Meu Segredo Federal - Raphaela Fagundes
Meu Segredo Federal - Raphaela Fagundes
Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.
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Um beijo, Rapha.
Prólogo
Seis anos antes
Maria Clara
∞∞∞
Flora e eu erguemos nossas taças de vinho ao centro da mesa em um
brinde. Durante a semana, não conseguimos nos encontrar para comemorar
os nossos novos trabalhos. Minha amiga também tinha novidade, havia
iniciado no programa de trainee do banco que o seu pai era presidente.
Só conseguimos conciliar o tempo livre no domingo à noite.
— Estou tão orgulhosa! E feliz também...
— Estou muito feliz, aliviada e cheia de ideias Mal comecei no novo
trabalho e a cabeça está fervilhando de inovações para colocar em prática na
empresa. — Estava claro para mim que eu havia achado um rumo
profissional para seguir e que nada tinha a ver com a advocacia ou o famoso
escritório da família Brandão.
A tábua de frios e pães que pedimos chegou logo após o nosso
brinde, pois não queríamos estender muito a noite.
Servíamos a segunda taça de vinho, quando João, meu irmão,
despontou na entrada. No meio da tarde, também o chamei para um drinque
em comemoração a minha nova fase e ele topou
— Abençoada família Brandão... — Flora sussurrou e eu ri.
Não tinha como negar, os homens da família eram mesmo muito
bonitos. Ele caminhava com o olhar sério e altivo, bem vestido, imponente
demais. E era engraçado que, esse jeito do meu irmão mais velho, lembrava-
me muito do único cara que amei de verdade.
— Boba — pensar em Paulo Diniz roubou um pouco do meu bom
humor, mas não deixei transparecer.
— São seus irmãos e respeito, mas olha, é cada homem maravilhoso.
— Ela insistia, conforme ele se aproximava.
O restaurante até que não estava cheio quando chegamos, mas uma
turma grande estava ali comemorando um aniversário e ocuparam várias
mesas próximas à entrada.
— E justamente ele está solteiro — comentei. João havia acabado de
sair de um relacionamento, depois que Isadora, sua ex-noiva, terminou tudo.
— Você diz como se fosse gostar da notícia que sua amiga beijou o
seu irmão — fiz uma careta só por imaginar e ela riu. — Como imaginei! —
Sua feição de vencedora logo amenizou, pois ele já estava ao nosso lado.
— Tive um compromisso, não consegui sair antes — justificou,
depois de me abraçar. — Oi Flora, como vai?
— Estou ótima e você?
Os dois também trocaram cumprimentos e logo nos entretemos em
uma conversa. Minha amiga era excelente para gerar assunto, ao lado dela as
conversas nunca esfriavam.
A nossa ideia inicial de ir embora cedo, pois no dia seguinte todos
nós iríamos trabalhar, deu errado quando abrimos a segunda garrafa de vinho
e até meu irmão parecia mais descontraído e disposto a socializar.
Ele saiu para ir ao banheiro e, assim que ficamos sozinhas à mesa,
Flora chamou a minha atenção.
— Ali não é o Paulo? — Com o queixo ela apontou a entrada e me
virei na cadeira.
— O próprio. — Confirmei.
Ele estava de costas para nós, de mãos dadas com uma mulher que eu
conhecia bem e cumprimentava as pessoas que comemoravam algum
aniversário que mencionei anteriormente.
Agradeci por meu irmão ter saído, pois minha amiga não tinha papas
na língua e faria comentários na frente dele. Não era segredo para João todo
o rolo que vivíamos há alguns anos e, justamente por ser um rolo enorme,
meu irmão não ia com a cara dele.
— Por Deus, estamos em São Paulo, a cidade do Brasil que mais
deve ter opções de restaurantes...
— Está tudo bem, amiga.
Segurei o choro, ele teria que ficar para mais tarde, quando estivesse
sozinha em casa. Assim como foi em todas as vezes em que o vi
acompanhado.
Capítulo 02
Paulo
∞∞∞
O final de semana foi agitado e cheio de programações. Embora
Tamara tivesse muitos amigos em São Paulo, cidade onde nasceu e cresceu,
fazia questão de estar com nós quatro.
Conhecemo-nos na adolescência, estudamos no mesmo colégio e
tivemos um namorico que durou pouco. Já o nosso rolo que envolvia sexo
sem compromisso, estendia-se há anos.
Quando chegou o domingo, queria descanso, cheguei aos trinta anos
com pouca disposição para emendar noites em claro com música e bebida,
no entanto, não tive muita escolha.
No fim do dia, depois de um plantão intenso na delegacia, Tamara
enviou mensagem avisando que a turma iria reunir-se em um restaurante no
Jardins. Eu realmente preferia ir para casa, mas no dia seguinte ela iria
embora, então cedi.
— Um final de semana inteiro com a ilustre presença de Paulo
Diniz? — Lucão, um grande amigo e que eu precisava encontrar mais vezes,
foi o primeiro a levantar da mesa para nos receber.
Minha amiga e eu chegamos juntos, achei que seria uma gentileza
buscá-la na casa da sua mãe, já que acabaria a noite em minha cama, assim
como foi nas duas anteriores.
— Uma noite no 001, o que acha? — Chamei-o para ir ao clube de
tiros que o Lui, amigo em comum nosso, era um dos donos. — Dessa
semana não passa.
— Já vou marcar com aquele policial safado — avisou, pois lá era a
segunda casa do Lui, ele ia colocar pilha e fazer com que o programa não
fosse só um plano meu.
— Não vou furar.
— Muito bom que você tenha vindo, irmão.
Logo Tamara tornou-se o centro das atenções, ela gostava e sabia
socializar, eu que, preferia a discrição, achava engraçado. Com ela ao lado,
podia ficar ainda mais quieto e ninguém reclamava.
Perto das dez da noite, com o ambiente um tanto agitado e sentindo
todo o cansaço do final de semana chegar, fiz planos para chamá-la para
irmos embora. A noite ainda seria longa. Ao menos, também prazerosa.
— Podemos ir quando quiser — como se adivinhasse meus
pensamentos, sussurrou em meu ouvido.
— Vou ao banheiro, pode ir se despedindo — dei um beijo casto em
sua testa antes de sair da mesa.
Todos os nossos amigos sabiam da nossa história, não era nenhum
segredo que dali íamos para o meu apartamento e que ela esteve comigo nas
últimas noites. Contudo, em público, guardávamos a nossa intimidade, no
máximo andávamos de mãos dadas ou trocávamos abraços. Vai entender.
No caminho, decidi pagar a conta antes de ir ao banheiro, então me
dirigi direto ao caixa do restaurante e aí veio a surpresa.
De costas para a área de onde eu vinha, estava ela, na companhia do
João, seu irmão mais velho e Flora, uma amiga. Os dois não eram os meus
maiores fãs e nunca esconderam.
— Boa noite — cumprimentei-os e ganhei olhares de surpresa, um
deles forçando indiferença. Respirei fundo, nunca era fácil encontrá-la, não
depois da última vez que nos rendemos e ficamos juntos.
— E aí, Paulo, como vai? — Flora tomou a frente e me deu um
rápido abraço.
— Fazendo o que vou me arrepender amanhã quando tiver que ir
cedo para a delegacia — contei e eles riram, menos a mulher mais linda que
já conheci.
Não disfarcei o longo olhar em sua direção, ali não era necessário,
seus acompanhantes estavam carecas de saber o que acontecia entre nós
dois.
A decisão mais difícil da minha vida era ficar longe de Maria Clara,
tão difícil que vivia voltando atrás.
No entanto, não podia mais, bastava lembrar que Olívia, a noiva do
Lui e sua cunhada, foi sequestrada em retaliação a uma investigação que
participamos. A irmã do meu amigo era inocente demais para entrar nesse
mundo sujo que eu estava atolado até a cabeça.
— Foi o que eu disse para as duas. — João comentou, mais para
quebrar o magnetismo do nosso olhar do que para ser simpático comigo.
— Tudo bem, Maria Clara? — perguntei, por fim.
— Tudo ótimo e com você? — respondeu, linda, com o olhar
penetrante e a voz rouca.
Era para acabar com o meu juízo, apenas em duas ocasiões ela ficava
com aquela voz: quando estava com raiva ou com tesão. Foi o suficiente,
senti meu corpo reagir só por imaginar do que éramos capazes juntos.
— Bem, também. Já estou de saída, vou pagar a conta. — avisei e
antes de virar-me por completo em direção ao caixa, Flora falou comigo.
— Bom restinho de domingo, Paulo. Espero que consiga descansar.
Ela me viu chegando de mãos dadas com Tamara, não precisava ser
muito inteligente para entender o recado.
— Obrigado.
Atordoado, como sempre ficava quando a encontrava, e, com o
coração confuso, paguei a conta e fui embora. À Tamara enviei uma
mensagem narrando uma suposta urgência, sem carona até a casa da sua mãe
ela não ia ficar.
Minha irmã, que sempre dizia que eu era melhor com rolos do que
com namoros, errou feio. Eu era péssimo com qualquer espécie de
relacionamento.
Capítulo 03
Maria Clara
Sequei o cabelo apenas porque não gostava de sair com ele molhado — ou
porque cresci ouvindo minha mãe dizer que não era elegante —, uma dor de
cabeça me acompanhava desde que acordei. Na verdade, desde que tentei
dormi, no meio da madrugada.
Fiz uma maquiagem leve e troquei de roupa, já estava me atrasando
para chegar ao trabalho.
Passei toda a manhã alimentando o sistema da loja com informações
sobre as vendas realizadas nos últimos dias e o fluxo de caixa.
Pausei o trabalho quando ela me chamou para almoçar. Era uma
sensação boa não ver o tempo passar. Outra melhor ainda, ser útil e ficar
satisfeita com o que fez, ainda que fosse uma atividade meramente
operacional e burocrática.
Escolhemos um restaurante pequeno próximo ao escritório e fomos
caminhando, mas seguidas dos seguranças, que estavam sempre a nossa
espreita. Não gostávamos de ter uma sombra atrás de nós duas, mas
sabíamos que não era uma situação negociável. Inclusive, com a gravidez da
Olívia, acho que ela concordava com tal cuidado.
— Vai, Clara, conte-me o que está te angustiando — pediu, antes
mesmo de chegarmos ao nosso destino.
Desde o nosso primeiro encontro, descobrimos afinidades em comum
e logo nos conectamos. Gostava de conversar com a minha cunhada e me
sentia à vontade para contar algumas intimidades.
Mas, daquela vez, estava cansada. Há muito tempo gostava da
mesma pessoa, fazia planos secretos a cada vez que ficávamos juntos e
precisava recolher os cacos toda vez que ele desistia de nós.
Uma noite perfeita, em que ele cozinhava para mim, fazíamos juras
de amor, não nos desgrudávamos até o amanhecer e, então, o sol nascia com
a dura realidade de que ele iria recuar.
Estava cansada de amar sozinha, de me envolver com outros homens
e não conseguir me entregar, cansada de sonhar que um dia Paulo e eu
poderíamos dar certo.
Acabar com as nossas idas e vindas teria que partir de mim, eu sabia.
E é o que faria. Dormi, na noite passada, determinada a tirá-lo da minha
vida. Na verdade, o que tive foi um cochilo depois que cheguei em casa e
deixei o choro sair.
Paciente e em silêncio, Olívia aguardava que eu dissesse algo, soltei
um suspiro e resolvi contar. Prometi a mim mesma que seria a última vez
que tocaria no nome dele.
— Ontem eu o vi — contei, já sentindo meu peito formigar.
Não era possível ser sempre tão rendida dessa forma, meu corpo
reagia só de falar sobre ele.
— E como foi? — perguntou, cautelosa.
— Péssimo. — Dei um sorriso seco. Chegamos ao restaurante e
fizemos os pedidos. — Fui jantar com o João e a Flora, os três com dor de
cotovelo. E ele chegou com uma mulher.
Ontem parecia a noite dos abandonados, embora a ideia inicial fosse
comemorar meu novo trabalho. João, que recente teve o noivado desfeito,
Flora que descobriu uma traição e eu, bom, eu que na última vez em que
estive com Paulo, acordei sozinha em seu apartamento com um bilhete sobre
a mesa de cabeceira, quase um convite para dar o fora dali.
— Paulo é um idiota.
— Eu sei que ele é maneiro com você, como amigo ele é ótimo.
Desde o episódio do seu sequestro, eles se aproximaram. Além disso,
Paulo é um dos melhores amigos do meu irmão e também o seu chefe.
Vivem juntos. Já o vi largar momentos de lazer e descanso para ajudar algum
amigo, o problema dele é com mulher, ou apenas comigo.
— Queria ter um bom conselho, Clara. Mas não tenho. Também sou
passional e acredito que a gente não manda no coração.
— Não posso mais recair. Nunca saio inteira, sabe? — Meus olhos
marejaram e segurei firme para que as lágrimas não escorressem. — E já
está claro que sou apenas o fetiche dele de sair com a irmã mais nova do
amigo.
— Olha, confesso que não acredito muito nisso. Acho que tem algo a
mais para ele sempre fugir. Mas, de todo modo, essa situação faz mal a você.
Então, talvez o melhor mesmo a fazer é não se aproximar.
— É isso.
Foi horrível vê-lo chegar ao restaurante com outra mulher, ainda
mais Tamara, uma amiga sua de anos e que vivia em sua cama. Tínhamos o
combinado tácito de não aparecer na frente do outro com outra pessoa. Ele,
inclusive, já deixou de ir em aniversário do Lui porque estava namorando e,
obviamente, eu estaria lá.
Tudo bem que fui eu quem, muitas vezes, descumpri o acordo e
apareci com algum homem onde sabia que ele estaria. Em todas as
oportunidades Paulo deu um jeito de colocar o cara para correr.
Em contrapartida, sua última namorada, Daniele, uma policial da sua
delegacia, que, para o meu azar, também era amiga do meu irmão e parecia
saber o que rolava entre nós dois, pois quando me encontrava, dava um jeito
de me provocar.
∞∞∞
Fui embora para casa animada com muitas expectativas para o dia
seguinte e com a difícil missão de conversar com os meus pais, teria que
contá-los que não exerceria a advocacia e que iria trabalhar com a Olívia. No
entanto, não estavam em casa quando cheguei.
Depois de um banho e jantar a salada que Soninha — a funcionária
que trabalhava em casa desde sempre — deixou pronta, comecei a colocar
alguns planos em prática. O primeiro deles foi me inscrever em um curso
básico de administração, para não ficar tão perdida com o financeiro da
empresa; o outro foi retomar os meus estudos sobre moda. Sempre gostei de
me atualizar a respeito e agora não seria apenas por hobbie.
Passava da meia-noite quando guardei o computador e decidi ir
dormir, pois no dia seguinte chegaria cedo ao escritório. Escovei os dentes,
passei os meus cremes no rosto e arrumei a cama. Antes, chequei pela última
vez as mensagens no celular, foi quando meu coração perdeu uma batida.
Ele não tinha aquele direito.
“Eu fui embora para casa sozinho.”
A minha vontade era responder um foda-se em letras garrafais.
Respirei fundo, pensei muito no que dizê-lo, desejei ainda mais correr para
os seus braços e exigir que não fosse tão idiota, para, ao final, decidir por
ignorá-lo e tentar dormir.
Precisava tirar Paulo da minha vida, da minha pele, dos meus
pensamentos.
∞∞∞
Paulo
Mais um dia de trabalho e a nova rotina era chegar em casa, tomar banho,
comer uma salada e estudar. Saí do quarto para ir até a cozinha, mas antes de
chegar à escada, ouvi vozes vindas da sala. Apressei o passo quando me dei
conta de que eram os meus irmãos.
Fazia anos que Lui havia saído de casa, já João, foi recente, e eu
sentia falta de tê-los sempre por perto.
Ainda que eles sempre tenham tido rotina corrida com estudos e
trabalho, morando embaixo do mesmo teto conseguíamos desfrutar de um
lanche no balcão da cozinha, um filme fora de hora ou ficar batendo papo na
varanda do quarto de algum de nós.
— Chegaram juntos? — perguntei e ganhei abraços dos dois.
Estavam arrumados e segurei o riso, eles não gostavam muito quando
falávamos, mas pareciam irmãos gêmeos. Eram bastante parecidos
fisicamente e, quando usavam o mesmo padrão de roupas, como naquele dia
em que estavam com peças na cor preta e jaqueta de couro, ficavam como
cópia do outro.
— Estamos indo ao 001, passamos só para dar um oi. — Lui contou,
com o olhar fixo nos meus.
— Ah sim...
— Quer ir com a gente? — João convidou e o olhar que o meu outro
irmão dirigia a mim intensificou ainda mais. Entendi que era para passarmos
um tempo com o mais velho.
— Hum, eu quero!
Não queria, óbvio. Preferia mil vezes ficar, naquela noite fria,
quietinha em casa. Mas também não negaria. João tentava disfarçar ou
esconder de nós, sua família, o que sentia, mas era visível que estava mal
com o fim do noivado com a Isadora.
— Cinco minutos para trocar de roupa — Lui avisou, apontando para
o relógio em seu pulso, como se já tivesse contando o tempo.
— Mas eu ainda não jantei.
— Vai comer um mega sanduíche com os seus irmãos. — Revirei os
olhos para o João, todos sabiam que eu não era fã de comidas gordurosas,
mas, vencida, virei de volta em direção a escada.
— Oi, filha! — seu Heitor topou comigo, não parei porque o relógio
estava correndo.
— Vou sair, papai.
Seria só uma noite entre irmãos, eles iriam delirar de tanta alegria por
ficarem dando tiros na pista aberta do 001 e depois íamos comer porcaria na
lanchonete do clube de tiros, do qual João e Lui, junto de um amigo
chamado Renan, eram donos.
Não é um esporte que eu goste, mas, muitas vezes, para ter
momentos em família, já que meus pais também amam atirar, eu os
acompanho. Há pouquíssimo tempo, pedi que Lui me ensinasse o esporte,
iniciamos as aulas e até que me saí melhor do que imaginei. Porém, por ser
iniciante e inexperiente, só posso atirar dentro das baias e guiada por
instrutores.
João, que estava dirigindo, entrou com o carro no estacionamento e
senti meu corpo gelar ao avistar a Land Rover que eu conhecia como a
palma da minha mão.
— A turma está aí — Lui avisou, checando o celular, enquanto
descíamos do carro. — Não me falaram que viriam hoje. — Continuou
falando, referindo-se aos seus amigos da delegacia.
Não me manifestei e João passou o braço por cima dos meus ombros,
deixando um beijo no topo da minha cabeça.
— Podemos ir embora, se quiser. Invento uma desculpa qualquer.
Quis muito dizer sim a sua proposta, mas estávamos ali para distraí-
lo. Então, recusei e disse que tudo bem seguirmos com a programação.
Boba como só eu conseguia ser, desejei ter me arrumado um pouco
mais, na pressa que os meninos me impuseram, só me preocupei em
proteger-me do frio. Escolhi uma calça legging de couro, um tricô enorme,
botas e prendi o cabelo em um rabo de cavalo. O rosto estava limpo de
maquiagem e os únicos acessórios que usava eram um brinquinho e um anel
que ganhei dos meus pais e nunca tirava. O ar frio tocou minha pele e senti
todo o meu corpo arrepiar. Talvez nem fosse somente pelo clima, mas pela
expectativa de encontrá-lo.
Seguimos pelo caminho de pequenas pedras até chegar à área
administrativa do clube, tendo sido recebidos por Renan.
— Então, hoje é dia de ver o clã Brandão na pista — ele
cumprimentou meus irmãos com toque de mãos e puxou-me para um abraço.
Renan era a cabeça pensante da sociedade e quem cuidava de perto
do negócio, acompanhando cada parte e atividade do 001.
— Só a parte masculina do clã, você sabe — lembrei-o, já que minha
mãe não estava ali e ele riu, depois de beijar meu rosto.
— Cada dia, mais bonita! — elogiou e ganhou um empurrão do Lui.
— Já pode soltá-la.
A brincadeira besta de sempre, eram amigos de anos e Renan nunca
faltou com respeito comigo, pelo contrário, tratava-me muito bem e eu me
sentia à vontade perto dele.
Seguimos para a pista aberta, onde apenas quem era sócio do clube
podia atirar. A cada passo que dava, sentia minhas pernas enfraquecerem um
pouco. Desejei que Flora, Olívia ou alguma outra amiga estivesse ali para
me distrair.
Logo que despontamos após o corredor da área administrativa do
clube, a turma da delegacia veio ao nosso encontro.
Apenas um olhar em minha direção, um misto de surpresa e fogo, foi
o suficiente para fazer com que o meu coração perdesse uma batida. Paulo
tinha o poder de remexer tudo dentro de mim.
Olhava-me com devoção, a mesma que tinha quando me beijava por
inteira e dizia que iria adorar meu corpo com a sua boca. A lembrança
causou-me arrepios e, não tive dúvida, estava longe de sentir frio.
Não desviei meus olhos dele, mas perdi todo o brilho quando sua ex-
namorada ou, quem sabe, tão atual como nunca, surgiu ao seu lado e enlaçou
o braço no seu, não sendo afastada.
Engoli em seco. Por duas vezes, quase que seguidas, eu o via com
alguma mulher. Se, por um milésimo de segundo, quis estar em seus braços e
responder em seu ouvido as mensagens que enviou no dia anterior, agora
sentia raiva.
∞∞∞
Paulo
Coloquei para tocar no sistema de som uma playlist de jazz blues, acendi
um charuto e me estiquei na poltrona, de frente para a parede envidraçada na
sala do meu apartamento. Na mesinha de centro, havia um copo com uísque.
Era o meu momento de descanso, depois de dias insanos na delegacia.
Quando não era a música a me distrair, havia um livro em minhas mãos.
Naquela noite, nada parecia ser suficiente.
Os acordes de uma nova canção ressoaram pelo ambiente e fechei os
olhos.
Tinha conquistado tanta coisa na vida, poderia dizer com
tranquilidade que era um cara realizado. Mas não conseguia, o que faltava?
Ta aí a pergunta que fazia a minha mente brigar com o meu coração, no
entanto, eu sabia bem quem ganhava essa disputa, também sabia o que
faltava.
Enquanto a música tocava e eu bebericava o uísque, deixei-me levar
para dentro de mim mesmo e até que não foi ruim, precisava de um tempo
para pensar na vida e nos rumos que vinha seguindo.
Acordei para a realidade com o som do telefone avisado que havia
mensagens novas no aplicativo.
Peguei o aparelho e lá estava uma amostra do que era estar solteiro e
ter amigos também solteiros que aproveitavam a vida.
Ainda estávamos no meio da semana e recebi convites variados para
me divertir: noitada em uma boate, noitada em um clube privê, noitada na
casa de um amigo e, como o próprio anfitrião disse, o esquema era uma
proporção de cinco mulheres para cada homem.
Travei o telefone e o deixei sobre a mesinha de centro, voltando a
fechar meus olhos.
A semana estava agitada no trabalho. Tinha uma importante operação
para colocar nas ruas e estava gastando a minha energia investigando algum
agente lá de dentro que mandou matar um preso na carceragem. Que grande
merda.
Graças aos esforços do Lui, a investigação avançou e em poucos dias
já tínhamos dois possíveis nomes, sendo que, um deles, era quem desconfiei
de cara. Agora eu refletia qual seria a minha vingança particular. O idiota
que me arranjou esse problemão não passaria impune por mim.
Nunca passavam.
E pensar nisso me fez lembrar da grande motivação para não deixar
meu coração falar mais alto.
Brasília, alguns anos antes.
Não esperei o elevador e subi correndo pelas escadas, quando
cheguei ao andar do Lui, a porta do apartamento já estava aberta e ele me
aguardava.
— Estávamos certos? — perguntou, com o ar preocupado. Não me
chamou para entrar e nem disfarçou quando puxou a porta atrás de si,
deixando-a entreaberta e nós dois no corredor.
Será que aquele puto estava com mulher em casa? Só podia ser isso.
Nossa vida em Brasília era agitada. Havia pouco tempo que
estávamos na cidade, fomos designados para aquela Superintendência após
a aprovação no concurso da Polícia Federal.
Depois de um intenso período, preparando-nos para o concurso,
agora podíamos aproveitar um pouco. Não que planejássemos, mas a cada
hora estávamos com uma mulher diferente.
Pelo menos da minha parte, não prometia nada além de noites
prazerosas e elas nunca me cobraram algo diferente disso. Era bom para
todo mundo.
— Acabaram de sair da minha rua. Estão nos vigiando, Lui. Temos
que agir.
— Temos. Preciso de dois dias.
— Tá louco, cara? Vamos hoje mesmo. Tenho um bom plano.
— Hoje é impossível — de relance olhou para dentro do
apartamento.
Ele estava mesmo com mulher em casa. Será que não podia dar uma
pausa na festinha? Até onde sabia, ele não tinha foda fixa, muito menos
namorada. Bastava pedir gentilmente que a visita fosse embora e, então,
organizaríamos a ação para aquele dia.
— Estou pronta, Lui — a voz fina e feminina ressoou lá de dentro e
fez interromper qualquer pensamento dentro de mim.
— Não me disse que sua irmã estava aqui — acusei, entredentes, e
ele riu, ciente do que eu havia pensando anteriormente, sobre ter mulher na
casa dele.
— Chegou ontem.
Antes que eu pudesse dizer algo mais, a porta foi aberta e aquela
figura linda e perigosa, surgiu diante de mim.
— Oi, Paulo — cumprimentou-me, tímida e discreta.
— E aí, Maria Clara — respondi, da mesma forma.
— Saímos em cinco minutos. — Lui avisou-a e ela assentiu,
deixando-nos a sós.
— Dois dias, qualquer coisa me liga.
Ele me deu um aceno de cabeça, virei as costas e fui embora, agora
pelo elevador, sem nenhuma pressa de chegar na rua.
Assim que colocamos os pés em Brasília, o Superintendente nos
direcionou para auxiliar em uma investigação de peso na cidade. Para eles,
era interessante ter duas cabeças pensantes de fora e que nada sabiam sobre
as atrocidades que a quadrilha de tráfico humano estava realizando.
Bastou poucas semanas de trabalho para cairmos nas graças dos
delegados e do próprio Superintendente. Não ia negar, Lui e eu éramos bons
no que fazíamos e, o que enchia os olhos deles, nós dois tínhamos sede de
justiça e ainda mais de chegar a todos os culpados.
Assim, na primeira oportunidade, entregaram-me uma delegacia,
mesmo sendo recém-empossado no cargo de delegado, e colocaram Lui
para trabalhar comigo.
E foi aí que a nossa vida tornou-se um inferno. E o problema era,
quanto mais treta rolava nos bastidores, mais ardia em nós a ânsia para
implodir a enorme quantidade de investigação bomba que nos deparávamos.
A delegacia parecia ter sido abandonada no tempo pelo delegado
anterior ou nós dois éramos surtados demais pelo trabalho.
Até que, semanas atrás o Superintendente me convocou para uma
reunião e pediu cautela. Meu nome e o do Lui estavam em evidência demais
e corríamos perigo, pois investigamos uma quadrilha de tráfico humano e
depois uma de tráfico internacional de drogas. Por causa disso,
possivelmente, alguém podia querer as nossas cabeças. Meu chefe não
podia estar mais certo, no dia seguinte, encontrei uma bomba caseira em
meu carro, à noite foi a vez do Lui receber um recadinho carinhoso em
forma de caixa com fotos suas em vários momentos do dia, inclusive
entrando e saindo de casa. Era o jeito deles de falar que estavam de olho em
nós e sabíamos que não demoraria para uma retaliação nos atingir.
Suspirei fundo, Maria Clara não podia ser envolvida em toda a
sujeira que eu me metia por gostar demais de ferrar com a vida de bandido.
Tomei um longo gole do uísque.
Há algum tempo não deixava meus pensamentos fluírem com tanta
liberdade pelos os meus dias em Brasília. Evitava-os e o grande motivo era
ela, a mulher que eu tentava guardar em um cantinho escondido do meu
peito, mas que era livre demais para ficar ali presa e, rebelando-se, ocupava
quase que meu coração inteiro.
Saí da poltrona, peguei meu telefone e fui para a varanda. No
segundo toque, Natascha atendeu.
— Oi, lindo! — sua voz soou do outro lado da linha.
— Tudo bem? — perguntei, no fundo, um pouco frustrado, pois
esperava estar mais animado ao conversar com ela, sabendo do provável
rumo que a nossa conversa tomaria.
— Melhor agora! — respondeu, com a voz melosa.
Perto do fim do expediente, Natascha, com quem eu saía vez ou
outra, mandou mensagem. Éramos práticos, quando estávamos a fim de
sexo, bastava perguntar se o outro estava disponível.
— Já foi dormir?
— Prefiro dormir na sua cama!
— Então vem!
Soltei um suspiro e fui para a minha suíte tomar um banho rápido.
Essa era a minha vida, divertia-me com as mulheres que também
queria diversão, às vezes, até namorava, embora eu agora repensasse este
tipo de relacionamento, pois a minha última namorada fez da minha vida um
verdadeiro inferno com o seu ciúme.
