DIREITO ADMINISTRATIVO E
TRIBUTÁRIO
AULA 1
Prof.ª Ana Paula Maciel Costa
CONVERSA INICIAL
Você já precisou ir a um cartório, seja para fazer uma certidão de
nascimento ou de óbito, seja para registrar um imóvel, ou retirar uma certidão
negativa de débitos para conseguir fazer um empréstimo ou crediário?
Já utilizou algum posto de saúde? Está com a sua carteira de vacinação
em dia?
Espero que não tenha precisado ir a nenhuma delegacia! Mas ficamos
mais tranquilos quando vemos o policiamento no nosso bairro, não é mesmo?!
No lugar onde você mora há rede de esgoto, luz elétrica, água encanada?
Já precisou ligar para o serviço de poda de árvores, ou denunciar o som alto do
vizinho depois das 22 horas?
Como está o Imposto de Renda, o IPTU e IPVA? Algum dado incorreto na
Receita Federal? Cuidado, hein, isso pode dar a maior dor de cabeça! Caso haja
inconsistência de dados, inadimplência ou omissões, você poderá ser impedido
de assumir cargos públicos, de colocar filho na escola, de receber herança etc.
Não sabe qual cartório procurar para pagar o ITCMD? Que sigla é essa?
É o imposto de transmissão causa mortis e doação! Você não sabe para que
serve?
Para aqueles que querem prestar concurso público, esta é uma matéria
indispensável porque não há concurso público que não avalie os conhecimentos
de Direito Administrativo, já que o mínimo que se exige de quem pretende ser
servidor público é que saiba das funções, competências e organização da
Administração Pública à qual quer se integrar, assuntos já estudados
anteriormente.
Tudo isso e muito mais é regulado pelo ramo do direito conhecido como
Direito Administrativo, que disciplina o exercício das atividades da Administração
Pública.
O objetivo do nosso estudo é possibilitar a você a compreensão do
conteúdo inerente ao Direito Administrativo e suas implicações, trazendo temas
fundamentais e atualizados baseados nas melhores doutrinas e pesquisas da
área, garantindo, assim, uma formação eficiente e pragmática, por meio de uma
linguagem objetiva, sem perder a profundidade que os temas exigem.
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Metodologicamente, nosso estudo será apresentado em seis capítulos,
subdivididos em tópicos que lhe permitirão um estudo minucioso e sistemático
sobre as especificidades do Direito Administrativo.
Nesta abordagem, serão estudados os conceitos fundamentais para a
correta compreensão do Direito Administrativo, de modo a permitir que você
adquira habilidades práticas e teóricas que dependam desse conhecimento,
assim como suas várias repercussões no ordenamento jurídico e na vida
cotidiana de todos.
Ao final de cada capítulo, serão apresentadas atividades reflexivas para
aprofundar os estudos realizados e sedimentar o conteúdo apreendido.
TEMA 1 – DIREITO ADMINISTRATIVO - NOÇÕES ESTRUTURANTES
Para compreender todas as características, particularidades,
competências em suas mais diversas distribuições, é necessário, primeiramente,
apreender os conceitos centrais do Direito Administrativo.
1.1 Conceito
O Direito é uma ciência social aplicada, ou seja, é um instrumento que
tem a função de organizar a vida em sociedade, regulando a ação do sujeito, os
bens, os valores e as situações nas mais diversas áreas da vida, de modo a
gerar uma tranquilidade por se saber, de antemão, como se deve proceder em
cada circunstância.
Imagine se não houvesse uma regra estabelecendo como se deve
comprar um imóvel e onde registrá-lo. Cada pessoa, então, faria como quisesse
e isso acabaria por gerar uma total insegurança quanto à propriedade do bem,
já que não haveria um documento emitido pela administração comprovando que
aquele imóvel pertence a determinada pessoa e não a outra.
Veja, portanto, que o Direito, em vários momentos está garantindo algo
em relação ao outro. Por isso é tão importante termos regras, procedimentos e
penalidades na sociedade para sabermos exatamente o que, como, onde e com
quem devemos fazer cada tipo de ação que será regulada pelos diversos ramos
do Direito, de acordo com sua essência, ou seja, a natureza jurídica do objeto
em análise.
