SUMÁRIO ...............................................................................................................................
6
CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................... 7
ROTHREN .......................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 2 ......................................................................................................................... 19
MARIE ............................................................................................................................... 19
CAPÍTULO 3 ......................................................................................................................... 29
ROTHREN ........................................................................................................................ 29
CAPÍTULO 4 ......................................................................................................................... 39
MARIE ............................................................................................................................... 39
CAPÍTULO 5 ......................................................................................................................... 49
ROTHREN ........................................................................................................................ 49
CAPÍTULO 6 ......................................................................................................................... 58
MARIE ............................................................................................................................... 58
CAPÍTULO 7 ......................................................................................................................... 67
ROTHREN ........................................................................................................................ 67
CAPÍTULO 8 ......................................................................................................................... 76
MARIE ............................................................................................................................... 76
Fim.......................................................................................................................................... 81
A luz do nosso sol é fraca, muito fraca, nestes anos de morte. É uma
maravilha que nossas planícies já tenham sido verdejantes como meu pai
uma vez disse. Nasci muito depois desse tempo, agora a comida é tão escassa
que é difícil acreditar em um poder superior. Quem faria o mundo como é,
e depois nos condenaria a sofrer assim?
Pois certamente, se criou este mundo, também criou o Neff.
Parece inócuo. Eu debateria isso com veemência, enquanto sento-me
aqui na enfermaria de Laskel, segurando a mão da minha filha. Suas guelras
vibram fracamente em ambos os lados de sua mandíbula. No passado, a pele
dela era da mesma beleza de creme e azul que a minha. Hoje, o azul perdeu
o tom do céu assemelhando-se mais a um crepúsculo triste e agonizante. Os
tons creme foram lavados também, e agora são da mesma cor que compõem
a tenda que nos rodeia.
As minúsculas bolhas rosadas se destacam
contra seus braços. O vírus Neff é incrivelmente
contagioso, mas eu não vou me sentar ao seu
lado com luvas e uma máscara enquanto ela
toma suas últimas respirações. Fiz isso com a mãe dela e vi a repulsa refletida
nos meus próprios olhos. Na verdade, ela ficou cega muito antes que a
doença a levasse, mas vi que criatura egoísta eu era. Isso foi o que importou.
Laskel é a parada final antes de Eilari se juntar a sua mãe. É a parada
final para a maioria das pessoas nessa área afetadas pelo Neff. Quando a
doença apareceu pela primeira vez, matou apenas alguns por dia. Ainda
tínhamos tempo para realizar ritos fúnebres, acendendo fogueiras para
lamentar nossos mortos antes que o ritual da terra fosse necessário para
prepará-la para os outros.
Agora a terra está cheia de cadáveres em decomposição e ninguém mais
se incomoda em apagar o fogo. Simplesmente adicionam mais corpos.
Em desespero, enviamos mensagens para além das estrelas para vários
dos nossos aliados. Os Mouls são muito próximos dos nossos próprios genes
para arriscar seus pescoços por nós. Os Enthinakisart são muito moderados
com seus recursos. Para nos salvarmos, mesmo que restem poucos, talvez
tenhamos que quebrar a vontade de nosso monarca.
Somos proibidos de entrar em contato com os terráqueos, mas, do jeito
que estamos, eles parecem ser os mais próximos no
universo que têm quase a mesma tecnologia que
nós. Talvez os médicos deles vejam algo que
estamos perdendo.
Ou talvez não, e aí perderemos a luta contra essa praga. Podemos
desmoronar por dentro e perder tudo o que nos resta.
Olho para baixo para ver minha filha olhando para mim. Ao contrário
de sua mãe, ela não recebeu o dom da cegueira. Quando olha para si mesma,
vê as pequenas bolhas que a matam. Eu enrolo meu rabo ao redor dela e
tento não prender a respiração enquanto as preciosas guelras tremulam,
depois caem, mais fracas conforme o tempo passa.
—Telo? — Ela pergunta, sua voz fraca.
Seus minúsculos caninos prematuros nunca se transformarão nas
presas que pressionam meu lábio inferior quando me chama pelo nome. Ela
nunca terá essa chance.
— Estou aqui. — Murmuro em retorno.
— Onde?
Seus olhos me olham sem ver. Eu provo sangue, as pontas das minhas
presas perfurando a carne. Eu não posso evitar. É isso.
Ela tem apenas quatro anos de idade.
É tudo o que sempre terá.
Tento responder, mas as palavras não vêm. Em vez
disso, meu rabo aperta em torno dela. Leva um
momento para perceber que suas guelras
pararam de se mover. Até mesmo a agonia da
morte é pouco mais do que algumas contorções
tristes de seus dedos.
Lágrimas caem, aumentando a quantidade quando a minha situação se
assenta como um cobertor em volta dos meus ombros. Estou sozinho. Ela era
tudo que me restava.
Uma enfermeira vestida em mais camadas do que eu posso contar vem
me guiar para longe. Vou ter que passar por uma estação de limpeza para
voltar para minha casa, entre a pequena população que resta. Mas qual é o
ponto? A limpeza constante não fez nada por nós. O Neff continua a se
espalhar, não importando o que façamos.
A enfermeira é muito gentil comigo. Em dias melhores, eu seria gentil,
estaria grato. Hoje, deixo minha filha em uma cama, que acolherá outra
pessoa que também está morrendo no momento em que a
removerem. Minhas guelras apertam firmemente contra os lados do meu
queixo e parte de mim deseja que fosse meu cadáver, não o dela. Eles se
importam bastante com as crianças órfãs que são deixadas. Ela teria sido
cuidada.
Minhas roupas serão queimadas. Eu sou despido, empurrado para uma
unidade de limpeza, e a gentil enfermeira aperta o botão. Ela sai. Suspiro
quando a estranha gosma verde escorre pela minha
cabeça, uma bola ou duas ficando presas aos meus
chifres. Sacudo e prendo a respiração. Não sou fã
disto e não consigo acreditar que faça algum
bem.
O secador começa a funcionar e a gosma explode em pó. Este material
antiviral cobre cada centímetro do meu corpo, supostamente matando o
Neff. Se esse lamaçal o mata, por que não fazem uma engenharia reversa de
algum tipo de vacina ou medicamento? Ele reveste minha língua, apesar de
prender a respiração e tem gosto de metal. Se não fosse totalmente
indelicado, eu estaria cuspindo em todo lugar agora.
Logo, a porta se abre e me libera de volta ao meu mundo
infectado. Ando os poucos passos para um tanque de água e mergulho,
glorificando o uso dos meus pulmões. Respiro água pura e limpa antes de
emergir para provar o ar mais uma vez. No extremo oposto da piscina, outra
enfermeira me espera com uma nova peça de roupa. Eu olho para ela e vejo
um par de enfermeiras se aproximando do fogo mais próximo. Entre elas
está uma pequena forma embrulhada em preto. Com profissionalismo
clínico, eles jogam o corpo da minha filha na pilha com o resto.
Eu vejo como as chamas a levam para casa, de volta para sua mãe e seus
irmãos. E pela primeira vez desde que o Neff apareceu, considero me juntar
a eles.
—Você está saindo ou o não? —Pergunta a
enfermeira.
Isso me leva de volta à realidade e olho para
ela.
—Era a minha filha. — Eu respondo, minha
voz vazia.
—Tivemos muitas filhinhas de muitas pessoas hoje. Você está saindo,
ou eu tenho que chamar alguém para te ajudar? — Ela responde.
O breve alívio de estar mais uma vez na água acabou. Eu nado em frente
e passo para o patamar com um suspiro abafado. Com as roupas nas mãos,
me visto e caminho o resto do caminho para casa. Passo por mil casas vazias
para encontrar a minha, todos os seus proprietários há muito
falecidos. Nossas cúpulas de pedra nunca foram meu domicílio favorito,
prefiro o modo como os Mouls constroem suas estruturas em
madeira. Ainda mais agora que são apenas um lembrete de nossa civilização
fracassada. Tumbas sem corpos.
Minha casa faz um rápido exame genético antes de eu entrar, só para
ter certeza de que pertenço a ela. Uma vez assegurada, uma comporta de ar
se abre e entro. A porta se fecha e a câmara se enche de água rapidamente
antes que possa seguir. Minha companheira nunca se importou muito com
água, mas depois de sua morte esperava que um cenário mais natural
encorajasse a saúde da minha filha e a minha. Os cientistas dizem que
nascemos dos lagos, afinal.
Não fez nenhuma diferença, claramente. Nado até o
andar de cima em direção ao quarto dela, minha
mente se afastando. Possuo uma nave que é
capaz de voar para a Terra. Poderia ir até lá,
buscar alguns humanos inteligentes e fazê-los
investigar isso antes mesmo que a monarquia soubesse que tinha ido
embora. Não poderia?
Se descoberto, a sentença é ser forçado à esterilização e exílio em um
dos muitos desertos que compõem a metade do planeta. Sem acesso a água,
comida e sem cuidados com a cirurgia de esterilização, eu provavelmente
morreria dentro de um dia ou dois. A infecção se instalaria prontamente e,
com o Neff completamente descontrolado, tenho pouca dúvida de que isso
me levaria rapidamente. Eu olho em volta do quarto da minha filha e sinto
uma mão invisível apertar meu coração muitas vezes quebrado.
O que tenho a perder?
Pela última vez, dormirei na casa que construí para impressionar minha
companheira. Durmo na cama da minha filha, sonhando com um tempo
melhor. Nós fomos para um rio uma vez, quando ela tinha apenas alguns
meses de idade. Ensinei-a a nadar naquele dia. Ela foi para a água como uma
scoo, mergulhando e correndo como se tivesse nascido para isso. Agora, só
posso imaginar o que ela poderia ter se tornado.
Teria sido uma mergulhadora, caçando comida nas profundezas?
Talvez tivesse sido uma dos poucos cirurgiões que
cuidam daqueles que preferem viver no mar, antes
que o Neff matasse a todos.
O sol fraco me acorda, enviando um arco-
íris ao redor do quarto da minha filha. Por um
bom momento, esqueço que nunca vou ouvir ela
me chamar de Telo novamente. Ela nunca mais chamará a mãe dela, Ala. Eu
estou destinado a outros empreendimentos, outros lugares, que realmente
não consigo imaginar.
Saio da minha casa uma hora antes do amanhecer. Meu bairro está
deserto, embora não espere que minha vizinha restante esteja acordada a
esta hora. É uma mulher idosa, sozinha. Espero que alguém olhe por ela
quando partir. Pensando nisso, deixo uma nota. As enfermeiras ainda vêm
checar nossas casas procurando por possíveis mortos. Eles vão encontrá-la e
cuidar dela.
— Sinto muito por sair sem dizer adeus. — Sussurro para a porta. —
Mas talvez, se eu for agora, possa salvar os poucos de nós.
E talvez, se tivesse ido mais cedo, tivesse conseguido salvar minha
família.
Aperto meu queixo, minhas guelras brilhando com o próprio
pensamento. Não, eu não teria ido embora. Os médicos não nos
asseguraram durante o surto inicial, nos dizendo que tinham tudo sob
controle? O Neff era pouco mais que um vírus pequeno e chato que
desaparecia dentro de um a três dias e todos estaríamos
de volta à vida normal.
