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Importância da Linguagem na Educação

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Desafios para a área da linguagem

Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreua

Resumo
Considerando os índices alarmantes em relação ao
desenvolvimento da proficiência dos estudantes
brasileiros, que exemplificam o fracasso educacional
do Brasil, propomo-nos a uma reflexão acerca da
importância da linguagem para a formação básica
do estudante. Postula-se que dominar a linguagem
significa estar mais preparado para interagir com
outras pessoas, o que implica ter a possibilidade de
influenciar no modo de agir e pensar do outro. Na
perspectiva de base (sócio)cognitivista, acredita-se em
um processo educacional que interpreta os indivíduos
como sujeitos sociais, que não são prontos, mas se (re)
constroem discursivamente. Por isso, a escola tem
função primordial de ampliar o domínio linguístico do
aluno, para que seja capaz de participar ativamente da
sociedade em que está inserido. A consequência dessa
concepção é o entendimento de que a diversidade
textual em suas diferentes organizações e finalidades
se constitui no grande objeto de estudos da sala de
aula para o desenvolvimento da leitura, da escrita e da
análise discursiva. A linguag em, nessa perspectiva,
é o grande patrimônio linguístico que deve ser
explorado, não apenas, nas aulas de língua materna,
mas em todas as disciplinas, incentivando o caráter
científico, tributo da área dos estudos linguísticos.
Palavras-chave: Linguagem. Ensino. Diversidade
textual. Desenvolvimento de proficências.

Recebido em novembro de 2013.


Aprovado em marco de 2014.

a
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Letras. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, BR.
[email protected]

Gragoatá, Niterói, n. 36, p. 63-79, 1. sem. 2014 63


Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu

1 Contextualização
Não há quem não tenha conhecimento do fato de que
os índices brasileiros de repetência estão diretamente ligados
à questão do desenvolvimento da proficiência dos estudantes
nos diferentes anos de escolaridade do ensino básico. A escola
brasileira não tem cumprido sua função de ensinar a ler, no
sentido lato do termo e, também, não tem cumprido a função
no que tange ao ensino da escrita. Na verdade, não se trata
de uma dificuldade para a alfabetização, ou seja, de um mero
domínio do código somente, mas de garantia do uso eficaz
da língua em todos os níveis de situações comunicativas nas
quais nos envolvemos na vida. É fato que, nos últimos vinte
anos, passamos de 1,66 milhões para 7,04 milhões de matrículas
nos cursos superiores, mas quase 40% de nossos universitários
sabem ler e escrever de forma insignificante; poucos têm
conhecimentos matemáticos necessários para participarem de
um bom curso nas áreas de ciências ou engenharia. É raro o
aluno ser capaz de dominar um idioma como segunda língua.
Finge-se ser possível dar um salto à universidade sem passar
pela educação de base.
Comemoramos ter passado de 36 milhões, em 1994,
para 50 milhões de matriculados na Educação Básica, em 2014,
sem dar atenção ao fato de termos 13 milhões de adultos bra-
sileiros analfabetos; 54,5 milhões de brasileiros com mais de
25 anos não terminaram o Ensino Fundamental e 70 milhões
não terminaram o Ensino Médio. Finge-se que os alunos
matriculados estão estudando, quando se sabe que passam
temporadas sem aula, dentre vários motivos, por falta de pro-
fessores ou por ausência de uma educação profícua, que sirva,
de fato, para fazer a diferença na vida de cada aluno, por este
ter aprendido o que é básico no denominado ensino formal, o
que lhe pode permitir seguir nas suas escolhas.
A par dessa trágica situação, os PCN, lançados há
doze anos, respaldam uma concepção de linguagem coadunada
com as modernas teorias da área da linguagem. O cerne da
proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de língua
portuguesa visa à garantia de formas de aprendizagem da lei-
tura e da escrita para todos os estudantes. O que isto significa?