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No que diz respeito à realidade apreciada pelo Direito Administrativo, há
vários conceitos desenvolvidos pela doutrina. Vamos verificar alguns deles, já
que não há um conceito definido em lei. Justen Filho (2023, p.3) destaca que:
O Direito Administrativo é um conjunto de normas jurídicas que disciplinam a
organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais
investidas da função administrativa estatal e da gestão dos bens públicos e
privados necessários, visando à realização dos direitos fundamentais da
generalidade do povo e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
Já o doutrinador Meirelles (2012, p. 32) define o Direito Administrativo
como sendo:
O conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes
e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente
os fins desejados pelo Estado.
Di Pietro (2013) define o Direito Administrativo como:
O ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas
jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade
jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a
consecução de seus fins, de natureza pública.
Logo, é possível perceber que o Direito Administrativo possui um
sistema de normas que se desenvolveu no sentido de equilibrar as prerrogativas
de interesse geral com as garantias dos administrados.
1.2 Objeto de estudo do Direito Administrativo
Com base na análise dos conceitos é possível inferir que o objeto do
Direito Administrativo é disciplinar, por meio de normas jurídicas, os órgãos, os
agentes e as atividades públicas, ou seja, a organização e o funcionamento das
estruturas estatais e não estatais investidas da função administrativa.
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1.3 Finalidade
É a satisfação do interesse público por meio da realização dos direitos
fundamentais da generalidade do povo e a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável.
Importante destacar que não há um Código de Direito Administrativo,
mas este é um ramo do Direito que tem autonomia e está descrito na
Constituição Federal de 1988 e em várias leis esparsas, o que não reduz a sua
essencialidade no ordenamento jurídico como um todo.
O conceito de Direito Administrativo traz consigo um elemento próprio
que é um regime jurídico diferenciado, uma vez que, via de regra, as relações
travadas pela Administração Pública são marcadas pelo desequilíbrio entre as
partes em decorrência da satisfação do interesse público por esta.
TEMA 2 – ESTADO, GOVERNO: DINTINÇÕES
Neste nosso estudo, não nos interessa adentrar na evolução da formação
do Estado ao longo da história nem no porquê de sua formação e suas
conformações. No entanto, há uma distinção fundamental que é imprescindível
compreender. Vamos a ela.
2.1 Estado
Segundo Dallari (2015, p. 79), o Estado se constitui na ordem jurídica
soberana (Estado de Direito), que tem a finalidade de alcançar o bem comum de
um povo que está situado em determinado território.
2.1.1 Os poderes do Estado
A organização do Estado se deu de forma tripartite, ou seja, em três
poderes (art. 2º CF/88): Legislativo, Executivo e Judiciário, todos autônomos,
com estrutura organizacional de pessoas e bens próprios. Essa separação se
deu para que as distintas funções estatais fossem caracterizadas segundo sua
natureza, atributos e efeitos, com competências próprias.
A cada poder é atribuída uma função primordial. Ao Executivo cabe,
essencialmente, administrar os bens e recursos de toda a sociedade de acordo
com o estabelecido em lei; ao Legislativo compete, fundamentalmente, elaborar
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as normas legais; e ao Judiciário cabe a função de dirimir os conflitos existentes
na sociedade.
► Poder Executivo Federal
► Poder Legislativo Princípio da Tripartição dos Poderes Estadual e Distrital
► Poder Judiciário Municipal
Isso significa dizer que cada poder exercerá uma função que lhe é
característica, conhecida como função típica, mas também exercerá, em menor
medida, as funções dos outros poderes, chamadas de função atípica.
