Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Língua Portuguesa
ANÁLISE DE LIVRO DIDÁTICO: UMA PROPOSTA DE
TRABALHO GRAMATICAL PARA ALUNOS DE 6º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Bruna Sarto Ferreira Rocha (UEM – PR)
Carlos Henrique Durlo (UEM – PR)
Camila Moreschi (UEM – PR)
Estela Santos (UEM – PR)
Adriéli Volsi (UEM – PR)
Profª Renata Boregas (UEM-PR)
Introdução
Este trabalho tem por objetivo analisar um livro didático partindo do trabalho
gramatical, com base no que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o qual
propõe que o professor de Língua Portuguesa planeje suas atividades didáticas a partir
do eixo USO REFLEXÃO USO. Deve-se trabalhar de forma contextualizada,
partindo de textos concretos e reais, pertencentes ao cotidiano do aluno.
Primeiramente, faz-se necessário expor a fundamentação teórica que embasará a
análise da unidade 1 do livro didático Projeto Teláris: língua portuguesa, do 6º ano que
corresponde ao Ensino fundamental 2. Para tanto, partiremos dos pressupostos teóricos
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998); de Aula de Português (2003), de Irandé
Antunes; Por que (não) ensinar gramática na escola (2005), de Sírio Possenti.
Ao longo do trabalho, será problematizada a questão sobre o saber linguístico,
ou seja, se saber a língua portuguesa é, de fato, saber a gramática desta língua. Além
disso, proporemos uma discussão acerca do conhecimento reflexivo da língua, expondo
questões referentes ao trabalho com a língua, analisando se sua execução parte ou não
da ação e da reflexão.
Outra questão a ser problematizada é se o ensino e estudo da gramática, no
contexto escolar, partem de uma aplicação que relaciona a prática com a teoria e de que
forma esta abordagem é apresentada no livro didático. Pois como se sabe, é dever da
escola garantir aos alunos o acesso ao desenvolvimento linguístico, tendo em vista o
aprimoramento e a criticidade enquanto sujeitos pertencentes a uma sociedade que,
tradicionalmente, preza o uso da norma padrão em contextos institucionalizados.
Fundamentação teórica
O ensino de gramática no contexto escolar deve partir, primeiramente, das
propostas elencadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). É importante
lembrar que o “domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação
social e efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à
informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo,
produz conhecimento” (PCN, 1998, p. 15). Dessa forma, é papel da escola, em especial
do professor de Língua Portuguesa, garantir a todos os alunos o acesso aos saberes
linguísticos, objetivando o exercício da cidadania, por meio do eixo USO
REFLEXÃO USO. Pois,
A linguagem é uma forma de ação interindividual orientada por uma
finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas
práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos
distintos momentos de sua história. Dessa forma, se produz linguagem
tanto numa conversa de bar, entre amigos, quanto ao escrever uma lista
de compras, ou ao redigir uma carta – diferentes práticas sociais das
quais se pode participar (PCN, 1998, p. 24).
Dessa feita, podemos considerar o ensino e a aprendizagem da Língua
Portuguesa no contexto escolar como uma ação resultante da articulação de uma tríade
que envolve o aluno, a língua e o ensino (PCN, 1998, p. 29).
O primeiro elemento dessa tríade, o aluno, é o sujeito da ação de
aprender, aquele que age sobre o objeto de conhecimento. O segundo
elemento, o objeto de conhecimento, é a Língua Portuguesa, tal como se
fala e se escreve fora da escola, a língua que se fala em instâncias
públicas e a que a existe nos textos escritos que circulam socialmente. E
o terceiro elemento da tríade, o ensino, é, neste enfoque teórico,
concebido como a prática educacional que organiza a mediação entre o
sujeito e o objeto de conhecimento (PCN, 1998, p. 29)
Portanto, para que a orientação dos Parâmetros Curriculares sejam efetivas, é
necessário que o professor planeje suas atividades didáticas, objetivando e orientando o
esforço de “ação e reflexão” do aluno de forma contextualizada, partindo de textos
concretos e que façam parte do cotidiano do educando.
Todos sabemos que no Brasil há muitas variedades dialetais e, por consequência,
muito preconceito acerca do valor social que é atribuído aos diferentes modos de falar.