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Desafios para a área da linguagem

2 A importância da área da linguagem para


a formação básica do estudante
No mundo contemporâneo, caracterizado por diversi-
dades de linguagem, o uso adequado e eficiente do domínio das
diferentes formas de comunicação é cada vez mais necessário.
Esta diversidade pressupõe a interação face a face, a interação
por meio do papel e da comunicação eletrônica. Estas formas
de interação não se contrapõem. Na verdade, são linguagens
que se entrecruzam e se complementam, se efetivando em
diferentes gêneros e suportes, tais como os quadrinhos, a publi-
cidade, a informática, a literatura, a pintura, entre outras tantas
e tantas formas. Por isso, constitui-se em grande diferença na
formação de um estudante, hoje, o domínio das distintas for-
mas de linguagem. Dominar a linguagem significa estar mais
preparado para interagir com outras pessoas, o que implica ter
a possibilidade de influenciar em seu modo de agir e pensar,
e, da mesma forma, ser influenciado (ou se deixar influenciar),
por meio da linguagem, por nossos interlocutores.
Evidentemente, não há uma única concepção de lingua-
gem. As diferentes concepções coexistentes são frutos das
distintas posições e discussões de filósofos, linguistas, semio-
logistas, antropologistas e teóricos do conhecimento. Geraldi
(2003: p: 18), ao discutir as questões sobre o ensino de língua
nas escolas, esclarece que falar sobre linguagem é fundamen-
tal no desenvolvimento do sujeito e “que ela é condição sine
qua non na apreensão de conceitos que permitem aos sujeitos
compreender o mundo e nele agir...” Essa visão explicita a
importância de pensar o ensino de língua portuguesa à luz
da linguagem e pensá-lo como processo interlocutivo. Nesta
mesma perspectiva, Koch (2002) postula um conceito de língua
como lugar de interação em que o sujeito tem um papel ativo
nessa atividade. O texto é o lugar, o meio em que a interação
é realizada. É a partir das pistas linguísticas construídas nas
suas redes textuais que os sentidos serão depreendidos. Por
isso, o texto é uma atividade de interação comunicativa, “um
fenômeno cultural, histórico, social e cognitivo que varia ao
longo do tempo e de acordo com os falantes” (MARCUSCHI,
2002. p. 19-36). Ainda, segundo Koch (2004: p.12), a Linguística
textual concebe o texto em diferentes perspectivas, a saber:

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Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu

1. Texto como frase complexa ou signo linguístico mais


alto na hierarquia do sistema linguístico (concepção de base
gramatical)
2. Texto como signo complexo (concepção de base semiótica)
3. Texto como ato de fala (concepção de base pragmática)
4. Texto como processo que mobiliza operações e proces-
sos cognitivos (concepção de base cognitivista)
5. Texto como lugar de interação entre atores sociais e
de construção interacional de sentidos (concepção de base
sociocognitiva-interacional)
Considerando as concepções de base (sócio)cogniti-
vista, acredita-se em um processo educacional que interpreta
os indivíduos como sujeitos sociais, que não são prontos, mas
que se (re)constroem discursivamente. Por essa razão, a escola
tem função primordial de ampliar o domínio linguístico do
aluno, para que seja capaz de participar ativamente da so-
ciedade em que está inserido. Ao se conceber a língua como
forma de interação, aceitamos (ou reconhecemos) a diversidade
textual que se manifesta na sociedade e confronta as diferentes
formas textuais no tocante à organização, às finalidades, às
dificuldades e às facilidades de produção. É, enfim, compreen-
der e considerar as etapas de processamento e de realização
que as envolve.
Nessa perspectiva, a linguagem que utilizamos não
transmite, apenas, nossas ideias. As palavras e as expressões,
bem como as estruturas sintáticas que selecionamos, ao falar e
ao escrever, refletem e demonstram quem somos: de que região
somos procedentes, nosso nível de escolarização, nosso nível
social, nossos valores, crenças e, por que não dizer, ideologias.
Por isso, a língua é um poderoso instrumento de ação social. Ela
pode tanto facilitar quanto dificultar o nosso relacionamento
com as pessoas e com a sociedade em geral.
Logo, o ensino da língua culta na escola representa
mais uma forma disponível ao falante para agir em relação
ao outro, nosso interlocutor. O domínio da norma culta,
somado ao domínio de outras variedades linguísticas – da
família, de nossa comunidade, por exemplo – torna o falante
mais preparado para usar a língua, de modo adequado nas
diferentes situações sociais de que participamos. Esta é uma
função essencial da escola, já que é o lugar, por excelência, de
formalização do conhecimento.