Então, três dias depois, as pessoas cobertas
de manchas cor-de-rosa começaram a
desmoronar nas ruas e o sangue correu nas
sarjetas.
Bato minha mão no painel de abertura e entro minha nave. Há uma
estação de suprimento constante de alimentos saudáveis que preferiria não
ter. Eu pego um pacote do meu doce favorito e sento no painel de controle.
—Feche e prepare-se para o lançamento. — Murmuro.
— Claro, Rothren. — E logo depois o motor da neve ronca de volta para
mim.
Minha mão faz uma pausa dentro da bolsa. Eu não ouvi a voz do
comando desta nave em... um ano? Tem sido realmente um ano agora?
—Este voo não será registrado. — Digo, esperando ouvir a voz dela
novamente.
Meu desejo é concedido. — É contra a regulamentação pilotar uma
embarcação sem registro.
—Eu sei. — Respondo.
—Como quiser, capitão. — A nave responde.
É uma tentação não fazer mais nada além de sentar aqui e ouvi-la repetir
meus comandos, me lembrar de códigos, ou mesmo apenas ler o antigo
registro neste navio. Mas se quiser ajudar as pessoas, como meus vizinhos,
não tenho tempo para isso.
— Conclua os preparativos de partida. — Ecoa
ao longo do cockpit.1
1
Espaço onde se aloja o piloto nos aviões, nos carros de corrida ou em algumas
embarcações.
— Lançamento, destino Terra, 1.9 gammat 2.06.0.
Desta vez, não há resposta. Os motores ressoam e, em algum lugar, uma
sirene imediatamente começa a soar. Em outros tempos, haveria um bando
de guardas correndo para atirar no céu.
Com a maioria deles mortos há muito tempo, minha nave escapa para
cima e longe do alcance de nossas armas sem nenhum problema. Eu vejo
como meu nebuloso planeta cor de poeira desaparece atrás de mim.
Os fogos ardem mais fortes que nunca.
Às nove horas da manhã, todos os dias sem falta, você me vê na
clínica. Há muitas pessoas dependendo de mim para estar aqui, não posso
aproveitar os dias de férias que salvei ao longo dos anos. A Sra. Johnson
precisa de uma cataplasma para sua gota e o Sr. Croft está sentindo muita
dor; apenas uma garrafa de óleo CBD2 pode ajudar. Em um ponto, eu
cultivei metade desses remédios no meu quintal.
Isso foi muito antes deste lugar vir a existir. Tem sido o trabalho de uma
década inteira, mas finalmente temos uma clínica que é tão razoável e
produtiva quanto qualquer consultório médico típico.
Na verdade, o escritório tradicional da minha irmã fica do outro lado
da rua. Nós trabalhamos de mãos dadas, ela me enviando os casos que a
medicina moderna não pode tocar e eu enviando-lhe as pessoas que pensam
que uma tintura vai curar seu câncer de estágio IV. Claro, provavelmente vai
ajudar com inflamação ou dor, mas ela tem acesso a
coisas que podem enviá-lo em remissão. E não,
não importa o que você ouviu sobre a última
moda com açafrão este ano. Há coisas ótimas
2 Canabidiol. Óleo a base da planta cannabis.
para pessoas com artrite, coisas que foram testadas para uma variedade de
doenças que podem interagir com outros componentes, fazendo-as
funcionar.
Nós fomos criadas por nossa mãe, abençoada. Ela foi criada nos
Apalaches, em uma época que você ainda fervia folhas de amora para tratar
o caso ruim de sapinho do seu bebê.
Mamãe tinha um respeito saudável pelos médicos, mas muitas vezes a
neve bloqueava os caminhos da montanha. E o que você deveria fazer
então? Ela nos ensinou o que fazer nessas situações e eu cresci no negócio.
Jessie fugiu desse ramo e correu para passar para a faculdade e se tornar
o tipo de médico mais respeitado; considerando o título, jaleco branco e
tudo. Discordamos da confiabilidade dos medicamentos, do processo de
doença no corpo e assim por diante. Mas se uma coisa nova surgisse e
ficássemos perdidas, nos voltávamos uma para a outra e fazíamos o mesmo
para nossos clientes.
Mamãe faleceu há alguns anos, mas pelo menos ela nos viu transformar
seu legado em ajuda para muitas pessoas. Eu gosto de pensar que ainda olha
por nós, guiando os casos mais difíceis através de nossas
portas porque sabe que cuidaremos deles. Não sei
se é esse o caso, mas espero.
Alguém tem que estar me enviando todas
essas pessoas, de qualquer forma.
Folheio o jornal - sim, mesmo hoje em dia - até encontrar meu artigo de
astrologia para o dia.
— Escorpião. — Leio em voz alta. — Esta noite trará coisas
maravilhosas como nunca sonhou ser possível.
Minha língua sai quando pego meu telefone para ver uma foto dele. Eu
tenho um encontro quente com um cara do trabalho de Jessie. Dr. Scott, eu
acho? Não importa. De acordo com isto, vou me divertir
muito. Pessoalmente, é tudo que preciso. É Jessie quem quer as crianças, a
família, todo esse pacote. Eu tenho trabalho suficiente como é.
Pessoas e rostos passam pelo meu escritório, simplesmente milhares
deles antes da hora do almoço. Eu sei que eles dizem que com trinta anos,
você deveria desacelerar e não comer tudo o que quiser. Só porque é
delicioso não vale a pena as calorias ou o risco de um ataque cardíaco. Eu
concordo com isso de todo o coração, mas há um pedaço de bolo de coco ali
na minha frente e eu não como isso em um milhão de anos. E é ele que levo,
pago e faço de meu almoço.
No final do dia, estou exausta. Começo a repensar essa coisa de
encontro. Estou pronta para ir para casa e dormir, mas
Scott Warren parece ser algum tipo de Casanova e
seria legal deixá-lo me pagar o jantar.
Vou para casa e me jogo no chuveiro. É um
bom apartamento, mas eu podia pagar melhor.
Eu só estou tentando economizar para um carro que não é da época da
minha mãe. Gostaria de algo com um GPS real, sabe?
Coloco minhas unhas no couro cabeludo, aproveitando a sensação
áspera enquanto limpo minha cabeça. Eu uso meu cabelo pintado por mais
tempo do que a maioria na minha idade, tingido de verde nas pontas; fiz isso
ainda no ensino médio. Algumas pessoas ainda me olham fixamente quando
entro no escritório, pego meu crachá e começo a chamar os pacientes para
examiná-los.
Limpa, visto um robe e caminho até o meu armário. Não há muito aqui
que não seja florido, de cor explosiva, ou algo que você encontraria em um
show do Grateful Dead ou Woodstock. Isso costumava deixar minha mãe
maluca.
Folheando as roupas, vejo um pedaço de pano preto no chão. Há um
simples vestidinho preto lá embaixo, completo com uma fina gravata
branca. Fácil. Delicado. Básico. Eu o visto sem nem mesmo checar meu
reflexo, passo um pente no meu cabelo e pego minha bolsa enquanto vou
para fora.
—Volto daqui a pouco, Trixie. — Digo para a minha
gata deitada no sofá.
— Mrrlt. — Ela responde.
E então volta a dormir. Ela poderia se
importar menos se eu desaparecesse para
sempre, desde que seu alimentador automático permanecesse
cheio. Suponho que ela e eu não sejamos tão diferentes.
Tranco a porta atrás de mim e tenho um segundo para notar a estranha
luz azul ao meu redor. Então o mundo está de repente escuro, cheio de
estrelas e estou olhando para uma coisa que parece ter saído de uma terrível
fusão de Avatar e A Bela e a Fera.
Por alguma razão, estou no chão. Mas eu não estava apenas de
pé? Horrorizada com esta coisa feia, me levanto e esquivo meu corpo para
longe, em direção ao corredor mais próximo. Por que estou em um corredor,
não tenho ideia. Não estava do lado de fora do meu apartamento?
— Espere. — Um educado sotaque do norte chama.
Giro em torno, olhando para quem falou, mas tudo o que existe é uma
coisa de azul e creme parcialmente peluda, com quase um metro e noventa
de altura, que tem chifres e, aquilo são guelras? Ele abre a boca e há dentes
suficientes para me moer em pedaços num segundo.
—Por favor.
Como esta coisa sabe falar inglês, ou qualquer forma de língua
humana? Meus dedos arranham minha bolsa por alguns
segundos e quando penso que perdi a minha lata de
spray pimenta, a minha mão aperta em torno
dela. Sacudo e aponto para o rosto da coisa,
puxando o gatilho.
Nada acontece.
— O que é isso? — Pergunta, inclinando a cabeça para o lado.
Seu nariz estranho, úmido e chato quase toca o metal. É estranho mas
não... totalmente ofensivo. De tão perto, essa estranha coisa que parece um
animal cheira a praia durante o inverno. É um perfume rico e salgado que
me lembra das férias com meus avós.
—É um spray. Vou borrifar em você! Fique para trás! — Eu aviso.
Todo o calor some da minha voz. Ele não parece que quer me machucar,
mas, espere um minuto.
Puta merda, fui sequestrada por alienígenas!
Embora pareça que exista apenas um deles. Os alienígenas costumam
andar em grupos? Eles fazem no cinema. Eu simplesmente não
entendo. Aliens não existem, assim como dragões e todas as outras coisas
bobas. Eles são uma invenção de uma mente doente ou uma imaginação
hiperativa, ambos os quais podem ser curados por qualquer número de
ervas e comer corretamente, a propósito.
— O que é um spray? — Ele pergunta. Ele? Soa como um ele.
— É esta merda, e não tenho ideia porque não está funcionando. —
Rosno virando a garrafa para olhar o tubo.
É um dos piores instintos humanos
imagináveis. A explosão de spray me atinge
diretamente nos olhos e grito, jogando a lata
para baixo e sacudindo os braços. Lágrimas
escorrem pelo meu rosto e a respiração está fora de controle. Agora me
desarmei, junto com a completa ruína de qualquer chance que tive de me
proteger dessa coisa gigantesca.
Algo me pega debaixo das pernas, levanta meu corpo como se eu
pesasse tanto quanto uma criança e aperta-me; a brisa balançando o meu
cabelo. Há uma grade de plástico no metal e estou caindo na água.
— Mergulhe. Você vai se sentir melhor. — A besta encoraja.
Não pode doer e, na pior das hipóteses, esta coisa só vai me afogar,
certo? Eu tomo o maior fôlego que consigo, que tem gosto de fogo, e
mergulho no tanque ao meu redor.
O efeito é imediato. Minhas narinas se enchem de água fria e calmante
que tem que ser mais do que apenas H2O simples. É como aloe vera em seus
braços depois de um dia na praia. O que quer que seja, permite-me abrir
meus olhos debaixo d’água. Eles ainda estão queimando, mas o efeito é
tolerável agora. Algo que posso suportar em vez de gritar e me bater na
cabeça.
Ele olha para mim, exalando preocupação com todas as suas
características estranhas. As guelras se projetam de
ambos os lados de uma mandíbula que é larga e
com ossos pesados. Seus olhos verdes escuros
piscam enquanto me observa; seu rosto que é
muito uma mistura de humano e animal para
suportar. Acho que os chifres finos e ondulados no topo da cabeça são...
interessantes. Isso é algo a mais, certo?