Esse problema preconceitual deve ser tratado na escola como parte do objetivo
educacional mais amplo de educação para o respeito às diferenças, pois a questão não
gira em torno do falar certo ou errado, mas sim, qual fala é mais adequada para
determinado contexto sócio-comunicativo. “A questão não é de correção da forma, mas
de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem:
falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido” (PCN, 1998, p. 32).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, o objetivo de ensino da
língua deve levar o aluno a aprender, produzir e interpretar textos. Assim sendo, não se
deve considerar um ensino de gramática de forma descontextualizada, com frases ou
textos isolados. Pois,
Quando se pensa e se fala sobre a linguagem mesma, realiza-se uma
atividade de natureza reflexiva, uma atividade de análise linguística.
Essa reflexão é fundamental para a expansão da capacidade de produzir
e interpretar textos. É uma entre as muitas ações que alguém
considerado letrado é capaz de realizar com a língua (PCN, p. 38).
Partindo das orientações propostas pelos PCNs, muitos materiais didáticos já não
abordam mais o ensino da língua organizando os conteúdos pragmáticos em
alfabetização, ortografia, pontuação, leitura em voz alta, interpretação de texto, redação
e gramática de forma separada e descontextualizada. No entanto, a prática em sala de
aula, muitas vezes, persiste em não abordar o ensino organizado em função do eixo
USO REFLEXÃO USO.
No que se refere ao ensino de gramática na escola, pode-se constatar, de acordo
com Antunes (2003, p. 31):
uma gramática descontextualizada, amorfa, da língua como
potencialidade; gramática que é muito mais “sobre a língua”,
desvinculada, portanto, dos usos reais da língua escrita ou falada na
comunicação do dia-a-dia;
uma gramática fragmentada, de frases inventadas, da palavra e da
frase isoladas, sem sujeitos interlocutores, sem contexto, sem
função; frases feitas para servir de lição, para virar exercício;
uma gramática da irrelevância, com primazia em questões sem
importância para a competência comunicativa dos falantes. [...]
uma gramática das excentricidades, de pontos de vista refinados,
mas, muitas vezes, inconsistentes, pois se apoiam apenas em regras
e casos particulares que, apesar de estarem nos compêndios de
gramática, estão fora dos contextos mais previsíveis da língua;
uma gramática voltada para a nomenclatura e a classificação das
unidades [...];
uma gramática inflexível, petrificada, de uma língua supostamente
uniforme e inalterável [...] fixada num conjunto de regras [...]
uma gramática predominantemente prescritiva, preocupada apenas
com o “certo” e o “errado” [...];
uma gramática que não tem como apoio o uso da língua em textos
reais [...].
No entanto, ao abordar as práticas usuais de ensino de gramática na escola e que
contrariam o que fora postulado pelos PCNs, não estamos afirmando que não se deve
ensinar a gramática normativa, pelo contrário, como afirma Possenti (2005, p. 17), “o
objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar
condições para que ele seja aprendido”, à medida que essas regras se tornarem
necessárias para a reflexão sobre a língua, pois, “não existe língua sem gramática”, ou
seja, “não existe falante sem conhecimento de gramática” (ANTUNES, 2003, p. 85 –
86). Portanto, como afirma Antunes (2003, p. 88), “a questão maior não é ensinar ou
não ensinar gramática”, mas “discernir sobre o objeto de ensino: as regras (mais
precisamente: as regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de
textos orais e escritos. Dessa forma, a gramática deve tender a refletir as diversidades
geográficas, sociais e de registro da língua.
Nesse contexto de discussão pedagógica sobre o ensino da gramática, o
professor de Língua Portuguesa deve ter o cuidado de levar para a sala de aula, de
acordo com Antunes (2003, p. 96), uma gramática que leve em consideração noções e
regras gramaticais relevantes, úteis e aplicáveis ao contexto social do aluno. “Noções e
regras que possam, sem dúvida, ampliar a competência comunicativa dos alunos para o
exercício fluente e relevante da fala e da escrita; que tenha como referência o
funcionamento efetivo da língua, encorajando o aluno a promover a produção e análise
de textos, confrontando o ensino com circunstâncias de aplicação das regularidades
estudadas, tornando-se estimulante e interessante para o aluno, desfazendo a imagem de
que aprender a língua é algo desinteressante e penoso. Portanto, “é de grande
importância que se procure caracterizar, de forma adequada, a norma-padrão como
sendo a variedade socialmente prestigiada, mas não como sendo a única norma “certa”.
Por fim, deve-se ter em conta uma gramática que é da língua e das pessoas.
