Paraartigo 01
Paraartigo 01
Junho de 2011
* Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
**Diretor do CINDES.
CINDES - Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento - Rua Jardim Botânico, nº 635, sala 906.
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1. Introdução
Nos últimos 20 anos, dentre as várias consequências advindas da reforma comercial do governo
Collor e do Plano Real, uma das mais importantes foi a renovação da agenda de políticas públicas no
Brasil. Além de haver gerado um conjunto de polêmicas inéditas no país, a nova agenda redefiniu os
termos de alguns dilemas antigos. A lista de questões em aberto inclui, por exemplo: (a) a apreciação
recorrente da taxa de câmbio versus as possibilidades de expansão da indústria nacional; (b) a
necessidade de elevar a poupança doméstica versus os obstáculos à redução do gasto público; (c) o
rigor dos órgãos de defesa da concorrência na aplicação da lei antitruste versus a proteção conferida
por outras áreas do governo a oligopólios e monopólios estabelecidos no país; (d) o aprimoramento da
legislação ambiental versus o crescimento da oferta de produtos agrícolas, de energia e de bens
intensivos em recursos naturais.
No debate sobre estas questões, são frequentes as proposições que visam reeditar as estratégias antigas
de intervenção do estado na economia, baseadas em controles cambiais, tarifas aduaneiras, gastos
públicos pouco transparentes, privilégios a empresas selecionadas e leniência em relação à degradação
ambiental. Por outro lado, argumentos opostos a estes enfatizam a necessidade de que sejam
concluídas as reformas institucionais iniciadas na década de 90, a fim de permitir um novo estilo de
atuação governamental focado na redução dos custos de transação da economia, no incentivo à
inovação tecnológica, na eliminação de barreiras à entrada nos distintos segmentos da economia, e na
subordinação das políticas setoriais à legislação ambiental.
Este artigo procura mostrar que a experiência do setor elétrico constitui uma ilustração eloquente em
favor da segunda linha de argumentos acima referida. Nas últimas quatro décadas, a oferta de energia
no Brasil foi regulada através de três modelos distintos. Nos anos 70, o planejamento e as decisões de
investimento eram coordenados pela Eletrobras, enquanto que a expansão da capacidade produtiva era
financiada através de créditos externos e de impostos específicos sobre o consumo de energia. Este
modelo permitiu que a capacidade instalada de geração tivesse crescido a taxas anuais médias de 12%
naquela década, em contraste com as duas décadas seguintes, quando este desempenho caiu para cerca
de 4% e 3,3% a.a., respectivamente.
A crise fiscal dos anos 80 e o esgotamento das fontes externas de financiamento tornaram inviável a
política energética dos anos 70. Em 1995, o governo iniciou um programa de reformas que incluía a
privatização do setor e a implantação de um conjunto de normas baseadas no princípio de que, dado o
atual estágio de desenvolvimento tecnológico, as atividades de geração e comercialização de energia
O modelo adotado pelo governo FHC jamais chegou a ser completado, e sofreu um forte desgaste
com a crise energética de 2001. Em 2004, o governo Lula restabeleceu o planejamento estatal como
princípio orientador da expansão da oferta de energia, criando a Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), e, através da lei 10.848/04, redefiniu as normas de participação do setor privado.
O texto está organizado da seguinte forma. A seção 2 discute a interação entre investimentos em
usinas hidrelétricas e preservação ambiental nos três modelos. Quatro temas são ali abordados: (a) os
crimes ambientais e sociais cometidos durante o período militar; (b) as mudanças institucionais da
segunda metade dos anos 80 que permitiram a edição da atual legislação ambiental do país; (c) as
lacunas do modelo adotado pelo governo FHC; (d) o papel do planejamento energético como
instrumento da política de meio ambiente. Visando esclarecer as raízes históricas das questões
tratadas na seção anterior, a seção 3 descreve a dinâmica institucional do sistema elétrico brasileiro a
partir do início do século passado, com foco nas fontes de financiamento, nos conflitos de interesses
entre os agentes que participam do sistema, e na gestão dos distintos tipos de riscos envolvidos na
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, que podem ser de caráter hidrológico,
ambiental, social, econômico e regulatório. Por fim, a seção 4 aponta alguns temas ainda pendentes na
agenda de pesquisa sobre a economia política do setor elétrico.
Um dos traços marcantes do modelo que regulou a expansão da oferta de energia nos anos 70 era o
descaso em relação aos impactos socioambientais advindos da construção de usinas hidrelétricas,
conforme ilustram os exemplos notáveis de Itaipu, Balbina, Sobradinho e Tucurui. A barragem de
Itaipu inundou 1500 km2 de florestas e áreas agricultáveis, desalojou cerca de 40 mil pessoas,
aniquilou uma quantidade incalculável de animais silvestres, e destruiu as cataratas de Sete Quedas,
um dos maiores patrimônios naturais da humanidade. Estas consequências já eram previsíveis em
1970, quando foram iniciados os estudos de viabilidade do projeto que iria ser concluído em 1984.
Entretanto, o regime ditatorial daquela época impediu o debate público a respeito do tema. De fato, a
principal manifestação de repúdio ao crime ambiental que estava sendo cometido pelo governo
ocorreu em 07.10.82, quando foram fechadas as eclusas da barragem. Naquele dia, Carlos Drummond
de Andrade escreveu no Jornal do Brasil o magnífico poema Adeus a Sete Quedas, que ainda hoje
emociona qualquer leitor.
A usina de Balbina é um caso singular, por se tratar da hidrelétrica mais ineficiente do país, como
mostraram Kemenes, Forsberg e Melack (2007), pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA) que examinaram os indicadores de desempenho desta usina durante vários anos.
Projetada na segunda metade da década de 1970, para atender a demanda de energia da cidade de
Manaus, Balbina entrou em operação em 1988. Em virtude de uma sequência de falhas de concepção
e de execução da obra, esta usina gera gases de efeito estufa (metano e gás carbônico) a um ritmo dez
vezes superior ao de uma termelétrica movida a carvão mineral com o mesmo potencial energético.
Tal emissão decorre do fato de que a barragem foi construída em área florestada, o que provoca uma
intensa decomposição de material orgânico no fundo do lago. Não obstante sua reduzida potência, de
apenas 235 MW, a área alagada é de 2600 km2, quase o dobro de Itaipu, cuja potência é 60 vezes
superior à de Balbina.
Quando a usina de Sobradinho foi inaugurada em novembro de 1979, um dos pontos destacados na
propaganda governamental era o de que seu reservatório constituía o maior lago artificial do mundo,
com uma superfície de espelho d’agua de 4.200 km2. Entretanto, na literatura sobre impactos
ambientais dos projetos em energia, uma das variáveis usadas para indicar os custos sociais gerados
pela construção de barragens é, justamente, o tamanho da área inundada (Ledec e Quintero, 2003;
Goodland, 1997). A experiência de Sobradinho ratifica a utilidade deste critério. Embora ciente de
que a obra iria desalojar cerca de 70 mil pessoas, alterando profundamente as rotinas produtivas e as
condições de vida em sete municípios do estado da Bahia, a empresa responsável pelo projeto, a Cia.
Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), não elaborou previamente uma estratégia de reassentamento
daquela população. As consequências desta atitude ainda são visíveis nos dias atuais. A destruição da
agricultura familiar elevou as disparidades sociais na região, tornando os antigos produtores em
beneficiários do Programa Bolsa Família. Não por acaso, a Bahia tem sido o estado com o maior
número de pessoas inscritas nesse programa desde a sua criação.
A usina de Tucurui começou a ser construída pela Eletronorte em 1975 e entrou em operação em
novembro de 1984. Atualmente, é responsável por 70% da energia elétrica produzida na região norte e
por 6% do mercado nacional. Em 1977, com a obra já em andamento, a empresa contratou o ecólogo
Robert Goodland para realizar um diagnóstico dos impactos ambientais do projeto. Goodland
elaborou uma lista de providências requeridas, que incluía um programa de desmatamento, um
inventário sócio cultural das populações afetadas, uma análise da infraestrutura de transporte e
serviços da região, estudos arqueológicos, uma estratégia para minimizar a destruição da fauna, e os
cuidados necessários para preservar a qualidade da água do reservatório (La Rovere e outros, 2000).
Após o fim do regime militar, uma série de mudanças institucionais e políticas ocorridas na segunda
metade dos anos 80 redefiniram os termos da questão ambiental no Brasil. A Constituição de 1988
incluiu a defesa do meio ambiente entre os princípios fundamentais da ordem econômica nacional
(art. 170) e conferiu poderes ao Ministério Público para assegurar a efetividade dos instrumentos de
preservação ambiental (art. 129). No ano seguinte, a Lei no. 7735, de 22.02.89, criou o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em diversos estados, as
leis foram reformuladas, visando criar ou fortalecer as agências ambientais estaduais.
Sob a influência deste novo contexto institucional, a Eletrobras preparou, em 1990, o Plano Diretor de
Meio Ambiente do Setor Elétrico (PDMA), que foi o primeiro documento produzido no país onde as
metas de expansão da oferta de energia foram subordinadas a uma estratégia de preservação
ambiental. A estratégia compreendia um conjunto de princípios básicos e diretrizes que deveriam ser
obedecidos em cada uma das etapas do processo de planejamento, construção e operação de usinas
elétricas. De acordo com aqueles critérios, os investimentos em energia só seriam realizados se
fossem atendidos os seguintes requisitos básicos:
b) as ações de natureza preventiva seriam negociadas com os segmentos sociais afetados, e executadas
tempestivamente;
c) os custos de tais ações deveriam ser incluídos nas análises das taxas de retorno de projetos
alternativos de geração de energia;
Não obstante os inúmeros aspectos inovadores do PDMA, sua formulação foi baseada na hipótese de
que seria mantido o modelo de regulação então vigente, onde o planejamento energético e as decisões
de investimento eram coordenados pela Eletrobras. Entretanto, como veremos adiante, tais atribuições
foram abolidas através das reformas introduzidas durante a década de 90, cujas prioridades estavam
concentradas na privatização do setor e na mudança das fontes de financiamento dos investimentos.
Assim, o PDMA jamais foi implantado, embora suas contribuições conceituais ainda sejam relevantes
nos dias atuais, conforme notou um estudo recente do Banco Mundial (2008).
O modelo estatal do setor elétrico começou a ser desmontado em julho de 1995, com a privatização da
Espirito Santo Centrais Elétricas S.A. (ESCELSA). Em 1996, foram vendidas a Light e a Cia. de
Eletricidade do Rio de Janeiro (CERJ), bem como, nos dois anos seguintes, outras 15 empresas de
energia elétrica, num ambiente de elevada incerteza jurídica, devido à ausência de instituições para
regular o funcionamento do setor após as privatizações. Como notou, à época, Rogério Werneck
(1997), “... o próprio Governo reconhece que ainda não tem uma concepção nítida de como deverá
estar organizado o setor elétrico após a privatização. Há estudos em andamento, mas não há ainda
uma visão que possa ser considerada consensual dentro do Executivo. É bem provável que as
discussões sobre o desenho do novo setor elétrico ainda se arrastem por muito tempo.” (p. 5)
De fato, o novo marco regulatório só começou a ser implantado em 1998, após o estabelecimento de
seus instrumentos principais: a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o Operador Nacional
do Sistema Elétrico (ONS) e o Mercado Atacadista de Energia (MAE). Entretanto, a criação destes
organismos não foi suficiente para reduzir as pressões políticas contrárias às privatizações. Em virtude
dessas pressões e das novas prioridades do governo após as eleições de 1998, o programa de
privatizações foi interrompido nos anos seguintes.
Além de não ter estabelecido previamente o marco regulatório, outras duas deficiências das reformas
executadas pelo governo FHC foram as de ignorar a importância das atividades de planejamento e a
necessidade de articulá-las com as normas ambientais. Devido à extensão territorial do país e ao
predomínio de fontes hidráulicas na geração de energia elétrica, um desafio que sempre esteve
presente no processo brasileiro de industrialização foi o de conciliar a oferta de energia com o perfil
de crescimento da economia. Por um lado, a decisão quanto aos investimentos requeridos em geração,
transmissão e distribuição de energia depende de estimativas sobre o tamanho, composição e
distribuição regional do PIB nacional, realizadas com pelo menos cinco anos de antecedência, que é o
tempo mínimo necessário para construir uma usina elétrica. Por outro, a definição da política tarifária
deve levar em conta uma estrutura de custos de produção de energia que se torna crescentemente
heterogênea ao longo do tempo, por dois motivos: (a) a vida útil da capacidade produtiva instalada,
que pode continuar ativa várias décadas após a amortização dos investimentos; e (b) os custos mais
elevados das novas usinas, devido a razões tecnológicas, ambientais e de localização das fontes
hidráulicas.
O papel do planejamento energético torna-se ainda mais relevante a partir do momento em que o
governo decide estimular a entrada de empresas privadas no setor em regime competitivo, em virtude
dos riscos elevados envolvidos na decisão de investimento. Neste ambiente, o planejamento
energético cumpre três funções indispensáveis para estimular os investimentos privados, que são as
de: (a) conferir credibilidade às metas de expansão do sistema elétrico; (b) facilitar o estabelecimento
de regras contratuais estáveis durante o período de amortização dos investimentos que minimizem os
custos de transação dos agentes; (c) induzir evolução do perfil da matriz energética coerente com os
princípios da preservação ambiental e a promoção do bem estar social.
O setor de energia elétrica constitui um caso particular de indústria de rede em que a rigidez
tecnológica da cadeia produtiva contém dois atributos especiais: os requisitos de segurança
operacional da rede de transmissão e os limites para estocar energia impostos pelas dimensões dos
reservatórios hidrelétricos. Estas peculiaridades magnificam os riscos de condutas abusivas por parte
das firmas verticalizadas, que, através do controle sobre os reservatórios e as redes de transporte,
podem facilmente extrair rendas e eventualmente excluir do mercado os competidores que operam
apenas nos segmentos de geração e comercialização. Devido às dificuldades de fiscalizar e punir, em
tempo hábil, estas condutas através dos procedimentos antitruste, a única solução viável é proibir a
verticalização, já que nem mesmo a separação contábil das atividades seria suficiente para disciplinar
o setor. Tal como em outras indústrias de rede, a desverticalização de empresas elétricas não requer
necessariamente a alienação de ativos, mas pode ser feita através da transferência do controle
operacional sobre as atividades de transmissão e gestão dos reservatórios hidrelétricos para um agente
autorizado pelo governo (OECD, 2001).
