Rui Duarte Morais - Sobre o IRS
Rui Duarte Morais - Sobre o IRS
1
INTRODUÇÃO
A entrada em vigor do CIRS foi, pela importância nuclear da tributação das pessoas
singulares, o principal momento da Reforma Fiscal1 dos anos oitenta2.
O sistema resultante da Reforma Fiscal dos anos sessenta 4 – levada a cabo sob a orientação de
Teixeira Ribeiro5 – assentava num conjunto de impostos cedulares, cada um deles incidindo sobre
1
Porque de uma verdadeira reforma fiscal se tratou. Com Paulo Pitta e Cunha, «A reforma fiscal dos
anos 80», p. 43, diremos: “embora, em certa perspectiva, possa considerar-se a reforma fiscal como um
processo em constante evolução, em que, ao longo do tempo, se vão introduzindo aperfeiçoamentos e
adequações no esquema dos impostos, o certo é que se assiste, em determinados períodos, a um
esforço consciente no sentido de operar uma remodelação global do sistema, concebido como um todo
dotado de coerência e ajustado a certos critérios orientadores, e fala-se, então, de reforma fiscal
reportada a certa data ou certa época”.
2
J. G. Xavier de Basto, «O IRS na Reforma Fiscal de 1988/89», págs 74 ss.; Manuel Faustino «Tendências
recentes da evolução do imposto sobre o rendimento pessoal», págs. 56 ss. AA 15 Anos da Reforma
Fiscal de 1988/1989 – jornadas de homenagem ao Prof. Doutor Pitta e Cunha, Almedina, 2005.
3
O projeto desta reforma acabou por não ser totalmente cumprido quanto à tributação do património
imobiliário pois, ao contrário do previsto, não foi aprovado o respetivo Código de Avaliações. Tal só veio
a acontecer (e de forma limitada, pois que só foram revistas as regras de avaliação dos prédios urbanos)
em resultado da aprovação, em 2003, do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis), o qual
substituiu o CCA. Veja-se Rui Duarte Morais, «Do Código da Contribuição Predial ao Código do Imposto
Municipal sobre Imóveis». De assinalar, ainda, a posterior aprovação da Lei Geral Tributária (DL nº
398/98, de 17 de Dezembro) e as sucessivas remodelações (que não verdadeiras reformas) do processo
tributário, que conduziram à aprovação, em 1991, do Código de Processo Tributário e, em 1999, do
Código de Procedimento e Processo Tributário.
4
Para uma primeira informação sobre os nossos anteriores sistemas fiscais, Luís Menezes Leitão,
«Evolução e situação da reforma fiscal».
5
J. J. Teixeira Ribeiro, «Reforma dos anos sessenta»; Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, págs. 529 ss
2
um tipo de rendimento (profissional, industrial, de capitais, predial, etc.). Num segundo momento,
alguns desses rendimentos eram sujeitos a outro tributo, o Imposto Complementar, o qual
procurava realizar um certo grau de pessoalização da carga tributária através da dedutibilidade de
algumas despesas socialmente relevantes e da aplicação de taxas progressivas. Ou seja, o sistema
não era único, pois os diferentes rendimentos eram objeto de tributação em impostos autónomos.
Nem era racionalmente progressivo, pois nem todos os rendimentos sofriam a incidência do Imposto
Complementar, e os rendimentos profissionais eram sujeitos a dois impostos com taxas progressivas
(o próprio Imposto Profissional e o Imposto Complementar).
Acresce que tal sistema se encontrava, há muito, abalado em alguns dos seus
elementos estruturantes essenciais (tinha deixado de ser um verdadeiro sistema), o
que, só por si, implicava a necessidade de uma reforma global.
Este modelo, dito de imposto único, era então corrente nos países
desenvolvidos, dando tradução ao pensamento dominante na doutrina fiscal do pós-
guerra7, muito embora na altura – segunda metade da década de oitenta – já fossem
evidentes os sinais de crise de tais conceções8.
3
tivermos em atenção que tais rendimentos se concentram nos contribuintes de maior
capacidade contributiva e que as taxas liberatórias são, em geral, inferiores à taxa
marginal máxima a que estariam sujeitos se englobados, fácil é concluir que, na
realidade, o IRS é, em larga medida, regressivo (não garante uma autêntica equidade
horizontal da tributação), e conserva importantes caraterísticas dos sistemas
cedulares.