Quando ele fecha o topo do tanque, me deixa profundamente
apavorada na água, sem maneira de escapar. Ele está batendo em um painel
cheio de botões. Uma corrente flui através da água, mas já estou nadando
até o topo e ofegando pela pequena quantidade de ar presa sob a tampa. Eu
me agarro ao topo, olhos bem fechados.
— O que você está fazendo? — Ele pergunta.
— Eu não posso respirar! — Eu grito, embora saia baixo e fraco.
— Respire, então. — Ele encoraja, apontando para a água.
Suas guelras chamam minha atenção mais uma vez e eu entendo. Ele
não sabe. Bato no alto do tanque com o punho, tentando respirar o suficiente
através do spray pimenta e da água para gritar com ele.
Eu finalmente faço. — Humanos não podem respirar na água!
Em um instante, a tampa some. Ele a arranca, olhando para mim e
oferecendo um braço levemente peludo. Eu agarro, segurando minha
querida vida enquanto ele me tira do recipiente
novamente.
— Minhas desculpas. — Ele franze a
testa. — Eu não tinha noção disso.
Pelo menos desta vez estou de pé. Com a
falta da água, há uma queimação nos meus olhos
novamente, mas não posso fazer nada. Não posso nadar para sempre e ele
não tem ideia do que os humanos podem ou não podem fazer,
aparentemente.
Quando recupero o fôlego, balanço minha cabeça para ele. — Não é sua
culpa. Você não sabia. Posso ir para casa agora?
— Receio que isso não seja possível. —Diz ele, e sinto meu coração
afundar.
— Por que diabos não? — Grito.
— Você é uma médica, não é? — Ele não se incomoda em responder
minha pergunta. Faço uma careta para ele por isso.
— Sou uma médica de medicina natural. Para humanos, nada como
você.
Isso parece deixá-lo perplexo. Boa. Ele merece. E o que quer dizer com
isso não é possível? Eu nunca consenti isto.
— Meu planeta está sofrendo de uma infecção viral aguda. — Ele
finalmente diz. — Um surto. Precisamos da sua ajuda.
— E se eu consertar isso, você vai me mandar para casa? — Pergunto.
— Se possível, é claro. A monarca pode decidir se é
impossível.
Eu olho para aquele rosto estranho e não
posso deixar de pensar que ele é quase fofo, do
mesmo jeito que você gosta de um personagem
de desenho animado quando é criança. Minhas
sobrancelhas se franzem. Parece que tenho que ajudá-lo a chegar em casa, há
coisas piores lá.
—Tudo bem. O que preciso fazer?
Rapidamente esta fêmea humana desliza de aterrorizada para
negócios. É uma maneira admirável de agir diante dessa situação
assustadora, nova e estranha. Percebo que isto deve ser preocupante para
ela. Talvez tenha um companheiro mas olhando para a sua forma, considero
que é provável que não tenha filhos. De nossos estudos, os quadris tendem
a se espalhar quando elas têm bebês. O dela, no entanto, é bem estreito,
assim como tudo o que meus olhos errantes captam.
Afasto o pensamento para longe. Os humanos são incapazes de se
reproduzir, incapazes de lidar com o acasalamento. Nossos monarcas
proclamaram isso desde o começo dos tempos. Há algo que acontece quando
se acasala por prazer, mas a coisa toda acaba rapidamente e nunca de forma
boa. Por isso, passei a maior parte da minha jovem vida evitando essa
armadilha. Eu me pergunto se seria uma armadilha se fosse com um
humano, no entanto. Não é como se eles pudessem nos
perseguir no espaço já que ainda têm problemas
para alcançar sua própria lua.
Nós caminhamos em direção ao pequeno
laboratório da minha nave. Consiste em apenas
algumas mesas, uma câmara de ar para o
descarte e alguns teetereats num terrário meio aquático. Suas milhares de
pernas e olhos atraem sua atenção. Ela se inclina para mim, olhando.
— O que é aquilo? — Ela pula.
—Teetereats. Nada de interessante. Eles simplesmente se saem bem sob
estresse, nos dando tempo para experimentar tudo o que precisa ser feito.
— Respondo.
— Eles parecem com centopeias de cor verde-limão com globos oculares
por toda parte.
Não tendo noção do que é uma centopeia, simplesmente pisco. Ela
balança a cabeça, murmura um educado - deixa para lá - e começa a abrir
uma grande variedade de armários. Tudo está escrito em nossa
língua. Ocorre-me que isso poderia ser problemático para ela.
—Se você precisar de tradução, eu sou capaz disso. —Ofereço.
A fêmea vira a cabeça e olha para mim. Ela é muito pequena.
— Eu aprecio isso. Não tenho ideia do que todas essas marcas
significam nessas coisas. —Ela dá de ombros, colocando uma garrafa de
líquido altamente explosivo.
Dou um pequeno suspiro de alívio. Acredito que
seu termo para isso é nitroglicerina, e embora o
composto não seja precisamente o mesmo, as
consequências se deixar cair a garrafa
certamente são. Ela não tem ideia do perigo em
que está, do perigo para o qual a recrutei, e parte
de mim se arrepende disso. Esses humanos são criaturas tão gentis e
inocentes e eu devo me perguntar se a monarquia está tentando preservá-
los. Nosso contato certamente vai provar isso com este humano em
particular.
Eu nem sei o nome dela. Eles têm nomes, não têm?
— Seu companheiro tem um nome para você? — Pergunto enquanto ela
cava em uma pilha de vegetação, cuidadosamente selada.
—Não tenho um companheiro. Eu acho que ele me chamaria de mel se
estivesse interessado? .
— O seu nome é vômito de um inseto? — Que pais terríveis ela deve ter
tido.
Sua risada escorre em meus ouvidos, tão doce que mal consigo ficar de
pé. Meus dedos seguram a mesa ao meu lado e eu respiro fundo, tentando
não perder o controle. Tal som musical já está bem esquecido em minha casa
agora.
— Meu nome é Marie Mallory. Bem… — Ela faz uma pausa, olhando
para as raízes em pó de um yaril de três folhas. — Mamãe me nomeou
Marion. Mas sempre me chamam por Marie.
Devo admitir, isso me confunde em algum
nível, mas me encontro acenando. Eu daria
qualquer coisa para fazê-la rir de novo.
— Isso significa alguma coisa, na sua língua? — Eu era linguista em
casa, antes. Mas nunca vi esta palavra.
— É francês para Mary, eu acho. — Diz Marie.
Por que esta mulher inglesa é chamada de algo francês, não entendo
completamente. Mantemos nossos nomes específicos para nossas
culturas. Talvez os humanos sejam mais expansivos com essas coisas. Ela
arranca raízes, caules, plantas, acho que sabe o que está fazendo, presumo,
porque parece estar procurando algo em particular. Nossos médicos
trabalham com uma mistura de vida vegetal e componentes químicos. Eu
lembro que os humanos fazem basicamente o mesmo.
—O que exatamente eu estou tentando curar? — Ela pergunta.
— O Neff. É um vírus que ataca o sistema nervoso. Pequenas feridas
rosadas aparecem no corpo e os aflitos morrem em poucos dias. Na maioria
das vezes, de qualquer maneira, minha filha durou apenas dois dias. — Eu
digo.
Ela para mais uma vez e franze a testa para mim. — Sinto muito pela
sua filha.
Meu peito aperta e fecho meus olhos. Isto é um
erro. Eu vejo as enfermeiras arremessarem o
cadáver fresco da minha filha sobre a pilha em
chamas novamente. Pensar que estou aqui
olhando para o corpo desta fêmea, enquanto os
ossos de Eilari são cinza novas por baixo de
todos os outros que morreram. Tento sacudir a imagem, mas é
demais. Ainda estamos a dias de distância até retornarmos ao meu planeta
natal. Demorou quase uma semana para chegar aqui. Mesmo que Marie seja
capaz de descobrir uma cura, quantos ainda estarão lá para recebê-la quando
voltarmos para casa?
Eu sou um tolo.
Em frente da Marie, sento ao chão e dobro os meus joelhos. Meu coração
arde e eu esfrego minha testa.
— Ela tinha apenas quatro anos. — Sussurro. — Apenas quatro anos.
Nenhuma criança deveria morrer tão jovem.
Uma mão pálida e estranha repousa no meu ombro enquanto tento me
conter, mas falho. As lágrimas batem forte e rápido, e um soluço
vergonhosamente escapa da minha garganta. Esta é minha vida agora, e se
ela provar ser outra coisa senão perfeitamente útil, será minha morte.
Seus braços deslizam em volta de mim. É um abraço, eu sei dos meus
estudos. É muito mais agradável do que poderia imaginar, quente e
doce. Posso sentir o cheiro dela no ar, uma mistura de frutas e nozes que é
estranho, mas interessante.
Excitante.
Ela enxuga minhas lágrimas com um
pedaço de papel que pegou da bolsa, quando
descanso a cabeça no seu ombro e devolvo o
abraço com cuidado. Eu não quero machucá-la
de alguma forma. Esses humanos parecem ser um pouco menos robustos do
que a minha espécie, considerando todos os nossos estudos.
Noto que as lágrimas terminaram.
— Não me importo de ajudar a matar um vírus que mata bebês,
Rothren. Não eu. Só não quero acabar morta como em algum filme espacial
ruim. Ok? — Ela diz.
—Quando você aprendeu meu nome? — Pergunto, cuidadosamente
passando o dedo pelos cabelos dela. Parece ser a origem desse aroma
sedutor.
— Está num desenho no cockpit. — Ela suspira.
E meu mundo ameaça parar de girar. Tinha esquecido o desenho da
minha filha, um esboço preso atrás da minha cadeira. Ela escreveu meu
nome muitas vezes em todos os idiomas que ensinei. Eu deveria colocá-lo
num selador quando chegar em casa, preservá-lo. Um último presente da
minha garotinha. Algo para lembrar dela.
As lágrimas vêm espontaneamente novamente. Marie está lá para me
abraçar e eu me pergunto o que fiz para merecer isso.
Eu roubei esta fêmea de sua casa, sua família, seus
amigos e no entanto, ela é tão gentil a ponto de
tolerar minhas ações ridículas.
Agarro-a por algum tempo e depois me
afasto. Ela parece hesitante em me deixar ir, mas
há trabalho a ser feito.
— Você tem alguma coisa que pareça com uma pequena flor vermelha?
Nós a chamamos de flor de sela, mas você pode conhecê-la por outro nome.
Eu não sei é universal. — Ela fala, obviamente tentando me ajudar.
— Você acredita que uma flor pode ser suficiente para corrigir este
problema? — Pergunto, seguindo-a para a unidade de armazenamento de
ervas.
— Funcionou para os nativos americanos. Pode funcionar para vocês.
— Diz ela.
— Nativos americanos?
— Não se preocupe com isso.
Com a nave no piloto automático, não tenho necessidade real de
orientar ou observar para onde estamos indo. Em vez disso, vou com ela e
procuramos. Cada pacote tem uma imagem da planta e de onde
veio. Ofereço inúmeras para ela inspecionar, mas nenhuma parece
corresponder ao que ela tem em mente. A busca é frustrante, mas é o
suficiente para afastar minha filha da minha mente. Por agora.
—Aha! — Ela canta.
É uma das últimas bolsas da nave, uma flor que
lembra um recipiente para beber. Há apenas
algumas flores secas e cansadas, mas lá estão
elas.