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Desafios para a área da linguagem

Toda a vez que interagimos com outras pessoas por


meio da linguagem, há uma intenção de modificar o pensa-
mento, o comportamento de nossos interlocutores. O sucesso
de nossas interações verbais depende muito mais de nossa
capacidade de lidar, interpretar, ler as intencionalidades dis-
cursivas. Por isso, a situação de comunicação pressupõe uma
rede que auxilia na construção de sentidos, a saber: os papéis
sociais que os interlocutores desempenham, a intenção do
interlocutor, o conhecimento de mundo dos interlocutores, as
circunstâncias históricas e sociais em que ocorre a comunica-
ção. Para exercermos com eficiência este papel, é fundamental
que sejamos leitores proficientes. Esta é a função primordial
da escola: desenvolver as competências linguístico-discursivas
do falante/ leitor/ produtor de texto.
Algumas condições são necessárias para o desenvolvi-
mento desse leitor proficiente. Considerando que a língua só
existe na interação entre os interlocutores, deve-se estudar nas
aulas de língua portuguesa a linguagem, o discurso – atividade
comunicativa capaz de gerar sentido entre interlocutores, que,
além dos enunciados verbais, engloba outros elementos do
processo comunicativo que têm participação na construção do
sentido do texto, entendido como sua materialização. Portanto,
a prática de sala de aula deve estar centrada no texto, tendo
como objetivo a ampliação da experiência leitora do estudante.
O que vai diferenciar a abordagem textual nos diferentes
anos de escolaridade é a diversidade dos gêneros oferecidos,
os modos de organização destes textos, com seus diferentes
propósitos comunicativos.
A consciência, por exemplo, das diferenças entre os fatos
reais e os fatos do texto, a verossimilhança, constitui condição
para tal aprimoramento discursivo. A diversidade textual im-
põe-se no uso dos recursos da língua que compõem um deter-
minado gênero. É neste sentido que a complexidade da tarefa
de aprendizado da leitura e da escrita está pautada: na escolha
dos textos, suas finalidades e uso dos recursos. O leitor deve
ser conscientizado a ler, entender as informações contidas no
texto, sabendo reconhecer o “peso” diferente dado às ideias no
interior do texto. Quanto mais proficiência leitora o aluno tiver,
mais competente será para estabelecer as relações de sentidos
entre parágrafos, dentro dos parágrafos e entre textos, por

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Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu

exemplo, percebendo as diferentes vozes existentes, a função


destas no texto, e o lugar de onde cada uma delas é proferida.
É preciso enfatizar que, nos níveis mais altos de profi-
ciência, cabe ao leitor - aluno/ professor - o constante aprimo-
ramento por meio do desenvolvimento de habilidades, sempre
voltadas para as diferenças semântico-discursivas. Trata-se de
um trabalho sem fim, ou seja, de constante aprimoramento.
Cabe à escola municiar o aluno, que deve continuar tal apri-
moramento para além da instituição, por natureza, responsável
pelo ensino formal.