As reformas iniciadas em 1995 superaram o problema da verticalização ao criar o ONS em 1998, mas
ignoraram o outro ponto crucial, que era o de ajustar o escopo do planejamento energético às novas
condições de investimento advindas da privatização. O ONS recebeu as funções de planejar as
operações, executar o despacho centralizado da geração, e indicar as ampliações necessárias nas redes
de transmissão. Entretanto, suas atribuições estavam restritas, obviamente, ao plano operacional, e o
governo não conferiu a qualquer outro órgão a tarefa de planejamento da expansão que anteriormente
cabiam à Eletrobras.
Uma característica singular do planejamento energético é que esta tarefa permaneceria no rol das
responsabilidades do governo mesmo se todas as empresas elétricas tivessem sido privatizadas. De
fato, as oportunidades de investimento neste setor são resultantes de um conjunto de decisões
governamentais relativas ao perfil da matriz energética nacional. Assim, a política de meio ambiente
pode tornar mais competitivos os preços do gás natural, ou impedir a construção de novas usinas em
determinadas localidades; a política de ciência e tecnologia pode acelerar o desenvolvimento de fontes
não convencionais de energia; grupos de interesse podem demandar investimentos em energia
nuclear; etc. Portanto, ao projetar a demanda de energia elétrica para os próximos cinco anos, o
governo também torna explícitos seus compromissos com as metas da matriz energética, e esta
informação é decisiva para conferir credibilidade às oportunidades de investimento que serão
anunciadas ao setor privado.
No início do governo Lula, a regulação do setor elétrico foi novamente alterada através das leis
10.847 e 10.848, de 15.03.04. A primeira lei criou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com o
objetivo de restabelecer os instrumentos de planejamento de médio e longo prazo neste setor. A
segunda introduziu diversas mudanças no marco regulatório que incluíram, dentre outras, as
seguintes: (a) novas regras de comercialização de energia que demandaram a substituição do MAE
pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); (b) fortalecimento institucional do
ONS, conferindo-lhe maior autonomia perante as empresas elétricas, e criando mecanismos para
articular suas funções com as da EPE; (c) instauração de dois tipos de leilões – um para contratar a
energia produzida pelas usinas existentes e outro para novos empreendimentos – visando resolver
refletir os baixos custos de produção das usinas já amortizadas nas tarifas do sistema.
As mudanças acima serão examinadas em maior detalhe na próxima seção. O ponto a ser discutido
aqui é o de que a restauração dos instrumentos de planejamento de longo prazo criou condições para
que a EPE executasse a estratégia de preservação ambiental formulada pela Eletrobras em 1990
através do PDMA. No entanto, sete anos após a fundação da EPE, a falta de sincronia entre o
planejamento ambiental dos projetos elétricos e o processo de licenciamento ambiental continua
evidente, como bem ilustra a atual polêmica sobre a usina de Belo Monte.
Um dos efeitos desta desarticulação tem sido a de dificultar a inclusão de usinas hidrelétricas nos
leilões de energia. Nos 11 leilões para novos empreendimentos realizados entre 2004 e 2009, cerca de
2/3 da energia contratada foi proveniente de fontes térmicas, porque o governo não conseguiu obter a
tempo as licenças ambientais para mais da metade das usinas hidrelétricas planejadas. Assim, a
legislação ambiental do país estaria contribuindo para piorar a qualidade da matriz energética
nacional, com a proliferação de usinas térmicas, mais caras e mais poluentes que as hidrelétricas.
É importante lembrar que contradições deste tipo não constituem uma singularidade da interação entre
as políticas de energia e meio ambiente, mas decorrem do contexto de reformas inacabadas que tem
vigorado em diversos segmentos da economia brasileira nos últimos 20 anos. Na área de defesa da
concorrência, por exemplo, a lei no. 8884, de 11.06.94, instituiu o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência (SBDC) e conferiu poderes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
para agir como autoridade antitruste independente. Desde então, a atuação do CADE e dos demais
órgãos do SBDC tem sido marcada pelo rigor crescente na aplicação da lei antitruste. No entanto, o
poder de mercado de firmas que operam em oligopólios importantes, como a indústria automobilística
e os produtores de bens intermediários, tem sido preservado através de medidas protecionistas
administradas pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) (Tavares, 2010).
A diferença entre o exemplo acima e o do setor de energia é que o CADE não tem poder para vetar
decisões da CAMEX que sejam conflitantes com os princípios da lei antitruste. Por outro lado, o
protecionismo da CAMEX não desmoraliza o CADE, mas reduz o alcance da política de defesa da
concorrência. No setor de energia, entretanto, uma solução deste tipo implicaria um retrocesso
institucional inaceitável pela sociedade. Assim, a única opção viável politicamente é aquela indicada
no PDMA, onde as questões sociais e ambientais são examinadas na etapa inicial do processo de
planejamento da matriz energética, juntamente com os demais aspectos tecnológicos e econômicos de
cada empreendimento. Conforme indicou o estudo do Banco Mundial (2008), a adoção desta
abordagem não requer mudanças radicais nos marcos regulatórios vigentes, mas implica a introdução
de novas rotinas que estimulam a participação de atores com interesses conflitantes, cuja efetividade
demandará, provavelmente, alguns anos para ser alcançada.
O sistema elétrico brasileiro nasceu em âmbito municipal, por iniciativa de investidores privados, no
início do século XX. As empresas operavam sob regime contratual determinado pelas autoridades
municipais com tarifas fixadas com base no ouro para remunerar os investimentos realizados (cláusula
ouro). Esse regime tarifário entrou em crise após a crise de 1929, paralisando os investimentos na
expansão do sistema.
Visando a retomada da expansão, o governo federal instituiu o Código de Águas como instrumento
jurídico para regular o uso dos sítios hidrelétricos e criou o Conselho Nacional de Águas e Energia
Elétrica (CNAEE) como instrumento administrativo para regular a gestão técnico-econômica dos
serviços elétricos oferecidos à sociedade. A cláusula ouro foi abandonada e as tarifas passaram a ser
fixadas na moeda nacional. Dessa forma, os riscos cambiais da expansão do sistema foram repassados
para os investidores (Dias Leite, 2007). Esse novo ambiente regulamentar reduziu drasticamente o
interesse dos investidores privados (basicamente estrangeiros) no sistema elétrico, praticamente,
paralisando sua expansão. Situações de racionamento de energia elétrica tornaram-se corriqueiras e o
suprimento elétrico tornou-se gargalo importante do desenvolvimento econômico.