Foi a conta de sair do banheiro e trocar de roupa para Natascha ser
anunciada na portaria do prédio.
Surgiu linda em minha porta, dentro de um vestido verde escuro que
combinava com a cor dos seus olhos e o ruivo dos seus longos cabelos. O
decote bem desenhado não deixava nada dos seus seios fartos para a
imaginação. Ao contrário, salivei apenas por desejá-los em minha boca.
Não a cumprimentei e não deixei que dissesse algo, com voracidade
tomei-a em um beijo quente e gostoso. Logo, desci a minha boca pelo seu
pescoço rumo aos dois montes cobertos pela pele macia. Beijei todo o seu
colo, mas não me demorei e, como desejei antes, caí de boca e alternava em
chupar os dois biquinhos, arrancando gemidos deliciosos dela.
Deixei-me entorpecer pelo momento, desejando sentir a libertação do
meu corpo e me entregando para que Natascha fosse satisfeita, mas como
vinha acontecendo repetidas vezes nas últimas semanas, o sexo foi
mecânico, do tipo que não merece ser lembrado.
Não chegamos a sair da sala, a noite resumiu-se em um sexo bem
meia boca no tapete da minha sala.
Não a convidei para passar a noite, não quis cozinhar para ela, foi
apenas prazer e momentâneo.
Soltei um suspiro, ansiando por um momento de relaxamento, que
não veio nem após gozar. O que estava acontecendo comigo?
Enchi o copo com mais uma dose de uísque, já passava de uma da
manhã e no dia seguinte tinha que chegar cedo à delegacia. Certamente,
arrastaria- me em um dia movido a café e energético.
Quem mandou se permitir lembrar justamente de Brasília? Que agora
pagasse o preço, pois nem um sexo satisfatório consegui ter.
Precisava, diariamente, lembrar-me dos motivos pelos quais me
mantinha longe de Maria Clara. Não me importava que ela me achasse um
cara medroso para admitir ao amigo que me apaixonei pela sua irmã.
A garota era inocente demais, como Lui costumava dizer, ela era o
sol da família Brandão, a única gota de inocência ali dentro. Não só ele, mas
o irmão mais velho e os pais não podiam ver um problema que lá estavam
metidos, todo mundo acostumado a lidar com sujeira o tempo todo.
Mas ela não, Maria Clara era luz, alegria, espontaneidade e, sim,
inocente demais, menos em uma área, mas isso a família não precisava
saber. Não conseguia nem perceber que os pais a mantinham em um
treinamento que não acabava no escritório, o que, claramente, era uma
artimanha para que ela achasse tudo muito chato e desistisse. O casal
Brandão não a queria no escritório e eu os entendia. Já bastava João metido
até o pescoço ali dentro e Lui correndo, tanto quanto eles, risco de vida
dentro da Polícia Federal, quando não expunha pessoas de fora, vide o
recente sequestro da Olívia.
Apaguei o charuto, que havia voltado a fumar depois que Natascha
foi embora, e fui para cama.
Freei a vontade de mandar alguma mensagem, não seria tão
imprudente de novo. Ao mesmo tempo, pensei nela saindo com o moleque
almofadinha que estava no clube de tiros. Era uma merda imaginá-la ao lado
de outro homem e, às vezes até vê-la, mas era a melhor opção. Um idiota
como Nicolas não a colocaria em situações de perigo. Era mais fácil o
segurança que a acompanhava também ter que cuidar dele.
Antes de pegar no sono, recebi uma mensagem da minha irmã.
“Não esquece o jantar de amanhã.”
Eu já havia esquecido e Bruna sabia disso. Mamãe ia ficar uma fera
se eu não aparecesse. Respondi a mensagem agradecendo o lembrete e fui
dormir.
Capítulo 07
Paulo
∞∞∞
Maria Clara
Tirei a bota que usava e subi em cima da mesa do cenário, para ajustar o
ângulo de uma das modelos que estava fotografando a nova coleção da
Olívia Torres. Depois de mais alguns cliques, sugeri outras poses e, então, a
liberei para mudar o look e o fotógrafo, junto com a sua assistente, foi até a
mesa que preparamos para fazer um lanche.
— Desde quando você é tão boa com fotografia? — Olívia perguntou
e sorri em satisfação.
Não conseguia colocar em palavras toda a minha felicidade e
empolgação com o meu novo trabalho, era como se tivesse nascido para ele.
— Há alguns anos, fiz um curso de férias em Londres, mas coisa
boba, nunca havia colocado em prática.
Todo o cenário e o roteiro para as fotos foram idealizados por mim,
claro que atendendo as sugestões da minha cunhada, mas fui eu quem
colocou a mão na massa. Igualmente, fiquei responsável pela estética e
direção dos vídeos promocionais e de marketing.
— Te achei bem técnica e criativa!
Agradeci, com um sorriso, tímida com os elogios e a chamei para nos
juntarmos ao fotógrafo.
— Já comeu?
— Para de ficar me empurrando comida — Oli reclamou e a ignorei.
— Toma, um bolinho. — Entreguei-o, junto com um copo de suco e
ficamos em um bate-papo animado, até que as modelos retornassem.
Durante a manhã, havíamos fotografado com a influencer Bru Diniz.
O trabalho ocorreu em separado, pois foi o único horário livre que ela
conseguiu encaixar na sua concorrida agenda.
No dia seguinte, passei toda a manhã fechando o material de
audiovisual junto a empresa responsável pelas mídias sociais da marca. A
minha ideia era, em breve, que absorvêssemos internamente tal função, mas,
para isso, precisaria estruturar uma equipe.
Almocei com a minha mãe, que parecia bem contente com o meu
novo trabalho, e retornei ao escritório no início da tarde.
Olívia havia ido para casa e avisou que iria trabalhar o restante do dia
por lá, pois estava muito enjoada.
Era sexta-feira e não tive ânimo para nenhuma das programações que
me chamaram, fiquei quietinha no meu quarto, comendo besteira e assistindo
filme.
No sábado de manhã, contudo, arrastei Flora para tomar café comigo
em uma padaria.
— Você já desmarcou três vezes, ele ainda tem esperanças que esse
jantar vai acontecer? — Sua ironia serviu para esfregar na minha cara que eu
até poderia parecer ser muito bem resolvida com a minha vida amorosa,
quase sempre com um pretendente a tiracolo, mas, que na verdade, sofria
para me envolver.
— Ele é um cara legal, merece mais do que a minha companhia. —
Flora gargalhou e nem eu conseguir manter a seriedade diante da baboseira
que disse.
— Ah, que solidária! — com um aceno ela chamou a garçonete, que,
prontamente, atendeu-a. — Traz uma água com gás, por favor! — pediu e,
então, reclamou comigo. — Essa torta está mais doce que o normal.
— Paulo vai oferecer um jantar em seu apartamento hoje — contei e,
diante da expressão debochada da minha amiga, arrependi-me no minuto
seguinte.
— E, deixe-me adivinhar, o delegado gostoso e cozinheiro, vai
cozinhar!
— Idiota! — Ela não se abalou e, de novo, riu da minha cara. —
Sim, ele vai cozinhar. Foi o que a irmã dele me disse.
— Foi convidada?
Durante o ensaio fotográfico, no dia anterior, Bruna, que também era
amiga da minha cunhada, reforçou o convite. Anteriormente, Paulo havia
combinado diretamente com Lui e sua irmã ligado para Olívia.
— Sim.
— Então, já entendi o motivo de recusar outro convite do cabelinho
de gel.
— Dá para parar com essas implicâncias? Não vou jantar com
ninguém, quero ficar sozinha. — E era esse o plano mesmo.
Não era tola o suficiente para me jogar na jaula do animal feroz,
como já fiz tantas outras vezes. E nem me odiava para me submeter à tortura
que seria estar na casa dele, na companhia dele e diante de muitas
lembranças que tinha daquele lugar.
— Não caia nessa. — Ela deu um longo gole no café e colocou de
lado a torta que reclamou estar doce demais, mas que não havia parado de
comer. — Vai é ficar na fossa em casa, pensando no que o delegado
cozinheiro está fazendo e no quanto ele fica ainda mais gostoso mexendo
uma panela e tomando vinho. — Fechei a cara e ela deu de ombros. Flora
era inacreditável. — Ai, Maria Clara, foi você quem disse.
— Mas não é para você repetir. E nem ficar imaginado a cena. —
Pois, sim, poucas coisas no mundo poderiam ser sexy nesse nível.
— Nicolas não está apaixonado por você, fique tranquila. Ele gosta
de uma boa conquista, tá pensando em sexo, mas não irá te constranger, sabe
disso.
— Eu sei... — Soltei um suspiro, ela tinha razão em tudo o que disse.
— É mais seguro estar com ele do que sozinha. — Divaguei.
— No seu lugar, eu pediria para ele me amarrar na cama caso eu
resolvesse ir embora mais cedo. — Praticamente, cuspi o gole de suco que
havia acabado de tomar, morta de vergonha, pois naquele exato momento a
garçonete parou atrás da minha amiga e, claro, que ouviu a asneira que ela
disse.
A mulher fingiu naturalidade e saiu depois de servir os croissants
recém-assados. No minuto seguinte, Flora voltou a tagarelar.
— Imagina enfrentar um jantar com Paulo e Lui no mesmo
ambiente? E dentro do território dele? Ainda mais que vocês já trans... —
Dessa vez, precisei chutar sua canela para fazê-la parar. — Ai! Parei.
— Não sei porque ainda sou sua amiga!
— Relaxa, não vou te lembrar que transaram na bancada da cozinha.
Vai, come essa tortinha aí e vamos logo para sua casa, vou te ajudar a
escolher uma roupa linda e sexy para hoje à noite.
Capítulo 08
Paulo
∞∞∞
Era meia-noite e, finalmente, estava sozinho em casa. Mesmo sem
muito ânimo para beber, levei a taça de vinho que estava pela metade para a
sala e acendi o charuto que desejei horas atrás.
Depois de um tempo imerso no puro silêncio, peguei o celular e abri
em uma rede social. Sabia bem o que estava procurando e não demorei a
achar.
Lá estava ela, em um dos restaurantes mais badalados da cidade, na
companhia do babaca. Não havia postado qualquer registro ao lado dele, mas
as minhas visitas fizeram a gentileza de me passar a informação que estavam
juntos.
Em um gole, matei o vinho e fui até a geladeira pegar uma garrafinha
de água mineral. Tomei metade do seu conteúdo, peguei a chave do carro e
saí atrás daquela diabinha.
Sim, eu fingia para mim mesmo que resistia em me entregar a Maria
Clara, ou, ao menos, tentava ficar longe. E sim, eu era um medroso, morria
de medo de que algo ruim acontecesse com ela por estar comigo. Mas, foda-
se. Era tão óbvio para mim que eu simplesmente não conseguia mais,
embora tivesse, a cada dia, mais motivos.
Cerca de vinte minutos depois, cheguei à rua movimentada e ladeada
por restaurantes e bares da moda, onde reinava a turma jovem — leia-se, até
uns vinte e cinco anos — e rica da cidade.
Diminuí a velocidade do carro, o suficiente para analisar o local onde
Maria Clara estava. Ao mesmo tempo, pensei na imprudência da garota em
postar a sua localização, ainda que tivesse andando com um segurança a
tiracolo.
Logo visualizei o estabelecimento, mas do carro não foi possível
avistá-la, como imaginei, o lugar estava lotado e com gente nova demais, um
tédio sem fim.
Parei o carro e entreguei a chave ao manobrista. Ao menos, o
restaurante que escolheram tinha um bar e eu poderia ficar por lá. Caminhei
lento, observando os ambientes, como de costume, e não gastei mais que um
minuto para achá-la.
Estava linda demais com o cabelo preso em um rabo de cavalo bem
arrumado, meu corpo lembrou, de imediato, de como gostava de beijar e
torturar com a minha boca a sua nuca e pescoço. Respirei fundo e escolhi
uma banqueta estratégica no bar, de onde poderia vê-la.
Pedi uma água e a observei por alguns instantes. Pelo horário, já
devia ter jantado, sobre a mesa havia copos altos com drinques e os dois
riam. Noite animada, não é Maria Clara? E porque não deixá-la ainda mais
divertida?
— Um Mojito, por gentileza — pedi ao barman e aguardei que
ficasse pronto. Quando me entregou a bebida, chamei um garçom. — Para
aquela moça de costas. — O homem me olhou inseguro, pois ela estava
acompanhada. — Não se preocupe, ela é da minha família. E não precisa me
identificar, ela saberá que fui eu. — Tranquilizei-o.
O Universo talvez estivesse trabalhando a meu favor, pois antes que
Maria Clara recebesse o meu agrado, seu acompanhante saiu da mesa, indo
em direção aos banheiros. Melhor, impossível. Meu objetivo não era
provocá-lo, mas deixar claro para ela que estou presente, em todos os
sentidos.
No minuto seguinte em que o garçom lhe entregou o Mojito, uma
Maria Clara quase enfurecida virou em minha direção. Ergui a garrafinha de
água em um brinde e dei-lhe uma piscadinha.
To vivo, diabinha. Bem vivo.
Ela virou em direção ao garçom, que me olhou sem saber o que fazer,
e devolveu a bebida. Dei de ombros e o homem retornou ao bar.
— Pela ajuda — entreguei-lhe, com discrição, uma gorjeta, quando
me devolveu o Mojito recusado.
“Uma pena que não tenha experimentado, está uma delícia!”
Enviei a mensagem, enquanto tomava o drinque, sem tirar os olhos
dela. Vi quando pegou o celular, o babaca já tinha retornado a mesa e, depois
de digitar algo, deixou o aparelho de lado.
“Está me seguindo?”
Tomei mais um gole e senti tudo revirar dentro de mim quando o vi
pegando sua mão sobre a mesa. Nem conseguia imaginar como ficaria se ele
a beijasse.
“Com saudade do seu beijo com gosto de Mojito. Lembra?”
Além de cozinhar, gostava de preparar drinques e foi justamente o
que fiz para ela na última vez em que ficamos juntos. Na ocasião, Maria
Clara estava em uma balada com amigas, mandei mensagem puxando
assunto e a convenci a passar a noite comigo. Naquele dia tomamos Mojito
no sofá da minha sala, enquanto comíamos tacos mexicanos, os dois
cobertos apenas por um lençol.
Estava sendo malvado, confesso, mas perdi todo o bom senso que me
restava ao vê-la ao vivo ao lado de outro homem. Era sempre assim.
Ela não era o sol apenas da família Brandão, mas também iluminava
a minha vida e a deixava melhor e mais quente.
“Me deixa em paz.”
Distrai-me com os pensamentos e nem percebi que ela havia pego o
celular novamente. Soltei um suspiro pesado, ela estava certa, eu deveria
deixá-la quieta e não atrapalhar a sua vida.
Digitei e apaguei duas mensagens pedindo, quase implorando, que
ela fosse para a minha casa, fui salvo dessa loucura quando escrevia pela
terceira vez e podia jurar que essa última até que estava bem convincente.
— Amo esses encontros casuais! — Luma, uma influencer amiga da
minha irmã e velha conhecida da minha cama, surgiu ao meu lado. Linda,
cheirosa e com o olhar felino. Ali, eu já sabia como poderia encerrar a noite.
Não seria da forma como eu preferia, óbvio. — Mojito? — perguntou, cheia
de desdém. Ri, sabia que ela gostava de algo mais forte.
— Um uísque para a dama, por gentileza. — Pedi ao barman, sem
desviar os olhos daquele corpo delicioso, mas que, para mim, era apenas
isso, um corpo.
O único nome que habitava meu coração era proibido, fazer o que?
— Tudo bem? — Perguntou, acomodando-se na banqueta vazia ao
meu lado.
— Tudo ótimo e com você?
— Melhor agora! — Lentamente e cheia de malícia, correu a ponta
da língua pelos lábios pintados de vermelho. — Não acreditei quando te vi
aqui.
Trocamos um longo olhar, os dois já sabiam o que queriam, não tinha
porque estender o assunto ou passar a próxima hora conversando tolices.
— Já estava de saída. — Avisei, pegando a minha comanda, que era
um cartão magnético.
— Ainda podemos fazer essa noite render. — Luma confirmou que
estávamos na mesma sintonia e, então, fiquei de pé.
— Vou te esperar no meu carro — mais um olhar e dei-lhe uma
piscadinha.
Paguei a conta e quando caminhava para a saída do restaurante vi, de
relance, Maria Clara de pé ao lado do mauricinho babaca.
Ela me pediu para deixá-la em paz e eu ia cumprir.
O óbice era meu peito ardendo em ciúmes, pois o cara tinha uma mão
plantada em suas costas, vai saber se iam fazer o mesmo que Luma e eu nas
próximas horas; além do olhar magoado que capitei quando os nossos olhos
cruzaram.
Respirei fundo e apressei o passo.
Sexo, e sexo bem-feito, era isso que eu precisava.
Capítulo 09
Maria Clara
∞∞∞
Acordei cedo e saí do quarto já arrumada, pois íamos novamente para
a confecção. Encontrei a família reunida na sala de jantar e um cheirinho
delicioso de bolo e café quente.
— Bom dia, querida! Sente-se e fique à vontade — dona Cida me
recebeu com um abraço afetuoso e acomodei-me à mesa.
Logo, Olívia chegou vinda da cozinha. Também estava arrumada,
mas um tanto pálida.
— Bom dia, Clara! — Ela ergueu em minha direção o copo que
carregava. — Enjoo de todas as manhãs e água com limão.
Fiz uma careta, que fez todos rirem, e minutos depois não havia mais
sinal de palidez e minha cunhada comia como se não tivesse passando mal
há pouco.
— Filha, não esqueça de falar com o Luiz Henrique, gostaríamos
muito que fossem à festa conosco. — Seu José a lembrou, enquanto servia
mais café em sua xícara.
— A festa em Roseiras — Olívia me situou e assenti.
Vi que estava em dúvida e que o motivo era o fato de eu tê-la
acompanhado. Bobagem, eu não via qualquer problema em retornar para São
Paulo sem a sua companhia.
— Fique, Oli! Tenho certeza de que meu irmão vai adorar vir para
cá.
— Queremos que você fique também, querida! — Olhei, surpresa,
para dona Cida, que tinha um sorriso no rosto.
Para ser bem sincera, preferia passar o fim de semana em casa, nos
últimos dias trabalhamos bastante e eu tinha ainda mais ideias para a Olívia
Torres, precisava ficar um pouco sozinha para colocar os planos no papel.
No entanto, estava meio na cara que Olívia daria um jeito de voltar
para casa comigo, caso eu não ficasse para a tal festa.
— Tudo bem para você? — Ela quis saber.
— Não tenho roupas para mais dias — acenei em confirmação, mas
respondi rindo.
— Vamos dar um jeito.
∞∞∞
Paulo
∞∞∞
— Está podendo falar? — Lui apareceu em minha sala no meio da
tarde.
Ele também havia ficado fora durante toda a manhã e o semblante de
satisfação que exibia tinha motivo manjado: prendeu alguém depois de ficar
vários dias confinado dentro da delegacia.
— Entra aí.
Afastei a cadeira detrás da mesa e peguei um cigarro dentro da
gaveta, acendendo-o em seguida. Ele já estava acostumado a me ver
fumando em minha sala e não reclamou, mas aquela sua fuça me fez lembrar
da diabinha, que era quase a sua versão feminina, quase porque era linda
demais e também delicada, e que odiava o cheiro de cigarro. Por causa dela,
mesmo quando estávamos afastados, eu sempre andava com perfume no
carro e bala de hortelã no bolso.
— Acha que consegue uma folga? Dois dias, já que estará de plantão
no sábado — soltou a bomba logo que sentou em uma das cadeiras.
Revirei os olhos e apontei para o maço de cigarro, que eu estava na
mão para guardar de volta na gaveta, e ele recusou.
— Porra, Lui, vou precisar de você — reclamei e ele nem se abalou.
— Estou falando de uma folga para você. — Franzi o cenho, apenas
para não revirar os olhos novamente. Ele seguia com a sua melhor cara de
pau. — Está precisando, depois desse clima de merda que tá aqui dentro.
— E por que eu vou precisar de uma folga? Suponho que não esteja
sugerindo que eu fique arejando a cabeça em meu apartamento e nem esteja
me convidando para passar uns dias no seu.
O babaca deu de ombros e me chamou para o lugar mais improvável.
— Vamos para Taubaté. Olívia está lá, voltaria na sexta cedo, mas tá
querendo ir em uma festa na cidade vizinha.
Será que Lui estava usando drogas? Quase morremos em Brasília
quando desmantelamos uma quadrilha de tráfico internacional de drogas,
inclusive, era o estopim para que eu sequer tivesse coragem de assumir a
mulher que amava e o idiota simplesmente passava de combatente para
usuário?
Aliás, seu semblante calmo demais estava me irritando. Nada como
dormir e acordar ao lado da sua mulher, não é mesmo?
— Ainda não entendi. — Meio irritado, levantei e fui até a mesa de
apoio da sala. — Café?
Ele também ficou de pé, aguardando ao meu lado enquanto eu servia
a bebida para nós dois.
— Estou te convocando para ir junto, não é óbvio? Um fim de
semana no interior e ainda vai ter uma festa de aniversário da cidade, que,
com certeza, será péssima, mas é melhor que ficar nesse clima de merda,
como eu disse.
Além de estar usando drogas, também estava acometido por algum
tipo de loucura, só podia ser. Eu em uma festa de cidade de interior? Nada
contra, mas nunca me veriam lá. Primeiro, por não gostar de lugares cheios,
segundo porque nessas festas sempre tocam sertanejo. E eu detesto sertanejo.
— Também disse que a folga era para mim e você também estará de
plantão. — Lembrei-o e o safado riu.
— Sim, pois para você ir, significa que já conseguir a minha.
— Às vezes, me pergunto porque sou seu amigo. — Bufei e
voltamos para a mesa.
— E então? Faço minha noiva grávida feliz contando que sexta-feira
estarei lá e iremos juntos na festa chata ou faço com que volte triste para
casa com Maria Clara?
Pronto, ele não sabia, mas citar Maria Clara era como acionar uma
chave mágica dentro de mim e me fazer tomar decisões estúpidas e até
mesmo absurdas.
— Como foi que sua irmã surgiu na história? — Questionei, sem o
menor receio de levantar suspeitas.
— Quando minha noiva está grávida e ela teve consciência de que
era péssima a hipótese dela pegar estrada sozinha. Maria Clara foi
acompanhá-la. No caso da sua recusa, apenas para constar e sem querer ser
vitimista, você fará duas mulheres infelizes.
Deus, quando foi que lhe agradei tanto? E quando foi que Lui tornou-
se a pessoa que não promete, mas entrega absolutamente tudo? Ele estava
mesmo me convidado para viajar, nem lembro mais o nome da cidade, com a
oportunidade de ficar alguns dias ao lado da diabinha? Sei lá, talvez eu ainda
estivesse em casa dormindo e fosse só um sonho. Ou talvez fosse eu a estar
usando drogas e, naquele instante, em perfeita alucinação.
— Vamos que horas? — perguntei, finalmente, e o cara estava tão
feliz que sequer prestou atenção na mudança do meu humor.
— À tarde, assim você pode trabalhar pela manhã.
Capítulo 11
Maria Clara
∞∞∞
— Mary, com a aprovação do vídeo, libero as duas ações até
domingo. Iniciamos a próxima semana com a campanha pronta — disse
Michel, o nosso consultor na empresa do marketing.
Já havíamos tratado os pormenores do contrato e caminhávamos para
o final da reunião.
— Por mim, está aprovado, com aquelas sugestões que fiz.
— Perfeito, mudança na fonte e áudio com o efeito número dois. —
Ele confirmou e suspirei, estava um tanto cansada.
— Então, acho que encerramos.
— Manda um beijo para a Oli, vejo você próxima semana?
— Sim, claro! Um café no escritório, marcamos o horário certinho!
Mais uma despedida e então me desconectei da sala online.
A semana havia sido agitada no trabalho e eu estava feliz e satisfeita.
Tinha muito para aprender, mas não via minha estadia na empresa como uma
aventura ou passatempo. Longe disso, dedicava-me a aprender ao máximo
com a Olívia e estudar, queria ir além, ser útil era só o começo.
Era a primeira vez que me sentia bem fazendo algo meu e lutando
por isso. Trabalhar na Olívia Torres, embora fosse a empresa da minha
cunhada, não era como estar dentro de um negócio da família, em que eu já
tinha meu lugar garantido, independente do meu talento ou capacidade.
Não, eu via no dia a dia que não era caridade, pois nesse dia a dia eu
também enxergava as minhas aptidões gritarem, o faro e a criatividade
aguçarem, assim como tomei para mim reponsabilidades da empresa que
estavam travando Olívia, que deveria dedicar boas horas do dia em
pesquisar, formular e desenhar as coleções.
O futuro era incerto, o que era de se esperar, mas em pouco tempo eu
sabia o que queria fazer da minha vida e nada tinha a ver com os cinco anos
em que estive em sala de aula no curso de Direito.
Desliguei o notebook e guardei os meus pertences na bolsa que usava
para o trabalho. Quando saí da sala, uma funcionária avisou que tia Cida me
aguardava na cozinha da confecção.
Ela me recebeu com uma xícara de café recém-coado e depois de
algumas instruções às costureiras que ainda iam finalizar um trabalho,
seguimos para casa.
— Quero ir logo para Roseiras, acho que você vai gostar de lá. É um
lugar muito calmo, cidade bem cuidada e a festa até que é animada. —
Contou, enquanto eu dirigia.
— Será bom um fim de semana tranquilo. Gosto do interior, tenho
boas lembranças de quando passava férias com os meus avós. — Logo,
imagens minhas e dos meus irmãos correndo pela fazenda inundaram a
minha mente.
— Taubaté ainda é uma cidade pequena, mas nem se compara à
Roseiras, ali é um pedaço do paraíso. — Ela soltou um suspiro nostálgico,
também havia contado que cresceu naquela cidade e saiu de lá quase no fim
da adolescência. — Já arrumou as suas coisas?
— Ontem à noite!
Dez minutos depois, estacionei na garagem da família Torres e,
então, vi o carro do meu irmão, antes que chegássemos à escada que levava à
entrada da casa, seu José veio nos recepcionar. Sempre tinha um sorriso no
rosto quando encontrava a esposa, era bonito de ver.
Ele pegou das mãos da esposa uma sacola que ela carregava e meu
coração perdeu várias batidas quando chegamos à varanda, que dava entrada
para a sala.
Olívia falava algo no ouvido do Lui, que tinha um braço ao redor da
sua cintura e, ao lado deles, fitando-me em um misto de intensidade e
inquirição, estava ele em carne e osso, Paulo Diniz.
Sentia como se as minhas pernas estivessem fincadas no chão, não
conseguia reagir e nem me mover, além da boca seca e a visão quase que
distorcida. Será que eu estava mesmo, vendo-o, ali, diante de mim? Sei lá,
pensava tanto naquele idiota, principalmente em momentos improváveis, que
poderia ser alguma alucinação em minha mente.
Ouvia vozes ao meu redor e até forcei a vista, vendo abraços e
cumprimentos, mas ainda estava imóvel diante dele. E acho que Paulo
também. Fui obrigada a tentar sair do torpor quando meu irmão tocou em
mim, abraçando-me.
— Oli disse que você tem trabalhando bastante — disse-me e eu,
ainda meio fora de mim, só queria saber como foi que Paulo surgiu em nosso
fim de semana. Duvidava que ele tivesse ido até Taubaté apenas para levar o
meu irmão.
— Tenho mesmo. — Gostaria de compartilhar com ele a minha
evolução, mas não conseguia, meus olhos seguiam cravados na figura atrás
do Lui e, agora também em minha cunhada, que pedia desculpas com os
olhos. Então, ela sabia? — Correu tudo bem na viagem?
— Tudo certo. Você está bem? — Perguntou, inspecionando-me da
cabeça aos pés.
— Cansada, sua noiva grávida, que agora é minha chefe, tem dado
trabalho — tentei soar divertida e depois de mais um longo olhar, ele beijou
minha testa.
— Estou orgulhoso e feliz por você
— Obrigada, Lui.
Enquanto todos se reuniam na sala, eu disse que precisava ir ao
quarto que ocupava, em uma necessidade absurda de ficar sozinha e poder
respirar em paz.
Antes que eu chegasse ao corredor, uma mão forte me segurou pelo
braço. Estávamos diante do lavabo, então pensei que essa foi a sua desculpa
para escapar da pequena aglomeração de pessoas.
— Oi! — disse em meu ouvido, deixando-me zonza enquanto
aspirava seu cheiro.
Seus olhos grudaram em mim e contive um suspiro, sem, contudo,
conseguir manter meu coração quietinho no peito. Ele pulava de emoção.
— O que está fazendo aqui?
Ele deu um meio sorriso e quase revirei os olhos, teria feito se tivesse
forças. Lindo e perigoso demais, na mesma proporção. Os braços fortes
estavam ainda mais evidentes sob a camisa polo preta, assim como a calça
jeans delineava todo o seu corpo, não escondendo as coxas bem definidas.
