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Meu Segredo Federal - Raphaela Fagundes

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Direitos autorais © 2022 Rapha Fagundes

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de recuperação, ou
transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou
outro, sem a permissão expressa por escrito da editora.

Autora: Rapha Fagundes


Revisão: Aglycia Chaves
Capa: Will Nascimento
Diagramação: Will Nascimento
Índice
Direitos autorais
***
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Epílogo 1
Epílogo 2
Pedido Especial
Agradecimentos
Sobre o autor
Livros deste autor
***
Nota da Autora

Querido (a) leitor (a),


O casal Maria Clara e Paulo apareceu pela primeira vez no livro Meu
Vizinho Federal, quando eu ainda não sabia que iria escrever a história deles.

Assim, enquanto escrevia Meu Segredo Federal, quis mudar alguns


detalhes sobre eles que já apareceram em Meu Vizinho Federal e também em
Minha Delegada Federal.

Peço que desconsiderem as eventuais divergências, pois fiz as


correções nos outros livros e, ao atualizarem os arquivos, estará tudo certo.

Um beijo, Rapha.
Prólogo
Seis anos antes

Maria Clara

— O que acha? — Dei meio giro, ao redor do meu corpo, de um lado e


de outro, de frente para o espelho.
Logo, atrás de mim, estava Flora. Como fazia desde a infância, vinha
checar minhas roupas para dar sua aprovação. A diferença era que esse era
um vestido para a noite, escolhido com cuidado, e não uma blusinha nova
para arrasar em uma festinha de amigas.
— Acho que vai enlouquecê-lo — avisou, aproximando-se um pouco
mais e olhando os detalhes da minha roupa.
— Não é a intenção. — Girei novamente o corpo ainda em dúvida
sobre o que escolher. Sobre a cama havia outras opções, inclusive, um mais
comportado e que meu pai, certamente, preferiria. Flora ergueu as
sobrancelhas, duvidando da minha palavra e revirei os olhos, sem conseguir
enganá-la. — Tá, só um pouco. Ele complica demais as coisas.
— É compreensível, pois existe um Luiz Henrique no meio do
caminho. E quando souberem dos seus planos, certamente, também terá um
João Miguel, caçando-o. — Minha amiga tinha razão, mas eu sabia que, se
quiséssemos ter algo, Lui e João não poderiam impedir.
— Bobagem, são meus irmãos e não o meu pai. — Flora riu e deu de
ombros. Fiquei pensativa, um certo desânimo vindo à tona. Será que nunca
seria a namorada de Paulo Diniz?
Eu tinha planos: cinema, almoço de domingo aqui em casa ou com a
família dele, tardes de sábado no jóquei clube, acompanhá-lo nas festinhas
dos amigos da faculdade...
Bastava que ele me notasse.
— De todo modo, está linda, amiga.
Não sei se ela percebeu a leve melancolia que me acometeu, mas deu
um jeito de mudar de assunto. Caminhou até a minha penteadeira e me
chamou para perto, mostrando-me alguns acessórios que eu deveria usar.
— Esses colares vão ficar incríveis.
Antes que eu pudesse dizer algo a respeito, Mila, acompanhada de
duas mulheres, adentrou o quarto, ocupando-o com o seu jeito esfuziante.
— Feliz aniversário para a melhor anfitriã de São Paulo. — Minha
amiga apertou-me em um abraço e, depois de beijar meu rosto, acenou para
Flora, chamando-a. — O que é aquela produção lá embaixo?
Não tive tempo de responder, pois ela nos envolveu em um abraço
triplo. Soltei um suspiro, feliz por estarem comigo. Ao lado delas, sentia-me
confiante. Principalmente de Mila, que adorava uma imprudência, e daria
um jeito de me ajudar.
— Nós três novamente reunidas! — No último ano, cada uma foi
para um país diferente estudar. Havíamos retornado há pouco, eu estive na
Suíça.
Morei em um colégio interno, onde estudava além do que a escola
oferecia, outras matérias como: línguas, corte e costura e história da arte.
Mila, finalmente, soltou-nos e voltei à realidade. Chamou as duas
mulheres que entraram com ela para perto: a maquiadora e a cabelereira.
— Agora vamos deixar essa mocinha aqui irresistível para o futuro
advogado.
— Delegado — corrigi e ganhei os olhares de todas. — Paulo quer
ser delegado.
— Que seja. — Mila revirou os olhos. — Clara, tenho o penteado
perfeito para hoje. — Flora aproximou-se para ver melhor as inspirações que
Mila mostrava.
Pouco mais de uma hora depois, eu estava pronta. Desci a escadaria
de mármore. Meus pais me aguardavam lá embaixo. As salas da minha casa
foram adaptadas e decoradas para receber os meus convidados.
Flashes de câmeras fotográficas reluziam, enquanto eu descia, os
fotógrafos tentavam pegar os melhores ângulos.
Para a comemoração dos meus dezessete anos, escolhi um vestido
preto, justo até a cintura, com pequenas pedrinhas bordadas. A saia, que era
feita de tule, dava leveza ao vestido um pouco acima do joelho. Sentia-me
linda e pronta para encontrá-lo. Internamente, porém, era uma confusão de
sentimentos. Seria a primeira vez que iria vê-lo desde que cheguei do
intercâmbio na Suíça e desde o fiasco que foi nosso último encontro — na
ocasião, era aniversário do Lui, meu irmão do meio, e Paulo apareceu com
uma namorada, quebrando um pedacinho do meu coração.
Flora e Mila batiam palminhas logo atrás dos meus pais. Senti a
tensão ceder um pouco ao vê-las. Mas a sensação boa durou pouco. Mordi o
lábio e uma onda de calor misturado com frio na barriga tomou-me quando
os meus olhos foram guiados para o fundo da sala, a presença dele, atraindo-
me como um ímã.
Precisei respirar fundo e me concentrar em não cair, pois senti as
minhas forças se esvaírem.
Em uma rodinha de amigos, ao lado dos meus irmãos, lá estava ele:
Paulo Diniz. Tomava um drinque, assim como os demais rapazes. Dias
antes, Lui havia pedido permissão para levar alguns amigos ao meu
aniversário. Não me importei. Primeiro, porque os meninos eram agradáveis
comigo, e, segundo — e mais importante —, porque tinha esperanças do
Paulo estar entre eles.
Estava lindo! A camisa branca de botão, ajustada ao seu corpo,
evidenciava os músculos bem definidos dos braços e abdômen. No entanto,
o que me tirava do rumo era o seu olhar altivo e a postura sempre firme, o
que eu, nem de longe, encontrava nos garotos da minha idade. Não que tenha
me relacionado com eles. Aos dezessete anos, havia beijado apenas dois
rapazes; um deles no intercâmbio.
Nossos olhares encontraram-se e, pela primeira vez, vi um lampejo
de surpresa em seus olhos verdes, como se ele de fato me enxergasse.
Fiz uma pequena pausa para recuperar o ar. Aproveitei os flashes e
fingi que minha parada tinha sido apenas para tirar fotos. Engoli em seco.
Minhas mãos suavam e não sabia se as pernas me responderiam quando
tentasse me locomover.
Antes que pudesse desfrutar um pouco mais daquele momento
mágico, Paulo desviou o olhar. João e Lui se aproximaram dos meus pais e,
quando terminei de descer as escadas, fui recebida pela minha família.
— Está linda, minha filha! — Papai foi o primeiro a me abraçar,
seguido da minha mãe.
— Parabéns, pirralha! — Meus irmãos me envolveram em seus
braços. Os dois me irritavam bastante, principalmente Lui. Ambos achavam
que podiam mandar em mim, mas eram sempre carinhosos e cuidadosos
comigo.
Em questão de segundos fui engolida pela avalanche de convidados
que queriam me cumprimentar e demorou até que visse Paulo novamente.
Eu sentia seus olhos em mim, acompanhando cada passo meu, meu
coração palpitava no peito, enquanto ele caminhava em minha direção.
Nossos olhares cruzaram-se, quando ergui a cabeça, e ele não desviou.
Pisquei, atônita, ele tocou em minha cintura e, com a outra mão me abraçou.
— Feliz aniversário! — sussurrou em meu ouvido, deixando seu
cheiro bom impregnado em mim.
No meio da noite, saí à procura das minhas amigas. Depois de
vasculhar a casa, encontrei-as próximas à piscina, conversando em uma
rodinha de amigos. No entanto, lá também estava ele — e também com os
amigos.
Paulo e o meu irmão Lui, ou Luiz Henrique, conheciam-se há alguns
anos, quando estudaram juntos no colégio. Já na faculdade, de novo foram
colegas de sala. Tornaram-se grandes amigos e sempre estavam juntos.
Quando Paulo começou a frequentar a nossa casa, eu ainda era
criança. Contudo, fomos crescendo e ele chamou minha atenção. Para o meu
azar, eu parecia nunca deixar de ser a irmã mais nova do amigo — a pirralha,
como Lui e João adoravam me chamar. Inclusive, precisava me livrar com
urgência desse apelido!
Junto das minhas amigas estava Túlio, um amigo do colégio que já
me convidava para sair antes do meu intercâmbio. Chegamos a marcar de ir
ao cinema, mas desisti do encontro. Era um rapaz bonito, que tinha muitas
coisas em comum comigo, e demonstrava ser um bom amigo. O problema é
que, há uns dois anos, só existia Paulo em meus pensamentos.
Naquela noite, Túlio demonstrava que não havia desistido de tentar
algo a mais comigo. Tentava puxar assunto, era atencioso e até me ofereceu
o refrigerante que pegou a pouco com o garçom. Chamou-me para dançar e,
quando cansamos da pista de dança, convidou-me para tomar um ar no
jardim de casa. Àquela altura, nossos amigos estavam espalhados e ficamos
sozinhos.
No entanto, bastou colocarmos os pés do lado de fora da sala, para
meus olhos novamente encontrá-lo.
Sozinho, embaixo de uma palmeira, tomava um drinque e fumava um
cigarro. Lindo, sério, com o ar misterioso e inalcançável que nunca o
abandonava. Respirei fundo, louca para ir até ele e jogar-me em seus braços.
Mas não podia.
— Aqui, uma água. — Túlio me estendeu uma garrafinha de água
mineral e olhei surpresa, pois não havia pedido. — Você não gosta muito de
refrigerante — explicou. De fato, não era muito fã da bebida.
— Obrigada! — Tomei um longo gole. A noite não estava tão
quente, mas aproveitei bastante a festa na pista de dança e já sentia algumas
gotículas de suor escorrendo em minhas costas.
— Você está linda hoje! — Tomei mais um gole da água e ele tocou
em meu rosto, fazendo um carinho na minha bochecha. — Sempre está, mas
hoje muito mais.
— Imagina. — Fiquei sem graça e não sabia bem o que dizer. Túlio
nunca havia avançado tanto. Embora sempre tivesse demonstrado interesse
em mim, sempre mantinha os limites da amizade. Nunca trocamos um beijo,
nem mesmo um abraço mais longo.
— Estou falando sério. — Encarou-me e, então, pegou minha mão
livre. — Quero muito te beijar, Maria Clara.
Eu não estava preparada. Primeiro porque não queria um clima ruim
entre nós dois, ainda mais sendo ele uma pessoa tão querida. Segundo,
porque senti como se brasas tivessem sendo lançadas em minha direção.
Virei a cabeça e senti os olhos de Paulo cravados em mim, os lábios
apertados em uma linha fina.
— Somos amigos — ponderei e ele riu, discreto.
— Amigos também se beijam.
Antes que pudesse dar outra direção à nossa conversa, uma voz forte
e quente ressoou em nosso meio, chamando meu nome. Ergui a cabeça na
direção do som, sem acreditar que ele estava ali, ao meu lado, com o
semblante sério e encarando Túlio.
— Maria Clara, minha irmã quer te parabenizar, está no telefone. —
Paulo estendeu o celular em minha direção, com um tom seco.
Segurei-me para não revirar os olhos. Mal conhecia a irmã do Paulo
e mal conversávamos. Não poderia ser ela no telefone e ele, claramente, só
tentou impedir que meu amigo e eu avançássemos no que quer que fosse.
Quis tanto uma aproximação e ele me entregou de bandeja. Não iria
desperdiçar.
— Ah, claro. Que saudades da sua irmã! — Sorri para o homem
carrancudo e cara de pau diante de mim e me virei para Túlio. — Preciso ir.
— Tudo bem, vejo você lá dentro. — Meu amigo olhou de um para o
outro e, sem ter o que fazer, assentiu com a cabeça e voltou para a sala
transformada em pista de dança.
— Sua irmã? — perguntei com a sobrancelha erguida, sem tocar no
telefone que ele mantinha em mãos.
Paulo me puxou para trás da palmeira, onde estava anteriormente,
longe dos olhares dos demais convidados. Ainda estava sério, mas algo
como um meio sorriso começou a surgir no seu rosto.
— Quis te ajudar. Tive a impressão de que ele estava te
incomodando.
— Não estava. — Cruzei os braços e ergui o queixo em desafio.
Ganhei um olhar surpreso em troca.
— Então, vai beijar o pirralho?
— Se não ele, quem mais poderia ser? — Soltei um suspiro
dramático. Munida de muita coragem, provoquei-o.
Nunca tive abertura com Paulo, meio que sempre o olhei de longe e
apenas fantasiava em minha cabeça como seria ganhar seus beijos e abraços.
Os mesmos beijos e abraços que o vi dando na namorada que, aliás, fiquei
sabendo ter virado ex. Não que eu tivesse perguntado sem querer para meu
irmão.
— Não brinca com o fogo, Maria Clara — ameaçou. A voz ficou
ainda mais grossa. Ele deu um passo à frente que quase colou os nossos
corpos.
— Não estou brincando. — Um calor subiu pelo meu ventre, as
pernas estavam trêmulas e nem tinha provado do seu gosto.
— Está sim...
— Com medo?
— Medo? — Achei engraçada a sua cara de indignação e gostei
daquele joguinho. — Sou homem, adulto, não tenho medo.
— Parece que tem medo sim. — Se não tivesse, não estaria ali
discutindo atrás da árvore, longe dos olhares dos convidados. E, depois, meu
amigo que era pirralho, pensei em dizer, mas freei a língua. — Tenho que
entrar. Túlio está me esperando. — Dei-lhe as costas para me afastar, mas
ele me segurou pelo ombro, a mão grande e quente, fazendo-me ficar.
Fazendo-me querer ficar e muito mais.
— O que você quer? — perguntou, aproximando a boca do meu
ouvido.
Eu já não respondia por mim, só queria sua boca na minha e acho
que Paulo também.
— Não entendi — sussurrei.
— Passou a noite inteira me olhando — acusou e foi o bastante para
a coragem retornar. Não ia deixar que ele me tratasse como a pirralha que
tinha adoração por ele, mesmo que tivesse razão.
— Se viu, é porque também estava me olhando. — Virei-me na
direção dele novamente. Nossos olhos se encontraram e fiz um esforço
sobre-humano para não desviar.
— Não me provoque, Maria Clara. — Soltou um suspiro curto e
cruzou os braços na altura do peito. Como aquele homem conseguia ficar
ainda mais lindo? — Sou amigo do seu irmão.
Eu precisava fazer algo, não ia conseguir encerrar a noite sem ganhar
um beijo dele. Há pelo menos dois anos, só tinha olhos para Paulo e, quando
menos imaginei, ali estava ele, resistindo-me. Sim, resistindo, pois não
escondeu que, de algum jeito, eu o afetava.
— Que bom então que não é amigo do meu pai. — Ergui o queixo e
quase me perdi na imensidão dos seus olhos. Quase, pois me contive com
um esforço colossal.
Paulo me queria, não tinha mais dúvidas. Se não fosse naquela hora,
seria em alguma ocasião próxima.
— Sei bem o que você quer. — A voz grave foi tomada por uma
camada de rouquidão e tentei desvendá-lo.
Novamente, reuni toda a minha coragem. Não era apenas para
provocá-lo. A verdade é que eu nem sabia como continuar a nossa estranha
conversa. Não me preparei para isso.
— É mesmo? Vai me contar o que eu quero? — O que vi em seus
olhos fez-me dar um passo para trás.
Paulo descruzou os braços, analisou-me por inteira e, então,
acomodou as mãos no bolso da calça. Deu um passo em minha direção e eu,
boba, recuei na mesma medida. Ele estava certo, deveria ter parado de
provocá-lo. E então? Naquele momento, achei que não daria conta daquele
homem querendo algo de mim.
— Uma pequena e linda provocadora.
Ele avançou mais uma vez e, antes que recuasse de novo, enlaçou a
minha cintura. Era muito mais alto do que eu e minha cabeça alcançava o
seu peito, onde espalmei as mãos. Forte, duro, definido, assim como o vi na
piscina de casa. Com uma mão ele me segurou firme e a outra levou ao meu
queixo, erguendo-o com delicadeza.
— Eu vou te beijar Maria Clara, pois é isso o que nós dois queremos.
Capítulo 01
Maria Clara

Estacionei o carro em frente ao prédio comercial onde funcionava o


escritório recém-inaugurado da Olívia Torres, logo atrás estava o segurança
que me acompanhava. Após o sequestro da minha cunhada, meus pais
contrataram-no. E aqui estamos nós.
— Fiquei tão feliz quando você disse que vinha aqui! — Olívia,
noiva do Lui, meu irmão do meio, recebeu-me com um abraço apertado e
abriu espaço para que eu entrasse. — Vou preparar um cappuccino para nós.
Ela me puxou pela mão até o fundo da sala, onde havia um móvel
bonito e moderno digno de um buffet, e sobre ele havia uma cafeteira
elétrica, um jogo de xícaras e duas bandejas com itens para café e chá..
Chanel, sua cachorrinha de estimação, veio atrás de mim saltitando e
balançando o rabinho. Pequei a pequena no colo, em agradecimento ganhei
várias lambidas.
— Agora com tudo no lugar, ficou ainda mais incrível! — Elogiei o
espaço.
Minha cunhada transformou uma sala comercial, que era ampla, em
escritório da sua marca de roupas, estoque e ainda havia um pequeno espaço
onde duas costureiras produziam todas as peças pilotos.
A produção das peças era feita em Taubaté, na confecção da sua
família, já as vendas, eram realizadas online. No entanto, com o sucesso que
estava fazendo, eu tinha certeza de que em um futuro próximo seria
inaugurada uma loja física.
— Bem docinho — ela me estendeu a bebida que havia acabado de
sair da máquina de café, com um sorriso acolhedor no rosto. — Também
gostei muito do resultado, estou amando ficar aqui.
Sentamos em um sofá de frente para o espaço do café e, fechando o
ambiente, estava a sua mesa de trabalho e um outro móvel, que imaginei ser
o local ela guardava documentos e afins.
— Você não veio aqui me ver — foi direto ao ponto e eu ri sem
graça.
— Não... — Meus olhos ainda admiravam cada cantinho da sala e
sentia que Olívia me observava. — Não queria ir para o escritório com a
minha mãe — resolvi contar a verdade.
Pela manhã, enquanto tomava café em casa, dei essa desculpa à dona
Lêda, que iria encontrar Olívia na nova sede da sua empresa.
Ainda tão cedo, mamãe estava impecavelmente arrumada e pronta
para passar o dia no escritório de advocacia da família. Há alguns meses, eu
a acompanhava ou ao papai, estava sendo treinada para assumir uma cadeira,
assim como meu irmão João Miguel. O único que escapou foi Lui, que
escolheu servir à Polícia Federal.
Entrei para o curso de Direito porque, aos dezoito anos, não sabia
bem o que queria fazer da vida. Foi a escolha de todos os meus familiares
mais próximos, quando me formasse teria um emprego garantido e de
prestígio, convenhamos, não me pareceu ser uma decisão difícil.
Não até iniciar as aulas. Odiei a maioria das matérias e faltou
coragem para mudar de área. Agora estava formada e precisava dar um rumo
em minha vida, já que não me enchia os olhos passar anos atuando como
advogada ou tentar alguma outra carreira no ramo jurídico.
Meus pais, certamente, já haviam percebido que aquele trabalho não
era para mim, no entanto, eu tinha vinte e três anos e caberia a mim arranjar
outra ocupação.
— E? — Percebi que passei tempo demais divagando mentalmente
com a chamada da minha cunhada.
— Precisava de uma desculpa, ué — expliquei o óbvio.
Ela balançou a cabeça, sem deixar de me olhar, e se ajeitou no sofá,
buscando uma nova posição.
— Sabe Clara, já te contei a minha história e como foi que vim para
São Paulo, mas posso repetir. — Ela tomou um gole do cappuccino e sorriu.
— Eu tinha o conforto da casa dos meus pais, não era nenhuma mansão, mas
sempre vivi bem, também tinha a loja do papai e a confecção da mamãe e
tias. Se eu quisesse, também poderia trabalhar em algum comércio na
cidade. Mas eu sabia o que queria da vida. E para isso precisei sair de casa
cedo, deixar as facilidades de ter a família por perto, escolhi um curso que
não tinha na minha cidade, também não tinha grana para qualquer luxo,
meus pais conseguiam me dar o básico aqui em São Paulo e logo comecei a
trabalhar e me sustentar. Ter a minha loja própria, meu apartamento, minha
vida do jeito que eu queria, demandou alguns anos abrindo mão de conforto
e correndo riscos de dar tudo errado e precisar voltar para casa.
Em resumo, para chegar aonde queria, Olívia se esforçou, correu
atrás dos seus sonhos, o exato contrário do que eu estava fazendo. Em minha
defesa, eu estava mais perdida do que acomodada. Realmente não sabia para
onde ir, até aquele momento, só sabia o que não queria fazer.
— Serei a única da família a ir para um lado diferente. — Tentei
justificar, ciente que iria parecer ridícula.
— A única? Tem certeza? — indagou, com a sobrancelha erguida. —
Lui foi para a polícia, você mesma já me contou que a escolha dele ainda é
um caos com os seus pais. Mas seu irmão sustentou o que queria e hoje
exerce a profissão que gosta. A questão é que você precisa bancar o seu
sonho e isso não é sobre dinheiro.
Um soco no estômago doeria menos e eu precisei dele. Respirei
fundo, recuperando-me e tentando achar algo digno para dizer. Mas não
existia. A minha vida era muito cômoda, não negava.
— Gostou daqui, não é? — Confirmei e Olívia apoiou a xícara sobre
a perna, encarando-me. — Vem trabalhar comigo, Clara.
Não sei o quanto arregalei os olhos, mas posso dizer que tomei um
tremendo susto com o seu convite.
— Acho que não entendi — sibilei e, parecendo não levar a sério o
meu espanto, ela voltou a tomar da sua bebida, a minha já havia acabado.
— Você gosta de moda, tem um olho clínico para a qualidade das
peças, além de se vestir muito bem. Tem bom gosto, garota! — Consegui dar
um sorriso, ainda que tímido, e tentando mensurar a dimensão do que ela me
propunha. — Preciso de alguém para gerenciar a loja desde a divulgação,
vendas, passando pela produção até a entrega das peças ao cliente. A
demanda está muito grande, graças a Deus, e não estou conseguindo me
concentrar em desenhar as coleções, que é o meu principal papel dentro da
empresa.
O coração batia forte, alegre, mas a garganta estava seca. Nem em
meus melhores sonhos poderia prever tal proposta. Quando saí de casa para
encontrá-la, só fugia de um possível julgamento da minha mãe, pois não
pretendia mesmo ir ao escritório e passar mais um dia de treino infernal e
interminável.
Pensando bem, a julgar pela ebulição que me dominava
internamente, talvez fosse aquilo que sempre fez os meus olhos brilharem e
eu nunca entendi que poderia transformar em trabalho.
— Não tenho nenhuma experiência — respondi e ganhei um olhar
severo, que me fez recuar em possíveis inseguranças. — Mas eu realmente
amo moda. Tem certeza, Oli?
Ela voltou a sorrir, levantou-se e caminhou até uma mesinha
próxima, onde deixou a xícara já vazia. Quando retornou ao sofá, pegou
minha mão vazia.
— Basta dizer sim. Também é algo novo para mim, pois há
pouquíssimo tempo eu cuidava apenas da parte de criação da Soraya Lins,
mas agora sou responsável por todas as etapas da minha empresa, tem sido
um desafio. Vamos aprender juntas.
Meus olhos marejaram de emoção. Olívia estava sendo gentil e
generosa comigo, de um jeito que me desconsertou.
— Estou sem palavras, confesso. Seria muito incrível!
Um filme passou em minha cabeça, com lembranças boas do
passado, logo surgiu meu irmão João, que quando criança, pegava a valise e
um blazer do papai e saía pela casa dizendo que também era advogado; Lui,
igualmente, cresceu dizendo aos quatro cantos de casa que seria policial. Já
eu, bom, eu gostava de passar férias na fazenda dos meus avós maternos e lá
costurava roupinhas para as minhas bonecas, na máquina de costura da vovó
Lana.
Como uma lâmpada que ilumina a escuridão, de repente, tudo ficou
claro para mim. Amava moda e todo o seu universo. Olívia me abrira um
enorme leque de possibilidades, era a minha chance de fazer algo por mim
mesma.
— Agora vem a parte não tão incrível. A Olívia Torres está vendendo
bem, acredito que vamos crescer bastante. Mas, por enquanto, o orçamento é
limitado, não consigo te pagar um salário maravilhoso. Inclusive, se achar
melhor, pode trabalhar meio horário.
— Não, isso não será problema. E não irei trabalhar meio horário. —
Tranquilizei-a. Estava disposta a iniciar o novo trabalho mesmo se não
recebesse nada e que fosse somente para aprender alguma coisa.
— Então, tenho uma gerente?
— Sim, você tem uma gerente. Quando começo? — perguntei,
animada e emocionada.
— Agora? — sugeriu e de imediato coloquei-me de pé. Sentia-me
pronta!
— Agora! Oli, eu não sei se um dia vou conseguir agradecer à altura,
mas prometo entregar o meu melhor.
— Vem cá, garota! — Minha cunhada me puxou para um abraço e
precisei conter lágrimas de emoção. — Você acaba de achar um propósito na
vida, agora arregace as mangas e trilhe o seu próprio caminho.

∞∞∞
Flora e eu erguemos nossas taças de vinho ao centro da mesa em um
brinde. Durante a semana, não conseguimos nos encontrar para comemorar
os nossos novos trabalhos. Minha amiga também tinha novidade, havia
iniciado no programa de trainee do banco que o seu pai era presidente.
Só conseguimos conciliar o tempo livre no domingo à noite.
— Estou tão orgulhosa! E feliz também...
— Estou muito feliz, aliviada e cheia de ideias Mal comecei no novo
trabalho e a cabeça está fervilhando de inovações para colocar em prática na
empresa. — Estava claro para mim que eu havia achado um rumo
profissional para seguir e que nada tinha a ver com a advocacia ou o famoso
escritório da família Brandão.
A tábua de frios e pães que pedimos chegou logo após o nosso
brinde, pois não queríamos estender muito a noite.
Servíamos a segunda taça de vinho, quando João, meu irmão,
despontou na entrada. No meio da tarde, também o chamei para um drinque
em comemoração a minha nova fase e ele topou
— Abençoada família Brandão... — Flora sussurrou e eu ri.
Não tinha como negar, os homens da família eram mesmo muito
bonitos. Ele caminhava com o olhar sério e altivo, bem vestido, imponente
demais. E era engraçado que, esse jeito do meu irmão mais velho, lembrava-
me muito do único cara que amei de verdade.
— Boba — pensar em Paulo Diniz roubou um pouco do meu bom
humor, mas não deixei transparecer.
— São seus irmãos e respeito, mas olha, é cada homem maravilhoso.
— Ela insistia, conforme ele se aproximava.
O restaurante até que não estava cheio quando chegamos, mas uma
turma grande estava ali comemorando um aniversário e ocuparam várias
mesas próximas à entrada.
— E justamente ele está solteiro — comentei. João havia acabado de
sair de um relacionamento, depois que Isadora, sua ex-noiva, terminou tudo.
— Você diz como se fosse gostar da notícia que sua amiga beijou o
seu irmão — fiz uma careta só por imaginar e ela riu. — Como imaginei! —
Sua feição de vencedora logo amenizou, pois ele já estava ao nosso lado.
— Tive um compromisso, não consegui sair antes — justificou,
depois de me abraçar. — Oi Flora, como vai?
— Estou ótima e você?
Os dois também trocaram cumprimentos e logo nos entretemos em
uma conversa. Minha amiga era excelente para gerar assunto, ao lado dela as
conversas nunca esfriavam.
A nossa ideia inicial de ir embora cedo, pois no dia seguinte todos
nós iríamos trabalhar, deu errado quando abrimos a segunda garrafa de vinho
e até meu irmão parecia mais descontraído e disposto a socializar.
Ele saiu para ir ao banheiro e, assim que ficamos sozinhas à mesa,
Flora chamou a minha atenção.
— Ali não é o Paulo? — Com o queixo ela apontou a entrada e me
virei na cadeira.
— O próprio. — Confirmei.
Ele estava de costas para nós, de mãos dadas com uma mulher que eu
conhecia bem e cumprimentava as pessoas que comemoravam algum
aniversário que mencionei anteriormente.
Agradeci por meu irmão ter saído, pois minha amiga não tinha papas
na língua e faria comentários na frente dele. Não era segredo para João todo
o rolo que vivíamos há alguns anos e, justamente por ser um rolo enorme,
meu irmão não ia com a cara dele.
— Por Deus, estamos em São Paulo, a cidade do Brasil que mais
deve ter opções de restaurantes...
— Está tudo bem, amiga.
Segurei o choro, ele teria que ficar para mais tarde, quando estivesse
sozinha em casa. Assim como foi em todas as vezes em que o vi
acompanhado.
Capítulo 02
Paulo

Chequei rapidamente o forno onde finalizava os filés de tilápia, o molho de


alcaparras descansava em uma panela pequena sobre o fogão e voltei a
atenção à panela maior em que mexia com cuidado o risoto de parmesão.
Entre um passo e outro, tomava um gole do vinho branco.
O riso espalhou-se do outro lado do balcão que separava a equipada
cozinha das duas amplas salas do meu apartamento. O fogão de infusão
ficava sobre a bancada de granito negro, ao redor foram distribuídas
banquetas altas em ferro fundido e couro preto e, sobre o conjunto,
iluminação com pendentes minimalistas.
Bruna, minha irmã, contava algo a Felipa, nossa prima, e a seu
namorado Cadu. O trio havia ido até a varanda.
Alguns minutos depois, retornaram e serviram-se de mais vinho.
— Preciso conhecê-la! Amo as roupas que desenha, sem saber que
era ela a responsável — Felipa comentou, sentando em uma das banquetas.
O jantar estava quase pronto, eu focado em finalizá-lo, mas não
deixei de prestar atenção na conversa que desenrolava diante de mim.
— Olívia é incrível, durante anos, assinou todas as coleções da
Soraya Lins, agora tem uma marca própria. Algumas amigas e eu estamos
ajudando na divulgação.
— Tá explicado o motivo da coleção atual da Soraya está estranha,
mudou a estilista.
— O nosso colega aqui andou aprontando por lá — Cadu me acusou
e eu ri.
Foi engraçado o rebuliço que, sem planejar, causei na sociedade
paulistana quando o casal Lins apareceu nos noticiários e eu ao lado do
patriarca, conduzindo-o até a delegacia.
— Meu pai levou um susto quando te viu na TV, Paulinho — Felipa
complementou.
— No caso quem aprontou não fui eu — ponderei.
— E eu que estive na loja da Soraya bem no dia que o Paulinho
prendeu o Mauro? Mas até que conseguiram disfarçar bem, nem Olívia
estava sabendo. — Minha irmã contou.
Não dava detalhes, nem para a minha família, sobre as investigações
que conduzia, mas não conseguia escapar de um comentário ou outro. Era
natural, pois também comentávamos sobre o trabalho da Bru, do Cadu ou de
outros familiares.
— Me leva para conhecê-la, Bru — Felipa pediu.
— Ela é noiva de um amigo meu, trabalhamos juntos. Podemos
marcar algo aqui em casa. — Ofereci.
Lui ou agente federal Luiz Henrique era um amigo desde o tempo do
colégio, praticamente crescemos juntos. Depois, fomos para a mesma
faculdade, onde cursamos Direito e, quando passamos no concurso da
Polícia Federal, eu para delegado e ele para agente federal, fomos
designados para trabalhar em Brasília. Igualmente, retornamos a São Paulo
na mesma época. O que mais tínhamos eram histórias juntos.
Por uma coincidência do destino, minha irmã era amiga da Olívia,
sua noiva, que trabalhou em uma famosa marca de roupas da cidade, e que
foi alvo de uma investigação que comandei.
— Já vou deixar anotado o que quero no cardápio — Cadu avisou,
ajudando-me a levar os pratos para a mesa. Aproveitar o que eu cozinhava
era, sem sombra de dúvida, a sua parte preferida na nossa amizade.
Logo se formou uma bagunça organizada ao redor da mesa de jantar.
— Um brinde. — Cadu estendeu a taça que eu havia acabado de
encher com vinho. — Ao meu novo emprego, estou animado! — explicou.
— Também quero brindar ao trabalho, fechei um contrato
importante. — Bru anunciou e todos nós olhamos para Felipa, um aviso que
ela era a próxima.
— Eu vou brindar ao trabalho do Cadu! — Deu de ombros, em meio
aos nossos risos. — Ué, pessoal, ele tem uma namorada para pagar jantares,
sabiam?
— Um brinde, então!
Minha prima não trabalhava, vivia como uma boa herdeira. Tinha
tudo para ser enfadonha e fútil, mas, embora não ligasse a mínima em gastar
a fortuna construída pelos meus tios, era uma mulher inteligente e
interessante. A quantidade de livros — de assuntos diversos—, que
consumia diariamente, as viagens que fazia e que a levaram a muitos países
que nem podia contar e a sua simpatia inata, garantiam que fosse uma ótima
e divertida companhia. Felipa sempre tinha assunto e animava qualquer
ambiente.
— E você, maninho, não tem um brinde especial para fazer?
Esfreguei o queixo, pensando na pergunta que Bruna me fez. Eu
tinha algo para comemorar ou agradecer? Se pensasse demais poderia ficar
melancólico, essa era a verdade. Então, soltei um suspiro curto e ergui a
minha taça.
— Tempo... Um brinde ao tempo livre que consegui para estar com
vocês hoje. Está cada dia mais difícil ter uma vida pessoal ativa.
A minha vida quase que se resumia ao trabalho na delegacia. Essa
era a fachada fácil de usar, dizer que eu não tinha tempo. Gostava de estar na
delegacia e da inteligência e sangue frio que precisava para as investigações
que conduzia, gostava ainda mais da adrenalina das operações na rua, do
sangue correndo rápido nas veias, da correria para não perder uma prova.
A questão era que ter tempo livre tornava-se um problema, pois,
quase que invariavelmente, envolvia-me com mulheres que não devia. A
cada dia mais. E posso citar ter me apaixonado pela irmã caçula de um dos
meus melhores amigos ou me envolver com uma policial que era minha
subordinada.
O melhor que eu tinha a fazer era me jogar em todos os plantões
possíveis e fazer morada dentro da delegacia da Polícia Federal que eu
comandava.
O grupo, que era pequeno e animado, brindou mais uma coleção de
coisas e momentos, entre muito riso e brincadeiras.
— Como sempre, o melhor risoto, Paulinho — Felipa elogiou,
seguida dos demais.
Cozinhar era a minha paixão e terapia, que só perdia para a minha
profissão. Gostava da calmaria da cozinha, de pesquisar e descobrir novos
sabores, testar combinações, agradar pessoas.
Poderia cozinhar para alguma mulher com quem estivesse saindo,
para os meus pais e irmã, para amigos ou apenas para mim mesmo e, sim, eu
não ligava de cozinhar apenas para uma pessoa, o importante era estar entre
panelas e temperos, e deixar o tempo passar.
— Tamara está na cidade — Bruna avisou e dei um meio sorriso.
Foi uma das poucas mulheres descomplicadas com quem saí e a
notícia sobre a sua chegada era velha. Havia almoçado com ela naquele
mesmo dia e marcado uma saída para a noite seguinte.
— Um encontro de velhos amigos lá em casa, o que acham? —
Minha prima sugeriu, animada. Nada fora do que tínhamos o costume de
fazer.
— Tamara prefere algo mais agitado. — avisei, ganhando toda a
atenção deles e sorrisinhos sarcásticos. — Quem sabe a Zoom?
— Que safado! É óbvio que já estiveram juntos. E ela nem falou
nada. — Minha irmã reclamou, dando um soquinho em meu braço.
— Tenho certeza de que não ia gostar de saber o que seu irmão faz
quando não está com você.
— Paulo — ralhou comigo, fazendo-nos rir.
Era bom estar com eles, melhor ainda, rir por tolices qualquer. Era
por isso que gostava daquelas pequenas reuniões que fazíamos, traziam
leveza para os meus dias quase sempre turbulentos.
— Foi só um almoço. — Defendi-me.
— Então, amanhã vamos para uma boate? — Cadu perguntou,
apenas para confirmar.
— Encontro vocês lá... Tenho um compromisso de trabalho, preciso
estar na reinauguração de uma loja. Não é nada muito grande, um coquetel
que começa por volta das sete da noite, tirar fotos, gravar conteúdos para as
minhas redes sociais e depois um jantar na casa de um dos sócios.
Minha irmã trabalhava como digital influencer, a Bru Diniz das redes
sociais, tinha alguns milhares de seguidores e uma agenda sempre cheia. No
início da sua carreira, confesso que não entendia muito bem o que ela fazia,
tampouco concordava com toda a exposição, inclusive, que acabou por
estender a nossa família. Mas, ao ver voltar o brilho em seus olhos, após
todo o período complicado em que enfrentou o divórcio, só pude mesmo
apoiá-la.
— Posso te buscar — ofereci e ela negou.
— Não precisa! Podem paparicar a nossa amiga. — Assenti. — Você
olha com os meninos um camarote? — perguntou à Felipa, referindo-se aos
donos da Zoom e esta balançou a cabeça confirmando.
— Já estou mandando mensagem para o Miller!
— Vou aproveitar e encomendar um projeto para o meu escritório
novo, será que ela consegue assumir? — Enchi novamente as taças com
vinho e minha irmã mudou a playlist que tocava.
Tamara era arquiteta e responsável pela reforma e decoração do meu
apartamento.
— Eu deixaria o Paulinho pedir — revirei os olhos para o comentário
da minha prima, foi mais como uma cena, eu não ligava e ela sabia.
— Ia gostar de ter Tamara como cunhada.
— Não falem de namoro, nosso amigo aqui anda com o dedo podre.
— não tinha como rebater, minha última namorada foi Daniele e ela me deu
uma trabalheira.
A mulher era agente federal e minha subordinada na delegacia, além
de ter se mostrado um tanto instável. Em minha defesa, antes de nos
envolvermos, ela não dava mostras de ser tão ciumenta, só descobri quando
as três pessoas que sempre estavam comigo em meu tempo livre a
conheceram.
Há pouco tempo, chegava em casa com uma mulher com quem
estava saindo, era tarde da noite e vi que Daniele estava à espreita em minha
rua.
— Vocês são ridículos — acusei e eles riram da minha cara.
— E sua ex é louca, mas isso você sabe — Felipa, aos contrários dos
demais, não conseguia levar apenas na brincadeira, ela se ressentia e não
podíamos culpá-la. Não quando Daniele foi sempre extremamente
desagradável com ela e não entendia que a nossa relação era familiar e de
amizade. Seu ciúme por mim não permitia.
— Agora é a hora que vocês elogiam novamente a minha comida. —
Mudei o foco da conversa e foi a sua vez de revirar os olhos.
— Esperto.

∞∞∞
O final de semana foi agitado e cheio de programações. Embora
Tamara tivesse muitos amigos em São Paulo, cidade onde nasceu e cresceu,
fazia questão de estar com nós quatro.
Conhecemo-nos na adolescência, estudamos no mesmo colégio e
tivemos um namorico que durou pouco. Já o nosso rolo que envolvia sexo
sem compromisso, estendia-se há anos.
Quando chegou o domingo, queria descanso, cheguei aos trinta anos
com pouca disposição para emendar noites em claro com música e bebida,
no entanto, não tive muita escolha.
No fim do dia, depois de um plantão intenso na delegacia, Tamara
enviou mensagem avisando que a turma iria reunir-se em um restaurante no
Jardins. Eu realmente preferia ir para casa, mas no dia seguinte ela iria
embora, então cedi.
— Um final de semana inteiro com a ilustre presença de Paulo
Diniz? — Lucão, um grande amigo e que eu precisava encontrar mais vezes,
foi o primeiro a levantar da mesa para nos receber.
Minha amiga e eu chegamos juntos, achei que seria uma gentileza
buscá-la na casa da sua mãe, já que acabaria a noite em minha cama, assim
como foi nas duas anteriores.
— Uma noite no 001, o que acha? — Chamei-o para ir ao clube de
tiros que o Lui, amigo em comum nosso, era um dos donos. — Dessa
semana não passa.
— Já vou marcar com aquele policial safado — avisou, pois lá era a
segunda casa do Lui, ele ia colocar pilha e fazer com que o programa não
fosse só um plano meu.
— Não vou furar.
— Muito bom que você tenha vindo, irmão.
Logo Tamara tornou-se o centro das atenções, ela gostava e sabia
socializar, eu que, preferia a discrição, achava engraçado. Com ela ao lado,
podia ficar ainda mais quieto e ninguém reclamava.
Perto das dez da noite, com o ambiente um tanto agitado e sentindo
todo o cansaço do final de semana chegar, fiz planos para chamá-la para
irmos embora. A noite ainda seria longa. Ao menos, também prazerosa.
— Podemos ir quando quiser — como se adivinhasse meus
pensamentos, sussurrou em meu ouvido.
— Vou ao banheiro, pode ir se despedindo — dei um beijo casto em
sua testa antes de sair da mesa.
Todos os nossos amigos sabiam da nossa história, não era nenhum
segredo que dali íamos para o meu apartamento e que ela esteve comigo nas
últimas noites. Contudo, em público, guardávamos a nossa intimidade, no
máximo andávamos de mãos dadas ou trocávamos abraços. Vai entender.
No caminho, decidi pagar a conta antes de ir ao banheiro, então me
dirigi direto ao caixa do restaurante e aí veio a surpresa.
De costas para a área de onde eu vinha, estava ela, na companhia do
João, seu irmão mais velho e Flora, uma amiga. Os dois não eram os meus
maiores fãs e nunca esconderam.
— Boa noite — cumprimentei-os e ganhei olhares de surpresa, um
deles forçando indiferença. Respirei fundo, nunca era fácil encontrá-la, não
depois da última vez que nos rendemos e ficamos juntos.
— E aí, Paulo, como vai? — Flora tomou a frente e me deu um
rápido abraço.
— Fazendo o que vou me arrepender amanhã quando tiver que ir
cedo para a delegacia — contei e eles riram, menos a mulher mais linda que
já conheci.
Não disfarcei o longo olhar em sua direção, ali não era necessário,
seus acompanhantes estavam carecas de saber o que acontecia entre nós
dois.
A decisão mais difícil da minha vida era ficar longe de Maria Clara,
tão difícil que vivia voltando atrás.
No entanto, não podia mais, bastava lembrar que Olívia, a noiva do
Lui e sua cunhada, foi sequestrada em retaliação a uma investigação que
participamos. A irmã do meu amigo era inocente demais para entrar nesse
mundo sujo que eu estava atolado até a cabeça.
— Foi o que eu disse para as duas. — João comentou, mais para
quebrar o magnetismo do nosso olhar do que para ser simpático comigo.
— Tudo bem, Maria Clara? — perguntei, por fim.
— Tudo ótimo e com você? — respondeu, linda, com o olhar
penetrante e a voz rouca.
Era para acabar com o meu juízo, apenas em duas ocasiões ela ficava
com aquela voz: quando estava com raiva ou com tesão. Foi o suficiente,
senti meu corpo reagir só por imaginar do que éramos capazes juntos.
— Bem, também. Já estou de saída, vou pagar a conta. — avisei e
antes de virar-me por completo em direção ao caixa, Flora falou comigo.
— Bom restinho de domingo, Paulo. Espero que consiga descansar.
Ela me viu chegando de mãos dadas com Tamara, não precisava ser
muito inteligente para entender o recado.
— Obrigado.
Atordoado, como sempre ficava quando a encontrava, e, com o
coração confuso, paguei a conta e fui embora. À Tamara enviei uma
mensagem narrando uma suposta urgência, sem carona até a casa da sua mãe
ela não ia ficar.
Minha irmã, que sempre dizia que eu era melhor com rolos do que
com namoros, errou feio. Eu era péssimo com qualquer espécie de
relacionamento.
Capítulo 03
Maria Clara

Sequei o cabelo apenas porque não gostava de sair com ele molhado — ou
porque cresci ouvindo minha mãe dizer que não era elegante —, uma dor de
cabeça me acompanhava desde que acordei. Na verdade, desde que tentei
dormi, no meio da madrugada.
Fiz uma maquiagem leve e troquei de roupa, já estava me atrasando
para chegar ao trabalho.
Passei toda a manhã alimentando o sistema da loja com informações
sobre as vendas realizadas nos últimos dias e o fluxo de caixa.
Pausei o trabalho quando ela me chamou para almoçar. Era uma
sensação boa não ver o tempo passar. Outra melhor ainda, ser útil e ficar
satisfeita com o que fez, ainda que fosse uma atividade meramente
operacional e burocrática.
Escolhemos um restaurante pequeno próximo ao escritório e fomos
caminhando, mas seguidas dos seguranças, que estavam sempre a nossa
espreita. Não gostávamos de ter uma sombra atrás de nós duas, mas
sabíamos que não era uma situação negociável. Inclusive, com a gravidez da
Olívia, acho que ela concordava com tal cuidado.
— Vai, Clara, conte-me o que está te angustiando — pediu, antes
mesmo de chegarmos ao nosso destino.
Desde o nosso primeiro encontro, descobrimos afinidades em comum
e logo nos conectamos. Gostava de conversar com a minha cunhada e me
sentia à vontade para contar algumas intimidades.
Mas, daquela vez, estava cansada. Há muito tempo gostava da
mesma pessoa, fazia planos secretos a cada vez que ficávamos juntos e
precisava recolher os cacos toda vez que ele desistia de nós.
Uma noite perfeita, em que ele cozinhava para mim, fazíamos juras
de amor, não nos desgrudávamos até o amanhecer e, então, o sol nascia com
a dura realidade de que ele iria recuar.
Estava cansada de amar sozinha, de me envolver com outros homens
e não conseguir me entregar, cansada de sonhar que um dia Paulo e eu
poderíamos dar certo.
Acabar com as nossas idas e vindas teria que partir de mim, eu sabia.
E é o que faria. Dormi, na noite passada, determinada a tirá-lo da minha
vida. Na verdade, o que tive foi um cochilo depois que cheguei em casa e
deixei o choro sair.
Paciente e em silêncio, Olívia aguardava que eu dissesse algo, soltei
um suspiro e resolvi contar. Prometi a mim mesma que seria a última vez
que tocaria no nome dele.
— Ontem eu o vi — contei, já sentindo meu peito formigar.
Não era possível ser sempre tão rendida dessa forma, meu corpo
reagia só de falar sobre ele.
— E como foi? — perguntou, cautelosa.
— Péssimo. — Dei um sorriso seco. Chegamos ao restaurante e
fizemos os pedidos. — Fui jantar com o João e a Flora, os três com dor de
cotovelo. E ele chegou com uma mulher.
Ontem parecia a noite dos abandonados, embora a ideia inicial fosse
comemorar meu novo trabalho. João, que recente teve o noivado desfeito,
Flora que descobriu uma traição e eu, bom, eu que na última vez em que
estive com Paulo, acordei sozinha em seu apartamento com um bilhete sobre
a mesa de cabeceira, quase um convite para dar o fora dali.
— Paulo é um idiota.
— Eu sei que ele é maneiro com você, como amigo ele é ótimo.
Desde o episódio do seu sequestro, eles se aproximaram. Além disso,
Paulo é um dos melhores amigos do meu irmão e também o seu chefe.
Vivem juntos. Já o vi largar momentos de lazer e descanso para ajudar algum
amigo, o problema dele é com mulher, ou apenas comigo.
— Queria ter um bom conselho, Clara. Mas não tenho. Também sou
passional e acredito que a gente não manda no coração.
— Não posso mais recair. Nunca saio inteira, sabe? — Meus olhos
marejaram e segurei firme para que as lágrimas não escorressem. — E já
está claro que sou apenas o fetiche dele de sair com a irmã mais nova do
amigo.
— Olha, confesso que não acredito muito nisso. Acho que tem algo a
mais para ele sempre fugir. Mas, de todo modo, essa situação faz mal a você.
Então, talvez o melhor mesmo a fazer é não se aproximar.
— É isso.
Foi horrível vê-lo chegar ao restaurante com outra mulher, ainda
mais Tamara, uma amiga sua de anos e que vivia em sua cama. Tínhamos o
combinado tácito de não aparecer na frente do outro com outra pessoa. Ele,
inclusive, já deixou de ir em aniversário do Lui porque estava namorando e,
obviamente, eu estaria lá.
Tudo bem que fui eu quem, muitas vezes, descumpri o acordo e
apareci com algum homem onde sabia que ele estaria. Em todas as
oportunidades Paulo deu um jeito de colocar o cara para correr.
Em contrapartida, sua última namorada, Daniele, uma policial da sua
delegacia, que, para o meu azar, também era amiga do meu irmão e parecia
saber o que rolava entre nós dois, pois quando me encontrava, dava um jeito
de me provocar.

∞∞∞
Fui embora para casa animada com muitas expectativas para o dia
seguinte e com a difícil missão de conversar com os meus pais, teria que
contá-los que não exerceria a advocacia e que iria trabalhar com a Olívia. No
entanto, não estavam em casa quando cheguei.
Depois de um banho e jantar a salada que Soninha — a funcionária
que trabalhava em casa desde sempre — deixou pronta, comecei a colocar
alguns planos em prática. O primeiro deles foi me inscrever em um curso
básico de administração, para não ficar tão perdida com o financeiro da
empresa; o outro foi retomar os meus estudos sobre moda. Sempre gostei de
me atualizar a respeito e agora não seria apenas por hobbie.
Passava da meia-noite quando guardei o computador e decidi ir
dormir, pois no dia seguinte chegaria cedo ao escritório. Escovei os dentes,
passei os meus cremes no rosto e arrumei a cama. Antes, chequei pela última
vez as mensagens no celular, foi quando meu coração perdeu uma batida.
Ele não tinha aquele direito.
“Eu fui embora para casa sozinho.”
A minha vontade era responder um foda-se em letras garrafais.
Respirei fundo, pensei muito no que dizê-lo, desejei ainda mais correr para
os seus braços e exigir que não fosse tão idiota, para, ao final, decidir por
ignorá-lo e tentar dormir.
Precisava tirar Paulo da minha vida, da minha pele, dos meus
pensamentos.

∞∞∞

Paulo

Que dia do cão eu tive.


