Jogos de Tabuleiro e de Estratégia e Seus Efeitos
Jogos de Tabuleiro e de Estratégia e Seus Efeitos
EM FUNÇÕES EXECUTIVAS
Belo Horizonte
2015
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Belo Horizonte
2015
2
Oliveira, Joana D’arc Assunção Nogueira de.
Jogos de tabuleiro e de estratégia e seus efeitos em funções executivas: as
043 bases neurobiológicas do uso de jogos de tabuleiro e de estratégia. – 2015.
3
CDU: 612.8
“O ensino é quase sempre fundado em opções teóricas, tradições, ideologias ou
opiniões qualitativas. Ainda está por se construir uma ciência educacional capaz de ser
testada e continuamente melhorada de forma empírica e quantitativa. Se não
chegarmos a uma pedagogia científica capaz de alavancar o aprendizado dos mais
necessitados, é provável que continue aumentando a desigualdade educacional do
planeta.”
4
RESUMO
5
ABSTRACT
The board and strategy games are very common among teachers as a plan to
enhance the learning process in healthy children and those youngsters who face up
troubles during school performance. However, the teaching practice count on results
and conclusions still unreliable, due to lack of standardization in teaching procedures
and subjectivity during evaluation processes. Therefore, the results outlined with the use
of the game and the conclusions about its efficiency still require scientific evidences
about the effects in cognition. Studies in neuroscience offer information that can help
educators to understand how the brain responds during some cognitive tasks, mainly the
ones involved in situations proposed by board and strategy games.
This study intends to show, in easy words for teachers, six scientific articles
that research the neurobiological bases related to the practice of playing board and
strategy games. In addition, those articles show how playing these games for a longtime
can impact the neural circuits and if an intervention program with these games can
affect the attention and the behavior in healthy children and those ones with (ADHD)
diagnosis. One of these works suggests an evaluation protocol about the effects of an
intervention program with the game GO in executive functions.
Key words: board games, strategy games, executive functions, elementary school
6
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 08
INTRODUÇÃO 13
atividades específicas? 15
METODOLOGIA 20
RESULTADOS 23
DISCUSSÃO 34
CONCLUSÃO 37
BIBLIOGRAFIA 38
ABREVIAÇÕES 41
ANEXO 42
7
APRESENTAÇÃO
Este estudo foi motivado pela minha experiência na prática clínica com crianças
com dificuldades de aprendizagem. Uma destas crianças, um menino de 9 anos que
chamaremos de P, foi encaminhado a mim por uma escola pública de Belo Horizonte
por não conseguir aprender a ler nem escrever, mesmo tendo frequentado a escola desde
os 6 anos de idade. Servindo-me de jogos de tabuleiro e da leitura de suas regras, além
da interação com P, obtive resultados positivos, porém totalmente baseados na
subjetividade das análises. Desenvolvi, então, o presente estudo, na tentativa de
ultrapassar o limiar da intuição da prática (psico)pedagógica e buscar a compreensão do
que ocorre com o cérebro de um indivíduo quando joga um jogo de tabuleiro que exige
o uso de estratégias durante uma partida.
Mas, até que ponto os educadores sabem se isso é realmente verdadeiro e por
que seria possível? O que acontece no cérebro de uma pessoa quando ela se engaja num
jogo desse tipo? Como podemos atribuir ao trabalho com esses jogos os possíveis
ganhos cognitivos ou comportamentais observados após um período de utilização
sistemática dos mesmos?
Com algumas semanas consegui introduzir o primeiro texto numa sessão para
conhecermos as regras de um jogo novo. Obviamente eu li o texto porque P não podia
fazê-lo ainda, mas manteve-se atento à minha leitura para entendermos como jogar.
Depois que eu lia um trecho tentávamos reproduzir no tabuleiro a situação do manual,
explicitando, em voz alta, como fazer. Fizemos esse exercício várias outras vezes e, por
fim, eu lia e ele explicava como fazer. Depois de alguns meses, P manifestou o desejo
de aprender a jogar Xadrez e, embora eu já soubesse como jogar, começamos a estudar
juntos sobre esse jogo a partir de um pequeno manual de Xadrez para crianças no qual
ambos líamos as instruções alternadamente. P ainda lia com uma dificuldade muito
grande, mas aos poucos, se mostrava disposto a se relacionar com a linguagem escrita
sem a mesma resistência antes demonstrada.