11
Tal inconstitucionalidade foi afirmada, entre outros, por J. Teixeira Ribeiro, A Reforma Fiscal, e
Joaquim Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, pág. 1099. O Tribunal
Constitucional, chamado a pronunciar-se, não deu uma resposta conclusiva, invocando argumentos de
índole formal para se abster de conhecer o fundo da questão (Ac. nº 57/95, de 16 de fevereiro).
12
Veja-se a argumentação de Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, págs 594 ss., no
sentido de que toda e qualquer previsão de taxas liberatórias em sede de IRS não implica a sua
inconstitucionalidade.
13
Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades não Residentes Sujeitas a Um Regime Fiscal
Privilegiado, págs 17 ss.
14
J. L. Saldanha Sanches, «Soberania fiscal e constrangimentos externos».
4
1.2.3. Países que mais longe levaram a fórmula unitária do imposto (p. ex., do
norte da Europa) abandonaram tal sistema, consagrando, hoje, formas duais de
tributação em que coexistem um imposto progressivo sobre a generalidade dos
rendimentos com a tributação proporcional de certos rendimentos de capital (dual
income tax)15. O que foi saudado como constituindo uma verdadeira revolução fiscal 16.
Porém, tal não é, em muitos dos seus aspetos, mais do que o regresso a conceções
tributárias do passado, as quais, entre nós, nunca foram totalmente abandonadas.
15
Como bem assinala J. G. Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos
Líquidos, pág. 32, “quando os Estados enveredam por esta linha, com maior ou menor ênfase, terão já
ultrapassado as fronteiras do sistema de tributação de base alargada e a entrar num sistema de
tributação híbrido, que designamos por “sistema dual” na tipologia da OCDE, já que procede a um
tratamento dualístico entre rendimentos do capital e rendimentos do trabalho, que é típico desse
sistema”.
16
Sjbren Cnossen (org.), Towards a Dual Income Tax?
17
A expressão é do art.17.º da Lei n.º 82-E/2014.
18
Ver PORTUGAL, Projeto da Reforma do IRS – Uma reforma orientada para a simplificação, a família e
a mobilidade social, Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, setembro de 2014.
5
Embora o legislador não tenha feito suas todas as propostas da Comissão e
algumas das alterações aprovadas tenham sido posteriormente “revertidas” 19, facto é
que foram feitas modificações em dezenas de artigos, se procedeu a numerosas
adições e revogações, as quais, na sua esmagadora maioria, permanecem em vigor.
A assunção do caráter semidual do imposto, que já era uma realidade 22, foi,
também, traço marcante da reforma de 2015.
19
Caso do quociente familiar, que foi abolido no ano seguinte, tendo-se regressado ao modelo do
quociente conjugal.
20
Lembre-se que o IRC tinha sido objeto de reforma no ano anterior, pelo que a Comissão do IRS,
quanto a este tema, se limitou a um esforço de harmonização.
21
Mais desenvolvidamente, Rui Duarte MORAIS, «A reforma do IRS (2014: uma primeira reflexão»,
Cadernos de Justiça Tributária, n.º 7 (2015) pág. 3 ss.
22
Portugal, Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal – competitividade, eficiência e justiça do
sistema fiscal, pp. 196 ss.
23
Mais desenvolvidamente, Paula Rosado Pereira, Manual de IRS Almedina, 2018, p. 44 ss.
6
Relativamente aos rendimentos a que são aplicáveis taxas proporcionais,
cumpre distinguir entre os que estão sujeitos a taxas liberatórias e os que estão
sujeitos a taxas especiais. Elementos característicos da tributação feita através taxas
liberatórias são a incidência sobre rendimentos brutos e não haver lugar a obrigações
declarativas por parte dos contribuintes, uma vez que a cobrança é feita por
substituição fiscal total, por retenção na fonte, assumindo a entidade pagadora o papel
de sujeito passivo.
