INGLATERRA (SÉCULO XIX)
A ERA DO CAPITAL (1848-1875)
Eric Hobsbawm
CAPÍTULO: INTRODUÇÃO
- Por volta de 1860, uma nova palavra entrou no vocabulário econômico e político do
mundo: "capitalismo" (...). O triunfo global do capitalismo é o tema mais importante da
história nas décadas que sucederam 1848. Foi o triunfo de uma sociedade que acreditou
que o crescimento econômico repousava na competição da livre iniciativa privada, no
sucesso de comprar tudo no mercado mais barato (inclusive trabalho) e vender no mais
caro. Uma economia assim baseada, e portanto repousando natural mente nas sólidas
fundações de uma burguesia composta daqueles cuja energia, mérito e inteligência
elevou-os a tal posição, deveria – assim se acreditava – não somente criar um mundo de
plena distribuição material, mas também de crescente felicidade, oportunidade humana
e razão, de avanço das ciências e das artes, numa palavra, um mundo de contínuo e
acelerado progresso material e moral. P. 17
- Ambas implicaram o triunfo de uma nova sociedade, mas se ela deveria ser a
sociedade do capitalismo liberal triunfante, ou aquilo que um historia dor francês
chamou "os burgueses conquistadores", pareceu sempre mais incerto para os
contemporâneos do que para nós. Atrás dos ideólogos políticos burgueses estavam as
massas, prontas para transformar revoluções moderadamente liberais em revoluções
sociais. (...). Os anos de 1830 e 1840 foram uma era de crises, cuja saída apenas os
otimistas ousavam predizer. P. 18.
- Aqui o autor se refere a Revolução Industrial (primeira, de 1780 ~ 1820) e a
Revolução francesas (reforma política).
- Mil novecentos e quarenta e oito, a famosa "primavera dos povos", foi a primeira e
última revolução européia no sentido (quase) literal, a realização momentânea dos
sonhos da esquerda, os pesadelos da direita, a derrubada virtualmente simultânea de
velhos regimes da Europa continental a oeste dos impérios russo e turco, de
Copenhague a Palermo, de Brasov a Barcelona. Foi esperada e prevista. P. 18
- A súbita, vasta e aparentemente inesgotável expansão da economia capitalista mundial
forneceu alternativas políticas aos países "avançados". A revolução industrial (inglesa)
havia engolido a revolução política (francesa). P. 18
- Ela é primariamente a do maciço avanço da economia do capitalismo industrial em
escala mundial, da ordem social que o representa, das idéias e credos que pareciam
legitimá-lo e ratificá-lo: na razão, ciência, progresso e liberalismo. E a era da burguesia
triunfante, mesmo que a burguesia européia ainda hesitasse em assumir um papel
político público. (...). As classes médias da Europa ficaram as sustadas e permaneceram
assustadas com o povo: "democracia" ainda era vista como sendo o prelúdio rápido e
certeiro para ò "socialismo". (...). O medo da revolução era real, a insegurança básica
estava entranha da. (...). Já nesse tempo, os dirigentes dos estados avançados da Europa,
com maior ou menor relutância, começaram a reconhecer não apenas que "democracia",
isto é, uma constituição parlamentar baseada em sufrágio universal, era inevitável, como
também viria a ser provavelmente um aborrecimento inofensivo politicamente. Esta
descoberta já havia sido feita de há muito pelos dirigentes dos Estados Unidos. P. 18-19
- O drama mais óbvio deste período foi econômico e tecnológico: o ferro derramando-se
em milhões de toneladas pelo mundo, estradas de ferro cortando continentes, cabos
submarinos atravessando o Atlântico, a construção do Canal de Suez, as grandes cidades
como Chicago surgidas do solo virgem do Meio-Oeste americano, os imensos fluxos
migratórios. P. 20
- Era o drama do progresso, a palavra-chave da época: maciço, iluminado, seguro de si
mesmo, satisfeito mas, acima de tudo, inevitável. Quase nenhum dos homens com poder
e influência em todos os acontecimentos no mundo ocidental desejou pôr-lhe um freio.
Apenas alguns pensadores e talvez um maior número de críticos intuitivos tenham
previsto que este avanço inevitável iria produzir um mundo bem diferente daquele que
se esperava: talvez exatamente o seu oposto. Nenhum deles – nem Marx que havia
imaginado uma revolução social em 1848 e para uma década depois – esperou uma
mudança súbita. Mesmo em meados de 1860, suas expectativas eram para longo prazo.
P. 20
- Para milhões de pobres, transportados para um novo mundo freqüentemente através de
fronteiras e oceanos, isto significou uma mudança de vida cataclísmica. Para os
indivíduos do mundo fora do capitalismo, que eram agora atingidos e sacudidos por ele,
significou a escolha entre uma resistência passiva em termos de suas antigas tradições e
formas de ser ou então um traumático processo de tomada das armas do Ocidente para
voltá-las contra os conquistadores: a compreensão e a manipulação do progresso por
eles mesmos. O mundo deste período da história foi um mundo de vitoriosos e vítimas.
Seu drama consistiu nas dificuldades não dos primeiros, mas primariamente dos
últimos. P. 20
- Daí em diante começou o que um observador contemporâneo chamou "uma curiosa
perturbação e depressão sem precedentes do comércio e indústria" que os
contemporâneos chamaram "A Grande Depressão" e que usualmente é datada 1873-96.
P. 21
CAPÍTULO 1: “A PRIMAVERA DOS POVOS”
- Mais ou menos no mesmo momento, dois exilados ale mães, Karl Marx com trinta
anos e Friedrich Engels com vinte e oito, divulgavam os princípios da revolução
proletária para provocar aquilo que Tocqueville estava alertando seus colegas, (...), 24
de fevereiro de 1848, sob o título (alemão) de Manifesto do Partido Comunista, (...). Em
poucas semanas, ou, no caso do Manifesto, em poucas horas, as esperanças e temores
dos profetas pareceram estar na iminência da realização. A monarquia francesa tinha
sido derrubada por uma insurreição, a república proclama da e a revolução européia
tinha iniciado. P. 25-26
- Além disso, 1848 foi a primeira revolução potencialmente global, cuja in fluência
direta pode ser detectada na insurreição de 1848 em Pernambuco (Brasil) e poucos anos
depois na remota Colômbia. Num certo sentido, foi o paradigma de um tipo de
"revolução mundial" com o qual, dali em diante, rebeldes poderiam sonhar e que, em
raros momentos como no após-guerra das duas conflagrações mundiais, eles pensaram
poder reconhecer (...). 1848 na Europa foi a única a afetar tanto as partes
"desenvolvidas" quando as atrasadas do continente. Foi ao mesmo tempo a mais ampla
e a menos bem sucedida deste tipo de revoluções. No breve período de seis meses de
sua explosão, sua derrota universal era seguramente previsível; dezoito meses depois,
todos os regimes que derrubara foram restaurados, com a exceção da República
Francesa que, por seu lado, estava mantendo todas as distâncias possíveis em relação à
revolução à qual devia sua própria existência. P. 26
- A revolução triunfou através de todo o centro, do continente europeu, mas não na sua
periferia. Isto inclui países demasiadamente remotos ou isolados em sua história para
serem diretamente atingidos de alguma maneira (por exemplo, a Península Ibérica,
Suécia e Gré cia), demasiadamente atrasados para possuir a estratificação social
politicamente explosiva da zona revolucionária (por exemplo Rússia e o Império
Otomano), mas também os únicos países já industrializados, cujo jogo político já estava
sendo feito de acordo com regras diferentes como a Inglaterra e a Bélgica. Mesmo
assim, a zona revolucionária, consistindo essencialmente da França e da Confederação
Alemã, do Império Austríaco com seus limites no sudeste europeu e da Itália era
suficientemente heterogênea para incluir regiões tão atrasadas e diferentes como
Calábria e Transilvânia, tão desenvolvidas como a Uhr e a Saxônia, tão alfabetizadas
como a Prússia e iletradas como a Sicília, tão remotas uma para a outra como Kiel e
Palermo, Perpignan e Bucarest. A maioria destes lugares era dirigida por aquilo que
podemos chamar de monarcas ou príncipes absolutos, mas a França já era um reino
constitucional e burguês, e a única república significativa do continente, a Confederação
Helvética, já havia iniciado o ano da revolução com uma breve guerra civil, no final de
1847. P. 27
- No oeste, camponeses eram legalmente livres e grandes estados, relativamente pouco
importantes; no Leste, eles eram ainda servos e a propriedade da terra continuava
largamente concentrada nas mãos da nobreza rural (ver capítulo 10 mais adiante). No
Oeste, a "classe média" significava banqueiros locais, comerciantes, empresários
capitalistas, "profissionais liberais" e oficiais mais velhos (incluindo professores), se
bem que alguns destes tenderiam a se sentir membros de um estrato mais alto (haute
bourgeoisie), prontos para competir com a nobreza proprietária, pelo menos nos gastos.