Olho para essas pequenas flores roxas,
achando difícil acreditar que elas possam ser as
salvadoras que estamos procurando. Certamente, os médicos de casa
tentaram todas as combinações possíveis de plantas, não?
—Isso é exatamente o que estamos procurando. — Marie acena. — Mas
também precisamos das raízes. Os caules, as flores e as folhas não servem
muito para esse tipo de coisa. As raízes podem ser fervidas, moídas e usadas
para fazer coisas de que os milagres são feitos.
— É algo que poucas pessoas considerariam ser uma planta medicinal?
— Eu pergunto, pegando a bolsa dela.
— Não é muito usada, não. O fato de que cresce em seu planeta é
incrível, quase inacreditável.
— Não. — Respondo, apontando para o pequeno emblema na parte de
trás do pacote. — Isto é do seu mundo. Nós enviamos colhedeiras de vez em
quando para certas plantas medicinais. Esta deve ser uma delas.
— Faz sentido. — Diz ela com um encolher de ombros. — Tem sido
usada há milhares de anos na Terra, e para uma grande variedade de
doenças. Talvez seja necessário um pouco mais do que isso para começar,
mas aposto que é um ótimo começo.
Uma flor poderia ter salvado todos eles. Corro meus
dedos sobre a bolsa preciosa, o conteúdo dentro é
muito potente. Eu tenho as raízes aqui, em
algum lugar. Nós simplesmente separamos
cada parte da planta e secamos no conservante
para que nossos remédios não se
misturem. Uma rápida olhada e vejo o sistema de raízes desta planta, bem
enterrado no fundo da lixeira.
Quantos anos tem sido desde que me incomodei em cavar por aqui,
para limpar isso? Quantos dos nossos estocam esse tipo de remédio, não
sabendo que a cura estava a poucos centímetros de seus dedos? Se é bastante
comum para mim, certamente é comum nos laboratórios.
— Podemos pensar numa segunda escolha, apenas no caso de isso não
funcionar totalmente? — Peço, minha voz tão educada quanto
possível. Confio em seus pontos de vista, mas este é um ingrediente comum
no meu planeta. Eu tenho dificuldade em acreditar que nossos cientistas não
o viram como uma cura, e o testaram.
— Posso tentar arranjar algo com o resto disto. Há algumas coisas boas
aqui. — Marie diz e eu relaxo.
Ir à monarquia com mais que uma cura, especialmente uma que
provavelmente não foi testada por nossos cientistas, é preferível. Por
instinto, eu me inclino e a beijo em cima da cabeça. É carinhoso, mas tento
traçar uma linha.
Eu queria saber o cheiro que cobre seu cabelo. Está
próximo, está me engolindo. Fecho os olhos e, por
um momento, permito-me ficar lá e inalar.
— Você gosta disto? — Ela pergunta, sua
voz ronronando.
Eu abro um olho o suficiente para espiar, a tempo de sentir a mão dela
arranhar a penugem cremosa no meu peito. Um gemido suave e fraco deixa
minha boca antes que eu possa protestar. Eu a ouço rir e meus dedos dos pés
quase se enroscam. Ela não tem ideia do que me faz com sua voz.
Quando meu horóscopo disse que seria um inferno de uma noite, eu
com certeza não esperava por isto. Agora estou resolvendo problemas de
alienígenas que estão muito longe da minha casa, minha gata não se importa
e minha irmã está completamente inconsciente do que está acontecendo
comigo. Nunca pensei que seria assim que morreria, mas hey, a vida é cheia
de surpresas, não?
Eu coço o peito de Rothren, ficando bem ciente do tom baixo,
estrondoso, quase um ronrono, que emite quando geme. Se fosse um homem
humano, pensaria que estava ficando excitado. Então, novamente, o Terra
Nova3 do meu amigo faz o mesmo som quando você coça as orelhas e
certamente eu não sou especialista em qualquer tipo que seja o Rothren.
Mas talvez não esteja muito longe da verdade. Algo duro bate no meu
cotovelo e a própria ideia do que pode ser, trava a minha respiração por um
instante. Continuo coçando a penugem, já que está
claro que ele teve momentos difíceis ultimamente,
mas desvio um olhar precário sobre o ombro e,
oh.
3 Raça de cães.
Uau.
A coisa toga que ele está usando não faz nada para esconder o eixo
protuberante contra o pano. E esse eixo parece ser tão longo quanto o meu
braço. Tudo o que estou dizendo é que talvez haja algum cavalo em seu
passado. Ou elefante.
Baleia?
— Peço desculpas. — Diz, chamando minha atenção para longe de seu
impressionante membro.
— Por que você se desculpa por isso? — Eu rio.
Outro arrepio corre através do seu corpo e ele morde o lábio
inferior. Seus quadris saltam discretamente. Ele gosta da minha risada, de
todas as coisas? Não posso deixar de imaginar esses alienígenas
gargalhando no rosto um do outro como hienas, meio-coito, contorcendo-se
e gemendo e…
Deus, por que isso me excita?
Não me entenda mal, é engraçado ao mesmo tempo, mas ter esse
controle sobre Rothren, depois de ter perdido todo o resto na minha vida, é
um benefício muito grande. Quando penso em sua toga,
me pergunto o que ele acha do meu pequeno
vestido preto? Não é como se tivesse alguma
maneira de avaliar se é normal eu usar, certo?
— Ele faz coisas insensíveis com bastante frequência. — Ele suspira, se
inclinando, e eu coço outra parte do seu peito.
— Acho que é uma coisa comum entre homens humanos e você. — Eu
sorrio.
Sou recompensada com o que suponho ser uma pequena risada dele. O
som é irritante, mas não necessariamente desagradável. Só não estou
acostumada com isso.
Tendo escutado tudo sobre seus problemas recentes, é bom ter uma
risada dele. Não faço muitos homens rirem, não sou exatamente a pequena
Miss Popularidade.
Claro, tinha muita atenção quando estava disposta a dar, mas poucos
ficaram interessados em folclore e ervas como eu. Pergunto-me quais são
seus pontos de vista sobre o folclore.
Quando recuo, meu cotovelo bate na borda do seu eixo e ele dá um
chiado tão puro e frustrado que realmente não posso me ajudar.
— Quanto tempo passou? — Pergunto enquanto deixo minha mão cair
de seu peito, mais e mais baixo até, ah, lá vamos nós.
Em resposta, ele treme sob o meu toque. Há muito
tempo, então, não é?
— Mais tempo do que estou acostumado. —
Ele grita enquanto meus dedos viajam por todo
o seu comprimento.
O toque é leve, provocante. Eu gosto do jeito que ele se contorce. Não
pretendia fazer sexo hoje à noite? Pelo menos Rothren é interessante, mais
do que apenas um rostinho bonito do outro lado da rua. Meus dedos
enrolam em torno de sua cintura e dão a ele o menor aperto possível. O
suspiro que deixa sua boca incrivelmente presa é música para meus ouvidos.
Tenho certeza de que posso fazer com que faça esse som novamente.
Sem me preocupar em pedir permissão, dou-lhe alguns golpes
bruscos. Seus olhos rolam para trás em sua cabeça e isso é tudo que eu
preciso. Me abaixo, descarto o pano para deleitar-me com o…, o que na Terra
é isso?
Existem três pontas na cabeça do pênis, cada uma enrolada como um
saca-rolhas. Como estão enroscadas, apenas se vê bem a mais alta, embora
todas as três sejam incrivelmente duras.
Eu tenho que dizer, sou uma garota razoável, mas mesmo nos meus dias
mais loucos na faculdade, nunca fui presenteada com três coisas para me
empalar. Minha mente trabalha, fazendo todo tipo de uso da minha
imaginação. Um para cada mão, mas para onde irá o terceiro?
Minha língua desliza sobre sua cabeça e suas unhas
cravam em suas palmas. Ele tem gosto de arroz de
sushi perfeito, salgado, mas apenas com uma
pitada de doçura sob toda a salmoura. Quero
mais e aproveito o fato de que ele não disse
não. Deslizo para baixo até que sua cabeça repousa na parte de trás da minha
boca, saboreando-o.
O fluxo de palavras que saem de sua boca é completamente estranho
para mim, mas qualquer garota com um pouco de experiência sabe o que
aqueles suspiros ofegantes significam quando vêm de um homem duro
como pedra. Ele está praticamente implorando por mais, então respiro
fundo e dou a ele. Isso é imediatamente um erro. A ponta central é tão grossa
que minha garganta incha quando entra, cortando completamente o
ar. Minhas mãos apertam os outros dois, segurando-o perto, enquanto luto
com o reflexo de engasgar.
É então que as mãos dele vêm ao meu cabelo e tentam me afastar. Fiz
algo errado? Eu olho para ele, confusa. Ele certamente não parecia estar
protestando.
— Se você continuar fazendo isso, não vou durar. — Ele respira, seu
aperto tão suave quanto possível. — Deixe-me ajudá-la.
Infelizmente, tenho que perguntar. — Ajudar-me?
Como se tivesse encorajado alguma coisa, ele me agarra e me levanta
como se não pesasse mais do que um saco de compras,
colocando-me em uma mesa próxima e
pressionando aquele longo focinho abaixo da
minha saia.
Parece que sua língua também é de três
pontas. Melhor ainda; todas elas se movem
individualmente. Sinto arrepios na minha espinha enquanto ele lambe
minhas profundezas, e outro flash atravessa meu clitóris. O suficiente para
fazer fogos de artifício explodirem atrás das minhas pálpebras. A terceira
parece estar trabalhando em me lamber de cima para baixo, a cada golpe.
Minhas coxas querem enrolar juntas, meus quadris imploram para me
esfregar em seu rosto. Estou em guerra comigo mesma sobre o que fazer com
esse homem entre minhas pernas. Eu acabo indo em direção a ele, perto da
borda já. Deus, ele é um especialista e isso é realmente mais do que posso
suportar. Passaram-se apenas alguns segundos, mas que parecem anos de
tortura, construindo, indo em direção a um abismo que nunca mais vou
querer sair.
E Deus, tudo que quero é mais.
— Não pare. — Ofego, torcendo meus tornozelos em torno da parte de
trás de sua cabeça.
O que quer que ele tenha dito em resposta, não consegui ouvir. Em vez
disso, as vibrações sacodem os dentes, e a sua língua entra profundamente
na doce e escura parte da minha alma que quer tudo o que pode me dar. Um
chicotada única envia uma sensação através do meu
estômago que me faz tropeçar no precipício e cair...
cair...
O orgasmo é tão forte que meus joelhos
acabam pressionando meu peito. Eu ouço sua
risada suave e divertida abaixo, enquanto fico lá espantada. Nenhum
homem já me fez gozar assim antes.
Eu pego a ponta de um chifre e dou um puxão. Ele recua o rosto úmido
e levanta as sobrancelhas escuras para mim. Como nunca senti isso antes?
—Encontre uma maneira de entrar em mim, ou vou te derrubar e
descobrir por mim mesma. — Exijo, corada e sem fôlego.
Provocando, ele sacode a língua e balança cada ponta. É um gesto de
zombaria? Eu certamente não sei, mas isso me lembra do momento antes de
gozar e meu coração pula na garganta. Enorme e volumoso, gentil, mas
esmagador, ele rasteja sobre mim e se aninha na minha bochecha. Eu posso
sentir o cheiro dele, rico e satisfeito, apenas outro lembrete de sua língua
absolutamente mágica.