O consumo de energia elétrica iniciou um ciclo de forte expansão após o final da segunda grande
guerra, puxado pelo crescimento demográfico, pela industrialização e pela urbanização.1 Estudo
realizado por consultoria internacional indicou ser a geração hidrelétrica, complementada com
geração térmicas nos períodos de estiagem, a melhor opção econômica para a geração de energia no
país. A topografia do Sudeste do país favorecia a construção de reservatórios que permitiam obter
ganhos de escala e aumentar a energia gerada pelas hidrelétricas. Os projetos hidrelétricos passaram a
dominar a expansão do sistema.
Para preencher o vácuo deixado pelos investidores privados, foram criadas empresas estatais
(estaduais e federais) que assumiram papel central na expansão do sistema elétrico, (Pereira de Mello
& alii, 1994). As empresas operavam em regime de monopólio em sua área de concessão, sob o
regime tarifário custo do serviço. Nesse regime o ressarcimento dos custos operacionais, a
amortização dos investimentos realizados e uma remuneração dos investimentos não amortizados
(entre 10% e 12%) eram garantidos em lei. Os riscos financeiros do sistema elétrico eram repassados
__________________________________________________________________________
1
Nesse período, o consumo de energia crescia acima de 10% ao ano.
para as tarifas dos consumidores e os riscos hidrológicos eram administrados pelas empresas por meio
de cortes seletivos no suprimento dos consumidores, nos períodos de pluviometria desfavorável.2 No
entanto, a interconexão progressiva dos mercados regionais permitia a redução da necessidade desses
cortes nos mercados relevantes e oferecia oportunidades para ganhos de escala na construção de
centrais. Formou-se assim um círculo virtuoso em que a expansão do sistema permitia obter ganhos
de escala e de aglomeração que reduziam custos e melhoravam a qualidade dos serviços prestados
pelo sistema elétrico (de Oliveira, 2007). Melhores serviços e menores tarifas fomentavam o
desenvolvimento econômico, incrementavam o consumo e a necessidade de expansão.
Em 1962, foi criada a Eletrobras com o objetivo de dotar o governo federal de instrumento para a
organização do sistema elétrico em âmbito nacional, tanto em termos financeiros quanto
operacionais.3 Um modelo tripartite com recursos dos consumidores (empréstimo compulsório), do
governo federal (Fundo Federal de Eletrificação4) e dos bancos multilaterais de crédito (Banco
Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento) foi estruturado para financiar a expansão do
sistema. Esse modelo ofereceu acesso a recursos financeiros em condições favoráveis para as
empresas elétricas estatais5, viabilizando a rápida expansão do sistema.
Paralelamente, organizaram-se os papéis dos investidores na expansão do sistema centrada na
construção de centrais hidrelétricas.6 As empresas estatais estruturavam o financiamento necessário
para realizar a obra, administravam sua construção e geriam a operação e os fluxos financeiros do
sistema elétrico. A demanda de equipamentos elétricos era atendida por empresas multinacionais que
se instalaram no país e as empreiteiras domésticas construíam os reservatórios para abrigar a água
acumulada utilizada nos períodos de estiagem. Em torno das empreiteiras, passaram a orbitar
fornecedores de insumos (principalmente cimento e aço) necessários para a construção das barragens
nos rios.
Itaipu marca uma ruptura no arranjo institucional e financeiro criado no após guerra para promover a
expansão do sistema elétrico. Essa central permitiu dar continuidade à trajetória de ganhos de escala
na construção de hidrelétricas e viabilizou a interconexão dos mercados da região sudeste e sul do
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2
A preocupação com os riscos ambientais não estava presente e a expansão do sistema elétrico era percebida
consensualmente como um benefício para as comunidades locais e regionais.
3
As empresas municipais haviam adotado normas técnicas diferenciadas, fruto de escolhas técnicas decididas pelo investidor
privado. A interconexão dos mercados municipais exigia a adoção de normas técnicas unificadas.
4
Recursos provenientes do Imposto Único de Energia Elétrica (IUEE).
5
Os consumidores recebiam títulos resgatáveis remunerados a 12% ao ano, sem correção monetária; o IUEE era destinado ao
financiamento da expansão e os bancos multilaterais financiavam as empresas estatais com períodos de amortização
compatíveis com a oferta de tarifas competitivas.
6
Estudo realizado por consultoria internacional indicou ser a geração hidrelétrica, complementada com geração térmica nos
períodos de estiagem, a melhor opção econômica para a geração de energia no país.
país.7 No entanto, sua construção contrariava interesses regionais que sugeriam a construção de
centrais em território nacional que seriam administradas por empresas estaduais e teriam reservatórios
menores, com impactos sociais e ambientais menos significativos. A escolha de empreiteiras distintas
(ainda que ambas brasileiras) para a construção do reservatório da central pela parte brasileira e pela
parte paraguaia criou um impasse construção de Itaipu que evidenciou os interesses em conflito nessa
obra. O impasse foi equacionado com a criação de amplo consórcio de empreiteiras brasileiras para a
construção de Itaipu. Esse não foi, no entanto, o único problema criado por essa central.
Itaipu modificou também o papel exercido pelas empresas estaduais na gestão da operação e da
expansão do sistema elétrico ao determinar a absorção compulsória da sua energia pelas empresas do
sudeste-sul do país. Na prática, essa medida constrangeu as empresas geradoras estaduais a revisarem
seus planos de operação e de expansão para acomodar a oferta de Itaipu nos seus mercados.
Disponibilidades de energia em períodos pluviométricos favoráveis deixaram de ser comercializadas e
entradas em operação de centrais hidrelétricas em construção foram postergadas com efeitos
financeiros significativos para as empresas estaduais.
Para administrar os conflitos de interesses entre as empresas que compunham o sistema elétrico, em
especial os conflitos com as empresas estaduais, o governo federal instituiu grupos coordenadores
para a gestão da energia acumulada nos reservatórios hidrelétricos (GCOI) e para definir onde e
quando construir novas centrais (GCPS) sob a liderança da Eletrobras. Relações estabelecidas em
âmbitos estaduais entre empresas geradoras e seus fornecedores de equipamentos elétricos,
empreiteiras construtoras de reservatórios e fornecedores de insumos passaram para ser coordenadas
em âmbito federal. Desde então, sítios hidrelétricos de pequeno e médio porte perderam relevância no
planejamento da expansão setorial.
Por outro lado, o governo federal instituiu a tarifa nacional unificada, com o objetivo de eliminar
disparidades regionais existentes nas tarifas elétricas. Nesse regime, as tarifas tinham vigência em
todo o território nacional e as empresas com custos elevados eram subsidiadas pelas empresas com
menores custos. As empresas com maior rentabilidade (basicamente situadas na região sudeste, onde
os ganhos de escala e de escopo eram mais relevantes) eram compelidas a repartir seus benefícios
com empresas com custos elevados. Esse regime tarifário revelou-se indutor de leniência com custos,
inicialmente entre as empresas com maior rentabilidade, generalizando-se progressivamente entre
todas as empresas elétricas. Esse problema tornou-se particularmente desastroso na década de 1980,
quando o governo adotou a política de contenção tarifária para mitigar a escalada da inflação.
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7
A usina tinha ainda o mérito de equacionar problemas geopolíticos da bacia do Prata (Dias Leite, 2007).