Nesse sentido, ao selecionar recursos didáticos para o trabalho pedagógico na
área de Língua Portuguesa, em especial no que concerne ao ensino de gramática, deve-
se levar em consideração os seguintes aspectos, de acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998, p. 91): “sua utilização nas diferentes situações de
comunicação de fato; e as necessidades colocadas pelas situações de ensino e
aprendizagem”.
Para tanto, abordaremos a partir de agora a proposta de trabalho gramatical
proposto pela unidade 1 do livro didático Projeto Teláris: língua portuguesa, do 6º ano
que corresponde ao Ensino fundamental 2.
ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO: PROPOSTA DE ENSINO DE GRAMÁTICA
O livro didático que nos propomos a analisar neste artigo apresenta a seguinte
estrutura no que se refere ao conteúdo a ser ministrado no sexto ano do ensino
fundamental:
1. Abertura
2. Ponto de partida
3. Interpretação de texto
3.1 Compreensão
3.2 Linguagem do texto
3.3 Construção do texto
3.4 Hora de organizar o que estudamos
4. Prática da oralidade
5. Ampliação de leitura
5.1 Outras linguagens
5.2 Conexões: entre textos, entre conhecimentos
6. Língua: usos e reflexão
6.1 Estudos linguísticos e gramaticais
6.2 Hora de organizar o que estudamos
7. Produção de texto
8. Outro texto do mesmo gênero
9. Sugestão
10. Autoavaliação
11. Ponto de chegada
A abertura objetiva fazer uma reflexão sobre aspectos que contextualizam a
língua portuguesa do ponto de vista sócio-histórico. Os temas desenvolvidos enfatizam
a constitutividade da língua, priorizando no sexto ano: A língua e diversidade cultural.
A referida seção apresenta conversas e reflexões com os alunos a partir da exposição de
três imagens (duas telas e uma charge) e conversas sobre os elementos constitutivos
delas. As observações ao professor, escritas em azul e dispostas na margem do volume,
são de extrema importância porque contextualizam ainda mais o conteúdo das telas e da
charge com fatos históricos. A proposta de Leitura é uma canção do Arnaldo Antunes
que trata de mestiçagem. Sobre a mestiçagem, as questões de interpretação abordam a
questão gramatical da composição de palavras por justaposição e aglutinação. Língua e
linguagens apresenta uma série de imagens que sugerem a conversação com os alunos e
introduz o conteúdo de tipos de linguagens e recorta este tema apresentando exemplos e
uma pequena discussão sobre linguagem verbal – linguagem verbal oral - e linguagem
visual. A partir disto, inicia-se a unidade primeira do volume, nosso objeto de análise.
A leitura principal contempla o texto do gênero a ser estudado. A
compreensão textual apresenta predomínio de questões de localização de informação
e/ou informação dados ou constatações, inferência simples, aspectos literais do texto. A
seção Conversa em Jogo é um convite para discussão oral sobre algum tema do texto
lido, para exercício de argumentação ou de defesa de ponto de vista. A Linguagem no
texto é a parte na qual se avalia, se busca inferências sobre os efeitos de sentidos das
escolhas de linguagem e recursos linguísticos. A Construção do texto apresenta
estrutura composicional e condições de produção do gênero, permite inferências sobre
efeitos de sentido provocados pela estrutura. Hora de organizar o que estudamos é o
momento em que se apresenta o “resumo” do que foi estudado por meio de mapa
conceitual – infograma.
A página introdutória da unidade intitulado “Contos de tradição oral” explica
que contar faz parte do narrar (intergeneicidade dos gêneros textuais) e explicita que os
contos de tradição oral sofreram alterações ao longo dos tempos. A seção Ponto de
partida sugere questões para aguçar a curiosidade do aluno e convidá-lo a explorar o
conteúdo do capítulo com mais interesse. O capítulo, propriamente dizendo, começa
com a diferenciação de causo e conto, solicitando aos alunos que façam uma breve
discussão sobre a temática a ser apresentada no texto principal da unidade. A
Compreensão textual e Linguagem no texto trabalham com o texto em vários níveis,
como supracitado, trabalhando, ainda, a sinonímia aplicada ao texto. A construção do
texto aborda os elementos da narrativa, descrevendo-os, para, a seguir, propor
exercícios a partir de excertos do conto. Após o estudo de todos os elementos da
narrativa é apresentado um infograma na seção Hora de organizar o que estudamos.