— Tem certeza? — Ele pergunta, sempre o cavalheiro.
Ou não. Um par de unhas compridas torce um dos meus mamilos
através do tecido e eu inalo bruscamente, meus olhos se fechando. Ele brinca
com isso enquanto espera por uma resposta. Deus, ele pretende me fazer
pedir de novo. Como as pessoas se queixam de serem sequestradas, se é isso
que as espera?
— Você está me matando. Por favor. —
Imploro, sem vergonha.
Se ele me quer de joelhos, figurativa ou
literalmente, não vou reclamar.
Seus quadris balançam para frente e eu sinto que a ponta central
pressiona contra a minha entrada. O do fundo bate mais abaixo quando o
terceiro bate no meu clitóris. Aquele pequeno solavanco envia eletricidade
correndo em minhas veias.
— Por favor! — Eu grito.
E isso é tudo que ele precisa. Ele dirige para dentro em um só golpe
fluído que o força dentro de mim em não um, mas em dois pontos.
Eu nunca deixei ninguém ter minha virgindade anal, mas no momento,
não tenho arrependimentos. A sensação de estar completamente preenchida
em um movimento suave é uma coisa maravilhosa, algo que nunca soube
que queria até agora. Por que ir para casa? Ninguém nunca vai corresponder
a isto.
Rothren balança-se contra mim, suas guelras tremulando com a força de
sua respiração. Suas sobrancelhas se unem enquanto ele se concentra, em
quê? Eu laço meus braços em volta do seu pescoço, arrastando-o para baixo
contra mim. Uma mão desliza para baixo para arranhar seu peito, algo que
ele parece gostar. Ele empurra contra mim e ouço suas bolas baterem na
minha bunda, tanto quanto sinto. Elas são pesadas,
cheias, implorando por libertação tanto quanto eu.
Eu beijo o topo de uma de suas guelras e
ouço sua respiração ir para um novo nível. Seus
impulsos se tornam cada vez mais fortes,
trabalhando em direção a um lugar melhor para
nós dois. De minha parte, o levo melhor que posso. Meus tornozelos não
ficam bem trancados nas costas, mas, por Deus, tento.
Outro beijo no topo de sua guelra se transforma em um rastro do
pescoço a clavícula. Ele deve amar isso, porque cada batida contra mim
produz um suspiro de sua parte, como se estivesse tentando ir mais fundo,
mergulhar em meus segredos de seda e se perder para sempre.
Ele inclina a cabeça para baixo e pega meus lábios com os seus. Nós nos
beijamos e é como mel em minha boca enquanto tento acompanhar cada
ponta da língua contra a minha própria.
Ele ressoa na minha boca e treme contra mim. Eu tenho que quebrar o
beijo para ofegar quando o mundo fica branco. Ninguém nunca bateu no
meu ponto G antes.
A ponta do pau no meu clitóris esfrega contra ele em cada movimento
para baixo, cada movimento para cima, implorando para meus joelhos
dobrarem, prenderem ou arrastarem ele para dentro. Eu estou em um torpor
de prazer, dificilmente capaz de entender cada delicioso e liso movimento.
Sua boca se abre assim como as suas guelras. Meu corpo está em chamas
e só ele pode saciar minha necessidade. Esfrego-me nele,
em todos os lugares, ofegante e sussurrando por
mais enquanto ele tenta dar para mim. A mesa
ameaça quebrar abaixo de nós. Deixe
quebrar. Vale a pena.
Com um último impulso selvagem, ele me agarra com as duas mãos e
sinto a inundação de sua semente jorrando profundamente dentro de mim,
sobre o meu monte, derramando-se em meu corpo. O espasmo de seus paus
me envia para a borda mais uma vez, enfraquecendo os meus joelhos, e deixo
de ouvir os sons do laboratório ao meu redor.
Mesmo já terminado, ele não se afasta e lambe minha bochecha,
inalando meu cabelo enquanto se enrola ao meu lado. Adormeço com a
cabeça no peito dele, ouvindo a batida de seis pulsações de seu coração.
O que foi que fiz?
Ela dorme com a cabeça no meu peito, sonhando com coisas que não
podem ser. Embora tenha saciado algo que tão desesperadamente ansiava -
atenção - não posso ser o que ela precisa que eu seja. No entanto, quando
respiro o aroma de seu cabelo e beijo sua testa, uma parte de mim diz que
vou encontrar uma maneira de fazer isso.
Isso é loucura. Eu me preocupo, pois um dos sinais do Neff é a loucura
abundante, principalmente nos machos. Nós gaguejamos no final, incapazes
de formar pensamentos ou preocupações racionais. Muitos fugiram para os
penhascos caindo para a morte nos primeiros dias da doença. Como se para
me consolar e saber que não estou morrendo, beijo sua testa novamente.
Ela sonha.
Eu queria poder ser capaz disso mas ao invés, me
afasto e vou para o tanque. Um mergulho vai tirar
essas coisas da minha mente. Isso sempre
funciona.
Ao chegar ao tanque, aperto um botão que vai aquecer o fluído
dentro. A tampa se fecha atrás de mim e me permito afundar nas
profundezas considerando minhas opções.
Essa humana ainda deseja me deixar? É claro que nos damos bem e que
existe uma pequena conexão entre nós, mas nenhuma das espécies se acasala
sem alguma afetação, com raras exceções.
Nossa pesquisa afirma que a maioria dos humanos passa por um
processo chamado casamento. É belo, eles declaram seu amor um pelo outro,
suas esperanças, seus sonhos para um futuro brilhante juntos, e suas famílias
aplaudem seus esforços.
Muitos deles são escritores muito pobres, embora seus companheiros
certamente pareçam convencidos de que as palavras que ouvem são uma
linda promessa. Eles tocam seus corações.
O amor é diferente em casa. Nós nos unimos para a vida, somos
carinhosos, mas não temos cerimônias dessa maneira. Podemos anunciar
que estamos acasalados com vizinhos ou familiares, mas eles simplesmente
acenam e reconhecem isso. Neste tempo, tão sem esperança, eu não consigo
imaginar alguém se importando caso eu pegasse uma
parceira de novo ou não. Neste ponto, nem tenho
certeza de que alguém estaria lá para ver.
— Mapa de estrelas? — Eu pergunto,
levantando a cabeça da água.
Uma imagem do mapa aparece no interior da tampa. Já estamos mais
do que a meio caminho de casa. Parece que fizemos um excelente tempo. Eu
me pergunto por que demorou tanto para chegar lá. Talvez meu piloto
automático tenha detectado algum tipo de deslizamento dentro dos limites
do espaço. Acessar esse mundo mais rapidamente no futuro seria uma
maravilha.
Eu poderia usá-lo quando trouxer Marie para casa.
A própria ideia bate em uma parede em minha mente e eu não
gosto. Estou muito interessado nessa humana, muito apegado ainda que só
a conheça por um curto período de tempo. No entanto, não posso me
impedir. Ela é encantadora. Seu riso faz meu corpo reagir de maneiras que
nunca conheci. Eu não quero perder isso.
Mas eu prometi.
E nós não quebramos nossas promessas. É um comportamento da
forma de vida mais baixa se o fizermos.
Desapareço debaixo de água novamente para resolver meus
pensamentos. Isso tudo é um problema, e um que nunca pensei em
ter. Certamente, qualquer mulher fugiria se eu dissesse
que já tenho um apego. Ela seria louca de não fazê-
lo.
Um ponto chama minha atenção no reflexo
da piscina. Nado mais perto, torcendo para que
eu possa dar uma olhada melhor na base do meu rabo. Lá, onde minha
espinha termina, há um pequeno ponto rosa.
Neff.
Estou infectado.
Eu vou morrer.
Um pico frio de realização se enterra em meu estômago e envolvo um
braço ao redor dele, tentando segurar minhas entranhas onde
pertencem. Meus olhos se fecham. Se der certo, quando abri-los, tudo será
um sonho ruim. Eu voltarei a estar com a Marie. Nós estaremos indo para
casa, onde ela vai curar os aflitos. O Neff será derrotado, para nunca mais
nos incomodar. Eu não vou ficar doente. Ficarei bem.
Mas sei que tudo isso são mentiras. Abro meus olhos para ver que a
mancha permanece, clara como antes. A doença deve estar em mutação.
Eu não estive perto de outro companheiro no meu povo por um período
muito longo.
Ou será que supomos incorretamente sobre o período de incubação da
doença? Existe alguma coisa que nossos médicos tenham entendido
corretamente nesta doença?
Um flash de raiva passa por mim. Eu vou
morrer porque esses tolos são incapazes de
realizar seu próprio trabalho. Seria a mesma
coisa se eu fosse incapaz de compreender a
formação da linguagem, mas continuasse a
afirmar que sou linguista. Eu bufo e percebo, qual é o ponto da raiva? A
maioria deles está morto por sua própria habilidade inferior. Eles não
sofreram o suficiente?
Não, estou com raiva pela minha morte iminente. É normal isso
acontecer, dizem as enfermeiras. A negação virá a seguir; a esperança de que
talvez Marie possa me curar também. Mas ninguém que teve as manchas foi
curado. A doença é 100 por cento fatal, uma vez que é visível em seu corpo.
Minha esposa ficará muito descontente com minhas atividades com
Marie quando a vir novamente. Não acho que vou pedir desculpas. Nós nos
acasalamos pela vida, não até o fim dos tempos. Quando a morte chega, é
aceitável escolher outra pessoa se assim desejar. Ela vai entender.
Eu deito minha cabeça contra o lado do tanque e afundo para me
sentar. Voltarei para casa bem a tempo de morrer naquela rocha
doentia. Vou quebrar minha promessa. Nunca poderei devolver Marie ao
seu planeta. Pior, é possível que sua espécie seja imune. Ela pode ficar presa,
morrendo de fome em um planeta que não entende.
O que fiz para ela? Para todos eles?
Eu mereço esta infecção. Mereço a morte.
É por isso que fomos proibidos de visitar esse
mundo, até mesmo aquela seção do
universo. Eles não entendem. Não têm como
lidar com o que estou trazendo para ela.
Se eu virar esta nave, será tarde demais? Eu poderia ensiná-la a pousar
a nave, como mandá-la de volta para o planeta. O piloto automático poderia
levá-la para casa se necessário, mas e se tivesse problemas? Não há ninguém
disposto a arriscar que a monarquia caia sobre eles para levar um humano
de volta à sua terra natal.
Não há maneira de contornar isso. Eu a condenei em uma tentativa de
alcançar meus próprios objetivos. Queria ser um herói e através dela salvar
os outros mas em vez disso, trouxe miséria a uma criatura tão inocente além
do seu mundo, que se considera o topo de uma coisa ridícula que chamam
de cadeia alimentar.
Esfrego minha cabeça contra a borda do tanque, desejando que isso me
tire da minha miséria. Esta bela mulher vai sofrer, sou um mentiroso. Lá está
ele, Rothren Ket L'kan, único membro remanescente do corpo docente de
sua escola. Aquele que se achava imune ao Neff e por isso arrastou uma
humana para algo que não era dela para lidar.