Aos problemas financeiros das empresas adicionou-se a desestruturação do tripé financeiro que havia
sustentado a expansão do sistema elétrico no após guerra. Os bancos multilaterais redefiniram sua
política de financiamento para o setor elétrico, especificando que empresas estatais não mais teriam
acesso a seus recursos financeiros (de Oliveira, 2005). Por outro lado, a constituição de 1988 proibiu o
uso de empréstimo compulsório para financiar a expansão do sistema elétrico e também eliminou o
imposto único de energia elétrica, principais fontes de recursos que alimentava o fundo federal de
eletrificação. Esgotadas as fontes de financiamento, diversos projetos hidrelétricos foram paralisados
e o circulo virtuoso transformou-se em circulo vicioso de custos crescentes, deterioração da qualidade
dos serviços, paralisação da expansão, custos crescentes. O sistema elétrico tornou-se importante
gargalo do desenvolvimento econômico.
Com o fim do regime militar, os problemas ambientais e sociais dos projetos hidrelétricos tornaram-se
objeto de crescentes críticas de organizações não governamentais (ONGs). O Comitê Coordenador
das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico (Comase) foi criado no âmbito da Eletrobras com
o objetivo de minimizar esses os efeitos nocivos dos projetos hidrelétricos. Porém, o cerne dos
problemas setoriais residia no financiamento da expansão. Para equacionar os problemas econômico-
financeiros, um estudo conduzido por técnicos setoriais sugeriu um choque tarifário para restabelecer
a saúde financeira das empresas (Eletrobras, 1989).
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8
Na interpretação dos departamentos jurídicos das empresas, o governo federal teria que oferecer, cedo ou tarde, os reajustes
tarifários ou as compensações financeiras que permitiriam às empresas recuperar as perdas financeiras provocadas por sua
política tarifária.
9
Diversas centrais em construção tiveram cronogramas alongados devido à redução no ritmo de expansão do consumo,
gerando custos financeiros adicionais para esses projetos.
Com a estabilização econômica produzida pelo plano Real, o consumo de energia elétrica voltou a
crescer fortemente, sem que, contudo, fosse acompanhada pela necessária expansão do sistema
elétrico. O saneamento financeiro das empresas, relevante para levar adiante o processo de
privatização, não era suficiente para a retomada da expansão. Uma nova fórmula para o financiamento
da expansão era indispensável. Ela foi idealizada no bojo da agenda de estabilização e liberalização da
economia.
O sistema elétrico foi reorganizado de forma a delegar aos investidores privados o financiamento da
expansão e a gestão dos riscos setoriais. Para a indução da eficiência econômica no sistema, foram
introduzidas pressões competitivas nos distintos elos da cadeia produtiva setorial (de Oliveira,
2007).12 As redes de transmissão e distribuição são operadas em regime monopolista, porém as
concessões de linhas de transmissão são objeto de licitação pública competitiva e as distribuidoras
têm suas tarifas revisadas com o uso de indicadores de eficiência econômica. A geração e a
comercialização de energia são atividades competitivas, sujeitas às regras de defesa da concorrência.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), idealizada para atuar de forma independente do
governo, ficou com a tarefa de garantir o livre acesso às redes de transporte e de fixar tarifas para o
uso dessas infra-estruturas.
__________________________________________________________________________
10
Estima-se que o Tesouro tenha destinado cerca de US$ 20 bilhões para eliminar as CRCs.
11
No entanto, o encargo tarifário (Conta de Consumo de Combustíveis) até então destinado a ressarcir os gastos com
combustíveis das usinas térmicas dos sistemas interligados passou a subsidiar os custos elevados dos sistemas isolados,
basicamente situados na Amazônia.
12
Completada a interconexão de todos os mercados regionais relevantes e evidenciadas as ineficiências da organização
industrial em torno de monopólios regionais verticalizados, regulados pelo custo do serviço e com repasse de riscos para os
consumidores, os ganhos de eficiência econômica teriam que ter origem em novas tecnologias de geração (turbinas a gás) e
na melhor gestão de custos operacionais.
O mercado atacadista de energia (MAE) foi criado para que geradores, grandes consumidores e
empresas distribuidoras liquidem financeiramente suas transações físicas de energia.13 Para as
transações não cobertas por contratos, foi criado o mercado o mercado de curto prazo (spot), essencial
para o ajuste contábil dos consumos não contratados (inevitáveis em um sistema que opera em que as
transações operam em tempo real). Durante uma fase de transição, os pequenos consumidores
permaneceriam cativos das distribuidoras e teriam suas tarifas reguladas pela Aneel que fixava um
preço máximo de repasse às tarifas para a energia contratada pelas distribuidoras (valor normativo).
Com o avanço do processo de liberalização, todos os consumidores teriam liberdade para contratar
seu fornecimento de energia com o gerador de sua escolha.
Nesse novo ambiente, o financiamento dos projetos seria equacionado por investidores privados que,
imaginava-se, iriam recorrer à constituição de empresas de propósito especial (SPCs) para mitigar
seus riscos financeiros e tecnológicos. A entrada do BNDES no financiamento da expansão
minimizaria o risco cambial. Restava o equacionamento do risco hidrológico e os riscos ambientais.
A reforma adotou solução peculiar para a gestão do risco hidrológico, variável determinante na
expansão de sistemas baseados em hidrelétricas. A gestão desse risco foi delegada ao Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entidade privada sem fins lucrativos controlado pelas empresas
do sistema. O ONS utiliza um conjunto de modelos que operam com base em expectativas
(pluviométricas, expansão do parque gerador e consumo de energia) para determinar o uso econômico
da energia acumulada nos reservatórios hidrelétricos. Na prática, as centrais hidrelétricas não
interferem nas decisões de uso da energia acumulada em seus reservatórios, porém cada uma delas
recebe um certificado de energia assegurada no ato da outorga de sua concessão, que podem
comercializar independentemente da energia efetivamente gerada pela central.14 Cabe ao ONS gerir
centralizadamente os reservatórios hidrelétricos do sistema de forma a garantir a oferta agregada das
energias asseguradas das centrais hidrelétricas participantes do sistema.15
O certificado de energia assegurada removeu o risco hidrológico das centrais hidrelétricas, mas não
equacionou o problema da gestão de seus riscos sociais e ambientais. Esse problema tornou-se
particularmente relevante com o deslocamento da construção de centrais de grande porte para a
Amazônia. Nessa região, os impactos ambientais são difíceis de serem avaliados, porém
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13
Os sistemas elétricos têm como característica intrínseca a impossibilidade de geradores identificarem os consumidores de
sua oferta de energia colocada na rede tampouco os consumidores conseguem identificar a fonte geradora de seu consumo.
14
A hipótese que sustenta esse certificado é que a central deverá gerar em média sua energia assegurada durante a vida útil da
central, compensando os períodos de menor energia gerada com outros com maior geração.