9
observadas aconteceram por causa dos trabalhos daqueles nossos encontros, já que todo
o restante do cotidiano de P permanecia aparentemente inalterado, os jogos tinham,
então, um papel fundamental nesse resultado. Mas o que, exatamente, havia ocorrido
para provocar tais mudanças?
A minha primeira aposta foi de que a interação comigo durante as partidas dera a
ele condições de melhorar sua autoimagem porque foi capaz de aprender diferentes
jogos e mesmo de vencer várias partidas. Isso teria dado a ele condições de se sentir
mais seguro na escola porque passara a saber algo que os colegas não sabiam tanto. Ele
me pedia alguns jogos emprestados para jogar no recreio da escola e então, onde sempre
estava para trás, podia vencer. Também a leitura das regras dos jogos poderia ter um
papel importante já que tal exercício dera um significado prático e prazeroso ao texto,
antes sem sentido para ele ou vinculado ao fracasso e desprazer.
As conversas que surgiam nas sessões de jogos, sobre a escola e sobre a casa
onde P vivia com a família, também me fazem pensar que a nossa interação
desempenhara um papel importante para as mudanças no seu comportamento e
desempenho escolar. Ele passou a confiar em mim a ponto de me contar coisas que
despertavam sentimentos e emoções ambíguas e confusas sobre as quais, algumas
vezes, pudemos conversar. Acreditei que falar desses fatos, e dos sentimentos e
emoções a eles relacionados, o haviam ajudado a se desvencilhar de tramas psicológicas
bloqueadoras do seu desenvolvimento natural. Conflitos interiores poderiam estar
ocupando sua mente, dificultando que se concentrasse nos conteúdos pouco atraentes da
escola e gerando emoções conflituosas na família. Compreender tais emoções durante
nossas conversas parecia ter ajudado P a controlar melhor suas relações sociais e parecia
também ter liberado sua mente para ocupar-se das coisas ensinadas pela professora.
10
Nessa perspectiva, a importância do jogo se limita à mediação que ele
proporciona numa psicoterapêutica, mas esse não pode ser o papel do educador ou do
psicopedagogo que têm seu compromisso com a aprendizagem escolar e não com a
terapia psicológica. Embora as conversas ocorressem, não estava claro se elas haviam
gerado a mudança e se, caso não houvesse os jogos, mas apenas as conversas, as
mudanças também seriam observadas. Permanecia inalterada a questão original de
saber o que havia acontecido na mente de P para que ele saísse de um estado de
impossibilidade de aprender a leitura e de obter sucesso na escola e passasse, não só a
dominar o código escrito, mas também o código social e melhorar suas relações no
ambiente escolar e familiar, como as pessoas nesses ambientes relatavam.
11
Neurociência. Não quero, com isso, desmerecer a capacidade intuitiva no fazer
pedagógico, considerando que a intuição seja possível a partir do acúmulo de
experiência e observação atenta dos resultados das ações promovidas. Mas podemos nos
enganar em nossas observações e o estudo do comportamento e da cognição pelos
neurocientistas têm fornecido dados significativos sobre as falhas que ocorrem na nossa
percepção da realidade (Cosenza, 2016; Mlodinow, 2013). Por isso o respaldo da
metodologia científica é importante. Com ele podemos contar com dados que
evidenciam o que pode ser positivo para os objetivos propostos e o que,
comprovadamente resulta, quando não em prejuízos aos alunos, pelo menos, sem
alterações significativas que justifiquem o investimento dispendido em uma ação
pedagógica .
Por fim, nesse trabalho, pretende-se revisar a literatura científica a respeito das
bases neurobiológicas do uso de jogos de tabuleiro e de estratégia, senão de forma
exaustiva, mas contando com a exiguidade de publicações a respeito numa busca em
bancos de dados acadêmicos.