Sabia que isso era uma possibilidade. Como não poderia? Mas depois
de todo esse tempo, simplesmente assumi que tinha uma chance menor de
ficar doente. Não trabalhei por meses nas enfermarias
antes que minha esposa adoecesse? Eu não tentei
manter a compostura quando foi ela, não eu,
quem pegou o vírus Neff? Eu lembro de encará-
la, vestido com muitas camadas de
proteção. Que proteção era essa afinal quando
metade das enfermeiras que pegaram o Neff estavam escondidas sob mais
do que eu?
Por que aqui? Por que agora?
Devo dizer a Marie que nunca poderei cumprir minha promessa? Ou
devo mantê-la no escuro, permitindo que ela mantenha a esperança até o
último momento em que me encontrará morto? É minha culpa. Tudo isso.
Não é a primeira vez que me pergunto se eu trouxe o Neff nos meus
sapatos ou minhas roupas para casa. Eu havia seguido o procedimento
correto, mas é claro que o procedimento faz pouco para impedir a
propagação. Minha esposa não saiu de casa por três meses e mesmo saiu
manchas cor-de-rosa brotaram em sua pele alourada durante a noite. Assim
como a que tenho.
Respiro fundo e tento aquietar meus pensamentos. É preciso muito
esforço, mas consigo em pouco tempo. Devo me concentrar. Eles vão jogar o
meu cadáver sobre o fogo em breve e nada vai importar. Serei outro número
em uma linha de muitos.
Eu não temo as chamas.
Temo por ela.
A tampa se abre ao meu comando e me arrasto
para fora. É inútil me secar, como a fera que sou,
apenas dou uma sacudida na minha pele. Se
ficasse doente agora, uma infecção secundária
seria uma bênção disfarçada.
— Você ficou lá por um tempo longo.
Minha cauda cintila, derrubando uma mesa com uma vasilha do outro
lado da sala. Giro para olhar para ela. Como não a vi? Estamos quase certos
de que sua espécie não pode se tornar invisível, como os camaleões de seu
planeta conseguem. Quase sendo a palavra mais importante lá.
Ela se senta em um banco, envolta em um toq que é muito grande para
ela.
O amarelo pálido complementa o cabelo castanho acinzentado, os olhos
escuros. Se eu não estivesse doente, a jogaria no banco e repetiria o
acasalamento, arrancando-o do corpo dela e provando-a novamente. Em vez
disso, eu ando até onde ela está e a pego em meus braços.
— Tenho notícias infelizes. — Começo, mas não posso terminar. Minha
garganta sufoca.
Suas mãos cravam na penugem molhada em meu peito e meus olhos se
fecham. Sim, é excitante, mas é muito gratificante ao mesmo tempo. Isto não
é apenas um motivador sexual. Companheiros esfregam seus chifres no
peito um do outro para brincar, flertar. Ela não tem ideia do que está
fazendo, mas é um dos gestos mais gentis que senti em
muito tempo.
— Sim, você gosta disso, não é? Não sei o
tipo de coisas que o seu pessoal faz, mas isso
parece ser um sucesso. — Ela sorri,
inconsciente.
— Marie. — Eu sussurro, reunindo minha coragem.
Então ela enrola os dedos e coloco uma mão contra a parede para não
cair ao lado dela, ou sobre ela. Uma dessas situações teria acontecido, e
duvido que importe muito para mim qual delas no momento. Sonho com
um lugar em que poderia dar outro enchimento apaixonado do meu material
genético com ela, mas isso não é uma prioridade. Logo, a loucura vai me
levar. Ficarei mais seguro atrás das barras da gaiola.
Eu não poderei lidar comigo mesmo se a machucar mais do que já fiz.
— Shh, apenas fique aqui e aproveite. Podemos ficar em pé para uma
pequena rodada. Quero tentar algumas dessas coisas de novo. Eu nunca fui
para a cama com alguém tão capaz como você. — Ela tagarela.
— Marie, nós não podemos. — Eu digo tão gentilmente quanto posso.
— Claro que podemos, nós acabamos de fazer. Você não gostou?
— Não é isso, Marie. — Eu digo, querendo morrer com o nome dela em
meus lábios. — Eu estou Neff. Tenho um ponto em meu corpo.
Ela responde simplesmente.
— Oh inferno.
Eu fiz isso com ele? Talvez o estresse de estar perto de mim, lidando
comigo, tenha feito isso com ele. Sua filha morreu dessa doença, todo o seu
mundo está sofrendo com isso.
... Isso significa que ele vai morrer também?
Arranco meu corpo do banco e corro pelo corredor. Estou de volta ao
laboratório. Teremos que testar meu palpite sobre ele agora,
suponho. Embora seja meio louco fazer isso sem testar em outra coisa
primeiro. Se as raízes não forem suficientes, estaremos entrando em algumas
águas muito questionáveis. Não sei quanto tempo ele tem, e não sei quanto
tempo meu palpite vai levar para fazer o trabalho.
Na Terra, isso não seria mais do que lidar com epidemias frequentes de
varíola mas aqui, eu nem tenho Jessie para me apoiar. Estou sozinha, e
enquanto olho para este saco de raízes na minha mão, espero que seja o
suficiente. Não é só porque ele é incrível, mas porque
também é meu único caminho para casa. Quando
eu decidir para onde ir.
Rothren entra e senta-se para me observar.
— Esta água é potável? — Eu pergunto.
— Não é exatamente a mesma mistura encontrada em seu planeta, mas
é muito próxima, sim. — Ele responde.
Ele já parece derrotado. Aqueles que estão doentes perdem a esperança
muito rapidamente. Eu mostro um sorriso, mas ele não se incomoda em
devolvê-lo. Em vez disso, senta-se com a cabeça entre as mãos e olha para o
chão. Eu não posso começar a imaginar o que está pensando. Perder
pacientes para doenças incuráveis já é ruim o suficiente, já vi o que essa linha
de pensamento faz com eles. Alguém que acredita estar morto já está no
meio do caminho. É por isso que tantos hospitais tentam manter o paciente
esperançoso até o amargo fim.
Embora possa não ser a abordagem mais honesta, coloco um pouco de
água num copo e deixo ferver antes de me aproximar dele. Eu envolvo meus
braços ao redor de seus ombros e dou-lhe outro abraço, algo para
tranquilizá-lo.
— Nós vamos ter que testar primeiro. — Digo a ele. — Mas tudo ficará
bem. Vamos descobrir alguma coisa.
— A loucura vai me levar a qualquer momento e ainda assim você senta
aqui no meu colo como se eu fosse um animal dócil,
disposto a agradar você. — Ele suspira.
— Loucura? — Ela franze a testa.
— A maioria dos homens afetados por essa
doença perde a cabeça para a loucura nos
primeiros dois dias de infecção visível. Eles
perseguem, pisoteiam, atacam e até mesmo contaminam as fêmeas e outros
machos que subsistem em um mundo que os condenou.
Levei um momento para entender as suas palavras cuidadosamente
escolhidas, percebi que quis dizer que se transformam em estupradores
movidos pelo sexo. Ou pelo menos, acho que é o que ele está falando.
Talvez eles tenham outra palavra para isso em sua língua. Não é como
se fosse algo com que nos deparamos com frequência, os estupros são
silenciados e raramente mencionados, só pelos repórteres.
De alguma forma, duvido que o seu planeta tenha o WGF7.
— Vamos lhe dar um sedativo para mantê-lo relaxado e tentar impedir
que essa loucura o afete, ok? — Eu dou-lhe um leve toque no peito, mas ele
empurra a minha mão para longe.
— Eu pretendo me trancar em uma câmara de espera. Há barras. Se você
for bem sucedida em suas pesquisas, será simples o suficiente me libertar.
Vou guiá-la por aqui antes de aterrissar. O piloto automático terá um pouso
muito duro e aconselho você a amarrar-se firmemente a algo. — Diz ele com
voz maçante.
Feito isso, se levanta e me deixa no laboratório. Eu o
vejo ir, sacudo a cabeça e vou trabalhar. Se nada
mais, a nave não é tão grande que tenha
problemas para localizar as células. Isso é bom,
certo?
O trabalho é difícil. Moer, ferver, aquecer, reduzir. Vejo como uma
tentativa termina e outra começa, preparando coisas que correm um alto
risco de matá-lo tanto quanto curá-lo. Eu nunca faria isso com um ser
humano, então por que estou fazendo isso com ele?
Porque ele estará morto se eu não o fizer. Ele pode morrer mesmo com
o que estou fazendo, mas não há nada que eu possa fazer sobre isso. Sou sua
única esperança.
E não é a primeira vez que estou nessa posição, muitos outros pacientes
me fizeram ter os mesmo pensamentos. Sou especialmente boa em
prescrever medicamentos à base de plantas para dor quando não há
esperança.
Sim, isso pode prejudicar seus rins, mas os rins são a coisa mais
saudável em seu corpo agora. Também pode levar um golpe no pâncreas
que o deixará pronto para ir em uma semana e aliviar suas tristezas, dando-
lhe uma boa morte.
Eu quero mais do que isso para Rothren.
Mas não sei se posso dar a ele.
O tempo passa e perco completamente a noção de
comer ou beber. Meu estômago ronca, mas eu
ignoro isso. Os medicamentos estão quase
acabados e preciso testá-los. Gostaria de ter
outro sujeito além de Rothren. Não é justo
envenená-lo caso eu tenho feito um cálculo errado, só porque ele é o único
aqui.
É então que avisto aquelas centopeias estranhas verde limão. Eles são
seus animais de estimação? Acho que não. Pergunto-me se são como sua
versão de ratos de laboratório.
Há um pequeno galo rosa na carapaça. É quase pequeno demais para
ver, mas me dá esperança. Eu pego um conta-gotas e um par de pinças. Nós
chegaremos ao fundo disto sem ferir Rothren, se possível.
Eu agarro aquela com o galo rosa e a levanto para olhar. Ela grita com
uma voz estridente e minúscula e quase a deixo cair. Tudo aqui tem que ser
algum tipo de coisa estranha?
Quando me recupero, pingo algumas gotas da primeira medicação
naquela ponta rosa e coloco-a de volta no tanque. Ele anda de um lado para
o outro, agitando suas muitas pequenas pernas no ar. Eu passo horas
assistindo. Embora não morra, também não há mudança positiva.
O galo não responde ao tratamento da raiz. Eu solto um chiado fraco e
pego o próximo medicamento.
Este tem um efeito imediato. A coisa como um
inseto rola em agonia, gritando no alto de seus
pulmões. Eu recuo, horrorizada. Gosto de
animais. O dia em que tive que dissecar um
sapo na aula foi terrível. Chorei por semanas
quando o gato antes do minha atual morreu. Ver este pobre inseto é horrível.
Então ele salta para cima e sai correndo; correndo para se esconder de
mim. Embora o inseto pareça estar ainda um pouco irritado. Não sei bem
como isso afetará um mamífero. Rothren é um mamífero? Ele certamente foi
construído como um e é uma pergunta que deveria ter feito há algum tempo
atrás. Vou procurá-lo. A porta ao lado do laboratório está aberta, então enfio
a cabeça.
— Você cheira a todas as maravilhas do mundo. — Uma voz bêbada e
cansada resmunga para mim.
— Geralmente não é legal dizer a uma dama que ela fede. — Digo
quando entro.