3 Os diferentes tipos de saberes na construção da


linguagem: alguns pressupostos
Há muitos estudos que buscam discutir a escolarização,
a exemplo de Soares (2004, 2005) e Kleiman (1998, 2006). Esses
estudos têm apresentado nas mesmas condições de igualdade o
denominado saber formal, que diz respeito aos conhecimentos
aprendidos na escola; e o saber cotidiano, aquele que qualquer
sujeito inserido no meio social tem ou desenvolve. Na visão
dos estudiosos, esses conhecimentos se diferenciam basica-
mente por aspectos contextuais. De um lado, há saberes que
adquirimos somente com a formalização da escola, tais como
os cálculos da química e da matemática, o domínio da escrita
em língua materna; de outro, há saberes específicos da vida
cotidiana, considerados como saberes informais, tais como a
realização de uma receita de doce, de pequenos consertos, do
ato de jogar bola ou de soltar pipa. Trata-se de saberes que são
igualmente importantes e constituem o repertório de conheci-
mentos do cidadão, os denominados conhecimentos de mundo
e enciclopédico.
Entretanto, na perspectiva do processo ensinar-apren-
der, considerando uma visão cognitivista, há saberes que
apenas se distinguem pelo enquadramento que é dado àquele
conhecimento. Isso significa dizer que a notícia de jornal lida
na rua e em casa, e que também pode ser lida na escola, se
constitui em atos de interação diferentes, dada a intenção comu-
nicativa que os interlocutores têm nas três diferentes situações
de leitura do mesmo gênero. A leitura da notícia realizada na
escola passa a ser de outra natureza, porque se deseja não só

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Desafios para a área da linguagem

saber sobre a informação, mas também porque essa leitura tem


como objetivo uma perspectiva de análise e de avaliação, por
exemplo, se ocorrida em uma atividade de aula de história ou
de língua (KLEIMAN, 2006).
As atividades desenvolvidas na escola devem ter um ob-
jetivo maior, qual seja de desenvolvimento do conhecimento,
de diferentes competências. Pode-se afirmar, em consonância
com vários estudiosos (SCRIBNER & COLE, 1981; STREET,
1984; FAIRCLOUGH, 2002; SOARES, 2004; KLEIMAN, 2006),
que nenhum saber se torna mais científico, apenas, porque
é transmitido pela escola. Significa dizer que os saberes
ensinados na formalização da escola não requerem um pro-
cessamento cognitivo superior. Trata-se, na verdade, de uma
questão de enquadramento cognitivo para os fins específicos
que a escola deseja atingir. Nesse sentido, é crucial a escola
(re)conhecer o que precisa, o que deseja ensinar e como fazê-lo,
para que fazê-lo, tendo como pressuposto, para todas as áreas
de conhecimento, o desenvolvimento da linguagem como eixo
cognitivo necessário para o desenvolvimento humano.
Para a ampliação de um trabalho voltado para o desen-
volvimento de competências discursivas do aluno, especial-
mente no que tange a sua competência leitora/escrita, o pro-
fessor deve lançar-se ao desafio de um trabalho com gêneros
textuais diversificados, bem como com diferentes tipologias
de texto, a fim de que o aluno compreenda as variedades de
situações comunicativas que um texto, oral ou escrito, verbal
ou não-verbal, possa representar. As atividades de linguagem
em sala de aula precisam fazer sentido e não funcionarem,
apenas, como objeto de análise metalinguística. Além disso, se
entendermos a linguagem como uma condição humana, esse
processo de aprendizagem, de desenvolvimento da capacidade
discursiva do estudante, deverá ocorrer nos diferentes compo-
nentes curriculares da escola, já que leitura e escrita perpassam
todas as áreas de conhecimento. Com tal perspectiva meto-
dológica, baseada em concepção mais ampla de linguagem, a
escola atingirá um dos aspectos presentes nos PCN: formar um
aluno reflexivo, crítico, criativo e transformador, tornando-o
capaz, como dito anteriormente, de participar ativamente na
(da) sociedade em que está inserido.

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Logo, pode-se vislumbrar uma concepção de aprendizado


distanciada de um sujeito como ser passivo e um depósito de
informações, cujo conceito consequente é de ensinar, apenas,
como enformar. Paulo Freire (1996: p.28-29) afirma que o edu-
cador democrático não pode negar a si mesmo o dever de, na
sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando,
sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primor-
diais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica
com que devem se aproximar dos objetos cognoscíveis.
Embora de perspectiva diferente do postulado por
Freire, Perini (1997, p. 24) se coaduna à visão freiriana, ao
postular que
Uma língua é muito mais do que uma lista de nomes para
coisas – é, de certa forma, um sistema de organização do
mundo, um dos instrumentos que nos servem para compre-
ender a imensa complexidade da realidade que nos cerca.