Opção pelo englobamento que foi facilitada pela reforma de 2015, em mais
uma expressão da aceitação do carácter semidual do imposto: a opção passa a ser
feita por categoria de rendimentos e não, como antes sucedia, relativamente à
totalidade rendimentos (art.º 22.º, n.º 5)
Quanto a esta última situação, tal possibilidade parece resultar liminarmente excluída, uma vez
que não existe obrigação de declaração pelo contribuinte, melhor, da obtenção de tais rendimentos
não decorre uma relação jurídico-tributária em que seja parte o respetivo titular, aquele que teria o
direito a efetivar tais deduções. Ou seja, só optando pelo englobamento, pela exclusão do efeito
liberatório da retenção na fonte efetuada, é que será possível efetivar deduções à coleta.
Já não assim – pensamos – no caso das taxas especiais. Isto não obstante a generalidade dos
autores entender – mais implícita que explicitamente – que as deduções à coleta só são possíveis
relativamente à (fração) originada pelos rendimentos “englobados”.
Começaremos por notar que, relativamente aos rendimentos não sujeitos a taxas liberatórias,
não existem duas coletas de IRS, uma resultante da aplicação, a determinados rendimentos, de taxas
progressivas e outra resultante da aplicação, a outros, de taxas proporcionais. Só existe,
relativamente a um determinado sujeito passivo, uma coleta de IRS, ainda que a sua quantificação
possa envolver a aplicação de diferentes taxas consoante os diversos tipos de rendimento obtidos.
24
Referimo-nos genericamente, às taxas previstas nos art.º 72.º, pese embora as diferentes
designações com que surgem no corpo de tal norma e, ainda, algumas diferenças substanciais presentes
em alguns (poucos) casos.
7
Ora, é à coleta do IRS, estando em causa sujeitos passivos residentes que o art.º 78.º manda que seja
efetuadas as deduções em causa.
Este entendimento surge-nos reforçado pela natureza semidual do IRS que hoje
temos: não existem duas formas autónomas de tributação dos rendimentos
individuais, uma pessoal e outra real, como aconteceria num modelo dual; existem,
sim, elementos diferenciadores na tributação dos vários tipos de rendimento,
incluindo ao nível das taxas aplicáveis, mas tal deve ser feito com a derrogação mínima
possível do carácter de imposto único do IRS, ideal para que a nossa Constituição
inequivocamente aponta25.
2. Incidência pessoal
Como o seu próprio nome indica, os sujeitos passivos deste imposto são as pessoas
físicas. Há que começar por distinguir entre residentes e não-residentes, uma vez que,
para além de uma incidência diversa, a própria natureza do imposto é diferente em
cada um dos casos.
Bastará, por ora, referir que os residentes são tributados numa base mundial
(pelos rendimentos auferidos em qualquer parte do mundo), a taxas progressivas
(ainda que só relativamente aos rendimentos englobados), têm direito a deduções que
traduzem elementos de pessoalização do imposto, enquanto os não residentes sofrem
25
No mesmo sentido, Rui Gonçalves, em conferência na Associação Fiscal Portuguesa/Porto,
deixou afirmado – bem, no nosso entender – que, nos termos da lei, não existe qualquer relação entre o
direito às deduções à coleta e a tributação às taxas gerais ou taxas especiais, sendo que a única
limitação está relacionada com a tributação dos não residentes; as deduções à coleta não podem ser
vistas como um “prémio” pela tributação às taxas gerais ou, a sua não consideração, como um “castigo”
pela tributação às taxas especiais.
26
Gustavo Lopes Courinha, A Residência…, p. 109,
8
uma tributação real limitada aos rendimentos que a lei considera terem fonte no
nosso país.
2.1. Residentes
Assim, p. ex., perdendo o sócio a qualidade de residente, o artº 10º -A impõe o restabelecimento
do regime regra de tributação das mais-valias realizadas através de permutas de participações
sociais e outros negócios jurídicos semelhantes, tributação que se encontraria suspensa em razão do
regime de neutralidade fiscal de que, em geral, goza tal tipo de operações28.
28
Para mais desenvolvimentos, Gustavo Lopes Courinha, A Residência no Direito Internacional Fiscal,
pág. 346 ss
29
Muito embora o nº 1 do artº 4º do MOCDE possa ser entendido como estabelecendo limites (de
natureza convencional, quando tal preceito figure na CDT aplicável) ao conceito de residência passível
9
limitando-se a estabelecer regras de “desempate” que permitem qualificar um
contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos
(por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal.