De forma muito sintética, apenas para que você compreenda quais as
funções típicas e atípicas de cada poder, segue o organograma:
Poder Legislativo
•Função Típica - Criar leis e fiscalizar o Executivo
•Função Atípica - Julgar altas autoridades em crime de responsabilidade
(Judiciário) e gerir seus quadros - atos administrativos (Executivo)
Poder Executivo
•Função Típica - Função administrativa
•Função Atípica - Julgamento em tribunais administativos (Judiciário); edição de
atos normativos como decretos e medidas provisórias (Legislativo)
Poder Judicário
•Função Típica - Função jurisdicional
•Função Atípica - Gestão de seus quadros - atos administrativos (Executivo);
elaboração de regimentos internos (Legislativo)
Não há como entender essa relação entre as instituições e a relação
destas com as sociedades sem antes compreender o funcionamento da
Administração Pública, que é o órgão responsável pela concretização das ações
definidas nos planos de ação estabelecidos pelo Governo.
2.2 Governo
O Governo é a condução política dos negócios públicos, podendo ser
entendido como o conjunto de órgãos e de poderes que se orientam, organizam-
se para fins políticos, de comando e direcionamento dos atos de concretização
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dos objetivos do Estado. Por isso tem uma conduta independente, política e
discricionária.
Dito de outra forma, tem-se que a noção de governo está diretamente
relacionada com a função política de comandar, direcionar, fixar planos e
diretrizes de atuação do Estado por meio de políticas públicas.
ESTADO é a instituição permanente e abstrata que organiza e rege um território.
GOVERNO é a forma como as instituições políticas e administrativas gerenciam o
Estado por determinado tempo.
Mas não se pode confundir Governo com Administração Pública, pois
enquanto a Administração Pública é o elemento de ação, execução e coesão da
sociedade, sendo um elemento intrínseco da própria constituição do Estado, o
Governo é o elemento de transição que dá impulso a essa ação. Por isso, é
correto dizer que o Governo é transitório, enquanto a Administração Pública é
permanente.
Segundo Procopiuck (2013, p. 52), não há como se conceber Estado sem
funcionários instituídos para cuidar e organizar a todos em cada localidade de
modo a manter as relações de todos com o corpo social.
A Administração Pública, portanto, é o aparelhamento de que dispõe o
Estado para a execução das políticas do Governo. Perceba que os termos
andam juntos, mas expressam sentidos diferentes que se conjugam
TEMA 3 – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Como vimos anteriormente, as normas do Direito Administrativo
disciplinam a organização e o funcionamento da Administração Pública,
definindo a organização dos entes e das entidades públicas que a compõem,
suas atribuições e competências bem como regulam a função ou a atividade
materialmente administrativa.
A partir de agora nós vamos analisar detidamente o objeto do Direito
Administrativo, que é a própria Administração Pública.
3.1 Conceito
A Administração Pública é um elemento intrínseco do Estado. Procopiuck
(2013), citando Charles-Jean Bonnin (1772-1886), esclarece que:
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A Administração é uma consequência natural do Estado Social; como
este é da sociabilidade natural do homem: sua natureza é um resultado
da comunidade, pois desde o momento em que existe o pacto social,
há administração [...]. É, pois, evidente que a administração toma seu
princípio em convenções humanas, haja vista que é um fenômeno
procedente da própria existência da sociedade [...]. As leis não
instituem a administração, nem tampouco a associação, porque as
existências se devem à tendência social, sem que as leis façam mais
que dar-lhes o impulso vital em tal e qual direção.
A administração, portanto, nasce para dar sustentação à própria
sociedade em decorrência da vontade dos indivíduos em conservarem-se em
comunidade, por meio de uma organização física que garanta a preservação da
ordem social, assim como delineando o direcionamento às ações para a
consecução desse fim, que é o bem comum.
A par dessa compreensão, Di Pietro (2013, p. 89) esclarece que a palavra
administração tanto abrange a atividade superior de planejar, dirigir, comandar,
traçar programa de ação, quanto a atividade subordinada de executar, prestar
serviço mediante atos concretos. Por isso que no direito público a administração,
em sentido amplo, abrange a legislação e a execução.
O conceito de Administração Pública deve ser percebido, portanto, por
duas perspectivas.