A leste, o estrato urbano equivalente consistia largamente de grupos nacionais distintos
da população nativa, tais como os alemães e os judeus. O equivalente real da "classe
média" era o setor do país de nobres inferiores educados e/ou preocupa dos com
negócios, um estrato que era surpreendentemente grande em algumas áreas. A zona
central, da Prússia ao Norte até a Itália (central e do norte) ao Sul, que era num sentido o
coração da zona revolucionária, combinou, de várias formas, as características das
regiões relativamente "desenvolvidas" e atrasadas. P. 27-28
- Excetuando-se a França, o que estava em jogo não era meramente o conteúdo político
e social destes estados, mas sua forma ou mesmo existência. (...). Os alemães, italianos
e praticamente todos os movimentos nacionais envolvidos na revolução, exceto os
franceses, viram-se lutando contra o grande império multinacional dos Habsburgos, que
espalhava-se pela Alemanha e Itália, também incluindo os tchecos, húngaros, uma parte
substancial de poloneses, romenos, iugoslavos e outros povos eslavos. Alguns destes, ou
pelo menos seus porta-vozes, viam o Império como uma solução menos ruim do que
serem absorvidos por algum nacionalismo expansionista, como o dos alemães ou o dos
húngaros. (...). Através da zona revolucionária, diversas dimensões operavam
simultaneamente. P. 28
- Os radicais confessadamente tinham uma simples solução: uma república democrática
unitária e centralizada da Alemanha, Itália, Hungria ou o país que ocorresse ser,
constituído de acordo com os princípios da Revolução Francesa sobre as ruínas de todos
os reis e príncipes, e que empunhasse sua versão da bandeira tricolor que, usada no
modelo francês, era o modelo básico de uma bandeira nacional. Os modera dos, por seu
turno, estavam emaranhados numa teia de cálculos com plexos baseados essencialmente
no medo à democracia, que eles acre ditavam ser equivalente à revolução social. (...).
Portanto a questão era quais os príncipes, paralisados mas não depostos pela revolução,
que poderiam ser persuadidos a apoiar a boa causa. P. 28-29
- As revoluções de 1848, portanto, requerem um detalhado estudo por estado, povo,
região, para o que este livro hão é o lugar. No entanto, elas tiveram muito em comum,
não apenas pelo fato de terem ocorrido quase simultaneamente, mas também porque
seus destinos estavam cruzados, todas possuíam um estilo e sentimento comuns, uma
atmosfera curiosamente romântico-utópica e uma retórica similar, para o que os
franceses inventaram a palavra quarente-huitard. P. 29
- Em primeiro lugar, todas foram vitoriosas e derrotadas rapidamente, e na maioria dos
casos totalmente. Nos primeiros poucos meses todos os governos na zona revolucionária
foram derrubados ou reduzidos à impotência. Todos entraram em colapso ou recuaram
virtualmente sem resistência. Portanto, num período relativamente curto, a revolução
tinha perdido a iniciativa quase que em todos os lugares: (...). Na França, o primeiro
marco da contra-ofensiva conservadora foi a eleição de abril com sufrágio universal.
Esta, apesar de eleger apenas uma minoria de monarquistas, enviou para Paris uma
grande quantidade de conserva dores, eleitos pelos votos de um campesinato
politicamente mais inexperiente do que reacionário, e para o qual a esquerda de
mentalidade urbana ainda não tinha um apelo. (...) O segundo marco foi o isolamento e
derrota dos trabalhadores revolucionários em Paris, batidos na insurreição de junho. P.
29
- A Primavera dos Povos (1848) foi um conjunto de revoluções que se
espalharam por diversas partes da Europa, inspiradas por ideais liberais,
democráticos e nacionalistas. Na França, a revolução de fevereiro de 1848
derrubou o rei Luís Filipe e instaurou a Segunda República. No entanto, o
movimento foi muito mais amplo e ocorreu simultaneamente em diferentes
regiões, envolvendo reivindicações sociais, a luta por direitos políticos e
autonomia nacional. Segundo Eric Hobsbawm, essas revoluções, embora
rapidamente reprimidas, compartilhavam certos padrões, como a contestação das
monarquias absolutistas e a demanda por participação política mais ampla.
- Talvez o ponto interessante aqui seja pensar que já no final da primeira metade
do XIX houveram tentativas revolucionárias (mesmo com tempo de duração
curto) (pelo menos uma tentativa deles), houveram movimentações dos povos,
união.
- Entre o verão e o fim do ano, os velhos regimes retomaram o poder na Alemanha e na
Áustria, embora tenha sido necessário recuperar a cidade de Viena, cada vez mais
revolucionária, pela força das armas em outubro, com um custo de mais de 4 mil vidas.
(...). Por volta do inverno, apenas duas regiões ainda estavam nas mãos da revolução –
partes da Itália e a Hungria. Terminaram por ser reconquistadas, em seguida a uma
retomada mais modesta da ação revolucionária na primavera de 1849, em meados
daquele ano. P. 30
- Com a única exceção na França, todos os antigos comandos foram restaurados no
poder – em alguns casos, como no Império dos Habsburgos, inclusive com mais força
do que antes – e os revolucionários espalharam-se no exílio. Mais uma vez, com a
exceção da França, virtualmente todas as mudanças institucionais, todos os sonhos
políticos e sociais da primavera de 1848 foram varridos, e mesmo na França a república
teria apenas mais dois anos e meio de vida. Ocorrera uma, e apenas uma modificação
irreversível importante: a abolição da escravatura no Império dos Habsburgos.
Excetuando- se esta última, apesar de ser visivelmente uma importante realização, 1848
aparece como a revolução da moderna história da Europa que combinou a maior
promessa, a maior extensão, o maior sucesso inicial imediato e o mais rápido e
retumbante fracasso. P. 30
- Todas estas revoluções têm algo mais em comum, que contribuiu largamente para o
seu fracasso. Elas foram, de fato ou enquanto antecipação imediata, revoluções sociais
dos trabalhadores pobres. Portanto, elas assustaram os moderados liberais a quem elas
mesmas deram poder e proeminência. P. 31
- Portanto, aqueles que fizeram a revolução eram inquestionavelmente os trabalhadores
pobres. Foram eles que morreram nas barrica das urbanas: (...). Foi sua fome que
alimentou as demonstrações que se transformaram em revoluções. P. 31
- E a revolução de fevereiro não tinha sido feita apenas pelo "proletariado", mas era uma
revolução social consciente. Seu objetivo não era meramente uma república, mas a
"república social e democrática". Seus líderes eram socialistas e comunistas. Seu
governo provisório incluiu um trabalhador genuíno, – um mecânico conhecido por
Alberto. Por alguns dias houve dúvidas se sua bandeira seria a tricolor ou a bandeira
vermelha da revolta social. P. 32
- Está se referindo a Revolução Francesa.
