0% acharam este documento útil (0 voto)
27 visualizações210 páginas

74 158 PB

Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
27 visualizações210 páginas

74 158 PB

Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 210

COMUNICAÇÃO

MÍDIA
E CONSUMO
Editoras-chefes: Gisela G. S. Castro e Tânia M. C. Hoff

Bolsistas PPGCOM-ESPM: Lucas Fraga e Luara Fukumoto


Assessoria Editorial: E-papers Serviços Editoriais Ltda.
Revisão: Nancy Soares (português)
Tradução: E-papers Serviços Editoriais Ltda.
Capa: E-papers Serviços Editoriais Ltda.
e-ISSN 1983-7070

Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM

Profa. Dra. Eliza Bachega Casadei


Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da
Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM, Brasil
Profa. Dra. Gabriela Machado Ramos de Almeida
Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da
Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM, Brasil

CATALOGAÇÃO NA FONTE

Comunicação, Mídia e Consumo / Escola Superior de Propaganda e


Marketing, Ano 1, v. 1, n. 1 (maio 2004) – São Paulo: ESPM, 2020 –

Ano 21, v. 21, n. 61 (mai./ago. 2024)


Quadrimestral
ISSN 1983-7070 online
Acesso em: http://revistacmc.espm.br

1. Comunicação – Periódico. 2. Mídia. 3. Consumo. I. Escola Superior de


Propaganda e Marketing. II. Programa de Pós-Graduação em Comunicação
e Práticas de Consumo.

CDU – 659.1

ESPM
Rua Joaquim Távora, 1240 Vila Mariana São Paulo SP Brasil
[email protected]
Comunicação, mídia
e consumo

Revista do Programa de Pós-Graduação


em Comunicação e Práticas de
Consumo da ESPM, São Paulo

Publicação quadrimestral
ano 21 • volume 21 • número 61 • mai./ago. 2024
versão eletrônica da revista disponível em:
http://revistacmc.espm.br

Indexadores e Diretórios: SCOPUS, Sumários.org, LIVRE, Latindex,


EBSCO, DOAJ, Portal de Periódicos da CAPES, Diadorim
EXPEDIENTE
Publicação quadrimestral do Programa de Pós-graduação da ESPM

Conselho Editorial Adriana da Rosa Amaral, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos; Afonso de Albuquerque, Universidade Federal
Fluminense – UFF; Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos; Alexandre Almeida Barbalho,
Universidade Estadual do Ceará - UEC; Amparo Huertas, Universidat Autònoma de Barcelona, Barcelona, Espanha; Ana Carolina Damboriarena
Escosteguy, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM); Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, Universidade Federal de Goiás - UFGO; Ana Cláudia
Gruszynski, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Bruno Roberto Campanella, Universidade Federal Fluminense - UFF; Beatriz
Brandão Polivanov, Universidade Federal Fluminense - UFF; Claudia da Silva Pereira, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC/RJ;
Cristiane Freitas Gutfreind, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS; Fabio Fonseca de Castro, Universidade Federal do Pará
- UFPA; Fátima Cristina Regis Martins de Oliveira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; Fernanda Martinelli, Universidade de Brasília;
Fernando Antônio Resende, Universidade Federal Fluminense - UFF; Francisco Rüdiger, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/
RS; Guilherme Nery Atem, Universidade Federal Fluminense - UFF; Gustavo Daudt Fischer, Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos; Herom
Vargas Silva, Universidade Metodista de São Paulo - UMESP; Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE;
Janice Caiafa Pereira e Silva, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; João Batista Freitas Cardoso, Universidade Municipal de São Caetano
do Sul - USCS; Jorge Cardoso Filho, Centro de Artes, Humanidades e Letras / Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB; Jose Carlos
Souza Rodrigues, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC/RJ; Juliana Colussi, Universidad del Rosario - Bogotá, Colômbia; Karla
Regina Macena Pereira Patriota, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE; Laan Mendes de Barros, Universidade Estadual Paulista - UNESP;
Laura Loguercio Cánepa, Universidade Anhembi Morumbi - UAM; Liv Rebecca Sovik, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; Luis Mauro
Sá Martino, Faculdade Cásper Líbero - FCL; Marcelo Kischinhevsky, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; Márcio Souza Gonçalves,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; Maria Cristina Mendes da Ponte, Universidade Nova de Lisboa - Lisboa, Portugal; Maria Inês Carlos
Magno, Universidade Anhembi Morumbi - UAM; Marialva Carlos Barbosa, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; Marta Rizzo García,
Universidad Autónoma de la Ciudad de México - UACM, Ciudad de México, México; Micael Maiolino Herschmann, Universidade Federal do Rio
de Janeiro - UFRJ; Patricia Cecilia Burrowes, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; Raquel Marques Carriço Ferreira, Universidade Federal
de Sergipe - UFS; Regiane Miranda de Oliveira Nakagawa, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; Regina Rossetti, Universidade Municipal de
São Caetano do Sul - USCS; Ricardo Ferreira Freitas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; Rogério Luiz Covaleski, Universidade Federal
de Pernambuco - UFPE; Ronaldo George Helal, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Rose de Melo Rocha, Escola Superior de Propaganda e
Marketing - ESPM; Roseli Aparecida Figaro Paulino, Universidade de São Paulo - USP; Simone Luci Pereira, Universidade Paulista - UNIP; Sofia
Cavalcanti Zanforlin, Universidade Católica de Brasília - UCB; Suely Fragoso, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Valquíria
Aparecida Passos Kneipp, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN; Veneza Mayora Ronsini, Universidade Federal de Santa Maria -
UFSM; Yuji Gushiken, Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.
Sumário

177 Publicidade, educação e cidadania: reflexões a partir de prática


educomunicativa com crianças
Advertising, Education, and Citizenship: Reflections from
Educommunicative Practices with Children
Pâmela Craveiro

201 O impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e


tic pelas mulheres rurais em tempos de pandemia da Covid-19
The impact of social markers on access to risk communication and ict by
rural women in times of the Covid-19 pandemic
Daniela de Ulysséa Leal
Ivonete da Silva Lopes
Isadora Moreira Ribeiro

221 Macho desconstruído? Videoclipe, questões de gênero e masculinidades


sob tensão
Deconstructed male? Video clip, gender issues and masculinities under
tension
Juliana Gutmann
Morena Melo Dias

248 Feminismo popular e pacto da branquitude: o papel institucional do


YouTube na promoção de redes sobre discursos femininos
Popular feminism and the pact of whiteness: the institutional role of
YouTube in promoting networks on female discourses
Beatriz Polivanov
Simone Evangelista

272 A institucionalização do consumo de moda de imitação: prática


impulsionada por consumidores no TikTok
The institutionalization of imitation fashion consumption: a practice
driven by consumers on TikTok
Alessandra Barros Marassi
292 A experiência construída e construtora: enquadramento jornalístico do
“dia do fogo” na Amazônia
The constructed and constructive experience: journalistic framing of the
“day of fire” in the Amazon
Thaís Braga
Sandra Marinho

318 El placer de la agencia. Nuevos motivos visuales de la protesta juvenil


en Chile 2012-2015
The pleasure of agency. New visual motifs of the youth protest in Chile
2012-2015
Oscar Aguilera
Marcela Saa Espinoza

341 Climate Change and Social networks: The use of Instagram and TikTok
among secondary-school students in relation to sustainability
Laia Palos Rey
Miriam Diez Bosch
Verónica Israel Turim

360 Couples’ mental health and increased Instagram consumption


Swaleha Khanam
Tasha Singh Parihar
Artigos
COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61 P. 177-200,mai./ago. 2024

A R T I G O
DOI 10.18568/CMC.V20i61.2900

Publicidade, educação e cidadania: reflexões a


partir de prática educomunicativa com crianças
Advertising, education, and citizenship: reflections
from educommunicative practices with children
Pâmela Craveiro
Arthur Germano Nolasco Rucks
Thiago Toledo de Freitas

Resumo: Neste artigo, apresentamos análise sobre a possibilidade do uso da


publicidade como suporte pedagógico para aprofundar habilidades de literacia
publicitária de crianças ao (re)pensar a falta de diversidade social nos anún-
cios. Para alcançar tal objetivo, usamos pesquisa bibliográfica para discutir a
perspectiva socioeducacional da publicidade, e mobilizamos pressupostos da
pesquisa-ação para realizar oficina educomunicativa com crianças da cidade de
Cuiabá-MT. A pesquisa demonstrou a importância da construção de canais de
diálogo com crianças para que elas organizem, aprofundem e expressem o que
pensam sobre temáticas que atravessam a comunicação publicitária. Além disso,
evidenciou o potencial do uso da publicidade como suporte pedagógico para esti-
mular suas habilidades de apropriação crítica, criativa e cidadã da publicidade.
Palavras-chave: Publicidade; Infâncias; Literacia publicitária; Educomunica-
ção; Cidadania

Abstract: In this paper, we present an analysis of the feasibility of using ad-


vertising as a pedagogical tool to enhance children’s advertising literacy skills
while reconsidering the lack of social diversity in advertisements. To achieve this
goal, we conducted a literature review to discuss the socio-educational perspective
of advertising and applied action research assumptions to conduct an educom-
municative workshop with children from the city of Cuiabá-MT. The research
highlighted the importance of establishing channels of dialogue with children,
allowing them to organize, deepen, and express their thoughts about advertising
178 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

and the underlying themes in this type of communication. Furthermore, it unders-


cored the potential use of advertising as a pedagogical support to foster critical,
creative, and civic appropriation skills of advertising.
Keywords: Advertisement; Childhoods; Advertising Literacy; Educommunica-
tion; Citizenship

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 179

A R T I G O
Introdução
A centralidade da comunicação midiática no mundo social exige que ul-
trapassemos a noção de meios como meros veículos de mensagens e os
compreendamos como elementos fundamentais no processo da comu-
nicabilidade da cultura e de seus valores. Nesse sentido se faz pertinente
compreender a relação das infâncias com a cultura da mídia (KELL-
NER, 2001) que, por meio de uma pedagogia cultural (STEINBERG;
KINCHELOE, 2001), tem ocupado importante papel na formação de
crianças. Cotidianamente, produtos midiáticos - como anúncios publi-
citários, filmes, notícias, para citar alguns - comunicam representações
sociais que influenciam modos de ser, pensar e estar no mundo. Nes-
se processo, reproduzem e efetivam relações de poder na construção e
veiculação de imagens que (in)visibilizam determinados grupos sociais
(GOMES BARBOSA; SOUZA, 2018).
Tratando-se em específico da publicidade brasileira, a falta de diver-
sidade social tem sido evidenciada por mapeamentos como o realizado
pela pesquisa TODXS1 (ONU, 2022). Esse estudo revelou por exemplo
que no ano de 2021: apenas 27% dos anúncios foram protagonizados
por mulheres negras; LGBTQIAP+ apareceram em 0% dos anúncios;
pessoas com deficiência apareceram em apenas 1,2% da publicidade; e
62% das protagonistas dos anúncios são mulheres brancas, magras, com
curvas acentuadas, cabelos lisos e castanhos.
Dado esse contexto apontado pela pesquisa, entendemos como fun-
damental considerar que esse cenário pouco representativo reforçado
pela comunicação publicitária afeta não só adultos mas também crian-
ças, exercendo influência na construção das suas subjetividades, bem
como em suas relações sociais. Mas também compreendemos ser igual-
mente importante considerar o potencial dos mais jovens como sujeitos
críticos e participativos da cultura da mídia (BUCKINGHAM, 2007).
Nesse sentido, é preciso levar em conta as perspectivas das crianças so-
bre os usos e as apropriações que elas fazem a partir da publicidade,

1 O estudo mapeou a publicidade brasileira na TV e na rede social Facebook em 2021.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


180 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

entendendo-as como, além de consumidoras de representações midiáti-


cas, produtoras de sentidos que negociam e ressignificam tais conteúdos.
Este trabalho, portanto, se insere entre os estudos em Comunicação
que compreendem crianças como agentes de ação na realidade social
concebidas na condição de cidadãs (TOMAZ, 2016). Assim, nos é caro
refletir sobre maneiras pelas quais as crianças podem questionar e ten-
sionar os estereótipos na mídia, sobretudo na publicidade.
Observar criticamente o lugar social concedido às minorias na comu-
nicação publicitária é um esforço contra-hegemônico que precisa ser
articulado entre os mais jovens para que novos espaços de representa-
ção possam ser construídos. Entre os textos midiáticos, destacamos o
publicitário, considerando a perspectiva de que, além de seu viés merca-
dológico, se ocupa em comunicar representações sociais (muitas delas
reforçando estereótipos), portanto, assumindo potencialmente um cará-
ter socioeducacional.
Partindo dessa compreensão da publicidade, neste trabalho, objetiva-
mos analisar a possibilidade do seu uso como suporte pedagógico para
aprofundar habilidades de literacia publicitária de crianças ao (re)pen-
sar a falta de diversidade social nos anúncios. Para alcançar tal objetivo,
embasados nos pressupostos da pesquisa-ação (THIOLLENT, 2022),
realizamos oficina educomunicativa com sete crianças2 da cidade de
Cuiabá-MT.
O texto aborda, no primeiro tópico, discussão teórica acerca da rela-
ção entre publicidade e processos socioeducacionais que fundamentam
o estudo. Em seguida, discute os aportes metodológicos fornecidos pela
pesquisa-ação para a proposta educomunicativa desenvolvida. Por fim,
apresenta os achados da investigação em relação às habilidades de li-
teracia publicitária aprofundadas pelas crianças, bem como às suas
produções que tensionam o modelo publicitário hegemônico pouco
representativo socialmente.

2 Optamos por usar o termo “crianças” ao longo deste artigo quando nos referimos aos copartici-
pantes da pesquisa, tomando como base a Convenção dos Direitos da Criança, promulgada no
Brasil pelo Decreto N° 99.710 de 21 de novembro de 1990, que define como criança todo ser
humano com menos de dezoito anos de idade.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 181

A R T I G O
O potencial do uso da publicidade como suporte
pedagógico
Considerar a relevância das práticas comunicativas no âmbito dos
processos educativos se faz pertinente em um mundo em que a comu-
nicação tem cada vez mais ocupado local de destaque ao influenciar
modos de ser e novas maneiras de estar junto (MELO; RIBEIRO, 2023).
Uma perspectiva reforçada por Martín-Barbero (2008), que reconhece
o importante papel desempenhado pelos meios de comunicação na for-
mulação dos desejos e nas formas de pertencimento dos mais jovens,
disputando o lugar que, por muito tempo, foi apenas das instituições
familiares, religiosas e escolares.
Embora a escola, muitas vezes, seja concebida como o único lugar
legítimo do saber, por ter ocupado esse papel durante séculos (MAR-
TÍN-BARBERO, 2014), é preciso atentar-se para a atuação da mídia
como
uma espécie de “escola paralela” mais interessante e atrativa que a ins-
tituição escolar, na qual crianças e adolescentes não apenas aprendem
coisas novas, mas também, e talvez principalmente, desenvolvem novas
habilidades cognitivas, ou seja, “novos modos de aprender”, mais autô-
nomos e colaborativos, ainda ignorados por professores e especialistas.
(BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1083-1084).

É necessário, portanto, valorizar o potencial educativo-emancipador da


comunicação, ao reconhecer no educando a figura de alguém que tem
o direito de apropriar-se criticamente dos conteúdos midiáticos e fazer
uso da mídia para expressar suas ideias e reivindicar suas demandas so-
ciais. Desse modo, afastando-se dos esquemas clássicos de comunicação
(emissor-mensagem-receptor) e de educação (professor-assunto-aluno),
baseados no paradigma da transmissão de conteúdos, e aproximando-se
da noção sobre comunicação e educação como processos relacionais de
apropriação de conhecimento (JACQUINOT, 1998).
Ao assumir esse caráter dialógico como algo inerente à comunicação e à
educação, tratamos de um uso crítico e participativo da mídia, “a partir

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


182 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

de uma racionalidade pedagógica e não meramente tecnológica, como


meios de comunicação e não de transmissão, como geradores de fluxos
de interlocução”. (KAPLÚN, 1997).
Hoff (2007) nos lembra que o lugar privilegiado ocupado pela mídia
não é equiparável ao lugar da escola na vida dos mais jovens. Se consi-
derarmos um estudante comum de ensino básico que estude no período
matutino, poderíamos considerar que ele teria aproximadamente quatro
horas de conteúdo hermeticamente definido pela política educacional
de sua escola. Sabendo que o telefone celular é um dos principais meios
de conexão à internet entre crianças e adolescentes do Brasil, nos di-
ferentes extratos sociais (CETIC, 2023), teríamos que considerar que
esse mesmo estudante não precisaria sair dos muros escolares para ter
acesso a conteúdos midiáticos. Mesmo que o uso do aparelho não fosse
permitido durante as aulas, provavelmente seria usado no intervalo ou
no percurso de deslocamento para a escola. Nesse cenário imaginário
tomado por exemplo, se os livros didáticos não dessem conta das temáti-
cas suscitadas nas conversas entre o estudante e seus colegas, uma rápida
pesquisa na internet facilmente poderia ser feita com o celular.
A velocidade e o volume das alterações na dinâmica educacional
evidenciados nesse exemplo hipotético podem nos fazer observar duas
situações que, segundo Hoff (2007), devem ser evitadas: a adesão acríti-
ca à tecnologia e o repúdio apocalíptico aos efeitos alienantes da mídia.
Na primeira situação, a mídia seria tratada como um recurso invariável,
uma realidade posta sobre a qual não se poderia agir. Dialogando com
a limitada compreensão de “nativos digitais”, que, por aparentemente
demonstrarem destreza no uso das diferentes mídias, já estariam, por
isso mesmo, munidos de referencial necessário para lidar com as in-
formações ali contidas. Na segunda situação, a mídia é tratada como
portadora das grandes mazelas sociais vividas no tempo presente, deven-
do ser evitada de todas as formas possíveis. Partindo dessa perspectiva,
alguns chegam a adotar uma postura reacionária, criticando uma supos-
ta tentativa midiática em “arruinar” os valores de uma sociedade que,
em outros tempos, supostamente, já havia sido perfeita.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 183

A R T I G O
Concordamos com Hoff (2007) que ambos os caminhos trabalham
com extremismos e dificultam uma proposta pedagógica emancipatória
por meio da comunicação. Nesse sentido, é fundamental a compreensão
de que a mídia está inserida “no cotidiano do educando, servindo-
-lhe de referência para as práticas de interação social e afetando-lhes
os processos de subjetivação” (HOFF, 2007). Nesse raciocínio, se não
podemos ignorar o fenômeno midiático e sua influência nos processos
educativos, podemos incorporá-lo, problematizá-lo, usá-lo como suporte
pedagógico.
Dada a sua relevância “enquanto produto da indústria cultural vei-
culado pela mídia” (DE BARROS FILHO, 2001) e o grande espaço
que ocupa na vida cotidiana, a publicidade tem o potencial de cons-
truir uma relação entre o saber formal e o repertório de experiências
dos educandos. O fácil acesso, a linguagem simples, a sintonia com as
visões de mundo vigentes são características do texto publicitário que,
segundo Hoff (2007), facilitam seu uso como suporte pedagógico. Tra-
zer a publicidade para o espaço educativo não só amplia a percepção
dos educandos como os incentiva a um olhar crítico para além da sala
de aula. Não sendo possível – nem desejável – aderir de forma acrítica à
comunicação publicitária, muito menos repudiá-la de forma apocalípti-
ca, lê-la e escrevê-la de forma crítica, criativa e responsável socialmente
se desenha como uma possibilidade para que educandos aprofundem
suas habilidades de leitura de mundo.
Uma possibilidade que, alinhada à perspectiva de mídia-educação
de Fantin (2011), tem o potencial de trabalhar habilidades em quatro
dimensões: i) cultural: ampliação do repertório cultural por meio da
discussão de temas sociais que atravessam a publicidade; ii) crítica:
competência de avaliação ética e estética do conteúdo publicitário; iii)
criativa: competência de expressar-se e produzir informação de maneira
crítica e responsável; iv) cidadã: competência de promover a conscien-
tização social e estimular o uso de recursos de mídia para construção de
narrativas voltadas à transformação da realidade.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


184 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

Como lembra Malmelin (2010), as habilidades para a apropriação


crítica da publicidade (ou seja, de literacia publicitária) são distintas
daquelas necessárias para outras formas de comunicação midiática.
Segundo o autor, para reconhecer, avaliar e compreender a intenção
persuasiva de anúncios e outras mensagens comerciais, são mobilizadas
competências em quatro dimensões: a) literacia informacional: avaliar a
credibilidade e a validade do discurso publicitário; b) literacia estética/
visual: analisar os elementos estéticos e de expressão artística do anúncio;
c) literacia retórica: identificar a multiplicidade de estratégias persuasi-
vas utilizadas na publicidade; e d) literacia promocional: compreender
as formas de comunicação mercadológica no cenário contemporâneo
de convergência midiática, resultantes de parcerias comerciais e colabo-
rações entre organizações.
Machado, Burrowes e Rett (2017) destacam que tais habilidades já
estão, de certo modo, presentes nos indivíduos inseridos na sociedade
de consumo, podendo variar de acordo com idade, nível de instrução,
acesso à diversidade de mídias e, inclusive, grau de atenção empenhado
nos vários momentos de exposição diária à publicidade. Nesse senti-
do, atividades que fazem uso da publicidade como suporte pedagógico
poderiam contribuir para “concentrar e organizar um saber disperso,
favorecendo seu desenvolvimento e facilitando seu compartilhamento”
(MACHADO, BURROWES, RETT, 2017).
Ademais, ao fomentar-se a literacia publicitária, tem-se o potencial
de contribuir para uma formação em prol de uma cidadania comunica-
tiva (MATA, 2006). Isto é, uma cidadania que estimula a participação
no terreno da comunicação pública, através da tomada de consciência
dos sujeitos sobre o mundo social que também é atravessado pela comu-
nicação publicitária.
Em resumo, nessa perspectiva, partimos do uso da publicidade como
instrumento de aproximação entre cultura, educação e cidadania. Uma
possibilidade que, no exemplo a ser analisado neste artigo em específico,
é mobilizada em uma proposta pedagógica que intenciona promover a
reflexão de crianças sobre a falta de diversidade social na publicidade.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 185

A R T I G O
Pesquisa-ação: aportes metodológicos para proposta
de literacia publicitária entre crianças
No horizonte teórico-metodológico desta pesquisa, esteve contem-
plada a perspectiva de convergência entre comunicação e educação
como campo teórico-prático transdisciplinar (FANTIN, 2011). Nesse
sentido, além da pesquisa bibliográfica (GIL, 2002) que nos ajudou a
construir um espectro de literatura científica relevante sobre a relação
entre publicidade e educação, adotamos pressupostos da pesquisa-ação.
Essa escolha foi fundamentada na compreensão de que essa corrente
teórico-metodológica oferece subsídios para investigações no campo da
Comunicação que tratam dos usos e apropriações que crianças fazem
da publicidade, possibilitando o envolvimento social do pesquisador
com a comunidade coparticipante do estudo em uma proposta política
de produção coletiva de conhecimento em prol da transformação so-
cial. Sendo assim, a pesquisa-ação nos ofereceu importante aporte para
construir uma pesquisa com crianças, ouvindo-as a partir delas próprias,
entendendo-as como atores sociais (SARMENTO, 2008) e, sobretudo,
como parceiras no processo investigativo.
Ademais, os pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa-ação
nos forneceram suporte para que conseguíssemos estabelecer uma co-
municação dialógica (FREIRE, 2001) entre crianças e adultos numa
dinâmica de produção de conhecimento de modo coletivo e coopera-
tivo (THIOLLENT, 2022), em que todos tiveram a possibilidade de
aprender e (se) transformar. Nesse sentido, “possibilitando o reconhe-
cimento de outros saberes na ecologia do conhecimento para além
daquele impregnado pela racionalidade científica hegemônica” (SOU-
SA; OLIVEIRA, 2018).
No entanto, como ressaltam Lumárya Sousa e Thaiane Oliveira
(2018), nessa proposta política de transformação inerente à pesquisa-
-ação, é importante levar em conta os aspectos estruturais do sistema
social que limitam as possibilidades de mudança. Desse modo, as autoras
sublinham que é preciso ter em mente que, muitas vezes, as transforma-
ções evocadas pela pesquisa-ação não ocorrerão na alteração profunda

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


186 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

da realidade social, mas sim na consciência crítica das pessoas. No caso


da nossa pesquisa, esse processo transformativo ocorreu no fomento da
conscientização de crianças a partir do desenvolvimento de oficina edu-
comunicativa que as convidou a refletirem sobre a falta de diversidade
social na publicidade, provocando-as a se enxergarem como agentes pos-
síveis de intervir nessa realidade.
Guiados pelo objetivo de fomentar a reflexão sobre a comunicação
publicitária em uma perspectiva social (GASTALDO, 2013) e fazer uso
da publicidade como suporte pedagógico em atividades educomunicati-
vas, em junho de 2023, realizamos uma série de oficinas3 com crianças
de um projeto social localizado na cidade de Cuiabá-MT4. Tais ofici-
nas foram pensadas, estruturadas e conduzidas segundo o modelo de
literacia publicitária sistematizado em fichas pedagógicas pelo OPSlab
- Laboratório de Estudos e Observação em Publicidade, Comunicação
e Sociedade (CRAVEIRO; COUTO; TOLEDO, 2021).
Neste artigo, a fim de analisar as possibilidades do uso da publici-
dade como suporte pedagógico para refletir com crianças sobre a falta
de diversidade social na comunicação publicitária, iremos discutir em
específico sobre a oficina “O que eu mudaria na publicidade? Reflexões
sobre representação e representatividade”, realizada com sete crianças
(com idade entre 11 e 13 anos), com a condução de dois estudantes de
graduação em Publicidade5. Tomamos como corpus de análise: a ficha
pedagógica (OPSLAB, 2023), as notas de campo de autores deste arti-
go6 e as produções desenvolvidas pelas crianças durante as oficinas.

3 Fazem parte dessa série as oficinas: “Quem somos a partir do que consumimos?”; “O que é
publicidade: suas características e estratégias?”; “O que eu mudaria na publicidade? Reflexões
sobre representação e representatividade”; “Usando a publicidade para transformar”.
4 A realização dessas oficinas faz parte das atividades de extensão desenvolvidas por professores,
estudantes de graduação e de pós-graduação integrantes do OPSlab - Laboratório de Estudos
e Observação em Publicidade, Comunicação e Sociedade da Universidade Federal de Mato
Grosso.
5 Membros do grupo de pesquisa OPSlab - Laboratório de Estudos e Observação em Publicidade,
Comunicação e Sociedade.
6 Os integrantes do OPSlab são estimulados a registrarem suas im-
pressões sobre as oficinas educomunicativas seguindo o
modelo: https://docs.google.com/document/d/1rVZthrmNr1UsVUmqtNuYK4_yWXSWx84P/
edit?usp=sharing&ouid=110224325027711667371&rtpof=true&sd=true

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 187

A R T I G O
“O que eu mudaria na publicidade?” Oficina
educomunicativa com crianças
A oficina, com duração de duas horas e meia, foi composta por três ati-
vidades que mobilizaram estratégias para comunicação dialógica, como
discussão em grupo, dinâmicas lúdicas e aplicação de exercício prático.

Figura 1 - Construção de perfil social

Fonte: Acervo do OPSlab

A primeira atividade da oficina consistiu em uma dinâmica de


construção do perfil de um(a) típico(a) brasileiro(a). Para isso, foram
desenhadas duas figuras na parede, uma de um boneco e outra de uma
boneca, para em seguida as crianças enumerarem características físicas
da maioria dos brasileiros na opinião delas (Figura 1). Para estimular
a participação, os educomunicadores fizeram perguntas provocadoras

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


188 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

como por exemplo: “qual a cor da pele?”; “qual a altura?”; “qual a cor
dos olhos?”; “qual a idade?”; “como são os seus cabelos?”; “onde mo-
ram (em que cidade, em que bairro)?”; “têm que profissão?” (OPSLAB,
2023). À medida que as crianças iam falando, eram feitas anotações no
quadro, de modo que as características ficaram ao lado dos bonecos.
Com as principais características que representavam os/as brasileiros(as)
segundo os(as) coparticipantes da oficina, foi iniciada uma reflexão so-
bre visibilidade na mídia, a partir da seguinte questão: “Vocês veem esse/
essa brasileiro(a) representado(a) na televisão, nas capas de revistas, nos
filmes, nas novelas, nos anúncios publicitários?” (OPSLAB, 2023).
Como segunda atividade da oficina, com o objetivo de refletir criti-
camente sobre a influência da publicidade nos modos de ser, pensar e
vivenciar o mundo, foi realizada uma discussão sobre representação na
mídia. Os educomunicadores trouxeram dados de pesquisas que mostra-
vam como as características da maioria da população do Brasil não se
relacionavam com o que aparece na publicidade. Suscitando provoca-
ções como: “se a maioria da população brasileira é formada por mulheres
negras com mais de 30 anos, por que mulheres só protagonizam 26%
dos anúncios e as pessoas brancas são sete vezes mais representadas do
que negros na publicidade?” (OPSLAB, 2023).

Figura 2 - Anúncios para observação ativa

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 189

A R T I G O
Fonte: Acervo OPSlab

Em seguida, foi realizado um exercício de observação ativa da pu-


blicidade, que consistiu em confrontar as representações nada diversas
trazidas em duas peças publicitárias do mercado alimentício que re-
forçam um padrão de família branca heteronormativa (Figura 2). As
crianças foram estimuladas a questionar o conteúdo dos anúncios a par-
tir de perguntas como:
Que pessoas estão nestes anúncios? Como elas são? [...] Estes anúncios
mostram pessoas parecidas com as que vocês conhecem? Que grupos de
pessoas ganham destaque com estes anúncios? E quais grupos de pessoas
são invisibilizados? Como essa falta de diversidade de pessoas nos anún-
cios pode influenciar o dia a dia das famílias brasileiras? (OPSLAB, 2023)

A última atividade propôs uma sistematização dos conhecimentos


aprofundados na oficina por meio de uma dinâmica em que as crianças
foram convidadas a reconstruírem um dos anúncios analisados anterior-
mente, de modo que a população brasileira fosse melhor representada.

Habilidades de literacia publicitária aprofundadas entre as


crianças
As atividades desenvolvidas na oficina fomentaram entre os participantes
habilidades mídia-educativas nas quatro dimensões propostas por Fantin
(2011): cultural, crítica, criativa e cidadã. Posto que contribuíram para a
ampliação do repertório cultural das crianças principalmente ao levantar

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


190 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

reflexões a respeito da problemática da prática de estereotipagem na


publicidade. Além disso, contribuíram para que elas exercitassem sua
criticidade ao serem convidadas a pensar sobre as representações sociais
comumente usadas em anúncios publicitários e suas possíveis influên-
cias por meio do exercício de leitura de anúncios já veiculados e da
criação de peças com o intuito de promover a conscientização sobre a
importância da diversidade na publicidade.
Ao analisarem, juntamente com os educomunicadores que ministra-
ram a oficina, anúncios de marcas do mercado alimentício (Doriana e
Seara), as crianças puderam aprofundar suas habilidades de literacia pu-
blicitária (MALMELIN, 2010), ao perceberem que ambos os anúncios
foram cuidadosamente pensados com o objetivo de alcançar determi-
nadas pessoas. Especificamente, desenvolveram habilidades de literacia
informacional ao reconhecerem as intenções persuasivas das marcas e
questionarem a validade das informações nas peças publicitárias. Ao
refletirem sobre as empresas por trás dos anúncios, pensaram sobre o
propósito das marcas ao apresentarem mensagens sobre como o presun-
to da Seara se destaca por ter 50% menos gordura e 36% menos sódio,
e como a margarina Doriana é associada a um “movimento por um
café da manhã melhor” devido à suposta maior quantidade de leite e
cremosidade.
As crianças também puderam avaliar as escolhas feitas na composi-
ção dos anúncios, estimulando, desse modo, a literacia visual/estética.
Esse exercício crítico foi estimulado pelos educomunicadores ao desta-
carem elementos como a combinação de cores com os logos das marcas,
o destaque dado aos produtos, a composição textual enfatizando infor-
mações sobre os produtos e a falta de diversidade nos tipos físicos das
pessoas nos anúncios.
Ademais, a literacia retórica foi trabalhada entre as crianças ao serem
incentivadas a identificar a estratégia persuasiva das publicidades, anali-
sando o apelo emocional mobilizado na escolha das marcas de relacionar
o consumo dos produtos anunciados com o ideal de família feliz, bem
como o discurso de autoridade reforçado com as escolhas de incluir nos

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 191

A R T I G O
anúncios pessoas famosas como os apresentadores Fátima Bernardes e
Rodrigo Faro. Embora algumas crianças tenham questionado as esco-
lhas das marcas por usarem esse padrão com problematizações, como
“que família que é assim?”, “isso só existe na televisão”, “ninguém tá
com sono nem de mau humor nesse café da manhã”, ao mesmo tempo,
reconheceram que tal abordagem teria o potencial de alcançar mais
pessoas, justamente, por reforçar o padrão branco heteronormativo de
família vigente na sociedade em que as peças circularam.
Além desse exercício de leitura crítica da publicidade, as crianças
puderam aprofundar suas competências em literacia publicitária (sobre-
tudo, do tipo estética/visual e retórica) ao (re)fazerem um dos anúncios
problematizados na oficina. Optaram por (re)criar o anúncio da Seara,
com a missão de torná-lo mais representativo socialmente. Para isso, fo-
ram divididas em três grupos que, além dos conhecimentos adquiridos
na oficina, mobilizaram seus conhecimentos prévios sobre a prática pu-
blicitária e sua tendência a acionar representações sociais estereotipadas.

Figura 3- Anúncio (re)criado GRUPO 1

Fonte: Acervo OPSlab

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


192 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

Figura 4- Anúncio (re)criado GRUPO 2

Fonte: Acervo OPSlab

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 193

A R T I G O
Figura 5 - Anúncio (re)criado GRUPO 3

Fonte: Acervo OPSlab

No âmbito da literacia retórica, as crianças demonstraram competên-


cias para reconhecer estratégias persuasivas que mobilizam apelos tanto
racionais como emocionais. Um dos grupos (Figura 3), por exemplo,
para persuadir ao consumo do produto fictício que criou (o chocola-
te Seara Candy), destacou algumas das qualidades que o diferenciam
dos concorrentes (sem açúcar, sem lactose, sem gordura trans, sem co-
lesterol), ao mesmo tempo que associou o chocolate anunciado com
sentimentos e experiências de amabilidade e delicadeza por meio do
slogan “Chocolate para adoçar sua vida”. Os outros anúncios, enfatizam
o apelo emocional ao relacionar os produtos alimentícios anunciados
com a alegria vivenciada em reuniões de amigos em uma festa de ani-
versário (Figura 4) e em um churrasco (Figura 5).
Com o uso de recortes de revistas e montagem por colagem em car-
tolina, as crianças exercitaram competências de literacia estética/visual,
executando a diagramação dos elementos que escolheram incluir em
suas peças.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


194 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

Por fim, as crianças puderam fomentar habilidades de literacia pro-


mocional, ao relacionar as imagens ficcionais de família feliz retratadas
nos anúncios com as narrativas compartilhadas pelas pessoas famosas
(assim como os apresentadores protagonistas das publicidades analisa-
das) em suas redes sociais digitais. Sendo assim, tomando consciência
de que, ao compartilharem seus cotidianos permeados de produtos e
marcas, esses famosos também estariam fazendo conteúdo promocio-
nal, mesmo que nem sempre deixassem isso de forma tão evidente como
nas peças analisadas.
Desse modo, as atividades das oficinas confirmaram estudos anterio-
res (CRAVEIRO, 2018) sobre a importância da construção de canais
de diálogo com as crianças para que elas organizem, aprofundem e ex-
pressem o que pensam sobre a publicidade e sobre as temáticas que
atravessam esse tipo de comunicação. Experiências como essa evi-
denciam o potencial do uso da publicidade como suporte pedagógico
para estimular a apropriação crítica da publicidade, mas também para
fomentar a apropriação criativa e cidadã. Ao assumirem, em uma das
atividades da oficina, o papel de produtores de peças publicitárias, aque-
las crianças tiveram a oportunidade de (re)pensar a falta de diversidade
social nos anúncios e reivindicar novos olhares e práticas, como discute
o tópico a seguir.

Produzindo e (re)pensando práticas publicitárias com expectativas


de transformação social
Compreender a comunicação publicitária implica reconhecer a mídia
como uma instituição que (re)produz representações sociais massiva-
mente, portanto possuindo o poder de privilegiar alguéns (aqueles a
quem é permitida a fala, a aprovação da sua existência social) e gerar
ninguéns (aqueles a quem é negado o direito à visibilidade e à partici-
pação na mídia) (WOTTRICH, 2013). Desse modo, suscita perceber e
considerar a relevância da publicidade no processo de criação e de legi-
timação de representações sociais, “que impregnam a maioria de nossas
relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 195

A R T I G O
as comunicações que estabelecemos” (MOSCOVICI, 1961/1976 apud
MOSCOVICI, 2003, p. 10).
Avaliar criticamente a invisibilidade de minorias sociais na publicida-
de pode ser um exercício pertinente para a construção de novos lugares
possíveis. Trata-se de um exercício que precisa ser estimulado para que
novos espaços de representação possam ser considerados e construídos.
De acordo com Bragaglia (2017), a consciência crítica atua “como um
autorregulador dos estereótipos”, ao confrontar as narrativas generali-
zantes presentes no caldo cultural e suas consequências sociais. Em
seus estudos sobre ética na publicidade, a autora aponta que uma das
contribuições que a comunicação publicitária poderia oferecer para a
dissolução de estereótipos é o uso de alternativas contraesterotípicas. O
que Leite (2011) denomina de publicidade contraintuitiva, entendida
como narrativa publicitária que propõe “outras percepções e visões de
mundo acerca dos estereótipos inscritos às minorias sociais”, ao repre-
sentar grupos historicamente estigmatizados em posições de prestígio
social, afastando-se de associações à carência, subalternidade e inferio-
ridade social.
Foi o que exercitaram as crianças na última atividade da oficina
ao encararem o papel de (re)criarem anúncios pouco representativos
socialmente. Exemplos de narrativas publicitárias contraintuitivas (LEI-
TE, 2011) são apresentadas nos três anúncios criados (Figuras 3, 4 e
5), posto que expõem indivíduos da categoria social negro inseridos em
uma estética que se esquiva da imagem de subalternidade reforçada he-
gemonicamente pela publicidade. Com o uso de recortes de revistas e
montagem por colagem em cartolina, as crianças se preocuparam em
construir peças com a presença de pessoas quase todas negras7, sendo a
maioria mulheres, inseridas em uma estética que se esquiva da invisi-
bilidade e/ou da limitada representação desses grupos sociais reforçada
pelas publicidades das marcas Seara e Doriana analisadas na oficina.

7 Apenas o anúncio apresentado na Figura 5, além de pessoas negras, inclui a representação de


pessoas brancas ao apresentar uma imagem de um homem branco vestido de Papai Noel e um
desenho da mesma figura simbólica do Natal também representada como alguém branco.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


196 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

Com as limitações de recurso que possuíam, as crianças tiveram que


pensar em estratégias para superar as representações estereotipadas re-
forçadas no anúncio original da Seara (Figura 2). Um dos grupos, no
processo de desenvolvimento do seu anúncio, incomodou-se com as
representações limitadas de pessoas negras nas revistas que tinham ali
disponíveis para a atividade. “As pessoas negras não comem? Só apare-
cem em propaganda de maquiagem”, ressaltou uma das crianças desse
grupo. Para dar conta de fazer um anúncio de uma marca alimentícia
que representasse a maioria da população brasileira, o grupo de crianças
desafiou a prática de estereotipagem da publicidade hegemônica visível
naquelas revistas, e criou representações de pessoas negras comendo por
meio de recortes e colagem de partes de corpos de pessoas brancas em
corpos de pessoas negras (Figura 4). Nesse processo, elas praticaram o
exercício de pensar criticamente e criativamente sobre formas de repre-
sentações midiáticas já cristalizadas no imaginário social (HALL, 2016),
ressignificando-as ao se permitirem subvertê-las.
No entanto, é preciso reconhecer que, ao priorizarem trazer um
grupo invisibilizado (a população negra) para o centro da narrativa nos
três anúncios produzidos, as crianças optam por representações que
priorizam corpos magros, jovens e sem deficiência. Isso demonstra a
pertinência de ampliar e aprofundar as reflexões com crianças sobre as
imagens reforçadas pela mídia e as suas influências sociais. Como de-
monstrado neste estudo, o uso da publicidade como suporte pedagógico
para esse fim se apresenta como um caminho possível.

Considerações Finais
Neste artigo, exploramos a viabilidade do uso da publicidade como
suporte pedagógico para o aprimoramento de habilidades de literacia
publicitária de crianças, provocando-as, por meio de uma oficina educo-
municativa, a refletirem sobre a falta de diversidade social nos anúncios.
As habilidades de literacia publicitária nas dimensões informacional,
estética/visual, retórica e promocional (MALMELIN, 2011), fomen-
tadas na oficina, assim como as competências de apropriação crítica,

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 197

A R T I G O
criativa e cidadã da publicidade (FANTIN, 2011), demonstram os con-
tributos da aproximação entre comunicação publicitária e práticas
educativas com crianças, com um viés de transformação social. Expe-
riências educomunicativas como essa ganham especial relevância em
um contexto de profusão midiática, em que as mídias desempenham
um papel central nos processos de socialização de crianças.
A oficina realizada revelou o potencial do uso da publicidade como
suporte pedagógico para a construção da cidadania comunicativa
(MATA, 2006) com crianças. Ao ajudar no aprofundamento de habili-
dades de apropriação da publicidade, a oficina contribuiu para ampliar
a consciência das crianças sobre as desigualdades sociais reforçadas pela
comunicação publicitária, que frequentemente invisibiliza grupos mi-
norizados. Além disso, incentivou o desenvolvimento de práticas sociais
reivindicatórias relacionadas ao direito à visibilidade e à participação na
mídia desses grupos.
No entanto, o estudo destacou a necessidade de explorar mais pro-
fundamente as reflexões sobre os sentidos que as crianças atribuem à
publicidade e suas percepções em torno da comunicação com expec-
tativas de transformação social. Embora os anúncios recriados pelas
crianças tenham destacado grupos minorizados, como pessoas negras e
mulheres, ainda reproduzem padrões de uniformidade social, ao refor-
çarem majoritariamente representações de corpos magros, jovens e sem
deficiência.
Em relação às limitações do estudo, é importante salientar que, em-
bora os resultados evidenciem a possibilidade de uma leitura crítica e
cidadã da publicidade por parte de crianças de 11 a 13 anos, é crucial
continuar investigando os usos e as apropriações da publicidade pelo
público infantil, ampliando o alcance dos participantes da experiência
educomunicativa relatada neste artigo. Isso contribuirá para entender
se essas leituras críticas e cidadãs da comunicação publicitária estão se
consolidando ou se ainda necessitam de estímulos mais robustos para
florescer.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


198 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

Esperamos que esses achados contribuam para o fortalecimento do


campo de estudos na interseção entre comunicação e educação, com
ênfase na publicidade, bem como evidenciem a pertinência de realizar
pesquisas ouvindo as crianças, concebendo-as como atores sociais que
refletem sobre seu entorno e desejam intervir na realidade que as cerca.

