- VII -
A FORMAÇÃO DAS NOVAS GERAÇÕES COMO CAMPO
PARA OS NEGÓCIOS?
Theresa Adrião- UNICAMP/GREPPE
Vera Peroni – UFRGS/GPRPPE
A EDUCAÇÃO PÚBLICA EM DISPUTA.
luta pela universalização da educação no Brasil faz-se acompanhar por
debates e políticas relacionadas ao respeito a diversidades e
especificidades, como quando se considera a educação indígena, a
educação do campo, questões de gênero e sexualidade, a luta contra o
racismo e contra a homofobia. Tais temas, longe de dirigirem-se a segmentos específicos da
sociedade, integram a agenda de uma escola que se quer plural e democrática, base, por sua
vez, de relações de mesma natureza.
Também condição para instituição dessa escola é a sua gestão democrática,
duramente conquistada na Constituição Federal de 1988, exercício prático de cidadania e
instrumento de resistência contra orientações gerencialistas de modelos análogos ao
empresarial introduzidos em diversos sistemas públicos de ensino e disseminados por
organizações privadas associadas a diversos segmentos do mercado. Como resultado da
correlação de forças, tem-se que, ao mesmo tempo em que ocorrem conquistas sociais para
a democratização da educação, verifica-se a presença de setores vinculados ao mercado
influenciando as políticas educativas das mais diversas formas, redefinindo as fronteiras entre
o público e o privado, com implicações negativas para o processo de democratização da
escola e da sociedade. (Peroni, 2015; Adrião et al. 2016)
Essa aproximação entre governantes e organizações privadas explicita a gestão
corporativa da educação pública, modelo sugerido em estudo desenvolvido pela Campanha
Latino Americana pelo Direito à Educação (CLADE, 2014), segundo o qual os grupos
empresariais privados, não exclusivamente do campo educacional, organizam-se em
instancias de governo ou a estas se articulam, passando a definir políticas educacionais.
Consideramos que a elaboração da BNCC representa a expressão mais acabada dessa
apropriação da gestão educacional.
Em síntese, a relação entre o público, entendido como estatal, e o privado, aqui
limitado ao setor empresarial, pode ser percebida de várias formas. Neste texto, a relação é
considerada quando expressão de privatização da educação básica, mais precisamente no que
a escola tem de fundamental: o trato com o conhecimento por meio da definição de um
currículo.
Buscaremos suscitar a reflexão crítica sobre a presença do setor empresarial ou de
segmentos a ele associados, tanto no direcionamento das políticas educacionais,
exemplificado na atuação do Movimento do Todos pela Educação (Freitas, 2012; Martins;
2013), quanto na execução das políticas educativas, observada na atuação do Instituto
Unibanco, do Instituto Ayrton Senna etc. (Peroni, 2016).
Tais políticas materializam-se em estratégias de privatização que incidem sobre três
dimensões, didaticamente consideradas: oferta educativa; gestão educacional o currículo.
(Adrião, 2017) Considerando o objetivo desta reflexão, é sobre esta última dimensão, cujo
desdobrando se fez sentir tanto no processo de elaboração da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) aprovada, quanto em seu conteúdo, que mais diretamente nos
preocupamos neste texto.
QUEM SÃO OS PRINCIPAIS SUJEITOS?
Diversas pesquisas vem assinalando o crescimento da presença do setor empresarial
e de organizações a este vinculadas na definição de políticas curriculares no Brasil. Dentre
estes destacamos os estudos sobre a atuação do Instituto Ayrton Senna (Adrião, Peroni;
2011; Peroni; 2008) sobre o Instituto Unibanco (Cestari, 2012; Peroni, 2016) sobre o
Instituto de Corresponsabilidade Educacional ( Adrião, 2015), além de uma crítica mais
global produzida por Freitas (2012)
Entretanto, acreditamos que a partir do golpe parlamentar de 2016, que resultou no
impeachment da Presidente Dilma Roussef, essas presenças ganham outra dimensão, uma
vez que se generalizam e institucionalizam, como política nacional referendada por alterações
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no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), partir do Ministério
da Educação e com a conivência do Conselho Nacional de Educação, ressalvando a atuação
de conselheiros e conselheiras, em articulação com entidades do campo educacional. As
alterações no arcabouço legal, que conforma a oferta da educação básica, associaram-se à
aprovação da chamada BNCC e institucionalizaram a reforma no Ensino Médio.
NOTAS SOBRE O SETOR PRIVADO
Um primeiro aspecto a destacar refere-se ao protagonismo de setores caracterizados
como investidores socais ou, como prefere a Organização para o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), como filantropos de risco ou filocapitalistas segmento que articula
braços sociais de grupos empresariais e fundos de investimentos a retornos financeiros para
estes mesmos grupos (Adrião, 2017). São esses segmentos que impulsionaram a reforma do
Ensino Médio e a BNCC, em decorrência de alterações em um conjunto de normativas e leis
em vigora até 2017.6 Em relação à BNCC destaca-se o papel condutor e indutor de sua
–
aprovação e disseminação exercido pela Fundação Lemann associada ao Cenpec, Instituto
Natura, Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco, Fundação SM, Insper e Instituto
Fernando Henrique Cardoso. (Peroni, Caetano, 2015; Freitas; 2012; Adrião, 2017b)
Importante frisar que essa política nacional de reforma curricular resultou de uma
ação coordenada pelo setor empresarial, ainda que associado diretamente a agentes
governamentais. Esta é a primeira e mais ampla dimensão da privatização, um “movimento”
de base empresarial que, “por fora” do Estado, é investido de prerrogativas de governo.