A programação para aquela segunda-feira era de serviços
administrativos e muito estudo. Há cerca de um mês, havia aberto uma
investigação e precisava reunir provas e escolher a melhor estratégia para
desenvolvê-la.
Eu não colocava uma operação na rua sem antes estudá-la a fundo,
listando todas as variáveis e os possíveis pontos fracos. Não jogava para
perder, nunca.
Mas o dia começou ruim. Doutor Chaves, Superintendente da Polícia
Federal e meu chefe, apareceu na delegacia e não era nem oito da manhã. A
sua presença em minha sala tão cedo sempre exalava cheiro de problema.
— Quero os nomes, Diniz. Vamos caçar esse filho da puta — o velho
exigiu, com uma carranca que não lhe era muito particular.
— Deixa comigo, doutor Chaves. — Houve uma queima de arquivo
na carceragem da PF de São Paulo e eu precisava descobrir quem deu a
ordem. Tinha as minhas desconfianças, mas teria que agir com cautela para
não errar.
— Saiu daqui de dentro — acusou.
Uma merda isso, a atenção teria que ser redobrada. Alguém da minha
delegacia estava metido em treta e seria eu a entregar o nome ao chefe.
— Eu sei, não vai ficar por isso mesmo.
— Acho bom.
Um último olhar e me deixou sozinho na sala. A urgência que surgiu,
tirou-me dos planos iniciais e ter que investigar alguém que estava fazendo
merda debaixo do meu nariz deixou-me puto demais. Era muita audácia e
muita coragem de me fazer perder tempo. Antes de entregar o idiota ao
doutor Chave, eu faria a minha própria retaliação.
— Camila, diga ao Brandão para vir até a minha sala — pedi a minha
assistente e, em poucos minutos, Lui entrou na sala.
— Fala, chefe — meu amigo era o melhor agente que já conheci.
Inteligente, correto e corajoso, ninguém o superava.
— Senta aí — ele se jogou em uma cadeira diante da minha mesa, já
com o olhar atento.
— Treta?
— Das grandes. — seus olhos brilharam e não segurei um riso seco.
Lui era quase que movido a problemas e desafios. — Um imbecil pediu a
cabeça de um preso lá da carceragem.
— Policial? — perguntou. Sua expressão era de completa atenção.
— Agente federal daqui da delegacia — complementei.
— Só pode está brincando.
— A corregedoria está pronta para acabar com a raça do desgraçado.
— Vi o doutor Chaves indo embora...
— Veio me dar a notícia pessoalmente. — Estendi em sua direção a
pasta que o superintendente me entregou. — Aqui, preciso da sua ajuda. E,
claro, em completo sigilo.
Rapidamente ele folheou os primeiros documentos, concentrado e
absorvendo as informações.
— Deixa comigo. — Por alguns segundos, desviou o olhar dos
papéis, encarando-me. — Eu ia para a rua daqui a pouco.
— Davi vai em seu lugar. — Enquanto conversávamos, pedi a
Camila que chamasse o outro agente. — Esse caso será a nossa prioridade.
Pode ser qualquer um daqui, Lui, não podemos dar bandeira.
De pé, servi um café que meu amigo recusou e, conhecendo-o, não ia
descansar até desvendar o caso.
— Vou te entregar um nome, sabe disso.
— Eu sei.
Comandar um lugar sem saber quem está traindo a sua confiança é
uma das piores merdas para lidar. E era a segunda vez em um curto espaço
de tempo, pois recentemente tive um agente que passava informações sobre
investigações para a quadrilha do Armando Muller, que, inclusive,
sequestrou Olívia, noiva do Lui, em retaliação as nossas ações.
Tenso e querendo matar o responsável, listei os funcionários da
delegacia e tracei o perfil de cada um. Com exceção do Lui, por ele eu
realmente colocava a mão no fogo.
Um dia de merda, em que tive que deixar de lado a importante
investigação que havia iniciado.
Depois que Davi saiu, não recebi mais ninguém em minha sala, até o
início da noite, quando meu amigo me procurou.
— Consegui excluir sete pessoas da lista de funcionários. Pode riscá-
las como os possíveis culpados — disse, puxando uma cadeira para se sentar.
— Alguém próximo? — perguntei, interessado, ele, por sua vez,
estendeu em minha direção um relatório impresso.
— Todos eles — suspirei, um tanto aliviado.
— Bom, muito bom.
— Estou indo embora, prometi jantar com a Olívia — tão rápido
quanto entrou, Lui já estava de pé, caminhando para a porta.
— Vai lá, papai.
A vida do meu amigo mudou completamente desde que conheceu e
se apaixonou pela mulher que agora era a sua noiva. De mulherengo, passou
a ser o cara tranquilo e que tinha uma rotina caseira. Se me contassem alguns
meses antes, eu jamais acreditaria. Fato é que a agora ele parecia em um
estado de constante felicidade.
Fechei os olhos por um instante e apertei as têmporas.
Eu tinha a profissão que sonhei desde o fim da adolescência, uma
família unida e com quem me relacionava bem, amigos fiéis e de longa data,
pouca dificuldade em ter a mulher que queria, além de uma conta bancária
recheada. O que faltava em minha vida?
Há alguns anos, apaixonei-me pela irmã do meu amigo, fugi o quanto
pude dos meus sentimentos, até que chegou um momento que tudo o que eu
queria, era vivê-los.
Estava cansado de fingir ser indiferente a Maria Clara. Cansado de
me envolver com mais mulheres do que poderia lembrar e não sentir nada,
nada além de tesão.
Encerrei o expediente às dez da noite, a cabeça fritando, várias
possibilidades sendo formadas em minha mente. Depois de um banho e de
tentar alguma coisa na televisão, fui para a cama. Devia ter ido ao 001 e
pegado algum treino de luta, para liberar energia. Não o fiz e agora não
conseguia dormir.
Desafiando a mim mesmo e a minha resistência, peguei o celular e o
aparelho pareceu queimar em minha mão.
Rolei os meus contatos e parei em seu nome, fazia pouco tempo que
ela havia me desbloqueado no aplicativo de mensagens. Sem pensar muito,
fiz o que desejava o meu coração.
“Eu fui embora para casa sozinho.”
O olhar magoado que me lançou na noite anterior, quando nos
encontramos no restaurante, não saía da minha cabeça. Achei pertinente
contar que não tive companhia quando saí de lá.
Esperei por uma resposta atrevida ou uma ligação para me chamar de
cretino, mas não houve nenhuma reação da sua parte, Maria Clara me
ignorou.
Acho que merecia, se dependesse apenas dela, talvez estivéssemos
vivendo algo legal e eu não estaria indo dormir sozinho. Sentia sua falta, das
suas frescuras e de mimá-la, dos longos beijos e do sexo gostoso que
fazíamos, falta de envolvê-la em meus braços e ser eu a me sentir em casa.
No ímpeto, enviei mais uma mensagem. Estava sendo imprudente,
tinha consciência. Mas também sincero.
“Tudo bem você não responder... Tenho sentindo saudades de nós dois.”
Mais uma vez, ela não respondeu. O melhor a fazer era dormir.
Capítulo 04
Maria Clara

Mais um dia de trabalho e a nova rotina era chegar em casa, tomar banho,
comer uma salada e estudar. Saí do quarto para ir até a cozinha, mas antes de
chegar à escada, ouvi vozes vindas da sala. Apressei o passo quando me dei
conta de que eram os meus irmãos.
Fazia anos que Lui havia saído de casa, já João, foi recente, e eu
sentia falta de tê-los sempre por perto.
Ainda que eles sempre tenham tido rotina corrida com estudos e
trabalho, morando embaixo do mesmo teto conseguíamos desfrutar de um
lanche no balcão da cozinha, um filme fora de hora ou ficar batendo papo na
varanda do quarto de algum de nós.
— Chegaram juntos? — perguntei e ganhei abraços dos dois.
Estavam arrumados e segurei o riso, eles não gostavam muito quando
falávamos, mas pareciam irmãos gêmeos. Eram bastante parecidos
fisicamente e, quando usavam o mesmo padrão de roupas, como naquele dia
em que estavam com peças na cor preta e jaqueta de couro, ficavam como
cópia do outro.
— Estamos indo ao 001, passamos só para dar um oi. — Lui contou,
com o olhar fixo nos meus.
— Ah sim...
— Quer ir com a gente? — João convidou e o olhar que o meu outro
irmão dirigia a mim intensificou ainda mais. Entendi que era para passarmos
um tempo com o mais velho.
— Hum, eu quero!
Não queria, óbvio. Preferia mil vezes ficar, naquela noite fria,
quietinha em casa. Mas também não negaria. João tentava disfarçar ou
esconder de nós, sua família, o que sentia, mas era visível que estava mal
com o fim do noivado com a Isadora.
— Cinco minutos para trocar de roupa — Lui avisou, apontando para
o relógio em seu pulso, como se já tivesse contando o tempo.
— Mas eu ainda não jantei.
— Vai comer um mega sanduíche com os seus irmãos. — Revirei os
olhos para o João, todos sabiam que eu não era fã de comidas gordurosas,
mas, vencida, virei de volta em direção a escada.
— Oi, filha! — seu Heitor topou comigo, não parei porque o relógio
estava correndo.
— Vou sair, papai.
Seria só uma noite entre irmãos, eles iriam delirar de tanta alegria por
ficarem dando tiros na pista aberta do 001 e depois íamos comer porcaria na
lanchonete do clube de tiros, do qual João e Lui, junto de um amigo
chamado Renan, eram donos.
Não é um esporte que eu goste, mas, muitas vezes, para ter
momentos em família, já que meus pais também amam atirar, eu os
acompanho. Há pouquíssimo tempo, pedi que Lui me ensinasse o esporte,
iniciamos as aulas e até que me saí melhor do que imaginei. Porém, por ser
iniciante e inexperiente, só posso atirar dentro das baias e guiada por
instrutores.
João, que estava dirigindo, entrou com o carro no estacionamento e
senti meu corpo gelar ao avistar a Land Rover que eu conhecia como a
palma da minha mão.
— A turma está aí — Lui avisou, checando o celular, enquanto
descíamos do carro. — Não me falaram que viriam hoje. — Continuou
falando, referindo-se aos seus amigos da delegacia.
Não me manifestei e João passou o braço por cima dos meus ombros,
deixando um beijo no topo da minha cabeça.
— Podemos ir embora, se quiser. Invento uma desculpa qualquer.
Quis muito dizer sim a sua proposta, mas estávamos ali para distraí-
lo. Então, recusei e disse que tudo bem seguirmos com a programação.
Boba como só eu conseguia ser, desejei ter me arrumado um pouco
mais, na pressa que os meninos me impuseram, só me preocupei em
proteger-me do frio. Escolhi uma calça legging de couro, um tricô enorme,
botas e prendi o cabelo em um rabo de cavalo. O rosto estava limpo de
maquiagem e os únicos acessórios que usava eram um brinquinho e um anel
que ganhei dos meus pais e nunca tirava. O ar frio tocou minha pele e senti
todo o meu corpo arrepiar. Talvez nem fosse somente pelo clima, mas pela
expectativa de encontrá-lo.
Seguimos pelo caminho de pequenas pedras até chegar à área
administrativa do clube, tendo sido recebidos por Renan.
— Então, hoje é dia de ver o clã Brandão na pista — ele
cumprimentou meus irmãos com toque de mãos e puxou-me para um abraço.
Renan era a cabeça pensante da sociedade e quem cuidava de perto
do negócio, acompanhando cada parte e atividade do 001.
— Só a parte masculina do clã, você sabe — lembrei-o, já que minha
mãe não estava ali e ele riu, depois de beijar meu rosto.
— Cada dia, mais bonita! — elogiou e ganhou um empurrão do Lui.
— Já pode soltá-la.
A brincadeira besta de sempre, eram amigos de anos e Renan nunca
faltou com respeito comigo, pelo contrário, tratava-me muito bem e eu me
sentia à vontade perto dele.
Seguimos para a pista aberta, onde apenas quem era sócio do clube
podia atirar. A cada passo que dava, sentia minhas pernas enfraquecerem um
pouco. Desejei que Flora, Olívia ou alguma outra amiga estivesse ali para
me distrair.
Logo que despontamos após o corredor da área administrativa do
clube, a turma da delegacia veio ao nosso encontro.
Apenas um olhar em minha direção, um misto de surpresa e fogo, foi
o suficiente para fazer com que o meu coração perdesse uma batida. Paulo
tinha o poder de remexer tudo dentro de mim.
Olhava-me com devoção, a mesma que tinha quando me beijava por
inteira e dizia que iria adorar meu corpo com a sua boca. A lembrança
causou-me arrepios e, não tive dúvida, estava longe de sentir frio.
Não desviei meus olhos dele, mas perdi todo o brilho quando sua ex-
namorada ou, quem sabe, tão atual como nunca, surgiu ao seu lado e enlaçou
o braço no seu, não sendo afastada.
Engoli em seco. Por duas vezes, quase que seguidas, eu o via com
alguma mulher. Se, por um milésimo de segundo, quis estar em seus braços e
responder em seu ouvido as mensagens que enviou no dia anterior, agora
sentia raiva.

∞∞∞

Paulo

— Finja, estou te ajudando. — Daniele sussurrou, quando a olhei com a


cara fechada, por ter vindo cheia de intimidade para o meu lado diante da
Maria Clara.
— Jura? — ironizei, puto da vida.
Quando vi algo brilhar em seus olhos, depois da nossa intensa troca,
minha ex-namorada apareceu para ferrar com tudo.
De novo, eu a havia magoado. E eu também me sentia cansado disso.
— Não estão conseguindo disfarçar, ok? Lui está de olho. — Fingi
não saber sobre o que ela falava, mas liguei o sinal de alerta.
Não fazia ideia de que Daniele sabia sobre o que rolava entre Maria
Clara e eu, mas não era o momento ideal para discutir tal assunto. Desviei o
olhar para Lui e meu amigo tinha a sobrancelha erguida em minha direção.
Não achava que fosse por desconfiar que eu tinha um caso com a sua irmã,
mas sim uma zombaria muda por Daniele ainda estar com o braço agarrado
ao meu.
Trocamos cumprimentos e logo estavam todos envolvidos em uma
conversa amena, exceto Maria Clara e João, que haviam ido até à sala de
armas.
Quando retornaram, conversaram rapidamente na beira da pista e ela
ficou na companhia do Renan.
— Maria Clara Brandão! — Uma voz masculina, chamando-a
ganhou toda a minha atenção, sem qualquer tentativa de disfarçar o interesse
virei na direção em que ela estava e a encontrei em um longo abraço com um
cara que vi mais cedo no clube, quando cheguei.
— Nicolas, que novidade você por aqui! — O cara era um
engomadinho, usava calça justa, camisa de gola e suéter, além do cabelo
penteado para trás com gel. Quase ri da cara dele, se achava que Maria Clara
gostava daquilo. Mas era nos braços dele que ela estava.
— Digo o mesmo!
— Tenho vindo mais vezes — ela contou, ainda próxima demais
dele. Esqueci de tudo ao meu redor para poder ouvir a conversa.
Que se danasse quem estivesse ali por perto, inclusive meu amigo,
Maria Clara distribuía sorrisos para outro homem e eu que não ia fingir que
não estava vendo.
— Então, ainda bem que aceitei o convite do meu primo!
Revirei os olhos para o papo juvenil, meu estômago revirando junto.
Uma voz diabólica assobiava o tempo todo em meu ouvido que eu tive
muitas chances de mudar aquela história, poderia estar sendo feliz e
realizado ao lado dela, mas me faltou coragem, confesso.
— Vai atirar? — Ela perguntou e quase gargalhei.
Na verdade, devo ter feito sem perceber, pois vi algumas cabeças
virando em minha direção. Convenhamos, com aquele sapato brilhando de
tão lustrado e o cabelo impecável, a última coisa que ele faria seria pisar na
pista de tiro, quanto mais atirar.
— Claro que não... — respondeu, tranquilo e pegou sua mão. —
Vamos para a lanchonete?
— Acho ótimo.
Trinquei os dentes e quase voei sobre ele, exigindo que tirasse a mão
dela. Mas não podia, não tínhamos nada. E, até então, por minha decisão.
O moleque não atirava, não pertencia àquele ambiente, mas a havia
levado para bem longe dos meus olhos e sabe-se lá o que estavam fazendo.
Perdi toda a concentração e, se tivesse um pouco de discernimento,
sequer teria encostado em alguma das armas.
Fui imprudente por alguns instantes, até que, depois de preparar o
primeiro fuzil que separei para o treino e dar o primeiro disparo, avisei que
não ia continuar.
Inventei uma indisposição e que precisava de água, marchei em
direção à lanchonete sob o olhar severo do João e, inconformado, da minha
ex.
Estava feito, não ia permitir que aquele idiota encostasse ainda mais
em Maria Clara.
Quando me aproximei da lanchonete, pude ouvir as risadas vindas da
mesa que eles ocupavam, não comiam nada, apenas tomavam suco natural.
Senti inveja daquele ar despreocupado e leve que o almofadinha ostentava.
Ele quis passar um tempo com ela, convidou-a e ganhou um sim. Mais
simples, impossível.
— Posso me juntar a vocês? — Meu olhar foi direcionado a mulher
que tirava todo o meu sossego e que me encarava entre um misto de
descrédito e raiva.
— Já se sentou. — Ela respondeu, entredentes. O engomadinho
disfarçou mal com um riso e dei de ombros.
De fato, não dei tempo para qualquer autorização e já estava
acomodado ao lado deles.
— Um suco? — O tal Nicolas ofereceu, apontando para a própria
taça.
— Claro que não, vou querer uma cerveja — respondi orgulhoso e
peguei Maria Clara revirando os olhos. — Já fizeram o pedido do que vão
comer? — perguntei, fingindo ler o cardápio.
De relance, vi que o cara ia responder, mas ela tomou a frente.
— Estamos de saída, vamos jantar em um restaurante de verdade.
Eles levantaram da mesa e, mais do que depressa, também me
coloquei de pé e parei diante dela.
— Não pode ir embora. — Sua resposta foi cruzar os braços e erguer
a sobrancelha. — Seus irmãos, você veio com os seus irmãos. — Eu estava
fazendo um baita papel de ridículo e louco para quebrar a cara do idiota que
acompanhava as suas reações e não tirava um sorrisinho cínico do rosto.
— Acredite, não preciso da autorização ou aprovação dos meus
irmãos para nada nessa vida. Boa noite, Paulo. Vamos, Nic?
Indireta mais direta, impossível. O idiota, na verdade, era eu.
Capítulo 05
Maria Clara

A respiração ofegante pós-corrida trazia-me satisfação, desde novinha que


gostava de me cuidar, esforçava-me para ter uma alimentação minimamente
saudável e me exercitava habitualmente.
Diminuí o ritmo na esteira para uma caminhada rápida e tirei o fone
de ouvido, Flora fez o mesmo ao meu lado.
— Fico imaginando se não há algum motivo para Paulo agir dessa
forma... — Ela voltou ao assunto, fazendo-me arrepender de tê-la contado
sobre a noite anterior.
— Sendo um frouxo? Porque ele tem toda aquela marra de delegado
e tal, mas não tem coragem de assumir que já teve um rolo com a irmã do
amigo. — Cuspi as palavras e precisei respirar fundo.
Ninguém, absolutamente ninguém, confundia-me da forma como
Paulo conseguia com maestria. Mas não permitiria que me enganasse mais.
— Amiga, longe de mim querer defendê-lo, mas é que essa conta não
fecha, sabe. — Ela insistiu e bufei impaciente.
— Fecha, sim. Eu sou uma idiota que até hoje não percebeu ou,
percebeu e finge não saber, que Paulo me quer em sua cama ou nos seus
domínios. Nada além disso. E que cada vez que está na cama dele, acha que
será diferente. Mas nunca é.
Encaramo-nos, desliguei a esteira encerando o treino de corrida, e
ela, então, pareceu render-se.
— Não contou como foi o jantar com o Nicolas...
Conhecemos Nicolas na época do colégio, através de amigos em
comum. Ele mudou para Curitiba, depois foi para Estados Unidos cursar a
faculdade e perdemos o contato. Há poucos meses, mandou-me mensagem,
dizendo que havia me visto em uma foto com o seu primo, que é o Renan. A
conversa rendeu e, desde então, retomamos o contato.
— Pode imaginá-lo zombando de mim por Paulo ter tentado marcar
território, ao mesmo tempo em que flertava.
Rimos juntas, isso ele também conseguiu, arrancar boas risadas
minhas. Até que a companhia não foi ruim e amenizou o fato de que fui
embora quando só saí naquele dia para ser uma boa companhia ao João.
Chequei o relógio e era a hora de ir embora, tentaria encontrar meus
pais em casa e conversar sobre o meu novo trabalho.
Não que eles não soubessem, seu Heitor e dona Lêda eram espertos
demais. Portanto, já haviam sacado que eu estar enfiada no escritório da
Olívia significava estar caindo fora do negócio da família. No entanto,
também sabia que eles esperavam ouvir da minha própria boca a novidade.
Eu devia isso aos dois.
Assim que entrei em casa, ouvi uma música suave vinda da sala da
lareira. Ao me aproximar, vi meus pais acomodados no tapete felpudo e
tomando vinho diante da lareira acesa.
Os dois viviam como eternos namorados, sempre juntos, cheios de
carinhos e era nítido que não deixavam apagar a chama do relacionamento.
Um exemplo para os filhos.
Antes que eu decidisse entrar na sala, eles me viram, seu Heitor
primeiro.
— Chegando agora, filha?
— Oi papai, oi mamãe. Sim, acabei de chegar.
— Como foi o seu dia? — Dona Lêda perguntou, depois que beijei
os rostos deles. Antes que eu respondesse, papai saiu do tapete e foi até a
pequena cristaleira que ficava em um canto da sala, pegou uma taça e me
serviu um pouco do vinho.
Aceitei a bebida e me joguei no sofá, de frente para eles, apenas uma
mesa de centro em madeira, separando-nos, sem me constranger por
interromper o momento romântico dos dois.
— Foi ótimo! — Dois pares de olhos me analisaram e, obviamente,
não se deram por satisfeitos com a minha resposta. — Tenho ficado esses
dias com a Olívia. — Complementei.
— Seu irmão contou que o negócio dela está indo bem — papai
comentou, interessado.
— Está sim. Tem muito serviço e ela está cheia de ideias e energia. A
marca tem tudo para ser crescer e ser um sucesso.
— E o que tem feito lá, Clara? — Mamãe quis saber.
— Eu... — Fiz uma pausa procurando as melhores palavras e quase
me senti intimidada com eles me aguardando. — Bom, tenho feito um pouco
de tudo, Olívia tem me mostrado como funciona cada parte da empresa.
— Sirva-se, filha. — Ela indicou a tábua de frios sobre a mesinha de
centro e neguei.
— Obrigada, mamãe, mas não estou com fome.
— Coma, trabalhou dia todo. — Insistiu e me servi de queijo e uma
torradinha com pasta.
— Obrigada!
— Quando vai nos contar que está trabalhando para a Olívia? —
Papai perguntou de supetão e senti meu rosto queimar. Quem mandou ficar
dando voltas para contar algo tão simples? Tudo bem que, teoricamente,
ainda não havia me desligado do escritório deles, mas bastava ter avisado
que não pretendia voltar.
— É que ainda não é trabalho — menti e foi um tiro no pé, pois os
dois riram. Eu também.
— Ah, então está fazendo serviço voluntário? — Questionou, em
deboche.
— Papai.
Ele não se abalou com a minha súplica, ao contrário, serviu-nos,
calmamente, de mais vinho.
— Sabe, não sei por que você e João fazem tanta cerimônia conosco
quando o assunto é profissão. Seu irmão ficou anos na área criminal apenas
para nos agradar. Não tenho do que reclamar, pois ele é excelente no que faz
e nos ajudou muito a ter um pouco de descanso. Mas estava infeliz. Agora
estou vendo meu filho trabalhar animado e com brilho nos olhos. — Isso era
verdade, João só não estava mais feliz por ter tido o coração partido pela ex-
noiva. — E você, bom, você parece uma garotinha assustada ao esconder
dos pais que não quer advogar. —Acusou-me, sem qualquer polimento, seu
Heitor era assim quando perdia a paciência.
— Calma, meu amor. — Mamãe pediu e ele abrandou a feição séria,
deixando um beijo no topo da cabeça dela.
— Criamos vocês para serem adultos fortes e decididos. Se não quer
advogar, procure outra coisa para fazer, parece-me simples. — Ele concluiu
e balancei a cabeça em confirmação, tentando assimilar tudo o que ouvi. Tá,
eu poderia escolher, menos alguma profissão policial, pois eles não trataram
com naturalidade, para não dizer que surtaram, quando Lui contou da
aprovação no concurso da Polícia Federal, mas, preferi me calar.
— Não gosto de advogar — contei e quase me ofendi com o riso alto
e solto vindo deles.
— Sabemos disso. — Mamãe tentava se recuperar do rompante, mas
ainda ria.
— Olívia me convidou para trabalhar com ela.
— E você aceitou — complementou e confirmei.
— É.
— Então, levante a cabeça e faça o seu melhor, filha.
— Um brinde ao novo emprego da Maria Clara. — Papai elevou sua
taça até o centro da mesinha e imitamos o seu gesto.
Depois, chamou-me para perto deles e me envolveram em um
abraço. No fundo, eu sabia que eles não se oporiam, até porque sou adulta.
Mas não eram de dar moleza para filho. Se eu queria seguir outra profissão,
teria que correr atrás e enfrentar as minhas decisões.
— Vocês são inacreditáveis. — Rimos juntos e então, de pé, peguei
minha bolsa sobre o sofá. — Agora vou deixar o casalzinho namorar.
Depois de um banho e de me alimentar, fui para debaixo do edredom,
levando comigo o computador para estudar.
Sem poder controlar meus pensamentos, não saía da minha cabeça se
receberia alguma mensagem daquele delegado idiota. Ainda que não
pretendesse responder.
Na noite anterior ficamos cara a cara, vi o desejo em seus olhos e,
podiam me chamar de doida ou iludida, mas ali, também, tinha um
pouquinho de amor.
Não era possível Paulo ser tão indiferente ao que já tivemos. Ou seria
só o seu ego gritando quando morria de ciúmes por me ver ao lado de outro
homem? Foi assim desde a primeira vez em que nos beijamos.
A nossa história era recheada desses seus arroubos, como ontem no
clube de tiros.
O olhar ferino que me encaminhou quando me ouviu conversar com
Nicolas ou quando foi atrás de nós na lanchonete contrapunha com a sua
determinação em me afastar nos dias seguintes às noites em que passávamos
juntos.
Paulo era problema em minha vida, podia ser lindo, inteligente, com
um humor ácido que eu amava, excelente na cozinha e melhor ainda na
cama, mas era problema. E me fazia mal.
Consegui estudar por duas horas e, já cansada, liguei a TV e coloquei
em uma série que enrolava há mais de um mês para finalizar.
Já cochilava quando senti meu telefone vibrar na mesinha ao lado da
cama, de início, pensei que fosse alguma ligação, mas quando peguei o
aparelho vi que eram notificações de mensagens que haviam chegado no
aplicativo. Todas do Nicolas.
Ele perguntou como havia sido o meu dia, contou que ficaria mais
dias em São Paulo, diferentemente do que havia me falado na noite anterior,
e me chamou para jantar.
Mordi o lábio em dúvida.
Era um cara discreto para flertes, mas que não escondeu o interesse
em mim, com olhares, sorrisos e um toque ou outro na mão, cheio de
segundas intenções, mesmo mantendo o tom do nosso jantar na friendzone.
Não via problema em encontrá-lo, sabia que teríamos assunto.
Nicolas era um cara inteligente e viajado, além de ser lindo, mesmo que um
tanto diferente do homem que tinha o meu coração nas mãos.
Precisava mudar isso, tinha que pegar meu coração de volta, não
dava para continuar permitindo que Paulo fizesse o que bem queria comigo.
Pronto, mesmo dizendo a mim mesma que sequer continuaria a
pensar nele, fui lá e pensei, pior, em automático, lembrei da extensa lista de
mulheres que vivia em sua cama. Estava decidido, iria jantar com Nicolas.
Capítulo 06
Paulo

Coloquei para tocar no sistema de som uma playlist de jazz blues, acendi
um charuto e me estiquei na poltrona, de frente para a parede envidraçada na
sala do meu apartamento. Na mesinha de centro, havia um copo com uísque.
Era o meu momento de descanso, depois de dias insanos na delegacia.
Quando não era a música a me distrair, havia um livro em minhas mãos.
Naquela noite, nada parecia ser suficiente.
Os acordes de uma nova canção ressoaram pelo ambiente e fechei os
olhos.
Tinha conquistado tanta coisa na vida, poderia dizer com
tranquilidade que era um cara realizado. Mas não conseguia, o que faltava?
Ta aí a pergunta que fazia a minha mente brigar com o meu coração, no
entanto, eu sabia bem quem ganhava essa disputa, também sabia o que
faltava.
Enquanto a música tocava e eu bebericava o uísque, deixei-me levar
para dentro de mim mesmo e até que não foi ruim, precisava de um tempo
para pensar na vida e nos rumos que vinha seguindo.
Acordei para a realidade com o som do telefone avisado que havia
mensagens novas no aplicativo.
Peguei o aparelho e lá estava uma amostra do que era estar solteiro e
ter amigos também solteiros que aproveitavam a vida.
Ainda estávamos no meio da semana e recebi convites variados para
me divertir: noitada em uma boate, noitada em um clube privê, noitada na
casa de um amigo e, como o próprio anfitrião disse, o esquema era uma
proporção de cinco mulheres para cada homem.
Travei o telefone e o deixei sobre a mesinha de centro, voltando a
fechar meus olhos.
A semana estava agitada no trabalho. Tinha uma importante operação
para colocar nas ruas e estava gastando a minha energia investigando algum
agente lá de dentro que mandou matar um preso na carceragem. Que grande
merda.
Graças aos esforços do Lui, a investigação avançou e em poucos dias
já tínhamos dois possíveis nomes, sendo que, um deles, era quem desconfiei
de cara. Agora eu refletia qual seria a minha vingança particular. O idiota
que me arranjou esse problemão não passaria impune por mim.
Nunca passavam.
E pensar nisso me fez lembrar da grande motivação para não deixar
meu coração falar mais alto.
Brasília, alguns anos antes.
Não esperei o elevador e subi correndo pelas escadas, quando
cheguei ao andar do Lui, a porta do apartamento já estava aberta e ele me
aguardava.
— Estávamos certos? — perguntou, com o ar preocupado. Não me
chamou para entrar e nem disfarçou quando puxou a porta atrás de si,
deixando-a entreaberta e nós dois no corredor.
Será que aquele puto estava com mulher em casa? Só podia ser isso.
Nossa vida em Brasília era agitada. Havia pouco tempo que
estávamos na cidade, fomos designados para aquela Superintendência após
a aprovação no concurso da Polícia Federal.
Depois de um intenso período, preparando-nos para o concurso,
agora podíamos aproveitar um pouco. Não que planejássemos, mas a cada
hora estávamos com uma mulher diferente.
Pelo menos da minha parte, não prometia nada além de noites
prazerosas e elas nunca me cobraram algo diferente disso. Era bom para
todo mundo.
— Acabaram de sair da minha rua. Estão nos vigiando, Lui. Temos
que agir.
— Temos. Preciso de dois dias.
— Tá louco, cara? Vamos hoje mesmo. Tenho um bom plano.
— Hoje é impossível — de relance olhou para dentro do
apartamento.
Ele estava mesmo com mulher em casa. Será que não podia dar uma
pausa na festinha? Até onde sabia, ele não tinha foda fixa, muito menos
namorada. Bastava pedir gentilmente que a visita fosse embora e, então,
organizaríamos a ação para aquele dia.
— Estou pronta, Lui — a voz fina e feminina ressoou lá de dentro e
fez interromper qualquer pensamento dentro de mim.
— Não me disse que sua irmã estava aqui — acusei, entredentes, e
ele riu, ciente do que eu havia pensando anteriormente, sobre ter mulher na
casa dele.
— Chegou ontem.
Antes que eu pudesse dizer algo mais, a porta foi aberta e aquela
figura linda e perigosa, surgiu diante de mim.
— Oi, Paulo — cumprimentou-me, tímida e discreta.
— E aí, Maria Clara — respondi, da mesma forma.
— Saímos em cinco minutos. — Lui avisou-a e ela assentiu,
deixando-nos a sós.
— Dois dias, qualquer coisa me liga.
Ele me deu um aceno de cabeça, virei as costas e fui embora, agora
pelo elevador, sem nenhuma pressa de chegar na rua.
Assim que colocamos os pés em Brasília, o Superintendente nos
direcionou para auxiliar em uma investigação de peso na cidade. Para eles,
era interessante ter duas cabeças pensantes de fora e que nada sabiam sobre
as atrocidades que a quadrilha de tráfico humano estava realizando.
Bastou poucas semanas de trabalho para cairmos nas graças dos
delegados e do próprio Superintendente. Não ia negar, Lui e eu éramos bons
no que fazíamos e, o que enchia os olhos deles, nós dois tínhamos sede de
justiça e ainda mais de chegar a todos os culpados.
Assim, na primeira oportunidade, entregaram-me uma delegacia,
mesmo sendo recém-empossado no cargo de delegado, e colocaram Lui
para trabalhar comigo.
E foi aí que a nossa vida tornou-se um inferno. E o problema era,
quanto mais treta rolava nos bastidores, mais ardia em nós a ânsia para
implodir a enorme quantidade de investigação bomba que nos deparávamos.
A delegacia parecia ter sido abandonada no tempo pelo delegado
anterior ou nós dois éramos surtados demais pelo trabalho.
Até que, semanas atrás o Superintendente me convocou para uma
reunião e pediu cautela. Meu nome e o do Lui estavam em evidência demais
e corríamos perigo, pois investigamos uma quadrilha de tráfico humano e
depois uma de tráfico internacional de drogas. Por causa disso,
possivelmente, alguém podia querer as nossas cabeças. Meu chefe não
podia estar mais certo, no dia seguinte, encontrei uma bomba caseira em
meu carro, à noite foi a vez do Lui receber um recadinho carinhoso em
forma de caixa com fotos suas em vários momentos do dia, inclusive
entrando e saindo de casa. Era o jeito deles de falar que estavam de olho em
nós e sabíamos que não demoraria para uma retaliação nos atingir.
Suspirei fundo, Maria Clara não podia ser envolvida em toda a
sujeira que eu me metia por gostar demais de ferrar com a vida de bandido.
Tomei um longo gole do uísque.
Há algum tempo não deixava meus pensamentos fluírem com tanta
liberdade pelos os meus dias em Brasília. Evitava-os e o grande motivo era
ela, a mulher que eu tentava guardar em um cantinho escondido do meu
peito, mas que era livre demais para ficar ali presa e, rebelando-se, ocupava
quase que meu coração inteiro.
Saí da poltrona, peguei meu telefone e fui para a varanda. No
segundo toque, Natascha atendeu.
— Oi, lindo! — sua voz soou do outro lado da linha.
— Tudo bem? — perguntei, no fundo, um pouco frustrado, pois
esperava estar mais animado ao conversar com ela, sabendo do provável
rumo que a nossa conversa tomaria.
— Melhor agora! — respondeu, com a voz melosa.
Perto do fim do expediente, Natascha, com quem eu saía vez ou
outra, mandou mensagem. Éramos práticos, quando estávamos a fim de
sexo, bastava perguntar se o outro estava disponível.
— Já foi dormir?
— Prefiro dormir na sua cama!
— Então vem!
Soltei um suspiro e fui para a minha suíte tomar um banho rápido.
Essa era a minha vida, divertia-me com as mulheres que também
queria diversão, às vezes, até namorava, embora eu agora repensasse este
tipo de relacionamento, pois a minha última namorada fez da minha vida um
verdadeiro inferno com o seu ciúme.
Foi a conta de sair do banheiro e trocar de roupa para Natascha ser
anunciada na portaria do prédio.
Surgiu linda em minha porta, dentro de um vestido verde escuro que
combinava com a cor dos seus olhos e o ruivo dos seus longos cabelos. O
decote bem desenhado não deixava nada dos seus seios fartos para a
imaginação. Ao contrário, salivei apenas por desejá-los em minha boca.
Não a cumprimentei e não deixei que dissesse algo, com voracidade
tomei-a em um beijo quente e gostoso. Logo, desci a minha boca pelo seu
pescoço rumo aos dois montes cobertos pela pele macia. Beijei todo o seu
colo, mas não me demorei e, como desejei antes, caí de boca e alternava em
chupar os dois biquinhos, arrancando gemidos deliciosos dela.
Deixei-me entorpecer pelo momento, desejando sentir a libertação do
meu corpo e me entregando para que Natascha fosse satisfeita, mas como
vinha acontecendo repetidas vezes nas últimas semanas, o sexo foi
mecânico, do tipo que não merece ser lembrado.
Não chegamos a sair da sala, a noite resumiu-se em um sexo bem
meia boca no tapete da minha sala.
Não a convidei para passar a noite, não quis cozinhar para ela, foi
apenas prazer e momentâneo.
Soltei um suspiro, ansiando por um momento de relaxamento, que
não veio nem após gozar. O que estava acontecendo comigo?
Enchi o copo com mais uma dose de uísque, já passava de uma da
manhã e no dia seguinte tinha que chegar cedo à delegacia. Certamente,
arrastaria- me em um dia movido a café e energético.
Quem mandou se permitir lembrar justamente de Brasília? Que agora
pagasse o preço, pois nem um sexo satisfatório consegui ter.
Precisava, diariamente, lembrar-me dos motivos pelos quais me
mantinha longe de Maria Clara. Não me importava que ela me achasse um
cara medroso para admitir ao amigo que me apaixonei pela sua irmã.
A garota era inocente demais, como Lui costumava dizer, ela era o
sol da família Brandão, a única gota de inocência ali dentro. Não só ele, mas
o irmão mais velho e os pais não podiam ver um problema que lá estavam
metidos, todo mundo acostumado a lidar com sujeira o tempo todo.
Mas ela não, Maria Clara era luz, alegria, espontaneidade e, sim,
inocente demais, menos em uma área, mas isso a família não precisava
saber. Não conseguia nem perceber que os pais a mantinham em um
treinamento que não acabava no escritório, o que, claramente, era uma
artimanha para que ela achasse tudo muito chato e desistisse. O casal
Brandão não a queria no escritório e eu os entendia. Já bastava João metido
até o pescoço ali dentro e Lui correndo, tanto quanto eles, risco de vida
dentro da Polícia Federal, quando não expunha pessoas de fora, vide o
recente sequestro da Olívia.
Apaguei o charuto, que havia voltado a fumar depois que Natascha
foi embora, e fui para cama.
Freei a vontade de mandar alguma mensagem, não seria tão
imprudente de novo. Ao mesmo tempo, pensei nela saindo com o moleque
almofadinha que estava no clube de tiros. Era uma merda imaginá-la ao lado
de outro homem e, às vezes até vê-la, mas era a melhor opção. Um idiota
como Nicolas não a colocaria em situações de perigo. Era mais fácil o
segurança que a acompanhava também ter que cuidar dele.
Antes de pegar no sono, recebi uma mensagem da minha irmã.
“Não esquece o jantar de amanhã.”
Eu já havia esquecido e Bruna sabia disso. Mamãe ia ficar uma fera
se eu não aparecesse. Respondi a mensagem agradecendo o lembrete e fui
dormir.
Capítulo 07
Paulo

Desci do carro acompanhado da minha irmã. Quando a avisei que estava


saindo da delegacia, a mesma perguntou se eu podia dar-lhe uma carona,
pois o seu carro estava na revisão.
Nossa mãe nos aguardava no topo da escadaria, parada na porta da
casa. Uma cena tão familiar, lembro-me dela ali parada no fim da manhã,
recebendo-nos quando retornávamos do colégio, sempre com um abraço
apertado e nos mandando lavar as mãos, pois o almoço sempre já estava
pronto.
— Que coisa boa vocês terem vindo juntos, ainda fico agoniada com
a Bruna dirigindo à noite sozinha — dona Conceição nos abraçou e beijou,
guiando-nos para dentro.
— Sou cuidadosa, não se preocupe! — Minha irmã passou o braço
pelos ombros dela e beijou seu rosto.
Ao atravessarmos o hall e chegarmos à primeira sala, encontramos
nosso pai.
— Agora a casa está completa! — Seu Raul nos cumprimentou, mais
contido que mamãe, mas não menos afetuoso.
— Os exames ficaram prontos? — Questionei e ganhei seu olhar
contrariado seguido de uma carranca.
— Amanhã. O pessoal do laboratório disse que é só entrar no site e
pegar o resultado. — papai respondeu, sem muita boa vontade.
— Me avise quando os pegar.
Há um mês, buscávamos descobrir a causa para uma fraqueza que
vez ou outra ele vinha sentindo. Poderia ser apenas em decorrência da idade,
por deficiência vitamínica ou sinal de alguma doença. Assim, o jeito seria
investigar.
O problema era Raul Diniz ser um homem terrivelmente teimoso e
que, salvo se estivesse quase à beira da morte ou fosse obrigado pela família,
não via motivo para consultas e exames.
Ignorei a carranca e fiz mais algumas perguntas sobre como ele
estava se sentindo.
Mamãe e Bru saíram do sofá escondendo o riso e voltaram com
vinho e aperitivos, servindo-nos. Ficamos conversando amenidades até que a
funcionária avisou que o jantar estava pronto, portanto, fomos para a sala de
jantar e nos acomodamos ao redor da enorme mesa oval.
Os velhos queriam saber sobre o meu trabalho na delegacia, contei o
que deu, poupando-os dos detalhes pesados, logo, não sobrou muito para
atualizá-los.
Bruna, que percebeu meu entrave, deu um jeito de mudar o assunto
para si, tinha que lembrar de agradecê-la depois.
— Vou fotografar para a Olívia Torres, estamos fechando os detalhes.
— Ela contou, ganhando a atenção dos nossos pais.
— Que coisa boa, filha. Gosto de ver vocês cheios de trabalho e
felizes no que fazem. — Dona Conceição nos sorriu, carinhosa.
Se eu pudesse, compartilharia um pouco mais da minha vida com
eles, mas não dava. Quando não era sujeira do trabalho, eram relações não
muito convencionais com as mulheres.
Às vezes, eu até namorava, mas não escondia que curtia umas
extravagâncias na cama ou fora dela.
— Obrigada, mamãe!
— É a marca da namorada do Luiz Henrique, não é? — Dona
Conceição indagou.
— É sim!
— O seu amigo, Paulo? — meu pai quis saber.
— Ele mesmo.
— Veja, até o Luiz está namorando sério — minha mãe aproveitou a
deixa para me enviar um olhar sugestivo, fazendo todos rirem.
Pois é, aquele puto estava apaixonado e toda a sua vida pervertida
havia sido deixada de lado. Nada de compartilhar mulheres ou
frequentarmos as festinhas que gostávamos, sempre com muito sexo e
bebidas.
— Está noivo, Olívia grávida e devem casar em breve. — Não tinha
mais nada que agradecer a minha irmã, a engraçadinha bem que estava
gostando de dar munição à dona Conceição.
Depois do jantar, meus pais nos chamaram para ficar no alpendre de
casa, era quase que o lugar preferido deles e que me remetia muitas
lembranças. Ali, eu tive conversas importantes com meu pai, dei amassos em
uma namoradinha da adolescência, passei tardes nos finais de semana
tomando sorvete ao lado da Bruna... Pensando bem, também era um lugar
que eu gostava bastante.
Foi a nossa vez de servir as mulheres, segui com a garrafa de vinho e
papai levou as taças. Nos acomodamos nos sofás e ficamos entre curtir a
vista e calmaria do jardim de casa visto de cima e continuar conversando.
— Lêda deve estar radiante! — Mamãe retomou o assunto “família
Brandão” e dei de ombros, ela não iria parar de todo jeito.
Ouvi um ruído vindo de dentro da casa, era o meu telefone tocando.
Por alguns minutos conversei com o delegado plantonista e, segundo ele, um
investigado meu havia sido preso em flagrante e alinhamos que eu colheria o
depoimento na manhã seguinte.
— Maria Clara está trabalhando com a Olívia — ouvi Bruna
comentar, quando retornei ao alpendre.
— É mesmo? E faz quanto tempo isso? — E não escapou ao seu
olhar atento o meu súbito interesse no assunto.
Ela me analisou longamente, antes de responder.
— Recente...
— Prometemos apresentar Olívia a Felipa — lembrei-a, que agora
tinha a sobrancelha erguida para mim.
Há muito tempo que ela levantava suspeitas de um possível
envolvimento meu com a Maria Clara, mas sempre neguei com veemência e
ela nunca teve provas concretas, embora não estivesse errada.
— Verdade, qualquer hora dessas marcamos o jantar — respondeu,
sem esconder que queria saber aonde eu chegaria.
— Seria perfeito para o fim de semana. Vou estar de folga no sábado
e posso tirar o Lui do plantão. — Insisti tanto no assunto que os meus pais
também pareciam curiosos com o desfecho. Engoli um suspiro e tentei
manter a neutralidade.
— Nada como ele ser amigo do dono da delegacia. — Disse, em tom
de deboche, mas eu não ri e ela revirou os olhos. — Vou ver se Felipa e
Cadu estão disponíveis.
— Acho que é educado estender o convite a Maria Clara. — Cavei
minha cova, o engasgo da minha irmã e a crise de tosse que o seguiu
provava que me enrolei. Foda-se, eu queria um encontro com aquela
diabinha e ia conseguir. — O interesse da Felipa é na marca da Olívia e já
que a Clara está trabalhando por lá... — Tentei justificar, mas não colou,
obviamente. Até meus pais me olharam desconfiados.
— Pode ser.
Bruna foi quem encerrou a noite, dizendo que tinha um trabalho cedo
no dia seguinte. Eu queria fugir do interrogatório da minha irmã, que, com
toda certeza, viria. Então, covardemente, disse que precisava passar na
delegacia e não poderia deixá-la em casa, indo embora sozinho da casa dos
meus pais.
Tinha que me manter longe de Maria Clara? Sim. Queria? Não.
A minha mente era uma completa confusão quando se tratava dela.
Ora tinha muita convicção de que o mais seguro para Clara era não se
relacionar comigo e até conseguia mantê-la longe. Mas, em um instante
seguinte e próximo, rendia-me ao desejo quase que incontrolável de tê-la
comigo.
No fundo, não conseguia deixar de pensar em um mundo ideal onde
seguiria o meu coração. Não apenas com recaídas que machucavam nós
dois, mas, de fato, vivendo a paixão e o amor que sentíamos um pelo outro.

∞∞∞
Maria Clara

Tirei a bota que usava e subi em cima da mesa do cenário, para ajustar o
ângulo de uma das modelos que estava fotografando a nova coleção da
Olívia Torres. Depois de mais alguns cliques, sugeri outras poses e, então, a
liberei para mudar o look e o fotógrafo, junto com a sua assistente, foi até a
mesa que preparamos para fazer um lanche.
— Desde quando você é tão boa com fotografia? — Olívia perguntou
e sorri em satisfação.
Não conseguia colocar em palavras toda a minha felicidade e
empolgação com o meu novo trabalho, era como se tivesse nascido para ele.
— Há alguns anos, fiz um curso de férias em Londres, mas coisa
boba, nunca havia colocado em prática.
Todo o cenário e o roteiro para as fotos foram idealizados por mim,
claro que atendendo as sugestões da minha cunhada, mas fui eu quem
colocou a mão na massa. Igualmente, fiquei responsável pela estética e
direção dos vídeos promocionais e de marketing.
— Te achei bem técnica e criativa!
Agradeci, com um sorriso, tímida com os elogios e a chamei para nos
juntarmos ao fotógrafo.
— Já comeu?
— Para de ficar me empurrando comida — Oli reclamou e a ignorei.
— Toma, um bolinho. — Entreguei-o, junto com um copo de suco e
ficamos em um bate-papo animado, até que as modelos retornassem.
Durante a manhã, havíamos fotografado com a influencer Bru Diniz.
O trabalho ocorreu em separado, pois foi o único horário livre que ela
conseguiu encaixar na sua concorrida agenda.
No dia seguinte, passei toda a manhã fechando o material de
audiovisual junto a empresa responsável pelas mídias sociais da marca. A
minha ideia era, em breve, que absorvêssemos internamente tal função, mas,
para isso, precisaria estruturar uma equipe.
Almocei com a minha mãe, que parecia bem contente com o meu
novo trabalho, e retornei ao escritório no início da tarde.
Olívia havia ido para casa e avisou que iria trabalhar o restante do dia
por lá, pois estava muito enjoada.
Era sexta-feira e não tive ânimo para nenhuma das programações que
me chamaram, fiquei quietinha no meu quarto, comendo besteira e assistindo
filme.
No sábado de manhã, contudo, arrastei Flora para tomar café comigo
em uma padaria.
— Você já desmarcou três vezes, ele ainda tem esperanças que esse
jantar vai acontecer? — Sua ironia serviu para esfregar na minha cara que eu
até poderia parecer ser muito bem resolvida com a minha vida amorosa,
quase sempre com um pretendente a tiracolo, mas, que na verdade, sofria
para me envolver.
— Ele é um cara legal, merece mais do que a minha companhia. —
Flora gargalhou e nem eu conseguir manter a seriedade diante da baboseira
que disse.
— Ah, que solidária! — com um aceno ela chamou a garçonete, que,
prontamente, atendeu-a. — Traz uma água com gás, por favor! — pediu e,
então, reclamou comigo. — Essa torta está mais doce que o normal.
— Paulo vai oferecer um jantar em seu apartamento hoje — contei e,
diante da expressão debochada da minha amiga, arrependi-me no minuto
seguinte.
— E, deixe-me adivinhar, o delegado gostoso e cozinheiro, vai
cozinhar!
— Idiota! — Ela não se abalou e, de novo, riu da minha cara. —
Sim, ele vai cozinhar. Foi o que a irmã dele me disse.
— Foi convidada?
Durante o ensaio fotográfico, no dia anterior, Bruna, que também era
amiga da minha cunhada, reforçou o convite. Anteriormente, Paulo havia
combinado diretamente com Lui e sua irmã ligado para Olívia.
— Sim.
— Então, já entendi o motivo de recusar outro convite do cabelinho
de gel.
— Dá para parar com essas implicâncias? Não vou jantar com
ninguém, quero ficar sozinha. — E era esse o plano mesmo.
Não era tola o suficiente para me jogar na jaula do animal feroz,
como já fiz tantas outras vezes. E nem me odiava para me submeter à tortura
que seria estar na casa dele, na companhia dele e diante de muitas
lembranças que tinha daquele lugar.
— Não caia nessa. — Ela deu um longo gole no café e colocou de
lado a torta que reclamou estar doce demais, mas que não havia parado de
comer. — Vai é ficar na fossa em casa, pensando no que o delegado
cozinheiro está fazendo e no quanto ele fica ainda mais gostoso mexendo
uma panela e tomando vinho. — Fechei a cara e ela deu de ombros. Flora
era inacreditável. — Ai, Maria Clara, foi você quem disse.
— Mas não é para você repetir. E nem ficar imaginado a cena. —
Pois, sim, poucas coisas no mundo poderiam ser sexy nesse nível.
— Nicolas não está apaixonado por você, fique tranquila. Ele gosta
de uma boa conquista, tá pensando em sexo, mas não irá te constranger, sabe
disso.
— Eu sei... — Soltei um suspiro, ela tinha razão em tudo o que disse.
— É mais seguro estar com ele do que sozinha. — Divaguei.
— No seu lugar, eu pediria para ele me amarrar na cama caso eu
resolvesse ir embora mais cedo. — Praticamente, cuspi o gole de suco que
havia acabado de tomar, morta de vergonha, pois naquele exato momento a
garçonete parou atrás da minha amiga e, claro, que ouviu a asneira que ela
disse.
A mulher fingiu naturalidade e saiu depois de servir os croissants
recém-assados. No minuto seguinte, Flora voltou a tagarelar.
— Imagina enfrentar um jantar com Paulo e Lui no mesmo
ambiente? E dentro do território dele? Ainda mais que vocês já trans... —
Dessa vez, precisei chutar sua canela para fazê-la parar. — Ai! Parei.
— Não sei porque ainda sou sua amiga!
— Relaxa, não vou te lembrar que transaram na bancada da cozinha.
Vai, come essa tortinha aí e vamos logo para sua casa, vou te ajudar a
escolher uma roupa linda e sexy para hoje à noite.
Capítulo 08
Paulo

— Quero uma assinatura mensal da sua marca, Olívia. Como não te


conheci antes pessoalmente? Eu simplesmente amo todas as suas criações,
mesmo quando não sabia que você era a estilista das peças! — Felipa pegou
a mão da noiva do meu amigo, sobre a bancada da minha cozinha, e ganhou
um sorriso emocionado da mulher.
Ainda achava quase engraçado o encontro do Lui e Olívia, pois ela
era completamente diferente das mulheres com as quais ele se relacionou no
passado. Deve ser por isso que ele se apaixonou e estava prestes a casar.
Enquanto isso, meu amigo entregava à noiva o suco natural que
exigiu que eu providenciasse para o jantar.
— Olha, você está me dando ideias! Uma pena minha cunhada não
estar aqui, em pouco tempo ela se tornou a cabeça pensante do meu
marketing, uma gênia! — Comentou e ganhou um beijo do noivo na cabeça,
chamando, assim, toda a minha atenção. Eu parecia um viciado que não
podia ouvir qualquer coisa que se referisse à Maria Clara.
— Fico feliz em poder ajudar! Hoje, trabalha lá só vocês duas? —
Minha prima continuou a conversa e eu segui atento.
— Também tenho duas costureiras, elas produzem as peças pilotos.
Maria Clara começou comigo tem bem pouco tempo, mas já está
revolucionando a minha empresa, em breve, vou fazer contratações.
Minha irmã chegou mais perto, encarando-me com a sobrancelha
erguida, já tinha dado bandeira suficiente no jantar na casa dos meus pais e
agora parecia um ratinho na porta do esconderijo prestando atenção na
conversa das mulheres.
— Achei-a muito talentosa, não sabia da sua ligação com a moda. —
Bruna entrou no assunto e disfarcei enchendo minha taça e a do Cadu com
vinho.
Quis muito acender um charuto, mas o papai do ano disse que ia
incomodar a noiva grávida. Então, nada de distração com nicotina para mim.
— É formada em que? Moda? — Felipa quis saber.
— Direito. — ganhei toda a atenção desnecessária quando respondi
em uníssono com o Lui, além dos olhares mais que desconfiados das
mulheres. Ao menos, meu amigo, pareceu não dá importância.
— Então é algo bem genuíno.
— É sim! — Olívia confirmou e fui para trás da bancada, finalizar o
jantar.
Já havia servido algumas entradas e faltavam poucos detalhes da
Paella, prato que Cadu escolheu e achei uma boa, normalmente os
convidados curtiam bastante.
O assunto continuou sendo Maria Clara e, mesmo que tenha tentado
não prestar tanta atenção, não fiquei alheio ao que falavam.
— E porque essa garota não está aqui?
— Foi jantar com um carinha aí — foi Lui quem respondeu.
Não resisti e levantei o olhar para ele, deparando-me com a sua cara
de desgosto. Contive o suspiro e voltei ao trabalho.
— E o irmão não gostou — Cadu concluiu, mas não riu, pois
também tinha irmã e se solidarizou.
— O irmão não gosta dela com nenhum carinha, convenhamos. —
Olívia acrescentou e várias risadinhas finas a acompanharam. Já eu, não vi
nada de engraçado, os outros homens também não.
— Sei como é! — Minha irmã me cutucou e revirei os olhos.
— Não sou ciumento, Bru.
— Ah, imagina!
De novo, várias risadinhas vindas da ala feminina, que me fez soltar
o que estava preso na garganta.
— Mas é um jantar entre amigos, Maria Clara poderia ter priorizado
estar aqui.
Pronto, toda a atenção estava novamente sobre mim, parabéns Paulo.
Meu amigo me encarou, o que gerou em mim um arrependimento em toda
minha alma, mas logo balançou a cabeça em concordância. Eu não era
amigo dela, nunca fui, nem sei porque meti essa.
Quer dizer, claro que sei. Não aguentei a frustração por ela ter
preferido sair com outro homem a estar na minha casa e arranjei um jeito de
colocar para fora.
Em outros tempos, ela teria feito questão de estar ali e me provocar
de todas as formas possíveis. Bons tempos.
Avisei que a Paella estava pronta e então me dei conta de que as
mulheres, todas elas, observavam-me, e algo me dizia que não era pela
comida que tinha um aroma muito bom espalhado pelo apartamento.
Incomodado, desviei o olhar e com um aceno convoquei Cadu para me
ajudar levar à mesa a fumegante travessa de cobre.