15
Um mecanismo financeiro (mecanismo de realocação de energia) é utilizado para compensar os custos das empresas
participantes do pool hidrelétrico.
reconhecidamente complexos, e a gestão dos efeitos sociais dos projetos é intrincada, especialmente
quando envolve comunidades indígenas. A crítica aos projetos hidrelétricos mobiliza um grupo de
agentes de natureza difusa16 que procura interferir no planejamento e na execução dos projetos,
gerando incertezas que dificultam a avaliação de seus riscos econômicos.
A crise setorial da década de 1980 havia paralisado os estudos de inventário hidrelétrico e o IBAMA,
organismo recém criado para oferecer as licenças ambientais, não estava preparado para responder à
demanda de projetos hidrelétricos. Essa realidade induziu os investidores privados a concentrarem seu
interesse na aquisição de centrais existentes oferecidas no processo de privatização e na reativação da
construção de centrais paralisadas, em parceria com as empresas estatais. Nesses casos, o
licenciamento ambiental já havia sido obtido e o fluxo financeiro da venda da energia de energia
assegurada podia ser oferecido como garantia na estruturação do financiamento do investimento.
Se os riscos ambientais e sociais criavam dificuldades para expansão hidrelétrica, a oferta abundante
de gás natural dos países vizinhos criava cenário favorável para a expansão termelétrica. O uso do
ciclo combinado na geração termelétrica alimentada com gás natural permitia aumentar em mais de
50% a eficiência térmica dessas centrais, o gás natural era oferecido a preços relativamente baixos. No
entanto, a negociação quanto às condições de suprimento do combustível revelou que a expansão
termelétrica também enfrentava riscos relevantes.
O sistema elétrico brasileiro está desenhado para operar com termelétricas suprindo o mercado apenas
nos períodos de pluviometria desfavorável. Nessa condição, o fornecimento de combustível para as
térmicas deve ser ajustado ao risco hidrológico. Como a fonte principal de fornecimento de gás para
as hidrelétricas viria das importações da Bolívia, as termelétricas poderiam ficar anos com um enorme
volume de gás contratado, sem mercado alternativo para seu consumo, caso aceitassem o repasse da
condição take-or-pay contida no contrato de importação de gás natural boliviano. Diante desse risco,
os investidores optaram por centrais termelétricas com despacho inflexível (independente da situação
dos reservatórios hidrelétricos). Porém, o despacho termelétrico inflexível desvalorizava os fluxos de
água das hidrelétricas nos períodos de pluviometria favorável ao elevar o risco de racionamento do
suprimento elétrico. Essa solução desarticula alianças empresariais históricas estruturadas em torno da
expansão hidrelétrica que tinha o desenvolvimento do potencial hidrelétrico da Amazônia como
trajetória para a expansão setorial. Assim, a solução termelétrica inflexível não atendia aos interesses
__________________________________________________________________________
16
Estudo do IPEA identificou a existência de milhares de ONGs atuando no Brasil (Gazeta do Povo, 30/10/2006).
vinculados à expansão hidrelétrica, a solução termelétrica flexível não era compatível com as
condições de importação de gás da Bolívia.17
Enquanto os investidores relutavam em assumir os riscos da construção de centrais novas
(hidrelétricas e termelétricas), o consumo de energia elétrica seguiu crescendo. A expansão do sistema
ficou restrita à retomada da construção das centrais que haviam sido paralisadas pela crise financeira
das empresas estatais. Na ausência de expansão adequada, a preservação de níveis elevados de energia
acumulada nos reservatórios hidrelétricos tornou-se indispensável para garantir o suprimento elétrico,
porém essa solução exige o despacho mais intenso das termelétricas. Essa solução elevaria os custos
do sistema (maior consumo de combustíveis) e pressionaria as tarifas.18 Para evitar esse problema,
optou-se por esperar a ajuda de São Pedro. No final da década de 1990, os níveis dos reservatórios
atingiram patamar crítico, indicando a necessidade de acelerar a expansão térmica para evitar o
racionamento de energia.
O governo lançou um programa emergencial de termelétricas, boa parte dele em parcerias com a
Petrobras que acabou aceitando assumir os riscos hidrológicos e cambiais dessas centrais. Porém, os
níveis dos reservatórios atingiram níveis insustentáveis antes delas entrarem em operação. Diante da
perspectiva de colapso no suprimento elétrico, o governo optou pelo racionamento de energia para os
consumidores. O racionamento evidenciou as fragilidades da reforma do sistema elétrico e minou a
confiança da sociedade no programa de privatização e liberalização do mercado elétrico.
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17
As termelétricas teriam que enfrentar também o risco cambial contido no contrato de importação de gás boliviano.
18
Os gastos com combustíveis são repassados para as tarifas na medida em que o ocorre o despacho das térmicas.
emergencial, se desfez, assim que ficaram evidentes os prejuízos elevados decorrentes dos riscos de
despacho flexível assumidos pela Petrobras.19 A maioria dos projetos de centrais térmicas anunciados
no auge da crise permaneceu no papel.
A nova coalizão política que ganhou as eleições após a crise do racionamento concentrou sua proposta
de reorganização do mercado do atacadista de energia,20 tendo como objetivos: i) retomar a expansão
do parque gerador hidrelétrico; ii) eliminar o risco de novas situações de racionamento no suprimento
de energia; iii) reverter a trajetória programada de elevação das tarifas elétricas21; iv) promover a
universalização do acesso dos consumidores à energia elétrica.22
Para alcançar esses objetivos o Ministério de Minas e Energia (MME) passou a exercer o comando do
sistema, subordinando a Eletrobras às decisões tomadas em Brasília e se dotando de organismos que
permitam governar a expansão e a operação do sistema. Para elaborar o planejamento indicativo do
sistema e preparar os estudos de inventário hidrelétrico, foi criada a Empresa de Pesquisa Energética
(EPE). Para evitar o esgotamento dos reservatórios, foi criado o Comitê de Monitoramento do Sistema
Elétrico (CMSE), com autoridade para modificar as regras de despacho econômico do ONS. A Aneel
foi enquadrada como autarquia subordinada às orientações do MME, perdendo seu status de
organismo regulador independente. O processo de privatização foi estancado e as empresas estatais
voltaram a investir na expansão, quase sempre em consórcios liderados por investidores privados
estruturados com o apoio financeiro oferecido pelo BNDES. Para estabelecer o diálogo com os
críticos da expansão hidrelétrica, foi nomeada a senadora Marina Silva para o Ministério do Meio
Ambiente.
As distribuidoras passaram a ter a obrigação de contratar a previsão de consumo de seu mercado no
horizonte de cinco (5) anos, porém elas foram autorizadas a repassar os custos de até 3% da energia
não consumida para as tarifas dos consumidores cativos como mecanismo mitigador de seus riscos de
mercado. Para eliminar o risco hidrológico das centrais termelétricas flexíveis, estas passaram a
__________________________________________________________________________
19
A Petrobras acabou decidindo pela compra da parte de seus sócios nessas centrais para minimizar as suas perdas
econômicas.
20
A espinha dorsal da reforma introduzida na década de 1990 foi preservada: i) desverticalização das atividades de geração,
transmissão, distribuição e comercialização; ii) consumidores livres e consumidores cativos; iii) livre acesso às redes de
transporte; iv) despacho centralizado pelo operador do sistema elétrico; v) preço spot fixado com base em modelos
computacionais; vi) expansão da rede de transmissão com base em leilões de linhas específicas; vii) tarifas de transmissão
desvinculadas dos custos de cada linha de transmissão; viii) regulação tarifária das distribuidoras e da transmissão realizada
pela Aneel.