- Exceto onde questões tais corno autonomia nacional ou independência estavam em
jogo, a oposição moderada dos anos de 1840 não desejou nem se dedicou seriamente à
revolução, e mesmo na questão nacional os moderados preferiram negociação e
diplomacia ao invés de confrontação. Eles teriam preferido mais, sem dúvida, mas
estavam preparados para negociar concessões que, (...). Arrasta dos para a revolução
pela força dos pobres e/ou pelo exemplo de Paris, eles naturalmente tentaram
transformar uma inesperadamente boa situação para extrair a maior vantagem. Portanto,
em última análise, eles estavam certamente, e desde o começo, muito mais assustados
pelo perigo de sua própria esquerda do que pelos velhos regimes. Quando as barricadas
subiram em Paris, todos os liberais moderados (...), passaram a ser conservadores em
potencial. (...). 1848 fracassou porque ficou evidenciado que a confrontação decisiva
não era entre os velhos regimes e as "forças do progresso" unidas, mas entre "ordem" e
"revolução social". P. 32-33
- Portanto, a revolução manteve seu ímpeto somente onde os radicais eram
suficientemente fortes e suficientemente ligados com o movimento popular para
empurrar os moderados para frente, ou fazê-la sem eles. Isto era mais provável de
ocorrer em países onde a questão crucial era a libertação nacional, um objetivo que
requer a contínua mobilização das massas. P. 33
- A força e a coesão dos radicais eram fundamentais para o sucesso dos
movimentos revolucionários. Quando os radicais eram suficientemente fortes e
capazes de mobilizar o apoio popular, conseguiam pressionar os moderados a
avançar com reformas mais radicais. Em contrapartida, em contextos onde os
moderados eram mais predominantes ou os radicais eram fracos, as mudanças
tendiam a ser mais limitadas e conservadoras.
- Dos principais grupos sociais envolvidos na revolução, a burguesia, como já vimos,
descobriu que preferia a ordem à chance de pôr em prática todo o seu programa, quando
diante da ameaça à propriedade. Diante do confronto com a revolução "vermelha", os
moderados liberais e os conservadores marchavam ombro a ombro. (...). De volta, os
regimes conservadores restaurados estavam bem preparados para fazer concessões ao
liberalismo econômico, legal e até cultural dos homens de negócios, desde que isto não
significasse um recuo político. Como veremos mais tarde, os anos reacionários de 1850
viriam a ser, em termos econômicos, um período de sistemática liberalização. Em 1848-
49, os moderados liberais fizeram então duas importantes descobertas na Europa
ocidental: que revoluções eram perigosas e que algumas de suas mais substanciais
exigências (especialmente nos assuntos econômicos) poderiam vir a ser atingidas sem
elas. A burguesia cessara então de ser uma força revolucionária. P. 35-36
- Lembrar que as grandes revoluções anteriores, como a Gloriosa e Francesa,
foram, em maior parte, de caráter burguês.
- No início da Primavera dos Povos, muitos liberais e membros da crescente
burguesia apoiavam as revoluções, buscando mudanças que pudessem favorecer
suas aspirações, como a obtenção de direitos políticos, liberdades civis e a
implementação de reformas econômicas.
- Os liberais defendiam um programa que incluía a criação de estados-nação,
constituições e governos representativos. Eles desejavam estabelecer um sistema
que garantisse a propriedade privada e os direitos individuais, que eram
fundamentais para a sua classe social.
- À medida que as revoluções avançavam e surgiram ameaças mais radicais,
como o socialismo e a luta dos trabalhadores, a burguesia começou a perceber
que a revolução não estava apenas a serviço de suas demandas, mas também
poderia ameaçar seus interesses.
- Isso levou a uma aliança entre os moderados liberais e os conservadores, que
buscavam preservar a ordem e a propriedade.
- Após a experiência das revoluções de 1848, a burguesia "cessou então de ser
uma força revolucionária". A experiência de confrontar as revoluções socialistas
e os tumultos sociais fez com que muitos liberais e burgueses se tornassem mais
cautelosos e até conservadores.
- Com a restauração de regimes conservadores, a burguesia aceitou fazer
concessões em áreas econômicas e culturais, desde que isso não comprometesse
a ordem política. A busca por liberalização econômica foi vista como uma forma
de garantir a estabilidade e a proteção dos interesses burgueses.
- A passagem menciona que os moderados liberais aprenderam que revoluções
eram perigosas e que suas exigências poderiam ser alcançadas sem recorrer à
violência revolucionária. Isso sinaliza uma mudança na estratégia e uma
priorização da ordem sobre a transformação radical.
- O grande corpo de radicais da baixa classe média, artesãos descontentes, pequenos
proprietários etc, e mesmo agricultores, cujos porta-vozes e líderes eram intelectuais,
especialmente jovens e marginais, formavam uma força revolucionária significativa,
mas dificilmente uma alternativa política. Eles alinhavam-se, em geral, com a esquerda
democrática. (...). Chamar 1848 de "a revolução dos intelectuais" é um erro. Eles não
eram mais importantes nesta revolução que em quaisquer das outras que ocorrera, (...).
Mas não havia dúvida de que os intelectuais eram proeminentes: (...). P. 36
- O que aconteceu com todos aqueles estudantes radicais de 1848 nos anos prósperos de
1850 e 1860? Eles continuaram a herança da tradição familiar e finalmente se
acomodaram. E havia inúmeras possibilidades de acomodar-se, especialmente depois da
retirada da velha nobreza e da diversificação das formas de fazer dinheiro que a
burguesia ligada ao comércio produzia para aqueles cujas qualificações eram
primariamente escolaridade. P. 37
- Lembrar sempre que em História tudo é um processo. Estamos falando de um
período de transição, onde a aristocracia reinava dominante, mas que com o
passar das décadas e em diferentes contextos estava deixando de ser a
protagonista para dar lugar a uma burguesia emergente. Não que não existisse
antes (a burguesia), mas o sistema como um todo muda, a crença no progresso /
razão / capitalismo.
- No que diz respeito aos trabalhadores pobres, faltava-lhes organização, liderança, e,
talvez acima de tudo, a conjuntura histórica para fornecer uma alternativa política.
Suficientemente fortes para fazer o projeto de uma revolução social parecer real e
ameaçador, eles eram porém demasiadamente fracos para fazer algo mais do que
ameaçar seus inimigos. Suas forças eram desproporcionalmente efetivas, pois estavam
concentrados em massas famintas nos lugares mais sensíveis, ou seja, as cidades
maiores, especialmente as capitais. P. 37
- Tudo isto trazia certa fraqueza encoberta: em primeiro lugar, sua deficiência numérica
– eles não eram sempre maioria nas cidades, geralmente considerando-se mesmo uma
modesta minoria da população – e em segundo lugar, sua imaturidade política e
ideológica. Entre eles, os estratos mais ativistas e politicamente conscientes consistiam
de artesãos pré-industriais (...). P. 37
- Onde os plebeus urbanos, ou mais raramente os novos proletários, encontravam-se sob
a influência da ideologia jacobinista, socia lista ou democrático-republicana ou – como
em Viena – de estudantes ativistas, tornavam-se uma força política, pelo menos como
geradores de motins. (...). Paradoxalmente, fora de Paris isto era raro na França
jacobina, enquanto que na Alemanha a Liga Comunista de Marx fornecia os elementos
de uma rede nacional para a extrema-esquerda. Fora deste raio de influência, os
trabalhadores pobres eram politicamente insignificantes. P. 38
- Evidentemente, não deveríamos subestimar o potencial do "proletariado" de 1848,
mesmo que jovem e imaturo como força social, começando, como estava, a ter sua
consciência enquanto classe. Em certo sentido, aliás, seu potencial revolucionário era
maior do que se ria subseqüentemente. O duro conhecimento do pauperismo e da crise
antes de 1848 havia encorajado poucos a acreditar que o capitalismo poderia ou iria
trazer condições decentes de vida ou, se trouxesse, se elas iriam durar. A juventude e a
fraqueza da classe trabalhadora, ainda emergindo da massa dos trabalhadores pobres,
mestres artesãos in dependentes e pequenos comerciantes, evitou porém uma
concentração exclusiva em reivindicações econômicas, o que só ocorria entre os mais
ignorantes e isolados. As reivindicações políticas, sem as quais nenhuma revolução é
feita, nem mesmo a mais puramente social delas, foram feitas no contexto da situação.
