura por
30. UFU-MG 2019 O excerto, retirado da obra Terra so-
meio da qual se diz o contrário do que se quer
nâmbula, de Mia Couto, é a reprodução do diálogo
dar a entender” (, p. ). Localize no texto
entre Kindzu e Surendra.
de Sérgio Vaz dois casos em que se emprega a
ironia e explique a utilização delas. Antoninho, o ajudante, escutava com absurdez.
b) O texto é, fundamentalmente, de simpatia com os Para ele eu era um traidor da raça, negro fugido das tra-
excluídos. Há também uma forte indignação que o dições africanas. Passou por entre nós dois, desdelicado
atravessa. Transcreva uma passagem em que esta provocador, só para mostrar seus desdéns. No passeio,
indignação aparece com clareza. Explique. gargalhou-se alto e mau som. Me vieram à lembrança as
hienas. Surendra disse, então:
28. UFT-TO 2020 Horácio não gostava de ser contestado, — Não gosto de pretos, Kindzu.
mas compreendeu não era bom tema de conversa. Voltou — Como? Então gosta de quem? Dos brancos?
à literatura, aconselhando os outros a lerem Drummond — Também não.
de Andrade, na sua opinião o melhor poeta de língua por- — Já sei: gosta de indianos, gosta da sua raça.
tuguesa de sempre. Qual Camões, qual Pessoa, Drummond — Não. Eu gosto de homens que não têm raça. É por
é que era, tudo estava nele, até a situação de Angola se po- isso que eu gosto de si, Kindzu.
dia inferir na sua poesia. Por isso vos digo, os portugueses COUTO, Mia. Terra sonâmbula, São Paulo: Companhia das Letras,
2016. p. 15.
passam a vida a querer-nos impingir a sua poesia, temos de
a estudar na escola, e escondem-nos os brasileiros, nossos Com base no diálogo transcrito e no enredo do ro-
irmãos, poetas e prosadores sublimes, relatando os nos- mance, é correto afirmar que
sos problemas e numa linguagem bem mais próxima da a) a conversa ocorre ainda no início da guerra quando
que falamos nas cidades. Quem não leu Drummond é um Kindzu havia impedido a destruição da loja do india-
analfabeto. Os outros iam comendo, trocando de vez em no por parte de alguns negros moçambicanos.
quando olhares cúmplices. Até que Malongo e Vítor termi- b) o romance mostra como o racismo que atraves-
naram a refeição. Malongo despediu-se, levantando-se, um sa a sociedade moçambicana, devastada pelas
analfabeto vos saúda. Vítor e Furtado riram, Horácio fingiu guerras, é consequência imediata da colonização
que não ouviu. Agarrou no braço de Furtado e continuou portuguesa.
248 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 248 05/04/2024 16:28:00
c) o romance pretende apresentar os dilemas que caracterizou. Assim, revelam-se as contradições
geraram os conflitos entre negros e indianos, po- de uma sociedade que vive entre o peso do colo-
vos de etnias distintas que lutam pelo território nialismo e a euforia causada pela independência.
moçambicano.
d) a fala de Surendra revela um desejo radical de 33. FCL-SP Assinale a alternativa correta sobre Luuanda,
convívio harmônico entre os diferentes, capaz de de José Luandino Vieira.
superar noções de identidade baseadas só na raça. a) Nas três narrativas do livro, o leitor tem à disposição
um precioso trabalho com a linguagem que torce e
31. Unimontes-MG Leia com atenção o fragmento do retorce a língua portuguesa, explorando a capaci-
conto “Vida Nova”, de Pepetela. dade de refletir esse outro universo cultural que o
Ngunga só se despediu de Mavinga. Explicou-lhe por escritor tem como objeto de seu inquieto olhar.
que queria ir secretamente. Pediu-lhe para não contar a b) A escolha do espaço está associada à opção por
ninguém aonde ia e não voltar a falar de Ngunga, que personagens que acabam por se integrar à ordem
tinha morrido nessa noite inesquecível. E não revelou o seu que regula a sociedade colonial. Vavó Xixi e Zeca
nome novo ao Comandante. Partiu sozinho para a escola. Santos, seu neto; as vizinhas Bina e Zefa; o menino
Um homem tinha nascido dentro do pequeno Ngunga. Beto; Xico Futa; Lomelino dos Reis; Garrido e Iná-
(LAJOLO, 2006, p. 84.) cia são personagens que organizam modos muito
Assinale a alternativa INCORRETA. singulares de sobrevivência.
a) O conto apresenta, poeticamente, um rito de pas- c) O trabalho de elaboração da linguagem nas estó-
sagem de um menino para um homem renovado. rias é capaz de preservar o mundo português da
b) A mudança de nome do personagem assinala presença dos outros mundos que a cidade guar-
para a quebra de uma tradição e para o início de da, abolidos pela prolongada e feroz dominação.
uma nova vida. d) Ocupando quase sempre o papel de protagonis-
c) O personagem Ngunga simboliza a esperança do tas da literatura portuguesa, os angolanos cedem,
povo africano na liberdade e na capacidade de por conta da complexidade cultural em que es-
construção de seu próprio destino. tava imerso o país, lugar e voz nessas narrativas
d) A narrativa conta a história de um jovem que re- para os portugueses, que estão dispostos a justi-
cebe um nome novo para se integrar aos velhos ficar o processo de colonização.
costumes da tribo. e) A alteração do nome da capital de Angola tem
implicações na abordagem do espaço que foi,
32. FCL-SP Sobre Os da minha rua, de Ondjaki, é correto desde muito cedo, um ponto fundamental no
afirmar que: império lusitano. O autor valoriza, assim, o pon-
a) O narrador das histórias explora um quadro da to de vista dominante, o dos negros, mestiços e
infância vivida num período em que a precariedade brancos pobres que apagaram os vestígios da
das condições materiais não interditava a experiên- colonização portuguesa naquele país.
cia da comunhão, estimulando a utopia presente na
luta contra o colonialismo e na ideia de uma socie- 34. FCL-SP Assinale a alternativa correta sobre o excerto
dade mais justa. da “Estória do ladrão e do papagaio”, que integra o livro
b) Os dois narradores que participam das histórias Luuanda, de José Luandino Vieira, apresentado a seguir.
vivem, sempre em dupla, um conjunto de fatos mar- Nem uazekele kié-uazeka kiambote, nem nada, era
cados pela crueldade infantil da qual não escapam só assim a outra maneira civilizada como ele dizia; mas
os professores cubanos, os tios e as tias, os peque- também depois ficava na boa conversa de patrícios e, en-
nos animais e o quase mitológico abacateiro. tão, aí o quimbundo já podia se assentar no meio de todas
c) O narrador das histórias mergulha no tempo as palavras, ele até queria, porque para falar bem-bem
histórico e o relaciona a sua própria experiência, português não podia, o exame da terceira é que estava lhe
convidando o leitor a compartilhar a dinâmica de tirar agora e por isso não aceitava falar um português de
uma África mítica e ancestral, que pode ser vista
toda a gente, só queria falar o mais superior.
tanto como hostil quanto como hospitaleira.
d) Os diversos narradores das histórias resistem a) Escrito em quimbundo, o texto registra expressões
à destruição causada pela experiência colonial, em português, a fim de criar um estranhamento
inventando para si mesmos uma infância que não significativo para a compreensão da lógica que
existiu. Desse modo, cada história dialoga com a move o livro.
FRENTE 2
tradição literária angolana, retomando tópicos e b) A linguagem dos musseques (os bairros pobres
renovando propostas fundamentais no percurso de Luanda) é reproduzida aqui fielmente, cons-
literário que se consolida. tituindo um precioso documento historiográfico
e) Os diversos narradores das histórias se fe- que dá conta de explicar a dominação portugue-
cham sempre aos estímulos exteriores, optando sa em Angola.
por explorar com acentuada ambiguidade as fa- c) O esforço de recriação do registro escrito culto da
cilidades do mundo colonial e a violência que o linguagem pode ser comparado ao de Guimarães
249
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 249 05/04/2024 16:28:00
Rosa e representa uma profunda reflexão sobre a c) Vingar no dia do aniversário de Tony, levando to-
arte de contar histórias. das as mulheres do marido para a festa e todos
d) O português sólido e cerrado, mas ao mesmo os filhos, de modo a expor a poligamia do marido.
tempo transparente, que surge no texto está a d) Nenhuma das alternativas.
serviço de registrar a história de um povo empe-
nhado em sua emancipação política e cultural. 36. Com relação à representação masculina na narrativa
e) Diante do texto, logo percebemos não estar em de Niketche: uma história de poligamia, leia as se-
contato com um escritor português. O esforço de guintes afirmações:
nacionalização da língua, que também se mani- I. Todos os homens que aparecem na narrativa são
festa no recurso a uma sintaxe diferente, procura descritos de forma negativa, em uma tentativa da
exprimir a ruptura com a norma lusitana e indiciar autora de mostrar que os homens são todos igual-
outras rupturas que precisam acontecer. mente ruins.
II. Tony simboliza os valores corruptos do governo,
35. IFNMG A obra Niketche: uma história de poligamia
deixando Rami de lado depois de ganhar mais po-
trata das condições subalternas das mulheres afri-
der no trabalho.
canas, com destaque para a questão da poligamia.
III. Vitor possui uma história violenta, mas tem um
Quando a personagem Rami descobre que o marido
Tony a traía com várias mulheres, resolve: arco de redenção, sendo colocado como a única
a) Vinga-se, fugindo com outro homem para o Norte figura masculina positiva em todo o livro.
da África, já que nessa região as mulheres eram Assinale a alternativa com a(s) afirmação(ões) correta(s).
mais respeitadas. a) I.
b) Abandona o lar e vai para o Sul da África, torna-se b) I e III.
escritora que denuncia as condições das mulhe- c) II.
res africanas. d) II e III.
BNCC em foco
EM13LP06 europeias em detrimento das culturas africanas. Como
1. No Carnaval de 2022, muitas escolas de samba o título do samba-enredo evidencia essa crítica?
fizeram homenagens a personalidades afrodescen-
EM13LP03
dentes. A Beija-flor de Nilópolis compôs um enredo
2. A função de uma epígrafe é servir de tema de anteci-
chamado “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da
pação do mote de uma obra. Relacione as epígrafes
Beija-flor”. Leia um trecho da sinopse do espetáculo.
de Terra sonâmbula com a obra como um todo.
Nossa civilização conhece e respeita os pensamentos Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque
esculpidos em mármore greco-romano. Mas por que não enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e
talhar os saberes em ébano? Empretecer o pensamento tempos afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam
do mundo é dar a toda a humanidade a oportunidade de o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite,
uma visão diferente e original, com novos caminhos para
eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho.
o futuro, estabelecendo outras rotas possíveis.
Ao longo do tempo, foram grafadas em pedras duras (Crença dos habitantes de Matimati)
imagens estereotipadas da África como um ajuntamento O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a
de sociedades tribais destituídas de pensamentos e tec- gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que
nologias. Isto nos impede de ver o legado e a diversidade servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.
dos povos e refletir sobre a possibilidade de empretecer o (Fala de Tuahir)
conhecimento humano. EM13LP03
BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS. Empretecer o pensamento é ouvir a voz
da Beija-flor. Disponível em: https://liesa.globo.com/memoria/outros- 3. Considere a epígrafe da obra Niketche e explique
carnavais/2022/beija-flor/enredo.html. Acesso em: 21 mar. 2024. como ela se relaciona com o mote do romance.
Comente a posição da escola de samba Beija-flor Mulher é terra. Sem semear, sem regar, nada produz.
de Nilópolis que pontua a valorização das culturais (Provérbio zambeziano)
250 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 África e diáspora africana
002448_pv_pvv_al_por_3_vol4_liv_215_250_f2_c15_P4.indd 250 05/04/2024 16:28:00
GABARITO
Frente 1 13. B 14. A Exercícios complementares
15. a) “Nossa cidade é construída por nós” 1. B 4. B 7. A
ou “Nossa cidade foi construída por
Capítulo 15 — Verbo II: vozes 2. D 5. C 8. C
nós”; “Ela nos constrói”.
verbais b) Há uma reciprocidade na relação en-
3. B 6. D
tre o homem e a cidade. Ao mesmo 9. Na primeira ocorrência do pronome
Revisando tempo que nós trabalhamos para ex- “que”, pode-se perceber que o referen-
1. a) A reação dos personagens em re- pandir fisicamente a cidade, sofremos te são as “evidências”, visto que o verbo
lação ao folheto publicitário indica a influência dela. “dar” concorda com esse substantivo.
que a informação de que a empresa Na segunda ocorrência, o pronome tem
16. C
fabrica produtos com “materiais se- como referência os “moduladores”, pois
lecionados de primeira qualidade” é o verbo “ter” está no plural, concordan-
Exercícios complementares do com esse substantivo.
falsa, pois é esse trecho que faz os
1. B
personagens caírem na gargalhada. 10. C 12. A 14. B
2. Soma: 01 1 02 1 04 1 08 5 15
b) Fabricamos nossos produtos com 11. B 13. C
3. a) A expressão “bala de prata” tem o
materiais selecionados de primeira 15. Soma: 01 1 02 1 04 1 08 5 15
qualidade. mesmo sentido de “solução mágica”.
16. Soma: 02 1 08 5 10
2. A b) A frase ficaria “Sabe-se que empregos
são destruídos e criados pelas tecno- 17. E 18. E
3. a) O termo “crise” sintetiza a disparidade
logias poupadoras de mão de obra. 19. a) O território.
entre uma regra e seus efeitos na rea-
lidade: a relação de matrimônio podia 4. A 8. E 12. A 16. B b) O verbo “demonstra” deveria estar no
deixar de existir entre um casal, sem que 5. B 9. A 13. E plural para concordar com o sujeito
houvesse “a morte natural de um dos composto “escolha” e “mudança”.
6. B 10. B 14. D
cônjuges”, mas o vínculo permanecia 20. E 21. A 22. B
7. D 11. A 15. A
porque, para a Igreja, ele era indissolúvel.
23. Soma: 02 1 16 5 18
b) Rescrita, a oração ficaria: “tal como a BNCC em foco 24. B 27. C 30. C
Igreja católica o concebia (ou conce-
1. A 2. B 25. A 28. E 31. A
bia-o)”.
3. Soma: 01 1 04 5 05 26. C 29. A 32. B
4. B
5. a) A expressão “engolir minhas próprias
Capítulo 16 — Concordância BNCC em foco
palavras” pode ser compreendida no
sentido figurado – significando a verbonominal 1. D 2. E 3. A
admissão de um erro, ou seja, o re-
conhecimento de que as afirmações Revisando Capítulo 17 — Colocação
anteriores da personagem estavam pronominal
1. A 3. C 5. A 7. E
equivocadas. No entanto, ao perceber
que o balãozinho está ligado à 2. C 4. B 6. B 8. B
Revisando
barriga da personagem, o sentido
denotativo da expressão é acionado Exercícios propostos 1. C 2. D 3. D 4. B
e a interpretação de “engolir” pode ser 1. B 2. D 5. Trata-se do “te”. Em “Mova-te”, temos
feita literalmente, como se a persona- ênclise; em “Pois te não move”, próclise.