∞∞∞
Era meia-noite e, finalmente, estava sozinho em casa. Mesmo sem
muito ânimo para beber, levei a taça de vinho que estava pela metade para a
sala e acendi o charuto que desejei horas atrás.
Depois de um tempo imerso no puro silêncio, peguei o celular e abri
em uma rede social. Sabia bem o que estava procurando e não demorei a
achar.
Lá estava ela, em um dos restaurantes mais badalados da cidade, na
companhia do babaca. Não havia postado qualquer registro ao lado dele, mas
as minhas visitas fizeram a gentileza de me passar a informação que estavam
juntos.
Em um gole, matei o vinho e fui até a geladeira pegar uma garrafinha
de água mineral. Tomei metade do seu conteúdo, peguei a chave do carro e
saí atrás daquela diabinha.
Sim, eu fingia para mim mesmo que resistia em me entregar a Maria
Clara, ou, ao menos, tentava ficar longe. E sim, eu era um medroso, morria
de medo de que algo ruim acontecesse com ela por estar comigo. Mas, foda-
se. Era tão óbvio para mim que eu simplesmente não conseguia mais,
embora tivesse, a cada dia, mais motivos.
Cerca de vinte minutos depois, cheguei à rua movimentada e ladeada
por restaurantes e bares da moda, onde reinava a turma jovem — leia-se, até
uns vinte e cinco anos — e rica da cidade.
Diminuí a velocidade do carro, o suficiente para analisar o local onde
Maria Clara estava. Ao mesmo tempo, pensei na imprudência da garota em
postar a sua localização, ainda que tivesse andando com um segurança a
tiracolo.
Logo visualizei o estabelecimento, mas do carro não foi possível
avistá-la, como imaginei, o lugar estava lotado e com gente nova demais, um
tédio sem fim.
Parei o carro e entreguei a chave ao manobrista. Ao menos, o
restaurante que escolheram tinha um bar e eu poderia ficar por lá. Caminhei
lento, observando os ambientes, como de costume, e não gastei mais que um
minuto para achá-la.
Estava linda demais com o cabelo preso em um rabo de cavalo bem
arrumado, meu corpo lembrou, de imediato, de como gostava de beijar e
torturar com a minha boca a sua nuca e pescoço. Respirei fundo e escolhi
uma banqueta estratégica no bar, de onde poderia vê-la.
Pedi uma água e a observei por alguns instantes. Pelo horário, já
devia ter jantado, sobre a mesa havia copos altos com drinques e os dois
riam. Noite animada, não é Maria Clara? E porque não deixá-la ainda mais
divertida?
— Um Mojito, por gentileza — pedi ao barman e aguardei que
ficasse pronto. Quando me entregou a bebida, chamei um garçom. — Para
aquela moça de costas. — O homem me olhou inseguro, pois ela estava
acompanhada. — Não se preocupe, ela é da minha família. E não precisa me
identificar, ela saberá que fui eu. — Tranquilizei-o.
O Universo talvez estivesse trabalhando a meu favor, pois antes que
Maria Clara recebesse o meu agrado, seu acompanhante saiu da mesa, indo
em direção aos banheiros. Melhor, impossível. Meu objetivo não era
provocá-lo, mas deixar claro para ela que estou presente, em todos os
sentidos.
No minuto seguinte em que o garçom lhe entregou o Mojito, uma
Maria Clara quase enfurecida virou em minha direção. Ergui a garrafinha de
água em um brinde e dei-lhe uma piscadinha.
To vivo, diabinha. Bem vivo.
Ela virou em direção ao garçom, que me olhou sem saber o que fazer,
e devolveu a bebida. Dei de ombros e o homem retornou ao bar.
— Pela ajuda — entreguei-lhe, com discrição, uma gorjeta, quando
me devolveu o Mojito recusado.
“Uma pena que não tenha experimentado, está uma delícia!”
Enviei a mensagem, enquanto tomava o drinque, sem tirar os olhos
dela. Vi quando pegou o celular, o babaca já tinha retornado a mesa e, depois
de digitar algo, deixou o aparelho de lado.
“Está me seguindo?”
Tomei mais um gole e senti tudo revirar dentro de mim quando o vi
pegando sua mão sobre a mesa. Nem conseguia imaginar como ficaria se ele
a beijasse.
“Com saudade do seu beijo com gosto de Mojito. Lembra?”
Além de cozinhar, gostava de preparar drinques e foi justamente o
que fiz para ela na última vez em que ficamos juntos. Na ocasião, Maria
Clara estava em uma balada com amigas, mandei mensagem puxando
assunto e a convenci a passar a noite comigo. Naquele dia tomamos Mojito
no sofá da minha sala, enquanto comíamos tacos mexicanos, os dois
cobertos apenas por um lençol.
Estava sendo malvado, confesso, mas perdi todo o bom senso que me
restava ao vê-la ao vivo ao lado de outro homem. Era sempre assim.
Ela não era o sol apenas da família Brandão, mas também iluminava
a minha vida e a deixava melhor e mais quente.
“Me deixa em paz.”
Distrai-me com os pensamentos e nem percebi que ela havia pego o
celular novamente. Soltei um suspiro pesado, ela estava certa, eu deveria
deixá-la quieta e não atrapalhar a sua vida.
Digitei e apaguei duas mensagens pedindo, quase implorando, que
ela fosse para a minha casa, fui salvo dessa loucura quando escrevia pela
terceira vez e podia jurar que essa última até que estava bem convincente.
— Amo esses encontros casuais! — Luma, uma influencer amiga da
minha irmã e velha conhecida da minha cama, surgiu ao meu lado. Linda,
cheirosa e com o olhar felino. Ali, eu já sabia como poderia encerrar a noite.
Não seria da forma como eu preferia, óbvio. — Mojito? — perguntou, cheia
de desdém. Ri, sabia que ela gostava de algo mais forte.
— Um uísque para a dama, por gentileza. — Pedi ao barman, sem
desviar os olhos daquele corpo delicioso, mas que, para mim, era apenas
isso, um corpo.
O único nome que habitava meu coração era proibido, fazer o que?
— Tudo bem? — Perguntou, acomodando-se na banqueta vazia ao
meu lado.
— Tudo ótimo e com você?
— Melhor agora! — Lentamente e cheia de malícia, correu a ponta
da língua pelos lábios pintados de vermelho. — Não acreditei quando te vi
aqui.
Trocamos um longo olhar, os dois já sabiam o que queriam, não tinha
porque estender o assunto ou passar a próxima hora conversando tolices.
— Já estava de saída. — Avisei, pegando a minha comanda, que era
um cartão magnético.
— Ainda podemos fazer essa noite render. — Luma confirmou que
estávamos na mesma sintonia e, então, fiquei de pé.
— Vou te esperar no meu carro — mais um olhar e dei-lhe uma
piscadinha.
Paguei a conta e quando caminhava para a saída do restaurante vi, de
relance, Maria Clara de pé ao lado do mauricinho babaca.
Ela me pediu para deixá-la em paz e eu ia cumprir.
O óbice era meu peito ardendo em ciúmes, pois o cara tinha uma mão
plantada em suas costas, vai saber se iam fazer o mesmo que Luma e eu nas
próximas horas; além do olhar magoado que capitei quando os nossos olhos
cruzaram.
Respirei fundo e apressei o passo.
Sexo, e sexo bem-feito, era isso que eu precisava.
Capítulo 09
Maria Clara

Filho da puta, safado... Meus pensamentos gritavam, enquanto Nicolas


dirigia em direção a minha casa.
A noite estava agradável, como imaginei tínhamos muito assunto e
em nenhum momento senti-me desconfortável, mesmo ciente de que ele não
estava ali para ser meu amiguinho, mas porque tinha interesse em mim. Até
que aquele filho da puta safado surgiu para estragar tudo.
Era o que Paulo sabia fazer de melhor, atrapalhar a minha vida desde
os meus dezessete anos.
— Tem certeza de que não quer passar no Danilo? A social ainda
está rolando. Sabemos que vai até de manhã. — Tirou uma mão do volante e
fez um carinho em minha perna. — Aquele amigo do seu irmão apareceu e
te deixou zoada, não é?
Respirei fundo e pensei se continuaria o assunto, o que significaria
dar ainda mais espaço a Paulo.
Desde que o infeliz teve a brilhante ideia de me enviar uma bebida, a
nossa bebida, que fiquei atordoada. Claro que Nicolas percebeu e o viu no
bar do restaurante.
O que passava em sua cabeça? Queria me enlouquecer, com toda
certeza.
— Vamos lá, não quero dormir agora mesmo! — rendi-me e ele
aprovou a minha decisão.
— É assim que se fala!
Danilo, nosso amigo em comum, era famoso pelas reuniões que fazia
em sua cobertura. Se não tinha programação para o fim de semana ou queria
estender a noite, podia aparecer que lá teria alguma diversão garantida.
Por dentro estava desanimada e até triste. E com ódio, muito ódio.
Ele teve coragem de combinar foda com a tal Luma, que era visita
frequente em seu apartamento, mesmo após aquela presepada de me enviar
uma bebida que era simbólica para nós dois e dizer que estava com saudade
do meu beijo. Tentaram ser discretos, mas eu sabia bem como funcionava a
sua cabeça pervertida.
Pela milésima vez, respirei fundo, segurando com braveza as
lágrimas que pediam passagem. Ele não ia conseguir.
Nicolas abriu a porta do carro para mim quando estacionou em frente
ao prédio do nosso amigo, identificamo-nos ao porteiro e, poucos minutos
depois, estávamos diante do hall da cobertura.
— Oi, linda! —Danilo me puxou para os seus braços ao nos
recepcionar e me deu um abraço apertado. — Está sumida!
— Faz uma semana que estive aqui, senhor galã! — Ri e ele então
me soltou, deixando um beijo em meu rosto.
— O suficiente para me fazer sentir saudades!
Nicolas seguiu rindo pelas salas amplas e luxuosas, eles também se
conheciam há anos e meu acompanhante da noite sabia que não tínhamos
nada além de amizade.
— Está tudo bem? — O dono da casa me parou por alguns segundos,
segurando em meu queixo.
— Está sim...
Ele não acreditou e dei de ombros, então seguimos em direção à área
da piscina, onde os convidados estavam reunidos.
Meia hora de conversa com uma ou outra pessoa, duas taças de vinho
e ciente de que Nicolas estava bem entrosado e não precisava da minha
presença, resolvi ir embora. Saí sem alardes e, enquanto o elevador descia,
peguei meu telefone. No fundo, havia uma maldita esperança dele ter
enviado alguma outra mensagem.
Avisei ao segurança que iria embora no carro que ele usava para
fazer a minha escolta, mas antes mesmo de chegar à recepção, decidi que,
mais uma vez, minha casa não seria o meu destino.
Aquele cachorro não podia fazer aquilo comigo.
Saí do elevador e marchei para fora do prédio. Assim que me viu
passando pela portaria, Júlio abriu a porta do carro para que eu entrasse.
— Não me diga que brigou com o mauricinho? — zombou, depois
que me acomodei no banco de trás.
— Nicolas, é o nome dele. — corrigi, entredentes, e ele riu da minha
cara.
— Não me diga que brigou com o mauricinho Nicolas?
— Ele não sabe que vim embora. — Levantei o olhar para o
retrovisor e encontrei um Júlio a ponto de explodir, as bochechas estavam
até inchadas pelo riso que segurava. — Na verdade, pode ser que agora já
tenha percebido.
— Sabe quando? É nunca — uma gargalhada exagerada ressoou
dentro do carro e balancei a cabeça em negação. Homens.
— Presunçoso.
— Te digo com toda a certeza do mundo, é nunca que uma mulher
sai comigo e me deixa sozinho. Bora pra casa.
— É... Vamos para outro endereço — quase titubeei, mas segui com
o péssimo plano que o meu coração apaixonado e ressentido bolou.
— Já vai me arrumar problema — reclamou e soltei um suspiro, ele
ainda sem dar a partida no carro.
— Não vou mentir, é um problema. — confessei e ele ergueu a
sobrancelha. —Mas pequeno. E, como você sabe, sou maior de idade, então
nada vai respingar em você. — Outra risada exagerada e ele balançou a
cabeça negando.
— Vai, passa o endereço — ditei e ele digitou no GPS, não sem antes
murmurar. — Ainda vou me arrepender desse emprego.
— Não vai não, papai te paga uma fortuna para ser o meu babá.
Quando seu Heitor me deu a notícia que eu teria um segurança a
tiracolo, protestei e disse que era absurdo e desnecessário, embora soubesse
que fazia muito sentido, depois do sequestro que Olívia sofreu.
Sabemos que foi em retaliação ao trabalho do Lui, que, no caso, é
meu irmão. Se não bastasse, tem os clientes nada ortodoxos que minha
família atende no escritório de advocacia.
De todo modo, detestei a ideia de ter alguém me seguindo.
Júlio alternava o serviço com o Couto, mas com ele eu tinha mais
liberdade. Isso porque o brutamonte da cabeça raspada era um baita
intrometido e tinha um humor ácido pior que o dos meus dois irmãos juntos,
não obstante as nossas implicâncias, demo-nos bem desde os primeiros dias.
Minhas amigas, pelo menos as mais descaradas, adoravam jogar
charme para ele e o safado bem que andava se divertindo com elas em suas
folgas. No entanto, eu as proibi de me dar qualquer notícia ou detalhe a
respeito. Não precisava saber sobre o desempenho sexual do meu segurança.
— Chegamos, patricinha. — avisou quando paramos diante do
prédio que eu tanto conhecia, tirando-me dos meus pensamentos e, então,
senti um frio na barriga. —Não vá fazer besteira. — Advertiu-me e dei um
sorriso amarelo. A besteira já havia sido feita quando decidi ir até ali.
— Obrigada, Júlio.
— Espera. — Segurou-me pelo braço quando virei em direção à
entrada do prédio. — Lembre-se que estarei aqui embaixo, ok?
Como uma boa menina ou apenas meio arrependida do que estava
prestes a fazer, confirmei com um aceno de cabeça.
O porteiro já me conhecia e não me anunciou, não demorei a estar
diante do apartamento daquele cachorro safado e, a ideia que nunca me
pareceu ser excelente, agora parecia ser a coisa mais estúpida que já fiz. Mas
não desisti e toquei a campainha.
Perdi o restinho de forças que me restava quando a porta foi aberta.
— Maria Clara? — o vinco em sua testa e os olhos meio arregalados
denunciaram que ele não acreditava que eu estava mesmo ali e indo fazer
sabe-se sei lá o que.
Perdi as forças, a voz e o raciocínio.
Paulo usava apenas uma cueca samba canção e estava sem camisa,
exibindo cada gominho do seu abdômen sarado. Quase perguntei se era
assim que ele costumava atender a porta, mas freei minha língua a tempo,
até porque, eu sabia que era daquele jeitinho mesmo que ele costumava ficar
em casa e, claro, atender a porta.
Meus olhos passearam pelo seu corpo seminu e precisei captar o ar
que me faltou. Não tinha como ser mais patética. Mas, fui ali com uma
missão, que eu já não tinha mais tanta certeza e ele ia me ouvir.
— Dispensa a sua foda da noite, temos que conversar — disse com
toda a convicção do mundo e, sem gaguejar, fingindo imponência e
segurança.
Seus olhos escuros estreitaram para mim e ele demorou um longo
instante até pronunciar alguma palavra.
— Hum, que surpresa você aqui. — Deu uma rápida olhada para
dentro do apartamento e puxou a porta atrás de si. Estremeci de raiva, mas
aguardei que dissesse algo mais. — Não posso fazer o que tá me pedindo.
Meu queixo caiu.
Respirei fundo e o encarei. Ele só podia estar brincando ou me
julgando mais idiota do que realmente sou.
— Como é? Mas é claro que pode. — Grunhi e estiquei os olhos em
direção à porta, tentando enxergar pela fresta ainda aberta. — Cadê ela,
Paulo?
— Sinto muito, não posso fazer isso. — Repetiu e eu quis socá-lo.
Mas, por motivos óbvios, não o fiz.
— Você é um... Um... cretino — foi o melhor xingamento que achei,
que saiu meio embolado e trêmulo, sinal do choro que eu tentava manter
escondido.
Seus olhos me analisavam e meu ódio triplicou quando enxerguei um
certo divertimento em sua feição, como se ele segurasse o riso.
— Deixa de ser boba, não tem mulher nenhuma aqui — sem que eu
pudesse recusar, puxou-me para os seus braços e andando para dentro do
apartamento e agarrado a mim, empurrou a porta —, por isso não tenho
como dispensar a foda da noite.
Sua boca tomou a minha e enlacei seu pescoço, ávida pelo seu beijo,
como se fosse a água a matar minha sede. Um beijo cálido e intenso, com
gosto de paixão e saudade. Paulo sabia como me despertar e me fazer desejá-
lo. Senti falta das nossas línguas se encontrando, mas gemi o seu nome
quando desceu a boca pelo meu pescoço e deixou uma trilha de fogo ao
distribuir beijos por ali.
Meu corpo foi quase fundido ao seu, tornando-nos um só, envoltos
no prazer de um beijo extenso, esse era o poder do nosso encontro e, talvez
por isso, precisávamos ficar longe um do outro.
Cada vez mais feroz em suas carícias, Paulo enfiou a mão na base do
meu cabelo, quase desfazendo o rabo de cavalo, a outra mão fixa em minha
cintura, e, então caminhou comigo até o sofá, sem deixar de me beijar.
Seu corpo caiu sobre o meu, sua ereção tocando minha barriga, a
respiração ofegante em meu ouvido e todo o meu corpo, desejando-o dentro
de mim.
Respondi ao meu desejo unhando as costas nuas e fiz um biquinho,
que ele beijou, quando interrompeu tudo para me olhar.
Um longo olhar que levou tudo de mim e me lembrou o quanto eu
amava aquele homem.
Já tive namorados, nunca deixei de viver a minha vida e ter as
minhas aventuras, mas Paulo Diniz foi o único que ganhou o meu coração,
quando eu ainda nem sabia o que era amar um homem.
Meu coração apertou e ele encostou a testa na minha, suas mãos
subiram para o meu rosto, segurando-o.
— Sinto sua falta, diabinha. — Beijou minha boca calmamente, senti
a quentura dos seus lábios e o latejar do meu peito. — O tempo todo.
— Você não me quis — acusei-o, sobre o nosso passado e ele não
negou.
— Eu sequer podia te querer, sabe disso — esfregou o nariz no meu e
deixou vários beijos no meu rosto.
Paulo me confundia. Sempre dificultou qualquer aproximação nossa
e, convenhamos, ficávamos juntos muito mais por insistência minha do que
qualquer outra coisa. Vez ou outra, pelos seus rompantes.
— Não sei, não — sussurrei e fechei os olhos, gostando dos beijos e
carinhos, recompensando-me pela falta que sentia dele;
Subiu os olhos até encontrar os meus e ergueu a cabeça, voltando a
segurar a minha.
— Eu quero tentar de novo... — Não consegui responder e ele deve
ter entendido meu silêncio como a máxima quem cala consente, pois me
pareceu até satisfeito. — Mas antes preciso de você, meu corpo está
explodindo — sua boca afoita voltou a me beijar e suas mãos,
enlouqueceram-me.
Havia algo fora do lugar e que, o tempo todo, gritava em minha
direção.
Apoiei minhas mãos em seu peito. A pele quente queimou a minha,
fazendo-me lembrar do quanto gostava de ficar deitada ali ou atiçá-lo com
beijos e chupões. Suguei o ar e joguei meus pensamentos para um lugar bem
distante daquele homem que era uma perdição.
— Você estava com outra mulher. — Lembrei-o e o ódio de alguns
minutos atrás voltou com tudo. Remexi-me embaixo dele e Paulo teve que
erguer o corpo, dando-me espaço.
— Você me pediu para te deixar em paz e estava certa. Tenho mesmo
que te deixar em paz. Mas não consigo. — Lento e tenro, ele ergueu uma
mão até o meu rosto, acarinhando-me e, mais uma vez, fazendo meu coração
palpitar. Porque o que tínhamos não podia ser como era para as pessoas
normais, que se apaixonam e simplesmente vivem o que querem viver? —
Tentei, confesso que ia ficar com outra pessoa hoje, precisava te tirar da
cabeça, mas não consegui. Dispensei Luma no momento que entrei no meu
carro.
Nossos olhos se enfrentaram. Ele dizer que não conseguiu ficar com
outra mulher não mudava nada. Absolutamente nada. E eu não queria aquela
confusão de sentimentos: amor, ciúmes, raiva... Tudo junto e que estava me
matando aos poucos.
— Vou embora — avisei, decidida. Ele me analisou longamente até
perceber que eu não voltaria atrás, não que não tenha tentado me dissuadir.
— Não faça isso, Clara.
— Estou confusa demais e não é com sexo que vou resolver a minha
cabeça — confessei, já irritada comigo mesma. Era cada situação em que me
metia.
— Não é pelo sexo, pelo amor de Deus — bradou, exasperado.
Sabia que não era, não nos resumíamos a isso. Mas passou a nossa
hora. Soltei um suspiro e movimentei-me no sofá. Ele, vencido, saiu de cima
de mim e me deu espaço para ficar de pé.
— Nem deveria estar aqui, olha que loucura, você podia mesmo estar
com outra mulher na sua casa e eu simplesmente cheguei exigindo que a
mandasse embora. Não sou assim, Paulo. Mal me reconheço. Admita, já
vivemos o que dava nessa relação louca que temos. É a hora de seguirmos
em frente. E longe um do outro.
Ele não respondeu, apenas me encarava. Caminhei até a porta e por
alguns segundos enrolei, achando que ele poderia responder a minha
colocação.
— Eu deveria te deixar ir, mas não posso. — Segurou meu rosto e
depois de colar as nossas testas, deixou um beijo casto em meus lábios. —
Porque eu te amo demais, diabinha, e já guardei isso por muito tempo dentro
de mim. — Ele, então, entrelaçou as nossas mãos, enquanto fechava a porta
do apartamento. — Venha, vou te levar até a portaria.
Capítulo 10
Maria Clara

Pouco mais de duas horas depois de pegar estrada chegamos a Taubaté,


cidade natal da minha cunhada e onde ficava a confecção, responsável pela
produção da Olívia Torres.
Era meio da tarde e paramos em uma lanchonete no centro da cidade,
que ela contou ser um dos seus lugares preferidos.
Acompanhei o seu pedido, embora preferisse algo mais saudável a
pastéis fritos e caldo de cana, mas Olívia insistiu que era quase uma heresia
estar ali e não comer o lanche que deu fama ao estabelecimento.
Fomos até Taubaté porque minha cunhada queria acompanhar de
perto algumas etapas de produção da nova coleção que, em breve, seria
lançada. Resolvi ir junto para acompanhá-la na estrada, mesmo tendo o seu
segurança logo atrás. Então me ofereci para ir junto e servir de motorista.
Tínhamos muito trabalho no escritório da loja e era uma loucura
ficarmos alguns dias fora, portanto improvisei levando comigo uma pequena
estrutura para trabalhar remotamente.
De quebra, depois de muita insistência, consegui a dispensa do Júlio.
Claro que ainda penso que ele pode estar à paisana nos seguindo, mas, ao
menos, não tenho um elefante branco atrás de mim.
Uma senhorinha simpática aproximou-se da nossa mesa, trazendo
consigo uma bandeja.
— Bom apetite, queridas! — desejou, depois de servir o nosso
lanche.
— Obrigada, dona Teodora! — Olívia respondeu e sorriu em
agradecimento.
— Eu que agradeço. — A senhora me olhava de um jeito engraçado,
não escondendo que queria saber mais sobre mim, estendeu sua permanência
em nossa mesa. — Ciça falou de você faz poucos dias, Olívia.
— Quem sabe não consigo vê-la, fico alguns dias por aqui.
— Vou avisá-la, ela vai gostar! E você, querida? Imagino que seja
nova na cidade!
— Sou cunhada da Olívia, estou acompanhando-a.
— Bom, seja bem-vinda! — Dei um breve sorriso e depois que
ficamos a sós, mordi o pastel de queijo, agradecendo mentalmente minha
cunhada por ter escolhido aquela lanchonete. — Ah, Olívia, vai ficar para a
festa em Roseiras? — A senhorinha parou no meio do caminho de volta ao
balcão e virou em nossa direção.
— Hum, na verdade, não sei.
— Começa na sexta-feira...
— Confesso que havia me esquecido. Mas irei tentar.
— Vou deixar vocês à vontade. Qualquer coisa, podem chamar.
Já estávamos no final do lanche quando Olívia retomou o assunto da
tal festa de Roseiras.
— É uma cidade? — perguntei e ela riu.
— Sim! Meus avós moram lá, fica a trinta minutos daqui. É bem
pequena, sabe. Essa festa é em comemoração ao aniversário da cidade, são
vários dias de eventos. Tento ir todos os anos e havia me esquecido
completamente.
— Você já está aqui... Começa daqui a dois dias, não?
— É, vou pensar a respeito!
Passamos o restante da tarde na confecção e fiquei encantada com a
estrutura, que era completa e bem estruturada, embora o ambiente fosse
extremamente familiar. O clima agradável em que as costureiras e
bordadeiras trabalhavam era contagiante, com conversas, risos e, às vezes,
até cantavam.
No fim do dia, reunimo-nos com Dona Cida, mãe da Oli, e suas
irmãs e sócias, minha cunhada aproveitou a visita à cidade para levar um
novo contrato para a confecção.
Depois do jantar na casa dos seus pais, que contou com o irmão,
cunhada e sobrinho, e de escutar várias histórias da família Torres, fui para o
quarto e descansar e tentar dormir.

∞∞∞
Acordei cedo e saí do quarto já arrumada, pois íamos novamente para
a confecção. Encontrei a família reunida na sala de jantar e um cheirinho
delicioso de bolo e café quente.
— Bom dia, querida! Sente-se e fique à vontade — dona Cida me
recebeu com um abraço afetuoso e acomodei-me à mesa.
Logo, Olívia chegou vinda da cozinha. Também estava arrumada,
mas um tanto pálida.
— Bom dia, Clara! — Ela ergueu em minha direção o copo que
carregava. — Enjoo de todas as manhãs e água com limão.
Fiz uma careta, que fez todos rirem, e minutos depois não havia mais
sinal de palidez e minha cunhada comia como se não tivesse passando mal
há pouco.
— Filha, não esqueça de falar com o Luiz Henrique, gostaríamos
muito que fossem à festa conosco. — Seu José a lembrou, enquanto servia
mais café em sua xícara.
— A festa em Roseiras — Olívia me situou e assenti.
Vi que estava em dúvida e que o motivo era o fato de eu tê-la
acompanhado. Bobagem, eu não via qualquer problema em retornar para São
Paulo sem a sua companhia.
— Fique, Oli! Tenho certeza de que meu irmão vai adorar vir para
cá.
— Queremos que você fique também, querida! — Olhei, surpresa,
para dona Cida, que tinha um sorriso no rosto.
Para ser bem sincera, preferia passar o fim de semana em casa, nos
últimos dias trabalhamos bastante e eu tinha ainda mais ideias para a Olívia
Torres, precisava ficar um pouco sozinha para colocar os planos no papel.
No entanto, estava meio na cara que Olívia daria um jeito de voltar
para casa comigo, caso eu não ficasse para a tal festa.
— Tudo bem para você? — Ela quis saber.
— Não tenho roupas para mais dias — acenei em confirmação, mas
respondi rindo.
— Vamos dar um jeito.

∞∞∞

Paulo

— Senhora Amélia Castilho, está presa — anunciei á mulher que não


parecia nem um pouco assustada diante da operação. — Também vamos
cumprir o mandado de busca e apreensão, com licença.
Metida em falsidade ideológica e fraude junto ao INSS, assentiu
calmamente ao que eu lhe disse e abriu espaço para que a equipe e eu
entrássemos em sua casa.
Acenei a um agente, que a algemou e cuidou da sua guarda, enquanto
revirávamos toda a propriedade. Não havia luxos na casa, mas era grande e
bem cuidada.
A adrenalina de estar na rua com uma operação policial era sempre
muito empolgante, ainda mais depois de vários dias enfurnado dentro da
minha sala na delegacia, investigando o filho da puta lá de dentro que
mandou matar o preso na carceragem.
Com a ajuda do Lui, confirmei o nome do maldito e o entreguei ao
Superintendente. Claro que, antes, o agente recebeu uma gentileza minha,
para aprender a não tornar minha vida um inferno.
Uma hora depois, Amélia Castilho estava dentro da viatura da Polícia
Federal, a caminho da delegacia. Não demorei a ser bombardeado por
advogados querendo falar comigo, tanto os dois que defendiam a senhora,
quanto os que estavam atuando preventivamente, pois, como era de se
esperar, a mulher não agia sozinha e no material apreendido havia a menção
de vários envolvidos no esquema milionário.
Não fui gentil, cumpri minha obrigação com a investigada presa, que
tinha direito a falar diante do seu advogado e dispensei todos os demais.
Bandido que mexia com a merreca que velhinhos quase miseráveis
tinham para receber não merecia nada menos que se fuder muito na vida. E
eu faria o possível e o impossível para que a vida deles fosse tremendamente
ruim.
Ser justiceiro te faz infeliz, uma vozinha sussurrou ao pé do meu
ouvido e suspirei exaurido. Eu sei, eu sei, respondi a mim mesmo.

∞∞∞
— Está podendo falar? — Lui apareceu em minha sala no meio da
tarde.
Ele também havia ficado fora durante toda a manhã e o semblante de
satisfação que exibia tinha motivo manjado: prendeu alguém depois de ficar
vários dias confinado dentro da delegacia.
— Entra aí.
Afastei a cadeira detrás da mesa e peguei um cigarro dentro da
gaveta, acendendo-o em seguida. Ele já estava acostumado a me ver
fumando em minha sala e não reclamou, mas aquela sua fuça me fez lembrar
da diabinha, que era quase a sua versão feminina, quase porque era linda
demais e também delicada, e que odiava o cheiro de cigarro. Por causa dela,
mesmo quando estávamos afastados, eu sempre andava com perfume no
carro e bala de hortelã no bolso.
— Acha que consegue uma folga? Dois dias, já que estará de plantão
no sábado — soltou a bomba logo que sentou em uma das cadeiras.
Revirei os olhos e apontei para o maço de cigarro, que eu estava na
mão para guardar de volta na gaveta, e ele recusou.
— Porra, Lui, vou precisar de você — reclamei e ele nem se abalou.
— Estou falando de uma folga para você. — Franzi o cenho, apenas
para não revirar os olhos novamente. Ele seguia com a sua melhor cara de
pau. — Está precisando, depois desse clima de merda que tá aqui dentro.
— E por que eu vou precisar de uma folga? Suponho que não esteja
sugerindo que eu fique arejando a cabeça em meu apartamento e nem esteja
me convidando para passar uns dias no seu.
O babaca deu de ombros e me chamou para o lugar mais improvável.
— Vamos para Taubaté. Olívia está lá, voltaria na sexta cedo, mas tá
querendo ir em uma festa na cidade vizinha.
Será que Lui estava usando drogas? Quase morremos em Brasília
quando desmantelamos uma quadrilha de tráfico internacional de drogas,
inclusive, era o estopim para que eu sequer tivesse coragem de assumir a
mulher que amava e o idiota simplesmente passava de combatente para
usuário?
Aliás, seu semblante calmo demais estava me irritando. Nada como
dormir e acordar ao lado da sua mulher, não é mesmo?
— Ainda não entendi. — Meio irritado, levantei e fui até a mesa de
apoio da sala. — Café?
Ele também ficou de pé, aguardando ao meu lado enquanto eu servia
a bebida para nós dois.
— Estou te convocando para ir junto, não é óbvio? Um fim de
semana no interior e ainda vai ter uma festa de aniversário da cidade, que,
com certeza, será péssima, mas é melhor que ficar nesse clima de merda,
como eu disse.
Além de estar usando drogas, também estava acometido por algum
tipo de loucura, só podia ser. Eu em uma festa de cidade de interior? Nada
contra, mas nunca me veriam lá. Primeiro, por não gostar de lugares cheios,
segundo porque nessas festas sempre tocam sertanejo. E eu detesto sertanejo.
— Também disse que a folga era para mim e você também estará de
plantão. — Lembrei-o e o safado riu.
— Sim, pois para você ir, significa que já conseguir a minha.
— Às vezes, me pergunto porque sou seu amigo. — Bufei e
voltamos para a mesa.
— E então? Faço minha noiva grávida feliz contando que sexta-feira
estarei lá e iremos juntos na festa chata ou faço com que volte triste para
casa com Maria Clara?
Pronto, ele não sabia, mas citar Maria Clara era como acionar uma
chave mágica dentro de mim e me fazer tomar decisões estúpidas e até
mesmo absurdas.
— Como foi que sua irmã surgiu na história? — Questionei, sem o
menor receio de levantar suspeitas.
— Quando minha noiva está grávida e ela teve consciência de que
era péssima a hipótese dela pegar estrada sozinha. Maria Clara foi
acompanhá-la. No caso da sua recusa, apenas para constar e sem querer ser
vitimista, você fará duas mulheres infelizes.
Deus, quando foi que lhe agradei tanto? E quando foi que Lui tornou-
se a pessoa que não promete, mas entrega absolutamente tudo? Ele estava
mesmo me convidado para viajar, nem lembro mais o nome da cidade, com a
oportunidade de ficar alguns dias ao lado da diabinha? Sei lá, talvez eu ainda
estivesse em casa dormindo e fosse só um sonho. Ou talvez fosse eu a estar
usando drogas e, naquele instante, em perfeita alucinação.
— Vamos que horas? — perguntei, finalmente, e o cara estava tão
feliz que sequer prestou atenção na mudança do meu humor.
— À tarde, assim você pode trabalhar pela manhã.
Capítulo 11
Maria Clara

— Vamos almoçar, querida? — Dona Cida me chamou, colocando a


cabeça dentro da sua própria sala, onde eu vinha trabalhando.
Já me sentia em casa em meio à família da minha cunhada. Ela
aproveitou que estava em sua cidade para resolver alguns assuntos pessoais,
como encontrar amigas ou familiares que não via com frequência.
Acompanhei-a em alguns dos compromissos, entre um tempo livre
ou outro do trabalho, mas também passei bastante tempo ao lado da sua mãe
e tias, bem como da Carmen, funcionária da casa dos seus pais.
— Um minuto, tia Cida! — O apelido surgiu fácil, era assim que eu
chamava as mães das minhas amigas de infância e meio que me sentia assim
com a Olívia.
Embora minha cunhada estivesse há pouco tempo na minha vida, já
éramos íntimas e trocávamos confidências, mantínhamos uma relação como
a que eu tinha Flora ou Mila.
Ela assentiu e enviei o último e-mail da lista de afazeres do dia.
Quando retornássemos, teria uma reunião com a empresa responsável pelo
marketing.
Olívia chegou na casa dos pais quase que junto com a gente, assim
como seu José, e depois que almoçamos e saímos da mesa, brincamos um
pouco com o Neto, seu sobrinho.
Havíamos combinado de voltar juntas à confecção, pois ela também
participaria da reunião, mas houve um imprevisto com um fornecedor de
tecidos que ela precisou resolver, decidindo fazê-lo de casa.

∞∞∞
— Mary, com a aprovação do vídeo, libero as duas ações até
domingo. Iniciamos a próxima semana com a campanha pronta — disse
Michel, o nosso consultor na empresa do marketing.
Já havíamos tratado os pormenores do contrato e caminhávamos para
o final da reunião.
— Por mim, está aprovado, com aquelas sugestões que fiz.
— Perfeito, mudança na fonte e áudio com o efeito número dois. —
Ele confirmou e suspirei, estava um tanto cansada.
— Então, acho que encerramos.
— Manda um beijo para a Oli, vejo você próxima semana?
— Sim, claro! Um café no escritório, marcamos o horário certinho!
Mais uma despedida e então me desconectei da sala online.
A semana havia sido agitada no trabalho e eu estava feliz e satisfeita.
Tinha muito para aprender, mas não via minha estadia na empresa como uma
aventura ou passatempo. Longe disso, dedicava-me a aprender ao máximo
com a Olívia e estudar, queria ir além, ser útil era só o começo.
Era a primeira vez que me sentia bem fazendo algo meu e lutando
por isso. Trabalhar na Olívia Torres, embora fosse a empresa da minha
cunhada, não era como estar dentro de um negócio da família, em que eu já
tinha meu lugar garantido, independente do meu talento ou capacidade.
Não, eu via no dia a dia que não era caridade, pois nesse dia a dia eu
também enxergava as minhas aptidões gritarem, o faro e a criatividade
aguçarem, assim como tomei para mim reponsabilidades da empresa que
estavam travando Olívia, que deveria dedicar boas horas do dia em
pesquisar, formular e desenhar as coleções.
O futuro era incerto, o que era de se esperar, mas em pouco tempo eu
sabia o que queria fazer da minha vida e nada tinha a ver com os cinco anos
em que estive em sala de aula no curso de Direito.
Desliguei o notebook e guardei os meus pertences na bolsa que usava
para o trabalho. Quando saí da sala, uma funcionária avisou que tia Cida me
aguardava na cozinha da confecção.
Ela me recebeu com uma xícara de café recém-coado e depois de
algumas instruções às costureiras que ainda iam finalizar um trabalho,
seguimos para casa.
— Quero ir logo para Roseiras, acho que você vai gostar de lá. É um
lugar muito calmo, cidade bem cuidada e a festa até que é animada. —
Contou, enquanto eu dirigia.
— Será bom um fim de semana tranquilo. Gosto do interior, tenho
boas lembranças de quando passava férias com os meus avós. — Logo,
imagens minhas e dos meus irmãos correndo pela fazenda inundaram a
minha mente.
— Taubaté ainda é uma cidade pequena, mas nem se compara à
Roseiras, ali é um pedaço do paraíso. — Ela soltou um suspiro nostálgico,
também havia contado que cresceu naquela cidade e saiu de lá quase no fim
da adolescência. — Já arrumou as suas coisas?
— Ontem à noite!
Dez minutos depois, estacionei na garagem da família Torres e,
então, vi o carro do meu irmão, antes que chegássemos à escada que levava à
entrada da casa, seu José veio nos recepcionar. Sempre tinha um sorriso no
rosto quando encontrava a esposa, era bonito de ver.
Ele pegou das mãos da esposa uma sacola que ela carregava e meu
coração perdeu várias batidas quando chegamos à varanda, que dava entrada
para a sala.
Olívia falava algo no ouvido do Lui, que tinha um braço ao redor da
sua cintura e, ao lado deles, fitando-me em um misto de intensidade e
inquirição, estava ele em carne e osso, Paulo Diniz.
Sentia como se as minhas pernas estivessem fincadas no chão, não
conseguia reagir e nem me mover, além da boca seca e a visão quase que
distorcida. Será que eu estava mesmo, vendo-o, ali, diante de mim? Sei lá,
pensava tanto naquele idiota, principalmente em momentos improváveis, que
poderia ser alguma alucinação em minha mente.
Ouvia vozes ao meu redor e até forcei a vista, vendo abraços e
cumprimentos, mas ainda estava imóvel diante dele. E acho que Paulo
também. Fui obrigada a tentar sair do torpor quando meu irmão tocou em
mim, abraçando-me.
— Oli disse que você tem trabalhando bastante — disse-me e eu,
ainda meio fora de mim, só queria saber como foi que Paulo surgiu em nosso
fim de semana. Duvidava que ele tivesse ido até Taubaté apenas para levar o
meu irmão.
— Tenho mesmo. — Gostaria de compartilhar com ele a minha
evolução, mas não conseguia, meus olhos seguiam cravados na figura atrás
do Lui e, agora também em minha cunhada, que pedia desculpas com os
olhos. Então, ela sabia? — Correu tudo bem na viagem?
— Tudo certo. Você está bem? — Perguntou, inspecionando-me da
cabeça aos pés.
— Cansada, sua noiva grávida, que agora é minha chefe, tem dado
trabalho — tentei soar divertida e depois de mais um longo olhar, ele beijou
minha testa.
— Estou orgulhoso e feliz por você
— Obrigada, Lui.
Enquanto todos se reuniam na sala, eu disse que precisava ir ao
quarto que ocupava, em uma necessidade absurda de ficar sozinha e poder
respirar em paz.
Antes que eu chegasse ao corredor, uma mão forte me segurou pelo
braço. Estávamos diante do lavabo, então pensei que essa foi a sua desculpa
para escapar da pequena aglomeração de pessoas.
— Oi! — disse em meu ouvido, deixando-me zonza enquanto
aspirava seu cheiro.
Seus olhos grudaram em mim e contive um suspiro, sem, contudo,
conseguir manter meu coração quietinho no peito. Ele pulava de emoção.
— O que está fazendo aqui?
Ele deu um meio sorriso e quase revirei os olhos, teria feito se tivesse
forças. Lindo e perigoso demais, na mesma proporção. Os braços fortes
estavam ainda mais evidentes sob a camisa polo preta, assim como a calça
jeans delineava todo o seu corpo, não escondendo as coxas bem definidas.
— Seu irmão me convidou — respondeu, simplesmente.
— E não contou que eu estaria aqui? — Questionei e me arrependi
no mesmo instante, pois foi uma pergunta tola.
— Claro, justamente por isso aceitei o convite.
Como podia ser tão cara de pau? Paulo tentou me afastar muitas
vezes, ao menos era o que dizia, e eu me esforçava para acreditar. Pois a
realidade era ele criando mil e uma situações para ficarmos juntos, como
quando aparecia, desde sempre, em lugares que eu estava e dava um jeito de
me levar para casa, no caso, para a casa dele.
— Você precisa ir embora. — Meu tom era quase uma súplica.
— Não dá, Clara.
— Por que não?
— É só um fim de semana — respondeu, cínico.
Que ódio! Ele não podia atrapalhar a minha determinação em me
manter longe dele e deixar para trás o que tivemos. Não podia. Parecia que
Paulo tinha faro para saber quando eu desistia dele, pois era justamente
nessas horas que vinha com tudo para cima de mim.
— Vou voltar para São Paulo.
— Não. — Negou e ergui a sobrancelha. Queria ver o que ele faria
para me impedir. — Tudo que precisamos é de uma conversa. E, se for
embora, seu irmão pode desconfiar. Na verdade, ele vai acabar voltando
junto ou vai me mandar voltar com você.
Detestei o fato de que ele tinha razão, Lui faria mesmo o que ele
disse.
— Tudo o que precisamos é ficar longe um do outro.
— Fica, por favor. — de repente, não havia mais do cinismo ou o
meio sorriso que quase sempre me amolecia. Estava sério. — Temos muito o
que resolver e acho que esse fim de semana será bom para nós.
Respirei fundo, sem deixar de encará-lo, que permanecia sério
demais, deixando claro que não me daria espaço ou chance de fugir.
— Você é inacreditável. E meu irmão também. O que ele tinha na
cabeça?
Não esperei uma resposta e saí em direção ao quarto.

∞∞∞

Paulo
Chegamos à cidade, que eu não lembrava o nome, no fim da tarde. Maria
Clara dirigiu em silêncio durante todo o caminho e decidi que a daria o
espaço que demonstrava precisar.
Poderíamos ter pegado carona com o seu irmão, mas ela insistiu que
preferia ir no próprio carro. Com a nossa chegada, Lui dispensou os caras
que faziam a guarda da Clara e da Olívia, portanto eu tive que acompanhá-
la. Como se fosse um grande sacrifício!
O perfume levemente doce e muito feminino parecia estar
impregnado em cada pedacinho do automóvel, tocava uma música ruim
baixinha, mas não ousei reclamar e não deixei de reparar com atenção em
cada reação sua. A forma compenetrada que dirigia, o beicinho que formou
em seus lábios quando um carro tentou ultrapassá-la na faixa contínua da
estrada ou o sorrisinho que deu quando o imbecil foi obrigado a recuar, pois
surgiu um caminhão na pista contrária.
Quando passamos pela placa de “bem-vindos à Roseiras”, então era
esse o nome da cidade, ela, enfim, olhou em minha direção.
— Vamos ter que fazer isso funcionar. Somos visitas. — tinha o ar
consternado e segurei qualquer resposta efusiva demais, pois, para mim, já
estava funcionando. Ora, ficaríamos todo o fim de semana na mesma casa.
— Claro. Não irei importuná-la.
— Não sei o que acha que ainda temos para conversar — disse e
olhei firme em sua direção.
Ademais de todas as minhas gracinhas, falava sério sobre isso e iria
tentar até o fim.
— Uma conversa com alguns anos de atraso, diabinha.
— Para com esse apelido. — ela soltou um suspiro e me olhou,
vencida. — Mais do que nunca, discrição.
Pediu e eu assenti, isso eu podia garantir. Ao menos, tentaria.
Capítulo 12
Paulo

A casa dos avós da Olívia era uma construção antiga e bem conservada,
localizada em uma rua arborizada e calma na área central da cidade. Na
verdade, acho que toda a cidade fazia jus ao seu nome, pois era repleta de
árvores e roseiras a ornar as ruas.
Ainda em São Paulo, havia combinado com Lui que ficaria em um
hotel, contudo, os pais da Olívia repudiaram a ideia e garantiram que a casa
era grande o suficiente para acomodar a todos com conforto e que eu deveria
ficar com eles.
Não poderia ser mais perfeito, só estava ali para ficar perto da
diabinha.
Desci do carro com a minha pequena mala e a da Maria Clara, sob os
seus protestos dizendo que poderia carregar a própria bagagem, calando-se
quando nos aproximamos do Lui. Dona Cida indicou os quartos que
ocuparíamos e, de novo, mais uma ajudinha do destino, íamos dormir em
frente ao outro.
Um casal de idosos nos recebeu no jardim bem cuidado e com uma
mesa farta de café da tarde.
Já era noite, quando fui para o quarto tomar um banho e descansar
um pouco. No entanto, o que pareceu ser uma boa ideia, quando Lui falou
sobre passar o fim de semana em Roseiras, em poucas horas mostrou-se que
talvez tenha sido uma decisão desastrosa.
Nunca na vida invadi tanto o espaço da Maria Clara e, embora
quisesse muito passar uns dias ao seu lado, arrependi-me verdadeiramente.
Ela não conseguia dialogar, o tempo todo tensa, fingiu tocar no
lanche oferecido pelos avós da Olívia.
Se pensasse bem, o plano estava dando muito errado, precisava
admitir.
De banho tomado e descansado, embora com os pensamentos em
ebulição, saí do quarto e a encontrei descendo as escadas de madeira.
Chamei-a e apontei um jogo de sofás da ampla sala, em seu olhar não tinha
nada da garota arteira que normalmente ignorava a presença do irmão e
adorava me provocar. Ao contrário, observou atenta todo o lugar com os
olhos, antes de aceitar minha sugestão.
Sentei no sofá ao lado do seu e se Lui chegasse ali, não acharia nada
de mais, pois eu conhecia sua irmã há tempo suficiente para ter a liberdade
de me aproximar. Inclusive, ele pediu que eu fosse com ele no carro quando
saímos de São Paulo, para que eu pudesse voltar com ela.
— Conseguiu descansar? — perguntei, para quebrar o gelo. Em
outros tempos, no lugar de uma pergunta estúpida, estaríamos trocando
beijos furtivos e risos de cumplicidade.
— Um pouco — respondeu, sucinta, e, então, me encarou.
Trocamos um longo olhar e a minha vontade, além de beijá-la, era
envolvê-la em meus braços e, ali, mantê-la segura. Se possível, até de mim?
Talvez sim.
— Quero te pedir desculpas — contei e recebi seu olhar surpreso.
Não gostaria, mas o faria. — Posso ir embora, realmente queria estar aqui
com você, mas não te quero mal e desconfortável.
Incrivelmente sua expressão mudou, parecendo que boa parte da
tensão esvaía-se naquele instante.
— Tá tudo bem, a gente sobrevive — um esboço de sorriso surgiu
em seus lábios e, meus Deus, como foi difícil não a puxar para mim e beijá-
la.
Um silêncio instaurou-se que, de pacificador, acabou por tornar-se
um incômodo e, então, decidi tentar um assunto.
— Achei incrível você está trabalhando com a Olívia. — Não
precisei me esforçar, pois desde que Bruna contou sobre a novidade e Lui a
confirmou, quis muito ouvir dela a respeito.
— Estou gostando bastante. — Eu tinha certeza que sim. Maria Clara
cursou Direito apenas por não ter encontrado outra opção que lhe enchesse
os olhos em vista da tradição familiar. Acho que ninguém esperava que ela
fosse de fato seguir uma carreira jurídica. — Sinto-me aliviada, sabe? Tenho
me dedicado bastante.
— Estou certo de que está fazendo o seu melhor.
Uma leve abertura da sua parte, seguido por um rubor nas maçãs do
rosto e, mentalmente, eu buscava de forma afoita qual seria o próximo
assunto. Não precisei me esforçar, pois Olívia surgiu na sala, interrompendo
o nosso momento.
— Minha avó fez caldo de abóbora, esse friozinho pede! Estamos no
quintal atrás da casa — ela avisou, em um convite e com um sorrisinho ao
nos ver no sofá.
— Já estamos indo, Oli — Maria Clara respondeu e, depois de um
sorriso, Olívia deu-nos as costas. Contudo, voltou em nossa direção.
— Lui está envolvido com o meu avô e meu pai, arrumando alguma
coisa no quarto de ferramentas. Disseram que vai demorar um pouco.
Discretamente, deu uma piscadinha e deixou-nos a sós.
Olhei para Maria Clara a tempo de pegar um sorrisinho seu e cocei o
queixo. Estava ferrado demais. Fui atrás dela, achando-me esperto, para me
dar conta do quanto a queria, muito mais do que imaginava e era capaz de
lidar.
— Vamos ali fora? — convidei, chamando-a para o jardim da casa.
— Tá.
Saímos lado a lado e uma lufada de ar frio recebeu-nos ao
colocarmos os pés na varanda, paramos diante do guarda corpo e a envolvi
pelas costas em meus braços.
Meu nariz foi direto para o seu pescoço, aspirei seu cheiro
lentamente e quase enlouqueci com a sua pele, arrepiando-se, ali, diante de
mim. Passei os lábios pelo mesmo caminho, beijando e umedecendo-a com a
ponta da língua. Apertei os braços ao seu redor e senti seu corpo relaxar.
— Está muito difícil ficar sem você, diabinha — sussurrei e virei seu
rosto em minha direção, soltando-a um pouco do meu aperto, para que
pudesse girar.
— Shiu — ela praticamente ordenou que eu me calasse e obedeci,
colando as nossas bocas.
O beijo começou lento, nós dois matando a saudade e sentindo a
quentura dos nossos lábios e corpos. Minha mão subiu para a sua nuca e
embrenhou em seu cabelo, segurei-a, firme, colando-a em mim. Meu
coração batia acelerado, senti sua falta, desejei cada parte sua, nada e
nenhuma outra mulher conseguiram aplacar meu corpo e desejo.
Lentamente, seus braços subiram para o meu pescoço e o enlaçaram,
estendi o beijo pelo o seu maxilar até o lóbulo da sua orelha, precisei segurar
seu corpo.
— Linda... Cheirosa... Você é uma delícia, diabinha — voltei a beijar
sua boca, pois ela, segurando minha nuca, guiou-me para isso.
Nossas línguas dançaram juntas, uma canção que me era tão familiar,
dando-me a certeza sobre o lugar que eu queria estar. Um longo beijo cheio
de amor, paixão, tesão e saudade.
Encostamos as nossas testas e dei-lhe vários beijos na boca,
ganhando, finalmente, um lindo sorriso seu. Daqueles que me iluminavam e
que me incendiavam na mesma medida.
— Você é louco.
— Sou mesmo. Louco e alucinado por você.
— Vai para uma festa com bastante Bruno e Marrone, Zezé de
Camargo e Luciano, Leonardo... — Zombou e eu cantarolei em seu ouvido.
— É o amor, que mexe com minha cabeça e me deixa assim, que faz
eu pensar em você e esquecer de mim, que faz eu esquecer que a vida é feita
pra viver... — rimos juntos. — Preciso de você, não dá mais para ficar longe.
— Acho melhor entrarmos.

∞∞∞

Maria Clara
Saí da cama cedo, mesmo com a janela do quarto fechada, eu ouvia o som
dos pássaros cantando, afastei as cortinas e logo vi o azul intenso do céu,
devia estar um lindo dia lá fora.
Fui para o banho cantarolando uma música, a água quente fez-me
relaxar e quando fechei a torneira, corri para me enrolar no roupão felpudo
que a avó da Olívia havia colocado ali para que eu usasse, pois a temperatura
seguia caindo.
Troquei de roupa e saí do quarto em direção à cozinha, anexa a ela
havia uma varanda onde nos reunimos na noite passada e, segundo me
falaram, era o local em que realizavam as refeições.
Enquanto caminhava pelo longo corredor entre as salas e a cozinha,
já sentia o cheiro de café e broa. Vozes também vinham de lá, fiquei um
pouco aliviada por não ser a primeira a chegar. Não pela família da Oli, pois
me sentia à vontade com eles, mas porque, por mais inédito que fosse, não
queria enfrentar Paulo sozinha. Estavam todos reunidos e depois de
cumprimentá-los, acomodei-me diante da extensa mesa de madeira.
Desde a primeira vez que nos beijamos, em meu aniversário de
dezessete anos, esperei pelo momento em que ele fosse me dizer que
gostaria de tentar um relacionamento comigo, o que só aconteceu ontem,
seis anos depois.
Em todas as inúmeras vezes que ficamos juntos, fosse por uma noite
ou por semanas, houve afeto, química, alguns planos, mas nunca um norte
ou sinalização da parte dele que seríamos mais que um segredo. Nunca.
Com exceção do que tivemos quando ele morava em Brasília
também, mas foi tão desastroso, que preferia não me lembrar.
E agora, depois de eu já estar farta de correr atrás, de sonhar sozinha
que tínhamos um relacionamento comum e feliz, de saber ou vê-lo tantas
vezes nos braços de outra e, enfim, decidir que precisava seguir minha vida
sem ele, o dito-cujo decide abrir seu coração.
— Bom dia! — a voz forte tirou-me dos devaneios e me fez quase
pular no banco de madeira.
Apenas Paulo ainda não havia chegado para o café da manhã e, ali,
surgiu lindo demais dentro de um suéter grosso azul.
O cabelo úmido e o cheiro da sua colônia misturado com o hálito
fresco, que senti quando deixou um beijo no topo da minha cabeça, ao me
cumprimentar, revirou tudo dentro de mim.
— Difícil acordar por aqui, estava precisando de um sossego desses
— ele disse quando a avó da Oli perguntou sobre a sua noite e se o quarto
estava confortável.
— Aqui é o paraíso para desacelerar, meu filho — tia Cida
comentou.
— Falei com a Oli que temos que vir sempre para cá — meu irmão
completou. Eu também estava amando estar ali, a receptividade e o clima
familiar. Uma delícia!
— Serão bem-vindos e vamos amar acompanhar de perto a gravidez
da nossa menina.
Paulo se acomodou ao meu lado no banco e ninguém pareceu se
importar, e também nem tinha motivos, perante meu irmão não éramos
amigos, mas sempre conversávamos bastante e nos dávamos bem.
— Dormiu bem? — perguntou, baixinho, apenas para que eu
ouvisse, enquanto passava manteiga em um mini pão de sal.
— Sim... E você? — Ele levantou o olhar em minha direção.
— Podia ter sido melhor. — respondeu com uma piscadinha, o que
me fez engolir em seco, e logo estava envolvido na conversa da mesa.
Ele bem que tentou que dormíssemos juntos, mas recusei.
Depois do café fomos conhecer toda a propriedade, os avós da Oli
nos mostraram as plantações que tinham, de frutas a temperos, bem como as
várias espécies de flores e plantas do jardim, que eles cuidavam
pessoalmente.
Uma funcionária ficava responsável pela limpeza da casa e auxiliava
no preparo das refeições, pois eles também gostavam de cozinhar, quase
sempre no fogão a lenha, que ficava na varanda onde tomamos o café.
Olívia nos convidou para conhecer a cidade, o que aceitamos de bom
grado, e desejosos de retornar antes do almoço. Seus pais foram com eles no
carro do meu irmão e Paulo foi comigo.
— Fazia tempo que eu não vinha para o interior — ele comentou
logo que dei a partida.
— Eu também...
— Falei sério ontem — tocou em meu joelho e foi como ter recebido
uma intensa descarga elétrica pelo meu corpo.
— Não sei o que pensar. — Confessei, o que era um resumo do que
passava em minha cabeça antes dele chegar para o café da manhã.
— Não pense que eu não quis antes. Muita coisa já aconteceu, sabe.
E quero te contar, te dar a oportunidade de saber os meus receios. Mas tenha
sempre em mente que te desejo mais do que tudo e se, você quiser, vamos
dar um jeito de fazer dar certo entre nós dois. — parei o carro atrás do meu
irmão, em uma praça e, rapidamente, Paulo segurou uma mão minha e me
beijou na testa.
Em meia-hora, havíamos conhecido todo o centrinho da cidade, uma
igreja bonita, a praça bem cuidada, lojinhas do comércio local e uma ponte
sobre o rio, de um lado o centro, do outro, os pequenos bairros residenciais.
Tia Cida nos levou em uma loja de doces e biscoitos caseiros, onde
experimentamos várias delícias, e as compramos para levar para São Paulo.
Conforme o planejado, no horário do almoço estávamos de volta.
Capítulo 13
Paulo