O objetivo popular em 1848, a "república democrática e social", era simultaneamente
social e político. Mas mesmo a experiência trabalhista, acrescentada de novos elementos
institucionais baseados na prática de sindicatos e da ação cooperativa, não foi suficiente
para criar elementos novos e poderosos como os sovietes da revolução russa. P. 38
- Além disso, organização, ideologia e liderança eram lamentavelmente pouco
desenvolvidas. Mesmo a mais elementar das formas, o sindicato, era restrito a umas
poucas centenas ou, no melhor dos casos, uns poucos milhares de membros. (...). Os
socialistas e comunistas organizados eram ainda mais limitados em número: umas
poucas dúzias, no máximo umas poucas centenas. (...). Mas o que significava socialismo
para os seus seguidores além de um nome para uma classe trabalhadora autoconsciente,
com suas próprias aspirações a uma sociedade diferente do capitalismo e baseada na sua
derrubada? Mesmo seu inimigo não estava claramente definido. Falava-se muito de
"classe trabalhadora" e mesmo de "proletariado", mas, durante a revolução, nada sobre
"capitalismo". P. 38-39
- Portanto, as revoluções de 1848 surgiram e quebraram-se como uma grande onda,
deixando pouco, exceto mito e promessa. Elas "de veriam ter sido" revoluções
burguesas, mas a burguesia fugiu delas. Elas poderiam ter-se reforçado umas às outras
sob a liderança da França, prevenindo ou adiando a restauração dos velhos governos, e
mantendo à distância o tzar. Mas a burguesia francesa preferiu a estabilidade social em
casa aos prêmios e perigos de ser, uma vez mais, la grande nation e, (...). P. 39
- Marcaram o fim, pelo menos na Europa ocidental, da política da tradição, das
monarquias que acreditavam que seus povos (exceto os descontentes da classe média)
aceitavam, acolhiam mesmo com prazer, a regra do direito divino que apontava
dinastias para presidir sobre sociedades hierarquicamente estratifica das, tudo
sancionado pela tradição religiosa, na crença dos direitos e deveres patriarcais dos que
eram superiores social e economicamente. P. 40
- Os defensores da ordem social precisaram aprender a política do povo. Esta foi a
maior inovação trazida pelas revoluções de 1848. P. 41
- O povo estava ainda demasiado mobilizado para permitir uma limitação nas eleições:
somente após 1850, uma substancial parte da "vil multidão" – quer dizer, um terço da
França, dois terços de Paris – foi excluída do voto. Entretanto, em dezembro de 1848, os
franceses não elegeram um moderado para a nova presidência da república, mas
também não elegeram um radical. (Não havia candidato monarquista.) O vence dor, por
maioria esmagadora – 5,5 milhões em 7,4 milhões de votos – foi Luís Napoleão,
sobrinho do grande imperador. P. 41
- A eleição de Luís Napoleão significou que mesmo a democracia do sufrágio universal,
aquela instituição identificada com a revolução, era compatível com a manutenção da
ordem social. Mesmo uma massa esmagadora de descontentes não estava destinada a
eleger governantes dedicados a "derrubar a sociedade". As grandes lições desta
experiência não foram imediatamente apreendidas, pois Luís Napoleão cedo aboliu a
república e proclamou-se imperador, apesar de nunca esquecer as vantagens políticas de
um bem-conduzido sufrágio universal, que veio a reintroduzir. Ele viria a ser o primeiro
dos chefes de estado modernos que governaria não apenas baseado na força das armas,
mas também com aquela espécie de demagogia e de relações públicas tão mais
facilmente operadas do alto do estado do que de qualquer outro lugar. Sua experiência
demonstra não apenas que a "ordem social" podia aparecer como uma força capaz de
atrair a "esquerda", mas também uma era ou um país onde os cidadãos tinham sido
mobilizados para participar na política. As revoluções de 1848 deixaram claro que a
classe média, liberalismo, democracia política, nacionalismo e mesmo as classes
trabalhadoras eram, daquele momento em diante, presenças permanentes no panorama
político. A derrota das revoluções poderia temporariamente tirá-los do cenário, mas
quando reapareciam, determinavam as ações mesmo daqueles estadistas que tinham
menos simpatias por ele. P. 41-42
1) Origens e causas da Primavera dos Povos (1848):
A Primavera dos Povos foi desencadeada por uma combinação de fatores sociais,
políticos e econômicos, refletindo as tensões entre diversas classes e ideologias
emergentes:
Crises econômicas e sociais: A fome e o desemprego, especialmente entre os
trabalhadores urbanos, foram catalisadores para a eclosão das revoluções. O
proletariado participou de maneira decisiva nas insurreições, impulsionado por
demandas sociais urgentes (P. 31-32).
Ideais liberais e democráticos: Inspiradas pelos princípios da Revolução
Francesa, como liberdade, igualdade e república, essas revoluções buscaram
derrubar monarquias absolutistas e instaurar regimes mais representativos (P.
25-27).
Nacionalismo e unificação: As lutas por autonomia e independência nacional,
especialmente na Itália, Alemanha e Hungria, foram motivadas pelo desejo de
formação de estados-nação e rejeição aos impérios multinacionais (P. 28).
Contradições entre classes sociais: A burguesia inicialmente apoiou as
revoluções para conquistar direitos políticos e liberdades civis, mas se voltou
contra a revolução quando percebeu a ameaça da mobilização popular e das
demandas socialistas (P. 35-36).
Influências internacionais: A revolução de 1848 teve caráter transnacional,
influenciando tanto países desenvolvidos quanto atrasados da Europa, além de
ter ecos em regiões distantes, como Pernambuco e Colômbia (P. 26).
2) Consequências da Primavera dos Povos:
Embora a Primavera dos Povos tenha inicialmente derrubado regimes em várias regiões,
as revoluções foram rapidamente reprimidas, resultando em uma mistura de frustrações
e concessões:
Fracasso político e retorno dos antigos regimes: Em menos de dois anos, a
maioria dos governos revolucionários foi substituída, e os velhos regimes
restaurados, como na Áustria e na Alemanha. A única exceção foi a França, que
manteve sua república, embora com vida curta (P. 29-30).
Divisão entre radicais e moderados: As alianças entre liberais moderados e
conservadores acabaram por sufocar as aspirações mais radicais dos
trabalhadores e socialistas, revelando que a verdadeira batalha era entre "ordem"
e "revolução social" (P. 33).
Desmobilização da burguesia como força revolucionária: A experiência de
1848 levou a burguesia a abandonar o apoio a revoluções, optando por obter
reformas econômicas e liberdades civis por meio de negociação com os
conservadores (P. 35-36).
Início de liberalizações econômicas: Após a repressão, muitos regimes
conservadores aceitaram concessões em termos de liberalização econômica e
legal, mas sem abrir mão do controle político (P. 36).
Inspiração para futuros movimentos revolucionários: Embora tenha
fracassado, a Primavera dos Povos deixou um legado importante como
paradigma para futuras revoluções e consolidou a ideia de mobilização popular
como uma ferramenta de mudança política (P. 26-29).
A ERA DOS IMPÉRIOS (1875-1914)
Eric Hobsbawm
CAPÍTULO: INTRODUÇÃO
O conceito de "zona de penumbra" de Eric Hobsbawm refere-se a um período histórico
ou social em que as normas tradicionais e estabelecidas estão em declínio ou se tornam
menos claras. Hobsbawm usou essa ideia principalmente ao discutir o período entre
guerras (1919-1939), onde as estruturas políticas, sociais e culturais estavam em
transição e as antigas certezas eram cada vez menos aplicáveis. Nessa "zona de
penumbra", as pessoas podem sentir uma sensação de incerteza sobre o futuro e as
mudanças sociais que estão ocorrendo. As instituições tradicionais podem estar
enfraquecidas, as ideologias em conflito e as normas sociais em mudança, criando um
ambiente onde as fronteiras entre o aceitável e o não aceitável se tornam menos
definidas. Hobsbawm explorou essa ideia não apenas para descrever o período entre
guerras, mas também para entender momentos de grande transformação social e
cultural, onde as estruturas que sustentam a sociedade estão em processo de
reorganização ou desintegração, deixando uma "penumbra" de ambiguidade e confusão
normativa.