3. a) Quando se tem uma expressão parti-
gem estivesse ingerindo suas palavras. tiva, como em “uma tão grande parte 6. Trata-se da ênclise ao infinitivo; a ênclise
b) Eis o trecho reescrito: “E minhas dos homens”, a concordância pode ao infinitivo (vencer) é obrigatória, não
próprias palavras tiveram que ser en- ser feita com a parte ou com o todo. há possibilidade de empregar a próclise.
golidas por mim.”. No trecho em destaque, optou-se por 7. E 8. B
6. D 7. B 8. B concordar com o todo (“homens”), no
plural, por se tratar de uma grande Exercícios propostos
Exercícios propostos parte dos homens, abrangendo qua- 1. B 5. B 9. A 13. A
1. Voz passiva. A preocupação da perso- se toda a categoria.
2. B 6. C 10. D 14. E
nagem era com as palavras que deviam b) No caso de “depois que a natureza
ser cortadas, não quem as cortaria. 3. C 7. D 11. B 15. A
de há muito os libertou”, a conjugação
2. C 3. B do verbo “haver” se refere a um tem- 4. B 8. E 12. A
po decorrido, portanto é impessoal, 16. Estas são as construções possíveis: “E
4. a) A personificação está presente no
permanecendo no singular. que ainda não se pôde converter em
trecho “Pulsando, queimando ou co-
çando, o membro fantasma reclama 4. D 12. B 20. A 28. D estrelas”; “E que ainda não pôde con-
da incompletude do mutilado”. 5. E 13. D 21. D 29. E
verter-se em estrelas”; “E que ainda se
não pôde converter em estrelas”.
b) Na voz ativa, a oração se constrói da 6. D 14. D 22. A 30. D
seguinte forma: “Representações vi- 7. D 15. C 23. E 31. A Exercícios complementares
zinhas invadem e loteiam as regiões
cerebrais correspondentes ao mem- 8. C 16. C 24. D 32. C 1. E 2. A 3. D
bro amputado”. 9. A 17. E 25. C 4. Soma: 01 1 04 1 16 5 21
002448
5. E 7. B 9. E 11. C 10. C 18. A 26. B 5. D 7. C 9. B
6. A 8. A 10. E 12. D 11. D 19. C 27. E 6. C 8. C 10. E
251
002448_pv_pvv_al_lin_por_3_vol4_liv_251_256_f1e2_gab.indd 251 30/04/2024 14:48:20
11. C 13. A 15. A do mundo. Em diálogo com a oração 15. Há pleonasmo em “Chovia uma triste
12. B 14. E anterior, o sentido da expressão “por- chuva de resignação”, cujo efeito poé-
que” como palavra que explica uma tico é o de enfatizar a ideia da chuva.
16. No primeiro trecho, o autor não seguiu
razão ou uma causa evocaria uma atitu- 16. E
a regra que recomenda a próclise com
de pretensiosa ou vaidosa de se sentir
advérbio, enquanto no segundo respeitou
a regra que proíbe iniciar a frase com
capaz de responder tudo, até mesmo BNCC em foco
às perguntas filosóficas existenciais
pronome átono. Assim, o primeiro trecho 1. D 2. C 3. A
ainda sem resposta.
representa um registro menos formal de
colocação do pronome do que o segundo. 6. E
7. B
Frente 2
BNCC em foco 8. a) No trecho “Iaiá foi com o marido ao
1. C 2. B 3. C cemitério, afim de depositar na sepul-
Capítulo 13 – As inovações
tura do pai uma coroa de saudades”, literárias do Modernismo
Capítulo 18 — Acentuação e o termo “afim” deve ser substituído
ortografia por “a fim”. No trecho “Outra coroa Revisando
havia ali sido posta, com uma fita
1. A
Revisando aonde lia-se estas palavras:”, o ter-
mo “aonde” deve ser substituído por 2. No trecho de “O burrinho pedrês”, o
1. E 3. A 5. A 7. A “onde” ou “em que”. pio do pássaro joão-corta-pau é um
2. C 4. E 6. D 8. D prenúncio de mau agouro, o que faz
b) Em “Iaiá foi com o marido ao os vaqueiros terem receio de entrar na
cemitério”, a preposição “com” ex- água. Por essa razão, eles esperam a
Exercícios propostos pressa ideia de acompanhamento, decisão do burro Sete-de-Ouros para
1. D 5. D 9. C 13. A companhia; em “Iaiá beijou com ardor seguir viagem em meio à enchente do
2. B 6. C 10. D 14. C a singela dedicatória”, a preposição Córrego da Fome.
“com” indica maneira ou modo.
3. B 7. C 11. A 15. A 3. C
9. B 11. D 13. D
4. D 8. A 12. B 16. B 4. Campo geral, apesar de apresentar um
10. A 12. B narrador em terceira pessoa, adota a pers-
Exercícios complementares 14. a) O pleonasmo é o emprego de pa- pectiva infantil do protagonista Miguilim.
1. B lavras ou expressões de mesmo Nesse sentido, a onisciência e a presen-
2. Soma: 01 1 08 5 09 sentido, produzindo redundância no ça de discurso indireto livre estabelecem
texto. Na tirinha, esse pleonasmo é uma relação simultânea que mescla as
3. Soma: 01
expresso na ordem “saia pra fora”. falas de narrador e personagem.
4. A 8. B 12. D 16. A
b) O efeito de humor decorre também do 5. C
5. A 9. A 13. B uso dos homônimos “saia” (verbo no im- 6. Ao ver uma outra possibilidade de vida
6. A 10. E 14. D perativo) e “saia” (vestuário), que gerou no Jardim Botânico, crua e perecível, a
7. B 11. C 15. A
outra possibilidade de interpretação personagem deseja experimentá-la; no
para o enunciado, como uma ordem entanto, as lides da casa e a maternida-
BNCC em foco parar levar a saia da mulher para fora de a levam de volta para o lar. O trecho
da casa, o que fica evidente no último evidencia a sua chegada a casa e o
1. Soma: 01 1 02 1 08 5 11
quadro da tirinha com o Rex arrancando drama dessa dualidade.
2. A 3. A o vestuário dela abruptamente.
7. E 8. B
15. A
Capítulo 19 — Questões 9. a) O verbo “prestava”, associado à re-
16. a) No trecho “A possibilidade de co- lação conflituosa de Miguilim com o
semânticas e notacionais municação surgiu no ângulo quente pai, é sinônimo de “valia”, “servia”,
e vícios de linguagem da esquina, acompanhando uma se- “se adequava”, “se amoldava” ou
nhora, e encarnada na figura de um “se enquadrava”. O adjetivo “bom”,
Revisando cão”, a palavra “encarnada” concor- associado ao irmão mais novo, Dito,
da com “possibilidade”, por isso está remete a termos como “abençoado”,
1. D 3. D 5. C 7. C
no feminino. “benigno”, “correto”, “comportado”,
2. D 4. E 6. A 8. E “caridoso”, “válido” etc.
b) “Se nos sonhos eu sentisse medo
de ladrões, eles seriam por certo b) Em “Não estava vendo”, notamos a
Exercícios propostos
imaginários.” dificuldade visual de Miguilim, o que
1. A
c) “A constatação é que as bases neu- está ligado à sua miopia. O menino re-
2. Soma: 04 1 08 5 12 robiológicas do afeto desempenham cebe, no final da narrativa, óculos que
3. A papel tão significativo no compor- lhe permitem enxergar com nitidez.
tamento humano que aumentam as Ao colocar os óculos, no desfecho
4. A
chances de sobrevivência.” da narrativa, Miguilim passa a ver com
5. a) A expressão “por quê?” assume o clareza, em sentido literal, e, de forma
significado de “por qual razão”, usa- metafórica, evolui sua noção da vida;
Exercícios complementares
da em perguntas diretas ou indiretas. a sua travessia é realizada.
A expressão “porque” é uma conjun- 1. B
10. C
ção explicativa ou causal geralmente 2. E
presente em respostas. 3. Soma: 04 1 16 5 20 Exercícios propostos
b) Na primeira oração, a expressão “por 4. D 7. E 10. C 13. B 1. D 4. B 7. B 10. C
quê” evoca a atitude de questionamen-
002448
to presente na filosofia, de elaborar 5. E 8. A 11. A 14. D 2. A 5. C 8. D 11. B
questões existenciais sobre o sentido 6. E 9. D 12. B 3. E 6. D 9. B 12. A
252
002448_pv_pvv_al_lin_por_3_vol4_liv_251_256_f1e2_gab.indd 252 26/04/2024 15:13:36
13. E 15. D 17. C 32. Soma: 02 1 16 1 32 5 50 sua difícil independência na sociedade
14. C 16. E 33. A 34. B 35. A 36. B marcada pelas heranças patriarcais.
18. Soma: 04 1 08 1 32 5 44 5. Os versos finais do poema evidenciam
BNCC em foco o lugar solitário da mulher para alcançar
19. Soma: 02 1 04 5 06
1. A trajetória dos personagens, espe- a independência na sociedade. Servir
20. A 25. B 30. A 35. C esse prato feminino “sem acompanha-
cialmente Miguilim, decorre do “tempo
21. E 26. B 31. A interior, imerso no labirinto mental de mento” é sinal de que a luta feminina
cada um, apenas cronometrado pelas ainda requer esforço coletivo para al-
22. B 27. C 32. E
sensações, ideias, pensamentos”. O cançar resultados satisfatórios.
23. D 28. A 33. A
leitor acessa a beleza interior e o pro- 6. A personagem feminina faz uma com-
24. A 29. A 34. C cesso reflexivo de Miguilim por meio paração da sua vida antes da atuação
36. No caso de Campo geral, o uso re- do tempo psicológico, experimentando como revolucionária e depois, eviden-
corrente de termos no diminutivo se junto dele suas angústias, seus medos ciando que o discurso feminino ainda
associa à perspectiva infantil adotada e suas alegrias. depende da legitimação masculina mes-
pelo foco narrativo. O protagonista 2. Nas obras de autores modernos, no mo quando a mulher é uma militante. A
Miguilim é um menino de 8 anos que século XX, são identificadas rupturas liberdade do corpo e do prazer se distin-
passa por um processo de transfor- com o cânone e a tradição literária, prin- gue da identidade ideal de uma mulher
mação pelo caminho da dor, seu olhar cipalmente no que se refere ao papel “feliz, cara, gorda, burra, alienada”. A
voltado para as coisas mínimas que do narrador. Em Clarice Lispector, essa personagem rejeita a falsa opção de
lhe cabem na mão ganham plurissig- ruptura fica evidente por meio do recur- postura libertária diante do mundo.
nificação ao serem apresentadas no so do fluxo de consciência que mescla 7. A narradora apresenta, em tom irôni-
diminutivo, ampliando o caráter afetivo. a voz narrativa com a vida psíquica dos co, sua condição submissa dentro do
personagens, ou seja, é como se o leitor próprio lar, assemelhando-se à con-
Exercícios complementares acessasse os pensamentos em grande dição de servidão dos escravizados,
1. D fluxo do personagem, vendo-o como se já que seu marido cumpre o papel de
2. B vê um inseto no microscópio, segundo senhor. A educação da cultura patriar-
a afirmação de Rosenfeld, no capítulo cal leva a personagem a questionar
3. Soma: 01 1 02 5 03
“Reflexões sobre o romance moderno”. sua posição subordinada, porém esse
4. E questionamento está nas entrelinhas
3. A obra poética de João Cabral de Melo
5. D Neto distancia-se do lirismo da poesia de sua narrativa irônica.
6. a) “A hora e a vez” de Augusto Matraga tradicional, evitando a relação sonora 8. A intertextualidade se dá por meio da
acontecem quando ele salva uma fa- entre as palavras, as rimas e mesmo alusão ao mito bíblico dos irmãos Esaú
mília inteira de ser dizimada, motivado a métrica. Segundo o poeta, qualquer e Jacó, irmão gêmeos que tinham uma
por uma mistura de fé e violência, pois objeto pode ser motivo de poesia, um relação turbulenta, já que cada um tinha
ele sente prazer ao derrotar seu ad- tênis, um copo d’água ou qualquer a preferência de um dos progenitores:
versário depois de sete anos e meio superfície, o que é defendido no seu Esaú era o mais velho (nasceu primeiro)
de prazeres reprimidos. poema “O engenheiro”. Tal como um e mais amado pelo pai; Jacó era o caçu-
engenheiro, o poeta olha para o mun- la e o preferido da mãe. Estrutura similar
b) A primeira escolha consiste no fato
do concreto que ganha corpo em sua é encontrada na obra de Hatoum.
de Augusto Matraga ter recusado o
poesia. As artes plásticas são sua prin-
convite de Joãozinho Bem-Bem para 9. Porque o nome Cãmtwyon representa
cipal referência estética e, assim como
fazer parte de seu bando de jagun- o peso da existência humana sobre os
o quadro boogie woogie, a vida real, as
ços, por mais que a sede de vingança ombros de um indivíduo.
ruas, o concreto, as formas podem su-
contra seus inimigos ainda fosse forte. 10. E
gerir os versos.
A segunda aponta para o clímax da
narrativa, pois o protagonista, ao reen- Exercícios propostos
contrar o líder dos jagunços, resolve Capítulo 14 – Pós-Modernismo
1. B
defender pessoas inocentes de um e contemporaneidade
vilarejo, lutando e matando Joãozinho 2. O poema de Décio Pignatari deve ser
Bem-Bem antes de também morrer. considerado de forma a favorecer a
Revisando ambiguidade de sentidos e com espe-
7. B 8. B 9. E
1. D cial atenção aos recursos verbovisuais
10. Com a miopia, “a pessoa vê objetos utilizados, que servem para envolver o
2. C
próximos com clareza, mas objetos mais leitor na compreensão do texto.
distantes são borrados”, o que se perce- 3. O poema de Olavo Bilac apresenta a
rigidez formal do soneto com versos 3. C
be na novela de Guimarães Rosa pelo
fato de Miguilim não conseguir enxer- decassílabos, cuja linguagem requin- 4. A
gar a dimensão dos problemas ao seu tada faz uso de figuras de linguagem
5. A
redor e das relações humanas. Simbo- como a personificação para enfatizar
a imagem do poeta de que o eu lírico 6. C
licamente, Miguilim precisa passar pela
travessia da dor para conseguir enxer- trata. Já o poema de Ana Cristina Cesar 7. Refere-se ao Concretismo, movimento
gar a distância. apresenta versos brancos e livres, uma que, segundo ele, é caracterizado pela
linguagem informal que trabalha cenas materialidade da palavra escrita como
11. E 14. D 17. E
do cotidiano para abordar a angústia do uma composição aberta, que permite
12. C 15. E 18. D sujeito lírico. que o núcleo do silêncio seja visível,
13. A 16. A 4. A partir de uma estrutura e linguagem sendo o branco da página o responsá-
vel por representá-lo.
19. Soma: 02 1 04 5 06 injuntiva, típica de receitas culinárias, a
imagem da mulher no poema é associa- 8. A motivação veio por meio das letras
20. E 23. B 26. B 29. B
002448
da aos afarezes domésticos, às dores que lhe pareciam formigas e faziam
21. C 24. C 27. B 30. B do cotidiano e à carga mental que cor- lembrar a magia de sua infância em
22. D 25. D 28. C 31. E respondem às responsabilidades de São Luís do Maranhão, quando em seu
253
002448_pv_pvv_al_lin_por_3_vol4_liv_251_256_f1e2_gab.indd 253 11/04/2024 13:58:06
quintal brotaram inúmeras formigas rui- respectivamente, encontram corres- exibicionista, oportunista e sedutor de
vas, após ele e as irmãs passarem uma pondentes em cenários subjetivos mulheres que abandona quando con-
tarde cavando o quintal em busca de que oporiam aparência – o que se segue seus intentos. Essa oposição
um tesouro. revela diante dos olhos, o não atrás, de valores vai sendo exposta ao lon-
9. O núcleo do poema foi constituído por prescrito por “injunções” – e essência go da narrativa de tensão psicológica
uma série de frases dispostas de tal – o que se quer, mas o que se escon- com Luís Silva, alimentando seu ódio
forma que as letras de algumas pala- de por trás dos olhos, por conta de por Julião a ponto de assassiná-lo.
vras servissem para configurar outras. pressões sociais ou códigos de con- b) Homem rico, eloquente, com aspi-
Esse núcleo é a metáfora gráfica de dutas vinculados a gramáticas morais rações literárias e constante ar de
um formigueiro, pois as letras lembram vigentes. superioridade, Julião Tavares repre-
formigas trabalhando. É constituído da 9. B 12. A 15. A senta o poder do dinheiro que destrói
conjugação das frases “A formiga traba- 10. E 13. E 16. E as relações sociais, a sociedade bur-
lha na treva a terra cega traça o mapa guesa, a grande responsável pela
11. C 14. E
do ouro maldita urbe”. miséria e pela falta de perspectiva
17. a) O eu lírico interroga Deus, pois sen- do povo, por isso a personagem é
10. B 12. C 14. C
te-se cansado de sua missão, que é considerada pelo cronista inimigo do
11. A 13. E escrever. Ele argumenta que Deus patrimônio público.
15. V – V – V – V – F é mais poderoso, que sua voz pode
24. D 26. E 28. A
ser ouvida em todos os lugares e que
16. Soma: 01 1 04 5 05
deseja uma missão mais simples pois 25. C 27. D
17. A sente-se mais exigido que os demais. 29. a) O narrador do excerto é um jorna-
18. C É como se Deus necessitasse das pa- lista, sem identidade revelada, que
19. Soma: 01 1 16 5 17 lavras do poeta para ser visto pelos está em busca de informações sobre
homens, para que sua existência seja o suicídio de Buell Quain, um antro-
20. B 23. D 26. D 29. A
continuada. O eu lírico está inquieto e pólogo norte-americano de 27 anos,
21. E 24. C 27. E 30. D inconformado com a missão que re- incidente ocorrido entre os indígenas
22. C 25. E 28. E cebeu de Deus para sua vida. Krahôs, em 1939. A narrativa ocorre
31. a) São vários mistérios que se interli- b) Quanto à estilização, o emprego do pouco após o ataque às Torres Gê-
gam e adensam a narrativa, na qual o conectivo “pois” no início do primeiro meas, período em que os Estados
leitor partilha a claustrofobia e a eva- verso configura uma justificativa ao tí- Unidos lançam a Guerra ao Terror
são de identidade dos personagens. tulo do poeta. O inconformismo pode por meio de notícias desencontradas
ser percebido pela utilização de inter- e nem sempre verdadeiras, que ser-
b) O título “Nove noites” se deveu ao
rogação em vários versos. O conectivo viriam de justificativa para a invasão
fato de que o personagem principal
“e” foi empregado com valor adversa- do Afeganistão a fim de derrubar o
(o americano Quain – baseado em
tivo em “Tudo progrediu na terra / e Talibã, que abrigara os terroristas.