3.1.1 Aspecto subjetivo, formal
Tem foco no ente que exerce a atividade administrativa – equivale às
pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de atuar na
administração em qualquer um dos poderes QUEM atua?
Em sentido amplo, são:
• Os órgãos governamentais (função de Governo): são os superiores,
aos quais, por meio de formulações de escolhas políticas, incumbe traçar
dirigir e comandar os planos de ação - objeto de estudo do Direito
Constitucional (Ex.: presidente, governador, prefeito)
• Os órgãos administrativos: são dependentes e subordinados, aos quais
incumbe executar os planos governamentais de ação - objeto de estudo
do Direito Administrativo (Ex.: secretarias)
Pode-se definir a Administração Pública como o conjunto de órgãos e
pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do
Estado, cujo grande alvo é a gestão dos interesses coletivos na sua mais variada
dimensão.
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3.1.2 Aspecto objetivo, material
Tem foco na atividade que é exercida O QUE atua?
Em sentido amplo, equivale:
• À função política (ou de governo) – são as diretrizes governamentais.
Implica uma atividade de ordem superior dirigida à função suprema e
geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar
os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras
funções, buscando a unidade da soberania estatal. Por isso tem o poder
de interferir na esfera de interesse de terceiros, mediante decisões
unilaterais. Compreende as atividades colegislativas e de direção. Ex.:
Plano Nacional de Educação.
• À função administrativa – é uma atividade concreta e imediata.
o Serviço Público – é toda atividade administrativa prestacional que
executa, direta ou indiretamente, em prol do interesse público, para a
coletividade, assumidas pelo Estado, com exclusividade ou não. Ex.:
segurança pública, transporte coletivo, energia elétrica, educação,
saúde, previdência.
o Fomento – competência de aplicar recursos públicos de incentivo à
iniciativa privada que tem algum tipo de utilidade pública. Ex: Benefícios
fiscais, subsídios, infraestrutura, financiamento BNDES
o Intervenção – conjunto de providências que visa à regulamentação e
fiscalização da atividade econômica de natureza privada ou atuação
direta do Estado no domínio econômico com o objetivo de restabelecer
em determinado mercado, senão o equilíbrio, uma condição de maior
competição entre os agentes, levando alternativas aos demais. Ex.:
tabelamento de preços, tarifação de acordo com critérios públicos, como
tabaco, combustível, a portabilidade dos celulares etc. - Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE (1962) e Banco Central
(1962).
o Polícia administrativa – (função conformadora/ordenadora): conjunto
de podes para editar regras e promover a sua execução concreta,
restringindo liberdades e direitos individuais em prol do interesse
público. Ex.: notificações, licenças, autorizações, fiscalização e
sanções - polícia ambiental, sanitária.
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Enquanto a função administrativa refere-se à gestão concreta, prática,
direta, imediata e rotineira dos assuntos da sociedade de acordo com uma
estrutura legal preexistente, a função política trata de atos de superior gestão da
vida estatal, sendo mais bem estudada no Direito Constitucional.
Importante destacar que a função administrativa se sujeita aos preceitos
infraconstitucionais ou infralegais expedidos em conformidade com a relação
hierárquica e passíveis de maior controle de legitimidade, num conjunto de
competências a ela atribuídas.
Em seguida essas funções serão delineadas e aplicadas com base em
uma agenda governamental em todos os níveis (federal, estadual, distrital e
municipal).
Meirelles (2012, p. 89), no intuito de facilitar a visualização do instituto, faz
uma distinção no uso da grafia da palavra administração, que, quando grafada
com a inicial maiúscula, tem o sentido dos órgãos responsáveis pelas políticas
de atuação (Administração); quando grafada com inicial minúscula, refere-se ao
conjunto de atividades preponderantemente executórias (administração).
Administração Pública Administração pública
Pessoas e órgãos Função administrativa
(subjetivo) (objetiva)
3.2 Regime jurídico
O direito é tradicionalmente dividido em dois ramos: o direito público e o
direito privado.