Mas ele também utiliza esse conceito para representar o imaginário das pessoas que
viveram um período relativamente recente da história em contraponto com o que
historiadores dizem sobre esse respectivo período. Exemplos: visão de um historiador
sobre a Ditadura Militar no Brasil e a visão de uma pessoa que presenciou de fato esse
evento (dentro do seu próprio contexto espacial, temporal, geográfico); ou a visão de
um historiador sobre a Primeira Guerra Mundial e a visão de uma pessoa que lutou ou
presenciou os eventos da Primeira Guerra Mundial.
Eric Hobsbawm também utiliza o conceito de "zona de penumbra" para abordar a
diferença entre a percepção histórica e o testemunho pessoal de indivíduos que viveram
um evento específico. Ele argumenta que a forma como um evento histórico é lembrado
e interpretado por historiadores pode ser muito diferente da experiência vivida por
aqueles que estiveram diretamente envolvidos nele. Por exemplo, ao estudar a Ditadura
Militar no Brasil, um historiador pode analisar o período com base em documentos,
políticas públicas, movimentos sociais, etc. Essa análise histórica pode oferecer uma
compreensão estruturada e abrangente do que aconteceu. No entanto, para alguém que
viveu sob a ditadura, suas memórias e percepções podem ser moldadas pela vivência
pessoal, medos, esperanças, e pela experiência cotidiana da repressão e resistência. Essa
é a "zona de penumbra" onde as histórias individuais e as narrativas históricas oficiais
se encontram e muitas vezes divergem. Da mesma forma, para a Primeira Guerra
Mundial, um historiador pode fornecer uma análise detalhada das causas, eventos e
consequências do conflito global. No entanto, para um soldado que lutou nas
trincheiras, suas lembranças e interpretações da guerra podem ser profundamente
pessoais e emocionais, refletindo não apenas os aspectos históricos, mas também os
horrores, camaradagem e trauma experimentados diretamente. Essa abordagem de
Hobsbawm destaca a complexidade da história como um campo onde as narrativas
históricas e as experiências individuais se cruzam, e onde a compreensão completa de
um evento muitas vezes requer a consideração tanto das análises acadêmicas quanto das
histórias pessoais e testemunhos.
Capítulo 1 – A revolução centenária
- Em primeiro lugar, em 1880 ele era genuinamente global. Quase todas as suas partes
agora eram conhecidas e mapeadas de modo mais ou menos adequado ou aproximado.
Com mínimas exceções, a exploração já não consistia em "descoberta", mas numa
forma de esforço atlético, muitas vezes mesclado a importantes elementos de
competição pessoal ou nacional; tipicamente a tentativa de dominar os ambientes físicos
mais duros e inóspitos do Ártico e da Antártida. P. 19
- A ferrovia e a navegação a vapor haviam reduzido as viagens intercontinentais ou
transcontinentais a uma questão de semanas, em vez de meses — salvo na maior parte
do território da África, da Ásia continental e de partes do interior da América do Sul —,
e em breve as tornariam uma questão de dias. P. 19
- Contudo, enquanto num sentido o mundo estava se tornando demograficamente maior
e geograficamente menor e mais global — um planeta ligado cada vez mais
estreitamente pelos laços dos deslocamentos de bens e pessoas, de capital e
comunicações, de produtos materiais e idéias —, em outro sentido este mundo
caminhava para a divisão. Nos anos 1780, como em todos os outros períodos da história
de que se tem registro, houve regiões ricas e pobres, economias e sociedades avançadas
e atrasadas, unidades com organização política e força militar mais fortes e mais fracas.
P. 20
- Mas, no século XIX a defasagem entre os países ocidentais, base da revolução
econômica que estava transformando o mundo, e os demais se ampliou, primeiro
devagar, depois cada vez mais rápido. P. 21
- A tecnologia era uma das principais causas dessa defasagem, acentuando-a não só
econômica como politicamente. Um século após a Revolução Francesa, tornava-se cada
vez mais evidente que os países mais pobres e atrasados podiam ser facilmente vencidos
e (salvo se fossem muito grandes) conquistados, devido à inferioridade técnica de seus
armamentos. Tratava-se de um fato relativamente novo. (...). As conquistas coloniais das
forças européias haviam sido realizadas não por causa de armas milagrosas, mas devido
a uma maior agressividade, crueldade e, acima de tudo, organização disciplinada.
Contudo, a revolução industrial, que se fez presente nos conflitos armados em meados
do século (cf. A Era do Capital, cap. 4), fez a balança pender mais ainda a favor do
mundo "avançado" graças aos explosivos potentes, às metralhadoras e ao transporte a
vapor (ver cap. 1). P. 21
- Nos anos 1880 a Europa, além de ser o centro original do desenvolvimento capitalista
que dominava e transformava o mundo, era, de longe, a peça mais importante da
economia mundial e da sociedade burguesa. Nunca houve na história um século mais
europeu, nem tornará a haver. Demograficamente, o mundo contava com uma proporção
mais elevada de europeus no fim do século que no início — talvez um em cada quatro,
contra um em cada cinco. Apesar dos milhões de pessoas que o velho continente
mandou para vários mundos novos, ele cresceu mais depressa. Embora a posição futura
da América como superpotência econômica mundial já estivesse assegurada pelo ritmo
e pelo ímpeto de sua industrialização, o produto industrial europeu ainda era duas vezes
maior do que o americano, e os principais avanços tecnológicos ainda provinham
basicamente do leste do Atlântico. P. 23
- Quanto à cultura erudita, o mundo das colônias brancas ultramarinas ainda continuava
totalmente dependente do velho continente, de forma ainda mais óbvia entre as ínfimas
elites cultas das sociedades não brancas, na medida em que estas consideravam "o
Ocidente" como modelo. (...). A cultura e a vida intelectual européias ainda estavam
majoritariamente nas mãos de uma minoria próspera e culta, admiravelmente adaptadas
para funcionar nesse meio e para ele. A contribuição do liberalismo e, mais além, da
esquerda ideológica foi exigir que todos passassem a ter livre acesso às realizações
dessa cultura de elite. O museu e a biblioteca públicos foram suas conquistas
características. A cultura americana, mais democrática e igualitária, só assumiu uma
posição própria na era da cultura de massa do século XX. P. 23-24
- Reciprocamente, a implantação da indústria não se restringia inteiramente ao Primeiro
Mundo. À parte a construção de uma infraestrutura (isto é, portos e ferrovias), as
atividades extrativas (mineração) — presentes em muitas economias dependentes e
coloniais — e a produção familiar, presente em muitas áreas rurais atrasadas, algumas
indústrias do tipo ocidental do século XIX tendiam a se desenvolver modestamente em
países dependentes como a Índia, mesmo nesta etapa inicial, por vezes enfrentando forte
oposição de interesses metropolitanos, sobretudo nos setores têxtil e alimentício. P. 25
- Contudo, é aproximadamente correto fazer da indústria um critério de modernidade.