— Cabe mais um? — Perguntei a Maria Clara, que estava deitada na


rede, embaixo de um gazebo, aos fundos do quintal. A casa estava
silenciosa, todos foram para os quartos e, aparentemente, fomos os únicos
que dispensamos a soneca pós-almoço. — Não quis dormir?
Ela indicou um espaço ao seu lado e, assim que me acomodei,
abracei-a pelos ombros, não sem antes beijá-la de leve.
— Sem sono. Você também?
Quem nos ouvisse com esse papinho morno, não poderia imaginar
que, em geral, tínhamos muito assunto e ela era uma das pessoas com quem
eu mais gostava de conversar.
— Eu queria ficar com você, te procurei pela casa — confessei e,
mesmo ainda demonstrando tensão com a minha proximidade, ela deitou a
cabeça em meu ombro.
— Aqui é arriscado.
— É só esse o problema?
— Digamos que você é um tanto instável... — Virei um pouco a
cabeça em sua direção e segurei-a pelo queixo. — Quer ficar comigo hoje,
mas, amanhã, pode ser que nem atenda as minhas ligações. — Explicou. E,
não estava errada, infelizmente.
Foram inúmeras as vezes em que ficamos juntos, um mundo de
possibilidades ao lado dela se abria diante de mim, mas no dia seguinte era
como se uma enxurrada de realidade me atingisse, fazendo-me recuar.
— Há um motivo. — Soltei um suspiro. Se queria ter Maria Clara na
minha vida e, não como um casinho secreto, precisava explicar-lhe algumas
coisas. — Pode sair um pouco comigo? — Ela me olhou desconfiada, mas
senti que não ia negar. — Se alguém perguntar, dizemos que voltamos ao
centro da cidade para comprar algumas lembrancinhas.
Ela riu, a desculpa que daríamos era mesmo péssima, mas saiu da
rede e foi buscar a chave do carro.
Dessa vez, eu fui dirigindo e segui para uma praça mais afastada do
centro e que vi quando saímos pela manhã para conhecer a cidade.
Estacionei o seu carro na rua calma e a chamei para descer.
Não havia muito movimento, daria para conversar em paz, mas não
deixamos de chamar a atenção de um ou outro morador que passou por ali.
A cidade era pequena demais e certamente todo mundo se conhecia, logo,
devia ter uma placa com forasteiros gravado e colada em nossa testa.
Sentamos em um banco, aspirei o ar e tomei coragem. Eu ia lhe
contar uma boa parte da história e deixaria que ela decidisse o que fazer.
Esperava que escolhesse por mim.
— Muita coisa aconteceu lá em Brasília. — Comecei dessa forma,
fazendo com ela erguesse uma sobrancelha. Memórias das nossas melhores
noites surgiram em minha mente e segurei um suspiro. — Não estou falando
sobre nós, mas sobre o meu trabalho — expliquei.
Há alguns anos, Maria Clara visitou o irmão pela primeira vez, e nós
estávamos no meio de uma guerra. Nós dois recebíamos ameaças
diariamente, até que elas evoluíram e enviaram uma bomba caseira para o
meu apartamento.
E ela foi um refrigério em meio a toda turbulência que vivíamos.
Há tempos que reprimia o meu desejo, tentava manter uma distância
entre nós e não arrumar problema com o meu melhor amigo. Mas sentia meu
coração bater mais forte e o meu corpo reagir a cada vez que ele mencionava
a irmã caçula.
No entanto, bastou colocar meus olhos nela naquela manhã, para
quase perder a cabeça. Confesso que cheguei a dar uma trégua para a
quadrilha de tráfico humano que investigava, a qual queria a minha cabeça e
a do Lui, pois cedi ao meu coração e queria ficar o tempo todo com Maria
Clara.
Na medida do possível, éramos cuidadosos e usávamos os plantões
do meu amigo para desfrutarmos de dias e noites cheias de amor, planos,
intimidades e muito sexo.
Eu cozinhava as suas comidas preferidas, tomávamos vinho,
assistíamos filmes e namorávamos em cada canto do meu apartamento.
Parecia perfeito, seu cheiro não saía de mim e sua presença trazia-me frescor
e tranquilidade. Era um idílico perigoso, pois Lui poderia descobrir
facilmente. Mas não ligávamos, em poucos dias juntos eu havia decidido
assumir o nosso romance, ela, inclusive, sugeriu ir morar em Brasília, ia
transferir a faculdade para lá.
Tudo parecia perfeito. Então, tudo aconteceu...
— Eu precisei tirar você da minha vida
— Como eu disse, é volúvel. Pois quando voltou para São Paulo foi
atrás de mim. — Sim, eu fiz isso, nunca escondi que ficar longe dela era a
decisão mais difícil da minha vida.
— Você tem razão. E eu tenho um motivo. Eu te amo, Maria Clara.
Tento agir com a razão, mas nem sempre consigo. Agora, escute-me. O
clima estava tenso por lá, seu irmão nunca quis te contar, mas éramos
ameaçados diariamente, coisa pesada. Inclusive, saímos de Brasília, porque
estávamos correndo verdadeiro risco de vida, foi esse o motivo que fez a
Superintendência nos enviar de volta para a nossa cidade. Eu sofri um
atentado no dia que terminei tudo com você, aliás, esse foi o motivo do
término.
— Não sou uma criança, poderia ter me contado tudo.
Ah, mas ela era sim, e como era. Se tenho uma certeza na vida, é que
fiz certo em despachar Maria Clara daquela loucura que se tornou a minha
vida em Brasília.
— Não poderia — respondi, categórico. — Óbvio que não é criança,
mas é teimosa e me diria não. Ia insistir para ficar lá comigo e eu não podia
permitir, pois você também correria risco se permanecesse ao meu lado. Na
verdade, já corria por ser irmã do Lui.
Brasília, anos antes.
Queria encerrar logo o expediente. Maria Clara me esperava em
casa, havia enviado fotos mexendo na minha cozinha e lendo um livro na
poltrona da minha sala. Eu precisava respirar um pouco fora da delegacia
e, claro, passar um tempo com ela.
Estávamos nos arriscando, se Lui não estivesse tão envolvido com a
investigação, já teria nos descoberto. Eu faria melhor, no dia seguinte nós
dois estaríamos de folga, e eu contaria a ele.
Um toque na porta da minha sala e autorizei a entrada, era o meu
amigo. Trazia consigo um pen drive, que me entregou.
— Agora só falta um deles, as escutas dois e três do último arquivo
de áudio incrimina os demais.
Escutei, atento, as conversas capturadas pelo grampo, indo direto
para as partes que ele indicou. Ninguém podia negar, fizemos um excelente
trabalho e quase em tempo recorde.
— Fechamos o cerco. Já vou pedir a expedição dos mandados de
prisão, não vou arriscar esperar ainda mais.
— Esse inferno está acabando. — Lui pareceu, então, relaxar na
cadeira e eu também.
— Uma cerveja amanhã para comemorar? — Convidei e ele
assentiu. — Vou para casa, tenho vários relatórios para finalizar e não está
dando para me concentrar aqui. — Odiava mentir para ele, mas até o dia
seguinte, quando contaria sobre o meu romance, tinha que ser assim.
— Estou sendo um péssimo irmão, Maria Clara veio passar uns dias
comigo e não consigo ficar com ela. Mas hoje, de novo, vou sair tarde. —
Lamentou e não rendi o assunto.
— Ela vai entender.
Enquanto caminhava pelo corredor da delegacia, ansioso para
chegar em casa e encontrá-la em nosso pequeno paraíso, telefonei e avisei
que já estava indo embora, recebendo de volta um “vem logo, amor” que fez
meu coração arder dentro do peito.
Ainda assinei alguns documentos na recepção, conversei
rapidamente com dois agentes do plantão e segui para o estacionamento.
Era início da noite, o clima estava seco e árido e, mentalmente, eu
calculava que, em cerca de meia hora, estaria beijando a minha mulher.
Mas não foi o que aconteceu.
Liguei o carro e logo nos primeiros metros percebi que havia algo de
errado. Insisti mais um pouco, tudo parecia em perfeito estado, com exceção
do freio, que resvalava. Tive a certeza de que ele não estava normal quando
cheguei à via e houve uma falha.
Parei o carro, não era o lugar ideal dado o alto fluxo de veículos ali,
mas não podia seguir sem saber o que havia acontecido com o freio.
Desde criança, gostava de montar e desmontar brinquedos, o que
cultivei até a vida adulta. Porém, agora, “brinco” com carros de verdade.
Bastou que eu entrasse embaixo dele para achar o “erro”. Sabotagem no
freio do meu carro.
Coloquei-me de pé e fui caçar dentro dele algum recado mais direto,
que imaginei que teriam deixado. E lá estava, um envelope atrás do banco
do motorista.
Abri-o e meu coração quase parou com o que vi dentro dele. Fotos
da Maria Clara na rua, chegando ao meu apartamento, no carro com o Lui,
ela em diversas situações. Senti meu corpo fraquejar e o sangue ser
drenado. Havia também um bilhete e, ao lê-lo, tive a certeza do que
precisava fazer.
“Mandamos que parasse, mas não nos deu ouvidos. Vamos lá
conhecer a sua vadiazinha e descobrir o que tem naquela boceta para
ter te enfeitiçado.”
Era definitivo, eu precisava tirar Maria Clara de Brasília e o faria
imediatamente.
Evitava pensar sobre o ocorrido. Anos atrás, era apenas o cara
aventureiro e que achava que poderia mudar o mundo. Hoje, eu continuava
sendo um tanto aventureiro, mas agora também viciado em fazer justiça,
embora já tivesse desistido de mudar alguma coisa no mundo.
Odiava lembrar que a afastei de mim e da nossa chance de sermos
felizes juntos.
Maria Clara foi viver a vida, arrumou um namorado, viajou e
formou-se na faculdade, eu me envolvi com mais mulheres que poderia
contar, no meio do caminho tivemos encontros e reencontros, que nos
quebrava a cada vez que nos afastávamos.
— E não pensou em me contar a verdade? — perguntou, quando
acabei o relato.
— Não, não pensei — respondi com sinceridade e um bico formou-
se em sua boca, quase me desconcentrando. — Naquele dia, voltei à
delegacia para falar com o seu irmão. Ia contar sobre a gente e pedir ajuda
para te mandar de volta para São Paulo. Mas quando contei da sabotagem no
meu carro, ele correu ao estacionamento e no dele também havia um
envelope contendo ameaças e fotos suas.
Lembro em detalhes do pânico que senti quando me dei conta de que
ela estava verdadeiramente ameaçada. Lui e eu nos entreolhamos e pude ver
o medo genuíno estampado na cara dele.
— Então não precisou nos entregar...
— Ele nunca soube que recebi ameaças direcionadas a você. —
Apoiei os cotovelos em minhas pernas, pior do que lembrar do medo que
senti, era o sentimento de derrota que sempre o acompanhava. — Eu
precisava ter certeza de que você ia me odiar e não voltar a Brasília. Fiz o
que precisava fazer.
— E achou que eu não tinha capacidade de lidar com tudo o que
estava acontecendo? — Apertou os lábios, como fazia quando estava brava
ou com raiva ou as duas coisas juntas. Será que não havia entendido que
corria risco de vida? Acho que não.
— Quer a verdade? É exatamente isso, achei que não fosse conseguir
lidar. E mais, que se colocaria em perigo. Não ia ficar quieta em São Paulo,
sabe disso. E, talvez até envolvesse os seus pais, o que faria Lui surtar. Fiz o
que achei ser o melhor naquele momento, Clara.
Soltei um suspiro e a encarei, todas as cartas estavam sobre a mesa.
— E se fosse hoje?
— Nunca deixei de receber ameaças, sua cunhada foi sequestrada há
pouquíssimo tempo e por retaliação à uma investigação nossa. E estou aqui,
não é? Porque cansei de fugir, caso queira saber...
Balançou a cabeça em confirmação e pareceu pensar, fazendo com
que, para mim, cada segundo do tempo passassem como se fosse uma hora
inteira.
— Não entendo. Isadora, minha ex-cunhada, também é delegada e,
até onde sei, não recebe ameaças, não vive essa loucura que está me
contando.
Aí estava a grande questão e que esperei que ela me questionasse...
— Isadora trabalha dentro da lei. — Busquei os seus olhos e ela
estava atenta a mim. — Lui e eu não temos muito juízo, vamos atrás do
impossível para incriminar todos os filhos da puta que topam o nosso
caminho. É uma diferença que, parece simples, mas muda tudo.
— Está me contando tudo isso...
— Por dois motivos. — Saí do banco e agachei-me diante dela,
segurando as suas mãos sobre as suas pernas. — Primeiro, preciso que
entenda que nunca quis que fosse embora de Brasília daquele jeito. Queria
você, queria nós dois juntos, mesmo você sendo nova demais e eu no início
da carreira. O outro motivo, é que sou o perigo em pessoa, vou fazer de um
tudo para cuidar de você, mas tem sempre alguém querendo o meu pescoço.
Um lampejo de entendimento brilhou em seus olhos. Ela sabia o que
eu dizia e talvez eu a tenha convencido de que estava certo do que queria. E
eu nos queria juntos!
— E se eu disser sim?
Antes que ela finalizasse a pergunta, eu já estava de pé. Apaixonado,
segurei-a firme pela cintura e beijei sua boca. Subi uma mão até sua nunca e
a beijei-a com tudo de mim, sendo inteiramente dela, como ela tanto quis e
eu também. Meu coração sempre teve dona e era a hora de entregá-lo a
Maria Clara Brandão.
— Prometo te fazer a mulher mais feliz do mundo!
Capítulo 14
Maria Clara

Chegamos à praça principal de Roseiras, que ficava em frente à igreja, onde


montaram um palco e barraquinhas. Não era o tipo de evento que eu estava
habituada a frequentar, mas me lembrava muito as festas que fui durante a
infância e adolescência, nos aniversários da cidade dos meus avós maternos.
Tia Cida contou, que embora já estivesse tudo montado, a festa
somente começaria após o fim da missa, o que ocorreu pouco tempo depois.
Escolhemos uma mesa e nos acomodamos, Olívia, sua mãe e eu
tomamos suco natural, os homens preferiram cerveja, seus avós dispensaram
a programação noturna e ficaram em casa.
A família da minha cunhada demonstrava ser muito querida na
cidade, pois a todo instante chegava alguém a nossa mesa para cumprimentá-
los.
Eu tentava agir naturalmente, mas era uma tarefa difícil com Paulo
ali tão perto de mim e com os seus olhares intensos e cheios de promessas.
O que íamos fazer era uma loucura, mas uma loucura que eu queria
muito e estava disposta a bancar. Agora, seria eu a única mulher em sua
vida, depois de tanto tempo em que nós dois estivemos nos braços de outras
pessoas, buscando o que somente a gente poderia oferecer ao outro e que não
fosse apenas prazer.
Seus olhos pareciam não querer perder um só detalhe meu,
acompanhavam-me o tempo todo. E eu, na medida do possível,
correspondia. Mal decidimos tentar um relacionamento, que ainda não tinha
nome, e desejava que não fosse segredo. Mas o melhor a fazer era ir com
calma, ainda tínhamos que nos resolver como casal, acertar arestas e, claro,
testar na prática.
O som mecânico foi ligado e dos autofalantes saía o melhor do
sertanejo raiz, exatamente como eu amava. Discretamente, ri da cara de tédio
que ele fez ao iniciar a terceira música do Bruno e Marrone e, sem poder
fazer qualquer comentário diante do meu irmão, peguei meu celular e digitei
um trecho do refrão:
“Vida vazia, saudade sua, dia nublado, vento gelado, noite sem lua...”
Leu com um sorriso lindo no rosto, um dos poucos que ele dava, na
maior parte do tempo era bem sério e mantinha uma carranca que o deixava
ainda mais atraente e sexy.
A música seguia, ele disfarçou falando algo com Lui e logo começou
a digitar. Afoita, fui logo ler as mensagens que chegaram:
“O que é que eu faço pra você voltar pra minha vida?”
“Você voltou e agora não sai mais, diabinha.”
Meu coração pulava dentro do peito, até mesmo com ele usando
aquele apelido odioso, aliás, justamente por ele usá-lo.
Deixei um suspiro escapar e tomei as rédeas das minhas reações ao
ver Olívia olhando fixamente para mim. Ainda não era a hora de nos revelar,
reforcei a mim mesma.
— A família Santana está vindo aqui — tia Cida avisou e ficou de
pé, seguida por Olívia e seu pai.
Um casal mais velho aproximou-se, o homem tinha um chapéu na
cabeça, de couro e estilo country e a mulher, assim como nós usava roupas
bonitas de frio e bota. Ao lado deles, tinha uma garota, que não devia ser
muito mais nova que eu.
Depois que fomos todos apresentados, os pais da Oli continuaram
de pé conversando com a família recém-chegada e, meu irmão e Paulo,
saíram da mesa para comprar cerveja em uma barraca próxima.
— Está engraçado acompanhar de camarote todo esse romance
secreto — minha cunhada sussurrou, com um sorriso maroto nos lábios.
— Shiu, você não viu nada — tentei fazer parecer que era uma
repreensão, mas falhei.
— Tenho visto olhares apaixonados o tempo todo.
— Estamos fazendo uma loucura — levei as duas mãos ao rosto,
quase que teatralmente, fazendo-a rir.
— Estamos? — Quis saber, um questionamento por eu ter usado o
plural.
— Saímos hoje à tarde e conversamos. Vocês estavam no quarto.
— Ah, ainda não falei com você a respeito, mas só fiquei sabendo
que ele viria ontem no almoço, seu irmão, na correria da delegacia, esqueceu
de me avisar. O plano deles era que o Paulo ficasse em um hotel, o resto
você já sabe.
— Está tudo bem. Acho que nos acertamos. — Senti minha voz
vacilar, reflexo do claro receio que sentia.
Viver a minha história com o Paulo foi tudo o que desejei por
anos, mas agora que estava para acontecer, tinha medo de dar errado.
Besteira, pois nenhum relacionamento tem garantia que dará certo, mas era
assim que me sentia.
— Fico feliz por vocês. — Ela me deu um sorriso e, então, franziu
a testa, surpresa com algo ou alguém atrás de mim, na direção em que
olhava. — Nossa, um grande amigo vem vindo, faz muito tempo que não o
vejo. É filho deles. — Apontou com o queixo o casal que seguia
conversando com os seus pais e ficou de pé quando um homem se
aproximou. — Digo, quanto tempo! Como vai?
Trocaram um longo abraço, o cara era muito bonito, alto,
perfumado e usava camisa xadrez por baixo da jaqueta de couro.
— Estou ótimo e você? Que milagre é esse nos encontrarmos,
quase nunca acontece de nós dois estarmos por aqui na mesma data.
— Pois é, mas que coisa boa! — Olívia fez um sinal, chamando-
me e nos apresentou. — Deixa eu te apresentar minha cunhada, Maria Clara.
— Rodrigo, ou Digo, muito prazer! — disse, simpático. Sua mão
grande e quente, um contraponto à noite gelada, segurou firme na minha e
seus olhos grudaram em mim.
De relance, vi meu irmão e seu amigo aproximarem-se, o senhor
carrancudo Diniz tinha, para variar uma linda cara fechada, que não se abriu
nem quando foi apresentado ao homem recém-chegado.
Sem muita cautela, colocou-se ao meu lado e, por alguns
segundos, tocou em minha cintura, eu podia apostar e ganhar que o ouvi
rosnar. Segurei, bravamente, o riso, pois Rodrigo não havia feito nada além
de ser gentil comigo.
Lui o convidou para sentar à mesa com a gente e ele logo aceitou,
depois, claro, de cumprimentar seus pais e os da Oli. Os três dominaram o
assunto, meu irmão contou um pouco sobre a sua profissão, Rodrigo
informou que era médico veterinário e morava em outra cidade, não
conseguia passar muitos dias em Roseiras ou Taubaté, mas sempre vinha
para atender os animais da fazenda dos pais. Minha cunhada também contou
como estava a vida em São Paulo, o noivado, a gravidez e a empresa que
acabou de abrir. Paulo, até que se esforçou para ser simpático, mas todo o
bom senso pareceu ir embora quando Rodrigo quis saber mais sobre mim.
— Então, agora trabalham juntas? — perguntou e confirmei.
— Faz pouco tempo, mas estamos cheias de planos.
— Clara foi a minha melhor surpresa. Tem sido essencial para a
minha empresa, tenho certeza de que ainda vamos muito longe juntas. — Oli
complementou e ganhei um sorriso arrasador do amigo da minha cunhada e
ouvi outro rosnado ao meu lado.
— Isso é maravilhoso. — Se aquilo não era uma tentativa ou início
de flerte, não sei mais o que pode ser. Depois de um longo e caloroso olhar,
ele dirigiu-se ao meu irmão. — Sabe, Luiz, desde criança que Olívia dizia
que seria estilista. Chegava ao colégio com uma bolsa cheia de roupas de
bonecas que havia costurado e ainda pegava encomendas das meninas da
nossa sala — contou e, então, ganhou toda a simpatia do meu irmão
apaixonado.
— Ah, bons tempos. Era mais fácil nessa época! — disse Oli,
saudosa.
— Ela é muito talentosa! — Lui elogiou e ganhou um beijo. Eu
assistia toda a melação como se estivesse em um jogo de tênis, olhando ora
de um lado, ora do outro. — Curioso que, desde criança, meu irmão e eu
falávamos o que gostaríamos de fazer quando crescermos. Eu, policial, ele
advogado. Maria Clara também gostava de costurar, fazia roupinhas para as
bonecas, acho que muitas estilistas são despertadas assim, mas acabou
escolhendo Direito. Fico feliz por ela estar se encontrando agora.
Ao ouvir sobre a minha infância, meus pensamentos voaram
longe, situei-me, novamente, ao sentir uma mão acarinhando meu joelho.
Ergui o olhar de onde vinha e mordi o lábio. Paulo ainda estava carrancudo,
mas o seu olhar pareceu abrandar ao encontrar o meu.
Rodrigo ainda conversava com meu irmão e cunhada, dessa vez
olhando diretamente para mim, como se quisesse compartilhar comigo a sua
própria história ou demonstrar alguma identificação entre nós dois.
— Meu pai não ficou muito satisfeito quando escolhi medicina
veterinária, queria alguém para administrar a fazenda. Mas, hoje, acho que
tem orgulho do que faço, inclusive, cuido dos animais dele.
— É um bonito trabalho. — Sem jeito, respondi.
Ele saiu da mesa para comprar algo para beber e quando retornou,
trazia consigo um suco para mim, o mesmo que eu tomava anteriormente.
— Para você! — estendeu-me a bebida e, por alguns segundos
fiquei sem reação, no entanto, não podia deixar o homem com a mão
esticada, tampouco recusar.
Falaria o que? Olha, obrigada pelo suco, que, inclusive estava uma
delícia, mas esse homem aqui ao meu lado tem algo comigo. Isso, apenas
isso, pois nem namoro eu sabia se tínhamos.
— Ah, obrigada!
Bom, ele foi além da gentileza de me trazer a bebida e sentou em
uma cadeira vazia do meu outro lado, não perdeu tempo e puxou assunto,
dessa vez, falando apenas comigo.
— É a sua primeira vez aqui em Roseiras?
— É sim. Bonita cidade.
Outro sorriso, sedutor e, ao mesmo tempo, respeitoso, como se
apenas marcasse presença. Meu irmão costumava ser bem ciumento comigo,
ainda mais quando alguém demonstrava interesse em mim debaixo do seu
nariz. Mas, convenhamos, ultimamente, ele só tinha olhos para a noiva e a
gravidez, então, não pareceu importar com o flerte.
Trocamos mais algumas poucas palavras, eu não rendia o assunto e
ele, mesmo que tivesse me deixado em uma situação delicada, não era
desrespeitoso. Afinal, não tinha como ele saber sobre o que rolava entre
Paulo e eu.
Falando nele, ouvi o barulho de cadeira sendo arrastada ao meu
lado e virei em sua direção, Lui também fez o mesmo, e ganhou uma rápida
explicação do amigo.
— Vou dar uma volta.
Senti que Rodrigo quis dizer algo, mas desistiu e engatou outro
assunto. Não sei bem como foi, mas quando me dei conta meu irmão
contava sobre o 001 e era um ponto em comum entre os dois, o cara também
praticava tiro.
Olhei em direção a minha cunhada e ela tinha um sorrisinho
irônico no rosto. No mesmo instante, a luz de notificação do meu telefone
acendeu e eu já sabia quem era.
“Ele está dando em cima de você.”
Assim que li a mensagem no aplicativo, procurei por ele e o achei
próximo a uma barraca. Uma mão dentro do bolso da calça e a outra
segurava o celular.
“Claro que não, está apenas sendo gentil.”
Tentei despistar e acho que ele bufou com a minha resposta. Tirou
a mão livre do bolso, digitando novamente.
“Não aguento mais ficar ao seu lado sem poder te beijar...”
Soltei um suspiro curto, em expectativa. Era o que eu desejava,
estar em seus braços e ganhando os seus beijos.
“Eu também.”
Aguardei em expectativa e logo chegou outra mensagem.
“Acha que conseguimos sair daqui sem chamar a atenção?”
Antes que eu conseguisse pensar em algo e respondê-lo, foi
anunciado que o show da dupla sertaneja já iria começar, inclusive, estavam
no palco. Olívia, Lui e Rodrigo ficaram de pé, os dois casais que
conversavam perto dali, aproximaram-se e iniciou-se a primeira música.
Procurei Paulo, ele ainda estava no mesmo lugar, mas eu não
conseguia pensar em nenhuma desculpa plausível para sair dali.
— Uma dança, Maria Clara? — Estava perdida em pensamentos,
sem me concentrar em nada ao meu redor, quando fui surpreendida com o
pedido. Rodrigo chegou bem perto, o convite foi quase sussurrado, dando-
nos privacidade em relação aos demais. — Prometo não machucar os seus
pés.
Ia recusar, mentalmente maquinava uma boa desculpa e mantinha
um sorriso no rosto, mas um alguém foi mais rápido do que eu:
— Ela não gosta de dançar. — Paulo surgiu atrás de mim. Enorme,
ocupando espaço e defensivo, mas discreto, pousou uma mão em minha
cintura.
— Acho que ela pode responder por si. — Rodrigo reclamou, mas
logo seus olhos foram para a mão que me tocava e ele, então, percebeu o que
acontecia. — Já entendi, não vou atrapalhar.
Olhei ao redor, ansiosa, mas ninguém prestava atenção em nós,
meu irmão e Olívia dançavam abraçados, sei lá se cantando ou trocando
declaração, fico com a segunda opção porque acho que Lui não saberia
cantar uma música sequer de sertanejo.
Respirei fundo e ri sozinha, que situação!
— Está tudo bem? — Paulo perguntou e, em seguida, soltou a
minha cintura.
— Posso estar com dor de cabeça...
Capítulo 15
Paulo

Meu sangue fervia enquanto dirigia para casa, uma miscelânea de


sentimentos ardendo dentro de mim: ciúmes, raiva, paixão.
Assistir aquele homem jogar charme e flertar com Maria Clara, na
minha cara, foi uma verdadeira prova de fogo. Não havia outra solução,
senão assumirmos logo o que tínhamos. Lui, por mais que fosse querer me
matar, não poderia impedir. Já imaginava a ladainha que ele falaria em
minha cabeça, lembrando-me de cada ameaça que sofria diariamente e
ressaltando que, amigo não fica com irmã do outro, mas não passaria disso.
Teríamos que acertar a nossa situação o quanto antes.
Eu mantinha uma mão em sua perna e ela seguia calada. Disse ao
irmão e à cunhada que não se sentia bem, que estava com uma dor de cabeça
horrível. Eles se ofereceram para voltarem para casa com ela, mas me
adiantei e garanti que poderia fazê-lo.
— Quase perdi a cabeça... — confessei, como se ela não tivesse
percebido, quando estacionei o carro na garagem.
— Não tinha como ele saber.
Fingi não perceber que ela defendeu o cara que minutos atrás a
desejava e enfiei uma mão em seu cabelo, segurando-a pela base da sua
cabeça.
— Continuo querendo te beijar, diabinha. E depois vamos acertar as
coisas entre nós.
Minha boca, faminta, encontrou a dela, nossas línguas entrelaçaram-
se e, de olhos fechados, concentrei-me em seu gosto, na sua quentura e em
suas mãos afoitas que me puxavam para si.
Um beijo infinito, marcando-nos como pertencentes um ao outro,
fazendo-me perceber qual era o meu lugar. Sempre ao lado dela, de onde, se
dependesse de mim, não sairia mais.
Meu corpo reagiu e, mesmo sob a noite gelada, sentia-me quente e
com uma ereção que já fazia meu pau latejar.
Maria Clara gemia em minha boca e eu queria mais dela.
— Precisamos entrar, os avós da Olívia podem sair aqui fora — ela
interrompeu o beijo para nos trazer de volta à razão, mas eu só queria
continuar com a minha boca encontrando a sua.
— Já devem estar dormindo.
— Somos visitas... — lembrou e suspirei.
— Mais um beijo. — Antes que ela pudesse discordar, ataquei-a
novamente. Com uma mão eu apertava suas costas contra o meu corpo, a
outra levei a sua nuca, segurando-a. Maria Clara retribuía e se entregava. —
Dorme comigo? — pedi, quando pausou para respirar.
— É arriscado.
— É sim. — Não neguei e tirei o cabelo grudado da sua testa.
Gotículas de suor escorriam em suas têmporas. Mesmo estando frio lá fora,
dentro do carro o clima estava abafado. Ou éramos nós dois que pegávamos
fogo.
— Vamos entrar. — Vencido, saí e dei a volta, para abrir a sua porta.
Entramos na casa silenciosos e de mãos dadas. Seu tamanho era
perfeito para mim, tudo nela parecia ter sido feito sob medida para o meu
corpo e o meu coração, que nunca conseguiu afastá-la em definitivo.
Os quartos ficavam no andar superior, as luzes estavam apagadas, a
única iluminação vinha de arandelas espalhadas pelas salas e corredores.
Paramos diante da sua porta e prendi as mãos sobre a sua cabeça,
apoiando na parede atrás dela.
— Eu te amo! — Beijei sua boca, castamente, várias vezes,
marcando seus lábios e sentindo a sua doçura e maciez habituais. — Sou
louco por você!
— Que coincidência... — Confesso, queria mais, de repente, vi-me
dependente de uma declaração sua. Pois é, soldado mais que abatido, e
pensar que há pouco tempo debochei do meu amigo Lui. Ela percebeu e
revirou os olhos, mas não me negou. — Sou louca por você há alguns anos!
— Ah, diabinha! — Envolvi sua cintura e beijei seu pescoço. Meu
corpo a ponto de explodir.
— Eles não vão demorar, tenho certeza de que meu irmão vai dar um
jeito de trazer Olívia para casa. Pode me esperar — sussurrou em meu
ouvido e soltei-a o suficiente para olhá-la nos olhos.
Encontrei as duas orbes azuis e cintilantes afogueadas, o que me
acendeu ainda mais. Precisei me controlar ou a faria minha ali mesmo,
contra a porta, como já fiz tantas vezes na ânsia de tê-la inteira para mim.
— Até daqui a pouco. — Dei-lhe um beijo e depois que ela entrou,
abri a porta do quarto em frente ao seu.
Tomei um longo banho, precisava acalmar o meu corpo em ebulição.
Contive o anseio de me aliviar sozinho, todo o meu prazer seria dela e só por
imaginá-la nua em minha cama, meu pau estava novamente ereto, se é que
em algum momento deixou de estar.
Vesti uma calça de moletom e liguei a TV em uma série aleatória que
passava, ao mesmo tempo, abri uma rede social no celular e o aplicativo de
mensagens, precisava passar o tempo.
Nada parecia suficiente para me distrair. Duas mulheres com quem
eu saía às vezes me puxaram assunto; Tamara enviou uma foto nossa que
disse estar perdida em seu telefone e era um registro da última vez que
estivemos juntos, nós dois em meu apartamento, fumando charuto e tomando
uísque; e até Daniele, minha ex, que parecia ter dado uma trégua, resolveu
aparecer e enviou uma mensagem. Respondi apenas Tamara, além de tudo,
éramos amigos e não vi motivos para ignorá-la, ela ainda contou sobre o que
fez nos últimos dias e me surpreendeu ao avisar que em breve voltaria ao
Brasil.
Guardei o celular e tentei me concentrar na série, devo ter
adormecido no meio do caminho, despertei com um ruído na porta, era ela
sendo aberta.
De imediato, sentei na cama e meu coração acelerou ao ver uma
silhueta tão conhecida quase flutuar pelo quarto. Contive um suspiro e engoli
em seco, parada diante de mim, Maria Clara despia-se vagarosamente de um
roupão branco e, a cada segundo, um pouco da sua pele cintilava para mim.
O cômodo estava iluminado apenas por uma luminária sobre a
mesinha ao lado da cama, seus movimentos ecoavam sombras e eu já estava
duro e quase gozando só por assisti-la.
O corpo magro e esguio surgia como um monumento sendo
inaugurado, solene e gerando expectativas, que eu já sabia que não seriam
frustradas. Diante da cama, havia um baú, ela ergueu uma perna, apoiando-a
ali e deixou que o roupão caísse por seus ombros, parando na cintura.
Seus seios pequenos e arrebitados estavam cobertos por uma lingerie
também na cor branca e de renda, que deixava o biquinho amarronzado a
mostra. Salivei, conhecia o seu gosto em minha boca e o som dos seus
gemidos quando chupava-os e os deixavam intumescidos.
Meus olhos corriam por todo o seu corpo, desde os cabelos longos e
soltos passando pelo seu rosto delicado que não desviava a atenção de mim,
indo pelo colo, seios até a barriga plana, onde estava o roupão acumulado.
Eu mal sabia o que era respirar ou piscar, em minha cabeça só cabia
o desejo absurdo que tinha por aquela mulher, que já era minha muito antes
de conhecer os desejos da carne e que poderia nunca ter deixado de me
pertencer.
Sem pressa, ela deslizou o tecido grosso e felpudo pelas pernas, uma
de cada vez, e não teve tempo de continuar a sua tortura em forma de
performance, pois como uma fera recém saída da jaula, avancei sobre o seu
corpo quando fiquei diante da sua intimidade, coberta por uma minúscula
calcinha também de renda, que não me escondia nada.
Segurei a base do seu pescoço e Maria Clara me encarou altiva, sua
pele quente sob os meus dedos, os olhos cintilando prazer, com a outra mão,
apertei sua cintura sobre o meu corpo.
— Vai me provocar na cama, diabinha — disse em seu ouvido,
intercalando as palavras com a ponta da minha língua a explorar sua orelha.
Sua pele estava arrepiada e desejei sentir logo a sua excitação em
meus dedos e boca.
— Acho que quero — respondeu, com a voz rouca e falha.
— Deita, agora! — Ordenei e ela não se fez de rogada.
Seu corpo ficou inteiramente a minha disposição, seus olhos não
desviavam de mim, os lábios entreabertos eram um convite a senti-los e
degustá-los.
Esquadrinhei todo o seu corpo, em adoração e desejo, toquei os seus
pés e os beijei, subi pelas pernas torneadas sentindo a maciez da sua pele e o
seu cheiro gostoso. Com as mãos, tocava-a e matava a saudade de cada
pedacinho daquele corpo que eu tanto amava.
Pulei a sua intimidade e posso apostar ter ouvido um rosnado em
reprovação, subi pela barriga e toquei em seus seios. Os dois montes
apontados para mim, implorando pela minha boca. Não neguei. Circulei a
auréola com a ponta da língua, um gemido dela escapou, seu peito pulsava
em uma respiração ofegante, repeti o ato até que não me aguentei e
mergulhei por completo sentindo-o inteiro em minha boca. Suguei o seu seio
esquerdo, como se fosse uma fruta suculenta da qual eu tentava extrair todo
o néctar, deleitei-me com a maciez e a sua quentura. Uma mão massageava e
excitava o outro seio. Rocei os dentes na pele branquinha e prendi o
biquinho do seio, ela gemia, se remexia embaixo de mim clamando por
mais, meu pau pulsava e chegou a doer de tão duro que estava.
— Vem logo, lindo — implorou, a voz rouca cheia de tesão.
— Está com pressa? — Tirei a boca do seu seio, mas continuei
instigando-o com a mão, pressionando o biquinho com as pontas dos dedos.
A sua respiração entrecortada fez meu sangue fluir com rapidez em
minhas veias, deixando-me agitado.
— Não aguento mais — gemeu.
— Mas eu só comecei, diabinha.
Voltei a instigá-la com a boca, intercalando com os dedos enquanto
beijava a sua boca. Cheio de vontade de tocá-la, desci uma mão até a sua
intimidade, corri dois dedos por sua extensão.
Poderia invadi-la naquele momento, cheguei ao meu limite por sentir
o quão molhada estava, mas não o faria sem que ela tivesse antes gozado.
Estimulei o seu clitóris, enquanto ainda sugava o seu seio, em
resposta ela gemia baixinho e extravasava arranhando as minhas costas. Meu
corpo vibrava por completo, meu membro duro como uma rocha, ergui a
boca para beijá-la novamente e esse momento era o meu ponto de paz e
equilíbrio, não se tratava de apenas sexo, mas sexo com a mulher da minha
vida. Era o nosso encontro.
— Eu te amo! — declarei, sem deixar de excitar o seu clitóris.
— Vou te amar mais quando estiver dentro de mim — somente ela
para me fazer gargalhar no meio de uma transa.
Teria que esperar mais um pouco.
Desci uma trilha de beijos por seu abdômen e barriga, farejei o topo
da sua intimidade úmida, o cheiro da sua excitação, inebriando-me. Beijei e
lambi toda a sua virilha, propositalmente desviei do seu ponto de prazer. Ela,
no entanto, cansou de esperar e guiou a minha cabeça para onde desejava.
Maria Clara queria ser chupada e receberia o melhor sexo oral que eu
poderia oferecer.
Lambi a sua boceta por inteira e precisei tapar sua boca com uma
mão para conter o grito que ecoou da sua garganta quando suguei o seu
clitóris. Não lhe dei trégua, chupei-a até que todo o seu corpo vibrasse em
um único compasso, um gozo que a tomou por inteiro. Saquei uma
camisinha que havia deixado na mesinha ao lado da cama, vesti-a
rapidamente e com o seu corpo ainda trêmulo, invadi-a e, finalmente, senti-
me de volta em casa.
Capítulo 16
Maria Clara

Assim que conectei meu telefone ao sistema de som do carro através do


bluetooth, iniciou uma das minhas músicas preferidas da playlist.
Eu quero que risque meu nome da sua agenda, esqueça o meu
telefone não me ligue mais. Porque já estou cansado de ser o remédio, pra
curar o seu tédio, quando seus amores não lhe satisfazem... A canção
ressoou dentro do carro e, confesso, era a primeira vez que de fato prestava
atenção na letra. Senti um incômodo, mas a música continuou tocando e,
quando arrisquei olhar para o lado, lá estava a cara amarrada e a testa
franzida.
Não sei bem quando foi que assumi para mim mesma a minha
preferência musical, a maior parte dos meus amigos gostavam de eletrônica
ou no máximo um pop internacional.
No entanto, ficou marcado em mim as cantorias noturnas na fazenda
dos meus avós maternos, com violas, voz afinada e ao redor de uma
fogueira.
Paulo sempre torcia o nariz para as minhas músicas, o que nunca me
impediu de ouvi-las. Cantarolei o refrão e ganhei, por fim, um sorriso seu.
Sua mão afagava o meu joelho enquanto ele dirigia o meu carro rumo a São
Paulo.
Estiquei o braço e peguei minha bolsa no banco traseiro, de dentro
dela tirei um pacotinho de bala fini e, quando a ofereci a Paulo, ele riu alto
antes de aceitar. Eu não era de comer besteira com frequência, mas abria
exceções em viagens, principalmente, se fosse de carro. Era a minha
memória afetiva, lembro que na infância mamãe compravas várias coisas
que meus irmãos e eu gostávamos de comer e levávamos no carro enquanto
papai dirigia para o litoral.
— Não ria, posso te negar os amendoins com chocolate — ameacei,
já abrindo o outro pacotinho de confeitos, que era um dos que nós dois mais
gostávamos.
— Vem cá, beijo com sabor de bala de dentadura — não me fiz de
rogada e, com cuidado, joguei-me sobre ele e ganhei um beijo rápido e
delicioso.
— Pois acho bem gostoso.
— Você que é gostosa — uma piscadinha e ele voltou toda a sua
atenção à estrada.
Senti falta, muita falta, desses nossos momentos e intimidade. Não
tivemos muitas chances juntos, o que mais vivemos foram rompantes de
paixão, os mesmos que nos machucavam no dia seguinte, no entanto, não
deixamos de construir memórias.
No meio do caminho, Olívia enviou mensagem avisando que fariam
uma parada, pois não estava se sentindo bem. Paulo e eu declinamos,
queríamos logo chegar em São Paulo, ou melhor, ficarmos a sós.
— Está muito pensativa — observou e não neguei.
— Acho que estou mesmo.
Já fazia longos minutos que seguíamos em silêncio, os únicos ruídos
eram o da música que ainda tocava e do meu riso a cada vez que ele torcia o
nariz.
— Dorme comigo hoje? — O convite surgiu quando já estávamos
em nossa cidade.
— Preciso me organizar...
— Vá para casa agora e arrumamos uma boa desculpa para mais
tarde. — Um suspiro curto escapou de dentro de mim.
Ele aguardava uma resposta, de preferência que fosse positiva, mas
havia algo que eu teria que me posicionar. Mais uma vez.
Conversamos na noite anterior, coloquei às claras como gostaria que
fosse o nosso relacionamento daqui em diante e ali, ainda que querendo o
mesmo que ele, o convite para uma noite clandestina incomodou-me. Certo,
sem ainda ter conversado com os meus pais, não daria para chegar até eles e
dizer “boa noite, estou indo dormir na casa do Paulo”, mas não deixou de me
incomodar.
— Não quero isso, ok? Hoje, tudo bem, mas precisamos dar um jeito
de vivermos livremente.
— Já te disse que não seremos um segredo.
Assenti e seguimos para a minha casa.
A noite fugiu totalmente ao que planejamos, não consegui escapar de
jantar fora com os meus pais e Paulo e eu passamos a noite separados, cada
um em sua casa.

∞∞∞

Paulo

Que porra é essa, repetia algumas vezes para mim mesmo, os olhos fixos na
caixa de madeira que foi colocada em minha mesa e que encontrei ao chegar
à delegacia.
Uma bonita caixa fechada com um cadeado, sobre a tampa havia o
meu nome talhado, Paulo Diniz, não havia dúvidas de que era para mim e,
ainda assim, se houvesse, acabaria quando verifiquei o seu conteúdo.
Por um milésimo de segundos, antes de abri-la, um esboço de sorriso
surgiu em meus lábios pensando que poderia ser uma surpresa dela. Não
poderia estar mais enganado.
— Doutor Paulo, o Assis está aqui — Camila, minha assistente,
anunciou a chegada do perito.
— Peça para entrar. — O homem alto e de cabelo raspado adentrou a
sala, com o olhar atento de sempre. — Como vai, Assis? — Apontei uma
cadeira de frente para a minha mesa e ele se sentou.
— Vou bem, imagino que temos problema por aqui — deduziu, sem
perder tempo. Ele era o melhor perito da Polícia Federal de São Paulo e
arrisco a dizer que também do Brasil inteiro, o cara vivia sendo convidado a
prestar seus serviços em outras superintendências, tão grande era a sua fama.
Era um privilégio poder trabalhar com ele e contar com a sua
genialidade.
— Dos grandes, meu amigo. — Entreguei-lhe a caixa de madeira e
ele analisou o quadro com uma imagem impressa, que tirou de dentro dela.
Mais uma vez, uma foto da Maria Clara. O assédio dos idiotas que eu
investigava e dificultava a vida até podia não parar nunca, mas lhe faltavam
criatividade nas ameaças.
Se a gentileza tivesse sido direcionada apenas a mim, nem perderia
meu tempo pensando a respeito. Mas mexeram com ela, de novo.
— Namorada? — Levantou o olhar em minha direção e encarei-o.
— Você é uma das pessoas mais discretas que conheço, mas agora
preciso que seja além, um túmulo será bom — pedi, sério, e seu semblante
fechou ainda mais.
— Quem é a garota?
— Minha namorada.
— Isso eu já entendi.
Revirei os olhos, teria que contar a verdade, Assis não aceitava
trabalhar no escuro e eu o entendia.
— É também irmã de um agente daqui da delegacia — afastei um
pouco a minha cadeira de trás da mesa e cruzei os braços, ele acompanhou
os meus movimentos com a sobrancelha erguida.
— E ele não sabe sobre vocês dois — concluiu.
— Saberia em breve, agora já não sei mais sequer como prosseguir
com esse namoro.
O ódio foi exalado em cada palavra.
Um dia jurei não mais colocar Clara em perigo e, para isso, paguei
um preço alto, pois fiquei muito tempo longe dela. Mesmo com as nossas
recaídas, sempre me forçava a recuperar a consciência e o juízo, afastando-
nos novamente.
Há poucos dias, tive claro em meu coração que faria de tudo para tê-
la de novo ao meu lado e, se fosse necessário, a protegeria com a minha
vida. Acontece que, já estava sendo necessário tal esforço e bateu-me o
maior cagaço de inseri-la na sujeira que me cercava.
Acendi um cigarro e Assis aceitou o que lhe ofereci, com o cotovelo
sobre a mesa e a mão apoiando o queixo, observava-me.
— Da forma como sempre fazemos: sangue no olho e escolta atrás
dela. — Ele, praticamente, cuspiu as palavras.
Assis já sentiu na própria pele o meu receio que era real. Há três
anos, sua esposa sofreu uma tentativa de homicídio. Está viva porque pratica
tiros e soube se defender a tempo, no entanto, o trauma estava lá, para os
dois.
— Maria Clara Brandão, é o seu nome — contei e aguardei a sua
reação.
Primeiro, ele franziu o cenho, na sequência seu olhar flutuou ao
nosso redor e, por fim, ergueu novamente a sobrancelha, com um esboço de
sorriso, muito do irônico, nos lábios.
— Brandão... Ela é irmã do Brandão? — Confirmei com um aceno
de cabeça e ele, então, soltou uma gargalhada. Idiota. — Você tá muito
fodido.
Fiquei de pé e ele me acompanhou.
— Rastreie, Assis. — Ele assentiu e não havia mais sorrisos da sua
parte.
— Vou começar pelas digitais, em breve, deixo você ciente dos
resultados.
— Obrigado.

∞∞∞
Parado diante da enorme janela da minha sala e enfiando goela
abaixo o café recém-servido, tentei reordenar os meus pensamentos.
O perito me indicaria de onde veio a ameaça nada velada, ele não
falhava. Mas e o depois? O que eu faria com a informação?
Bufei, o ódio, consumindo-me.
Terminei o café, voltei para a mesa e peguei uma bala de menta na
gaveta. Antes que eu pudesse começar a trabalhar, a porta da minha sala foi
entreaberta e Daniele colocou a cabeça para dentro, sondando se podia
entrar.
— Tem um tempinho? — perguntou, depois que autorizei a sua
entrada.
— Se for rápido, sim — respondi, impaciente.
Não estava a fim de conversar, menos ainda com a minha ex, e estava
escrito na sua cara que não estava ali para tratar de algum assunto da
delegacia.
— Só queria saber como você está, estou te achando distante e tenso.
— Viram? Estava certo. — Está preocupado com alguma coisa? — Sem que
eu a convidasse, puxou uma cadeira diante da minha mesa e se acomodou.
— É só o trabalho que não dá trégua.
— Você não reclama disso aqui... — Comentou e dei um sorriso
seco. Ofereci uma água, que eu me servia, e ela negou. — Precisa se cuidar,
anda recebendo novas ameaças?
A impaciência aumentava, cocei a nuca e soltei um suspiro curto.
Daniele não tinha culpa de nada, não precisava ser grosseiro.
— Pode ficar tranquila, está tudo sob controle. — Acho que não soei
convincente, não me esforcei para tanto.
— Vou fingir que acredito. — Um silêncio incômodo instaurou-se e
ela, então, deve ter percebido que o assunto não renderia mais do que
conseguiu, pois colocou-se de pé. — Marcamos de ir almoçar, hoje tem
parmegiana na cantina. Vem com a gente?
Pensei um pouco, normalmente iam vários agentes, principalmente
os que eu tinha mais intimidade, não seria um programa a dois com a minha
ex.
— Vão sair que horas?
— Meio-dia, o esfomeado do Lui queria ir mais cedo, inclusive —
comentou, rindo.
— Meio-dia está ótimo.
Avisei a Camila que não atenderia mais ninguém até o almoço, ainda
tinha muito serviço para resolver naquela manhã, fora a minha cabeça
fervilhando. O tempo corria e eu precisava de uma solução rápida e certeira.
Uma pena não poder contar com a cabeça pensante do meu amigo. Não
ainda.
Daniele disse algo que teria que ganhar a minha atenção: Precisa se
cuidar, está recebendo novas ameaças? Por alguns anos, escolhi que a minha
profissão e o meu talento seriam usados para obter o mínimo de justiça, ante
tanta sujeira e degradação moral que eu me deparava no dia a dia. Nunca
colocaram ninguém que amo em perigo, a não ser quando ameaçaram Maria
Clara em Brasília, mas a tirei do meu caminho, ao menos tentei, e segui em
frente.
Até hoje, não conseguiram me deter porque mexeram apenas comigo
e eu sei me cuidar. Nada do que fizeram foi suficiente para me assustar.
Até hoje.
Capítulo 17
Maria Clara

A copeira serviu-nos café e biscoitinhos, já havia feito as unhas da mão e


quase finalizava as do pé. O meu cabelo estava preso no alto da cabeça e
coberto por uma touca térmica, usada para potencializar os produtos para
hidratação que passamos.
Ir ao salão com dona Lêda aos sábados, pela manhã, era uma tradição
que seguíamos desde que eu era bem novinha. Às vezes, alterávamos apenas
o dia, o importante era passarmos um tempo juntas.
— Lourdinha, vou arriscar essa cor aqui, Maria Clara quem escolheu.
— Minha mãe apontou para um tom de marrom e a manicure sorriu
satisfeita, há anos que ela só escolhia o vermelho para pintar as unhas.
— Vai ficar lindo! — elogiei. — João mandou mensagem, chegou
agora em Curitiba — contei sobre a mensagem que havia acabado de receber
do meu irmão e ganhei um olhar que julguei aliviado.
— Graças a Deus! Não falo com ele desde ontem. — Soltou um
suspiro. —Estou preocupada com o seu irmão... Tem trabalhado como um
louco, ainda mais do que já fazia. Quase não conversa com ninguém e está
evitando ir lá em casa.
O término do noivado do meu irmão vinha rendendo assunto na
família, óbvio que sempre longe dele. João era um tanto fechado e discreto,
mas em pouco tempo de relacionamento com Isadora demonstrava estar
muito feliz e realizado. Chegou a sair da nossa casa para morar sozinho e
fazia de um tudo para agradá-la. Já ela e eu não tivemos tempo para sermos
amigas, mas confesso que gostei da mulher que conheci, até que terminou o
relacionamento e o deixou arrasado.
— Preferia ficar grudada nele, mas temos que respeitar o seu espaço.
— Também soltei um suspiro, resignada.
— Ainda não consigo acreditar que Isadora fez o que fez.
O caso era um tanto complicado, até onde sabia os dois demoraram
muito tempo para ficarem juntos, ao que me parece as profissões de ambos
era um entrave e, quando finalmente se acertaram, ela descobriu um caso
que João assumiu a defesa — um cara preso por estupro no lugar do irmão
gêmeo — e não soube lidar com a informação, colocando um ponto final no
noivado.
— Nem eu, mamãe.
Era difícil vê-lo sofrendo, logo ele, que, até estar com Isadora, nunca
se envolvia a fundo com nenhuma mulher.
Do salão, fomos direto para o Jockey Club, onde almoçamos com o
meu pai. Gostava de estar com eles e a tarde foi agradável. No entanto, mais
uma vez teria que mentir sobre o meu paradeiro à noite, como se fosse uma
adolescente fazendo algo errado. Não tinha idade e nem paciência para isso.
Como sempre, a desculpa seria dormir na casa da Flora.

∞∞∞
— Quer que eu te busque, amor? — Paulo perguntou, deixei a
ligação no viva-voz, para continuar me arrumando. Disse-o que às sete
estaria na sua casa e já estava mais do que atrasada.
Era a terceira roupa que experimentava e decidi que a melhor opção
seria um conjunto de calça e blusa de seda, simples e confortável, já que não
tínhamos planos de sair de casa.
— Meus pais estão aqui — avisei e o ouvi bufar do outro lado da
linha.
— Isso vai acabar... — Assim eu esperava. Continuei me vestindo e
um curto silêncio instaurou-se. — Estou te esperando, morto de saudade.
— Também estou...
— Não demora. Te amo!
Sequei o cabelo, fiz uma maquiagem básica, completei a produção
com alguns acessórios discretos e peguei a minha bolsa.
Couto era o segurança que estava comigo naquele dia, acenei para ele
quando destravei o alarme do meu carro e segui em direção à casa do Paulo.
A chateação por ainda não podermos agir como um casal normal foi
esvaindo-se, conforme me aproximava do seu endereço. Deixaria que ele
lidasse do seu jeito e me esforçaria para esperar o tempo que fosse preciso.
Entendia que, para ele, era ainda mais difícil, não apenas por eu ser a irmã
do seu amigo, mas também pelas ameaças que vivia recebendo.
O porteiro liberou a entrada da garagem, estacionei na vaga de
visitante e subi para o seu apartamento. A última vez que estive ali foi com a
intenção de botar para correr a mulher que achei que acabaria em sua cama.
E quem quase caiu nela fui eu.
Esse tempo das nossas loucuras ficou para trás, era o meu combinado
comigo mesma.
A porta foi aberta e encostado nela estava o homem mais lindo e
sexy que já botei os olhos. E que era meu. Boba e apaixonada, precisei
conter um suspiro.
Paulo vestia calça jeans clara, que caía pela sua cintura e uma blusa
branca, que marcava o seu abdômen sarado e os braços fortes, estava
descalço e com o cabelo úmido. Não tive tempo de continuar a minha
apreciação silenciosa porque ele me puxou para os seus braços.
— Que saudade, meu amor! — Beijou a minha boca, desejoso,
desceu os lábios pelo meu pescoço, cheirando-me e beijando-me. — Tudo
bem? — Assenti, gostando do carinho que ainda fazia e ele me soltou o
suficiente para que eu pudesse me locomover. — Vem, entra.
Assim que passei pelo hall de entrada e coloquei os pés dentro da
sala, ele me abraçou pelas costas, enlaçando minha cintura.
— Dois dias só para nós dois... — sussurrou em meu ouvido, fazendo
todo o meu corpo estremecer.
— Estava ansiosa! — confessei e ele, então, virou meu corpo,
colocando-nos frente a frente.
— Fiz vários planos, mas quero saber o que você deseja fazer... —
Ainda me segurava, uma mão plantada na base da minha coluna, com a outra
brincava com o meu cabelo.
— Quais planos?
— Além dos que envolvem nós dois nus e agarrados? — Senti uma
quentura dentro de mim, pois sim, desejava-o bastante. Ele riu e beijou
minha boca, depois me puxou em direção ao balcão da cozinha. — Antes,
precisamos conversar. Quero te contar algo. E mostrar também.
Seu apartamento estava bem organizado, como normalmente era, se
não por ele, por obra da dona Zita, que ia lá duas vezes por semana deixar
tudo em ordem. Era bem decorado e funcional, com arquitetura no estilo
industrial.
Sobre a bancada havia uma tábua de frios, que ele contou ter
montado pouco antes da minha chegada, uma garrafa de vinho e duas taças
de cristal. Serviu-nos a bebida e levamos tudo para a sala.
Lembranças boas de nós dois jogados no tapete inundaram a minha
mente, não podia negar, já fomos muito felizes ali. Mas, agora, queria mais
do que momentos prazerosos e românticos, desejava uma vida normal ao seu
lado e não aceitaria menos do que isso.
— O que é? — perguntei, quando me entregou o seu telefone, a tela
mostrava uma caixa de madeira e sobre ela um pequeno quadro com uma
foto minha.
Senti um arrepio nascer desde a minha nuca, já desconfiando sobre o
que poderia ser.
— Outra ameaça — contou. A voz áspera e o semblante nublado,
estava bravo, muito bravo.
— E o que significa?
— Que estão de olho em você.
Trocamos um longo olhar e quebrei o silêncio que se instaurou com a
pergunta que já estilhaçava tudo dentro de mim. Não estava preparada para
vê-lo fugir de novo.
— E o que você pretende?
— Não quero ceder. — Paulo pegou o celular de volta e segurou as
minhas mãos. — Em nenhum dos lados. Vou continuar o meu trabalho e não
vou abrir mão de você, mas preciso que entenda o que está acontecendo.
Fomos ameaçados, amor.
Engoli em seco e, por um pequeno instante, tive medo. Mas passou,
confiava nele e que me deixaria segura.
— Tudo bem, prometo ser cuidadosa — disse, por fim, e ele me
fitou, confuso.
— Só isso?
— Uhum... — Enlacei o seu pescoço e foi minha vez de beijá-lo,
calmo e lento. — Agora já posso fazer o meu pedido da noite? — Quis
saber, roçando os nossos lábios.
Paulo puxou-me para o seu colo e aninhei-me em seus braços, ainda
agarrada em seu pescoço. Ali era o meu lugar, de onde nunca deveria ter
saído, mas estava de volta e era o que importava.
— Estou ao seu dispor, diabinha.
Dei um sorriso quase que angelical e estiquei minha boca até o seu
ouvido, fingindo lhe contar algo secreto.
— Um risoto caprese, com muito queijo, sei que os ingredientes
nunca faltam na sua geladeira!
Ele explodiu em uma alta e deliciosa gargalhada, fazendo meu
coração palpitar, pois amava quando conseguia fazê-lo rir. Seus olhos
ficaram úmidos, pelas lágrimas que escaparam enquanto ele ainda ria,
sequei-as com vários beijinhos e senti seus braços, apertando-me em seu
colo.
— Boa pedida, uma comida leve, quero a minha mulher bem
disposta depois do jantar.
— Só depois?
Provoquei, meu corpo em ebulição, não sentia fome, mas uma
vontade de ser dele ali mesmo e, de volta, ganhei um olhar em chamas e um
beijo que deixou a minha calcinha em frangalhos.