O primeiro tem por objetivo principal regular os interesses da sociedade,
tendo como característica a prevalência do interesse público sobre o privado,
numa relação vertical.
Já no direito privado, o principal objetivo é a regulamentação dos
interesses particulares como forma de possibilitar o convívio em sociedade. Sua
característica é a igualdade jurídica nas relações de um particular com outro
particular, em sistema de horizontalidade, não havendo a prevalência de um
sobre o outro.
Essa clássica dicotomia entre direito público e direito privado fica bem
evidente no Direito Administrativo, que integra o ramo do direito público, eis que
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rege uma das funções do Estado exercidas para satisfazer o interesse público,
a chamada função administrativa. No entanto, essa divisão não é tão exata mais
nos dias atuais, pois há uma interligação entre os ramos do Direito quando o
Estado atua como agente privado.
Direito público = predominância do interesse público sobre o interesse
privado. Indisponibilidade do bem jurídico tutelado.
Direito privado = predomina o interesse particular. Disponibilidade do bem
jurídico.
Logo, na medida em que o Direito Administrativo rege a organização do
Estado para a satisfação dos interesses da sociedade, isso significa dizer que a
Administração Pública, por ser encarregada de operacionalizar concretamente
as mudanças implementadas pelo Estado, atua sob o regime jurídico total ou
parcialmente público, para a consecução desses interesses coletivos.
O Estado é a única organização que detém o poder de constituir
unilateralmente obrigações em relação a terceiros. Em contrapartida, como ela
atua para atender ao interesse público, a administração pública só pode fazer o
que a lei permite, enquanto a iniciativa privada pode fazer tudo o que não estiver
proibido por lei. Essa legalidade fixa os parâmetros de controle da administração
e do administrador, a fim de evitar desvios de conduta.
TEMA 4 – EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Historicamente, tem-se que a cultura de participação política no Brasil não
era propícia à cidadania dada a ausência de julgamento, a apatia e o descrédito
que fizeram com que as pessoas não questionassem a ordem estabelecida, não
se articulassem e não promovessem intervenções nas ações da Administração
Pública.
No entanto, paulatinamente essa condição vem mudando. À medida que
as relações sociais foram se tornando mais complexas, plurais e reivindicativas,
o Estado se mostrou extremamente permeável a essas demandas, o que acabou
por repercutir na agenda governamental da Administração Pública. Vamos ver
como isso se deu!
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4.1 Evolução histórica
Doutrinariamente, existem três formas sob as quais as estruturas
administrativas são administradas ao longo da história. Vejamos:
• Patrimonialista (era do Império) – nesse modelo de administração os
bens do soberano não se separavam das propriedades públicas,
representando uma só coisa. O Estado era usado como uma extensão
das posses do detentor do poder e daqueles que lhe interessavam. Ex.:
distribuição de terras para imigrantes, ignorando a população existente
em cada local, negando a prestação de todo e qualquer serviço público
para essa camada da sociedade, com o surgimento daquilo que hoje se
denomina de favela.
• Burocrática (era Vargas) - há uma clara delimitação entre a coisa pública
(a res publica), espaço da ação governamental, e a coisa particular, o
domínio exclusivo das pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. As
principais características são: impessoalidade; hierarquia; padronização
de rotinas e procedimentos; competência técnica ratificada pela
meritocracia; os administradores são profissionais; previsibilidade do
funcionamento da organização. A proposta dessa reforma era
desenvolver um corpo funcional neutro com grande capacidade técnica e
dar tratamento equânime à população. No entanto, na prática acabou se
tornando uma administração autorreferenciada, deslocada da realidade e
altamente burocrática. Ex.: formalismo e procedimentalismo, que acabou
gerando demora na prestação do serviço público e vícios de autoridade.
• Gerencial (atualidade) – a preocupação passa a ser com a entrega de
resultados para a sociedade (gestão), na medida em que os cidadãos
passam a defender seus interesses e a exigir respostas efetivas e
eficientes da Administração. O foco deixa de ser puramente instrumental
para se tornar mais pragmático, em que pesem os procedimentos
baseados no profissionalismo e competência integrarem seus
fundamentos.