12
INTRODUÇÃO
13
tornar mais inteligente. No entanto, muitos neurocientistas no mundo todo têm afirmado
que isso não é verdade e que programas que utilizam games com a promessa de
aumentar o QI ou melhorar o desempenho cognitivo são enganadores e apenas fazem o
consumidor perder seu tempo e dinheiro. É o que acredita um grupo de 70 cientistas que
assinaram um documento divulgado em dezembro de 2014 pela Universidade de
Stanford e pelo Instituto Max-Planck de Berlim para o Desenvolvimento Humano. Em
uma citação do documento divulgada no blog Mente e Cérebro, em janeiro de 2015,
(www2.uol.com.br/vivermente/noticias/ginastica_para_o_cerebro_nao_deixa_voce_ma
is_inteligente) pode-se ler que “não há resultados que suportem o argumento de que
‘jogos cerebrais’ alterem o funcionamento neural de forma a melhorar o desempenho
cognitivo no dia a dia, prevenir o declínio cognitivo ou doenças do cérebro”.
14
Um dos objetivos desse estudo é revisar trabalhos que investiguem o
funcionamento do cérebro durante o engajamento em um jogo de tabuleiro e estratégia,
analisem as regiões cerebrais envolvidas nessa atividade e avaliem se um treinamento
com jogos de tabuleiro poderia melhorar funções executivas de crianças em idade
escolar.
Por volta de 1800, o médico alemão Franz Joseph Gall, mapeou as regiões
cerebrais baseando-se na hipótese de que havia partes específicas no cérebro humano,
que ele chamou de órgãos do cérebro, responsáveis por faculdades mentais e traços de
personalidade. A esta ideia, que se difundiu e ganhou credibilidade no Reino Unido e
nos Estados Unidos nas primeiras décadas do séc. XIX, deu-se o nome de Frenologia.
Gall acreditava que saliências ou modificações no crânio, localizadas nas regiões
indicadas no seu mapeamento do cérebro, eram indicativos seguros de tendências
comportamentais e explicavam traços da personalidade daquele indivíduo. No entanto,
essa credibilidade foi perdendo terreno naquele mesmo século com as descobertas de
pesquisas sobre lesões no cérebro de animais, até sua rejeição como teoria científica.
Mas, em 1861, o médico e neuroanatomista Paul Broca demonstrou que a teoria de Gall
sobre a especialização de regiões corticais no cérebro não era tão improvável mas, com
grandes ressalvas, e apresentou ao mundo médico o “centro” da fala, conhecido hoje
como área de Broca que, contrariando a teoria de Gall, não é representada pelas
saliências e modificações no relevo do crânio (Lent, 2010; Kandel, Schwartz, Jessell,
Siegelbaum & Hudspeth, 2014).
Broca observou que seus pacientes afásicos, em análise pós mortem de seus
cérebros, apesentavam uma lesão em um local específico do lobo frontal no hemisfério
esquerdo, o que o levou a concluir que esta era uma região responsável pelos aspectos
motores da fala.
16
Broca e que juntas, elas formavam um complexo responsável pela compreensão e
expressão da linguagem falada (Lent, 2010; Kandel et al., 2014).
17
determinar a circuitaria neural envolvida em diversas atividades e comportamentos
humanos (Gonzalez-Castilloa, et al., 2012).
Algumas dessas regiões observadas fazem conexão entre si e com várias outras
partes do encéfalo, formado redes, ou circuitos neurais, que modulam nosso pensamento
e comportamento. Uma dessas redes neurais trata-se da circuitaria envolvida com as
Funções Executivas (FE), que nos permitem manter a atenção, pensar sobre as
consequências das tomadas de decisão, organizar o pensamento e planejar repostas e
comportamentos adequados, controlar os impulsos para avaliar e evitar uma situação
inadequada ou perigosa, entre outras tarefas cotidianas de grande importância para a
aprendizagem e também necessárias quando se está engajado na tarefa de jogar
Tachibana, Yoshida, Ichinomiya, Nouchi, Miyauchi, Takeuchi, Tomita, Arai, &
Kawashima, 2012; Kim, Han, Lee, Kim & Cheong, Han, 2014.