REFERÊNCIAS
BÉVORT, E.; BELLONI, M. L. Mídia-educação: conceito, histórias e perspectivas.
Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 109, p. 1081-1102, 2009
BUCKINGHAM, D. Crescer na era das mídias eletrônicas. São Paulo: Loyola, 2007.
CGI. Pesquisa sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes no Brasil: TIC Kids
Online Brasil 2022. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. São Paulo:
Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2023.
CRAVEIRO, P.; TOLEDO, T. F. ; COUTO, K. Construção de cidadania comunicativa
na educação básica: uma proposta metodológica de literacia publicitária. In: VIII Semi-
nário Internacional em Mídia e Cotidiano, 2021, Niterói. Anais..., 2021.
CRAVEIRO, P. Publicidade e infância: relato de uma experiência de literacia publici-
tária com crianças. Comunicação & Educação, v. 23, p. 171-183, 2018.
DE BARROS FILHO, Clóvis. A publicidade como suporte pedagógico: a questão da
discriminação na publicidade da Sukita. Revista Famecos, v. 8, n. 16, p. 122-135, 2001.
FANTIN, M. Mídia-educacão: aspectos históricos e metodológicos. Olhar de Professor,
v. 14, n. 1, p. 27-40, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Petrópolis: Paz e Terra, 2001.
GASTALDO, E. Publicidade e Sociedade: uma perspectiva antropológica. Editoria Su-
lina, Editora Meridional Ltda., 2013.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
GOMES BARBOSA, K., DE SOUZA, F. A solidão das meninas negras: apagamento
do racismo e negação de experiências nas representações de animações infantis. Revista
Eco-Pós, v. 21, n. 3, 75-96, 2018.
Hall, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Apicuri, 2016.
HOFF, T. M. O texto publicitário como suporte pedagógico para a construção de um
sujeito crítico. Comunicação & Educação, v. 12, n. 2, p. 29-38, 2007.
JACQUINOT, G. O que é um educomunicador? O papel da comunicação na formação
dos professores. I Congresso Internacional de Comunicação e Educação, Anais… São
Paulo, 1998.
KAPLÚN, M. De médios y fines en comunicación educativa. Chasqui, n. 58, p. 4-6,
1997.
KELLNER, D. A Cultura da Mídia - estudos culturais: identidade e política entre o
moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


pâmela craveiro | arthur germano nolasco rucks | thiago toledo de freitas 199

A R T I G O
LEITE, F. Por outras expressões do negro na mídia: a publicidade contraintuitiva como
narrativa desestabilizadora dos estereótipos. In: BATISTA, L. L.; LEITE, F. (org.). O
negro nos espaços publicitários brasileiros: perspectivas contemporâneas em diálogo. São
Paulo: Escola de Comunicações e Artes/USP, 2011.
MACHADO, M; BURROWES, P; RETT, L. Para ler a publicidade expandida: em
favor da literacia midiática dos discursos das marcas. In: ENCONTRO ANUAL DA
COMPÓS, 26, 2017, São Paulo. Anais... São Paulo: Associação Nacional dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação, 2017.
MALMELIN, N. What is advertising literacy? Exploring the dimensions of advertising
literacy. Journal of Visual Literacy, Abingdon, v. 29, n. 2, p. 129-142, 2010.
MARTÍN-BARBERO, J. A comunicação na educação. São Paulo, Contexto, 2014.
MARTÍN-BARBERO, J. A mudança na percepção da juventude: sociabilidades, tecni-
cidades e subjetividades entre os jovens. In: BORELLI, S. H. S.; FREIRE FILHO, J.
(org.). Culturas juvenis no século XX. São Paulo: EDUC, 2008.
MATA, M. C. Comunicación y ciudadanía: problemas teórico-políticos de su articula-
ción. Fronteiras, v. 8, n. 1, 2006.
MELO, P. G.; RIBEIRO, R. O jovem para além da escola: juventudes e seus contornos
cotidianos. Animus, v. 22, n. 48, 2023.
MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de
Janeiro, Vozes, 2003.
ONU MULHERES. TODXS: o mapa da representatividade na publicidade brasileira.
Onu Mulheres, Aliança sem Estereótipos. 2022. Disponível em: https://www.onumul-
heres.org.br/wp-content/uploads/2022/03/UA_TODXS10_Final-PORT.pdf. Acesso em:
23 nov. 2023.
OPSLAB. Ficha pedagógica. O que eu mudaria na publicidade? Reflexões sobre re-
presentação e representatividade. OPSlab - Laboratório de Estudos e Observação em
Publicidade, Comunicação e Sociedade; Universidade Federal de Mato Grosso, 2023.
Disponível em: https://docs.google.com/document/d/10ZKTd9qSA65tlcsSI3wUxKs-
vgPDfl-Gq/edit?usp=sharing&ouid=110224325027711667371&rtpof=true&sd=true.
Acesso em: 23 nov. 2023.
SARMENTO, M. J. Visibilidade social e estudo da infância. In: VASCONCELLOS,
Vera Maria Ramos; SARMENTO, M. J. (org.). Infância (in)visível. Araraquara, SP: Jun-
queira & Marin, 2008.
SOUSA, L. S.; OLIVEIRA, T. Cartografias da pesquisa-ação: em busca de deslocamen-
tos da epistemologia do Sul. Comunicação e sociedade, n. 33, p. 57-81, 2018.
STEINBERG, S; KINCHELOE, J. L. Sem segredos: cultura infantil, saturação de in-
formação e infância pós-moderna. In: STEINBERG, S.; KINCHELOE, J. L. (org.).
Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Tradução de George Eduardo
Japiassú Bricio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez Editora, 2022.
TOMAZ, R. Infância e mídia: breve revisão de um campo em disputa. Contracampo
(UFF), v. 35, p. 2-23, 2016.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


200 publicidade, educação e cidadania
A R T I G O

WOTTRICH, L. H. Cidadania comunicativa: Apontamentos escassos de um campo


de batalhas. In: IV Conferência Sul-Americana e IX Conferência Brasileira de Mídia
Cidadã. Anais… ABPCOM, Curitiba - PR, 2003.

Sobre autores
Pâmela Craveiro – Doutora em Comunicação pela Universidade de Vigo. Do-
cente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMT. Líder do
OPSlab - Laboratório de Estudos em Comunicação, Publicidade e Sociedade.
E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2491-6083

Arthur Germano Nolasco Rucks – Mestrando em Comunicação no Programa


de Pós-Graduação em Comunicação da UFMT. E-mail: rucksgerman@gmail.
com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1902-1392

Thiago Toledo de Freitas – Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-


-Graduação em Comunicação da UFMT. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0009-0006-2347-4294

Data de submissão: 1/12/2023


Data de aceite: 5/8/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 177-200,mai./ago. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61 P. 201-220,mai./ago.. 2024

A R T I G O
DOI 10.18568/CMC.V20i61.2910

O impacto dos marcadores sociais no acesso à


comunicação de risco e TIC pelas mulheres rurais
em tempos de pandemia da covid-19
The impact of social markers on access to risk
communication and ICT by rural women in times of
the covid-19 pandemic
Daniela de Ulysséa Leal
Ivonete da Silva Lopes
Isadora Moreira Ribeiro

Resumo: O objetivo deste estudo é compreender como os marcadores sociais


(gênero, território, raça e geração) influenciaram no acesso à comunicação digital
dos riscos da covid-19 por mulheres rurais da Zona da Mata Mineira. Metodolo-
gicamente, utiliza-se a análise qualitativa interseccional para examinar os eixos
de diversidade em que estão incluídas e dos quais são excluídas essas mulheres,
analisando quais interseções e processos são mais significativos no contexto de de-
sigualdades em que se inserem. Com base na abordagem teórica da comunicação
de risco e da interseccionalidade, os resultados apontam que sobreposição destes
marcadores espelha uma realidade histórica de desigualdade, que comprometem
o acesso à informação.
Palavras-chave: Comunicação de risco; Interseccionalidade; Mulheres rurais;
TIC; covid-19.
202 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

Introdução
A delegação das práticas do cuidado, que envolvem tarefas de atenção
e cuidado às pessoas, assim como de manutenção dos lares e demais
ambientes da vida social, imprescindível para a promoção da saúde e
do bem-estar, é tradicionalmente atribuída às mulheres (IPEA, 2016).
A prática de cuidado é complexificada no meio rural, onde habitam 30
milhões de brasileiros (IBGE, 2018), pois a combinação de atividades
no espaço da casa e do quintal, além das formas de acesso à água e
à energia, demandam mais trabalho e uma organização contínua do
tempo (SOF, 2020). Ademais, essas mulheres exercem o papel de per-
sonagem principal no cuidado e encaminhamento dos problemas de
saúde da família, avaliando a necessidade de providenciar o cuidado ao
familiar ou não, ou seja, a mulher é um importante “recurso de cura”
(OLIVEIRA; MORAES, 2010).
Esse cenário foi tensionado pela pandemia do novo coronavírus,
SARS-CoV-2, identificado em 2019 na China, e que chegou ao Brasil
em 26 de fevereiro do ano seguinte. O vírus contaminou mais de 37,6
milhões1 de brasileiros e levou a óbito mais de 700 mil, agravando o
conjunto de desigualdades existentes na sociedade e desenhando um
quadro que evidenciou a situação de vulnerabilidade na qual muitas
populações rurais se encontravam. O cuidado, então, passou a envolver
desde as tarefas domésticas (higienização das máscaras, busca de alter-
nativas de renda etc.), além da busca de informações sobre o protocolo
de mitigação dos riscos.
Apesar de ter sido um feito histórico desenvolver, aprovar e usar di-
versos imunizantes em menos de um ano após a detecção dos primeiros
casos de covid-19, a vacinação demorou a estar disponível para todos.
Dessa forma, devido ànão existência de imunizantes, o enfrentamento
da pandemia da covid-19 teve como base protocolos de higiene e dis-
tanciamento social (OPAS, 2020). Nesse contexto, tornou-se ainda mais
relevante a comunicação precisa sobre o risco que envolve a doença e

1 Em 04/06/2023

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 203

A R T I G O
os modos de prevenção, para que a sociedade se engaje nesse combate
(OMS, 2018).
O Ministério da Saúde, principal órgão responsável pela saúde públi-
ca brasileira, promoveu campanhas para comunicar o risco da pandemia
para a sociedade. Contudo, pesquisas apontam que essas campanhas
tiveram ênfase generalista, não tendo sido realizada nenhuma comuni-
cação direcionada para a população rural, indígena, nem comunidades
tradicionais (RECUERO; SOARES, 2020; LOPES; LEAL, 2020).
Uma produção de comunicação de risco seletiva, que não considerou o
dinamismo e a heterogeneidade existentes dentro do meio rural, deixan-
do à margem populações desprivilegiadas, especialmente em meio à
pandemia.
Desse modo, como as redes sociais e websites governamentais foram
a base da comunicação de risco, limitou-se o acesso dos desconectados,
que somam 47 milhões de brasileiros, a informações tão estratégicas em
meio a uma crise sanitária (LOPES; LEAL, 2020). Entre esses, 35% são
população indígena e 29% negra, além dos muitos idosos que não têm
habilidades com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC),
o que significa que, ao fazer opção principalmente pela comunicação
digital, o governo expôs ainda mais os segmentos vulnerabilizados. A
desigualdade infocomunicacional se agrava quando perpassada pelo
marcador de gênero. As mulheres rurais, que têm historicamente menos
acesso à propriedade da terra, ao financiamento ou a insumos, têm sido
o grupo menos conectado às TICs na maior parte dos países da América
Latina (ROTONDI et al., 2020).
Sendo assim, a pandemia do novo coronavírus não atingiu todas as
mulheres da mesma forma, já que, além do gênero, muitas variáveis in-
terferem nas condições que podem promover a saúde, como os diversos
marcadores de desigualdade (raça, território, gerações, entre outros) e
os produtos de suas interações. Dessa maneira, ratifica-se a interação
de desvantagens com vulnerabilidades preexistentes, produzindo di-
mensões diferentes de exposição ao risco. Para Abrams e Greenhawt

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


204 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

(2020), o risco não pode ser visto como objetivo e independente do con-
texto social, podendo ser agravado por esse.
Partindo desse contexto, este trabalho visa compreender como os
marcadores sociais (gênero, território, raça e geração) influenciaram no
acesso à comunicação digital dos riscos da covid-19 por mulheres rurais
da Zona da Mata Mineira, entre as quais estão dez residentes do bairro
rural Palmital (Viçosa- MG) e dez do assentamento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Olga Benário (Visconde do Rio
Branco-MG). Para esse objetivo, são utilizadas as abordagens teóricas
da comunicação de risco e da interseccionalidade, a fim de articular
os condicionantes impostos pelos marcadores sociais da diferença ao
acesso à informação sobre a covid-19, de modo a visualizar as vulnera-
bilidades estruturais preexistentes e as reconfigurações nas estratégias de
organização social para a busca de soluções coletivas por essas mulheres.

O direito à Comunicação de Risco da covid-19


Em cenários de emergência em saúde, a comunicação tem papel funda-
mental para mitigar o contágio. Nesse sentido, a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) trouxe, no
fim dos anos 1960, as pautas sobre diversidade cultural e desigualdade
para se repensar os fluxos de informação, reconhecendo a comunicação
como uma dimensão central na vida política e social. Dessa forma, a
comunicação passou a ser compreendida como um direito amplo, con-
dição básica para o exercício da cidadania e para o desenvolvimento do
ser humano, incluindo o “direito de ouvir e ser ouvido; de informar e ser
informado” (STEVANIM; MURTINHO, 2021). Para Araújo e Cardoso
(2014), não se pode desvincular a comunicação de um projeto ético de
sociedade, no qual os poderes materiais e simbólicos são (ou deveriam
ser) distribuídos de forma equânime.
Para Stevanim e Murtinho (2021), a saúde plena de uma população
está ligada à sua democracia, assim como ao seu direito à comunicação.
Além disso, os autores afirmam que o direito à comunicação está con-
dicionado à democratização da comunicação, a políticas públicas que

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 205

A R T I G O
promovam a participação social e ao enfrentamento de modelos e práti-
cas neoliberais. Por essas razões, Araújo e Cordeiro (2014) afirmam que
o direito à comunicação é desigualmente distribuído, concentrando-se
nas camadas sociais mais privilegiadas, de maneira que são negligencia-
das as informações relativas às “doenças de pobreza”, que não despertam
interesse para pesquisa e produção de fármacos, por atingirem grupos
sociais sem expressividade econômica.
Buscando guiar a atuação do Ministério da Saúde (MS) na resposta
a essa emergência de saúde pública, foi ativado, no dia 22 de janeiro
de 2020, o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública
(COE-COVID-19) do MS, coordenado pela Secretaria de Vigilância
em Saúde (SVS), que desenvolveu o Plano de Contingência Nacional
para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19). O plano
oferecia três níveis de resposta (Alerta, Perigo Iminente e Emergência em
Saúde Pública) com base na avaliação do risco do impacto da covid-19
no Brasil (BRASIL, 2020). Contudo, a implementação dos protocolos
para o enfrentamento à pandemia indicados pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) e as evidências científicas encontraram um grande
obstáculo para a construção de um consenso social sobre os riscos da
covid-19: a postura negacionista do presidente da República Jair Bol-
sonaro (2019- 2023) (CAPONI, 2020; SODRÉ, 2020; GRAMACHO,
TURGEON, 2021).
O Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo
novo coronavírus, proposto pelo MS, orientava, entre outras medidas,
em seu tópico Comunicação de Riscos (CR):
[...] Informar as medidas a serem adotadas pelos profissionais de diversas
áreas e a população geral; Elaborar junto com a área técnica materiais
informativos/educativos sobre o novo coronavírus e distribuí-los para a
população, profissionais de saúde, jornalistas e formadores de opinião;
Disponibilizar peças publicitárias a serem veiculadas nos diversos meios
de comunicação; Monitorar as redes sociais para esclarecer rumores, boa-
tos e informações equivocadas; Manter atualizada a página eletrônica
do novo coronavírus; Disponibilizar material informativo/educativo para
públicos específicos: gestores, profissionais de saúde, viajantes, escolas,

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


206 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

dentre outros; Estabelecer parcerias com a rede de comunicação pública


(TVs, rádios e agências de notícias) para enviar mensagens com infor-
mações atualizadas [...] (BRASIL, 2020, p. 20).

A CR promovida pelo governo federal se distanciou muito desse pla-


no. As estratégias para uma Comunicação de Risco, em meio a uma
crise sanitária global, devem considerar se a totalidade dos receptores
de uma mensagem de risco tem condições de compreender o conteúdo
da mensagem, o que inclui as populações em vulnerabilidade. Além
disso, precisa convencer os receptores a buscar novas atitudes e compor-
tamentos em relação a determinado risco e construir condições para o
desenvolvimento de diálogos a respeito dos riscos e a participação efetiva
dos grupos interessados (SORIANO; HOFFMANN, 2015). Os autores
destacam também que nem sempre a informação correspondente ao ris-
co alcança o grupo populacional vulnerável. Essas estratégias também
precisam considerar que as experiências de riscos atravessam dimensões
culturais, sociais e psicológicas, podendo ter naturezas individuais e/ou
sociais, de forma que essas interações interferem na percepção pública
e nos comportamentos associados a elas (KASPERSON et al., 2016).
A comunicação produzida pelo Ministério da Saúde teve, em grande
parte, enfoque institucional e propagandístico. A comunicação veicu-
lada no site do Ministério da Saúde entre março e setembro de 2020,
quando a covid-19 crescia no Brasil, apresentou 46,6% das peças com
enfoque propagandístico, com o objetivo de divulgar ações do gover-
no, como o atendimento do governo federal às demandas dos estados e
regiões brasileiras no atendimento à população vítima da covid-19. As
narrativas enfatizavam o papel do cuidado, em especial o do governo
federal, responsável pela distribuição de recursos financeiros e equipa-
mentos. Todavia, reportagens na mídia mostravam o atraso de repasse
de recursos para criar hospitais de campanha e equipar leitos (LOPES;
LEAL, 2020).
Ademais, a comunicação governamental sobre a covid-19 teve ênfase
digital no primeiro ano de pandemia. Contudo, a eficiência da comuni-
cação digital envolve muitos fatores, já que nem todos os usuários on-line

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 207

A R T I G O
têm a capacidade de combater a desinformação, empregando recursos
para verificar a precisão e credibilidade de informações relacionadas à
saúde, de forma que, em meio a crises e desastres, o papel das agências
oficiais de saúde se torna importante, não só para educar o público, mas
também eliminar mitos (MALIK et al., 2021).
A estrutura infocomunicacional no Brasil é marcada por uma des-
igualdade crônica, resultante da realidade econômica nacional, que se
acentua com hiatos digitais de aparelhos, de conexão e de literacia, já
que um em cada quatro brasileiros não usa a internet (LOPES; BAS-
TOS; BARRETO, 2021; ROTONDO et al., 2020). O meio rural é
um exemplo dessa desigualdade, onde, segundo os autores, o acesso
infocomunicacional é mais difícil e mais precário. Esse fator amplia a
desigualdade no acesso à promoção da saúde existente entre o meio
rural e o urbano.

A perspectiva interseccional na Comunicação


A interseccionalidade não é a soma de desigualdades, mas sim a asso-
ciação de sistemas múltiplos de subordinação e poder, que afeta a vida
das mulheres de forma sinérgica (COLLINS, 2017). Autoras feministas
brasileiras das décadas de 1970 e 1980, como Lélia Gonzalez e Bea-
triz Nascimento, já denunciavam a multiplicidade de opressões e seus
cruzamentos na vida dos sujeitos historicamente marginalizados, con-
frontando raça e gênero com as cisões de classe, como as antagonizadas
em patroa/patrão e empregada doméstica. Entretanto, essas pensadoras
não elaboraram um termo para denominar essa postura teórica (CASE-
MIRO; SILVA, 2021).
Crenshaw (2002) propôs o uso da interseccionalidade como uma me-
todologia a ser utilizada para enfrentar as causas e os efeitos da violência
contra a mulher nas comunidades negras, pois trata da forma como
ações e políticas específicas geram opressões que “fluem ao longo de
tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempodera-
mento”. Dentro desse entendimento pode-se refletir que em várias áreas
(escolaridade, saneamento básico, saúde, acesso a tecnologias digitais,

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


208 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

pobreza) a desigualdade é um fator marcante no meio rural, principal-


mente quando se analisa a realidade da mulher nesses contextos, de
maneira que a interseccionalidade é uma abordagem adequada para se
pensar a situação das mulheres rurais.
Segundo Crenshaw (2002), a perspectiva interseccional busca per-
ceber as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre os
múltiplos eixos de subordinação, visto que as desvantagens interagem
com vulnerabilidades preexistentes, produzindo uma dimensão diferen-
te do desempoderamento. A pesquisa com essa abordagem faz outras
perguntas aos fenômenos que historicamente têm sido estudados numa
perspectiva neutra e imparcial, trazendo para o debate as lógicas de
opressão e as condições de subjetivação, complexificando suas análises
e perspectivas (COLLINS, 2017).
A raça se apresenta como um conceito marcador de desigualdade de-
vido à hegemonia da história ocidental e universalista, impulsionadora
da ideia de que os negros (pretos e pardos, conforme IBGE) são inferio-
res e escravos por natureza, de forma que a estipulação dessa categoria
visa naturalizar mais um tipo de dominação (NASCIMENTO,1982). A
classificação por raça não se dá por razões científicas, mas sim sociais,
e para Filgueira e Silva (2019), essa “invenção ocidental culminou na
abertura dos binarismos (branco e preto, branco e índio, civilizado e sel-
vagem, colonizador e colonizado) que calcificaram a estrutura moderna
de exploração do trabalho, propiciando a dominação determinada pela
cor da pele”, o que entendemos por racismo.
As consequências de um processo que importou uma população e
a escravizou por quase quatro séculos, não havendo indenizações nem
acesso à terra como reparação, resultaram numa pobreza que tem cor,
como afirma Sueli Carneiro (2011). O sistema capitalista, ao perpetuar
essas condições, beneficia-se dessa exploração tendo à sua disposição
uma mão de obra barata (GONZALEZ; HASENBALG, 1982) e,
para que essa engrenagem funcione, precisa estar atrelada à prática da
discriminação, o que gerou e gera desigualdades raciais. Nesse senti-
do, segundo Theodoro (2022), o racismo é a ideologia que assenta as

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 209

A R T I G O
desigualdades sociais, moldando instituições que contribuem para a
naturalização dessas desigualdades, o que permite que um país como
o Brasil cresça e se desenvolva mantendo à margem boa parte da sua
população negra.
De acordo com Gomes (2020), no Brasil, a população branca rece-
be maiores rendimentos independentemente do nível de instrução e
os negros representam 75,2% da parcela da população com os meno-
res ganhos. Além disso, a população de cor preta ou parda situa-se, em
maior proporção, abaixo da linha de pobreza, e reside em domicílios
com piores condições de moradia e com menos acesso a bens e serviços
que a população de cor branca (IBGE, 2019). Como consequência, em
meia à pandemia do novo coronavírus, os problemas de saúde entre as
mulheres negras foram amplificados devido a posições de desvantagem
no seio das famílias, profissões e instituições de saúde (PIRTLE; WRI-
GHT, 2021).
No caso das mulheres rurais, a encruzilhada dos marcadores sociais
ainda é fortemente perpassada pela dinâmica e constante negociação
entre sexo e geração, principalmente devido ao êxodo rural de jovens,
de forma que as mulheres que mais trabalham na roça ainda são as mais
velhas, mesmo recebendo aposentadoria (GERMINIANI; LORETO,
2017).
O território também pode ser considerado um importante marcador
social. Para Santos e Silveira (2001), o território representa a extensão
apropriada e usada, concebendo desde a implantação de infraestruturas
ao dinamismo da economia e da sociedade, incluindo os movimentos
da população, a distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços, o
arcabouço normativo, a legislação civil, fiscal e financeira, e o alcance e
a extensão da cidadania. Compreende-se, então, que o território não é o
espaço, mas uma produção derivada da sua apropriação, de modo que o
território é um espaço transformado pelo trabalho ali contido, delineado
por estratégias de organização e controle do mesmo. Sendo assim, essa
apropriação não é uma ocorrência natural, mas um dado concreto da
luta dos homens pela sua sobrevivência (RAFFESTIN, 1993).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


210 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

O território pode estar articulado a movimentos sociais, como o Mo-


vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um movimento
social camponês fruto de uma questão agrária que é estrutural e históri-
ca no Brasil, e tem como objetivo realizar a reforma agrária, praticar a
produção de alimentos ecológicos e melhorar as condições de vida no
campo. Foi fundado em 1984, quando trabalhadores rurais, que prota-
gonizaram lutas pela democracia da terra e da sociedade, reuniram-se
no 1° Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na ci-
dade de Cascavel, no Paraná, decidindo que a ocupação de terra seria
adotada como forma de luta (CALDART, 2001).

Aspectos Metodológicos
Para cumprir com o objetivo geral desta pesquisa, que tem caráter explo-
ratório e aspectos qualitativos, e partindo da heterogeneidade existente
no meio rural, que se multiplica pelas diversas intersecções de diferentes
marcadores de desigualdade (CRENSHAW, 2002), este estudo busca
levar em conta a pluralidade das mulheres rurais.
Lançou-se mão de entrevistas semiestruturadas com 20 mulheres ru-
rais da Zona da Mata de Minas Gerais, de 18 a 73 anos, dez residentes
no bairro Palmital (Viçosa-MG) e dez no Assentamento do MST Olga
Benário, em Visconde do Rio Branco (MG). Para garantir a privacidade
de cada participante, seus nomes foram protegidos e substituídos por
codinomes, entre os quais designou-se a letra “P” para moradoras do
bairro Palmital e “O” para as assentadas do Olga Benário. Sendo assim,
no grupo das residentes do bairro Palmital, tem-se as participantes P1 a
P10, e entre as moradoras do assentamento do MST estudado, tem-se
as participantes de O1 a O10. Para ratificar a perspectiva interseccional,
cada codinome é acrescido de dados sobre cor e idade das participantes.
Os dados foram tratados por meio de análise do conteúdo (BARDIN,
1977), de forma manual. Essa etapa foi realizada por uma perspectiva
interseccional, ou seja, pela análise crítica dos marcadores sociais de
desigualdades sobre os fenômenos estudados (DÍAZ-BENÍTEZ; MAT-
TOS, 2019). Para uma análise qualitativa interseccional é necessário

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 211

A R T I G O
primeiramente definir as categorias, examinando quais eixos de diversi-
dade estão incluídos e excluídos, e buscar o papel desempenhado por
elas na desigualdade, analisando quais interseções e processos são mais
significativos em um determinado contexto (HUNTING, 2014). Desse
modo, trilhando um caminho que ainda está em construção no campo
das metodologias interseccionais, buscou-se sistematizar resultados, na
medida do possível, dentro de quadros que foram elaborados e denomi-
nados “Quadros de Perspectiva Interseccional”. Esses quadros intentam
apresentar articulações entre os marcadores raça, território e faixa etária
com diferentes variáveis e objetivam deixar visíveis algumas iniquidades
que precisam estar expostas para serem compreendidas.

Resultados e Discussões
Apresentamos abaixo, na forma de Quadro (01), os dados sobre os perfis
das mulheres participantes desta pesquisa

Tabela 1. Descrição do grupo de participantes da zona rural da microrregião de


Viçosa e do Assentamento Olga Benário.

Renda mensal familiar


Participante Idade Cor Escolaridade2
(em salário mínimo)
P1 42 Preta Nunca frequentou 1 e 1/2 salário

P2 26 Parda Graduação incompleta 2 salários

P3 73 Parda Ensino Fundamental I 2 salários

P4 37 Branca Ensino Fundamental II 2 salários

P5 44 Branca Ensino Fundamental I 2 salários

P6 46 Preta Ensino Fundamental I 1 salário

P7 58 Branca Ensino Fundamental II 1 e ½ salário

P8 50 Preta Ensino Fundamental I 2 salários

2  No Brasil, a Educação Básica compreende a Educação Infantil (de 0 a 5 anos), o Ensino Fun-
damental I (de 6 a 10 anos), o Ensino Fundamental II (de 11 a 14 anos) e o Ensino Médio (de
15 a 17 anos). A Educação Superior é composta de Graduação e Pós-graduação.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


212 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

Tabela 1. Cotinuação.
Renda mensal familiar
Participante Idade Cor Escolaridade2
(em salário mínimo)
P9 61 Branca Ensino Fundamental I 2 salários
Ensino médio
P10 38 Parda 2 salários
incompleto
O1 38 Parda Ensino Médio ½ salário
O2 28 Parda Ensino Fundamental II 1 salário
O3 43 Parda Ensino Médio ½ salário
O4 38 Parda Ensino Fundamental II 3 salários
O5 39 Parda Ensino Fundamental I 2 salários
O6 30 Branca Ensino Médio 1 salário
O7 60 Parda Ensino Fundamental I 2 salários
O8 26 Parda Graduação Incompleta 2 salários
O9 62 Parda Ensino Médio 1 ½ salário
O10 18 Preta Ensino Médio 1 salário
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados da pesquisa.

De acordo com os dados acima, 15 participantes se consideram ne-


gras (pretas e pardas) e cinco brancas. Quanto à renda familiar, dez
participantes (50%) afirmaram que mensalmente vivem com dois sa-
lários mínimos3, três (15%) com um salário e meio, quatro (20%) com
um salário, duas (10%) vivem apenas com meio salário e apenas uma
entrevistada disse que sua família ganha três salários ao mês. Deve-se
considerar que as famílias das participantes têm uma média de 3,65 mo-
radores por casa, variando entre dois e cinco membros, o que, dentro do
contexto de inflação em que se encontrava o Brasil (o índice acumulado
nos 12 meses de 2020 foi de 5,02%), permite inferir que a renda é pouca.
Entre as participantes, apenas seis (30%) afirmaram estar inscritas nos
programas de transferência de renda do Governo Federal.
A expressiva maioria de mulheres negras (75%) no campo pesquisa-
do, que vivem com pouca renda, retrata uma sociedade extremamente

3 O salário mínimo no Brasil em 2020 era de R$ 1.039,00, equivalente a US$ 202,50.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 213

A R T I G O
desigual, na qual negros têm sido historicamente marginalizados e ex-
cluídos. Sendo assim, de acordo com Theodoro (2022), essa desigualdade
extrema e persistente produz assimetrias na ocupação dos espaços, que
acarretam outras desigualdades sociais, sempre em desfavor do grupo
descriminado.
Os níveis de escolaridade das participantes são variados, desde mulhe-
res (duas) que estão cursando a graduação em uma universidade pública
e federal até aquela (uma) que nunca frequentou uma escola (Parti-
cipante P1). Nesse ínterim, sete participantes estudaram até o Ensino
Fundamental I, quatro até o Ensino Fundamental II, cinco comple-
taram o Ensino Médio e uma tem o Ensino Médio Incompleto. Para
compreender a baixa escolaridade de algumas participantes, é impor-
tante levar em conta as dificuldades enfrentadas por muitos moradores
de áreas rurais para frequentar escolas, como as distâncias e dificuldades
com transportes, aliadas a uma rotina de trabalhos pesada. Vale destacar
que a única participante analfabeta é negra, o que se alinha aos dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Segun-
do a Pnad (IBGE, 2019), o analfabetismo entre negros é quase o triplo
do que entre brancos.
Como os protocolos de combate ao novo coronavírus demandavam
distanciamento social, as participantes foram perguntadas sobre como
se informaram sobre os riscos da covid-19, na primeira fase da pande-
mia (2020), quando ainda não havia a vacina para essa imunização. Os
dados foram organizados em um quadro para facilitar a visualização
das participantes que lançaram mão (ou não) de TIC para acessar a
Comunicação de Risco da covid-19. Esses dados foram articulados con-
juntamente com marcadores de desigualdade, aqui destacados: raça,
território e faixa etária. Essa perspectiva analítica vem ao encontro dos
objetivos desta pesquisa, buscando compreender a influência desses
marcadores na concepção e incorporação dos riscos da covid-19 enfren-
tados pelas mulheres rurais.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


214 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

Para isso, buscamos compreender, conforme Quadro 2, esta influên-


cia no acesso à CR por meio de TIC. Destaca-se que cada símbolo de
wi-fi abaixo representa uma das participantes, divididas por raça.

Quadro 2 - Participante e Internet no acesso à CR da covid-19

Fonte: Elaboração própria com dados da pesquisa.

A partir do Quadro 2, fica evidente a maior incidência de uso de


TIC para CR de covid-19 no assentamento Olga Benário, salvo pela
participante mais idosa. O território se apresenta como um marcador
de destaque nessa abordagem e pode-se inferir que um dos fatores que
fizeram com que as mulheres assentadas tenham feito uso de TIC para
se informar foi um território articulado a um movimento social que
possibilitou diferentes sociabilidades e conexões.
Além disso, o MST promoveu campanhas digitais de CR da covid-19,
o que, na ausência do poder público, serviu como pilar informacional,
além de estimular o acesso à TIC. Importante destacar que movimen-
tos populares no Brasil encararam um desafio no tocante a desenvolver
ações de comunicação criativas em seus territórios para ajudar a orientar
e proteger suas populações durante a pandemia (SUZINA, 2022).
Entre as participantes que consultaram a internet como fonte prin-
cipal, tem-se O10 (preta, 18 anos), moradora do Olga Benário, que
acessava o Google para se informar, e O2 (parda, 28 anos), também

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 215

A R T I G O
assentada, que utilizava o WhatsApp porque o MST promoveu uma vas-
ta comunicação sobre a covid-19, que foi disseminada por grupos desse
aplicativo. A participante O2 ainda esclareceu que o MST realizou lives
e vídeos no YouTube (conforme a figura a seguir) sobre o novo coro-
navírus e, para facilitar, transformava esses conteúdos em áudios, por
serem dados mais fáceis e leves para compartilhamento, com vistas à
disseminação através dos grupos de WhatsApp.
Na faixa etária mais avançada (acima de 61 anos), nenhuma partici-
pante recorreu à internet em busca dessa comunicação, o que destaca
mais o marcador “idade” do que “território”. A participante P9 (branca,
61 anos) afirmou que “o rádio e a televisão foram mais importantes” e,
para O9 (parda, 62 anos), “a internet não teve nenhuma importância,
porque ouvia tudo no rádio”. O marcador “idade” também pode ser per-
cebido interseccionado à raça, pois entre as participantes brancas, a não
ser pela mais velha (acima de 61 anos), todas fizeram uso de internet
para acessar CR da covid-19.
Entre as participantes negras que moram no bairro Palmital, apenas
a mais jovem, que é universitária, recorreu às TIC para se informar so-
bre a CR da covid-19. Outras quatro moradoras negras, entre 30 e 50
anos, preferiram os meios de comunicação de massa ou informação de
familiares. Nesse ponto percebe-se a raça como um importante marca-
dor de desigualdade, pois as mulheres negras que não tiveram o suporte
do MST para o conhecimento sobre o enfrentamento à pandemia não
tiverem autonomia (ou interesse) para buscar informações mais apro-
fundadas ou que não estivessem disponíveis nos meios de comunicação
de massa, que disseminam informações mais genéricas.

Considerações Gerais
Durante o período de isolamento social imposto pelos protocolos
de enfrentamento do SARS-CoV-2, diversas práticas foram alteradas,
inclusive as comunicacionais. O acesso às tecnologias de informação
fez-se fundamental para se consumir o conteúdo de comunicação so-
bre a proteção contra o novo coronavírus, devido ao isolamento social.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


216 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

Além disso, o cuidado exigiu mais de quem o exercia, pois, por ser uma
circunstância inédita, foi preciso se acostumar com novos hábitos, como
usar máscara, não abraçar os outros, não espirrar perto dos outros, entre
muitas outras coisas.
Cada uma dessas mulheres está posicionada em um ponto inter-
seccionado por diversos marcadores de desigualdades. Para além de
um resultado das somas ou produto das multiplicações entre essas in-
terações, o que temos com a sobreposição de marcadores é um lugar
único, ocupado por cada mulher rural participante. Sendo assim, ape-
sar de todas as participantes serem mulheres e morarem no meio rural,
algumas diferenças comprometeram a capacidade de se proteger de si-
tuações de risco na pandemia.
Acerca desses marcadores de opressão, alguns pontos ainda devem
ser considerados. O marcador raça, que tem historicamente sido asso-
ciado à discriminação, incide em quadros de menor acesso à promoção
de saúde, como índices inadequados de saneamento básico e taxas mais
altas de doenças crônicas, além de menor acesso à TIC, apresentada
como importante ferramenta de comunicação em saúde. O marcador
etário se fez presente, haja vista que o mesmo limita acessos e estra-
tégias de comunicação, em especial no que envolve tecnologia. Já no
tocante ao marcador território, o rural como um todo é assolado por
desigualdades estruturais, entretanto apresenta nuances que impactam
diferentemente sua população. Ao comparar o território relativo ao
bairro Palmital e o Assentamento Olga Benário, nota-se que, quando o
território se constitui um espaço transformado por estratégias de organi-
zação social, novas perspectivas podem surgir, especialmente na busca
de soluções coletivas. A apropriação do WhatsApp pelo MST para co-
municar o risco da pandemia descortina possibilidades de ações voltadas
à promoção da cidadania para um meio rural que necessita estar cada
vez mais conectado.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 217

A R T I G O
Referências
ABRAMS, E. M.; GREENHAWT, M. Risk Communication During COVID-19. Jour-
nal of Allergy and Clinical Immunology: In Practice, v. 8, n. 6, p. 1791-1794, 2020.
Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jaip.2020.04.012. Acesso em: 12 maio 2022.
ARAÚJO, I. S.; CARDOSO, J. M. Comunicação e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2014.
BRASIL. Portaria MEC n. 343, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição
das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia
do Novo Coronavírus - COVID-19. Brasília, DF, 18 mar. 2020. Disponível em: https://
www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Aces-
so em: 22 mar. 2023.
CALDART, Roseli Salete. O MST e a formação dos sem-terra: o movimento social
como princípio educativo. Estudos Avançados, v. 15, n. 43, 2001. Disponível em: https://
www.scielo.br/pdf/ea/v15n43/v15n43a16.pdf. Acesso em: 18 abr. 2021.
CAPONI, S. Covid-19 no Brasil: Entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos
Avançados, v. 34, n. 99, p. 209-224, 2020.
CARNEIRO, S. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro,
2011.
CASEMIRO, D. M. F.; SILVA, N. L. Teorias interseccionais brasileiras: precoces e ino-
minadas. Revista de Ciências do Estado, Belo Horizonte, v. 6, n. 2, p. 1-28, 2021. DOI:
10.35699/2525-8036.2021.33357. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/
revice/article/view/e33357. Acesso em: 5 ago. 2022.
COLLINS, Patricia Hill. Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalida-
de e política emancipatória. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em: http://
revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559. Acesso em: 11 jan.
2021.
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da
discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 171-
188, 2002. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011. Acesso
em: 06 jan. 2022.
DÍAZ-BENÍTEZ, María Elvira; MATTOS, Amana. Interseccionalidade: zonas de
problematização e questões metodológicas. Metodologia e Relações Internacionais:
Debates Contemporâneos, v. 2, p. 1, 2019. Disponível em: http://www.editora.puc-rio.
br/media/Metodologias_e_RI_volume-2%20(1).pdf#page=68. Acesso em: 04 jan. 2021.
FILGUEIRA, Andrea; SILVA, Mary A. Afrocentricidade, quilombismo e colonialidade
do poder: saberes insurgentes nas textualidades de Abdias do Nascimento e Aníbal Qui-
jano. Dossiê Africanidades Brasileiras. Revista Temporis[ação], v. 19, n. 2, p. 17, 2019.
ISSN 2317-5516.
GERMINIANI, Haudrey; LORETO, Maria das Dores Saraiva. Mulheres rurais e
trabalho: (Re) articulação dos marcadores sociais da diferença. I Seminário Nacional
Família e Políticas Sociais no Brasil. GT Família, Geração e Trabalho. Departamen-
to de Economia Doméstica, UFV. 2017. Disponível em: http://www.ppged.ufv.br/

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


218 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

seminariofamiliapoliticassociais/wp-content/uploads/Mulheres-rurais-e-trabalho-Re-ar-
ticula%C3%A7%C3%A3o-dos-marcadores-sociais-da-diferen%C3%A7a.pdf
GOMES, N. L. A questão racial e o novo coronavírus (1–8). Ed. Friedrich-Ebert- Stif-
tung, Brasil. 2020. ISBN 978-65-87504-02-5.
GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Editora
Marco Zero, 1982.
GRAMACHO, W. G.; TURGEON, M. When politics collides with public health: CO-
VID-19 vaccine country of origin and vaccination acceptance in Brazil. Vaccine, v. 39,
n. 19, p. 2608-2612, 2021.
HUNTING, Gemma. Intersectionality-informed Qualitative Research: A Prim-
er. The Institute for Intersectionality Research & Policy, SFU. 2014 ISBN:
978-0-86491- 357-92014.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo
Agropecuário 2017: agricultura familiar, v. 7, p.1-108. IBGE/SIDRA Rio de Janeiro
2018. Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resulta-
dosagro/pdf . Acesso em: 10 out. 2020.
______________________. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
Anual - PNADC/A. Sidra: sistema IBGE de recuperação automática. Rio de Janeiro,
2019 https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadca/tabelas
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Economia dos cui-
dados: marco teórico-conceitual. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro, 2016.
KASPERSON, R. E. et al. The social amplification of risk: A conceptual framework.
The Perception of Risk, v. 8, n. 2, p. 232-245, 2016.
LOPES, I.; BASTOS, M.; BARRETO, H. Desiguais e desconectados: a exclusão Info-
comunicacional no Brasil. Clacso, 2021.
MALIK, A.; KHAN, M. L.; QUAN-HAASE, A. Public health agencies outreach through
Instagram during the COVID-19 pandemic: Crisis and Emergency Risk Communica-
tion perspective. International Journal of Disaster Risk Reduction, 61, 102346, 2021.
Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijdrr.2021.102346
NASCIMENTO, Abdias do. O negro revoltado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
OLIVEIRA Maria, MORAES Jéssica. Práticas populares de saúde e a saúde da mulher.
Rev. APS, v. 13, n. 4, p. 412-420. Juiz de Fora, out./dez. 2010.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Comunicação de riscos em emergências
de saúde pública: um guia da OMS para políticas e práticas em comunicação de risco
de emergência. Genebra: WHO, 2018.
ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE (OPAS). Pandemia de Covid-19 na
região das Américas. 58º Conselho Diretor 72ª Sessão do Comitê Regional da OMS
para as Américas. CD58/6. Sessão virtual, 28 e 29 de setembro de 2020. Disponível em:
https://www.paho.org/pt/documentos/cd586-pandemia-covid-19-na-regiao-das-americas
PIRTLE, W.; WRIGHT, T. Structural gendered racism revealed in pandemic times inter-
sectional Approaches to Understanding Race and Gender Health Inequities in COVID-19.
Gender & Society, v. 35, n. 2, p. 168-179, 2021. DOI: 10.1177/08912432211001302.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


daniela de ulysséa leal | ivonete da silva lopes | isadora moreira ribeiro 219

A R T I G O
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
RECUERO, Raquel; SOARES, Felipe. O Discurso Desinformativo sobre a Cura do
COVID-19 no Twitter: Estudo de caso. Preprint. E-Compós, 2020.
ROTONDI, V.; FRANCESCO, B.; PESANDO, L.; KASHYAP, R. Desigualdade digital
e de gênero na América Latina e Caribe. 2020. Disponível em: https://repositorio.iica.
int/handle/11324/12489
SANTOS, M.; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do
século XXI. 5ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2001. 473 p.
SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA (SOF). Sem parar o trabalho e a vida
das mulheres na pandemia. 2020. Disponível em: mulheresnapandemia.sof.org.br.
Acesso em: 16 jun. 2021.
SOARES, F. B. et al. Cloroquina e desinformação sobre Covid-19 na mídia social do
Brasil. In: MARTINS, ANA TAÍS; FREITAS, C. (Ed.). Pesquisas comunicacionais em
interface com arte, tecnologia, religião, meio ambiente. São Paulo: Pimenta Cultural,
2021. p. 474.
SODRÉ, F. Epidemia de Covid-19: questões críticas para a gestão da saúde pública no
Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. 3, 2020.
SORIANO, É.; HOFFMANN, W. A. M. A informação e o conhecimento no contexto
da comunicação dos riscos de desastres naturais. Caderno Prudentino de Geografia, p.
110-123, 2015.
STEVANIM, L. F.; MURTINHO, R. Direito à comunicação e saúde. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2021.
SUZINA, A. C. A comunicação popular e comunitária face à pandemia e às mudanças
climáticas. In: Reivindicar el cambio: comunicación popular, comunitaria y ciudadanía
en América Latina / - 1a ed. - Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Huvaití Ediciones,
2022. ISBN 978-987-48620-2-0
THEODORO, Mário. A sociedade desigual. Rio de Janeiro: Schwarcz, 2022.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


220 o impacto dos marcadores sociais no acesso à comunicação de risco e tic
A R T I G O

Sobre autores
Daniela de Ulysséa Leal - Possui graduação em Comunicação Social, MBA
em Marketing Estratégico pela UFT (2015), Mestrado (2019) e Doutorado no
programa de Extensão Rural no Departamento de Economia Rural (UFV.).
Integra o Meios Grupo de Pesquisa: Comunicação, Relações Raciais e Gênero.
E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7865-3296

Ivonete da Silva Lopes - Professora adjunta na Universidade Federal de Viçosa


(UFV), líder do Meios Grupo de Pesquisa: Comunicação, Relações Raciais e
Gênero. Graduada em Comunicação Social/Jornalismo, mestrado e Doutora-
do em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (2014). E-mail:
[email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5162-4719

Isadora Moreira Ribeiro – Graduada em Jornalismo (UFOP), Mestrado em


Jornalismo - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutorado
e Pós-doutorado em Extensão Rural - Universidade Federal de Viçosa (UFV);
Linhas de pesquisa: Cultura, Políticas Públicas e Comunicação; Jornalismo,
Cultura e Sociedade. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2622-4059

Data de submissão: 10/01/2024


Data de aceite: 9/08/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 201-220,mai./ago.. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61 P. 221-247,mai./ago. 2024

A R T I G O
DOI 10.18568/CMC.V20i61.2927

Macho desconstruído? Videoclipe, questões de


gênero e masculinidades sob tensão
Deconstructed male? Video clip, gender issues and
masculinities under tension
Juliana Gutmann
Morena Melo Dias

Resumo: Tomando o audiovisual em rede como dimensão comunicacional


pela qual seria possível mapear disputas políticas, identitárias e culturais diver-
sas, dentre as quais as relacionadas às questões de gênero, este artigo investiga
os sentidos de masculinidades acionados em torno da imagem do “macho des-
construído”, tendo como estudo de caso a rede de engajamentos identitários
mobilizada no Instagram em torno do videoclipe “Masculinidade”, de Tiago
Iorc. O videoclipe é compreendido como forma audiovisual expandida, cuja ex-
periência de consumo envolve comentários, memes, paródias etc. Com base em
protocolo teórico-metodológico que articula as noções de performance e perfor-
matividade, mapeamos como as disputas sobre a masculinidade performada pelo
cantor apontam para possibilidades de repensar as identidades de gênero.
Palavras-chave: Masculinidades; Audiovisual em rede; Videoclipe; Performance;
Performatividade

Abstract: Considering the audiovisual network as a communicational dimen-


sion through which it would be possible to map various political, identity and
cultural disputes, including those related to gender issues, this article investigates
the meanings of masculinities activated around the image of the “deconstructed
male”, using as a case study the network of identity engagements mobilised on Ins-
tagram around the music video “Masculinidade” by Tiago Iorc. The music video
is understood as an expanded audiovisual form whose consumption experience
involves comments, memes, parodies, etc. Based on a theoretical-methodological
222 macho desconstruído?
A R T I G O

protocol that articulates the notions of performance and performativity, we


mapped out how the disputes over masculinity performed by the singer point to
possibilities for rethinking gender identities.
Keywords: masculinities; network audiovisual; music video; performance;
performativity

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 223

A R T I G O
Introdução
Lançado em 11 de novembro de 2021, o videoclipe “Masculinidade”,
do cantor e compositor brasileiro Tiago Iorc, rapidamente viralizou. A
circulação do clipe nas ambiências digitais fez disparar uma rede de
engajamentos, envolvendo comentários, memes, reactions, paródias e
críticas em torno do modo de viver “a masculinidade” performado pelo
cantor. No clipe, Iorc incorpora a figura masculina relacionada aos sen-
tidos de “macho desconstruído”, “macho sagrado”, “homem sensível”,
termos comumente usados para denominar “formas contemporâneas
de vivência do masculino” (GONÇALVES, 2021), que, conforme
Gonçalves (2021), pressupõem suposta oposição à matriz patriarcal
heteronormativa e cuja emergência é ensejada pela consolidação e am-
pliação dos movimentos feministas.
Partimos da premissa de que a ideia de masculinidade performada
no videoclipe se constitui enquanto performance quando compreendida
de modo entrelaçado à rede de expressões comunicacionais disparadas
em torno do audiovisual que ampliam e tensionam a suposta “descons-
trução” proposta por Iorc. Nesses termos, nos questionamos em que
medida essa rede de engajamentos e disputas identitárias, que constitui
nossa experiência de consumo na contemporaneidade, aponta para pos-
sibilidades de repensar gênero de modo transformador.
Num sentido mais amplo, este trabalho toma o audiovisual em cir-
culação nas redes sociais digitais como dimensão comunicacional do
contemporâneo pela qual seria possível acessar e mapear disputas po-
líticas, identitárias e culturais diversas, entre as quais as relacionadas às
questões de gênero. Por esse entendimento, o videoclipe é compreendi-
do enquanto processo que se configura em rede e agencia disputas sobre
modos de habitar o mundo.
Para pensar as disputas por masculinidades travadas a partir do cli-
pe de Iorc, partimos da compreensão da categoria homem em termos
impermanentes. Entendemos a identidade de gênero como uma cons-
trução cultural em constante mudança, passível a reconfigurações e
deslocamentos de sensibilidades e sentidos. Rejeitamos, assim, uma

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


224 macho desconstruído?
A R T I G O

concepção essencialista que ancora o sujeito nos atributos biológicos,


pensando com Butler (2015) numa construção variável e instável de
identidades. Por esse entendimento, a ideia de masculinidade é com-
preendida enquanto sistema regulador (BUTLER, 2015), fruto de um
processo histórico que se relaciona ao que Segato (2018) denomina de
mandato de masculinidade, um dado modo de viver o masculino que
tem a manutenção de hierarquias e privilégios, na relação com o femi-
nino, como condição de existência.
Nesta investigação1, buscamos seguir o fluxo audiovisual mobili-
zado pelo clipe no Instagram, observando os processos de tensão que
envolvem o consumo da música e permitem acessar identidades como
dimensão cultural e política. Para isso, a forma comunicacional video-
clipe é concebida como vetor disparador de uma trama de “fluxos de
imagens, sons, informações, práticas sociais e rituais que nos dizem so-
bre identidades e suas disputas” (GUTMANN, 2021). O corpus desta
análise, descrito de modo detalhado mais adiante, é formado pelo video-
clipe “Masculinidades” e 40 postagens distintas (em forma de memes,
paródias, depoimentos em vídeo e comentários), selecionadas no Ins-
tagram em período posterior ao lançamento do clipe, especificamente
entre os dias 12.11.2021 e 31.01.2022.
Em termos teórico-metodológicos, propomos acessar articulações
entre os estudos de comunicação, de performance e de gênero a par-
tir de intersecções entre os conceitos de performance (TAYLOR, 2013),
dimensão que envolve corporalidades e roteiros; de performatividade
(BUTLER, 2015, 2019), entendida como processo social, uma prática
discursiva capaz de normalizar/regular modos de expressar a identidade
de gênero e a sexualidade; e a noção de audiovisual em rede (GUT-
MANN, 2021), que se refere ao tecido comunicacional/expressivo
(portanto, em rede) que constitui nossa experiência com o audiovisual
no contexto digital.
A partir de uma perspectiva historicamente situada e politicamen-
te engajada, estamos especialmente interessadas nos olhares feministas

1 A pesquisa que deu origem a este artigo tem financiamento do CNPq

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 225

A R T I G O
que desestabilizaram a “masculinidade desconstruída” no videoclipe de
Iorc. Com base na análise do clipe e de um conjunto de expressões
audioverbovisuais que circularam no Instagram sobre a obra, nos depa-
ramos com pistas que indicam uma compreensão do masculino numa
perspectiva historicamente patriarcal, com reconfigurações estéticas que
acionam atributos binários em relação aos femininos e que parecem re-
configurar jogos de poder sem, de fato, indicar possíveis transformações.