Passa-se a utilizar princípios e conceitos como: participação política,
equidade, transparência; cobrança de resultados (accountability); processo
decisório orientado a resultados estratégicos; flexibilidade na gestão, adaptadas
às necessidades do setor público.
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Todas as fases intencionavam superar a crise do Estado frente à sua
incapacidade de resolver as questões que a sociedade demandava. O que se
percebeu nessas crises é que, diante da complexidade e pluralidade das
sociedades atuais que transformaram o tecido social num emaranhado de
grupos com interesses heterogêneos e contrapostos, seria impossível uma
sociedade sem a presença do Estado e de sua organização na Administração
Pública.
E, assim como acontece com a evolução da sociedade e os seus direitos,
o Estado e seu aparato da administração pública também vieram evoluindo e se
adequando às novas demandas e tendências sociais, passando então a ser
percebido como parte da solução dos problemas.
TEMA 5 - A NOVA ADMINISTRAÇÃO
Nas últimas décadas, os governos introduziram práticas inovadoras nos
processos e serviços da Administração Pública na tentativa de restabelecer a
confiança da sociedade frente à crise de representatividade no sistema
democrático e administrativo, para ampliar sua legitimidade, além de buscar a
eficiência na otimização de gastos e serviços.
Podemos elencar, de acordo com Faria (2009, p. 123), as principais
orientações reformistas que compõem o quadro básico da Nova Administração
Pública:
• Uso de mecanismos típicos de mercado na provisão de serviços. Ex.:
CEF, uma instituição financeira sob a forma de empresa pública, é quem
administra vários benefícios do trabalhador, como FGTS e seguro-
desemprego, assim como diversos programas sociais, por exemplo,
Sistema Financeiro de Habitação, Bolsa Família, FIES e os desenvolve
observando o que está acontecendo no mercado.
• Implementação de estruturas mais enxutas e descentralizadas. Ex.: a
descentralização da gestão da saúde que passa a ser tripartite (União,
Estados e Municípios), tendo autonomia na gestão, mas sendo, ao
mesmo tempo, corresponsáveis.
• Ampla ênfase em relações contratuais, tanto nas relações com
fornecedores externos quanto na própria provisão interna de serviços. Ex.:
a alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB
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que incluiu 10 artigos para tratar de direito público com roupagens
notadamente processualistas e administrativas: “Art. 20. Nas esferas
administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em
valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão” (Brasil, 2018).
• Maior atenção à gestão organizacional e às habilidades gerenciais dos
servidores públicos e sistemas baseados na avaliação de performance.
Com base nesse novo paradigma passou-se a utilizar o termo governança
para designar um novo modo de governar diferente do modelo hierárquico
experimentado até então, no qual as autoridades exerciam um poder sobre a
sociedade.
A governança pública foi incorporada, inclusive em nosso ordenamento
jurídico por meio do Decreto n. 9203/2017 que estabelece, em seu art. 2º, I:
“Governança pública - conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e
controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com
vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse
da sociedade” (Brasil, 2017).
Nesse novo arranjo da Administração Pública contemporânea, os agentes
públicos e privados participam e muitas vezes cooperam na implementação de
políticas públicas mediante a estruturação de mecanismos e procedimentos que
consigam lidar com uma dimensão participativa e plural da sociedade, de modo
a garantir a capacidade de implementação das políticas escolhidas de forma
eficiente e efetiva.
Para que a vida em sociedade proporcione as vantagens da sinergia,
algumas necessidades devem ser atendidas pela Administração. Para que não
haja conflito positivo ou negativo de competências, é preciso haver uma clara
divisão das tarefas a serem realizadas. É indispensável saber a quem cabe
decidir, quem coordena, quem distribui e determina quando, o que e como será
feita a ação, assim como quem emite as instruções por meio de normas e regras
que devem ser seguidas pela sociedade. Tudo isso é função da Administração
Pública, mas ela não o faz ao seu livre-arbítrio, pois deve atender a princípios
que serão vistos no próximo conteúdo.