Esses jogos, que recrutam funções executivas são aqueles que exigem que o
jogador pense em estratégias para atacar e se defender do seu adversário, como vimos
1
São jogos que utilizam uma superfície com demarcações e limites dentro dos quais os jogadores
movimentam peças ou fazem marcas, de acordo com as regras do jogo
18
em parágrafos anteriores. Durante uma partida esses jogadores precisam tomar decisões,
fazer escolhas, antecipar jogadas, realizar mudanças de estratégias, enfim, habilidades
ligadas às FE. São habilidades necessárias também para conquistar uma vida acadêmica
satisfatória e queremos saber, justamente, se usar esses jogos de tabuleiro e de estratégia
tem resultado em evidências sobre a ativação das funções executivas que são
importantes para a aprendizagem e também sobre a eficácia de programas de
treinamento com esses jogos na melhora dessas habilidades em crianças saudáveis e
também aquelas com TDAH
Além dos conhecidos jogos de xadrez, dama, gamão, war, banco imobiliário,
temos outros exemplos de jogos de tabuleiro que demandam estratégia para vencer um
ou mais adversários. Estes jogos estão disponíveis em grande escala no mercado e
também podem ser confeccionados artesanalmente. Alguns podem ser muito antigos,
como é o caso de mancala. Originário da Índia estima-se que há cerca de 7 mil anos foi
adotado na Grécia e viajou no tempo e no espaço até as lojas de hoje. Os jogos citados
nesse estudo se limitam ao GO e ao Xadrez por terem sido os disponíveis no Portal
Capes em decorrência da escolha de palavras chaves relacionadas ao uso de jogos de
tabuleiro e estratégia, funções executivas e alunos do ensino fundamental.
19
METODOLOGIA
Numa busca inicial na plataforma do Portal CAPES utilizou-se as palavras-
chaves “jogos” e “aprendizagem”, tanto em português como em inglês, “games” e
“learn”. Como resultado da pesquisa foram encontrados trabalhos que avaliavam os
efeitos de jogos de computador, trabalhos sobre jogos de tabuleiro e muitos sobre
brincadeiras infantis. De acordo com os critérios de exclusão adotados nesse estudo, não
foram utilizados os trabalhos sobre jogos de computador e também aqueles que
analisavam as brincadeiras infantis. Dos trabalhos que analisavam a utilização de jogos
de tabuleiro, nenhum deles fazia referência ao funcionamento neural na utilização
desses jogos e foram, por isso, também excluídos.
20
crianças em idade escolar quando submetidas a um programa de intervenção com o jogo
Go.
A combinação de “executive functions”, “board and strategy games”
“neuroplasticity” e “elementary school children” levou a dois trabalhos realizados com
crianças. Um desses trabalhos propõe um protocolo de avaliação de um programa de
intervenção com o jogo Go. Mesmo sendo considerado inconcluso pelos autores, que
pretendem aplicar tal protocolo e utilizar a fMRI em trabalhos futuros, optou-se pela sua
inclusão nessa revisão bibliográfica como referência sobre as hipóteses que norteiam os
neurocientistas em suas pesquisas sobre a neurobiologia do uso de jogos de tabuleiro e
sobre a metodologia utilizada nessa investigação.
Foram utilizados apenas os termos em inglês porque, nas buscas iniciais não
foram encontrados artigos que pudessem ser considerados pelos critérios de inclusão
quando os termos em português foram utilizados.
Em resumo, para obtenção dos artigos que foram analisados neste trabalho, os
critérios de inclusão foram:
21
Artigos cuja investigação não estivesse voltada para o funcionamento do
cérebro no uso dos de jogos de tabuleiro e de estratégia
22
RESULTADOS
Como o cérebro joga? O que acontece no cérebro de uma pessoa quando está
jogando? Que partes do encéfalo são ativadas enquanto alguém joga? As mesmas
regiões encefálicas são ativadas quando se joga jogos diferentes? A experiência no jogo
altera a ativação neural dos jogadores e, se há alterações, elas podem ser transferidas
para outros domínios cognitivos, como a atenção e o comportamento?
Os pesquisadores Chen, Zhang, Zhang, Li, Meng, Hec, & Hud (2002) e
Atherton, Zhuangb, Bart, Hud & Hec (2003), junto com seus colaboradores, procuraram
conhecer as regiões cerebrais envolvidas nos jogos Go e Xadrez e as intervenções foram
2
Go, ou BADUK, é um jogo de tabuleiro milenar, muito difundido no oriente, que requer dois jogadores,
sendo que um joga com peças brancas e outro com as peças pretas. As peças têm valor idêntico entre si e
o jogo se caracteriza pela necessidade de raciocínio estratégico. O tabuleiro é perpassado por 19 linhas na
horizontal e 19 linhas na vertical. As peças são deslocadas pelos jogadores nas interseções dessas linhas.