21
Para evitar um choque tarifário no período de estabilização econômica do Plano real, o governo programou a liberalização
progressiva da comercialização de energia das geradoras a partir de 2003 (contratos iniciais).
22
O programa Luz para Todos foi criado para promover a universalização do acesso dos consumidores de baixa renda,
principalmente das zonas rurais, ao suprimento de energia elétrica.
também receber um certificado de energia assegurada, sendo introduzido o índice custo benefício
(ICB) na precificação da oferta de energia das termelétricas.23
Para evitar a elevação programada das tarifas elétricas, o governo introduziu o conceito de energia
velha no sistema elétrico. Nesse conceito, o preço da energia ofertada pelas centrais em operação
(denominada energia velha) não deve ser alinhado com seu custo de oportunidade. Ele deveria ser
fixado com base nos seus custos mais a amortização e a remuneração dos investimentos não
amortizados.25 Dessa forma, o preço da energia velha deve ser significativamente inferior ao preço da
energia nova oferecida para a expansão do parque gerador.26 Para não contaminar os preços da
energia velha com os preços da energia nova, os leilões desses dois tipos de energia foram realizados
separadamente.
A situação de sobreoferta de energia gerada pelo racionamento27 permitiu obter preços nos leilões de
energia velha significativamente abaixo do custo marginal de expansão vigente na época.28 Ainda
com o objetivo de evitar aumentos tarifários, o governo passou a renunciar à cobrança do direito de
uso dos sítios hidrelétricos nas licitações dos sítios hidrelétricos.29 Na prática, essa nova formulação
__________________________________________________________________________
23
O ICB é calculado com o auxílio de modelos que simulam despachos do sistema elétrico, incorporando as de centrais
participantes do leilão. Ele pretende estimar o custo da energia disponibilizada pela central para o sistema.
24
A contratação de energia pelos consumidores livres permanece sendo negociada livremente com os geradores.
25
Esse conceito tem sua origem na definição do suprimento elétrico como um serviço público regulado pela tarifação ao
custo do serviço.
26
Essa concepção tem papel importante no debate sobre a renovação das concessões como veremos mais adiante neste texto.
27
O racionamento provocou forte aumento da eficiência no consumo de energia e diversas centrais em construção entraram
em operação logo após a decretação do final das regras de racionamento.
28
Realizados em 2006/2007/2008, os leilões de energia velha permitiram às distribuidoras contratarem a maior parcela de seu
fornecimento a preços baixos por oito (8) anos. Esses contratos começarão a perder vigência a partir de 2014. A renovação
desses contratos coincide com o final do período de concessão de boa parte da energia velha, situação que complica
fortemente a precificação dessa energia em novos contratos.
29
A menor tarifa ofertada para os consumidores cativos das distribuidoras passou a ser o critério de sucesso nas licitações
hidrelétricas.
funciona como uma transferência da receita fiscal que seria obtida pela cessão do direito de uso do
sítio hidrelétrico para os consumidores de energia.
Para garantir o suprimento de combustíveis nos períodos de estiagem, as termelétricas passaram a ter
a obrigação de contratar o combustível necessário para seu despacho pleno quando solicitadas a
operar (lastro). Vale dizer, as termelétricas devem contratar a energia necessária para operar a plena
carga, mesmo nos períodos de pluviometria favorável, devendo destinar a energia não consumida para
mercados alternativos. Para garantir o suprimento de gás pleno das termelétricas, a Petrobras lançou o
plano de expansão da oferta doméstica de gás natural (Plangas). Essa solução tem o mérito de
aumentar a competitividade das hidrelétricas, porém ela desloca para a tarefa de gestão dos riscos
hidrológicos do sistema para a Petrobras, monopolista na oferta de combustível no país.
Na prática, a Petrobras passou a ser um dos principais atores do programa de expansão do sistema
elétrico.30 Esse papel deve ser crescente nos próximos anos, pois a EPE sinaliza que a oferta
doméstica de gás superará significativamente a demanda dos usos domésticos não termelétricos desse
combustível (EPE, 2011). Esse excedente na oferta de gás deverá que ser direcionado pela Petrobras
para o mercado elétrico para evitar que ele seja queimado nas plataformas petrolíferas e a produção
petrolífera confronte a legislação ambiental.31 Esse cenário sugere que a concorrência nos leilões de
energia nova entre hidrelétricas e termelétricas será cada vez mais acirrada.32 Os ambientalistas terão
poderoso aliado no embate político para limitar a construção de reservatórios hidrelétricos na
Amazônia.
30
O risco cambial, que era percebido como fator limitante para expansão térmica, perdeu dimensão com a estabilidade
macroeconômica.
31
A legislação ambiental limita a queima de gás nas plataformas a situações específicas, temporárias ditadas por razões
técnicas.
32
A Petrobras já sinalizou que pretende participar de forma competitiva nos próximos leilões e também as empresas
geradoras de São Paulo (AES e Duke) estão trabalhando construir centrais térmicas no estado, única solução que disponível
para cumprir seus compromissos de expansão da geração no estado assumidos no processo de privatização de São Paulo.
A constituição exige que as centrais com concessões vencidas sejam objeto de licitação pública. Caso
isso ocorra, diversas centrais de empresas estatais podem ser privatizadas e os novos proprietários
tenderiam a alinhar sua oferta de energia ao mercado com preços alinhados com o seu custo de
oportunidade. Como os preços vigentes para a energia velha nos contratos atuais estão muito abaixo
do custo de oportunidade dessa energia, essa solução provocaria forte elevação nas tarifas elétricas em
um momento em que é forte a preocupação com o ritmo de inflação.
A insatisfação entre os consumidores de energia com as tarifas elétricas é crescente e vem sendo
acentuada pela valorização cambial. Atualmente, as tarifas elétricas brasileiras estão atualmente em
patamares muito acima das vigentes em nossos parceiros comerciais, situação que configura entrave
competitivo para o desenvolvimento industrial, especialmente do parque fornecedor de insumos
intermediários intensivos em energia. Os apontam para os encargos e tributos elevados que oneram o
preço de energia como um problema que deve ser equacionado, porém eles reivindicam mais. 33 Eles
sugerem que as concessões vincendas sejam renovadas com preços “adequados”.
porém sistemática de leilões não sinaliza onde é necessária a construção de centrais para aumentar a
confiabilidade do suprimento elétrico.
O plano programou expansão para atender um crescimento econômico de 5% anuais durante a década
atual. Essa dinâmica econômica seria suportada por um aumento no consumo de energia elétrica per
capita dos atuais 2.480 Kwh/ano para 3.561Kwh/ano. O consumo de todas as formas de energia está
programado para acompanhar ritmo similar ao da eletricidade, passando dos atuais 1,23 tep/ano para
1,87 tep/ano. No entanto, o consumo de energia por unidade de produto econômico ficaria estagnado
em 71 Kgep/R${2008}, indicando o esforço realizado para conter o incremento das emissões de
gases.