— Seu irmão me convidou — respondeu, simplesmente.
— E não contou que eu estaria aqui? — Questionei e me arrependi
no mesmo instante, pois foi uma pergunta tola.
— Claro, justamente por isso aceitei o convite.
Como podia ser tão cara de pau? Paulo tentou me afastar muitas
vezes, ao menos era o que dizia, e eu me esforçava para acreditar. Pois a
realidade era ele criando mil e uma situações para ficarmos juntos, como
quando aparecia, desde sempre, em lugares que eu estava e dava um jeito de
me levar para casa, no caso, para a casa dele.
— Você precisa ir embora. — Meu tom era quase uma súplica.
— Não dá, Clara.
— Por que não?
— É só um fim de semana — respondeu, cínico.
Que ódio! Ele não podia atrapalhar a minha determinação em me
manter longe dele e deixar para trás o que tivemos. Não podia. Parecia que
Paulo tinha faro para saber quando eu desistia dele, pois era justamente
nessas horas que vinha com tudo para cima de mim.
— Vou voltar para São Paulo.
— Não. — Negou e ergui a sobrancelha. Queria ver o que ele faria
para me impedir. — Tudo que precisamos é de uma conversa. E, se for
embora, seu irmão pode desconfiar. Na verdade, ele vai acabar voltando
junto ou vai me mandar voltar com você.
Detestei o fato de que ele tinha razão, Lui faria mesmo o que ele
disse.
— Tudo o que precisamos é ficar longe um do outro.
— Fica, por favor. — de repente, não havia mais do cinismo ou o
meio sorriso que quase sempre me amolecia. Estava sério. — Temos muito o
que resolver e acho que esse fim de semana será bom para nós.
Respirei fundo, sem deixar de encará-lo, que permanecia sério
demais, deixando claro que não me daria espaço ou chance de fugir.
— Você é inacreditável. E meu irmão também. O que ele tinha na
cabeça?
Não esperei uma resposta e saí em direção ao quarto.
∞∞∞
Paulo
Chegamos à cidade, que eu não lembrava o nome, no fim da tarde. Maria
Clara dirigiu em silêncio durante todo o caminho e decidi que a daria o
espaço que demonstrava precisar.
Poderíamos ter pegado carona com o seu irmão, mas ela insistiu que
preferia ir no próprio carro. Com a nossa chegada, Lui dispensou os caras
que faziam a guarda da Clara e da Olívia, portanto eu tive que acompanhá-
la. Como se fosse um grande sacrifício!
O perfume levemente doce e muito feminino parecia estar
impregnado em cada pedacinho do automóvel, tocava uma música ruim
baixinha, mas não ousei reclamar e não deixei de reparar com atenção em
cada reação sua. A forma compenetrada que dirigia, o beicinho que formou
em seus lábios quando um carro tentou ultrapassá-la na faixa contínua da
estrada ou o sorrisinho que deu quando o imbecil foi obrigado a recuar, pois
surgiu um caminhão na pista contrária.
Quando passamos pela placa de “bem-vindos à Roseiras”, então era
esse o nome da cidade, ela, enfim, olhou em minha direção.
— Vamos ter que fazer isso funcionar. Somos visitas. — tinha o ar
consternado e segurei qualquer resposta efusiva demais, pois, para mim, já
estava funcionando. Ora, ficaríamos todo o fim de semana na mesma casa.
— Claro. Não irei importuná-la.
— Não sei o que acha que ainda temos para conversar — disse e
olhei firme em sua direção.
Ademais de todas as minhas gracinhas, falava sério sobre isso e iria
tentar até o fim.
— Uma conversa com alguns anos de atraso, diabinha.
— Para com esse apelido. — ela soltou um suspiro e me olhou,
vencida. — Mais do que nunca, discrição.
Pediu e eu assenti, isso eu podia garantir. Ao menos, tentaria.
Capítulo 12
Paulo
A casa dos avós da Olívia era uma construção antiga e bem conservada,
localizada em uma rua arborizada e calma na área central da cidade. Na
verdade, acho que toda a cidade fazia jus ao seu nome, pois era repleta de
árvores e roseiras a ornar as ruas.
Ainda em São Paulo, havia combinado com Lui que ficaria em um
hotel, contudo, os pais da Olívia repudiaram a ideia e garantiram que a casa
era grande o suficiente para acomodar a todos com conforto e que eu deveria
ficar com eles.
Não poderia ser mais perfeito, só estava ali para ficar perto da
diabinha.
Desci do carro com a minha pequena mala e a da Maria Clara, sob os
seus protestos dizendo que poderia carregar a própria bagagem, calando-se
quando nos aproximamos do Lui. Dona Cida indicou os quartos que
ocuparíamos e, de novo, mais uma ajudinha do destino, íamos dormir em
frente ao outro.
Um casal de idosos nos recebeu no jardim bem cuidado e com uma
mesa farta de café da tarde.
Já era noite, quando fui para o quarto tomar um banho e descansar
um pouco. No entanto, o que pareceu ser uma boa ideia, quando Lui falou
sobre passar o fim de semana em Roseiras, em poucas horas mostrou-se que
talvez tenha sido uma decisão desastrosa.
Nunca na vida invadi tanto o espaço da Maria Clara e, embora
quisesse muito passar uns dias ao seu lado, arrependi-me verdadeiramente.
Ela não conseguia dialogar, o tempo todo tensa, fingiu tocar no
lanche oferecido pelos avós da Olívia.
Se pensasse bem, o plano estava dando muito errado, precisava
admitir.
De banho tomado e descansado, embora com os pensamentos em
ebulição, saí do quarto e a encontrei descendo as escadas de madeira.
Chamei-a e apontei um jogo de sofás da ampla sala, em seu olhar não tinha
nada da garota arteira que normalmente ignorava a presença do irmão e
adorava me provocar. Ao contrário, observou atenta todo o lugar com os
olhos, antes de aceitar minha sugestão.
Sentei no sofá ao lado do seu e se Lui chegasse ali, não acharia nada
de mais, pois eu conhecia sua irmã há tempo suficiente para ter a liberdade
de me aproximar. Inclusive, ele pediu que eu fosse com ele no carro quando
saímos de São Paulo, para que eu pudesse voltar com ela.
— Conseguiu descansar? — perguntei, para quebrar o gelo. Em
outros tempos, no lugar de uma pergunta estúpida, estaríamos trocando
beijos furtivos e risos de cumplicidade.
— Um pouco — respondeu, sucinta, e, então, me encarou.
Trocamos um longo olhar e a minha vontade, além de beijá-la, era
envolvê-la em meus braços e, ali, mantê-la segura. Se possível, até de mim?
Talvez sim.
— Quero te pedir desculpas — contei e recebi seu olhar surpreso.
Não gostaria, mas o faria. — Posso ir embora, realmente queria estar aqui
com você, mas não te quero mal e desconfortável.
Incrivelmente sua expressão mudou, parecendo que boa parte da
tensão esvaía-se naquele instante.
— Tá tudo bem, a gente sobrevive — um esboço de sorriso surgiu
em seus lábios e, meus Deus, como foi difícil não a puxar para mim e beijá-
la.
Um silêncio instaurou-se que, de pacificador, acabou por tornar-se
um incômodo e, então, decidi tentar um assunto.
— Achei incrível você está trabalhando com a Olívia. — Não
precisei me esforçar, pois desde que Bruna contou sobre a novidade e Lui a
confirmou, quis muito ouvir dela a respeito.
— Estou gostando bastante. — Eu tinha certeza que sim. Maria Clara
cursou Direito apenas por não ter encontrado outra opção que lhe enchesse
os olhos em vista da tradição familiar. Acho que ninguém esperava que ela
fosse de fato seguir uma carreira jurídica. — Sinto-me aliviada, sabe? Tenho
me dedicado bastante.
— Estou certo de que está fazendo o seu melhor.
Uma leve abertura da sua parte, seguido por um rubor nas maçãs do
rosto e, mentalmente, eu buscava de forma afoita qual seria o próximo
assunto. Não precisei me esforçar, pois Olívia surgiu na sala, interrompendo
o nosso momento.
— Minha avó fez caldo de abóbora, esse friozinho pede! Estamos no
quintal atrás da casa — ela avisou, em um convite e com um sorrisinho ao
nos ver no sofá.
— Já estamos indo, Oli — Maria Clara respondeu e, depois de um
sorriso, Olívia deu-nos as costas. Contudo, voltou em nossa direção.
— Lui está envolvido com o meu avô e meu pai, arrumando alguma
coisa no quarto de ferramentas. Disseram que vai demorar um pouco.
Discretamente, deu uma piscadinha e deixou-nos a sós.
Olhei para Maria Clara a tempo de pegar um sorrisinho seu e cocei o
queixo. Estava ferrado demais. Fui atrás dela, achando-me esperto, para me
dar conta do quanto a queria, muito mais do que imaginava e era capaz de
lidar.
— Vamos ali fora? — convidei, chamando-a para o jardim da casa.
— Tá.
Saímos lado a lado e uma lufada de ar frio recebeu-nos ao
colocarmos os pés na varanda, paramos diante do guarda corpo e a envolvi
pelas costas em meus braços.
Meu nariz foi direto para o seu pescoço, aspirei seu cheiro
lentamente e quase enlouqueci com a sua pele, arrepiando-se, ali, diante de
mim. Passei os lábios pelo mesmo caminho, beijando e umedecendo-a com a
ponta da língua. Apertei os braços ao seu redor e senti seu corpo relaxar.
— Está muito difícil ficar sem você, diabinha — sussurrei e virei seu
rosto em minha direção, soltando-a um pouco do meu aperto, para que
pudesse girar.
— Shiu — ela praticamente ordenou que eu me calasse e obedeci,
colando as nossas bocas.
O beijo começou lento, nós dois matando a saudade e sentindo a
quentura dos nossos lábios e corpos. Minha mão subiu para a sua nuca e
embrenhou em seu cabelo, segurei-a, firme, colando-a em mim. Meu
coração batia acelerado, senti sua falta, desejei cada parte sua, nada e
nenhuma outra mulher conseguiram aplacar meu corpo e desejo.
Lentamente, seus braços subiram para o meu pescoço e o enlaçaram,
estendi o beijo pelo o seu maxilar até o lóbulo da sua orelha, precisei segurar
seu corpo.
— Linda... Cheirosa... Você é uma delícia, diabinha — voltei a beijar
sua boca, pois ela, segurando minha nuca, guiou-me para isso.
Nossas línguas dançaram juntas, uma canção que me era tão familiar,
dando-me a certeza sobre o lugar que eu queria estar. Um longo beijo cheio
de amor, paixão, tesão e saudade.
Encostamos as nossas testas e dei-lhe vários beijos na boca,
ganhando, finalmente, um lindo sorriso seu. Daqueles que me iluminavam e
que me incendiavam na mesma medida.
— Você é louco.
— Sou mesmo. Louco e alucinado por você.
— Vai para uma festa com bastante Bruno e Marrone, Zezé de
Camargo e Luciano, Leonardo... — Zombou e eu cantarolei em seu ouvido.
— É o amor, que mexe com minha cabeça e me deixa assim, que faz
eu pensar em você e esquecer de mim, que faz eu esquecer que a vida é feita
pra viver... — rimos juntos. — Preciso de você, não dá mais para ficar longe.
— Acho melhor entrarmos.
∞∞∞
Maria Clara
Saí da cama cedo, mesmo com a janela do quarto fechada, eu ouvia o som
dos pássaros cantando, afastei as cortinas e logo vi o azul intenso do céu,
devia estar um lindo dia lá fora.
Fui para o banho cantarolando uma música, a água quente fez-me
relaxar e quando fechei a torneira, corri para me enrolar no roupão felpudo
que a avó da Olívia havia colocado ali para que eu usasse, pois a temperatura
seguia caindo.
Troquei de roupa e saí do quarto em direção à cozinha, anexa a ela
havia uma varanda onde nos reunimos na noite passada e, segundo me
falaram, era o local em que realizavam as refeições.
Enquanto caminhava pelo longo corredor entre as salas e a cozinha,
já sentia o cheiro de café e broa. Vozes também vinham de lá, fiquei um
pouco aliviada por não ser a primeira a chegar. Não pela família da Oli, pois
me sentia à vontade com eles, mas porque, por mais inédito que fosse, não
queria enfrentar Paulo sozinha. Estavam todos reunidos e depois de
cumprimentá-los, acomodei-me diante da extensa mesa de madeira.
Desde a primeira vez que nos beijamos, em meu aniversário de
dezessete anos, esperei pelo momento em que ele fosse me dizer que
gostaria de tentar um relacionamento comigo, o que só aconteceu ontem,
seis anos depois.
Em todas as inúmeras vezes que ficamos juntos, fosse por uma noite
ou por semanas, houve afeto, química, alguns planos, mas nunca um norte
ou sinalização da parte dele que seríamos mais que um segredo. Nunca.
Com exceção do que tivemos quando ele morava em Brasília
também, mas foi tão desastroso, que preferia não me lembrar.
E agora, depois de eu já estar farta de correr atrás, de sonhar sozinha
que tínhamos um relacionamento comum e feliz, de saber ou vê-lo tantas
vezes nos braços de outra e, enfim, decidir que precisava seguir minha vida
sem ele, o dito-cujo decide abrir seu coração.
— Bom dia! — a voz forte tirou-me dos devaneios e me fez quase
pular no banco de madeira.
Apenas Paulo ainda não havia chegado para o café da manhã e, ali,
surgiu lindo demais dentro de um suéter grosso azul.
O cabelo úmido e o cheiro da sua colônia misturado com o hálito
fresco, que senti quando deixou um beijo no topo da minha cabeça, ao me
cumprimentar, revirou tudo dentro de mim.
— Difícil acordar por aqui, estava precisando de um sossego desses
— ele disse quando a avó da Oli perguntou sobre a sua noite e se o quarto
estava confortável.
— Aqui é o paraíso para desacelerar, meu filho — tia Cida
comentou.
— Falei com a Oli que temos que vir sempre para cá — meu irmão
completou. Eu também estava amando estar ali, a receptividade e o clima
familiar. Uma delícia!
— Serão bem-vindos e vamos amar acompanhar de perto a gravidez
da nossa menina.
Paulo se acomodou ao meu lado no banco e ninguém pareceu se
importar, e também nem tinha motivos, perante meu irmão não éramos
amigos, mas sempre conversávamos bastante e nos dávamos bem.
— Dormiu bem? — perguntou, baixinho, apenas para que eu
ouvisse, enquanto passava manteiga em um mini pão de sal.
— Sim... E você? — Ele levantou o olhar em minha direção.
— Podia ter sido melhor. — respondeu com uma piscadinha, o que
me fez engolir em seco, e logo estava envolvido na conversa da mesa.
Ele bem que tentou que dormíssemos juntos, mas recusei.
Depois do café fomos conhecer toda a propriedade, os avós da Oli
nos mostraram as plantações que tinham, de frutas a temperos, bem como as
várias espécies de flores e plantas do jardim, que eles cuidavam
pessoalmente.
Uma funcionária ficava responsável pela limpeza da casa e auxiliava
no preparo das refeições, pois eles também gostavam de cozinhar, quase
sempre no fogão a lenha, que ficava na varanda onde tomamos o café.
Olívia nos convidou para conhecer a cidade, o que aceitamos de bom
grado, e desejosos de retornar antes do almoço. Seus pais foram com eles no
carro do meu irmão e Paulo foi comigo.
— Fazia tempo que eu não vinha para o interior — ele comentou
logo que dei a partida.
— Eu também...
— Falei sério ontem — tocou em meu joelho e foi como ter recebido
uma intensa descarga elétrica pelo meu corpo.
— Não sei o que pensar. — Confessei, o que era um resumo do que
passava em minha cabeça antes dele chegar para o café da manhã.
— Não pense que eu não quis antes. Muita coisa já aconteceu, sabe.
E quero te contar, te dar a oportunidade de saber os meus receios. Mas tenha
sempre em mente que te desejo mais do que tudo e se, você quiser, vamos
dar um jeito de fazer dar certo entre nós dois. — parei o carro atrás do meu
irmão, em uma praça e, rapidamente, Paulo segurou uma mão minha e me
beijou na testa.
Em meia-hora, havíamos conhecido todo o centrinho da cidade, uma
igreja bonita, a praça bem cuidada, lojinhas do comércio local e uma ponte
sobre o rio, de um lado o centro, do outro, os pequenos bairros residenciais.
Tia Cida nos levou em uma loja de doces e biscoitos caseiros, onde
experimentamos várias delícias, e as compramos para levar para São Paulo.
Conforme o planejado, no horário do almoço estávamos de volta.
Capítulo 13
Paulo
∞∞∞
Paulo
Que porra é essa, repetia algumas vezes para mim mesmo, os olhos fixos na
caixa de madeira que foi colocada em minha mesa e que encontrei ao chegar
à delegacia.
Uma bonita caixa fechada com um cadeado, sobre a tampa havia o
meu nome talhado, Paulo Diniz, não havia dúvidas de que era para mim e,
ainda assim, se houvesse, acabaria quando verifiquei o seu conteúdo.
Por um milésimo de segundos, antes de abri-la, um esboço de sorriso
surgiu em meus lábios pensando que poderia ser uma surpresa dela. Não
poderia estar mais enganado.
— Doutor Paulo, o Assis está aqui — Camila, minha assistente,
anunciou a chegada do perito.
— Peça para entrar. — O homem alto e de cabelo raspado adentrou a
sala, com o olhar atento de sempre. — Como vai, Assis? — Apontei uma
cadeira de frente para a minha mesa e ele se sentou.
— Vou bem, imagino que temos problema por aqui — deduziu, sem
perder tempo. Ele era o melhor perito da Polícia Federal de São Paulo e
arrisco a dizer que também do Brasil inteiro, o cara vivia sendo convidado a
prestar seus serviços em outras superintendências, tão grande era a sua fama.
Era um privilégio poder trabalhar com ele e contar com a sua
genialidade.
— Dos grandes, meu amigo. — Entreguei-lhe a caixa de madeira e
ele analisou o quadro com uma imagem impressa, que tirou de dentro dela.
Mais uma vez, uma foto da Maria Clara. O assédio dos idiotas que eu
investigava e dificultava a vida até podia não parar nunca, mas lhe faltavam
criatividade nas ameaças.
Se a gentileza tivesse sido direcionada apenas a mim, nem perderia
meu tempo pensando a respeito. Mas mexeram com ela, de novo.
— Namorada? — Levantou o olhar em minha direção e encarei-o.
— Você é uma das pessoas mais discretas que conheço, mas agora
preciso que seja além, um túmulo será bom — pedi, sério, e seu semblante
fechou ainda mais.
— Quem é a garota?
— Minha namorada.
— Isso eu já entendi.
Revirei os olhos, teria que contar a verdade, Assis não aceitava
trabalhar no escuro e eu o entendia.
— É também irmã de um agente daqui da delegacia — afastei um
pouco a minha cadeira de trás da mesa e cruzei os braços, ele acompanhou
os meus movimentos com a sobrancelha erguida.
— E ele não sabe sobre vocês dois — concluiu.
— Saberia em breve, agora já não sei mais sequer como prosseguir
com esse namoro.
O ódio foi exalado em cada palavra.
Um dia jurei não mais colocar Clara em perigo e, para isso, paguei
um preço alto, pois fiquei muito tempo longe dela. Mesmo com as nossas
recaídas, sempre me forçava a recuperar a consciência e o juízo, afastando-
nos novamente.
Há poucos dias, tive claro em meu coração que faria de tudo para tê-
la de novo ao meu lado e, se fosse necessário, a protegeria com a minha
vida. Acontece que, já estava sendo necessário tal esforço e bateu-me o
maior cagaço de inseri-la na sujeira que me cercava.
Acendi um cigarro e Assis aceitou o que lhe ofereci, com o cotovelo
sobre a mesa e a mão apoiando o queixo, observava-me.
— Da forma como sempre fazemos: sangue no olho e escolta atrás
dela. — Ele, praticamente, cuspiu as palavras.
Assis já sentiu na própria pele o meu receio que era real. Há três
anos, sua esposa sofreu uma tentativa de homicídio. Está viva porque pratica
tiros e soube se defender a tempo, no entanto, o trauma estava lá, para os
dois.
— Maria Clara Brandão, é o seu nome — contei e aguardei a sua
reação.
Primeiro, ele franziu o cenho, na sequência seu olhar flutuou ao
nosso redor e, por fim, ergueu novamente a sobrancelha, com um esboço de
sorriso, muito do irônico, nos lábios.
— Brandão... Ela é irmã do Brandão? — Confirmei com um aceno
de cabeça e ele, então, soltou uma gargalhada. Idiota. — Você tá muito
fodido.
Fiquei de pé e ele me acompanhou.
— Rastreie, Assis. — Ele assentiu e não havia mais sorrisos da sua
parte.
— Vou começar pelas digitais, em breve, deixo você ciente dos
resultados.
— Obrigado.
∞∞∞
Parado diante da enorme janela da minha sala e enfiando goela
abaixo o café recém-servido, tentei reordenar os meus pensamentos.
O perito me indicaria de onde veio a ameaça nada velada, ele não
falhava. Mas e o depois? O que eu faria com a informação?
Bufei, o ódio, consumindo-me.
Terminei o café, voltei para a mesa e peguei uma bala de menta na
gaveta. Antes que eu pudesse começar a trabalhar, a porta da minha sala foi
entreaberta e Daniele colocou a cabeça para dentro, sondando se podia
entrar.
— Tem um tempinho? — perguntou, depois que autorizei a sua
entrada.
— Se for rápido, sim — respondi, impaciente.
Não estava a fim de conversar, menos ainda com a minha ex, e estava
escrito na sua cara que não estava ali para tratar de algum assunto da
delegacia.
— Só queria saber como você está, estou te achando distante e tenso.
— Viram? Estava certo. — Está preocupado com alguma coisa? — Sem que
eu a convidasse, puxou uma cadeira diante da minha mesa e se acomodou.
— É só o trabalho que não dá trégua.
— Você não reclama disso aqui... — Comentou e dei um sorriso
seco. Ofereci uma água, que eu me servia, e ela negou. — Precisa se cuidar,
anda recebendo novas ameaças?
A impaciência aumentava, cocei a nuca e soltei um suspiro curto.
Daniele não tinha culpa de nada, não precisava ser grosseiro.
— Pode ficar tranquila, está tudo sob controle. — Acho que não soei
convincente, não me esforcei para tanto.
— Vou fingir que acredito. — Um silêncio incômodo instaurou-se e
ela, então, deve ter percebido que o assunto não renderia mais do que
conseguiu, pois colocou-se de pé. — Marcamos de ir almoçar, hoje tem
parmegiana na cantina. Vem com a gente?
Pensei um pouco, normalmente iam vários agentes, principalmente
os que eu tinha mais intimidade, não seria um programa a dois com a minha
ex.
— Vão sair que horas?
— Meio-dia, o esfomeado do Lui queria ir mais cedo, inclusive —
comentou, rindo.
— Meio-dia está ótimo.
Avisei a Camila que não atenderia mais ninguém até o almoço, ainda
tinha muito serviço para resolver naquela manhã, fora a minha cabeça
fervilhando. O tempo corria e eu precisava de uma solução rápida e certeira.
Uma pena não poder contar com a cabeça pensante do meu amigo. Não
ainda.
Daniele disse algo que teria que ganhar a minha atenção: Precisa se
cuidar, está recebendo novas ameaças? Por alguns anos, escolhi que a minha
profissão e o meu talento seriam usados para obter o mínimo de justiça, ante
tanta sujeira e degradação moral que eu me deparava no dia a dia. Nunca
colocaram ninguém que amo em perigo, a não ser quando ameaçaram Maria
Clara em Brasília, mas a tirei do meu caminho, ao menos tentei, e segui em
frente.
Até hoje, não conseguiram me deter porque mexeram apenas comigo
e eu sei me cuidar. Nada do que fizeram foi suficiente para me assustar.
Até hoje.
Capítulo 17
Maria Clara
∞∞∞
— Quer que eu te busque, amor? — Paulo perguntou, deixei a
ligação no viva-voz, para continuar me arrumando. Disse-o que às sete
estaria na sua casa e já estava mais do que atrasada.
Era a terceira roupa que experimentava e decidi que a melhor opção
seria um conjunto de calça e blusa de seda, simples e confortável, já que não
tínhamos planos de sair de casa.
— Meus pais estão aqui — avisei e o ouvi bufar do outro lado da
linha.
— Isso vai acabar... — Assim eu esperava. Continuei me vestindo e
um curto silêncio instaurou-se. — Estou te esperando, morto de saudade.
— Também estou...
— Não demora. Te amo!
Sequei o cabelo, fiz uma maquiagem básica, completei a produção
com alguns acessórios discretos e peguei a minha bolsa.
Couto era o segurança que estava comigo naquele dia, acenei para ele
quando destravei o alarme do meu carro e segui em direção à casa do Paulo.
A chateação por ainda não podermos agir como um casal normal foi
esvaindo-se, conforme me aproximava do seu endereço. Deixaria que ele
lidasse do seu jeito e me esforçaria para esperar o tempo que fosse preciso.
Entendia que, para ele, era ainda mais difícil, não apenas por eu ser a irmã
do seu amigo, mas também pelas ameaças que vivia recebendo.
O porteiro liberou a entrada da garagem, estacionei na vaga de
visitante e subi para o seu apartamento. A última vez que estive ali foi com a
intenção de botar para correr a mulher que achei que acabaria em sua cama.
E quem quase caiu nela fui eu.
Esse tempo das nossas loucuras ficou para trás, era o meu combinado
comigo mesma.
A porta foi aberta e encostado nela estava o homem mais lindo e
sexy que já botei os olhos. E que era meu. Boba e apaixonada, precisei
conter um suspiro.
Paulo vestia calça jeans clara, que caía pela sua cintura e uma blusa
branca, que marcava o seu abdômen sarado e os braços fortes, estava
descalço e com o cabelo úmido. Não tive tempo de continuar a minha
apreciação silenciosa porque ele me puxou para os seus braços.
— Que saudade, meu amor! — Beijou a minha boca, desejoso,
desceu os lábios pelo meu pescoço, cheirando-me e beijando-me. — Tudo
bem? — Assenti, gostando do carinho que ainda fazia e ele me soltou o
suficiente para que eu pudesse me locomover. — Vem, entra.
Assim que passei pelo hall de entrada e coloquei os pés dentro da
sala, ele me abraçou pelas costas, enlaçando minha cintura.
— Dois dias só para nós dois... — sussurrou em meu ouvido, fazendo
todo o meu corpo estremecer.
— Estava ansiosa! — confessei e ele, então, virou meu corpo,
colocando-nos frente a frente.
— Fiz vários planos, mas quero saber o que você deseja fazer... —
Ainda me segurava, uma mão plantada na base da minha coluna, com a outra
brincava com o meu cabelo.
— Quais planos?
— Além dos que envolvem nós dois nus e agarrados? — Senti uma
quentura dentro de mim, pois sim, desejava-o bastante. Ele riu e beijou
minha boca, depois me puxou em direção ao balcão da cozinha. — Antes,
precisamos conversar. Quero te contar algo. E mostrar também.
Seu apartamento estava bem organizado, como normalmente era, se
não por ele, por obra da dona Zita, que ia lá duas vezes por semana deixar
tudo em ordem. Era bem decorado e funcional, com arquitetura no estilo
industrial.
Sobre a bancada havia uma tábua de frios, que ele contou ter
montado pouco antes da minha chegada, uma garrafa de vinho e duas taças
de cristal. Serviu-nos a bebida e levamos tudo para a sala.
Lembranças boas de nós dois jogados no tapete inundaram a minha
mente, não podia negar, já fomos muito felizes ali. Mas, agora, queria mais
do que momentos prazerosos e românticos, desejava uma vida normal ao seu
lado e não aceitaria menos do que isso.
— O que é? — perguntei, quando me entregou o seu telefone, a tela
mostrava uma caixa de madeira e sobre ela um pequeno quadro com uma
foto minha.
Senti um arrepio nascer desde a minha nuca, já desconfiando sobre o
que poderia ser.
— Outra ameaça — contou. A voz áspera e o semblante nublado,
estava bravo, muito bravo.
— E o que significa?
— Que estão de olho em você.
Trocamos um longo olhar e quebrei o silêncio que se instaurou com a
pergunta que já estilhaçava tudo dentro de mim. Não estava preparada para
vê-lo fugir de novo.
— E o que você pretende?
— Não quero ceder. — Paulo pegou o celular de volta e segurou as
minhas mãos. — Em nenhum dos lados. Vou continuar o meu trabalho e não
vou abrir mão de você, mas preciso que entenda o que está acontecendo.
Fomos ameaçados, amor.
Engoli em seco e, por um pequeno instante, tive medo. Mas passou,
confiava nele e que me deixaria segura.
— Tudo bem, prometo ser cuidadosa — disse, por fim, e ele me
fitou, confuso.
— Só isso?