Nos anos 1880, nenhum país fora do mundo "desenvolvido" (e do Japão, que se somou
a ele) podia ser descrito como industrializado ou em vias de industrialização. Mas pode-
se dizer que mesmo os países "desenvolvidos" que ainda eram essencialmente agrícolas,
ou, em todo caso, não associados imediatamente a fábricas e forjas, já estavam em
sintonia com a sociedade industrial e a alta tecnologia. P. 25
- Existia claramente um modelo geral referencial das instituições e estrutura adequadas
a um país "avançado", com algumas variações locais. Esse país deveria ser um Estado
territorial mais ou menos homogêneo, internacionalmente soberano, com extensão
suficiente para proporcionar a base de um desenvolvimento econômico nacional;
deveria dispor de um corpo único de instituições políticas e jurídicas de tipo
amplamente liberal e representativo (isto é, deveria contar com uma constituição única e
ser um Estado de direito), mas também, a um nível mais baixo, garantir autonomia e
iniciativa locais. Deveria ser composto de "cidadãos", isto é, da totalidade dos
habitantes individuais de seu território que desfrutavam de certos direitos jurídicos e
políticos básicos, antes que, digamos, de associações ou outros tipos de grupos e
comunidades. As relações dos cidadãos com o governo nacional seriam diretas e não
mediadas por tais grupos. E assim por diante. Essas eram as aspirações não só dos
países "desenvolvidos" (todos os quais estavam, até certo ponto, ajustados a esse
modelo ao redor de 1880), mas de todos os outros que não queriam se alienar do
progresso moderno. Nesse sentido, o modelo da nação-Estado liberal constitucional não
estava confinado ao mundo "desenvolvido". De fato, o maior contingente de Estados
operando teoricamente segundo esse modelo, em geral o modelo federalista americano
mais que a variante centralista francesa, seria encontrado na América Latina. Esta era
composta, à época, de dezessete repúblicas e um império, que não sobreviveu além dos
anos 1880 (Brasil). Na prática, era notório que a realidade política latino-americana e,
neste sentido, a de algumas monarquias nominalmente constitucionais do sudeste da
Europa, tinha pouca relação com a teoria constitucional. Grande parte do mundo não
desenvolvido não possuía Estados nem deste nem, por vezes, de nenhum tipo. Parte dele
era composta de colônias das potências européias, diretamente administradas por elas:
em pouco tempo esses impérios coloniais conheceriam enorme expansão. Alguns deles,
no interior da África, por exemplo, consistiam de unidades políticas às quais o termo
"Estado", no sentido então corrente na Europa, não podia ser rigorosamente aplicado,
embora outros termos então correntes ("tribos") não fossem muito melhores. Alguns
deles eram impérios, por vezes muito antigos, como o chinês, o persa e o otomano, sem
paralelo, na história européia, mas que evidentemente não eram Estados territoriais
("nações-Estado") do tipo dos do século XIX, e obviamente estavam (ao que parecia) se
tornando obsoletos. P. 26-27
- Em termos de política internacional (isto é, na avaliação dos governos e ministérios
das relações exteriores da Europa), o número de entidades tratadas como Estados
soberanos no mundo inteiro era bastante modesto para nossos patrões. Por volta de
1875, não passavam de dezessete na Europa (incluindo as seis "potências" — Grã-
Bretanha, França, Alemanha, Rússia, Áustria-Hungria e Itália — e o Império Otomano),
dezenove nas três Américas (incluindo uma "grande potência" virtual, os EUA), quatro
ou cinco na Ásia (sobretudo o Japão e dois impérios antigos, o chinês e o persa) e talvez
três casos altamente marginais na África (Marrocos, Etiópia e Libéria). Fora das
Américas, que continham o maior conjunto de repúblicas do globo, praticamente todos
esses Estados eram monarquias — na Europa as únicas exceções eram a Suíça e (a
partir de 1870) a França — embora os países desenvolvidos fossem, em sua maioria,
monarquias constitucionais ou que, ao menos, acenavam com iniciativas oficiais
favoráveis a algum tipo de representação eleitoral. Os impérios czarista e otomano — o
primeiro à margem do "desenvolvimento", o outro pertencendo nitidamente ao mundo
das vítimas — eram as únicas exceções européias. Entretanto, fora a Suíça, a França, os
EUA e possivelmente a Dinamarca, democrático[f] nenhum desses Estados
representativos se baseava no direito de voto (à época, contudo, exclusivamente
masculino), embora algumas colônias brancas, formalmente pertencentes ao Império
Britânico (Austrália, Nova Zelândia, Canadá) fossem razoavelmente democráticas — de
fato mais que qualquer outra região fora dos estados das Montanhas Rochosas nos EUA.
Contudo, nesses países extra-europeus a democracia política pressupunha a exclusão
das populações autóctones anteriores à sua chegada — índios, aborígines, etc. Mesmo
ali onde estas não podiam ser eliminadas através da expulsão para "reservas" ou do
genocídio, não faziam parte da comunidade política. Em 1890, dos 63 milhões de
habitantes dos EUA, apenas 230 mil eram índios." P. 27
- A diferença mais nítida entre os dois setores do mundo era cultural, no sentido mais
amplo da palavra. Por volta de 1880, predominavam no mundo "desenvolvido" países
ou regiões em que a maioria da população masculina e, cada vez mais, feminina era
alfabetizada; onde a vida política, econômica e intelectual havia, de maneira geral, se
emancipado da tutela das religiões antigas, baluartes do tradicionalismo e da
superstição; e que praticamente monopolizavam o tipo de ciência que era cada vez mais
essencial à tecnologia moderna. (...). Uma população urbana majoritariamente
analfabeta, como em grande parte do que era então o Terceiro Mundo, seria um
indicador ainda mais convincente de atraso, pois o índice de alfabetização das cidades
costumava ser muito mais elevado que o do campo. P. 28
- A educação de massa — assegurada à época nos países desenvolvidos por um ensino
primário cada vez mais universalizado, promovido ou supervisionado pelos Estados —
deve ser distinguida da educação e da cultura das geralmente pequenas elites. Neste
ponto, as diferenças entre os dois setores daquela faixa do planeta onde a alfabetização
era conhecida eram menores, (...). P. 29
- O que definia o século XIX era a mudança: mudanças em termos de e em função dos
objetivos das regiões dinâmicas do litoral do Atlântico norte, que eram, à época, o
núcleo do capitalismo mundial. P. 29
- Vastas redes de trilhos reluzentes, correndo por aterros, pontes e viadutos, passando
por atalhos, atravessando túneis de mais de quinze quilômetros de extensão, por passos
de montanha da altitude dos mais altos picos alpinos, o conjunto das ferrovias constituía
o esforço de construção pública mais importante já empreendido pelo homem. Elas
empregavam mais homens que qualquer outro empreendimento industrial. Os trens
alcançavam o centro das grandes cidades — onde suas façanhas triunfais eram
festejadas com estações ferroviárias igualmente triunfais e gigantescas — e às mais
remotas áreas da zona rural, onde não penetrava nenhum outro vestígio da civilização
do século XIX. Por volta do início dos anos 1880 (1882), quase 2 bilhões de pessoas
viajavam por ano pelas ferrovias, a maioria delas, naturalmente, na Europa (72 por
cento) e na América do Norte (20 por cento). À época, nas regiões "desenvolvidas" do
Ocidente, muito poucos homens, talvez mesmo muito poucas mulheres, cuja mobilidade
era mais restrita, deixaram de entrar em contato com a ferrovia em algum momento de
suas vidas. É provável que o único outro subproduto da tecnologia moderna mais
universalmente conhecido fosse a rede de linhas telegráficas em sua infindável sucessão
de postes de madeira, com uma quilometragem três ou quatro vezes superior à da
totalidade das ferrovias do mundo inteiro. P. 30
- Nos anos 1880, isto estava começando a mudar imediata e radicalmente, a favor do
vapor. A tradição ainda reinava nas águas, especialmente no que tange à construção,
carga e descarga de navios, apesar da passagem da madeira ao ferro e da vela ao vapor.
P. 31
- Assim, o progresso era mais visível na capacidade de produção material e de
comunicação rápida e ampla no mundo "desenvolvido”. P. 31
- Assim sendo, o "progresso" fora dos países avançados não era nem um fato óbvio nem
uma suposição plausível, mas sobretudo um perigo e um desafio estrangeiros. Os que se
beneficiavam com ele e o acolhiam favoravelmente eram as reduzidas minorias de
governantes e citadinos que se identificavam com os valores adventícios e irreligiosos.