A aplicação das “regras de desempate” previstas numa determinada CDT apenas poderá ter
lugar perante uma situação de efetiva dupla tributação internacional, em casos em que os dois
Estados contratantes pretendem tributar alguém a título de residente. Tais regras não poderão ser
invocadas em situações em que, apesar de alguém poder ser considerado residente nos dois
Estados, à luz dos respetivos ordenamentos internos, um dos Estados se abstém de efetivar a
tributação a tal título. Veja-se o caso sobre que versou o Ac. do TCAN de 11-10-2012, rec. nº
103/06.8.
- os que, tendo permanecido menos tempo, aqui disponham, num qualquer dia do
período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor a
intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual (critério da intenção de
residência)
Tal conceito “intenção” havia já sido dilucidado, no domínio da lei anterior, pela jurisprudência
do STA, que, em 24-02-2011, no rec. nº 0876/10 - louvando-se no pensamento de Manuel
Faustino32- considerou que “não podem ser havidos como residentes em Portugal aqueles,
nomeadamente os emigrantes, que dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como
sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião
de ser adotado pela lei interna de cada Estado, “impedindo a relevância internacional de critérios de
incidência subjetiva interna de cariz artificial”, como bem assinala Gustavo Lopes Courinha, A
Residência…, pág. 82.
30
A concretização deste conceito de permanência surge no n.º 2 do art. 16.º.
31
As “regras de desempate” previstas nas convenções consideram, também, um elemento de natureza
subjetivo no conceito de residência (não fazem derivar a qualidade de residente apenas da permanência
no território de um Estado durante a maior parte do período tributário em causa). A primeira de tais
regras, numa ordem de preferência na aplicação, é a do local da habitação permanente, o que parece
associar ao conceito de residente a vontade do sujeito passivo de residir em determinado Estado.
32
Manuel Faustino, «Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português».
10
das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. (…) A intenção que a lei exige não é uma
intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente (…)”.
Porém, terá existido alguma infelicidade na menção a qualquer dia do período referido na
alínea anterior. Na realidade, a existência de uma habitação com vocação de residência habitual,
enquanto presunção de presença física continuada, implica intenção atual de residir, a qual deve ser
aferida relativamente ao momento em que haja que determinar a condição de residente,
normalmente o último dia do período em que ocorreu a obtenção dos rendimentos em causa.
Assim, por exemplo, aquele que, não preenchendo o critério da presença física, teve em
Portugal a sua residência habitual mas deixou de a ter antes do fim do período a que se referem os
rendimentos, porque decidiu deixar “definitivamente” o país, não pode - a nosso ver - ser
considerado residente, pois a sua intenção de residir não é atual mas sim do passado. Inversamente,
aquele que, também não preenchendo o critério da presença física, mantém e ocupa uma habitação
no fim do período a que se referem os rendimentos, deve ser considerado residente33.
33
A lei anterior era clara em prever que a “habitação em condições que façam supor a intenção de a
manter e ocupar como residência habitual” tinha que existir no último dia do ano civil. Talvez para
prevenir consequências indesejáveis de tal norma, à no quadro da lei anterior (veja-se o ac. arbitral:::::)),
o legislador aboliu a referência uma concreta data. Só que se terá esquecido que o tipo de situações em
causa passou a ter um tratamento fiscal diferente em resultado da adoção do sistema da “residência
parcial”, que a seguir referiremos.
34
Sobre esses outros critérios, Manuel Faustino, «Os Residentes…», pp. 128-130; Susana Estêvão
Gonçalves, «Residência fiscal em IRS», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 8 (2015), p.23-31
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.9 n.3 (Outono 2016), p.133-154
35
Rui Duarte Morais, A Imputação…, pp. 174 ss
11
(presença física, intenção de residir, referidas ao período em causa) é difícil descortinar a
legitimidade de Portugal para os considerar seus residentes36.
Note-se, por último, que a perda de condição de residente fiscal resulta do não
preenchimento das condições previstas na lei, não sendo necessária a prova da
aquisição de tal qualidade em outro país37.
2. 2 – A residência parcial38
Estão em causa os sujeitos passivos que, no decurso de determinado ano civil, passem
ou deixem de residir em Portugal, situações cada vez mais frequentes em razão da
crescente mobilidade internacional, nomeadamente dos colaboradores de grupos
internacionais.