— Uhum... — Enlacei o seu pescoço e foi minha vez de beijá-lo,
calmo e lento. — Agora já posso fazer o meu pedido da noite? — Quis
saber, roçando os nossos lábios.
Paulo puxou-me para o seu colo e aninhei-me em seus braços, ainda
agarrada em seu pescoço. Ali era o meu lugar, de onde nunca deveria ter
saído, mas estava de volta e era o que importava.
— Estou ao seu dispor, diabinha.
Dei um sorriso quase que angelical e estiquei minha boca até o seu
ouvido, fingindo lhe contar algo secreto.
— Um risoto caprese, com muito queijo, sei que os ingredientes
nunca faltam na sua geladeira!
Ele explodiu em uma alta e deliciosa gargalhada, fazendo meu
coração palpitar, pois amava quando conseguia fazê-lo rir. Seus olhos
ficaram úmidos, pelas lágrimas que escaparam enquanto ele ainda ria,
sequei-as com vários beijinhos e senti seus braços, apertando-me em seu
colo.
— Boa pedida, uma comida leve, quero a minha mulher bem
disposta depois do jantar.
— Só depois?
Provoquei, meu corpo em ebulição, não sentia fome, mas uma
vontade de ser dele ali mesmo e, de volta, ganhei um olhar em chamas e um
beijo que deixou a minha calcinha em frangalhos.
∞∞∞
Paulo
Dormir agarrado a Maria Clara, sexo ao acordar, tomar banho juntos... O
paraíso existia e estava bem diante de mim.
Deixei-a no quarto penteando o cabelo ainda úmido e arrastei-me até
a cozinha, se continuasse ali não permitiria sequer que colocasse uma roupa.
Fatiei um pão artesanal, cobri com uma generosa camada de azeite e
manteiga trufada, salpiquei um pouco de ervas e levei ao forno, alguns
minutos, e estaria pronto. Fiz ovos mexidos e ela chegou à cozinha quando
cobria as fatias de pão com queijo brie.
— O cheiro está delicioso — segurei um gemido quando suas mãos
alcançaram meu abdômen, abraçando-me pelas costas.
Usava apenas uma camisa branca minha, estava descalça e com os
cabelos soltos, o cheiro do meu sabonete e hidratante impregnados nela.
Larguei o lanche e segurei-a pela nuca, beijando sua boca. O hálito
fresco me inebriou, contrastou com a quentura de mais cedo, quando ainda
estávamos na cama. Pressionei-a contra a bancada fria, enquanto a beijava e
sua pele arrepiou-se por inteira.
— Você que é uma delícia! Bom dia, diabinha!
Soltei-a, deixando-a meio bamba, e, sentindo-me um filho da puta
sortudo por tê-la ali comigo.
— No que posso ajudar? — perguntou, depois de se acomodar em
uma das banquetas. Perdi um pouco do raciocínio sobre que o que fazia
quando a blusa subiu e deixou suas coxas totalmente à mostra, o tecido
também marcava os bicos dos seus seios e engoli em seco. Uma tortura logo
cedo.
— Tomando café aqui na minha cozinha todos os dias? — sugeri e
não havia qualquer nível de brincadeira, era exatamente o que eu desejava.
Trocamos um longo olhar e ela soube que eu falava sério.
— Olha que posso gostar da ideia — respondeu, tímida, e passou a
colocar morangos e uvas em uma pequena travessa de porcelana.
Levamos a comida para a mesa e iniciei o processo de moer os grãos
de café. Não era sempre que tinha uma manhã livre e podia desfrutar desses
momentos com calma, mas quando Maria Clara estava comigo fazia questão
de preparar o café da forma mais artesanal possível, sabia o quanto ela
gostava.
— Hum... Você joga baixo! — Suspirou, ante o intenso aroma que
tomou conta da minha sala.
O cheiro se espalhou ainda mais depois que coloquei o pó recém-
moído dentro dos coadores de pano, sobre as nossas xícaras e despejei a
água quente, mas não fervendo.
— O melhor sempre para a minha mulher! — Ergui o corpo sobre a
mesa para poder beijá-la e prendi os seus lábios com o dente, sem querer
soltá-la.
— Sua! — sussurrou e foi difícil conter-me e continuar a refeição. Já
a queria em meu colo.
— Te amo!
Ela me surpreendeu ao demonstrar que desejava o mesmo, saiu da
sua cadeira e veio para o meu colo, enlaçando o meu pescoço.
— Não vou cansar nunca de ouvir!
— E nem eu de declarar!
O café da manhã ficou para depois, o nosso amor tinha urgência em
ser consumado e foi o que fizemos.
Capítulo 18
Paulo
A manhã foi produtiva na delegacia, fazia muito tempo que não chegava
tão bem humorado no trabalho. No entanto, naquela segunda-feira, eu
parecia flutuar. E sentia que, absolutamente, nada poderia estragar o meu
dia.
Era o resultado de passar um fim de semana inteiro dormindo e
acordando com a mulher que amo. Maria Clara só foi em casa para buscar
uma muda de roupa e reforçar aos pais que ficaria mais um dia com a amiga.
Eu duvidava que tivessem acreditado na desculpa esfarrapada, mas também
não criaram caso.
Eu queria e precisava de mais. Arrumaria logo a minha vida para tê-
la integralmente ao meu lado, com uma rotina de um casal normal.
Tudo o que vivemos foi uma delícia, mas incomodava-me saber que
ela não estava plenamente satisfeita. Não quando mal saíamos de casa para
não corrermos o risco de sermos surpreendidos.
Estava disposto a colocar o mundo aos pés da minha mulher e o faria.
O dia começou a azedar no fim da manhã, quando Camila entregou-
me uma correspondência que haviam deixado para mim na recepção, sem,
contudo, o nome do remetente no envelope.
Abri e retirei de dentro dele uma folha branca, onde estava escrito:
Você acabou com a minha vida. Estou perdendo a minha carreira,
dinheiro com advogado, a minha dignidade.
Precisa me ajudar com o Superintendente, fazê-lo parar com as
retaliações contra mim.
PS: Seu amigo Brandão vai adorar saber sobre o seu caso com a
irmãzinha.
Boquiaberto, sentei em minha cadeira segurando o bilhete.
O filho da puta que ameaçou a mim e à Maria Clara era o agente que
entreguei ao doutor Chaves.
Confesso que comi mosca neste caso, pois pensei em várias pessoas
que poderiam tentar me calar, utilizando-se do meu relacionamento secreto
com Maria Clara, mas, nem por um instante, cogitei ser o agente que até
pouco tempo fazia parte da minha equipe de trabalho.
Quanta audácia.
Liguei para Assis e ele chegou a minha sala rapidamente. Contei
sobre o ocorrido e entreguei-lhe o bilhete, que leu com atenção.
Depois de alguns segundos, balançou a cabeça rindo.
— Existe muita gente burra no mundo, mas esse daí se superou.
Assenti, ainda incrédulo. O perito não era bobo, sabia o que eu ia
fazer. E eu faria o quanto antes.
— Mais uma vez, muito obrigado pela ajuda! — Apertamos as mãos
quando ele encerrou a conversa.
— Sempre às ordens. — Antes de sair, direcionou-me um longo
olhar. — Nunca tive conhecimento sobre esse cara e a cagada colossal que
ele cometeu. — Era um aviso e o seu tom de voz soou quase ameaçador.
Confirmei com um aceno de cabeça e Assis foi embora.
De volta a minha mesa, pensei se havia alguma outra forma de
resolver aquela questão, mas não, o agente foi longe demais. Era definitivo,
não deixaria barato, tampouco ficaria de braços cruzados diante da clara
ameaça que nos fez.
Uma ligação telefônica, que foi atendida no primeiro toque:
— Fala, Diniz.
— Pode apagar.
Pronto, estava feito.
Camila avisou que três advogados queriam despachar comigo, havia
acabado de chegar do almoço e decidi atendê-los de uma vez, ainda durante
a tarde ouviria um investigado que foi preso pela manhã.
Conversei com o escrivão que acompanharia o depoimento, estudei o
caso da oitiva, o advogado chegou faltando alguns minutos para iniciá-la e,
depois dele ter tido acesso ao cliente, iniciamos o procedimento.
No fim do dia, minha assistente anunciou que havia mais um
advogado, procurando-me. E, embora eu tivesse falado que não atenderia
mais ninguém, tratava-se de uma exceção.
— A que devo a honra, doutor Brandão? — Cunhado a gente recebe
com o mínimo de pompa, até fui recepcioná-lo na porta da minha sala.
João entrou sério e ocupando espaço.
— Obrigado, por me receber.
— Sente-se. — Apontei uma cadeira diante da minha mesa e ele se
acomodou.
— Solicitei a sua assistente a cópia de um inquérito e ela precisa da
sua autorização. — Duvidava que ele tivesse ido até ali para fazer um
trabalho que qualquer estagiário do escritório ou advogado recém-formado
resolveria sem qualquer dificuldade.
— Está autorizado.
Ele assentiu, encarando-me e tive vontade de mandá-lo para aquele
lugar, mas, como eu disse anteriormente, cunhado, não é?
— Ela me contou sobre vocês. — Confesso que fui pego de surpresa,
Maria Clara não me disse que havia confidenciado ao irmão sobre o nosso
retorno.
Mas, tudo bem, seu irmão mala já sabia um pouco sobre a nossa
história.
Tinha um olhar analítico sobre mim, o que me irritou bastante. No
entanto, eu também tinha uma irmã mais nova e era bastante protetor. Podia
entendê-lo.
— Não vamos nos esconder — avisei e ganhei um aceno de cabeça,
como se dissesse que isso era o mínimo que esperava de mim.
— Não quero a minha irmã infeliz e não vou admitir que derrame
uma só lágrima. Espero que saibam o que estão fazendo.
Engoli um xingamento, forçando-me a lembrar que pela Bruna era
capaz de ir bem longe e assenti.
— Recado dado.
Mais um olhar enviesado e ele ficou de pé.
— Então, tenha um bom resto de dia. Pego a cópia com a Camila.
Caminhou até a porta e, antes que a abrisse, chamei-o.
— João — ele virou em minha direção. — Eu a amo. E vou fazê-la
feliz.
Assim que fiquei sozinho, refleti sobre o lugar que Maria Clara
ocupava em minha vida e em meu coração. Não era justo que carregasse o
peso de uma vida ceifada, ainda que nunca soubesse o que aconteceu. Sim,
pedi a cabeça do agente por tê-la ameaçado. E eu também não me
transformaria em um monstro, não poderia ir tão longe por vingança ou
justiça.
— Só dê uma lição, não vá até o final. Quando estiver com ele,
avise-me. Vou fazer uma visita. — Novamente, acionei o meu contato e fiz o
que me pareceu ser o certo. Além de receber uma coça, eu mesmo iria
colocá-lo em seu devido lugar e mostrar que não deveria nunca mais
ameaçar a mim ou a minha mulher.
Recolhi os meus pertences e encerrei o expediente, mesmo ainda
tendo muito trabalho para finalizar.
Naquele momento, eu precisava de duas coisas: Maria Clara e o
conforto da minha casa.
Depois de discar o seu número, coloquei o telefone no suporte e
acionei o viva-voz, dando a partida no carro.
— Oi, amor. — Ela atendeu logo e me agitei só por ouvir a sua voz.
Estar apaixonado é, no mínimo, engraçado.
— Saudades, diabinha!
— Eu também!
Ouvi um barulho de porta sendo fechada e deduzi que estivesse
entrando em seu carro, dado o horário.
— Está livre?
— Saindo do trabalho...
— Janta comigo? — convidei.
— Hum... Pode ser. — Não respondeu de imediato e eu sabia de
onde vinha a sua indecisão. Precisava resolver logo a nossa vida ou
magoaria Maria Clara.
— Vamos a um restaurante, linda. — Era arriscado? Sim! Eu estava
cansado? Muito. Mas, foda-se, faria minha mulher feliz.
— Sério? — Meu coração apertou com a sua surpresa. Logo, a
animação lhe contagiou e provou que valia o risco. — Meus pais viajaram
hoje à tarde se quiser pode me buscar em casa.
Ah, minha menina! Um ato tão simples e que nunca tivemos. Mas
isso teria um fim e daria- lhe tudo o que tinha direito.
— Te busco às oito. Estou louco para beijar essa boquinha gostosa!
Um riso, tímido, que me fez lembrar como corava as bochechas
quando eu falava coisas assim em seu ouvido.
∞∞∞
Levei Maria Clara a um restaurante italiano que ela gostava bastante
e, surpreendi-me positivamente, a comida estava muito boa. Confesso que
costumo ser muito crítico em relação a comer fora, talvez por cozinhar muito
bem, é difícil algo sair do básico e me agradar.
Aborreço-me com os valores exorbitantes que restaurantes grifados
cobram por pratos meia boca, cuja execução eu poderia realizar com muito
mais capricho.
No entanto, quando se tratava de agradar uma mulher e, no caso era a
minha que me importava, também sabia que sair para jantar ia muito além do
prato que escolheríamos. Tinha todo o contexto envolvido: a escolha do
lugar, o tempo juntos, um bom vinho, conversas além do dia a dia e por aí
vai.
De todo modo, aquele restaurante agradou-me bastante.
Paguei a conta e saímos de mãos dadas, um sorriso lindo parecia ter
sido pregado em seu rosto. Abracei-a pela cintura e beijei o seu pescoço
enquanto aguardávamos o meu carro, que não demorou a ser entregue pelo
manobrista.
— Boa noite, senhores — o homem desejou e agradecemos juntos.
— Gostei daqui — ela contou quando já estávamos dentro do carro.
— Eu também. Seus pais voltam quando?
— Só no próximo domingo. Papai lamentou que será uma despedida
das viagens até que o substituto do meu irmão consiga assumir tudo sozinho
no escritório.
Meus sogros tinham um casamento bacana de ver, que não era
diferente do que vivenciei com os meus pais, cúmplices, faziam quase tudo
juntos.
— Falando nele, esteve na delegacia hoje. — Ela revirou os olhos e
dei um meio sorriso.
— João é ridículo.
— Disse a ele que amo você... — Paramos em um semáforo e
aproveitei para beijá-la, com uma mão acarinhei o seu rosto e o seu cabelo.
— E que vou te fazer muito feliz.
— Ele foi lá te ameaçar? — perguntou, rindo em seguida, pois o
carro que estava logo atrás reclamou buzinando que eu não havia visto que o
semáforo abriu.
— Tenho mais medo de você fugir de mim do que dos seus dois
irmãos juntos, pode apostar — essa era uma verdade absoluta e ela pareceu
satisfeita com a minha resposta.
Na garagem do meu prédio, abri a porta e caminhamos abraçados até
o elevador. Teria a semana inteira para ficarmos grudados, sem que ela
precisasse inventar histórias em casa. Seria capaz de ir oferecer ajuda ao
substituto do João para que, até nos resolvermos, os meus sogros não
precisassem abrir mão das viagens que sempre faziam.
O elevador chegou rápido e a pressionei contra o espelho assim que
entramos, só tive tempo de apertar o meu andar. Nossas bocas se
encontraram e a tomei em um beijo delicioso, quente, que nos acendeu. Sua
respiração, logo, estava ofegante e o meu pau pulsava dentro da calça.
Tentava me controlar mentalizando que faltava pouco para estar dentro dela.
Desgrudamo-nos quando a voz no alto-falante anunciou que
havíamos chegado. Coloquei-me a sua frente para sairmos, um ato protetor
que eu executava quase que em automático e, por ser mais baixa que eu,
ficou encoberta quando saímos do elevador no hall do meu apartamento.
— Paulo, tentei te ligar várias vezes! — Detive-me ao me deparar
com a minha amiga, que, assim que me viu, levantou-se do tapete do hall.
— Tamara? — Antes que eu pudesse reagir, ela jogou-se em meus
braços e beijou o meu rosto, ainda bem que não foi na boca. Toquei os dois
bolsos da calça e não encontrei o aparelho. — O meu telefone ficou no carro.
— Estava te esperando — contou e os seus olhos foram em direção a
Maria Clara, no entanto, não pareceu se importar com a sua presença, pois
continuou falando. — Também não consegui falar com a Bruna e acho que
perdi a chave da casa da minha mãe em alguma das viagens. Pensei em
passar a noite aqui.
Respirei fundo e, embora estivesse preocupado com a reação da
Clara, era mais urgente pensar em como colocar Tamara em seu lugar e
impedir que me causasse um problemão.
— Deixe-me apresentar vocês. — Sem perder tempo, passei o braço
ao redor da cintura da mulher ao meu lado, que seguia muda e com um olhar
impassível. — Tamara, uma amiga minha. E Maria Clara, minha namorada.
Elas se olharam e partiu da Clara a gentileza de esticar o braço para
cumprimentá-la. Ao menos, Tamara teve a delicadeza de retribuir, embora
ainda a encarasse.
— Namorada? — indagou e aí me dei conta de que estava mesmo
enrolado. Era o tipo de pergunta que, se ela queria mesmo fazer, que fosse
em outro momento.
— Sim, namorada — respondi, duro e ganhei um olhar magoado.
— Prazer em conhecê-la, Maria Clara. E desculpe-me se causei uma
má impressão.
— O prazer é todo meu.
Sem graça, ela pegou uma mala de mão e sua bolsa, que estavam
enfileiradas diante da minha porta, sinalizando que ia embora.
— Bom, desculpem o inconveniente. Vou indo.
Confesso que fiquei um pouco mal por ela. Sabia que não fez por
mal, sequer tinha conhecimento do meu novo status, mas não arriscaria uma
briga com a minha namorada por causa de outra mulher.
Contudo, foi Clara quem me surpreendeu.
— Por mim, pode ficar. Está tarde, não precisa ficar sozinha na rua.
Tamara era uma pessoa extraordinária e por quem eu tinha muito
apreço, acima de tudo, éramos amigos. No entanto, tinha um defeito que me
incomodava bastante, o orgulho e o ego do tamanho do mundo.
Acompanhei calado seus olhos crisparam e, talvez Maria Clara não
soubesse, mas a sua atitude a enfureceu.
— Agradeço a gentileza, mas não é necessário. Darei um jeito. Boa
noite!
Ela saiu arrastando a mala e, rapidamente, abri a porta do meu
apartamento, evitando que a minha mulher resolvesse fugir.
Capítulo 19
Maria Clara
Não vou surtar, repetia mentalmente como um mantra. Estive cara a cara
com uma das várias amantes que frequentaram a cama do meu namorado,
quando ele não era o meu namorado, obviamente, e estava difícil controlar
os meus pensamentos.
A minha vontade era matá-lo por aquela experiência, mas
internamente eu me convencia de que precisava agir de forma madura.
Ele pegou a minha bolsa e a colocou sobre o aparador que ficava
próximo a entrada, abraçando-me em seguida.
— Me desculpe, por isso — pediu, em meu ouvido.
Estar em seus braços me acalmou um pouco, confesso. Suspirei e ele
beijou o topo da minha cabeça.
— Não quero encontrar as suas amantes.
— Não adianta eu falar que somos amigos, não é? — Confirmei, ele
que não viesse como esse papo para cima de mim. — Só tem você na minha
vida e vou prezar por isso.
Soltei-me o suficiente para olhá-lo e ganhei um beijo na testa.
Confiei no que disse, na verdade, não via outro jeito de dar certo senão
confiando em sua palavra.
Enlacei o seu pescoço e beijei-o suave até a nuca, os cabelos curtos
arrepiaram-se e quase fraquejei, aquele homem excitado tirava todo o meu
juízo. Subi com a boca colada em sua pele, parando em sua orelha, onde
sussurrei:
— Agora quero você e sua cama!
Não tive tempo de pensar no próximo passo, pois, no segundo
seguinte, estava em seus braços e sendo devorada por seu olhar predador.
Não tinha volta, ele estava no comando e eu já sabia que teria uma
deliciosa e prazerosa noite de sexo. A nossa intimidade, o nosso momento,
onde somente nós dois éramos bem-vindos. Estava disposta a deixar
qualquer insegurança da porta para fora.
Suas mãos percorreram o meu corpo, seus lábios adoraram cada
pedacinho dele, seu membro tomou posse de mim por inteira e os meus
gemidos foram todos para ele.
— Acorda, meu amor! — Ouvi uma voz ao longe, chamando-me,
estava entorpecida pelo sono.
Fomos dormir já havia amanhecido, tomados pelo nosso prazer e,
claro, pelo cansaço de uma noite em que estivemos entregues ao outro. Mais
uma vez, a voz distante, que agora não parecia tão distante, chamou-me.
— Vai, amor, o dia está lindo e estou com saudades de você!
Despertei lentamente e, se soubesse que o pedaço do paraíso estaria
bem ali, diante de mim, teria aberto os olhos com maior rapidez.
Paulo estava ao meu lado na cama ostentando aquele corpo grande e
musculoso — que era uma perdição — coberto apenas por uma cueca
samba-canção de seda preta. O rosto um pouco inchado e o cabelo
levemente despenteado. Ainda lindo demais para quem, certamente, não
havia acordado muito antes do que eu.
— Bom dia, diabinha! — sem me deixar levantar, colocou-se sobre o
meu corpo e beijou o meu pescoço.
Uma onda de arrepio tomou-me por inteira, continuou beijando-me e,
lentamente, ergueu e retirou a camisa que eu vestia, deixando-me apenas
com a calcinha pequena e de renda.
Meus seios já estavam intumescidos, só por imaginar a sensação de
tê-los em sua boca. E Paulo não decepcionou. Senti a língua e o seu hálito
quente tocarem um biquinho e logo todo o meu seio estava envolvido e
sendo sugado por ele. Descargas de prazer dominavam-me, minha pele
estava arrepiada e sentia até os dedinhos do pé contraírem. Poderia gozar
naquele momento. Tentei ao máximo prolongar o meu prazer, mas me perdi
em um orgasmo poderoso quando ele desceu uma mão até a minha
intimidade que já pingava, bastou que esfregasse de leve o meu clitóris.
— Bom dia, amor! Agora, vem logo! — pedi e ele riu rouco com o
olhar pesado e afogueado, ergueu-se sobre os cotovelos e eu sabia que o meu
pedido seria ignorado. Sempre era. Paulo gostava de me torturar e eu não
podia reclamar, era a mais beneficiada com a sua devoção em me deixar
mais do que satisfeita no sexo.
Beijou todo o meu abdômen, lento, molhado, causando-me mais
arrepios, meu corpo ainda se recuperando do recente orgasmo. Chegou à
minha virilha e cheirou-me feito um animal reconhecendo a sua fêmea.
Grotesco e sexy. Tremi por inteira quando encostou a ponta da língua no
clitóris sensível e ainda excitado, beijou-me ali, sugou os meus fluídos e só
se afastou quando gozei mais uma vez.
Lânguida, quase em outra dimensão, senti quando entrou em mim,
outra onda de prazer me dominou, agora mais calma, permitindo-me sentir
cada sensação do entre e sai cadenciado e delicioso que ele impunha.
O seu gozo veio forte e um gemido gutural escapou dele, nossas
bocas se encontraram em um beijo para selar o melhor sexo que já
experimentei, que sempre seria o que fazíamos, não importava onde ou
quando.
∞∞∞
Paulo me levou até em casa para buscar roupas e alguns pertences,
seguimos para um restaurante em um bairro mais afastado de onde
morávamos, mas que era muito charmoso e almoçamos em uma mesinha ao
ar livre, no fim dia, de volta ao seu apartamento, ele abriu uma página na
internet no notebook e entrou no site de uma farmácia, pediu que eu
escolhesse todos os itens de higiene e cosméticos que estava acostumada a
usar, para deixar em sua casa.
O passo que dávamos juntos era enorme e confesso que, ao mesmo
tempo em que me emocionava, também sentia um frio na barriga.
Ele estava se esforçando para me agradar e para me deixar
confortável, já eu tentava não ser intransigente, teria que ser uma construção
de nós dois. Ademais, embora estivesse radiante com cada vivência nova
que vínhamos tendo, tinha a sensação de haver uma vozinha o tempo todo
soando em meu ouvido que algo daria errado em algum momento próximo.
Talvez fosse apenas o nosso histórico a me trair e deixar insegura.
— Posso saber no que está pensando? — Ele afastou-se do fogão
cooktop e abraçou-me por trás, prensando-me sobre a bancada.
— Pensando em nós! — confessei, segurando suas mãos em meu
abdômen.
— Estou feliz que está aqui... — disse em meu ouvido. — Mais do
que isso, estou mais apaixonado! — complementou, beijando o meu
pescoço.
— Posso me acostumar — contei, a voz entrecortada pelas carícias e
beijos.
— Com o sexo maravilhoso? Gostei que repetimos aqui nessa
bancada. — Insaciáveis, isso que éramos. Ou desesperados para recuperar o
tempo perdido. Neguei com a cabeça, só para contrariá-lo.
— Não! Esse salmão! — apontei para a frigideira grande sobre o
fogão. De fato, também podia me acostumar com o tratamento de primeira
que recebia e as melhores refeições possíveis, todas preparadas por ele. —
Hum... O cheiro está incrível!
— Diabinha, diabinha...
Apertou-me ainda mais em seus braços, chacoalhei um pouco para
me virar e enlacei o seu pescoço. Quase me belisquei para ter certeza que era
mesmo verdade o que vivíamos e repreendi-me, mentalmente, por aquela
insegurança irritante.
— Vou fazer uma sobremesa, já vi que tem os ingredientes na
dispensa. — Beijei sua boca e saí em direção ao pequeno cômodo anexo à
cozinha.
Somente Paulo para ter uma dispensa recheada mesmo morando
sozinho. Tinha de um tudo nas prateleiras bem organizadas.
— Então, vamos descobrir o que aprendeu nas aulas na Suíça? —
quis saber quando voltei carregando as embalagens dos itens que ia precisar.
Em algum momento das nossas idas e vindas contei-o sobre o curso
extracurricular que fiz quando morei no colégio interno suíço. Infelizmente,
nunca pratiquei depois que retornei ao Brasil e acabei perdendo muito das
técnicas que aprendi. Mas aquela sobremesa, além de ser de fácil execução,
era a que eu mais fazia quando ainda morava lá.
Peguei morangos na geladeira e parei ao seu lado, usaria o espaço
livre na bancada.
— Estou um pouco enferrujada, mas ainda lembro o passo a passo.
Enquanto ele fazia um molho para regar o salmão, bati o creme de
leite até o ponto de chantilly, adocei com um pouco de açúcar e montei em
uma travessa de cristal em forma de taça camadas do chantilly, suspiros —
ele havia comprado no dia anterior — e morangos picados.
Quando levei a sobremesa para o freezer, Paulo avisou que o jantar
estava pronto.
∞∞∞
Paulo
Havia pedido a Olívia que abrisse um horário em sua agenda para que nos
reuníssemos e, de preferência, que fosse ainda naquele dia. Nós duas
estávamos com muito trabalho na empresa, uma nova coleção a ser lançada e
muitos pedidos sendo feitos no site da loja. Conseguimos nos reunir no meio
da tarde.
A Olívia Torres estava prestes a expandir, já era uma realidade.
— Atualizei o estoque, tenho aqui uma lista do que precisa ser
reposto. Acontece que de ontem para hoje as vendas aumentaram em vinte
por cento e isso está ocorrendo quase que diariamente. — Entreguei-a
algumas folhas impressas contendo um relatório para que visualizasse
melhor, o material oficial estava registrado em nosso sistema.
— Você sozinha não consegue cuidar do estoque, não com todas as
suas outras atividades — compreendeu, enquanto corria os olhos pelos
papéis.
— Exato. Na verdade, mais do que isso, precisamos aumentar a
produção já para a próxima coleção. Estamos com muitos itens esgotados e
não acho saudável para a circulação da marca.
Olívia olhou-me, apreensiva. Era um passo grande o que eu sugeria,
mas claramente necessário.
— Acha que devemos rever o contrato com a confecção? Ligarei
para lá e verei o que conseguem aumentar na produção — sibilou e segurei
sua mão, tentando passar confiança.
— Sim! Já temos um volume de venda que permite um passo maior
na produção.
Ela suspirou profundo, dei-lhe um tempo para que reorganizasse os
pensamentos e, então, entreguei-lhe outro material impresso, com as minhas
sugestões para o aumento da quantidade das nossas peças a serem
produzidas.
— E tem mais, entendo ser prudente já iniciarmos a coleção nova
tendo mais um colaborador, este cuidaria de todas as demandas do site e
vendas.
— Sei que sim. O meu receio é iniciar um contrato de trabalho e
rapidamente ver que não consigo manter.
— Um contrato de trabalho temporário. Ainda sou advogada, Oli! —
Nós duas rimos, meu diploma seria últil, finalmente. — Posso cuidar disso.
— Vá em frente, Clara...
Trocamos um olhar cúmplice e seguimos tratando outras questões
urgentes. No fim do dia, fiz uma pausa para um lanche, peguei um iogurte e
um potinho de frutas picadas na geladeira, misturando-os. Oli também estava
sentada no sofá e falava ao telefone, segurando uma garrafinha com suco
natural, que tomava por um canudo.