Ambos os autores trazem à baila em seus postulados a


relação linguagem/ compreensão do mundo. Por isso, pode-se
afirmar que a rigorosidade metódica, (cf. § anterior) está disso-
ciada do discurso bancário (cf. FREIRE, 1983, p.66), meramente
transferidor do perfil do objeto ou do conteúdo.
Se a compreensão das coisas do mundo passa pela com-
preensão da linguagem, estudar a língua materna, no nosso
caso, a língua portuguesa, portanto, é ter a oportunidade de
entender um modo de organização não só do mundo, como
também do pensamento. Por isso, mesmo como falantes da
língua portuguesa, é condição precípua termos a oportunidade
de estudar suas estruturas, pois nesse movimento estamos
estudando o processamento ou a construção da mente hu-
mana, na forma de recorte e de organização da realidade, o
que efetivamente nos tornará capazes de compreender aquilo
que nos cerca. Entender o ensino de língua portuguesa nessa
concepção é entender a língua como forma de interação. A
língua só ocorre por meio do discurso; este se concretiza por
meio dos diferentes textos que circulam na sociedade. Por
isso, a premissa básica para o ensino de língua portuguesa nos
diferentes níveis de escolarização é o trabalho com o texto nas
suas diferentes possibilidades.

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Desafios para a área da linguagem

A prática de leitura é de fundamental importância para


que o estudante possa compreender o discurso do outro e
interpretá-lo. Uma perspectiva de análise na leitura de textos
a se ensinar nas salas de aula é distinguir que elementos da
língua o produtor do texto lança mão para dizer o que quer
dizer. Neste sentido, estamos ensinando gramática, ao enten-
dermos, por exemplo, o efeito de sentidos que o uso de um
adjetivo (pode) causa(r) no texto. Algum falante pode, de
fato, entender que bonito e lindo têm o mesmo significado? É
claro que não, embora saibamos que esses dois adjetivos estão
no mesmo campo semântico. Entretanto, a escolha de um ou
outro termo indica efeito de sentido específico e determinada
intenção de dizer que precisa ser reconhecida/entendida no
processo de interação. Considerar o texto como ponto de par-
tida nas aulas de Língua Portuguesa é necessário, pois se pode
mostrar ao estudante a intenção comunicativa do produtor do
texto na escolha desta ou daquela estrutura morfossintática.
Por outro lado, dadas as peculiaridades de nossa área de
estudos, a área de linguagem, não só devemos entender o que o
outro diz, mas devemos nos fazer entender também. Devemos
saber fazer as escolhas - como produtores de textos - dentro
das possibilidades da língua, que permitam dizer aquilo que
queremos dizer. Por isso, precisamos produzir textos nas ativi-
dades didáticas que compõem as aulas de língua portuguesa.
As situações de escrita devem também ser contextualizadas,
para que tenham sentido, ou seja, para que o estudante enten-
da o motivo daquela atividade didática, daquela produção de
texto, para que o estudante - produtor do texto - possa, efeti-
vamente, entender para quem fala, por que fala. A Figura 1
retrata a relação dessas práticas na aula de língua portuguesa,
considerando que as mesmas confluem para a construção do
entendimento do texto, sendo leitura/escrita, verso e reverso
desse processo de conhecimento:

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Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu

Figura1: A relação escrita/leitura e análise linguística

Pode-se afirmar que não é possível estudar a língua - ler


e escrever textos – sem que estejamos lidando com a gramática.
Ocorre que a gramática deixa de ser vista como um aglome-
rado de listas de pura decoreba, sem sentido, para estar, efeti-
vamente, a serviço do texto. Fala-se, por conseguinte, de uma
estreita relação entre texto/gramática, deixando de considerar
esta gramática, apenas, como uma listagem de nomes. Ensinar
a gramática da língua é entender seus diferentes meios de
expressão de sentido, os processos sintáticos e morfológicos
materializados em textos.
Ao se pensar nesses possíveis contextos, uma carac-
terística que pode ser considerada um entrave para o estudo
da língua na perspectiva apresentada é desconsiderar que a
referência de língua do estudante, quando chega à escola, é
a modalidade oral. As práticas escolares precisam considerar
tal condição, digamos, natural do falante. O que ocorre, por
vezes, é a desconsideração da escola pelo registro linguísti-
co que o aluno traz, a modalidade oral de nossa língua, em
suas diferentes variações. É preciso que os estudantes nos
diferentes níveis de escolaridade conheçam as estruturas da
língua escrita, para que possam dominá-la. Para tanto, é pre-
ciso entender a existência de características peculiares destas
duas modalidades, quais sejam: i) a língua escrita mantém a
separação entre as palavras, diferentemente da língua oral,

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Desafios para a área da linguagem

cuja característica básica é um continuum; ii) a língua escrita


pressupõe o uso da pontuação; a língua oral, a entoação; é
preciso que o estudante perceba que o ritmo, por exemplo,
não é o mesmo entre “o como se diz“ e “o como se escreve”, ou
seja, o estudante deve ter consciência que a pontuação não se
constitui em transcrição da forma como falamos; iii) a forma
que pronunciamos as palavras não é de todo correspondente
a seu registro escrito; tal consideração, sem dúvida, traz pro-
dutiva reflexão sobre as questões ortográficas da língua; iv)
a língua escrita tem como natureza a necessidade de maior/
mais contextualização, diferentemente da língua oral. Esta é
uma prática de reflexão necessária sobre o texto escrito, para
que o estudante tome consciência das diferenças entre as mo-
dalidades e possa aprender as estratégias a serem utilizadas,
de acordo com seus propósitos comunicativos, com o contexto
de uso, a fim de que se possa fazer entender e ser entendido.
Essas são, apenas, algumas das características a serem
levadas em conta, ao se tratar das características das duas
modalidades da língua. O estudante deve entender esses dife-
rentes processos, tomar consciência do continuuum entre fala
e escrita, partindo do estudo e da análise de gêneros textuais
típicos da oralidade, típicos da escrita, a fim de dominar estes
diferentes usos. Vale lembrar que estudar tais recursos, tam-
bém é estudar gramática. Entretanto, não são saberes que se
constroem rapidamente. Devem ser considerados quando do
planejamento das aulas de língua portuguesa nos diferentes
anos de escolaridade, ao longo do ensino básico, em sucessivas
etapas de análise, reflexão linguístico-textual.

4 O que diferencia o ensino de Língua Portuguesa


ao longo da escolarização?
A diferença do ensinar português nos distintos anos de
escolarização não está em se ensinar mais ou menos nomencla-
tura gramatical, como por exemplo, identificar as dez classes
de palavras e todas as funções sintáticas ao final do nono ano,
discussão que tomou conta de várias reflexões acerca do ensi-
no de língua portuguesa. O que diferencia a tarefa de ensino
de leitura/escrita, do aprendizado da língua portuguesa, ao
longo dos anos de escolarização, é a complexidade do texto, a
complexidade na abordagem textual, marcada pela temática

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e pelas estruturas gramaticais que estruturam um dado texto.


Por isso, por exemplo, no nono ano do Ensino Fundamental,
para estudantes que já tenham uma experiência leitora, se pode
indicar os romances da literatura brasileira. Nas séries iniciais
desse mesmo nível, é possível se lançar mão de textos da lite-
ratura infantil, tão representativa em nossa língua: os contos
de fadas, as lendas, as histórias em quadrinhos, as fábulas,
além de textos de Monteiro Lobato, Ana Maria Machado, Ligia
Bojunga, Ziraldo, para citar alguns dos escritores.
Importante, porém, é entender que o aumento da ora
denominada complexidade da tarefa está vinculado à expo-
sição ininterrupta de textos, de leitura crítica, fluida, ao longo
da escolaridade desde o primeiro momento da escolarização.
Por isso, é importante ler, permanentemente, em sala de aula,
integrando os eixos conceptuais, conforme ilustra a Figura 2:

Figura 2: Eixos Conceptuais

Esses eixos nos remetem à intrínseca relação de leitura/


escrita/análise linguística, privilegiando o uso da língua como
componente central do ensino. Tal uso se revela na produ-
ção de sentidos, concretizada na leitura por meio da própria
construção destes sentidos como sujeito-autor do processo de
interação, que só pode ocorrer no pleno domínio da língua.
O modelo de ensino predominante, em geral, é de uma
escola que, ao desenvolver as tarefas de produção de texto, o
faz em uma estrutura e em um modelo repetitivos, que não
abarcam as necessidades de produção de textos em diferentes
situações de comunicação. O exercício de escrita na escola
restringe-se, em geral, a uma tarefa escolarizada, cuja forma
predominante é a escrita de textos narrativos nos diferentes

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Desafios para a área da linguagem

anos de escolarização que compõem o Ensino Fundamental


e a produção de textos dissertativos no Ensino Médio, com
vistas às provas de seleção discentes para ingresso no Ensino
Superior. A metodologia de ensino está restrita à tipologia e
não aos gêneros propriamente. Na perspectiva ora apresentada,
abraçar a metodologia, partindo de gêneros textuais, significa
reconhecer as regularidades discursivas em uso, peculiares a
cada gênero, propondo análise crítica desses usos.
O ensino da língua/linguagem deve estar circunscrito
à necessidade de desenvolvimento do exercício pleno da ci-
dadania. É preciso que cada cidadão possa se sentir capaz de
escrever, falar, ouvir e ler todos os gêneros e tipos adequados
a cada situação vivida, na utilização das diferentes linguagens,
tanto para a expressão do pensamento e das emoções quanto
para a organização e análise das informações recebidas. Assim,
percebemos que não há sentido em se fazer um escalonamen-
to entre as ações de grafar e redigir, alfabetizar e letrar, por
exemplo. O educando, ao nascer, já participa do mundo letrado
e sobre ele constrói diferentes conhecimentos. Uma criança,
ao ditar para o colega ou para a professora uma história que
conhece de cor, já está redigindo um texto, com coerência e
coesão. Logo, as referidas ações devem ser vistas como com-
ponentes do processo de aprendizagem da leitura e da escrita,
utilizadas concomitantemente, já que estamos considerando o
conceito de leitura e escrita como práticas sociais.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais preconizam que o
ensino de Língua Portuguesa seja baseado na organização de
atividades que levem o aluno a desenvolver a expressão oral
e escrita, bem como a capacidade de compreensão, em situa-
ções de interação, valorizando o contexto da produção, além
das dimensões semântica e gramatical. Essas atividades, do
ponto de vista cognitivo, não se realizam pontualmente. São
representadas por diferentes níveis, a que se podem chamar de
habilidades, cujo conjunto bem desenvolvido leva à proficiência
em leitura e escrita.

5 Considerações finais
Não há intenção de prescrever comportamentos
metodológicos para o ensino produtivo de língua portuguesa
na escola básica. No entanto, ao propor reflexões sobre o tri-

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buto da área de linguagem para o ensino básico, não se pode


