O LABORATÓRIO DA NAÇÃO: a era regencial ( 1831 – 1840)
Erick Charlles Oliveira Silva
A escrita do autor é densa, apresenta uma grande gama de acontecimentos em longos
parágrafos, sendo assim, a leitura deve ser feita de maneira detalhada e pontual;
indispensavelmente com um bloco de notas o lado para não perder os principais pontos
chaves. Talvez o caráter denso de sua escrita seja resultado de umas das suas grandes fontes
de pesquisa: os jornais que transmitiam os contextos daquela época, cujos quais são
caracterizados pelas grandes quantidades de informações apresentadas. Poderia isso ser um
defeito do texto se fosse mal trabalhado, entretanto, a forma esmiuçada do autor enriquece
os detalhes acerca dos intensos problemas políticos daquela época. Se estivéssemos falando
de etnografia, o que o autor fez foi uma descrição densa (Geertz, 1973) sobre os percalços
políticos daquele período.
O período regencial é um tema visto com uma acentuada negatividade, como um período
anárquico, “como um empecilho a formação e a preservação da nação brasileira” (Basile,
2009, p. 55). Apesar da época distante, esse é um tema que vem sendo construído em um
contexto mais recentes (há, contudo, estudos produzidos sobre aquela época, os primeiros
em 1870 e 1880), sendo intensificada a pesquisa sobre tal período a partir de 1970, com as
aberturas dos cursos de pós-graduação no Brasil.
O período em questão é apresentado pelo autor como um momento de demasiada
turbulência no país, tendo em vista a presença de diversos levantes políticos locais; além
disso, Basile assinala para a imprensa como uma das chaves para estudos e análises acerca
do senário político-social, além de ser um campo vasto para entender sobre tais revoltas;
além disso, tais levantes, rebeliões e manifestações são marcadas por fortes pressões
populares, à exemplo, as rebeliões de escravizados que ocorreram naquele momento,
Cabanagem, Cabanada, Benze-Cassetes, entre outros movimentos rebeldes que tiveram
como principais atores sociais aqueles que foram jogados às margens da sociedade brasileira.
Atualmente, sobre o período regencial, os estudiosos sobre a época debruçaram seus
estudos sobres as associações (agremiações políticas, Defensorias regionais, entre outras),
nesse sentido, o autor externaliza os principais expoentes cujo seus trabalhos abordam tais
temáticas, mostrando-se um campo amplo para a pesquisa.
Basile critica as explicações resumidas de personalidades daquela época sobre a
abdicação de Dom Pedro I, pois prejudicam o entendimento contextualizado acerca daquele
momento, tangenciando a simplificar processos intensos, os quais demandaram a ação de
diversos atores sociais e todo seu entorno conflituoso.
Para que possamos entender com precisão sobre o texto do autor, é indispensável que
saibamos quem foram os principais grupos políticos, são eles : os Moderados, os Exaltados
e os Caramurus. O autor pressupôs o conhecimento de todos sobre tais grupos, não deixando
evidente quem são e quais suas reivindicações, caracterizando uma certa falta de didática do
autor por abrir margem para o leitor deduzir quem são e o que fazem tais grupos. Somente
ao longo da metade para o fim que suas reivindicações são postas à vista.
Moderados eram um grupo político conservador, constituídos principalmente pela
aristocracia rural, esses defendiam irrestritamente a manutenção do poder monárquico no
período em tela; já os exaltados, eram liberais compostos pelas camadas médias urbanas,
defendiam que as províncias deveriam ter mais autonomia; os Caramurus eram um grupo
político composto, majoritariamente, pelos comerciantes portugueses, burocratas, militares,
estes defendiam o retorno do Imperador Dom Pedro Primeiro. Ao passo do tempo os
números do grupo político dos moderados passam a aumentar, e os exaltados, a diminuir
drasticamente. Os caramurus, por sua vez, possuíam uma forte influência no Senado,
chagando a incomodar os moderados (Basile, 2009).
Assim como o próprio Brasil não possuía uma identidade nacional definida, durante o
período em tela, as entidades políticas igualmente não possuíam uniformidade identitária,
eram amórficas, oscilantes, liquidas. Com a quebra desses blocos políticos Moderados e
Caramurus e Exaltados se unem, evidenciando tal disformidade. Somente no durante a
quarte legislatura que as identidades partidárias irão ser pensadas e definidas (Basile, 2009).