história real), antes de se suicidar, par-
insistes em caixeiros-viajantes / de por- b) A frase diz respeito ao encontro com
tilhou com um amigo nove noites de
ta em porta, a cavalo!”. A alternância do Schlomo Parsons, filho presumível do
conversas e revelações.
diálogo com Deus e com outro perso- fotógrafo Andrew Parsons, mas que
32. D nagem e sua posterior retomada, com poderia, na verdade, ser filho de Buell
33. Na obra Dois irmãos, os eventos históricos o emprego do vocativo “Ó Deus,”. As Quain, fruto de uma relação extracon-
constituem pano de fundo para o enredo, palavras “pão” e “palavras” possuem jugal da esposa do fotógrafo com o
que é o conflito entre os irmãos gêmeos valor metafórico. antropólogo.
entremeado pela busca da identidade de 18. V – V – V – V – F 30. B 31. E
Nael. Fatos históricos como o cerco militar
19. E 20. A 21. D
em 1964 são pontuais, contribuindo para 32. Soma: 01 1 04 1 08 1 16 5 29
a compreensão dos personagens e dos 22. O fragmento é: “— O telegrama da Che-
33. C 34. A 35. A 36. A
acontecimentos narrados. fia de Polícia não esclarece nada sobre
a nacionalidade do delinquente, sua BNCC em foco
34. A 35. E 36. A aparência, idade e quais os crimes que
cometeu. Diz tratar-se de elemento alta- 1. Os personagens não têm nomes pró-
Exercícios complementares prios, são referidos por seu cargo
mente perigoso, identificável pelo mau
1. E 3. C 5. A hábito de fazer perguntas e que estaria político em inicial maiúscula. Além dis-
2. E 4. A hoje neste lugar.”. A crítica social é que, so, o conto é ambíguo desde o título,
de modo geral, a sociedade não acei- que apresenta duplo sentido, já que o
6. As vogais “e” e “o” são substituídas
ta questionamentos, por considerá-los termo “seminário” pode se referir tanto
por uma estrela e um círculo, respec-
perigosos. a uma reunião sobre o problema dos
tivamente. Esses símbolos têm seus
23. a) Os valores éticos descritos na men-
ratos como a uma reunião feita pelos
tamanhos variados, ação que reforça
sagem de Rubem Braga a Graciliano próprios ratos, o que personificaria os
a temática espacial do poema “Pulsar”
Ramos podem ser associados ao ca- personagens políticos.
por meio da imagem.
ráter do narrador-personagem Luís 2. O Chefe das Relações Públicas faz uma
7. Soma: 01 1 02 1 08 5 11
da Silva, da obra Angústia, escrita síntese das críticas feitas ao Seminário
8. a) O pronome “vos” evoca os leitores durante a ditadura Vargas. Funcioná- dos Ratos. Uma das reclamações é o
do poema de Ana Cristina Cesar. Já rio público humilde, mal remunerado, gasto do dinheiro público para refor-
o pronome “elas” aponta para “me- sempre com contas em atraso, apai- mar uma mansão luxuosa para receber
ninas”, presente no título “Atrás dos xona-se por Marina Silva, mulher fútil os representantes políticos, quando o
olhos das meninas sérias”. e alienada que o trocará por Julião evento poderia ter sido feito em um lo-
b) O título do poema mobiliza dois es- Tavares. Julião trabalha no mesmo cal já disponível. O fato de o Delegado
paços-conceitos: o “atrás” e o não jornal, mas pertence à elite da cidade, de Massachusetts estar se divertindo na
002448
atrás. Nesse sentido, as expres- sendo possuidor de valores éticos piscina e apreciando a água de coco evi-
sões “lustrar pecados” e “ousam”, opostos aos de Luís da Silva: hipócrita, dencia a crítica e a ironia da passagem.
254
002448_pv_pvv_al_lin_por_3_vol4_liv_251_256_f1e2_gab.indd 254 11/04/2024 13:58:06
3. O protagonista decide cobrar da socie- 6. Em certa medida, a autora indica uma 3. C 6. A 9. C 12. A
dade aquilo que ele considera direito interação com a natureza, o farfalhar das 4. E 7. B 10. D 13. B
negado. Por meio de atos de violência, folhas são os aplausos pelo amor que
5. D 8. B 11. A
o personagem demonstra seu desejo Carolina Maria de Jesus demonstra pela
de cobrança social. A diferença que se pátria. Esse recurso retoma uma das ca- 14. a) Vilma Piedade fez essa proposta
nota na prosa contemporânea é a frag- racterísticas do Romantismo. No entanto, porque considera que o termo não
mentação narrativa, o rompimento com o ao fazer a releitura dos versos, Carolina contempla todas as dificuldades que
narrador canônico, já que não se repete imprime um tom crítico que rompe com as mulheres negras vivem, por isso
o lugar-comum da literatura tradicional. A a estética ultrarromântica, que via na in- sugeriu substituir por “dororidade”,
linguagem choca o leitor, pois o narrador fância um lugar idílico e idealizado. que envolve dor e união entra as mu-
se mescla com o objeto narrado, o que no 7. A autora utiliza dois tipos de intertexto: lheres. Paulina Chiziane afirma que
referido conto significa que o objeto narra- a alusão, ao citar o nome de Casimiro existem “marcas de racismo, de su-
do é a própria violência em sua essência. de Abreu; e a paródia, ao inverter o premacia e de machismo” em nossa
sentido dos versos do poeta em “Chora língua, sendo essa mudança lexical
Capítulo 15 – África e diáspora criança. A vida é amarga”. uma forma de desconstruir tais aspec-
tos inseridos na língua portuguesa.
africana 8. A linguagem da autora oscila entre a
formalidade e a informalidade; ela se b) A declaração demonstra que Paulina
Revisando utiliza de coloquialismos, neologismos. se utiliza da escrita para trazer dis-
Observa-se também que a ortografia cussões sobre o racismo, o que se
1. A ambiguidade nasce da constante
nem sempre segue a norma. Por ter relaciona com a Lei no 10.639, que visa
presença da cultura africana em nossa
frequentado a escola por pouco tempo, à compreensão de características ét-
sociedade, como na língua, nas religiões,
a autora não se familiarizou com regras nicas e religiosas da cultura africana e
na comida etc., ao mesmo tempo que o
da língua, mas seu gosto pela leitura in- afro-brasileira que constituem a socie-
conhecimento da história da África e sua
fluencia seu talento inato para a escrita dade brasileira, a fim de desconstruir
importância na história da humanidade
e o trabalho poético da linguagem, ele- valores e comportamentos racistas.
são frequentemente negligenciados. Os
mentos centrais da literatura. 15. E 16. D
aspectos ruins, como guerra e violência,
estão sempre em pauta, perpetuando a 9. A literatura marginal ou literatura periférica 17. a) A protagonista Rami, que é esposa
imagem de um continente inferior. de autores como Sérgio Vaz e Ferréz de Tony, envolve-se em um relacio-
suscitam reflexões sobre o cotidiano das namento amoroso com Vito durante
2. Ao ler literaturas africanas, temos a
periferias, a violência, a exclusão, o pre- a festa. Luisa, que é amante de Tony,
oportunidade de entrar em contato com
conceito e a criminalidade. Ao dar voz a
a história a partir de uma visão interna, também mantém um relacionamento
personagens marginalizados, cria-se um
ou seja, os próprios africanos falando com Vito.
movimento de descentralização, ou seja,
sobre si. A descentralização do discurso muda-se o que sempre foi considerado b) O acontecimento sintetizado por tais
cria a oportunidade de conhecer outras centro trazendo destaque a quem sem- enunciados é a relação amorosa entre
perspectivas. pre esteve às margens. Tal movimento é Rami e Vito. Em “A lua que brilha na fresta
3. Embora as obras abordem contextos bastante politizado e preocupado com o da minha janela”, demonstra o sentimento
bastante distintos, há um diálogo no que impacto social que podem gerar; por isso de liberdade e contestação de Rami. Já
se refere à personificação dos espaços a criação de editoras, centros culturais e “A moral é uma moeda”, revela que a
descritos. Enquanto no livro de Aluísio eventos tornou-se uma medida importante protagonista, ao se vingar do adultério
Azevedo o espaço é um ser vivo que para difundir as obras desses autores que do marido, passa para o lado do pecado
“acordava, abrindo, não os olhos, mas a até então não tinham espaço no mercado e da imoralidade.
sua infinidade de portas e janelas alinha- editorial tradicional. Ainda que, atualmente, 18. E 19. B 20. D 21. D
das”, em Mayombe, a floresta colossal essa literatura tenha ganhado espaço, ela
22. No primeiro trecho, o autor descreve
se integra aos guerrilheiros que se es- ainda é escrita por grupos socialmente
uma situação que indica uma briga,
condem nas suas “valas camufladas de excluídos.
alguém que foi golpeado duramen-
folhas”, formando uma espécie de prote- 10. O rap apresenta um discurso rítmico te a ponto de cair no chão e sentir-se
ção viva que compõe e protege o grupo. acelerado, cujas batidas vivas compõem confuso com os golpes. No segundo
4. Na metáfora presente na frase “Assim canções críticas que valorizam a iden- trecho, o narrador apresenta uma situa-
foi parida pelo Mayombe a base guer- tidade negra e “condenam” as elites ção entre capataz e trabalhadores, em
rilheira”, há o verbo “parir”, que sugere desdenhosas, a sociedade consumista, que, apesar de o sinal de almoço ter
uma imagem da floresta como útero a violência praticada pelo Estado contra tocado, o trabalhador não ousa largar
gerador de uma base da guerrilha e de a periferia. Assim, a forma e o conteúdo sua função antes da ordem do capataz
seus ideais de liberdade. das canções se complementam e justifi- (homem branco), por medo dele.
5. Ao se referir a Carolina Maria de Jesus
cam o significado do termo rap.
23. B
como “negra que escreveu”, Benjamin Exercícios propostos 24. Sim. O Cão Tinhoso, envelhecido,
Moser nega o título de escritora – como
1. D cheio de cicatrizes e feridas, pode ser
se apenas certo tipo de pessoa pudesse
ser classificada dessa forma. Como 2. a) A forma dialogal e as ideias expres- lido como a representação do sujeito
aponta o segundo trecho, as mulheres sas pelo Comandante Sem Medo resignado, sua morte indica que deve
negras compartilham essa experiência convergem, uma vez que diálogo surgir um povo que busca sua liberda-
de exploração e opressão de todas as supõe troca (de ideias, opiniões, con- de e sua autonomia.
instâncias que compõem seu ser, ou ceitos), e não imposição. 25. Ambos os países foram colonizados por
seja, sua identidade. Escritora é uma das b) Sim. No plano da narração de Portugal, ou seja, o sistema colonial a que
facetas da identidade de Carolina Maria Mayombe emprega-se um discurso foram subjugados era o mesmo. Apesar
de Jesus, e a colocação do biógrafo lhe polifônico, no qual a voz do narrador das peculiaridades de cada país, o fato
roubou essa essência. Os desdobra- principal se mistura com a de diversas de o texto ser conhecido em Luanda
002448
mentos do racismo no Brasil atuam de personagens e vários posicionamen- indica que os povos se identificam e se
forma sutil, mas, ainda assim, violenta. tos políticos são apresentados. solidarizam com o tema da obra.
255
002448_pv_pvv_al_lin_por_3_vol4_liv_251_256_f1e2_gab.indd 255 11/04/2024 13:58:06
26. A realidade bélica que permeia a infân- e dos conflitos que permeavam uma 24. B
cia do autor em Angola é entrevista nas organização ideologicamente hete- 25. E
menções à União Soviética, aliada do rogênea.
26. Soma: 02 1 08 5 10
MPLA, referência ao cantil soviético e 9. C 11. C 13. A
suas características físicas, que podem 27. a) A frase “somos cristãos demais para
10. D 12. B enxergá-los” é irônica, pois o cris-
ser relacionadas com a imagem que se
tem da URSS, a relação próxima com 14. Soma: 01 1 04 1 08 1 32 5 45 tianismo prega o amor ao próximo,
integrantes do comando e, por fim, a 15. a) A personagem é Farida, irmã gêmea independentemente de suas con-
menção a armamentos que uma criança de Carolinda. Também a tribo a que dições. Portanto, “não os enxergar”
talvez não conhecesse se vivesse em pertenciam não aceitava a presença não é uma atitude cristã. Há ironia,
tempos de paz. de gêmeas, condição que era en- também, na frase “dizem que são
tendida como sinal de mau agouro. invisíveis a olho nu”, já que eles são
27. No trecho “víamos o abacateiro que
Por isso, a mãe simulou a morte de visíveis, como qualquer outro ser hu-
se espreguiçava para acordar tam- mano. Tal ironia traduz a pouca, ou
bém”, o autor utiliza a personificação uma, entregando-a a um viajante,
mas nem esse ato evitou que Fari- nenhuma, importância que grande
ou prosopopeia ao atribuir ao abaca- parte da sociedade dá aos mendigos.
teiro habilidades e ações humanas. No da fosse punida e tivesse de viver
trecho, o autor também suscita os senti- marginalizada, castigada por sua b) As passagens em que a indignação
dos: olfato, visão, tato. condição de gêmea. aparece claramente são: “Um ser
b) O personagem Romão Pinto é um humano pegando fogo na calçada
28. Em Sobrevivendo no inferno, os Racionais
português colonizador que albergou e nossos joelhos doendo de tanto
MC’s inovaram estética e politicamente rezar por nossa felicidade material.”.
a ponto de a obra se tornar um divisor Farida ainda criança e, com sua espo-
sa, cuidou dela durante alguns anos. Ou: “Se dependesse de mim, a hu-
de águas no cenário de rap brasileiro. manidade (?) já tinha pegado fogo
As canções do álbum são instrumentos Mas, à medida que crescia, Farida
despertou a lascívia de Romão, que a há muito tempo. Um por um.”. A in-
de denúncia da violência policial contra dignação se torna intensa quando
a população afrodescendente, princi- estuprou e engravidou – representan-
do o contrário do “homem civilizado”. o narrador critica a hipocrisia das
palmente o jovem negro. Além disso, o pessoas que manifestam valores
álbum estimula a reflexão sobre temas 16. B
cristãos, mas não na prática social.