Perdi a noção do tempo, não sei há quanto tempo ele está sofrendo. A
baba reveste as paredes, junto com várias marcas de presas nas barras. Suas
unhas estão todas rachadas e sangrando. A ponta de um chifre foi arrancada
de sua cabeça.
Enquanto estou fritando insetos, ele está aqui tentando lidar com isso
da melhor maneira possível. Levanto uma mão para acariciar o chifre mais
próximo de mim. Ele se afasta, duro no começo, mas
rapidamente perdendo força.
— Posso te machucar se você não for
cuidadosa. — Ele diz.
—Você nunca me machucaria. —
Argumento. — Podemos ter uma cura. Isto fez o
inseto se debater e gritar, mas funcionou. Não tenho certeza sobre o uso em
mamíferos. Podemos tentar, Rothren. Provavelmente vai doer muito.
Ele levanta a cabeça o suficiente para me olhar nos olhos. Um único
aceno é tudo o que consegue administrar. Aceno de volta e corro para pegar
minha mistura. Se funcionar, ao menos já tenho a combinação escrita com
base nas marcas dos pacotes. Sou uma especialista, mesmo que não esteja
certa sobre alguns. Acho que é uma mistura de sabugueiro, mas se é algo
nativo de seu planeta nunca saberei. Meu tradutor se trancou em uma gaiola
para não me machucar.
Realmente espero que nada disso seja venenoso.
Sem aviso, jogo o remédio nele da mesma forma como espirraria uma
bebida no seu rosto. Graças a Deus sou uma profissional nisso. Ele recua, em
silêncio por um segundo. Então ruge, arranhando o rosto e dançando longe
das grades. O vapor sobe de sua pele quando começa a descascar. Meu
coração bate em minhas têmporas. Ótimo. Eu o matei. Como pude ser tão
estúpida? Tão descuidada? Não posso ficar aqui e vê-lo morrer.
Sei que sou covarde.
Sinto muito por isso, mas não posso vê-lo começar a
andar por aí como aquele inseto. Eu corro, com o
rabo entre as pernas, para o cockpit. Uma rápida
olhada no painel não me diz nada, está tudo na
linguagem de Rothren. Longe, à distância,
ouço-o borbulhando. É um barulho horrível, que
conheço bem. É o som que as pessoas fazem quando estão
desaparecendo. Alguns chamam de choque da morte, mas nunca pensei
nisso dessa maneira.
Sentada em sua cadeira, coloco minhas mãos sobre meus ouvidos e
tento não pensar nisso. Estou sozinha em casa com minha gata. Ela mia e
pego o deleite favorito dela no armário, um ritual noturno. Voltamos para o
sofá e deitamos, esparramadas, assistindo a um novo sitcom na internet que
está passando uma agenda política ou algo assim. Metade da audiência não
tem ideia do que está assistindo. É muito sutil. Eu rio junto com eles, sem me
importar. De todas as coisas, eu certamente não sou de política.
Outro gorgolejo se arrasta e eu aperto as mãos sobre meus
ouvidos. Agora estou na casa de praia com minha irmã. Somos criancinhas
de novo. Mãe, vovó, vovô, estão todos lá, certificando-se de que temos um
bom dia. Estou com medo da escola depois que as férias acabaram. As
crianças nunca foram tão legais comigo como são com a Jessie.
Sua voz ecoa pelos corredores em um lamento que eu juro que é de uma
banshee. Eu olho por cima do meu ombro para ver as paredes pingando da
quantidade de vapor vindo dele. Eu o derreti? Não
consigo pensar como tanto fluido vindo de um
corpo, e ainda estar vivo. Isto é horrível. O que
fiz para ele?
Eu deveria ter apenas deixado o pobre
morrer, talvez até atirado nele para acelerar o
processo. Não, em vez disso, fiz seus últimos momentos de vigília algum
tipo de pesadelo.
É quando a porta atravessa o corredor e bate na parede de metal. Está
meio derretido e percebo que parte desse vapor pode ter vindo das
barras. Eu fiz um ácido que o deixou irreconhecível? Penso nisso por um
momento, mas então como ele teria sido capaz de arremessar a porta assim?
Outro pensamento me atinge. Talvez ele não esteja apenas com
dor. Possa ser que esteja chateado comigo pelo que fiz para ele. Afundo um
pouco mais na cadeira e coloco minhas mãos de volta sobre meus
ouvidos. Se ele vier me matar por tentar ajudá-lo, não quero ouvir acontecer.
Eu nunca senti nada tão doloroso em minha vida. Ela queria me
curar. Não guardo ira dela por um desejo tão esplêndido, mas desisti. Eu
sabia que estava morto. Nada mata o Neff, nada diminui a sua velocidade.
O local sumiu.
Eu vi no reflexo da porta. Com toda a fumaça do metal derretido, eu
tive que arremessá-la através do quarto apenas para me aliviar do
encarceramento. Marie certamente não teria sido capaz de me libertar. Ela
correu no momento em que comecei a gritar. Quem poderia culpá-la?
E Marie, inteligente e bonita à sua maneira, me deu uma segunda
chance na vida.
Esgueiro pela frente da cadeira, olhando para baixo sobre esta criatura
trêmula. A cura que ela descobriu queima sim, eu terei semanas para curar
as cicatrizes que isso me causou. Pelo menos estarei vivo para aproveitar
essas semanas.
—Marie. — Digo baixinho.
—Abelha, abelha, abelha, abelha. — Ela
sussurra, com as mãos cerradas firmemente em
ambos os lados da cabeça.
Minha cabeça se inclina. O que é uma abelha?
— Marie? — Ela está doente?
Seus olhos se abrem e ela solta um suspiro trêmulo. Eu a alcanço e ela
recua, pressionando-se no tecido o mais forte que pode. Meu coração se
parte por ela. Ela acha que eu quero machucá-la. Esta é a primeira vez que
se comporta assim desde... desde...
Desde que a roubei de sua casa.
Arrependimento desce para afastar a tristeza do caminho. Estou
desolado quando a olho. Ela fez algo que nenhum dos nossos médicos foi
capaz de fazer e, no entanto, olhe para tudo o que tirei dela. Olhe para onde
está agora, encolhida embaixo de mim como se eu fosse machucar um fio da
sua cabeça. Toco sua bochecha com os dedos gentilmente. Aqueles lindos
olhos se fecham mais uma vez e ela se prepara para o impacto de ... o que?
— Aterragem iniciada. — Ronrona a voz da minha esposa no piloto
automático.
Olho de volta para o console e suspiro. Não há tempo para garantias
gentis. Agarro Marie o mais rápido que posso, tentando não assustá-la ainda
mais. Ela é tão delicada, tão apavorada.
Coloco um beijo no topo de sua cabeça e
afundo em uma cadeira ao lado dela. Os cintos
são tão simples que eu poderia prendê-los
enquanto dormia.
Ela me espia da cadeira com a testa franzida. Há um olhar tão pensativo
nela que quase sorrio. Adorável. Em vez disso, tento manter meus olhos na
vista abaixo. Tudo é areia, áspera e mais escura do que eu me lembro. Quão
sortudos são os humanos para ter um planeta bem iluminado?
Nós afundamos em direção a minha casa e respiro fundo. Nunca
desfrutei de pousos, mas posso lidar com eles muito melhor do que
antes. Uma vez quando jovem, na nave do meu pai, vomitei no chão da
sala. Tinha apenas quatro anos.
Apenas quatro.
Ela também tinha apenas quatro anos.
Quanto tempo se passou desde que minha menininha morreu? Quanto
tempo faz que fiquei sem pensar nela? Que monstro sou para passar minhas
horas pensando em qualquer outra coisa além de Eilari. Perceber isso é
natural. Quando passamos pelos muitos estágios de aceitação, nos vemos
considerando aquilo que nos colocou nesse pensamento. Uma preocupação
menor do que encontrar comida ou acasalamento, por exemplo. Parece
simplesmente cedo demais para mim. Talvez a doença tenha arruinado
alguma parte de mim. Talvez isso tenha afetado meu
núcleo emocional.
No entanto, quando olho para a criatura
sorrateira que me espia, sei que isso não é
verdade. Meu peito enche de calor e é preciso
toda a minha concentração para não sorrir. Ela é
astuta, nervosa. Se a tiver condenado ao meu planeta, devo tentar fazê-la o
mais feliz que posso.
Ajuda parecer que ela gosta de mim tanto quanto eu gosto dela. Percebo
que as coisas estão indo rápido, mas não me sinto assim por nenhuma
mulher da minha espécie por tanto tempo.
Ela me salvou. Quem mais poderia ter feito isso?
Eu não tenho dúvidas de que ela continuará salvando, embora não saiba
quantos de meu povo tenham ficado. Tantos quantos puder. Ela me parece ser
o tipo. Apesar de sua desorientação, veja o que conseguiu até agora. É uma
maravilha e uma delícia, um espécime magnífico de sua espécie, sem chifres.
Uma rápida olhada em sua testa a faz desaparecer completamente. Sem
chifres, mas um monte de cabelos estranhos e sedosos.
— Se veio me matar, pode acabar logo com isso? — Ela pergunta, sua
voz trêmula.
— Minha querida Marie, eu nunca te machucaria. — Digo.
Isso a faz levantar a cabeça para olhar para mim. Seus olhos se
arregalam e faço um movimento para ela colocar a cabeça para baixo. Não é
seguro sentar-se como está. As coisas podem ficar
difíceis e não posso suportar que ela seja ferida por
um evento tão minúsculo.
Entramos na atmosfera com bastante
facilidade, avançando em direção ao solo a uma
velocidade vertiginosa, como sempre. Os
propulsores reversos entram em ação e desaceleramos quando nos
aproximamos da minha casa ... e pelo menos uma dúzia de guardas da
monarquia.
Oh, Merda. Esqueci disso.
— Quando pousarmos, fique na nave. — Digo a ela, franzindo a testa
para a multidão.
Eles sabem onde fui? Fiz tudo certo para evitar o registro de dados mas
talvez eles suspeitem. Quando o navio aterra, a voz metálica diz
alegremente que chegamos em casa. Ignoro isso, desafivelando-me e saindo
do navio. Akthoses, longos bastões com bordas de corte a laser no final, são
empurrados na minha cara.
Estava errado. Este não é apenas um grupo da guarda. Serethas, nossa
monarca, olha para mim imperiosamente. Ela é uma mulher alta com olhos
como lanternas, dura e orgulhosa. Ela brilha com riqueza e está muito menos
coberta do que nós.
A imagem remonta a uma época em que éramos pessoas muito mais
tribais. Andar quase nu pelas ruas e manter uma distância respeitosa, um
olhar reverente, é o verdadeiro poder.
Meus joelhos afundam no chão e abaixo minha
cabeça, me prostrando diante da minha
Monarca.
— Você trouxe uma humana, Ket. —
Suspira Serethas. — Por que fez isso? Você era
um linguista respeitado. Era um homem bem-feito. E será novamente
quando nossos médicos curarem o Neff.
— Com todo o respeito, — Digo, sem levantar a cabeça. — meu médico
já fez isso.
Os guardas ao meu redor se embaralham, incertos. Eu duvido que eles
acreditem em mim. Se eu estivesse no lugar deles, certamente não
acreditaria no renegado enlouquecido no chão.