— Era o seu irmão. A semana na delegacia está pesada — puxou
assunto e tirou-me dos meus pensamentos. A minha semana romântica
estava acabando.
— Parece que sim.
— Volta para casa quando?
— Amanhã, quero acordar lá quando meus pais chegarem da viagem.
— Ou seja, era a última noite dormindo ao lado do Paulo e fiquei um pouco
melancólica, sentindo saudade por antecedência.
— E como estão as coisas entre vocês? — quis saber.
— A nossa relação está uma delícia, sabe. Estamos no curtindo,
vivendo novas experiências, conversando bastante também.
— E te incomoda...
— O segredo. — Soltei um suspiro e ganhei um olhar acolhedor. —
Ainda estou insegura quanto a nós dois, acho que o meu coração só vai
sossegar quando não formos mais um segredo.
— Vai dar tudo certo para vocês! Inacreditável que o meu noivo não
perceba nada — ela riu e acompanhei, a gente só enxerga o que quer, fato.
— Isso não me acalma...
— Você é tão atrevida na frente dos irmãos... Use isso para a vida,
Clara. — Tinha que concordar, mas não passava de uma máscara que usava
com eles por ser a caçula entre dois homens fortes e decididos.
Desviei da nossa conversa para responder uma mensagem que recebi,
Olívia também se distraiu e disse-lhe que precisava finalizar uma atividade
antes de ir para casa.
∞∞∞
Paulo
∞∞∞
Maria Clara acordou agitada no domingo, consegui arrastá-la para o
chuveiro e quase fiquei sem o nosso sexo matinal, tamanha a sua ansiedade.
Tomamos café e precisei contê-la, só íamos para a sua casa mais tarde e
almoçar com os seus pais.
Ela cogitou não dormir comigo, mas desistiu da péssima ideia
quando ficou sabendo que eles tinham uma festa de aniversário e,
certamente, só chegariam em casa durante a madrugada.
Segundo me disse, Lêda e Heitor levaram numa boa quando avisou
que levaria uma pessoa para conversar com eles, ficaram curiosos, mas
aceitaram que o meu nome só fosse revelado no encontro.
A decisão de conversar com os meus sogros nada tinha a ver com a
ameaça feita pelo agente filho da puta, Maria Clara e eu merecíamos uma
vida normal juntos, no entanto, era fato que tirava das mãos dele a
manipulação que tentou fazer.
Logo após o café, saí para uma ida rápida à delegacia, era apenas
para conversar com o delegado que ficou de plantão sobre uma prisão
ocorrida na noite de sábado e quando retornei ela estava pronta, esperando-
me sentadinha no sofá.
— Está linda! — puxei-a para um abraço e a envolvi com os meus
braços.
Usava um vestido cor de creme estampado com flores delicadas em
vários tons de rosa; o cabelo estava meio preso, com duas mexas soltas
emoldurando o seu rosto; e nos pés, uma delicada sandália de salto.
Parecia uma fada. Tão linda e feminina. Não tinha nada de diabinha
ali.
Parei em uma floricultura, próxima ao meu apartamento, e escolhi
dois arranjos de flores, um com rosas na cor branca e outro na cor rosa claro,
o primeiro seria para presentear a sogra.
Voltamos para o carro, no caminho para a sua casa havia uma praça
muito bonita e arborizada, estacionei e ela olhou-me desconfiada.
— Vamos ali, é rapidinho!
Peguei o arranjo de rosas cor rosa claro e abri a sua porta, de mãos
dadas caminhamos alguns metros pelo gramado até um banco sob uma
árvore de bougainville.
— Não estou entendendo — disse, desconfiada, quando ficamos
frente a frente, ainda segurava a sua mão e olhei-a longamente.
Aquela garota, a minha mulher linda e especial, desmontou-me.
Agora que me entreguei ao que sentia por ela, tinha a certeza de que seria
capaz de qualquer coisa para vê-la feliz.
— Em algum momento te disse que quero e, na verdade eu vou, fazer
as coisas do jeito certo com você. Um pouco de formalidade não faz mal a
ninguém. Aceita ser a minha namorada, diabinha? — Fiz o pedido e estendi-
lhe as rosas. Ela arregalou os olhos, levando alguns segundos para reagir e
pegou-as com a mão trêmula.
Nós, homens, muitas vezes, somos práticos demais e deixamos
passar detalhes que importam. Na minha cabeça, quando disse a Maria Clara
que queria tentar fazer o nosso relacionamento dar certo e ela concordou, já
estávamos dentro de um relacionamento sério, podíamos até morar juntos se
ela topasse. Mas não é bem assim que funciona, a mente feminina é muito
mais avançada, não trabalha com gambiarras e tudo pode ter um nome.
Logo, eu que nomeasse corretamente o que queria. Aliás, o que a assustaria,
pois, se dependesse apenas de mim, a pedia logo em casamento.
— Vou desconsiderar que me chamou assim em meu pedido namoro.
— Estava nervosa, eu podia ver. Puxei-a para os meus braços e beijei sua
boca, apertei-a em um abraço gostoso.
— Aceita ser a minha namorada, amor da minha vida?
Um sorriso irradiou em seu rosto e ponto para mim, dar nome a um
relacionamento não seria problema, era solução.
— É claro que sim!
— Te amo muito, Maria Clara e você está me fazendo um homem
muito feliz!
— Às vezes, acho que tudo isso é um sonho! — Enlaçou meu
pescoço, na ponta dos pés buscou a minha boca e beijamo-nos longamente
mais uma vez.
— Às vezes, eu também acho... Mas é real, estamos juntos e, em
poucos instantes, não seremos mais um segredo.
Podia ficar ali por horas, contemplando-a e trocando beijos e abraços,
mas tinha que encarar a fera, que também atendia como Heitor Brandão,
vulgo meu sogro.
Capítulo 21
Paulo
∞∞∞
Paulo
Era noite e fui até a copa da delegacia verificar quem ainda estava por ali.
Logo achei o meu alvo, falava ao telefone na entrada da sala de operações.
Enrolei um tempo tomando um café até que ele finalizasse a ligação e
retornei a minha sala.
— Brandão, preciso falar com você. Venha até a minha sala, por
favor — pedi e não demorou para ele bater à porta.
Desde o nosso encontro um tanto desastroso na casa dos seus pais, há
quase quinze dias, só conversávamos o essencial para o trabalho. Dei-lhe um
tempo para assimilar as informações, mas agora teríamos uma conversa
esclarecedora.
— Ainda não finalizei o relatório da operação de hoje, mas irei
colocar no sistema antes de encerrar o plantão. — O seu desconforto por
estarmos frente a frente e sozinhos era aparente, uma grande merda para
quem até há pouquíssimo tempo eram grandes parceiros na vida e no campo
profissional.
— Senta aí, não quero falar sobre trabalho — pedi, sua fisionomia
endureceu de imediato.
— Então, não temos o que conversar — retrucou e respirei fundo.
— Claro que temos. É importante, Lui.
A contragosto, acomodou-se diante da minha mesa. Afastei um
pouco a cadeira, apoiei os braços sobre o tampo e o encarei. Ali estava uma
das pessoas que mais convivia na vida, era um colega de trabalho, amigo fiel
e juntos já compartilhamos muitas histórias. Não era apenas o irmão da
minha namorada.
— Eu também tenho uma irmã mais nova, quase cometi uma loucura
quando o ex-marido dela fez o que fez, consigo compreender os
pensamentos e sentimentos que está tendo diante dessa situação... — Fiz
uma pausa e a sua feição era impassível, então, apenas prossegui. — Tudo o
que acha sobre mim é verdade, você tem razão e, inclusive, pegou leve nas
acusações que fez na casa dos seus pais.
Precisava reconhecer, Lui me poupou e muito ao não dar detalhes
naquele encontro terrível. Se não, era provável que Heitor prendesse Maria
Clara em seu quarto para impedir o nosso namoro.
— E por qual motivo acha que vou ficar tranquilo por você está
namorando a minha irmã?
— Porque existe um Paulo com a Maria Clara e um Paulo sem ela.
— Um riso seco e irônico surgiu em seu rosto, não me abalei, contudo. —
Sou louco no trabalho, vingativo, com quase nenhum escrúpulo na hora de
colocar as mãos em bandido. Também sou mulherengo, estou sempre
rodeado de mulheres, muitas vezes, levo para a minha casa duas ou três
delas ao mesmo tempo e nós já compartilhamos dessas loucuras. Não tem
novidade aí, por incontáveis vezes fizemos as mesmas coisas. Você mudou,
tem outro estilo de vida, porque não posso fazer o mesmo? É essa a
realidade, sou fiel a sua irmã.
Percebi que o peguei desprevenido. Nenhum de nós dois era santo e
eu estava disposto a ser correto com Maria Clara, isso bastava.
— Desde quando isso? — perguntou e engoli em seco.
— Alguns anos.
— Como é que é?
— Fazem alguns anos que nos apaixonamos e a coisa mais difícil que
já fiz na vida foi abrir mão dela. E sim, a magoei muito. Não dava para
explicar os meus motivos para me afastar, era imaturo e na minha cabeça só
havia um modo de trabalhar na Polícia, logo, ela sempre estaria em perigo.
Encaramo-nos, Lui claramente, desejava quebrar a minha cara, eu
disposto a deixar meu amigo ganhar a briga, afinal, dormia com a irmã dele.
Não queria, mas era solidário.
Ele soltou um suspiro e acendi um cigarro, ofereci e ele aceitou, era o
nosso jeito de acalmar os ânimos.
— E qual é o seu plano?
— Tive uma reunião com o Superintendente. Contei sobre situações
que estão acontecendo e me coloquei a disposição para assumir qualquer
outra delegacia, mas que não poderia continuar com algumas investigações.
— Consegui deixá-lo surpreso. Lui sabia que era mais fácil os dinossauros
voltarem a habitar a Terra do que eu abrir mão dos casos mais complicados
da delegacia. Logo eu, que era movido a problema e confusão. — Ele vai
passar os casos para outro delegado e me disse para continuar aqui, foi
compreensivo até demais.
Em silêncio, deu algumas tragadas no cigarro, depois o apagou no
cinzeiro que sempre ficava em minha mesa e colocou-se de pé.
— Ainda acho que é loucura.
Estava sendo intransigente e não queria reconhecer que eu tentava
resolver o problema das ameaças que recebia. Bem, fiz a minha parte, Lui
era adulto.
— E você está no seu direito de achar. Somos amigos, te considero
como um irmão, mas não irei mais abrir mão da Maria Clara, já fiz isso por
tempo demais. Eu a respeito, a amo e tenho muitos planos para realizar ao
lado dela. Vou entender se não quiser participar ou estar perto de nós,
embora isso esteja a deixando infeliz, mas agora não é mais sobre você.
Outro longo olhar, ele acenou e saiu da sala. Paciência.
Continuei o trabalho, já que iria chegar tarde em casa, que fosse com
ele finalizado. Analisei os relatórios das operações do dia e pouco tempo
depois subiu no sistema o que havia sido feito por Lui. E, como sempre,
estava impecável. O filho da puta era mesmo o meu melhor agente.
Olhei a programação do dia seguinte e revisei o que cada um da
equipe iria executar. Meu celular tocou, marcava nove da noite e era um
número desconhecido. Não atendi de primeira, mas quem estava do outro
lado foi insistente na chamada.
— Paulo? — A voz feminina ressoou do outro lado. Tive a impressão
de reconhecê-la, mas não consegui relacioná-la a um nome.
— Sou eu, quem fala?
— Isabela Fontes, como vai?
— Isabela? — perguntei para ter certeza de que era mesmo ela,
completamente surpreso. — Quanto tempo.
— Sim, sou eu... — Riu e mentalmente comecei a listar as possíveis
causas para ela telefonar e nada me pareceu ser plausível. — Preciso
conversar com você, podemos nos encontrar?
Foi direta e aquilo tinha cheiro de problema.
— Estou trabalhando, não pode falar por telefone? — tentei.
— Tem que ser pessoalmente, é importante.
— Sei... Vamos ver um dia.
Esquivei-me, sem me importar em disfarçar, mas a mulher pareceu
não se importar e insistiu.
— Podemos almoçar amanhã?
— Não sei se consigo, mas vamos nos falando.
— Te ligo amanhã. Boa noite, Paulo.
Antes que eu respondesse, ela havia desligado. Isabela surgiu do
completo nada para me trazer problema, podia sentir.
Fazia pelo menos um ano e meio que não a via, era uma companhia
constante em minha cama, trabalha como modelo, já a acompanhei em
alguns eventos e desfiles, no entanto, desde que voltou para a Europa, onde
acho que ainda deve morar, não nos falamos mais.
O que diabos essa mulher queria?
Estava curioso para saber? Muito. Mas encontrá-la me traria
problemas? Certamente, muito mais do que a minha curiosidade.
O melhor a fazer era tentar mantê-la longe. Era uma mulher tinhosa e
sedutora, se tivesse algo sério e importante para tratar comigo não teria
esperado um ano e meio para resolver.
∞∞∞
Maria Clara
∞∞∞
— Você sabe que é madrugada? — Mauricio, um amigo advogado,
atendeu. Pela sua voz desperta, vi que não o acordei, então, menos mal.
— Preciso conversar com você — avisei.
Ainda estava dentro do carro e na garagem do meu prédio,
atordoado, sem saber bem o que fazer.
— Vou adorar conversar quando amanhecer, agora estou ocupado —
uma voz feminina ao fundo da ligação fez-me segurar o riso, acho que
acabei de estragar a foda do meu amigo. Paciência.
— Precisa ser agora. Diga-lhe que é urgente — insisti.
— Porra, Paulo. Não vai ceder, não é? — Soltou um suspiro raivoso
e ouvi-o falando algo com a mulher.
— Não — respondi e decidi sair do carro e subir para o apartamento,
agora teríamos uma conversa séria.
— Vai, diga o que aconteceu.
— Tenho uma filha.
— Conta a história toda. — pediu, impaciente. E, então, narrei os
fatos desde o momento em que Isabela telefonou-me pela primeira vez
querendo me encontrar até ter conhecido Nina na casa dos pais dela, sem
economizar nos detalhes. — Mano, que treta hein...
— Conheço Isabela, tenho certeza de que está pensando em deixar
minha filha um tempo comigo e, quando bem entender, irá voltar e pegá-la
de volta. — Ela não disse nada sobre tempo, apenas que não tinha como
criar Nina na Europa, mas pelo o que convivemos, sabia um pouco como
funcionava sua cabeça.
— E você não vai deixar isso acontecer.
Não mesmo. Primeiro, não queria a minha filha sendo criada por
funcionários, muito menos na confusão que era a vida da mãe, sempre em
viagens, festas, rodeada por gente maluca. Inclusive, foi justamente por isso
que teve a brilhante ideia de me entregá-la. Só iria me precaver para que não
fosse mais um dos seus arroubos. Segundo, não aceitaria ficar longe dela.
— Quero tudo documentado: a guarda, meu nome na certidão...
— Comprovação da paternidade também. Já entendi que você não
tem dúvida quanto a isso, mas para te resguardar iremos fazer um exame de
DNA.
— Consegue resolver para mim? Podemos ir amanhã mesmo —
antes que finalizasse, ele interrompeu-me.
— Amanhã é domingo, jovem. Passe o dia conhecendo melhor a sua
filha, irei trabalhar para agilizar tudo e, na segunda-feira, tomo todas as
providências para você.
Tinha pressa, mas não havia outra opção, teria que esperar. Confiava
em Maurício, estudamos juntos na faculdade, além de um grande amigo, era
um excelente advogado, sabia que cuidaria do meu caso da melhor forma
possível.
Finalizei a ligação, servi-me uma dose de uísque, acendi um charuto
e fui para a varanda. Antes de desligar, Mauricio não perdeu a chance de
zombar da minha cara, ele também era amigo do Lui e sabia o quanto peguei
no pé dele por ter se amarrado em uma mulher e estar com filho a caminho,
agora eu seguia um trajeto bem semelhante.
Se não fossem as nossas atuais divergências, teria ligado para ele na
sequência.
Minha vida estava mudando rápido demais... Acertei-me com Maria
Clara, já não éramos um segredo e, de repente, tornei-me pai, mais do que
isso, em breve teria uma bebê morando comigo.
Acho que somente naquele momento permiti que caísse a ficha.
Tinha uma bebê para cuidar e educar. Ainda, ter Nina em minha casa
significava a necessidade de uma estrutura adequada de funcionários, além
de uma mudança em minha rotina na delegacia, não daria mais para emendar
plantões. E tinha a minha namorada... O que ela acharia de ter ganhado uma
enteada?
∞∞∞
Maria Clara
Acordei no domingo bem cedo, sentindo um incômodo interno que não
sabia explicar. Não dormi com Paulo, diferente do que havíamos planejado,
na noite anterior ele avisou ter tido um imprevisto no trabalho e só no meio
da madrugada contou ter chegado em casa.
Sem apetite, tomei uma vitamina antes de ir para a academia.
Enviei uma mensagem de bom dia, que ainda não havia sido
respondida. Depois de malhar, fui a uma lanchonete que vendia lanches
saudáveis na companhia de uma amiga que encontrei por acaso. Quando
cheguei novamente em casa, já havia enviado outras mensagens, todas
também sem respostas.
Estava tudo muito estranho, Paulo não era de sumiços e não
ficávamos muito tempo sem nos falarmos, ao contrário, ao longo do dia
sempre conversávamos, fosse por mensagens ou uma ligação, mesmo com a
correria que eram os nossos trabalhos.
Além de tudo, sua mãe marcou um almoço para nós, será que ele
havia se esquecido?
Estava sozinha em casa, meus pais foram para o Jockey e todos os
sinais de alerta acenderam quando Bruna, minha cunhada, mandou-me
mensagem perguntando se íamos demorar.
Chequei o relógio, já eram quase duas da tarde.
Telefonei pela terceira vez, as chamadas anteriores não haviam sido
atendidas e agora o celular estava desligado.
Algo sério poderia ter acontecido e resolvi ir até o seu apartamento
checar pessoalmente.
Enquanto dirigia, seguida por Couto — o segurança que estava me
acompanhando naquele fim de semana —, pensei em várias possibilidades:
Outro imprevisto na delegacia? Passou mal sozinho em casa? Dormiu
demais? Saiu com algum amigo e se esqueceu de que tínhamos
compromisso?
Liguei uma música baixinha e tentei manter a calma, de todas as
hipóteses que me vieram à cabeça, torcia para que tivesse apenas ocorrido
alguma urgência em seu trabalho. Paulo era dedicado demais à carreira e
ficava fora de si quando as coisas não saíam conforme planejou, então,
certamente era isso.
Cheguei a sua rua e estacionei o carro diante do prédio, antes de
verificar com o porteiro se ele estava em casa, tentei mais uma ligação e o
celular seguia desligado.
Não achava que ele estivesse ali, aumentou dentro de mim a certeza
de que estava na delegacia, mas também fiquei sem jeito de aparecer em seu
trabalho. Suspirei fundo e preparei-me para descer do carro, precisava tirar a
dúvida. Fiz um sinal para Couto e quando me virei para a portaria, uma cena
deixou-me estarrecida.
Tinha que ser algum tipo de brincadeira.
Respirei fundo e olhei novamente em direção a eles, preferindo achar
que estava ficando louca a realmente enxergar o que estava bem diante de
mim.
Nossos olhares encontraram-se e, de repente, o seu semblante
risonho e descontraído, tornou-se preocupado e ansioso. Será que não passou
em sua cabeça que a sua namorada poderia aparecer em sua casa ou só era
mesmo muito descarado?
Paulo caminhava na calçada do seu prédio com uma bebê no colo e,
ao seu lado, uma mulher deslumbrante: alta, loira, magra e muito bonita.
Quando a olhei melhor, percebi que se tratava de uma modelo conhecida e
que, pelo o que lembrei, já teve um rolo com ele. A menininha em seu colo
também era loirinha e tinha os bracinhos ao redor do seu pescoço.
Meu corpo estremeceu por completo, qualquer um que os visse
juntos não teria que dúvidas de que se tratava de uma família completa.
Agora, a poucos metros de mim, a mulher também me olhava,
certamente não me conhecia e devia estar achando estranho o quanto eu os
encarava. Senti a boca secar, o peito doer, o corpo não voltava ao normal —
mantendo-se trêmulo.
— O que significa isso? — Minha voz saiu mais alta do que planejei.
Paulo apressou o passo, soltou uma mão que segurava a garotinha e
tocou em minha cintura, desviei da sua tentativa de me beijar e a sua
acompanhante observou tudo em silêncio, parada próxima a nós.
— Oi, amor. Tudo bem? — perguntou e precisei reunir todo o sangue
frio para não fazer uma cena.
Que loucura era aquela? Ele some durante toda a manhã, falta em um
compromisso que tinha comigo e sua família, encontro-o ao lado de outra
mulher e o cachorro finge que nada está acontecendo?
— Estou esperando uma resposta — respondi, entredentes.
— Vamos subir, temos que conversar.
— Acho melhor ir embora, vejo você amanhã? — A mulher interveio
e ele virou em sua direção.
A minha raiva era muito grande, igualmente, a decepção e sensação
de estar sendo feita de trouxa. Lui foi contra o nosso relacionamento e
julguei-o como um irmão ciumento e controlador, principalmente, por dizer
que o amigo era mulherengo e ali estava o que recebi em troca por confiar
em Paulo.
— Antes, permita-me apresentar vocês — pediu, parecendo um
cachorrinho adestrado de tão manso, a menina ainda em seu colo. — Isabela,
essa é Maria Clara, minha namorada. — Então apontou para a mulher, que
demonstrava impaciência. — Ela é uma amiga — explicou.
— Oi, Maria Clara, prazer em conhecê-la. — Certamente soei
infantil, mas não consegui responder nada além de um aceno de cabeça. —
Conversamos depois depois. — Ela disse a Paulo, indo pegar a criança que
dormia, mas ele negou.
— Ajudo vocês.
Ele chamou-me para entrar no prédio e fomos todos para a garagem,
assisti incrédula a cena em que ele, com uma mão, abriu a porta traseira do
carro, beijou o rosto da criança que dormia tranquila e acomodou-a em uma
cadeirinha infantil no banco de trás, depois conversou rapidamente com a
mulher, ela entrou no carro e o portão automático foi aberto.
Segurei as lágrimas, era tudo tão obsceno, doía como se tomasse um
tapa em minha cara.
— Imagino que tenha uma excelente explicação — disse quando ele
se aproximou.
Desviei de mais um beijo e ele soltou um suspiro.
— Vamos subir.
Capítulo 25
Paulo
No domingo acordei cedo, na verdade, naquela noite cochilei não mais que
uma hora, saí da cama quando o relógio marcou seis da manhã, enviei uma
mensagem para Isabela, querendo saber se Nina já havia acordado e corri
para o banho.
De roupa trocada e enquanto tomava um café em pé na cozinha, ela
respondeu com uma foto da minha menininha. A princesa ainda estava com
o pijaminha que a vi na noite anterior e brincava com algumas bonecas.
Que loucura!
Por mais que tivesse passado longas horas acordado tentando refletir
no que me havia ocorrido, era como a se minha mente não conseguisse
processar por completo o fato que agora era pai.
Não era muito de pensar em casamento e família, provavelmente
porque durante bastante tempo amei uma mulher e não podia ficar com ela,
há pouco tempo que nos acertamos e com ela quis tudo, mas ainda assim,
nunca consegui dimensionar a sensação e responsabilidade de ter um filho.
E agora eu tinha.
Nina ganhou todo o meu coração e amor no exato momento em que
soube da sua existência. E o meu maior desejo era que ela tivesse a certeza
de que tem um pai e que pudéssemos resgatar o tempo perdido e criarmos,
juntos, um laço que não poderia ser dissolvido.
Fui recebido por Isabela e minha filha, que havia trocado o pijama
por um vestidinho cor de rosa e de mangas compridas, uma mecha do
cabelinho presa com um laço combinando.
Emocionado, assim que passei pela porta, não tive outra reação senão
esticar os braços para pegá-la, a pequena, mesmo desconfiada, não hesitou
em vir para o meu colo. Meu coração bateu forte no peito. Ali era tudo real,
eu tinha mesmo uma filha. Era o nosso encontro, o nosso reconhecimento.
Trocamos um longo olhar, segurei com firmeza o seu corpinho,
toquei a pele macia do seu rosto, ela retribuiu tocando o meu com os
dedinhos, cheirei seu pescoço e o cabelinho, não tive dúvidas que aquela
menininha já me tinha em suas mãos.
Minha garganta estava seca e havia um bolo nela, que me atrapalhava
até a respirar.
— Esperamos você para tomar café — Isabela, que também estava
visivelmente emocionada, quebrou o momento e apontou para um corredor.
Demorei um tempo com nina, ainda em nosso universo, até que
seguimos pelo caminho indicado e chegamos à cozinha, onde havia uma
mesa farta montada para nós.
— Cadê a sua família? — indaguei, ainda de pé, sem tirar os olhos da
minha menina, que não parava de tentar me conhecer através das mãozinhas.
— Eles vão nos dar privacidade.
— O papai queria muito te ver, pequena! — Voltei minha atenção à
Nina e encostei minha testa na sua, que passou a balbuciar sílabas,
desmontando-me por inteiro.
— Papa papa...
— Isso, papai — incentivei e ela ria a cada tentativa de repetir o que
eu disse.
— Papa...
Apertei-a em meus braços e ganhei beijos babados na bochecha. Um
amargor subiu pela garganta, minha filha já tinha um ano, sentia uma
emoção tão grande por vê-la tentar pronunciar uma palavra, como teria sido
acompanhar cada conquista e descoberta sua?
— Você não tinha o direito de nos esconder um do outro — acusei
sua mãe, a raiva tomando conta de mim.
— Expliquei as minhas razões — ela defendeu-se e irritou-me
perceber que parecia não dar muita importância ao que fez, como se pudesse
fazer exatamente igual se tivesse outra oportunidade.
— Explicou em detalhes o seu egoísmo e só me contou sobre Nina
porque ela está atrapalhando a sua vida na Europa. Se não fosse isso,
passaríamos anos sem sabermos um do outro, até que ela crescesse e talvez
insistisse em saber quem seria o seu pai.
Perdi um pouco a cabeça e quando me dei conta, havia me exaltado
em muito.
— Não vamos discutir na frente dela.
— O que você quer é mitigar a própria culpa. Já acionei o meu
advogado, quero a guarda da Nina — dei o aviso, esforçando-me para
abaixar o tom da minha voz.
— Eu tenho a guarda dela, vocês precisam se conhecer melhor, testar
a convivência... Mais para frente discutimos isso.
Agora Isabela estava totalmente insegura e tive o feeling correto
sobre as suas intenções. Ela queria férias de Nina, ia brincar conosco, deixar
a menina comigo e quando bem entendesse voltaria para assumir a sua
responsabilidade de mãe. Não permitiria que isso acontecesse. Iria assumir
Nina e tudo o que a envolvia, mas do jeito certo, não na informalidade, se
não o fiz antes foi por não saber da sua existência.
A minha vida, até me acertar com Maria Clara, era como um trilho
desgovernado, sem qualquer limite. Muito trabalho, muitas mulheres, festas
privadas, libertinagem, era isso que provavelmente fazia Isabela pensar que
seria um alívio para mim que ela retornasse para buscar a minha filha. Não
podia estar mais enganada.
— Não fui claro, não é? Vou ter a guarda da minha filha, guarda
unilateral, a partir de hoje sou o responsável por ela. Acho que era isso que
quis quando me procurou e disse que precisava entregá-la a mim.
— Não foi bem assim.
— Foi, sabe que foi. Se tem algum compromisso na Europa,
remarque até que esteja tudo formalizado. Amanhã teremos uma reunião
com o meu advogado e ele vai te explicar o que precisamos fazer.
— Não estou abrindo mão da minha filha.
— Claro que não, está abrindo mão da guarda. Escute bem, Isabela, a
Nina não é um experimento social que demanda teste de convivência. Filho
não vem com essa possibilidade, é nossa obrigação como pais adaptar-nos à
nova realidade para dar segurança, cuidado e amor. É isso que a minha filha
vai ter. Mais tarde vamos levá-la a casa dos meus pais, você vem junto, pois
ela ainda deve ficar assustada se estiver sozinha comigo.
— Pedi sua ajuda com a criação dela. — Agora foi ela quem se
exaltou e tinha razão quando pediu para não discutirmos na frente da Nina, a
menina olhava-nos assustada. — E pode parar de me dar ordens.
— Em relação à reunião com o meu advogado, é apenas uma
sugestão. — Não evitei a ironia.
Isabela respirou fundo, fechou os olhos e depois de um instante me
encarou.
— Porque não usa esse fim de semana para conhecer melhor a Nina e
criar intimidade? E converse com a sua família com calma, conte sobre ela e
depois a leve para conhecerem. Eu concordo em ir junto, mas não apareça de
surpresa com uma filha de um ano.
Ponderei o que ela disse e fui obrigado a reconhecer que estava certa.
Conversamos mais um pouco, brinquei com a criança mais linda que
já conheci, coloquei-a para tirar uma soneca, seguindo as instruções da mãe.