como racismo, drogas e sistema car- 17. Os acontecimentos extraordinários fa- Ou: A indignação se torna mais in-
cerário. As letras também alimentam a zem parte do cotidiano de Tizangara, tensa quando o narrador compara
autoestima do povo negro; é um trabalho constituindo uma identidade ameaça- a mesma morte que o morador de
intelectual que revela a identidade, um da pelo colonizador. A narrativa revela rua teve com a que ele deseja para
modo de ser e estar no mundo. diferentes vozes portadoras de discur- a humanidade, cuja existência (com
29. C 31. D 33. E 35. B sos que mostram a necessidade de se valores humanos) ele duvida.
30. D 32. C 34. C 36. A resgatar uma sabedoria, uma cultura e 28. C 31. D 34. E
um conhecimento formadores de um
povo. Assim, a obra apresenta não só 29. C 32. E 35. C
Exercícios complementares
o cômico, haja vista o episódio dos pê- 30. D 33. A 36. D
1. A 3. C 5. D nis decepados, mas também o realismo
2. B 4. E 6. E mágico (vejam-se, por exemplo, o “pen- BNCC em foco
7. a) O diálogo acontece entre Sem Medo durar os ossos”, referido no fragmento, 1. O neologismo “empretecer” é utilizado
e o Comissário depois de este ficar as “visitas” de Hortênsia – a morta em no lugar do termo “esclarecer”. A mu-
sabendo do encontro da noiva, On- forma de louva-deus – e a existência da dança de campo semântico da palavra
dine, com André e decidir sair da velha Temporina) para traduzir as três preto/negro e outros termos relacio-
base para ir tirar satisfação com ela vilas: Tizangara – terra, Tizangara – céu nados pode ser entendida como uma
em Dolisie, sem pedir autorização ao e Tizangara – água. forma de repensar o racismo na lingua-
comandante. Sem Medo tenta impedi- 18. C 19. B 20. C 21. D gem, no pensamento, na filosofia, uma
-lo de forma afetuosa por entender o 22. Soma: 02 1 08 5 10 vez que, tradicionalmente, estudam-se
estado emocional em que se encon- nas escolas e universidades os pensa-
trava, tratando-o pelo nome, João. 23. a) Nas três primeiras linhas do Texto I, a
dores gregos e romanos e quase nada
autora usa o recurso sonoro da rima:
b) Sem Medo é um guerrilheiro ango- sobre a contribuição dos pensadores
“Contemplava extasiada o céu cor de
lano que luta contra o colonialismo africanos.
anil. E eu fiquei compreendendo que
luso e morre em ação de combate de eu adoro o meu Brasil”, assim como 2. A epígrafe aponta para o estado de so-
forma heroica, retardando o avanço da personificação: “elas (as folhas) nambulismo, ou seja, apesar de a vida
das tropas portuguesas e permitindo, estão aplaudindo este meu gesto de e a história continuarem a se desen-
assim, a fuga dos companheiros. Ao amor à minha Pátria.”. rolar, a população segue parcialmente
optar pelo sacrifício da própria vida, adormecida, inconsciente devido ao
Sem Medo mostra a coragem do he- b) A representação da infância no texto
extenso período de guerra que parece
rói que leva às últimas consequências de Carolina Maria de Jesus é coerente
deixar tudo em suspenso.
a defesa dos ideais de libertação do com a dura realidade de uma favelada,
descrita em seu diário, publicado sob 3. Há algumas possibilidades de explica-
povo angolano. ção, sendo a mais evidente a relação
o nome Quarto de despejo, original-
8. a) O objetivo político do Comandante mente, em 1958, em que relata o que da terra e da semeadura com a fertilida-
Sem Medo é a libertação de Angola presenciava pelas ruas de Canindé, de feminina. A relação sexual atravessa
da opressão colonialista, por meio da síntese do que era o descaso social diversos rituais e momentos da vida
luta dos guerrilheiros do Movimen- e a precariedade da vida. O poema feminina ao longo da obra. Também
to Popular de Libertação de Angola de Casimiro de Abreu remete à visão podemos relacionar a semeadura e a
(MPLA) contra as tropas portuguesas. idealizada de um autor do Romantismo rega ao amor, ao cuidado e ao afeto. A
b) Sim, as “makas” e os “rancores” dos brasileiro em que perpassa a nostalgia falta deles faz qualquer ser humano não
angolanos são perceptíveis nas falas da infância, a exaltação da juventude, florescer. Em um sentido mais profundo,
dos diversos personagens, na expo- a associação do estado de alma com a a terra pode ser uma metáfora para a
sição dos sentimentos e nas reflexões natureza, a religiosidade e o pressenti- relação entre o solo moçambicano e o
002448
do grupo, reveladoras das contradições mento da morte. matriarcado africano.
256
002448_pv_pvv_al_lin_por_3_vol4_liv_251_256_f1e2_gab.indd 256 11/04/2024 13:58:06
Língua Portuguesa – Frente 2 – Capítulo 13
Exercícios propostos
1. IFPE 2020 O Modernismo brasileiro costuma ser divi- 3. Repensava aquele pensamento, de muitas maneiras
dido em três fases: a Geração de 22, a de 30 e a de amarguras. Era um pensamento enorme, aí Miguilim ti-
45. Essas Gerações têm como um de seus represen- nha de rodear de todos os lados, em beira dele. E isso
tantes, respectivamente, era, era! Ele tinha de morrer? Para pensar, se carecia de
a) Mário de Andrade, Aluísio de Azevedo e Euclides agarrar coragem – debaixo da exata ideia, coraçãozinho
da Cunha. dele anoitecia. Tinha de morrer? Quem sabia, só? Então –
b) Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade ele rezava pedindo: combinava com Deus, um prazo que
e Vinícius de Moraes. marcavam... Três dias. De dentro daqueles dias, ele po-
c) José de Alencar, Machado de Assis e João Cabral dia morrer, se fosse para ser, se Deus quisesse. Se não,
de Melo Neto. passados três dias, aí então ele não morria mais, nem
d) Oswald de Andrade, Cecília Meireles e Guimarães ficava doente com perigo mas sarava! Enfim que Migui-
Rosa. lim respirava forte, no mil de um minuto, coçando das
e) Vinícius de Moraes, Ariano Suassuna e Olavo Bilac. ferroadas dos mosquitos, alegre quase. Mas, nem nisso,
mau! – maior susto o salteava: três dias era curto demais,
2. Acafe-SC 2020 Relacione as colunas, considerando
doíam de assim tão perto, ele mesmo achava que não
as especificidades e os diferentes aspectos aponta-
aguentava... Então, então, dez. Dez dias, bom, como
dos relativamente às obras e aos respectivos autores.
valesse de ser, dava espaço de, amanhã, principiar uma
1. Guimarães Rosa fundiu neste romance elementos
novena. Dez dias. Ele queria, lealdoso. Deus aprovava.
do experimentalismo linguístico da primeira fase
Voltou para junto. Agora, ele se aliviava qualqual, feliz
do modernismo e a temática regionalista da se- no acomodamento, espairecia. Era capaz de brincar com
gunda fase do movimento, para criar uma obra o Dito a vida inteira, o Ditinho era a melhor pessoa, de
única e inovadora. repente, sempre sem desassossego.
2. Romance de Graciliano Ramos, publicado em ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 9. ed. Rio de Janeiro:
1938, retrata a vida miserável de uma família Nova Fronteira, 1984.
de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar de
Na novela Campo Geral, de Guimarães Rosa, o pro-
tempos em tempos para áreas menos castigadas
tagonista Miguilim, assim como outras personagens
pela seca.
do autor, é direcionado a um estado de contemplação
3. A relação entre Martim e a protagonista significa a
que requer um esforço ritualístico, por vezes, doloroso.
união entre o branco colonizador e o índio, entre a
Nesse sentido, a morte está muito presente na obra.
cultura europeia, civilizada, e os valores indígenas,
Reescreva o trecho em que Miguilim reflete sobre a
apresentados como naturalmente bons. É uma es-
possibilidade da morrer, alterando o foco narrativo de
pécie de mito de fundação da identidade brasileira.
terceira para primeira pessoa, mantendo a linguagem
4. Retratando o movimento de tropas, Euclides da
lírica na novela.
Cunha constantemente se prende à individualida-
de das ações e mostra casos isolados marcantes 4. Unesp Leia o excerto do romance A hora da estrela
que demonstram bem o absurdo massacre dos de Clarice Lispector (1925-1977).
“monarquistas” de Canudos, liderado pelo “fami-
Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns
gerado e bárbaro” Antônio Conselheiro.
difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história
5. Um homem vai a uma loja de antiguidade e se de-
não tem nenhuma técnica, nem estilo, ela é ao deus-dará.
para com um quadro com uma imagem de mãos
Eu que também não mancharia por nada deste mundo
decepadas. A loja “... tinha o cheiro de uma arca
com palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a
de sacristia com seus panos embolorados e livros da datilógrafa [Macabéa]. Durante o dia eu faço, como
comidos de traça”. todos, gestos despercebidos por mim mesmo. Pois um dos
Os sertões gestos mais despercebidos é esta história de que não tenho
“A caçada”, de Lygia Fagundes Telles culpa e que sai como sair. A datilógrafa vivia numa espécie
Grande Sertão: Veredas de atordoado nimbo, entre céu e inferno. Nunca pensara
Iracema, romance de José de Alencar em “eu sou eu”. Acho que julgava não ter direito, ela era
Vidas secas um acaso. Um feto jogado na lata de lixo embrulhado em
um jornal. Há milhares como ela? Sim, e que são apenas
A sequência correta, de cima para baixo, é: um acaso. Pensando bem: quem não é um acaso na vida?
a) 2 – 4 – 3 – 1 – 2 Quanto a mim, só me livro de ser apenas um acaso porque
b) 4 – 5 – 1 – 3 – 2 escrevo, o que é um ato que é um fato. É quando entro
c) 3 – 1 – 5 – 2 – 4 em contato com forças interiores minhas, encontro através
d) 5 – 2 – 4 – 3 – 1 de mim o vosso Deus. Para que escrevo? E eu sei? Sei não.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 1
Sim, é verdade, às vezes também penso que eu não sou eu, de abandono prolongavam-se e se sucediam, en-
pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho tão ele via assustado a feiura, e mais que a feiura,
que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro. uma espécie de vileza e brutalidade, alguma coisa
A hora da estrela, 1998. cega e inapelável dominar o corpo de Joana como
Para o narrador, o emprego de “difíceis termos téc- uma decomposição”. LISPECTOR, Clarice. Perto
nicos” seria adequado para narrar a história de do Coração Selvagem. Rio de Janeiro: Rocco,
Macabéa? Justifique sua resposta. Transcreva a frase 1998. p. 94.
que melhor explicita a inconsciência da personagem d) “A vida se vingava de mim, e a vingança consistia
Macabéa. Justifique sua resposta. apenas em voltar, nada mais. Todo caso de loucu-
ra é que alguma coisa voltou. Os possessos, eles
5. FMP-RJ Em suas obras, Clarice Lispector aborda não são possuídos pelo que vem, mas pelo que
com frequência o lado psicológico do indivíduo, volta. Às vezes a vida volta. Se em mim tudo se
analisando os dramas existenciais, as angústias das quebrava à passagem da força, não é porque a
personagens, os questionamentos que se fazem, em função desta era a de quebrar: ela só precisava
resumo, sua intimidade. O fato interessa menos, pois enfim passar, pois já se tornara caudalosa demais
mais importante é a repercussão que esse fato causa para poder se conter ou contornar – ao passar ela
no indivíduo. Para explorar esses aspectos, usa o flu- cobria tudo. E depois, como após um dilúvio, so-
xo de consciência (mescla de raciocínio lógico com brenadavam um armário, uma pessoa, uma janela
impressões pessoais momentâneas), o que se traduz solta, três maletas. E isso me parecia o inferno,
por uma não linearidade da narrativa. essa destruição de camadas e camadas arqueo-
O trecho em que essas características podem ser ob- lógicas humanas”. LISPECTOR, Clarice. A paixão
servadas com maior clareza é: segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. p. 70.
a) “Inclino-me sobre a carne, perdido. Quando final- e) “Nessa época encontrávamo-nos de noite em casa,
mente consigo encará-la do fundo do meu rosto exaustos e animados: contávamos as façanhas
pálido, vejo que ele também se inclinou com os do dia, planejávamos os ataques seguintes. Não
cotovelos apoiados sobre a mesa, a cabeça entre aprofundávamos muito o que estava sucedendo,
as mãos. E exatamente ele não suportava mais. As bastava que tudo isso tivesse o cunho da amizade.
sobrancelhas grossas estavam juntas. A comida Pensei compreender por que os noivos se presen-
devia ter parado pouco abaixo da garganta sob a teiam, por que o marido faz questão de dar conforto
dureza da emoção, pois quando ele pôde conti- à esposa, e esta prepara-lhe afanada o alimento, por
nuar fez um gesto terrível de esforço para engolir que a mãe exagera nos cuidados ao filho. Foi, aliás,
e passou o guardanapo pela testa”. LISPECTOR, nesse período que, com algum sacrifício, dei um
Clarice. “O jantar”. In: Laços de família. Rio de Janeiro: pequeno broche de ouro àquela que hoje é minha
Rocco, 2009. p. 78. mulher. Só muito tempo depois eu ia compreender
b) “Então, como se todos tivessem tido a prova fi- que estar também é dar”. LISPECTOR, Clarice. “Uma
nal de que não adiantava se esforçarem, com um amizade sincera”. In: A Legião Estrangeira. Rio de
Janeiro: Rocco, 1999. p. 87.
levantar de ombros de quem estivesse junto de
uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, 6. PUC-Campinas Entre o suicídio de Getúlio Vargas
comendo os primeiros sanduíches de presunto (1954) e os acontecimentos de 1964, nossa literatura
mais como prova de animação que por apetite, foi marcada por estes importantes acontecimentos
brincando de que todos estavam morrendo de literários:
fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma I. expansão da poética de João Cabral de Melo Neto
cunhada ajudou propriamente, a gordura quente e manifestações de uma poesia de vanguarda.
dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e, II. publicação do romance Grande sertão: veredas e
de costas para a aniversariante, que não podia das novelas de Corpo de baile, obras-primas de
comer frituras, eles riam inquietos”. LISPECTOR, Guimarães Rosa.
Clarice. “Feliz aniversário”. In: Laços de família. III. ressurgimento da ficção regionalista, representa-
Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 57. da pelas primeiras obras de Jorge Amado e José
c) “Ela não era bonita. Às vezes, como que o espírito Lins do Rego.
a abandonava e então revelava-se o que, por uma Atende ao enunciado o que está em:
vigilância sobre-humana – imaginava Otávio –, ja- a) I, II e III.
mais se descobria. No rosto que então surgia, os b) I e II, apenas.
traços limitados e pobres não tinham beleza pró- c) II e III, apenas.
pria. Nada restava do antigo mistério senão a cor d) I e III, apenas.
da pele, creme, sombria, fugitiva. Se os instantes e) II, apenas.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 2
Língua Portuguesa – Frente 2 – Capítulo 14
Exercícios propostos
1. PUC-RS Para responder à questão, leia o trecho a Analise as afirmativas a seguir:
seguir, de Lygia Fagundes Telles, retirado da obra I. O eu lírico, claramente uma voz feminina, percebe
Passaporte para a China. que algo em sua vida mudou. Não existe mais a
mãe: “Não encontrei minha mãe.”, os filhos lhe de-
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1960.
Diz o horóscopo que os do signo de Áries não devem
monstram vergonha: “Meus filhos me repudiaram
de modo algum se arriscar no dia de hoje. Sou do signo envergonhados”. Há, para o eu lírico, apenas uma
de Áries e daqui a pouco, em plena noite, devo embar- certeza: a chuva lhe traz melhoras.
car num avião a jato para a China. Escalas? Dacar, Paris, II. O poema, escrito por Adélia Prado, trata das
Praga, Omsk, Irkutsck e finalmente Pequim. Quer dizer, inúmeras questões que compõem o mundo mas-
atravessarei quatro continentes: América, África, Europa culino e sua relação com o mundo feminino. Não
e Ásia. É continente demais, hein! Melhor tomar antes há alternativas para as mulheres numa sociedade
um chope duplo ali no bar do Lucas, defronte ao mar de patriarcal e opressiva, governada pelos homens.
Copacabana, ficar ouvindo a voz espumejante das ondas Isso está claro no verso “[...] meu marido ficou tris-
e esquecer que passarei horas e horas “naquela coisa” te até a morte [...]”.
que às vezes a gente ouve cortar o céu tão rapidamente e III. Para o eu lírico, há uma relação entre o fazer coti-
com um silvo tão desesperado que quando se olha para diano e o fazer artístico. As duas ações, se feitas
as nuvens não se vê mais nada. Nada. sob a égide do talento, poderão se tornar cons-
Com base no texto selecionado e na obra de Lygia cientes. Nos versos apontados pelas referências
Fagundes Teles, analise as seguintes afirmativas: 1 e 2, essa afirmativa é explicitada pelo eu lírico,
I. A narradora enfrenta a ideia de voar com expecta- entretanto outras interpretações são possíveis
tiva, pois, além do país asiático, conhecerá outras pelo leitor.
cinco cidades. IV. “Dona Doida”, título do poema, faz menção a um
II. O texto expressa os sentimentos de uma viajante eu lírico preconceituoso. Nos versos apontados
momentos antes da partida, enfrentando o pânico pelas referências 3 e 4, ele propõe que existe
de cruzar o planeta para conhecer um país distante. oposição entre ser feliz e vestir certas roupas
III. O emprego reiterado de aliterações no último pa- em idade não condizente com o tipo e o modelo
rágrafo sugere a ideia da velocidade que provoca escolhidos. Há claramente uma tendência pre-
temor na viajante supersticiosa. conceituosa nas intenções do eu lírico.