(...). Havia, ainda, poucos lugares, mesmo nas regiões atrasadas da Europa adjacentes às
zonas avançadas ou circundadas por elas, onde os homens do campo ou os heterogêneos
pobres urbanos estavam dispostos a aceitar a liderança de modernizadores abertamente
antitradicionalistas, como descobririam muitos dos novos partidos socialistas. P. 33
- O mundo estava, portanto, dividido numa parte menor, onde o "progresso" nascera, e
outra, muito maior, onde chegara como conquistador estrangeiro, ajudado por minoria
de colaboradores locais. Na primeira, até a massa das pessoas comuns agora acreditava
que o progresso era possível e desejável e mesmo que, sob certos aspectos, estava
ocorrendo. P. 33
- Contudo, a impossibilidade ou a recusa da maioria dos habitantes do mundo de viver à
altura do exemplo dado pelas burguesias ocidentais era mais notória que os êxitos das
tentativas de imitá-lo. (...). A humanidade foi dividida segundo a "raça", idéia que
penetrou na ideologia do período quase tão profundamente como a de "progresso"; (...).
Até nos próprios países "desenvolvidos", a humanidade estava cada vez mais dividida
na cepa enérgica e talentosa da classe média e nas massas indolentes, condenadas à
inferioridade por suas deficiências genéticas. Apelava-se à biologia para explicar a
desigualdade, em particular aqueles que se sentiam destinados à superioridade. P. 34
- Nas repúblicas da América Latina, ideólogos e políticos, inspirados nas revoluções que
haviam transformado a Europa e os EUA, pensaram que o progresso de seus países
dependia da "arianização" — ou seja, do "branqueamento" progressivo do povo através
de casamento inter-racial (Brasil) ou de um verdadeiro repovoamento por europeus
brancos importados (Argentina). Suas classes dirigentes eram, por certo, brancas — ou
ao menos assim se consideravam — e os sobrenomes não ibéricos dos descendentes de
europeus eram e ainda são desproporcionalmente freqüentes nos integrantes de suas
elites políticas. Mas até no Japão, por menos provável que pareça hoje, a
"ocidentalização" parecia suficientemente problemática nesse período, a ponto de
sugerir que ela só poderia ser realizada com êxito por meio de uma injeção do que hoje
chamaríamos de genes ocidentais (ver A Era do Capital, caps. 8 e 14). P. 34
Capítulo 2 – Uma economia mudando de marcha
-A
IMPÉRIO, IDEOLOGIA E ARTE: ENTRETENIMENTOS
POPULARES NA INGLATERA DE FINS DO SÉCULO XIX.
Thiago Romão de Alencar
- Como bem mostrou Eric Hobsbawm (HOBSBAWM, 2011), em grande parte
retomando os escritos gramscianos a respeito das mudanças ocorridas no Estado
capitalista em fins do século XIX, a esfera ideológica se fez cada vez mais importante
no sentido de amalgamar as classes sociais em torno de certos objetivos expressos de
uma classe específica, tornados universais com o objetivo de provocar a adesão das
classes subalternas à causa dessa classe específica. Para atingir esse objetivo, lançam-se
mão de inúmeros mecanismos de difusão e perpetuação de determinadas crenças úteis a
esse objetivo. P. 272
- Central para o entendimento desse processo é a noção de hegemonia, que engloba
aspectos ideológicos, políticos e econômicos na análise das relações sociais entre
classes em conflito num determinado momento histórico. Coube a Antonio Gramsci
salientar a busca pelo consenso exercida pelas classes dominantes sob o capitalismo
avançado, num processo que demandava cada vez mais esforços no sentido de
convencer ideologicamente o grosso da sociedade de que aquele modo particular de
organização social era o mais adequado e mais vantajoso à comunidade como um todo.
Nesse processo de duas vias – em que os dominantes deveriam levar em conta alguns
interesses dos dominados, contanto que estes não abalem a organização social nos seus
pilares mais básicos –, forma-se, através dessas relações sociais, um ethos específico,
uma ideologia orgânica que capta a essência do sentimento de uma época. P. 272
- Em sua obra Imperialismo, fase superior do capitalismo (LENINE, 1979), Lenin
enumerou as modificações presentes no capitalismo de meados do século XIX, como a
concentração da produção e a constituição dos monopólios, o crescimento do papel dos
bancos, a fusão entre capitais industriais e bancários formando o capital financeiro e sua
oligarquia, o aumento da exportação de capitais. E, a principal consequência de todo
esse processo, a partilha do mundo entre as potências imperialistas. Para Lenin, a
expansão imperialista fora resultado direto das mudanças no sistema capitalista. P. 273
- Com o incremento dos lucros e dos investimentos cada vez maiores, a acumulação de
capital nos países de capitalismo mais avançado se tornara gigantesca, atingindo
patamares nunca antes vistos. Esse grupo de países – Inglaterra, Estados Unidos,
Alemanha e França – se descolara ainda mais do resto dos países devido a seu intenso
desenvolvimento monopólico e financeiro. As relações entre esses Estados e os demais
tornaram-se cada vez mais intensas e desiguais, na medida em que os quatro possuíam,
juntos, aproximadamente 80% do capital financeiro mundial. E esse capital já não via
mais barreiras para sua exportação, atuando agora não somente dentro do território de
onde se originava, mas, cada vez mais, aprofundando a sua mobilidade espacial por todo
o globo terrestre. Para Lenin, o que caracterizava o velho capitalismo, no qual
predominava a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracterizaria
o capitalismo moderno do seu período, no qual impera o monopólio, seria a exportação
de capital. P. 273
- No período livre-concorrencial do século XVIII, o predomínio britânico no mercado
mundial era inconteste, e os políticos e empresários britânicos não cogitavam a hipótese
de impor uma dominação política e territorial direta sobre as nações subdesenvolvidas
africanas e americanas. Pelo contrário: na América Latina, por exemplo, agiam no
intuito de derrubar os pactos coloniais ainda existentes, justamente por ter uma força
econômica – propiciada pelo pioneirismo da sua revolução industrial – que lhes permitia
dominar esses mercados sem o uso de armas ou a institucionalização de uma dominação
política direta. Porém, com o surgimento da concorrência das outras potências
industriais europeias, como França, Alemanha, Bélgica e Holanda, a Inglaterra passou a
agir no intuito de reservar para si uma parcela do mercado global, que antes estava
inteiramente sob sua hegemonia econômica. Por isso, não nos assusta perceber que até a
primeira metade do século XIX, políticos ingleses fossem árduos defensores do
liberalismo livre-concorrencial e opositores do colonialismo. P. 273-274
- É só a partir da concorrência de novas potências, portanto, que a Grã-Bretanha passa a
ver o colonialismo e a dominação política e territorial efetivas como o principal meio de
manter a sua condição de maior economia capitalista. P. 274
- Citação direta:
O imperialismo não era coisa nova para a Grã-Bretanha. O que havia de novo
era o fim do virtual monopólio britânico no mundo subdesenvolvido, e a
consequente necessidade de se delimitar formalmente regiões de influência
imperial, a fim de alijar concorrentes em potencial; frequentemente antes de
quaisquer perspectivas reais de lucro econômico (HOBSBAWM, 2011b, p. 122-
123). P. 274
- A manutenção de colônias e delimitação de um mercado específico monopolizado era
essencial para o capitalismo inglês, beneficiando diretamente as frações da burguesia
envolvidas nos empreendimentos coloniais e ligadas ao mercado externo. O
convencimento do restante da sociedade inglesa de que a dominação imperial formal era
legítima e necessária passou a fazer parte da pauta política. P. 274
- Na Inglaterra, esse período de ampliação da democracia, com sucessivos atos
parlamentares que aumentaram o número de votantes entre as classes médias e certas
frações da classe trabalhadora, a questão da nação e da nacionalidade cada vez mais
imbricadas na agenda política parlamentar e eleitoral, além da curva irreversível em
direção à urbanização plena – em 1851, pela primeira vez na história a população
urbana inglesa ultrapassava a rural – e a ampliação de um corpo burocrático voltado
para as questões sociais relacionadas à intensa industrialização da Inglaterra, coincidiu
com a expansão imperialista britânica, que se deu de modo mais incisivo a partir de
1870. Com a chamada “eleitorização da política”, e um aumento dos canais de
participação e contato entre Estado e sociedade (censos, agências e ministérios do
governo, impostos, correios, escolas), a adesão dos cidadãos deveria se dar de tal modo
que se garantisse a longevidade desse apoio. P. 274-275
- Essa ampliação do Estado e da política, cujo papel de convencimento ideológico ganha
cada vez mais importância e proeminência se comparado com o passado, apenas reforça
o caráter de classe do Estado capitalista, imerso nas relações sociais que fundam e
reproduzem esse sistema, com as classes dominantes procurando impor a hegemonia de
seus interesses particulares como pressupostos e deveres universais do todo social
através das duas instâncias de atuação estatal: a sociedade política e a sociedade civil. P.