— Ele tem uma mancha. — Disse um dos guardas. — Ele tem o Neff.
— A cor está errada. — Argumenta outro. — É cinza, não rosa.
— Ela me curou. — Digo, olhando para o primeiro guarda. — Salvou
minha vida. Salvará todos nós, se lhe dermos uma chance.
— Traga esta fêmea para mim. — Ordena Serethas.
Os guardas se foram antes que pudesse protestar. Ouço um grito de
dentro da minha nave e alguns dos guardas do lado de fora parecem apenas
se divertir. Um deles ri. Eu quero derrubá-lo.
De sua parte, Serethas simplesmente parece impassível. Se essa fêmea
humana não fosse responsável pelo primeiro caso potencialmente curado de
Neff em toda a nossa história, eu pensaria que Serethas
estava entediada.
Na verdade, ela ainda parece estar. Nossa
monarca é uma criatura impressionante,
embora agora que eu conheço Marie, devo me
perguntar como Serethas lidaria com uma
situação na qual ela seria jogada num planeta estranho e abordada por
homens armados. Eu não posso imaginar que não gritasse também.
Marie é arrastada para encontrar nossa monarca. Ela olha para mim,
aqui ajoelhado na terra e franze a testa. Eu aceno para se juntar a mim, mas
ela me ignora. Um guarda agarra-a pelos ombros e empurra-a para o
chão. Eu rosno e estou nos meus pés antes que me dê conta, mostrando as
presas, de pé sobre a fêmea humana caída.
— Paz, Rothren Ket. Kolory, seja gentil com essa espécie delicada. —
Repreende Serethas.
— Como minha monarca mandar. — Responde o bruto.
Ainda quero mordê-lo. Embora nada de bom viria se o fizesse.
Vou ter que resolver isto em outra hora, em outro lugar. Vou lembrar
do seu nome. Kolory. Um nome estranho. Não pode haver muitos dos que
restaram.
Marie pega o braço que ofereço e a ajudo a ficar de pé. Não vou mais
desmoronar diante de um monarca que permita que essa fêmea, minha doce
humana, seja tratada dessa maneira.
— Você diz que o ser humano te curou? Como? Ela
fala nossa língua? — Serethas pergunta.
— Uma poção, de certa forma. Fiquei doente
no voo. Ela salvou minha vida. Vai salvar o
resto de nós, se lhe dermos tempo e
ingredientes. Ela tem uma lista, uma receita. Em
sua casa, é uma médica. — Respondo. — Ainda não conhece nossa língua
mas pode aprender.
— Se ela puder nos salvar, vou permitir que você viva, Rothren.
Também estou doente com Neff. A maioria está. — Afirma Serethas,
levantando o braço e mostrando-me vários inchaços rosa ao longo de seu
pulso.
— Se não, vocês dois morrem.
— Esta fêmea não foi testada. — Diz o bruto, Kolory, resmungando. —
Quem executará a sentença se ela nos envenenar?
— Silêncio. — Diz Serethas, gentil, mas sem lhe dar base.
— Ouça-me. — Sussurro para Marie. — Você deve refazer sua cura. Se
me salvou, salvará outros como eu.
— Deveria jogar ácido em sua rainha? — Ela sussurra de volta.
— Precisamente.
Ela olha para mim como se eu tivesse perdido a cabeça e talvez tenha.
Inclino e a beijo firmemente na boca, diante da minha monarca, diante
do meu mundo. Kolory enruga o nariz e parece que ficar doente. Outros
bufam ou desviam o olhar, desonrados simplesmente
pela minha presença e minhas ações. Eu não
poderia me importar menos.
Marie me salvou.
E eu a amo.
— Vou tentar. — Diz quando me afasto.
Há incerteza em seus olhos. Acaricio sua bochecha e a beijo mais uma
vez. Sei que ela pode fazer isso, que deve fazer isso. Minha Marie será a
salvadora do nosso mundo e o que acontecer depois, acontecerá. Se ela
quiser ir para casa, vou levá-la. Cumprirei minha promessa.
Mas...
Quando olha de volta para mim, com um rosto cheio de esperança e vê
que o lugar que era um rosa mortal agora está cinza, acredito com todo o
meu coração que ela ficará. Acredito que ela se importa comigo tanto quanto
eu com ela. Podemos ter um longo caminho pela frente, mas acredito que
chegaremos ao fim juntos. Ela salvará meu planeta como me salvou, e será
uma heroína.
Nossa heroína.
Marie.
Obrigada Deus pelo software de tradução instantânea. Sem isso, ainda
estaria tentando desenhar diagramas para essas pobres enfermeiras.
Já faz seis anos e ainda estou trabalhando duro para vencer o vírus Neff
em constante mutação. Este vírus evolui mais rapidamente que um girino
em esteroides. Conseguimos salvar Serethas e sua corte. Quando Kolory
Hesthu chegou infectado há cerca de seis meses, fiquei tentada a deixar o
vírus levá-lo. Ele é um idiota. Sempre que está no seu turno com o dever de
guarda, fica na minha bunda tentando encontrar alguma maneira para dizer
eu estou aqui para matar todos eles.
Um filho da puta paranoico e delirante. Mesmo depois de curá-lo, ainda
não confia em mim. Não faço ideia do que fiz para ele, porque tudo o que fiz
foi ser sequestrada e vir salvar todos com quem ele se importa.
Claro, agora as manchas estão ficando azuis e mais difíceis do que
nunca. A grande maioria das pessoas aqui tem algum
tipo de pelo azul e o Neff descobriu como
combinar perfeitamente esse
pigmento. Também gosta de aparecer apenas
nesses pontos.
Vou continuar lutando até o exterminarmos, eu acho. Às vezes sinto
falta de casa, mas vale a pena estar com Rothren.
Exausta depois de um dia de trabalho, ando do laboratório em direção
a nossa casa. Eu tenho certeza de que ele já está lá.
Suas aulas de língua humana tendem a terminar cedo. Acho que eles
pensaram que seria melhor tentar encorajar línguas humanas, uma vez que
Serethas pretende enviar uma tropa de reconhecimento para a Terra em
breve. Ela quer mais médicos como eu.
Não sei se realmente aprovo. Tem sido difícil me ajustar a essa vida,
apesar de Rothren fazer o que pode para amenizar qualquer estranheza. No
primeiro Natal em que estive aqui, ele cortou um galho grande de uma
árvore e colocou-o contra um canto. Ele estava tão orgulhoso de si mesmo
que não pude suportar dizer a ele que geralmente tínhamos a árvore
inteira. Além disso, o ramo era enorme e nossa filha parecia adorável ao lado
dele.
Bato minha mão no botão do lado de fora da porta e espero a eclusa de
ar. Nós realmente precisamos consertar isso, está ficando enferrujado. Pelo
menos há pessoas capacitadas o suficiente agora para
consertá-lo.
A câmara se separa e Rothren me agarra,
girando-me antes que eu possa colocar minha
bolsa no chão. Coloco meus braços ao redor de
seu pescoço e o beijo com tudo o que tenho,
sorrindo para ele. Sua cauda se enrola e torce em volta da minha perna,
depois a levanta.
Eu assobio e me afasto, dando-lhe um tapa brincalhão no peito.
— As crianças estão bem ali! — Digo.
— Você ainda estará completamente vestida. — Ele sorri, sem
vergonha. — Minha modesta garotinha humana.
Rio e o golpeio de novo. — Ponha-me no chão.
— ALA! — Vem um grito ao lado do joelho de Rothren.
Ela é bege, tocada com uma cor creme de seu pai e já tem cinco
anos. Quando ela fez cinco anos? Parece que foi ontem que eu estava
segurando este pequeno pacote impossível. Os exames não diziam que era
impossível engravidar? Inferno, uma vez não tinha jurado que não teria
filhos?
— Minha pequena Thethri, venha aqui! — Digo, deslizando dos braços
de seu pai e me ajoelhando.
Todos os quatro vêm correndo. As enfermeiras me dizem que sou uma
espécie de milagre ambulante por não engravidar já este ano, dada a nossa
tendência, mas sei de algo que elas não sabem. Não direi
a elas desta vez. O sangue humano é imune ao Neff,
dando imunidade plena a crianças mestiças. Não
há razão para eles me afastarem da minha
pesquisa novamente apenas para satisfazer suas
preocupações. É uma pena que eu não possa
fazer engenharia reversa do meu próprio sangue para criar uma vacina. Não
funciona. Foi uma das primeiras coisas que tentei.
Aposto que Jessie poderia ter feito isso.
Eu sou abordada por meus pequeninos, três garotos e minha pequena
Thethri. Rothren leva um segundo para se juntar a nós numa pilha no
chão. Em vez de me ajudar, ele simplesmente rola no carpete com o resto de
nós. Não mais do que esperaria do meu patife marido. O beijo mais uma vez
antes de me afastar da minha família.
Isso dura por um segundo. Volto e passamos meia hora em lutas de
cócegas ou aconchego, às vezes alternando entre os dois. Parece que as
crianças gostam muito de aconchegos nesta idade, sempre querendo ser
tocadas ou seguradas. Eu estou bem com isso, desde que Rothren esteja lá
para me aconchegar quando eu precisar.
E esta noite, certamente preciso disso. Colocamos os pequeninos em
suas camas para a noite antes de cair na cama. Coloco um copo de licor verde
feito de uma variedade de não-rosa, não consigo lembrar o nome. Mesmo
depois de tantos anos, parece que há sempre algo novo para aprender toda
vez que viro a esquina. Pelo menos a economia está
começando a se recuperar, há comida suficiente e
Serethas não está mais derrubando os
suprimentos de emergência. No primeiro ano
em que estive aqui, toda a comida disponível
era biscoitos velhos e coisas infelizes com aparência de berinjela que tinham
gosto de sabão.
Rothren entra comigo, com um olhar ansioso em seus olhos. Ele sabe
que tomo este licor quando estou grávida e ainda não o confirmei para
ele. Está esperançoso, seu olhar brilha quando chega para pegar minha
mão. Talvez a melhor coisa de estar grávida do bebê de um alienígena é que
você ainda pode aproveitar estas coisas. Parece tornar o trabalho mais fácil.
— Existe algo que você queira me dizer? — Pergunta.
Ele cobre meu rosto com as duas mãos, quase prendendo a respiração.
Não posso evitar, sorrio, então desmancho. Ele é um pai muito dedicado. Se
pudesse repopular este planeta comigo, não tenho dúvida de que o faria.
Quem teria pensado que eu teria acabado em um planeta alienígena,
salvando vidas e me apaixonando, com uma pequena família toda minha?
— Posso ter uma surpresa para você, em oito meses ou mais. — Sorrio.
Ele quase brilha, se inclina para me beijar, me segurando como uma
coisa preciosa. Eu poderia curar o Neff mas ele ficaria menos entusiasmado
do que o anúncio de outra criança para o nosso lar feliz. Beijo-o de volta com
tudo que posso e ele afunda em cima de mim.
— Vamos tentar fazer gêmeos? — Ele sussurra,
a voz quente no meu ouvido.
— Não é assim que a biologia funciona. —
Murmuro de volta para ele, reprimindo um
arrepio.
— Nunca é demais tentar. — Ele responde, e rio.
— Eu te amo, Rothren.
— Eu também te amo.