A(s) afirmativa(s) correta(s) é/são: V. A situação climática, mais precisamente a chuva e
a) I, apenas. seus desdobramentos, conduz o eu lírico a pen-
b) II, apenas. sar nas ocorrências da infância. O tempo, como
c) I e III, apenas. elemento poético, é fundamental para a elabora-
d) II e III, apenas. ção das ideias que são apresentadas no poema
e) I, II e III. “Dona Doida”.
Estão CORRETAS:
2. UPE
a) I, II e III. c) II, III e IV. e) III, IV e V.
Dona Doida b) I, III e V. d) II, III e V.
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso 3. UFT-TO Leia o poema “Ovos da páscoa”, de Adélia
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora. Prado, e o fragmento do conto “O ovo e a galinha”,
Quando se pôde abrir as janelas, de Clarice Lispector.
as poças tremiam com os últimos pingos.
1
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, Ovos da páscoa
2
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos. O ovo não cabe em si, túrgido de promessa,
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, a natureza morta palpitante.
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe. Branco tão frágil guarda um sol ocluso,
3
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha, o que vai viver, espera.
4
com sombrinha infantil e coxas à mostra. PRADO, Adélia. “Bagagem”. In: Poesia reunida. São Paulo:
Meus filhos me repudiaram envergonhados, Siciliano, 1991. p. 28.
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço. O ovo e a galinha
Só melhoro quando chove. O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 2005. p. 108. -se. – O ovo desnuda a cozinha. Faz da mesa um plano
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 3
inclinado. O ovo expõe – quem se aprofunda num ovo, com Halim. Diziam a Deus e ao mundo fuxicos assim:
quem vê mais do que a superfície do ovo, está querendo que ele era um mascate, um teque-teque qualquer, um
outra coisa: está com fome. O ovo é a alma da galinha. A rude, um maometano das montanhas do sul do Líbano
galinha desajeitada. O ovo certo. A galinha assustada. O que se vestia como um pé rapado e matraqueava nas ruas
ovo certo. [...]. O ovo nunca lutou. Ele é um dom. – O ovo e praças de Manaus. Galib reagiu, enxotou as beatas: que
é invisível a olho nu. De ovo a ovo chega-se a Deus, deixassem sua filha em paz, aquela ladainha prejudicava
que é invisível a olho nu. [...]. Ovo é coisa que precisa o movimento do Biblos. Zana se recolheu ao quarto. Os
tomar cuidado. Por isso a galinha é o disfarce do ovo. Para clientes queriam vê-la, e o assunto do almoço era só este:
que o ovo atravesse os tempos a galinha existe. a reclusão da moça, o amor louco do “maometano”.
LISPECTOR, Clarice. “O ovo e a galinha”. In: Felicidade clandestina. HATOUM, M. Dois irmãos. São Paulo: Cia. das Letras, 2006 (fragmento).
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. pp. 50-51 (fragmento).
Dois irmãos narra a história da família que Halim e
Considerando-se o poema e o fragmento do conto Zana formaram na segunda metade do século XX.
apresentados, marque a alternativa CORRETA. Considerando o perfil sociocultural das personagens
a) Tanto no poema de Adélia Prado quanto no conto e os valores sociais da época, a oposição ao casa-
de Clarice Lispector, o ovo se mostra como algo mento dos dois evidencia
sem valor, revelado em sua realidade prática de a) as fortes barreiras erguidas pelas diferenças de
alimento. nível financeiro.
b) No poema de Adélia Prado, o ovo da páscoa é b) o impacto dos preceitos religiosos no campo das
metáfora do nascimento de Cristo, enquanto no escolhas afetivas.
conto de Clarice Lispector é símbolo da insignifi- c) a divisão das famílias em castas formadas pela
cância das galinhas. origem geográfica.
c) No poema de Adélia Prado e no conto de Clarice d) a intolerância com atos litúrgicos, aqui represen-
Lispector, o ovo não é mero objeto, pois, revestido tados pelas novenas e ladainhas.
de um caráter poético, é caminho para reflexões e) a importância atribuída à ocupação exercida por
sobre o mistério da existência. um futuro chefe de família.
d) Adélia Prado e Clarice Lispector revelam os mes-
6. UFSC Ainda me lembro da voz de Emilie, a matriarca.
mos aspectos que fazem do ovo uma realidade Na minha infância, eu a escutava cantar e rezar, não em
estranha e banal: a casca frágil, a cor, a condição árabe, sua língua materna, mas em francês, sua língua
de alimento. adotada. Às vezes, 1essa voz era abafada por outra, mais
e) Apesar de recorrente, a imagem do ovo não é incisiva: a do meu avô, que evocava episódios de um
central nos textos apresentados, pois o que se Líbano cada vez mais distante. [...]
destaca no poema de Adélia Prado é a reflexão Ela, Emilie, tinha uns amigos que meu avô conside-
sobre a morte e, no conto de Clarice Lispector, a rava esnobes e altivos. [...] Mas o velho não se importava
reflexão sobre a utilidade da galinha. quando Emilie citava com frequência dois amigos es-
quisitos e esquivos. Um deles era Armand Verne: “um
4. UFRGS Leia as seguintes afirmações sobre os contos homem muito imaginoso, com trejeitos de dândi e que
de Murilo Rubião. já morou em Lisboa, Luanda e Macau antes de chegar
I. O conto O edifício é narrado em primeira pessoa a Manaus”. [...]
pelo próprio engenheiro, João Gaspar, que é con- Felix Delatour, o outro amigo de Emilie, era um bretão
tratado para a construção de um arranha-céu. circunspecto, quase albino, que sofria de uma enfermidade
II. O conto O convidado, narrado em terceira pes- rara: o gigantismo. [...] Os amigos esnobes de Emilie não me
soa, conta a história de José Alferes, que, embora interessavam, mas Felix Delatour e Armand Verne aguçaram
tenha recebido um convite estranho para uma minha curiosidade.
HATOUM, Milton. A natureza ri da cultura. In: A cidade ilhada: contos.
festa à fantasia, decide ir mesmo assim. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 95-102.
III. O conto O homem do boné cinzento é narrado em
primeira pessoa por Roderico, que responsabiliza Com base no trecho acima e no livro A cidade ilhada,
o homem do boné cinzento pela intranquilidade de Milton Hatoum, assinale a(s) proposição(ões) COR-
que se estabelece desde que se mudou para a RETA(S).
vizinhança. 01 O trecho acima evoca a presença não só do imi-
Quais estão corretas? grante libanês na literatura de Miltom Hatoum,
a) Apenas I. d) Apenas II e III. mas também de outras origens. O olhar estran-
b) Apenas II. e) I, II e III. geiro está presente também em outros contos
c) Apenas III. do livro cujas histórias envolvem personagens
estrangeiros no Brasil ou personagens brasileiros
5. Enem Logo todos na cidade souberam: Halim se embei- no exterior.
çara por Zana. As cristãs maronitas de Manaus, velhas e 02 A passagem “a viagem permite a convivência com
moças, não aceitavam a ideia de ver Zana casar-se com o outro, e aí reside a confusão, fusão de origens,
um muçulmano. Ficavam de vigília na calçada do Biblos, perda de alguma coisa, surgimento de outro olhar”,
encomendavam novenas para que ela não se casasse encontrada no conto “A natureza ri da cultura”,
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 4
conduz o leitor a uma reflexão sobre os conflitos 16 A coletânea é atravessada por tons de humor, le-
da condição de estrangeiro. veza, nostalgia, lirismo. As histórias narram desde
04 A cidade ilhada é um livro de contos regionalis- lembranças de episódios ocorridos na infância,
tas que têm como cenário a cidade de Manaus remetendo a ritos de passagem, à dificuldade de
e, como personagens, habitantes nativos e visi- relacionamento entre pessoas de culturas dife-
tantes estrangeiros que se envolvem em conflitos rentes, até cenas poeticamente vividas na velhice
de caráter local decorrentes da exploração das e sonhos realizados.
riquezas naturais da região amazônica, especial- 32 No trecho “essa voz era abafada por outra, mais
mente as ervas medicinais e a madeira. incisiva: a do meu avô, que evocava episódios de
08 O título do livro reflete o isolamento e uma um Líbano cada vez mais distante” (ref. 1), ocorre
certa pureza que o autor deseja preservar: o uma ambiguidade quanto à referência do prono-
manauara é retratado, de forma apaixonada, me que, a qual poderia ser resolvida pelo uso do
como aquele indivíduo desconfiado que chega pronome o qual / a qual. O pronome o qual faria
a reagir com ímpeto em defesa de suas raízes e referência ao avô, enquanto a qual faria referên-
de suas crenças e que rejeita qualquer tipo de cia a sua voz.
hibridismo cultural. Soma:
Exercícios complementares
1. Mackenzie-SP Assinale a alternativa correta.
a) Estão corretas as afirmações I e II.
Mar (fragmento) b) Estão corretas as afirmações I e III.
A primeira vez que vi o mar eu não estava sozinho. c) Estão corretas as afirmações II e III.
Estava no meio de um bando enorme de meninos. Nós d) Todas as afirmações estão corretas.
tínhamos viajado para ver o mar. No meio de nós havia e) Nenhuma das afirmações está correta.
apenas um menino que já o tinha visto. Ele nos con-
tava que havia três espécies de mar: o mar mesmo, a 2. UFSC Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o
maré, que é menor que o mar, e a marola, que é menor nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas
que a maré. Logo a gente fazia ideia de um lago enor- das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre
me e duas lagoas. Mas o menino explicava que não. os pelos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo
O mar entrava pela maré e a maré entrava pela marola. dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças
A marola vinha e voltava. A maré enchia e vazava. d’água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas
O mar às vezes tinha espuma e às vezes não tinha. Isso e os braços que pensei em abrir a garrafa para beber
perturbava ainda mais a imagem. Três lagoas mexendo, um gole, não queria que ele pensasse que eu andava
esvaziando e enchendo, com uns rios no meio, às vezes bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e
uma porção de espumas, tudo isso muito salgado, azul, fui pensando também que ele ia pensar que eu andava
com ventos. sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu
Rubem Braga andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria
que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava,
O texto de Rubem Braga pertence ao gênero da roxas olheiras, teria que cuidar com o lábio inferior ao
crônica. A partir dessa informação, considere as se- sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o
guintes afirmações: encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pen-
I. [...] trata-se de uma tipologia literária ligada à vida sasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu
quotidiana, publicada nos veículos de comunica- andava, e tudo o que eu andava fazendo e sendo eu não
ção, que revela ao mesmo tempo uma natureza queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pen-
interpretativa, podendo ter ou não valor noticioso. sar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por
(Ana Maria de Sousa) dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele
II. [...] apresenta um texto inscrito de natureza co- soubesse que eu era eu, e eu era.
nativa, ou seja, corresponde a uma mensagem ABREU, Caio Fernando. Além do ponto. In: ______. Além do ponto e
outros contos. São Paulo: Ática, 2009. p. 23-24.
enviada de um emissor a um receptor, com uma
linguagem composta de símbolos comuns aos as- Com base na leitura do texto e no conto Além do ponto,
seclas. (Roger Ribeiro da Silva) de Caio Fernando Abreu, é CORRETO afirmar que:
III. [...] é, em sua essência, uma informação valorati- 01 narrado em primeira pessoa, o texto que dá título
va e interpretativa de fatos noticiosos, atuais ou à coletânea de Caio Fernando Abreu explora o
atualizados, onde se narra algo ao mesmo tempo ponto de vista de um personagem marginal, isto é,
em que julga o que está sendo narrado. (Martin de um sujeito à margem do meio social, descrito
Vivaldi) como sem dinheiro e um tanto desleixado.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 5
02 o narrador, por medo de rejeição, mostra-se preo- Com base na variedade padrão escrita da língua por-
cupado com a apresentação de si mesmo para o tuguesa, na leitura do texto, no romance Relato de um
outro, algo que reflete a visão de uma sociedade certo Oriente, lançado em 1989, e no contexto de pu-
capitalista que valoriza a aparência em detrimen- blicação desta obra, é CORRETO afirmar que:
to da essência. 01 o vocábulo “lhe” (refs. 1, 2, 3, 4 e 5) tem a mesma
04 apesar de o narrador ser um homem que está função sintática e o mesmo referente em todas as
indo ao encontro de outro homem, este conto de ocorrências em que aparece destacado no texto.
Caio Fernando Abreu não versa sobre o amor ou
02 a palavra “que”, em destaque nas referências 6,
qualquer outra relação de afeto homoerótico.
7 e 8 do texto, poderia ser substituída, sem que
08 a linguagem empregada pelo escritor, nessa
houvesse prejuízo do sentido, por “as quais”, “a
história, denota uma aproximação com a poesia, qual” e “o qual”, respectivamente.
fato observável pelo uso da pontuação como re-
curso estilístico, pela repetição rítmica de termos 04 o vocábulo destacado em “[...] e na carapaça de
e pela produção de rimas internas. Sálua onde o nome de Emilie ainda não se apa-
16 o personagem-narrador, em um momento de re- gara.” (ref. 9) foi utilizado no texto como elemento
de coesão e estratégia do autor para que não se
flexão sobre os pensamentos que lhe ocorriam,
repetisse, mais uma vez, o vocábulo “que”, pois
“por dentro da chuva”, descobre que tem vergo-
esta seria a palavra mais adequada para o contex-
nha da própria identidade.
to, segundo a gramática normativa.
32 o título do conto alude, de modo metafórico, ao
fim da jornada de vida do protagonista, pois ir 08 o excerto evidencia a relação íntima e afetuosa
além do ponto, neste caso, significou sua morte. estabelecida entre Soraya e sua boneca: rene-
gada pela família materna desde a gestação, a
Soma:
menina só verbaliza seus segredos diante do
3. UFSC [...] Outras vezes, como naquela manhã, ela brin- brinquedo.
cava com a boneca de pano confeccionada por Emilie. 16 o texto diz respeito a fatos que aconteceram re-
Lembro-me perfeitamente do rosto da boneca; tinha os petidamente na vida da menina, o que pode ser
olhos negros e salientes, umas bochechas de anjo, e se observado pelo uso de formas verbais como “brin-
prestasses atenção aos detalhes, verias que apenas as cava”, “largava”, “enfeitava”, “dirigia”, “desenhava”,
orelhas e a boca estavam sem relevo, pespontadas por “cobria” e “reproduzia”, entre outras.
uma linha vermelha: artimanha das mãos de Emilie.
32 Relato de um certo Oriente é um texto híbrido,
Soraya nunca largava a boneca; enfeitava-1lhe a cabeça
soma de vozes dispersas reproduzidas com rigor,
com as papoulas 6que colhia, oferecia-2lhe pedaços de fru-
como afirma a narradora, a filha adotiva de Emilie,
tas, dirigia-3lhe os mesmos gestos com a mão, com o rosto,
passava-4lhe água-de-colônia no corpo, acariciava-5lhe os
responsável pela metódica transcrição de depoi-
cabelos de palha ou arrancava-os num momento de fúria, mentos e relatos coletados em entrevistas com
montava com ela no dorso das ovelhas e deitavam juntas, parentes e amigos da família.
abraçadas. Foram dias de exaltação, de descobertas. So- 64 a obra evoca a problemática da imigração no
raya, 7que parecia uma sonâmbula assustada, começou a processo de formação cultural brasileiro, desta-
abstrair; desenhava formas estranhas, geralmente sinuosas, cando a presença de árabes no Norte do Brasil.
na superfície de pano 8que cobria a mesa da sala; repro- A Parisiense, loja do marido de Emilie, evidencia a
duzia formas idênticas nas paredes, nos mosaicos rugosos maneira como se fixaram, prosperaram, enrique-
que circundavam a fonte, 9e na carapaça de Sálua onde o ceram e conseguiram superar o sentimento de
nome de Emilie ainda não se apagara. deriva e deslocamento.
HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008. p. 13. Soma:
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 6
Língua Portuguesa – Frente 2 – Capítulo 15
Exercícios propostos
1. UFT-TO 2019 Leia o fragmento do primeiro capítulo a) “O navio é uma ilha habitada por homens e seus
de O vendedor de passados, do escritor angolano fantasmas”.
José Eduardo Agualusa, para responder à questão. b) “Quem tem insônia é o peixe que só adormece na
Nasci nesta casa e criei-me nela. Nunca saí. Ao frigideira”.
entardecer encosto o corpo contra o cristal das jane- c) “É que isto, em Vila Longe, vai de animal a pior”.
las e contemplo o céu. Gosto de ver as labaredas altas, d) “A melhor maneira de mentir é ficar calado”.
as nuvens a galope, e sobre elas os anjos, legiões deles, e) “As mãos eram um incêndio”.
sacudindo as fagulhas dos cabelos, agitando as largas
asas em chamas. É um espetáculo sempre idêntico. Todas
4. UEL-PR A crítica literária tem aproximado o moçam-
as tardes, porém, venho até aqui e divirto-me e comovo- bicano Mia Couto do brasileiro Guimarães Rosa, em
-me como se o visse pela primeira vez. A semana passada particular pelo fato de ambos empregarem neologis-
Félix Ventura chegou mais cedo e surpreendeu-me a rir mos em suas obras. No trecho “as mãos calosas, de
enquanto lá fora, no azul revolto, uma nuvem enorme enxadachim”, extraído do conto “Fatalidade”, de autoria
corria em círculos, como um cão, tentando apagar o fogo do autor brasileiro, o neologismo “enxadachim” é cons-
que lhe abrasava a cauda. truído pelo mesmo processo de formação de palavras
— Ai, não posso crer! Tu ris?! utilizado pelo autor moçambicano para a criação de
Irritou-me o assombro da criatura. Senti medo mas não a) vitupérios.
movi um músculo. [Félix Ventura] tirou os óculos escuros, b) bebericava.
guardou-os no bolso interior do casaco, despiu o casaco, c) tamanhoso.
lentamente, melancolicamente, e pendurou-o com cuidado d) mudançarinos.
nas costas de uma cadeira. Escolheu um disco de vinil e
e) malfadado.
colocou-o no prato do velho gira-discos. “Acalanto para um
Rio”, de Dora, a Cigarra, cantora brasileira que, suponho, 5. UEL-PR Acerca da organização temporal da narrativa,
conheceu alguma notoriedade nos anos setenta. Suponho considere as afirmativas a seguir.
isto a julgar pela capa do disco. É o desenho de uma mulher I. O tempo da narrativa desenvolve-se por meio de
em biquíni, negra, bonita, com umas largas asas de borbo-
uma estrutura linear, começando em 1560 e ter-
leta presas às costas. “Dora, a Cigarra – Acalanto para um
minando em 2002.
Rio – O Grande Sucesso do Momento”. A voz dela arde no
II. O tempo presente da narrativa situa-se em
ar. Nas últimas semanas tem sido esta a banda sonora do
crepúsculo. Sei a letra de cor. [...] 2002, em Moçambique, na aldeia de Vila Longe
AGUALUSA, José Eduardo. O vendedor de passados. Rio de Janeiro: e adjacências.
Gryphus, 2004, p. 03. [adaptado] III. A imagem da Virgem e a leitura de manuscritos
simbolizam os tempos de paz e prosperidade
Sobre o fragmento de O vendedor de passados é
vividos pelos habitantes de Goa e Moçambique,
CORRETO afirmar que o narrador
a) sobressalta-se com o despir de Félix Ventura. tanto em 1560 quanto em 2002.
b) observa com amor as ações de Félix Ventura. IV. O tempo passado da narrativa aborda a travessia
c) percebe uma alteração da rotina na chegada de do Oceano Índico, em barco do missionário jesuí
Félix Ventura. ta Gonçalo da Silveira, personagem histórica do
d) conjectura que a escolha do disco de vinil foi pela Cristianismo português do século XVI.
tristeza de Félix Ventura. Assinale a alternativa correta.
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
As questões de 2 a 5 referem-se ao romance O outro b) Somente as afirmativas II e IV são corretas.
pé da sereia, de Mia Couto. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
2. UEL-PR Assinale a alternativa em que as palavras, d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
retiradas do romance, correspondem a verbos origi- e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas.
nados de substantivos. 6. Ufes A peça teatral Dois perdidos numa noite suja,
a) Anfitriando e parentear. de Plínio Marcos; o conto “Famigerado”, presente em
b) Bonitando e descrucificar. Primeiras estórias, de Guimarães Rosa; e o romance
c) Anfitriando e desanimista. Terra sonâmbula, de Mia Couto, apresentam a temáti-
d) Bonitando e parentear. ca da violência como eixo norteador. Leia atentamente
e) Descrucificar e desanimista. os fragmentos a seguir:
3. UEL-PR Algumas expressões idiomáticas da língua PACO: — Boa, Tonho! Assim é que é. Homem macho
portuguesa são recriadas no romance, como ocorre não tem medo de homem. O negrão é grande, mas não
no seguinte fragmento: é dois. (Pausa)
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 7
Você vai encarar ele?
TONHO: — Sei lá! Ele não me fez nada. Nem eu pra ele.
PACO: — Poxa, ele disse que você é fresco. Vai lá e briga. Ele é que quer.
TONHO: — Você só pensa em briga.
(MARCOS, Plínio. Dois perdidos numa noite suja. São Paulo: Parma, 1984. p. 26).
Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que
não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava.
Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me
miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.
(ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p. 55-56).
De manhã, nossa mãe nos chamou. Nos sentamos, graves. Meu pai tinha o rosto no peito. Ainda dormia? Ficou
assim um tempo como se esperasse a chegada das palavras. Quando finalmente nos encarou quase não reconhece-
mos sua voz:
— Alguém de nós vai morrer.
E logo adiantou razões: nossa família ainda não deixara cair nenhum sangue na guerra. Agora, a nossa vez se aproxi-
mava. A morte vai pousar daqui, tenho a máxima certeza, sentenciou o velho Taímo. Quem vai receber esse apagamento
é um de vocês, meus filhos. E rodou os olhos vermelhos sobre nossos ombros encolhidos.
(COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 18).
Selecione um dos trechos e explique como o tema da violência compõe o desenrolar da obra de onde foi extraído
o trecho escolhido.
Leia os trechos seguir retirados da obra Nós matamos o Cão Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana, para responder à
questão 7.
Primeiro senti-me quase bem no chão, embora o eco continuasse a encher-me a cabeça. Quando abri os olhos veio o
zumbido e senti raiva de mim mesmo por ter caído. O eco atrapalhava-me a vista a tal ponto que não tinha certeza do que
via, mas depois, quando minha vista deixou de tremer, vi as duas pernas vestidas de escura, que, nascidas uma de cada lado
do meu corpo cresciam longamente para cima, tesas e tensas convergindo para a placa de metal brilhante do cinto. Por cima
delas, lá em cima, perto da lâmpada do teto, a cara fitava-me atenta, sorrindo satisfeita. Voltei a fechar os olhos.
HONWANA, Luís Bernardo. A velhota. In: ______. Nós matamos o Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.
Dobrado sobre o ventre e com as mãos pendentes para o chão, Madala ouviu a última das doze badaladas do
meio-dia. Erguendo a cabeça, divisou por entre os pés de milho a brancura esverdeada das calças do capataz, a dez
passos de distância. Não ousou endireitar-se mais porque sabia que apenas devia largar o trabalho quando ouvisse a
ordem traduzida num berro. [...]
— O branco é mau... – continuou o rapaz. — Ele demora muito antes de mandar largar... Eu via isso quando traba-
lhava na machamba... Também não deixa as pessoas endireitarem-se por um bocado para descansar as costas.
HONWANA, Luís Bernardo. Dina. In: ______. Nós matamos o Cão Tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.
7. O que podemos observar em relação ao corpo negro nos dois trechos lidos?
Exercício complementar
1. UFBA
I.
A BENTO DE S.
Paris, Outubro.
Meu caro Bento. — A tua ideia de fundar um jornal é daninha e execrável.
Lançando, e em formato rico, com telegramas e crônicas, uma outra “dessas folhas impressas que aparecem todas as
manhãs”, como diz tão assustada e pudicamente o Arcebispo de Paris, tu vais concorrer para que no teu tempo e na tua terra
se aligeirem mais os juízos ligeiros, se exacerbe mais a Vaidade, e se endureça mais a Intolerância. Juízos ligeiros, Vaidade,
Intolerância — eis três negros pecados sociais que, moralmente, matam uma Sociedade! E tu alegremente te preparas para os
atiçar. Inconsciente como uma peste, espalhas sobre as almas a morte. Já decerto o Diabo está atirando mais brasa para debaixo
da caldeira de pez, em que, depois do julgamento, recozerás e ganirás, meu Bento e meu réprobo!
Não penses que, moralista amargo, exagero, como qualquer S. João Crisóstomo. Considera antes como foi incontestavel-
mente a imprensa, que, com a sua maneira superficial, leviana a atabalhoada de tudo afirmar, de tudo julgar, mais enraizou
no nosso tempo o funesto hábito dos juízos ligeiros. [...]
QUEIROZ, Eça de. Correspondência de Fradique Mendes. In: Obras de Eça de Queiroz. Porto: Lello&Irmão Editores, 1966. v. II, p. 1091.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 8
II.
Minha querida madrinha,
Desembarquei ontem em Luanda às costas de dois marinheiros cabindanos. Atirado para a praia, molhado e humilhado,
logo ali me assaltou o sentimento inquietante de que havia deixado para trás o próprio mundo. Respirei o ar quente e hú-
mido, cheirando a frutas e a cana-de-açúcar, e pouco a pouco comecei a perceber um outro odor, mais subtil, melancólico,
como o de um corpo em decomposição. É a este cheiro, creio, que todos os viajantes se referem quando falam de África.
[...]
A seguir mostrou-me o resto da casa, incluindo o quintal, largo e fundo, que está em parte ocupado com
as habitações dos escravos e com armazéns cheios de marfim, de borracha e de cera. Presas aos altos muros
veem-se cadeias de ferro e no centro do pátio existe mesmo um pelourinho que o coronel garante nunca ter utilizado. Ainda
há pouco tempo, porém, este mesmo espaço servia para engordar negros trazidos do interior e em trânsito para o Brasil.
Já compreendeu, querida madrinha, como fez fortuna o senhor Arcénio de Carpo? Precisamente: comprando e vendendo
a triste humanidade. Ou, como ele prefere dizer, “contribuindo para o crescimento do Brasil”. Ainda hoje, a acreditar no que
se comenta em Luanda, continua a trabalhar para o crescimento do Brasil. [...]
AGUALUSA, José Eduardo. Nação crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes: romance. Rio de Janeiro: Gryphus, 2001. p. 11.
Com base nos fragmentos transcritos dos romances “Correspondência de Fradique Mendes”, de Eça de Queiroz,
e “Nação Crioula”, de José Eduardo Agualusa, identifique a época e o espaço das narrativas e comente em que
essas se aproximam e se distanciam.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 9
GABARITO
Frente 2 Exercícios complementares
1. E
Capítulo 13 2. Soma: 01 1 02 1 08 1 16 5 27
3. Soma: 02 1 16 5 18
Exercícios propostos
1. D
Capítulo 15
2. B
Exercícios propostos
3. Repensei aquele pensamento, de muitas maneiras amarguras.
1. C 3. C 5. B
Era um pensamento enorme, aí eu tinha de rodear de todos os
2. A 4. D
lados, em beira dele. E isso era, era! Eu tinha de morrer? Para
pensar, se carecia de agarrar coragem – debaixo da exata ideia, 6. Na peça teatral Dois perdidos numa noite suja, Plínio Marcos
coraçãozinho meu anoitecia. Tinha de morrer? Quem sabia, só? trata da violência em vários níveis, principalmente o social, ao
Então – eu rezava pedindo: combinava com Deus, um prazo colocar em cena dois indivíduos violentados pela sociedade/
que marcávamos... Três dias. De dentro daqueles dias, eu podia Estado, devido à falta de direitos básicos a um cidadão: mora-
morrer, se fosse para ser, se Deus quisesse. Se não, passados dia, educação, trabalho, saúde e lazer. No conto “Famigerado”,
três dias, aí então eu não morria mais, nem ficava doente com de Guimarães Rosa, o tema é desenvolvido por meio do con-
perigo mas sarava! Enfim que eu respirava forte, no mil de um flito entre dois personagens marcados pela distância cultural,
minuto, coçando das ferroadas dos mosquitos, alegre quase. causado pelo problema social de acesso à educação. Em Terra
Mas, nem nisso, mau! – maior susto me salteava: três dias era sonâmbula, Mia Couto desenvolve em seu livro dois planos nar-
curto demais, doíam de assim tão perto, eu mesmo achava que rativos contemporâneos (a história do velho Tuahir e do garoto
não aguentava... Então, então, dez. Dez dias, bom, como va- Muidinga, e a de Kindzu, lida por Muidinga a Tuahir) o efeito in-
dividual e coletivo da violência da guerra civil em Moçambique,
lesse de ser, dava espaço de, amanhã, principiar uma novena.
no período pós-independência.
Dez dias. Eu queria, lealdoso. Deus aprovava. Voltou para junto.
Agora, ele se aliviava qualqual, feliz no acomodamento, espai- 7. Nos dois trechos, os corpos negros se posicionam fisicamente
recia. Era capaz de brincar com o Dito a vida inteira, o Ditinho em nível inferior ao do branco. Podemos entender como uma
era a melhor pessoa, de repente, sempre sem desassossego. metáfora do sistema colonial.
4. Para o narrador, o emprego de “difíceis termos técnicos” não
Exercício complementar
é adequado para narrar a história de Macabéa; segundo ele, é
preciso que a forma de seu relato corresponda ao seu conteú- 1. A escolha da narrativa epistolar, a criação do personagem Fradique
do. Dessa maneira, se a vida de Macabéa é uma “vida parca”, Mendes, a existência de personagens comuns às duas narrativas
e a época em que as narrativas ocorrem (últimas décadas do sé-
o texto no qual sua vida será relatada tem de ser escrito sem
culo XIX), a crítica à sociedade lusitana e a exaltação da cultura
técnica nem estilo, “ao deus-dará”.
francesa são traços que aproximam as narrativas. A crítica à es-
5. D cravidão em Nação Crioula e os momentos históricos da escritura
6. B das obras (século XIX, em Eça; séculos XX e XXI, para Agualusa)
são características que as diferenciam. A Carta a Bento de S. in-
dica que o emissor teme o jornal, porque este poderá promover
Capítulo 14 mudanças no modo como a sociedade julga os atos e os aconte-
cimentos. Interessado em preservar privilégios, ele vê na imprensa
Exercícios propostos um instrumento para desenvolver o senso crítico e perturbar a
1. D tranquilidade dos dirigentes. O texto de Agualusa faz uma crítica
explícita à organização da sociedade em Luanda, mais especifica-
2. B
mente ao enriquecimento pela via do tráfico, que é hipocritamente
3. C visto como contribuição para o crescimento do Brasil. A descrição
4. D do espaço evidencia a manutenção do comércio de africanos es-
cravizados. Valendo-se do fato de se tratar de “correspondência
5. B
secreta”, o narrador descreveu mais diretamente as contradições
6. Soma: 01 1 02 1 16 1 32 5 51 da sociedade.
002448
10
Resumindo LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2
1
Capítulo 15 − Verbo II: vozes verbais Voz passiva sintética
• A voz passiva sintética se realiza com verbo 1 pronome
Os sentidos das vozes verbais apassivador. Por esse uso do pronome, ela também pode ser
• A voz verbal é uma das flexões do verbo que se refere à pers- chamada de voz passiva pronominal. Ex.:
pectiva do sujeito como agente ou paciente da ação verbal Alugam-se casas
e permite colocar em evidência quem realiza ou quem sofre/
recebe o fato verbal enunciado. verbo + partícula “-se” sujeito paciente
(pronome apassivador)
Classificação das vozes verbais
• A voz passiva sintética não deve ser confundida com oração
• As vozes verbais se classificam com base nos papéis sintáticos com sujeito indeterminado. Veja as diferenças entre elas:
(de sujeito e de objeto direto) e semânticos (de agente ou de
paciente) que exercem em uma oração. Oração com sujeito
Voz passiva sintética
indeterminado
Voz ativa Verbo transitivo direto
Verbo transitivo indireto, verbo
intransitivo ou verbo de ligação
• A voz ativa do verbo designa o acontecimento realizado pelo
Sujeito determinado e explícito Sujeito indeterminado ou implícito
sujeito sobre o objeto (complemento verbal). Nela, o aconte-
cimento verbal ocorre a partir do sujeito agente. Concordância do sujeito com Verbo está sempre na 3ª pessoa
o verbo do singular
Ex.: A editora publicou um novo livro.