A Prática da oralidade é constituída de propostas de atividades diversas que
levam o estudante a se expressar oralmente. Ao longo de todo o volume nota-se a
proposição de debates, saraus, dramatizações, leituras expressivas e dramatizadas,
exposições orais entre outros. Como proposta de trabalho para a unidade, as autoras
apresentam a leitura dramatizada em grupo do mesmo conto que a unidade traz como
texto principal.
A seção Ampliação de leitura é dividida em duas partes. A saber, Outras
linguagens e Conexões: entre textos, entre conhecimentos. A primeira delas
apresenta atividades em outras semioses, linguagem não verbal ou verbo-visual
(nomenclatura abordada no volume) tais como pintura, ilustração, foto, mapa, gráfico,
quadrinhos, publicidade entre outros. A segunda é a seção especialmente dedicada às
questões de interdisciplinaridade e de intertextualidade por meio de textos que dialogam
com os textos principais da unidade estabelecendo relações com outras áreas do
conhecimento, sendo suporte de informações de apoio ou curiosidades.
A seção Outras linguagens apresenta uma história em quadrinhos. O exercício
sobre solicita a identificação dos momentos da narrativa (situação inicial, conflito,
clímax e desfecho), numerando os quadrinhos em que eles estão acontecendo porque
aborda a questão do gênero que também foi proposta nos demais exercícios da unidade,
amarrando o exercício ao que vinha sendo estudado. Em Conexões: entre textos, entre
conhecimentos, aborda-se ainda a formação de palavras, interrelacionando-a aos
conhecimentos de geografia. A proposta é trabalhar com determinantes diferentes do
substantivo “feijão”, relacionando-os às regiões onde esses tipos de feijão são
consumidos, explicando ao menos a cor de cada um deles na descrição. A segunda
atividade ainda traz abordagens regionais para a linguagem, como, por exemplo, o “uai”
mineiro.
A quinta seção é Língua: usos e reflexão. Aborda, prioritariamente, a análise
linguística. Subdividida em Estudos linguísticos e gramaticais e Hora de organizar o
que estudamos, a primeira consta do estudo sobre as escolhas linguísticas realizadas
nos textos estudados na unidade e sobre usos e convenções dos modos de organização
do sistema da língua portuguesa e a segunda conta com um box no qual se apresentam
mapas conceituais, em sua grande maioria, infogramas, para organizar conceitos
linguísticos estudados na unidade. Existe uma subseção denominada No dia-a-dia que
trata da observação de usos da língua que não seguem a gramática normativa
tradicional, mas estão cada vez mais presentes na fala e/ou na escrita do português
brasileiro.
A unidade é subintitulada Variações linguísticas, entretanto não nos deparamos
com a classificação das variações. As autoras começam pelas atividades solicitando que
os alunos se atentem para a forma de como se registrou o jeito de falar de alguns
personagens, direcionando o aluno a mapear o conto, anotando a região em que os
personagens viviam; o espaço que eles ocupavam; a situação e a caracterização de cada
um deles. Após, pede para que os alunos percebam se na região deles se falaria da
mesma forma e para fazer a transcrição do trecho – ainda do conto inicial do capítulo –
como seria falado se mudasse para sua região. Depois disso, as autoras, sabiamente,
apresentam um pouco de “teoria” propriamente dita e explicam que:
O uso que cada um faz da língua – falada ou escrita – varia de acordo
com as origens de cada indivíduo, o meio em que vive, circunstâncias
em que se está envolvido ao falar e escrever. Além disso, o uso da
língua será também dirigido pelas nossas intenções de comunicação,
pelo tipo de interlocutores a quem nos dirigimos ou que participam do
processo de interação (p.32).
E completam dizendo que por esses motivos temos variações. A teoria está
diluída no conteúdo do capítulo. Porém, em nenhum momento se fez menção à variação
diastrática, regional ou qualquer outra nomenclatura específica. As autoras aproveitam o
ensejo e demonstram exemplos reais de utilização da linguagem oral, como por
exemplo a redução da palavra “vocês”, que em muitas situações vem sendo usada como
pronome e das conjugações do verbo ser: estão, estavam, estou e da preposição para.
Após, elegem três fatores que possibilitam a existência de variações linguísticas
e descreve-os. Propõe-se um exercício de contraste entre dois pequenos textos e começa
a explicação sobre monitoramento nos usos da língua e, ao final, um box que disserta
exclusivamente a gramática normativa. Dos graus de monitoramento, apresenta-se um
exercício que aborda a questão da intenção e explica a situação comunicativa. Ao
encerrar a explicação das variações, as autoras abrem uma seção para explicar a
variação de região e de grupo social. Na seção Regional, abordam um outro texto,
porque o da unidade já foi trabalhado neste quesito, enquanto que para a seção do grupo
social o trabalho se efetiva ainda com base no texto da unidade.