Enquanto a pequena dormia, os pais de Isabela chamaram-me para mais uma
conversa, outra tentativa de me convencer a deixar Nina com eles, até que
ela acordou e ganhou novamente toda a minha atenção.
Já não me sentia confortável em continuar ali, o ambiente com os
avós estava pesado, não por minha culpa, obviamente, e também gostaria de
mostrá-la minha casa, já que em breve seria onde iria morar. Portanto,
convidei mãe e filha para irem até lá, Isabela topou, mas preferiu ir usando o
carro do pai.
No caminho, compramos lanches em uma rede de fast food e
levamos para comer em casa, somente quando já estávamos no elevador,
lembrei-me que havia combinado de almoçar com Maria Clara e minha
família. As últimas horas foram de muita emoção e mudaram a minha vida
para sempre, dei-me um desconto por ter me desligado de tudo e de todos.
Decidi que quando elas fossem embora, iria atrás da minha namorada,
contaria tudo o que estava acontecendo e depois falaria com os meus pais e
irmã.
No entanto, tudo desmoronou antes.
Peguei meu telefone para enviar ao menos uma mensagem a Maria
Clara, mas o mesmo havia descarregado, envolvi-me com Nina e deixei-o
carregando.
Isabela disse que ia embora, a nossa filha dava sinais de cansaço e
sono depois de ter conhecido e explorado cada canto do meu apartamento.
Antes de irmos para a garagem, acompanhei-as até uma farmácia que ficava
em minha rua para que ela comprasse um analgésico para dor de cabeça.
No meio do caminho, Nina dormiu em meu colo, retornamos
conversando, passar algumas horas ao lado da pequena deixou-me mais leve
e, foi naquele momento, que Maria Clara nos viu.
Seu olhar magoado foi um balde de água fria em meio à alegria que
havia me tomado. Conhecia a minha namorada e imaginava a lista de coisas
ruins que passava em sua cabeça, podia apostar que mentalmente chamava-
me de cachorro.
Tentei apresentá-la a Isabela, sem mencionar que a criança em meu
colo era a minha filha e ela praticamente a ignorou. Teria muito trabalho pela
frente.
— Imagino que tenha uma excelente explicação.
Brava, exigiu, depois que Isabela e Nina foram embora e de negar
um beijo meu, nós dois parados diante do elevador na garagem.
— Tenho, vamos subir — convidei.
Entramos no elevador e permanecemos em silêncio, buscava
mentalmente as melhores palavras, aquela mulher era o amor da minha vida,
queria compartilhar logo o grande acontecimento que me ocorreu.
— Aceita uma água, linda? — ofereci, quando entramos no
apartamento.
De soslaio, vi Maria Clara revirar os olhos e seguir para a sala, logo
se acomodando no sofá.
— Estou esperando, Paulo.
Sem meias palavras, então.
Sentei na poltrona de frente para ela e, antes de iniciar, trocamos um
longo olhar. Amava-a demais, Maria Clara precisava confiar em mim e em
minha fidelidade.
— Vou te contar tudo. — Soltei um suspiro e ergui o rosto. — E serei
direto, tenho uma filha.
— Você o quê? — Seus olhos arregalaram-se e as mãos que estavam
sobre as pernas foram recolhidas, agora estavam entrelaçadas em seu colo.
— Acabo de descobrir que tenho uma filha — contei sem desviar o
olhar do dela e a vi perder o norte. Abriu e fechou a boca algumas vezes,
mordeu o lábio e quando, finalmente, tentou pronunciar algo, soltei a outra
bomba. A mãe vai deixá-la comigo.
Tentei não esquecer nenhum detalhe, inclusive, que era Nina quem
estava lá embaixo em meu colo, ela me ouviu atenta e, quando finalizei, foi
realmente tomada por completa surpresa e espanto. Lentamente, balançou a
cabeça em concordância, seu olhar vagou longe, apertou as têmporas, coçou
o queixo, tive a sensação de que nem me enxergava mais, de tão perdida em
pensamentos estava.
— Como vai ser isso? — quis saber, um longo instante depois.
— Como te disse, a mãe dela, a Isabela, é modelo e mora na Europa.
Ela alega que está muito desconfortável para Nina continuar lá, pois vive
viajando e em eventos, a menina só fica com as babás. Irá me entregá-la,
Nina vai ficar comigo. Nessa madrugada, conversei com um amigo que é
advogado, o Mauricio, vamos entrar com alguma ação para formalizar a
guarda, reconhecer a paternidade, deixar tudo dentro da lei.
— Entendo. — Sua voz vacilou e senti uma pontada interna. Algo
não ia bem, a cada segundo ficava mais claro.
— Estava louco para te contar, em poucas horas minha vida mudou,
ficou de cabeça para baixo, mas, ao mesmo tempo, estou sentindo uma
emoção tão grande, sabe?
Ela apenas acenou, séria, os ombros levemente caídos.
— Não posso, Paulo — disse e ficou de pé, pegando a bolsa que
estava ao seu lado no sofá. — Preciso ir embora.
Levantei no ímpeto e fui para perto dela, tocando em seu braço, era
capaz de implorar para que não saísse da minha casa e da minha vida.
— Fica, por favor. Vamos conversar... — Peguei suas mãos e ela não
recusou, mas não conseguia me olhar nos olhos. — Sei que é uma mudança
enorme, mas também fui pego de surpresa e tenho certeza de que juntos
vamos fazer funcionar.
— Não dá. — Negou também com a cabeça. — Me conheço e você
também, não vou conseguir lidar com uma criança de um ano morando com
a gente, pois basicamente vivo aqui. Iniciamos agora um relacionamento,
depois de anos batendo cabeça... Se eu ficar, só vou atrapalhar.
Ela, então, elevou o rosto e os nossos olhos encontraram-se. Estavam
cheios de lágrimas, as bochechas coradas e os lábios trêmulos. Sim, eu a
conhecia. E sabia que, Maria Clara tinha várias qualidades, mas ainda era
imatura em muitas áreas, lidar com uma criança, filha apenas do seu
namorado, podia mesmo ser algo muito grande.
Eu contava que o seu amor por mim fosse suficiente para querer
encarar tal desafio.
— Acho que você precisa de um tempo, linda — sugeri.
Era isso, ficar um pouco sozinha, pensar em todas as possibilidades,
respirar. Era o contrário do que eu desejava, pois a queria ao meu lado,
vivendo cada segundo comigo. Mas respeitaria o sem tempo.
— Eu preciso me afastar — avisou, soltando minha mão da sua.
— Não faz assim, Clara. — Trocamos mais um longo olhar, o
desespero chegou com tudo em mim, ela negou e soltou um suspiro.
— Tenho que ir.
E ela foi embora.
Sempre havia algo entre nós dois, mas daquela vez não havia o que
resolver. Nina era a minha filha e, por mais que estivesse assustado com
todas as mudanças necessárias, não pensava em nenhum outro cenário que
não fosse assumi-la.
Desejava que Maria Clara pudesse repensar e perceber que, o nosso
relacionamento a dois de fato seria um tanto diferente do que planejamos,
mas não impossível vivê-lo.
Capítulo 26
Maria Clara
∞∞∞
Paulo
— Paulinho, ainda não estou acreditando que você tem uma filha. Cadê a
bonequinha? — Felipa abraçou-me assim que abri a porta, convidei-a, assim
como Cadu e minha irmã para irem até o meu apartamento e apresentar Nina
a minha prima e ao seu namorado, Bruna conheceu-a no dia anterior, quando
levei minha filha a casa dos meus pais.
— Já irão conhecê-la, entrem.
Nos últimos dias, vivi como em uma montanha-russa, descobri ser
pai de uma menininha; precisava mudar toda uma rotina para recebê-la;
tinha que lidar com a sua mãe que jurou que faria tudo do seu jeito e iria me
manipular e ainda havia Maria Clara, que desde domingo, quando foi
embora da minha casa depois de me ver na rua com Nina e Isabela, não
conversava abertamente comigo, após eu contar sobre a minha filha. E já era
quinta-feira.
Tirei o dia de folga do trabalho para resolver assuntos jurídicos e
burocráticos, quando vi que chegaria cedo em casa, resolvi fazer as
apresentações. E ainda tentaria um encontro com a minha namorada.
— Cara, que loucura! Como está sendo ter uma filha? — Cadu
perguntou, encostado no balcão, Felipa e Bruna estavam envolvidas com
alguns presentes que comprei para Nina, como roupas e brinquedos e
estavam sobre a cama do quarto que desocupava para ela.
— Nina vai morar aqui e acho que a ficha ainda não caiu. Não vou
ter a mãe dela para dividir as responsabilidades, muitas coisas para resolver,
uma estrutura inteira para montar, além do fato de que, porra, agora tenho
uma filha.
— Imagino, se nós estamos assustados...
— Pois é.
As meninas voltaram para a área da cozinha e salas, conversamos
mais um pouco até que Isabela chegou com a Nina e a pequena ganhou todas
as atenções.
A garotinha bem que gostou de ser paparicada e a mãe foi embora,
para testarmos a sua reação ficando sozinha comigo, a ideia era que
dormisse lá em casa.
Enquanto a assistia se divertir no tapetinho de atividades que comprei
durante o dia e estava sobre o tapete da sala, junto com alguns brinquedos,
decidi que era hora da Maria Clara conhecer Nina.
Deixei a pequena com a minha família e fui até meu quarto ligar para
ela. Não atendeu de primeira e, depois de muito ponderar, aceitou ir até
minha casa. Felipa, Cadu e Bruna foram embora antes que ela chegasse, para
nos dar privacidade.
O toque da campainha alertou Nina, que pediu colo e deixou-me
agitado. Desde domingo, quando Maria Clara foi embora, não nos vimos
mais. Falávamo-nos por telefone, apenas conversas vagas, pois ela não
permitia aprofundar qualquer assunto. Dei um tempo para que colocasse os
pensamentos em ordem, mas era um homem adulto, agora com uma baita
responsabilidade nas mãos e queria ao meu lado uma mulher também
madura.
Respirei fundo e abri a porta. Lá estava ela, tão linda, tão minha e tão
distante. Deu um sorriso seco, quase invisível, não impediu que eu a
beijasse, mas não estendeu qualquer contato. Seus olhos ficaram cravados
em Nina, que do meu colo olhava-a com curiosidade. Aguardei o tempo
delas, mas não passou de um “oi, bebê” que foi respondido com um
sorrisinho pela a minha filha.
Peguei sua mão e levei-a para a sala, coloquei Nina de volta no
tapetinho e conversei com ela:
— Filha, essa é a Maria Clara, a namorada do papai.
A pequena tentou imitar o que eu disse, a mulher ao meu lado parecia
um tanto atordoada, por um instante fiquei sem reação, mas logo precisei
tomar as rédeas.
— Vamos ali na cozinha? — convidei.
— Ela fica bem aqui sozinha? — Gostei que tenha se preocupado
com Nina, embora continuasse estática ao meu lado.
— Sim.
Puxei-a pelas mãos e caminhamos até a bancada, acomodando-nos
nas banquetas, que nos davam ampla visão da sala.
— Estava com saudades — beijei o dorso da sua mão. Senti a sua
falta, da sua presença, dos seus beijos, de chegar em casa e contar como foi o
meu dia, de ficar junto dela por horas a fio. Maria Clara suspirou e não
respondeu, sem, contudo, desviar o olhar do meu. — Temos muito o que
conversar, não é?
Ela acenou com um balançar de cabeça e, então, olhou em direção a
Nina, que novamente brincava distraída.
— Ela é linda.
— É sim.
Trocamos um longo olhar, enxerguei sentimentos dentro dela, Maria
Clara variava entre estar emocionada e distante.
— Pensei muito, foram dias difíceis, praticamente não dormi... — As
palavras saíram como se sondasse o terreno, com calma e respeito. Segui
firme, embora um mau pressentimento já me dominasse.
— Eu também.
— Sabe que te admiro muito, é corajoso, não foge de nenhuma
responsabilidade. — Foi o suficiente, segurei-me para não a impedir de
continuar.
— Acho que não estou gostando do rumo que está tomando —
interrompi. A garganta estava seca e sentia um aperto no peito.
— É extremamente clichê o que vou dizer, mas é sobre mim, Paulo.
Não estou preparada, a sua nova missão é grande demais para eu lidar e não
quero atrapalhar vocês dois.
Não havia qualquer tom de vingança ou rebeldia em sua voz, Maria
Clara estava triste e desanimada, assim como eu também fiquei.
— Amor, você só precisa tentar — insisti.
— Não é assim que funciona. E também não é o que quero. — Soltou
um suspiro alto e colocou-se de pé. Não a segui. Ela andou pela sala de
jantar e foi até a imensa janela. Se precisava de espaço, teria. — Tudo o que
penso parece ser egoísta demais da minha parte. Ou, pior, pode te machucar.
— Quero ouvir.
Eu estava sério e ela também, de um jeito que não me lembrava de
tê-la visto.
— É uma criança indefesa, que acabou de conhecer o pai, e vai ficar
longe da mãe que a está te entregando, não merece uma madrasta que
preferia ter tempo livre com o namorado, que quer viver sonhos antigos de
dormir colada em você, não ter rotina, fazer amor a qualquer hora, viagens
sem planejamento... Sonhei em ter sua atenção e cuidado, tudo para mim.
Conseguimos isso por pouquíssimo tempo e sabemos que irá mudar. Nem
você e nem Nina merecem o meu descontentamento, que já existe.
Uau. Ela tinha razão quando disse que as suas palavras poderiam
machucar. Mas também eram verdadeiras, e, a verdade é que eu conseguia
me colocar em seu lugar e até compreendê-la, mesmo não querendo.
— Não sabemos como será na prática. Tenho dinheiro para uma boa
estrutura, vou contratar uma funcionária fixa, babá, os avós vão adorar
cuidar dela. — Imagino que tenha soado desesperado e não dei bola.
Fez um aceno com as mãos para que eu parasse e ficou diante de
mim.
— Não siga por esse caminho. Meus pais são ótimos, mas na minha
infância tive isso aí tudo que você listou, babás vinte e quatro horas por dia,
e não recomendo. O que eu desejava era ter mais da presença deles, você e
eu já conversamos a respeito, inclusive.
— Já não sei o que dizer. — Foi a minha vez de suspirar alto. —
Quero que fique, é a mulher que eu amo e quero você para sempre em minha
vida. Mas, ao mesmo tempo, não posso te prender à minha nova realidade.
— Quero que você seja feliz e que dê tudo certo com a sua filha.
Estarei torcendo por vocês.
Fechei os olhos por alguns segundos. Era mesmo o nosso fim?
— Tem certeza, Clara?
— Tenho. Estou indo embora, Paulo. Será melhor para nós dois.
Ela pegou sua bolsa, deu um beijo na cabecinha da minha filha e
virou-se para mim, antes de partir, abraçou-me forte. Não resisti em beijá-la.
Foi o nosso último beijo.
Capítulo 27
Paulo
Coloquei uma roupa quentinha em Nina, calça que a minha mãe disse ser
uma legging, sobretudo rosa clarinho, botas nos pés. Aprendi a prender o seu
cabelinho com laço e não me esqueci dos acessórios, como broche,
correntinha e pulseira. Quando acabei e beijei o rostinho da minha filha,
Dona Conceição observava-me da porta do quarto, tinha o olhar
emocionado.
Ela e Bruna estavam sendo um super apoio em minha nova vida.
Ajudavam-me com a rotina da Nina, mesmo tendo uma babá, eu não deixava
de estar presente nas principais atividades do seu dia; davam dicas de como
cuidar da pequena e, claro, a enchiam de carinho e mimos. Os avós maternos
também eram muito presentes e estavam sempre por perto, agora que
entenderam e aceitaram que eu não abriria mão da guarda e dos cuidados
diários com a minha filha, até eram agradáveis comigo e minha família.
Peguei-a no colo e fomos para a sala, onde meu pai nos aguardava.
— Cadê a princesinha do vovô? — Seu Raul estendeu os braços para
ela e assim que a coloquei no chão, correu para o avô. — Está muito linda!
— Vovô... — Tocou o seu rosto com as mãozinhas e distribuiu beijos
molhados.
Nina era o nosso bálsamo, em pouco tempo ganhou tudo de nós.
Uma criança carinhosa, doce e que amava ganhar carinho e colo. Era incrível
como se adaptou a nossa presença, eu custava acreditar que havíamos nos
conhecido há tão pouco tempo, pois, rapidamente, criamos intimidade e
rotina juntos.
— Vou terminar de me arrumar, não demoro — avisei aos meus pais
e fui para o meu quarto.
Há um mês, minha filha chegou em minha vida e mudou-a para
sempre. Isabela aceitou todos os meus termos, sabia que não teria como agir
contra mim. Desde que descobri sobre Nina, tive a convicção de que pediria
a sua guarda e cuidaria dela, a mãe mora em outro país e não deixaria que
nenhuma decisão importante fosse tomada pelos avós á minha revelia. No
dia seguinte, ela retornaria à Itália e não serei injusto, não demonstrava
felicidade em deixar a filha para trás. No entanto, ela também não cogitou
deixar a carreira em segundo plano. Cada um com as suas escolhas.
Ajustamos que Nina ficaria em meu apartamento desde os primeiros
dias em que chegou ao Brasil, para se acostumar comigo e com a nova
rotina. Ao mesmo tempo, Isabela preferiu diminuir a frequência das visitas,
para que o seu sumiço da vida dela não fosse tão abrupto. E, assim
estávamos fazendo, parecia funcionar.
Dei uma borrifada do perfume e coloquei o relógio, saí do quarto na
sequência, antes de ir para sala fui ao quarto da Nina buscar a mochilinha em
que carregávamos as suas coisas, como fralda, produtos de higiene,
documentos e troca de roupa.
Almoçamos em uma churrascaria no shopping. Nina não parava de
apontar para o playground e levei-a para brincar um pouco. Emocionava-me
vê-la tão alegre e saudável, às vezes, achava que não daria conta, nunca
havia sequer pegado uma criança no colo antes da minha filha chegar, mas
tínhamos uma vida inteira pela frente para aprendermos juntos.
Ela veio para os meus braços, quando a chamei, com as bochechas
coradas e o cabelinho um pouco despenteado. Arrumei os fios com a mão,
ofereci-lhe água e voltamos à mesa para, finalmente, almoçarmos.
— Paulo? — ouvi uma voz me chamar.
No exato momento eu beijava o pescocinho da Nina, que ria alto por
sentir cócegas, ela adorava quando brincávamos assim, inclusive
ignorei que estávamos em um restaurante de luxo e repleto de pessoas cheias
de não me toques que conversavam em sussurros. O que salvava era o
estabelecimento servir o melhor churrasco de São Paulo, valia pelo público
chato.
Levantei o olhar e dei um sorriso para a mulher que me
cumprimentava. Seu olhar ia de mim para a minha filha, segurei o riso para a
interrogação que havia no meio da sua testa.
— Luma! Como vai?
— Estou bem... E essa bonequinha? — Ela não se conteve.
— Minha filha, chama-se Nina. — Seus lábios formaram um ó
perfeito, os olhos arregalaram-se, fingi não perceber a sua surpresa e derreti-
me todo quando a pequena desfez o sorrisinho lindo que antes tinha no rosto.
— Diga oi, meu amor.
— Oi... — obedeceu, sem demonstrar qualquer simpatia.
Curioso que, além das mulheres da nossa família, só teve uma outra
com quem ela foi simpática. Uma pena que ela não tenha querido seguir com
a gente.
— Filha? Não faz tanto tempo que não nos vemos. — Voltei dos
pensamentos diante do questionamento que Luma fazia.
A última vez que nos vimos foi quando nos encontramos no
restaurante, que havia ido para bisbilhotar a vida da Maria Clara. Imaginei
que nem fosse mais querer conversa comigo, pois, naquela ocasião,
combinamos de ir para a minha casa e quando cheguei ao meu carro, desfiz a
programação sem lhe dar grandes satisfações.
— Longa história!
— Sei! — Encarava-me, sem esconder que estava confusa. Bom, não
havia nada para saber mesmo. — Posso te ligar depois?
— Pode, claro. Agora tenho que ir, essa mocinha aqui precisa
almoçar!
Ela se aproximou mais e tentou uma gracinha com a minha filha, que
não sorriu de volta. Nina era uma figura e cheia de personalidade.
— Ah, sim, vai lá. Tchau, Nina!
Na tarde daquele domingo, depois que chegamos do almoço, Isabela
foi à minha casa despedir-se da nossa filha. Não tinha previsão de quando
voltaria ao Brasil para vê-la e deixei claro que não permitiria que a menina
viajasse sozinha com a babá, até poderia combinar de levá-la em algum
momento até a Itália, mas, por ora, o contato seguiria por telefone.
∞∞∞
Dalva, a babá que contratei para me ajudar com a Nina, dormia em
minha casa e, a cada quinze dias, tirava o fim de semana de folga. A
princípio, não queria alguém em tempo integral, mas foi necessário em razão
dos plantões noturnos que ainda precisa cumprir. Consegui diminuir bastante
a frequência, mas não os tirar totalmente da rotina.
Preparava o café da manhã quando ela surgiu na cozinha, carregava a
minha filha no colo, que estava toda arrumadinha com um conjunto de
moletom, laço do cabelo combinando e pantufas nos pezinhos. Eram seis e
meia da manhã, tentava sempre tomar o café com ela, o almoço era
complicado, pois, normalmente, só conseguia em minhas folgas, e o jantar
costumava ser mais garantido e sempre seguido do ritual para fazê-la dormir,
que consistia em banho, colocar o pijama, ligar o abajur do seu quarto e
contar uma historinha. Em pouco tempo, conseguimos estabelecer uma
rotina muito gostosa.
Quem nos visse atualmente, certamente, não conseguiria imaginar o
caos dos primeiros dias. Não sabia nada sobre a garotinha, tampouco como
cuidar dela. Inseguro, até oferecer uma mamadeira parecia ser tarefa de
grande complexidade.
— Bom dia, doutor — a mulher aproximou-se da bancada e Nina
estendeu os bracinhos, peguei-a no colo e enchi seu rosto de beijos.
— Bom dia, Dalva. Acabei de passar o café. — Entreguei-lhe o bule
com a bebida fumegante. — E você, princesinha, dormiu bem?
Cheirei seu pescocinho e ela riu, uma das coisas que aprendi com a
paternidade é que cheiro de filho é tão bom, que deve ser equivalente a uma
amostra do paraíso.
— Papai — repetiu e beijei as suas mãozinhas, que faziam um
carinho em meu rosto.
— Eu sou o seu papai. E estou fazendo o seu mingau preferido...
— Mingau!
— Papai ama você, bonequinha! — Devolvi Nina para Dalva e
finalizei a refeição. — Agora vamos para a mesa tomar o nosso café.
Ajudei a pequena a comer, acompanhei as notícias em um aplicativo
e, quando finalizei, fui terminar de me arrumar. Não chegava mais na
delegacia tão cedo como antes, também evitava sair tarde da noite de lá, aos
poucos equilibrava as novas responsabilidades.
Antes de ir para o trabalho, Zita chegou ao apartamento, que agora
deixou de ser diarista para trabalhar em casa todos os dias, ficava
responsável pela limpeza e alimentação. Infelizmente, eu já não conseguia
cozinhar em todas as refeições, ainda mais que Nina seguia um cardápio
saudável.
Os dias eram corridos e sempre cheios de novidade, quando me
deitava na cama estava exausto, mas me fazia bem não ter muito tempo para
pensar na vida. Do contrário, seria insuportável a ausência da Maria Clara.
Doía para um cacete estar longe dela, no entanto, tinha em mãos duas
situações que fugiam do meu controle: a responsabilidade pela minha filha e
a escolha que minha ex-namorada fez de se afastar
Não havia outra opção para mim senão cuidar e dedicar-me a Nina,
igualmente, não podia obrigar Maria Clara a permanecer ao meu lado.
Assim, se os meus dias passavam ligeiro, as noites, em que não estava de
plantão, eram intermináveis.
Os últimos dois meses foram pesados, descobri sobre a minha filha,
tomei um pé na bunda da namorada, tive demandas judicias para
providenciar, a fim de oficializar a guarda da Nina, além de precisar ajustar
toda a minha vida para recebê-la.
Dias depois de Isabela ter me procurado na delegacia, já solteiro e
ainda sem saber bem como faria para cuidar de uma criança, fui extravasar
em uma tabacaria que gostava de frequentar.
Não conseguia colocar em palavras o que sentia, não queria
demonstrar fraqueza, não podia forçar a barra com Maria Clara, era apenas
eu e o caos que me encontrava.
Naquela noite, cheguei sozinho e, assim que me sentei em uma mesa,
percebi que em qualquer lugar que fosse, afogaria- me nas lembranças dela,
mesmo ali, na tabacaria que ela não gostava de frequentar e só ia para me
agradar.
Ela era parceira, mesmo com todas as suas inseguranças e
imaturidade. Apegava-me a isso quando a saudade se tornava quase
insuportável. Não achava que estava sendo fácil para Maria Clara.
Enfim, voltando à tabacaria. Havia pedido uma dose de uísque
quando um grupo de mulheres, três ou quatro, aproximou-se da mesa. Estava
frustrado e com o pensamento longe, somente voltei à realidade quando
Natascha, uma mulher com quem às vezes eu saía, chamou-me:
— Acho que tem alguém precisando de uma boa companhia!
Levantei o olhar e elas sorriram-me, sedutoras. Uau. Eram lindas e
muito atraentes, em qualquer outra situação, se ainda tivesse solteiro,
deixaria a minha mente criativa planejar uma boa diversão com todas elas.
Mas, definitivamente, não estava no clima.
— Serão bem-vindas! — Dei um sorriso falso e sedutor, que
funcionou, pois recebi de voltar sorrisos igualmente fingidos, mas cheios de
luxúria.
— Essas são: Luisa, Paula e Flávia! E ele é Paulo, um amigo! —
Natascha fez as apresentações e ganhei vários beijos no rosto, uma coleção
de perfumes adocicados e marcantes deixou-me levemente enojado.
Até há pouquíssimo tempo, sentiria-me muito atraído por todas elas
e de preferência as levaria todas juntas para a cama, não abria mão de uma
boa sacanagem no sexo, mas agora não passava de mulheres lindas e com
pouco potencial de uma conversa interessante.
— Prazer em conhecê-las, senhoritas! Sentem-se. — Apontei para a
mesa redonda de madeira talhada vazia, escolhi-a como se soubesse que
muito em breve teria companhia, e logo elas ocuparam as poltronas de
couro marrom. — Aceitam um uísque ou outra bebida?
— Um champanhe seria ótimo, não é meninas? — Natascha
respondeu e, então, indagou-me, baixinho. — Está tudo bem?
— Não sei se serei uma boa companhia — respondi, sem dar
qualquer detalhe.
— Apenas relaxe, vamos tentar animar a sua noite.
Um sorriso cheio de segundas intenções surgiu em seus lábios e, ou
eu estava muito enferrujado quanto a uma noitada com mulheres ou de fato
sofria por amor, pois não me animei, muito pelo o contrário.
Fiz a cortesia de servir o champanhe a cada uma delas e duas doses
depois de uísque já arranjava mentalmente uma boa desculpa para ir
embora, desisti de algo mais elaborado quando fui surpreendido por João,
meu ex-cunhado, que não deixou de encarar cada uma delas que estavam à
mesa comigo, bem como quando me ameaçou caso fizesse mal a sua irmã, o
idiota nem sabia que ela havia colocado um ponto final em nosso namoro.
Bobo e cheio de esperanças, dei um jeito de vazar dali, se ela não
contou ao irmão que era seu grande amigo, era porque ainda devíamos ter
chances de reatar. Da tabacaria, fui para a sua casa, uma Maria Clara de
pijama, robe e cara limpa recebeu-me.
— Eu precisava te ver... — disse em seu ouvido, suspirei, segurei
firme em sua cintura, seu cheiro inebriou-me e tomou conta de mim. —
Ainda temos muito o que conversar.
— Como você está? — ela desconversou e com cuidado soltou-se de
mim.
Cruzei os braços, encarei-a e, sem graça, ela tentava não olhar
diretamente para mim.
— Péssimo. — Fui direto e ela fechou os olhos
— Temos que seguir em frente, Paulo — disse, depois de soltar um
suspiro audível e então me encarar.
— Estou seguindo.
— Aparecer na minha casa tarde da noite e depois de ter bebido e
estado com alguma mulher não é seguir em frente. — Desafiou-me e pegou-
me de surpresa. Meu olhar acuado resultou em um sorriso irônico. — Está
cheirando a perfume feminino e uísque.
Senti-me envergonhado, já não sabia o que falar a não ser que
morria de saudades dela e de tê-la em minha vida, então, optei pela verdade
nua e crua.
— Tá foda pra caralho, Clara. Preciso de você, eu te amo demais. —
Antes que ela dissesse algo, toquei em sua cintura e puxei-a para junto de
mim. Foi por muito pouco que não a beijei ou porque ela afastou um pouco
o rosto.