Performatividade, mandato de masculinidade e o


projeto de macho desconstruído
A noção de masculinidades não se reduz a mero atributo, relaciona-se a
uma dimensão de poder permanentemente em tensão (BUTLER, 2015;
SEGATO, 2018; GONÇALVES, 2021), daí nossa insistência na grafia
no plural. É situada, portanto, dentro das relações de gênero e de poder
frutos de processos históricos, o que implica sistemas de hierarquia e de
disputas por hegemonia. Nessa direção, abordamos as masculinidades
sob a chave do que Judith Butler compreende por performatividade: um
processo de socialização, uma prática discursiva, numa remissão a Fou-
cault (1987), produzida em um sistema regulatório capaz de normalizar
modos de expressar a identidade de gênero e a sexualidade.
Com Butler, pensamos que a realidade do gênero é criada mediante
performatividades que engendram uma forma regulada de ser. Pensar o
gênero a partir da chave da performatividade expõe a relação processual
de construção, reafirmação, reelaboração e constante disputa dos sen-
tidos atribuídos ao feminino e ao masculino. A identidade de gênero é
desvelada como uma ficção que busca sustentação no caráter biológico
dos corpos, em uma cisão binária e coercitiva que atravessa as corporali-
dades em formações discursivas sobre o feminino, o masculino, o gênero
e o sexo. A ideia de performatividade é fundamental para o argumento
de Butler (2015) de que o “feminino” e o “masculino” são uma ficção,
ou seja, não existem fora da linguagem. São dimensões reguladoras dos
corpos que constituem sentidos de reconhecimento e pertencimento

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


226 macho desconstruído?
A R T I G O

fundados em hierarquias, subordinações e exclusões, tendo a matriz ci-


sheteronormativa como imperativo. A desigualdade de gênero, como
condição desse sistema de poder, vai amparar a construção e sustentação
das masculinidades e de seus privilégios em relação ao “outro” (ou “às
outras”).
A respeito dessa dinâmica, Segato (2018) desenvolve o conceito de
mandato de masculinidade, definido como primeira e permanente pe-
dagogia de expropriação de valor e dominação masculina reconhecida
e autorizada via relação com seus pares. Por essa acepção, a masculini-
dade, diferentemente da feminilidade, é “uma hierarquia de prestígio,
adquirida como um título, e deve ser renovada e comprovada como tal”
(SEGATO, 2018, p. 40, tradução nossa). O estatuto do “ser macho” de-
penderia, assim, da capacidade de exibir a masculinidade enquanto
potência. A autora identifica seis tipos de poderes – não como catego-
rias fixas, mas como dinâmicas articuláveis – que são permanentemente
espetacularizados pelos sujeitos e seus pares e endossados pelas posições
construídas para o feminino: os poderes sexual, militar, político, econô-
mico, intelectual e moral.
O mandato de masculinidade é explorado por Segato, no campo
da antropologia, especialmente a partir de atos violentos com alto grau
de barbaridade, como o crime de estupro e o feminicídio. Inspirada
nessa abordagem, Gonçalves (2021) traduz, para o campo da comuni-
cação, esse mandato como uma espécie de lente pela qual seria possível
compreender fluxos midiáticos de masculinidades que operam cotidia-
namente a partir de relações de opressão como condição de existência
e soberania do “projeto de masculinidade universal (branca, cisgêne-
ro, heterossexual, urbana)” (GONÇALVES, 2021). Por essa acepção, o
mandato de masculinidade seria uma chave metodológica potente para
a interpretação das diversas formas de violência que se constituem como
atos comunicativos.
Gonçalves aborda as enunciações de masculinidades supostamente
transformadas que constituem figuras do masculino nos tempos atuais
via desidentificação com atributos tradicionais de macheza, tais como

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 227

A R T I G O
virilidade, controle, liderança, poderio financeiro, proteção, autoridade
moral. Essas novas figuras têm se organizado a partir de diferentes temas,
como “paternidade ativa, vivências afetivas, espiritualidade masculi-
na (em especial o sagrado masculino), sexualidades fluidas, liberdade
emocional, atravessamentos interseccionais raciais e de classe, dentre
outras referências” (GONÇALVES, 2021), e atuam, no Brasil, sob os
mais variados rótulos: “macho desconstruído”, “pai presente”, “sagrado
masculino”, “homão da porra”. Sua hipótese é de que tais projetos de
transformação de masculinidades seriam modos de o patriarcado con-
temporâneo lidar com uma espécie de desconforto perante a “imagem
que veem refletida no espelho descortinado pelo movimento feminista”
(GONÇALVES, 2021).
Seguindo as pistas apontadas por Gonçalves, o videoclipe de Tia-
go Iorc é aqui tomado como um audiovisual em rede (GUTMANN,
2021) e analisado sob a chave da noção de performance, de Diana Tay-
lor (2013). Entendemos que o clipe agencia um processo comunicativo
que transcende o vídeo e engloba uma trama de textualidades múlti-
plas pelas quais buscamos identificar os sistemas de regulação de gênero
em atuação (BUTLER, 2015). O audiovisual e a rede de disputas que
emerge em torno dele se apresentam, portanto, como modos de acessar
processos de interação sobre masculinidades e seus sistemas de regula-
ção nas ambiências digitais, nos fazendo questionar: “que performance
obrigará a reconsiderar o lugar e a estabilidade do masculino e do femi-
nino?” (BUTLER, 2015).

Audiovisual em rede e performance como lócus


analítico do videoclipe
Quando Tiago Iorc, cantor, instrumentista e compositor reconhecido
no Brasil, autor de diversos hits e trilhas de novelas, com feitos interna-
cionais, como Grammy Latino e música no top 10 do Japão e da Coreia
do Sul, lançou o clipe “Masculinidade”, tornou visível, para além do
seu relato pessoal, quase autobiográfico, uma trama de textualidades que

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


228 macho desconstruído?
A R T I G O

ilustra o quanto nossa experiência contemporânea com o audiovisual


não se reduz a um fenômeno isolado na canção, no vídeo ou no corpo
em si de um ou uma artista. Obviamente o videoclipe é uma alegoria
de um fenômeno mais amplo, denso e complexo que coloca a comuni-
cação no centro de debate como expressão material de agenciamentos
políticos, sociais e culturais do nosso tempo. Nessa direção, interessa
a este debate o modo como “Masculinidade” nos faz ver uma rede de
disputas sobre questões de gênero que desnuda relações de poder e suas
possíveis transformações. Essa rede formada em torno do clipe, que con-
torce, esgarça e ressignifica os sentidos produzidos pelo artista sobre sua
masculinidade, constitui o vídeo como um audiovisual em rede (GUT-
MANN, 2021).
Por audiovisual em rede, entende-se “a forma audioverbovisual (tra-
ma de imagens, sons e textos) que se articula em rede pelas ambiências
digitais, entrelaçando plataformas, corpos e sujeitos em expressões comu-
nicacionais diversas numa dinâmica de produção, circulação e consumo
em fluxo” (GUTMANN, 2021, p.12). A noção ampara a composição do
nosso material analítico, que tem o videoclipe como vetor para o rastrea-
mento de expressões midiáticas relacionadas a ele. A ideia de vetor aqui,
muito inspirada no sentido de “platô” de Deleuze e Guattari (1995), re-
mete ao sentido de dispositivo que provoca ação, movimento. Enquanto
vetor, o clipe “dispara e mobiliza fluxos de imagens, sons, informações,
práticas sociais e rituais que nos dizem sobre identidades e suas disputas”
(GUTMANN, 2021, p. 71). Esse fluxo configura o audiovisual de modo
alargado, estendido, enredado por outras expressões: comentários, pa-
ródias, memes etc. Gutmann utiliza a metáfora conceitual do rizoma,
como desenvolvida por Deleuze e Guattari (1995), para ilustrar essa
ideia de “expressão audioverbovisual em rede”.
Neste estudo, a trama que define “Masculinidade” como um
audiovisual em rede é formada por um corpus que engloba o video-
clipe “Masculinidade”, lançado no dia 11/11/2021, e 40 expressões
críticas conectadas a ele publicadas no Instagram entre os dias
12/11/2021 e 31/01/2022. A amostra foi composta a partir de postagens

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 229

A R T I G O
selecionadas, inicialmente, após o lançamento do clipe (dias 12, 13, 14,
15 e 16/11/2021), com posterior ampliação do período de coleta até o
dia 31/01/2022, sendo que a maior parte das incidências coletadas (90%)
se concentram no mês de novembro, logo após a divulgação do clipe.
O mapeamento feito não se pautou numa raspagem quantitativa na
plataforma, uma vez que o estudo não se propõe a quantificar o nú-
mero de manifestações sobre o clipe (sejam elas favoráveis ou não),
mas identificar e observar a rede de engajamentos afetivos em torno
do audiovisual que reitera a crítica à construção (ou desconstrução)
da masculinidade proposta por Iorc. Portanto, nosso procedimento de
construção do corpus analítico se baseou num método navegacional que
simula a experiência exploratória de um usuário comum, neste caso, as
próprias pesquisadoras.
Na timeline de nossos feeds e stories, nos dias posteriores ao lança-
mento do clipe, tivemos inicialmente acesso a seis publicações, todas
referências críticas. Um comentário feito em uma das postagens fazia
menção ao perfil @newmemeseum, que publicou um carrossel de 10
compartilhamentos, incluindo memes, paródias e reactions relacionadas
ao audiovisual, dos quais contabilizamos nove pois um deles reiterava
postagem já acessada. O Instagram, sabemos, combina conteúdos reco-
mendados computacionalmente que vão desde a indicação de postagens
associadas a comportamentos de perfis que não seguimos a conteúdos
filtrados a partir dos nossos seguidores. Esse atributo da plataforma nos
interessou especialmente por permitir o acesso automático, a partir de
padrões de comportamentos ligados às duas autoras, a um conjunto de
perfis relacionados a redes feministas.
Após este primeiro conjunto de 15 posts selecionados, com o obje-
tivo de ampliar os dados observados nessa primeira amostra acessada
via navegação e identificar incidências similares, fizemos uma busca na
plataforma com os termos “masculinidade” + “iorc”, num período mais
ampliado entre os meses de novembro de 2021 e janeiro de 2022, o
que possibilitou selecionar mais 25 manifestações relativas ao audiovi-
sual cujos conteúdos reiteravam os principais argumentos da amostra

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


230 macho desconstruído?
A R T I G O

preliminar. Do total de 40 distintas postagens identificadas no Insta-


gram para esse fim (indicadas na Tabela 1), selecionamos cinco para
uma descrição mais detalhada neste artigo, que serão apresentadas na
análise a seguir.

Tabela 1- Listagem das postagens que compõem o corpus de análise

PERFIL INSTAGRAM LINK


Conteúdo acessado via navegação espontânea (entre 12 e 16.11.2021)
@samyapascotto https://www.instagram.com/p/CWTgWxrvlry/
@vitfalcao Print dos stories feito pelas autoras
@pedrocertezas https://abrir.link/zXhej
@a.vida.de.tina https://www.instagram.com/p/CWWnMGoDlSU/?hl=pt
@inutilidadesdagabi https://www.instagram.com/p/CWTIEV-p-Cf/
@manuelaxavier https://encurtador.com.br/8BLeq
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
@newmemeseum https://www.instagram.com/p/CWV9-FyLgvt/
Conteúdo acessado via busca (até o dia 31.02.2022)
@trilhafeminista https://www.instagram.com/p/CWYKMoYrtcG/
@papodemachona https://www.instagram.com/p/CWvOo-4DYhC/
@psistephanipinho https://www.instagram.com/p/CWUEUi7tqml/
@paulacarvalhojoly https://encurtador.com.br/6MS8x
@folhadespaulo https://www.instagram.com/p/CXHH2BIo-3p/
@teamcomics https://encurtador.com.br/OlDme
@luizcurcupsicologo https://encurtador.com.br/krMK8
@inutilidadesdagabi https://www.instagram.com/p/CWJ0df9g8f2/
@coletivo_feminista https://www.instagram.com/p/CWYsmpfvqp4/

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 231

A R T I G O
Tabela 1- Continuação.

PERFIL INSTAGRAM LINK


@manamalta https://www.instagram.com/p/CWcA1HKsZ65/
@folhailustrada https://www.instagram.com/p/CXJTrWSLfk1/
@omarcosernesto https://www.instagram.com/p/CWLjkkCrVk1/
@wanderleygomes21 https://encurtador.com.br/Qnpjp
@mage__ https://encurtador.com.br/RbvbS
@folhailustrada https://www.instagram.com/p/CXHczY_rQlp/
@psiquegheany https://encurtador.com.br/gzoEq
@salu.neuro https://abrir.link/pcyyN
@iasmincarvalho.psi https://abrir.link/amPef
@bragaricardooo https://abrir.link/bbhxZ
@casa.do_sol https://abrir.link/YGHBC
@giovanafagundes https://encurtador.com.br/jsEFs
@homempaterno https://www.instagram.com/p/CWLMJ5dLji3/
@odesencaixe https://encurtador.com.br/Sl3h8
@camifernandesb https://www.instagram.com/p/CW7ISwZDKm0/
@inutilidadesdagabi https://www.instagram.com/p/CWWkbpLAf7x/
Fonte: De autoria das autoras,

O estudo analítico se pautou na noção de performance (TAYLOR,


2013), que envolve corporalidades, roteiros, repertórios e arquivos. Tay-
lor (2013) concebe performance como dimensão tangível de acesso a
memórias, conhecimentos e identidades, dando ênfase ao processo de
práticas incorporadas, que acolhem temporalidades, reiterações e ruptu-
ras. Ela toma a performance não como sinônimo de atuação, mas como
forma de conhecimento, um modo de olhar os fenômenos. Performance
não se reduz a um corpo atuante, pressupõe considerar os processos
de interação que esse corpo aciona com outros corpos. São atos co-
municativos que implicam a existência de um “outro” (GUTMANN;
CARDOSO FILHO, 2022) e através do quais podemos identificar as
repetições de padrões e suas possíveis rupturas.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


232 macho desconstruído?
A R T I G O

A performance posiciona o corpo (e os processos de incorporação)


como lócus da comunicação, “nódulo de convergência que une o in-
dividual ao coletivo, o privado ao social, o diacrônico ao sincrônico, a
memória ao conhecimento” (TAYLOR, 2013, p.127). Por essa perspec-
tiva, o corpo se constitui em saberes incorporados em articulação com
os agenciamentos operados por relações de poder sobre identidades de
gênero. “Os corpos que participam da transmissão de conhecimento e
memória são [...] o produto de determinados sistemas taxonômicos, dis-
ciplinares (TAYLOR, 2013, p.134). Com essa visada, interessa-nos não
somente a performance audiovisual de Iorc, mas principalmente os pro-
cessos de interação com outras corporalidades acionadas pelo clipe.
Conforme Taylor, olhar eventos como performance implica buscar os
roteiros que conformam relações de poder e suas disputas como possibi-
lidades de transformação. O roteiro inclui a cena como lugar material/
cenográfico e as corporalidades dos atores sociais que compõem esse
espaço; pressupõe, sempre, a consideração do “outro” em cena, o que
ratifica o reconhecimento da performance como processo de interação.
A autora ainda afirma que os roteiros não se realizam por mera imitação,
são ações transculturais que deixam sempre margem para a inversão,
ruptura e mudança. Assim, na medida em que os roteiros se desenrolam
com repetições cumulativas, assombram o presente em uma espécie
de reencenação que pode operar pela chave da repetição, da reelabo-
ração, em um diálogo contínuo entre reforços de padrões e aberturas à
multiplicidade.

“Masculinidade” em rede: disputas sobre o macho


desconstruído de Iorc
Pensar no videoclipe “Masculinidade” como audiovisual enredado nos
trouxe o desafio de delimitar como posicionaríamos nossas lentes em
relação a esse fenômeno. Como vetor, ou seja, acontecimento que dis-
para uma série de reações nas ambiências digitais, o videoclipe poderia
indicar uma infinidade de possibilidades. No caso de “Masculinidade”,

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 233

A R T I G O
essa trama de reações apontou para o modo como o sentido de mascu-
linidade sugerido pelo artista foi efetivamente produzido e disputado
para além da sua intenção. São essas disputas que nos interessam para a
compreensão do clipe como audiovisual em rede.
“Masculinidade” tem autoria de cinco homens. A canção é uma
composição do cantor com Mateus Asato, Tomás Tróia e Lux Ferreira,
e o clipe é dirigido por Rafael Trindade e pelo próprio Iorc. Com clima
introspectivo e tom autobiográfico, o artista propõe discutir a “masculi-
nidade tóxica” depois de um ano recluso, em que esteve fora das redes
sociais e da grande mídia. Em 2020, Iorc foi alvo de polêmicas por con-
ta de disputas públicas por direitos autorais com duas cantoras, antigas
parceiras musicais, e devido a vazamentos de fotos íntimas. Daí porque
a imprensa nacional reforçou seu “retorno” na cobertura do novo traba-
lho: “Tiago Iorc ressurge com novo single ‘Masculinidade’” (Estadão,
11 nov. 2021); “Tiago Iorc quebra hiato, retorna com novo visual e lança
música sobre masculinidade” (O Globo, 11 nov. 2021).
A primeira imagem do clipe é um plano detalhe do perfil do rosto do
cantor, que se mostra de cabeça baixa e semblante melancólico. Ten-
do ao fundo um coro de vozes em tom grave, ele diz: “Eu tava numa
de ficar sumido/ Dinheiro, fama, tudo resolvido/ Fingi que não, mas na
verdade eu ligo/ Eu me achava mó legal/ Queria ser uma unanimidade/
Eu quis provar minha virilidade/ Eu duvidei da minha validade/ Na in-
sanidade virtual”. A proposta de atrito com o status quo se deixa ver na
letra da música e no corpo. O cantor aparece de peito nu, pés descalços,
cabeça raspada e traja pantalona vermelha. Os gestos iniciais simulam
a posição fetal e são acompanhados pela proximidade da câmera, que
o enquadra em detalhes: cabeça, boca, olhos, braços postos sobre o ros-
to. Ele olha para as mãos, acaricia, percebe detalhes como se estivesse
redescobrindo o próprio corpo, enquanto canta: “Cuidar meu irmão/
Do teu emocional/ Cuidar do que é real”. Aos poucos, Tiago se levanta
ao tempo que afirma “Masculinidade frágil/ Coisa de menino/ Eu fui
profano/ Sexo é divino/ Da minha intimidade/ Fui um assassino” e inicia
uma coreografia mais expansiva, imerso num cenário branco de fundo

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


234 macho desconstruído?
A R T I G O

infinito, enquadrado por um plano aberto que mostra todo o seu corpo.
O cenário minimalista dá destaque ao cantor que dança sozinho, no
centro da imagem, nos 6 minutos e 18 segundos do vídeo. A câmera,
em plano sequência, acompanha a coreografia de Iorc, em movimentos
contínuos.
Ao construir sua proposição sobre masculinidade “transformada”,
contudo, Tiago Iorc reitera roteiros do sistema patriarcal e heteronorma-
tivo que insinua desestabilizar. Comecemos pelo modo como cai nas
armadilhas do binarismo compulsório ao compreender seu masculino
na relação com o feminino, reafirmando o pressuposto de que existem
apenas duas expressões de gênero e que ambas são opostas, em um
jogo de poder que disciplina os corpos. A letra enuncia a sensibilidade
como atributo feminino, derrapando na compreensão hegemônica da
identidade de gênero a partir de estereótipos que reforçam o binarismo
homem/mulher, como força/sensibilidade: “Aprendi que era errado ser
sensível/ Quanta inocência/ Eu tive medo do meu feminino/ Eu me tornei
um homem reprimido/ Meio sem alma, meio adormecido/ Um ato fálico,
autodestrutivo”. A corporalidade de Iorc reproduz os atos performativos
por uma chave também binária, transitando entre construções de ima-
gens femininas, como a calça pantalona com a cintura alta ajustada ao
corpo, e masculinas, como o modo que exibe os músculos do braço.
A centralidade da imagem de Iorc no audiovisual também reitera
o protagonismo do homem, presente na letra da música. Todo o clipe
gira em torno do seu corpo, dos seus movimentos, da sua voz, das suas
expressões faciais de dor, transe e poder. A fragilidade aparece em cena
com um tom dramático, constituída a partir de uma estranheza sobre
o sofrimento do homem. Em um dos trechos, ele repete “O que é ser
homem?”, enquanto dança em movimentos circulares, de olhos fecha-
dos, com expressão facial de sofrimento, acompanhado por rodopios da
câmera, como se entrasse numa espécie de transe. Mais à frente, dire-
ciona os olhos para a câmera e nos interpela: “Ser homem por querer se
aprender, todo dia/ Dominar a si mesmo/ Apesar de qualquer fobia: respei-
to/ Tem que ter peito/ Tem que ter colhão para amar direito”. Na última

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 235

A R T I G O
cena, com as mãos na cintura, insinua um rebolado e diz: “ser homem
exige escolha, meu irmão/ e aí?”, enquanto a câmera se afasta lentamen-
te. Em todas essas cenas, em que são reafirmados problemas de gênero
em uma perspectiva masculina, pontuando o caráter opressor - para os
homens - do gênero como construção cultural, Iorc não se furta de uma
implicação com a matriz heterossexual e binária.

Figura 1 - Frame de “Masculinidade”, de Tiago Iorc

Fonte: YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=V5GUxCQ8rl4)

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


236 macho desconstruído?
A R T I G O

Como uma espécie de invólucro interpretativo, a performatividade


engendra corporalidades reguladas pelos ditames do binarismo homem/
mulher, masculino/feminino e os seus respectivos estereótipos, no que
Judith Butler (2018) denomina como ficção do gênero. Em A força da
não violência (2021), a autora volta a falar sobre a importância da ficção
para construção de experiências com o real. Ela afirma que a ficção,
[...] oferece uma condição contrafactual que nos permite examinar a si-
tuação contemporânea; e assim como a ficção científica apresenta um
ponto de vista a partir do qual enxergamos, no presente, a especificidade e
a contingência da organização política do espaço e do tempo, das paixões
e dos interesses (BUTLER, 2021, p.39)

Se a ficção é poderosa, atuando de muitas formas na experiência com


o real, para além da ficção do gênero, o individualismo impera como
um aspecto ficcional do videoclipe. Centrado na experiência pessoal
de Iorc, homem cis, branco e de classe social alta, o clipe reconstitui
o roteiro da sua masculinidade, pontuando “repetições cumulativas”
(TAYLOR, 2013) que reforçam uma estrutura social falocêntrica e
pouco contextualizada. Ou seja: ao apagar as relações de poder que o
constitui sujeito macho no mandato de masculinidade, nos termos de
Segato (2018), o discurso de “desconstrução” presente no clipe acaba
por reforçar a repetição da violência que se traduz na normalização da
baixa empatia em relação aos sujeitos/ sujeitas oprimidas, o que a autora
vai denominar de pedagogia da crueldade.
A não empatia seria indispensável para a manutenção dessa “empresa
predadora”: “a crueldade habitual é diretamente proporcional às formas
de prazer narcisista e consumista e ao isolamento dos cidadãos por meio
de sua insensibilidade ao sofrimento alheio” (SEGATO, 2018, p.11).
Assim, o clipe, ao posicionar o homem branco, cis e rico no centro do
debate a partir de seus sofrimentos enquanto “macho”, sem perspectivar
o que o torna macho num sistema heteronormativo e patriarcal, acaba
por reiterar o roteiro desse mesmo sistema.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 237

A R T I G O
Esse apagamento, contudo, tornou visível uma rede de engajamentos
afetivos que instituem outros roteiros de masculinidades sob certos olha-
res feministas. No dia do lançamento do clipe, a explosão de postagens
nos sites de redes sociais nos chamou atenção. Em nossas timelines no
Instagram, o videoclipe se tornou o assunto mais recorrente naquele
11 de novembro de 2021. Espectadoras do clipe se engajaram no de-
bate, apontando os mecanismos de reconfiguração do patriarcado que
aparecem em “Masculinidade”. Essa trama audioverbovisual alinhava a
expressão de uma posição cultural, política, teórica e metodológica, que
nos permitiu, pelo exercício analítico, desestabilizar noções hegemôni-
cas sobre a identidade de gênero enraizadas na “desconstrução” de Iorc.
Ganha destaque o modo como o artista lança mão de estereótipos de
gênero em um movimento que embaralha símbolos hegemonicamente
femininos ou masculinos, reproduzindo práticas do sistema patriarcal,
ao colocar o homem no centro da discussão sobre opressão de gênero
apenas como oprimido. Em postagem em forma de comentário (Fig. 2),
a atriz Samya Pascotto convoca o debate pela perspectiva das mulheres
que sofreram com as traições e atitudes abusivas que Iorc confessa na
canção, observando que, em nenhum momento da música autobiográ-
fica, o cantor se mostra arrependido dos seus atos, e somente fala sobre
como é um homem reprimido por cair nas memórias incorporadas da
construção de gênero masculina.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


238 macho desconstruído?
A R T I G O

Figura 2 - Postagem de @samyapacotto

Fonte: Instagram (https://www.instagram.com/p/CWTgWxrvlry/?igsh=d213NDR3cXNtcjdw)

O gênero é lócus de uma disputa pela vida e no núcleo dessa dis-


cussão está a luta por igualdade. Quando não considera os jogos de
hierarquias que envolvem o masculino, o cantor invisibiliza os sistemas
de poder que demarcam as posições de oprimido/opressor do mandato

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 239

A R T I G O
de masculinidade, reconfigurando o sistema opressivo com uma supos-
ta visão mais arejada sobre o corpo, mas que reproduz as dinâmicas de
dominação do falocentrismo. Como assinala Butler (2021, p.39), “onde
não há outras pessoas sobre as quais falar, não há problema de igual-
dade; mas quando entram em cena outras criaturas humanas vivas, o
problema da igualdade e do conflito emerge imediatamente”.
A suposta oposição à matriz patriarcal heteronormativa de Iorc é
debatida também no perfil do Instagram da psicanalista, feminista e
influenciadora digital @manuelaxavier que publica um vídeo em que
diz “e o clipe do Tiago Iorc, heim gente? Foi bom? Ou não? É um
manifesto do direito aos homens por sofrerem e se apropriarem das suas
opressões ou é uma grande palhaçada?”. O vídeo é uma espécie de tea-
ser da sua fala mais longa publicada no YouTube, em que classifica o
clipe como “um “desserviço ao movimento feminista e à discussão sobre
masculinidade”. A influencer pontua que “quando a gente coloca qual-
quer outra questão social dentro dessa mesma narrativa, a gente vê que
fica tosco. É como se eu, uma pessoa branca, estivesse dizendo: ‘como
é triste a minha branquitude, como eu sou oprimida a ser racista’”. E
segue: “quando a gente coloca que os homens também são vítimas do
machismo, isso tem um grande risco de colocar os homens e as mulhe-
res no mesmo lugar de vítimas de um sistema”. A afirmação corrobora
com o argumento de que, embora haja violência intragênero, quando,
por exemplo, homens são forçados a atender às expectativas de uma
noção hegemônica do masculino, essa performatividade está acoplada
a um prestígio porque, como argumenta Segato, “a masculinidade, ao
contrário da feminilidade, é um status, uma hierarquia” (SEGATO,
2018, p.40).
Um ponto que se destaca na construção dessa trama de postagens
é a forte presença do humor crítico nas publicações associadas ao que
tem sido bastante vinculado à denominação “esquerdomacho”2. Figura
que, ao se apresentar com elementos performativos hegemonicamente
2 O termo ganha popularidade quando temas como relacionamento abusivo começam a se tor-
nar mais presentes na internet, com campanhas como #MeuAmigoSecreto, que encorajou
mulheres a denunciarem nos sites de redes sociais situações de violência.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


240 macho desconstruído?
A R T I G O

femininos, como saias, vestidos e unhas pintadas, comumente acompa-


nhados de discurso progressista, acaba por incrementar a engrenagem
da reelaboração do patriarcado, em uma espécie de mandato de mascu-
linidade aparentemente desconstruída, em que é necessário se provar
como um homem sensível para, retoricamente, se distanciar da imagem
hegemônica do “macho”. A exemplo do meme (Fig. 3) publicado no
perfil da cantora Vitória, da dupla Anavitória, supostamente em uma
provocação a Tiago Iorc após o lançamento de “Masculinidade”. No
meme (Fig. 3), embora afirme “ter pintado as unhas” e estar “pron-
to para destruir a masculinidade tóxica”, o homem, representado pela
imagem do cantor e ator britânico Harry Styles, reitera a fantasia do
super-herói associada ao masculino hegemônico, à força e ao poder,
num enquadramento em contra-plongée que o posiciona em posição de
soberania.
Outras corporalidades se articularam ao clipe pelo uso da paródia,
acionada como estratégia de produção de crítica pelo riso. A paródia
feita pelo humorista @pedrocertezas (Fig. 4) chegou a nós a partir do
compartilhamento feito por perfis de mulheres engajadas no movimento
feminista que repostaram o vídeo nos stories do Instagram com legendas
como “Tragam um Oscar para esse perfeito” e “não tem melhor síntese
performática”. Essa foi a única postagem reiterada nas três formas de
busca utilizadas neste estudo. Pedro tem corpo volumoso, com pelos e
barba, veste bermuda preta e uma blusa do time de futebol Botafogo.
Sua corporalidade explicitamente associada a marcadores hegemônicos
de masculinidade (barba, futebol, pelos no corpo) encena passos exage-
rados, numa reiteração caricata da coreografia de Tiago Iorc. A letra da
sua versão de “Masculinidade” diz: “desculpa por ser homem/ infelizmen-
te eu nasci homem e sou homem/ desculpa por tudo que os homens fazem/
eu assumo a culpa dos homens/ todos os homens/ homens fazem coisas
erradas o tempo todo/ homens, eu odeio a gente/ eu imploro, não seja
homem por favor/ e homens, por favor, parem de fazer coisas de homem”.
O tom satírico dessa composição é potencializado pelo modo como a
figura do macho hegemônico incorpora o discurso dito progressista do

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 241

A R T I G O
“macho desconstruído”. Esse aparente deslocamento de script provoca
efeito de riso e deboche em relação ao modo como a masculinidade de
Iorc é encenada no clipe.

Figura 3 - Meme nos stories do perfil de @vitfalcao

Fonte: Instagram (imagem printada pelas autoras)

Ainda que possamos interpretar esse vídeo por outras chaves, re-
conhecendo, em sua abertura de sentidos, um certo tom irônico em
relação à parte dos discursos feministas, nos interessa o modo como
ele foi endossado e reiterado com mais de 220 mil curtidas e 19.9633

3 Dado coletado em 26.02.2024.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


242 macho desconstruído?
A R T I G O

comentários nessa rede de engajamento em torno do clipe. Nas rea-


ções presentes nos comentários, verificamos contradições que reforçam
essa disputa. Mulheres afirmam “eu não desculpo”, “pior que nascer
homem é nascer botafoguense”, quando não reconhecem a sátira ao
“masculino sagrado” e identificam a ironia como endosso machista, e
outras reiteram o tom de sátira à masculinidade representada por Iorc,
com risadas, emojis e comentários do tipo “Genteeeeee hahahaha! o
único homem possível!!!”

Figura 4 - Paródia de @pedrocertezas

Fonte: Instagram (https://www.instagram.com/reel/CWQ9d-7JDOL/?igsh=MWg5YjlrMmw3NGh


nNw%3D%3D)

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 243

A R T I G O
Também pela chave da paródia, o perfil @a.vida.de.tina, conhecido
por publicar vídeos que satirizam a vida do jovem de classe média e de
esquerda, reagiu ao videoclipe de Iorc. No vídeo (Fig. 5), acompanha-
do das hashtags #sourica, #minhavozimporta, #dançandomeustraumas,
Tina aparece de cropped e pantalona preta, batom vermelho e executa
movimentos corporais que remetem à coreografia do cantor. Ela olha
para as mãos, seu rosto expressa sofrimento, contorce seu corpo en-
quanto canta: “quando criança era chamada de rica, como se fosse um
xingamento/Aprendi que era errado ser herdeira, quanto sofrimento”. A
encenação de Tina também desvela, pelo tom jocoso e irônico, a rela-
ção de classe traduzida pela perspectiva do opressor como vítima desses
sistemas de poder.

Figura 5 - Paródia de @a.vida.de.tina

Fonte: Instagram (https://www.instagram.com/p/CWWnMGoDlSU/)

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


244 macho desconstruído?
A R T I G O

Observar a publicação como performance nos faz acessar o roteiro


de uma história mais ampla, a partir do videoclipe de Iorc. Um roteiro
com demarcações de gênero, etárias, de raça e de classe, de uma juven-
tude que utiliza os sites de redes sociais para expressar suas experiências
em vídeos, memes e fotografias. A partir dos audiovisuais enredados ao
videoclipe “Masculinidade”, as pessoas se apresentam e elaboram suas
perspectivas sobre gênero, mas também sobre o mundo de maneira am-
pliada. O comportamento aparece nas críticas às estruturas econômicas,
ao processo de hegemonia patriarcal e falocêntrica, aos seus modos de
vida. Nos chamou a atenção, nessa rede majoritariamente feminista
branca, o esvaziamento de tensões em torno das questões de raça e das
identidades que não se vinculam à cisgeneridade, que envolvem a pers-
pectiva interseccional e desnaturalizada de gênero. A cisgeneridade e a
heteronormatividade brancas são hegemônicas no clipe, como também
nas tensões em torno dele.

Conclusão
Para além de uma discussão sobre vítimas e culpados, que posicionaria
de modo reiteradamente binário os problemas de gênero, percorremos
um caminho em busca das contradições e disputas que emergem da
rede audiovisual construída a partir do videoclipe “Masculinidade”, na
relação com a ficção do gênero. O estudo evidencia que as masculini-
dades expressas no (e a partir do) videoclipe atualizam o falocentrismo.
Essa dinâmica é observada no artigo à luz da ficção do gênero, a partir
da articulação entre as noções distintas e potencialmente articuláveis
de performance (TAYLOR, 2013) e performatividade (BUTLER, 2015,
2019), que têm se mostrado profícuas para as discussões sobre identi-
dade de gênero no campo da comunicação e da cultura, conforme as
autoras têm elaborado em outros trabalhos (DIAS, 2021; DIAS; MOTA
Jr; GUTMANN, 2022).
A construção da rede audiovisual, que se forma a partir das reações
ao videoclipe, aponta para um projeto de reelaboração da masculinida-
de com o acionamento de elementos performativos hegemonicamente

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 245

A R T I G O
femininos. Entretanto, a liberdade corporal de Iorc que flui no video-
clipe acaba reforçando estereótipos que sustentam a ficção do gênero,
em uma compreensão circunscrita ao binarismo, e por isso limitante. A
exploração do mandato de masculinidade (SEGATO, 2018) evidenciou
como os apelos discursivos mais palatáveis à discussão sobre identidade
de gênero apuram os jogos de poder, tornando-os ainda mais difíceis de
serem percebidos (GONÇALVES, 2021). Ao se apresentar como ho-
mem “desconstruído”, Iorc não revisa os privilégios e reforça a ficção do
gênero via binarismo. Ou seja, ainda que se dê conta da dimensão nor-
mativa que o sistema patriarcal impõe aos homens cisgênero e brancos
como ele, esse “cair em si” na figura do pretenso “macho desconstruído”
não vem acompanhado de uma transformação na maneira como o sen-
tido de masculinidade é operado no videoclipe.
A exploração do mandato de masculinidade (SEGATO, 2018), que
hierarquiza o gênero em uma dinâmica de produção de violências,
evidenciou como o videoclipe lança mão da performatividade em um
movimento de reconfiguração desse mandato. Uma reconfiguração
que dilata a expressão da masculinidade para além de algumas das suas
normatividades, ao acionar elementos performativos hegemonicamente
femininos, sem repensar o seu lugar de poder produtor de opressões e
violências na relação com as outras pessoas.
Como Iorc que aparece sozinho, expondo as suas dores na relação
com o mandato de masculinidade, apareceu sozinho, também, o pri-
meiro homem ficcional, Robinson Crusoé, personagem do primeiro
romance de folhetim, publicado originalmente em 1719 no jornal The
Daily Post, no Reino Unido. Curiosamente, como aponta Butler (2021),
Crusoé foi apresentado como o primeiro humano do mundo na ficção,
e não somente foi categorizado como um gênero, como aparece despido
de relações sociais para sobreviver. A imagem do homem original é livre
de dependência, já aparece adulta sem que nunca tenha precisado de
alguém para aprender, para ser nutrido, para se desenvolver. O homem,
por assim dizer, basta-se. E se a ficção nos fornece uma possibilidade
de discernimento da estrutura, o que o videoclipe fornece à imaginação

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


246 macho desconstruído?
A R T I G O

sobre masculinidades possíveis? Ou ainda: “se desejamos compreender


essa fantasia, temos que nos perguntar que versão de ser humano e que
versão de gênero ela representa, quais ocultamentos são necessários para
que essa versão funcione”? (BUTLER, 2021, p.44).
Na rede audiovisual que se constituiu a partir do videoclipe “Mas-
culinidade”, esses ocultamentos necessários para manutenção do
falocentrismo são desvelados em reações críticas que aparecem em
memes, vídeos, paródias e comentários. O que se espraia a partir da
experiência de consumo do videoclipe reelabora o falocentrismo, fo-
mentando a discussão sobre gênero e, de certa forma, apontando para a
potência de transformação presente nos fluxos audiovisuais nas ambiên-
cias digitais.

Referências
BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2015.
BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa
de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.
BUTLER, J. A força da não violência: um vínculo ético-político. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2021.
DIAS, Morena Melo. (Título?) 141 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Uni-
versidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021.
DIAS, Morena Melo; MOTA JUNIOR, Edinaldo Araujo; GUTMANN, Juliana Freire.
Corpos em rede e o direito de
aparecer: o Dia da Visibilidade Trans no YouTube. Contracampo, Niterói, v. 41, n. 2,
p. 1-18, maio/ago. 2022.
DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo:
Editora 34, v. 1, 1995.
FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
GONÇALVES, J. S. Novas estéticas para estruturas antigas: tecnologias, próteses de gê-
nero e textualidades do mandato de masculinidade. 2021. 226 f. Tese (Doutorado em
Comunicação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.
GUTMANN, Juliana Freire; CARDOSO FILHO, Jorge. Performances em contextos
midiáticos: MTV BR & ROCK SSA. Salvador: Edufba, 2022.
GUTMANN, Juliana Freire. Audiovisual em rede: derivas conceituais. Belo Horizonte,
MG: Fafich/Selo PPGCOM/UFMG.
SEGATO, R. L. Contra-pedagogías de lacrueldad. Buenos Aires: PrometeoLibros, 2018.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


juliana gutmann | morena melo dias 247

A R T I G O
TAYLOR, D. O arquivo e o repertório: memória cultural nas Américas. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2013.

Sobre autores
Juliana Gutmann - Professora do Programa de Pós-Graduação em Comuni-
cação e Cultura Contemporâneas e do Departamento de Comunicação da
Universidade Federal da Bahia. É líder do Grupo de Pesquisa CHAOS - Cul-
tura Audiovisual, Historicidades e Sensibilidades (https://www.chaos-ufba.com.
br/). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4760-670X. E-mail: jugutmann@
gmail.com.

Morena Melo Dias - Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comuni-


cação e Cultura Contemporâneas (Póscom-UFBA). Mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Comunicação (Ppgcom/UFPE). Pesquisadora do CHAOS
- Grupo de Pesquisa Cultura Audiovisual, Sensibilidades e Historicidades
e do TRACC - Centro de Pesquisa em Estudos Culturais e Transformações
na Comunicação. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.
org/0000-0001-6227-788X

Data de submissão: 26/02/2024


Data de aceite: 5/8/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 221-247,mai./ago. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61, P. 248-271,mai./ago 2024
A R T I G O

DOI 10.18568/CMC.V20i61.2925

Feminismo popular e pacto da branquitude: o papel


institucional do YouTube na promoção de redes
sobre discursos femininos
Popular feminism and the pact of whiteness: the
institutional role of YouTube in promoting networks
on female discourses
Beatriz Polivanov
Simone Evangelista

Resumo: O artigo investiga campanhas institucionais da plataforma de ví-


deos YouTube para a formação de redes de discussões sobre direitos femininos.
Parte-se de reflexões teóricas sobre a centralidade dos influenciadores digitais na
cultura digital (Karhawi, 2021) e suas práticas de influência, bem como o en-
tendimento do YouTube como sistema cultural (Burgess; Green, 2009). Foram
analisadas qualitativamente, a partir da noção de “vetores” (Gutmann, 2021),
quatro campanhas (entre 2016 e 2018), subsequentes à chamada primavera
feminista brasileira. Argumenta-se que tais esforços integram estratégias do You-
Tube para construir imaginários sobre a plataforma como espaço para pautas
democráticas em contexto de “feminismo popular” (Banet-Weiser, 2018). Ade-
mais, as campanhas fomentaram colaborações posteriores entre as participantes,
indicando papel relevante institucional da plataforma no fortalecimento das
redes. Contudo, a partir de olhar interseccional (Collins, 2015), destaca-se a pre-
ponderância de influenciadoras brancas, reforçando um lugar de privilégio da
branquitude ao pautar tais questões.
Palavras-chave: YouTube; Feminismo; Influenciadores digitais; Redes de colabo-
ração; Interseccionalidade.
beatriz polivanov | simone evangelista 249

A R T I G O
Abstract: The paper investigates the relevance of institutional campaigns
on the platform YouTube for the formation of discussion networks about wom-
en’s rights. We analyzed four campaigns (between 2016 and 2018) which took
place right after the so-called Brazilian feminist spring. Based on the data, we
argue that such efforts integrate YouTube strategies to build imaginaries about
the platform as a space for democratic agendas. The campaigns also fostered
subsequent collaborations between the participants, indicating the platform’s rel-
evant institutional role in strengthening the networks analyzed. However, from
an intersectional perspective, the preponderance of white women chosen for the
actions stands out, reinforcing a place of privilege for whiteness when discussing
issues related to feminism.
Keywords: Youtube; Feminism; Digital Influencers; Collaboration Networks;
Interseccionality

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


250 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

Introdução
Enquanto busca reforçar sua existência como parte de um proces-
so de democratização da comunicação facilitado pelas mídias digitais
(EVANGELISTA, 2019), o Youtube enfrenta críticas de diversos seto-
res da sociedade quanto à sua pretensa neutralidade e as consequências
de sua política de atuação (BRYANT, 2020; GILLESPIE, 2010). Neste
artigo, investigamos os esforços institucionais da plataforma para a cons-
trução de um outro imaginário, no qual o YouTube se apresenta como
espaço para o debate de pautas relevantes, sobretudo identitárias. Mais
especificamente, buscamos compreender como, ao tentar consolidar
uma imagem de plataforma socialmente relevante, o YouTube pode ter
contribuído para o fortalecimento de uma rede de debates ligados ao
feminismo na internet brasileira.
Para tanto, analisamos campanhas desenvolvidas pela plataforma
voltadas ao empoderamento feminino1 no Brasil entre 2016 e 2018.
O período escolhido abrange os anos subsequentes ao movimento
que ficou conhecido como “primavera feminista” no país (DUARTE;
MELO, 2017) por reunir protestos virtuais e presenciais em defesa dos
direitos das mulheres. Argumentamos que, apesar de diversas pesquisas
sobre a importância de plataformas digitais para aspectos como a dis-
seminação de hashtags feministas (ALMEIDA, 2020; FREIRE, 2016;
REIS; NATANSOHN, 2017) ou a formação de redes de apoio digitais
(MARTINEZ, 2019; YAMAMOTO, 2021) naquele momento, há pou-
co material sobre a contribuição institucional desses ambientes. Isto é,
enquanto abundam estudos sobre as apropriações de plataformas digi-
tais por “usuários” – no caso, mulheres e coletivos feministas – há uma
carência sobre pesquisas que se voltem para a atuação dessas empresas
enquanto instituições mediadoras2 de tais debates.