275
- Citação direta:
- A ideia de hegemonia, em seu sentido amplo, é portanto especialmente
importante nas sociedades em que a política eleitoral e a opinião pública são
fatores significativos, e em que se considera que a prática social depende do
consentimento de certas ideias dominantes que, na realidade, expressam as
necessidades de uma classe dominante (WILLIAMS, 2007, p. 200). P. 275
- As modificações no modo de produção capitalista ocorridas ao longo do século XIX e
que desembocaram na expansão imperialista precisavam ser explicadas e aceitas por
toda a sociedade inglesa. É em grande parte através da batalha ideológica que as classes
dominantes garantem a hegemonia de seus interesses sobre a sua sociedade: era de vital
importância para a burguesia inglesa convencer o resto da sociedade de que a
dominação que eles estavam impondo aos povos africanos e asiáticos era correta,
necessária e benéfica para ambas as partes, e para a nação como um todo. A noção de
que os ingleses possuíam uma missão civilizatória, tendo por dever levar
desenvolvimento político, econômico e cultural aos povos conquistados, servia
primordialmente aos interesses das frações da burguesia inglesa ligadas ao capital
monopolista, que se expandia territorialmente pelo globo. Uma nova concepção de
mundo, cujo um dos principais pilares era um militarismo agressivo, xenófobo e racista,
passou a se articular e lentamente foi se estabelecendo como um dos cernes do Estado e
do nacionalismo ingleses no século XIX. P. 275-276
- Citação direta:
- o que se espera das autoimagens da ideologia dominante não é o verdadeiro
reflexo do mundo social, com a representação objetiva dos principais agentes
sociais e seus conflitos hegemônicos. Antes de tudo, eles devem fornecer apenas
uma explicação plausível, a partir da qual se possa projetar a estabilidade da
ordem estabelecida. É por isso que a ideologia dominante tende a produzir um
quadro categorial que atenua os conflitos existentes e eterniza os parâmetros
estruturais do mundo social estabelecido (MESZÁROS, 2012, p. 69). P. 276
- O nacionalismo imperial deve ser visto, portanto, como uma das ideologias
historicamente orgânicas do desenvolvimento social britânico, se conectando
intimamente com a expansão do capital monopolista e da democracia burguesa em
termos de eleitorado no século XIX, sendo central para os desenvolvimentos históricos
posteriores dessa formação social. O nexo orgânico entre a nova etapa da economia
capitalista em expansão e as estruturas ideológicas daí provenientes se fortalece e se
desenvolve cada vez mais, reunindo Estado, política, economia e sociedade sob o
mesmo caldo imperialista e militarista. Aqui, o papel da sociedade civil na busca por
difundir esses novos preceitos e dar-lhes um embasamento consistente foi essencial. P.
276
- E é através desses aparelhos que o nacionalismo inglês – que, nesse período, é
tonificado por ideais imperiais, expansionistas e militaristas – circula pela sociedade,
reforçando o intuito e os impulsos imperiais das classes capitalistas inglesas. Gerações
de homens e mulheres na Inglaterra cresceram lendo nos jornais, aprendendo na escola e
lendo na literatura infanto-juvenil que seu país era o centro de um grande império, dono
da maior marinha da época, difusor da civilização entre povos incultos em longínquas
paragens no continente africano. P. 276
- Aqui o autor se refere à Igreja católica, a imprensa (vista como meios gerais de
impressão, englobando jornais, livros, periódicos, revistas, etc) e as escolas.
- No caso inglês, o próprio imperialismo em si possuía grande valor como um fator de
unidade nacional e pacificador interno, (...). P. 277
- Citação direta:
- De forma mais geral, o imperialismo encorajou as massas, e sobretudo as
descontentes, a se identificarem ao Estado e à nação imperiais, outorgando
assim, inconscientemente, ao sistema político e social representado por esse
Estado justificação e legitimidade. Numa era de política de massa, mesmo os
sistemas antigos precisavam de nova legitimidade, (...) o império era um
excelente aglutinante ideológico. (...). É impossível negar que a ideia da
superioridade em relação a um mundo de peles escuras situado em lugares
remotos e sua dominação era autenticamente popular, beneficiando assim, a
política do imperialismo (HOBSBAWM, 2009, pp. 105-106).
- É a partir dessa ideologia nacional-imperial que os cidadãos ingleses interpretam a
realidade na qual estão inseridos e tomam consciência do mundo que os cerca. Seu
surgimento se liga intima e organicamente às necessidades da época: na Inglaterra do
século XIX, não havia nacionalismo sem imperialismo. Esta “visão de mundo”, forjada
no bojo do desenvolvimento político e econômico britânico, se espraia no tecido social,
se fazendo presente nas diversas áreas da sociabilidade do período. P. 277
- Não havia nacionalismo sem imperialismo (para a Inglaterra)!
- A classe operária seria indiferente ao imperialismo, apenas se manifestando quando a
questão do império interferia diretamente no seu cotidiano, como, por exemplo, quanto
à questão do alistamento obrigatório em períodos de alta de desemprego e conflitos
imperiais. P. 278-279
- Na busca por normatizar o espaço público e, principalmente, controlar o lazer popular
segundo os moldes da moral conservadora do período vitoriano, o parlamento britânico
acabou delineando as formas de entretenimento, a partir da noção de “lazer racional”,
que advogava a pertinência intelectual e moral das diversas formas de lazer como forma
de educar e controlar “as massas”. P. 279
- Se lembrarmos que, em boa parte do século XIX, a Inglaterra lutou para se proteger
das revoluções que grassaram o continente europeu, inclusive encampando o
movimento anti-jacobino e anti-napoleônico. P. 285
- A coesão classista tão almejada pelas classes dominantes perpassava a noção de que
todos estariam unidos no front, inspirados pelo bem maior: a manutenção e expansão do
poderio imperial britânico. Os membros das Forças Armadas passaram a ser vistos
como os operários do império, cumprindo seu papel e contribuindo igualmente para o
complexo imperial. P. 287
- Ao apresentar exemplos de como a ideologia imperial penetrou os entretenimentos
populares e a arte inglesa do século XIX tentei mostrar que, longe de permanecer
imutável no tempo, o nacionalismo imperial sofreu diversas mudanças e foi abordado de
maneiras das mais variadas ao longo dos séculos XIX e XX, se refletindo na arte do
período de diversas maneiras. P. 289
- Visivelmente, apesar das mudanças de abordagem, a questão da necessidade da guerra
em si não era questionada. Fosse pela veia mais séria, fosse pela veia humorística, a
realidade da guerra imperial tornara-se um fato aparentemente inquestionável. P. 289
- Certamente, o nacionalismo inglês – como todos os outros – não pode ser visto como
algo monolítico, estanque e inalterado ao longo dos séculos XIX e XX: são perceptíveis
períodos de maior intensidade e agressividade – como durante a Guerra Bôer ou a
Primeira Guerra Mundial – e períodos de maior calmaria e certo apassivamento. P. 289
- A ideologia imperial se mostrava assim presente nas artes do século XIX, se
manifestando de diversas maneiras. O império enquanto tema cultural perdurou na
Inglaterra no avançar do século XX, demonstrando a força dessa ideologia na sociedade
inglesa, mesmo no período de dissolução do império britânico. P. 290