O período de revisão da reforma evidencia ainda mais seu caráter amórfico, tendo
diversos embates políticos entre todas as partes, inclusive entre elas mesmas. O autor destaca
que o agravamento da crise se deu por dois fatores: o primeiro pelas grandes revoltas
ocorridas que abalavam o império, sendo vistas como um movimento de anarquia. E o
segundo, a desilusão das reformas liberais, essas garantiram o fortalecimento dos poderes
provinciais, com isso, os problemas gerados não tardaram em aparecer, tendo de ser revista
nas legislaturas de 1834 – 1837 – 1841 terão como intuito a reformas de tais reformas
liberais. Com a reforma constitucional, os três grupos políticos são abalados, pois acabava
com as principais reivindicações destes, o federalismo dos exaltados, a intocabilidade da
constituição dos caramurus e separação dos moderados.
O Brasil de 1830 e 1840 é, em grande maioria, analfabeto, pela grande presença de
escravizados vindo do continente africano, grupo que foi negado o direito de serem
alfabetizados, a manutenção do analfabetismo era intencional e visava a impossibilidade de
que estes se organizassem e se amotinassem contra seus senhores de engenho. Em
contrapartida a isso, é sob um contexto de mobilização política (a qual a imprensa atua de
forma protagonista e de fundamental, sendo o principal veículo de levar os debates para as
várias camadas sociais) que é superado a grande barreira do analfabetismo; em praça pública,
os panfletos e jornais eram lidos em voz alta para que todos estivessem a par sobre o campo
político-econômico daquele cenário (Basile, 2009).
Apesar da carência do Brasil em construir uma característica identitária podemos notar
a existência de datas e ritos oficiais presentes no calendário de 1831, havia, nessas datas,
comemorações, discursos patrióticos, missas, festas, comunhão com os setores sociais,
entretanto, tais elementos não serviram para a construção de símbolos identitários? Tal
apontamento o autor não desdobra, entretanto, abre uma margem para novas pesquisa sobre
o tema.
O autor indica 29 revoltas violentas registradas durante o período regencial (1831 –
1841), estas, eclodiam como forma de expressar a insatisfação popular com a política e
rivalidades de grupos partidários. Rebeliões de escravizados também explodem durante o
referido período, estes aproveitaram o momento turbulento gerado pelos conflitos das elites
político-fundiárias para invadirem a fazenda, contando com a ajuda de ex-escravizados, para
matarem os seus senhores.
Visando acabarem com a crise, os progressistas começam a articular um golpe que
antecipasse a maioridade de d. Pedro, entretanto, essa ideia não era nova, já havia propostas
para ela desde 1835, entretanto, sem sucesso. “A avaliação que fizeram, segundo o
testemunho de Teophilo Ottoni, era que ‘a medida só podia atingir o seu alvo se obtivéssemos
previamente o acordo e a benevolência do imperador’ ” (Basile, 2009, p. 96), esse trecho
destaca como o processo foi feito por baixo dos panos. Com a efetivação do golpe da
maioridade, é logrado o fim do período regencial e dado início ao Segundo Reinado, agora,
D.Pedro II não mais participaria como um mero expectador, mas sim agente dos
acontecimentos políticos de seu reino (Basile, 2009).
“O mosaico regencial não se reduz, portanto, a mera fase de transição, tampouco a uma
aberração histórica anárquica, nem mesmo a simples ‘experiência republicana’ ” (Basile,
2009, p. 97). O autor fecha a trama de seu texto nos alertando sobre evitar os reducionismos
históricos, tentar reduzir problemas e épocas complexas com meias palavras. O texto cumpre
seu papel em apresentar o quão diverso era a realidade de tal época, a política estava
aflorando e funcionando no estrito sentido de laboratório, tanto pelos diversos
acontecimentos sociais ocorridos, como também uma grande série de tentativas de
aplicações políticas, inúmeras reformas, e tentativas de aplicações de planos liberais. Basile
apresenta o período bem, como falei no princípio, de forma densa, se o leitor não teve
oportunidade de conhecer textos do tipo, acredito que possa apresentar uma certa dificuldade
em entendê-lo. Ademais esse texto abre margem para pesquisas no campo social, sobre as
revoltas ocorridas à época e sobre como a massa populacional era pouco incluída em temas
como a política.
Referências bibliográficas
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GIUCCI,
Guillermo.
BASILE, Marcelo. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840) in O Brasil
Imperial, volume li: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.