1 Apesar de problemático, o termo foi utilizado por ter sido adotado tanto pelo YouTube quanto
pelas participantes das campanhas em questão. Para debate sobre as questões relacionadas ao
empoderamento no contexto analisado, ver Evangelista (2020).
2 A noção de mediação dialoga com a proposta de Martín-Barbero, apropriada por Gutmann
para refletir sobre a “mediação de tecnicidades”, entendendo “YouTube, Instagram (...) etc.
não apenas como plataformas, mas como ambiências pelas quais se constituem redes de arti-
culações entre corpos, imagens (...) gostos etc.” (2021, p. 17).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 251

A R T I G O
Em um contexto de atravessamentos crescentes entre as esferas do
ativismo e do consumo (EVANGELISTA, 2020), realizamos um le-
vantamento das campanhas promovidas pelo YouTube no período
acima referido, no contexto brasileiro, chegando a quatro: #Criadoras,
#AVozDelaÉAMinhaVoz, #PorQueMulher e #FalaMiga. Amparadas
pelas reflexões de Gutmann (2021), entendemos tais campanhas como
“vetores” disparadores de conteúdos “audioverbovisuais”. A partir de tais
vetores, identificamos e buscamos traçar, a partir de análise exploratória
qualitativa, um perfil das influenciadoras escolhidas para participar das
campanhas, atentando para as redes de articulações entre elas.
A discussão teórica que ampara os levantamentos realizados pro-
põe diálogos sobre dinâmicas características do YouTube (BURGESS;
GREEN, 2009; GILLESPIE, 2010; PEREIRA DE SÁ, 2021) e in-
fluenciadores digitais (KARHAWI, 2021; MARWICK, 2015; SENFT,
2013). Além disso, para explorar a relação entre consumo e promoção
de pautas ligadas ao feminino, trazemos debates sobre os movimentos de
“pós-feminismo” (GILL, 2016; MCROBBIE, 2009) e “feminismo popu-
lar” (BANET-WEISER, 2018) como parte das estratégias de branding
de organizações diversas (BANET-WEISER, 2012). Por fim, buscamos
analisar tais problemáticas a partir de perspectivas interseccionais (AKO-
TIRENE, 2019; CARRERA, 2021; COLLINS, 2015).

Saindo do armário: difusão de debates “sérios” no


YouTube
Se pensarmos no YouTube como um sistema cultural (BURGESS;
GREEN, 2009), pode-se dizer que as produções que se disseminam na
plataforma contribuem para que valores diversos sejam ressignificados
ao longo do tempo. Diferentemente do que a própria plataforma aven-
ta, não se trata apenas de um mediador onde é possível “transmitir a si
mesmo”3, mas de um actante não-humano que produz cultura (PEREI-
RA DE SÁ, 2021). Quase 20 anos após o lançamento da plataforma,

3 A expressão remete ao primeiro slogan do YouTube, “broadcast yourself”.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


252 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

características do que Burgess e Green denominaram de “youtubidade”


de um vídeo (2009), ou seja, que o tornam identificável enquanto for-
ma cultural nativa do YouTube, ajudaram a moldar as possibilidades de
fruição estética e cultural de conteúdos na internet.
Nessa direção, destacamos a emergência de vídeos em primeira
pessoa relacionados a pautas identitárias, como questões de gênero,
orientação sexual e raça. Transitando entre as searas do entretenimento
e da informação, tais produções, frequentemente de caráter ensaístico,
se notabilizaram pela difusão de debates “sérios” que ajudaram a fomen-
tar discussões para além da plataforma de vídeos. Parte de um processo
mais amplo de popularização de conteúdos sobre a intimidade, que na
internet seria difundido sobretudo pelos blogs em meados dos anos 2000,
esse movimento encontrou nas affordances4 e políticas do YouTube um
ambiente prolífero para florescer.
Um dos primeiros sinais do potencial de campanhas relacionadas a
minorias na plataforma foi registrado em outubro de 2010, quando o
colunista Dan Savage utilizou o YouTube para o lançamento de uma
campanha chamada “It Gets Better” (“Vai melhorar”, em tradução
livre)5. A iniciativa tinha como objetivo enviar mensagens de esperança
para jovens LGBTQIAPN+6 que se sentiam ameaçados por conta de sua
sexualidade e, após se tornar viral, contou com a participação de Barack
Obama, então presidente dos Estados Unidos. Dali em diante, diversos
youtubers conhecidos por seus vídeos voltados apenas ao entretenimen-
to passaram por uma transmutação aos olhos do público, utilizando a
plataforma para revelar sua orientação sexual aos fãs.
Diante dos recordes de audiência de tais “confissões”, o colunista Ri-
chard Lawson, da revista Vanity Fair, provocou: “Será que todo youtuber
eventualmente fará um vídeo ‘saindo do armário’?”. No texto, publicado

4 A noção de «affordance” aqui diz respeito à “plêiade de possibilidades” que os meios permitem
(PEREIRA DE SÁ, 2021, p. 78). Estando o foco do trabalho nas políticas institucionais do You-
Tube, aspectos como usos e apropriações de ferramentas para interação e compartilhamento
de vídeos devem ser considerados futuramente.
5 Mais informações em: https://itgetsbetter.org/. Acesso em: 10 jan. 2024.
6 Sigla que abrange pessoas Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, As-
sexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Pôli, Não-binárias e mais.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 253

A R T I G O
em 2015, Lawson afirmava que essa “saída do armário” não seria ne-
cessariamente a homossexualidade, mas a oportunidade de falar sobre
algum aspecto “profundo e verdadeiro”, revelando dimensões mais
complexas de si. Trata-se de uma dinâmica que não é exatamente nova
no âmbito das celebridades, mas pode ser ressignificada no contexto
das práticas de microcelebridades/influenciadores digitais, cujo vínculo
com a audiência é mantido a partir da revelação de aspectos estratégicos
da intimidade (KARHAWI, 2021; MARWICK, 2015; SENFT, 2013).
Conforme discutido em trabalhos anteriores (EVANGELISTA,
2019), tal movimento ocorreu em meio a um esforço institucional da
Google para consolidar um imaginário sobre a relevância social do You-
Tube para a democratização da comunicação. Assim, a partir de 2016,
a própria plataforma de vídeos começou a investir de maneira mais
incisiva em iniciativas para promover a visibilidade de grupos sociais
marginalizados aqui, nos concentramos especificamente em campanhas
ligadas às mulheres. Em meio à popularização de debates feministas em
diversos contextos, o YouTube acompanhava um movimento de organi-
zações de ramos diversos: tornar a defesa de pautas ligadas às mulheres
uma parte importante de seu branding (BANET-WEISER, 2012).
Naquele ano, lançou o projeto “Programa Global para Mulheres”,
com a participação de cinco youtubers de diferentes nacionalidades. O
projeto, voltado a “dar continuidade aos nossos esforços para empoderar
vozes femininas no YouTube”7, apresentou duas iniciativas. A primeira
delas foi o anúncio de que sete youtubers de diferentes partes do mun-
do fariam parte do programa “Embaixadoras da Mudança”, parceria da
empresa com as Nações Unidas para a promoção de ações de desenvol-
vimento sustentável e igualdade feminina da organização8. A segunda,
mais voltada ao desenvolvimento de conteúdos na plataforma de vídeos,
foi a campanha #Criadoras, que descreveremos no próximo tópico9.

7 Disponível em: https://abre.ai/iZcT. Acesso em: 20 fev. 2024.


8 A brasileira Tatiane Ferreira, responsável pelo canal Acidez Feminina, esteve entre as embaixa-
doras escolhidas. A decisão gerou uma série de protestos entre grupos feministas na época, uma
vez que Ferreira afirmou claramente não se considerar feminista (FERRARI, 2016).
9 Em seguida, foram lançados os projetos #OrgulhodeSer, para promover o orgulho LGBTQIAPN+,
e o #YouTubeNegro, para visibilidade de produtores de conteúdo sobre questões raciais.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


254 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

Tais campanhas acompanharam a audiência da plataforma: em


2017, Kate Stanford, diretora de marketing de anúncios do YouTube,
afirmou que mudanças de interesses do universo feminino estavam se
refletindo na visibilidade de vídeos ligados a empoderamento, empreen-
dedorismo, economia e serviços. De acordo com Stanford, a audiência
de tais produções triplicou, contrariando estereótipos sobre o consumo
feminino de conteúdos sobre beleza10 (STANFORD, 2017). Contudo,
apesar de a empresa caracterizar tais movimentações como parte de um
movimento orgânico, para o qual o YouTube oferece apenas uma pla-
taforma apresentada como neutra (GILLESPIE, 2010), suas políticas e
estratégias oferecem pistas em outra direção, contribuindo para a articu-
lação de certas visibilidades.
Relembrando o papel do consumo enquanto um marcador cultu-
ral, capaz de construir um universo compartilhado de valores e práticas
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009), nos interessa pensar quais pautas
e influenciadoras digitais ligadas ao feminino ganham espaço a partir
do endosso direto da plataforma em suas campanhas - e quais são in-
visibilizadas. Tal problemática se insere no debate sobre as nuances do
pós-feminismo (GILL, 2016; MCROBBIE, 2009) e do feminismo popu-
lar (BANET-WEISER, 2018) que emergem das apropriações de pautas
femininas (não necessariamente feministas) por organizações diversas.
Nos anos 1990, o movimento de visibilidade das práticas e produtos
associados ao “girl power” na mídia cresceu, transformando a retórica da
emancipação feminina em normativa, conforme explica Sarah Banet-
-Weiser (2018). Esse fenômeno foi caracterizado como pós-feminismo
por autoras como Rosalind Gill (2016) e Angela McRobbie (2009). O
pós-feminismo é descrito como um conjunto de ideologias, estratégias
e práticas relacionadas a discursos feministas liberais, como liberdade,
escolha e independência. Diferentemente do feminismo ortodoxo, que
critica as condições estruturais da desigualdade de gênero, o pós-femi-
nismo é descrito por Gill (2007) como uma sensibilidade que inclui

10 O que não significa, é claro, que vídeos sobre beleza devam ser reduzidos a estereótipos de
futilidade ou alienação.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 255

A R T I G O
autodisciplina, monitoramento de si, empoderamento e transformação
pessoal. Portanto, uma sensibilidade que ameaçaria o feminismo, por
conduzir à manutenção das condições que sustentam o patriarcado.
Posteriormente, ao observar a difusão crescente de debates relaciona-
dos ao feminismo na mídia comercial, Banet-Weiser vai caracterizar tal
movimento como “feminismo popular” (2018). A autora observa que,
embora diferentes, o pós-feminismo e o feminismo popular comparti-
lham elementos. O feminismo popular, ao contrário do pós-feminismo,
reconhece a desigualdade de gênero e a vulnerabilidade feminina, ofe-
recendo uma visão crítica que se distancia do vago slogan “girl power”,
mas ainda apresenta soluções liberais para os problemas discutidos. Em
outras palavras, a ênfase em aspectos como a autoestima em detrimento
de propostas mais consolidadas (e radicais) de mudanças estruturais ain-
da aparece como uma das marcas de certas manifestações do feminismo
popular. Neste sentido, ecoando críticas que já vêm sendo realizadas por
feministas negras pelo menos desde os anos 1970, o feminismo popular
é pouco interseccional.
A noção de interseccionalidade é polissêmica, mas cabe destacar, de
modo sintético, que ela diz respeito aos atravessamentos entre raça, clas-
se, gênero, sexualidade, idade, dentre outros marcadores identitários que
“operam não de forma única, como entidades mutuamente excludentes,
mas como fenômenos que se constroem mutuamente que geram desi-
gualdades sociais complexas” (COLLINS, 2015, p. 2, tradução nossa).
Sua proposição e articulação tem sido feita por mulheres racializadas, e,
em especial, pelo feminismo negro (AKOTIRENE, 2019; CARRERA,
2021), gerando relevantes contribuições epistemológicas, metodológi-
cas e de práxis política em campos diversos11.

11 Atribui-se o conceito de interseccionalidade à estadunidense Kimberlé Crenshaw, que, no


campo jurídico na década de 1980, vai denunciar as opressões sofridas por mulheres negras
(CARRERA, 2021).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


256 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

Criadoras e engajamento feminino no YouTube


A partir do pensamento de Juliana Gutmann (2021), entendemos
as campanhas do YouTube para a visibilidade de discussões ligadas ao
feminismo e à valorização feminina, como
expressões audioverbovisuais que não cabem mais nas definições de sig-
nificado e texto, por mais abertas que elas possam ser, nem na ideia de
produto ou vídeo veiculado por um meio, mas se constituem enquanto
tecido enredado; forma rizomática, trama de nós heterogêneos, conecta-
dos e múltiplos (GUTMANN, 2021, p. 14-15).

Nesse sentido, vídeos, canais, influenciadoras, comentários das au-


diências, hashtags, debates em múltiplas plataformas sobre feminismo,
entre outros conteúdos relacionados às campanhas aqui observadas,
compõem essa trama de nós diversos que se interconectam a partir da
“ambiência” do YouTube. E que nos levam ao questionamento que a
autora faz: “como dar conta, analiticamente, desse audiovisual que (...)
opera em rede e nos faz ver fluxos, agrega e constitui nossas bolhas, pres-
supõe partilhas e dissonâncias afetivas e identitárias?” (GUTMANN,
2021, p. 17).
Em busca de um caminho metodológico, apostamos no insight da
autora sobre a noção de “vetor” para entender os vídeos das campanhas
que recortamos neste trabalho “como possibilidade de rastrear e mapear
um determinado conjunto audioverbovisual enredado” (2021, p. 71) —
em nosso caso, as discussões sobre empoderamento feminino mediadas
pela plataforma YouTube entre 2016 e 2018. Gutmann explica que “a
ideia de vetor remete a um acontecimento que não é mais unitário e
fechado em si, mas dispara e mobiliza fluxos de imagens, sons, infor-
mações, práticas sociais e rituais que nos dizem sobre identidades e suas
disputas” (idem). Assim, realizamos um primeiro movimento analítico
de mapear quais foram as campanhas realizadas pelo YouTube no perío-
do, entendendo-as como vetores que geraram uma rede de articulação
entre influenciadoras no Brasil.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 257

A R T I G O
Em um segundo momento, foi feito um mapeamento das influencia-
doras convidadas pela plataforma para participar das quatro campanhas,
através de uma análise qualitativa exploratória. Observamos descrições,
imagens de capa e vídeos em destaque nos canais identificados para de-
limitar as temáticas mais abordadas pelas participantes escolhidas até o
período das campanhas. Por fim, analisamos as colaborações publicadas
nos canais de três youtubers que aparecem de forma central nas cam-
panhas mencionadas: Júlia Tolezano, Maíra Medeiros e Nátaly Neri,
durante o mesmo período do levantamento. O objetivo foi compreender
que redes de colaboração se formaram a partir da mediação institucional
da plataforma – a mediação algorítmica foge ao escopo do trabalho.
A campanha #Criadoras, lançada por ocasião do Dia Internacional
da Mulher em 2016, foi uma produção global realizada a partir dos
YouTube Spaces, estúdios da empresa espalhados em diferentes países.
Sete participantes aparecem em cena interpretando mulheres notáveis
no vídeo “100 Years of Incredible Women”12. A produção contou com
uma representante brasileira, Júlia Tolezano, que interpretou a escri-
tora, poeta, jornalista e militante política brasileira Patrícia Galvão,
conhecida como Pagu. Em apenas 2m55s, o vídeo tenta resumir as tra-
jetórias de mulheres notáveis, enfatizando sua capacidade de superação
e mensagens inspiracionais tiradas de contexto — no caso de Pagu, a
frase escolhida foi “Sonhe. Ainda que tenha pesadelos. Sonhe sempre”.
Longe de propor alguma mudança nas estruturas que perpetuam as
dificuldades vividas por mulheres, o vídeo convida a audiência a lutar
por conquistas individuais, remetendo ao pós-feminismo (GILL, 2016;
MCROBBIE, 2009).
Jornalista por formação, Tolezano havia ganhado destaque no ano
anterior após publicar um vídeo sobre relacionamentos abusivos inti-
tulado “Não tira o batom vermelho” (TOLEZANO, 2015). Tal qual as
outras participantes da campanha, a youtuber recebeu convidadas de seu
país para colaborações a respeito de temas relacionados a descobertas e

12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=b0MouLJcG-Q. Acesso em: 26 maio


2024.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


258 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

desafios da atividade de “mulheres criadoras” no YouTube, discutindo


questões como racismo, envelhecimento e luta contra a homofobia. A
proposta dos encontros com as colegas brasileiras, explicou a youtuber
em entrevista ao jornal “O Globo”, era “falar sobre o que é ser mulher
no YouTube”. Gravados no YouTube Space São Paulo, os encontros
foram registrados em vídeos publicados nos canais das participantes e
disponibilizados em uma playlist no canal “Jout Jout Prazer”13. Além de
Jout Jout, 15 convidadas estrelam a série:

Imagem 1 – Influenciadoras da campanha #Criadoras

Fonte: Elaboração própria14

13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=b0MouLJcG-Q&list=PLj0yCrqhrPo-


qyHG_gHXckW3qIzejNslyJ. Acesso em 21 fev. 2024.
14 A youtuber Lorely Foz é uma drag queen interpretada por Danilo Dabague.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 259

A R T I G O
A heterogeneidade dos canais envolvidos em #Criadoras indica
uma tentativa de dialogar com públicos variados a partir de mulheres
atravessadas por interesses e “avenidas identitárias” (AKOTIRENE,
2019) distintas, em uma perspectiva que parece abraçar dimensões in-
terseccionais. Em comunicados e matérias sobre a campanha, não há
especificações sobre os critérios de seleção das participantes. Entretanto,
é possível notar que algumas já apresentavam um perfil mais “engajado”
em seus respectivos canais.
Em 2017, youtubers brasileiras voltaram a se destacar em projetos
do YouTube para promover o Dia Internacional da Mulher. O primeiro
foi a campanha #HerVoiceIsMyVoice, ou #AVozDelaÉAMinhaVoz, em
português. No vídeo promocional global da iniciativa15, duas brasilei-
ras aparecem em meio a outras youtubers de diversas partes do mundo:
Nátaly Neri (Afros e Afins) e a supracitada Tatiane Ferreira (Acidez Fe-
minina). Diferentemente de Ferreira, que declarou não se considerar
feminista, Neri já produzia vídeos relacionados ao feminismo negro
(além de se engajar em debates relacionados ao movimento negro de
forma mais ampla).
Entretanto, as brasileiras, assim como ocorre com outras youtubers
retratadas, não têm voz na campanha. Apenas imagens de Ferreira e
Neri em seus respectivos canais aparecem enquanto um discurso da ati-
vista paquistanesa Malala Yousafzai sobre a importância de representar
outras mulheres é ouvido. Celebridades como a ex-primeira-dama dos
Estados Unidos, Michelle Obama, e a apresentadora norte-americana
Ellen Degeneres também transmitem mensagens de valorização fe-
minina. Degeneres, aliás, surge na tela emocionada ao receber uma
condecoração e afirma ter descoberto uma missão “que não era só sobre
mim”, assim como parece ter ocorrido com as outras mulheres que apa-
recem em sequência.
Ao enquadrar o trabalho de influenciadoras nesse contexto, sugere-
-se uma equiparação entre youtubers, figuras públicas e celebridades a

15 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bdX55I9WHDw. Acesso em 25 maio


2024.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


260 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

partir do momento em que todas utilizam os “holofotes” para se torna-


rem inspirações para as outras mulheres. O entusiasmo das mulheres em
cena, porém, parece se resumir à representatividade: ao fim do vídeo,
surge um chamado para que a audiência compartilhe vídeos de “mu-
lheres que inspiram” - atitude mais do que conveniente para o próprio
YouTube. Rememorando as discussões sobre pós-feminismo e feminis-
mo popular (BANET-WEISER, 2018), pode-se dizer que a plataforma
enfatiza a relevância de vozes em prol de discussões feministas, desde
que essas sejam apresentadas de modo inofensivo e palatável, preferen-
cialmente contribuindo para o incremento de sua própria audiência.
Outra iniciativa que reuniu youtubers brasileiras, dessa vez para uma
colaboração, foi a campanha #PorQueMulher16, ainda em 2017. Em
formato de esquetes, oito vídeos gravados no YouTube Space São Paulo
apresentaram debates sobre tabus associados ao feminino, como a au-
sência de mulheres em livros de história, a necessidade de depilação
ou a desigualdade salarial. Outra youtuber feminista em ascensão foi
escolhida como “madrinha” da campanha: Maíra Medeiros, do canal
“Nunca te pedi nada”. “Conhecida também por esquetes e paródias que
provocam e conscientizam sua audiência com temas sobre o universo fe-
minino”, explica reportagem do site “Canal Tech”, Medeiros foi a única
a participar de todos os vídeos gravados no YouTube Space e responsável
por publicá-los em seu canal (CANAL TECH, 2017, online).
Diferentemente de campanhas anteriores, #PorQueMulher foi
lançada em parceria com a Think Olga, ONG feminista ligada a mobi-
lizações feministas expressivas sobretudo em plataformas de rede social.
Possivelmente por conta desse envolvimento, boa parte das 17 youtubers
envolvidas já eram reconhecidas pela produção de conteúdos de teor
ativista e/ou questões ligadas à representatividade.

16 Playlist com os vídeos oficiais da campanha disponível em: https://www.youtube.com/watch?-


v=dnOo-k8pIAU&list=PLEIJP9n-xzZYqCug4nuF0_9R9CMhjrudv. Acesso em: 25 fev. 2024.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 261

A R T I G O
Imagem 2 – Influenciadoras da campanha #PorQueMulher

Fonte: Elaboração própria

Em 2018, uma nova campanha da empresa apostou na colaboração


entre youtubers para a promoção de questões sobre o universo femini-
no. Descrito como um “projeto global de empoderamento feminino”, o
Women in Comedy (Mulheres na Comédia) foi uma iniciativa promovida
pelo canal Whohaha e pela diretora norte-americana Elizabeth Banks em
parceria com o YouTube Space RJ no Brasil. Segundo o YouTube, mais de
100 criadoras receberam apoio por meio de sets de filmagem, coordenação
e recursos de produção para gravações em Los Angeles, Londres, Toronto,
Mumbai, Berlim, Paris e Rio de Janeiro17.
Batizado de “#FalaMiga” no Brasil, o projeto desta vez foi liderado
pelas autoras do canal DRelacionamentos, especializado na produção
de esquetes humorísticos, muitos dos quais de viés feminista. O canal,
naquele momento, era conduzido por Jackie Salomão, Nina Dutra e
Felipe Ventura (o ator não aparece nos vídeos da campanha #FalaMi-
ga). Além de novas esquetes, os vídeos gravados em parceria com outras
youtubers apresentaram conversas com o mesmo mote: assuntos que as
mulheres estão “cansadas de ouvir”, como cobranças no mercado de

17 Informações retiradas da descrição dos vídeos do projeto no Brasil. A lista completa está dispo-
nível em: https://bit.ly/2I8vu6q. Acesso em: 10 jan. 2024.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


262 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

trabalho ou em relação à gravidez. Entre as 16 participantes dos vídeos


oficiais da iniciativa (além das integrantes do DRelacionamentos), seis
já haviam participado das campanhas de 2016 e 2017: Júlia Tolezano,
Maíra Medeiros, Jéssica Tauane, Luiza Junqueira, Helen Ramos e Ma-
lena. A ONG Think Olga voltou a atuar na seleção das convidadas em
parceria com o canal DRelacionamentos. As demais convidadas produ-
zem conteúdo sobre temas diversos (imagem 3).

Imagem 3 – Influenciadoras da campanha #FalaMiga

Fonte: Elaboração própria

Mais do que determinar o papel de cada uma das youtubers menciona-


das para a disseminação de mensagens ligadas ao feminismo, buscamos
identificar a formação de redes a partir de campanhas institucionais li-
gadas ao YouTube, que compreendemos como vetores (GUTMANN,
2021). É relevante notar que as redes em questão vão além das convi-
dadas listadas, visto que cada campanha teve viés colaborativo. Ao optar
por mapear apenas daquelas que participaram dos vídeos “oficiais” das
campanhas, compreendemos que a escolha de determinadas youtubers
é parte de um processo importante de legitimação delas enquanto re-
presentantes do tipo de “criadoras” que a empresa deseja promover.
O envolvimento direto de uma organização feminista reconhecida no
Brasil na articulação de duas das campanhas mencionadas reforça essa
legitimação.
Por outro lado, um dado qualitativo interessante para nossa pesqui-
sa diz respeito ao aumento no número de vídeos relacionados a ideias

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 263

A R T I G O
de empoderamento feminino no período entre as campanhas. Todos
os canais, cujas autoras publicaram vídeos com perfil mais militante
despontaram em meados de 2015 ou posteriormente. Em diversos ca-
sos, as trajetórias também são parecidas. Nomes como Ellora Haone,
Nátaly Neri, Luci Gonçalves, Júlia Tolezano, Maíra Medeiros e Ana
de Cesaro começaram no YouTube com vídeos que dialogavam com
papéis femininos amplamente populares na plataforma, seja por meio
de conteúdos sobre moda e beleza, seja por meio do humor. Aos poucos,
passaram a publicar com maior frequência vídeos mencionando mais
explicitamente a luta de mulheres/negros/população LGBTQIAPN+
por igualdade social. Nesse sentido, pode-se pensar que integração com
o mercado é uma parte importante da disseminação de debates vincu-
lados ao feminismo popular (e a outras pautas identitárias), que por sua
vez vão contribuir para a visibilidade e reconhecimento das influencia-
doras digitais que os promovem.
Outro ponto relevante da análise diz respeito às categorias de visibi-
lidade articuladas a partir das escolhas institucionais do YouTube. Nas
quatro campanhas mapeadas, apenas uma teve como foco uma mulher
negra, Nátaly Neri (que, ainda assim, dividiu os holofotes da iniciati-
va com uma mulher branca, Tatiane Ferreira). Os outros canais que
centralizaram a produção de vídeos das ações descritas eram comanda-
dos, à época, por pessoas brancas. Tais decisões, como veremos a seguir,
podem ter tido impactos significativos nas redes de colaborações entre
youtubers feministas que se estabeleceram após as campanhas.
Flutuando entre incentivos ao mercado18 e engajamento social, ar-
gumentamos que a plataforma favorece certas pautas identitárias, mas
de forma restrita e segmentada, e privilegiando discussões que reme-
tem à noção de feminismo popular e um grupo social específico. Nesse
sentido, trazemos a hipótese de que ao incentivar o debate sobre o
empoderamento feminino, a empresa o faz a partir de uma lógica que

18 Em 2017, a plataforma lançou uma edição especial do relatório “YouTube Ads Leaderboard”.
Por ocasião do Dia das Mulheres, o documento sobre o desempenho dos anúncios na platafor-
ma apresentou os anúncios que as mulheres preferiam assistir, com destaque para mensagens
de empoderamento (YOUTUBE, 2017).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


264 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

segue privilegiando o pacto da branquitude (BENTO, 2022), ainda que


atente para dimensões interseccionais dos sujeitos.

Além das campanhas: redes de colaborações entre


youtubers feministas
A partir do levantamento apresentado anteriormente, nos propusemos
a analisar as colaborações realizadas por três influenciadoras digitais
que protagonizaram as campanhas do YouTube durante o período ana-
lisado (2016 a 2018): Júlia Tolezano, Maíra Medeiros e Nátaly Neri.
O objetivo foi compreender uma possível confluência de participantes,
indicando o fortalecimento de conexões e de uma rede de interações
em torno de conteúdos ativistas. Assim como no mapeamento anterior,
buscamos identificar áreas de atuação de cada youtuber e temas aborda-
dos nas colaborações analisadas.
Júlia Tolezano, a mais popular entre as youtubers listadas, chegou a
ter 2,49 milhões de inscritos19. Maíra Medeiros, uma das mais populares
neste “segmento”, soma 2 milhões de assinantes. Já Nátaly Neri tem
pouco mais de 810 mil inscritos (número razoável, porém consideravel-
mente menor que os de Tolezano e Medeiros) e reconhecimento pela
atuação ativista — nesse caso, levamos em consideração a importân-
cia de abordar questões relacionadas ao feminismo negro que as outras
duas, mulheres brancas de classe média, apenas tangenciam em suas
produções20.
Ao longo de três anos, além das participações nas campanhas
#MulheresCriadoras e #FalaMiga, o canal Jout Jout Prazer publicou
parcerias com outros 14 canais em 12 vídeos, além de registrar conversas
com amigos ou personalidades que não foram incluídos no levanta-
mento por não serem reconhecidos enquanto produtores de conteúdo
digital no momento das gravações. Entre os 12 vídeos listados, oito

19 A jornalista anunciou uma pausa em seu canal em 2019 e, em 2022, optou por encerrar o
mesmo.
20 Apesar da posição de centralidade na campanha #FalaMiga, o canal DRelacionamentos não
fez parte desse levantamento por ser baseado em vídeos de ficção com diversos atores.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 265

A R T I G O
trazem convidadas que participaram das campanhas do YouTube lista-
das anteriormente, frequentemente abordando debates relacionados às
experiências femininas - número que se torna ainda mais expressivo con-
siderando a quantidade pequena de colaborações registrada no período.
Entre os canais analisados, o de Maíra Medeiros foi o que mais
publicou colaborações. Além dos vídeos gravados como parte da
campanha #PorQueMulher, a youtuber publicou 54 produções com
participantes de outros canais. Assim como apresentam maior número
de colaborações, seus vídeos trazem maior heterogeneidade, ainda que
os convidados frequentemente debatam questões ligadas ao feminismo e
à cultura LGBTQIAPN+. No total, 16 canais representados nas campa-
nhas ligadas ao YouTube mencionados anteriormente colaboraram com
Medeiros em vídeos além das próprias campanhas (o canal DRelaciona-
mentos aparece em dois vídeos diferentes). Já as colaborações registradas
no canal de Nátaly Neri no período analisado apontam para uma maior
interação com produtores de conteúdo negros. Conhecida por abordar
questões relacionadas à negritude em seu canal, a influenciadora pu-
blicou poucas parcerias com produtoras de conteúdo relacionadas às
campanhas mencionadas anteriormente, marcadas por uma maior par-
ticipação de mulheres brancas. Foram seis vídeos em um universo de 32
produções21.
A imagem a seguir apresenta a correlação entre os youtubers que
participaram dos três canais mencionados e aquelas que fizeram parte
das campanhas promovidas pelo YouTube no período da análise. Os
nomes em destaque correspondem aos youtubers e/ou canais que esti-
veram presentes em pelo menos uma das campanhas aqui descritas. A
figura também indica que youtubers estiveram presentes em dois dos
três canais analisados no período.

21 Vale destacar, contudo, que entre as colaborações encontradas diversos nomes fizeram parte
de duas iniciativas do YouTube vinculadas a influenciadores negros: Creators for change, que
reuniu youtubers de diferentes países em evento em Londres, e YouTube Negro, no qual Neri
recebeu personalidades negras no YouTube Space SP.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


266 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

Imagem 4: Colaborações nos canais de Nátaly Neri, Júlia Tolezano e Maíra


Medeiros entre 2016 e 2018

Fonte: Elaboração própria

O mapeamento realizado indica que as campanhas empreendidas


pelo YouTube funcionaram como vetores para a disseminação de visibi-
lidades específicas relacionadas ao feminismo e à valorização feminina
no período analisado. Enquanto sistema cultural (BURGESS; GREEN,
2009), a plataforma não apenas reflete disputas contemporâneas - como
o relevo de certas agendas — mas ajuda a construí-las (PEREIRA DE
SÁ, 2021). Se analisarmos as participações nos canais das influenciado-
ras brancas, Tolezano e Medeiros, bem como a recorrência de nomes
que participaram em mais de um canal, pode-se dizer que, naquele mo-
mento, as campanhas institucionais exerceram impacto relevante para
o fortalecimento de uma rede de youtubers socialmente engajadas li-
gadas ao feminismo. Nátaly Nery, por sua vez, privilegia produtores de
conteúdo negros, muitos dos quais também aparecem em campanhas
da plataforma, mas especificamente sobre negritude. Ainda assim, a

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 267

A R T I G O
predominância da branquitude nas redes formadas aponta que o femi-
nismo branco segue, desde as sufragistas às influenciadoras, deixando
mulheres pretas para trás, como argumenta BECK (2021).

Considerações finais: a articulação de redes de


youtubers feministas
O microcosmo descrito acima não pretendeu esgotar a rede de sentido
em torno do protagonismo feminino formada por articulações entre ato-
res humanos e não-humanos no YouTube durante o período analisado
(2016-2018). Entre as diversas trajetórias analíticas possíveis, optamos
por seguir quatro campanhas promovidas pela empresa, entendidas
como vetores de conteúdos audioverbovisuais (GUTMANN, 2021). A
partir delas, categorizamos, de modo exploratório, os perfis dos canais
das influenciadoras envolvidas, a partir de suas temáticas, assim como
mapeamos as articulações que se deram entre eles nos anos que se segui-
ram após uma intensificação de movimentações feministas na internet
brasileira (seguindo uma tendência global)22.
Vale destacar que não foi possível, no limite deste trabalho, analisar
os vídeos de colaborações em si que compuseram as quatro campanhas,
tarefa que fica como encaminhamento para pesquisas futuras. Mas argu-
mentamos, a partir de nossa análise, que: 1) o YouTube buscou, através
das campanhas, se aproximar de uma pauta social muito em voga na
época, possivelmente visando construir um posicionamento de marca
tida como “inclusiva” e “democrática”; 2) ao fazê-lo, a plataforma aca-
bou provocando articulações em rede entre influenciadoras e a geração
de mais conteúdos sobre “empoderamento feminino”, atuando, en-
quanto instituição, na promoção de redes sobre feminismo; 3) contudo,
houve preponderância de mulheres brancas convidadas para participar
das campanhas, reforçando um lugar de privilégio da branquitude ao
pautar questões relativas ao “empoderamento” feminino.

22 Vale lembrar ainda que o contexto social, sobretudo relacionado à crise que se sucedeu após
o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff e à ascensão de políticos de extrema-direita na
política brasileira, certamente contribuiu para essa configuração naquele período.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


268 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

Ao enfatizar tais articulações, buscamos contribuir para uma visão so-


bre o papel do YouTube enquanto sistema cultural, pautando discussões
ligadas a um “feminismo popular” (BANET-WEISER, 2018) e buscando
se colocar no mercado das plataformas enquanto uma empresa preocu-
pada com questões sociais através do incentivo à produção de conteúdos
de entretenimento tidos como “sérios”. Trata-se, claro, de uma estratégia
empresarial ancorada no fortalecimento de discussões acerca de pautas
identitárias na contemporaneidade e na articulação dessas pautas a ins-
tâncias de consumo. O que não obscurece os efeitos reais dessa política
de visibilidade: dentre boa parte dos canais analisados, houve aumento
notório de publicações discutindo questões relativas a alguma forma de
ativismo social.
Anos mais tarde, pode-se dizer que houve mudanças significativas
no universo de produtoras de conteúdo relacionados a pautas sociais –
conforme mencionado anteriormente, Júlia Tolezano anunciou o fim
de seu canal no YouTube. Nátaly Neri e Maíra Medeiros seguem na
plataforma, mas com números mais modestos e menos vídeos sobre te-
mas relacionados ao feminismo e ao feminismo negro. Já o YouTube
em si aparentemente optou por investir em outras pautas – a última
campanha relacionada ao tema no perfil oficial da plataforma foi #Her-
VoiceisMyVoice, de 2017.
Ao apresentar esse resgate histórico, nosso objetivo não foi exaltar o
YouTube enquanto disseminador de conteúdos socialmente engajados;
antes, buscamos argumentar que, em um contexto fortemente atra-
vessado pelo consumo, formas de ativismo digital também podem ser
influenciadas por estratégias institucionais das plataformas - que, por sua
vez, também vão se alinhar às demandas do mercado. Entretanto, há
que se considerar as complexidades emergentes a partir das dinâmicas
características dos ambientes digitais. No TikTok, plataforma caracte-
rizada por vídeos curtos, influenciadoras digitais feministas acumulam
milhões de visualizações, indicando uma possível migração das redes

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 269

A R T I G O
de produção de conteúdo ligado ao tema - hipótese que pretendemos
investigar em análises futuras23.
Por fim, ressaltamos que a atuação da empresa em prol de “minorias”
não deixa de ser uma ferramenta importante também para contrabalan-
cear as acusações que o YouTube sofre por questões como desrespeito
aos direitos autorais e promoção de conteúdos falsos e extremistas (Br-
yant, 2020). Se oficialmente a plataforma articula o fortalecimento do
discurso feminista, seus algoritmos impulsionam crescentemente redes
de discursos antifeministas, atuação que merece análises aprofundadas
em trabalhos posteriores.

Referências
AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen Produção Editorial LTDA,
2019.
ALMEIDA, H. De la vergüenza a la visibilidad: Feminismo hashtag y violencia sexual
en Brasil. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, p. 19-41, 2020.
BANET-WEISER, S. Authentic™: The politics of ambivalence in a brand culture. Nova
York: New York University Press, 2012.
______________. Empowered: Popular feminism and popular misogyny. Londres: Duke
University Press, 2018.
BECK, K. Feminismo branco: das sufragistas às influenciadoras e quem elas deixam para
trás. São Paulo: HyperCollins Brasil, 2021.
BENTO, C. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
BRYANT, L. The YouTube algorithm and the alt-right filter bubble. Open Information
Science, v. 4, n. 1, p. 85-90, 2020.
BURGESS, J.; GREEN, J. YouTube e a revolução digital. São Paulo: Aleph, 2009.
CANAL TECH. YouTube inicia campanhas para homenagear as mulheres. Canal Tech,
8 de março de 2017. Disponível em: https://bit.ly/2KlkPX1. Acesso em: 19 fev. 2024.
CARRERA, F. Roleta interseccional Proposta metodológica para análises em Comuni-
cação. E-Compós, n. 24, p. 1-22, 2021.
COLLINS, P. Intersectionality’s Definitional Dilemmas. Annu. Rev. Sociol, n. 41, p.
1-20, 2015.
DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. O mundo dos bens: para uma antropologia do con-
sumo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.

23 Destacam-se, por exemplo, os canais @ninabaiocchi (11,4 milhões de seguidores), @paula-


temponti (1,3 milhão de seguidores) e @erika_affonso(1,1 milhão de seguidores).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


270 feminismo popular e pacto da branquitude
A R T I G O

DUARTE, C.; MELO, L. Aforizações e Feminismo na internet: estudo de frases curtas


empregadas no movimento Primavera das Mulheres. Revista do GEL, v. 14, n. 1, p. 269-
287, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.21165/gel.v14i1.1477
EVANGELISTA, Simone. Políticas de neutralidade no imaginário tecnológico contem-
porâneo: YouTube e a figura do criador. Revista Fronteiras, v. 22, n. 3, 2020. Disponível
em: https://doi.org/10.4013/fem.2020.223.04
FERRARI, B. YouTuber brasileira se proclama embaixadora na ONU e é desmentida por
entidade. Época, 3 de março de 2016. Disponível em: https://abre.ai/iZcG. Acesso em:
19 fev. 2024.
FREIRE, F. Campanhas feministas na internet: sobre protagonismo, memes e o poder
das redes sociais. Debate, Belo Horizonte, v. 8, n. 5, p. 26-32, 2016.
GILL, R. Post-postfeminism?: New feminist visibilities in postfeminist times. Feminist
Media Studies, v. 16, n. 4, p. 610-630, 2016.
GILLESPIE, T. The politics of ‘platforms’. New media & society, v. 12, n. 3, p. 347-364,
2010.
GUTMANN, J. Audiovisual em rede – Derivas conceituais. Belo Horizonte: Fafich/Selo
PPGCOM/UFMG, 2021.
KARHAWI, I. De blogueira a influenciadora: etapas de profissionalização da blogosfera
de moda brasileira. Porto Alegre: Editora Sulina, 2021.

MARTINEZ, F. Feminismos em movimento no ciberespaço. Cadernos Pagu, v. 56, p.


1-34, 2019.
MARWICK, A. You may know me from YouTube. In: MARSHALL, D.; REDMOND,
S. (eds.). A companion to celebrity. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2015, p. 333-350.
MCROBBIE, A. The Aftermath of Feminism: Gender, Culture and Social Change. Lon-
dres: Sage, 2009.
PEREIRA DE SÁ, S. Música pop-periférica brasileira: videoclipes, performances e tretas
na cultura digital. Rio de Janeiro: Editora Appris, 2021.
REIS, J.; NATANSOHN, G. Com quantas hashtags se constrói um movimento? O que
nos diz a “Primavera Feminista” brasileira. Tríade: Comunicação, Cultura e Mídia, Soro-
caba, v. 5, n. 10, 2017. DOI: 10.22484/2318-5694.2017v5n10p113-130
SENFT, T. Microcelebrity and the branded self. In: HARTLEY, J., BURGESS, J.;
BRUNS, A. (eds.) A companion to new media dynamics. Nova Jersey: Wiley-Blackwell,
2013, p. 346-354.
STANFORD, K. What women watch: Trends toward entrepreneurship, education, and
empowerment on YouTube. Think with Google, março de 2017. Disponível em: https://
bit.ly/2qyHYac. Acesso em: 19 fev. 2024.
TOLEZANO, J. Não tira o batom vermelho [vídeo]. 16 de fevereiro de 2015. Disponível
em: https://abre.ai/iZcI. Acesso em: 19 fev. 2024.
YAMAMOTO, D. Mobilizações feministas na internet e a formação de redes de soli-
dariedade online. Ponto Urbe - Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, São
Paulo, n. 29, 2021.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


beatriz polivanov | simone evangelista 271

A R T I G O
YOUTUBE. YouTube ads leaderboard: International Women’s Day edition 2017 [video].
Think with Google, 2017. Disponível em: https://abre.ai/iZbe. Acesso em: 19 fev. 2024.