∞∞∞

Paulo
Dormir agarrado a Maria Clara, sexo ao acordar, tomar banho juntos... O
paraíso existia e estava bem diante de mim.
Deixei-a no quarto penteando o cabelo ainda úmido e arrastei-me até
a cozinha, se continuasse ali não permitiria sequer que colocasse uma roupa.
Fatiei um pão artesanal, cobri com uma generosa camada de azeite e
manteiga trufada, salpiquei um pouco de ervas e levei ao forno, alguns
minutos, e estaria pronto. Fiz ovos mexidos e ela chegou à cozinha quando
cobria as fatias de pão com queijo brie.
— O cheiro está delicioso — segurei um gemido quando suas mãos
alcançaram meu abdômen, abraçando-me pelas costas.
Usava apenas uma camisa branca minha, estava descalça e com os
cabelos soltos, o cheiro do meu sabonete e hidratante impregnados nela.
Larguei o lanche e segurei-a pela nuca, beijando sua boca. O hálito
fresco me inebriou, contrastou com a quentura de mais cedo, quando ainda
estávamos na cama. Pressionei-a contra a bancada fria, enquanto a beijava e
sua pele arrepiou-se por inteira.
— Você que é uma delícia! Bom dia, diabinha!
Soltei-a, deixando-a meio bamba, e, sentindo-me um filho da puta
sortudo por tê-la ali comigo.
— No que posso ajudar? — perguntou, depois de se acomodar em
uma das banquetas. Perdi um pouco do raciocínio sobre que o que fazia
quando a blusa subiu e deixou suas coxas totalmente à mostra, o tecido
também marcava os bicos dos seus seios e engoli em seco. Uma tortura logo
cedo.
— Tomando café aqui na minha cozinha todos os dias? — sugeri e
não havia qualquer nível de brincadeira, era exatamente o que eu desejava.
Trocamos um longo olhar e ela soube que eu falava sério.
— Olha que posso gostar da ideia — respondeu, tímida, e passou a
colocar morangos e uvas em uma pequena travessa de porcelana.
Levamos a comida para a mesa e iniciei o processo de moer os grãos
de café. Não era sempre que tinha uma manhã livre e podia desfrutar desses
momentos com calma, mas quando Maria Clara estava comigo fazia questão
de preparar o café da forma mais artesanal possível, sabia o quanto ela
gostava.
— Hum... Você joga baixo! — Suspirou, ante o intenso aroma que
tomou conta da minha sala.
O cheiro se espalhou ainda mais depois que coloquei o pó recém-
moído dentro dos coadores de pano, sobre as nossas xícaras e despejei a
água quente, mas não fervendo.
— O melhor sempre para a minha mulher! — Ergui o corpo sobre a
mesa para poder beijá-la e prendi os seus lábios com o dente, sem querer
soltá-la.
— Sua! — sussurrou e foi difícil conter-me e continuar a refeição. Já
a queria em meu colo.
— Te amo!
Ela me surpreendeu ao demonstrar que desejava o mesmo, saiu da
sua cadeira e veio para o meu colo, enlaçando o meu pescoço.
— Não vou cansar nunca de ouvir!
— E nem eu de declarar!
O café da manhã ficou para depois, o nosso amor tinha urgência em
ser consumado e foi o que fizemos.
Capítulo 18
Paulo

A manhã foi produtiva na delegacia, fazia muito tempo que não chegava
tão bem humorado no trabalho. No entanto, naquela segunda-feira, eu
parecia flutuar. E sentia que, absolutamente, nada poderia estragar o meu
dia.
Era o resultado de passar um fim de semana inteiro dormindo e
acordando com a mulher que amo. Maria Clara só foi em casa para buscar
uma muda de roupa e reforçar aos pais que ficaria mais um dia com a amiga.
Eu duvidava que tivessem acreditado na desculpa esfarrapada, mas também
não criaram caso.
Eu queria e precisava de mais. Arrumaria logo a minha vida para tê-
la integralmente ao meu lado, com uma rotina de um casal normal.
Tudo o que vivemos foi uma delícia, mas incomodava-me saber que
ela não estava plenamente satisfeita. Não quando mal saíamos de casa para
não corrermos o risco de sermos surpreendidos.
Estava disposto a colocar o mundo aos pés da minha mulher e o faria.
O dia começou a azedar no fim da manhã, quando Camila entregou-
me uma correspondência que haviam deixado para mim na recepção, sem,
contudo, o nome do remetente no envelope.
Abri e retirei de dentro dele uma folha branca, onde estava escrito:
Você acabou com a minha vida. Estou perdendo a minha carreira,
dinheiro com advogado, a minha dignidade.
Precisa me ajudar com o Superintendente, fazê-lo parar com as
retaliações contra mim.
PS: Seu amigo Brandão vai adorar saber sobre o seu caso com a
irmãzinha.
Boquiaberto, sentei em minha cadeira segurando o bilhete.
O filho da puta que ameaçou a mim e à Maria Clara era o agente que
entreguei ao doutor Chaves.
Confesso que comi mosca neste caso, pois pensei em várias pessoas
que poderiam tentar me calar, utilizando-se do meu relacionamento secreto
com Maria Clara, mas, nem por um instante, cogitei ser o agente que até
pouco tempo fazia parte da minha equipe de trabalho.
Quanta audácia.
Liguei para Assis e ele chegou a minha sala rapidamente. Contei
sobre o ocorrido e entreguei-lhe o bilhete, que leu com atenção.
Depois de alguns segundos, balançou a cabeça rindo.
— Existe muita gente burra no mundo, mas esse daí se superou.
Assenti, ainda incrédulo. O perito não era bobo, sabia o que eu ia
fazer. E eu faria o quanto antes.
— Mais uma vez, muito obrigado pela ajuda! — Apertamos as mãos
quando ele encerrou a conversa.
— Sempre às ordens. — Antes de sair, direcionou-me um longo
olhar. — Nunca tive conhecimento sobre esse cara e a cagada colossal que
ele cometeu. — Era um aviso e o seu tom de voz soou quase ameaçador.
Confirmei com um aceno de cabeça e Assis foi embora.
De volta a minha mesa, pensei se havia alguma outra forma de
resolver aquela questão, mas não, o agente foi longe demais. Era definitivo,
não deixaria barato, tampouco ficaria de braços cruzados diante da clara
ameaça que nos fez.
Uma ligação telefônica, que foi atendida no primeiro toque:
— Fala, Diniz.
— Pode apagar.
Pronto, estava feito.
Camila avisou que três advogados queriam despachar comigo, havia
acabado de chegar do almoço e decidi atendê-los de uma vez, ainda durante
a tarde ouviria um investigado que foi preso pela manhã.
Conversei com o escrivão que acompanharia o depoimento, estudei o
caso da oitiva, o advogado chegou faltando alguns minutos para iniciá-la e,
depois dele ter tido acesso ao cliente, iniciamos o procedimento.
No fim do dia, minha assistente anunciou que havia mais um
advogado, procurando-me. E, embora eu tivesse falado que não atenderia
mais ninguém, tratava-se de uma exceção.
— A que devo a honra, doutor Brandão? — Cunhado a gente recebe
com o mínimo de pompa, até fui recepcioná-lo na porta da minha sala.
João entrou sério e ocupando espaço.
— Obrigado, por me receber.
— Sente-se. — Apontei uma cadeira diante da minha mesa e ele se
acomodou.
— Solicitei a sua assistente a cópia de um inquérito e ela precisa da
sua autorização. — Duvidava que ele tivesse ido até ali para fazer um
trabalho que qualquer estagiário do escritório ou advogado recém-formado
resolveria sem qualquer dificuldade.
— Está autorizado.
Ele assentiu, encarando-me e tive vontade de mandá-lo para aquele
lugar, mas, como eu disse anteriormente, cunhado, não é?
— Ela me contou sobre vocês. — Confesso que fui pego de surpresa,
Maria Clara não me disse que havia confidenciado ao irmão sobre o nosso
retorno.
Mas, tudo bem, seu irmão mala já sabia um pouco sobre a nossa
história.
Tinha um olhar analítico sobre mim, o que me irritou bastante. No
entanto, eu também tinha uma irmã mais nova e era bastante protetor. Podia
entendê-lo.
— Não vamos nos esconder — avisei e ganhei um aceno de cabeça,
como se dissesse que isso era o mínimo que esperava de mim.
— Não quero a minha irmã infeliz e não vou admitir que derrame
uma só lágrima. Espero que saibam o que estão fazendo.
Engoli um xingamento, forçando-me a lembrar que pela Bruna era
capaz de ir bem longe e assenti.
— Recado dado.
Mais um olhar enviesado e ele ficou de pé.
— Então, tenha um bom resto de dia. Pego a cópia com a Camila.
Caminhou até a porta e, antes que a abrisse, chamei-o.
— João — ele virou em minha direção. — Eu a amo. E vou fazê-la
feliz.
Assim que fiquei sozinho, refleti sobre o lugar que Maria Clara
ocupava em minha vida e em meu coração. Não era justo que carregasse o
peso de uma vida ceifada, ainda que nunca soubesse o que aconteceu. Sim,
pedi a cabeça do agente por tê-la ameaçado. E eu também não me
transformaria em um monstro, não poderia ir tão longe por vingança ou
justiça.
— Só dê uma lição, não vá até o final. Quando estiver com ele,
avise-me. Vou fazer uma visita. — Novamente, acionei o meu contato e fiz o
que me pareceu ser o certo. Além de receber uma coça, eu mesmo iria
colocá-lo em seu devido lugar e mostrar que não deveria nunca mais
ameaçar a mim ou a minha mulher.
Recolhi os meus pertences e encerrei o expediente, mesmo ainda
tendo muito trabalho para finalizar.
Naquele momento, eu precisava de duas coisas: Maria Clara e o
conforto da minha casa.
Depois de discar o seu número, coloquei o telefone no suporte e
acionei o viva-voz, dando a partida no carro.
— Oi, amor. — Ela atendeu logo e me agitei só por ouvir a sua voz.
Estar apaixonado é, no mínimo, engraçado.
— Saudades, diabinha!
— Eu também!
Ouvi um barulho de porta sendo fechada e deduzi que estivesse
entrando em seu carro, dado o horário.
— Está livre?
— Saindo do trabalho...
— Janta comigo? — convidei.
— Hum... Pode ser. — Não respondeu de imediato e eu sabia de
onde vinha a sua indecisão. Precisava resolver logo a nossa vida ou
magoaria Maria Clara.
— Vamos a um restaurante, linda. — Era arriscado? Sim! Eu estava
cansado? Muito. Mas, foda-se, faria minha mulher feliz.
— Sério? — Meu coração apertou com a sua surpresa. Logo, a
animação lhe contagiou e provou que valia o risco. — Meus pais viajaram
hoje à tarde se quiser pode me buscar em casa.
Ah, minha menina! Um ato tão simples e que nunca tivemos. Mas
isso teria um fim e daria- lhe tudo o que tinha direito.
— Te busco às oito. Estou louco para beijar essa boquinha gostosa!
Um riso, tímido, que me fez lembrar como corava as bochechas
quando eu falava coisas assim em seu ouvido.

∞∞∞
Levei Maria Clara a um restaurante italiano que ela gostava bastante
e, surpreendi-me positivamente, a comida estava muito boa. Confesso que
costumo ser muito crítico em relação a comer fora, talvez por cozinhar muito
bem, é difícil algo sair do básico e me agradar.
Aborreço-me com os valores exorbitantes que restaurantes grifados
cobram por pratos meia boca, cuja execução eu poderia realizar com muito
mais capricho.
No entanto, quando se tratava de agradar uma mulher e, no caso era a
minha que me importava, também sabia que sair para jantar ia muito além do
prato que escolheríamos. Tinha todo o contexto envolvido: a escolha do
lugar, o tempo juntos, um bom vinho, conversas além do dia a dia e por aí
vai.
De todo modo, aquele restaurante agradou-me bastante.
Paguei a conta e saímos de mãos dadas, um sorriso lindo parecia ter
sido pregado em seu rosto. Abracei-a pela cintura e beijei o seu pescoço
enquanto aguardávamos o meu carro, que não demorou a ser entregue pelo
manobrista.
— Boa noite, senhores — o homem desejou e agradecemos juntos.
— Gostei daqui — ela contou quando já estávamos dentro do carro.
— Eu também. Seus pais voltam quando?
— Só no próximo domingo. Papai lamentou que será uma despedida
das viagens até que o substituto do meu irmão consiga assumir tudo sozinho
no escritório.
Meus sogros tinham um casamento bacana de ver, que não era
diferente do que vivenciei com os meus pais, cúmplices, faziam quase tudo
juntos.
— Falando nele, esteve na delegacia hoje. — Ela revirou os olhos e
dei um meio sorriso.
— João é ridículo.
— Disse a ele que amo você... — Paramos em um semáforo e
aproveitei para beijá-la, com uma mão acarinhei o seu rosto e o seu cabelo.
— E que vou te fazer muito feliz.
— Ele foi lá te ameaçar? — perguntou, rindo em seguida, pois o
carro que estava logo atrás reclamou buzinando que eu não havia visto que o
semáforo abriu.
— Tenho mais medo de você fugir de mim do que dos seus dois
irmãos juntos, pode apostar — essa era uma verdade absoluta e ela pareceu
satisfeita com a minha resposta.
Na garagem do meu prédio, abri a porta e caminhamos abraçados até
o elevador. Teria a semana inteira para ficarmos grudados, sem que ela
precisasse inventar histórias em casa. Seria capaz de ir oferecer ajuda ao
substituto do João para que, até nos resolvermos, os meus sogros não
precisassem abrir mão das viagens que sempre faziam.
O elevador chegou rápido e a pressionei contra o espelho assim que
entramos, só tive tempo de apertar o meu andar. Nossas bocas se
encontraram e a tomei em um beijo delicioso, quente, que nos acendeu. Sua
respiração, logo, estava ofegante e o meu pau pulsava dentro da calça.
Tentava me controlar mentalizando que faltava pouco para estar dentro dela.
Desgrudamo-nos quando a voz no alto-falante anunciou que
havíamos chegado. Coloquei-me a sua frente para sairmos, um ato protetor
que eu executava quase que em automático e, por ser mais baixa que eu,
ficou encoberta quando saímos do elevador no hall do meu apartamento.
— Paulo, tentei te ligar várias vezes! — Detive-me ao me deparar
com a minha amiga, que, assim que me viu, levantou-se do tapete do hall.
— Tamara? — Antes que eu pudesse reagir, ela jogou-se em meus
braços e beijou o meu rosto, ainda bem que não foi na boca. Toquei os dois
bolsos da calça e não encontrei o aparelho. — O meu telefone ficou no carro.
— Estava te esperando — contou e os seus olhos foram em direção a
Maria Clara, no entanto, não pareceu se importar com a sua presença, pois
continuou falando. — Também não consegui falar com a Bruna e acho que
perdi a chave da casa da minha mãe em alguma das viagens. Pensei em
passar a noite aqui.
Respirei fundo e, embora estivesse preocupado com a reação da
Clara, era mais urgente pensar em como colocar Tamara em seu lugar e
impedir que me causasse um problemão.
— Deixe-me apresentar vocês. — Sem perder tempo, passei o braço
ao redor da cintura da mulher ao meu lado, que seguia muda e com um olhar
impassível. — Tamara, uma amiga minha. E Maria Clara, minha namorada.
Elas se olharam e partiu da Clara a gentileza de esticar o braço para
cumprimentá-la. Ao menos, Tamara teve a delicadeza de retribuir, embora
ainda a encarasse.
— Namorada? — indagou e aí me dei conta de que estava mesmo
enrolado. Era o tipo de pergunta que, se ela queria mesmo fazer, que fosse
em outro momento.
— Sim, namorada — respondi, duro e ganhei um olhar magoado.
— Prazer em conhecê-la, Maria Clara. E desculpe-me se causei uma
má impressão.
— O prazer é todo meu.
Sem graça, ela pegou uma mala de mão e sua bolsa, que estavam
enfileiradas diante da minha porta, sinalizando que ia embora.
— Bom, desculpem o inconveniente. Vou indo.
Confesso que fiquei um pouco mal por ela. Sabia que não fez por
mal, sequer tinha conhecimento do meu novo status, mas não arriscaria uma
briga com a minha namorada por causa de outra mulher.
Contudo, foi Clara quem me surpreendeu.
— Por mim, pode ficar. Está tarde, não precisa ficar sozinha na rua.
Tamara era uma pessoa extraordinária e por quem eu tinha muito
apreço, acima de tudo, éramos amigos. No entanto, tinha um defeito que me
incomodava bastante, o orgulho e o ego do tamanho do mundo.
Acompanhei calado seus olhos crisparam e, talvez Maria Clara não
soubesse, mas a sua atitude a enfureceu.
— Agradeço a gentileza, mas não é necessário. Darei um jeito. Boa
noite!
Ela saiu arrastando a mala e, rapidamente, abri a porta do meu
apartamento, evitando que a minha mulher resolvesse fugir.
Capítulo 19
Maria Clara

Não vou surtar, repetia mentalmente como um mantra. Estive cara a cara
com uma das várias amantes que frequentaram a cama do meu namorado,
quando ele não era o meu namorado, obviamente, e estava difícil controlar
os meus pensamentos.
A minha vontade era matá-lo por aquela experiência, mas
internamente eu me convencia de que precisava agir de forma madura.
Ele pegou a minha bolsa e a colocou sobre o aparador que ficava
próximo a entrada, abraçando-me em seguida.
— Me desculpe, por isso — pediu, em meu ouvido.
Estar em seus braços me acalmou um pouco, confesso. Suspirei e ele
beijou o topo da minha cabeça.
— Não quero encontrar as suas amantes.
— Não adianta eu falar que somos amigos, não é? — Confirmei, ele
que não viesse como esse papo para cima de mim. — Só tem você na minha
vida e vou prezar por isso.
Soltei-me o suficiente para olhá-lo e ganhei um beijo na testa.
Confiei no que disse, na verdade, não via outro jeito de dar certo senão
confiando em sua palavra.
Enlacei o seu pescoço e beijei-o suave até a nuca, os cabelos curtos
arrepiaram-se e quase fraquejei, aquele homem excitado tirava todo o meu
juízo. Subi com a boca colada em sua pele, parando em sua orelha, onde
sussurrei:
— Agora quero você e sua cama!
Não tive tempo de pensar no próximo passo, pois, no segundo
seguinte, estava em seus braços e sendo devorada por seu olhar predador.
Não tinha volta, ele estava no comando e eu já sabia que teria uma
deliciosa e prazerosa noite de sexo. A nossa intimidade, o nosso momento,
onde somente nós dois éramos bem-vindos. Estava disposta a deixar
qualquer insegurança da porta para fora.
Suas mãos percorreram o meu corpo, seus lábios adoraram cada
pedacinho dele, seu membro tomou posse de mim por inteira e os meus
gemidos foram todos para ele.
— Acorda, meu amor! — Ouvi uma voz ao longe, chamando-me,
estava entorpecida pelo sono.
Fomos dormir já havia amanhecido, tomados pelo nosso prazer e,
claro, pelo cansaço de uma noite em que estivemos entregues ao outro. Mais
uma vez, a voz distante, que agora não parecia tão distante, chamou-me.
— Vai, amor, o dia está lindo e estou com saudades de você!
Despertei lentamente e, se soubesse que o pedaço do paraíso estaria
bem ali, diante de mim, teria aberto os olhos com maior rapidez.
Paulo estava ao meu lado na cama ostentando aquele corpo grande e
musculoso — que era uma perdição — coberto apenas por uma cueca
samba-canção de seda preta. O rosto um pouco inchado e o cabelo
levemente despenteado. Ainda lindo demais para quem, certamente, não
havia acordado muito antes do que eu.
— Bom dia, diabinha! — sem me deixar levantar, colocou-se sobre o
meu corpo e beijou o meu pescoço.
Uma onda de arrepio tomou-me por inteira, continuou beijando-me e,
lentamente, ergueu e retirou a camisa que eu vestia, deixando-me apenas
com a calcinha pequena e de renda.
Meus seios já estavam intumescidos, só por imaginar a sensação de
tê-los em sua boca. E Paulo não decepcionou. Senti a língua e o seu hálito
quente tocarem um biquinho e logo todo o meu seio estava envolvido e
sendo sugado por ele. Descargas de prazer dominavam-me, minha pele
estava arrepiada e sentia até os dedinhos do pé contraírem. Poderia gozar
naquele momento. Tentei ao máximo prolongar o meu prazer, mas me perdi
em um orgasmo poderoso quando ele desceu uma mão até a minha
intimidade que já pingava, bastou que esfregasse de leve o meu clitóris.
— Bom dia, amor! Agora, vem logo! — pedi e ele riu rouco com o
olhar pesado e afogueado, ergueu-se sobre os cotovelos e eu sabia que o meu
pedido seria ignorado. Sempre era. Paulo gostava de me torturar e eu não
podia reclamar, era a mais beneficiada com a sua devoção em me deixar
mais do que satisfeita no sexo.
Beijou todo o meu abdômen, lento, molhado, causando-me mais
arrepios, meu corpo ainda se recuperando do recente orgasmo. Chegou à
minha virilha e cheirou-me feito um animal reconhecendo a sua fêmea.
Grotesco e sexy. Tremi por inteira quando encostou a ponta da língua no
clitóris sensível e ainda excitado, beijou-me ali, sugou os meus fluídos e só
se afastou quando gozei mais uma vez.
Lânguida, quase em outra dimensão, senti quando entrou em mim,
outra onda de prazer me dominou, agora mais calma, permitindo-me sentir
cada sensação do entre e sai cadenciado e delicioso que ele impunha.
O seu gozo veio forte e um gemido gutural escapou dele, nossas
bocas se encontraram em um beijo para selar o melhor sexo que já
experimentei, que sempre seria o que fazíamos, não importava onde ou
quando.

∞∞∞
Paulo me levou até em casa para buscar roupas e alguns pertences,
seguimos para um restaurante em um bairro mais afastado de onde
morávamos, mas que era muito charmoso e almoçamos em uma mesinha ao
ar livre, no fim dia, de volta ao seu apartamento, ele abriu uma página na
internet no notebook e entrou no site de uma farmácia, pediu que eu
escolhesse todos os itens de higiene e cosméticos que estava acostumada a
usar, para deixar em sua casa.
O passo que dávamos juntos era enorme e confesso que, ao mesmo
tempo em que me emocionava, também sentia um frio na barriga.
Ele estava se esforçando para me agradar e para me deixar
confortável, já eu tentava não ser intransigente, teria que ser uma construção
de nós dois. Ademais, embora estivesse radiante com cada vivência nova
que vínhamos tendo, tinha a sensação de haver uma vozinha o tempo todo
soando em meu ouvido que algo daria errado em algum momento próximo.
Talvez fosse apenas o nosso histórico a me trair e deixar insegura.
— Posso saber no que está pensando? — Ele afastou-se do fogão
cooktop e abraçou-me por trás, prensando-me sobre a bancada.
— Pensando em nós! — confessei, segurando suas mãos em meu
abdômen.
— Estou feliz que está aqui... — disse em meu ouvido. — Mais do
que isso, estou mais apaixonado! — complementou, beijando o meu
pescoço.
— Posso me acostumar — contei, a voz entrecortada pelas carícias e
beijos.
— Com o sexo maravilhoso? Gostei que repetimos aqui nessa
bancada. — Insaciáveis, isso que éramos. Ou desesperados para recuperar o
tempo perdido. Neguei com a cabeça, só para contrariá-lo.
— Não! Esse salmão! — apontei para a frigideira grande sobre o
fogão. De fato, também podia me acostumar com o tratamento de primeira
que recebia e as melhores refeições possíveis, todas preparadas por ele. —
Hum... O cheiro está incrível!
— Diabinha, diabinha...
Apertou-me ainda mais em seus braços, chacoalhei um pouco para
me virar e enlacei o seu pescoço. Quase me belisquei para ter certeza que era
mesmo verdade o que vivíamos e repreendi-me, mentalmente, por aquela
insegurança irritante.
— Vou fazer uma sobremesa, já vi que tem os ingredientes na
dispensa. — Beijei sua boca e saí em direção ao pequeno cômodo anexo à
cozinha.
Somente Paulo para ter uma dispensa recheada mesmo morando
sozinho. Tinha de um tudo nas prateleiras bem organizadas.
— Então, vamos descobrir o que aprendeu nas aulas na Suíça? —
quis saber quando voltei carregando as embalagens dos itens que ia precisar.
Em algum momento das nossas idas e vindas contei-o sobre o curso
extracurricular que fiz quando morei no colégio interno suíço. Infelizmente,
nunca pratiquei depois que retornei ao Brasil e acabei perdendo muito das
técnicas que aprendi. Mas aquela sobremesa, além de ser de fácil execução,
era a que eu mais fazia quando ainda morava lá.
Peguei morangos na geladeira e parei ao seu lado, usaria o espaço
livre na bancada.
— Estou um pouco enferrujada, mas ainda lembro o passo a passo.
Enquanto ele fazia um molho para regar o salmão, bati o creme de
leite até o ponto de chantilly, adocei com um pouco de açúcar e montei em
uma travessa de cristal em forma de taça camadas do chantilly, suspiros —
ele havia comprado no dia anterior — e morangos picados.
Quando levei a sobremesa para o freezer, Paulo avisou que o jantar
estava pronto.

∞∞∞

Paulo

O domingo passou voando, muito porque a contragosto teria que deixar


Maria Clara para enfrentar um plantão na delegacia.
Ficamos grudados o dia todo. Assistimos filme embolados no sofá,
cozinhamos — ou seja, ela esteve ao meu lado enquanto eu fazia o prato que
me pediu, uma massa com molho de filé e gorgonzola —, namoramos e
tomamos banhos juntos. Quando saí de casa, deixei-a usando uma camisola
sexy pra caralho, preparando um chá na cozinha.
Voltei para ela no dia seguinte e fui recebido com uma bela mesa de
café da manhã. Maria Clara não estava acostumada a executar qualquer
atividade doméstica, não lavava um copo em sua casa, tampouco cozinhava
alguma das suas refeições, fazer um café para nós dois não era apenas um
ato de atenção comigo, era ela saindo um pouco da sua bolha.
A semana já se iniciou fugindo do que planejei, pois pretendia
trabalhar o mínimo possível e aproveitar cada segundo ao lado da minha
mulher. Na segunda-feira, recebi um ofício da receita federal, teria que
cumprir mandados de busca e apreensão e prisão em uma famosa loja de
artigos de luxo para casa, que ficava na cidade. Além de ter trabalhado além
da conta, dei entrevistas, apareci em vários noticiários e recebi um mundo de
mensagens no telefone, pois, obviamente, a empresária que prendi fazia
parte do círculo social em que cresci.
Somente na quarta-feira consegui sossego e tirei o dia de folga. Não
queria fazer nada além de namorar Maria Clara, tanto que me rendi ao
delivery e deixei que encomendasse o nosso almoço. Ela havia conseguido
uns dias para trabalhar em casa e nos intervalos eu a arrastava para a nossa
cama. Nossa, agora era nossa.
À noite, montamos uma tábua com queijos e petiscos, prontos para
assistirmos ao jogo do São Paulo, ela não era tão fã de futebol, mas sabia
que eu gostava muito e quando estávamos juntos e tinha jogo, assistia
comigo. Saí do banho e a encontrei vestindo uma das minhas camisas do
time e usando um shortinho jeans.
Era para matar o guerreiro, as duas paixões reunidas.
— Escolhi um vinho — contou-me e entregou-me duas taças, que
levei para a sala. Ela já havia organizado a tábua e a bebida sobre a mesa de
centro.
— Amanhã vou tentar sair da delegacia por volta das dezoito horas,
quer ir ao cinema?
— Está passando um filme que estou muito a fim de assistir...
Antes que pudéssemos combinar o programa romântico e chato pra
caramba — que sugeri, apenas porque sabia que iria agradá-la —, meu
telefone tocou. Estava no intervalo do jogo, o segundo tempo prestes a
iniciar e estiquei o celular em sua direção para que visse quem me
telefonava.
— Será que aconteceu algo? — perguntou e dei de ombros.
— Fala, Lui.
Meu amigo estava de plantão e só me ligaria em caso de real
urgência. Atendi a chamada indo para a cozinha, Maria Clara foi atrás e
sentou em uma banqueta, observando-me com uma feição preocupada.
Fiz um carinho em seu rosto, para que se acalmasse, enquanto o
ouvia contar sobre uma prisão importante que havia acontecido no aeroporto
internacional.
— Vou até aí, chego em trinta minutos. — Finalizei a chamada e
deixei o telefone sobre a bancada. — Tenho que ir à delegacia, um cara que
eu estava investigando acabou de ser preso enquanto tentava fugir do país. O
mandado de prisão saiu hoje no fim do dia e estava no sistema da PF, iria
cumpri-lo amanhã cedo — expliquei-a e, rapidamente, arrumei-me para sair.
Normalmente, não achava ruim quando ocorriam imprevistos como
este da minha profissão, muito pelo contrário, até curtia a adrenalina da falta
de rotina, mas não podia afirmar que estava satisfeito em deixar a minha
mulher em casa.
É, a vida estava mudando, suspirei.
— Tudo bem, estarei aqui te esperando. — Maria Clara beijou a
minha boca e me ajudou a reunir os meus pertences, inclusive as duas armas
que sempre andavam comigo.
Era madrugada e ela dormia quando retornei e, assim que sentiu
minhas mãos abraçarem-na, despertou e voltou a adormecer.
Capítulo 20
Maria Clara

Havia pedido a Olívia que abrisse um horário em sua agenda para que nos
reuníssemos e, de preferência, que fosse ainda naquele dia. Nós duas
estávamos com muito trabalho na empresa, uma nova coleção a ser lançada e
muitos pedidos sendo feitos no site da loja. Conseguimos nos reunir no meio
da tarde.
A Olívia Torres estava prestes a expandir, já era uma realidade.
— Atualizei o estoque, tenho aqui uma lista do que precisa ser
reposto. Acontece que de ontem para hoje as vendas aumentaram em vinte
por cento e isso está ocorrendo quase que diariamente. — Entreguei-a
algumas folhas impressas contendo um relatório para que visualizasse
melhor, o material oficial estava registrado em nosso sistema.
— Você sozinha não consegue cuidar do estoque, não com todas as
suas outras atividades — compreendeu, enquanto corria os olhos pelos
papéis.
— Exato. Na verdade, mais do que isso, precisamos aumentar a
produção já para a próxima coleção. Estamos com muitos itens esgotados e
não acho saudável para a circulação da marca.
Olívia olhou-me, apreensiva. Era um passo grande o que eu sugeria,
mas claramente necessário.
— Acha que devemos rever o contrato com a confecção? Ligarei
para lá e verei o que conseguem aumentar na produção — sibilou e segurei
sua mão, tentando passar confiança.
— Sim! Já temos um volume de venda que permite um passo maior
na produção.
Ela suspirou profundo, dei-lhe um tempo para que reorganizasse os
pensamentos e, então, entreguei-lhe outro material impresso, com as minhas
sugestões para o aumento da quantidade das nossas peças a serem
produzidas.
— E tem mais, entendo ser prudente já iniciarmos a coleção nova
tendo mais um colaborador, este cuidaria de todas as demandas do site e
vendas.
— Sei que sim. O meu receio é iniciar um contrato de trabalho e
rapidamente ver que não consigo manter.
— Um contrato de trabalho temporário. Ainda sou advogada, Oli! —
Nós duas rimos, meu diploma seria últil, finalmente. — Posso cuidar disso.
— Vá em frente, Clara...
Trocamos um olhar cúmplice e seguimos tratando outras questões
urgentes. No fim do dia, fiz uma pausa para um lanche, peguei um iogurte e
um potinho de frutas picadas na geladeira, misturando-os. Oli também estava
sentada no sofá e falava ao telefone, segurando uma garrafinha com suco
natural, que tomava por um canudo.
— Era o seu irmão. A semana na delegacia está pesada — puxou
assunto e tirou-me dos meus pensamentos. A minha semana romântica
estava acabando.
— Parece que sim.
— Volta para casa quando?
— Amanhã, quero acordar lá quando meus pais chegarem da viagem.
— Ou seja, era a última noite dormindo ao lado do Paulo e fiquei um pouco
melancólica, sentindo saudade por antecedência.
— E como estão as coisas entre vocês? — quis saber.
— A nossa relação está uma delícia, sabe. Estamos no curtindo,
vivendo novas experiências, conversando bastante também.
— E te incomoda...
— O segredo. — Soltei um suspiro e ganhei um olhar acolhedor. —
Ainda estou insegura quanto a nós dois, acho que o meu coração só vai
sossegar quando não formos mais um segredo.
— Vai dar tudo certo para vocês! Inacreditável que o meu noivo não
perceba nada — ela riu e acompanhei, a gente só enxerga o que quer, fato.
— Isso não me acalma...
— Você é tão atrevida na frente dos irmãos... Use isso para a vida,
Clara. — Tinha que concordar, mas não passava de uma máscara que usava
com eles por ser a caçula entre dois homens fortes e decididos.
Desviei da nossa conversa para responder uma mensagem que recebi,
Olívia também se distraiu e disse-lhe que precisava finalizar uma atividade
antes de ir para casa.

∞∞∞

Paulo

Cheguei ao shopping em que a minha irmã estava trabalhando naquela


tarde, era uma quinta-feira e consegui encerrar o expediente mais cedo na
delegacia, parei próximo a loja de sapatos femininos onde ocorria um
coquetel de lançamento. Após eu enviar uma mensagem, ela pediu mais
alguns minutos até estar liberada para me encontrar.
Há dias vinha fugindo dela, mas agora queria e precisava contar
sobre Maria Clara, não era justo que descobrisse por acaso, não ela que
sempre torcia por mim. Desci para um Café e pedi um expresso, enquanto a
aguardava.
Bruna não demorou e logo estava sentada diante de mim.
— Porque acho que você tem novidade para me contar?
— Está certa — respondi e ganhei toda a sua atenção. Mulheres
sabem ser curiosas, muito engraçado isso.
— Uma água, por favor — pediu ao atendente e virou-se para mim.
— Então, diga logo!
— Estou namorando. — Seu olhar de espanto quase me ofendeu,
mas ao mesmo tempo divertiu-me, como se namorar fosse algo inédito em
minha vida.
— Voltou com a Daniele? — perguntou, assustada.
— Não, claro que não. — Olhamo-nos e decidi acabar logo com a
aparente ansiedade em descobrir quem era a sua cunhada. — Maria Clara
Brandão é a minha namorada.
— Você tá brincando? — Minha irmã foi tomada por uma crise de
tosse seguida de um engasgo, pois havia dado um gole na água quando lhe
contei, com a sobrancelha erguida aguardei que se recompusesse. Quanto
exagero.
— Deixa de ser dramática.
— Está falando da irmã do seu amigo?
— Ela tem vinte e três anos, não é nenhuma criança. — Achei bom
lembrar, Maria Clara era bem adulta por sinal.
— Assim, do nada?
Bom, é óbvio que minha irmã iria querer saber mais detalhes e não
tinha porque esconder, ao menos poderia contar alguma coisa da nossa
história.
Por fim, ela disse ter ficado feliz por nós dois e que agora que
convivia mais com a minha namorada, por conta do trabalho que fazia para a
marca da Olívia, tinha muito carinho por ela.
Clara dormiu em minha casa no dia seguinte e cozinhei para nós dois
depois que assistimos um filme.
Em muitas vezes, lamentei ter sido necessário me afastar dela, mas,
ali diante da sua carinha meio emburrada, que não conseguia e nem se
esforçava para disfarçar, entendi que fiz o certo. Anos atrás talvez eu não
conseguisse protegê-la da forma devida e nem tinha maturidade para lidar
com determinadas situações da minha profissão, já Maria Clara não
aguentaria viver o nosso relacionamento de forma discreta, que era um termo
mais bonito para não dizer em segredo.
Depois que colocamos a louça dentro da máquina de lavar, puxei-a
pela mão até o sofá da sala.
— Acho que prefiro ir dormir — avisou assim que nos sentamos.
— Nós vamos, mas antes podemos conversar um pouco?
— Você está sério.
Olhei-a longamente e depois a coloquei em meu colo.
— Marque com os seus pais um encontro, vamos contá-los sobre o
nosso relacionamento.
— Contar, tipo... Vamos contar? — perguntou, sobressaltada e sorri
em satisfação.
— Sim!
— E...
Não deixei que falasse mais nada, embora ela também tenha
demonstrado ter perdido as palavras. Segurei-a pela nuca e beijei sua boca,
um longo e quente beijo, Maria Clara remexeu sobre as minhas pernas e
desejei que estivesse nua, para senti-la por completo.
Minha boca percorreu toda a extensão do seu pescoço, lambi sua pele
até alcançar seu ouvido.
— Um banho de banheira para comemorar e sexo, muito sexo!

∞∞∞
Maria Clara acordou agitada no domingo, consegui arrastá-la para o
chuveiro e quase fiquei sem o nosso sexo matinal, tamanha a sua ansiedade.
Tomamos café e precisei contê-la, só íamos para a sua casa mais tarde e
almoçar com os seus pais.
Ela cogitou não dormir comigo, mas desistiu da péssima ideia
quando ficou sabendo que eles tinham uma festa de aniversário e,
certamente, só chegariam em casa durante a madrugada.
Segundo me disse, Lêda e Heitor levaram numa boa quando avisou
que levaria uma pessoa para conversar com eles, ficaram curiosos, mas
aceitaram que o meu nome só fosse revelado no encontro.
A decisão de conversar com os meus sogros nada tinha a ver com a
ameaça feita pelo agente filho da puta, Maria Clara e eu merecíamos uma
vida normal juntos, no entanto, era fato que tirava das mãos dele a
manipulação que tentou fazer.
Logo após o café, saí para uma ida rápida à delegacia, era apenas
para conversar com o delegado que ficou de plantão sobre uma prisão
ocorrida na noite de sábado e quando retornei ela estava pronta, esperando-
me sentadinha no sofá.
— Está linda! — puxei-a para um abraço e a envolvi com os meus
braços.
Usava um vestido cor de creme estampado com flores delicadas em
vários tons de rosa; o cabelo estava meio preso, com duas mexas soltas
emoldurando o seu rosto; e nos pés, uma delicada sandália de salto.
Parecia uma fada. Tão linda e feminina. Não tinha nada de diabinha
ali.
Parei em uma floricultura, próxima ao meu apartamento, e escolhi
dois arranjos de flores, um com rosas na cor branca e outro na cor rosa claro,
o primeiro seria para presentear a sogra.
Voltamos para o carro, no caminho para a sua casa havia uma praça
muito bonita e arborizada, estacionei e ela olhou-me desconfiada.
— Vamos ali, é rapidinho!
Peguei o arranjo de rosas cor rosa claro e abri a sua porta, de mãos
dadas caminhamos alguns metros pelo gramado até um banco sob uma
árvore de bougainville.
— Não estou entendendo — disse, desconfiada, quando ficamos
frente a frente, ainda segurava a sua mão e olhei-a longamente.
Aquela garota, a minha mulher linda e especial, desmontou-me.
Agora que me entreguei ao que sentia por ela, tinha a certeza de que seria
capaz de qualquer coisa para vê-la feliz.
— Em algum momento te disse que quero e, na verdade eu vou, fazer
as coisas do jeito certo com você. Um pouco de formalidade não faz mal a
ninguém. Aceita ser a minha namorada, diabinha? — Fiz o pedido e estendi-
lhe as rosas. Ela arregalou os olhos, levando alguns segundos para reagir e
pegou-as com a mão trêmula.
Nós, homens, muitas vezes, somos práticos demais e deixamos
passar detalhes que importam. Na minha cabeça, quando disse a Maria Clara
que queria tentar fazer o nosso relacionamento dar certo e ela concordou, já
estávamos dentro de um relacionamento sério, podíamos até morar juntos se
ela topasse. Mas não é bem assim que funciona, a mente feminina é muito
mais avançada, não trabalha com gambiarras e tudo pode ter um nome.
Logo, eu que nomeasse corretamente o que queria. Aliás, o que a assustaria,
pois, se dependesse apenas de mim, a pedia logo em casamento.
— Vou desconsiderar que me chamou assim em meu pedido namoro.
— Estava nervosa, eu podia ver. Puxei-a para os meus braços e beijei sua
boca, apertei-a em um abraço gostoso.
— Aceita ser a minha namorada, amor da minha vida?
Um sorriso irradiou em seu rosto e ponto para mim, dar nome a um
relacionamento não seria problema, era solução.
— É claro que sim!
— Te amo muito, Maria Clara e você está me fazendo um homem
muito feliz!
— Às vezes, acho que tudo isso é um sonho! — Enlaçou meu
pescoço, na ponta dos pés buscou a minha boca e beijamo-nos longamente
mais uma vez.
— Às vezes, eu também acho... Mas é real, estamos juntos e, em
poucos instantes, não seremos mais um segredo.
Podia ficar ali por horas, contemplando-a e trocando beijos e abraços,
mas tinha que encarar a fera, que também atendia como Heitor Brandão,
vulgo meu sogro.
Capítulo 21
Paulo

— É o meu irmão... — Maria Clara disse ao pegar na bolsa o celular que


tocava. Olhou a tela do aparelho por alguns segundos.
— Atende — encorajei e ela assentiu.
— Oi, Lui! — Trocamos um olhar e vi certa preocupação nela. —
Hum, estou chegando em casa. Certo, tchau.
Toquei em seu joelho enquanto dirigia, ela guardou novamente o
celular e me olhou.
— Ele estava agitado, queria saber onde eu estava.
— É provável que a gente o encontre — avisei.
O nosso plano sempre foi contar sobre nós dois de forma tranquila e
não que ele fosse pego de surpresa, mas se aparecesse na casa dos pais, não
haveria muito o que fazer neste sentido.
— Sim — concordou, mantendo o olhar apreensivo.
— Vai ficar tudo bem!
Atravessamos os portões da casa dela, diante da escadaria havia um
canteiro central gramado e com uma fonte no meio, ao seu redor uma
calçada onde os visitantes podiam parar os carros. Desci, abrir a porta do
passageiro, peguei a sua mão e estava meio úmida. Tirei os óculos de sol
para olhar diretamente em seus olhos.
— Fica tranquila! Vamos?
Maria Clara soltou um suspiro e seguimos de mãos dadas, antes que
chegássemos às escadas, a porta principal foi aberta e seu pai surgiu no topo.
Confesso que por um instante, retraí-me, apenas internamente, pois
não a deixaria insegura quanto a isso. Ele tinha uma expressão amena,
cumprimentou a filha com um abraço apertado e um beijo na testa, pegou em
minha mão e pediu que entrássemos.
Heitor estava calmo demais, era como se ele já soubesse sobre nós
dois ou era a gente que estava enxergando problema onde não existia.
— Oi querido, seja bem-vindo! — Dona Lêda me abraçou, tão serena
quanto o marido. Entreguei-lhe as flores e ela agradeceu, carinhosa,
colocando o arranjo sobre uma das várias mesinhas que compunham o
ambiente.
Fomos para uma das salas, em um aparador estava servido água,
suco, vinho rosé e petiscos, conversamos um pouco e tão logo a minha sogra
foi à cozinha para checar algo relacionado ao almoço, toda a calmaria
dissipou-se.
A porta principal da casa foi aberta com rispidez e Lui surgiu agitado
e com o olhar pesado, fazendo-nos tomar ciência da sua presença e ouvi-lo.
— Então, é mesmo verdade? — perguntou alto ainda do hall.
Maria Clara, assustada, segurou a minha mão, Heitor colocou-se de
pé no mesmo instante que eu e Lêda veio apressada da cozinha.
No entanto, o seu olhar raivoso era direcionado a mim.
Lui marchou até onde estávamos e, antes que tivéssemos qualquer
reação, levou as mãos ao colarinho da camisa que eu usava e segurou-me por
ali, no ímpeto de me sacudir.
Respirei fundo e freei toda a raiva que senti, não me lembro de algum
dia ter permitido que alguém fizesse algo sequer semelhante comigo,
contudo, precisava de calma e tomar as rédeas da situação. Era eu quem
precisava lidar com ele, sua reação não era por ver a irmã ao lado de um
homem, mas por ser eu ali com ela.
— Estou aguardando uma resposta — exigiu.
Olívia surgiu ao seu lado e tocou em seu braço, pela primeira vez o
vi não a tratar de forma completamente gentil. Ele estava mesmo muito puto.
— Que cena é essa, Luiz Henrique? Solte o Paulo. — Heitor
determinou, bravo, sendo ignorado pelo filho.
— Marcamos um almoço para sermos apresentados ao namorado da
sua irmã. — Minha sogra explicou como se não fosse nada demais e o seu
olhar tornou-se ainda mais indignado.
— E é o Paulo, quem está aqui — respondeu, entredente, seu olhar
faiscava contra mim, mais um pouco e estaria espumando pela boca,
tamanha a raiva que demonstrava.
Achei um tanto exagerado e, mais uma vez, lembrei-me que
precisava de calma, não queria que a minha mulher ficasse ainda mais
nervosa ou insegura com toda aquela situação. Além do mais, do outro lado
era o meu amigo de anos.
— Íamos te procurar quando saíssemos daqui, Clara e eu estamos
namorando. — Não foi assim que pensei em contar, nem a ele e muito
menos aos pais dela. Mas, naquele momento, e diante do seu olhar acusador,
achei melhor não ter rodeios e demonstrar a Maria Clara que ela não estava
sozinha.
Ele me encarou, não desviei e sem dar chances de ser desobedecido,
seu pai ordenou mais uma vez que me soltasse.
— Você não pode namorá-lo. — disse à irmã.
— Calma aí, Luiz Henrique, suas filhas ainda não nasceram. — Há
poucos dias ele e Olívia descobriram que ela está grávida de gêmeas, duas
menininhas. Pensando bem, consigo compreender o seu descontrole
emocional. — O pai da Maria Clara sou eu.
— Porque não deixam essa conversa para mais tarde? Clara e Paulo
podem ir a nossa casa, agora gostaria de ir comer o churrasco que me
prometeu. — Olívia pegou em sua mão, tentando arrastá-lo dali, mas ele
manteve-se firme. Seu olhar para mim era fulminante, até podia tentar
entendê-lo, também tinha uma irmã, mas não havia nada que pudesse fazer,
abrir mão da Maria Clara não era mais uma opção
— Você sabia disso? — Quis saber da noiva e minha sogra interveio.
— E quem é que não sabia que a sua irmã tem uma paixonite pelo
Paulo desde novinha? — Todos olharam surpresos para ela, que revirou os
olhos, de forma silenciosa chamava-nos de tolos. — Heitor e eu observamos
a distância, mas sempre atentos. Como Maria Clara nunca nos procurou para
conversar a respeito, pensamos que não havia ido para frente.
Lui passou um longo instante assimilando a situação, muito
incomodado, o seu pomo de adão subia e descia com velocidade, todos nós
em silêncio, quase que em um acordo mudo para deixá-lo manifestar-se.
— Pai, o senhor sabe que não é seguro para ela. Ninguém aqui se
perguntou como foi que fiquei sabendo que o meu amigo está saindo com a
minha irmã? — Encarou a todos, quase bufando. — O seu genro adora andar
no submundo, quase matou um agente da nossa delegacia e o cara resolveu
se vingar e me entregou o caso deles. Recebi várias fotos dos dois juntos,
tem noção que estavam seguindo a sua filha?
Senti o sangue sumir do meu rosto, envergonhado e ansioso tentava
não olhar para o sogro. Que grande merda. Não podia colocar Maria Clara
em risco e ali estava escancarado para a sua família que falhei.
Todos continuaram em silêncio enquanto Lui jogava a bomba no
ventilador. E ele não se deu por satisfeito, virando-se em minha direção.
— Dias atrás comentei que o tal agente havia ido para o hospital,
pois levou uma surra que quase o matou e você desconversou. Foi você, não
foi? E fez isso porque também te ameaçou usando a minha irmã, conta para
eles. Você já sabia que ela estava correndo algum risco. — Cada palavra foi
pronunciada com uma clareza absurda, a raiva exalando por trás.
— Sim. — Pensei em várias respostas possíveis e optei por ser
sucinto.
Agora também me sentia derrotado.
— Não pode namorá-lo, me escute — praticamente implorou a irmã,
que estava logo atrás de mim, e ali a minha paciência findou-se.
Lui não é e nunca foi o santo que naquele momento tentava parecer
ser, tampouco eu era o monstro que ele pintava bem diante do meu nariz.
— Explique-se. — Meu sogro me exigiu, todos já estavam
sobressaltados e eu não queria discutir tal assunto naquele momento.
— Sei como protegê-la, Heitor.
— Ele vive sob ameaça, faz um inferno na vida de bandido, sempre
peixe grande. Não pode querer viver dessa forma, Maria Clara. — Insistiu,
indo para perto da irmã, logo, de mim também. O olhar dela era magoado e
foi o que me deixou puto da vida.
— Quanta hipocrisia, Luiz Henrique. Sua noiva e mãe das suas filhas
acabou de ser sequestrada, justamente por causa do seu trabalho. E você não
se separou dela para que ficasse segura. — As minhas palavras caíram como
uma bomba na sala, até ele assustou-se. — Me desculpe por te fazer lembrar
disso, Olívia.
— Vou mudar a minha forma de trabalho — meu amigo recuou, fez
uma promessa a noiva e eu, simplesmente, não conseguia mais parar.
— Ainda não tratou nada a respeito comigo — lembrei-o. Peguei a
mão da Clara e olhei em direção aos seus pais. — Não quero nenhum tipo de
confusão. Sei bem como preciso trabalhar para sair da mira e vou fazer por
ela.
— Paulo é um mulherengo. — Pela milésima vez precisei respirar
fundo e me conter.
— Tenha limites, meu filho, pois já está feio — Lêda pediu e decidi
falar diretamente com ele, de forma definitiva.
— Eu amo a sua irmã, ela não é um passatempo na minha vida e nem
um caso qualquer. É isso que precisa saber e acho que pode me
compreender, também mudou todo um estilo de vida depois que conheceu a
Olívia.
Lui sabia sobre o que eu falava. Sim, era um mulherengo, no
passado, ainda que recente. E ele também era. Aproveitamos a vida juntos,
rodeado de mulheres que muitas vezes compartilhamos, mas acontecia
quando não tínhamos compromisso com ninguém. Se recobrasse a razão,
poderia enxergar a realidade.
— Porque não me procurou, primeiro? Poderíamos ter conversado.
Não sou mais uma criança, sei o que quero para a minha vida. Paulo me
conta sobre as ameaças, mas ando com segurança e não é por causa do
trabalho dele, lembra? Entendo e agradeço que queira me proteger, mas não
pode exigir que eu faça o que acha ser o melhor para mim. — Maria Clara
defendeu-se, falou ao irmão com o olhar altivo e braços cruzados.
— Inacreditável. — Seu olhar vagou por toda a sala, procurou apoio
nos pais, mas eles permaneceram neutros, ainda teria que mostrar o meu
lado; já com a irmã, conseguiu magoá-la por não a enxergar como a adulta
que é e que pode tomar decisões por si própria. — Vamos, ainda temos um
almoço. — Chamou Olívia e a pegou pela mão, depois de uma rápida
despedida, foram embora.
Ainda estávamos tensos e sem graça, Heitor acenou para que nos
acomodássemos no sofá.
Tentamos, ao longo do dia, melhorar o clima e acho que
conseguimos. Conversamos assuntos diversos, em um determinado
momento Heitor e eu ficamos a sós e ele exigiu a segurança da filha,
lembrando-me que deveria escolher as minhas prioridades. Ele estava certo
em me cobrar e eu o faria, decisão que tomei no instante em que escolhi ser
feliz ao lado da minha mulher.
— Hoje você dorme em casa, não é? — perguntou a Maria Clara,
quando íamos embora, mas, obviamente, não era bem uma opção que ele
dava. Queria a filha em casa e eu não poderia interferir, embora também a
quisesse dormindo comigo.
— Sim, papai.
Capítulo 22
Maria Clara

Caminhamos de mãos dadas em direção ao prédio administrativo do 001.


Era estranho estar ali sem a companhia da minha família, até aquele dia, só
estive no clube de tiros para acompanhá-los.
Na hora do almoço, Paulo mencionou que os amigos iam à noite ao
clube e o incentivei a ir também, que, por sua vez, pediu a minha companhia.
Senti um aperto no peito ao não encontrar o carro do meu irmão, mas
fazer o quê? Eu daria-lhe um tempo, como sugerido pela minha cunhada.
Renan encontrou-nos no meio do caminho, conversamos rapidamente
e fomos até a pista aberta, onde estava reunida a turma da delegacia. Foi um
burburinho enorme quando nos viram chegar de mãos dadas. Paulo não saiu
do meu lado, Daniele não fez questão de ser gentil, Pamela — outra agente
federal que trabalhava com ele e tinha um caso com Lui até que ele começou
a namorar Olívia — apenas acenou.
Fiquei tímida quando meu namorado comunicou que ficaria um
pouco nas baias comigo, tentei demovê-lo da ideia e ele garantiu que não
perderia a chance de me ver atirar. É isso que dá namorar um delegado.
Tenho certeza de que ouvi algumas risadinhas ao darmos as costas a eles,
mas qualquer ruído ficou para trás quando Paulo abraçou-me pelo ombro e
beijou minha boca.
— Gostosa pra caralho, linda! — sussurrou em meu ouvido quando
empunhei a pistola que escolhemos juntos e mirei no alvo.
O instrutor deu-nos privacidade, já nos conhecia bem e deixou que
ficássemos sozinhos na baia.
— Não está ajudando — reclamei, a voz entrecortada, seus braços
enlaçaram firme a minha cintura e sua boca traçou um caminho de beijos
molhados em minha nuca.
Cada pelinho do meu corpo eriçou e abaixei a arma. Não tinha
condições nem de raciocinar, o que dirá de atirar.
— Desistiu, amor? — atiçou, apertando-me ainda mais em seus
braços, riu em meu pescoço e depois de beijar os meus cabelos, soltou-me e
posicionou-se ao meu lado. — Vou te deixar brincar um pouquinho.
— Obrigada.
Além das provocaçõezinhas e beijos e abraços que ele dizia não
resistir em me dar, conversamos sobre o nosso dia, enquanto ele me dava
dicas sobre posicionamento e mira. Quase uma hora depois, despedimo-nos
do instrutor e voltamos à pista aberta, para que ele pudesse treinar com os
amigos.
Chegamos em seu apartamento bem tarde, eu estava sonolenta e
apaguei depois de namorarmos. Acordei assustada, sozinha na cama e
verifiquei no relógio sobre a mesinha de cabeceira que passavam de duas da
madrugada.
Saí no corredor e estava tudo escuro, abri a porta de correr, que
separava a área íntima das salas e cozinha, as luzes dali também apagadas,
havia apenas um reflexo na varanda, aproximei-me e lá estava Paulo.
Sentado em uma poltrona, tinha uma perna esticada sobre o pufe de
couro e vestia calça de moletom e camisa. Cigarro na boca e um copo com
uísque na mão. Ao me perceber, virou em minha direção e me chamou,
acenando para que sentasse em seu colo. Torci o nariz para o cheiro da
fumaça e, antes que eu me acomodasse, ele já havia apagado o cigarro e
colocado uma bala de hortelã na boca.
— Estava sem sono — explicou e beijou meu pescoço.
— Já tem uns dias que tenho te achado meio distante...
— Um pouco preocupado com o trabalho, fazendo mudanças na
delegacia e conversando com o meu chefe a respeito.
— Tenho evitado te perguntar... E o meu irmão? — Soltou um
suspiro e respondeu.
— Hoje foi o prazo final que dei de tempo para ele. Conversamos o
essencial durante a semana, ainda é o meu subordinado no trabalho, irei
procurá-lo.
— Só falta isso para tudo ficar perfeito... — Tudo estava indo bem
demais. Era o meu trabalho que me satisfazia, o relacionamento com Paulo
que estava uma delícia, o apoio dos meus pais... Só faltava mesmo Lui
deixar de ser um chato com a gente.
— Ah, faltam mais coisas! — É claro que o meu namorado
insaciável iria mudar o rumo da conversa.
Mordeu o meu ombro e subiu a boca pela minha nuca e pescoço,
deixando-me toda arrepiada.
— É mesmo? O que seria?
— Fazer amor com você todos os dias ao acordar seria o ápice do
paraíso — contou com a naturalidade de quem está falando sobre o tempo.
Diariamente, ele sugeria de morarmos juntos, eu dormia bastante em
sua casa, mas achava muito cedo para algo mais definitivo, por mais que
também quisesse.
— Acho que podemos ir com um pouquinho de cautela.
— Bem pouco, já coloca na sua cabecinha que quero ter você ao meu
lado todos os dias. — Sim, não deixava de pensar que seria desse jeito.
Bocejei, o sono retornando com força. Saí do seu colo e o puxei pela
mão.
— Vamos dormir, amor!