Apresenta-se uma seção denominada Atenção que esclarece possíveis dúvidas
que o aluno possa ter com relação ao idioma dele, que língua ele fala, sobre usos mais
eficazes de linguagem e o motivo pelo qual se estudar Língua Portuguesa. Percebemos
que as discussões suscitadas neste momento são as mesmas abordadas por Possenti
(2005), na obra Por que (não) ensinar gramática na escola? Para encerrar o conteúdo,
as autoras propõem um infograma, com o resumo dos fatores que interferem no uso da
língua e selecionam três deles, como supracitado (situação comunicativa, região e grupo
social).
O estudo da frase inicia-se como sendo a forma com a qual nos munimos para
nos expressar. As autoras apresentam dois grupos de frases (grupo 1 e grupo 2), levando
os alunos a entenderem que o grupo que expressa ideia (grupo 1: O bisavô usava
dentadura) é uma frase, expressando sentido completo e que o outro (grupo 2: Menino o
seu vai lavar carro), ao apresentar frases sem sentido completo, não expressa ideia. “Os
alunos devem perceber que há condições para que uma frase tenha sentido: organização
das palavras, entonação e expressividade com que são ditas ou, na escrita, os sinais de
pontuação que compõem parte do sentido que se quer atribuir a estas frases”
(BORGATTO; BERTIN; MARCHEZI, 2015, P. 39). Dessa forma, as autoras
introduzem o texto em prosa, dizendo ser comum haver mais de uma frase no mesmo
parágrafo e amarram com um exemplo do conto inicial, apresentando mais trechos para
os exercícios. Resume-se o conceito de frase ao final dos exercícios em um box. Passa-
se aos tipos de frase e os elementos linguísticos que permitem esta distinção
(pontuação, expressividade e entonação da voz). Começa-se com a explicação dos
sinais de pontuação e de como identificá-los. Depois, apresentam o questionamento de
como delimitar frase no texto oral, partindo, posteriormente, para uma piada, propondo
uma atividade em duplas e na sequência desta, mais duas atividades orais, sendo que a
última retoma os sinais de pontuação. O livro dispõe o box explicativo sobre as frases e
inicia-se o novo conteúdo, intitulado Frases verbais e frases nominais. Por meio de
um pequeno conto, destacam-se em negrito algumas frases, dispondo, logo abaixo, um
box que descreve uma frase e outra. Esta unidade é encerrada com a organização de
todo o conteúdo por meio de infograma e exercícios. Desta unidade, que é com certeza a
mais relevante para o estudo linguístico, conclui-se que ela foi perfeitamente amarrada
com as seções introdutórias e que ao não utilizar nomenclaturas, por exemplo, das
variações linguísticas, evita a aversão do aluno ao conteúdo e o trabalha de forma mais
leve, apresentando didática e seguimento de sequências bem fechadas e completas.
A seção Produção de texto contempla textos orais, escritos, verbais e não
verbais, de autoria individual e/ou coletiva, dependendo do gênero que o capítulo
aborda. No capítulo em questão, a proposta foi a construção escrita de um conto e o
preparo desta história para ser contada como um causo para os demais colegas de sala.
A seção Outros textos do mesmo gênero é o momento de ampliação de leitura
com outro texto do mesmo gênero trabalhado no capítulo para o enriquecimento do
repertório. Na unidade analisada, o texto transcrito é o causo Dois caboclos na
enfermaria, de Rolando Boldrin. O interessante é que neste momento da unidade não se
apresenta no material questões de interpretação ou análise após o texto, permitindo ao
professor liberdade para encaminhar o trabalho com este texto e até usá-lo como forma
de verificação se os alunos aprenderam a lidar com este tipo de gênero.
A seção Autoavaliação é o fechamento da unidade, permitindo autorreflexão do
aluno acerca do que foi estudado. Propõem-se ao aluno a escrita no caderno , por meio
de questões, daquilo que ele aprendeu ao longo do percurso proposto pela unidade. É
como se o aluno fosse, ao longo de cada unidade, escrevendo um diário sobre seu
próprio crescimento em relação ao conteúdo estudado, “em que ele avançou”, “precisa
rever” e “outras observações”. Após esta avaliação, tem uma tabela que sistematiza o
que foi estudado em cada seção da unidade.