Sobre autores
Beatriz Polivanov - Docente e chefe do Departamento de Estudos Culturais e
Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora permanente do
Programa de Pós-graduação em Comunicação da mesma instituição. Doutora
e mestre pelo mesmo programa, onde desenvolveu pesquisa de pós-doutorado
com bolsa CAPES/PNPD na linha de Estéticas e Tecnologias da Comunica-
ção. Graduada em Letras (Português-Inglês) pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), com Licenciatura pela Faculdade de Educação também da
UFRJ. E-mail: [email protected].
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1289-6604

Simone Evangelista - Professora adjunta do departamento de Teoria de


Comunicação e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Co-
municação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisadora
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Comparados em Ad-
ministração de Conflitos (INCT-InEAC). Doutora e mestre em Comunicação
pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Foi bolsista pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado
(PNPD/CAPES) na mesma instituição. Desenvolve, com apoio do programa
Prociência (UERJ), pesquisas relacionadas a entretenimento, ciência e política
em plataformas digitais. E-mail: [email protected].
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5457-5737

Data de submissão: 22/02/2024


Data de aceite: 6/8/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 248-271,mai./ago. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61, P. 272-291,mai./ago. 2024
A R T I G O

DOI 10.18568/CMC.V20i61.2939

A institucionalização do consumo de moda de


imitação: prática impulsionada por consumidores
no TikTok
The institutionalization of imitation fashion
consumption: a practice driven by consumers on
TikTok
Alessandra Barros Marassi

Resumo: O artigo analisa as práticas que institucionalizam o consumo de


moda de imitação potencializadas pela produção de conteúdo dos consumidores
presentes no TikTok. Partimos do pressuposto que o consumo de réplicas de mar-
cas consolidadas é impulsionado não só pela atividade digital de quem consome,
mas também pelas lógicas algorítmicas dos aplicativos de moda, como a Shein,
que se apropriam dessa dinâmica em suas estratégias comerciais. Nosso objetivo
é compreender as transformações no consumo desse tipo de mercadoria eviden-
ciando o sentido de pertencimento numa lógica que institucionaliza a moda de
imitação. O estudo sustenta-se na análise de conteúdos de consumidores no Tik-
Tok que adotam tais práticas.
Palavras-chave: Consumo; Moda de imitação; Institucionalização; TikTok

Abstract: The article analyses the practices that institutionalize the con-
sumption of imitation fashion, which are enhanced by the content produced by
consumers on TikTok. We start from the assumption that the consumption of
replicas of established brands is driven not only by the digital activity of those
who consume, but also by the algorithmic logics of fashion apps, such as Shein,
which appropriate this dynamic in their commercial strategies. Our aim is to
understand the transformations in the consumption of this type of merchandi-
se, highlighting the sense of belonging in a logic that institutionalizes imitation
alessandra barros marassi 273

A R T I G O
fashion. The study is based on an analysis of content from consumers on TikTok
who adopt these practices.
Keywords: consumption; imitation fashion; institutionalization; TikTok

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


274 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

Introdução
A relação entre os dados, o comportamento de consumo e os interes-
ses comerciais de empresas se fortalece quando observamos que essas
vertentes são a base para o funcionamento e a expansão de empresas –
principalmente de e-commerce – que tomam suas decisões estratégicas a
partir do resultado do monitoramento constantes da interatividade digi-
tal de seus consumidores. Essa lógica difere do que acontecia na década
de 1960, considerada um marco na sociedade de consumo (HOFF,
2008), quando ocorre o êxodo rural e a industrialização. Período em
que as empresas começam a enfrentar o desafio de “descobrir o que seu
consumidor pensa” para pensar em estratégicas que levam ao consumo.
Com o atravessamento das tecnologias na vida cotidiana, consolida-
-se então a ideia que as interações que ocorrem nas redes sociais e nos
aplicativos de compras geram novas práticas de consumo, especialmen-
te entre os jovens. São os usos e as respostas oferecidas por meio de
conteúdo que indicam o que se tornará tendência ou não. Um exemplo
disso é o aparecimento de lojinhas de marcas no Instagram, que come-
çaram a surgir em grande escala, sendo elas oficiais ou mesmo as de
pessoas que comercializam produtos diversos. Com a produção de con-
teúdo, influenciadores e consumidores, o consumo de moda também
foi alavancado não somente pelo comportamento dos consumidores no
ambiente digital, mas pelo atravessamento dos algoritmos na vida co-
tidiana, que monitoram ininterruptamente os desejos das pessoas por
meio de cada atividade registrada pela lógica algorítmica, especialmente
nos aplicativos.
Essa triangulação entre consumo, produção de conteúdo e midiati-
zação são elementos que potencializam a institucionalização da moda
de imitação, tornando-a uma prática valorizada pelos jovens que, por
sua vez, estão em busca de novidades, tendências e não querem pagar
por altos preços adotados pelas marcas consolidadas, a exemplo da Zara,
Adidas, H&M entre outras.
A partir deste cenário, desse artigo investiga as práticas de consumo
que ocorrem entre jovens consumidores da loja chinesa Shein, que

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 275

A R T I G O
produzem e potencializam conteúdo de mercadorias similares a essas
marcas, estimulando o consumo de moda de imitação sustentado pelo
discurso de “estar na moda pagando menos”. O estudo busca com-
preender como as interações e atuação dos consumidores da moda de
imitação são determinantes na institucionalização do consumo de mer-
cadorias réplicas e no processo de circulação e midiatização de produtos
desse segmento, a partir do entendimento da midiatização como um
processo estrutural de influência das mídias (cultura de massa e con-
trole da comunicação). Nesse caminho recorremos à perspectiva mais
recente de midiatização como as ações que ocorrem nas mídias digitais,
identificadas como midiatização profunda (COUDRY; HEPP, 2020).
A participação do consumidor brasileiro no processo de midiatização
da marca e do consumo numa engrenagem de interações que percorre a
marca-consumo-midiatização-marca é o “combustível” para a visibilida-
de da Shein. Essa ação é discutida por Trindade e Perez (2019) quando
afirmam:
Se pensarmos as questões de participação, engajamento e modos de cir-
culação, para além das estruturas, podemos avaliar pelas midiatizações as
questões dos gradientes do tipo de participação e colaboração com ações
de marcas, observando e analisando as estratégias e táticas, mas voltando
por meio das mediações culturais a um processo em que a lógica mídia/
marca constitui ou participa da modelagem das realidades e de seus sujei-
tos (TRINDADE, PEREZ, 2019).

Os processos de midiatização do consumo, fomentados pelo sujeito


consumidor em suas interações, produção, participação e engajamento,
alimentam a datificação da plataforma digital da marca onde se coletam
os dados dos rastros digitais registrados pelos usuários do aplicativo e das
redes sociais em que a Shein monitora como fonte de informação para
suas estratégias.
Ousamos dizer que vestir mercadorias similares de marcas consolida-
das não é mais visto como depreciativo, mas sim como algo que permite
fazer parte de uma sociedade que valoriza o visual, a estética e a adesão
às tendências.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


276 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

O consumo de moda e a moda de imitação


O consumo de moda é um dos fatores que atua como uma forma de
interpretação do mundo (SANT´ANNA, 2007) onde o sujeito apropria-
-se de signos que lhes torna aptos para atuar numa sociedade moderna.
Nesse sentido, esse sujeito-consumidor de moda é capaz de tomar deci-
sões que oferecem caminhos de interação social a partir da forma como
se apresenta esteticamente.
Os fluxos para o consumo de moda ocorrem a partir do lançamento
de produtos, passando pela sua divulgação, usos e disseminação (em gru-
pos menores) que levam à massificação e depois à morte, caracterizada
pelo desuso. Então um novo ciclo se inicia para a geração de novos
itens, estabelecendo um processo de produção em série e publicização
generalizada para elevar o consumo em níveis maiores.
A produção e o consumo de moda no século XIX ocorriam em uma
velocidade menor ao que conhecemos hoje como fast fashion. Antes,
a presença do estilista, do desenhista de moda era determinante para
classificar a peça como um item de valor. Com o avanço das tecnolo-
gias, esse processo da reprodutibilidade (BENJAMIN, 1975) desloca a
função ritualistica da obra de arte em que a reprodução implica uma
mudança do valor como objeto de alto nível. Assim, a reprodutibilidade
das mercadorias de moda fomenta a formação da cultura de massa em
que os discursos configuram uma formação coletiva de significados.
Mara Rúbia Sant’Anna (2007), em sua argumentação sobre a relação
entre a moda e a modernidade, afirma que a moda se caracteriza como
um sistema que constitui a própria sociedade, indo muito além do fato
de mobilizar gostos efêmeros que mudam a cada momento.
Não é nosso interesse aqui resgatar a história da moda, mas enten-
demos ser relevante o entendimento que a moda esteve presente como
um indicador que diferencia as classes sociais em vários momentos. O
consumo de moda das classes mais ricas é determinado pelo status do
estilista que assina a coleção, pela qualidade dos tecidos, pela inovação
estética e tecnológica das peças, além de quem as usa. Já para as classes
de menor poder aquisitivo, apesar do desejo de estar “sempre na moda”,

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 277

A R T I G O
o fator econômico ainda é determinante no processo de decisão de com-
pra, o que as leva a buscar opções alternativas, porém com preços mais
baixos, ou seja, itens que, por essa característica, são mais acessíveis em
lojas fast fashion.
Para Enrico Cietta (2019), o conceito de fast fashion é muito similar
ao mecanismo do fast food, em que há uma aceleração do consumo
por meio da padronização da oferta, focando em um giro cada vez mais
veloz de produtos no ponto de venda, eliminando o estoque, ou seja, o
que está disponível é tudo o que tem na loja. Assim que um item acaba,
dá espaço para outro instantaneamente. Essa velocidade é instaurada
na mente do consumidor que, ao ver uma peça, sabe que se não com-
prar naquele momento, há uma enorme chance de não encontrá-la
mais em uma ocasião futura.
Esse é um modelo de negócio que responde muito bem às constantes
mudanças do mercado (CIETTA, 2019), pois mescla diferentes expe-
riências de consumo, ou seja, o conteúdo moda dos produtos de luxo
com preços acessíveis dos produtos básicos, sabendo incorporar a esco-
lha do consumidor no processo de criação de novos produtos (CIETTA,
2019).
A moda de imitação refere-se à prática de replicar designs, estilos e
tendências de moda estabelecidos por designers renomados e marcas de
luxo. Essa prática, muitas vezes, envolve a produção em massa de itens
de vestuário, acessórios e produtos relacionados que se assemelham às
peças originais, mas são comercializados a preços mais acessíveis. A
moda de imitação pode abranger desde réplicas diretas até interpreta-
ções criativas e adaptações de conceitos de moda existentes.
O consumo de moda de imitação é caracterizado pela compra, disse-
minação e uso de mercadorias similares àquelas produzidas por marcas
conhecidas e consolidadas no mercado. Os itens similares que imitam
peças de grife são produzidos, na maioria das vezes com tecidos diferen-
tes, com qualidade e acabamento inferiores, e são comercializados em
locais alternativos por preços bem menores.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


278 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

À medida que uma marca reconhecida lança uma nova coleção, em


pouco tempo é possível encontrar peças réplicas em outras lojas, reven-
dedores ambulantes e na internet. Isso ocorre pelo monitoramento de
tendências para a produção instantânea que alimenta a moda de imita-
ção. Esse fenômeno do consumo de moda de imitação ocorre por ser
impulsionado por uma variedade de fatores, incluindo a busca por sta-
tus social, a pressão para se adequar às normas estéticas predominantes e
a busca por tendências acessíveis. Consumidores são atraídos pela ideia
de vestir itens que se assemelham a produtos de luxo sem pagar pelo alto
custo associado a eles. Além disso, a rápida disseminação de informações
e imagens através das mídias sociais digitais contribui para a populariza-
ção rápida de determinados estilos e designs, aumentando a demanda
por versões mais acessíveis.
Esse processo ágil, de baixo custo e qualidade, que causa um en-
cantamento nos jovens, gera uma erosão nas marcas citadas (SHI; LIU;
LEE; SRINIVASAN, 2021). Há outras implicações no modo de produ-
ção de moda e geração de tendências como: a ausência de um designer
ou estilista na moda de imitação. A baixa qualidade e tempo de vida
dos produtos não é elemento relevante para consumidores de moda de
imitação. Não importa se a peça vai durar pouco, pois pagou um valor
baixo por ela.
Nesse sentido, Perez, Trindade, Fogaça e Batista (2013), discutem
que os produtos pirateados (de imitação) assumem uma carga simbólica
distinta, oferecendo significados alternativos e desafiando as narrativas
dominantes de consumo e identidade. Para os autores, a pirataria pode
ser vista como uma forma de resistência cultural e um meio de acesso à
cultura e bens de consumo para grupos marginalizados economicamen-
te (PEREZ; TRINDADE; FOGAÇA; BATISTA, 2013).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 279

A R T I G O
Plataformização da moda, algoritmos e a modulação do
comportamento de consumo
As redes sociais digitais e os aplicativos, especialmente de moda, de-
sempenham um papel fundamental no consumo de moda de imitação.
Para a análise deste artigo, recorremos tanto ao aplicativo da loja Shein
quanto ao da rede social TikTok, por sua inter-relação no fomento das
práticas de consumo, publicização e disseminação da moda de imitação
na internet.
A Shein é uma empresa de comércio eletrônico sediada na China,
conhecida por oferecer uma ampla variedade de roupas e acessórios de
moda a preços acessíveis. No Brasil conquistou o público da geração
Z, causando significativa transformação no consumo de moda. No que
se refere à sua forma de operação, a Shein utiliza um arcabouço de
algoritmos para analisar o comportamento de navegação e compra dos
usuários no intuito de conhecer o desejo das pessoas em cada um dos
países em que atua. Com base nessas informações, é possível personali-
zar a experiência do usuário, sugerindo produtos que são mais propensos
a interessar a cada cliente individualmente. Isso é feito por meio de re-
comendações personalizadas na página inicial, e-mails promocionais,
anúncios direcionados e ofertas de cupons de desconto.
Tremarim (2022), em sua dissertação de mestrado defendida no
PPGCOM da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, apresenta um
esquema de consumo e de circulação no processo da Shein, conforme
mostra a Figura 1:

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


280 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

Figura 1 - Esquema de consumo e circulação no processo Shein.

Fonte: TREMARIN (2022)

Essa engrenagem estratégica de consumo sustenta a potência de ma-


nipulação da empresa em conhecer os interesses de seus públicos em
cada um dos países em que atua, como aponta Landoswki:
[...] se o estrategista-manipulador reconhece o querer do outro e, melhor
ainda, se se dedica a conhecê-lo em profundidade, a torná-lo tão trans-
parente quanto possível, a detectar suas determinações, é unicamente
para manipulá-lo com maior segurança, para ganhar mais poder sobre
ele, atuando sobre suas motivações e suas razões, eventualmente as mais
secretas (LANDOWSKI, 2014 p.33).

A fase central desse esquema, em que a marca coleta dados e traduz


em produtos, é materializada na forma como as consumidoras encon-
tram produtos similares no aplicativo da marca.
A ideia da plataformização da moda se constitui não somente pelo
suporte dos aplicativos, mas também pelo monitoramento constante
(VAN DIJCK, 2017) que funcionam como combustível informacional
para as táticas de modulação do comportamento (COUTINHO, 2021)
de compra e das decisões do que será produzido ou não, tendo sempre
como direcionamento, o consumo efêmero da moda de imitação.
Isso se materializa nas práticas adotadas pela Shein quando se observa
que: a Shein monitora de perto as tendências de moda e utiliza os algo-
ritmos para identificar rapidamente as últimas tendências e padrões de

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 281

A R T I G O
compra. Isso permite que ajuste seu inventário e destaque os produtos
mais populares, garantindo que sua oferta esteja alinhada com as prefe-
rências dos consumidores. Parte das informações sobre quais produtos
são visualizados, quais itens são adicionados ao carrinho e quais produ-
tos chegam à fase final da compra. Esses algoritmos ajudam a identificar
padrões de comportamento e preferências dos clientes.
Outro ponto que é automatizado na plataforma é a precificação dos
itens disponíveis no aplicativo. O algoritmo é capaz de ajustar os preços
automaticamente com base em diversos fatores, como demanda, esto-
que disponível e sazonalidade, incluindo descontos temporários, cupons
personalizados ou promoções especiais para incentivar o consumo.
Com base na coleta de diversas fontes de dados, a Shein emprega al-
goritmos de recomendação para sugerir produtos aos clientes, utilizando
técnicas de filtragem colaborativa, análise de conteúdo e aprendizado de
máquina para identificar produtos que são mais propensos a interessar a
cada cliente, levando em consideração o histórico de compras, produ-
tos visualizados anteriormente e tendências de moda atuais – em cada
país. Assim entendemos que o processo algorítmico da Shein fomenta
ininterruptamente o consumo de moda sustentado pela personalização,
precificação dinâmica, acompanhamento de tendências, marketing de
influência e análise de feedback dos clientes.
Mas como essa operação funciona com tanta eficácia? Identificamos
nesta análise que a Shein busca informações de comportamento de con-
sumo dos jovens na plataforma de maior concentração que é o TikTok.
A grande sacada da Shein foi atuar em parceria com influenciadores
presentes na plataforma para entender os interesses de consumo.

TikTok: consumidores e o fomento ao consumo da moda


de imitação
A delimitação deste estudo envolveu uma organização metodológica
dividida em três etapas, sendo a primeira voltada para uma revisão bi-
bliográfica em torno da moda, a segunda etapa direcionada em levantar

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


282 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

informações sobre as funcionalidades do aplicativo da Shein e na tercei-


ra foram pesquisadas publicações de consumidores, especialmente no
TikTok, a partir da busca por hashtags, no intuito de levantar conteúdos
que fomentam e institucionalizam o consumo de moda de imitação
como uma prática validada socialmente.
Determinamos os seguintes termos para a busca feita do TikTok: “za-
raxshein”, “diorxshein”, adidasxshein, #vansxshein, para o levantamento
de dados da pesquisa.
Como o sistema de busca não reconhece mais de uma palavra ao
mesmo tempo, o procedimento foi feito pela pesquisa individual de
cada hashtag e seleção de uma ou mais publicações que evidenciam a
discussão.
Assim, entre os diversos perfis que aparecem como resultado, vários
apresentam produtos similares e estão disponíveis na Shein. Selecio-
namos algumas publicações a fim de ilustrar como esse processo tem
alto potencial de publicização e engajamento em torno da moda de
imitação.
Como resultado das buscas, separamos as publicações em seis figu-
ras, sendo a primeira a de um vídeo em que a publicação serve como
um tutorial de como encontrar peças similares às da Zara no aplicativo
da Shein; e as demais figuras separadas pelas marcas: Zara, Dior, Adidas
e Vans que são apresentadas a seguir:

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 283

A R T I G O
Figura 2 - Como encontrar?

Fonte: TikTok: #zaraxshein

O aplicativo da Shein é repleto de mercadorias, o que dificulta a bus-


ca por uma peça específica. É preciso passar muito tempo procurando,
o que torna o processo longo e exaustivo. Por essa razão, vários perfis de
consumidoras no TikTok (essa prática também é identificada no Insta-
gram) garimpam peças e publicam em seus perfis informando o ID do
item. Neste caso da Figura 1, a consumidora mostra como as pessoas
podem fazer esse processo por si mesmas. Basta ir a uma loja da Zara,
abrir o aplicativo da Shein e tirar uma foto da peça similar a que quer
encontrar. A partir da foto, o algoritmo da loja encontra e apresenta uma
peça parecida com um preço bem abaixo.
Isso mostra que a própria Shein adicionou uma funcionalidade em
seu aplicativo para fomentar a moda de imitação e coletar informações
de desejo daquilo que é originado das marcas de luxo.
Na busca por #zaraxshein, selecionamos as publicações mostradas
nas Figuras 3 e 4:

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


284 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

Figura 3 - Zara x Shein (a)

Fonte: TikTok: #zaraxshein

Figura 4 - Zara x Shein (b)

Fonte: TikTok: #zaraxshein

Consumidoras atuam como agentes disseminadoras da moda de


imitação, como mostra a Figura 4. O conteúdo produzido tem uma ca-
racterística de “prestação de serviço” que ajuda a encontrar peças, nesse
caso da Zara, dentro do app da Shein, sempre apresentando o ID, como
já mencionado, e em alguns deles há também um cupom de desconto
exclusivo da consumidora que publicou o conteúdo.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 285

A R T I G O
Figura 5 - Dior x Shein

Fonte: TikTok: #diorxshein

No caso da Dior, a consumidora mostrada na Figura 4, no início da


postagem, uma apresentação da bolsa Daddle Bag da marca, que fez
muito sucesso na época do lançamento, apesar do preço de R$ 6.000,00,
se tornando um objeto de desejo. Em seguida mostra uma peça parecida
que está disponível no app da Shein pelo preço de R$ 96,60. O discurso
tem uma linguagem do tipo: “olha, se você ama Dior e não pode dispor
de um investimento alto como esse, esta bolsa é linda e pode ser uma
bela opção para você arrasar”.
Ainda sobre produtos réplicas da Dior, é possível encontrar outros
itens como Gloss labial, inclusive com uma embalagem metalizada
muito parecida com o original.
Por último, apresentamos na Figura 5 um exemplo da marca Vans,
que é um sucesso no público jovem, mas os preços são considerados
altos.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


286 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

Figura 6 - Vans x Shein

Fonte: TikTok: #vansxshein

Nesse caso, a consumidora já apresenta seu conteúdo com a frase:


“Comprei tênis Vans da Shein”. Numa outra publicação, a chamada
estimula outras consumidoras com a frase “tênis que toda garota deveria
ter”. Ainda que o “tênis Vans da Shein” não seja exatamente similar,
como a marca é muito desejada e lançou um modelo com a sola mais
alta, acaba se tornando uma alternativa de uso temporário.
A partir dos exemplos apresentados, nota-se que há um volume ex-
tenso de conteúdo produzido e publicado por consumidoras Shein no
app do TikTok, com o intuito de disseminar produtos de imitação de
marcas originais desejadas.
Essa produção de conteúdo reforça os modos de publicização da
moda de imitação promovida pelos próprios consumidores numa ten-
tativa não só de consumo, mas que objetiva benefícios como ganho
progressivo de descontos nas próximas compras, visibilidade e falsa sen-
sação de “prestação de serviço”, no sentido de mostrar que é possível

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 287

A R T I G O
consumir moda e tendências a partir de peças réplicas por menor custo.
Adotamos aqui um posicionamento interpretativista dos enunciados das
publicações, em que se assume a subjetividade da autora.
O TikTok se torna, portanto, um local de promoção de produtos ré-
plicas, principalmente publicados por indivíduos com alto número de
seguidores. Isso posto, entendemos que os dados coletados representam
uma pequena parcela do que é realmente praticado, mas que é capaz de
mostrar como esse fenômeno vem ganhando espaço nesses ambientes.

A institucionalização da moda de imitação


A partir dos resultados encontrados nas pesquisas pelas hashtags infor-
madas, entendemos que a institucionalização do consumo de moda de
imitação ocorre não somente pela construção de sentidos, em especial
o de pertencimento no universo sígnico da pirataria (PEREZ; TRIN-
DADE, 2013), mas também por meio das interações entre usuários que
atuam como verdadeiros garimpeiros – primeiro no site de lojas conso-
lidadas como Zara a fim de identificar peças-tendência e depois no app
da Shein para encontrar peças similares como uma forma de “prestação
de serviço” aos demais consumidores.
O consumo de moda de imitação reforça, novas ritualidades e, por-
tanto, a ideia de consumo a partir da produção de desejo (CURTIS,
2013) e coloca os consumidores em uma rede ainda mais complexa
“que envolve agentes que suscitam, instigam, fomentam seus desejos”,
cedendo lugar para a produção de bens imateriais que trazem consigo o
senso de pertencimento. No mesmo sentido, o consumo de uma marca
que representa valores significativos e midiatizados relacionados à sus-
tentabilidade atribui a quem a consume o próprio valor e o status que a
ela está ligado. (TRINDADE; ZIMMERMANN; MEIRA, 2019).
Em outubro de 2023, uma matéria publicada no Estadão relatou
um pouco sobre o comportamento de alguns consumidores da Shein
e da Shopee (loja similar). Por meio de relatos dessas pessoas, é pos-
sível identificar o poder de influência que essas lojas possuem sobre
seus clientes. Para exemplificar, apresentamos algumas frases dessas

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


288 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

pessoas que se dizem “viciadas” em comprar nessas lojas: “Eu não dor-
mia mais”. “Quando chegava, eu nem lembrava que tinha comprado”.
“Comprei mais quando estava em depressão”. “Você começa parra ver
como é, compra uma coisinha barata só para testar e aquilo vai te con-
taminando”. “Nas madrugadas, tem ofertas especiais. Já fiquei três dias
sem dormir” (CUNHA, 2023).
As práticas dessas lojas, em especial da Shein atingiram o potencial
da compra recorrente. Adicionar novos produtos no aplicativo toda se-
mana gera a sensação de novidade que as pessoas interpretam como
necessidade de ter. É a partir desse comportamento que recorremos ao
questionamento que Clotilde Perez (2020) faz em sua obra Há limites
para o consumo? Para Perez (2020 p. 62) ela:
As marcas contemporâneas aprenderam caminhos de sedução para che-
gar a aplacar com suas ofertas a dimensão hedonista que todos temos, e
o momento da compra em sua ritualística própria é privilegiado. [...] As
pessoas podem ser manipuladas pela atuação persuasiva da publicidade
e das marcas, no entanto, são capazes de apropriações inimagináveis por
parte de engenheiros, designers ou publicitários. No cotidiano é que se
estabelecem de fato as relações de consumo. (PEREZ, 2020)

Nesse sentido, entendemos que o consumo de moda de imitação,


ainda que envolvido pelas lógicas algorítmicas e pelas práticas das em-
presas e dos consumidores, acontece pelo desejo de pertencer a grupos
sociais nas interações cotidianas.

Considerações
Diante da análise apresentada, concluímos que a institucionalização da
moda de imitação, que ocorre pelo consumo de mercadorias réplicas de
marcas premium, é potencializada pelo modus operandi da Shein, que
por sua vez é sustentado por processos algorítmicos, mas também vem
acompanhado da tendência e do preço baixo, na maioria das vezes im-
pulsionado pelas práticas do desconto, do influenciador, na novidade.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 289

A R T I G O
Assim, produtos imitação de uma marca traduzem em status os mesmos
ritos de institucionalidade dos produtos legítimos da mesma marca.
Essa prática é compreendida como um benefício de ajuda entre as
consumidoras que, no momento da compra, podem encontrar uma
peça mais facilmente pelos conteúdos publicados, e ao adquirirem o
produto de desejo, pagam um valor menor (tanto pela política da Shein
quanto pelos descontos).
Esse fenômeno promove a ideia de destaque pessoal no meio social,
pelo uso de mercadorias similares às das marcas premium. Tal fato se
descola dos processos de consumo de moda que antes eram pautados na
diferenciação de classes sociais (Santaella, 2023).
A imitação, por sua característica de produtos em alta, mas de baixo
custo, favorece a inserção social de indivíduos que buscam estar e ser
dentro das suas possibilidades. Ou seja, “não gastei fortunas para estar
na moda”.
O artigo mostra que é nas práticas de consumo, embricadas nas ló-
gicas algorítmicas dos aplicativos e nas interações entre consumidores,
que se constitui a institucionalização do consumo de moda de imitação:
“Use meu cupom e ganhe desconto!”

REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In.: Os
Pensadores, vol. XLXIII, São Paulo: Victor Civita, 1975.
CIETTA, E. Economia da moda. São Paulo: Estação das Cores e Letras, 2019.
COUTINHO, Diego Araújo. O consumidor e modulação algorítmica de comporta-
mento: a influência da inteligência artificial por meio de algoritmos no poder decisório
do consumidor. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021.
CUNHA, Lilian. “Viciados” em Shein e Shopee se assustam com impostos e dizem
que vão se comportar. Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/economia/
negocios/consumidores-viciados-shopee-shein-taxacao/. Acesso em: 15 fev. 2024.
CURTIS, Thais. Da Falsa produção de Consumo ao consumo dos falsos produtos. In:
PEREZ, Clotilde; TRINDADE, Eneus; FOGAÇA, José; BATISTA, Leandro. Universo
sígnico da pirataria: falso? Verdadeiro! São Paulo: Editora Inmod, 2013.
HEPP, Andreas. COULDRY, Nick. A construção mediada da realidade. São Leopoldo,
RS: Editora Unisinos, 2020.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


290 a institucionalização do consumo de moda de imitação
A R T I G O

HOFF, Tania. Notas sobre consumo e mercado no Brasil a partir das representações
de corpo na publicidade. In: BACCEGA, M. A. (org.). Comunicação e culturas do
consumo. São
Paulo: Atlas, 2008, p. 166-185.
LANDOWSKI, Eric. Interações Arriscadas. São Paulo: Estação das Letras, 2014.
OLCOTT, E.; MASSOLDI, A. Zara da China’, Shein prevê vender US$ 60 bi em três
anos, mas é desafiada por imitadores e geração Z. Hong Kong e Londres. Financial Ti-
mes. FOLHA UOL. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/02/
zara-da-china-shein-preve-vender-us-60-bi-em-tres-anos-mas-e-desafiada-por-imitadores-
-e-geracao-z.shtml. Acesso em: 05 mar. 2024.
PEREZ, Clotinde. Há limites para o consumo? São Paulo: Estação das Letras e Cores,
2020.
SANTAELLA, L. A moda é sintoma da cultura? São Paulo: Estação das Letras, 2023.
SANT´ANNA, Mara Rúbia. Teoria da Moda: sociedade, imagem e consumo. Barueri,
SP: Estação das Letras e Cores, 2007.
SHI, Z.; LIU. X.; LEE, D.; SRINIVASAN, K. How Do Fast Fashion Copycats Affect
the Popularity of Premium Brands? Evidence from Social Media. (December, 2021).
Boston University Questrom School of Business Research. Disponível em: https://ssrn.
com/abstract=4246136. Acesso em: 12 mar. 2024.
TREMARIN, A. C. Os dados estão lançados na moda: do cool hunting à datificação,
uma análise de como o comportamento social vira produto para redes fast fashion como
a Shein. Repositório UNISINOS. Disponível em: http://www.repositorio.jesuita.org.br/
handle/UNISINOS/11886. Acesso em: 12 abr. 2023.
TRIDADE, E.; PEREZ, C. O consumidor entre mediações e midiatização. Revista
Famecos. 2019. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revis-
tafamecos/article/view/32066. Acesso em: 12 mar. 2024.
TRINDADE, E.; ZIMMERMANN, D.; MEIRA, K. Rituais de consumo: espectros da
midiatização e da opinião pública sobre o ativismo digital. UTP. Interin, v. 25, n. 2, p.
222-248, 2020.
VAN DIJCK, Jose. Confiamos nos dados? As implicações da datificação para o moni-
toramento social. MATRIZES, v.11, n. 1 jan./abr. São Paulo. Brasil, 2017. p. 39-59.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/131620.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


alessandra barros marassi 291

A R T I G O
Sobre autores
Alessandra Barros Marassi - Pesquisadora de Pós-Doutorado em Ciências da
Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA-USP). Doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-
-SP. Docente na Faculdade Cásper Líbero, docente na Pós-Graduação em
Mídias Digitais do SENAC SP. Autora do livro Interações Digitais e o Con-
sumo do Livro (2017). E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.
org/0000-0003-3239-5046.

Data de submissão: 26/03/2024


Data de aceite: 13/8/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 272-291,mai./ago.. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61, P. 292-317,mai./ago 2024
A R T I G O

DOI 10.18568/CMC.V20i61.2881

A experiência construída e construtora:


enquadramento jornalístico do “dia do fogo” na
Amazônia
The constructed and constructive experience:
journalistic framing of the “day of fire” in the
Amazon
Thaís Braga
Sandra Marinho

Resumo: Objetiva-se identificar quais foram os quadros de sentido (frames)


construídos pelo discurso jornalístico sobre o “dia do fogo” na Amazônia, bem
como compreender de que maneira a experiência dos jornalistas contribuiu
para o processo de enquadramento (framing). Com base em Goffman (1974),
entende-se que os quadros de sentido são os elementos básicos que os indivíduos
conseguem identificar. A análise incidiu em 121 textos publicados pelos jornais
Folha de S.Paulo (Brasil) e Público (Portugal). Os resultados mostraram que, em
ambos os periódicos, foram construídos quadros de conflito, de responsabilidade,
de interesse humano e de consequências econômicas. Ainda que, do ponto de
vista editorial, o caso tenha sido tratado de forma “nacional” pela Folha de S.
Paulo e de forma “internacional” pelo Público, os dois (estrangeiros à sua forma)
evidenciaram as faltas do presidente Jair Bolsonaro na resolução do problema
ambiental.
Palavras-chave: Construção jornalística; Análise de enquadramento; Amazônia;
Folha de S.Paulo; Público.

Abstract: The article aims to identify which frames were constructed by the
journalistic discourse about the “day of fire” in the Amazon, as well as to under-
stand how the journalists’ experience added to the framing. Based on Goffman
thaís braga | sandra marinho 293

A R T I G O
(1974), it is understood that frames are the basic elements that individuals can
identify. The analysis focused on 121 texts published by the newspapers Folha de
S.Paulo (Brazil) and Público (Portugal). The results showed that both construct-
ed frames of conflict, responsibility, human interest, and economic consequences.
Even though, from an editorial point of view, the case was handled in a “nation-
al” way by Folha de S. Paulo and in an “international” way by Público, both
(foreign in their own way) highlighted the faults of President Jair Bolsonaro in
solving the environmental problem.
Keywords: Journlistic construction; Framing analysis; Amazon; Folha de S. Pau-
lo; Público.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


294 a experiência construída e construtora
A R T I G O

Introdução
Em agosto de 2019, imagens da Amazônia em chamas circularam na
sociedade luso-brasileira. Diferente dos incêndios florestais de Pedrógão
Grande, em Portugal (2017), ou da temporada de incêndios na Austrália
(2019-2020), o caráter intencional da queima e o aparente incentivo do
presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) ao desmatamento na Amazônia
particularizam o caso – denominado como o “dia do fogo” (MAISON-
NAVE, 2019). A partir do discurso jornalístico, pretende-se identificar e
discutir o processo de construção dos quadros de sentido (frames) acerca
do “dia do fogo”, bem como compreender de que maneira a experiência
dos jornalistas contribuiu para o enquadramento (framing).
Em diálogo com Goffman (1974), percebe-se que os quadros de sen-
tido são um tipo de moldura que reveste os diferentes objetos e práticas,
encaixando-os numa estrutura ordenada. Dessa forma, os quadros do
sentido determinam a razoabilidade dos enunciados e dos processos
comunicativos. Em decorrência do seu poder comunicativo, o discur-
so jornalístico permite examinar não apenas as práticas e as rotinas da
produção de notícias, mas também a relação entre o jornalismo e a so-
ciedade, além das forças que atuam nessa relação (CARLSON et al.,
2018). Por isso, de maneira ampliada, interessa aqui perceber a visão da
sociedade luso-brasileira sobre a Amazônia, considerando os interesses
que perpassam este entendimento.
Partimos da noção de que determinado acontecimento público (que
será objeto de atenção por parte do público) resulta de uma constru-
ção discursiva por parte dos media. O processo ocorre por via de uma
“rede operacional” (HILGARTNER; BOSK, 1988, cit. por NEVEU
et al., 1997), entendida como “o meio através do qual os ‘problemas’
conseguem aceder aos media e à consagração do estatuto social do acon-
tecimento [que está na origem do problema]”. Isto implica a existência
de “interrelações mais ou menos institucionalizadas entre os especia-
listas em determinado tipo de problema (saúde, ambiente etc.) dentro
de diferentes arenas sociais (jornalismo, governo, associações, empresas
etc.)” (NEVEU et al., 1997). Assim, mais do que discutir a produção de

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 295

A R T I G O
quadros de sentido a partir de um “acontecimento”, vamos discuti-la a
partir de um “problema público”.
Esta perspectiva articula-se, a nosso ver, com a ideia da notícia “como
uma entidade inerentemente dinâmica, moldada num ambiente social”
(PAUL; BERKOWITZ, 2019). Portanto, “a formação e vivência pessoal
de um jornalista, a organização do local de trabalho e as interações com
a sociedade em geral durante um período de tempo afetam a construção
das notícias” (PAUL; BERKOWITIZ, 2019).
Optou-se pela análise do “dia do fogo” por meio dos jornais Folha
de S.Paulo (Brasil) e Público (Portugal). Apesar dos seus diferentes
contextos sócio-históricos e político-institucionais, ambos afirmam ser
comprometidos com a democracia, o Estado de direito e os direitos hu-
manos (CARVALHO; DÁVILA, 2020). Além disso, os dois periódicos
são referência no segmento de publicações diárias em seus respectivos
países, logo a sua produção discursiva fornece pistas sobre a sociedade
luso-brasileira.
O artigo inicia-se com um posicionamento teórico-experimental
acerca do processo de enquadramento. Em seguida, explicam-se os pro-
cedimentos metodológicos e, por fim, apresentam-se e discutem-se os
resultados do trabalho. Para os estudos de media e jornalismo, a con-
tribuição efetiva da análise aqui desenvolvida consiste em explicitar as
etapas para a análise discursiva. É válida a crítica de que os métodos para
se encontrar os quadros de sentido são ilusórios, uma vez que se referem a
um conjunto de abordagens de natureza dedutiva (VLIEGENTHART;
VAN ZOONEN, 2011). No entanto, inova-se ao examinar a construção
das notícias considerando os interesses que atravessam as práticas e ro-
tinas jornalísticas, bem como a experiência dos profissionais envolvidos
no caso.
Outrossim, o enquadramento dá indícios sobre as transformações
pelas quais passam os jornais tradicionalmente produtores de edições
impressas, bem como suas estratégias de produção noticiosa – sobretudo
diante dos media digitais. Apesar do “dia do fogo” ter sido discutido em
trabalhos anteriores, por meio da análise de enquadramento é possível

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


296 a experiência construída e construtora
A R T I G O

adicionar outra camada de compreensão ao caso, dado que a Amazônia


tem importância estratégica no freio às alterações climáticas, sendo alvo
de disputa simbólica internacional.

Os quadros de sentido e o enquadramento: um percurso


teórico-experimental
Na literatura sociológica, a concepção de enquadramento faz fortes su-
posições sobre os processos cognitivos individuais, ou seja, a estruturação
de representações cognitivas e a orientação teórica do processamento de
informações (PAN; KOSICKI, 1993). Este entendimento é útil às Ciên-
cias da Comunicação, dado que ajuda a compreender de que maneira
as pessoas interpretam suas experiências de vida e dão sentido ao mundo
que as cerca (SCHEUFELE; TEWKSBURY, 2007).
É recorrente a definição de França (2002) para experiência – palavra
que, etimologicamente, vem do latim (do substantivo experientia e do
verbo experire). Segundo a autora, o sentido de experiência ressalta a
natureza da prática, da ação e da vivência, isto é, uma prática desenvol-
vida por alguém, por uma pessoa que está no mundo, que experimenta
o mundo, que o vivencia por meio dos sentidos. O processo ocorre não
apenas a partir de estruturas cognitivas, mas também por meio de um
conhecimento prévio, de referências – aquilo que Goffman (1974) cha-
mou de quadros de sentido, isto é, a elaboração de situações de acordo
com os princípios de organização que governam os acontecimentos
sociais e o envolvimento subjetivo neles; os elementos básicos que se
consegue identificar; a organização da experiência.
Na definição do sociólogo, a fim de processar eficientemente novas
informações, os indivíduos aplicam esquemas primários para classificá-
-las e interpretá-las de maneira significativa. Os esquemas primários de
determinado grupo social são os elementos centrais da cultura. Em ou-
tras palavras, são suas crenças, sua “cosmologia”. Qualquer situação que
não seja administrada com base neste estoque tradicional provocará uma

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 297

A R T I G O
agitação pública. Desta forma, a linguagem torna-se o lugar de realiza-
ção da experiência.
A partir de Entman (1993), os quadros de sentido passam a ser vis-
tos como uma ideia central que subjaz e orienta a construção de textos
e, em suma, a construção discursiva da realidade. Para o autor, o en-
quadramento envolve a seleção de alguns aspectos de uma realidade
percebida para, em seguida, tornar estes aspectos mais salientes em um
texto de comunicação. Isto significa tornar uma informação mais per-
ceptível, significativa ou memorável para o público a fim de promover
a definição de um problema específico, o diagnóstico da sua causa, sua
avaliação moral e/ou a recomendação de soluções.
Os jornalistas utilizam o seu repertório de quadros de sentido para
construir uma notícia, portanto fatores organizacionais, condições ex-
ternas e fontes jornalísticas podem influenciar a seleção de um quadro
(VAN GORP, 2010). Cada quadro reconstruído é apresentado por um
pacote de quadros (frame package), ou seja, por uma estrutura integrada
de dispositivos de enquadramento. Assim, uma cadeia lógica de dispo-
sitivos de raciocínio demonstra como o quadro representa determinado
problema.
São exemplos de dispositivos de enquadramento metáforas, situações
históricas das quais as lições são tiradas, bordões, representações e ima-
gens visuais, temas e subtemas, tipos de atores, ações e configurações,
linhas de raciocínio e conexões causais, contrastes, escolhas lexicais,
fontes de informação, quantificações e estatísticas, tabelas e gráficos, e
apelos (emocionais, lógicos e ética). Coleman (2010) acrescenta que as
mensagens visuais (fotografias, imagens em movimento, mapas, gráfi-
cos, desenhos e cores) e as mensagens verbais (textos) ocorrem juntas
nos media e o público as processa simultaneamente. Por isso, o enqua-
dramento também se refere à seleção de uma vista, cena ou ângulo ao
fazer a imagem, recortá-la, editá-la ou selecioná-la.
De Vreese (2005) afirma que a potencialidade do enquadramento
reside na compreensão de como os quadros de sentido emergem (ou são
construídos) e na definição desses quadros (a interação entre os quadros

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


298 a experiência construída e construtora
A R T I G O

mediáticos e as predisposições de audiência). Em geral, nas Ciências


da Comunicação, as análises de enquadramento (framing analysis)
adotam duas perspectivas: a dos meios de comunicação social (media
frames) e/ou a do público/da audiência (audience frames). É possível,
de acordo com Scheufele (1999), englobar duas dimensões: entre níveis
(between-level), que definem o enquadramento mediático em um nível
macroscópico e o enquadramento da audiência em um nível micros-
cópico, conjecturando potenciais relações entre eles; e dentro do nível
(within-level), conceituando o enquadramento mediático e o enquadra-
mento da audiência separadamente como variáveis independentes e
dependentes. Amiúde, são examinados um desses três processos:
▪ a construção dos quadros de sentido (frame-building), que eviden-
cia os fatores que interferem na qualidade estrutural das notícias, a
exemplo das normas e valores sociais, constrangimentos e pressões
organizacionais, pressões dos grupos de interesse, rotinas jornalísti-
cas e orientações político-ideológicas dos jornalistas;
▪ a configuração dos quadros de sentido (frame-setting), que se refere
à interação entre o enquadramento mediático (variável indepen-
dente) e conhecimento prévio e predisposições dos indivíduos
(variável dependente), admitindo que o enquadramento das no-
tícias pode afetar o aprendizado, a interpretação e a avaliação de
problemas e eventos;
▪ as consequências do enquadramento em nível individual (indivi-
dual-level consequences of framing), que podem ser observadas na
alteração da atitude de um sujeito acerca de um problema, quando
exposto a determinado enquadramento mediático.

Consoante à questão que orienta este artigo, que se encaixa na pers-


pectiva do enquadramento mediático, limitar-se-á a observar e a analisar
a construção dos quadros de sentido sobre o “dia do fogo” na Amazônia
a fim de perceber o entendimento da sociedade luso-brasileira sobre o
caso, bem como os interesses subjacentes a esta visão.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 299

A R T I G O
Procedimentos metodológicos
Estudos de caso são pesquisas em profundidade, de caráter comparativo,
em que deve ser possível captar outros elementos do contexto maior,
sem necessariamente ser representativo dele (OROZCO; GONZÁ-
LEZ, 2012). Neste trabalho, admite-se que o “dia do fogo” representa
um caso, ilustrativo da produção jornalística sobre um problema am-
biental, que é o desmatamento da maior floresta tropical do mundo,
de dimensão transnacional. Ainda que não seja possível produzir ge-
neralizações, espera-se encontrar pistas sobre as relações de poder que
atravessam a construção social do bioma.
Justifica-se a escolha dos jornais Folha de S.Paulo e Público, porque
se entende que a Amazônia representa o outro que está distante físi-
ca e temporalmente não apenas da Europa e da América Latina, mas
também dos centros político-econômicos do Brasil. Em Paes Loureiro
(1995), percebe-se que a dificuldade de acesso à Amazônia, imposta pe-
los rios e pela floresta, consolidou suas duas principais características
sociais, que são o isolamento e a identidade (dada a predominância de
povos indígenas e caboclos). Por isso, admite-se que os dois periódicos
caracterizam um olhar estrangeiro.
Por meio de um processo de amostragem não probabilística por ca-
sos típicos1, selecionaram-se os textos jornalísticos sobre o “dia do fogo”
publicados nos sites dos jornais Folha de S.Paulo e Público entre agosto
de 2019 e outubro de 2020, o que permitiu a constituição de um cor-
pus com 60 textos do jornal brasileiro e 61 textos do jornal português.
Aplicou-se uma grade de análise, que permitiu identificar os jornalistas
que produziram textos sobre o caso em estudo. A partir de então, consti-
tuiu-se uma amostra de entrevistados2: o jornalista Phillippe Watanabe
e o secretário de redação Vinícius Mota, da Folha de S.Paulo; o jorna-

1 Importante não confundir que o “dia do fogo” caracteriza-se como estudo de caso, pois repre-
senta uma realidade, e que os jornais Folha de S.Paulo e Público são casos típicos da produção
jornalística, visto que permitem analisar este caso.
2 O conteúdo dessas entrevistas não foi objeto de análise de conteúdo. As informações prestadas
pelos jornalistas foram úteis, porque ajudaram a elucidar o processo de construção do discurso
jornalístico e, consequentemente, dos enquadramentos. Por isso é que primeiro se analisaram
as notícias e, depois, se fizeram as entrevistas.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


300 a experiência construída e construtora
A R T I G O

lista Ricardo Cabral Fernandes e o professor universitário e jornalista


Joaquim Fidalgo, que prestaram informações sobre o Público. Com os
quatro entrevistados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas em
profundidade por Skype (em decorrência das limitações impostas pela
pandemia de covid-19). Como técnica de recolha de dados, esse tipo de
entrevista permite compreender a realidade social por meio dos discur-
sos, considerando um tempo e um contexto sócio-histórico específicos
(FRASER; GONDIM, 2004).
Para operacionalizar a análise de enquadramento, seguiram-se as
indicações de Linström e Marais (2012), que começam pela seleção
dedutiva da tipologia dos quadros seguida de descrições precisas que es-
pecificam os fenômenos de interesse. Os resultados foram reunidos após
duas leituras dos textos jornalísticos (a primeira leitura para descrever
suas características discursivas, conforme a grade de análise; a segunda,
para identificar os quadros de sentido).