deixar de elencar atitudes linguístico-discursivas que devem
orientar a prática docente nos diferentes anos de escolaridade
e as matrizes curriculares da escola básica. A aula deve estar
planejada em torno de textos ininterrupta e continuamente.
Deve-se priorizar o uso da diversidade de gêneros textuais e
diferentes tipologias, para que o aluno compreenda as varie-
dades de situações comunicativas que um texto, oral ou escrito,
verbal ou não verbal, possa representar. Deve-se conscientizar
o estudante do uso social da leitura e da escrita, desenvolvendo
suas práticas leitoras nas diferentes situações de comunicação
em que pode estar inserido. Sabe-se que essas situações são
simuladas em sala de aula. Entretanto, quanto mais próximas
estiverem da realidade de uso da língua, mais profícuas serão
as discussões relativas aos recursos linguísticos pertinentes
aos diferentes gêneros.
Quanto aos procedimentos de leitura mais adequados
nesta concepção para a abordagem de um texto em aula de
língua, considera-se essencial o levantamento de hipóteses.
Deve-se proceder à leitura de reconhecimento do texto, que
pode ser individual, coletiva, em voz alta, em voz baixa, em
duplas. O levantamento de hipóteses deve estar calcado nos
elementos linguísticos utilizados pelo produtor do texto na
elaboração de seu projeto de dizer, o que faz chegar ao pro-
cesso de inferência das informações implícitas no texto, no
confronto das explicitudes e implicitudes de um texto com
suas ancoragens textuais.
O estudo deve ser ampliado, propiciando a análise
comparativa de diferentes textos, quer em paródias, quer em
abordagens temáticas diferenciadas (opiniões divergentes, por
exemplo). É profícua a abordagem da estrutura do gênero em
estudo, o que permitirá ao estudante, em fase de aquisição da
língua escrita, entender, por exemplo, o que diferencia uma
lenda de um conto de fadas, apesar de ambos os gêneros
pertencerem ao tipo de texto narrativo. A vinculação das pro-
postas de produção de textos aos gêneros estudados indica o
quão importante é trabalhar com os modelos textuais para o
domínio de suas estruturas. A prática da escrita deve passar,
necessariamente, pela escrita-reescrita do texto, incluindo a
avaliação crítica não só pelo professor, mas também pelos cole-
gas de classe, atores do processo de interação da linguagem.

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Desafios para a área da linguagem

A organização didática deve prever sempre uma pro-


gressão das atividades em aula, concebendo a prática dis-
cursiva da oralidade, da leitura, da compreensão do que está
sendo lido em perspectiva microtextual - em nível da frase, da
oração, do período e do parágrafo, estabelecendo as relações
de sentido – e em perspectiva macrotextual - que revela o texto
pertencer a um determinado gênero. As duas perspectivas são
entendidas como abordagem gramatical, não da prescrição,
mas do uso da língua e do efeito de sentido desse uso. Esse
elenco de atividades tem como fundamentação e suporte as
teorias desenvolvidas na área dos estudos linguísticos.
Por fim, a escrita dos estudantes deve ser também objeto
de estudo na aula de língua materna. Cabe aos professores ana-
lisar os erros existentes, para conscientizar o estudante, tanto
ortográfica quanto textualmente, do que pode ser modificado
em sua escrita, assim como acontece conosco, mesmo sendo
produtores de textos proficientes, quando escrevemos.
Enfatiza-se que o objetivo de desenvolver o raciocínio, a
capacidade de pensar, de analisar criticamente deve extrapo-
lar o ensino de língua materna, por ser amplo. Caracteriza-se
como uma busca constante do desenvolvimento de habilidades
do aluno que, diante de fatos e fenômenos da vida, observa,
formula hipóteses e busca comprovação ou não dessas. Assim
deve ser a função da escola: dar caráter científico à sua pers-
pectiva disciplinar. Trata-se de enfatizar esse objetivo como
intrínseco às metas específicas do ensino de língua materna,
pois seu objeto de estudo, o material linguístico, é muito amplo
e perpassa as demais disciplinas

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Desafios para a área da linguagem

Abstract
The challenges to the language area
Considering the worrying levels of brazilian student’s
proficiency development, that illustrates Brazil’s
educational failure, this paper aims at thinking about
the importance of the language to the students’ basic
development. We claim that dominating language
means to be prepared to interact to people, which
implies to have the possibility to influence people
in the way they act and think about the others. In
the (social)cognitivist perspective, we believe in an
educational process which looks straight at each
one as a social subject. In this way, people are not
ready, but are (re) constructions in the discursive
practices. By the way, the school’s practices have
as main function to develop the linguistic abilities,
considering the different discourse genres in this
owner organization and communicative proposes.
The consequence is to become the student able to
participate of the society actively when they know
to read, to write and the discourse analyses, which
includes the perspective of grammar’s language. It
means that the language is the greater linguistic
heritage which must be investigated not only in
mother language classes, but also in other subjects,
stimulating the scientific approach, a tribute of the
linguistic area.
Keywords: Language. Teaching. Different genres.
Proficiency development.

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