O objetivo de cada jogador é cercar seu oponente enquanto ocupa a maior parte possível do tabuleiro
enquanto tenta impedir que seu oponente o faça. Embora requeira grande habilidade estratégica, Go tem
regras bastante simples e pode ser jogado por crianças a partir de 8 anos de idade.
3
O Xadrez é um jogo amplamente conhecido no mundo todo e amplamente utilizado em escolas e
consultórios de psicopedagogia no ocidente. Diferentemente do Go, tem regras bastante complexas, com
valores diferentes para as várias peças manipuladas pelos jogadores no espaço do tabuleiro. Jogar Xadrez
requer altas habilidades cognitivas e sofisticadas ferramentas de resolução de problemas (Atherton et al.,
2002).
23
realizadas com grupos de amadores na Universidade de Ciência e Tecnologia da China
e na Universidade de Minnesota, USA, respectivamente. Anos mais tarde esses
trabalhos foram replicados, desta vez com grupos de jogadores profissionais ou com
grande experiência nos mesmos jogos, ou seja, Go e Xadrez. Em 2010 a equipe de
Boreom Lee, da Universidade Nacional Seoul (Korea) e em 2012 os pesquisadores da
equipe de Xujun Duan, da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, buscaram
compreender o impacto da experiência desses dois jogos na atividade neuronal. Esses
sujeitos declararam experiência em torno de 10 anos na atividade, seja como
competidores profissionais ou como jogadores frequentes. Muitos afirmaram terem
iniciado a prática regular com Go ou Xadrez ainda na infância.
Mas várias regiões do cérebro, não especificamente envolvidas com uma dada
tarefa, são ativadas quando esta tarefa é realizada. Como saber qual se refere ao objeto
de investigação? Foi exatamente para resolver este problema que os sujeitos dessas
pesquisas, incluindo os estudos de Chen et al.(2002), Atherton et al. (2003), Lee et al.
(2010) e Duan et al. (2012), fizeram três registros de atividade neural, descritos a seguir.
25
para os profissionais. As áreas ativadas nesses momentos específicos foram as do córtex
parietal e também da região pré-frontal.
Esse registro pode ser definido como o registro neurobiológico do uso do jogo
de tabuleiro, mais precisamente, do Xadrez e do Go. Não foram encontrados, na busca
realizada para este trabalho, e já descrita acima, registros de atividade cerebral no uso de
outros jogos. Sendo assim, não podemos fazer generalizações afirmando que jogar
qualquer tipo de jogo ativa o córtex parietal e a região pré-frontal mas apenas que,
nesses experimentos, pode-se observar esta ativação neural no uso desses dois jogos
especificamente. Considerando os diferentes estudos mencionados, as áreas cerebrais
ativadas durante a tarefa de jogar apresentaram alguma variação entre eles.
Nos primeiros estudos, realizados por Chen et al. (2002) e Atherton et al. (2003)
com pessoas que conheciam pouco o jogo utilizado notou-se, pela análise das imagens
de ressonância magnética, que os dois jogos, Go e Xadrez, demandam áreas
equivalentes no cérebro dos jogadores e que estas áreas estão localizadas na região pré-
frontal em menor escala e no córtex parietal numa proporção significativamente maior.
A interpretação dessas imagens resultantes dos testes com os jogadores amadores
mostraram que jogar Go e Xadrez demanda em maior grau o uso de processos
cognitivos relativos à memória de trabalho espacial, memória espacial e atenção
espacial, em circuitos do lobo parietal, do que processos mentais sofisticados da região
pré-frontal como, por exemplo, a tomada de decisão quanto às estratégias para se
proteger do oponente, atacá-lo e ganhar a disputa.