∞∞∞

Paulo
Era noite e fui até a copa da delegacia verificar quem ainda estava por ali.
Logo achei o meu alvo, falava ao telefone na entrada da sala de operações.
Enrolei um tempo tomando um café até que ele finalizasse a ligação e
retornei a minha sala.
— Brandão, preciso falar com você. Venha até a minha sala, por
favor — pedi e não demorou para ele bater à porta.
Desde o nosso encontro um tanto desastroso na casa dos seus pais, há
quase quinze dias, só conversávamos o essencial para o trabalho. Dei-lhe um
tempo para assimilar as informações, mas agora teríamos uma conversa
esclarecedora.
— Ainda não finalizei o relatório da operação de hoje, mas irei
colocar no sistema antes de encerrar o plantão. — O seu desconforto por
estarmos frente a frente e sozinhos era aparente, uma grande merda para
quem até há pouquíssimo tempo eram grandes parceiros na vida e no campo
profissional.
— Senta aí, não quero falar sobre trabalho — pedi, sua fisionomia
endureceu de imediato.
— Então, não temos o que conversar — retrucou e respirei fundo.
— Claro que temos. É importante, Lui.
A contragosto, acomodou-se diante da minha mesa. Afastei um
pouco a cadeira, apoiei os braços sobre o tampo e o encarei. Ali estava uma
das pessoas que mais convivia na vida, era um colega de trabalho, amigo fiel
e juntos já compartilhamos muitas histórias. Não era apenas o irmão da
minha namorada.
— Eu também tenho uma irmã mais nova, quase cometi uma loucura
quando o ex-marido dela fez o que fez, consigo compreender os
pensamentos e sentimentos que está tendo diante dessa situação... — Fiz
uma pausa e a sua feição era impassível, então, apenas prossegui. — Tudo o
que acha sobre mim é verdade, você tem razão e, inclusive, pegou leve nas
acusações que fez na casa dos seus pais.
Precisava reconhecer, Lui me poupou e muito ao não dar detalhes
naquele encontro terrível. Se não, era provável que Heitor prendesse Maria
Clara em seu quarto para impedir o nosso namoro.
— E por qual motivo acha que vou ficar tranquilo por você está
namorando a minha irmã?
— Porque existe um Paulo com a Maria Clara e um Paulo sem ela.
— Um riso seco e irônico surgiu em seu rosto, não me abalei, contudo. —
Sou louco no trabalho, vingativo, com quase nenhum escrúpulo na hora de
colocar as mãos em bandido. Também sou mulherengo, estou sempre
rodeado de mulheres, muitas vezes, levo para a minha casa duas ou três
delas ao mesmo tempo e nós já compartilhamos dessas loucuras. Não tem
novidade aí, por incontáveis vezes fizemos as mesmas coisas. Você mudou,
tem outro estilo de vida, porque não posso fazer o mesmo? É essa a
realidade, sou fiel a sua irmã.
Percebi que o peguei desprevenido. Nenhum de nós dois era santo e
eu estava disposto a ser correto com Maria Clara, isso bastava.
— Desde quando isso? — perguntou e engoli em seco.
— Alguns anos.
— Como é que é?
— Fazem alguns anos que nos apaixonamos e a coisa mais difícil que
já fiz na vida foi abrir mão dela. E sim, a magoei muito. Não dava para
explicar os meus motivos para me afastar, era imaturo e na minha cabeça só
havia um modo de trabalhar na Polícia, logo, ela sempre estaria em perigo.
Encaramo-nos, Lui claramente, desejava quebrar a minha cara, eu
disposto a deixar meu amigo ganhar a briga, afinal, dormia com a irmã dele.
Não queria, mas era solidário.
Ele soltou um suspiro e acendi um cigarro, ofereci e ele aceitou, era o
nosso jeito de acalmar os ânimos.
— E qual é o seu plano?
— Tive uma reunião com o Superintendente. Contei sobre situações
que estão acontecendo e me coloquei a disposição para assumir qualquer
outra delegacia, mas que não poderia continuar com algumas investigações.
— Consegui deixá-lo surpreso. Lui sabia que era mais fácil os dinossauros
voltarem a habitar a Terra do que eu abrir mão dos casos mais complicados
da delegacia. Logo eu, que era movido a problema e confusão. — Ele vai
passar os casos para outro delegado e me disse para continuar aqui, foi
compreensivo até demais.
Em silêncio, deu algumas tragadas no cigarro, depois o apagou no
cinzeiro que sempre ficava em minha mesa e colocou-se de pé.
— Ainda acho que é loucura.
Estava sendo intransigente e não queria reconhecer que eu tentava
resolver o problema das ameaças que recebia. Bem, fiz a minha parte, Lui
era adulto.
— E você está no seu direito de achar. Somos amigos, te considero
como um irmão, mas não irei mais abrir mão da Maria Clara, já fiz isso por
tempo demais. Eu a respeito, a amo e tenho muitos planos para realizar ao
lado dela. Vou entender se não quiser participar ou estar perto de nós,
embora isso esteja a deixando infeliz, mas agora não é mais sobre você.
Outro longo olhar, ele acenou e saiu da sala. Paciência.
Continuei o trabalho, já que iria chegar tarde em casa, que fosse com
ele finalizado. Analisei os relatórios das operações do dia e pouco tempo
depois subiu no sistema o que havia sido feito por Lui. E, como sempre,
estava impecável. O filho da puta era mesmo o meu melhor agente.
Olhei a programação do dia seguinte e revisei o que cada um da
equipe iria executar. Meu celular tocou, marcava nove da noite e era um
número desconhecido. Não atendi de primeira, mas quem estava do outro
lado foi insistente na chamada.
— Paulo? — A voz feminina ressoou do outro lado. Tive a impressão
de reconhecê-la, mas não consegui relacioná-la a um nome.
— Sou eu, quem fala?
— Isabela Fontes, como vai?
— Isabela? — perguntei para ter certeza de que era mesmo ela,
completamente surpreso. — Quanto tempo.
— Sim, sou eu... — Riu e mentalmente comecei a listar as possíveis
causas para ela telefonar e nada me pareceu ser plausível. — Preciso
conversar com você, podemos nos encontrar?
Foi direta e aquilo tinha cheiro de problema.
— Estou trabalhando, não pode falar por telefone? — tentei.
— Tem que ser pessoalmente, é importante.
— Sei... Vamos ver um dia.
Esquivei-me, sem me importar em disfarçar, mas a mulher pareceu
não se importar e insistiu.
— Podemos almoçar amanhã?
— Não sei se consigo, mas vamos nos falando.
— Te ligo amanhã. Boa noite, Paulo.
Antes que eu respondesse, ela havia desligado. Isabela surgiu do
completo nada para me trazer problema, podia sentir.
Fazia pelo menos um ano e meio que não a via, era uma companhia
constante em minha cama, trabalha como modelo, já a acompanhei em
alguns eventos e desfiles, no entanto, desde que voltou para a Europa, onde
acho que ainda deve morar, não nos falamos mais.
O que diabos essa mulher queria?
Estava curioso para saber? Muito. Mas encontrá-la me traria
problemas? Certamente, muito mais do que a minha curiosidade.
O melhor a fazer era tentar mantê-la longe. Era uma mulher tinhosa e
sedutora, se tivesse algo sério e importante para tratar comigo não teria
esperado um ano e meio para resolver.

∞∞∞

Maria Clara

Retoquei o protetor solar no rosto e voltei para a piscina, Flora e Mila


estavam dentro d’água. Desde que comecei a trabalhar na empresa da minha
cunhada e o meu namoro com Paulo engrenou, quase não conseguia tempo
livre para ficar com elas.
Era tarde de sábado, almoçamos em minha casa e fomos para a
piscina. Soninha surgiu com uma bandeja contendo potinhos de salada de
frutas e suco natural.
— Quando foi que ficamos tão adultas? Senti falta disso aqui! —
Flora jogou a cabeça para trás, molhando o cabelo na água e depois ergueu-
se e pegou um copo com suco, que estava no deque da piscina.
Suspiramos. Até pouco tempo atrás era bem fácil passarmos tardes
juntas, jogando conversa fora, fazendo compras ou qualquer outra coisa que
não envolvesse trabalho.
— Eu também. — Mila concordou e também tomou do suco. — Mas
algumas coisas não mudam, veja Clara mais apaixonada do que nunca pelo
delegado.
— Quem diria que daria mesmo certo?
As duas riam e comentavam sobre a minha vida amorosa como se eu
não estivesse bem ali ao lado.
— Apaixonada e muito feliz com o meu namorado. — Lembrei-as da
minha presença, que riram ainda mais. — Mas, às vezes, também acho que
vou acordar e descobrir que tudo não passou de um sonho.
— E como tem sido agora que não é mais segredo? — Mila quis
saber.
— Fazemos tudo juntos... Durmo bastante na casa dele, vamos ao
supermercado, cozinhamos, saímos para bares e restaurantes, ele me
acompanha no shopping, eu vou ao clube de tiros dos meus irmãos, estamos
programando uma viagem a dois... Uma vida normal de casal e que tem sido
muito melhor do que imaginei.
Devo ter soltado um suspiro, era assim que ficava quando pensava ou
falava sobre ele. Estava tudo muito perfeito, essa era a realidade.
Paulo movimentava um mundo para me agradar, sempre fazendo
questão da minha companhia e eu via um esforço nosso para entender o
outro.
— Tão apaixonadinha... — Flora brincou e não pude discordar.
— Você merece tanto, sabe. Se aquele delegado idiota te fizer sofrer,
mando cortar fora o pau dele.
Abracei Mila e beijei o seu rosto, era doidinha, mas uma ótima amiga
e super protetora.
— Ele tem sido um príncipe, está se esforçando para fazer o nosso
relacionamento dar certo.
— Acho que já já sai um casamento daí — cantarolou, eu ainda
abraçada a ela.
— Para ser sincera, estamos sim indo com muita intensidade. Como
ele diz, temos vários anos de atraso. Mas também sei que precisamos pegar
leve e curtir bastante essa fase de namoro. — Dormir longe dele era a coisa
mais difícil de se fazer, ainda que passasse vários dias da semana em seu
apartamento.
Curtimos mais um pouco da piscina, colocamos o papo em dia, saí da
água para atender o telefone.
— Era a minha sogra — contei.
— Já estão íntimas! — Mila comentou.
Fui apresentada à dona Conceição e seu Raul, os pais do Paulo, logo
depois que ele conversou com os meus. Fui bem recebida por eles, tratada
com carinho e era mais uma novidade que estava adorando.
— Ela é uma graça, muito querida. Acredita que me ligou para saber
se gosto do cardápio que planejou para o almoço de amanhã?
— Uma sogra boazinha, isso sim é um sonho! — Flora suspirou. A
mãe do seu ex-namorado morria de ciúmes dela e fez da sua vida um
pequeno inferno.
Paulo estava de plantão, avisou que sairia tarde da delegacia. As
meninas toparam estender a noite lá em casa, depois da piscina tomamos
banho e abrimos um vinho, que tomamos com o jantar que pedimos no
delivery.
Era a vida seguindo um rumo doce e interessante.
Capítulo 23
Paulo

Durante muito tempo, enfiei-me em todos os plantões possíveis. Por ser


viciado em trabalho; para manter a mente ocupada; por quase nunca ter algo
mais interessante a fazer que não fosse estar na delegacia.
No entanto, trabalhar aos finais de semana tornou-se uma tortura
lenta e dolorosa, quando sabia que poderia estar curtindo cada segundo fora
dali ao lado da minha mulher.
Juntei os meus pertences e chequei o relógio, passava das dez da
noite de sábado, muito além do horário que planejei ir embora. Maria Clara
passou o dia com as amigas, disse-lhe que poderíamos nos encontrar no
domingo para que continuasse a programação com as meninas, inclusive,
iríamos almoçar com os meus pais, mas negou. Não insisti, afinal, tudo o
que queria era dormir agarrado a ela e depois um sexo maravilhoso.
Telefonei para avisar que estava indo embora, pois ficou combinado
que a buscaria em casa, mas não atendeu. Passei pela recepção da delegacia
com o telefone em mãos, a fim de ligar novamente.
Alguns agentes também estavam indo embora, conversei
rapidamente com eles no pátio e caminhei sozinho em direção ao
estacionamento.
Antes que colocasse o telefone no ouvido para realizar uma nova
chamada, detive- me. O que aquela mulher fazia aqui? Só podia querer me
arranjar problema.
— Isabela? — questionei. Estava encostada em meu carro, bem
arrumada e com um boné na cabeça, talvez para evitar ser reconhecida.
— Está fugindo de mim — acusou, mas logo tinha no rosto um
sorrisinho que me irritou e cumprimentou-me com dois beijinhos.
— Eu disse que estava com muito trabalho.
— E eu disse que era importante — retrucou e cruzou os braços na
altura do peito. — Lembrei que uma vez vim aqui com você e esperei no
carro, resolvi arriscar. Um funcionário da delegacia passou por aqui, disse
que você ainda estava aí e mostrou-me qual era o seu.
— O que você quer? — impaciente, tirei a chave do carro do bolso
da calça.
— Como eu disse, precisamos conversar. Quero te explicar algumas
coisas e as minhas razões, mas você tem me evitado e sei que é por causa da
namorada. — Fez uma pausa, pareceu tomar fôlego e soltou um suspiro, sem
deixar de me encarar. Um arrepio iniciou em minha nuca, alguma bomba
estava por vir. — Sem rodeios, Paulo. Eu estava grávida quando fui para a
Itália trabalhar.
Reuni todas as minhas forças para ficar de pé, não precisava de muito
esforço para saber aonde ela chegaria.
— Você o quê?
— Descobri na semana que cheguei lá, escondi de todo mundo, só
contei a minha família quando parei com os desfiles e já tinha sete meses de
gestação. Nem a mídia ficou sabendo. — Continuou falando, mas havia um
nó na minha cabeça desde o instante que mencionou alguma gravidez.
Quando começamos a sair, Isabela trabalhava como modelo aqui no
Brasil. Já havia trabalhado na Europa, mas retornou quando o contrato
encerrou. No entanto, logo o seu nome despontou na mídia como a grande
aposta da moda, fotografou e desfilou para marcas de renome, e então, foi
convidada para morar novamente na Itália. Na época, tínhamos um caso e
ela foi embora sem pensar duas vezes, ser modelo internacional era a grande
chance da sua carreira.
— E o que tenho a ver com essa história? — ainda estava em estado
de negação, mesmo que ela não houvesse dito, sabíamos quem era o pai
daquela criança.
— Não sei se está lembrado, querido, mas estávamos juntos quando
voltei para a Itália. Era um namoro, embora você jurasse que não estava em
um relacionamento, eu vivia. na sua casa, conhecemos as famílias um do
outro, até viajamos — respondeu, irônica.
Estava zonzo, experimentando uma confusão de sentimentos em
rebuliço dentro de mim, além de um nó na garganta.
— Fala logo, Isabela.
— Temos uma filha, chama-se Nina e ela tem um ano. — As
palavras foram pronunciadas com calma e, ao mesmo tempo, pareceu como
um band-aid sendo retirado, deixando a ferida à mostra de uma só vez.
— Você só pode estar brincando... — Ela não podia estar falando
sério. Como assim eu era pai? E porque só estava sabendo naquele instante?
— Tenho uma filha... Me escondeu a criança?
Isabela tinha o olhar culpado, não sei se arrependia do que fez,
embora a única coisa que eu sabia era que ela não me deixou conviver com a
minha filha por um ano.
Sentia um aperto enorme no peito, com a sensação de que o sangue
corria dez vezes mais rápido em minhas veias.
— Eu, realmente, quero te contar toda a história e outras coisas que
precisa saber. Agora pode conversar comigo?
Não tinha como negar, aquela conversa ganhou o status de prioridade
número um para mim, mas ainda havia a minha namorada, esperando-me.
Também não dava para levar Maria Clara a um encontro com Isabela, não
sem antes saber o que aconteceu. A única saída seria omitir o que iria fazer,
depois me acertaria com ela.
“Linda, tive um imprevisto na delegacia, não sei que horas estarei
liberado. Aviso quando chegar em casa. Te amo.”
— Você está diferente, namorando mesmo? — Por um instante,
apenas por escrever uma mensagem a Maria Clara, esqueci-me que a outra
mulher estava, ali, ao meu lado. Levantei o olhar e não precisei responder,
ela entendeu e soltou um suspiro. — Estou em um flat, podemos ir para lá.
Guardei o celular no bolso e a encarei.
— Onde está a minha filha?
— Na casa dos meus pais, vai dormir lá hoje. Depois que
conversarmos, combinamos de você conhecê-la — explicou, com calma,
parecendo sondar a minha reação.
Ela estava louca se achava que eu teria mais um dia de atraso para
conhecer Nina.
— Irei vê-la hoje, Isabela — avisei e o olhar desafiador que ela
sempre teve reapareceu com toda força. Como se eu tivesse medo.
— Ela dorme cedo.
— Vai me levar para vê-la hoje, ainda que Nina esteja dormindo. —
Não dei tempo para que discordasse e destravei o meu carro. Ela disse que
havia ido de táxi até a delegacia e acenei para que entrasse no carona.
— O flat fica na Vila Nova Conceição.
Entramos no estacionamento do prédio elegante e subimos em
silêncio pelo elevador. Isabela iniciou alguns assuntos, mas desistiu na
terceira tentativa quando entendeu que a única conversa que teríamos seria
sobre a filha que tivemos e ela me escondeu.
Ofereceu água, suco e até um vinho, mas eu já estava a postos em seu
sofá e ela rendeu-se, sentando de frente para mim. Pegou seu telefone na
bolsa, digitou algo e depois de alguns segundos estendeu-me.
Confesso que tremi por inteiro antes de segurar o aparelho. Minha
vida estava sofrendo uma reviravolta bem diante dos meus olhos e meu
coração perdeu uma batida diante da foto que ela me mostrava.
Uma menina loirinha de cabelos finos com cachinhos nas pontas,
sorriso largo, poucos dentinhos, olhos azuis e puxadinhos — talvez por estar
sorrindo —, as mãozinhas gordinhas estavam unidas e encostadas entre o
queixo e a boquinha desenhada. Sentada em um tapetinho colorido e com
desenho infantil. O bebê mais lindo que já vi. Por impulso, toquei a tela do
celular, meus olhos marejaram, meu peito apertou. Não era justo que
tivéssemos perdido um ano de convivência.
— Vou vê-la ainda hoje — reafirmei, sem tirar os olhos da tela do
celular.
— Como eu disse, descobri a gravidez quando já estava na Itália. —
Isabela ignorou o meu comentário e desviei o olhar para ela quando voltou a
falar. Encaramo-nos e ela me pareceu um pouco emocionada. — Não me
orgulho do que fiz, Paulo. Errei com você e com a minha filha, mas era o
que estava ao meu alcance naquele momento. Em pouco tempo, ganhei
muita fama, excelentes contratos e a carreira de modelo é temporal, não
tenho muitos anos para me firmar. Contratei funcionárias para cuidar do meu
apartamento, babás para a Nina, motorista. Funcionou por um tempo, bebês,
basicamente, precisam ser alimentados, de conforto e segurança. Mas ela
está crescendo, chora querendo a minha presença, não tenho família ou
amigos na Europa, lá é apenas trabalho incansável e muitas viagens. Não
estou educando a minha, a nossa filha, entende?
Mais uma vez, outro aperto no peito. Em minha mente, fervilhava a
imagem de uma criança desejando a presença da mãe, atenção e afeto. Nasci
e cresci em uma família muito presente e amorosa, com uma mãe atenta a
todas as minhas necessidades e da minha irmã e, até hoje e mesmo sendo
adulto, dona Conceição seguia sendo atenciosa conosco, parecia-me
inconcebível uma criança ter menos do que isso, sem ignorar, obviamente,
que muitas vivem outra realidade.
— O que veio fazer aqui? — quis saber.
Ela passou um longo instante de cabeça baixa, os cotovelos apoiados
sobre as pernas e as mãos entrelaçadas. Dei o seu tempo, embora por dentro
estivesse pura ansiedade, até que ela se ergueu e me encarou. Em seus olhos
não havia mais qualquer resquício de emoção, estava séria e decidida.
— Preciso deixar Nina com você.
— Você, realmente, enlouqueceu — explodi e saí do sofá, sentindo-
me enclausurado na pequena sala do flat.
Ela pretendia abandonar a filha e entregar-me para criar? Pior, uma
criança que me escondeu e que sequer me conhecia? Será que Isabela estava
doente e prestes a morrer? Só isso justificaria tamanha loucura.
— É o pai dela, tem emprego fixo e estável, além de moradia fixa e
estrutura familiar, sei que mora sozinho, mas tem os seus pais e irmã por
perto. — Ela foi se explicando e não me pareceu ser o que uma pessoa
doente diria. Então, era mesmo loucura o que tinha. — Amo a nossa filha, o
patrimônio que estou construindo também é para ela, mas não sou e não
consigo oferecer o que a Nina precisa no momento — concluiu, calma
demais para quem estava entregando a própria filha, totalmente em
desalinho comigo, que parecia poder explodir a qualquer momento.
— Você é a mãe dela, Isabela.
Ela também ficou de pé, caminhou até uma das janelas e seguiu
falando, como se não me ouvisse.
— A minha família é totalmente contra, pois eles querem cuidar da
Nina, mas você é o pai, gostaria que fosse você a criá-la. Tudo bem se quiser
fazer um exame de DNA, vou ficar um tempo no Brasil, em torno de vinte
dias, podemos resolver isso.
Então, era isso, da noite para o dia tornei-me pai e, ao que parecia, o
guardião da criança. Ela iria morar comigo? Como seria a nossa vida juntos?
Não me lembro de ter convivido com crianças depois de adulto. E ainda
tinha Maria Clara, o que ela acharia disso tudo?
Um cortante silêncio reinou, cada um em um canto da sala. Tinha
muita coisa para dizer e ponderar, mas nada parecia tão urgente como
conhecer Nina, mesmo que fosse para velar o seu sono.
— Vamos lá vê-la.
Capítulo 24
Paulo

Chegamos à casa dos pais da Isabela e atravessamos um pequeno jardim,


trocamos um olhar ao paramos, por um instante, na varanda. Ela abriu a
porta, a sala espaçosa estava iluminada por uma luz baixa e logo nos
deparamos com um senhor que embalava a bebê no colo.
A minha bebê, minha filha.
Isabela não era maluca para inventar que seria eu o pai e não achava
que ela saía com outros homens enquanto estávamos juntos, na época, nem
mesmo eu me relacionava com outras mulheres.
Ele parou no meio do cômodo e encarou-nos, surpreso e com uma
expressão, também, de contrariedade. Levou uma mão protetora a cabecinha
da menina e suspirou baixo, sem nos dar muita atenção.
Senti uma emoção que dominou todo o meu ser, só por vê-la, meus
olhos novamente marejaram, segurei as lágrimas, mas não contive o coração
batendo disparado dentro do peito.
Tentava buscar alguma situação que me causou tamanha euforia e
pude comprovar que somente me descobrir pai e conhecer a minha filha
levou-me àquela sensação.
Era recente e novo, mas podia afirmar, sem medo de errar, que amor
de pai é diferente. É grande, zeloso, incondicional, em uma proporção que
me assustava e ao mesmo tempo movia.
— Ela acordou, pai? — a mulher perguntou, indo para perto dos
dois. O olhar dele não desviava de mim e sussurrou uma resposta.
— Teve um pouco de febre, acabamos de medicá-la e voltou dormir,
mas ainda está bastante inquieta. — Segurei-me para não avançar até onde
estavam, o que queria mesmo era pegar Nina no colo, como a mãe fez.
Além disso, Isabela havia me contado que Nina vinha tendo quadros
de febre quando sentia muito a falta dela.
— Você disse que viriam amanhã — outra mulher surgiu na sala,
tinha o olhar preocupado e a feição séria, ela eu conhecia, era a mãe da
Isabela.
Os três trocaram um longo olhar silencioso.
— Vou colocá-la na cama, preciso de um tempinho com o Paulo e já
volto para conversarmos melhor — ela acenou, chamando-me para perto, já
carregando Nina e saímos em direção a um corredor.
Entramos em um quarto pintado na cor rosa clarinho, decorado com
bonecas e móveis delicados. Isabela colocou Nina no berço e ficamos os
dois, observando-a.
A menina parecia um anjo, linda demais e ressonava tranquila, bem
diferente da inquietude relatada pelo avô. Usava como pijaminha um
macacão lilás com bolinhas coloridas e, mesmo dormindo, o cabelinho
estava bem penteado.
— Vamos lá? Vocês vão ter muito tempo juntos... — Ela chamou e
aceitei, fomos encontrar os seus pais na sala.
A conversa não foi amistosa, os avós tinham a esperança de que eu
recusasse a filha recém-descoberta ou que concordasse em deixar Nina com
eles e a pegar em dias específicos de visitas.
Eles não me conheciam.
Eu até podia ser bem errado na vida, cheio de defeitos, mas nunca
permitiria outra pessoa criar um filho em meu lugar.
Saí da casa deles, deixando-os cientes de que retornaria assim que
amanhecesse e que seria apresentado a Nina, por um instante senti Isabela
vacilar, mas agora estava feito e tudo ocorreria do meu jeito.

∞∞∞
— Você sabe que é madrugada? — Mauricio, um amigo advogado,
atendeu. Pela sua voz desperta, vi que não o acordei, então, menos mal.
— Preciso conversar com você — avisei.
Ainda estava dentro do carro e na garagem do meu prédio,
atordoado, sem saber bem o que fazer.
— Vou adorar conversar quando amanhecer, agora estou ocupado —
uma voz feminina ao fundo da ligação fez-me segurar o riso, acho que
acabei de estragar a foda do meu amigo. Paciência.
— Precisa ser agora. Diga-lhe que é urgente — insisti.
— Porra, Paulo. Não vai ceder, não é? — Soltou um suspiro raivoso
e ouvi-o falando algo com a mulher.
— Não — respondi e decidi sair do carro e subir para o apartamento,
agora teríamos uma conversa séria.
— Vai, diga o que aconteceu.
— Tenho uma filha.
— Conta a história toda. — pediu, impaciente. E, então, narrei os
fatos desde o momento em que Isabela telefonou-me pela primeira vez
querendo me encontrar até ter conhecido Nina na casa dos pais dela, sem
economizar nos detalhes. — Mano, que treta hein...
— Conheço Isabela, tenho certeza de que está pensando em deixar
minha filha um tempo comigo e, quando bem entender, irá voltar e pegá-la
de volta. — Ela não disse nada sobre tempo, apenas que não tinha como
criar Nina na Europa, mas pelo o que convivemos, sabia um pouco como
funcionava sua cabeça.
— E você não vai deixar isso acontecer.
Não mesmo. Primeiro, não queria a minha filha sendo criada por
funcionários, muito menos na confusão que era a vida da mãe, sempre em
viagens, festas, rodeada por gente maluca. Inclusive, foi justamente por isso
que teve a brilhante ideia de me entregá-la. Só iria me precaver para que não
fosse mais um dos seus arroubos. Segundo, não aceitaria ficar longe dela.
— Quero tudo documentado: a guarda, meu nome na certidão...
— Comprovação da paternidade também. Já entendi que você não
tem dúvida quanto a isso, mas para te resguardar iremos fazer um exame de
DNA.
— Consegue resolver para mim? Podemos ir amanhã mesmo —
antes que finalizasse, ele interrompeu-me.
— Amanhã é domingo, jovem. Passe o dia conhecendo melhor a sua
filha, irei trabalhar para agilizar tudo e, na segunda-feira, tomo todas as
providências para você.
Tinha pressa, mas não havia outra opção, teria que esperar. Confiava
em Maurício, estudamos juntos na faculdade, além de um grande amigo, era
um excelente advogado, sabia que cuidaria do meu caso da melhor forma
possível.
Finalizei a ligação, servi-me uma dose de uísque, acendi um charuto
e fui para a varanda. Antes de desligar, Mauricio não perdeu a chance de
zombar da minha cara, ele também era amigo do Lui e sabia o quanto peguei
no pé dele por ter se amarrado em uma mulher e estar com filho a caminho,
agora eu seguia um trajeto bem semelhante.
Se não fossem as nossas atuais divergências, teria ligado para ele na
sequência.
Minha vida estava mudando rápido demais... Acertei-me com Maria
Clara, já não éramos um segredo e, de repente, tornei-me pai, mais do que
isso, em breve teria uma bebê morando comigo.
Acho que somente naquele momento permiti que caísse a ficha.
Tinha uma bebê para cuidar e educar. Ainda, ter Nina em minha casa
significava a necessidade de uma estrutura adequada de funcionários, além
de uma mudança em minha rotina na delegacia, não daria mais para emendar
plantões. E tinha a minha namorada... O que ela acharia de ter ganhado uma
enteada?

∞∞∞

Maria Clara
Acordei no domingo bem cedo, sentindo um incômodo interno que não
sabia explicar. Não dormi com Paulo, diferente do que havíamos planejado,
na noite anterior ele avisou ter tido um imprevisto no trabalho e só no meio
da madrugada contou ter chegado em casa.
Sem apetite, tomei uma vitamina antes de ir para a academia.
Enviei uma mensagem de bom dia, que ainda não havia sido
respondida. Depois de malhar, fui a uma lanchonete que vendia lanches
saudáveis na companhia de uma amiga que encontrei por acaso. Quando
cheguei novamente em casa, já havia enviado outras mensagens, todas
também sem respostas.
Estava tudo muito estranho, Paulo não era de sumiços e não
ficávamos muito tempo sem nos falarmos, ao contrário, ao longo do dia
sempre conversávamos, fosse por mensagens ou uma ligação, mesmo com a
correria que eram os nossos trabalhos.
Além de tudo, sua mãe marcou um almoço para nós, será que ele
havia se esquecido?
Estava sozinha em casa, meus pais foram para o Jockey e todos os
sinais de alerta acenderam quando Bruna, minha cunhada, mandou-me
mensagem perguntando se íamos demorar.
Chequei o relógio, já eram quase duas da tarde.
Telefonei pela terceira vez, as chamadas anteriores não haviam sido
atendidas e agora o celular estava desligado.
Algo sério poderia ter acontecido e resolvi ir até o seu apartamento
checar pessoalmente.
Enquanto dirigia, seguida por Couto — o segurança que estava me
acompanhando naquele fim de semana —, pensei em várias possibilidades:
Outro imprevisto na delegacia? Passou mal sozinho em casa? Dormiu
demais? Saiu com algum amigo e se esqueceu de que tínhamos
compromisso?
Liguei uma música baixinha e tentei manter a calma, de todas as
hipóteses que me vieram à cabeça, torcia para que tivesse apenas ocorrido
alguma urgência em seu trabalho. Paulo era dedicado demais à carreira e
ficava fora de si quando as coisas não saíam conforme planejou, então,
certamente era isso.
Cheguei a sua rua e estacionei o carro diante do prédio, antes de
verificar com o porteiro se ele estava em casa, tentei mais uma ligação e o
celular seguia desligado.
Não achava que ele estivesse ali, aumentou dentro de mim a certeza
de que estava na delegacia, mas também fiquei sem jeito de aparecer em seu
trabalho. Suspirei fundo e preparei-me para descer do carro, precisava tirar a
dúvida. Fiz um sinal para Couto e quando me virei para a portaria, uma cena
deixou-me estarrecida.
Tinha que ser algum tipo de brincadeira.
Respirei fundo e olhei novamente em direção a eles, preferindo achar
que estava ficando louca a realmente enxergar o que estava bem diante de
mim.
Nossos olhares encontraram-se e, de repente, o seu semblante
risonho e descontraído, tornou-se preocupado e ansioso. Será que não passou
em sua cabeça que a sua namorada poderia aparecer em sua casa ou só era
mesmo muito descarado?
Paulo caminhava na calçada do seu prédio com uma bebê no colo e,
ao seu lado, uma mulher deslumbrante: alta, loira, magra e muito bonita.
Quando a olhei melhor, percebi que se tratava de uma modelo conhecida e
que, pelo o que lembrei, já teve um rolo com ele. A menininha em seu colo
também era loirinha e tinha os bracinhos ao redor do seu pescoço.
Meu corpo estremeceu por completo, qualquer um que os visse
juntos não teria que dúvidas de que se tratava de uma família completa.
Agora, a poucos metros de mim, a mulher também me olhava,
certamente não me conhecia e devia estar achando estranho o quanto eu os
encarava. Senti a boca secar, o peito doer, o corpo não voltava ao normal —
mantendo-se trêmulo.
— O que significa isso? — Minha voz saiu mais alta do que planejei.
Paulo apressou o passo, soltou uma mão que segurava a garotinha e
tocou em minha cintura, desviei da sua tentativa de me beijar e a sua
acompanhante observou tudo em silêncio, parada próxima a nós.
— Oi, amor. Tudo bem? — perguntou e precisei reunir todo o sangue
frio para não fazer uma cena.
Que loucura era aquela? Ele some durante toda a manhã, falta em um
compromisso que tinha comigo e sua família, encontro-o ao lado de outra
mulher e o cachorro finge que nada está acontecendo?
— Estou esperando uma resposta — respondi, entredentes.
— Vamos subir, temos que conversar.
— Acho melhor ir embora, vejo você amanhã? — A mulher interveio
e ele virou em sua direção.
A minha raiva era muito grande, igualmente, a decepção e sensação
de estar sendo feita de trouxa. Lui foi contra o nosso relacionamento e
julguei-o como um irmão ciumento e controlador, principalmente, por dizer
que o amigo era mulherengo e ali estava o que recebi em troca por confiar
em Paulo.
— Antes, permita-me apresentar vocês — pediu, parecendo um
cachorrinho adestrado de tão manso, a menina ainda em seu colo. — Isabela,
essa é Maria Clara, minha namorada. — Então apontou para a mulher, que
demonstrava impaciência. — Ela é uma amiga — explicou.
— Oi, Maria Clara, prazer em conhecê-la. — Certamente soei
infantil, mas não consegui responder nada além de um aceno de cabeça. —
Conversamos depois depois. — Ela disse a Paulo, indo pegar a criança que
dormia, mas ele negou.
— Ajudo vocês.
Ele chamou-me para entrar no prédio e fomos todos para a garagem,
assisti incrédula a cena em que ele, com uma mão, abriu a porta traseira do
carro, beijou o rosto da criança que dormia tranquila e acomodou-a em uma
cadeirinha infantil no banco de trás, depois conversou rapidamente com a
mulher, ela entrou no carro e o portão automático foi aberto.
Segurei as lágrimas, era tudo tão obsceno, doía como se tomasse um
tapa em minha cara.
— Imagino que tenha uma excelente explicação — disse quando ele
se aproximou.
Desviei de mais um beijo e ele soltou um suspiro.
— Vamos subir.
Capítulo 25
Paulo

No domingo acordei cedo, na verdade, naquela noite cochilei não mais que
uma hora, saí da cama quando o relógio marcou seis da manhã, enviei uma
mensagem para Isabela, querendo saber se Nina já havia acordado e corri
para o banho.
De roupa trocada e enquanto tomava um café em pé na cozinha, ela
respondeu com uma foto da minha menininha. A princesa ainda estava com
o pijaminha que a vi na noite anterior e brincava com algumas bonecas.
Que loucura!
Por mais que tivesse passado longas horas acordado tentando refletir
no que me havia ocorrido, era como a se minha mente não conseguisse
processar por completo o fato que agora era pai.
Não era muito de pensar em casamento e família, provavelmente
porque durante bastante tempo amei uma mulher e não podia ficar com ela,
há pouco tempo que nos acertamos e com ela quis tudo, mas ainda assim,
nunca consegui dimensionar a sensação e responsabilidade de ter um filho.
E agora eu tinha.
Nina ganhou todo o meu coração e amor no exato momento em que
soube da sua existência. E o meu maior desejo era que ela tivesse a certeza
de que tem um pai e que pudéssemos resgatar o tempo perdido e criarmos,
juntos, um laço que não poderia ser dissolvido.
Fui recebido por Isabela e minha filha, que havia trocado o pijama
por um vestidinho cor de rosa e de mangas compridas, uma mecha do
cabelinho presa com um laço combinando.
Emocionado, assim que passei pela porta, não tive outra reação senão
esticar os braços para pegá-la, a pequena, mesmo desconfiada, não hesitou
em vir para o meu colo. Meu coração bateu forte no peito. Ali era tudo real,
eu tinha mesmo uma filha. Era o nosso encontro, o nosso reconhecimento.
Trocamos um longo olhar, segurei com firmeza o seu corpinho,
toquei a pele macia do seu rosto, ela retribuiu tocando o meu com os
dedinhos, cheirei seu pescoço e o cabelinho, não tive dúvidas que aquela
menininha já me tinha em suas mãos.
Minha garganta estava seca e havia um bolo nela, que me atrapalhava
até a respirar.
— Esperamos você para tomar café — Isabela, que também estava
visivelmente emocionada, quebrou o momento e apontou para um corredor.
Demorei um tempo com nina, ainda em nosso universo, até que
seguimos pelo caminho indicado e chegamos à cozinha, onde havia uma
mesa farta montada para nós.
— Cadê a sua família? — indaguei, ainda de pé, sem tirar os olhos da
minha menina, que não parava de tentar me conhecer através das mãozinhas.
— Eles vão nos dar privacidade.
— O papai queria muito te ver, pequena! — Voltei minha atenção à
Nina e encostei minha testa na sua, que passou a balbuciar sílabas,
desmontando-me por inteiro.
— Papa papa...
— Isso, papai — incentivei e ela ria a cada tentativa de repetir o que
eu disse.
— Papa...
Apertei-a em meus braços e ganhei beijos babados na bochecha. Um
amargor subiu pela garganta, minha filha já tinha um ano, sentia uma
emoção tão grande por vê-la tentar pronunciar uma palavra, como teria sido
acompanhar cada conquista e descoberta sua?
— Você não tinha o direito de nos esconder um do outro — acusei
sua mãe, a raiva tomando conta de mim.
— Expliquei as minhas razões — ela defendeu-se e irritou-me
perceber que parecia não dar muita importância ao que fez, como se pudesse
fazer exatamente igual se tivesse outra oportunidade.
— Explicou em detalhes o seu egoísmo e só me contou sobre Nina
porque ela está atrapalhando a sua vida na Europa. Se não fosse isso,
passaríamos anos sem sabermos um do outro, até que ela crescesse e talvez
insistisse em saber quem seria o seu pai.
Perdi um pouco a cabeça e quando me dei conta, havia me exaltado
em muito.
— Não vamos discutir na frente dela.
— O que você quer é mitigar a própria culpa. Já acionei o meu
advogado, quero a guarda da Nina — dei o aviso, esforçando-me para
abaixar o tom da minha voz.
— Eu tenho a guarda dela, vocês precisam se conhecer melhor, testar
a convivência... Mais para frente discutimos isso.
Agora Isabela estava totalmente insegura e tive o feeling correto
sobre as suas intenções. Ela queria férias de Nina, ia brincar conosco, deixar
a menina comigo e quando bem entendesse voltaria para assumir a sua
responsabilidade de mãe. Não permitiria que isso acontecesse. Iria assumir
Nina e tudo o que a envolvia, mas do jeito certo, não na informalidade, se
não o fiz antes foi por não saber da sua existência.
A minha vida, até me acertar com Maria Clara, era como um trilho
desgovernado, sem qualquer limite. Muito trabalho, muitas mulheres, festas
privadas, libertinagem, era isso que provavelmente fazia Isabela pensar que
seria um alívio para mim que ela retornasse para buscar a minha filha. Não
podia estar mais enganada.
— Não fui claro, não é? Vou ter a guarda da minha filha, guarda
unilateral, a partir de hoje sou o responsável por ela. Acho que era isso que
quis quando me procurou e disse que precisava entregá-la a mim.
— Não foi bem assim.
— Foi, sabe que foi. Se tem algum compromisso na Europa,
remarque até que esteja tudo formalizado. Amanhã teremos uma reunião
com o meu advogado e ele vai te explicar o que precisamos fazer.
— Não estou abrindo mão da minha filha.
— Claro que não, está abrindo mão da guarda. Escute bem, Isabela, a
Nina não é um experimento social que demanda teste de convivência. Filho
não vem com essa possibilidade, é nossa obrigação como pais adaptar-nos à
nova realidade para dar segurança, cuidado e amor. É isso que a minha filha
vai ter. Mais tarde vamos levá-la a casa dos meus pais, você vem junto, pois
ela ainda deve ficar assustada se estiver sozinha comigo.
— Pedi sua ajuda com a criação dela. — Agora foi ela quem se
exaltou e tinha razão quando pediu para não discutirmos na frente da Nina, a
menina olhava-nos assustada. — E pode parar de me dar ordens.
— Em relação à reunião com o meu advogado, é apenas uma
sugestão. — Não evitei a ironia.
Isabela respirou fundo, fechou os olhos e depois de um instante me
encarou.
— Porque não usa esse fim de semana para conhecer melhor a Nina e
criar intimidade? E converse com a sua família com calma, conte sobre ela e
depois a leve para conhecerem. Eu concordo em ir junto, mas não apareça de
surpresa com uma filha de um ano.
Ponderei o que ela disse e fui obrigado a reconhecer que estava certa.
Conversamos mais um pouco, brinquei com a criança mais linda que
já conheci, coloquei-a para tirar uma soneca, seguindo as instruções da mãe.
Enquanto a pequena dormia, os pais de Isabela chamaram-me para mais uma
conversa, outra tentativa de me convencer a deixar Nina com eles, até que
ela acordou e ganhou novamente toda a minha atenção.
Já não me sentia confortável em continuar ali, o ambiente com os
avós estava pesado, não por minha culpa, obviamente, e também gostaria de
mostrá-la minha casa, já que em breve seria onde iria morar. Portanto,
convidei mãe e filha para irem até lá, Isabela topou, mas preferiu ir usando o
carro do pai.
No caminho, compramos lanches em uma rede de fast food e
levamos para comer em casa, somente quando já estávamos no elevador,
lembrei-me que havia combinado de almoçar com Maria Clara e minha
família. As últimas horas foram de muita emoção e mudaram a minha vida
para sempre, dei-me um desconto por ter me desligado de tudo e de todos.
Decidi que quando elas fossem embora, iria atrás da minha namorada,
contaria tudo o que estava acontecendo e depois falaria com os meus pais e
irmã.
No entanto, tudo desmoronou antes.
Peguei meu telefone para enviar ao menos uma mensagem a Maria
Clara, mas o mesmo havia descarregado, envolvi-me com Nina e deixei-o
carregando.
Isabela disse que ia embora, a nossa filha dava sinais de cansaço e
sono depois de ter conhecido e explorado cada canto do meu apartamento.
Antes de irmos para a garagem, acompanhei-as até uma farmácia que ficava
em minha rua para que ela comprasse um analgésico para dor de cabeça.
No meio do caminho, Nina dormiu em meu colo, retornamos
conversando, passar algumas horas ao lado da pequena deixou-me mais leve
e, foi naquele momento, que Maria Clara nos viu.
Seu olhar magoado foi um balde de água fria em meio à alegria que
havia me tomado. Conhecia a minha namorada e imaginava a lista de coisas
ruins que passava em sua cabeça, podia apostar que mentalmente chamava-
me de cachorro.
Tentei apresentá-la a Isabela, sem mencionar que a criança em meu
colo era a minha filha e ela praticamente a ignorou. Teria muito trabalho pela
frente.
— Imagino que tenha uma excelente explicação.
Brava, exigiu, depois que Isabela e Nina foram embora e de negar
um beijo meu, nós dois parados diante do elevador na garagem.
— Tenho, vamos subir — convidei.
Entramos no elevador e permanecemos em silêncio, buscava
mentalmente as melhores palavras, aquela mulher era o amor da minha vida,
queria compartilhar logo o grande acontecimento que me ocorreu.
— Aceita uma água, linda? — ofereci, quando entramos no
apartamento.
De soslaio, vi Maria Clara revirar os olhos e seguir para a sala, logo
se acomodando no sofá.
— Estou esperando, Paulo.
Sem meias palavras, então.
Sentei na poltrona de frente para ela e, antes de iniciar, trocamos um
longo olhar. Amava-a demais, Maria Clara precisava confiar em mim e em
minha fidelidade.
— Vou te contar tudo. — Soltei um suspiro e ergui o rosto. — E serei
direto, tenho uma filha.
— Você o quê? — Seus olhos arregalaram-se e as mãos que estavam
sobre as pernas foram recolhidas, agora estavam entrelaçadas em seu colo.
— Acabo de descobrir que tenho uma filha — contei sem desviar o
olhar do dela e a vi perder o norte. Abriu e fechou a boca algumas vezes,
mordeu o lábio e quando, finalmente, tentou pronunciar algo, soltei a outra
bomba. A mãe vai deixá-la comigo.
Tentei não esquecer nenhum detalhe, inclusive, que era Nina quem
estava lá embaixo em meu colo, ela me ouviu atenta e, quando finalizei, foi
realmente tomada por completa surpresa e espanto. Lentamente, balançou a
cabeça em concordância, seu olhar vagou longe, apertou as têmporas, coçou
o queixo, tive a sensação de que nem me enxergava mais, de tão perdida em
pensamentos estava.
— Como vai ser isso? — quis saber, um longo instante depois.
— Como te disse, a mãe dela, a Isabela, é modelo e mora na Europa.
Ela alega que está muito desconfortável para Nina continuar lá, pois vive
viajando e em eventos, a menina só fica com as babás. Irá me entregá-la,
Nina vai ficar comigo. Nessa madrugada, conversei com um amigo que é
advogado, o Mauricio, vamos entrar com alguma ação para formalizar a
guarda, reconhecer a paternidade, deixar tudo dentro da lei.
— Entendo. — Sua voz vacilou e senti uma pontada interna. Algo
não ia bem, a cada segundo ficava mais claro.
— Estava louco para te contar, em poucas horas minha vida mudou,
ficou de cabeça para baixo, mas, ao mesmo tempo, estou sentindo uma
emoção tão grande, sabe?
Ela apenas acenou, séria, os ombros levemente caídos.
— Não posso, Paulo — disse e ficou de pé, pegando a bolsa que
estava ao seu lado no sofá. — Preciso ir embora.
Levantei no ímpeto e fui para perto dela, tocando em seu braço, era
capaz de implorar para que não saísse da minha casa e da minha vida.
— Fica, por favor. Vamos conversar... — Peguei suas mãos e ela não
recusou, mas não conseguia me olhar nos olhos. — Sei que é uma mudança
enorme, mas também fui pego de surpresa e tenho certeza de que juntos
vamos fazer funcionar.
— Não dá. — Negou também com a cabeça. — Me conheço e você
também, não vou conseguir lidar com uma criança de um ano morando com
a gente, pois basicamente vivo aqui. Iniciamos agora um relacionamento,
depois de anos batendo cabeça... Se eu ficar, só vou atrapalhar.
Ela, então, elevou o rosto e os nossos olhos encontraram-se. Estavam
cheios de lágrimas, as bochechas coradas e os lábios trêmulos. Sim, eu a
conhecia. E sabia que, Maria Clara tinha várias qualidades, mas ainda era
imatura em muitas áreas, lidar com uma criança, filha apenas do seu
namorado, podia mesmo ser algo muito grande.
Eu contava que o seu amor por mim fosse suficiente para querer
encarar tal desafio.
— Acho que você precisa de um tempo, linda — sugeri.
Era isso, ficar um pouco sozinha, pensar em todas as possibilidades,
respirar. Era o contrário do que eu desejava, pois a queria ao meu lado,
vivendo cada segundo comigo. Mas respeitaria o sem tempo.
— Eu preciso me afastar — avisou, soltando minha mão da sua.
— Não faz assim, Clara. — Trocamos mais um longo olhar, o
desespero chegou com tudo em mim, ela negou e soltou um suspiro.
— Tenho que ir.
E ela foi embora.
Sempre havia algo entre nós dois, mas daquela vez não havia o que
resolver. Nina era a minha filha e, por mais que estivesse assustado com
todas as mudanças necessárias, não pensava em nenhum outro cenário que
não fosse assumi-la.
Desejava que Maria Clara pudesse repensar e perceber que, o nosso
relacionamento a dois de fato seria um tanto diferente do que planejamos,
mas não impossível vivê-lo.
Capítulo 26
Maria Clara

Cheguei ao carro chorando, os olhos não estavam apenas marejados, mas


inundados por lágrimas que escorriam sem qualquer controle. Meu corpo
todo tremia, o coração apertado no peito.
Dias atrás, Paulo insistia para que eu fosse morar com ele e, agora,
tinha uma criança nessa equação.
Demoramos anos para nos acertarmos, passamos por tantos
obstáculos, e, justamente quando tudo estava dando certo, como se fosse um
sonho, veio a bomba que eu não estava pronta para enfrentar. Estava certa
em relação ao pressentimento que, às vezes, rondava-me, de que em algum
momento algo aconteceria para nos desestabilizar e, até mesmo, atrapalhar.
Esse momento chegou.
A criança não tinha culpa de nada, obviamente. No entanto, eu
também não tinha condições de assumir tal responsabilidade.
Convenhamos, eu ficava mais na casa do Paulo do que na minha, e
tinha certeza de que muito em breve iria mudar-me para lá em definitivo, se
a sua filha também ia morar com ele, teria que dividir a responsabilidade
sobre ela. É o que se espera de um casal.
Chorei de frustração, raiva, decepção... Tantos sentimentos
misturados. Talvez Paulo e eu não tínhamos que ficar juntos e, por isso a
cada vez que insistíamos, acontecia algo para nos afastar.
Se eu me conhecia, também sabia bem como ele era. Um homem
responsável e que não foge de suas responsabilidades, além de ser
extremamente protetor. Não seria menos do que um excelente pai. Eu é que
não estava preparada para abrir mão de qualquer coisa que fosse para cuidar
de uma criança como ela merece.
Chorei até chegar em casa, fui direto para o meu quarto e enfiei-me
embaixo do chuveiro.
Passei o resto do domingo lamentando o nosso destino e esforçando-
me para fingir que estava tudo bem quando encontrei os meus pais.
Não queria encarar a realidade de ficar longe dele e estar sozinha só
reforçava o quão ruim era. No entanto, também não estava confortável para
sair de casa e recusei a sugestão das minhas amigas de nos encontrarmos.
Acordei na segunda-feira com uma enxaqueca insuportável, arrumei-
me para ir ao trabalho e forcei-me a tomar, ao menos, uma xícara de café
antes de sair.
— Não vai me contar o que aconteceu? Seu pai e eu temos algumas
hipóteses. — Mamãe beijou o topo da minha cabeça ao chegar à mesa,
sentou-se ao meu lado e serviu-se de café e uma torrada com creme de
queijo.
Era inocência minha achar que conseguiria esconder deles o meu
estado.
— Oi mamãe... Vou contar, mas pode ser mais tarde?
— Paulo fez algo? — perguntou, preocupada.
— Não foi nada ruim comigo. — Soltei um suspiro e decidi contar de
uma vez, para que não pensasse coisas negativas sobre ele. — Paulo
descobriu que tem uma filha.
Calmamente, ela levou a xícara de café à boca e tomou um longo
gole da bebida. Nossos olhares cruzaram-se e mamãe não pareceu achar
nada de mais, ao menos, sua feição era de tranquilidade.
— Uau!
— E a mãe vai deixar a garotinha com ele — emendei com a parte
que achei mais complicada de toda a situação e, então, consegui surpreendê-
la.
— Vai morar com ele?
— Sim.
Desisti de tentar comer qualquer coisa quando um pedaço do
pãozinho que mordi ficou preso em minha garganta, fazendo-me tossir.
Mamãe aguardou que eu me recuperasse, sem deixar de me observar.
— E você?
— Tudo aconteceu tão de repente... — Confesso que fiquei tímida
em contar que desisti do nosso relacionamento, ao colocar em palavras
pareceu-me que, o que eu sentia por ele, era um tanto frágil.
Estava sendo egoísta? Provavelmente, sim. Mas queria Paulo só para
mim, curtir o que nunca tivemos chance, sem me preocupar com qualquer
outra prioridade que não fosse nós dois.
— Terminou com ele?
— Disse que não daria conta e fui embora da sua casa.
Mamãe coçou o queixo e analisou-me longamente, estremeci. Não
era um bom sinal, pelo o que conhecia dela, provavelmente calculava como
me dizer que estava errada.
— Relacionamentos sempre possuem bagagens, umas são pequenas e
leves, outras podem ser maiores, mas sempre existem. Seu pai e eu até
comentamos o quanto o achamos apaixonado por você.
— Ele tem sido incrível comigo, mamãe.
— Pois bem, uma filha parece ser a bagagem dele, não pense que
você também não tem a sua.
— Com as devidas proporções.
— Filho é algo grande, demanda muitas responsabilidades e
renúncias. Nem imagino como seria ter tido um filho sem a companhia do
seu pai, segurando as pontas comigo. Se não se sente preparada e disposta a
estar ao lado do Paulo, o melhor a fazer é mesmo sair desse relacionamento.
Doeu muito ouvir a realidade.
— Vou pensar bem no que fazer.
— Sei que sim. Bom, preciso ir para o escritório. Se precisar de mim,
podemos almoçar juntas.
Ela levantou da mesa e pediu a Soninha avisasse a Themer que, em
breve, estaria pronta.
— Obrigada mamãe, também estou de saída para a empresa.
— Certo. Mande um beijo para a Olívia.
O dia seria longo, já podia sentir. Tinha muitas questões para
ponderar e o meu coração estava doído, qualquer decisão seria muito difícil
de ser tomada.