Mesmo que o texto tenha sido objeto de “consultas” pulverizadas e on line, a participação
organizada de educadores e universidades foi insuficientemente considerada.
Além disso, o documento sofreu reformulações em decorrência de pressões de
setores conservadores, resultando na exclusão de questões relativas à identidade de gênero
em sua formulação 7 . Tendência que já fora observada quando da aprovação do Plano
Nacional de Educação (Dourado; 2016)
De modo geral, o texto aprovado da BNCC alinha-se a orientações globais assentadas
na Estratégia 2020 do Banco Mundial (BM) “Aprendizagem para Todos Investir nos
Conhecimentos e Competências das Pessoas para Promover o Desenvolvimento”, segundo
a qual os sistemas educacionais deveriam ser resignificados e entendidos como o conjunto
de situações e estratégias de aprendizagem ofertadas pelo setor público ou privado (Klees et
al., 2012) Tais situações, para percebimento de financiamento do Grupo BM necessariamente
deverão ser monitoras por indicadores de desempenho e de impacto. As orientações
resultam ainda de influência de organizações, como pelo Center for Curriculum Redesign
(CCR) ou de corporações, associadas ou não ao capital financeiro, especialmente a fundos
de investimentos, como a Pearson e a Somos (ex-Abril Educação). (Adrião et al, 2016).
Um primeiro aspecto a destacar refere-se ao protagonismo de setores caracterizados
como investidores socais ou, como prefere a Organização para o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), como filantropos de risco ou filocapitalistas segmento que articula
braços sociais de grupos empresariais e fundos de investimentos a retornos financeiros para
estes mesmos grupos (Adrião, 2017). São esses segmentos que impulsionaram a reforma do
Ensino Médio e a BNCC, em decorrência de alterações em um conjunto de normativas e leis
em vigora até 2017.8 Em relação à BNCC destaca-se o papel condutor e indutor de sua
aprovação e disseminação exercido pela Fundação Lemann associada ao Cenpec, Instituto
Natura, Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco, Fundação SM, Insper e Instituto
Fernando Henrique Cardoso. (Peroni, Caetano, 2015; Freitas; 2012; Adrião, 2017b)
–
Importante frisar que essa política nacional de reforma curricular resultou de uma
ação coordenada pelo setor empresarial, ainda que associado diretamente a agentes
governamentais. Esta é a primeira e mais ampla dimensão da privatização, um “movimento”
de base empresarial que, “por fora” do Estado, é investido de prerrogativas de governo.
Mesmo que o texto tenha sido objeto de “consultas” pulverizadas e on line, a participação
organizada de educadores e universidades foi insuficientemente considerada.
Além disso, o documento sofreu reformulações em decorrência de pressões de
setores conservadores, resultando na exclusão de questões relativas à identidade de gênero
em sua formulação 9 . Tendência que já fora observada quando da aprovação do Plano
Nacional de Educação (Dourado; 2016)
De modo geral, o texto aprovado da BNCC alinha-se a orientações globais assentadas
na Estratégia 2020 do Banco Mundial (BM) “Aprendizagem para Todos Investir nos
Conhecimentos e Competências das Pessoas para Promover o Desenvolvimento”, segundo
a qual os sistemas educacionais deveriam ser resignificados e entendidos como o conjunto
de situações e estratégias de aprendizagem ofertadas pelo setor público ou privado (Klees et
al., 2012) Tais situações, para percebimento de financiamento do Grupo BM necessariamente
deverão ser monitoras por indicadores de desempenho e de impacto. As orientações
resultam ainda de influência de organizações, como pelo Center for Curriculum Redesign
(CCR) ou de corporações, associadas ou não ao capital financeiro, especialmente a fundos
de investimentos, como a Pearson e a Somos (ex-Abril Educação). (Adrião et al, 2016).
A ESCOLA RESISTE.
Entendemos que o processo de privatização pode ocorrer via direção e execução
(Peroni, 2015) e materializa-se em estratégias que incidem sobrea a gestão, a oferta e o
currículo de nossas escolas (Adrião et al. 2016) No caso da BNCC, a disputa ocorre pelo
conteúdo da educação e por sua transformação em mercadoria.
Sendo que mais de 80% das matriculas da educação básica estão concentradas na
escola pública, o setor privado mercantil e/ou neoconservador disputa o conteúdo da
educação e busca parametrizá-lo por meio de instrumentos de avaliação, de modelos de
formação de professores e da produção de materiais didáticos, etc. É uma disputa por
projetos de educação e de sociedade para a qual se torna funcional o que se prevê a BNCC.
Ainda assim, e mesmo que os interesses do mercado estejam alimentados por uma
conjuntura de corte nos gastos públicos e de liberalização econômica sem precedentes, o
compromisso com uma escola democrática e com a viabilização da educação como direito
humano para todos e todas mantem-se como referência para milhares de educadores e jovens
que têm, quando necessário, RE-ocupado a escola que lhes pertencem.
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O_negocio_da_Educacao_Sao_Paulo_Olho_Dagua_e
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