Uma das hipóteses dos pesquisadores envolvidos nesses trabalhos era de que
essa menor ativação pré-frontal poderia ser devido ao conhecimento que esses jogadores
possuíam sobre o jogo, o que lhes parecia incoerente, já que conheciam apenas as regras
básicas, obedecendo a um dos principais critérios de inclusão na amostra. Para resolver
o problema, os pesquisadores sugeriram um estudo sobre a atividade neural em
jogadores experientes nos jogos avaliados, o que deu origem aos estudos das equipes de
Boreom Lee (2010) e de Xujun Duan (2012) já mencionados acima.
O Modo Default pode ser compreendido, em linhas gerais, como sendo a nossa
atividade cerebral quando não estamos concentrados em nada. Nos jogadores amadores,
a necessidade de pensar sobre as regras do jogo, que ainda não estavam muito
internalizadas, convocou o trabalho neural na região pré-frontal nos momentos de
tomada de decisão sobre as jogadas, enquanto para os profissionais, esse raciocínio,
próprio do córtex pré-frontal poderia ser dispensado, ativando menos essa circuitaria.
Enquanto isso, a concentração dos jogadores profissionais podia ser direcionada
exclusivamente para as jogadas em si, com uma preponderância das informações
espaciais determinando a ativação neural do córtex parietal especializado no
processamento desse tipo de informação. (Beurze, Lange, Toni & Medendorp, 2009;
Shulman1, Astafiev, McAvoy, d’Avossa1 & Corbetta, 2007)
Para entendermos o que isso significa, basta pensar na tarefa de dirigir ou andar
de bicicleta. Enquanto somos principiantes nessas tarefas precisamos lembrar e pensar
em cada movimento, atitude e tomada de decisão. Pensamos em quando soltar a
embreagem na arrancada, quanto pressionar o acelerador e gerar a energia inicial para
impulsionar o carro e em regular os movimentos dos pés nos dois pedais para que a
arrancada aconteça sem sobressaltos ou sem deixar que o carro “morra”. O mesmo para
a bicicleta. É praticamente impossível ao ciclista iniciante desfrutar de um passeio de
bicicleta e da paisagem onde circula, tão preocupado precisa estar em manter os
músculos endireitados para conseguir o equilíbrio necessário para manter-se em cima da
bicicleta, além de controlar a pressão nos pedais para gerar a velocidade adequada, entre
outras coisas.
27
mesmas áreas corticais, indicando similaridade no uso da circuitaria neural para ambas
as tarefas tanto em jogadores amadores quanto em jogadores profissionais ou muito
experientes naqueles jogos. A diferença entre eles está na intensidade da ativação nessas
áreas, que é acentuada nos profissionais, indicando aumento na ativação do lobo
parietal, relacionado às habilidades de percepção espacial e diminuição da ativação no
lobo pré-frontal, onde se encontra a circuitaria relacionada à inteligência g, já referida, e
também os circuitos ligados ao Modo Defaut, já mencionado acima. Também
apareceram resultados indicativos de mielinização em áreas sub-corticais de
profissionais e jogadores muito experientes, indicando aumento da substância branca no
cérebro que, conforme Cosenza e Guerra (2011), tem o papel importante de promover
“a conexão entre os diversos centros nervosos”.
30
trabalho viso-espacial e de controle inibitório, antes e depois da intervenção. Segundo
os autores do trabalho, o passo seguinte deveria ser a investigação da transferência
desses efeitos, se constatado após a intervenção, sobre as funções executivas, ou seja, a
neuroplasticidade resultante da prática com o jogo.
31
O EEG foi utilizado para medir a atividade elétrica no encéfalo durante tarefa
controlada que consistiu em apresentar às crianças, pares de figuras para que indicassem
se essas figuras eram idênticas ou não. Caso as julgassem idênticas a tecla do lado
esquerdo do teclado do computador deveria ser pressionada e caso as considerassem
diferentes, a tecla da direita seria pressionada. Nesse caso, deveriam identificar o que
faltava na figura. Esse modelo de teste avalia habilidades relacionadas à inteligência
geral ou, como já mencionado anteriormente, inteligência g.
Os resultados dos estudos de Kim (2014), com crianças com TDAH, indicaram
melhora na atenção e no grau de severidade do transtorno mas nenhuma alteração
significativa de diminuição da impulsividade e hiperatividade.