Índice de indeterminação do
Pronome apassivador se.
(O sujeito agente é “A editora”, o objeto direto é “um livro”). sujeito se
Ex.: Vendem-se casas Ex.: Precisa-se de empregados.
Voz passiva
• A voz passiva do verbo designa o fato verbal sofrido pelo Voz reflexiva
sujeito. Nela, o acontecimento verbal ocorre sobre o sujeito
paciente. O agente da passiva, que realiza essa ação, pode • A voz reflexiva designa o fato verbal em que o sujeito realiza
estar ou não presente na oração. e recebe a ação do verbo.
Ex.: A casa foi alugada. Ex.: Eu me esforcei para conquistar essa vaga.
(O sujeito paciente “A casa” recebe a ação verbal de “foi alu- • A voz reflexiva pode expressar sentido de reciprocidade,
gada”, mas o agente da passiva não está explícito na oração). quando uma ação verbal é compartilhada entre dois ou mais
• O agente da passiva é o termo da oração que, na voz passiva, agentes.
realiza a ação expressa pelo verbo. Ele pode ser represen- Ex.: Os amigos se abraçaram. (O sujeito é agente e paciente
tado por substantivo (ou palavra substantivada), pronome ou da ação expressa em “abraçaram”.)
numeral e é introduzido por preposição (“por” ou “de”).
Voz ativa e voz passiva: transformações
Ex.: A casa foi alugada por meu irmão.
• O uso da voz passiva, em termos semânticos, é uma inversão
• A noção de passividade é diferente da voz passiva. A voz
nas relações dos sentidos expressos pelo verbo.
é uma flexão do verbo. A passividade depende do sentido
expresso pelo fato verbal. Há verbos que, mesmo quando • Toda voz passiva tem uma voz ativa correspondente. A pas-
estão na voz ativa, têm sentido passivo. sagem das vozes ativa para passiva e vice-versa é um dos
o principais enfoques das vozes verbais em vestibulares.
Ex.: Trabalhadores recebem segunda parcela do 13 salário.
(A forma verbal “recebem” indica a passividade do verbo, Voz passiva sintética:
Procuram-se ideias inovadoras
mesmo na voz ativa).
Voz passiva analítica verbo transitivo direto + pronome apassivador sujeito
• A voz passiva analítica é uma forma composta de verbo paciente “-se”
“ser” 1 particípio do verbo principal. A formação da voz pas- Voz passiva analítica:
siva analítica é predominante no português brasileiro, com o Ideias inovadoras são procuradas
uso do verbo auxiliar ser. Ex.:
O livro foi publicado pela editora sujeito paciente verbo “ser” + particípio
Voz ativa:
sujeito paciente verbo “ser” 1 particípio agente da passiva [Pessoas] procuram ideias inovadoras
sujeito agente indeterminado verbo transitivo direto objeto direto
FRENTE 1
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 1 1
Capítulo 16 − Concordância verbonominal
Concordância verbal com sujeito simples
Casos de concordância Exemplos
Sujeito representado pelo pronome relativo “que”: o verbo concorda
Foram os chineses que produziram a pólvora.
em número e pessoa com o antecedente do pronome.
Sujeito representado pelo pronome relativo “quem”: o verbo pode ficar Sou eu quem elabora as provas da escola.
na 3a pessoa do singular ou concordar com o antecedente do pronome. Sou eu quem elaboro as provas da escola.
Estados Unidos inicia aplicação de vacinas contra a covid-19.
Sujeito representado por um nome próprio no plural ou por substantivo
Os Estados Unidos iniciam aplicação de vacinas contra a covid-19.
no plural com sentido de singular: o verbo fica no singular se o sujeito
não estiver com determinante e no plural se for antecedido por
Óculos de sol protege os olhos contra radiação ultravioleta.
determinante.
Os tênis daquela loja estão baratos.
Sujeito representado por expressões partitivas (“a maioria de”, “parte
Estudos comprovam que metade dos brasileiros se protege/se protegem
de”, “uma porção de”, “metade de”), acompanhado de pronome: o
da radiação solar.
verbo concorda com o partitivo ou com o nome.
Sujeito precedido por expressões como “cerca de”, “mais de”, “menos
de” e outras que indicam quantidade aproximada: o verbo concorda Com o nosso auxílio, cerca de 14 milhões de famílias serão beneficiadas.
com o numeral.
Sujeito formado por expressão com porcentagem: o verbo pode
concordar com a expressão numérica da porcentagem, com o numeral 51,5% da população brasileira são mulheres.
ou com o substantivo que especifica a porcentagem (expressão partitiva).
Sujeito formado pela expressão “um dos que”: o verbo fica no plural. O país foi um dos que haviam criticado as medidas ambientais adotadas
Concordância verbal com sujeito composto
Casos de concordância Exemplos
Quando o verbo está antes dos sujeitos: pode concordar com o núcleo
Estreia/estreiam a biografia e o filme sobre o poeta.
mais próximo ou ir para o plural.
Quando o verbo está depois dos sujeitos: vai para o plural. O pai e a filha pedalaram juntos na competição.
Quando os núcleos forem ligados pela conjunção “nem”: o verbo vai,
Nem eu nem você vamos concordar com isso.
de preferência, para o plural.
Quando os núcleos forem ligados pela conjunção “ou... ou”: o verbo
– ideia de exclusão: Ou Pedro ou Joana será presidente do clube.
fica no singular quando a ideia é de exclusão e no plural quando a
– ideia de inclusão: Roubo ou furto são regulados por lei.
ideia é de inclusão.
Em caso de sujeito formado pela expressão “um ou outro”: o verbo fica
Um ou outro membro fará a leitura da ata.
no singular.
Quando o sujeito é representado pela expressão “nem um nem outro”:
Nem um nem outro participou da reunião ontem.
o verbo fica no singular.
Casos especiais de concordância verbal
Em orações com verbo impessoal: o verbo fica sempre na 3a pessoa Há no Brasil mais de 212 milhões de habitantes.
do singular. Faz mais de trinta anos da redemocratização do Brasil.
Quando indica tempo, hora, dia e distância, o verbo “ser” é impessoal e São duas horas da tarde.
deve concordar com o numeral do predicativo. São 3 quilômetros até a casa dele.
Na indicação de dia, o verbo “ser” pode concordar, no singular, com a Hoje é dia 3 de junho.
palavra “dia” (explícita ou implícita); ou, no plural, com o numeral e sem Hoje é 3 de junho.
a palavra “dia” explícita. Hoje são 3 de junho.
O verbo “ser” com pronome interrogativo (quem, que), indefinido (tudo) ou Quem são os convidados da festa?
demonstrativo (isto, isso, aquilo) concorda com o predicativo do sujeito. Nem tudo são flores.
O verbo “ser” também concorda com o predicativo do sujeito quando
O inferno são os outros.
este está no plural.
O verbo “ser” com sujeito formado por expressões que indicam
Seis quilos é suficiente para o churrasco.
quantidade, preço, valor e medida no plural deve permanecer na
Cem reais não é caro para este tênis.
3a pessoa do singular.
Com sujeito indeterminado indicado pela partícula “se”: o verbo fica no
FRENTE 1
Após passar no vestibular, decidiu-se pela melhor universidade.
singular.
Concordância com o pronome apassivador “se”. Definiram-se critérios para avaliação do candidato.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 1 2
Concordância nominal
Casos de concordância Exemplos
Concordância de um adjetivo com mais de um substantivo:
– adjetivo anteposto aos substantivos, concordância com o substantivo Entraram novos alunos e alunas/novas alunas e alunos na sala de aula.
mais próximo;
– adjetivo posposto aos substantivos, concordância com o substantivo Gosto de selos e figurinhas antigas/Gosto de figurinha e selos antigos.
mais próximo ou vai para o masculino plural.
Concordância do adjetivo (com função de predicativo):
Está adequada a ortografia e o texto.
– quando anteposto a sujeito composto, o adjetivo concorda com o
substantivo mais próximo.
O texto e a ortografia estão adequados.
– quando posposto a sujeito composto, o adjetivo irá para o plural.
Concordância com as palavras “meio”, “bastante”, “barato”, “caro”, Há muitos livros novos na biblioteca.
“pouco” e “muito”: Eles ensaiaram bastante para a apresentação.
– quando se refere ao substantivo ou ao pronome substantivo, é
variável. Marília bebeu meia xícara de café.
– quando se refere ao verbo, ao adjetivo ou ao advérbio, é invariável; Ela estava meio cansada do trabalho.
Anexos vão os arquivos.
“Anexo” e “incluso” concordam com o substantivo em gênero e número.
Seguem inclusas as emendas ao novo projeto.
A expressão “em anexo” é invariável.
As fotos vão em anexo.
“Menos” é invariável. Havia menos pessoas na aula.
Ela mesma fará a decoração da festa.
“Mesmo”, “próprio” e “só” (“sozinho”) concordam com a palavra a que
Decidiram a causa eles próprios.
se referem.
Eles estão sós.
Ela disse: — Muito obrigada.
“Obrigado” concorda com o gênero da pessoa.
Ele disse: — Muito obrigado.
Com “um e outro” e “nem um nem outro”, o substantivo fica no singular
Uma e outra aluna presentes/presente fizeram a pergunta.
e o adjetivo pode ficar no plural ou no singular.
Com “um ou outro”, a concordância é feita no singular tanto para o
Um ou outro deputado eleito compareceu ao debate.
substantivo quanto para o adjetivo.
A venda de bebida alcoólica é proibida neste local.
É proibido vender bebida alcoólica neste local.
Nas expressões “é necessário”, “é proibido”, “é bom” e equivalentes:
quando o sujeito não estiver determinado, a expressão deve ficar,
Os reparos são necessários para impedir o fechamento do
preferencialmente, invariável.
estabelecimento.
Foi necessário fazer alguns reparos no estabelecimento.
FRENTE 1
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 1 3
Capítulo 17 − Colocação pronominal
Na língua portuguesa, o pronome pode vir:
a) antes do verbo – próclise;
b) no meio do verbo – mesóclise;
c) após o verbo – ênclise.
Quanto às regras de colocação pronominal, é preciso ter clareza que:
• são convenções gramaticais estabelecidas por critérios como comparação com as regras do português lusitano;
• tais regras são utilizadas nas situações em que as variantes de prestígio da língua são requisitadas, como em uma redação de
vestibular.
De acordo com a gramática normativa, a posição “normal” do pronome na língua portuguesa é a ênclise, uma vez que a forma pro-
nominal átona é complemento do verbo, logo, deve vir após ele. Entretanto, no português brasileiro, o uso da próclise é bastante
recorrente, sendo considerada por alguns linguistas a posição mais comum do pronome.
Regras de colocação pronominal
Próclise (pronome antes do verbo)
1. Em orações com palavras negativas (não, nem, nunca, jamais, ninguém, nenhum, nada), desde que não haja pausa entre essas palavras e a
forma verbal.
Ex.: Nunca me deixe.
2. Com advérbios, desde que não haja pausa entre o verbo e a forma verbal
Ex.: Aqui se compra com desconto; Bem me avisaram que isso não daria certo.
3. Com pronomes relativos, indefinidos e demonstrativos.
Ex.: Foi lá que eu a conheci; Ninguém me avisou disso; Isso lhe deixa feliz.
4. Com conjunções subordinativas e alternativas.
Ex.: Quando o recebo em minha casa, fico feliz.; Ou você me conta tudo, ou não me conta nada.
5. Em frases interrogativas, iniciadas por pronome ou advérbio interrogativos.
Ex.: Quem te disse isso?; Por que se gasta tanto dinheiro?
6. Em orações iniciadas por palavras exclamativas e em orações que exprimem desejo.
Ex.: Quanto tempo se passou!; Deus o abençoe!
7. Com gerúndio e infinitivo flexionado, precedidos de preposição
Ex.: Em se tratando de política...; Pedi para me esperarem.
Mesóclise (pronome no meio do verbo)
Quando o verbo estiver no futuro do presente ou no futuro do pretérito do indicativo, desde que não haja palavra atrativa, o pronome fica
intercalado com o verbo.
Ex.: Desenhar-te-ei em minha próxima pintura; Dar-lhe-iam uma nova chance.
Ênclise (pronome após o verbo)
1. Quando a forma verbal inicia o período ou uma oração.
Ex.: Convidei-a para sair.
2. Quando o sujeito (seja ele substantivo ou pronome, que não tenha significação negativa) vier antes da forma verbal em frases afirmativas ou
interrogativas.
Ex.: O combate demorou-se; Os dois casaram-se recentemente?
3. Com infinitivo impessoal: precedido de preposição ou palavra negativa, pode haver próclise ou ênclise; todavia, a ênclise é obrigatória, se o
pronome for “o(s)” ou “a(s)”, e o infinitivo reger da preposição “a”:
Ex.: Comecei a amá-la.
4. Com o imperativo:
Ex.: Abraça-me e beija-me.
5. Com o gerúndio, desde que não seja precedido de preposição ou advérbio:
Ex.: Estou chamando-o de volta.
Colocação pronominal em locuções verbais
1. Em locuções formadas por verbo auxiliar 1 verbo no infinitivo, gerúndio ou no particípio, pode-se colocar a próclise ou a ênclise ao verbo
auxiliar.
2. Havendo palavra atrativa, não é possível a colocação do pronome no meio da locução (qualquer que seja a locução: com infinitivo, gerúndio
ou particípio).
3. É possível haver ênclise ao verbo no infinitivo ou no gerúndio.
4. Não há ênclise ao particípio; nas locuções formadas com particípio, ocorre sempre próclise ou ênclise ao verbo auxiliar.
FRENTE 1
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 1 4
Capítulo 18 − Acentuação e ortografia Hífen
No Acordo Ortográfico vigente, o hífen é usado:
Acentuação
• se o prefixo terminado em vogal é seguido de palavra iniciada
O acento gráfico é um sinal de escrita e não deve ser confundido por h. Ex.: anti-herói;
com o acento tônico. O acento tônico confere maior intensidade
de voz às palavras, quando pronunciadas. O acento tônico pode
• se o prefixo termina com a mesma vogal que inicia a segunda
palavra. Ex.: micro-ondas;
recair na última sílaba (palavras oxítonas), na penúltima (palavras
paroxítonas) ou na antepenúltima sílaba (palavras proparoxítonas). • se o prefixo termina com a mesma consoante que inicia a
segunda palavra. Ex.: mal-limpo;
Nem todas as sílabas tônicas recebem acento gráfico. As regras
de acentuação da língua portuguesa são:
• se os prefixos sub- e sob- são seguidos de r. Evita-se sílaba
com br. Ex.: sob-rodas;
• Monossílabos tônicos: recebem acento gráfico os monos-
sílabos tônicos terminados em: -a(s), -e(s) ou -o(s), seguidos
• se houver formação com prefixos tônicos. Ex.: pós-guerra.
ou não de “s”. O hífen não é usado:
• Oxítonas: recebem acento gráfico as palavras oxítonas ter- • se os prefixos átonos co-, pre-, pro-, re- são seguidos de pa-
minadas em: “a(s)”, “e(s)”, “o(s)” e “em(ens)”, seguidas ou não lavras iniciadas com a mesma vogal. Ex.: preexistente.
de “s”. • se o prefixo termina em consoante e a palavra que o segue
• Paroxítonas: ganham acento as palavras paroxítonas termina- inicia por vogal. Ex.: transatlântico;
das em: -i/is, -us, -r, -l, -x, -n, -um/uns, -o/ãos, -ã/ãs, -ps, -on/nos, • se o prefixo terminado em vogal é seguido de r ou s, dobra-se
ditongo oral, crescente ou decrescente, seguido ou não de “s”. a consoante. Ex.: antirracismo;
• Proparoxítonas: todas as proparoxítonas são acentuadas. • se o prefixo termina com vogal diferente daquela que inicia a
segunda palavra. Ex.: semiárido;
Ortografia
• em palavra composta formada com elemento de ligação.