∞∞∞

Paulo

— Paulinho, ainda não estou acreditando que você tem uma filha. Cadê a
bonequinha? — Felipa abraçou-me assim que abri a porta, convidei-a, assim
como Cadu e minha irmã para irem até o meu apartamento e apresentar Nina
a minha prima e ao seu namorado, Bruna conheceu-a no dia anterior, quando
levei minha filha a casa dos meus pais.
— Já irão conhecê-la, entrem.
Nos últimos dias, vivi como em uma montanha-russa, descobri ser
pai de uma menininha; precisava mudar toda uma rotina para recebê-la;
tinha que lidar com a sua mãe que jurou que faria tudo do seu jeito e iria me
manipular e ainda havia Maria Clara, que desde domingo, quando foi
embora da minha casa depois de me ver na rua com Nina e Isabela, não
conversava abertamente comigo, após eu contar sobre a minha filha. E já era
quinta-feira.
Tirei o dia de folga do trabalho para resolver assuntos jurídicos e
burocráticos, quando vi que chegaria cedo em casa, resolvi fazer as
apresentações. E ainda tentaria um encontro com a minha namorada.
— Cara, que loucura! Como está sendo ter uma filha? — Cadu
perguntou, encostado no balcão, Felipa e Bruna estavam envolvidas com
alguns presentes que comprei para Nina, como roupas e brinquedos e
estavam sobre a cama do quarto que desocupava para ela.
— Nina vai morar aqui e acho que a ficha ainda não caiu. Não vou
ter a mãe dela para dividir as responsabilidades, muitas coisas para resolver,
uma estrutura inteira para montar, além do fato de que, porra, agora tenho
uma filha.
— Imagino, se nós estamos assustados...
— Pois é.
As meninas voltaram para a área da cozinha e salas, conversamos
mais um pouco até que Isabela chegou com a Nina e a pequena ganhou todas
as atenções.
A garotinha bem que gostou de ser paparicada e a mãe foi embora,
para testarmos a sua reação ficando sozinha comigo, a ideia era que
dormisse lá em casa.
Enquanto a assistia se divertir no tapetinho de atividades que comprei
durante o dia e estava sobre o tapete da sala, junto com alguns brinquedos,
decidi que era hora da Maria Clara conhecer Nina.
Deixei a pequena com a minha família e fui até meu quarto ligar para
ela. Não atendeu de primeira e, depois de muito ponderar, aceitou ir até
minha casa. Felipa, Cadu e Bruna foram embora antes que ela chegasse, para
nos dar privacidade.
O toque da campainha alertou Nina, que pediu colo e deixou-me
agitado. Desde domingo, quando Maria Clara foi embora, não nos vimos
mais. Falávamo-nos por telefone, apenas conversas vagas, pois ela não
permitia aprofundar qualquer assunto. Dei um tempo para que colocasse os
pensamentos em ordem, mas era um homem adulto, agora com uma baita
responsabilidade nas mãos e queria ao meu lado uma mulher também
madura.
Respirei fundo e abri a porta. Lá estava ela, tão linda, tão minha e tão
distante. Deu um sorriso seco, quase invisível, não impediu que eu a
beijasse, mas não estendeu qualquer contato. Seus olhos ficaram cravados
em Nina, que do meu colo olhava-a com curiosidade. Aguardei o tempo
delas, mas não passou de um “oi, bebê” que foi respondido com um
sorrisinho pela a minha filha.
Peguei sua mão e levei-a para a sala, coloquei Nina de volta no
tapetinho e conversei com ela:
— Filha, essa é a Maria Clara, a namorada do papai.
A pequena tentou imitar o que eu disse, a mulher ao meu lado parecia
um tanto atordoada, por um instante fiquei sem reação, mas logo precisei
tomar as rédeas.
— Vamos ali na cozinha? — convidei.
— Ela fica bem aqui sozinha? — Gostei que tenha se preocupado
com Nina, embora continuasse estática ao meu lado.
— Sim.
Puxei-a pelas mãos e caminhamos até a bancada, acomodando-nos
nas banquetas, que nos davam ampla visão da sala.
— Estava com saudades — beijei o dorso da sua mão. Senti a sua
falta, da sua presença, dos seus beijos, de chegar em casa e contar como foi o
meu dia, de ficar junto dela por horas a fio. Maria Clara suspirou e não
respondeu, sem, contudo, desviar o olhar do meu. — Temos muito o que
conversar, não é?
Ela acenou com um balançar de cabeça e, então, olhou em direção a
Nina, que novamente brincava distraída.
— Ela é linda.
— É sim.
Trocamos um longo olhar, enxerguei sentimentos dentro dela, Maria
Clara variava entre estar emocionada e distante.
— Pensei muito, foram dias difíceis, praticamente não dormi... — As
palavras saíram como se sondasse o terreno, com calma e respeito. Segui
firme, embora um mau pressentimento já me dominasse.
— Eu também.
— Sabe que te admiro muito, é corajoso, não foge de nenhuma
responsabilidade. — Foi o suficiente, segurei-me para não a impedir de
continuar.
— Acho que não estou gostando do rumo que está tomando —
interrompi. A garganta estava seca e sentia um aperto no peito.
— É extremamente clichê o que vou dizer, mas é sobre mim, Paulo.
Não estou preparada, a sua nova missão é grande demais para eu lidar e não
quero atrapalhar vocês dois.
Não havia qualquer tom de vingança ou rebeldia em sua voz, Maria
Clara estava triste e desanimada, assim como eu também fiquei.
— Amor, você só precisa tentar — insisti.
— Não é assim que funciona. E também não é o que quero. — Soltou
um suspiro alto e colocou-se de pé. Não a segui. Ela andou pela sala de
jantar e foi até a imensa janela. Se precisava de espaço, teria. — Tudo o que
penso parece ser egoísta demais da minha parte. Ou, pior, pode te machucar.
— Quero ouvir.
Eu estava sério e ela também, de um jeito que não me lembrava de
tê-la visto.
— É uma criança indefesa, que acabou de conhecer o pai, e vai ficar
longe da mãe que a está te entregando, não merece uma madrasta que
preferia ter tempo livre com o namorado, que quer viver sonhos antigos de
dormir colada em você, não ter rotina, fazer amor a qualquer hora, viagens
sem planejamento... Sonhei em ter sua atenção e cuidado, tudo para mim.
Conseguimos isso por pouquíssimo tempo e sabemos que irá mudar. Nem
você e nem Nina merecem o meu descontentamento, que já existe.
Uau. Ela tinha razão quando disse que as suas palavras poderiam
machucar. Mas também eram verdadeiras, e, a verdade é que eu conseguia
me colocar em seu lugar e até compreendê-la, mesmo não querendo.
— Não sabemos como será na prática. Tenho dinheiro para uma boa
estrutura, vou contratar uma funcionária fixa, babá, os avós vão adorar
cuidar dela. — Imagino que tenha soado desesperado e não dei bola.
Fez um aceno com as mãos para que eu parasse e ficou diante de
mim.
— Não siga por esse caminho. Meus pais são ótimos, mas na minha
infância tive isso aí tudo que você listou, babás vinte e quatro horas por dia,
e não recomendo. O que eu desejava era ter mais da presença deles, você e
eu já conversamos a respeito, inclusive.
— Já não sei o que dizer. — Foi a minha vez de suspirar alto. —
Quero que fique, é a mulher que eu amo e quero você para sempre em minha
vida. Mas, ao mesmo tempo, não posso te prender à minha nova realidade.
— Quero que você seja feliz e que dê tudo certo com a sua filha.
Estarei torcendo por vocês.
Fechei os olhos por alguns segundos. Era mesmo o nosso fim?
— Tem certeza, Clara?
— Tenho. Estou indo embora, Paulo. Será melhor para nós dois.
Ela pegou sua bolsa, deu um beijo na cabecinha da minha filha e
virou-se para mim, antes de partir, abraçou-me forte. Não resisti em beijá-la.
Foi o nosso último beijo.
Capítulo 27
Paulo

Coloquei uma roupa quentinha em Nina, calça que a minha mãe disse ser
uma legging, sobretudo rosa clarinho, botas nos pés. Aprendi a prender o seu
cabelinho com laço e não me esqueci dos acessórios, como broche,
correntinha e pulseira. Quando acabei e beijei o rostinho da minha filha,
Dona Conceição observava-me da porta do quarto, tinha o olhar
emocionado.
Ela e Bruna estavam sendo um super apoio em minha nova vida.
Ajudavam-me com a rotina da Nina, mesmo tendo uma babá, eu não deixava
de estar presente nas principais atividades do seu dia; davam dicas de como
cuidar da pequena e, claro, a enchiam de carinho e mimos. Os avós maternos
também eram muito presentes e estavam sempre por perto, agora que
entenderam e aceitaram que eu não abriria mão da guarda e dos cuidados
diários com a minha filha, até eram agradáveis comigo e minha família.
Peguei-a no colo e fomos para a sala, onde meu pai nos aguardava.
— Cadê a princesinha do vovô? — Seu Raul estendeu os braços para
ela e assim que a coloquei no chão, correu para o avô. — Está muito linda!
— Vovô... — Tocou o seu rosto com as mãozinhas e distribuiu beijos
molhados.
Nina era o nosso bálsamo, em pouco tempo ganhou tudo de nós.
Uma criança carinhosa, doce e que amava ganhar carinho e colo. Era incrível
como se adaptou a nossa presença, eu custava acreditar que havíamos nos
conhecido há tão pouco tempo, pois, rapidamente, criamos intimidade e
rotina juntos.
— Vou terminar de me arrumar, não demoro — avisei aos meus pais
e fui para o meu quarto.
Há um mês, minha filha chegou em minha vida e mudou-a para
sempre. Isabela aceitou todos os meus termos, sabia que não teria como agir
contra mim. Desde que descobri sobre Nina, tive a convicção de que pediria
a sua guarda e cuidaria dela, a mãe mora em outro país e não deixaria que
nenhuma decisão importante fosse tomada pelos avós á minha revelia. No
dia seguinte, ela retornaria à Itália e não serei injusto, não demonstrava
felicidade em deixar a filha para trás. No entanto, ela também não cogitou
deixar a carreira em segundo plano. Cada um com as suas escolhas.
Ajustamos que Nina ficaria em meu apartamento desde os primeiros
dias em que chegou ao Brasil, para se acostumar comigo e com a nova
rotina. Ao mesmo tempo, Isabela preferiu diminuir a frequência das visitas,
para que o seu sumiço da vida dela não fosse tão abrupto. E, assim
estávamos fazendo, parecia funcionar.
Dei uma borrifada do perfume e coloquei o relógio, saí do quarto na
sequência, antes de ir para sala fui ao quarto da Nina buscar a mochilinha em
que carregávamos as suas coisas, como fralda, produtos de higiene,
documentos e troca de roupa.
Almoçamos em uma churrascaria no shopping. Nina não parava de
apontar para o playground e levei-a para brincar um pouco. Emocionava-me
vê-la tão alegre e saudável, às vezes, achava que não daria conta, nunca
havia sequer pegado uma criança no colo antes da minha filha chegar, mas
tínhamos uma vida inteira pela frente para aprendermos juntos.
Ela veio para os meus braços, quando a chamei, com as bochechas
coradas e o cabelinho um pouco despenteado. Arrumei os fios com a mão,
ofereci-lhe água e voltamos à mesa para, finalmente, almoçarmos.
— Paulo? — ouvi uma voz me chamar.
No exato momento eu beijava o pescocinho da Nina, que ria alto por
sentir cócegas, ela adorava quando brincávamos assim, inclusive
ignorei que estávamos em um restaurante de luxo e repleto de pessoas cheias
de não me toques que conversavam em sussurros. O que salvava era o
estabelecimento servir o melhor churrasco de São Paulo, valia pelo público
chato.
Levantei o olhar e dei um sorriso para a mulher que me
cumprimentava. Seu olhar ia de mim para a minha filha, segurei o riso para a
interrogação que havia no meio da sua testa.
— Luma! Como vai?
— Estou bem... E essa bonequinha? — Ela não se conteve.
— Minha filha, chama-se Nina. — Seus lábios formaram um ó
perfeito, os olhos arregalaram-se, fingi não perceber a sua surpresa e derreti-
me todo quando a pequena desfez o sorrisinho lindo que antes tinha no rosto.
— Diga oi, meu amor.
— Oi... — obedeceu, sem demonstrar qualquer simpatia.
Curioso que, além das mulheres da nossa família, só teve uma outra
com quem ela foi simpática. Uma pena que ela não tenha querido seguir com
a gente.
— Filha? Não faz tanto tempo que não nos vemos. — Voltei dos
pensamentos diante do questionamento que Luma fazia.
A última vez que nos vimos foi quando nos encontramos no
restaurante, que havia ido para bisbilhotar a vida da Maria Clara. Imaginei
que nem fosse mais querer conversa comigo, pois, naquela ocasião,
combinamos de ir para a minha casa e quando cheguei ao meu carro, desfiz a
programação sem lhe dar grandes satisfações.
— Longa história!
— Sei! — Encarava-me, sem esconder que estava confusa. Bom, não
havia nada para saber mesmo. — Posso te ligar depois?
— Pode, claro. Agora tenho que ir, essa mocinha aqui precisa
almoçar!
Ela se aproximou mais e tentou uma gracinha com a minha filha, que
não sorriu de volta. Nina era uma figura e cheia de personalidade.
— Ah, sim, vai lá. Tchau, Nina!
Na tarde daquele domingo, depois que chegamos do almoço, Isabela
foi à minha casa despedir-se da nossa filha. Não tinha previsão de quando
voltaria ao Brasil para vê-la e deixei claro que não permitiria que a menina
viajasse sozinha com a babá, até poderia combinar de levá-la em algum
momento até a Itália, mas, por ora, o contato seguiria por telefone.

∞∞∞
Dalva, a babá que contratei para me ajudar com a Nina, dormia em
minha casa e, a cada quinze dias, tirava o fim de semana de folga. A
princípio, não queria alguém em tempo integral, mas foi necessário em razão
dos plantões noturnos que ainda precisa cumprir. Consegui diminuir bastante
a frequência, mas não os tirar totalmente da rotina.
Preparava o café da manhã quando ela surgiu na cozinha, carregava a
minha filha no colo, que estava toda arrumadinha com um conjunto de
moletom, laço do cabelo combinando e pantufas nos pezinhos. Eram seis e
meia da manhã, tentava sempre tomar o café com ela, o almoço era
complicado, pois, normalmente, só conseguia em minhas folgas, e o jantar
costumava ser mais garantido e sempre seguido do ritual para fazê-la dormir,
que consistia em banho, colocar o pijama, ligar o abajur do seu quarto e
contar uma historinha. Em pouco tempo, conseguimos estabelecer uma
rotina muito gostosa.
Quem nos visse atualmente, certamente, não conseguiria imaginar o
caos dos primeiros dias. Não sabia nada sobre a garotinha, tampouco como
cuidar dela. Inseguro, até oferecer uma mamadeira parecia ser tarefa de
grande complexidade.
— Bom dia, doutor — a mulher aproximou-se da bancada e Nina
estendeu os bracinhos, peguei-a no colo e enchi seu rosto de beijos.
— Bom dia, Dalva. Acabei de passar o café. — Entreguei-lhe o bule
com a bebida fumegante. — E você, princesinha, dormiu bem?
Cheirei seu pescocinho e ela riu, uma das coisas que aprendi com a
paternidade é que cheiro de filho é tão bom, que deve ser equivalente a uma
amostra do paraíso.
— Papai — repetiu e beijei as suas mãozinhas, que faziam um
carinho em meu rosto.
— Eu sou o seu papai. E estou fazendo o seu mingau preferido...
— Mingau!
— Papai ama você, bonequinha! — Devolvi Nina para Dalva e
finalizei a refeição. — Agora vamos para a mesa tomar o nosso café.
Ajudei a pequena a comer, acompanhei as notícias em um aplicativo
e, quando finalizei, fui terminar de me arrumar. Não chegava mais na
delegacia tão cedo como antes, também evitava sair tarde da noite de lá, aos
poucos equilibrava as novas responsabilidades.
Antes de ir para o trabalho, Zita chegou ao apartamento, que agora
deixou de ser diarista para trabalhar em casa todos os dias, ficava
responsável pela limpeza e alimentação. Infelizmente, eu já não conseguia
cozinhar em todas as refeições, ainda mais que Nina seguia um cardápio
saudável.
Os dias eram corridos e sempre cheios de novidade, quando me
deitava na cama estava exausto, mas me fazia bem não ter muito tempo para
pensar na vida. Do contrário, seria insuportável a ausência da Maria Clara.
Doía para um cacete estar longe dela, no entanto, tinha em mãos duas
situações que fugiam do meu controle: a responsabilidade pela minha filha e
a escolha que minha ex-namorada fez de se afastar
Não havia outra opção para mim senão cuidar e dedicar-me a Nina,
igualmente, não podia obrigar Maria Clara a permanecer ao meu lado.
Assim, se os meus dias passavam ligeiro, as noites, em que não estava de
plantão, eram intermináveis.
Os últimos dois meses foram pesados, descobri sobre a minha filha,
tomei um pé na bunda da namorada, tive demandas judicias para
providenciar, a fim de oficializar a guarda da Nina, além de precisar ajustar
toda a minha vida para recebê-la.
Dias depois de Isabela ter me procurado na delegacia, já solteiro e
ainda sem saber bem como faria para cuidar de uma criança, fui extravasar
em uma tabacaria que gostava de frequentar.
Não conseguia colocar em palavras o que sentia, não queria
demonstrar fraqueza, não podia forçar a barra com Maria Clara, era apenas
eu e o caos que me encontrava.
Naquela noite, cheguei sozinho e, assim que me sentei em uma mesa,
percebi que em qualquer lugar que fosse, afogaria- me nas lembranças dela,
mesmo ali, na tabacaria que ela não gostava de frequentar e só ia para me
agradar.
Ela era parceira, mesmo com todas as suas inseguranças e
imaturidade. Apegava-me a isso quando a saudade se tornava quase
insuportável. Não achava que estava sendo fácil para Maria Clara.
Enfim, voltando à tabacaria. Havia pedido uma dose de uísque
quando um grupo de mulheres, três ou quatro, aproximou-se da mesa. Estava
frustrado e com o pensamento longe, somente voltei à realidade quando
Natascha, uma mulher com quem às vezes eu saía, chamou-me:
— Acho que tem alguém precisando de uma boa companhia!
Levantei o olhar e elas sorriram-me, sedutoras. Uau. Eram lindas e
muito atraentes, em qualquer outra situação, se ainda tivesse solteiro,
deixaria a minha mente criativa planejar uma boa diversão com todas elas.
Mas, definitivamente, não estava no clima.
— Serão bem-vindas! — Dei um sorriso falso e sedutor, que
funcionou, pois recebi de voltar sorrisos igualmente fingidos, mas cheios de
luxúria.
— Essas são: Luisa, Paula e Flávia! E ele é Paulo, um amigo! —
Natascha fez as apresentações e ganhei vários beijos no rosto, uma coleção
de perfumes adocicados e marcantes deixou-me levemente enojado.
Até há pouquíssimo tempo, sentiria-me muito atraído por todas elas
e de preferência as levaria todas juntas para a cama, não abria mão de uma
boa sacanagem no sexo, mas agora não passava de mulheres lindas e com
pouco potencial de uma conversa interessante.
— Prazer em conhecê-las, senhoritas! Sentem-se. — Apontei para a
mesa redonda de madeira talhada vazia, escolhi-a como se soubesse que
muito em breve teria companhia, e logo elas ocuparam as poltronas de
couro marrom. — Aceitam um uísque ou outra bebida?
— Um champanhe seria ótimo, não é meninas? — Natascha
respondeu e, então, indagou-me, baixinho. — Está tudo bem?
— Não sei se serei uma boa companhia — respondi, sem dar
qualquer detalhe.
— Apenas relaxe, vamos tentar animar a sua noite.
Um sorriso cheio de segundas intenções surgiu em seus lábios e, ou
eu estava muito enferrujado quanto a uma noitada com mulheres ou de fato
sofria por amor, pois não me animei, muito pelo o contrário.
Fiz a cortesia de servir o champanhe a cada uma delas e duas doses
depois de uísque já arranjava mentalmente uma boa desculpa para ir
embora, desisti de algo mais elaborado quando fui surpreendido por João,
meu ex-cunhado, que não deixou de encarar cada uma delas que estavam à
mesa comigo, bem como quando me ameaçou caso fizesse mal a sua irmã, o
idiota nem sabia que ela havia colocado um ponto final em nosso namoro.
Bobo e cheio de esperanças, dei um jeito de vazar dali, se ela não
contou ao irmão que era seu grande amigo, era porque ainda devíamos ter
chances de reatar. Da tabacaria, fui para a sua casa, uma Maria Clara de
pijama, robe e cara limpa recebeu-me.
— Eu precisava te ver... — disse em seu ouvido, suspirei, segurei
firme em sua cintura, seu cheiro inebriou-me e tomou conta de mim. —
Ainda temos muito o que conversar.
— Como você está? — ela desconversou e com cuidado soltou-se de
mim.
Cruzei os braços, encarei-a e, sem graça, ela tentava não olhar
diretamente para mim.
— Péssimo. — Fui direto e ela fechou os olhos
— Temos que seguir em frente, Paulo — disse, depois de soltar um
suspiro audível e então me encarar.
— Estou seguindo.
— Aparecer na minha casa tarde da noite e depois de ter bebido e
estado com alguma mulher não é seguir em frente. — Desafiou-me e pegou-
me de surpresa. Meu olhar acuado resultou em um sorriso irônico. — Está
cheirando a perfume feminino e uísque.
Senti-me envergonhado, já não sabia o que falar a não ser que
morria de saudades dela e de tê-la em minha vida, então, optei pela verdade
nua e crua.
— Tá foda pra caralho, Clara. Preciso de você, eu te amo demais. —
Antes que ela dissesse algo, toquei em sua cintura e puxei-a para junto de
mim. Foi por muito pouco que não a beijei ou porque ela afastou um pouco
o rosto.
— Paulo, olha pra mim: eu também te amo, isso não mudou um
pingo. Mas tudo o que te disse lá na sua casa também não mudou. Não dá
para continuarmos.
Foi categórica e fui tomado por um certo desespero.
— Não, Clara.
Trocamos um longo olhar e ela negou com a cabeça. Ali, eu vi que o
nosso fim era definitivo.
— É melhor você ir embora, meus pais podem aparecer aqui a
qualquer momento e, acredite, você está bêbado.
E não, eu não estava bêbado.
Daquele dia em diante, entendi que a minha vida agora tinha um
novo foco, que era Nina e que seguir em frente era o melhor que poderia
fazer por nós dois.
Capítulo 28
Maria Clara

Distraída, caminhava pelos corredores do shopping, procurando presentes


para os dois aniversários que teria no final de semana. Ou, melhor, a ilusão
era minha de que, enfim, iria sair de casa para encontrar os amigos e dar um
fim na tristeza que me consumia.
Os dias passavam arrastados, mesmo com a quantidade de trabalho
que só aumentava na Olivia Torres, inclusive, na última semana ganhamos
um reforço de peso. Du, que foi assistente da minha cunhada quando ela
trabalhou na Soraya Lins, agora fazia parte do nosso setor de criação.
Muito serviço significava crescimento da empresa e ocupação quase
que total do meu tempo, não podia de jeito nenhum reclamar.
Qualquer folga na agenda fazia-me pensar naquilo que há quase dois
meses deixou meu coração em pedaços. Ou, tão ruim quanto, fez-me parar
diante de uma loja de roupa de bebês.
Estava na cara que ir sozinha fazer compras era uma péssima ideia,
deveria ter convocado Mila ou Flora, ou as duas juntas, para me
acompanharem.
Imóvel, deixei os meus olhos correrem para roupinhas lindas e fofas
expostas na vitrine. Igualmente, não consegui frear os meus pensamentos e
não fiz qualquer esforço para conter o impulso de entrar na loja e pedir para
ver roupas femininas para uma bebê de um ano e poucos meses. Eu era
ridícula e expert em auto sabotagem.
Vestidos delicados, com laços e sapatinhos estilo boneca, que
também pedi para ser visto, foram trazidos aos montes pela vendedora,
engoli em seco quando me perguntou se a menininha era minha filha e saí de
lá carregada de sacolas, comprei de tudo um pouco que achei combinar com
a bebê mais linda que já conheci. Não que pretendesse entregar os presentes.
Um aperto no peito tomou-me, tão forte que senti doer, já não tinha
condições de continuar passeando pelo shopping como se nada tivesse
acontecido, como se o mundo não tivesse desabado sobre a minha cabeça.
Virei-me em direção ao estacionamento, Júlio aproximou-se e pegou
as sacolas das minhas mãos.
— Deixa que eu levo.
— Obrigada — agradeci e peguei o celular na bolsa, ainda era cedo.
Suspirei, pretendia chegar em casa já na hora de dormir.
— Ela vai amar. — O segurança sorriu discreto e meu peito doeu
ainda mais.
— Não vou entregar.
— Vai sim, em algum momento, irá fazer. Se ainda irá servir, é outra
história.
— Agora tem uma bola de cristal? — perguntei, com a sobrancelha
erguida.
— Já conheço você o bastante, tem um coração enorme, assim que
passar esse luto, vai ver que é só uma situação que fugiu do seu controle,
mas não o fim do mundo.
— Vamos para casa, senhor vidente.
— Vamos, mas vai no carro comigo, para não precisar pensar em
nada. Mais tarde venho buscar o seu.
Não contestei, tampouco recusei a proposta, caminhamos em silêncio
e assim seguimos até chegar em casa. Passei pelo hall e encontrei meus pais
e Lui conversando na sala, cada um segurando uma taça de vinho.
— Que bom que chegou, filha — mamãe foi a primeira a me notar, a
conversa parecia animada e estavam os três entretidos.
Ganhei a atenção de todos, inclusive do meu irmão, que agora tinha
os olhos atentos em mim.
Desde que descobriu sobre o meu namoro com Paulo, a nossa relação
não foi mais a mesma. Durante este tempo, tivemos poucos encontros, todos
rápidos e em que trocamos poucas palavras.
De início, dei um tempo a ele; depois o próprio Paulo tratou de
chamá-lo para uma conversa amistosa. Nós dois, no entanto, continuávamos
distantes. E nem posso culpá-lo. Desde que terminei o meu namoro, Lui
tentou várias vezes se aproximar, mas tenho preferido a solidão.
— Estava trabalhando até agora? — papai perguntou e neguei.
— Fui ao shopping.
Continuaram me olhando, eu não fazia por mal em me manter
reclusa, só não tinha energia para grandes interações. Um pedaço enorme de
mim ficou preso no apartamento do Paulo desde quando fui lá colocar um
ponto final no melhor momento da minha vida.
— Podemos conversar? — Lui arriscou, não que o seu tom fosse de
quem questionasse, era como se já tivesse a resposta e que seria obviamente
um sim, mas fingiu me dar a possibilidade de negar.
— Antes, preciso de um banho.
— Estarei aqui.
Dei um sorriso seco e corri para o meu quarto.
Guardei as sacolas no closet, já no banho deixei as lágrimas rolarem,
era dentro do meu box que o meu coração ferido mais se expunha. Podia até
estar mais séria e reclusa, mas me esforçava para deixar os meus sentimentos
bem guardadinhos dentro de mim. No entanto, era ligar o chuveiro e eles
ganhavam vida própria, escapulindo para fora.
Chorei a dor da saudade, dos planos frustrados, da incerteza.
Afastar-me do Paulo foi a coisa mais difícil que já fiz na vida, sentia-
me vazia por dentro, como se a minha alma tivesse sido sugada no momento
em que decidi seguir sem ele.
Fraca e entristecida, saí do banho, não fiz questão de me arrumar ou
secar o cabelo, desci para a sala usando um conjunto de moletom e com os
fios úmidos. Assim que apareci na escada, vi meus pais saindo de fininho,
soltei um suspiro.
Lui ofereceu-me uma taça de vinho, neguei e ele contou que ficaria
para o jantar. Estávamos sem graça com o outro, mas também pudera, nunca
ficamos tão afastados como agora.
— Como você está? — perguntou, depois de um silêncio incômodo.
— Bem.
Fui monossilábica na resposta e, vendo que eu não renderia um
assunto, pigarreou e começou a falar.
— Cometi um grande erro com você — levantei o olhar e encarei-o.
Preferia estar deitada em meu quarto —, por achar que ainda é uma criança e
deixar o meu orgulho sobrepor a sua felicidade. Já é adulta, inteligente, sabe
se cuidar... — Ainda o olhava e Lui não desviou, balançou a cabeça
lentamente, como se organizasse as palavras. — E confesso que morri de
ciúmes por estar namorando um amigo meu. — Erguia sobrancelha e ele riu
tímido. — Coisa de homem, Clara.
— Estava, é passado. Não tem com o que se preocupar.
— Cheguei atrasado, eu sei. — Soltou um suspiro e eu já me irritava.
Era melhor mesmo ter ficado no quarto, perdi a chance de inventar uma
dolorosa e insuportável enxaqueca. — Quero conversar com você sobre isso.
— Vai dizer para eu voltar para o seu amigo? — perguntei, com um
tom debochado que não tinha costume de usar, mas me permiti por estar
irritada.
— Mais do que isso... É minha irmã, eu te amo, quero te ver bem e
feliz. E não acho que esteja bem ou feliz longe dele.
Trocamos mais um longo olhar e confesso que as suas palavras me
causaram um grande desconforto. Meu irmão era, acima de tudo, muito
sincero. Não estava ali para me agradar ou encenar algum papel, ele de fato
sentia exatamente o que estava me dizendo.
— Se ainda fossem amigos, saberia que a vida dele mudou bastante.
— Já conversamos. — Não deu bola para o tom ainda debochado que
eu usava e fiquei com vergonha. — Eu o procurei. Ninguém quer ver o
amigo namorando a irmã, mas entendi que, por você, ele mudou em muitos
aspectos. E também sei sobre a filha. Confesso que fiquei bastante chocado,
mas Paulo tem feito o melhor para dar uma vida digna e equilibrada à
garotinha.
Engoli em seco, mas também não fiquei surpresa, tinha certeza de
que meu ex-namorado faria o seu melhor pela Nina.
— Imagino que sim.
— Entendo os seus motivos para ter terminado o namoro. É ainda
muito jovem, vocês dois estavam no início do relacionamento e cheios de
planos, não ignoro que um filho muda muita coisa... Mas será que tem valido
a pena ficar longe do cara que ama só porque o que planejaram mudou? —
Um tapa na cara teria sido menos doloroso, mesmo que viesse da mão
enorme do meu irmão.
Não sabia nem o que responder. Em termos, ele estava certo, mas eu
também não estava errada. Desconcertada, busquei as melhores palavras.
— Não é apenas por isso. — E falhei.
— Ele não te traiu, não te enganou, não foi desleal. — Meus olhos
marejaram e Lui, num lapso de sensibilidade, segurou as minhas mãos, não
deixando, contudo, de ser duro no que me dizia. — Consegue compreender
que ele descobriu uma filha com mais de um ano de idade? Porra, ele perdeu
um ano da vida da menina, não esteve presente em grandes acontecimentos
da vida dela. Ele tornou-se pai da noite para o dia, sem uma gestação para se
preparar, pensar em situações e em como reagiria; não tem a mãe da menina
para dividir as responsabilidades; não tem você para desabafar. — As
lágrimas, silenciosas, escorriam por meu rosto, minhas mãos estavam
trêmulas, não ignorava o que meu irmão me dizia, era algo que já havia
pensado. — Eu te entendo, juro que sim. Mas a minha mulher está grávida e,
praticamente, todos os dias fica insegura com a maternidade, posso apostar
que você não faz ideia disso, mesmo convivendo diariamente com ela. E
sabe por quê? É comigo que ela se abre. E eu igualmente. O que todo mundo
sabe é que estou muito feliz com a chegada das minhas filhas, que já amo
essas duas pessoinhas, mas somente a minha mulher conhece algumas das
minhas inseguranças. Relacionar-se é deixar um pouco de lado as nossas
fraquezas para ser forte pelo outro. Isso é amor, é companheirismo, parceria.
Se ama mesmo o Paulo, acho que deveria repensar o seu papel. Pois, o que
fez, foi deixá-lo quando mais precisou da sua presença.
Agora eu soluçava e o corpo inteiro tremia. Nunca quis abandonar
Paulo, ou pensei que o fazia. Apenas me priorizei... Os meus sentimentos, os
meus planos, o meu sossego. E sofria de uma forma imensurável. Não havia
qualquer alívio em mim.
Lui estava certo. Deixei o meu namorado, o homem que dizia amar
com todas as minhas forças e que sonhava casar e construir uma família,
quando ele mais precisou de mim. Paulo não me traiu e nem foi desleal.
Cada palavra do meu irmão queimava como brasa em meu coração ferido.
— Vem cá, tudo bem você querer chorar. — Ele me abraçou forte e
molhei a sua camisa, não conseguia controlar o choro, igualmente a dor que
sentia.
— Não sei o que fazer — sussurrei e ele beijou o topo da minha
cabeça.
— Sabe sim, você sabe exatamente o que fazer.
Capítulo 29
Maria Clara

Peguei a bolsa esportiva que estava sobre um banco, retirei de dentro dela
uma toalhinha e enxuguei algumas gotas de suor que escorriam em meu
rosto, depois peguei a garrafinha de águia e tomei um longo do gole da
bebida. Há um mês, iniciei na aula de pilates e, até que estava gostando,
movimentava músculos que nem imaginava ter.
Despedi-me da professora e alunas, as aulas de sábado eram sempre
muito disputadas necessitando de reserva prévia e segui para o carro.
Chequei o relógio e eram pouco mais de onze da manhã, portanto
teria tempo de ir em casa tomar um banho antes de sair para almoçar com os
meus pais e meu irmão João.
No entanto, não foi surpresa ter seguido por um trajeto diferente, é o
que vinha ocorrendo há muitos e muitos dias. Tentava me enganar, mas a
minha mente sabia exatamente para onde eu desejava ir.
Tomei mais um pouco de água, sentia a garganta seca e não tinha
nada a ver com o exercício físico recém-praticado.
Não demorou e a praça arborizada e movimentada surgiu no meu
campo de visão. Diminuí a velocidade, observando a cena que já me era
cotidiana: carrinhos de bebês sendo empurrados, crianças correndo ou
empoleiradas nos vários brinquedos, casais dividindo água de coco, grupos
de mulheres que conversavam embaixo das árvores centenárias. Precisei
voltar a atenção ao trânsito quando o carro da frente andou, ali, no entorno
da praça sempre havia um certo congestionamento devido ao fluxo de
pedestres atravessando a rua e carros estacionando. No entanto, poucos
metros depois parei novamente quando o semáforo ficou vermelho e, então,
atentei-me a uma pequena aglomeração que formou em uma parte do
gramado.
Havia várias pessoas ao redor de algo ou alguém que eu não
conseguia identificar, mas senti um peso no coração, algo tão forte, que me
fez descer do carro sem sequer estacioná-lo. Júlio me olhou preocupado
quando fiz um sinal avisando que iria até a praça e gritei que a chave estava
na ignição. Caminhei a passos largos, não peguei a bolsa e nem o celular,
tinha uma urgência em chegar logo onde aquelas pessoas estavam
aglomeradas, embora não fizesse ideia do que poderia ter acontecido.
Assim que as alcancei, pedi licença e abri passagem, logo avistei a
senhora que usava roupas brancas e tinha o cabelo preso em um coque baixo
tentando consolar a menininha que chorava copiosamente. Quando,
finalmente, consegui me aproximar, vi que a testinha da pequena tinha um
rastro de sangue, pequeno, mas preocupante para a idade dela.
— O que aconteceu? — Cheguei tão afoita que os curiosos não
ousaram me deter, mesmo que eu pegasse o melhor lugar no circo que
armaram.
Um espetáculo, foi o que fizeram ao redor da menina machucada e
da babá desesperada, ninguém se movia para tentar efetivamente ajudar.
Lembrando que palpite não é ajuda.
— Ela caiu de um brinquedo, virei-me um segundo para pegar a
garrafinha de água. — Antes de me responder a mulher olhou-me
desconfiada, mas, depois de alguns segundos, pareceu à vontade.
— Está tudo bem, Nina. A tia Clara vai te levar em um lugar que vão
cuidar desse machucadinho.
Arrumei alguns fios de cabelo que grudaram na testa, levemente
úmida pelo suor, e enxuguei as lágrimas que escorriam pelo rostinho.
Lamentei ter descido sem a minha bolsa, lá tinha lencinhos que poderiam
limpar o sangue da testa. O choro foi cedendo e ela deixou que eu a
abraçasse, a babá assistia a tudo com um olhar preocupado e confuso, já a
pequena multidão que estava ao redor, foi se dissipando aos poucos, até que
já não tinha mais ninguém ao nosso redor.
— Acho melhor ligar para o seu Paulo — a mulher que eu não sabia
o nome chamou minha atenção. Ainda estava com Nina em meus braços e
ela parecia mais calma, embora ainda tocasse com os dedinhos o
machucado.
— Ligue e diga que estamos indo para o Eisntein. Meu nome é Maria
Clara, vocês vão comigo e ele nos encontra lá. Mas, antes, tem alguma coisa
que eu possa limpar? — Apontei para a testinha e a mulher, meio
desnorteada, entregou-me uma toalhinha, que tirou de uma pequena mochila
infantil.
No minuto seguinte, ela retornou, Nina já estava no meu colo e
tomava água, disse que o pai da garotinha autorizou a nossa ida ao hospital e
ri internamente, igualmente, agitei-me por completo, ele devia estar me
achando uma louca e eu estava mesmo fazendo aquilo, cuidando da sua
filha.
— Não tenho cadeirinha, vá com ela no banco de trás — a babá não
contestou, Júlio foi até lá ver se eu precisava de algo e, depois de negar e
agradecê-lo, dei a partida no carro.
— Já vi foto sua no apartamento do seu Paulo. Logo te reconheci,
por isso deixei que pegasse Nina — disse depois de alguns minutos de
silêncio, o único ruído era a voz do GPS.
Meu coração apertou-se, ele não tirou as nossas fotos da estante?
Contive um suspiro e a olhei pelo retrovisor.
— E eu já te vi com ela... Mas não sei o seu nome. — Escondi a
parte que costumava ir até aquela praça desde o dia que passei ali por acaso
e vi a babá e Nina chegando. Era algo que não conseguia controlar, sempre
dava um jeito de ver a pequena, mesmo que de longe.
— Dalva — informou, demonstrando certo desconforto, talvez por
nunca termos nos falado, pelo deslize com Nina ou as duas coisas juntas.
— Ela caiu de um brinquedo alto? — perguntei.
— Não... E era um que sempre brincava. Mas havia algo na grama
que a machucou.
— Acontece. Mas criança é imprevisível, a atenção não pode ser
desviada um segundo sequer.
Incomodou-me ver a pequena com machucado e dor, embora não
tivesse qualquer autoridade para repreender a mulher.
Chegamos ao hospital e Dalva desceu com Nina grudada em seu
pescoço, passamos pela triagem e logo a garotinha foi levada para um
ambulatório, em razão da queda e da pouca idade, seria observada de perto
por um pediatra do plantão e enfermeiros.
— Nina Diniz? — uma médica chamou poucos minutos depois de
chegarmos à sala. Fiquei de pé e ela cumprimentou-me. — O que aconteceu,
mãe?
Engoli em seco, mas não tínhamos tempo para explicações que não
fariam qualquer diferença no tratamento que Nina merecia.
Narrei o que Dalva havia me dito e dei espaço para que ela
complementasse com todos os detalhes possíveis, no meio do caminho fiquei
constrangida, pois, obviamente, não sabia responder questões básicas da
rotina da pequena, o que deixou a médica desconfiada.
— O pedido de radiografia — estendeu-me algumas folhas de papel,
depois de examiná-la —, será feita aqui mesmo no hospital e irei avaliar as
imagens. Também farei uma sutura leve, o corte não foi profundo.
O machucado já havia sido higienizado por uma enfermeira e Nina
estava tranquila em meu colo. Não sei o que deu na menininha, mas, mesmo
só tendo me visto uma vez, não se incomodou com os meus cuidados e
carinho.
Recebemos as orientações sobre como seria realizado o exame de
imagem, um enfermeiro chegou para nos levar até o setor responsável, Nina
iniciou um choro sentido quando o profissional tentou pegá-la do meu colo
e, foi neste momento, que ele chegou.
Usava calça preta, blusa da Polícia Federal, também na cor preta,
bota e jaqueta de couro. O óculos de sol estava apoiado na gola da camisa.
Seu ar perigoso e intenso roubou-me o ar.
Minhas pernas bambearam quando seu olhar profundo cravou em
mim, a menininha que estava chorosa abriu um sorrisinho e estendeu os
braços em sua direção, sendo prontamente acolhida pelo pai, não sabia mais
o que fazer ali e sentia-me acuada e perdida diante da sua presença marcante.
— Oi, princesinha. — Beijou o rostinho, de soslaio olhou-me e logo
focou no machucado na testa dela. Ao meu lado, Dalva demonstrava estar
aflita.
— Caiu — Nina contou e ganhou outro beijo do pai.
— O neném caiu... Tá doendo?
— Precisamos ir para o exame... — O enfermeiro interrompeu o
momento mais do que fofo de pai e filha e fez meu coração galopar no peito.
Paulo assentiu e seguimos pelo corredor.
— Tudo bem? — perguntou-me, sua voz potente fez com que a
minha sumisse e respondi com um aceno ridículo de cabeça. Que estúpida!
— E você, Dalva? — Depois de me dar um sorrisinho irônico, indagou à
babá.
— Me desculpe, seu Paulo, só fui pegar uma água para ela —
respondeu, nervosa, e com os olhos marejados.
— Fique calma, depois conversamos sobre isso.
Eu tinha que ir embora, já havia sido invasiva o suficiente. Paulo não
me repeliu, ao contrário, lançou um olhar quente em minha direção, logo ia
querer saber como foi que cheguei até Nina e Dalva.
Ele me conhecia bem demais, bastou uma leve diminuída no ritmo
dos passos pelo corredor, para virar em minha direção e desencorajar-me a
sair dali.
Obediente, continuei seguindo-os.
Nos minutos seguintes, foi realizada a radiografia, depois retornamos
à área dos consultórios onde aguardaríamos a médica que analisaria as
imagens. Nesse meio tempo, Nina sentiu fome e ofereci-me para ir comprar
algo, mas Dalva foi mais rápida e sumiu das nossas vistas. A coitada devia
estar ansiosa para respirar longe do chefe ou só queria mesmo nos deixar a
sós.
— Estou curioso — disse, quando nos sentamos em um sofá da sala
de espera. Seu cheiro delicioso fazia-me raciocinar lento, puxei o ar e tentei
resumir o ocorrido, escondendo, obviamente, as partes que me entregavam.
— Foi uma enorme e boa coincidência, estava passando pela praça
quando vi que precisavam de ajuda.
— Sei. — Ele riu, por Deus, aquele homem riu da minha cara, sem
disfarçar que não acreditava em mim.
— Já vou indo. Espero que ela fique bem. — Rapidamente, fiquei de
pé, já com a bolsa pendurada no ombro, no mesmo instante, Nina que estava
confortavelmente acomodada no colo do pai, fez um beicinho de choro e
estendeu os bracinhos para mim.
Sem saber como reagir e totalmente surpresa, olhei para Paulo e ele
deu de ombros.
— É com você.
Boquiaberta, peguei Nina no colo e voltei a me sentar ao lado do seu
pai. Toda aquela situação era estranha de várias formas e eu já não sabia nem
o que pensar.
Capítulo 30
Paulo

Por mais inusitada que tenha sido a chegada da minha filha em minha vida,
abracei a paternidade com tudo de mim.
Não sabia dizer se na vida senti emoção semelhante à de descobrir
que era pai de uma linda garotinha. Até o momento em que me deparei com
Nina e Maria Clara juntas, minha ex-mulher carregando a pequena no colo.
Estava na delegacia quando Dalva telefonou, saí apressado e fui
interpelado por Lui, que estava no corredor a caminho da minha sala.
— Está tudo bem? — perguntou e parei para falar com ele. Tinha o
telefone em mãos, atento se haveria uma nova chamada ou notícia.
— Não sei se volto, Nina caiu na pracinha e está sendo levada para
o hospital — contei, rapidamente, voltando a caminhar para fora.
— Precisa de alguma coisa? Como a Nina está? — Ele me
acompanhou e me fez parar próximo da recepção. — Posso ir com você em
uma viatura, vai chegar mais rápido.
Era uma boa opção, não sabia da gravidade da queda, embora a
babá tivesse deixado claro que ela estava bem, mas era a primeira vez que a
pequena se machucava depois de ir morar comigo e eu estava bastante
preocupado.
— Vou aceitar... — Saiu para buscar a chave e fui para o
estacionamento, logo estava de volta.
— Para qual hospital?
— Einstein. — Ele deu a partida e virei em sua direção. — A
propósito, sua irmã estava assistindo a minha filha de longe.
Lui deu uma risada, tinha o raciocínio acelerado, já imaginava o
que teria ocorrido.
— Não me diga que foi ela quem levou Nina para o hospital?
— A própria. — Soltei um suspiro e ele riu novamente;
— Logo agora que me livrei de ser seu cunhado.
Era bom ter meu amigo de volta, pouco tempo após Maria Clara ter
colocado um ponto final no nosso relacionamento, ele procurou-me e, depois
de conversarmos, nos acertamos.
Tive menos tempo do que gostaria para apreciar a cena, pois
precisava saber logo o que ocorreu com a minha filha. Um enfermeiro
parecia tentar pegá-la do colo da Maria Clara e quando me viu a pequena
estendeu-me os bracinhos.
Ela tentou fugir e foi Nina quem a fez ficar.
Pouco mais de uma hora depois da minha chegada, fomos liberados e
a minha filha tinha uma pequena sutura na testa. Estava adormecida quando
saímos do hospital, Lui ainda me aguardava no estacionamento e recebeu a
irmã com um longo abraço.
— Como está essa princesinha? — perguntou, ainda com o braço ao
redor da irmã, depois de fazer um carinho na cabecinha da Nina.
— Foi um susto, mas está bem. — Clara respondeu e virou-se para
mim. — Vou indo, se precisar de algo, me fala.
— Está de carro? — Lui perguntou e ela confirmou com um aceno
de cabeça.
— Vem cá. — Antes que fosse embora, entreguei Nina para a babá,
que se acomodou na viatura e puxei-a para alguns metros longe dos demais.
— Obrigado por ter cuidado dela, por ter estado lá, tomei um susto quando
Dalva me ligou, mas fiquei totalmente seguro quando ela disse que você
estava junto.
Fui sincero em cada palavra. Ela não fazia ideia do alívio que senti
por saber que estava coma minha filha, além da alegria que tomou conta de
mim.
— Nem precisa agradecer, foi um prazer.
Trocamos um longo olhar, os dois sem saber o que fazer com as
mãos, não sabíamos nos comportar de forma amistosa um com o outro.
Sempre fomos do toque, do beijo, da intensidade.
— Falo com você depois? — questionei, por não saber mais o que
dizer. Já estava certo de que não insistiria qualquer relação com Clara, não
gostava, mas sabia perder.
— Sim... claro. — respondeu com firmeza e uma fagulha acendeu
dentro de mim. Pois é, o amor sabe ser contraditório e desconcertante.
Partiu dela a iniciativa de um abraço, que prolonguei, segurando-a
em meus braços. Seu cheiro impregnou em mim e beijei de leve seu
pescoço.
Que saudade eu sentia dela.
No caminho para casa, precisei mandar Lui calar a boca uma dezena
de vezes, agora que o idiota sabia dos meus sentimentos pela sua irmã,
adorava esfregar na minha cara o fora que tomei dela. E eu nem podia jogar
baixo e fazer alguma piadinha sobre nós, pois de jeito nenhum a exporia.

∞∞∞
No domingo, estava de folga e programei-me para almoçar na casa
dos meus pais, mais tarde levaria Nina ao parquinho que ficava dentro de um
shopping.
Depois que tomamos o café da manhã, Dalva deu o banho nela,
organizei a sala, que estava com vários brinquedos espalhados e, por fim, fui
me arrumar.
Cheguei à porta do seu quarto e estava sentadinha na cama, enquanto
sua babá arrumava o cabelinho, pendendo uma mecha com um laço.
— Que princesa mais demorada — ela deu uma risada gostosa só por
ouvir a minha voz e fez meu coração aquecer.
Fazia tão pouco tempo que tinha uma filha em minha vida e a amava
profundamente, o que, na verdade, ocorreu desde o primeiro instante.
Meu celular vibrou no bolso da calça e quando o peguei, surpreendi-
me. Havia entendido, em nossa despedida no dia anterior, que ainda teríamos
outra conversa, mas confesso que não imaginava que seria tão rápido. Talvez
eu andasse muito desesperançoso.
— Clara? — atendi a chamada, indo para a sala.
— Oi, Paulo. — Aquela voz... Nós dois fizemos uma pausa. — Eu...
Será que posso ir à sua casa hoje? — Novamente, fiquei surpreso.
— Sempre, Clara. Sempre.
— Então... Posso subir? — Ela era inacreditável.
— Já está aqui na porta? — perguntei com um sorriso nos lábios e
apenas para ter certeza de que havia entendido certo.
— Acho que sim — respondeu, tímida.
— Vem logo!
Fui para o hall do apartamento e abri a porta, não demorou e ela saiu
do elevador. Estava linda, tímida, com um olhar quente e, ao mesmo tempo,
inseguro.
Assim que se aproximou, puxei-a para um abraço e beijei sua testa. A
falta que sentia dela consumia-me por dentro e exigiu-me um esforço sobre-
humano deixá-la viver a própria vida longe de mim, mas, agora, ela estava
ali e veio por sua conta.
— Desculpa aparecer assim — pediu, baixinho, e apertei-a ainda
mais em meus braços.
— Não há o que desculpar...
— Como a Nina está?
— Muito bem... — soltei-a e puxei-a para a sala, logo ela viu minha
filha, que chegou à sala no colo da Dalva.
A pequena agitou-se e Maria Clara estendeu os braços para pegá-la.
Meu coração apertou-se, como que a pequena podia reagir dessa forma a
ela? Tirando ontem, só se viram uma vez, quando Clara veio até o meu
apartamento terminar o nosso namoro.
— Oi, princesinha... — Ela beijou o rostinho e ganhou um cheio de
baba, que a fez rir. — Trouxe um presente para você! — Estendeu uma
sacola para Nina, que pegou, e deu outro sorrisinho.
— Filha, como que agradece? — Incentivei a pequena, que fez uma
pausa como se tentasse lembrar.
— Bigado.
Rimos juntos, Nina era uma pequena fofura.
— Vocês estavam de saída, não é? — perguntou, olhando para nós
dois, que estávamos arrumados.
— Almoça com a gente? — Não neguei a sua indagação e fiz o
convite. —Podemos ir a um restaurante... Depois conversamos.
Ela assentiu e fui até o quarto ligar para a minha mãe e desmarcar o
almoço, em outro momento, levaria Nina para vê-la.
Fomos a um restaurante no shopping, não consegui descontrair, pois,
em todo o tempo os meus sentidos estiveram atentos ás interações de Clara e
Nina. E eu conhecia aquela mulher, não era nada forjado, estava ali de
coração aberto em cada brincadeira, carinho ou cuidado com a minha filha.
Não sabia bem o que ela pretendia ou como seria a nossa conversa,
mas era real que algo grande nascia dentro dela, mesmo que ainda não
tivesse se dado conta.
Quando voltamos para casa, a pequena estava adormecida, tirei o
sapatinho e coloquei-a em sua cama, Dalva ficou no quarto com ela.
Maria Clara estava na varanda, tinha os cotovelos apoiados no
parapeito, de longe admirei a cena e lembrei-me das muitas vezes em que
esteve ali me esperando, enquanto eu atendia alguma ligação do trabalho ou
buscava uma taça de vinho para nós dois.
— Aceita tomar algo — ofereci e ela virou-se para mim.
— Obrigada, estou bem. — Depois de um riso tímido, soltou um
suspiro e, então, aproximei-me mais, parando ao seu lado. — Precisava vir
aqui, mas sequer sei como explicar a confusão interna que estou —
confessou e encaramo-nos.
— Tente.
— Você é esperto, sabe que ontem não caí de paraquedas na praça.
— Não contive o riso. Nem por um segundo pensei que tivesse sido por
acaso. — Uma vez passei por ali e vi Nina chegando com a Dalva e, desde
então, sempre que dava, ia lá observá-la, nunca desci do carro, mantinha a
distância e depois ia embora. — Por mais que não tivesse totalmente
surpreso, ouvir da sua boca tinha um sabor diferente. Ela fechou os olhos e
demorou um longo minuto para me olhar novamente. — Não sei o que
fazer, Paulo.
— Tive medo quando a mãe dela me contou que eu era pai. E o medo
triplicou no segundo seguinte, quando me disse que me entregaria Nina.
— Não estive ao seu lado para dividir a novidade, ser um apoio... —
interrompeu-me, mas com um gesto pedi que me deixasse continuar.
— No mesmo instante, perguntei-me o que você pensaria a respeito.
Não cogitava que fosse embora, mas te conheço bem e também não esperava
que, de imediato, fosse se tornar a melhor madrasta do mundo, ainda que
tenha imaginado que teria tempo para nos adequarmos.
— Ficar longe de você está insuportável.
— O que veio fazer aqui? — indaguei, o nosso tempo de idas e
vindas já havia acabado. Encarou-me com o olhar perdido e balancei a
cabeça. — Não consegue dizer? — Continuou em silêncio, mas, agora, o seu
olhar era quente e ansioso. Quase colei os nossos corpos e segurei o seu
queixo, erguendo-o. — Veio me dizer que quer voltar e que me ama demais
para ficar longe. Porque não tenta?
Maria Clara revirou os olhos, mas não negou. Sua pele quente
queimava no contato com a minha. Será que algum dia meu corpo e coração
deixariam de ser tão dependentes dela?
— Arrogante! — Umedeceu os lábios e todo o meu corpo reagiu em
resposta. —Quero voltar e te amo demais para ficar longe.
Enfiei a mão na base do seu cabelo e prensei seu corpo contra o
parapeito, tomei sua boca, beijando-a com tudo de mim. Seu gosto não saiu
da minha memória nem por um segundo, mas, antes, era uma memória e
senti-lo novamente era como ter a vida retomando ao meu corpo.
O poder do amor que sentia por Maria Clara e o poder que ela tinha
sobre mim, certamente, não poderia ser descrito nem pelo mais talentoso
escritor. Era forte e eterno; vivo e transcendental; único e possível.
Nossas línguas seguiram, digladiando-se, os dois querendo mais
como se dependesse daquele beijo para continuar vivo.
Ela pendurou-se em meu pescoço, com as unhas acariciava a minha
pele, já não tínhamos fôlego, mas não nos soltávamos, ao contrário,
prolongávamos ainda mais nosso contato.
Segurei-a pela nuca e desgrudei as nossas bocas, o suficiente para
que, se afastasse e olhasse em meus olhos.
— Você está voltando e é para ficar. — Entendia todas as suas
inseguranças, mas doeu para um diabo a nossa distância e precisava de ter
alguma certeza.
Antes que ela respondesse, uma voz fina e gostosa chamou-me,
fazendo com que nós dois nos virássemos para dentro da sala.
— Papai! — Nina vinha correndo em minha direção e Clara e eu
trocamos um olhar, sorrindo para o outro, depois nos abaixamos para receber
a pequena nos braços.
— Eu vou ficar, agora seremos nós três! — declarou em meu ouvido.
Capítulo 31
Maria Clara

— O que acha dessa calça aqui? — Mostrei para Nina uma peça de
veludo azul clarinha, que usaria com um casaco da mesma cor, apenas um
tom mais escuro. Paulo havia me adiantado que a garotinha preferia os
vestidos e pude comprovar com os meus próprios olhos a pequena torcendo
o nariz. Adiantei-me em animá-la, estava frio, o melhor seria usar calça. —
Ah, vai ficar ainda mais linda com ela! E vamos combinar com esse laço.
— Laço — estava na fase de formar pequenas frases, mas o que mais
fazia era repetir o que escutava. Deu um sorriso para o acessório, era um dos
que mais gostava e foi assim que a distraí para vestir o que achava mais
adequado.
— Você gosta, não é? Pronto, ficou perfeita! — Ela estava sentada
entre as minhas pernas, nós duas na cama auxiliar do seu quarto, finalizei o
penteado do cabelo e beijei o seu rostinho, depois de lhe entregar um espelho
pequeno para lhe mostrar como havia ficado.
— Brincando de boneca? — Virei-me para a porta e lá estava ele,
lindo demais usando calça de moletom, blusa branca e uma carinha de
recém-acordado. Agora que tínhamos a Nina em casa, Paulo não andava
mais sem camisa, só escapava quando estávamos sozinhos e ela dormindo.
— Mostra para o papai como você está uma princesa? — incentivei e
a pequena correu para ele, que a pegou no colo.
— Incesa. — repetiu.
Enquanto ela se mostrava para o pai, organizei rapidamente o quarto
e separei suas coisas que levaríamos para o passeio de logo mais.
— O café está pronto, vamos? — Paulo chamou, ainda com Nina no
colo, e fomos todos para a cozinha. — Essa pequena aqui também ama ovos
mexidos, igual você.
— Ela tem bom gosto!
Era mais um sábado em família: tomar café da manhã juntos, sair
para passear, normalmente, almoçávamos em casa, e depois de colocar Nina
na soneca da tarde, meu namorado e eu aproveitávamos a sós.
Igual foi no início do nosso retorno, estava tudo muito perfeito, mas,
diariamente, afastava todo o receio de algo dar errado. Só não erra quem não
arrisca, devo ter lido essa frase em algum lugar, não importa, valia a lição.
Passamos a manhã no parque do povo, caminhamos juntos,
brincamos com Nina no parquinho e depois sentamos na grama para fazer
um lanche.
— Ela tá cansadinha. — Não era o horário que costumava fazer a
soneca, mas estava quietinha em meu colo e, por duas vezes, vi-a, coçando
os olhinhos. Paulo concordou, teríamos que encurtar o passeio.
— Vai voltar no colo do papai ou no carrinho?
— Colo!
O pai riu, todo vaidoso, parecia ainda não ter se acostumado com o
grude e carinhos que ganhava o tempo todo da filha.
Impressionava como Nina era um bebê carinhoso e doce, eu também
amava as suas demonstrações de afeto.
— Garota esperta! — Catei as nossas coisas e guardei os
brinquedinhos dela na mochilinha.
Caminhamos tranquilamente até o carro, um dia comum, fazendo
atividades comuns e experimentando um amor transcendental ao lado da
minha família.
Sim, minha família.
Quando procurei Paulo e disse que queria voltar, sabia o que
implicava estar novamente em sua vida. Como disse minha mãe, era a
bagagem dele. E eu queria Nina. Queria cuidar, dar amor, dividir as
responsabilidades. Não sabia se daria conta, mas assumi o risco e nunca fui
tão feliz em minha vida como naquele mês.
Aliás, entendi que foi justamente por, em todo tempo ter tido a
consciência de que não seria apenas a “namorada do papai” na vida da
pequena, que me senti vulnerável e precisei me afastar.
— O que as minhas gatinhas querem para o almoço? — Paulo
parecia o tempo todo estrar andando nas nuvens. Dei um sorriso enquanto o
observava prender a filha na cadeirinha.
— Risoto, não é Nina? — brinquei, pois a comidinha dela já estava
pronta, fazíamos questão que fosse sempre saudável e balanceada.
— Soto.
Tinha vontade de apertá-la a cada vez que repetia algo que eu disse e,
claro, fazia-o. Apertei as suas bochechas rosadas e beijei-as, ganhando de
volta várias risadinhas.
— Por que acho que a ensinou? — Acomodei-me no banco da frente
e dei de ombros.
— Você um homem muito inteligente!
Já em casa, seguimos mais uma sequência rotineira que nos
acostumamos: dei banho na Nina, Paulo esquentou seu almoço, enquanto eu
a alimentava ele preparava a nossa refeição.
Era o nosso pequeno paraíso.