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NA PRÁTICA
“O Direito Administrativo como disciplina autônoma nasceu com a
implantação do Estado de Direito (...). Assim como o Direito Constitucional, teve
em foco a restrição do arbítrio estatal e a proteção dos direitos fundamentais.
Contudo, grosso modo, pode-se dizer que ele se relaciona mais com a função
administrativa do que propriamente com a função governamental. (...)
É necessário que a comunidade acadêmica se sensibilize para a
importância da disciplina, porque, além de ser uma matéria que oferece
subsídios importantes para a atuação contenciosa, ou não, em todos os órgãos
públicos ou mesmo fora deles, na defesa dos interesses dos cidadãos ou dos
administrados, seu conhecimento é cada vez mais requisitado não só no Exame
de Ordem, nos concursos públicos, em geral, sendo determinante, por exemplo,
para o ingresso das carreiras da advocacia pública, como Advocacia da União
ou Procuradorias Federais, do Estado e do Município, bem como Defensorias
Públicas, Magistraturas Federal e do Trabalho e Ministério Público da União. São
mais relevantes ainda do que a mera propagação da importância da disciplina
como meio ou ferramenta para o alcance de determinadas finalidades
profissionais o seu estudo e o consequente desenvolvimento da sensibilidade
para a racionalidade que a permeia, pois eles contribuem para o aprimoramento
das instituições públicas, no geral, e para a progressiva garantia dos direitos da
sociedade como um todo, e são essas as finalidades que lhe conferem maior
grandeza.”
NOHARA, I. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2023.
De acordo com o texto acima, qual a importância e utilidade prática de se
estudar o Direito Administrativo? Reflita e discorra sobre o assunto.
FINALIZANDO
Nesta abordagem, fizemos uma breve revisão sobre os conceitos e
diferenciações entre Estado, Governo e Administração Pública. Posteriormente
analisamos o aspecto doutrinário da Administração Pública, sua evolução e a
complexidade desse instituto, o que não poderia deixar de ser, pois para
compreender uma realidade, especialmente pela lente do Direito, precisamos
visualizar todo o arcabouço teórico sobre o tema para depois inseri-lo no
contexto prático.
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Assim, entendemos que Administração Pública, regida pelo direito
público, é um conjunto de agentes, serviços e órgãos instituídos pelo Estado,
assim como também representa o conjunto de ações que compõem a função
administrativa que tem como objetivo trabalhar em favor do interesse público.
Veremos, no próximo conteúdo. quais são os princípios e poderes da
Administração Pública para que ela empreenda suas competências.
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REFERÊNCIAS
BENTO, L. V. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre
eficiência e democratização. Barueri: Manole, 2003.
BRASIL. Lei n. 13655, de 25 de abril de 2018. Diário Oficial da União, Brasília,
25 abr. 2018. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2018/lei/l13655.htm#:~:text=%E2%80%9CArt.,Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnic
o>. Acesso em: 4 ago. 2023.
BRASIL. Decreto n. 9203, de 22 de novembro de 2017. Diário Oficial da União,
Brasília, 22 nov. 2017. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9203.htm>.
Acesso em: 4 ago. 2023.
DALLARI, D. A. Elementos de teoria geral do Estado. 33. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015.
DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2013.
FARIA, L. J. Nova administração pública: o processo de inovação na
administração pública federal brasileira visto pela experiência do Concurso
Inovação na Gestão Pública Federal. In: ENCONTRO DA ANPAD, 33, 2009, São
Paulo. Anais... São Paulo: Anpad, 2009.
JUSTEN FILHO, M. Curso de direito administrativo. 14 ed. Barueri: Grupo
GEN, 2023.
MATIAS-PEREIRA, J. Administração pública. 5. ed. Barueri: Grupo GEN,
2018.
MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 37. ed. São Paulo:
Malheiros, 2012.
NOHARA, I. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2023.
PROCOPIUCK, M. Políticas públicas e fundamentos da administração
pública. São Paulo: Atlas, 2013.
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