— Paulo, olha pra mim: eu também te amo, isso não mudou um
pingo. Mas tudo o que te disse lá na sua casa também não mudou. Não dá
para continuarmos.
Foi categórica e fui tomado por um certo desespero.
— Não, Clara.
Trocamos um longo olhar e ela negou com a cabeça. Ali, eu vi que o
nosso fim era definitivo.
— É melhor você ir embora, meus pais podem aparecer aqui a
qualquer momento e, acredite, você está bêbado.
E não, eu não estava bêbado.
Daquele dia em diante, entendi que a minha vida agora tinha um
novo foco, que era Nina e que seguir em frente era o melhor que poderia
fazer por nós dois.
Capítulo 28
Maria Clara
Peguei a bolsa esportiva que estava sobre um banco, retirei de dentro dela
uma toalhinha e enxuguei algumas gotas de suor que escorriam em meu
rosto, depois peguei a garrafinha de águia e tomei um longo do gole da
bebida. Há um mês, iniciei na aula de pilates e, até que estava gostando,
movimentava músculos que nem imaginava ter.
Despedi-me da professora e alunas, as aulas de sábado eram sempre
muito disputadas necessitando de reserva prévia e segui para o carro.
Chequei o relógio e eram pouco mais de onze da manhã, portanto
teria tempo de ir em casa tomar um banho antes de sair para almoçar com os
meus pais e meu irmão João.
No entanto, não foi surpresa ter seguido por um trajeto diferente, é o
que vinha ocorrendo há muitos e muitos dias. Tentava me enganar, mas a
minha mente sabia exatamente para onde eu desejava ir.
Tomei mais um pouco de água, sentia a garganta seca e não tinha
nada a ver com o exercício físico recém-praticado.
Não demorou e a praça arborizada e movimentada surgiu no meu
campo de visão. Diminuí a velocidade, observando a cena que já me era
cotidiana: carrinhos de bebês sendo empurrados, crianças correndo ou
empoleiradas nos vários brinquedos, casais dividindo água de coco, grupos
de mulheres que conversavam embaixo das árvores centenárias. Precisei
voltar a atenção ao trânsito quando o carro da frente andou, ali, no entorno
da praça sempre havia um certo congestionamento devido ao fluxo de
pedestres atravessando a rua e carros estacionando. No entanto, poucos
metros depois parei novamente quando o semáforo ficou vermelho e, então,
atentei-me a uma pequena aglomeração que formou em uma parte do
gramado.
Havia várias pessoas ao redor de algo ou alguém que eu não
conseguia identificar, mas senti um peso no coração, algo tão forte, que me
fez descer do carro sem sequer estacioná-lo. Júlio me olhou preocupado
quando fiz um sinal avisando que iria até a praça e gritei que a chave estava
na ignição. Caminhei a passos largos, não peguei a bolsa e nem o celular,
tinha uma urgência em chegar logo onde aquelas pessoas estavam
aglomeradas, embora não fizesse ideia do que poderia ter acontecido.
Assim que as alcancei, pedi licença e abri passagem, logo avistei a
senhora que usava roupas brancas e tinha o cabelo preso em um coque baixo
tentando consolar a menininha que chorava copiosamente. Quando,
finalmente, consegui me aproximar, vi que a testinha da pequena tinha um
rastro de sangue, pequeno, mas preocupante para a idade dela.
— O que aconteceu? — Cheguei tão afoita que os curiosos não
ousaram me deter, mesmo que eu pegasse o melhor lugar no circo que
armaram.
Um espetáculo, foi o que fizeram ao redor da menina machucada e
da babá desesperada, ninguém se movia para tentar efetivamente ajudar.
Lembrando que palpite não é ajuda.
— Ela caiu de um brinquedo, virei-me um segundo para pegar a
garrafinha de água. — Antes de me responder a mulher olhou-me
desconfiada, mas, depois de alguns segundos, pareceu à vontade.
— Está tudo bem, Nina. A tia Clara vai te levar em um lugar que vão
cuidar desse machucadinho.
Arrumei alguns fios de cabelo que grudaram na testa, levemente
úmida pelo suor, e enxuguei as lágrimas que escorriam pelo rostinho.
Lamentei ter descido sem a minha bolsa, lá tinha lencinhos que poderiam
limpar o sangue da testa. O choro foi cedendo e ela deixou que eu a
abraçasse, a babá assistia a tudo com um olhar preocupado e confuso, já a
pequena multidão que estava ao redor, foi se dissipando aos poucos, até que
já não tinha mais ninguém ao nosso redor.
— Acho melhor ligar para o seu Paulo — a mulher que eu não sabia
o nome chamou minha atenção. Ainda estava com Nina em meus braços e
ela parecia mais calma, embora ainda tocasse com os dedinhos o
machucado.
— Ligue e diga que estamos indo para o Eisntein. Meu nome é Maria
Clara, vocês vão comigo e ele nos encontra lá. Mas, antes, tem alguma coisa
que eu possa limpar? — Apontei para a testinha e a mulher, meio
desnorteada, entregou-me uma toalhinha, que tirou de uma pequena mochila
infantil.
No minuto seguinte, ela retornou, Nina já estava no meu colo e
tomava água, disse que o pai da garotinha autorizou a nossa ida ao hospital e
ri internamente, igualmente, agitei-me por completo, ele devia estar me
achando uma louca e eu estava mesmo fazendo aquilo, cuidando da sua
filha.
— Não tenho cadeirinha, vá com ela no banco de trás — a babá não
contestou, Júlio foi até lá ver se eu precisava de algo e, depois de negar e
agradecê-lo, dei a partida no carro.
— Já vi foto sua no apartamento do seu Paulo. Logo te reconheci,
por isso deixei que pegasse Nina — disse depois de alguns minutos de
silêncio, o único ruído era a voz do GPS.
Meu coração apertou-se, ele não tirou as nossas fotos da estante?
Contive um suspiro e a olhei pelo retrovisor.
— E eu já te vi com ela... Mas não sei o seu nome. — Escondi a
parte que costumava ir até aquela praça desde o dia que passei ali por acaso
e vi a babá e Nina chegando. Era algo que não conseguia controlar, sempre
dava um jeito de ver a pequena, mesmo que de longe.
— Dalva — informou, demonstrando certo desconforto, talvez por
nunca termos nos falado, pelo deslize com Nina ou as duas coisas juntas.
— Ela caiu de um brinquedo alto? — perguntei.
— Não... E era um que sempre brincava. Mas havia algo na grama
que a machucou.
— Acontece. Mas criança é imprevisível, a atenção não pode ser
desviada um segundo sequer.
Incomodou-me ver a pequena com machucado e dor, embora não
tivesse qualquer autoridade para repreender a mulher.
Chegamos ao hospital e Dalva desceu com Nina grudada em seu
pescoço, passamos pela triagem e logo a garotinha foi levada para um
ambulatório, em razão da queda e da pouca idade, seria observada de perto
por um pediatra do plantão e enfermeiros.
— Nina Diniz? — uma médica chamou poucos minutos depois de
chegarmos à sala. Fiquei de pé e ela cumprimentou-me. — O que aconteceu,
mãe?
Engoli em seco, mas não tínhamos tempo para explicações que não
fariam qualquer diferença no tratamento que Nina merecia.
Narrei o que Dalva havia me dito e dei espaço para que ela
complementasse com todos os detalhes possíveis, no meio do caminho fiquei
constrangida, pois, obviamente, não sabia responder questões básicas da
rotina da pequena, o que deixou a médica desconfiada.
— O pedido de radiografia — estendeu-me algumas folhas de papel,
depois de examiná-la —, será feita aqui mesmo no hospital e irei avaliar as
imagens. Também farei uma sutura leve, o corte não foi profundo.
O machucado já havia sido higienizado por uma enfermeira e Nina
estava tranquila em meu colo. Não sei o que deu na menininha, mas, mesmo
só tendo me visto uma vez, não se incomodou com os meus cuidados e
carinho.
Recebemos as orientações sobre como seria realizado o exame de
imagem, um enfermeiro chegou para nos levar até o setor responsável, Nina
iniciou um choro sentido quando o profissional tentou pegá-la do meu colo
e, foi neste momento, que ele chegou.
Usava calça preta, blusa da Polícia Federal, também na cor preta,
bota e jaqueta de couro. O óculos de sol estava apoiado na gola da camisa.
Seu ar perigoso e intenso roubou-me o ar.
Minhas pernas bambearam quando seu olhar profundo cravou em
mim, a menininha que estava chorosa abriu um sorrisinho e estendeu os
braços em sua direção, sendo prontamente acolhida pelo pai, não sabia mais
o que fazer ali e sentia-me acuada e perdida diante da sua presença marcante.
— Oi, princesinha. — Beijou o rostinho, de soslaio olhou-me e logo
focou no machucado na testa dela. Ao meu lado, Dalva demonstrava estar
aflita.
— Caiu — Nina contou e ganhou outro beijo do pai.
— O neném caiu... Tá doendo?
— Precisamos ir para o exame... — O enfermeiro interrompeu o
momento mais do que fofo de pai e filha e fez meu coração galopar no peito.
Paulo assentiu e seguimos pelo corredor.
— Tudo bem? — perguntou-me, sua voz potente fez com que a
minha sumisse e respondi com um aceno ridículo de cabeça. Que estúpida!
— E você, Dalva? — Depois de me dar um sorrisinho irônico, indagou à
babá.
— Me desculpe, seu Paulo, só fui pegar uma água para ela —
respondeu, nervosa, e com os olhos marejados.
— Fique calma, depois conversamos sobre isso.
Eu tinha que ir embora, já havia sido invasiva o suficiente. Paulo não
me repeliu, ao contrário, lançou um olhar quente em minha direção, logo ia
querer saber como foi que cheguei até Nina e Dalva.
Ele me conhecia bem demais, bastou uma leve diminuída no ritmo
dos passos pelo corredor, para virar em minha direção e desencorajar-me a
sair dali.
Obediente, continuei seguindo-os.
Nos minutos seguintes, foi realizada a radiografia, depois retornamos
à área dos consultórios onde aguardaríamos a médica que analisaria as
imagens. Nesse meio tempo, Nina sentiu fome e ofereci-me para ir comprar
algo, mas Dalva foi mais rápida e sumiu das nossas vistas. A coitada devia
estar ansiosa para respirar longe do chefe ou só queria mesmo nos deixar a
sós.
— Estou curioso — disse, quando nos sentamos em um sofá da sala
de espera. Seu cheiro delicioso fazia-me raciocinar lento, puxei o ar e tentei
resumir o ocorrido, escondendo, obviamente, as partes que me entregavam.
— Foi uma enorme e boa coincidência, estava passando pela praça
quando vi que precisavam de ajuda.
— Sei. — Ele riu, por Deus, aquele homem riu da minha cara, sem
disfarçar que não acreditava em mim.
— Já vou indo. Espero que ela fique bem. — Rapidamente, fiquei de
pé, já com a bolsa pendurada no ombro, no mesmo instante, Nina que estava
confortavelmente acomodada no colo do pai, fez um beicinho de choro e
estendeu os bracinhos para mim.
Sem saber como reagir e totalmente surpresa, olhei para Paulo e ele
deu de ombros.
— É com você.
Boquiaberta, peguei Nina no colo e voltei a me sentar ao lado do seu
pai. Toda aquela situação era estranha de várias formas e eu já não sabia nem
o que pensar.
Capítulo 30
Paulo
Por mais inusitada que tenha sido a chegada da minha filha em minha vida,
abracei a paternidade com tudo de mim.
Não sabia dizer se na vida senti emoção semelhante à de descobrir
que era pai de uma linda garotinha. Até o momento em que me deparei com
Nina e Maria Clara juntas, minha ex-mulher carregando a pequena no colo.
Estava na delegacia quando Dalva telefonou, saí apressado e fui
interpelado por Lui, que estava no corredor a caminho da minha sala.
— Está tudo bem? — perguntou e parei para falar com ele. Tinha o
telefone em mãos, atento se haveria uma nova chamada ou notícia.
— Não sei se volto, Nina caiu na pracinha e está sendo levada para
o hospital — contei, rapidamente, voltando a caminhar para fora.
— Precisa de alguma coisa? Como a Nina está? — Ele me
acompanhou e me fez parar próximo da recepção. — Posso ir com você em
uma viatura, vai chegar mais rápido.
Era uma boa opção, não sabia da gravidade da queda, embora a
babá tivesse deixado claro que ela estava bem, mas era a primeira vez que a
pequena se machucava depois de ir morar comigo e eu estava bastante
preocupado.
— Vou aceitar... — Saiu para buscar a chave e fui para o
estacionamento, logo estava de volta.
— Para qual hospital?
— Einstein. — Ele deu a partida e virei em sua direção. — A
propósito, sua irmã estava assistindo a minha filha de longe.
Lui deu uma risada, tinha o raciocínio acelerado, já imaginava o
que teria ocorrido.
— Não me diga que foi ela quem levou Nina para o hospital?
— A própria. — Soltei um suspiro e ele riu novamente;
— Logo agora que me livrei de ser seu cunhado.
Era bom ter meu amigo de volta, pouco tempo após Maria Clara ter
colocado um ponto final no nosso relacionamento, ele procurou-me e, depois
de conversarmos, nos acertamos.
Tive menos tempo do que gostaria para apreciar a cena, pois
precisava saber logo o que ocorreu com a minha filha. Um enfermeiro
parecia tentar pegá-la do colo da Maria Clara e quando me viu a pequena
estendeu-me os bracinhos.
Ela tentou fugir e foi Nina quem a fez ficar.
Pouco mais de uma hora depois da minha chegada, fomos liberados e
a minha filha tinha uma pequena sutura na testa. Estava adormecida quando
saímos do hospital, Lui ainda me aguardava no estacionamento e recebeu a
irmã com um longo abraço.
— Como está essa princesinha? — perguntou, ainda com o braço ao
redor da irmã, depois de fazer um carinho na cabecinha da Nina.
— Foi um susto, mas está bem. — Clara respondeu e virou-se para
mim. — Vou indo, se precisar de algo, me fala.
— Está de carro? — Lui perguntou e ela confirmou com um aceno
de cabeça.
— Vem cá. — Antes que fosse embora, entreguei Nina para a babá,
que se acomodou na viatura e puxei-a para alguns metros longe dos demais.
— Obrigado por ter cuidado dela, por ter estado lá, tomei um susto quando
Dalva me ligou, mas fiquei totalmente seguro quando ela disse que você
estava junto.
Fui sincero em cada palavra. Ela não fazia ideia do alívio que senti
por saber que estava coma minha filha, além da alegria que tomou conta de
mim.
— Nem precisa agradecer, foi um prazer.
Trocamos um longo olhar, os dois sem saber o que fazer com as
mãos, não sabíamos nos comportar de forma amistosa um com o outro.
Sempre fomos do toque, do beijo, da intensidade.
— Falo com você depois? — questionei, por não saber mais o que
dizer. Já estava certo de que não insistiria qualquer relação com Clara, não
gostava, mas sabia perder.
— Sim... claro. — respondeu com firmeza e uma fagulha acendeu
dentro de mim. Pois é, o amor sabe ser contraditório e desconcertante.
Partiu dela a iniciativa de um abraço, que prolonguei, segurando-a
em meus braços. Seu cheiro impregnou em mim e beijei de leve seu
pescoço.
Que saudade eu sentia dela.
No caminho para casa, precisei mandar Lui calar a boca uma dezena
de vezes, agora que o idiota sabia dos meus sentimentos pela sua irmã,
adorava esfregar na minha cara o fora que tomei dela. E eu nem podia jogar
baixo e fazer alguma piadinha sobre nós, pois de jeito nenhum a exporia.
∞∞∞
No domingo, estava de folga e programei-me para almoçar na casa
dos meus pais, mais tarde levaria Nina ao parquinho que ficava dentro de um
shopping.
Depois que tomamos o café da manhã, Dalva deu o banho nela,
organizei a sala, que estava com vários brinquedos espalhados e, por fim, fui
me arrumar.
Cheguei à porta do seu quarto e estava sentadinha na cama, enquanto
sua babá arrumava o cabelinho, pendendo uma mecha com um laço.
— Que princesa mais demorada — ela deu uma risada gostosa só por
ouvir a minha voz e fez meu coração aquecer.
Fazia tão pouco tempo que tinha uma filha em minha vida e a amava
profundamente, o que, na verdade, ocorreu desde o primeiro instante.
Meu celular vibrou no bolso da calça e quando o peguei, surpreendi-
me. Havia entendido, em nossa despedida no dia anterior, que ainda teríamos
outra conversa, mas confesso que não imaginava que seria tão rápido. Talvez
eu andasse muito desesperançoso.
— Clara? — atendi a chamada, indo para a sala.
— Oi, Paulo. — Aquela voz... Nós dois fizemos uma pausa. — Eu...
Será que posso ir à sua casa hoje? — Novamente, fiquei surpreso.
— Sempre, Clara. Sempre.
— Então... Posso subir? — Ela era inacreditável.
— Já está aqui na porta? — perguntei com um sorriso nos lábios e
apenas para ter certeza de que havia entendido certo.
— Acho que sim — respondeu, tímida.
— Vem logo!
Fui para o hall do apartamento e abri a porta, não demorou e ela saiu
do elevador. Estava linda, tímida, com um olhar quente e, ao mesmo tempo,
inseguro.
Assim que se aproximou, puxei-a para um abraço e beijei sua testa. A
falta que sentia dela consumia-me por dentro e exigiu-me um esforço sobre-
humano deixá-la viver a própria vida longe de mim, mas, agora, ela estava
ali e veio por sua conta.
— Desculpa aparecer assim — pediu, baixinho, e apertei-a ainda
mais em meus braços.
— Não há o que desculpar...
— Como a Nina está?
— Muito bem... — soltei-a e puxei-a para a sala, logo ela viu minha
filha, que chegou à sala no colo da Dalva.
A pequena agitou-se e Maria Clara estendeu os braços para pegá-la.
Meu coração apertou-se, como que a pequena podia reagir dessa forma a
ela? Tirando ontem, só se viram uma vez, quando Clara veio até o meu
apartamento terminar o nosso namoro.
— Oi, princesinha... — Ela beijou o rostinho e ganhou um cheio de
baba, que a fez rir. — Trouxe um presente para você! — Estendeu uma
sacola para Nina, que pegou, e deu outro sorrisinho.
— Filha, como que agradece? — Incentivei a pequena, que fez uma
pausa como se tentasse lembrar.
— Bigado.
Rimos juntos, Nina era uma pequena fofura.
— Vocês estavam de saída, não é? — perguntou, olhando para nós
dois, que estávamos arrumados.
— Almoça com a gente? — Não neguei a sua indagação e fiz o
convite. —Podemos ir a um restaurante... Depois conversamos.
Ela assentiu e fui até o quarto ligar para a minha mãe e desmarcar o
almoço, em outro momento, levaria Nina para vê-la.
Fomos a um restaurante no shopping, não consegui descontrair, pois,
em todo o tempo os meus sentidos estiveram atentos ás interações de Clara e
Nina. E eu conhecia aquela mulher, não era nada forjado, estava ali de
coração aberto em cada brincadeira, carinho ou cuidado com a minha filha.
Não sabia bem o que ela pretendia ou como seria a nossa conversa,
mas era real que algo grande nascia dentro dela, mesmo que ainda não
tivesse se dado conta.
Quando voltamos para casa, a pequena estava adormecida, tirei o
sapatinho e coloquei-a em sua cama, Dalva ficou no quarto com ela.
Maria Clara estava na varanda, tinha os cotovelos apoiados no
parapeito, de longe admirei a cena e lembrei-me das muitas vezes em que
esteve ali me esperando, enquanto eu atendia alguma ligação do trabalho ou
buscava uma taça de vinho para nós dois.
— Aceita tomar algo — ofereci e ela virou-se para mim.
— Obrigada, estou bem. — Depois de um riso tímido, soltou um
suspiro e, então, aproximei-me mais, parando ao seu lado. — Precisava vir
aqui, mas sequer sei como explicar a confusão interna que estou —
confessou e encaramo-nos.
— Tente.
— Você é esperto, sabe que ontem não caí de paraquedas na praça.
— Não contive o riso. Nem por um segundo pensei que tivesse sido por
acaso. — Uma vez passei por ali e vi Nina chegando com a Dalva e, desde
então, sempre que dava, ia lá observá-la, nunca desci do carro, mantinha a
distância e depois ia embora. — Por mais que não tivesse totalmente
surpreso, ouvir da sua boca tinha um sabor diferente. Ela fechou os olhos e
demorou um longo minuto para me olhar novamente. — Não sei o que
fazer, Paulo.
— Tive medo quando a mãe dela me contou que eu era pai. E o medo
triplicou no segundo seguinte, quando me disse que me entregaria Nina.
— Não estive ao seu lado para dividir a novidade, ser um apoio... —
interrompeu-me, mas com um gesto pedi que me deixasse continuar.
— No mesmo instante, perguntei-me o que você pensaria a respeito.
Não cogitava que fosse embora, mas te conheço bem e também não esperava
que, de imediato, fosse se tornar a melhor madrasta do mundo, ainda que
tenha imaginado que teria tempo para nos adequarmos.
— Ficar longe de você está insuportável.
— O que veio fazer aqui? — indaguei, o nosso tempo de idas e
vindas já havia acabado. Encarou-me com o olhar perdido e balancei a
cabeça. — Não consegue dizer? — Continuou em silêncio, mas, agora, o seu
olhar era quente e ansioso. Quase colei os nossos corpos e segurei o seu
queixo, erguendo-o. — Veio me dizer que quer voltar e que me ama demais
para ficar longe. Porque não tenta?
Maria Clara revirou os olhos, mas não negou. Sua pele quente
queimava no contato com a minha. Será que algum dia meu corpo e coração
deixariam de ser tão dependentes dela?
— Arrogante! — Umedeceu os lábios e todo o meu corpo reagiu em
resposta. —Quero voltar e te amo demais para ficar longe.
Enfiei a mão na base do seu cabelo e prensei seu corpo contra o
parapeito, tomei sua boca, beijando-a com tudo de mim. Seu gosto não saiu
da minha memória nem por um segundo, mas, antes, era uma memória e
senti-lo novamente era como ter a vida retomando ao meu corpo.
O poder do amor que sentia por Maria Clara e o poder que ela tinha
sobre mim, certamente, não poderia ser descrito nem pelo mais talentoso
escritor. Era forte e eterno; vivo e transcendental; único e possível.
Nossas línguas seguiram, digladiando-se, os dois querendo mais
como se dependesse daquele beijo para continuar vivo.
Ela pendurou-se em meu pescoço, com as unhas acariciava a minha
pele, já não tínhamos fôlego, mas não nos soltávamos, ao contrário,
prolongávamos ainda mais nosso contato.
Segurei-a pela nuca e desgrudei as nossas bocas, o suficiente para
que, se afastasse e olhasse em meus olhos.
— Você está voltando e é para ficar. — Entendia todas as suas
inseguranças, mas doeu para um diabo a nossa distância e precisava de ter
alguma certeza.
Antes que ela respondesse, uma voz fina e gostosa chamou-me,
fazendo com que nós dois nos virássemos para dentro da sala.
— Papai! — Nina vinha correndo em minha direção e Clara e eu
trocamos um olhar, sorrindo para o outro, depois nos abaixamos para receber
a pequena nos braços.
— Eu vou ficar, agora seremos nós três! — declarou em meu ouvido.
Capítulo 31
Maria Clara
— O que acha dessa calça aqui? — Mostrei para Nina uma peça de
veludo azul clarinha, que usaria com um casaco da mesma cor, apenas um
tom mais escuro. Paulo havia me adiantado que a garotinha preferia os
vestidos e pude comprovar com os meus próprios olhos a pequena torcendo
o nariz. Adiantei-me em animá-la, estava frio, o melhor seria usar calça. —
Ah, vai ficar ainda mais linda com ela! E vamos combinar com esse laço.
— Laço — estava na fase de formar pequenas frases, mas o que mais
fazia era repetir o que escutava. Deu um sorriso para o acessório, era um dos
que mais gostava e foi assim que a distraí para vestir o que achava mais
adequado.
— Você gosta, não é? Pronto, ficou perfeita! — Ela estava sentada
entre as minhas pernas, nós duas na cama auxiliar do seu quarto, finalizei o
penteado do cabelo e beijei o seu rostinho, depois de lhe entregar um espelho
pequeno para lhe mostrar como havia ficado.
— Brincando de boneca? — Virei-me para a porta e lá estava ele,
lindo demais usando calça de moletom, blusa branca e uma carinha de
recém-acordado. Agora que tínhamos a Nina em casa, Paulo não andava
mais sem camisa, só escapava quando estávamos sozinhos e ela dormindo.
— Mostra para o papai como você está uma princesa? — incentivei e
a pequena correu para ele, que a pegou no colo.
— Incesa. — repetiu.
Enquanto ela se mostrava para o pai, organizei rapidamente o quarto
e separei suas coisas que levaríamos para o passeio de logo mais.
— O café está pronto, vamos? — Paulo chamou, ainda com Nina no
colo, e fomos todos para a cozinha. — Essa pequena aqui também ama ovos
mexidos, igual você.
— Ela tem bom gosto!
Era mais um sábado em família: tomar café da manhã juntos, sair
para passear, normalmente, almoçávamos em casa, e depois de colocar Nina
na soneca da tarde, meu namorado e eu aproveitávamos a sós.
Igual foi no início do nosso retorno, estava tudo muito perfeito, mas,
diariamente, afastava todo o receio de algo dar errado. Só não erra quem não
arrisca, devo ter lido essa frase em algum lugar, não importa, valia a lição.
Passamos a manhã no parque do povo, caminhamos juntos,
brincamos com Nina no parquinho e depois sentamos na grama para fazer
um lanche.
— Ela tá cansadinha. — Não era o horário que costumava fazer a
soneca, mas estava quietinha em meu colo e, por duas vezes, vi-a, coçando
os olhinhos. Paulo concordou, teríamos que encurtar o passeio.
— Vai voltar no colo do papai ou no carrinho?
— Colo!
O pai riu, todo vaidoso, parecia ainda não ter se acostumado com o
grude e carinhos que ganhava o tempo todo da filha.
Impressionava como Nina era um bebê carinhoso e doce, eu também
amava as suas demonstrações de afeto.
— Garota esperta! — Catei as nossas coisas e guardei os
brinquedinhos dela na mochilinha.
Caminhamos tranquilamente até o carro, um dia comum, fazendo
atividades comuns e experimentando um amor transcendental ao lado da
minha família.
Sim, minha família.
Quando procurei Paulo e disse que queria voltar, sabia o que
implicava estar novamente em sua vida. Como disse minha mãe, era a
bagagem dele. E eu queria Nina. Queria cuidar, dar amor, dividir as
responsabilidades. Não sabia se daria conta, mas assumi o risco e nunca fui
tão feliz em minha vida como naquele mês.
Aliás, entendi que foi justamente por, em todo tempo ter tido a
consciência de que não seria apenas a “namorada do papai” na vida da
pequena, que me senti vulnerável e precisei me afastar.
— O que as minhas gatinhas querem para o almoço? — Paulo
parecia o tempo todo estrar andando nas nuvens. Dei um sorriso enquanto o
observava prender a filha na cadeirinha.
— Risoto, não é Nina? — brinquei, pois a comidinha dela já estava
pronta, fazíamos questão que fosse sempre saudável e balanceada.
— Soto.
Tinha vontade de apertá-la a cada vez que repetia algo que eu disse e,
claro, fazia-o. Apertei as suas bochechas rosadas e beijei-as, ganhando de
volta várias risadinhas.
— Por que acho que a ensinou? — Acomodei-me no banco da frente
e dei de ombros.
— Você um homem muito inteligente!
Já em casa, seguimos mais uma sequência rotineira que nos
acostumamos: dei banho na Nina, Paulo esquentou seu almoço, enquanto eu
a alimentava ele preparava a nossa refeição.
Era o nosso pequeno paraíso.
∞∞∞
Paulo
Sair para trabalhar beirava a tortura quando tinha que deixar Clara e Nina
em casa, minhas mulheres, os dois amores da minha vida.
O dia foi puxado, precisei atuar em uma operação que tomou a
manhã inteira. Na parte da tarde, fiz uma reunião com toda a equipe que
estava de plantão e tudo o que queria quando chegou o fim do dia, era
encerrar o expediente.
No entanto, ainda tinha um relatório para finalizar e o doutor Chaves
fazia questão de recebê-lo naquele dia, mesmo que fosse tarde da noite.
Já estava há várias horas trancado em minha sala, precisava arejar a
cabeça, peguei um cigarro e saí do prédio, antes de acendê-lo fiz uma
chamada de vídeo com Maria Clara e consegui conversar com ela e Nina.
O vento frio tocou o meu rosto, acendi o cigarro e encostei o corpo
em uma pilastra. Não demorou mais do que dois minutos para perceber uma
presença, aproximando-se e, quando olhei para trás, Daniele já estava ao
meu lado.
— Que dia! Parece que não vai acabar nunca, o trabalho também
não. — Também acendeu um cigarro e concordei com o que disse.