A ortografia é um conjunto de regras e normas estabelecidas por Ex.: pé de moleque.
acordos políticos e escolhas de especialistas. Aprender ortografia
é uma atividade que exige treinamento e memorização e que Outros casos em que se usa o hífen:
demanda prática constante de leitura e de escrita. • Em palavras compostas formadas por substantivo, adjetivo,
numeral ou verbo, sem elemento de ligação. Ex.: arco-íris,
Geralmente, os desvios ortográficos da língua portuguesa ocor-
matéria-prima, guarda-chuva, primeiro-ministro;
rem porque os usuários fazem analogias entre fala e escrita.
Esses desvios, muitas vezes, estão relacionados a irregularida- • Nas palavras compostas por justaposição que designam espé-
des na relação entre o som (fonema) e a letra (grafema) que o cies botânicas e zoológicas. Ex.: cana-de-açúcar; leão-marinho;
representa, ou seja, um mesmo som pode ser representado por • Em palavras terminadas com sufixos de origem tupi-guarani.
diferentes letras ou uma letra pode representar mais de um som. Ex.: Mogi-Guaçu, capim-açu.
Capítulo 19 − Partículas e vícios de linguagem • Homônimos homófonos: com pronúncia idêntica e grafia
diferente. Ex.: seção (divisão, repartição), sessão (reunião,
apresentação) e cessão (doação, transferência).
Polissemia e homonímia
• A polissemia (do latim poli = muitos + sema = significado) é Nas palavras homônimas há sempre uma relação de igualdade,
uma propriedade do signo linguístico de assumir diferentes seja na grafia, na pronúncia ou em ambas, porém os sentidos
sentidos, associados a um sentido comum, pois compartilham são sempre diferentes.
As palavras parônimas são semelhantes entre si, mas não tem
a mesma origem etimológica. É uma relação de significados
grafia nem pronúncia idênticas, e também têm significados di-
possíveis que uma palavra assume em certos contextos.
ferentes. Ex.: cavaleiro (homem que anda a cavalo) e cavalheiro
• A homonímia é uma propriedade do signo linguístico de (homem educado, cortês).
apresentar identidades fônicas (homofonia) ou gráficas (ho-
mografia) sem compartilhar o mesmo sentido. É uma relação Questões notacionais: dúvidas comuns
entre palavras com escrita e/ou pronúncia iguais, mas sem Muitas palavras ou expressões da língua portuguesa costumam
uma origem comum e, portanto, com significados diferentes. gerar dúvidas quanto a seu emprego. Analise as principais ques-
tões notacionais e compare seus usos.
Palavras homófonas, homógrafas e parônimas
• Por que, porque, por quê e porquê
As palavras homônimas são aquelas cujas pronúncias e/ou gra-
Por que: para frases interrogativas e quando equivalente a
fias são iguais, mas têm significados distintos, como a palavra
“pelo(a) qual”, “pelos(as) quais”.
“manga”, que pode se referir à fruta ou à manga da camisa. Os
tipos de homônimos são: Ex.: Por que você não vai dormir? / Estas são as causas por
que (pelas quais) estamos lutando.
• Homônimos perfeitos: com pronúncia e grafia idênticas. Ex.:
cedo (do verbo ceder) e cedo (advérbio de tempo). Porque: para respostas e quando equivalente a “pois”.
Ex.: Vou ao hospital porque (pois) não estou me sentindo bem.
FRENTE 1
• Homônimos homógrafos: com grafia idêntica e pronúncia
diferente. Ex.: colher /é/ (utensílio de mesa) e colher /ê/ (verbo Por quê: em final de frase interrogativa.
“colher”). Ex.: Você não comeu? Por quê?
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 1 5
Porquê: com valor de substantivo precedido de artigo ou • À medida que/na medida em que
numeral. À medida que = “à proporção que” (proporcionalidade).
Ex.: Não foi explicado o porquê daquela reunião. Ex.: O custo de vida fica mais alto à medida que a inflação
• Onde/aonde aumenta.
Onde: lugar estático. Na medida em que = “uma vez que” (causalidade).
Ex.: Estou na empresa onde trabalho. Ex.: Na medida em que não cumpriu as metas combinadas,
Aonde: ideia de movimento. foi demitido.
Ex.: Aonde você vai? • A princípio/em princípio
• Mau/mal A princípio = “inicialmente”, “para começar”.
Mau ≠ bom. Ex.: A princípio o atleta parecia estar à frente.
Ex.: Afaste esses maus pensamentos de sua mente. Em princípio = “teoricamente”, “em tese”.
Mal ≠ bem. Ex.: Em princípio, não concordo com sua ideia.
Ex.: Eu preciso descansar porque tenho dormido mal. • Demais/de mais
• Senão/se não Demais = “muito”, “excessivamente” (intensidade/qualidade).
Senão = “salvo”, “exceto”. Ex.: Esperei tempo demais na fila do banco.
Ex.: Senão eu, quem vai fazer você feliz? De mais = “a mais” ≠ “a menos”.
Se não = “caso não” (condição). Ex.: Coloquei sal de mais na receita.
Ex.: Se não se dedicar, não será aprovado. • Tampouco/tão pouco
• Mas/mais Tampouco = “também não”, “nem”.
Mas = “porém”, “contudo”, “todavia”, “entretanto” (oposição). Ex.: Não consigo dormir, tampouco você.
Ex.: Quero me encontrar, mas não sei onde estou. Tão pouco = “muito pouco”.
Mais ≠ “menos”. Ex.: Falta tão pouco para chegarmos.
Ex.: A cada dia tenho mais trabalho a fazer. • Sob/sobre
• A fim de/afim Sob = “embaixo de”, “sob influência de”.
A fim de = “com a finalidade de”, “para”. Ex.: Não consigo dirigir sob tanta chuva.
Ex.: Adiantou o serviço, a fim de sair mais cedo. Sobre: “acima de”, “a respeito de”, “ao longo de”.
Afim = “igual”, “semelhante”, “parecido”. Ex.: O almoço está sobre a mesa da cozinha./ Falamos sobre
Ex.: Não tínhamos interesses afins. nossos assuntos em comum.
• Ao encontro de/de encontro a Vícios de linguagem
Ao encontro de = “na direção de”, “em favor de”.
• Estrangeirismo: uso excessivo de palavra, expressão ou cons-
Ex.: A criança foi ao encontro da mãe. trução sintática comum em outra língua, com equivalente na
De encontro a = “em oposição a”, “chocar-se com”, “confrontar”. língua portuguesa.
Ex.: A bola foi de encontro à trave. • Ambiguidade: uso de palavra, expressão ou construção sintá-
• Ao invés de/em vez de tica com mais de um sentido, produzindo em geral problemas
Ao invés de = “ao contrário de” (oposição). ou mais de interpretação possível.
Ex.: Subiu o morro ao invés de descer. • Queísmo: uso excessivo do termo “que” em textos.
Em vez de = “no lugar de” (substituição). • Gerundismo: uso do gerúndio sem expressar ação verbal
Ex.: Decidimos ir ao cinema em vez do teatro. durativa (que está acontecendo).
• Cerca de/acerca de/há cerca de • Pleonasmo vicioso (ou redundância): uso de termos de mes-
A cerca de/cerca de = “uma distância de”, “em torno de”, “apro- mo sentido em expressão ou frase.
ximadamente”. • Solecismo: desvios de concordância, regência, colocação
Ex.: Os amigos atrasaram cerca de uma hora para o evento. ou ordenação de elementos em uma construção sintática.
Acerca de = “a respeito de”, “sobre”. • Cacofonia: som desagradável formado pela sequência de
Ex.: Estudou muito acerca da matéria da prova. duas ou mais palavras.
Há cerca de (verbo “haver”): indica tempo decorrido. • Barbarismo: desvio fonético, morfológico ou semântico no
Ex.: Há cerca de uma semana aguardo resposta do novo emprego de uma palavra.
emprego. • Eco: repetição não intencional de sons, causando dissonância.
FRENTE 1
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 1 6
Resumindo LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2
Capítulo 13 − As inovações literárias do Modernismo
Guimarães Rosa
• O regionalismo rosiano, presente nos contos e narrativas longas ambientados no sertão mineiro, traz à tona problemas universais
vivenciados pelo ser humano, como o embate entre o bem e o mal, a violência, o amor, os mistérios da vida e da morte.
• A inventividade linguística de Guimarães Rosa transita entre a erudição e a linguagem sertaneja, permeada pelas marcas da ora-
lidade, pelas crenças populares e pelos neologismos.
• Os personagens da prosa rosiana passam, com frequência, por uma jornada em que o sofrimento pode ser o caminho para a
redenção.
Clarice Lispector
• Os romances e contos clariceanos retratam a complexidade humana, apresentada, muitas vezes, a partir de um evento banal na
vida de seus personagens.
• A ruptura com a narrativa convencional está, principalmente, no foco narrativo mesclado ao fluxo de consciência de indivíduos
mergulhados em crises existenciais.
• As elucubrações que têm voz nas narrativas desencadeiam, por vezes, momentos de epifania.
João Cabral de Melo Neto
• Avesso ao lirismo da tradição literária, o engenheiro das palavras rompe com o ritmo do verso, eliminando as rimas e a relação
sonora previsível entre as palavras. Seu rigor estético evidencia sua rejeição ao sentimentalismo e o apelo à objetividade.
• Entre os temas de sua obra poética, está a denúncia da realidade social de sua região, o Nordeste.
Capítulo 14 − Pós-Modernismo e contemporaneidade
Poesia concreta
• O Concretismo visava abolir o verso e o aspecto lírico dos poemas, ressignificando a palavra e sua relação com o espaço na folha
em branco.
• A dimensão verbivocovisual evidencia o radicalismo dos poetas na associação do sentido da palavra com o som e a imagem.
• Os “Cavaleiros do Concretismo”, os três principais poetas do movimento – Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio
Pignatari – criaram a Revista Noigandres para divulgar a proposta de 1956.
• Os desdobramentos do movimento, no entanto, levaram alguns artistas a rever a proposta do Concretismo, dando um tom mais
plástico e performático à produção artística, como fizeram Ferreira Gullar, Hélio Oiticica e Lygia Clark.
Literatura contemporânea de 1960 a 1980
Poesia
• A poesia contemporânea desse período apresenta o contexto de desigualdade social e as incertezas do período ditatorial.
• O poeta de destaque é Ferreira Gullar, autor de Poema sujo. Outras produções retrataram as inovações propostas na contempo-
raneidade, como o Tropicalismo e a Poesia Marginal, dispostos a romper com as convenções literárias e musicais.
A voz feminina na literatura contemporânea
• Ana Cristina Cesar, poeta de destaque da Geração Mimeógrafo, apresenta uma poesia que oscila entre os limites da realidade e
da ficção, debruçando-se sobre gêneros textuais diversos e temas do cotidiano e da condição existencial do ser humano.
• Adélia Prado é romancista, contista e poeta. A autora também se dedica a escrever livros para crianças.
Entre os temas recorrentes de sua obra estão o papel da mulher e da família, o ambiente doméstico, o fazer poético, a sexualidade
e a religiosidade.
Bagagem (1976) é seu livro de estreia e tem papel central na carreira da autora, já que estabeleceu seu projeto poético.
FRENTE 2
• A obra de Lygia Fagundes Telles tem como características marcantes a introspecção psicológica e o aspecto imaginativo.
Seu primeiro romance publicado foi Ciranda de pedra (1954), mas foi com a obra As meninas (1973) que a autora ganhou destaque.
O caráter subversivo e ousado de As meninas fez dessa sua obra mais celebrada.
A autora também se destacou como contista e produziu outras formas literárias, como o fragmento, a memória e o miniconto.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 1
Prosa
• A literatura contemporânea brasileira produzida entre os anos de 1960 e 1980 está inserida em um contexto de urbanização, indi-
vidualismo e valorização dos bens materiais, temas que foram amplamente discutidos na prosa. Entre os principais nomes estão
autores como o cronista Rubem Braga e os contistas Caio Fernando Abreu, Dalton Trevisan, Murilo Rubião e J. J. Veiga. Os dois
últimos se destacam pelo realismo fantástico.
• As características das obras desse período podem apresentar um viés mais psicológico ou voltado a questões existenciais aliadas
à urbanidade.
• Milton Hatoum nasceu em Manaus, capital do Amazonas, em uma família de imigrantes libaneses. Seu primeiro romance, Relato
de um certo Oriente, foi publicado em 1989. Nessa obra já é possível entrever alguns temas importantes para o autor, como as
relações familiares. Em Dois irmãos, é contada a história dos irmãos gêmeos Yaqub e Omar, em que Hatoum apresentou uma
narrativa cujo pano de fundo é a vida dos imigrantes árabes no Brasil.
• Bernardo Carvalho é romancista, contista e tradutor. Sua obra mais celebrada é Nove noites, romance em que mescla fatos e ficção
para narrar a busca por personagens desaparecidos. Carvalho apresenta personagens com identidades instáveis, o que reflete a
própria sociedade pós-moderna, em que os indivíduos se sentem deslocados e fragmentados. O romance uniu história e ficção,
dando origem a uma obra meta-historiográfica.
Capítulo 15 − África e diáspora africana
• As literaturas africanas de língua portuguesa desenvolveram-se, em âmbito geral, de forma similar.
• Em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, as literaturas tiveram basicamente quatro momentos:
1. alienação cultural, com uma literatura nos moldes europeus;
2. despertar para a realidade, havendo uma tomada de consciência a respeito da situação do sujeito negro;
3. revolta e o fim da alienação;
4. busca da identidade africana, quando se observa o desenvolvimento de temas como mestiçagem, identidade e africanismo.
• Em Angola e em Moçambique, a imprensa teve um papel importante na divulgação de ideias e textos e na elaboração de um
projeto literário para a nação.
• A produção poética angolana se organiza em três períodos: de 1950 a 1970 (conscientização); 1970 (inovações estéticas); e 1980
(ecletismo).
• A literatura moçambicana se organiza em três fases: a colonial, a nacionalista e a pós-colonial.
• Pepetela, autor angolano, é autor de Mayombe. Essa obra apresenta uma missão de guerrilheiros do MPLA na floresta Mayombe. A
narrativa propõe uma reflexão sobre a sociedade angolana dividida após anos de opressão colonial.
• José Eduardo Agualusa é angolano e autor da obra O vendedor de passados. Sua narrativa reflete sobre a identidade do povo
angolano.
• Ondjaki é um autor angolano da nova geração. Seu livro de contos Os da minha rua apresenta uma infância em Luanda durante
a guerra civil. A obra tem cunho autobiográfico.
• Luís Bernardo Honwana, autor moçambicano, escreveu a obra Nós matamos o cão tinhoso, durante o período colonial de Moçam-
bique. A obra gerou muita polêmica, uma vez que denuncia a violência e a tensão que o sistema colonial impôs no país.
• A escritora Paulina Chiziane é a primeira mulher a escrever um romance em Moçambique. Seu Niketche narra a história de Rami,
uma dona de casa e esposa exemplar que não consegue conquistar o amor do marido. A situação da mulher, os conflitos culturais
e o casamento são os temas principais da obra.
• Mia Couto é um dos autores africanos de língua portuguesa mais conhecidos mundo afora. Em Terra sonâmbula, o autor cria uma
metáfora do povo moçambicano que vive em estado de sonambulismo.
• No Brasil, a arte dos afrodescendentes também é usada como ferramenta de denúncia social.
• Carolina Maria de Jesus, em seu livro Quarto de despejo, cria um testemunho do descaso e do abandono social que a população
periférica e favelada (de maioria negra) vive.
• Ferréz estreou na literatura em 1997 com a coletânea de poesias, influenciada pelo Concretismo, Fortaleza da desilusão. Em
2000, lançou sua obra mais conhecida: Capão pecado, que é um marco da chamada literatura marginal ou periférica, ou seja, da
literatura escrita pelas minorias sociais e cujo enredo foca a realidade das periferias urbanas.
• Sergio Vaz é um poeta, contista e produtor cultural. Em 2001, fundou a Cooperifa, Cooperativa de Artistas da Periferia, promovendo
encontros culturais e saraus semanalmente. A linguagem de sua poesia é coloquial e representa liricamente o cotidiano periférico,
FRENTE 2
mas também suscita reflexões existenciais.
• O rap dos Racionais MC’s traz inovação estética, e o álbum Sobrevivendo no inferno tornou-se um marco na cena do rap brasileiro.
A violência policial, as drogas e a miséria são alguns dos temas abordados.
LÍNGUA PORTUGUESA FRENTE 2 2