Os enquadramentos sobre o “dia do fogo” na Amazônia:


resultados
Neste estudo de caso, apoiado em Valkenburg et al. (1999), reconhe-
ceram-se quatro tipos de quadros de sentido nos textos jornalísticos sobre
o “dia do fogo” na Amazônia:
▪ quadros de conflito, que enfatizaram as disputas de poder e de sen-
tido entre pessoas ou instituições envolvidas no “dia do fogo”;
▪ quadros de interesse humano, que apresentaram um ângulo emo-
cional ou humanizado acerca dos incêndios florestais na Amazônia,
de forma a personalizar ou dramatizar as notícias;
▪ quadros de responsabilidade, que evidenciaram a culpa ou a negli-
gência de pessoas ou instituições em relação ao “dia do fogo”;
▪ quadros de consequências econômicas, que discutiram os prejuízos
que o Brasil e o mundo poderiam sofrer caso a floresta amazônica
seguisse em ritmo de destruição.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 301

A R T I G O
Na Folha de S.Paulo, os quadros de conflito apresentaram diferentes
pontos de vista sobre o “dia do fogo”. Segundo os responsáveis pelos in-
cêndios florestais (“madeireiros, fazendeiros e empresários”), a iniciativa
de incendiar parte da floresta amazônica num único dia era uma for-
ma de mostrar ao presidente Jair Bolsonaro que “queriam trabalhar”. O
confronto discursivo estabeleceu-se quando esta perspectiva foi questio-
nada por cientistas. Os quadros de conflito tornaram-se mais complexos
quando incorporaram as acusações do presidente Jair Bolsonaro e de
seus apoiadores: de que organizações não governamentais (ONG), po-
vos indígenas e pequenos produtores eram os verdadeiros responsáveis
pelo fogo na floresta; de que os incêndios eram naturais, em decorrência
do “clima seco”3 da Amazônia; de que o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) havia divulgado dados falsos sobre o desmatamento na
Amazônia com o objetivo de prejudicar a imagem do governo; e de que
os estrangeiros tinham “interesses escusos” na Amazônia – esta última
acusação resultou das críticas feitas sobretudo pelo presidente francês
Emmanuel Macron e pelo ator estadunidense Leonardo DiCaprio.
Os quadros de responsabilidade evidenciaram o aumento no núme-
ro de focos de incêndio na Amazônia, bem como mostraram que os
órgãos de fiscalização ambiental – os institutos Brasileiro do Meio Am-
biente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – foram fragilizados desde o
início do governo Bolsonaro. Isso impossibilitou a coibição dos supostos
crimes ambientais e a responsabilização dos envolvidos. Outrossim, a
invocação à Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prevista na Constitui-
ção Brasileira, e a moratória do fogo, como ficou conhecido o decreto
presidencial n° 9.992/2019, que proibiu o uso do fogo na Amazônia Le-
gal durante 60 dias, foram as respostas do presidente Jair Bolsonaro ao
“dia do fogo”. No entanto, as ações foram tomadas tardiamente, apenas

3 É importante destacar o equívoco da acusação do presidente Jair Bolsonaro, pois o clima na


Amazônia é quente e úmido, logo, favorável ao crescimento da densa vegetação e à diversidade
de espécies (BECKER, 1996). Há diferentes tipos de fogo na Amazônia, porém os incêndios
em terras previamente desmatadas fornecem muitas das fontes de ignição para a queima
florestal. As alterações climáticas tornam as florestas mais quentes e secas, o que aumenta a
probabilidade de sustentar incêndios descontrolados (BARLOW et al., 2020).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


302 a experiência construída e construtora
A R T I G O

no final do mês de agosto. Alinhado à postura presidencial, o então mi-


nistro da justiça e segurança pública do Brasil, Sérgio Moro, determinou
a investigação do caso pelas instituições brasileiras.
Já os quadros de interesse humano evidenciaram que artistas brasi-
leiros e internacionais chamaram a atenção para os incêndios florestais
na Amazônia por meio dos media sociais Twitter (atualmente, X) e
Instagram (ainda que, em alguns casos, as imagens publicadas não se
referissem verdadeiramente ao “dia do fogo”). As métricas do Google e
do Twitter corroboraram o interesse de usuários do Brasil e do mundo no
caso. Ainda neste enquadramento, destacaram-se como os incêndios na
Amazônia afetaram os rituais da aldeia Japuíra do povo myky, na Terra
Indígena Menku, em Brasnorte, no estado do Mato Grosso; bem como
a vida do jornalista Adécio Piran, que precisou deixar a cidade de Novo
Progresso, no Pará. Piran havia antecipado as intenções dos agropecua-
ristas envolvidos no “dia do fogo” por meio do jornal Folha do Progresso.
Em decorrência disso, sofreu ameaças.
Por fim, os quadros de consequências econômicas destacaram que
os incêndios florestais prejudicaram o setor de hotéis de selva na Ama-
zônia. Também, que a suspensão dos repasses para o Fundo Amazônia,
pela Alemanha e pela Noruega, dificultava a continuidade das políticas
de conservação ambiental. Percebeu-se a cobrança dos investidores es-
trangeiros para que o governo federal combatesse os crimes ambientais
e, em especial, o desmatamento na Amazônia. Identificou-se ainda o
ponto de vista do governo Bolsonaro, defendido pelo então ministro-
-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de que era preciso “desenvolver”
as terras indígenas e, assim, garantir “melhores condições de vida” àquela
população. Para tal, era necessário regulamentar a atividade mineradora
em terras indígenas no estado do Amazonas.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 303

A R T I G O
Figura 1 – Enquadramentos sobre o “dia do fogo” produzidos pela Folha de
S.Paulo.

Consequências
Conflito Responsabilidade Interesse humano
econômicas

"Dia do fogo" como Comoção de artistas


Ibama e ICMBio Prejuízo para os hotéis
resposta dos brasileiros e
fragilizados por de selva
fazendeiros a estrangeiros
Bolsonaro
Bolsonaro
Repercussão nos media
Fundo Amazônia
sociais (Twitter,
suspenso
Bolsonaro nega o Instagram e Google)
GLO e moratória do
aumento do
fogo são as ações do
desmatamento na
governo
Amazônia Cobrança dos
Aldeia indígena afetada
investidores
pelo fogo
estrangeiros

Ataque de Bolsonaro
Investigações a pedido
ao Inpe, ONG, Macron Ameaça à vida do Mineração em terras
de Sérgio Moro
e DiCaprio jornalista Adécio Piran indígenas

Fonte: Elaboração própria.

No Público, os quadros de conflito enfatizaram a ideia de que os


incêndios se propagavam pela floresta amazônica sem controle algum
pelo governo brasileiro. O confronto discursivo estabeleceu-se pela di-
vergência entre os presidentes francês e brasileiro, Macron e Bolsonaro.
O primeiro articulava-se, por meio do G7, para combater os fogos na
Amazônia, ao passo que o segundo não só recusou a ajuda, como ofen-
deu o homólogo. Em grande parte, a troca de acusações entre os dois
líderes ocorreu pelo Twitter. No cenário nacional, ressaltou-se o embate
entre o presidente brasileiro e os governadores da Amazônia Legal, pois
os segundos estavam receptivos à ajuda financeira internacional.
As acusações de Bolsonaro, endossadas pelo então vice-presidente
Hamilton Mourão, de que as ONGs e os produtores rurais da Amazônia
eram os responsáveis pelos incêndios; o discurso agressivo do presidente
brasileiro nas 74ª e 75ª sessões da Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU); os relatórios científicos que atestavam a gravida-
de do aumento das emissões de gás carbônico para o planeta; os projetos
científicos brasileiros parados por falta de financiamento; e a campanha

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


304 a experiência construída e construtora
A R T I G O

em vídeo da associação Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que


questionou diretamente o governo Bolsonaro e a postura de líderes e
consumidores europeus diante dos incêndios na Amazônia, consolida-
ram os quadros de conflito, no Público.
Os quadros de responsabilidade evidenciaram o que era possível ser
feito, no âmbito da cidadania, para atenuar os incêndios florestais na
Amazônia: assinar petições on-line, contribuir financeiramente com
ONG, participar de protestos, reduzir o consumo de papel e madeira,
bem como de óleo de soja de origem não certificada e de carne bovina.
Destacou-se a ação dos militares brasileiros para combater o fogo na
Amazônia, além do protesto do Greenpeace, que interveio em frente à
sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas. A iniciativa exigia que as
lideranças europeias fossem mais incisivas com o presidente Jair Bolso-
naro para que ele não só controlasse o fogo na Amazônia, como também
desenvolvesse suas políticas com respeito ao ambiente. A articulação do
presidente Macron durante a reunião do G7, em Biarritz, reforçou o
quadro de responsabilidade, já que os incêndios se espalharam por vá-
rios países da Pan-Amazônia, ameaçando também a Guiana Francesa
(território ultramarino francês).
Os quadros de interesse humano foram percebidos nas ilustrações
produzidas pelos leitores do Público (Figura 2), que revelaram visões
particulares sobre o “dia do fogo” na Amazônia, bem como no pronun-
ciamento oficial do presidente português Marcelo Rebelo de Sousa;
na manifestação dos artistas portugueses e internacionais pelo Twitter
e pelo Instagram (em alguns casos, com imagens que não eram relacio-
nadas ao “dia do fogo” na Amazônia); e nos protestos ocorridos no Porto
e em Lisboa.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 305

A R T I G O
Figura 2 – Ilustrações enviadas pelos leitores ao Público acerca do “dia do fogo”.

Fonte: Público.

Por fim, os quadros de consequências econômicas alertaram para a


possível não conclusão do acordo comercial entre a União Europeia
(UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Os representantes da
Finlândia, Irlanda e França aproveitaram a situação para cobrar garan-
tias claras de que o governo brasileiro tinha condições de controlar o
fogo na Amazônia, bem como de mostrar respeito pela independência
das agências científico-ambientais e pelos povos indígenas. Entretanto,
parte dessa motivação visava proteger os produtores internos. Desta-
cou-se ainda a possibilidade de empresas transnacionais boicotarem a
compra do couro brasileiro, em decorrência da associação com o des-
matamento na Amazônia.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


306 a experiência construída e construtora
A R T I G O

Figura 3 – Enquadramentos sobre o “dia do fogo” produzidos pelo Público.

Consequências
Conflito Responsabilidade Interesse humano
econômicas

Fogos sem controle na


Atuação cidadã Ilustrações dos leitores
Amazônia
Acordo comercial entre
UE e Mercosul sem
conclusão
Divergências entre
Bolsonaro e Macron, e Militares brasileiros na Pronunciamento de
entre Bolsonaro e os Amazônia Marcelo Rebelo de Sousa
governadores brasileiros

Discurso agressivo de
Manifestação de artistas
Bolsonaro na ONU e Cobrança da Greenpeace à
pelos media sociais
acusações contra os Europa
(Twitter e Instagram)
pequenos produtores
Ameaça de boicote ao
couro brasileiro
Alerta à Europa sobre o
Articulação de Macron, Protestos no Porto e em
desmatamento na
por meio do G7 Lisboa
Amazônia

Fonte: Elaboração própria.

Não obstante os quatro tipos de quadros de sentido terem sido identi-


ficados em ambos os jornais, percebeu-se que predominaram os quadros
de conflito, na Folha de S. Paulo, e os quadros de responsabilidade, no
Público. Na seção seguinte, discutir-se-á o que essas construções dis-
cursivas revelam acerca do “dia do fogo” e das disputas de poder na
Amazônia.

Discussão dos resultados


Nos dois periódicos selecionados, foram identificados os quadros de
sentido, conforme a tipologia proposta por Valkenburg et al. (1999):
quadros de conflito, de responsabilidade, interesse humano e conse-
quências econômicas. Contudo, ao comparar a Figura 1 e a Figura 3,
percebeu-se que, no jornal brasileiro, foram mais elaborados os quadros
de conflito; já no jornal português foram privilegiados os quadros de
responsabilidade. Em diálogo com o posicionamento teórico que as-
sumimos, consideramos que essa diferença pode ser compreendida a
partir da ambiência sócio-histórica e cultural em que cada jornal se

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 307

A R T I G O
insere (DE VREESE, 2005; ENTMAN, 1993; SCHEUFELE, 1999;
VAN GORP, 2010), bem como da experiência dos jornalistas (FRAN-
ÇA, 2002; GOFFMAN, 1974) envolvidos na cobertura do “dia do fogo”.
Igualmente, assumimos que ambos os periódicos traduzem um olhar
“estrangeiro” (PAES LOUREIRO, 1995) sobre o problema em análise
– ou seja, estão geográfica e emocionalmente distantes, ao contrário do
que se poderia esperar da Folha de S. Paulo que, à partida, cumpriria o
valor-notícia da proximidade.
Como se verá adiante, a diferença entre os quadros de sentido pode
ser elucidada a partir de um critério, segundo o qual, para o jornal
brasileiro, o “dia do fogo” efetivamente evidenciou (do ponto de vista
editorial) um assunto “nacional”, enquanto para o jornal português o
assunto foi “internacional”. Compreendeu-se que tenha sido preponde-
rante o quadro de conflito para a Folha de S. Paulo, no sentido em que
esse acontecimento/problema acionou, reforçou e prolongou a tensão
sociopolítica mais vasta que atravessava o país. Isso não significa que a
dimensão política estivesse ausente do quadro de responsabilidade traça-
do pelo Público, no entanto surgiu associada a um contexto geopolítico
internacional, em que a Amazônia é tratada como um tópico universal,
que diz respeito a todos e que é responsabilidade de todos. Em outras
palavras, um território simbolicamente apropriado de forma universal.
Tomando por referência um indicador meramente quantitativo – o
número de textos publicados por jornal – a discussão complexifica-se,
já que temos sensivelmente o mesmo número (uma a mais no Público
– 61). Poderá significar, como argumentamos adiante, que a relevân-
cia dada aos assuntos da Amazônia pelo jornal brasileiro não é superior
ou qualitativamente diferente da que é dada pelo jornal português – o
mesmo olhar “estrangeiro”. Por outro lado, pode se argumentar que os
números se aproximam porque os assuntos relativos à Amazônia sus-
citam interesse internacional e, no caso específico do Brasil, há um
interesse particular por parte de Portugal (essa argumentação poderá ser
desafiada, naturalmente, trazendo para a comparação outros periódicos
de ambos os países e de outras zonas geográficas).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


308 a experiência construída e construtora
A R T I G O

Nesta matéria recorremos a Wu (2000) e Sakurai (2017), que identi-


ficam como determinantes (externos) sistêmicos do fluxo internacional
de cobertura jornalística o poder econômico e político: quanto maior o
poder político e econômico percebido de um determinado país, maior a
probabilidade de ser representado na produção noticiosa de outro. Ates-
tar essa possibilidade no caso em estudo implicaria avaliar a interação
econômica entre Portugal e Brasil e determinar quão relevante é para os
portugueses essa relação. Entretanto, a economia como determinante
não se limita à balança comercial: há que considerar o custo de pro-
duzir notícias internacionais (WU, 2000) ou geograficamente distantes
(mesmo que se trate do mesmo país). Percebe-se, assim, que as agências
noticiosas (a dimensão da sua presença em cada país) surgem, há mais
20 anos, como o segundo maior preditor, ao tornarem disponíveis deter-
minados temas e determinadas fontes de informação (WU, 2000).
A premissa – a que já aludimos – de que a sociedade luso-brasileira
vê a Amazônia como estrangeira, pareceu se confirmar, dadas as práti-
cas e rotinas dos periódicos. Na Folha de S.Paulo, Phillippe Watanabe
foi quem mais produziu textos sobre o caso, porém o jornalista jamais
esteve nos locais afetados pelos incêndios florestais. O jornal brasileiro
possui um correspondente no estado de Manaus, o jornalista Fabiano
Maisonnave – que foi o autor do primeiro texto a ser publicado sobre
o caso. De maneira geral, as informações coletadas por Maisonnave fo-
ram compartilhadas com a sede da redação, em São Paulo, e cruzadas
com dados obtidos por meio de outras fontes, a exemplo das instituições
científicas e do Inpe. Os quadros de conflito foram construídos a partir
de um entendimento mais amplo do cenário nacional e internacional.
Em decorrência das limitações das suas atividades (o jornalista trabalha
com a apuração das informações brutas em campo, ou seja, percorre a
Amazônia em busca de dados que a redação, em São Paulo, não conse-
gue obter), compreende-se que Maisonnave não tenha sido o principal
jornalista do caso, não obstante sua contribuição tenha sido definidora
no enquadramento da Folha de S.Paulo.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 309

A R T I G O
As rotinas de produção jornalística do periódico brasileiro conso-
lidaram sobretudo os quadros de conflito sobre o “dia do fogo”, visto
que, em decorrência da ênfase a certas expressões (“as queimadas de
agosto”, “crise internacional” e “noite na cidade de São Paulo”) e do
uso recorrente de imagens de satélite (que indicaram os pontos de ca-
lor na Amazônia) e de gráficos (que registraram anualmente o total de
incêndios florestais), foi possível perceber que o desmatamento na Ama-
zônia estava a ser impulsionado por fatores antrópicos – diferente do que
afirmava o presidente Bolsonaro. No entanto, a mesma dinâmica cor-
roborou o olhar estrangeiro, pois Watanabe, que lida com o jornalismo
científico-ambiental desde o começo da sua vida profissional, jamais es-
teve na Amazônia. Na verdade, a experiência do jornalista é com dados
científicos sobre questões ambientais, o que é um background essencial:
interpretar dados é muito relevante, principalmente quando se trata de
jornalismo científico. Porém, o contato com o mundo físico (marca
identitária da reportagem jornalística) é o que dá vida aos números e
aos relatórios científicos. Segundo o próprio Watanabe, o jornalista não
julga necessário sair de São Paulo para compreender a importância e a
complexidade dos problemas ambientais, além de haver mais segurança
e infraestrutura na sede da redação.
Ao que tudo indica, a floresta amazônica ainda é vista como um
território a ser desbravado – isolado e com identidade própria (PAES
LOUREIRO, 1995). Segundo o secretário de redação Vinícius Mota
(que admite que a audiência da Folha de S.Paulo não está na Amazônia),
são elevados os custos para se fazer jornalismo nessa parte do Brasil.
Para reduzir as despesas, o jornal tenta manter correspondentes pelo
país. No caso do “dia do fogo”, o trabalho dos correspondentes refletiu-
-se particularmente nos quadros de interesse humano, pois se enfatizou
as consequências do suposto crime ambiental para os povos indígenas
e para o jornalista Adécio Piran. Ainda consoante a lógica “custo-bene-
fício”, o periódico brasileiro procura estabelecer parcerias, em especial
para a aquisição de imagens. No caso em estudo, a maior parte das fo-
tografias foi fornecida pela agência de notícias Reuters. A Figura 4, por

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


310 a experiência construída e construtora
A R T I G O

exemplo, foi utilizada repetidamente nos textos. Entre os sentidos pos-


síveis, o contraste entre o claro e o escuro reforça o quadro de conflito,
ou seja, a oposição entre os alegados criminosos (apoiados pelo presi-
dente Jair Bolsonaro) e os defensores da floresta amazônica – pois o fogo
invade um local que não lhe é natural e não cessa até queimar tudo,
adentrando a noite.

Figura 4 – A Agência Reuters forneceu a maior parte das fotografias sobre o “dia
do fogo”.

Fonte: Folha de S.Paulo.

No Público, apesar de o periódico dispor de jornalistas especializados


em questões ambientais, o caso foi repercutido pela editoria internacio-
nal, na altura denominada “Mundo”, sem acioná-los. A maior parte dos
textos sobre o “dia do fogo” foi assinada de maneira genérica (“PÚBLI-
CO”) e/ou pela agência de notícias Lusa, já que o Público não enviou
um jornalista ao local do acontecimento. De acordo com o jornalista Ri-
cardo Cabral Fernandes, que trabalhou temporariamente no periódico
entre junho de 2019 e agosto de 2020, isso ocorreu porque havia muitos

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 311

A R T I G O
jornalistas de férias no período dos incêndios florestais. Na avaliação de
Cabral Fernandes, em decorrência da falta de acontecimentos particu-
lares em Portugal e das férias de verão, foi possível repercutir o caso a
distância, sem a necessidade de reorganizar a equipe ou de realocar os
jornalistas especializados em ambiente – o que fortaleceu a construção
dos quadros de responsabilidade e de interesse humano. Deve-se regis-
trar que, no mesmo período, houve incêndios florestais em Portugal,
contudo a dimensão e o alegado viés criminoso do “dia do fogo” pode
ter sido a razão para que o caso brasileiro tenha sido mais explorado pelo
Público. Em outras palavras, tratou-se de um processo de construção
noticiosa marcado pela dependência de informação de agências (WU,
2000) e, do ponto de vista organizacional, por decisões de alocação de
recursos, no contexto em que são escassos (KIM, 2003).
Apesar de o noticiário internacional ser caro ao Público, o investi-
gador e jornalista Joaquim Fidalgo (que participou de forma ativa da
fundação do periódico) corrobora que, tradicionalmente, não há uma
orientação editorial no sentido de dar atenção particular ao que se passa
na ex-colônia portuguesa, tampouco à periferia do Brasil, onde se lo-
caliza a floresta amazônica. Ao jornal interessa mais o que se passa nos
demais centros europeus e nos Estados Unidos da América. A crescente
imigração brasileira4 em Portugal certamente leva o periódico a noticiar
mais o Brasil na contemporaneidade, mas ainda sem o necessário enten-
dimento sócio-histórico.
Essa avaliação parece ir ao encontro da perspectiva de Sakurai
(2017), que reconhece a relevância dos aspectos culturais no fluxo de
notícias internacionais – nomeadamente a partilha de uma “língua”
e os “laços coloniais” –, porém argumenta que essas dimensões aca-
bam por diluídas pelos determinantes mais preponderantes: o interesse
econômico, o fator político e o interesse das agências noticiosas. Isso
poderá explicar a percepção de que ao Público interessa mais o contexto

4 Dados de 2022 do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras apontam que, dos 781.915 imigran-
tes regulares em Portugal, os brasileiros representam a maior comunidade: 239.774 pessoas
(30,7% do total de estrangeiros). Ver: https://www.sef.pt/pt/Documents/RIFA2022%20vF2a.
pdf.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


312 a experiência construída e construtora
A R T I G O

europeu. Adicionalmente, “o domínio das ‘Big Four’ agências de notí-


cias [AP, UPI, AFP e Reuters] permite que os Estados Unidos, a França
e a Grã-Bretanha estabeleçam as suas esferas hegemônicas de influência
internacional” (SAKURAI, 2017).
Percebeu-se o pouco aprofundamento do caso no Público pelas re-
petições genéricas, como “a Amazónia é a maior floresta tropical do
mundo e possui a maior biodiversidade registada numa área do planeta”
(LUSA; PÚBLICO, 2019), bem como pelos equívocos, a exemplo da
metáfora da Amazônia como “pulmão do mundo”. Conforme Oliveira
(1991), a origem dessa visão errônea remonta a uma entrevista concedi-
da pelo biólogo alemão Harald Sioli, em 1971, na qual o repórter trocou
o símbolo do gás carbônico (CO2) pelo do oxigênio (O2). O que deveria
ser absorção do primeiro foi entendido como a absorção do segundo. As-
sim, a Amazônia passou a ser o “pulmão do mundo”, porém o potencial
da floresta é de fixar gás carbônico, logo a associação correta deveria ser
“filtro do mundo”. O olhar de um jornalista especializado certamen-
te ajudaria a evitar a propagação de entendimentos menos precisos, do
ponto de vista científico.
Cada um a seu modo, Folha de S.Paulo e Público reconheceram a
importância da Amazônia no freio às alterações climáticas, porém os
esforços para se compreender o bioma para além das suas caracterís-
ticas naturais esbarraram nos custos econômicos. É importante que
sejam evidenciadas as forças desiguais que atuam na construção social
dos problemas ambientais. A voz deste outro que está distante física e
temporalmente dos grandes centros político-econômicos do Brasil e da
Europa tem menos visibilidade no diálogo social, ou seja, não é o centro
do assunto. Neste estudo de caso, percebeu-se que o lado social da Ama-
zônia (isto é, as pessoas que lá vivem e que provavelmente são as mais
vulneráveis aos crimes ambientais) foi apresentado pela via do “interesse
humano”, isto é, pelos lugares mais periféricos, do ponto de vista do
enquadramento.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 313

A R T I G O
Conclusões
O artigo objetivou identificar quais foram os quadros de sentido sobre
o “dia do fogo” construídos por dois periódicos de diferentes geogra-
fias – Público e Folha de S. Paulo – e compreender de que maneira a
experiência dos jornalistas contribuiu para o processo de enquadramen-
to. Isso para perceber, de maneira mais ampla, o olhar luso-brasileiro
(com as devidas limitações e sem generalizações) sobre a Amazônia. Em
ambos os jornais, reconheceram-se quadros de conflito, de responsabili-
dade, de interesse humano e de consequências econômicas. As práticas
e as rotinas de trabalho, bem como o envolvimento dos jornalistas no
caso, contribuíram para a consolidação de dois olhares estrangeiros so-
bre a Amazônia – ainda que, do ponto de vista editorial, o caso tenha
sido tratado de forma “nacional” pela Folha de S. Paulo e de forma “in-
ternacional” pelo Público.
Para o jornal brasileiro, os correspondentes e os parceiros (por exem-
plo, as agências de notícias) foram estratégicos para diminuir as despesas
da produção jornalística nessa parte do Brasil, da mesma forma que a ex-
periência do principal jornalista envolvido no “dia do fogo” (Watanabe)
contribuiu para que se revelasse a tensão político-econômica e interna-
cional – não apenas ambiental – desencadeada pelo governo Bolsonaro.
Já para o jornal português, as agências de notícias foram igualmente
essenciais (sobretudo a Lusa), considerando a escassez de recursos para
deslocar correspondentes para a Amazônia. Porém, seria necessária algu-
ma organização editorial para entender as nuances político-econômicas
e sociais em torno da floresta amazônica – o que poderia evitar a repeti-
ção de equívocos tradicionais, como a metáfora do “pulmão do mundo”.
De maneira concreta, este trabalho contribui para os estudos de
media e jornalismo em três aspectos. O primeiro refere-se ao campo pro-
fissional, pois se percebeu que a produção de notícias, principalmente
aquelas que envolvem locais de difícil acesso, como a Amazônia, está di-
retamente relacionada aos determinantes organizacionais (internos aos
periódicos). Contudo, há um diferencial que recai sobre a experiência
dos jornalistas – tanto que o Público foi capaz de chamar a atenção para

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


314 a experiência construída e construtora
A R T I G O

o “dia do fogo” apesar de aparentemente estar mais limitado (em termos


de recursos) do que a Folha de S.Paulo. Isso mostra que os problemas
públicos tendem a ser melhor investigados e comunicados quanto mais
bem treinados forem os profissionais – o que implica não apenas melhor
qualificação (inicial, mas também em serviço), como melhor remune-
ração bruta e recursos financeiros adequados (o que se traduz em tempo
para investigar, fundos para deslocações ao terreno etc.). A questão foge
ao escopo deste trabalho, todavia sinaliza para investigações futuras.
O segundo aspecto reside na esfera teórico-metodológica, visto que
se demonstrou a aplicabilidade da análise de enquadramento, como téc-
nica discursiva, na compreensão de fenômenos empíricos complexos.
É possível utilizá-la isoladamente, como neste estudo, ou em conjunto
com outras técnicas qualitativas, a exemplo da análise narrativa. Deste
segundo aspecto decorre a terceira contribuição do trabalho, que é a
social. Ao se identificar os quadros de sentido sobre o “dia do fogo”, bem
como ao se compreender o processo de enquadramento pelos jornais
Folha de S. Paulo e Público, evidenciaram-se os graves problemas na
gestão da Amazônia – tanto do ponto de vista interno, quanto do ponto
de vista enquanto território universalmente apropriado.
Para a sociedade luso-brasileira, as questões do bioma não se restrin-
gem ao Brasil, até porque as emissões de gás carbônico (decorrentes
do desmatamento) afetam todo o planeta. Por isso, existe a expectati-
va – nomeadamente por parte da comunidade internacional – de que
o líder máximo do país que abriga boa parte da maior floresta tropi-
cal do mundo adote posicionamentos e políticas condizentes com essa
responsabilidade, não apenas no controle de uma crise ambiental, mas
sobretudo no verdadeiro comprometimento com o desenvolvimento
sustentável. Ao evidenciar a maneira como o desempenho do presiden-
te Jair Bolsonaro (no caso do “dia do fogo”) não só não foi ao encontro
dessa expectativa, como se posicionou num quadro de conflito, este
trabalho reforça o papel do jornalismo como pilar da democracia (só
cidadãos informados terão capacidade de fazer escolhas informadas e

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 315

A R T I G O
em liberdade), enquanto watchdog, e garante da prestação de contas por
parte do poder político.

Referências
BARLOW, Jos; BERENGUER, Erika; CARMENTA, Rachel; FRANÇA, Filipe. Clari-
fying Amazonia’s burning crisis. Global Change Biology, [S. l.], v. 26, n. 2, p. 319-321,
2020. DOI: 10.1111/gcb.14872.
BECKER, Bertha K. Amazônia. 4. ed. São Paulo: Ática, 1996.
CARLSON, Matt; ROBINSON, Sue; LEWIS, Seth C.; BERKOWITZ, Daniel A.
Journalism studies and its core commitments: The making of a communication field.
Journal of Communication, [S. l.], v. 68, n. 1, p. 6-25, 2018. DOI: 10.1093/joc/jqx006.
CARVALHO, Manuel; DÁVILA, Sérgio. Carta aos leitores do PÚBLICO e da Folha
de S. Paulo. Público, [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.publico.pt/2020/07/09/
opiniao/editorial/carta-leitores-publico-folha-spaulo-1923602.
COLEMAN, Renita. Framing the pictures in our heads: exploring the framing and
agenda-setting effects of visual images. In: D’ANGELO, Paul; KUYPERS, Jim A. (org.).
Doing News Framing Analysis: Empirical and Theoretical Perspectives. New York:
Routledge, 2010.
DE VREESE, Claes H. News framing: theory and typology. Information Design Jour-
nal, [S. l.], v. 13, n. 1, p. 51-62, 2005. DOI: http://dx.doi.org/10.1075/idjdd.13.1.06vre.
ENTMAN, Robert M. Framing: Toward Clarification of a Fractured Paradigm. Journal
of Communication, [S. l.], v. 43, n. 4, p. 51-58, 1993. DOI: 10.1111/j.1460-2466.1993.
tb01304.x.
FRANÇA, Vera Regina Veiga. Discurso de identidade, discurso de alteridade: a fala do
outro. In: FRANÇA, Vera Regina Veiga (org.). Imagens do Brasil: modos de ver, modos
de conviver. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p. 27-43.
FRASER, Márcia Tourinho Dantas; GONDIM, Sônia Maria Guedes. Da fala do outro
ao texto negociado: discussões sobre a entrevista na pesquisa qualitativa. Paidéia (Ribeirão
Preto), [S. l.], v. 14, n. 28, p. 139-152, 2004. DOI: 10.1590/s0103-863x2004000200004.
GOFFMAN, Erving. Frame analysis: an essay on the organization of experience. Hano-
ver; London: University Press of New England, 1974.
KIM, Kyungmo. Organizational Determinants of International News Coverage in Ko-
rean Newspapers. Gazette (Leiden, Netherlands), [S. l.], v. 65, n. 1, p. 65-85, 2003.
DOI: 10.1177/0016549203065001139.
LINSTRÖM, Margaret; MARAIS, Willemien. Qualitative news frame analysis: a me-
thodology. Communitas, [S. l.], v. 17, p. 21-37, 2012.
LUSA; PÚBLICO. A Amazónia está a arder ‒ e já se vê do espaço. Público, [S.
l.], 2019. Disponível em: https://www.publico.pt/2019/08/21/mundo/noticia/
amazonia-bioma-afetado-incendios-brasil-1883965.
MAISONNAVE, Fabiano. Em “dia do fogo”, sul do PA registra disparo no número de
queimadas. Folha de S.Paulo, Manaus, 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


316 a experiência construída e construtora
A R T I G O

com.br/ambiente/2019/08/em-dia-do-fogo-sul-do-pa-registra-disparo-no-numero-de-
-queimadas.shtml.
NEVEU, Erik; QUÉRÉ, Louis; LIBBRECHT, Liz. The age of events. The spume of
history or an information master-frame? Réseaux. The French journal of communica-
tion, [S. l.], v. 5, n. 1, p. 9-25, 1997. DOI: 10.3406/reso.1997.3320.
OLIVEIRA, Ney Coe De. Amazônia, pulmão do mundo? Revista Conjuntura Econô-
mica, [S. l.], v. 45, n. 2, p. 14, 1991. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/
index.php/rce/article/view/55274/0.
OROZCO, Guillermo; GONZÁLEZ, Rodrigo. Una coartada metodológica: abordajes
cualitativos en la investigación en comunicación, medios y audiencias. México: Tinta-
ble, 2012.
PAES LOUREIRO, João de Jesus. Cultura Amazônica: uma poética do imaginário.
Belém: Cejup, 1995.
PAN, Zhongdang; KOSICKI, Gerald M. Framing analysis: an approach to news dis-
course. Political Communication, [S. l.], v. 10, p. 55-75, 1993. DOI: http://dx.doi.org/1
0.1080/10584609.1993.9962963.
PAUL, Subin; BERKOWITZ, Dan. Social Construction of News. In: VOS, Tim P.;
HANUSCH, Folker (org.). The International Encyclopedia of Journalism Studies. [S.
l.]: John Wiley & Sons, Inc., 2019. p. 1-6. DOI: 10.1002/9781118841570.iejs0030.
SAKURAI, Takuya. Cultural Factors in the Flow of International News: A Review of
the Literature. SHS Web of Conferences, [S. l.], v. 33, p. 00008, 2017. DOI: 10.1051/
shsconf/20173300008.
SCHEUFELE, Dietram A. Framing as a theory of media effects. Journal of Communi-
cation, [S. l.], v. 49, n. 1, p. 103-122, 1999. DOI: 10.1111/j.1460-2466.1999.tb02784.x.
SCHEUFELE, Dietram A.; TEWKSBURY, David. Framing, agenda-setting and pri-
ming: the evolution of three media effects models. Journal of communication, [S. l.], v.
57, n. 1, p. 9-20, 2007. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1460-2466.2006.00326_5.x.
VALKENBURG, Patti M.; SEMETKO, Holli A.; DE VREESE, Claes H. The effects of
news frames on readers’ thoughts and recall. Communication Research, [S. l.], v. 26, n.
5, p. 550-569, 1999. DOI: https://doi.org/10.1177/009365099026005002.
VAN GORP, Baldwin. Strategies to take subjectivity out of framing analysis. In: D’AN-
GELO, Paul; KUYPERS, Jim A. (org.). Doing news framing analysis: empirical and
theoretical perspectives. New York: Routledge, 2010.
VLIEGENTHART, Rens; VAN ZOONEN, Liesbet. Power to the frame: Bringing socio-
logy back to frame analysis. European Journal of Communication, [S. l.], v. 26, n. 2, p.
101-115, 2011. DOI: 10.1177/0267323111404838.
WU, H. Denis. Systemic Determinants of International News Coverage: A Comparison
of 38 Countries. Journal of Communication, [S. l.], v. 50, n. 2, p. 110-130, 2000. DOI:
10.1111/j.1460-2466.2000.tb02844.x.
.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


thaís braga | sandra marinho 317

A R T I G O
Sobre autores
Thaís Braga - Universidade do Minho. Doutorada em Ciências da Comuni-
cação pela Universidade do Minho (Portugal). Investigadora colaboradora do
Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade.. E-mail: thaislcbraga@gmail.
com. ORCID https://orcid.org/0000-0002-2505-7367.

Sandra Marinho - Universidade do Minho. Doutorada em Ciências da Comu-


nicação pela Universidade do Minho (Portugal). Docente no Departamento de
Ciências da Comunicação da Universidade do Minho e investigadora associada
do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. E-mail: marinho@ics.
uminho.pt. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2013-229X

Data de submissão: 10/10/2023


Data de aceite: 12/05/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 292-317,mai./ago. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61, P. 318-340,mai./ago. 2024
A R T I G O

DOI 10.18568/cmc.v20i60.2959

El placer de la agencia. Nuevos motivos visuales de


la protesta juvenil en Chile 2012-20151
The pleasure of agency. New visual motifs of the
youth protest in Chile 2012-2015
Oscar Aguilera
Marcela Saa Espinoza

Resumen: La visualidad de la protesta juvenil chilena es analizada a partir


de fotografías ganadoras del concurso FOTOPRENSA que premia las mejores
imágenes de cada año. Desde ellas sostenemos que asistimos al surgimiento de
un énfasis emocional en las imágenes de la protesta que va a involucrar a actores
sociales diversos: activistas juveniles, productores de imágenes y analistas socio-
culturales. Esto va a decantar en un énfasis narrativo y motivo visual específico:
el goce, disfrute y placer que constituye la protesta y las luchas sociales. Este
giro visual, del canon épico-heroico al placer de la agencia, es resultado tanto de
los cambios en los repertorios de protesta juvenil como de las propias prácticas
fotoperiodísticas: unos y otros agentes, movimientos sociales y reporteros gráficos,
elaboran en interacción un marco narrativo y cultural desde el cual pensar las
protestas sociales contemporáneas.
Palabras Claves: Movimientos juveniles; fotoperiodismo; motivos visuales

1 Este artículo es resultado del Proyecto Fondecyt Nº 1201141 y de la Beca de Posdoctorado en


el Extranjero 2022, iniciativas de la Agencia Nacional de Investigación y Desarrollo ANID de
Chile. Ambos autores fueron investigadores del proyecto y beneficiarios de la beca de posdoc-
torado en el extranjero.
oscar aguilera | marcela saa espinoza 319

A R T I G O
Introducción
El papel que tienen los más jóvenes en la sociedad está íntimamente vin-
culado a la representación visual que se hace de ellos. En este artículo
reflexionamos sobre la función que tienen las imágenes fotográficas en
la producción de la visibilidad de la protesta juvenil, a partir del análisis
de los motivos visuales de la protesta en Chile y de las transformaciones
que se vislumbran en las nuevas prácticas de producción fotoperiodísti-
ca. Para cumplir este objetivo, estudiamos tres fotografías ganadoras de
los premios de fotoperiodismo en Chile entre los años 2012-2015.
El Salón Nacional de Fotoperiodismo, conocido actualmente como
Fotoprensa, es organizado desde 1950 por la Unión de Reporteros Gráfi-
cos y Camarógrafos. Se trata del certamen de fotografía periodística más
antiguo de Sudamérica, y uno de los más longevos a nivel mundial, y en
el que los propios pares eligen las mejores fotografías de cada año en un
conjunto diverso de categorías. De allí que hemos optado por analizar
las fotografías ganadoras de la categoría prensa entre los años 2012-2015,
marco temporal del ciclo de movilización y protesta que remeció al país
y que tuvo como características principales ampliar las dimensiones
simbólicas, visuales y comunicacionales de las luchas sociales. Se trata
de tres fotografías que circularon ampliamente por medios de comu-
nicación masiva, tanto en versiones impresas como online para redes
sociales, y fueron tomadas por fotoperiodistas que trabajan en medios
de comunicación, agencias internacionales y plataformas alternativas de
periodismo.
Como antecedente visual, es importante entender la práctica de
la visualidad de la protesta juvenil en un espectro histórico más am-
plio. Si en la primera mitad del siglo XX los movimientos juveniles y la
vinculación de la juventud con la política no van a contar con una vi-
sualidad propia que les acompañe, a partir de los años 60 observaremos
una transformación importante (AGUILERA; SAA, 2022). En el caso
específico de Chile, surgirá una importante visualidad sobre la juven-
tud inscrita en medios de comunicación tradicionales y asociativos cuya
principal forma iconológica se inscribió en una narrativa de militancia

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


320 el placer de la agencia
A R T I G O

y compromiso sociopolítico marcada por la heroicidad y la épica del


sufrimiento. Estas imágenes, por su peso representacional, constituirán
el primer giro visual de la protesta juvenil en Chile (AGUILERA, 2018).
El desarrollo de esta visualidad propia, anclada en un régimen de
discurso vinculado al heroísmo, tendrá como figura central al militante
(masculino) entregado cien por cien a la causa (y por tanto, alejado de
las distracciones cotidianas) y donde los afectos y emociones no apa-
recen como marca visual. A partir de las imágenes que se analizan en
este artículo, observamos indicios de transformaciones en el campo de
la visualidad y los motivos visuales, la práctica profesional del fotope-
riodismo y respecto a la propia agencia de los movimientos juveniles.
Sostenemos que las fotografías seleccionadas constituyen una posibili-
dad narrativa alternativa al encuadre clásico sobre la protesta estudiantil
y permiten ir más allá del cliché representacional de la protesta como
enfrentamiento entre actores claramente identificados. Asimismo, es-
capa a la imagen panorámica de una multitud en movimiento, para
concentrarse en detalles y tiene como resultado un lenguaje propio de
parte de sus autores en un nuevo contexto cultural de relevancia de la
imagen para los movimientos sociales.

I. Perspectiva histórica y conceptual

I.1. Ciclo de movilización y protesta juvenil en Chile


El año 2006 se produjo en Chile una masiva movilización estudiantil
que sacudió las estructuras políticas y sociales, fue nombrada la revo-
lución pingüina y tuvo como protagonistas a estudiantes de enseñanza
secundaria y una cantidad importante de estudiantes de primaria: niños,
niñas y jóvenes que en términos de edad se encontraban entre los 11 y
18 años. Los antecedentes de este proceso de movilización se encuen-
tran en la reconfiguración del movimiento estudiantil secundario, por
una parte, y la despolitización general y progresiva que se produjo en la
sociedad chilena desde el retorno a la democracia (1990).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 321

A R T I G O
Detenernos en este hito es fundamental, pues aquí se configuró una
generación (MANNHEIM, 1993), es decir, un conjunto de jóvenes que
experimentan un intenso proceso de activismo y socialización políti-
ca, y a partir del cual se proyectarán hacia el futuro. Son estos jóvenes
pingüinos quienes protagonizarán años más tarde otro momento agudo
de movilización social conocido como la primavera chilena; esta vez,
estudiantes universitarios que mantuvieron paralizadas y ocupadas las
Universidades públicas todo el año académico 2011. A su vez, será este
mismo conjunto generacional el que estará, mayoritariamente, tras las
movilizaciones del mayo feminista el 2018 y el estallido social de octu-
bre de 2019.
En síntesis, se trata de un período inscrito en lo que hemos deno-
minado un ciclo de movilización y politización (AGUILERA, 2012,
MUÑOZ & DURAN, 2021). Al calor de este proceso, se fueron sociali-
zando políticamente sucesivas cohortes de edad y no tan solo jóvenes, se
ensayaron y probaron nuevas formas de visibilizar el conflicto y construir
narrativamente su legitimidad, dinamizando un proceso de reconfigura-
ción de la subjetividad política en el contexto de una sociedad altamente
neoliberalizada y con una fuerte presencia de sectores conservadores.

I.2. Repertorios de movilización juvenil


Una de las dimensiones más relevadas de este ciclo de movilización
hayan sido las formas de visibilizar y expresar la protesta. Los estudios
de los movimientos sociales y las formas de acción colectiva han insis-
tido desde hace décadas en que lo expresivo, la forma en que aparece
ante nosotros una colectividad contenciosa, las estéticas que condensan
pertenencias y modos de vincularse desde el movimiento con la socie-
dad, y las batallas por controlar la narrativa, es decir, lo que se dice a
propósito de ellos y sus acciones, son elementos centrales del estudio
de la política y la protesta (MELUCCI, 1999; KLANDERMANS,1994;
entre otros). Para el caso de Chile, tal importancia ha sido relevada pre-
viamente (CARDENAS, 2016; PAREDES et al, 2018; ORTIZ, 2019),
pero aquí quisiéramos detenernos más específicamente en el papel que

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


322 el placer de la agencia
A R T I G O

la comunicación y su sistema de flujos, intercambios y medios, tiene en


la configuración y visibilización de la protesta
Desde el abordaje específico que proponemos -la visualidad de la
protesta-, extendemos la noción de repertorio al campo de la comuni-
cación y sus luchas y con ello ampliamos su potencia analítica hacia los
modos de disputar que se ponen en marcha. La noción de repertorios
de protesta alude a “un conjunto limitado de rutinas aprendidas, com-
partidas y actuadas a través de un proceso de elección relativamente
deliberado” (TILLY, 2002, p.31). No se trata de otra área de conflicto,
sino de incorporar centralmente a la analítica contenciosa la disputa
de la imagen y la posibilidad de incidir en la narrativa. Esto supone
politizar la comunicación y mediatizar el conflicto. Tal como sostiene
CARDENAS (2016), esta operación implica,
(…) avanzar a través de dos constructos teóricos: desde los repertorios
de acción política a los repertorios de interacción comunicativa. Dicho
transito sugiere, al menos como tentativa inicial, un subsecuente despla-
zamiento desde las estructuras de oportunidades políticas a las estructuras
de oportunidades mediáticas. (p.96)

Ya desde el 2006 los analistas de la comunicación comenzaron a vis-


lumbrar el papel que las nuevas tecnologías de la información tendrían
en la producción, sostenibilidad y comunicabilidad de la revolución pin-
güina y posteriormente de la primavera chilena del 2011 (CABALIN,
2014; SHERMAN et al., 2013), y es que los movimientos juveniles del
siglo XXI surgen en este ecosistema mediático y tecnológico, se incor-
poran a la vida social y sus conflictos desde esas coordenadas subjetivas.
Por lo tanto, narrar, documentar, fotografiar, como operaciones cultu-
rales de esta época, devienen prácticas de lucha que (re) crean unas
oportunidades mediáticas para los propios movimientos y sus protestas.