Assim, p. ex., aquele que deslocasse a sua residência para Portugal em outubro
de determinado ano seria havido como não residente relativamente aos rendimentos
auferidos ao longo de todo esse ano. Inversamente, aquele que deixasse de residir em
Portugal nesse mesmo mês de outubro seria havido como residente relativamente a
todo esse ano.
36
Manuel Faustino, «IRS – Reforma Fiscal – incidência subjetiva». Revista de Finanças Públicas e Direito
Fiscal, ano VIII, n.º1, pp 140 ss.
37
José Calejo Guerra, «A (não) residência fiscal no código do IRS e os seus requisitos : do conceito legal à
distorção administrativa», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 6 (2014), p.16 ss.
38
Desenvolvidamente, Pedro ROMA, Residência fiscal parcial em IRS, Almedina, 2018.
39
Ver comentário 10 ao art.º 4º do MOCDE.
12
Assim sendo, a operacionalidade do sistema assentará, num primeiro
momento, nas declarações do sujeito passivo, o qual, nos termos do art.º 19.º, n.º 5 da
LGT, é obrigado a comunicar à AT, no prazo de 60 dias, as alterações no seu estatuto
de residência. O que nos parece perfeitamente coerente com o princípio da
declaração que hoje subjaz a todos os sistemas fiscais modernos.
O sistema da residência parcial tem sido alvo de críticas40, parte delas dirigidas às normas
preventivas de eventuais abusos que o legislador decidiu aditar ao texto proposto pela Comissão 41.
Reconhecemos que tais normas são, em alguns pontos, de difícil interpretação, por vezes
“repetindo” o que já resultaria de outras prescrições legais, para além de contrariarem a “filosofia”
subjacente ao sistema da residência parcial, pois permitem, com claro intuito de prevenir “perda” de
receita, como que a “reposição “ do sistema anterior (aferição da condição de residente
relativamente a um ano civil).
Independentemente da validade de tais críticas – que não cumpre aqui apreciar, até
pela natural falta de elementos jurisprudenciais –, temos por seguro que o atual sistema
resulta mais coerente com a legitimidade que aos estados é reconhecida relativamente à
tributação, numa base mundial, dos seus residentes. Tal legitimidade só existe relativamente
ao período de tempo em que aconteça a ligação, essencialmente física, a um determinado
estado subjacente ao conceito de residente.
Tal regra, contraditória com o texto das convenções sobre dupla tributação celebradas por
Portugal, havia dado origem a vasta polémica, doutrinal e jurisprudencial, uma vez que originava
frequentes situações de “dupla residência”: a pessoa em causa era considerada residente no estado
onde estava presente durante a maioria do ano em causa, mas era também considerada residente
em Portugal em razão da permanência no nosso país do respetivo agregado familiar.
40
Nomeadamente de Manuel Faustino, «IRS – Reforma Fiscal – incidência subjetiva», p 136 ss.
41
Está em causa o constante dos n.º 14 a 16 do art.º 16.º.
13
Impunha-se assim a abolição de tal presunção, o que foi feito pelo atual n.º 5 do art.º 16.º: a
residência é aferida em relação a cada membro do agregado familiar.
Com este regime – semelhante aos que existem em vários outros países 43 –
procura-se atrair a Portugal indivíduos de elevados recursos económicos, que,
precisamente por essa razão, têm grande mobilidade internacional e são
particularmente sensíveis à tributação que suportam no país onde residem 44 e,
também, determinados trabalhadores (dependentes e independentes) que pretendam
exercer, mesmo que por tempo limitado, a sua atividade em Portugal.
Têm acesso a este regime, por um período máximo de dez anos, aqueles que
(independentemente da sua nacionalidade), não tendo sido, nos últimos cinco anos,
residentes no nosso país, optem por aqui estabelecer a sua residência (passem a
preencher os pressupostos de tal condição, tal como definidos no CIRS).
42
Ricardo da Palma Borges / Pedro Ribeiro de Sousa, «O novo regime fiscal dos residentes não
habituais»; Rui Nascimento e outros, «O novo regime fiscal do residente não habitual»;
43
Tiago Cassiano Neves, «Apontamentos sobre o tratamento fiscal de expatriados em Portugal e na
Europa».
44
Rui Nascimento/Tiago Machado Graça/Marcos Ramos, «O novo regime fiscal do residente não
habitual : o contribuinte volátil e o headhunting fiscal na captação de investimento», Os 10 anos de
investigação do CIJE , Almedina, 2010, pp. 857-880.