A seção Sugestões insere opções de livros, filmes, sites e CDs a fim de que o
aluno possa expandir o conhecimento proposto na unidade. A seção Ponto de chegada
está na última página da unidade. Conta com propostas de revisão do gênero e dos
estudos gramaticais do capítulo.
Conclusão
Tem-se constatado que muitos alunos, ao terminarem o Ensino Fundamental,
apresentam carências e lacunas, especialmente no que se refere ao domínio das
competências e habilidades que são necessárias para o pleno desenvolvimento de uma
comunicação que seja eficaz para dar conta de necessidades de interação/comunicação
nas práticas sociais diárias e que atinjam objetivos de aperfeiçoamento pessoal,
cognitivo.
Sabendo que o ensino da língua portuguesa constitui instrumento de extrema
importância para o desenvolvimento social, pessoal e cognitivo é necessário atender as
demandas crescentes geradas pelas sociedades letradas, de forma contextualizada,
apropriando-se de saberes organizados na e pela língua portuguesa. Dessa forma, o
material didático a ser utilizado pelo professor e alunos em sala de aula – o livro
didático – deve ser escolhido de forma a considerar os usos reais da língua nos mais
variados contextos sociais, levando o aluno à reflexão destes usos, criando uma
criticidade, considerando que o meio determina a forma e o uso desta ou daquela forma
de expressão.
A partir da análise deste livro didático observamos que a concepção de
gramática abordada é a normativa e a metodologia utilizada é como disposto nos PCNs
(1998) em que o estudo é direcionado a partir da tríade USO REFLEXÃO USO.
O único problema que observamos no capítulo é que ele não dispõe de duas
seções Sugestões e Ponto de chegada, por outro lado, apresenta a seção Abertura que
não é observada nas demais unidades do livro. Pensamos que talvez a presença da seção
de Abertura explique a ausência das seções Sugestões e Ponto de chegada. No
entanto, há uma ênfase para os gêneros textuais, tendo em vista que a Literatura
constitui um tipo de conhecimento específico, propiciando uma abordagem a partir de
suas especificidades artísticas, de fruição estética, de peculiaridades de estilo e de
escolhas de linguagem. Levando em consideração a perspectiva do letramento, os textos
extraídos da literatura pertencem ao universo cultural letrado do qual o aluno precisa se
apropriar como parte de sua formação ampliada, dominando, assim, as linguagens.
Sobre os gêneros orais circulantes na sociedade, observa-se que estes são
propostos de modo a evidenciar que em sua organização há procedimentos e estruturas
linguísticas e gramaticais próprias e que precisam ser destacadas no ensino da língua
como modelo de ação concreto e próprio das mais variadas comunidades e grupos
existentes na sociedade. Isso justifica o porque do livro abordar os gêneros orais no
processo de ensino dos elementos gramaticais, levando o aluno a distinguir o adequado
e o inadequado em suas práticas sociais faladas (orais) e escritas.
O layout, as gravuras, as figuras, os desenhos e o papel que é impresso o livro
contribuem para o aprendizado visual, privilegiando as demais formas de inteligências.
O material investe no colorido e no tato, aprimorando mais um sentido e motivando o
aluno a assistir aula.
Portanto, acatar a concepção de texto como construção cultural implica agregar
ações práticas que levem o aluno a estabelecer relações entre linguagens, textos e
contextos de forma contextualizada e não isolada, tornando-se artificial e irreal. É por
este motivo, que o livro didático analisado, procurando atender os apelos dos PCNs
(1998), agrega à concepção de texto a concepção de gênero textual, incorporando a
dimensão cultural, política e social da linguagem. Dessa feita, os gêneros textuais
favorecem o desenvolvimento da percepção de que a produção de sentido, bem como o
ensino gramatical, efetivada por meio da linguagem, deve sempre ser de forma
contextualizada, em circunstâncias específicas de comunicação e carregada de
intenções. Assim sendo, o ensino de gramática no contexto escolar deve levar em
consideração, de forma prioritária, a dimensão social da linguagem e dos textos que
compõem o cotidiano do aluno e das mais variadas sociedades.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Aula de Português – encontro & interação. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.
BORGATTO, Ana Triconi Borgatto; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Projeto
Teláris: língua portuguesa. São Paulo: Editora Ática, 2015.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília, 1998.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1996.
Anexos
Unidade 1 do livro didático Projeto Teláris: língua portuguesa, do 6º ano que
corresponde ao Ensino fundamental 2.