I.3. Agencia, juventud e imágenes


Concebir la comunicación y la visualidadad como repertorios del
movimiento juvenil tensiona el modo en que hemos considerado a la

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 323

A R T I G O
comunicación, sus procesos y sus medios, visibilizando las imágenes
y representaciones como dimensiones específicas. De allí que para
comprender las imágenes y particularmente las fotografías de la pro-
testa juvenil recurramos a la perspectiva de MITCHELL (2009) para
quien la «propia representación es un actor más» (p. 362). No se trata
solamente de la voluntad del fotógrafo y el retratado, existe una trama
tecnológica-económica que sostiene estas imágenes y saberes y prácticas
profesionales a la base, así como cánones representacionales disponi-
bles para épocas y contextos que conllevan estéticas y límites a la propia
representación.
Diferentes imágenes, y no solo fotográficas han acompañado la visua-
lidad de la juventud y los movimientos sociales durante el siglo XX. Una
de ellas son las provenientes del fotoperiodismo y que desde sus orígenes
despliega un tipo de mensaje que busca conmover y evocar algo más a
su espectador:
(…) Detrás de las verdaderas historias del fotoperiodismo se esconde la
noción de que, por lo menos algunas fotografías periodísticas, son podero-
sas. (...) Esas fotos, si bien no son el día a día de la profesión, permanecen
como sus símbolos y corresponden a las cualidades convencionalmente
tenidas por deseables en las fotografías de noticias. (DOMENECH, 2014,
p. 40).

Ahora bien, estas fotografías poderosas lo serán, fundamentalmente,


por la subjetividad desplegada en su producción. Es decir, la comunidad
a la que refiere, las y los actores involucrados, el clima de época en que
se inscribe, la apropiación de tecnologías y la subversión de las represen-
taciones dominantes de cada momento. Así, el fotoperiodismo ofrece
la posibilidad de aproximarse a todo aquello que queda en los bordes
del canon de época, lo que probablemente anticipa un momento visual
y cultural, y condensa, metafóricamente, un orden social en proceso
de cuestionamiento y/o transformación. Por tratarse de imágenes que
son portadoras de su propia memoria y al considerarlas con capacidad
de agencia, podemos rastrear sus diálogos e inscripciones con la cul-
tura visual de su época pero también con sus predecesoras, así como

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


324 el placer de la agencia
A R T I G O

reivindicar la importancia de un lenguaje visual que, ante todo, nos con-


mueve e interpela emocionalmente. Para ello, resulta clave el análisis
de los motivos visuales y su excedente emocional.
Los motivos visuales refieren a la memoria de las imágenes y la histo-
ria de sus formas, y que de manera persistente repercuten en la historia
de la representación (SALVADO & BALLO, 2023). El estudio de los
motivos visuales tiene su propia tradición en el campo de la Historia del
Arte, y de allí derivan un conjunto de preocupaciones por los elementos
formales, las convenciones representacionales y sus usos en contextos
mediáticos específicos. Por su parte, la noción de excedente emocional
(AGUILERA, 2016a) enfatiza en aquello que se dirige centralmente a
la disputa por semantizar y fijar los significados flotantes en contextos
de conflicto. Se trata de la comunicación que los actores y movimientos
sociales elaboran y diversifican en interacción con el contexto mediáti-
co, sus agentes y sus formas. Estas interacciones movilizan emociones,
generando un excedente en su doble acepción: superan lo racional y es
un resultado adicional no previsto. Exceden lo político, lo amplían y
superan, en sus fundamentos, lenguajes y operaciones.

I.4. La práctica del fotoperiodismo


En la producción periodística actual, la fotografía es un elemento de
suma importancia y la calidad de la misma es un aspecto no menor.
La fotografía que se publica en los medios de comunicación en Chile
proviene principalmente de dos fuentes: del propio medio, y de las agen-
cias noticiosas nacionales e internacionales. Utilizar una u otra varía de
acuerdo a los recursos económicos con que cuenten los medios:. a más
recursos, más opciones y diversidad de fuentes. Únicamente los medios
de comunicación más consolidados y tradicionales tienen la opción de
contar con fotógrafos propios y éstos son los que trabajan con editores
especializados que, en la gran mayoría de los casos, también son fotógra-
fos. Estos medios además contratan los servicios de las distintas agencias
de noticias.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 325

A R T I G O
En cuanto a los fotoperiodistas, además de imágenes de índole infor-
mativa también se dedican a otro tipo de fotografía más elaborada, con
más contenido, que indaga en las causas y busca explicaciones. Este tipo
de fotografía se acerca más a la fotografía documental tiene a menudo
un carácter social y etnográfico y tiene una larga tradición en la historia
del fotoperiodismo (AMAR, 2000): aquí el fotógrafo desempeña un pa-
pel de testigo y de observador, investigador de las situaciones políticas,
económicas y sociales de un pueblo o de un país. Los fotoperiodistas de
medios y agencias también realizan este tipo de registros y algunas de
ellas son publicados en los medios tradicionales y/o alternativos. Estas
fotografías serán luego seleccionadas por los propios autores para pos-
tularlas a algún premio o directamente por el jurado que las selecciona
para un certamen.

II. Discusión y análisis.


La visualidad de la protesta juvenil en Chile tuvo cambios importantes a
partir del siglo XXI. Es un cambio que resulta de una interacción entre
fotoperiodistas y movimientos juveniles, concebidos ambos como acto-
res sociales. Las fotografías analizadas ponen al cuerpo joven al centro
de la imagen y desde ellos se despliegan emociones y pasiones alegres.
Son cuerpos que remecen la estructura simbólica de toda una sociedad,
recordándonos simplemente todo lo que pueden los cuerpos (SERRES,
2011). Esos cuerpos movilizan operaciones fundantes de la vida en so-
ciedad: la verdad, el amor y la imaginación. Esta idea nos permite trazar
un hilo invisible que vincula a las imágenes (su producción), la protesta
y el placer de la agencia

II.1. El lugar del fotoperiodismo en la nueva visualidad de la


protesta.
En su ejercicio profesional, los fotoperiodistas han ido aprendiendo de
imágenes mirando otras imágenes y en ese sentido, han sometido su ojo
a un disciplinamiento constante. Este modelamiento -prácticamente

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


326 el placer de la agencia
A R T I G O

global-, está basado en un consenso respecto a la estandarización implí-


cita de las imágenes. Es decir, sobre el tipo de imágenes que es posible
captar en una determinada circunstancia, aun cuando cada fotógrafo
tenga su propio sello y sea reconocido por sus pares.
La imagen debe acompañar los contenidos del relato, teniendo
criterios periodísticos informativos generales y sin privilegiar ninguna
posición. Sus imaginarios acerca de los conflictos parten de la premisa
de que en un conflicto hay varios actores en pugna y que se trata de
temas que son importantes para los participantes y para la sociedad, por
lo cual los catalogan como “temas sensibles” y son abordados de esa
manera, intentando no privilegiar a una opción sobre otra. Es el razona-
miento tras la idea de equilibrar la cobertura. Ese es un acuerdo tácito
entre fotoperiodistas, editores fotográficos y los medios de comunicación.
Los conflictos sociales son tratados visualmente de manera bastante
similar, es decir, centrándose en el acontecimiento, en los sujetos in-
volucrados si es que no pudieron registrar el hecho, o en los lugares o
instituciones relacionadas. Al fotografiar las manifestaciones, protestas
o marchas se buscan los elementos más llamativos evitando imágenes
ambiguas o abstractas. En resumen, las fotografías sobre conflictos socia-
les que se publican en la prensa están altamente estandarizadas porque
provienen de las mismas fuentes y porque responden a criterios perio-
dísticos ya establecidos y aprendidos en la práctica. En ese sentido son
parte de una rutina de producción casi inmutable a pesar del avance
tecnológico de la última década (ANTEZANA & LAGOS, 2017)
En ese marco general de desarrollo de su profesión, los fotoperio-
distas ganadores del concurso Fotoprensa se constituyen precursores de
un giro visual en el fotoperiodismo chileno en tanto sus fotografías se
alejan del canon descrito previamente, y profundizan en la posibilidad
de construir una narrativa propia que les permita profundizar la historia
que sus imágenes relatan. En modo alguno habría que entender esto
como una situación enfrentada a la industria de medios e imágenes,
pues como hemos referido anteriormente, los fotógrafos premiados tam-
bién colaboran para los medios y/agencias y sus imágenes circulan en

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 327

A R T I G O
dichos circuitos. Su actuar permite una pluralidad visual al tiempo que
la elaboración de otra narrativa cultural de los movimientos sociales y
juveniles en específico.
Un punto de partida compartido por los fotógrafo, remite a las limita-
ciones de la industria foto periodística para sus apuestas personales. En
el caso de Tomás Fernández (Ganador Fotoprensa 2012), se trata de ir
construyendo lo que denomina como fotografía documental y en la que
influye su formación profesional como periodista:
(…) In my opinion, documentary photography does what mass media
can’t do because mass media is too busy with the day-by-day deadlines and
coverage. Namely, documentary photography allows the photographer to
go deeper in their approach and create something more personal since
the photographer can invest more time and reflection in order to create a
visual product with an identity. Something less disposable, with different
influences beyond photojournalism: more artistic, introspective, contem-
porary, you name it. (Fernández, 2018)

La idea de profundizar un enfoque personal se vincula directamente


con el punto de vista en su doble acepción, desde el posicionamiento
técnico y de foco de una imagen, y también desde el propio compromiso
sociopolítico del fotógrafo que realiza la imagen. Esta idea es compar-
tida por los fotógrafos y queda expresada en estos términos por Diego
Figueroa (Ganador de Fotoprensa15):
En los medios se disputa el poder, se disputa el sentido común, la opinión
estándar de la gente. El rol de los jóvenes comunicadores es generar cues-
tionamiento, generar reflexión, generar dudas. Ya están todos los medios
que nos manejan la opinión desde la derecha, pero los comunicadores
tienen que dar espacio a la crítica. Hay que disputar los medios, la imagen
hoy muestra la realidad y eso es política. (Figueroa, 2015)

Ahora bien, con los matices respectivos, todos han ido elaborando
dicho punto de vista en el marco de su propia actuación como fotó-
grafos, desde el compromiso con los movimientos sociales y las luchas
que han desplegado. Por cierto, existen situaciones de orden biográfico
que acompañan y ubican estas decisiones profesionales, como el exilio

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


328 el placer de la agencia
A R T I G O

familiar de Fernández o el involucramiento en espacios juveniles auto-


gestionados de Figueroa, pasando por el compromiso de clase de Ruiz.
En todos ellos, sus fotografías quieren ir más allá de la instantánea y
aportar a una construcción más amplia aunque esto no sea efecto directo
de su trabajo fotográfico. El propio Mario Ruiz (ganador de Fotoprensa
2013) lo explica en esos términos:
Acá los cabros2 llevan doce años peleando por el mismo tema y no pasa
nada. ¿Crees que mi foto va a hacer que la educación sea gratis? Son imá-
genes y detrás hay grandes poderes. (Ruiz, 2013)

De allí que consideremos que estas prácticas y productos fotográficos


deben ser entendidas también en su dimensión de narrativa cultural de
los movimientos juveniles, y los fotógrafos como actores sociales que
aportan a dicha construcción desde el compromiso, vinculo cotidiano
y sensibilidad específica para aprender y apropiarse de las propias inno-
vaciones de los repertorios de protesta que se despliegan en la protesta
juvenil.

II.2. Agencia Juvenil y nuevas prácticas de movilización y de


visualización
Las imágenes analizadas se inscriben en un segundo giro visual que
va a tener a las emociones y la subjetividad como sensibilidades de
producción de la narrativa de la protesta juvenil. Como sostuvimos
introductoriamente, desde el año 2006 en adelante los movimientos es-
tudiantiles modificaron sus repertorios de protesta, y aquellos fotógrafos
sensibles y comprometidos con estos procesos comenzaron a modificar
sus enfoques y puntos de vista con los cuales se venía representando la
protesta juvenil. De esta forma, la noción de repertorios de comunica-
ción (MATTONI, 2013) nos permite visibilizar la interacción que se
da entre la protesta y su representación así como el papel agente que

2 Cabros: chilenismo referido a la adolescencia.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 329

A R T I G O
tendrán tanto los fotógrafos como las propias obras que se ponen en
circulación.
Hasta los años 2000, la comunicación de la protesta había sido cons-
truida narrativa y visualmente a partir de una hegemonía adultocéntrica
que deslegitimaba la acción juvenil. Como consecuencia, el peso re-
presentacional recaía en la confrontación directa entre antagonistas y
desde allí se construía la visualidad. La antropóloga Rossana Reguillo
va acuñar la noción de “rehenes de la fotografía” (2004 p.20) para ca-
racterizar, precisamente, la dificultad de construir una narrativa distinta
a la ofertada por los medios de comunicación. Desde el 2006 en ade-
lante las y los estudiantes chilenos pusieron en marcha una política de
la visibilidad (AGUILERA, 2016a) que poco a poco fisuró el canon de
representación hegemónico y permitió la emergencia de otras formas
visuales de la protesta. Es así como el año 2011, la propia diversidad de
repertorios de movilización, más lúdicos, expresivos, y profundamente
conectados con la cultura visual del momento3, se trasladaron a las fo-
tografías y representaciones de la protesta juvenil (Fig.1).
De esta forma, identificamos un nuevo giro visual en la puesta en
escena del protagonismo juvenil. Si en los 60 la figura del dirigente es-
tudiantil (varón), liderando batallas y enfrentamientos multitudinarios,
se tradujo en la figura épica del héroe trágico con sus respectivos íconos
globales (Che Guevara para América Latina, Malcom X para Nortea-
mérica, Daniel Cohen Bendit para Europa), el siglo XXI desplazará esas
imágenes por otras donde emerge la alegría, la singularidad de los prota-
gonistas, a veces el anonimato o la propia desaparición y metaforización
del conflicto en espacios, atmósferas o sensaciones.

3 Para conocer más sobre las distintas obras y expresiones visuales creadas por estudiantes duran-
te el año 2011, se recomienda la Página Web: https://movimientoestudiantil2011.com

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


330 el placer de la agencia
A R T I G O

Imagen 1. Thriller masivo por la educación. Santiago de Chile (2011).

Fuente: Google Imágenes.

Reconocemos entonces unas imágenes que se constituirán en mo-


tivos visuales, y particularmente identificamos el placer de la agencia,
la alegría, los juegos, el disfrute y la felicidad como emociones funda-
mentales del movimiento juvenil y la protesta. Si bien estos signos ya
estaban presentes, hasta el 2011 no habían tenido mayor centralidad ni
significancia en la fotografía sobre manifestaciones y protestas.

II..3. Giro Visual: el placer de la agencia


Las emociones no son algo ajeno al estudio de los movimientos sociales,
ni tampoco el que las imágenes las condensen y movilicen. La particu-
laridad es que la posibilidad de encontrar en la visualidad los cambios
representacionales y la impugnación a las narrativas hegemónicas no
se produce en una temporalidad lineal, están hechas de anacronismos:

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 331

A R T I G O
salir del propio tiempo de la imagen es la condición de posibilidad para
ver lo que allí se muestra.
En la primera imagen analizada, de Tomás Fernández (Fig.2) y que
obtuvo el Primer lugar FOTOPRENSA 2012, observamos una sala de
clases invertida cuya foto fue tomada en noviembre de 2011 y reproduci-
da por el diario El Mercurio de Valparaíso. Las sillas están en el techo, el
escrito de la pizarra al fondo está al revés, y pareciera que lo único en su
lugar es el hombre que, de espaldas a nosotros, observa ese espectáculo.
Si existe una institución moderna, directamente vinculada al mundo
juvenil y donde la verdad aparece presentada como un hecho positivo,
resultado de la acumulación de siglos y siglos de saberes, es la institución
educativa. Así también, es el lugar que históricamente ha contribuido
a institucionalizar la subordinación y menorización de la juventud bajo
pretexto de “estar en preparación” o en moratoria psicosocial como la
han caracterizado los saberes de base biomédica en la modernidad.
Pero allí lo que se nos muestra es un cuerpo interrogado, cuestionado
por una verdad dicha en voz baja: en un mundo realmente invertido, lo
verdadero es un momento de lo falso. La cita es conocida, forma parte de
La sociedad del espectáculo (DEBORD, 1995 p.10). Aquello es lo que, a
lo lejos, se observa en esa pizarra y escrito al revés, otro juego visual para
performar precisamente la interrogación sobre dónde está lo verdadero
en un proceso de movilización como el que desplegaron los estudiantes
universitarios chilenos el año 2011.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


332 el placer de la agencia
A R T I G O

Imagen 2. Foto del Año, 1° Lugar Prensa FOTOPRENSA 2012.

Autor: Tomás Fernández.

Esta imagen de una sala de clases de la Pontificia Universidad Ca-


tólica de Valparaíso deviene un recurso espectacular para desnudar lo
aparente de nuestra sociedad y tratar de aproximarnos a todo aquello
que ha sido negado, invisibilizado, menorizado. En ese acercarnos, la
imagen quema nuestros cuerpos y nos obliga a re-encarnarnos nueva-
mente, pero esta vez porque hemos sido capaces de salir de lo aparente
y pensar por nosotros mismos, y no hay mayor alegría que descubrirnos
capaces de aquello.
Por su parte, la segunda fotografía analizada nos ofrenda una imagen
de amor (Fig.3), pero también de violencia contenida como lo reconoce
el propio fotoperiodista cuando la nombra:
Esta foto es como mi vida, amor violento la denomino yo. Es la educación
y es Chile. El uniforme de la niña es Chile: azul, blanco y rojo. Es amor, el
amor de estos últimos veintitrés años de mi vida. Mis amores y desamores.
(Ruiz, 2013).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 333

A R T I G O
Imagen 3. Foto del año, 1º Lugar Prensa FOTOPRENSA 2013.

Autor: Mario Ruiz

Esta fotografía obtuvo el Primer Lugar FOTOPRENSA13 y fue to-


mada el año 2012. El amor está ahí, pero debemos atrevernos a verle.
No está en la apariencia, aunque en ella reconozcamos algunos indicios.
El más evidente, y que funciona como punctum (BARTHES, 2003) son
las manos entrelazadas, quizás el gesto romántico por definición. Esas
manos rompen con el cuadro completo, nos sacan la totalidad agresiva
y violenta de las capuchas, las piedras, y las otras manos devenidas armas
con sus respectivos proyectiles. Esas manos entrelazadas nos impactan,
nos afectan. Producen un gesto incomodo: qué hace el amor ahí en esa
escena, y entonces debemos acercarnos, y poco a poco retirar la capu-
cha, eliminar las piedras, recordar nuestros noviazgos juveniles y traer al
presente esos momentos en que el futuro estaba ahí para nosotros y de-
bíamos disputarlo. Esa serenidad del caminar de la mano, esa confianza
en que juntos podemos abrazar el porvenir. El amor como dimensión
fundamental de las luchas por la emancipación, y como interacción
base de todo movimiento social (ALBERONI, 1980).

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


334 el placer de la agencia
A R T I G O

Esta imagen es una triple ofrenda: de la pareja de jóvenes que ela-


bora un posado en acción al fotógrafo que está siguiendo sus pasos a
gran distancia y con un teleobjetivo, del fotógrafo que en su trayectoria
acompaña y nos cuenta la historia de estos jóvenes como metáfora de
un país al que se le ama pero también se le teme por su violencia y con
quienes se encontrará años más tarde para una nueva secuencia de fotos,
y finalmente de nosotros mismos los espectadores que nos regalamos
la posibilidad de pensar lo social (las protestas, la política) más allá de
dicotomías y los pesos de la representación (TAGG, 2005).
La tercera imagen analizada (Fig.4), la fotografía de Diego Figueroa,
ganadora de Foto del Año y Primer lugar FOTOPRENSA15 se tomó en
junio de 2014 y nos ofrece un cuerpo que se abre a la creatividad, aque-
lla contenida en la imagen pero también la que los espectadores pueden
desatar al observarla. La atmosfera expresa, con el humo, los contrastes
entre luz y sombra, las múltiples tonalidades de lo oscuro, y el cuerpo
en movimiento, una escena que bien podría ser de una película, una
pintura o una obra de teatro.
Aquí, la imaginación ocupa el lugar de la herramienta fundamental
para enhebrar un vínculo entre esta imagen y otras que funcionan tal
vez como procedencias y extiende su sensibilidad hacia el propio tra-
bajo interpretativo a través del montaje. Entonces aparece Goya y su
cuadro 3 de mayo en Madrid (1814), donde las luces y sombras dominan
el retrato de la lucha española contra la dominación francesa y que se
inscriben como dominio técnico en el desarrollo de sus aguafuertes ti-
tulados Los desastres de la guerra (1810-1815). Pero en lugar del horror
goyesco, la delicadeza de un paso de baile, de ballet tal vez, se encarga
de reubicar en un régimen emocional diferente las luchas estudianti-
les. Así, este cuerpo en movimiento deviene coreografía, como aquella
que despliega, años después y en medio de las protestas parisinas, la
tecnoactivista Mathilde Caillard. Así, por medio de este montaje que
superpone técnicas de la imagen diversas, usos de luces y sombras y
colores distintos, anacronismos y geografías múltiples, recuperamos el
cuerpo, imaginamos otra protesta, actuamos otras resistencias.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 335

A R T I G O
Imagen 4. Foto del año, 1º Lugar Prensa FOTOPRENSA 2015.

Autor: Diego Figueroa

III. Conclusión
Estas imágenes se vuelven significativas para una comprensión de los
repertorios de protesta, sus cambios y continuidades, y a su vez, per-
miten superar la dicotomía entre lo expresivo y la agencia, en tanto
concebimos a las imágenes con capacidad para modificar y transformar
la mirada. De allí que hoy no sea posible pensar las protestas juveniles
por fuera del propio repertorio visual en el que se inscriben, las citas
visuales a las que recurren, los lugares por los cuales circulan y los usos y
apropiaciones que hacemos de ello. Esa es la importancia de detenernos
en estas imágenes de protesta ganadoras de los concursos de Fotoprensa
en Chile.
Estas fotografías son el resultado de una comprensión visual de la
protesta, que tiene sus propias tradiciones y cánones, y que generacio-
nalmente se han venido problematizando y actualizando. El giro visual
del canon épico al placer de la agencia, es resultado tanto de los cambios

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


336 el placer de la agencia
A R T I G O

en los repertorios de protesta juvenil como de las propias prácticas foto-


periodísticas: unos y otros agentes, movimientos sociales y reporteros
gráficos, elaboran en interacción un marco narrativo y cultural desde el
cual pensar las protestas sociales.
Desde ese punto de vista, a partir del año 2011 asistimos al surgi-
miento de un énfasis emocional en las imágenes de la protesta que va a
involucrar a actores sociales diversos: activistas juveniles, productores de
imágenes y analistas socioculturales. Este giro emocional va a decantar
en un énfasis narrativo y motivo visual específico: el goce, disfrute y
placer que constituye la protesta y las luchas sociales. Se actualiza así la
vieja consigna atribuida a Emma Goldmann “si no puedo bailar, esta no
es mi revolución”, y que en el tiempo presente ha convocado múltiples
acciones tendientes a relevar estas dimensiones del placer en la militan-
cia y el compromiso sociopolítico juvenil.
El canon de representación hegemónico no ha pedido eficacia na-
rrativa, por cierto. El cambio de la cultura visual y las políticas de la
imagen y la mirada, que como hemos visto operan a escala global, no
son resultado de unos pocos años ni de esfuerzos individuales que me-
cánicamente inauguran un nuevo sensorium (BENJAMIN,1987). El
vínculo, uso, disfrute e inauguración de nuevos repertorios visuales,
de la protesta entre ellos, son el resultado de un cotidiano trabajo de
aproximarnos a las imágenes, las huellas que trazan, las prácticas que
movilizan, y fundamentalmente a su propia sobrevivencia. Quizás un
análisis a la sobrevida de las imágenes, su uso y resignificación extendida
en el tiempo, pueda ayudarnos a perfilar mejor lo que aquí, a través de
este análisis y de modo indiciario, hemos denominado el giro visual de
la protesta y la transformación de la narrativa cultural que enmarca a los
movimientos juveniles.
Las imágenes analizadas, ganadoras de Fotoprensa, fueron “captura-
das” hace una década o poco más. En su momento, fueron fotografías
de protesta, que abrieron posibilidades visuales allí donde no las habían.
Con el pasar del tiempo, se transformaron en un momento anticipato-
rio de lo que sería el giro narrativo-visual que tendrá la fotografía y las

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 337

A R T I G O
imágenes de la protesta que inundaron las redes sociales y los medios de
comunicación impresos y audiovisuales para el estallido social chileno
en 2019. Tanto así que se ha desplegado toda una línea y objeto de es-
tudio que articula arte-política y que habla, justamente, de un estallido
visual (RIQUELME, 2023; ARAVENA, 2023).

Bibliografía
AGUILERA, O. Excedente emocional y ampliación de lo político en Chile. Análisis
visual del movimiento estudiantil 2011-2014. Altre Modernità, [S.l.], p. 234-253, 2016a.
DOI: http://dx.doi.org/10.13130/2035-7680/7065 Disponível em: https://riviste.unimi.it/
index.php/AMonline/article/view/7065
AGUILERA, O. Movidas, movilizaciones, movimientos. Cultura política y políticas de
las culturas juveniles en el Chile de hoy. Santiago: Editorial Rill, 2016b.
AGUILERA, O. Visualidad y Protagonismo juvenil: transformaciones de las revistas y
la fotografía juvenil en el Chile de los 60’. In: SIMPOSIO DE HISTORIA DE LA
EDUCACIÓN, 2018, Valencia.
AGUILERA, O. Repertorios y ciclos de movilización juvenil en Chile (2000-2012).
Utopía y praxis latinoamericana: revista internacional de filosofía iberoamericana y
teoría social, n. 57, p. 101-108, 2012. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/
articulo?codigo=4231370
AGUILERA, O.; SAA, M. Youth images: Visual images, representations and imagina-
ries of young people. In: BENEDICTO, J; URTEAGA, M; ROCCA, D. (Eds.). Young
people in complex and unequal societies: doing youth studies in Spain and Latin Ame-
rica. Boston: Brill, 2022. P. 11-146.
AMAR, 2000 El fotoperiodismo. Editorial La Marca
ANTEZANA, L: LAGOS, A (2017) Abortion in Photographs in Chilean Digital Media:
Disputed Representations. Brazilian Journalism Research, 15(1), 124–147. https://doi.
org/10.25200/BJR.v15n1.2019.1028
ARAVENA ORTIZ, S (2023 Resistencia visual en los muros de Santiago: Protestas de
Chile en 2019. Cuadernos.info, (56), 44-65. https://dx.doi.org/10.7764/cdi.55.63013
ALBERONI, F (1980). Enamoramiento y amor. Editorial GEDISA
BARTHES, R. (2003). La cámara lúcida. Editorial Paidós.
BENJAMÍN, Walter. La obra de arte en la época de la reproductibilidad técnica.
Discursos interrumpidos. Madrid: Taurus, 1987
CÁRDENAS, C. (2016). El movimiento estudiantil chileno (2006-2016) y el uso de la
Web Social: Nuevos repertorios de acción e interacción comunicativa. Ultima Década,
24(45), pp. 93- 116.
CÁRDENAS, (2016). Representación online del movimiento estudiantil chileno: Re-
apropiación de noticias en Facebook. Estudios Filológicos, (58), 25-49. http://dx.doi.
org/10.4067/S0071-17132016000200002

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


338 el placer de la agencia
A R T I G O

CABALIN-QUIJADA, C (2014) Estudiantes conectados y movilizados: el uso de


Facebook en las protestas estudiantiles de Chile.Comunicar, 43, 25-33
DEBORD, G (1995) La sociedad del espectáculo. Ediciones Naufragio
DOMENECH,; H 2014, p. 40). Tratamiento del fotoperiodismo en las historias de
referencia de la fotografía. Revista de Comunicación 13, 2014, pp. 38-59.
FERNÁNDEZ, T (2018) Do North: Cold Heartbreak on the Road. Entrevistado por
ELIZABETH TEMKIN. En LensCulture. Disponible en: https://www.lensculture.com/
articles/tomas-fernandez-do-north-cold-heartbreak-on-the-road
FIGUEROA, D (2015) “Hay que disputar los medios, la imagen hoy mues-
tra la realidad y eso es política”. Entrevistado por Pedro Pablo Ramírez en El
Mostrador. Disponible en: https://www.elmostrador.cl/noticias/pais/2015/06/22/
hay-que-disputar-los-medios-la-imagen-hoy-muestra-la-realidad-y-eso-es-politica/
KLANDERMANS, B. (1994), «La construcción social de la protesta»,en Los nuevos
movimientos sociales: de la ideología a la identidad. Centro de Investigaciones Socio-
lógicas (CIS).
MANNHEIM, K (1993) El problema de las generaciones. REIS: Revista española de
investigaciones sociológicas Nº62
MATTONI, A (2013): “Repertoires of communication in social movement processes”.
En B. Cammaerts, A. Mattoni y P. McCurdy (editores): Mediation and protest move-
ments. Intellect
MELUCCI, A (1999), Acción colectiva, vida cotidiana y democracia. México: El Cole-
gio de México, Centro de Estudios Sociológicos.
MITCHELL, W.J.T. (2009). Teoría de la Imagen. Editorial AKAL.
MUÑOZ TAMAYO, V. (2011). Generaciones: Juventud universitaria e izquierdas políti-
cas en Chile y México. LOM Ediciones.
MUÑOZ, V; DURÁN, C (2021)La ¨Nueva Acción Universitaria¨ y el origen de ¨Revo-
lución Democrática¨. Trayectorias de la centroizquierda estudiantil de la Universidad
Católica de Chile (2008 – 2012) Izquierdas Nº50
ORTIZ,N (2019) Cacerolazo: emociones y memoria en el movimiento estudiantil 201.
Polis Revista Latinoamericana Nº53: 64-77
PAREDES, J; ORTIZ, N; ARAYA, C (2018) Conflicto social y subjetivación política:
performance, militancias y memoria en la movilización estudiantil post 2011. Persona y
Sociedad 32(2):122-149
ROSSANA REGUILLO (2004) La comunicación en la re/construcción de ciudadanías
políticas y culturales. Aportes de la comunicación y la cultura Nº10-11.
RIQUELME, M (2023) Lo que aparece en la calle. Contranarrativas visuales en el
estallido social en Santiago de Chile 2019, en Plaza Dignidad y el Centro Cultural
Gabriela Mistral. Tesis Doctoral Universidad Politécnica de Valencia, Programa de
Doctorado Arte, Producción e Investigación.
RUIZ, M (2013) “’Esa imagen es como mi vida’, dice autor de mejor foto
del año 2012 en Chile”. Entrevistado por Agencia EFE y publicado en El

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


oscar aguilera | marcela saa espinoza 339

A R T I G O
Mostrador. Disponible en: https://www.elmostrador.cl/cultura/2013/06/07/
esa-imagen-es-como-mi-vida-dice-autor-de-mejor-foto-del-ano-2012-en-chile/
SALVADÓ, A. & BALLÓ, J. (2023). El poder en escena. Motivos visuales en la esfera
pública. Galaxia Gutenberg.
SERRES, M (2011) Variaciones sobre el cuerpo. Fondo de Cultura Económica.
SHERMAN, A; ARRIAGADA, A; VALENZUELA, S (2013) La protesta en la era de las
redes sociales: el caso chileno. En Arriagada, A; Navia, P (2013) Intermedios: medios de
comunicación y democracia en Chile. Ediciones UDP.
TAGG, J. (2005). El peso de la representación. Editorial Gustavo Gili
TILLY, 2002 (2002): “Repertorios de acción contestaria en Gran Bretaña: 1758-1834”.
En M. Traugott (editor): Protesta social. Repertorios y ciclos de acción colectiva. Bar-
celona: Hacer.

Documentos Iconográficos
Fotoprensa15. Foto del Año / 1º Lugar Prensa – FOTOPRENSA 15. Disponible en:
http://fotoprensa.cl/foto-del-ano-1o-lugar-prensa-fotoprensa-15/

Fotoprensa13. Foto del Año / 1º Lugar Prensa – FOTOPRENSA 2013. Disponible en:
https://fotoprensa.cl/ano-2012/foto-del-ano-y-1o-lugar-prensa/#prettyPhoto

Fotoprensa12. Foto del Año y 1º Lugar Prensa – FOTOPRENSA 2012. Disponible en:
http://fotoprensa.cl/ano-2011/1o-lugar-prensa-2011/

Sobre los autores


Oscar Aguilera - Doctor en Antropología Social y Cultural por la Universidad
Autónoma de Barcelona. En la actualidad es profesor e investigador en la Uni-
versidad de Chile, investigador ANID-FONDECYT en el área de Sociología
y Ciencias de la Información con proyectos desde el año 2011 a la actualidad
Entre sus publicaciones recientes se cuentan los libros Juventud y fotografía
en revistas juveniles chilenas del siglo xx (2018, RIL) Movidas, Movilizacio-
nes y Movimientos. Cultura Política y política de las culturas juveniles en el
Chile de hoy (2016, RIL), Generaciones: movimientos juveniles, políticas de
la identidad y disputas por la visibilidad en el Chile neoliberal. Buenos Aires

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


340 el placer de la agencia
A R T I G O

(2014, CLACSO). E-mail: [email protected]. Oscar Aguilera: ORCID:


Ruiz 0000-0001-9990-666X

Marcela Saa Espinoza - Doctora en Antropología Social y Cultural (Universitat


Autònoma de Barcelona). Antropóloga y Magister en Estudios de Imagen. In-
vestigadora Fondecyt en el área de sociología y ciencias de la información desde
el 2016 hasta la actualidad. Mi campo de investigación se ubica en el estudio
de las imágenes juveniles, la corporalidad, las mujeres jóvenes, la industria
de los medios y entretención en Chile. Actualmente soy Becaria Posdoctoral
(2023/24) en el departamento de Comunicación, en la Universidad Pompeu
Fabra, Barcelona, España. E-mail: [email protected]. ORCID: https://or-
cid.org/0000-0002-6895-0892

Data de submissão: 15/05/2024


Data de aceite: 9/08/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 318-340,mai./ago. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61 P. 341-359,mai./ago. 2024

A R T I G O
DOI 10.18568/CMC.V20i61.2926

Climate Change and Social networks: The use of


Instagram and TikTok among secondary-school
students in relation to sustainability
Laia Palos Rey
Miriam Diez Bosch
Verónica Israel Turim

Abstract: Climate change has been identified as the greatest challenge facing
humanity. In this research we sought to find out the extent to which teenagers use
social media to stay informed about the climate emergency and sustainability.
We studied the case of 98 teenagers, examining what types of content they view
on Instagram and Tik Tok, and which accounts they follow. The main results of
this research indicate that these teenagers do not use the analysed platforms to
consume content on climate emergency and sustainability, highlighting the need
for further educational intervention as a way to promote interest in these issues.
Keywords: Climate Change, Social media, Tik Tok, Instagram, Teenagers.
342 climate change and social networks
A R T I G O

Introduction
Social networks are established as a double-edged sword in relation to
people’s beliefs (Amanda Lenhart et al., 2007), and since adolescence is
a critical time of identity formation, the impact of what they see on so-
cial networks can be much more intense than in other life periods (Amy
Orben, 2020). For this reason, the influence of social networks content
should not be obviated (Alexandra V. Fedotova, 2019).
According to Vandana Shiva (2019), the economic and political sys-
tem that we have built, and that accompanies us today, is not compatible
with life. The climate emergency is a reality (Yayo Herrera, 2022); it
constitutes a current and future problem (Alicia Puleo, 2019), and if it is
not stopped or reversed the effects can be devastating. Reason why sev-
eral experts express that to guarantee the survival of the human species
on the planet it is necessary to work on a decarbonization of the system
(Jorge Riechmann, 2012). Lately, we have seen young people raising
their voices on environmental issues (Greta Thunberg, 2022), even cre-
ating activist groups such as Fridays for Future (Hannah Wallis, Laura
S. Loy, 2021).
Therefore, in this research we want to analyse if the massive use
of social media is impacting teenagers on improving climate change
awareness, and if the content consumed shows an ideal way of life in
which individuals reduce their consumption and, consequently, their
impact on the environment.
It is true, however, that there is an ongoing debate on this issue (Karen
Yeung, 2017). On the one hand, there are those researchers who consid-
er that social media platforms promote ideas and send specific messages
(Felipe González, 2019), and those who consider that, by working with
the algorithm, they actually only reaffirm the beliefs that subjects al-
ready hold, isolating them from other opinions (Jaeho Cho et al. , 2020).
Be that as it may, in this research we focus on the content shown to this
sample in order to analyse whether the message that is reaching future
generations corresponds to environmental awareness. For this reason, in

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 343

A R T I G O
this case study, we want to analyse who this sample of teenagers follows
and what type of content they follow on social networks.
Previous research has delved into climate change and social media
(Stephan Lewandowsky et al. ,2016). Other studies have focused on the
relationship between climate emergency and education (UNFCCC,
2022; Mark Lieberman, 2022; Arianna Prothero, 2022; Stefan Eller-
beck, 2022). However, we are specifically interested in reviewing the
content that teenagers view and follow on social networks directly relat-
ed to ecological ethics and their sustainable habits.

Research methodology, design and development

Methodology
The methodology, in this ex post facto research, chosen to answer the
questions proposed in this particular case study is a mixed method be-
tween quantitative (Franklin, C., 2009) and qualitative (Hignett, S., &
McDermott, H., 2015) techniques inspired by different previous stud-
ies (Edwards, G., 2010 & Hossain, D. M., 2012 & Mayring, P., 2007).
Demonstrating the feasibility of both variables in social media (Debrece-
ny, R., & Wang, T., 2019) and education (Rumberrger, R., & Palardy,
G., 2004) contexts. If we focus on the first type of methodology, we have
opted for the quantitative method, specifically the questionnaire tool.
As for the qualitative methodology, we have decided to use it also as
a complement to the quantitative one since we believe it is important to
talk to the sample about the profiles and contents they usually visualise
in order to achieve the most reliable and concrete results possible. We
have achieved this by conducting two focus groups.
Therefore, we have combined both methodologies in order to answer
the following questions:
Q1: What are the most viewed contents by teenagers on Instagram
and TikTok?

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


344 climate change and social networks
A R T I G O

Q2: Who are the people most followed by teenagers on Instagram


and TikTok?
Q3: Do teenagers consume content on social networks related to
sustainability?
Q4: Do teenagers follow environmental activists on social networks?
To answer question number one from the data provided by the teens
in the quiz, we were able to classify the type of content most consumed
by the sample to detect the ten most viewed topics. From the question-
naire, we obtained the necessary information to find out which are the
favourite influencers of the sample and to evaluate the content they
share to classify this content them various categories such as fashion,
lifestyle, video games, makeup, etc., as can be seen in the analysis of the
results.
Focusing on objective number two of the survey, we asked the teen-
agers which were the influencers and micro-influencers (see table 1)
that they followed to establish a ranking of the most followed profiles
in order to later be able to take advantage of this database not only to
know who they follow but also the current trends in social networks. In
the same way that we asked about the sample’s favourite influencers, we
were able to draw up a list of the 10 most-followed profiles in order to
analyse what type of influencers they were.

Table 1: Influencers category

Influencer Category Number of Followers


Non-Influencers <1000
Micro-Influencers 1001–10,000
Mid-Influencers 10,001–100,000
Macro-Influencers 100,001–1,000,000
Icon-Influencers >1,000,000

Source: (Israel-Turim et al. 2021)

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 345

A R T I G O
Looking at it from another perspective, question number 3 has been
studied to discern which contents are included within the concept of
environmental awareness and which are not, for the purpose of estab-
lishing whether or not the sample is interested in this type of content.
So the information extracted from the focus group has been used, where
the sample was asked if they consciously consume sustainability posts
and videos.
Finally, if we consider the last objective, we use the information col-
lected in the focus group in the same way as in the previous question to
be able to assess in the same way if the students know some influencers
who are dedicated to environmental activism, if they follow them, and
what image they have about this type of climate activism.

Sample
The sample used for this research is a non probabilistic sample with a
total of 98 teenagers studying first of bachillerato at La Salle Montcada
High School in Barcelona -Spain-. The gender ratio is almost equal:
50% men, 45% women, and 5% who chose others (see figure 1) and
ranging in age from 16 to 18 years old.

Figure 1: Gender ratio

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


346 climate change and social networks
A R T I G O

Data collection technique


Based on these questions and objectives, the research was conducted
using the questionari tool within the survey methodology, taking as a
model the proposals of Nandakumar, R., and Ackerman, T. (2004).
According to some experts, such as Creswell, J., and Plano, V. (2017),
this hybrid technique is more effective than using only a quantitative or
qualitative methodology in this specific research (Martínez, A., 2013,
and Rodríguez, R., 2001).

Questionnaire
The technique used in this research is the survey, specifically the ques-
tionnaire tool that includes open, closed, opinion and factual questions,
following the examples of previous studies (Nalan Demircioglu Hasan
Yilmaz, Metin Demir and Süleyman Toy, 2011; Olga María Luque-Al-
caraz et al, 2022; Lenny Prastiwi, Diana Vivanti Sigit, Rizhal Hendi
Ristanto,2019). In this case, it has been divided into four sections (see
table 2). First, demographic data on the sample. Then, two sections
have been introduced that aim to collect information on the profiles and
content viewed by teenagers, one focusing on Instagram and the second
on Tik Tok. They were asked to indicate the profiles of the last posts
they had liked, the profiles of the last posts they had saved and, finally,
to mark the type of content they consume according to the information
they had previously collected. The last and fourth section consisted of a
series of dichotomous and nominal questions of a scalar type where they
were asked about issues that relate social networks to sustainability.

Table 2: Questionnaire sections

Section Description
Section 1 Personal and demographic data
Section 2 Profiles and content viewed on Tik-Tok
Section 3 Profiles and content viewed on Instagram
Section 4 Social media and sustainability question study

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 347

A R T I G O
2.3.2 Focus group
We conducted two focus groups of ten students each, where we were
able to talk face-to-face and directly with the teenagers and get a more
concrete idea of what interests they share, what profiles they spend the
most time on, what they think of that content, and what image they have
of environmental activists on social media. We prepared a list of topics
to talk about the uses of social media and their perception of the impact
of sustainability through social media on themselves, and we also gave
the sample a grid of questions to start the conversation and guide the
discussion following the academia guidance (Holly Edmunds, 1999).

Results

Descriptive results of the sample trends


The first result we obtained justifies why we chose these two social me-
dia platforms for the study, was the proportional amount of the sample
that claims to use Instagram and/or Tik Tok (see figure 2 and 3). We
obtained that Instagram was used by 97% of the sample and Tik Tok by
89% of them, and the average daily hours of use of all platforms is ap-
proximately 5 hours per day, including the cases of teenagers who have
an average of 11 hours of use per day.

Figure 2: Instagram usage

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


348 climate change and social networks
A R T I G O

Figure 3: TikTok usage

Profiles they follow.


Another of the main questions we wanted to study in this research was
who the students follow, that is, if there is any kind of pattern in which
we see that they follow the same influencers. To do this we used the data
obtained in sections 2 and 3, specifically when we asked them to indi-
cate the profiles of the three most recent posts they had liked and three
profiles of the three most recent posts they had saved. To our surprise,
we were not able to detect any profile that was mostly followed, the only
ones that coincided and not in the majority were two profiles; one of the
football club Barcelona - the account of the most popular team in the
province where the study was carried out - and the account of the Isla de
las Tentaciones - the profile of a very famous reality show programme in
Spain at the time-. On the other hand, we wanted to complement these
results with the focus group and they confirmed what was mentioned
above. They do not follow specific influencers- No Climate Change
activist either- but rather these teenagers prefer to view the content that
the algorithm of both platforms proposes and therefore the results that
the accounts followed by the teenagers are so random that we cannot
establish a pattern between them in terms of who they follow.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 349

A R T I G O
Content they consume
Contrary to the previous section regarding the type of content that ad-
olescents follow, we were able to establish some common patterns. We
were able to establish a usage pattern highlighting three categories:
sports, fashion and lifestyle. We saw the large consumption by these
teenagers of fast fashion clothing as well as cosmetics and makeup prod-
ucts, where they state that they do not consume them out of necessity
but on a whim or for pleasure. As for the lifestyle section, we were able to
see different videos that they themselves indicated in the profile, where
the life of people with high purchasing power is shown and where they
launch a clear message of positive consumerism, an issue that clashes
with the fight for the climate emergency. In fact, regarding the item that
directly asked for sustainability content, we found that 0% of the total
sample checked this box (see Figure 4). Therefore, in this section, the
information obtained through the questionnaire and the focus group
indicated that teenagers are not interested in consuming content linked
to sustainability, that the algorithm does not recommend this type of
content to them. In the focus group, they themselves said that thanks to
answering the questionnaire they have become more aware of what they
consume on the networks and thus consider that what they see on the
different accounts proposed for them encourages their consumption of
products, and also consider that they do not receive any messages linked
to the climate emergency.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


350 climate change and social networks
A R T I G O

Figure 4: Type of content

Social networks and sustainability


Having analysed the questions more focused on the type of content and
profiles followed by the sample, we have focused on those questions that
relate climate change and how it is communicated on social networks
with this profile we are studying. We found that out of 47 students out
of 98, they rate with a 3 or more on the scale of 5 the life of the profiles
they see on social networks and see them as their ideal life. In addition,
only 18 out of 98 have scored 3 or more on the importance and frequen-
cy of the profiles they follow on sustainability and environment. One of
the data we found most relevant was the difference we found between
knowing and following profiles about sustainability on social networks.
Given that almost 60% of the sample knows profiles of content creators
that deal with the environment (see Figure 8), but only 22% follow these
profiles on networks (see Figure 7), this indicates that there is no interest
on the part of adolescents or tendency to follow this type of content.
Furthermore, in the focus group we talked to the students and they told
us that they did not remember the algorithm ever recommending any
content related to environmentalism.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 351

A R T I G O
Figure 5: Perception questions

Figure 6: Perception questions

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


352 climate change and social networks
A R T I G O

Figure 7: Followed profiles

Figure 8: Known profiles

56% of the sample considered that they were aware that they had
bought products because they had seen them on social networks, and
that the desire to buy had generated them (see Figure 6). In the focus
group, some subjects told us that they sometimes buy compulsively be-
cause they have seen a recommended product and then do not use it.
Less than half also consider that they have bought products from their
usual use of more sustainable brands (see Figure 5), and almost 90% say
that by looking at the lifestyles shown in the networks, they have not felt

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 353

A R T I G O
motivated to buy. For example, reducing meat consumption and thus
reducing their carbon footprint (see figure 9). It was practically unani-
mous that social networks do not make them more or less sustainable;
however, they almost unanimously considered that they had realised
that because of what they see on social networks, they were adopting
habits that were more against climate change than in favour of its miti-
gation or adaptation (see figure 10).