45
Podendo, em geral, optar pelo método do crédito de imposto se, atento o montante de imposto pago
no país da fonte, tal lhes resultar mais favorável (art.º 81.º, n.º 8).
46
Uma vez que existe a opção pelo englobamento, só pretenderão ser tributados por aplicação da taxa
especial aqueles para quem tal resultar vantajoso
47
Uma descrição desenvolvida do sistema encontra-se em José de Campos Amorim, Valter Nuno Dias
Mendes, «As vantagens do regime fiscal do residente não habitual» Revista de Finanças Públicas e
Direito Fiscal, ano VIII, n.º 3 (2015), p. 109-136
14
H [artº 81º, nº 6)48 ou, nos demais casos, estarem aí efetivamente sujeitos a imposto
(liable to tax) (artº 81º, nº 5)49.
Quanto aos rendimentos que devam ser considerados como tendo sido obtidos
em território nacional, apenas serão tributados por aplicação da taxa especial já
referida (prevista no artº 72º, nº 6) os resultantes do exercício, por conta própria ou de
outrem, de atividades de “elevado valor acrescentado”, que são as que se encontram
elencadas na portaria atrás mencionada.
Este regime – que suscita, da parte de muitos, objeções a nível constitucional (violação do
princípio da igualdade)53 –, em vigor há já alguns anos, parece ter demonstrado a sua eficácia na
atração de novos residentes, os quais têm dado um importante contributo para a economia do país,
nomeadamente ao nível da recuperação urbana a que a sua presença deu origem. Porém, grande
parte destes “novos residentes” são pensionistas, não sendo pessoas de elevados rendimentos ou
que exerçam atividades de alto valor acrescentado, ou seja, não correspondem exatamente ao
“público-alvo” previsto quanto da criação do sistema.
A vantagem que os pensionistas retiram pode ser dupla, em resultado da CDT aplicável. Em
muitas das convenções celebradas por Portugal é reconhecida ao estado da residência a
competência (legitimidade) exclusiva para tributar determinadas pensões. Nestes casos, o
48
Relativamente aos rendimentos de trabalho dependente, a generalidade das convenções baseadas no
MOCDE atribui o direito primário à tributação ao Estado onde a atividade tem lugar (artº 15 do MOCDE).
Mas já não assim relativamente às pensões, em que a legitimidade para a tributação é atribuída, em
exclusivo, ao Estado de residência do beneficiário. Sobre as dificuldades que esta última regra suscita,
Maria Margarida Mesquita, As Convenções Sobre Dupla Tributação, pp. 253 ss.
49
Sobre estas cláusulas, John Avery Jones, «Weiser v HMRC: why do we need «liable to tax» and
«subject to tax» clauses?».
50
Portaria nº n.º 230/2019, de 23 de Julho
51
Desenvolvidamente, Ricardo da Palma Borges / Pedro Ribeiro de Sousa, «O novo regime fiscal…», pp.
25 e ss.
52
O chamado método da isenção com progressividade. Por todos, Alberto Xavier, Direito Tributário
Internacional, pp. 289 ss.
53
Lígia Carvalho Abreu, «Análise do regime fiscal do residente não habitual à luz do princípio da não
discriminação no Direito Europeu»; cf. tb. João Sérgio Ribeiro, «O conceito de residente no direito fiscal
internacional e europeu: articulação com o conceito de residente no direito interno».
15
pensionista que transfira a sua residência para o nosso país deixa de pagar impostos, quer no país de
origem (estado da fonte) quer em Portugal (em virtude da isenção de que gozarão).
Tal situação, porque havida por alguns países como constituindo uma concorrência fiscal
desleal, obrigou à renegociação de convenções (nomeadamente com a Finlândia e a Suécia), no
sentido de estes países adquirirem, convencionalmente, legitimidade para tributar as pensões deles
oriundas recebidas por RNH em Portugal.
Este regime é havido como sendo um benefício fiscal, sendo, por tal razão, contabilizada a
despesa fiscal associada, i.e., a diferença entre o imposto devido pelos RNH e o que lhes seria
exigível se sujeitos ao regime normal de tributação. Porém, tal despesa (perda de receita) será, na
maioria dos casos, meramente teórica, uma vez que, não existindo este regime, tais pessoas não
optariam por residir no nosso país. Por outro lado, não é contabilizado o acréscimo de receita de
impostos (sobre o consumo, sobre o património, etc.) que os RNH originam.