A inteligência geral, ou Inteligência g de Spearman é medida através de
testes neuropsicológicos que fazem parte do protocolo para a definição do quociente de
inteligência (QI) de uma pessoa. Seguindo Cosenza e Guerra (2011) poderemos
entender que medida é essa, chamada de Inteligência g. De acordo com esses autores, os
testes que medem inteligência utilizam tarefas para avaliar habilidades como raciocínio
viso-espacial ou simbólico, capacidade de fazer inferências, processamento de
informações e reconhecimento de padrões verbais e geométricos. Observou-se, nos
resultados destes testes, que estas habilidades têm correlação estatística. Indivíduos que
se saiam bem numa tarefa tendiam a ter o mesmo desempenho nas demais enquanto
outros, que apresentavam um desempenho falho, mantinham o resultado ruim nas
seguintes. Spearman, um estudioso da inteligência, utilizando a análise fatorial,
concluiu que o cálculo matemático da correlação entre os resultados desses testes, leva a
um denominador comum que ele chamou de fator g. Para entendermos o que isso
significa na prática, basta pensar em pessoas consideradas inteligentes. Normalmente
nos lembramos de como resolvem rápida e precisamente os problemas, tanto
acadêmicos quanto cotidianos ou da capacidade que têm de falar bem, o ótimo
vocabulário, o bom raciocínio e a boa memória. Também podemos associar um jogador
astuto de xadrez, ou de outro jogo de estratégia, com pessoas inteligentes, justamente
pelas suas habilidades de raciocinar, antecipar jogadas, encontrar soluções e memorizar,
às vezes, diversas regras complexas. No entanto, ao compararem as imagens obtidas em
seus estudos envolvendo os jogos Go e Xadrez com imagens de fMRI relacionadas à
inteligência g obtidas por Duncan et al. (2000), Chen et al. (2012) e Atherton et al.
32
(2003) não encontraram evidências de que os mesmos circuitos estariam envolvidos nas
duas tarefas.
33
DISCUSSÃO
34
No estudo com crianças com TDAH (Kim, 2014), analisado nesse trabalho,
constatou-se melhoria significativa em alguns aspectos das FE, como atenção e
processamento cognitivo, após intervenção com jogos. No entanto, quando comparadas
com crianças saudáveis, ainda não podemos contar com evidências do uso de jogos
como tratamento para o transtorno. São necessários mais estudos que nos forneçam
dados sobre os efeitos dessa intervenção sobre as funções executivas importantes para o
sucesso acadêmico, como por exemplo, o controle da impulsividade. No mesmo estudo
não houve evidências de alteração significativa dos resultados dos testes de
impulsividade antes e depois do programa de intervenção. É necessário ainda avaliar se,
caso o jogo se mostre um recurso promissor no tratamento de crianças com TDAH, se o
seu uso como tal pode ser alternativo ao tratamento medicamentoso e psicoterápico ou
se deve ser tomado como coadjuvante ao tratamento usual, definindo seus limites de
terapêuticos.
35
como mindfulness e yoga, também têm impacto sobre a capacidade de concentração e já
se sabe que estas atividades, quando praticadas regularmente por período de tempo
prolongado, promovem alterações no córtex que parecem resultar em aumento da
atenção. Ou seja, a melhora na atividade de jogar ou praticar yoga, por exemplo, pode
ser transferida a outros domínios cognitivos e gerar benefícios para os sujeitos. (Thorell,
Lindqvist, Nutley, Bohlin, & Klingberg, 2009). Estes dados levam à questão de saber o
que é comum entre os jogos de tabuleiro e essas técnicas cujo papel no sucesso
acadêmico tem sido pesquisado por neurocientistas cognitivos.
36
CONCLUSÃO
37
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40
ABREVIATURAS
41
ANEXO
Análise dos artigos selecionados, referentes a estudos de jogos de estratégia jogados em
tabuleiro e aspectos do funcionamento cerebral considerando amostra, métodos e
resultados.