∞∞∞

Paulo

Sair para trabalhar beirava a tortura quando tinha que deixar Clara e Nina
em casa, minhas mulheres, os dois amores da minha vida.
O dia foi puxado, precisei atuar em uma operação que tomou a
manhã inteira. Na parte da tarde, fiz uma reunião com toda a equipe que
estava de plantão e tudo o que queria quando chegou o fim do dia, era
encerrar o expediente.
No entanto, ainda tinha um relatório para finalizar e o doutor Chaves
fazia questão de recebê-lo naquele dia, mesmo que fosse tarde da noite.
Já estava há várias horas trancado em minha sala, precisava arejar a
cabeça, peguei um cigarro e saí do prédio, antes de acendê-lo fiz uma
chamada de vídeo com Maria Clara e consegui conversar com ela e Nina.
O vento frio tocou o meu rosto, acendi o cigarro e encostei o corpo
em uma pilastra. Não demorou mais do que dois minutos para perceber uma
presença, aproximando-se e, quando olhei para trás, Daniele já estava ao
meu lado.
— Que dia! Parece que não vai acabar nunca, o trabalho também
não. — Também acendeu um cigarro e concordei com o que disse.
— Final do ano, aproximando-se, a demanda sempre aumenta.
Depois de um dia maçante, eu só queria um pouco de silêncio e
descanso, mas a minha ex-namorada não parecia querer o mesmo, pois
seguiu puxando assunto.
— Sua vida mudou muito nos últimos meses, não é?
— Parece outra vida, inclusive. — Dei um sorriso seco e ela
continuou.
— Quem poderia imaginar? Você praticamente casado, com uma
filha pequena e longe de bagunça e confusão.
Tive que rir, era uma boa descrição, afinal.
— Um sinal de que existe salvação para todos!
— Está feliz?
— Nunca me imaginei dizendo isso, acho extremamente piegas, mas
vamos lá: nunca fui tão feliz na minha vida como agora.
Suponho que Daniele tenha se arrependido da conversa, lançou-me
um olhar quase que magoado, ao me ouvir falar sobre estar feliz. O que ela
esperava? O período do nosso relacionamento foi conturbado e não fez bem
a nenhum dos dois. E ela, até onde eu sabia, havia iniciado um namorico
com um perito da PF.
— Que bom, Paulo!
O silêncio que antes eu queria, instalou-se, trazendo desconforto. Era
melhor voltar para a clausura da minha sala.
— Preciso entrar, tenho um trabalho para entregar ainda hoje e já
estou cansado, sonhando com a minha casa.
Dei uma última tragada e joguei a guimba fora no cinzeiro de chão
que ficava ali perto. Tinha algumas horas para me livrar de qualquer cheiro
do cigarro, do contrário, levaria uma chamada de atenção da minha mulher
que não admitia cheiro forte perto da Nina.
— Eu também. Tenho um chefe bem difícil, sabe? — Tentou
descontrair e dei uma risada.
— Vocês reclamam demais!

∞∞∞
Quando cheguei em casa, Nina já dormia e Maria Clara trabalhava no
quarto que transformei em um escritório, estava concentrada lendo algo no
computador.
— Oi, diabinha! — cumprimentei, parado a porta, e ela então tomou
ciência da minha presença, virando em minha direção com um sorriso.
— Oi! — Saiu da cadeira e meu corpo já ficou em alerta.
Usava uma camisola cor de creme com uma renda delicada pregada
sobre o contorno do busto e que marcava todo o seu corpo. Pendurou-se em
meu pescoço, o cheiro delicioso, que era a mistura da sua pele, do sabonete
que usava e do creme hidratante, inebriou-me, apertei firme em suas nádegas
e a ouvi arfar.
— Senti sua falta! — disse em seu ouvido e mordia pontinha da sua
orelha. A pele estava arrepiada e quente, a voz era rouca de tesão.
— Eu também... Estava ansiosa! — sussurrou entre pequenos
gemidos, em resposta aos beijos que eu dava em seu pescoço.
— É mesmo? — Continuei beijando-a e ela confirmou com um
aceno de cabeça. — E posso saber por quê? — Segurei-a pela nuca e ergui
seu rosto.
Meu membro estava duro e pronto para ela, respirei fundo e repeti
internamente que era gentil ter um pouco de cautela e conquista. Voltei a
beijá-la, só um pouco, abrindo espaço para que respondesse ao meu
questionamento.
— Saudade do meu namorado... — Arranhou a minha nuca, com
delicadeza, e um arrepio tomou-me por inteiro. — Do seu cheiro... Do seu
beijo...
Era o que faltava para quase explodi e mandar para o espaço
qualquer decisão anterior de ter cautela e conquista. Queria um sexo
delicioso com a minha mulher e não pretendia esperar nem mais um minuto.
— Quero você agora — disse firme. Novamente, segurei-a pela
nunca e a safada deu um sorrisinho satisfeito.
— Vamos para o nosso quarto.
Maria Clara conseguiu me surpreender. Sobre a mesinha de cabeceira
que ficava do seu lado na cama havia uma bandeja de prata, sobre ela uma
garrafa de vinho e duas taças de cristal. Ao lado, uma pequena tábua com
frios, frutas secas, castanhas e chocolate. Puxei-a pela cintura e trocamos um
longo olhar.
— Eu te amo. — Proferi cada palavra com calma e sinceridade,
nossos olhares grudados no outro, não me escapou nenhuma reação sua, mas
ela conseguia me surpreender.
— É mesmo? — atrevida, indagou em meu ouvido, imitando o tom
que usei lá na sala.
Prendi o seu cabelo na mão e a dominei, todo o meu corpo a ponto de
explodir, suas pupilas estavam dilatadas e o peito movimentava sob a
camisola de seda. Olhei em seus olhos, Maria Clara, assim como eu, não se
aguentava mais de tanto tesão, e ordenei.
— Vá para a cama, diabinha. Agora!
Capítulo 32
Paulo

Ela ajoelhou no centro da cama king, seu olhar felino e quente


acompanhava-me enquanto me despia de cada peça de roupa. Em total
contradição à pressa que tinha internamente, provoquei-a executando os
movimentos de forma lenta. Quando usava apenas a cueca box, caminhei até
a cama e ela veio para mim. Apressada, retirou a última peça e segurou meu
membro duro. Senti a tensão do contato, ela quis provocar e percorreu meu
pau com a ponta da língua, demorando na glande toda babada do pré-sêmen.
Repetiu a tortura por mais algumas vezes e cortei o seu barato, segurando-a
pelo cabelo e exigindo um oral decente.
Maria Clara riu alto, mas não se fez de rogada.
Abocanhou meu pau e levou-me à loucura enquanto o sugava e o
movimentava em um sobe e desce com as mãos, esqueci da vida até que a
urgência pelo prazer me tomou e guiei-a para que acelerasse o movimento.
O gozo veio forte e denso, satisfeito e ainda em êxtase, empurrei-a
sobre a cama e cobri o seu corpo com o meu.
Beijei sua boca lentamente, degustando, perdendo-me e,
encontrando-me em seus lábios, sentindo o seu gosto delicioso misturado
com o meu cheiro.
Desci as alças da camisola e passei a língua por toda a extensão dos
ombros e colo, a pele estava quente e muito cheirosa. Aspirei e respirei
fundo, estava em casa, em meu lugar especial no mundo.
Continuei a despindo e os seus seios surgiram para mim,
intumescidos, como se tivessem urgência em serem venerados com a minha
boca. Não neguei. Macios, senti-os com a língua, não foi o suficiente,
devorei-os enquanto Maria Clara gemia baixinho embaixo do meu corpo.
Desci beijando todo o seu abdômen e farejei a sua intimidade, com as
mãos ainda apalpava os seus seios, sem deixar de instigá-los.
A pequena calcinha de renda e da cor da camisola pouco escondia da
sua boceta. Com a ponta da língua lambi a peça, que cheirava a fêmea,
molhada pela sua excitação. Retirei a lingerie e beijei a sua intimidade, ela
tentou segurar a minha cabeça por ali, mas não permiti.
Masturbei-a com os dedos e voltei a mamar em seus seios, mordia os
biquinhos, cada hora um, enquanto judiciava do clitóris com os dedos. Os
gemidos aumentaram, excitada ela tentava erguer o corpo da cama, esticava
os pés tensos.
— Quero te ver gozando bem gostoso para mim, diabinha —
sussurrei em seu ouvido e ganhei um arranhão nas costas.
— Vai, amor, não para — implorou e dei uma risada rouca, não
pararia, estava apenas começando.
Vi que estava no ponto de se libertar e, então, desci e suguei forte o
clitóris inchado, não parei até que gozasse em minha boca, tentou me afastar,
tinha lágrimas nos olhos, dizia que não aguentava mais. Com uma mão
segurei seu pescoço, fazendo um carinho com dois dedos, com a outra
apalpei um seio e instiguei novamente o biquinho, continuei chupando sua
boceta até que alcançou outro gozo.
Meu membro já estava pronto, então a invadi. Era, sem dúvidas, uma
das melhores sensações do mundo: estar dentro da minha mulher.
A cada estocada disse-a o quanto a amava e que era a única em
minha vida. Meu coração, meus pensamentos e o meu prazer tinham dona e
atendia por Maria Clara Brandão, em breve, a senhora Diniz.
∞∞∞
No meio da tarde, sentamos no chão da sala para brincar com Nina,
havíamos almoçado na casa dos meus pais e depois viemos para a nossa, que
era o nosso lugar preferido.
A pequena tentava pela terceira vez ligar a TV e Maria Clara não
permitia, com delicadeza retirava o controle das mãos dela.
— Vê — insistiu, contrariada, mas não conseguiu fazê-la mudar de
ideia.
— Não, meu amor. — Clara não perdia a firmeza. — Veja, nós vamos
brincar com as bonecas que você escolheu.
Logo, a bebê nem lembrava mais da TV e estava entretida com os
brinquedos. E eu fingia não estar presente. Confesso que tinha o coração
mole e uma enorme tendência a ceder aos pedidos da minha filha.
Foi Maria Clara quem me mostrou a importância de estabelecer uma
rotina para ela e retirar alguns hábitos, como, por exemplo, o de passar horas
na frente da televisão, mexer em aparelhos como tablete e celulares, até na
alimentação ela deu dicas e não podia negar, Nina estava cada vez mais
esperta e criativa em suas brincadeiras, além de agora ter um sono tranquilo.
Certo dia, assim que reatamos nosso namoro, Clara questionou-me
como faríamos com os cuidados da pequena, pois não queria apenas ser
expectadora, sabia que assim não funcionaria. Concordei, afinal, as duas
conviveriam muito tempo juntas, na verdade, até gostei dela se envolver com
a minha filha. Rapidamente, Nina a via como uma autoridade e a respeitava,
assim como fazia comigo e Dalva.
— Nada dela? — Clara desviou a atenção da pequena e olhou-me,
preocupada.
Neguei.
Isabela aparecia cada vez menos, já fazia quase vinte dias que não dava
um telefonema para a filha. Naquele dia, programou de conversar um pouco
com Nina, mas, até então, não havia entrado em contato.
— Não. — Suspirei, puto da vida. Não custava nada tentar ser um
pouco presente, mesmo que de longe. Nina já não perguntava muito por ela,
mas ainda se lembrava da mãe. Nos primeiros dias, houve muito choro e não
foi fácil consolá-la da saudade que sentia, mas agora era visível que Isabela
estava se tornando uma lembrança. — Oh, chegou uma mensagem, deixa eu
ler. — Desbloqueei o telefone e balancei a cabeça em negação. — Não vai
fazer a chamada de vídeo, está muito ocupada e saindo de viagem agora
mesmo. Disse que entra em contato quando chegar em Paris. Pediu para
mandar um beijo.
Clara fechou a cara e crispou os lábios, mas, logo, precisou amenizar a
feição, pois Nina olhava-a atenta.
— Juro que tento não julgar — murmurou. — Mas fica difícil desse
jeito. É uma criança, filha dela, que só quer ganhar carinhos e cuidados.
Mas, tudo bem, vamos fazer a nossa parte, nunca vai faltar nada para essa
fofurinha.
Peguei sua mão e beijei-a. A forma como se indignava era fruto do
amor que sentia por Nina, além disso, a relação entre as duas era construída
dia a após dia. Sem forçar a barra, Clara vinha se tornando um ponto de
equilíbrio para a minha filha, que a buscava em qualquer momento, quando
estava feliz, quando queria um chamego, um dia desses teve febre e só o seu
colo parecia acalmá-la. Clara tinha razão, daríamos tudo o que pudéssemos
para a pequena.
— Vou seguir a orientação da psicóloga... Se Isabela quiser ser
lembrada, ela que seja presente. De agora em diante, não irei forçar qualquer
relação e nem ficar falando sobre ela. — Minha filha não fazia terapia,
estávamos monitorando eventual necessidade, mas Clara e eu fomos a
algumas sessões e conversamos bastante com a profissional, que nos ajudava
com a adaptação da Nina.
— É isso, amor. Estamos juntos nessa.

∞∞∞

Maria Clara

Trabalhei boa parte do dia nos relatórios de vendas, fiz anotações para a
reunião que teria logo mais com Olívia, as perspectivas eram melhores do
que esperávamos. A Olívia Torres estava voando e sentia-me orgulhosa do
caminho que a marca trilhava.
Havíamos acabado de aumentar a equipe, certamente teríamos que
acrescentar mais uma pessoa para cuidar do trabalho pós-venda, que
envolvia, por exemplo, separação da mercadoria, financeiro e envio.
— Olha o que acabei de receber. — Minha cunhada surgiu ao meu
lado com o telefone em mãos e estendeu-me o aparelho.
Estava aberto em uma selfie do meu irmão, Paulo e Nina, tirada na
sala lá de casa.
— Ah, que lindos! — Sorri feito uma boba para o registro.
Meu namorado havia avisado que iriar almoçar em casa e convidou
Lui, que não perdia uma oportunidade de ver a sobrinha.
— Seu irmão está apaixonado pela Nina, não tem um dia que ele não
fale sobre ela. Fora os vídeos que Paulo manda e ele assiste várias vezes ao
dia.
Os dois eram muito babões pela pequena, o que era lindo de se ver.
— Ela é mesmo apaixonante.
— Tem trabalhado demais, Clara. — Olívia puxou uma cadeira e
sentou ao meu lado. — Quase não conseguimos conversar.
— É mesmo chefe? — brinquei.
A verdade era que vinha e segurava as pontas na empresa, Olívia
ainda ficava muito indisposta com a gestação e eu quase sempre a
incentivava a ficar em casa. E, mesmo que trabalhasse a distância, o ritmo
era outro.
— Chata... Como está sendo para você?
— Uma delícia. Não imaginava que a minha vida poderia mudar
tanto e simplesmente não me imagino sem Paulo e Nina.
Ela me encarava, com o olhar amoroso de sempre e soltei um
suspiro.
— Mas?
— Faz alguns dias que ela me chamou de mãe.
E eu quase tive um treco.
Fomos ao aniversário de um amigo do Paulo, recepção pequena em
sua casa, Nina brincou com o filho dele, que tem idade próxima a dela,
assim que chegamos em casa, ela chamou-me de mãe.
Foi surreal demais. Paulo disse-a que ia buscar na cozinha a
mamadeira para que tomasse o leite da noite e ela rebateu dizendo: “a
mamãe me dá”.
Por um longo instante ficamos sem reação, eu muda e Paulo,
observando-me, Nina reclamou da demora e soltou um “anda, mamãe”.
— Que fofa!
Sim, foi uma explosão de fofura, até porque depois desse dia, não
parou mais. E a cada frase ela parecia conseguir encaixar um mamãe,
fazendo-me surtar de amor e alegria em todas as oportunidades.
— Mas eu não sou a mãe dela, Oli. Isabela, inclusive, pode aparecer
a qualquer momento.
— Até onde sei, Paulo tratou de neutralizá-la, juridicamente falando.
E, quanto a bebê, tem certeza de que não é mãe dela? Também sei que você
cuida de tudo relacionando a Nina.
Meus olhos marejaram. Há dias vivia um dilema interno. Amava
Nina, cuidava dela, sabia do espaço que ocupava em sua vida, mas tinha uma
insegurança enorme em relação a sua mãe. Não sabia como lidar caso
Isabela a quisesse de volta.
— Sim, eu cuido.
— Então, fica em paz. Ela te reconhece como mãe porque é esse o
papel que você exerce na vida dela, não é apenas um título.
— Obrigada? — Pigarreei e ela riu de mim. Agora tinha lágrimas
escorrendo pelo meu rosto.
— Uma boa forma de agradecer é dando-me excelentes notícias
quanto ao financeiro... Tenho duas filhas para montar o guarda-roupa.
— Está muito melhor do que imaginávamos.
— Cheguei, divas maravilhosas! — Antes que começássemos a tratar
do trabalho, Du que vinha da rua, entrou no escritório, carregando uma caixa
de uma confeitaria. — E olha o que eu trouxe?
— Hum! — Delirei com os bombons e peguei um de morango. —
Você é um tesouro! E um perigo também!
— Não pensem que é de graça... — Depois de nos servir, deixou a
caixa sobre a minha mesa e puxou uma cadeira, sentando ao nosso lado. —
Preciso da companhia de vocês hoje.
— À noite? — Olívia perguntou.
— Sim. Vamos a um restaurante.
— E por que acho que a comida não é o motivo principal? —
Indaguei e ele riu, sem esconder que eu estava certa.
— O chef é o motivo! Seremos convidados de honra, vamos
experimentar o menu degustação e ainda conhecer a cozinha — respondeu,
solene, e, então, apontou para Olívia. — Você não pode, mas Clara e eu
tomaremos champanhe enquanto nós três seremos servidos por uma amostra
de tentação em carne e osso.
— Uau! Não vejo como recusar! — Peguei outro bombom e tratei de
fazer os dois levantarem, precisava finalizar o relatório. — Mas, antes, irei
passar em casa, vejo vocês lá!
— Esse amor incontrolável pelo delegado bonitão — Du cantarolou,
fazendo-nos rir.
— Bobo. Paulo está de plantão hoje, vou em casa colocar Nina para
dormir.
Capítulo 33
Maria Clara

Mamãe surpreendeu-me ao aparecer para me buscar em casa com uma


cadeirinha infantil no carro. Ela e toda a família mostrava-se animada com a
chegada da Nina e, a cada demonstração de carinho com a pequena, sentia-
me ainda mais amada por eles.
— Então essa princesinha vai ao salão com a vovó? — Dona Lêda
pegou Nina no colo e a pequena mostrou-lhe os dedinhos. Fofa demais. —
Isso, vamos fazer as unhas.
— Assim que acordou, disse-a o que íamos fazer hoje — expliquei
e beijei o rostinho risonho. — É muito esperta, não acha?
— Muito esperta e inteligente! Pegou tudo? — perguntou, dei uma
última checada na mochilinha e peguei a minha bolsa. Estávamos prontas.
— Sim, podemos ir.
Seguimos para o seu carro, mamãe ainda carregando Nina.
No salão, a pequena foi a atração. Simpática, distribuiu sorrisos
para todos que se aproximavam, passou um esmalte clarinho nas unhas, que
ela borrou e precisou ser refeito pelo menos três vezes e recebeu massagem
em seus pezinhos, assim como fizeram em mim, um mimo que pedi para ela.
Enquanto escovavam o meu cabelo, depois da hidratação, ela
demonstrou cansaço e veio para o meu colo, logo adormeceu.
— Sua filha é muito serena, sabe que vou tentar trazer a minha?
Nunca a trouxe aqui, morro de medo dela fazer bagunça. — Uma cliente que
fazia o cabelo ao meu lado, puxou assunto.
Era a terceira vez que levava minha filha ao salão — sim, minha
filha, estava me familiarizando com o termo —, assim como minha mãe
sempre fez comigo, desde novinha acompanhava-a e amava os nossos
momentos juntas.
Dei um sorriso para a mulher e desviei o olhar para Nina, que
ressonava tranquila em meu colo.
— Ela é bem calminha, sim. Mas também tenho tentado levá-la
em lugares além dos que está habituada no dia a dia, acho que está se
acostumando.
— Uma boa tática. Parabéns pela bebê!
Agradeci e minha mãe, que acompanhava a conversa próxima a
nós, deu-me uma piscadinha pelo espelho.
Do salão, fui almoçar na casa dos meus pais, Paulo só chegaria do
trabalho no fim do dia, aproveitaria o restante do tempo livre com a minha
família. Ao passar pelos portões, avistamos o carro do João e fiquei feliz por
encontrar meu irmão, já fazia muitos dias que não o via.
— Esqueci de comentar com você, mas seu pai está apostando que
João e Isadora voltaram.
— Não é possível — comentei, desanimada.
— Pois é. Semana passada ele esteve no Espírito Santo, em um
evento de faculdade. Havia amigos nossos participando e um deles
comentou com seu pai ter visto o João, deixou escapar que o seu irmão
estava acompanhado de uma mulher loira.
— Se for verdade, saberemos em breve.
Pais sabem das coisas, é impressionante.
Colocamos os pés no hall e lá estavam João e Isadora,
conversando com meu pai. Mamãe e eu trocamos um rápido olhar, ela meio
atônica e sem saber como reagir, eu, igualmente, fomos salvas pelo meu
irmão, que tomou a dianteira e pegou Nina do meu colo.
— Que linda você está, o titio sentiu saudade.
— Titio! — A pequena como sempre tocou o rosto dele com as
mãozinhas e deu gargalhadas quando João esfregou a barba em seu rostinho.
— Vem cá, linda. — Ele chamou Isadora para perto, que se
aproximou com um sorriso amarelo no rosto. — Essa é a Nina, filha da Clara
e do Paulo.
— Ela é linda, parabéns. — Dei um sorriso sincero, afinal, estava
elogiando a minha filha. — Bom rever vocês.
— Oi, Isadora. Como vai? — Trocamos um rápido abraço e dois
beijinhos no rosto.
— Dona Lêda. — Ela, igualmente, cumprimentou mamãe.
— Seja bem-vinda, Isadora.
O clima não era dos melhores, estava pesado e todos nós,
esforçando-nos para sermos gentis e educados. Fato que toda a família ficou
sentida com o término deles, muito por João ter ficado mexido. Não duvido
que seja um tanto exagerado termos tomado as dores, mas foi o que fizemos.
E, agora, ele claramente voltou com a ex-noiva e teríamos que fingir que
nada aconteceu. Isso é família!
— Agora deixa o vovô pegar essa bonequinha no colo. — Meu pai
tentou quebrar o clima ruim e rapidamente todas as atenções estavam sobre
Nina, que ria para ele.
— Vovô!
— Vamos para sala, estávamos conversando enquanto você não
chegava. — Ele soltou uma mão e puxou minha mãe, que ainda estava um
tanto travada ao meu lado.
— Claro. Vocês ficam para o almoço? — Perguntou ao casal, que
confirmou. — Ótimo, vou pedir para Soninha colocar mais dois lugares à
mesa.
Meu pai e João esforçaram-se para envolver todos nós em assuntos
variados, a refeição foi servida e, em volta da mesa, meu irmão soltou a
bomba.
— Bom, como podem ver, Isa e eu decidimos retomar o nosso
relacionamento. A nossa separação foi ruim para os dois, fez-nos mal, mas
nos acertamos e não vemos razão para seguirmos um sem o outro.
— Estão certos disso? — Era o questionamento mais natural de
surgir, mas que apenas uma mãe teria coragem de fazer, ali na cara deles.
— Estamos. — Meu irmão respondeu, firme. Não gostou da
pergunta e a sua seriedade fez-me encolher na cadeira. — Tão certos que
também temos uma data para o nosso casamento.
— Casamento? — Nós duas perguntamos, em uníssono, e o casal
quase revirou os olhos.
— Estávamos noivos quando terminamos. Lembram? — Já não
havia um pingo de paciência no João e tivemos que nos recompor rápido.
A verdade é que são adultos e eles que se cuidem.
— Sim, claro. — Mamãe respondeu.
— Casaremos logo após as festas de fim de ano. Vamos fazer a
cerimônia e a festa na fazenda onde os meus sogros moram.
Sabe aquele ditado gente feliz não enche o saco? Pois bem,
lembrei-me dele e entendi que, se focasse em minha vida e nas tantas coisas
boas que estavam acontecendo, não teria tempo para implicar com o meu
irmão e sua noiva.
Foi o que fiz dali em diante.
Claro que Isadora e eu não nos tornamos melhores amigas do dia
para a noite, ainda tivemos encontros embaraçosos, mas nos esforçamos e
quando chegou o dia do casamento deles, uma linda cerimônia em um fim de
tarde de janeiro, eu estava radiante pela felicidade que os dois exalavam.

∞∞∞

Paulo

Saí da delegacia e segui para casa, Clara esperava-me para o jantar que
teríamos logo mais. Quando cheguei, ela e Nina estavam prontas. Minha
filha passaria a noite com os meus sogros.
Heitor e Lêda estavam radiantes com todas as netas reunidas, Olívia
havia ido dormir lá com Alice e Aurora, as filhas gêmeas, pois Lui estava de
plantão.
Depois de conversarmos um pouco com eles e termos certeza de que
Nina estava bem, fomos embora.
Era engraçada toda a logística que demandava uma programação sem
levarmos a nossa filha, principalmente quando Dalva estava de folga, como
naquele dia.
— Está feliz? — Minha mão estava em sua perna, exposta pelo
vestido que subiu um pouco ao sentar no banco do carro.
Já estava louco por ela, ansioso por uma noite em que nada mais
importaria do que nós dois juntos. Respirei fundo, teria calma para que Clara
desfrutasse igualmente de cada segundo.
— Sim! — respondeu com um sorriso no rosto e, então, mordeu o
lábio inferior. — Ela vai ficar bem, não é?
Era incrível como se dedicava a minha filha, que também era dela, e
adequou toda a sua vida para oferecer o seu melhor a Nina.
Se ela fosse apenas amorosa com a pequena, eu já estaria satisfeito,
não planejei que Clara assumisse as responsabilidades com ela. Mas a minha
mulher surpreendeu muito, não só a mim, mas a todos que estavam ao nosso
redor, tornando-se uma mãe maravilhosa e dedicada para Nina.
— Ela sempre fica, amor!
— Sim... Ela sempre fica!
Soltou um suspiro, pesaroso, beijei a sua boca sem deixar de sorrir.
Era um puta cara sortudo em ter aquela mulher ao meu lado.
Chegamos ao Palácio Tangará, onde passaríamos a noite e
encaminhamo-nos para o Tangará Jean-Georges, restaurante em que fiz a
reserva para jantarmos. Maria Clara era refinada e, mesmo que se divertisse
em nossos momentos comuns em casa, gostava de frequentar lugares
renomados, com boa comida e bebida. Então, ali estávamos, em um hotel
cinco estrelas e restaurante com estrela Michelin.
Experimentamos o menu degustação de seis tempos, uma
surpreendente experiência gastronômica, a comida era realmente muito boa e
o cardápio bem pensado, mas, claro, toda a minha expectativa estava
concentrada em mais tarde, quando estaríamos na suíte.
— Essa é uma das melhores sobremesas que já experimentei —
elogiou o prato denominado Flor de Maracujá — que era uma montagem de
flor de maracujá, praliné de avelã, caramelo — e concordei.
Tomamos mais uma taça do vinho, conversamos com o Chef que foi
até a nossa mesa para saber o que achamos do serviço e, então, estávamos
prontos para subir.
Abracei seu corpo, minhas mãos seguraram-na pelo abdômen,
enquanto esperávamos o elevador.
Não demorou e vibrei por estarmos sozinhos. Parecia um moleque
ansioso.
— Hoje você é só minha! — Sussurrei em seu ouvido, depois de
lamber atrás da sua orelha.
Como não tínhamos companhia, encostei-a na parede do elevador e
prendi-a na frente do meu corpo. Sua pele arrepiada era o meu gatilho, já
estava duro como uma pedra.
— Mas já sou sua, todos os dias!
Era uma diaba, sem dúvidas. Virou em minha direção e olhou em
meus olhos, estava com tesão e não escondia. Com discrição, levou a mão ao
meu pau e tocou-o sobre a calça de alfaiataria. Contive o gemido e enfiei
uma mão na base do seu cabelo, segurando-a firme.
— Como amante, será minha a noite toda, Maria Clara. E como a
minha mulher, será por toda a vida!
Saímos do elevador e, em poucos segundos, estávamos diante da
suíte. Abri a porta com rapidez, ansioso por dentro, puxei-a pela mão e
abracei-a por trás ao pisarmos no hall, que dava visão para todo o quarto.
Sobre a cama, coberta por lençóis de seda e travesseiros bem
ordenados, havia um balde de prata com uma garrafa de champanhe, ao lado,
duas taças. Mas os seus olhos não estavam sobre a bebida, mas sim, no que
estava escrito com pétalas de rosas vermelhas no lençol.
Casa comigo?
Pedi, em seu ouvido!
Devagar e com os olhos marejados, Maria Clara virou em minha
direção, já havia tirado do bolso da calça um solitário de diamante, e estendi-
lhe a joia.
— Quer casar comigo, amor? — repeti, agora ajoelhado, uma perna
fincada no chão. — Pois eu quero passar o resto da minha vida ao seu lado!
Tinha um sorriso lindo no rosto, mostrou-me a mão, que tremia, tinha
certeza de que os meus olhos brilhavam para ela.
— É tudo o que mais quero! — respondeu, com a voz embargada.
Meu coração agitou-se, finalmente soube o que era o amor
romântico, sem poréns, mas com muitos porquês. Amava Maria Clara de
forma incondicional, amava porque era ela.
— Isso é um sim? — Achei melhor confirmar, já que agora os olhos
antes marejados estavam cobertos por lágrimas.
— Sim, mil vezes, sim!
— Me dê sua mão, senhora Diniz! — Coloquei-lhe o anel e beijei o
seu dedo anelar. — Prometo te fazer uma mulher muito feliz!
— Tenho você em minha vida, já sou muito feliz!
Houve um tempo em que Maria Clara era apenas um segredo, que se
tornou a maior descoberta da minha vida: eu podia amar e amava amá-la.
Epílogo 1
Maria Clara

Abri a porta do meu quarto na casa dos meus pais e respirei o ar fresco
vindo da varanda. Já fazia muitos meses que não o ocupava, mas decidi que
passaria ali a última noite antes da oficialização do meu casamento.
Desde que Paulo e eu retomamos o namoro, alguns meses atrás,
mudei-me para o seu apartamento e fizemos dali o nosso lar, enquanto isso
buscávamos uma cobertura para comprar, em busca de mais espaço e
conforto.
Já havia tomado um longo banho de banheira e usava o robe que
mamãe me deu, de seda na cor branco, com plumas nos punhos e bordado
Sra. Diniz nas costas. Peguei um copo de suco de frutas da bandeja que
estava sobre a mesinha da varanda e dei um gole.
O meu grande dia apenas começava!
Saboreava o café da manhã e pensava em como a minha vida havia
mudado. Foi um enorme acerto a decisão de encarar os desafios que
surgiram. Imagina se tivesse continuado a fugir por achar que não estava
pronta para ter um namorado com filho?
Hoje, não teria a Nina. Não teria o homem da minha vida e que me
amava. E, provavelmente, não seria uma mulher tão feliz e completa.
Um toque na porta e ela foi aberta, mamãe surgiu sorridente.
— Como está a noivinha? — Beijou o topo da minha cabeça e puxou
a outra cadeira, sentando-se à mesa comigo.
— Um pouco nervosa?
— Não fique, estará tudo lindo e do jeito que planejou. E, mesmo se
não estiver, já é um dia especial apenas por ser o seu casamento.
Trocamos um olhar afetuoso e cheio de significados. Mamãe era a
minha amiga da vida, sempre trocamos confidências e compartilhamos
muitos momentos juntas. Mas, apesar da amizade que tínhamos, nunca
deixou de ser mãe e exercer o seu papel.
— Estou muito feliz! — contei e servi-a uma xícara de café.
— Eu sei! E fico tranquila por isso.
— Tenho quanto tempo até o meu quarto ser invadido? — perguntei,
entre risos.
Ao longo do dia, seria uma maratona de cabeleireiro, maquiador,
massagista e, claro, minhas amigas e cunhadas.
— Exigi que aguardassem o seu café da manhã — Deu-me um
sorriso. Claro que ela tomaria conta de tudo, com mamãe ao meu lado eu
tinha essa tranquilidade.
— Café que já estou acabando. — Talvez estivesse um pouco
ansiosa.
— Você já é muito feliz e realizada, Clara. Tem uma família linda. É
só seguir adiante com os vários acertos que você e Paulo têm conseguindo
juntos.
— Obrigada, mamãe! — Peguei suas mãos sobre a mesa e envolvi-as
entre as minhas, os nossos olhos marejados.
— Sempre estarei aqui... Para te dar colo, puxar orelha, dar conselhos
e, claro, mimar muito aquela neta linda que me deu!
Falando em minha filha, como ela estaria? Minha cunhada e sogra
pediram para ficarem com ela, também passariam uma parte do dia com o
Paulo, e, fiquei sem graça em negar, pois estavam sempre nos ajudando com
os cuidando com a Nina.
Distraí-me um pouco com dona Lêda, da varanda observávamos a
estrutura da cerimônia e festa sendo montada no jardim de casa. Há poucas
semanas, também celebramos ali, no mesmo lugar, o aniversário de dois
anos da Nina.
A Maria Clara de anos atrás planejou um casamento suntuoso, com
cerimônia em alguma igreja famosa e festa para pelo menos mil pessoas em
algum hotel cinco estrelas da cidade. Aposto que os meus pais também
sonharam com o mesmo para mim. No entanto, minha vida estava mudando.
E decidi pelo o que traz conforto e afeto para a minha pequena família. Um
casamento noturno e com centenas de convidados, além de rigoroso
cerimonial, não seria nem um pouco confortável para nós que temos uma
bebê de dois anos.
Soltei um suspiro e sorri, satisfeita. Estava fazendo tudo do jeito que
nos agradava e ficava a nossa cara.
Minutos depois a porta foi aberta, sem qualquer sutileza ou pedido de
licença, Flora e Mila chegaram sem fazer cerimônia e com muita animação.
— Viemos trazer um pouco de barulho, aqui está tudo quieto e
elegante demais — Mila abraçou-me forte e beijou o meu rosto. As duas
levaram para o closet os seus vestidos que estavam embalados em sacos
próprios e uma pequena mala.
— Trouxemos champanhe! — Flora mostrou a garrafa e Soninha
surgiu logo atrás com um balde de prata, gelo e taças.
— Acabei de tomar o café da manhã — contei, rindo, mas não
neguei a bebida.
— Oi, dona Lêda, uma taça para a senhora. — Mila ignorou-me e
abraçou minha mãe, que também não negou o champanhe.
— Obrigada, querida.
Tive um tempo para descontrair, rir com as meninas e fazer registros
com a fotógrafa, até chegar a equipe do cabelereiro e maquiador.
Minha pele havia sido preparada e o cabelo estava preso em bobes
quando meu telefone tocou, era a minha cunhada. Atendi, ansiosa, e dei um
suspiro quase aliviado ao iniciar a conversa.
— O motorista vai buscá-la, Bru! — A pequena estava me chamando
e a melhor coisa para nós duas seríamos passar aquele dia juntas. — Nina
quer a mamãe! — Anunciei às mulheres em meu quarto.
Continuamos os preparativos e, pouco tempo depois, Soninha surgiu
novamente, agora carregando a minha filha nos braços. Assim que me viu,
ela agitou-se e pediu para ser colocada no chão.
— A mamãe! — Apontando para mim, correu em minha direção,
meio cambaleante, em seus passinhos incertos de bebê.
— Vem, princesinha! — peguei-a no colo e beijei seu rostinho,
apertando-a em meus braços.
— Eu cholei — contou, aninhada em mim e meu coração apertou.
Minha filha só tinha dois anos, ainda teriam muitos choros pela
frente e, evidentemente, a maioria seria necessária para o seu crescimento,
mas quem disse que eu conseguia me acostumar? Não mesmo, sofria junto
em todos eles.
— Agora está aqui com a mamãe. E vai ficar toda linda para entrar
no casamento. — Encostei minha testa na sua e as duas mãozinhas tocaram
nas laterais do meu rosto.
— Vou, toda linda! — repetiu, arrancando risos de todos que estava
no quarto.
— Isso, mocinha.

∞∞∞
Parei de frente ao espelho, Nina que brincava distraída com uma
bonequinha, percebeu e foi para perto de mim, ficando em minha frente.
Escolhi um vestido modelo tomara que caia, com bordados feitos à mão no
decote dos seios, saia esvoaçante que deu leveza e sofisticação, arrematado
por um laço nas costas na altura da cintura. Achei que combinou
perfeitamente com a cerimônia no meio da tarde. Para o cabelo, preferi um
penteado meio preso, adornado com duas fivelas de ouro, incrustadas com
brilhantes e diamantes, e cachos leves e soltos.
Sorrimos uma para a outra, olhando-nos pelo reflexo do objeto.
Soltei um suspiro, a porta abriu-se e papai entrou. Seu Heitor era o
homem mais elegante que já conheci, tinha a sensação de que foi feito para
vestir ternos, pois sempre lhe caíam bem.
Segurou em minha mão e beijou-a, depois fez o mesmo gesto com a
neta, arrancando risadinhas dela.
— Está pronta?
— Sim.
— Eu também, vovô. — A pequena logo o segurou pela perna, que a
ergueu no colo.
— Estão lindas! — Elogiou, beijou o rostinho dela e depois o meu.
— Sempre estarei aqui, filha. Por vocês duas!
Eu sabia que sim, desde sempre Heitor Brandão foi a fortaleza e o
protetor da nossa família, sendo incansável em cuidar de nós.
Descemos as escadas de casa, papai ajudando-me e mamãe, que
apareceu no quarto para nos chamar, estava a frente com Nina. Chegávamos
na metade dos degraus quando os meus irmãos, que conversavam em um
canto da sala, na companhia das minhas cunhadas, foram nos recepcionar.
— Você vai mesmo casar. — Lui puxou-me para um abraço, tinha a
voz embargada e eu sempre achava muita graça quando o via emocionado. A
última vez que esteve assim foi com o nascimento das minhas sobrinhas,
Alice e Aurora, poucos meses atrás.
— Teoricamente, ela já é casada. — Meu irmão mais velho feliz, era
o cara que fazia as pessoas rirem. Naquele momento, conseguiu irritar o
nosso irmão e arrancou uma risada de todos nós. E eu amava aquela sua
versão.
— Cala a boca, João — Lui retrucou, contrariado.
— Seja muito feliz, maninha. Estou orgulhoso de você, da família
que está construindo. Te amo muito. — João beijou o meu rosto, depois de
me abraçar firme. Era meu grande amigo, mesmo sendo alguns bons anos
mais velho do que eu, gostava das nossas conversas.
— Também te amo muito... Obrigada por tudo.
— Minha vez. — Lui empurrou-o, brincando, e abraçou-me mais
uma vez. Depois me soltou e segurou meu rosto entre as mãos. — Se ele
fizer algo que não te agrade, sabe que pode me ligar, não é? Vou lá e busco
você e Nina.
— Luiz Henrique e essa mania chata de achar que é o pai da Maria
Clara. — Papai resmungou e Lui o revirou os olhos.
— Te amo, Clara. Seja muito feliz e realizada. — Beijou a minha
testa e chamei João para perto.
— Eu amo vocês, os melhores irmãos que eu podia ter. —
Abraçamo-nos. Cresci envolvida pelos cuidados e brincadeiras dos dois, por
muitos anos amei ser a caçula dos Brandões e, quando cresci, tornando-me
quase adulta, detestei ser a irmã mais nova do Lui. Enfim, sem qualquer
equilíbrio. No entanto, não me imaginava em qualquer outra família senão a
minha.
— Melhores irmãos que te deram as melhores cunhadas — Olívia
abriu passagem e puxou Isadora consigo.
— Sim, vocês duas são ótimas! Obrigada por terem me ajudado em
cada detalhe. — Abracei as duas.
O tempo colocou tudo em seu devido lugar. Trouxe intimidade e
proximidade onde precisava; oportunidade também, agora era sócia da
Olívia Torres; fez-nos cúmplices e solidárias umas com as outras. Éramos
família.
— Não sei se devolvo essa pequena quando vocês voltarem — Isa
comentou, Nina já estava no colo do João e ganhou um beijo duplo dos tios.
Eles se ofereceram para cuidar dela durante a nossa viagem de lua de mel e
achamos ótimo.
— Não mime muito a minha filha, Isa. — brinquei, sabendo que a
pequena seria sim muito mimada e paparicada. — Obrigada, família!
— Vamos? Seu noivo está a ponto de enlouquecer. — Papai chamou
e assenti.
Era agora, seria definitivamente a Senhora Diniz.

∞∞∞

Paulo

— Tá nervoso? — Minha noiva já estava cinco minutos atrasada, horário


que eu checava no relógio de pulso criteriosamente de segundo a segundo.
Meu pai aproximou-se de mim no altar e fez a pergunta mais desnecessária
do mundo.
Nervosismo devia estar escrito no meio da minha testa.
Mamãe surgiu ao lado dele, os dois de mãos dadas, e, logo, a minha
irmã também, nós quatro no altar montado no jardim da casa dos meus
sogros, rodeados pelos convidados, todos esperando Maria Clara entrar para
a celebração do nosso casamento.
— Muito? — Dei um sorriso torto, não tinha como disfarçar a
ansiedade e meu pai não escondeu a diversão.
— Acho que ela não vai fugir — sussurrou e ri alto, chamando a
atenção dos convidados que estavam nas primeiras filas. Seu Raul não era
conhecido pelo seu bom humor, na maior parte do tempo era um velho sério
e sisudo, no entanto, quando queria tinha umas boas tiradas.
— Então, posso ficar tranquilo?
— Respira, rapaz. — Trocamos um olhar e soltei um suspiro. — Sua
noiva já deve estar vindo. Estou orgulhoso de você... — Tocou em meu
ombro e, por um breve momento, era como se estivéssemos apenas nós dois
ali. — É responsável, bom pai, excelente delegado e vai me fazer o favor de
ser o melhor marido possível para Maria Clara.
O final era uma ordem, bem no seu estilo de ser, e eu, obviamente,
iria cumprir.
— Pode contar comigo.
— Peça ajuda, se precisar, filho. Às vezes, a gente precisa de alguém
para conversar, colocar a cabeça no lugar, sua família merece o melhor de
você. Sempre estarei aqui, não se esqueça disso.
— Obrigado, pai. Por tudo. — Puxei meu velho para um abraço
apertado, mamãe olhou-nos com os olhos marejados e também a abracei.
— Eu amo vocês!
O nosso momento foi interrompido por um burburinho vindo do lado
oposto ao altar, levantei o olhar e minha sogra chegava ao jardim. Ela
conversou com uma moça da equipe do cerimonial e, então, vi tudo
acontecer.
A marcha nupcial começou a ser tocada por um trio de trompetistas,
na sequência foi acompanhada pelo coral de músicos e foi aí que ela surgiu.
Deslumbrante, a verdadeira princesa que sempre foi, Maria Clara
passou pelas portas de vidro da sala de casa, acompanhada do pai, seus
irmãos e cunhadas saíram pouco antes deles, em sua frente estava a nossa
bonequinha, usando um vestidinho que era uma quase cópia do que a mãe
usava.
Meu peito parecia que ia explodir a qualquer momento, por tanto
amor que sentia por elas.
Nina caminhava e lançava vários olhares para Clara, que retribuía
com sorrisos e levantava os olhos para mim e, cara, era a minha mulher
entrando em nosso casamento, para ser eternamente minha.
Respirei fundo, as lágrimas quase transbordavam dos meus olhos, um
filme passou em minha cabeça desde o momento em que a vi pela primeira
vez. Maria Clara foi a adolescente irmã do meu amigo, o meu amor proibido
de anos, que agora tornava-se minha para sempre.
— Você está linda! — Beijei sua testa depois que nos encontramos
no meio da passarela ladeada e ladrado por uma infinidade de flores, todas
escolhidas pela minha vida e, para o meu bem, pagas pelo sogro, pois se tem
uma coisa que vale uma pequena grande fortuna, é a tal da flor.
— Você também! — Ganhei o sorriso mais lindo do mundo,
cumprimentei o Heitor e fomos para o altar.
Escolhê-la para ser a minha mulher, foi o primeiro maior acerto da
minha vida, o que me guiou, transformou-me e fez de mim um homem de
verdade.
Epílogo 2
Paulo

— Palabéns pa mamãe — Paulinho, meu filho de dois anos, repetia sem


parar, enquanto chegávamos à suíte que dividia com a minha mulher.
— Quando o papai abrir a porta, nós vamos cantar, tá bom? — Nina
colocou as mãozinhas na cintura e baixou-se na altura do irmão, certamente,
sentindo-se pelo menos quinze anos mais velha, embora a diferença entre os
dois fosse de apenas quatro anos.
— Vamos lá? — chamei e eles sorriram animados.
Os dois pequenos caminharam pé por pé até a porta do quarto e
quando a abri, com cuidado, deixaram de ser duas crianças fofinhas para se
transformarem em pequenos furacões escandalosos cantando em plenos
pulmões parabéns pra você, nesta data querida e pulando sobre a mãe em
nossa cama.
Como era linda a minha mulher!
Maria Clara despertou um tanto assustada, mas sem perder o sorriso
no rosto, enquanto abraçava e ganhava beijos dos filhos. Eu carregava uma
bandeja com o café da manhã que as crianças me ajudaram a preparar e
depois de deixá-la sobre a mesa de cabeceira ao lado dela, segurei-a pela
nuca e beijei a sua boca.
— Feliz aniversário, diabinha — sussurrei em seu ouvido, desejando
fortemente perder-me em sua pele macia e cheirosa, o que, obviamente,
ficaria para mais tarde.
— Obrigada, por isso! — declarou, com os olhos marejados.
— A única pessoa aqui que deve agradecer por algo, sou eu. Deu-me
essa família linda!
Beijei novamente a sua boca e duas mãozinhas gordinhas agarraram-
me pela gola da camisa do pijama.
— Quelo bejar a mamãe. — Clara e eu trocamos um olhar cúmplice,
Paulinho estava na fase de viver grudado na mãe e achávamos era graça do
ciúme que, às vezes, demonstrava.
— A mamãe também quer muito beijar vocês, venham cá! —
Diplomática e, já recostada na cabeceira da cama, puxou o pequeno e Nina
para o seu colo e encheu-os de beijos.
— Mamãe, eu fiz os bolinhos. — Nina contou, entregando-a a sua
suposta criação. A verdade era que os dois colocaram os aventais infantis
que a mãe comprou e não fizeram nada além de ficarem sentados sobre a
bancada da cozinha fazendo bagunça. Tive êxito em fazê-los acreditar que
haviam cozinhado.
— Eu também. — Paulinho reivindicou a sua participação
— Você ficou no colo do papai, fofinho — e Nina logo o colocou em
seu lugar.
De fato, depois que ele derrubou pela terceira vez os ingredientes
sobre a bancada, achei mais organizado cozinhar, segurando-o no colo.
— É — confirmou a informação da irmã.
Tenham filhos, é o meu conselho! Essa dose de alegria logo cedo é
um privilégio, ainda mais quando se tem ao lado uma mulher tão incrível
como a minha, para dividir os cuidados, preocupações e amor.
— Meus filhos cozinheiros! — Clara apertou-os mais uma vez em
seus braços, amava ter os dois grudados em seu colo.
— Eu vou ter um restaurante — Nina contou. Repetia diariamente a
informação e a sua brincadeira preferida era cozinhar e servir os pratos
imaginários.
— Eu também, Ina. — Rimos juntos, ninguém ficava imune a fofura
do Paulinho.
Soltei um suspiro, saudoso, ainda de pé e braços cruzados ao lado da
cama. Mas queria mais daquele momento e abri um espaço para ficar junto
deles.
— O papai vai sentar aqui com vocês.
— Eu te amo! — Minha mulher sussurrou, entredentes, e não resisti
em puxá-la para mais perto e falar em seu ouvido.
— Mais tarde vou te mostrar o quanto te amo!
— Ansiosa!
Dei uma risada, era uma diaba, uma linda diaba, que tinha tudo de
mim, todo o meu amor, admiração, energia e tesão. Maria Clara ocupava a
minha vida, povoava os meus pensamentos, era o meu norte.
— Vocês estão cochichando. De novo. — Nina reclamou e aproveitei
para beijar as minhas duas crianças.
— Estou dizendo para a mamãe que amo vocês!
De repente, tive tudo da vida. Uma mulher incrível, filhos
maravilhosos, uma família perfeita para mim Era esse o meu segredo!
Pedido Especial

Querido (a) leitor (a), se chegou até aqui e gostou da experiência com a
leitura de Meu Segredo Federal, peço com carinho que deixe a sua
avaliação!
É muito importante para o meu trabalho e posicionamento na
plataforma!

Um beijo, Rapha!
Agradecimentos

Agradeço primeiro a Deus, pelo dom da vida e por permitir que meus
sonhos saiam do campo imaginário para serem realizados.
Ao meu marido, pela paciência e compreensão com as horas que
me dediquei ao livro, pelo amor que transborda, por gostar de me agradar e
sonhar junto comigo. Te amo!

Ao meu filho Antônio, você mudou a minha vida e a minha forma de


viver e enxergar o mundo. É o primeiro livro que escrevi inteiro após o seu
nascimento, muitas vezes acordado brincando ao meu lado. Amo você, vida!

À minha família, por acreditar em meus sonhos e me ensinar a


correr atrás do que quero.

Aos meus amigos, por estarem na torcida e expectativa. Às minhas


amigas, Stela e Mônica, presentes que o mundo literário me deu! Além de
talentosas, vocês são generosas. Fico feliz por nossos caminhos terem
cruzado.

Às minhas parceiras, que sonham junto comigo e me ajudam a


realizá-los!

Às leitoras queridas que me acompanham, incentivam e estão


sempre na torcida, espero que vocês gostem! Um beijo especial para as
queridas do grupo de leitoras!`

Às minhas leitoras betas, vocês foram demais! Muito obrigada pelo


auxílio e paciência em meus surtos!!

E à Carol Lisboa, minha assessora, psicóloga, amiga e que faz meu


trabalho acontecer! Você é um presente em minha vida!
Sobre o autor
Raphaela Fagundes
Meu nome é Raphaela Fagundes, nascida em 17/09/1990, em Belo
Horizonte/MG. Casada, mãe do Antônio, advogada há 10 anos, professora
em curso de noivos e líder de casais. Comecei a escrever na adolescência,
lotava meus cadernos com histórias. Em 2018 decidi que gostaria de
publicar meu trabalho, mas foi no final de 2019 que tomei coragem e tirei
os planos do papel.
Também sou autora de Amor e Recomeço, Nosso Reencontro, Um
Recomeço para o CEO, Duda & o CEO, Meu Vizinho Federal e Minhas
Delegada Federal, todos disponíveis na Amazon.

IG: autoraraphaelafagundes
Face: autoraphaelafagundes
Wattpad: raphaelabiagini
Livros deste autor
MINHA DELEGADA FEDERAL
João Miguel é o primogênito da família Brandão e o único dos irmãos que
escolheu se dedicar a carreira de advogado criminalista, assumindo o
escritório da família. Sua vida, com tempo livre quase inexistente, é
dedicada ao trabalho.
Isadora Leão saiu do interior gaúcho para morar em São Paulo, ao ser
aprovada para o cargo de delegada federal. Focada na carreira profissional,
ficou conhecida por ser linha dura nas prisões e investigações.
Eles não procuravam relacionamentos, não acreditavam em acasos e,
tampouco, que opostos se atraem.
Até acontecer um encontro avassalador.
Ela prende, ele solta!
Um jogo de gato e rato em que, quem leva a melhor, levou o amor e a
paixão?
Venham descobrir!

MEU VIZINHO FEDERAL


Luiz Henrique, vulgo Brandão, é agente da Polícia Federal, filho de
advogados criminalistas e acostumado a investigar e prender clientes dos
seus pais. Durante uma Operação policial, descobre que a mulher assustada,
que chamou sua atenção, é a dona da vaga de garagem que ele vinha
erroneamente ocupando no prédio para o qual acabou de mudar.
Olívia é estilista e trabalha em uma famosa marca de roupas. Em um dos
piores dias da sua vida, ela fica diante da pessoa que a vinha irritando há
dias, o mesmo que havia acabado de mudar para o apartamento ao lado do
seu e que recebia visitas femininas.
Eles são vizinhos, apaixonantes e você não vai consegui esquecê-los!

DUDA & O CEO


“Em definitivo, eu era fraca demais para o Pedro na versão CEO.”
Maria Eduarda Klein teve seu coração quebrado ao descobrir que o
namorado, com quem praticamente morava junto, era casado e havia
engravidado a esposa. Após o término, passou dois anos sem se envolver
com o sexo masculino, bem como, sem sair de casa para compromissos que
não fossem relacionados ao estudo ou trabalho.
Pedro Salomão é o CEO da empresa fundada pelo avô, cresceu com a ideia
fixa de jamais se envolver em um relacionamento sério. Enfrentou a morte
da mãe ainda na infância e segundo o seu raciocínio, amar alguém
importaria em algum momento precoce perdê-la e sofrer com a sua
ausência.
Os destinos de Duda e Pedro se cruzaram e eles tiveram lidar com as suas
limitações e traumas.
E ante a enorme atração que sentiam pelo outro, fica o questionamento se
foram corajosos o suficiente para enfrentarem a si mesmos.

UM RECOMEÇO PARA O CEO


Ricardo Lima e Assumpção é viúvo e CEO de uma empresa que administra
franquias. Aos vinte e oito anos perdeu a esposa em um acidente de carro.
Vivia preso às lembranças do casamento que acabou precocemente.
Tudo mudou quando ele foi despertado para quem estava em sua vida fazia
alguns anos.
Chloe de Corse foi levada para a França aos cinco anos, quando perdeu a
mãe, tendo sido criada pela família do pai. Os irmãos e a madrasta sempre
demonstraram o descontentamento com os transtornos que sua chegada
trouxe.
Os caminhos de Ricardo e Chloe foram traçados quando eles não faziam
ideia que poderiam se envolver. E no tempo certo, o destino provou que
havia um recomeço para o CEO.

NOSSO REENCONTRO
Antônio e Marina se conheceram na faculdade e após cinco de casados,
decidiriam divorciar. Eles procuravam a felicidade e julgaram que sozinhos,
poderiam encontrá-la. Acontece que conseguiram colocar fim no
compromisso, mas não no forte sentimento que nutriam pelo outro.
Dois anos depois da separação, período em que não se falaram e, tampouco
se encontraram, foram colocados frente a frente. E em uma situação de
emergência.
Será que o amor falará mais alto? Porém, eles já provaram para si mesmos
que somente amor, não é suficiente.
Vem, com Antônio e Marina, embarcar neste reencontro.

AMOR E RECOMEÇO
Alexia, após flagrar seu noivo com a amante, fez as malas e partiu para uma
temporada em São Francisco, na Califórnia. Nunca havia viajado sozinha,
mas acreditava que se aventurar em outro país iria lhe fazer bem. Ela
tentava recuperar a autoestima e queria dedicar um tempo a si mesma.
Assim, mergulhou no trabalho de escritora e foi escrevendo que conquistou
Álvaro.

Ele havia ido para São Francisco em uma fuga da depressão que enfrentava.
Bastou colocar os olhos na pequena ruiva, que ia todos os dias ao seu café
favorito para escrever, e queria saber tudo sobre ela.
Semanas se passaram até que eles foram fortemente envolvidos em um
romance cheio de desafios. Eles se tornaram o amor um do outro e ambos o
recomeço.

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