Para atender a demanda prevista de eletricidade, a capacidade de geração do sistema terá que
aumentar 61,5 GW. A maior parte dessa expansão está programada para vir de centrais hidrelétricas
de grande porte (32,2 GW), construídas principalmente na Amazônia (85%), porém uma parte
relevante deverá vir de fontes alternativas de energia (10,3 GW eólica; 4,7 GW biomassa e 2,7 GW de
pequenas centrais hidrelétricas). Dessa forma, a expansão elétrica terá impacto pouco relevante no
incremento das emissões de gases que influenciam o clima.
Para estimar os impactos sócio-ambientais do seu plano de expansão, a EPE estruturou um conjunto
de indicadores que estima os efeitos ambientais35 e as compensações sociais36 dos projetos
hidrelétricos. O estudo da EPE apresenta as estimativas dos impactos de 24 dos 48 projetos
hidrelétricos programados para entrar em operação na década atual. Sete (7) dos 24 projetos
analisados apresentam indicador de alta sustentabilidade ambiental com base nos critérios adotados
pela EPE e dezessete (17) são classificados como de média sustentabilidade.
É importante notar que a maior parte do incremento de capacidade desses 24 projetos que somam 18
GW, está situado no Tapajós (5 projetos; 10,7 GW) e no Tocantins (3 projetos; 3,6 GW). No entanto,
o estudo da EPE enfatiza que esses resultados não devem ser entendidos como ser desnecessária a
elaboração de relatórios de impactos ambientais (EIA) cuidadosos e criteriosos para a obtenção do
licenciamento ambiental de cada um desses projetos.
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34
Essa meta atende a lei 12187/2009 que compromete o Brasil com a redução entre 36,1 e 38,9 % das emissões projetadas
de gases que provocam o efeito estufa até 2020.
35
Área alagada (Km2/MW); perda de vegetação (Km2); trecho de rio alagado (Km); interferência em APCB (efeito sobre a
biodiversidade); interferência em UC.
36
População afetada; interferência em TI; interferência em assentamentos do INCRA; interferência na infra-estrutura local;
potencial de empregos para a população local; interferência em áreas urbanas; interferência na circulação e comunicação
regional; impacto na arrecadação municipal permanente; impacto na arrecadação municipal temporária; perda de área
produtiva.
para evitar que a dificuldade de licenciamento ambiental das hidrelétricas não acabe resultando em
forte expansão da geração termelétrica como ocorreu no passado recente. Esse risco torna-se mais
presente na medida em que os dados do plano decenal da EPE sugerem uma forte expansão da
produção brasileira de petróleo e gás natural.
4. Conclusão
O sistema elétrico sofreu profundas mudanças nas duas últimas décadas. O modelo de governança
setorial, centrado em empresas estatais sob a coordenação a Eletrobras, foi substituído por novo
modelo, liderado por investidores privados sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia. O
regime tarifário custo do serviço foi abandonado para permitir a introdução de pressões competitivas
no sistema que permitam melhorar o seu desempenho econômico, essencial para a competitividade do
parque produtivo do país.
Nesse novo ambiente, a gestão dos riscos do sistema tornou-se pedra de toque do sucesso da reforma.
Na década de 1990, a reforma concentrou sua atenção na gestão dos riscos hidrológicos e, na década
passada, nos riscos de mercado. A necessidade de oferecer um plano de expansão compatível com as
demandas sociais e ambientais da sociedade, apesar de identificada pela Eletrobras na década de
1990, foi negligenciada. No entanto, as dificuldades enfrentadas pelos investidores em promover a
expansão do sistema têm sua principal origem nesse problema.
A EPE disponibilizou para consulta pública o plano decenal para a expansão do sistema elétrico no
horizonte 2020. O plano sinaliza clara intenção de centrar a expansão da capacidade de geração em
fontes renováveis de energia, especialmente centrais hidrelétricas na Amazônia. Os benefícios em
termos de emissões de gases dessa trajetória de expansão são relativamente consensuais, porém são
fortes os questionamentos dos seus efeitos em termos sociais e ambientais, devido à construção de
reservatórios. O governo tem reagido a essas críticas com a redução da dimensão dos reservatórios,
sem conseguir, contudo, minimizar a forte reação de entidades não-governamentais à construção de
grandes centrais hidrelétricas na Amazônia. O desenvolvimento da Amazônia é questão complexa que
não pode ser limitada à dimensão dos reservatórios hidrelétricos. A expansão hidrelétrica na
Amazônia necessita ser estudada como parte integrante de um projeto de desenvolvimento regional
com foco na proteção ambiental.
extensas linhas de transmissão para chegar até os centros de consumo das regiões urbano-
industrializadas do país. Além disso, há o problema da emergência de eventos climáticos extremos
que sugerem risco crescente de períodos de pluviometria mais desfavoráveis que os historicamente
registrados. Para mitigar esses riscos, a expansão hidrelétrica não pode prescindir de um parque
gerador termelétrico próximo dos centros de carga que garanta o suprimento de energia do mercado
em eventos inesperados que interrompam os fluxos energéticos das hidrelétricas.
Por outro lado, a expansão programada para produção de petróleo provocará forte aumento da
produção de gás natural associado cujo mercado potencial reside na geração termelétrica. Porém, as
termelétricas alimentadas com gás não são economicamente viáveis para operar em regime
complementar com as hidrelétricas. Elas necessitam ser despachadas em regime concorrencial com as
hidrelétricas. O índice custo-benefício (ICB) foi introduzido na sistemática de leilões para arbitrar a
concorrência entre centrais térmicas e hidrelétricas, porém esse instrumento não produziu resultados
satisfatórios.
As tarifas elétricas situam-se atualmente em patamar não competitivo, apesar de o governo ter
adotado a estratégia de preços abaixo do custo de oportunidade para a comercialização da energia das
centrais existentes (energia velha). Ao se aproximar o fim do período de vigência da maioria das
concessões, essa estratégia enfrenta dificuldades políticas, regulatórias e jurídicas que sugerem ser
difícil sua preservação. A continuidade do processo de privatização iniciado na reforma da década de
1990 é o caminho mais simples para evitar um choque tarifário que desorganizará novamente o
sistema elétrico. A receita auferida com a cessão dos direitos pelo uso do sítio hidrelétrico poderia ser
orientada para a redução dos encargos e impostos que oneraram as tarifas atualmente.
A reforma do sistema elétrico permitiu avançar na divisão de papéis entre o governo e a iniciativa
privada. No entanto, ela abriu uma extensa agenda de problemas que necessitam ser investigadas para
adequá-la à realidade econômica, social e ambiental atual. O tratamento dado ao licenciamento
ambiental na Amazônia é o problema mais visível, porém a agenda de problemas a serem
equacionados é bem mais ampla (confiabilidade do suprimento, os encargos tarifários, vigência de
concessões, integração com sistemas elétricos de países vizinhos, eventos climáticos extremos). Em
todos eles, é fundamental ter presente que as soluções propostas colocam em choque coalizões
empresariais distintas.
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