ANO TÍTULO AUTOR FONTE SUJEITOS PROCEDIMEN RESULTAD CONCLUSÃO
TOS OS
2002 A funcional Chen, X. Cognitive 6 universitários fMRI Ativação das As áreas
MRI study Zhang, D. Brain sem experiência regiões pré- ativadas estão
of high- Zhang, X. Research no jogo Go frontal e relacionadas
level Li, Z. parietal com a atenção,
cognition Meng, X. percepção
II. The He, S. espacial,
game of Hu, X. imaginação,
GO armazenamento
e manipulação
da memória de
trabalho e
resolução de
problemas
2002 A Atherton, Cognitive 6 universitários Fmri Ativação das As áreas
functional M Brain sem experiência regiões pré- ativadas estão
MRI study Zhuangb, Research no jogo Xadrez frontal e relacionadas
of high- J. parietal em sua maior
level Barta, parte às
cognition W.M. habilidades de
I. The game Hu, X. cognição
of chess He, S. espacial, como
memória
espacial e
utilização de
diferentes
informações
espaciais
2010 White Lee, B. NeuroImag 16 sujeitos adultos Fmri Jogadores As áreas
matter Park, Ji- e com experiência DTI experientes, relacionadas ao
neuroplasti Young no jogo Go; quando aumento de
c changes Jung, 19 sujeitos comparados mielina
in long- Hoon inexperientes no ao grupo correspondem
term Kim, H.S. jogo Go controle, àquelas
trained Oh, J.S. apresentaram envolvidas com
players of Choi, mudanças controle da
the game of Chi-Hoon estruturais atenção,
“Baduk”1 Ang, J.H. com aumento memória de
(GO): A Kang, de trabalho,
voxel-based Do- mielinização regulação
diffusion- Hyung de regiões do executiva e
tensor Kwon, lobo frontal, resolução de
imaging J.S. cíngulo, áreas problemas.
study estriato-
talâmicas
2012 Large-scale Duan, X. PLoS ONE 15 sujeitos adultos Fmri Profissionais A experiência
brain Liao, W. com experiência e jogadores no jogo Go
networks in Liang, D. no jogo de experientes promove maior
board game Qiu, L. Xadrez; em Go desativação do
experts: Gao, Q. 15 sujeitos demostraram circuito default
insights Liu, C. inexperientes no maior enquanto
from a Gong, Q. jogo de Xadrez ativação nas promove
domain- Chen, H. áreas de aumento de
related task resolução de ativação na
and task- problemas região parietal
free resting que o grupo
state controle, de
jogadores
amadores.
Os dois
grupos
apresentaram
desativação
das áreas
42
relativas ao
modo default,
sendo mais
significativa a
desativação
no grupo de
jogadores
experientes
em
comparação
ao grupo de
amadores
2012 A GO Tachiban Trials 35 crianças entre 8 Intervenção com Criação de O próximo
intervention a, Y. e 10 anos de treinamento para o um protocolo passo será a
program for Yoshida, idade, divididas jogo Go por 1 de avaliação aplicação do
enhancing J. randomicamente hora, 1 vez por de um protocolo pelos
elementary Ichinomi em grupo de semana durante 5 programa de autores
school ya, M. intervenção e semanas; intervenção
children’s Nouchi, grupo controle, Avaliação com o jogo
cognitive R. sem intervenção neuropsicológica Go
functions Miyauchi antes e depois da
and control C; Intervenção
abilities of Takeuchi,
emotion H.
and Tomita,
behavior: N.
study Arai, H.
protocol for Kawashi
a ma, R.
randomized
controlled
trial
2014 Baduk (the Kim, S.H. Psychiatry 17 crianças entre 7 Intervenção com Melhora dos Jogar Go é
Game of Han, Investigatio e 12 anos de idade treinamento para o scores nos efetivo na
Go) D.H. n com diagnóstico jogo Go por 2 testes melhora da
improved Lee Y.S. de TDAH sem horas , 5 dias por relativos à atenção e
cognitive Kim, tratamento semana durante 16 atenção e no tratamento
function Bing- medicamentoso semanas. severidade do de crianças
and brain Nyun; ou psicoterápico e Avaliação TDAH mas com TDAH..
activity in Cheong, 17 crianças neuropsicológica nenhuma
children J.H. saudáveis para antes e depois do alteração
with Han, S.H. controle período de significativa
attention intervenção. nos scores
deficit EEG relativos à
hyperactivit impulsividad
y disorder e.
No EEG
foram
observadas
alterações nas
ondas
elétricas no
lobo pré-
frontal após a
intervenção
DTI - diffusion-tensor imaging
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