— Final do ano, aproximando-se, a demanda sempre aumenta.
Depois de um dia maçante, eu só queria um pouco de silêncio e
descanso, mas a minha ex-namorada não parecia querer o mesmo, pois
seguiu puxando assunto.
— Sua vida mudou muito nos últimos meses, não é?
— Parece outra vida, inclusive. — Dei um sorriso seco e ela
continuou.
— Quem poderia imaginar? Você praticamente casado, com uma
filha pequena e longe de bagunça e confusão.
Tive que rir, era uma boa descrição, afinal.
— Um sinal de que existe salvação para todos!
— Está feliz?
— Nunca me imaginei dizendo isso, acho extremamente piegas, mas
vamos lá: nunca fui tão feliz na minha vida como agora.
Suponho que Daniele tenha se arrependido da conversa, lançou-me
um olhar quase que magoado, ao me ouvir falar sobre estar feliz. O que ela
esperava? O período do nosso relacionamento foi conturbado e não fez bem
a nenhum dos dois. E ela, até onde eu sabia, havia iniciado um namorico
com um perito da PF.
— Que bom, Paulo!
O silêncio que antes eu queria, instalou-se, trazendo desconforto. Era
melhor voltar para a clausura da minha sala.
— Preciso entrar, tenho um trabalho para entregar ainda hoje e já
estou cansado, sonhando com a minha casa.
Dei uma última tragada e joguei a guimba fora no cinzeiro de chão
que ficava ali perto. Tinha algumas horas para me livrar de qualquer cheiro
do cigarro, do contrário, levaria uma chamada de atenção da minha mulher
que não admitia cheiro forte perto da Nina.
— Eu também. Tenho um chefe bem difícil, sabe? — Tentou
descontrair e dei uma risada.
— Vocês reclamam demais!
∞∞∞
Quando cheguei em casa, Nina já dormia e Maria Clara trabalhava no
quarto que transformei em um escritório, estava concentrada lendo algo no
computador.
— Oi, diabinha! — cumprimentei, parado a porta, e ela então tomou
ciência da minha presença, virando em minha direção com um sorriso.
— Oi! — Saiu da cadeira e meu corpo já ficou em alerta.
Usava uma camisola cor de creme com uma renda delicada pregada
sobre o contorno do busto e que marcava todo o seu corpo. Pendurou-se em
meu pescoço, o cheiro delicioso, que era a mistura da sua pele, do sabonete
que usava e do creme hidratante, inebriou-me, apertei firme em suas nádegas
e a ouvi arfar.
— Senti sua falta! — disse em seu ouvido e mordia pontinha da sua
orelha. A pele estava arrepiada e quente, a voz era rouca de tesão.
— Eu também... Estava ansiosa! — sussurrou entre pequenos
gemidos, em resposta aos beijos que eu dava em seu pescoço.
— É mesmo? — Continuei beijando-a e ela confirmou com um
aceno de cabeça. — E posso saber por quê? — Segurei-a pela nuca e ergui
seu rosto.
Meu membro estava duro e pronto para ela, respirei fundo e repeti
internamente que era gentil ter um pouco de cautela e conquista. Voltei a
beijá-la, só um pouco, abrindo espaço para que respondesse ao meu
questionamento.
— Saudade do meu namorado... — Arranhou a minha nuca, com
delicadeza, e um arrepio tomou-me por inteiro. — Do seu cheiro... Do seu
beijo...
Era o que faltava para quase explodi e mandar para o espaço
qualquer decisão anterior de ter cautela e conquista. Queria um sexo
delicioso com a minha mulher e não pretendia esperar nem mais um minuto.
— Quero você agora — disse firme. Novamente, segurei-a pela
nunca e a safada deu um sorrisinho satisfeito.
— Vamos para o nosso quarto.
Maria Clara conseguiu me surpreender. Sobre a mesinha de cabeceira
que ficava do seu lado na cama havia uma bandeja de prata, sobre ela uma
garrafa de vinho e duas taças de cristal. Ao lado, uma pequena tábua com
frios, frutas secas, castanhas e chocolate. Puxei-a pela cintura e trocamos um
longo olhar.
— Eu te amo. — Proferi cada palavra com calma e sinceridade,
nossos olhares grudados no outro, não me escapou nenhuma reação sua, mas
ela conseguia me surpreender.
— É mesmo? — atrevida, indagou em meu ouvido, imitando o tom
que usei lá na sala.
Prendi o seu cabelo na mão e a dominei, todo o meu corpo a ponto de
explodir, suas pupilas estavam dilatadas e o peito movimentava sob a
camisola de seda. Olhei em seus olhos, Maria Clara, assim como eu, não se
aguentava mais de tanto tesão, e ordenei.
— Vá para a cama, diabinha. Agora!
Capítulo 32
Paulo
∞∞∞
Maria Clara
Trabalhei boa parte do dia nos relatórios de vendas, fiz anotações para a
reunião que teria logo mais com Olívia, as perspectivas eram melhores do
que esperávamos. A Olívia Torres estava voando e sentia-me orgulhosa do
caminho que a marca trilhava.
Havíamos acabado de aumentar a equipe, certamente teríamos que
acrescentar mais uma pessoa para cuidar do trabalho pós-venda, que
envolvia, por exemplo, separação da mercadoria, financeiro e envio.
— Olha o que acabei de receber. — Minha cunhada surgiu ao meu
lado com o telefone em mãos e estendeu-me o aparelho.
Estava aberto em uma selfie do meu irmão, Paulo e Nina, tirada na
sala lá de casa.
— Ah, que lindos! — Sorri feito uma boba para o registro.
Meu namorado havia avisado que iriar almoçar em casa e convidou
Lui, que não perdia uma oportunidade de ver a sobrinha.
— Seu irmão está apaixonado pela Nina, não tem um dia que ele não
fale sobre ela. Fora os vídeos que Paulo manda e ele assiste várias vezes ao
dia.
Os dois eram muito babões pela pequena, o que era lindo de se ver.
— Ela é mesmo apaixonante.
— Tem trabalhado demais, Clara. — Olívia puxou uma cadeira e
sentou ao meu lado. — Quase não conseguimos conversar.
— É mesmo chefe? — brinquei.
A verdade era que vinha e segurava as pontas na empresa, Olívia
ainda ficava muito indisposta com a gestação e eu quase sempre a
incentivava a ficar em casa. E, mesmo que trabalhasse a distância, o ritmo
era outro.
— Chata... Como está sendo para você?
— Uma delícia. Não imaginava que a minha vida poderia mudar
tanto e simplesmente não me imagino sem Paulo e Nina.
Ela me encarava, com o olhar amoroso de sempre e soltei um
suspiro.
— Mas?
— Faz alguns dias que ela me chamou de mãe.
E eu quase tive um treco.
Fomos ao aniversário de um amigo do Paulo, recepção pequena em
sua casa, Nina brincou com o filho dele, que tem idade próxima a dela,
assim que chegamos em casa, ela chamou-me de mãe.
Foi surreal demais. Paulo disse-a que ia buscar na cozinha a
mamadeira para que tomasse o leite da noite e ela rebateu dizendo: “a
mamãe me dá”.
Por um longo instante ficamos sem reação, eu muda e Paulo,
observando-me, Nina reclamou da demora e soltou um “anda, mamãe”.
— Que fofa!
Sim, foi uma explosão de fofura, até porque depois desse dia, não
parou mais. E a cada frase ela parecia conseguir encaixar um mamãe,
fazendo-me surtar de amor e alegria em todas as oportunidades.
— Mas eu não sou a mãe dela, Oli. Isabela, inclusive, pode aparecer
a qualquer momento.
— Até onde sei, Paulo tratou de neutralizá-la, juridicamente falando.
E, quanto a bebê, tem certeza de que não é mãe dela? Também sei que você
cuida de tudo relacionando a Nina.
Meus olhos marejaram. Há dias vivia um dilema interno. Amava
Nina, cuidava dela, sabia do espaço que ocupava em sua vida, mas tinha uma
insegurança enorme em relação a sua mãe. Não sabia como lidar caso
Isabela a quisesse de volta.
— Sim, eu cuido.
— Então, fica em paz. Ela te reconhece como mãe porque é esse o
papel que você exerce na vida dela, não é apenas um título.
— Obrigada? — Pigarreei e ela riu de mim. Agora tinha lágrimas
escorrendo pelo meu rosto.
— Uma boa forma de agradecer é dando-me excelentes notícias
quanto ao financeiro... Tenho duas filhas para montar o guarda-roupa.
— Está muito melhor do que imaginávamos.
— Cheguei, divas maravilhosas! — Antes que começássemos a tratar
do trabalho, Du que vinha da rua, entrou no escritório, carregando uma caixa
de uma confeitaria. — E olha o que eu trouxe?
— Hum! — Delirei com os bombons e peguei um de morango. —
Você é um tesouro! E um perigo também!
— Não pensem que é de graça... — Depois de nos servir, deixou a
caixa sobre a minha mesa e puxou uma cadeira, sentando ao nosso lado. —
Preciso da companhia de vocês hoje.
— À noite? — Olívia perguntou.
— Sim. Vamos a um restaurante.
— E por que acho que a comida não é o motivo principal? —
Indaguei e ele riu, sem esconder que eu estava certa.
— O chef é o motivo! Seremos convidados de honra, vamos
experimentar o menu degustação e ainda conhecer a cozinha — respondeu,
solene, e, então, apontou para Olívia. — Você não pode, mas Clara e eu
tomaremos champanhe enquanto nós três seremos servidos por uma amostra
de tentação em carne e osso.
— Uau! Não vejo como recusar! — Peguei outro bombom e tratei de
fazer os dois levantarem, precisava finalizar o relatório. — Mas, antes, irei
passar em casa, vejo vocês lá!
— Esse amor incontrolável pelo delegado bonitão — Du cantarolou,
fazendo-nos rir.
— Bobo. Paulo está de plantão hoje, vou em casa colocar Nina para
dormir.
Capítulo 33
Maria Clara
∞∞∞
Paulo
Saí da delegacia e segui para casa, Clara esperava-me para o jantar que
teríamos logo mais. Quando cheguei, ela e Nina estavam prontas. Minha
filha passaria a noite com os meus sogros.
Heitor e Lêda estavam radiantes com todas as netas reunidas, Olívia
havia ido dormir lá com Alice e Aurora, as filhas gêmeas, pois Lui estava de
plantão.
Depois de conversarmos um pouco com eles e termos certeza de que
Nina estava bem, fomos embora.
Era engraçada toda a logística que demandava uma programação sem
levarmos a nossa filha, principalmente quando Dalva estava de folga, como
naquele dia.
— Está feliz? — Minha mão estava em sua perna, exposta pelo
vestido que subiu um pouco ao sentar no banco do carro.
Já estava louco por ela, ansioso por uma noite em que nada mais
importaria do que nós dois juntos. Respirei fundo, teria calma para que Clara
desfrutasse igualmente de cada segundo.
— Sim! — respondeu com um sorriso no rosto e, então, mordeu o
lábio inferior. — Ela vai ficar bem, não é?
Era incrível como se dedicava a minha filha, que também era dela, e
adequou toda a sua vida para oferecer o seu melhor a Nina.
Se ela fosse apenas amorosa com a pequena, eu já estaria satisfeito,
não planejei que Clara assumisse as responsabilidades com ela. Mas a minha
mulher surpreendeu muito, não só a mim, mas a todos que estavam ao nosso
redor, tornando-se uma mãe maravilhosa e dedicada para Nina.
— Ela sempre fica, amor!
— Sim... Ela sempre fica!
Soltou um suspiro, pesaroso, beijei a sua boca sem deixar de sorrir.
Era um puta cara sortudo em ter aquela mulher ao meu lado.
Chegamos ao Palácio Tangará, onde passaríamos a noite e
encaminhamo-nos para o Tangará Jean-Georges, restaurante em que fiz a
reserva para jantarmos. Maria Clara era refinada e, mesmo que se divertisse
em nossos momentos comuns em casa, gostava de frequentar lugares
renomados, com boa comida e bebida. Então, ali estávamos, em um hotel
cinco estrelas e restaurante com estrela Michelin.
Experimentamos o menu degustação de seis tempos, uma
surpreendente experiência gastronômica, a comida era realmente muito boa e
o cardápio bem pensado, mas, claro, toda a minha expectativa estava
concentrada em mais tarde, quando estaríamos na suíte.
— Essa é uma das melhores sobremesas que já experimentei —
elogiou o prato denominado Flor de Maracujá — que era uma montagem de
flor de maracujá, praliné de avelã, caramelo — e concordei.
Tomamos mais uma taça do vinho, conversamos com o Chef que foi
até a nossa mesa para saber o que achamos do serviço e, então, estávamos
prontos para subir.
Abracei seu corpo, minhas mãos seguraram-na pelo abdômen,
enquanto esperávamos o elevador.
Não demorou e vibrei por estarmos sozinhos. Parecia um moleque
ansioso.
— Hoje você é só minha! — Sussurrei em seu ouvido, depois de
lamber atrás da sua orelha.
Como não tínhamos companhia, encostei-a na parede do elevador e
prendi-a na frente do meu corpo. Sua pele arrepiada era o meu gatilho, já
estava duro como uma pedra.
— Mas já sou sua, todos os dias!
Era uma diaba, sem dúvidas. Virou em minha direção e olhou em
meus olhos, estava com tesão e não escondia. Com discrição, levou a mão ao
meu pau e tocou-o sobre a calça de alfaiataria. Contive o gemido e enfiei
uma mão na base do seu cabelo, segurando-a firme.
— Como amante, será minha a noite toda, Maria Clara. E como a
minha mulher, será por toda a vida!
Saímos do elevador e, em poucos segundos, estávamos diante da
suíte. Abri a porta com rapidez, ansioso por dentro, puxei-a pela mão e
abracei-a por trás ao pisarmos no hall, que dava visão para todo o quarto.
Sobre a cama, coberta por lençóis de seda e travesseiros bem
ordenados, havia um balde de prata com uma garrafa de champanhe, ao lado,
duas taças. Mas os seus olhos não estavam sobre a bebida, mas sim, no que
estava escrito com pétalas de rosas vermelhas no lençol.
Casa comigo?
Pedi, em seu ouvido!
Devagar e com os olhos marejados, Maria Clara virou em minha
direção, já havia tirado do bolso da calça um solitário de diamante, e estendi-
lhe a joia.
— Quer casar comigo, amor? — repeti, agora ajoelhado, uma perna
fincada no chão. — Pois eu quero passar o resto da minha vida ao seu lado!
Tinha um sorriso lindo no rosto, mostrou-me a mão, que tremia, tinha
certeza de que os meus olhos brilhavam para ela.
— É tudo o que mais quero! — respondeu, com a voz embargada.
Meu coração agitou-se, finalmente soube o que era o amor
romântico, sem poréns, mas com muitos porquês. Amava Maria Clara de
forma incondicional, amava porque era ela.
— Isso é um sim? — Achei melhor confirmar, já que agora os olhos
antes marejados estavam cobertos por lágrimas.
— Sim, mil vezes, sim!
— Me dê sua mão, senhora Diniz! — Coloquei-lhe o anel e beijei o
seu dedo anelar. — Prometo te fazer uma mulher muito feliz!
— Tenho você em minha vida, já sou muito feliz!
Houve um tempo em que Maria Clara era apenas um segredo, que se
tornou a maior descoberta da minha vida: eu podia amar e amava amá-la.
Epílogo 1
Maria Clara
Abri a porta do meu quarto na casa dos meus pais e respirei o ar fresco
vindo da varanda. Já fazia muitos meses que não o ocupava, mas decidi que
passaria ali a última noite antes da oficialização do meu casamento.
Desde que Paulo e eu retomamos o namoro, alguns meses atrás,
mudei-me para o seu apartamento e fizemos dali o nosso lar, enquanto isso
buscávamos uma cobertura para comprar, em busca de mais espaço e
conforto.
Já havia tomado um longo banho de banheira e usava o robe que
mamãe me deu, de seda na cor branco, com plumas nos punhos e bordado
Sra. Diniz nas costas. Peguei um copo de suco de frutas da bandeja que
estava sobre a mesinha da varanda e dei um gole.
O meu grande dia apenas começava!
Saboreava o café da manhã e pensava em como a minha vida havia
mudado. Foi um enorme acerto a decisão de encarar os desafios que
surgiram. Imagina se tivesse continuado a fugir por achar que não estava
pronta para ter um namorado com filho?
Hoje, não teria a Nina. Não teria o homem da minha vida e que me
amava. E, provavelmente, não seria uma mulher tão feliz e completa.
Um toque na porta e ela foi aberta, mamãe surgiu sorridente.
— Como está a noivinha? — Beijou o topo da minha cabeça e puxou
a outra cadeira, sentando-se à mesa comigo.
— Um pouco nervosa?
— Não fique, estará tudo lindo e do jeito que planejou. E, mesmo se
não estiver, já é um dia especial apenas por ser o seu casamento.
Trocamos um olhar afetuoso e cheio de significados. Mamãe era a
minha amiga da vida, sempre trocamos confidências e compartilhamos
muitos momentos juntas. Mas, apesar da amizade que tínhamos, nunca
deixou de ser mãe e exercer o seu papel.
— Estou muito feliz! — contei e servi-a uma xícara de café.
— Eu sei! E fico tranquila por isso.
— Tenho quanto tempo até o meu quarto ser invadido? — perguntei,
entre risos.
Ao longo do dia, seria uma maratona de cabeleireiro, maquiador,
massagista e, claro, minhas amigas e cunhadas.
— Exigi que aguardassem o seu café da manhã — Deu-me um
sorriso. Claro que ela tomaria conta de tudo, com mamãe ao meu lado eu
tinha essa tranquilidade.
— Café que já estou acabando. — Talvez estivesse um pouco
ansiosa.
— Você já é muito feliz e realizada, Clara. Tem uma família linda. É
só seguir adiante com os vários acertos que você e Paulo têm conseguindo
juntos.
— Obrigada, mamãe! — Peguei suas mãos sobre a mesa e envolvi-as
entre as minhas, os nossos olhos marejados.
— Sempre estarei aqui... Para te dar colo, puxar orelha, dar conselhos
e, claro, mimar muito aquela neta linda que me deu!
Falando em minha filha, como ela estaria? Minha cunhada e sogra
pediram para ficarem com ela, também passariam uma parte do dia com o
Paulo, e, fiquei sem graça em negar, pois estavam sempre nos ajudando com
os cuidando com a Nina.
Distraí-me um pouco com dona Lêda, da varanda observávamos a
estrutura da cerimônia e festa sendo montada no jardim de casa. Há poucas
semanas, também celebramos ali, no mesmo lugar, o aniversário de dois
anos da Nina.
A Maria Clara de anos atrás planejou um casamento suntuoso, com
cerimônia em alguma igreja famosa e festa para pelo menos mil pessoas em
algum hotel cinco estrelas da cidade. Aposto que os meus pais também
sonharam com o mesmo para mim. No entanto, minha vida estava mudando.
E decidi pelo o que traz conforto e afeto para a minha pequena família. Um
casamento noturno e com centenas de convidados, além de rigoroso
cerimonial, não seria nem um pouco confortável para nós que temos uma
bebê de dois anos.
Soltei um suspiro e sorri, satisfeita. Estava fazendo tudo do jeito que
nos agradava e ficava a nossa cara.
Minutos depois a porta foi aberta, sem qualquer sutileza ou pedido de
licença, Flora e Mila chegaram sem fazer cerimônia e com muita animação.
— Viemos trazer um pouco de barulho, aqui está tudo quieto e
elegante demais — Mila abraçou-me forte e beijou o meu rosto. As duas
levaram para o closet os seus vestidos que estavam embalados em sacos
próprios e uma pequena mala.
— Trouxemos champanhe! — Flora mostrou a garrafa e Soninha
surgiu logo atrás com um balde de prata, gelo e taças.
— Acabei de tomar o café da manhã — contei, rindo, mas não
neguei a bebida.
— Oi, dona Lêda, uma taça para a senhora. — Mila ignorou-me e
abraçou minha mãe, que também não negou o champanhe.
— Obrigada, querida.
Tive um tempo para descontrair, rir com as meninas e fazer registros
com a fotógrafa, até chegar a equipe do cabelereiro e maquiador.
Minha pele havia sido preparada e o cabelo estava preso em bobes
quando meu telefone tocou, era a minha cunhada. Atendi, ansiosa, e dei um
suspiro quase aliviado ao iniciar a conversa.
— O motorista vai buscá-la, Bru! — A pequena estava me chamando
e a melhor coisa para nós duas seríamos passar aquele dia juntas. — Nina
quer a mamãe! — Anunciei às mulheres em meu quarto.
Continuamos os preparativos e, pouco tempo depois, Soninha surgiu
novamente, agora carregando a minha filha nos braços. Assim que me viu,
ela agitou-se e pediu para ser colocada no chão.
— A mamãe! — Apontando para mim, correu em minha direção,
meio cambaleante, em seus passinhos incertos de bebê.
— Vem, princesinha! — peguei-a no colo e beijei seu rostinho,
apertando-a em meus braços.
— Eu cholei — contou, aninhada em mim e meu coração apertou.
Minha filha só tinha dois anos, ainda teriam muitos choros pela
frente e, evidentemente, a maioria seria necessária para o seu crescimento,
mas quem disse que eu conseguia me acostumar? Não mesmo, sofria junto
em todos eles.
— Agora está aqui com a mamãe. E vai ficar toda linda para entrar
no casamento. — Encostei minha testa na sua e as duas mãozinhas tocaram
nas laterais do meu rosto.
— Vou, toda linda! — repetiu, arrancando risos de todos que estava
no quarto.
— Isso, mocinha.
∞∞∞
Parei de frente ao espelho, Nina que brincava distraída com uma
bonequinha, percebeu e foi para perto de mim, ficando em minha frente.
Escolhi um vestido modelo tomara que caia, com bordados feitos à mão no
decote dos seios, saia esvoaçante que deu leveza e sofisticação, arrematado
por um laço nas costas na altura da cintura. Achei que combinou
perfeitamente com a cerimônia no meio da tarde. Para o cabelo, preferi um
penteado meio preso, adornado com duas fivelas de ouro, incrustadas com
brilhantes e diamantes, e cachos leves e soltos.
Sorrimos uma para a outra, olhando-nos pelo reflexo do objeto.
Soltei um suspiro, a porta abriu-se e papai entrou. Seu Heitor era o
homem mais elegante que já conheci, tinha a sensação de que foi feito para
vestir ternos, pois sempre lhe caíam bem.
Segurou em minha mão e beijou-a, depois fez o mesmo gesto com a
neta, arrancando risadinhas dela.
— Está pronta?
— Sim.
— Eu também, vovô. — A pequena logo o segurou pela perna, que a
ergueu no colo.
— Estão lindas! — Elogiou, beijou o rostinho dela e depois o meu.
— Sempre estarei aqui, filha. Por vocês duas!
Eu sabia que sim, desde sempre Heitor Brandão foi a fortaleza e o
protetor da nossa família, sendo incansável em cuidar de nós.
Descemos as escadas de casa, papai ajudando-me e mamãe, que
apareceu no quarto para nos chamar, estava a frente com Nina. Chegávamos
na metade dos degraus quando os meus irmãos, que conversavam em um
canto da sala, na companhia das minhas cunhadas, foram nos recepcionar.
— Você vai mesmo casar. — Lui puxou-me para um abraço, tinha a
voz embargada e eu sempre achava muita graça quando o via emocionado. A
última vez que esteve assim foi com o nascimento das minhas sobrinhas,
Alice e Aurora, poucos meses atrás.
— Teoricamente, ela já é casada. — Meu irmão mais velho feliz, era
o cara que fazia as pessoas rirem. Naquele momento, conseguiu irritar o
nosso irmão e arrancou uma risada de todos nós. E eu amava aquela sua
versão.
— Cala a boca, João — Lui retrucou, contrariado.
— Seja muito feliz, maninha. Estou orgulhoso de você, da família
que está construindo. Te amo muito. — João beijou o meu rosto, depois de
me abraçar firme. Era meu grande amigo, mesmo sendo alguns bons anos
mais velho do que eu, gostava das nossas conversas.
— Também te amo muito... Obrigada por tudo.
— Minha vez. — Lui empurrou-o, brincando, e abraçou-me mais
uma vez. Depois me soltou e segurou meu rosto entre as mãos. — Se ele
fizer algo que não te agrade, sabe que pode me ligar, não é? Vou lá e busco
você e Nina.
— Luiz Henrique e essa mania chata de achar que é o pai da Maria
Clara. — Papai resmungou e Lui o revirou os olhos.
— Te amo, Clara. Seja muito feliz e realizada. — Beijou a minha
testa e chamei João para perto.
— Eu amo vocês, os melhores irmãos que eu podia ter. —
Abraçamo-nos. Cresci envolvida pelos cuidados e brincadeiras dos dois, por
muitos anos amei ser a caçula dos Brandões e, quando cresci, tornando-me
quase adulta, detestei ser a irmã mais nova do Lui. Enfim, sem qualquer
equilíbrio. No entanto, não me imaginava em qualquer outra família senão a
minha.
— Melhores irmãos que te deram as melhores cunhadas — Olívia
abriu passagem e puxou Isadora consigo.
— Sim, vocês duas são ótimas! Obrigada por terem me ajudado em
cada detalhe. — Abracei as duas.
O tempo colocou tudo em seu devido lugar. Trouxe intimidade e
proximidade onde precisava; oportunidade também, agora era sócia da
Olívia Torres; fez-nos cúmplices e solidárias umas com as outras. Éramos
família.
— Não sei se devolvo essa pequena quando vocês voltarem — Isa
comentou, Nina já estava no colo do João e ganhou um beijo duplo dos tios.
Eles se ofereceram para cuidar dela durante a nossa viagem de lua de mel e
achamos ótimo.
— Não mime muito a minha filha, Isa. — brinquei, sabendo que a
pequena seria sim muito mimada e paparicada. — Obrigada, família!
— Vamos? Seu noivo está a ponto de enlouquecer. — Papai chamou
e assenti.
Era agora, seria definitivamente a Senhora Diniz.
∞∞∞
Paulo
Querido (a) leitor (a), se chegou até aqui e gostou da experiência com a
leitura de Meu Segredo Federal, peço com carinho que deixe a sua
avaliação!
É muito importante para o meu trabalho e posicionamento na
plataforma!
Um beijo, Rapha!
Agradecimentos
Agradeço primeiro a Deus, pelo dom da vida e por permitir que meus
sonhos saiam do campo imaginário para serem realizados.
Ao meu marido, pela paciência e compreensão com as horas que
me dediquei ao livro, pelo amor que transborda, por gostar de me agradar e
sonhar junto comigo. Te amo!
IG: autoraraphaelafagundes
Face: autoraphaelafagundes
Wattpad: raphaelabiagini
Livros deste autor
MINHA DELEGADA FEDERAL
João Miguel é o primogênito da família Brandão e o único dos irmãos que
escolheu se dedicar a carreira de advogado criminalista, assumindo o
escritório da família. Sua vida, com tempo livre quase inexistente, é
dedicada ao trabalho.
Isadora Leão saiu do interior gaúcho para morar em São Paulo, ao ser
aprovada para o cargo de delegada federal. Focada na carreira profissional,
ficou conhecida por ser linha dura nas prisões e investigações.
Eles não procuravam relacionamentos, não acreditavam em acasos e,
tampouco, que opostos se atraem.
Até acontecer um encontro avassalador.
Ela prende, ele solta!
Um jogo de gato e rato em que, quem leva a melhor, levou o amor e a
paixão?
Venham descobrir!
NOSSO REENCONTRO
Antônio e Marina se conheceram na faculdade e após cinco de casados,
decidiriam divorciar. Eles procuravam a felicidade e julgaram que sozinhos,
poderiam encontrá-la. Acontece que conseguiram colocar fim no
compromisso, mas não no forte sentimento que nutriam pelo outro.
Dois anos depois da separação, período em que não se falaram e, tampouco
se encontraram, foram colocados frente a frente. E em uma situação de
emergência.
Será que o amor falará mais alto? Porém, eles já provaram para si mesmos
que somente amor, não é suficiente.
Vem, com Antônio e Marina, embarcar neste reencontro.
AMOR E RECOMEÇO
Alexia, após flagrar seu noivo com a amante, fez as malas e partiu para uma
temporada em São Francisco, na Califórnia. Nunca havia viajado sozinha,
mas acreditava que se aventurar em outro país iria lhe fazer bem. Ela
tentava recuperar a autoestima e queria dedicar um tempo a si mesma.
Assim, mergulhou no trabalho de escritora e foi escrevendo que conquistou
Álvaro.
Ele havia ido para São Francisco em uma fuga da depressão que enfrentava.
Bastou colocar os olhos na pequena ruiva, que ia todos os dias ao seu café
favorito para escrever, e queria saber tudo sobre ela.
Semanas se passaram até que eles foram fortemente envolvidos em um
romance cheio de desafios. Eles se tornaram o amor um do outro e ambos o
recomeço.