Figure 9: Perception questions

Figure 10: Perception questions

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


354 climate change and social networks
A R T I G O

Discussion and conclusions


The climate emergency represents the greatest social, political and
economic challenge ever imagined for humanity according to several
authors (Jorge Richmann, 2012 and Vandana Shiva, 2019). For many
others (Alicia Puleo, 2019 & Yayo Herrero, 2022), the next generation
is the tipping point that will determine the future of humankind. So
studying the type of content and who teenagers follow on social media
was pertinent and relevant research, as they spend many hours a day on
these platforms (Vasanth, Rahul, and Seema Swamy, 2013 & Al-Sabti,
Duaa Ali et al., 2017). The aim was to determine if the use by these
future generations is in accordance with the necessity to improve their
knowledge and awareness of Climate Change.
This study carried out with 98 students from La Salle Montcada sec-
ondary school - Barcelona, Spain - aged between 16 and 18 years old on
how they use social networks, who they follow, what content they follow
and whether this content is related to environmental issues has provided
us with data that allowed us to learn more about the objectives we set,
including determining what kind of content these adolescents see on
social media, who they follow and whether we can establish any links to
sustainability.
First, the most unexpected data obtained in this study was that when
we studied the profiles they follow, we realised thanks to the questionari
tool that we could not establish any pattern contrary to what has been
seen in similar research in other countries (José Luis Rodriguez & Fran-
cesc Martinez & Cristina Galván, 2019). Also, talking to them in the
focus groups, they themselves told us that they don’t look at who they
follow, they don’t pay much attention to the profile, they care about the
content. For this reason we realise that for this sample the algorithm is
crucial because it determines the content they see, and therefore what
messages they see on social networks (Cotter, Kelley, 2019), being pre-
cisely the question of algorithms in social networks a controversial issue
(Harriger, Jennifer, et al., 2022) and an open debate in today’s society,
something that other research has apparently found was not the case for

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 355

A R T I G O
previous generations (Ulas Akkukuk, 2016 & Paul Carr, 2021). Thus,
we consider that this information may open up new lines of research to
investigate how young people interact with the algorithm.
On the one hand, we can think that this could be a positive con-
clusion, as it may provide an opportunity to generate more interest in
environmental issues among adolescents, and if they search for this type
of content they will quickly start to see content that sends this message
of sustainability, further promoting their environmental awareness. But
on the other hand, if these teenagers are not interested, the algorithm
will never show them content linked to climate change and they can
completely ignore this problem.
On the other hand, we have detected a pattern in the type of content
shown in the sample. The three most consumed categories are sports,
fashion and lifestyle. A priori, sports do not provide us with anything
significant, but in the case of the other two categories, they do. In the
focus group, we were able to dig a little deeper, and the subjects told us
that when they checked the fashion box, they were mainly referring to
watching videos of people buying clothes in fast fashion stores, and they
all agreed that at least once, but usually, they themselves ended up buy-
ing those clothes they had seen recommended in the video. Therefore,
it is a big problem considering the need to promote degrowth and not
consumerism (Elisabetta Mocca, 2019), since fast fashion is a trend that
arises in the opposite direction and generates many pollution problems.
Regarding the third category that we have named as lifestyle, we were
also told that this type of videos always showed the life of the content
creators and their daily routine, where they mentioned that the standard
of living was very high and that it showed a highly consumerist life that
once again is not sending the right message if what we are looking for is a
greater awareness of future generations about the climate emergency as
has already been pointed out from the marketing field (Elena Santam-
aría de la Piedra & Rufino J. Meana, 2018).
Another idea we put forward is that, initially, the analyzed teenagers
do not have a natural interest in the climate issue. In fact, we can verify

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


356 climate change and social networks
A R T I G O

this when they comment that only 22% of the sample follows some kind
of content linked to sustainability, and in the questions on the scale of
habits, we do not find any sustainable pattern; rather, we find habits
quite linked to unsustainable consumption. In the focus group, they
themselves commented that the algorithm rarely shows environmental
content, and in part they related this to the fact that by not showing
interest -low interest and training in environmental education among
adolescents as shown by previous studies (Irene Coalla, 2022)- the algo-
rithm does not detect that it should propose content related to this topic.
As a general conclusion, the results of the present study indicate that
in no case can we say that the selected sample is nourished by a strong
message about the importance of creating a sustainable future. At least
for this particular case, we can observe these adolescents do not use social
platforms to consume content on Climate Change that could help them
to improve their awareness and sustainable habits. That is why we believe
that it is necessary to open up a new line of research to determine wheth-
er, with quality educational intervention, we can promote environmental
awareness (Alicia Puleo, 2019 & Yayo Herrero 2022). Perhaps, once this
interest has been generated through education, social media can be com-
plementary, as their interest in the topic will likely lead to algorithms
showing them more related content. Therefore, we believe it is of the
essence to deepen the line of research on the impact that the introduction
of ecological ethics as academic course content can have, and we hope
that this same study can be replicated on a larger scale to study whether
the data obtained are relevant to a particular case or not.

Bibliography
ADAMS, Carol. & GRUEN, Lori (2014). Ecofeminism. Feminist intersections with
other animals and the earth.
AKKUKUK, Ulas, et al (2016). Mobile Use and Online Preferences of the Millenials:
A Study in Yalova.
ALEGRE, Silvia (2007). Talleres comunitarios de educación ambiental para la intro-
ducción del pensamiento ambiental a nivel local. DELOS: Desarrollo Local Sostenible.
AL-SABTI, Duaa Ali et al. (2017). Impact of social media on society in a large and
specific to teenagers.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 357

A R T I G O
ARBURUA Goienetxe, Rosa (1994). Educación ambiental y medio ambiente. Propues-
tas didácticas para una educación hacia el reciclaje.
ARTOLA, Miguel (1986). Declaración Universal de los Derechos del hombre 1948.
AUSÍN, Txetxu (2008). Tomando en serio los derechos del bienestar.
BELTRÁN, Loreto (2006). Talleres de Educación Ambiental y Turismo. La educación
ambiental en Aragón en los albores del siglo XXI.
CARNOY, Martin (2005). La búsqueda de la igualdad a través de las políticas educati-
vas: alcances y límites.
CARR, Paul (2021). Algunos pensamientos sobre la tormenta que se avecina en las redes
sociales, el medio ambiente y la necesidad de un diálogo transformador y democrático.
CASTELLS, Manuel (2001). Internet y la sociedad red.
K, Coral (2021). El narcisismo en la sociedad de consumo: El caso de los influencers
españoles.
COALLA Estrada, Irene (2022). Ecologismo y educación ambiental en institutos.
De la Osma Tomás, Jesús Antonio (2014). La educación ambiental es también edu-
cación social.
EDMUNDS, Holly (1999). The Focus Group Research Handbook.
EDWARDS, Gemma (2010). Mixed-method approaches to social network analysis.
Escolà, Álex &, Diez, Miriam (2023). Who falls for fake news? Psychological and clini-
cal profiling evidence of fake news consumers.
FÉLIX, Jôao (2000). Recursos naturales para una educación ambiental ¿qué relevancia
tienen? Enseñanza de las ciencias de la tierra.
FRANKLIN, Catherine. (2009) Solution-Focused Brief Therapy in Schools: A Review
of the Outcome Literature.
GONZÁLEZ, Felipe (2019). Big data, algorithms and politics: the social sciences in the
era of social media.
GONZÁLEZ, Juan Carlos (1995). La Educación Ambiental: Qué entendemos y qué
deberíamos entender por Educación Ambiental.
HERRERO, Yayo (2020). La vida en el centro: voces y relatos ecofeministas.
HIGNETT, Sue (2015). Qualitative methodology.
HOSSAIN, Dewan Mahboob (2012). Mixed method research: An overview.
ISRAEL, Veronica & Laferrara, Valentina & Regina, Ana & Micó, Josep Lluís (2023).
Misinformation about the COVID-19 Vaccine in Online Catholic Media.
ISRAEL, Veronica & Micó, Josep-Lluís & Diez, Miriam (2022). Who Did Spanish Pol-
iticians Start Following on Twitter? Homophilic Tendencies among the Political Elite.
ISSBERNER, Philippe Léna (2016). Brazil in the Anthropocene: Conflicts between
predatory development and environmental policies.
JAEHO Cho, Saifuddin Ahmed, Martin Hilbert, Billy Liu & Jonathan Luu (2020). Do
Search Algorithms Endanger Democracy? An Experimental Investigation of Algorithm
Effects on Political Polarization.
KRUIKEMEIER, Sanne (2014). How political candidates use Twitter and the impact
on votes.
LIPOVETSKY, Gilles. (2004). El imperio de lo efímero.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


358 climate change and social networks
A R T I G O

LÓPEZ Rodríguez, Ramón (2001). La integración de la educación ambiental en el


diseño curricular: un estudio longitudinal en educación primaria.
LUQUE-ALCARAZ, Olga María, Antonio Gomera, África Ruíz, Pilar Aparicio-Mar-
tinez, and Manuel Vaquero-Abellan (2022). Validation of the Spanish Version of the
Questionnaire on Environmental Awareness in Nursing (NEAT).
MARTÍN, Francisca (1994). Educación ambiental: la educación para la vida.
MARTÍNEZ Villar, Alberto (2013). La educación ambiental y la formación profesional
para el empleo:la integración de la sensibilización ambiental.
MASCARELL Vaya, Claudia (2017). La formación de los estudiantes de secundaria en
educación ambiental.
MAYRING, Philipp (2007). Introduction: Arguments for mixed methodology.
MIHANOVICH, María (2020). Slow fashion en tiempo de redes sociales.
MOCCA, Elisabetta (2020). The local dimension in the degrowth literature. A critical
discussion.
NALAN Demircioglu, Yildiz & et Al ( 2011). Effects of personal characteristics on
environmental awareness; a questionnaire survey with university campus people in a
developing country, Turkey.
NOVO, María (2009). Environmental Education, a genuine education for sustainable
development.
PALMA, Lilian (1998). Fortalecimiento de la capacidad interdisciplinaria en Educación
Ambiental.
PULEO, Alicia (2011). Ecofeminismo para otro mundo posible.
PULEO, Alicia (2005). Los dualismos opresivos y la educación ambiental.
PULEO, Alicia (2019). Claves ecofeministas para rebeldes que aman a la Tierra y a los
animales.
QUIÑONES, Luis (2019). El cambio climático pondrá en riesgo el agua y la comida
del planeta.
RAWAMANGUN, Muka et Al (2019). Ecological Literacy, Environmental Awareness,
Academic Ability and Environmental Problem-Solving Skill.
RIECHMANN, Jorge (2012). Interdependientes y ecodependientes.
RODRIGUEZ, José Luis & MARTÍNEZ, Francesc & GALVÁN, Cristina. (2019). Los
relatos digitales personales y las redes sociales en adolescentes.
SANTAMARÍA de la Piedra, Elena & MEANA, Rufino (2018). Redes sociales y fenóme-
no influencer. Reflexiones desde una perspectiva psicológica.
SHIVA, Vandana (2006). Manifiesto para una democracia de la tierra, justicia, sostenib-
ilidad y paz.
SHIVA, Vandana (2019). El Planeta es de todos.
VILLENA, Eduardo & FERNÁNDEZ, Maria Jesus (2020). Relaciones con los públic.
WOOLEY, Samuel, Howard, Philip (2019). Computational propaganda: political par-
ties, politicians, and political manipulation on social media.
YEUNG, Karen (2018). Algorithmic regulation: a critical interrogation.
VASANTH, Rahul, and SEEMA Swamy (2013). Social Media’s Impact on Teenagers.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


laia palos rey | | miriam diez bosch | | verónica israel turim 359

A R T I G O
About the authors
Laia Palos Rey: Graduated in history with a minor in philosophy from the
Autonomous University of Barcelona, master’s degree in education from the
Camilo José Cela University and currently PhD candidate at Blanquerna-
-URL in the STREAM research group on communication of human rights,
environmentalism and education. This research is linked to an industrial
doctoral (DI2021/50) scholarship granted by the Catalan Government, whe-
re part of the thesis project is developed in a practical way in a secondary
education centre in Barcelona (Spain). E-mail: [email protected].
ORCID: http://orcid.org/ 0009-0009-4707-4844.

Miriam Diez Bosch: Founder and Director (Blanquerna Observatory on Media


Religion and Culture). Journalist and theologian. Professor (Senior Lecture)
and Vice Dean of Research, Transfer Knowledge and Internationalisation at
the Faculty of Communication and International Relations Blanquerna at the
Ramon Llull University of Barcelona. Vice-president of the Catalonia Religion
Foundation. Vicepresident of the International Society for Media, Religion
and Culture. E-mail: [email protected]. ORCID:https://orcid.
org/0000-0002-3120-9443

Verónica Israel Turim - Holds a Ph.D. in Communication from Ramon Llull


University, Barcelona. She is the academic coordinator of the Master in Cul-
tural Production and Communication and a Professor of undergraduate and
graduate studies at the same University. She is a researcher in the STReaM
group and in the Blanquerna Observatory of Communication, Religion, and
Culture, and a member of the Chair of Religious Freedom and Conscience
of Catalonia. She is the gender editor of the magazine Trípodos and is a mem-
ber of the Women in Research group. E-mail: [email protected].
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5843-1781

Data de submissão: 18/05/2024


Data de aceite: 09/08/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 341-359,mai./ago. 2024


COMUN. MÍDIA CONSUMO, SÃO PAULO, V. 21, N. 61, P. 360-379,mai./ago. 2024
A R T I G O

DOI 10.18568/CMC.V20i61.2909

Couples’ mental health and increased Instagram


consumption
Swaleha Khanam
Tasha Singh Parihar

Abstract: This study looks at how Instagram affects couples’ mental health
in the digital age, highlighting both its benefits and drawbacks. Instagram has
one billion active users per month, making it the most popular platform for shar-
ing content that involves images. It talks about the possible negative effects of
using Instagram, such as low self-esteem, cyberbullying, and social comparison.
The study advises couples to set reasonable limits, use Instagram with awareness,
and be open and honest about their online relationships. To support couples in
navigating the digital world while placing a high priority on their mental health,
mental health professionals should include discussions on digital dynamics in
couple’s therapy sessions. Instagram may have a detrimental effect on a couple’s
mental health by encouraging social comparison, jealousy, problems with trust,
and excessive social media use. It can foster understanding and bring up pleasant
memories, but it can also result in miscommunication and emotional distance.
Although there is little data linking Instagram use to mental health, research
has indicated that using the platform to browse Instagram might lessen lone-
liness while influencers’ popular practice of broadcasting on the platform can
make people feel more alone. Instagram and other picture-based platforms can
help users establish a more robust social presence, which increases their effective-
ness in reducing loneliness. The study identifies methodological difficulties in
examining the mental health of spouses and makes recommendations for further
research. It also covers relationship growth, social comparison dynamics, com-
munication styles, and privacy concerns, as well as the ramifications for couples
and therapists. It calls for more research and professional development to address
the evolving digital couple’s therapy landscape. The present study concludes by
examining the impact of Instagram on mental health in a range of age groups
swaleha khanam | tasha singh parihar 361

A R T I G O
and highlighting areas that require more investigation or development to alleviate
the negative impacts of social media use on mental health.
Keywords: Social media, Consumption, Modern relationship, Miscommunica-
tion, Mental health

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


362 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

Introduction
There has been some variation in the research findings about the re-
lationship between couples’ mental health and Instagram use. Not to
mention that relationship dynamics, personality characteristics, and the
type of information seen can all have an impact on how Instagram use
affects mental health. Instagram’s effect on the mental health of couples
and its applicability in the current digital era is covered in this paper.
This research paper gives a general summary of Instagram’s broad use
and the growing worries about its potential implications on the men-
tal health of couples. The paper’s aims are delineated in the possible
hazards linked to Instagram usage, comprehension of the fundamental
workings, and discourse on tactics to encourage positive interactions on
the internet. The probable harms of Instagram to the mental health of
couples are discussed here. It addresses several elements that might lead
to psychological suffering, including poor self-perception, cyberbully-
ing, and social comparison. The paper includes pertinent studies and
data demonstrating the links between Instagram use and mental health
issues of couples including depression, anxiety, and poor self-esteem.
With one billion active users per month, Instagram is the most widely
used platform for sharing image-based material with commentary. Teen-
agers, young adults and couples who regularly check their accounts are
especially fond of it. The consequences of Instagram use on a couple’s
mental health and general well-being have drawn the attention of re-
searchers, and there is a growing body of literature on this subject [1].
To identify important psychological characteristics and summarise the
present state of growing research on the association between Instagram
usage intensity and mental health, this study will be conducted. Dissatis-
faction with one’s physique and look is frequently the outcome of social
comparison, in which people assess their appearance by contrasting
themselves with media standards. For people who struggle with mental
health concerns or anxiety related to their body image, this can be very
detrimental. Depression is frequently the result of the urge to evaluate
oneself on Instagram and compare oneself to others. Depression has

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 363

A R T I G O
been linked to social comparison and jealousy, as people use Instagram
to compare and seek acceptance from others. Instagram affects a cou-
ple’s life greatly overall, which emphasises the significance of tackling
Instagram’s detrimental impacts on mental health [].
This paper examines how Instagram has affected modern society,
emphasising how it has shaped people’s behaviours, interpersonal
connections, and cultural dynamics. The development of Instagram,
self-presentation, social relationships, and cultural trends are all exam-
ined. Additionally, the study looks at how it promotes digital communities,
shapes social norms, and aids in communication and expression. In ad-
dition to criticising Instagram’s possible detrimental effects on mental
health, body image, self-esteem, cyberbullying, social comparison, and
unattainable beauty standards; it also recognises Instagram’s beneficial
contributions to society, such as activism and social good []. In addition,
privacy issues and social media companies’ obligations to protect user
privacy are covered in the paper. It also foresees upcoming developments
and difficulties in the constantly changing social media environment. It
looks at how social media sites like Facebook, Instagram, and Linke-
dIn help people start relationships, keep them going over time, affect
how people communicate, and mould intimacy and sharing. It also
looks at the development of online communities, the phenomena of
social comparison, and relationship satisfaction. But it also talks about
issues including possible misconceptions, privacy problems, and cyber-
bullying. The research underscores the necessity of responsible digital
involvement by projecting future trends and repercussions at the nexus
of social media and interpersonal connections. The significance of ethi-
cal digital involvement is emphasised in the study’s conclusion.

What defines Instagram?


Instagram is a mobile location-based social network software that
lets users upload images and videos with digital effects applied. The
software, originally named Burbn, was created in San Francisco, Cali-
fornia, by Kevin Systrom and Mike Krieger with the goal of fusing the

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


364 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

functionality of well-known social networking platforms like Foursquare


[]. Instagram is a hybrid of “instant camera” and “telegram,” enabling
users to digitally recapture the nostalgia of the instant photos made pop-
ular by Kodak Instamatic and Polaroid. In addition to allowing users to
“like” and comment on images, follow other users’ feeds, and link their
Instagram accounts to other social media platforms, the app includes
20 filters that alter the lighting and tone of photos. Due to Instagram’s
contentious terms of service, some users have migrated to other pho-
to-sharing platforms, such as Pheed and Flickr. The platform fosters
widespread cooperation by means of user-generated content, advancing
value via topic communities and connections between users [].
Instagram has a complicated and wide-ranging effect on couples’
mental health. It can increase a feeling of nostalgia and belonging by
promoting connection, fostering shared interests, and offering a virtual
scrapbook of memories. However, it can also result in unreasonable ex-
pectations, communication difficulties, social comparison, and privacy
issues. It is recommended that couples use Instagram with awareness,
establish appropriate boundaries, and be transparent about their digital
contacts. Mental health practitioners should incorporate conversations
on digital dynamics into their couple’s treatment to enable couples to
effectively traverse obstacles and make beneficial use of social media
[]. Longitudinal research, cultural factors, and focused interventions to
encourage responsible Instagram usage are some of the next topics to be
pursued. In conclusion, in order for couples to manage the digital world
while putting their mental health first, it is imperative that they compre-
hend the link between couples and Instagram’s influence.
1. Social Comparison and Self-Esteem: Users frequently post well
chosen and idealised photos of their life on Instagram. Regular
exposure to these romanticised portrayals may cause social com-
parison, which may have an adverse effect on one’s self-esteem. If
couples believe other relationships are more glamorous or success-
ful than their own, they may feel inadequate or unsatisfied.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 365

A R T I G O
2. Jealousy and Trust: Relationship problems with jealousy and trust
may be exacerbated by Instagram. Feelings of uneasiness might
arise when one observes their spouse interacting with others, like
or commenting on images. If one spouse is worried about the
other’s internet activities, there may be a breakdown in trust and
communication.
3. Time Spent on Social Media: Neglecting in-person interactions
due to spending too much time on Instagram or social media
in general might lower the quality of time spent with others. An
over-dependence on digital communication might result in emo-
tions of emotional detachment or loneliness inside the partnership.
4. Benefits: On the plus side, couples may use Instagram to preserve
a sense of connection, share happy memories, and deepen their
relationship—especially in distance relationships. Experiences and
activities that are shared can be enhanced by following relation-
ship-focused accounts and having similar interests.
5. Miscommunication and misunderstandings: On Instagram, un-
clear postings or conversations might lead to misunderstandings.
Relationship disputes may arise from a lack of context or incorrect
interpretation of likes and comments.
6. Celebrating Relationship Milestones with Instagram: Creating
a feeling of shared history and happy recollections, some couples
utilise Instagram to celebrate and record significant moments in
their relationship.

It is essential to acknowledge that the influence of Instagram on the


mental well-being of couples is extremely contextualised. While some
couples can experience difficulties, others could feel that the platform
improves their relationship. Positivity may be increased via open com-
munication, building trust, and establishing sensible limits on social
media use. Researchers are still delving into the complex correlations
that exist between social media usage and mental health, and more

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


366 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

recent research may shed light on the specifics of Instagram use in ro-
mantic relationships [].

Mental Health
A persistently depressed state or lack of interest in activities are hall-
marks of depression, a mental disease that has a substantial negative
impact on life. The symptoms might come on suddenly or over a pe-
riod of time []. They can include exhaustion, lack of interest, angry
outbursts, decreased appetite, and in certain cases, suicidal thoughts.
Anxiety disorder is a mental illness characterised by strong feelings of
fear, worry, or anxiety that make it difficult to go about daily tasks. El-
evated heart rate, hyperventilation, a sense of impending danger, an
inability to control worry, and a strong desire to cease going through
worrisome circumstances are all signs of anxiety disorders []. Anxiety
episodes are extremely difficult to control and can escalate to a peak in
a matter of minutes. Stress is a feeling of mental or physical tension that
can be brought on by any thought or circumstance that makes you feel
uneasy, angry, or disappointed. It can affect not just feelings or mood but
also physical health, resulting in headaches, fatigue, loss of energy, and
even the use of drugs or alcohol. Stress that is mild or momentary usual-
ly passes quickly, while chronic stress lasts for a long time. The subset of
psychological well-being known as self-esteem comprises an individual’s
positive and negative self-perceptions. Both good and negative societal
and personal factors can have an impact on one’s sense of self-worth. A
person’s self-esteem can be high or low, positive or negative, depending
on their emotional state, self-perception, and thoughts about their con-
nections with others [].

Instagram and Mental Health


On the social media platform Instagram, individuals may share photos
from their daily lives. Nonetheless, little research has been done on the
relationship between Instagram use and mental health. A 2016 research

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 367

A R T I G O
looked at the association between individuals in a partnership that used
Instagram, loneliness, and social comparison. According to the study,
Instagram browsing was linked to lower levels of loneliness, whereas in-
fluencers’ activity, broadcasting, was linked to higher levels of loneliness
[]. More loneliness was indicated by those who engaged in upward so-
cial comparison.
In contrast to text-based platforms, picture-based ones like Insta-
gram—create a stronger social presence, which makes them more
effective in preventing loneliness, according to a 2018 research. Ac-
cording to research, there was a correlation between reduced degrees
of loneliness and the use of image-based sites like Instagram. The forms
of Instagram use and their connection to depressive moods in teenagers
were the main topics of a 2020 longitudinal research. After using Insta-
gram twice a day, participants were prompted to complete the survey.
Based on the results, it appears that those who used Instagram for the first
time throughout the day had higher levels of depression than those who
used it twice. Instagram use may boost teenager’s psychological health
and a study discovered that teenagers’ self-acceptance increased when
they received likes on uploaded images []. However, when Instagram
photographs don’t get the necessary amount of “likes,” self-acceptance
can decline just as quickly as it can soar.

Conceptual Framework

Key Concept:
▪ Utilising Instagram (Independent Variable)
▪ Dependent variable: Mental Health of Couples
▪ Mediating Factors (such as impulses towards comparison and com-
munication habits)
▪ Moderating factors (personal mental health, relationship satisfac-
tion, etc.)

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


368 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

Hypotheses:
▪ H1: There is a negative correlation between couples’ mental health
and increased Instagram use.
▪ Expected: The mental health of couples who use Instagram more
frequently will be worse.

Data Collection:
Data Collection Method Sample Size Duration
Surveys (Quantitative) 30 couples 10 days

Variables and Measurements:


Relationship Number of
S. No. Instagram Use
Satisfaction Respondents
1 1-2 hours/ day Good 8

2 3-5 hours/ day Average 13


3 More than hours/ day Bad 9

Data Analysis:
The study examined relationship satisfaction and Instagram usage
statistics. The most popular usage, which varied depending on the re-
sponder, fell into the 3-5 hours per day group. With a fairly balanced
distribution between the “Good” and “Bad” categories, a sizable major-
ity of respondents stated that their relationship satisfaction was average.
The categories that contributed to the connection were determined
by analysing the data. Considering the significant level of the sample’s
relationship satisfaction with Instagram use was the study’s last step. Rec-
ognising the study’s shortcomings and taking any biases in the data into
account was critical.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 369

A R T I G O
Discussion:
30 couples participated in the study, which looked at the connection be-
tween relationship happiness and Instagram use. The utilisation pattern
was modest, and the satisfaction ratings were not all the same. The re-
sults corroborate other research on the connection between relationship
happiness and social media use. Adapting treatments and counselling
techniques for couples experiencing difficulties with Instagram use is
one way to address the practical issues. Future studies should exam-
ine certain facets of Instagram usage and take self-reporting bias into
account.

The impact’s underlying mechanisms


In order to better understand how Instagram affects the mental health of
couples, this study will concentrate on social interactions, self-presenta-
tion, and carefully constructed online personas. It also covers the effects
of Instagram use on the mental health of couples and how addicting it
can be. Digital well-being practices, mindfulness, media literacy, and
cultivating supportive online networks are some of the strategies that
support improved mental health outcomes []. In controlling Instagram
use, the paper places a strong emphasis on personal accountability, dig-
ital self-care, and setting appropriate limits. It also covers moral issues
including user empowerment, transparency, content control, privacy,
and data usage. The paper’s conclusion emphasises the necessity of user
knowledge, Instagram usage that is responsible, and group efforts by
users, platforms, and legislators to develop a more positive digital envi-
ronment that promotes psychological well-being. The study emphasises
the intricate connection between Instagram use and the mental health
of couples and the necessity of coordinated actions by users, platforms,
and legislators.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


370 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

Digital Context for Couples Relationships


Significant parts of life, frequently greater than job or financial posses-
sions, are couple connections. From evolutionary, communicational,
and economic viewpoints, among others, they are examined. In a cou-
ple’s love relationships, there are discernible stages, and as these phases
shift, new requirements arise. An increasing number of couples relation-
ships, particularly those of young adults are formed, maintained, and
ended via online platforms []. While Instagram platforms offer quick
and simple communication channels for couples to share joys and keep
the lines of communication open even after their relationship ends,
dating services offer a virtual environment for beginning a relationship.
But using Instagram may also lead to conflict, especially when there are
unfavourable circumstances involved, like envy. With a frequent selfie
post linked to bad relationship results and envy from followers’ too-flat-
tering responses, Instagram plays a significant yet unfavourable role in
romantic relationships as well. As a result of the potential for heightened
tension and envy between partners, the significance of online commu-
nication tends to diminish in committed relationships []. It’s important
to think about how Instagram could affect love relationships and how
having an extensive online presence could affect them.

Positive Influences
Couples may use Instagram as a forum to promote shared interests,
commemorate and share important life events, and compile an online
scrapbook of memories. By maintaining closeness and contact through
comments, direct messages, and shared information, enhances commu-
nication. Instagram also helps to build a community that is conducive
to relationships by encouraging thankfulness and admiration through
affirmations posted in public []. Real-time communication and visual
updates can assist in bridging the gap in long-distance relationships
by creating a sense of presence even while physically separated. How-
ever, there are obstacles to overcome, such as privacy concerns and

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 371

A R T I G O
comparison traps. Recognising possible issues, recognising potential
hurdles, and learning to strike a healthy balance are strategies for getting
over roadblocks and maintaining equilibrium when using social media
in pairs [].

Negative Influences
This paper examines how social media, especially Instagram, affects
modern relationships and the possible harm it may do to a pair. It talks
about how social comparison, unattainable beauty standards, trust diffi-
culties, and the possibility of misinterpreting online behaviour to cause
conflict in real life may all be caused by Instagram’s carefully selected
material []. There is also discussion of communication issues, such as
the possibility that significant in-person encounters might be replaced
by digital communication, which would lower the relationship’s overall
communication quality. Concerns about privacy are covered, along with
the possible negative effects of revealing too much information and the
need to set personal limits. Expectations of unrealistic relationships are
examined, with the possibility of disappointment when actual relation-
ships do not live up to the idealised representations []. Along with the
psychological effects of unfavourable encounters and public confronta-
tions on relationship well-being, cyberbullying and internet harassment
are also covered. Spending too much time on Instagram might cause
one to miss in-person conversations, which can impede spending mean-
ingful time with others. Setting limits, developing resilience, and having
open communication are all effective coping mechanisms for couples
dealing with unfavourable influences on Instagram []. In order to mi-
nimise possible problems, the text’s conclusion emphasises the need to
take a thoughtful approach to using social media, encouraging commu-
nication, and establishing healthy limits.

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


372 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

Individual Differences and Moderating Factors


A number of variables to determine how Instagram affects mental health
look at coping strategies, digital literacy, personality features, attachment
types, communication patterns, reasons for using Instagram, cultural
and social factors, and the implications for support and intervention [].
Extraversion, introversion, neuroticism, and openness are some of the
personality factors that affect how people use Instagram and how suscep-
tible they are to social comparison and emotional reactions. Different
attachment patterns, including avoidant, anxious, and secure, have an
influence on how people use Instagram and how that use affects their
mental health. Self-expression, obtaining information, and fostering
social connections are among the reasons people use Instagram []. In
order to moderate the association between Instagram use and outcomes
related to mental health, coping strategies are vital. Additionally influ-
ential are media and digital literacy
People’s interpretation of material on Instagram is also influenced
by their level of digital and media literacy, and the ability to use criti-
cal thinking skills is essential for navigating the platform and removing
dangerous content. Individual views of Instagram usage are shaped by
cultural and socioeconomic factors, with cultural expectations and con-
ventions reducing the influence of Instagram on mental health across
a variety of demographics. Recognising individual variations can help
develop tailored support systems and treatments, resulting in more in-
dividualised approaches to mental health promotion. As a result, this
study adds to our understanding of Instagram’s effects on mental health
and emphasises the need for more research to examine the relationship
between user characteristics and Instagram use [].

Methodological Challenges and Future Research


Directions of Couples Mental Health
The difficulties in studying couples’ mental health are covered in this
paper, along with sample strategies, measurement problems, technology,

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 373

A R T I G O
long-term studies, diversity and inclusion, intervention research, qualita-
tive approaches, and cooperative research. It examines the shortcomings
of cross-sectional studies, emphasises the need of validated instruments,
longitudinal studies, and technology in research, and stresses the need
of taking socioeconomic, cultural, and interpersonal structures into ac-
count []. The promise of digital tools and interventions is also covered in
the article, although privacy and ethical issues are also emphasised. In
closing, the report highlights methodological issues with couples’ mental
health research and suggests creative avenues for further investigation.
This will assist researchers in enhancing the calibre and relevance of
their results, which will ultimately result in couples’ support systems and
successful therapies [].

Instagram Implications for Couples and Therapists


How Instagram affects couples and therapists, with a particular emphasis
on relationship development, social comparison dynamics, communica-
tion styles, and privacy issues. It also covers how therapists may help
couples dealing with issues linked to Instagram usage during couples
therapy, the value of integrating digital literacy, how to create appropri-
ate limits, and coping mechanisms for couples experiencing difficulties
with Instagram use []. The paper urges more study and professional
growth to handle the changing digital dynamics of couple’s therapy. In
the ever-changing digital world, therapists and couples may promote
healthy, communicative relationships by incorporating digital literacy
into therapy practice and carefully exploring Instagram [].

Social Media and Its Repercussions


As of July 2012, there were around 172 million users of social media, a
5% increase in users over the previous year []. Nonetheless, there has
been a rise in interest in research on participants’ mental health. Re-
searchers came to the conclusion that social media users have greater
levels of anxiety and despair. Participants in a previous research of young

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


374 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

adults in the US who utilised seven or more social media sites showed
higher levels of anxiety and despair.
In a different study, Lin et al. (2016) discovered that those with regu-
lar social media usage had higher depressive symptoms than those with
infrequent use. Various writers have proposed distinct explanations for
the correlation between social media and anxiety and depression, such
as age and its link to self-worths. Women scored higher than males on
studies by Andreassen et al. (2017) and Hardy and Castonguay (2018)
about addictive social media usage, however this tendency was more
prevalent in young individuals than in older adults. An examination of
the relationship between social media and wellbeing that was released in
2017 used a different methodology. According to the writers, depending
on how it’s utilised, social media may have a good or bad effect. Social
media usage and well-being are positively correlated when it comes to
higher levels of connection, and negatively correlated when it comes to
actions that don’t satisfy users’ approval requirements [].
Users of Instagram, a phrase used to refer to websites and applications
that emphasise collaboration, content sharing, communication, and
engagement, have increased. But it has been shown that this has a detri-
mental effect on users’ mental health. Instagram usage has been linked
to poor mental health in the past, with a study that intends to investigate
the disparate ways have encountered Instagram. The project intends to
investigate possible impacts and long-term implications as well as fill in
research gaps regarding the influence of Instagram on cohort mental
health. Future investigations into how Instagram affects mental health
across a range of age groups will be aided by the results.
Instagram now plays a big role in people’s lives and affects their men-
tal health in a lot of different ways, such as personal, behavioural, and
economic. Due to Instagram’s growing popularity and influence over a
wide range of spheres of life, there is, nevertheless, a dearth of studies
on the effects of Instagram uses on mental health [2]. In addition to
comparing the levels of stress, anxiety, depression, and self-esteem, this
study intends to investigate the wider effects of Instagram. Due to their

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 375

A R T I G O
upbringing in the heyday of Instagram and the internet, it is anticipated
that Generation Z will report higher rates of poor mental health.

Conclusion
A study’s conclusion should reiterate important findings, highlight ma-
jor discoveries, and discuss how these findings affect the goals of the
investigation. It should also include a summary of the goals of the study
and a discussion of how those goals have been met. Practical suggestions
for the next interventions or activities, together with detailed methods
or approaches to deal with the concerns brought up, have to be given in
light of the findings. Stakeholders, practitioners, and legislators should
take these results’ consequences into account. The study should high-
light opportunities for improvement or more research to address these
shortcomings as well as recognise them.
Although social media and mental health are generally associated
negatively, some research points to possible positive interactions. De-
pending on why people use social media and how they use it, there are
different effects on mental health. For results to be more broadly appli-
cable, future research should concentrate on a variety of age groups.
This study fills in the gaps in the literature by evaluating the ages taken
into account and cohort differences on the impact of social media on
individual mental health.
Instagram has become a more potent tool for isolating us from others
than for fostering social connections, particularly in the year of quar-
antine when the majority of human interaction has been facilitated by
complex virtual social networks. Online connections frequently have
an unsettlingly close sense to them while also feeling manufactured.
According to futurologist Marshall McLuhan’s well-known dictum, “the
medium is the message,” any media’s effects on society and on an indi-
vidual basis or couples stem from the additional dimensions that each
technological advancement or personal extension of ourselves brings
into our lives. As evidenced by Dunbar’s Number theory, which holds
that people can only appreciate and recognise a certain number of other

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


376 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

people, the internet can lead to a terrible sense of isolation. Studies of


comments left on far-right Instagram sites have shown that this feeling of
isolation and dehumanisation may reach catastrophic heights. Our so-
cial intelligence may short circuit due to the tension between empathy
and hatred on the internet, creating unhealthy interactions that we are
ill-prepared to handle. The actual effects of social networking on our re-
lationships and mental health remain a mystery to modern psychology.

References
ASTLEY, A. (2022, December 6). Unf*ck Your Life and Relationships.
Simon and Schuster. http://books.google.ie/books?id=Ehl2EAAAQBAJ&printsec=-
frontcover&dq=The+Relationship+between+Instagram+use+and+Couples+men-
tal+Health&hl=&cd=8&source=gbs_api
BALLENGER, J. (2006, January). The Relationship between Antidepressant Medica-
tion Use and Rate of Suicide, Yearbook of Psychiatry and Applied Mental Health, 2006,
198–199. https://doi.org/10.1016/s0084-3970(08)70194-4
CANADY, V. A. (2017, July 24). Researchers explore nonsuicidal self-injury on Insta-
gram. Mental Health Weekly, 27(29), 5–6. https://doi.org/10.1002/mhw.31130
CANADY, V. A. (2018, July 30). Survey explores social media, mental well-being among
youth. Mental Health Weekly, 28(29), 3–4. https://doi.org/10.1002/mhw.31535
CANADY, V. A. (2019, May 27). APA poll: Social media has negative impact on mental
health. Mental Health Weekly, 29(21), 6–6. https://doi.org/10.1002/mhw.31914
CANADY, V. A. (2020, April 17). NAMI partners with Instagram on new Netflix series
on MH. Mental Health Weekly, 30(16), 7–7. https://doi.org/10.1002/mhw.32327
COLMAN, E., MISSINNE, S., BRACKE, P. (2014, March 4). Mental Health Care
Use Among Recently Cohabiting and Newlywed Couples: An Application of the Social
Control Theory. Social Work in Mental Health, 12(2), 132–154. https://doi.org/10.108
0/15332985.2013.817370
Couples Intervention to Improve Mental Health. (2019, September 10). Case Medical
Research. https://doi.org/10.31525/ct1-nct04084756
DEV, K. (2023, October 5). Use of Data Science to Analyse the Relationship between
Social Media Usage and Mental Health Outcomes, International Journal of Science
and Research (IJSR), 12(10), 1466–1473, https://doi.org/10.21275/sr231017100823
ERMER, A. E., PROULX, C. M. (2021, April 19). The association between relation-
ship strain and emotional well-being among older adult couples: the moderating role of
social connectedness. Aging & Mental Health, 26(6), 1198–1206. https://doi.org/10.10
80/13607863.2021.1910786

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 377

A R T I G O
FAELENS, L., HOORELBEKE, K., CAMBIER, R., VAN PUT, J., VAN DE PUTTe,
E., De RAEDT, R., KOSTER, E. H. (2021, August). The relationship between Insta-
gram use and indicators of mental health: A systematic review. Computers in Human
Behavior Reports, 4, 100121, https://doi.org/10.1016/j.chbr.2021.100121
GERRARD, Y. (2020, July). The COVID-19 Mental Health Content Modera-
tion Conundrum. Social Media + Society, 6(3), 205630512094818. https://doi.
org/10.1177/2056305120948186
GUPTA, R., ARIEFDJOHAN, M. (2020, April 23). Mental illness on Instagram: a
mixed method study to characterize public content, sentiments, and trends of antide-
pressant use. Journal of Mental Health, 30(4), 518–525. https://doi.org/10.1080/09638
237.2020.1755021
GUPTA, R., ARIEFDJOHAN, M. (2020, April 23). Mental illness on Instagram: a
mixed method study to characterize public content, sentiments, and trends of antide-
pressant use. Journal of Mental Health, 30(4), 518–525. https://doi.org/10.1080/09638
237.2020.1755021
HEIM, C., HEIM, C. (2023, April 14). Resilient Relationships, Taylor & Francis, http://
books.google.ie/books?id=tpavEAAAQBAJ&pg=PT54&dq=The+Relationship+be-
tween+Instagram+use+and+Couples+mental+Health&hl=&cd=4&source=gbs_api
IKBAL, T. (2023, August 25). A Comprehensive Evaluation of the Impact of Social Me-
dia on Mental Health Reveals Noteworthy Effects. Praxis International Journal of Social
Science and Literature, 6(8), 64–72. https://doi.org/10.51879/pijssl/060807
JIA, M., JU, R., ZHU, J. (2023, March 1). Understanding Mental Health Organizations’
Instagram Through Visuals: A Content Analysis. Health Communication, 1–11. https://
doi.org/10.1080/10410236.2023.2185350
K, K. (2021). Behavioral Couples Therapy for Substance Use Disorders: A Model for
Implementation. Mental Health & Human Resilience International Journal, 5(2).
https://doi.org/10.23880/mhrij-16000148
K. K. (2023, July 13). Impact of Instagram Use on Youth’s Mental Health: A Study.
International Journal for Multidisciplinary Research, 5(4). https://doi.org/10.36948/
ijfmr.2023.v05i04.4352
KALAIVANI, S. S. A. D. S. (n.d.). Education on Digital Cultural and Social Media. Lulu.
com. http://books.google.ie/books?id=53zCDwAAQBAJ&pg=PA518&dq=The+Re-
lationship+between+Instagram+use+and+Couples+mental+Health&hl=&cd=6&-
source=gbs_api
KOTHAMBIKAR, A. (2023, June 22). Mediating Role of Social Media on
Youth’s Psychological Well-Being. Springer Nature. http://books.google.ie/
books?id=OObGEAAAQBAJ&pg=PR10&dq=The+Relationship+between+Insta-
gram+use+and+Couples+mental+Health&hl=&cd=7&source=gbs_api
NATTEMBO, A. (2021, December 31). A Techno-Socio Exploration of Mental Health
Communication on Social Media. Health & New Media Research, 5(2), 171–189.
https://doi.org/10.22720/hnmr.2021.5.2.171

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


378 couples’ mental health and increased instagram consumption
A R T I G O

PALIS, H., MARCHAND, K., OVIEDO-JOEKES, E. (2018, February 12). The rela-
tionship between sense of community belonging and self-rated mental health among
Canadians with mental or substance use disorders. Journal of Mental Health, 29(2),
168–175. https://doi.org/10.1080/09638237.2018.1437602
PAUL, S. (2019, June 27). The Wisdom of Anxiety, Hachette UK, http://books.google.ie/
books?id=Xs-SDwAAQBAJ&printsec=frontcover&dq=The+Relationship+between+In-
stagram+use+and+Couples+mental+Health&hl=&cd=3&source=gbs_api
PONTES, H. M. (2022, September 17). Behavioral Addictions. Springer Nature. http://
books.google.ie/books?id=chuKEAAAQBAJ&pg=PA85&dq=The+Relationship+be-
tween+Instagram+use+and+Couples+mental+Health&hl=&cd=2&source=gbs_api
PRETORIUS, C., MCCASHIN, D., COYLE, D. (2022, December). Mental health
professionals as influencers on TikTok and Instagram: What role do they play in men-
tal health literacy and help-seeking? Internet Interventions, 30, 100591. https://doi.
org/10.1016/j.invent.2022.100591
SADAGHEYANI, H. E., TATARI, F. (2020, October 16). Investigating the role of social
media on mental health. Mental Health and Social Inclusion, 25(1), 41–51. https://doi.
org/10.1108/mhsi-06-2020-0039
SAVARD, C., SABOURIN, S., LUSSIER, Y. (2011, March 24). Correlates of psycho-
pathic personality traits in community couples. Personality and Mental Health, 5(3),
186–199. https://doi.org/10.1002/pmh.159
STATES SUE META, claiming Instagram, Facebook fueled youth mental health cri-
sis. (2023, November 3). Mental Health Weekly, 33(43), 7–7. https://doi.org/10.1002/
mhw.33850
UTTER, K., WAINEO, E., BELL, C. M., QUAAL, H. L., LEVINE, D. L. (2020, Oc-
tober 27). Instagram as a Window to Societal Perspective on Mental Health, Gender,
and Race: Observational Pilot Study. JMIR Mental Health, 7(10), e19171. https://doi.
org/10.2196/19171

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024


swaleha khanam | tasha singh parihar 379

A R T I G O
About the authors
Swaleha Khanam - Research scholar of mass communication. School of
Media and Communication Studies, Galgotias University, India. Currently
doing research on Applying Positive and negative deviance approach to study
the Instagram posts, reels and stories on creating fancy relationship goals.
E-mail: [email protected]
ORCID: http://orcid. org/0000-0001-7382-7269

Tasha Singh Parihar - Professor in School of Media and Communication Studies.


Teaches Journalism and Mass Communication and is associated with Galgo-
tias University, India. Expertise in quantitative research in ICTs, Digital News,
Game Studies and Social-Media. Honorary member of the Editorial Board of
IJBST Journal Group. E-mail: [email protected].
ORCID: http://orcid. org/0000-0003-2103-0500

Data de submissão: 10/01/2024


Data de aceite:11/08/2024

comun. mídia consumo, são paulo, v. 21, n. 61 p. 360-379,mai./ago. 2024

Você também pode gostar