Da reforma de 2015 não resultou qualquer alteração deste regime, apesar de a Comissão ter
proposto o alargamento dos tipos de rendimento, obtidos no estrangeiro, passíveis de dele
usufruírem (rendimentos com fonte em aplicações de capital e em mais-valias mobiliárias) e a
inclusão de mais algumas profissões na lista das atividades de alto valor acrescentado54.
A portaria n.º 230/2019, de 23 de Julho veio alterar, para futuro, a lista das
profissões consideradas de alto valor acrescentado, traduzindo aquilo que foi
considerado corresponder às atuais necessidades do mercado de trabalho55.
O regime fiscal dos residentes não habituais não se confunde com o regime de autorização de
residência para atividade de investimento. Este possibilita a concessão de autorização de residência
em Portugal56 – o chamado golden visa – a nacionais de países terceiros que realizem no nosso país
determinados investimentos57.
Tal autorização de residência não supõe uma permanência regular em Portugal, pelo que não
implica o preenchimento dos pressupostos definidores de residente para efeitos fiscais.
54
Portugal, Projeto…, p. 55.
55
Sobre «questões que esta revisão não terá solucionado», RPBA, Advogados, newsletter de 12 de
novembro de 2019.
56
Concretamente, o golden visa permite: entrar, residir e trabalhar em Portugal (caso tal se pretenda);
circular livremente pelo espaço Schengen (será esta uma das suas grandes vantagens para a maioria dos
interessados); obter autorização de residência permanente e, até, a nacionalidade portuguesa, após 5
anos, havendo manutenção do investimento.
A concessão de tal visto é extensível a familiares diretos (reagrupamento familiar).
57
Os investimentos possíveis são vários: aquisição de imóveis, transferência de capitais para o nosso
país, pequenas e médias empresas, criação de postos de trabalho, apoio à investigação científica ou
produção artística, preservação ou conservação do patrimônio cultural.
A maioria tem optado pela aquisição de imóveis, o que geralmente é interpretado como sendo
uma das principais razões do dinamismo que o setor presentemente conhece.
16
uma região autónoma. Isto porque, em razão do poder que estas têm de adaptar o
sistema fiscal às especificidades regionais (artº 227º, nº 1, al. i) da CRP), as regras
aplicáveis ao IRS a ser pago pelos respetivos residentes podem ser diferentes das que
se aplicam aos contribuintes que residem no Continente.
O regime é optativo, sendo-lhe aplicáveis as regras dos “não casados” ou, verificados
determinados requisitos, e também por opção, as dos “casados”, com algumas adaptações (nº 2 e 3
do artº 17º-A)59. Trata-se de uma equiparação a residentes, relevante apenas para determinação do
montante de imposto a pagar em Portugal, ou seja, os contribuintes em causa continuarão a ser
havidos como residindo no outro Estado, continuando o montante de IRS por eles pago a ser
considerado “imposto pago no estrangeiro”, a ser tido em conta pelo país de residência de acordo
com o disposto na convenção sobre dupla tributação aplicável.
Esta solução legislativa, complexa e de duvidosa vantagem na maior parte dos casos, foi
imposta pela jurisprudência do TJUE, o qual, em vários acórdãos, considerou não conforme a
princípios essenciais da União o facto de os sujeitos passivos em tais circunstâncias (essencialmente,
os chamados trabalhadores transfronteiriços) sofrerem, no país onde se situa o centro dos seus
interesses económicos, uma tributação diferente da suportada pelos respetivos residentes (p. ex.,
estarem, relativamente aos seus salários, sujeitos a retenções na fonte em valor percentual superior,
dada a sua condição “formal” de não-residentes)60.
58
O Espaço Económico Europeu resultou de um acordo celebrado entre a CEE e os países membros da
EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio), visando alargar a estes últimos as vantagens do mercado
comum europeu. Com a posterior adesão à EU da maioria destes últimos países, são poucos os Estados
em causa, sendo o mais relevante a Noruega. A Suíça não aderiu ao EEE, mas tem em vigor tratados
bilaterais com vários países da EU que lhe asseguram tratamento similar.
59
Desenvolvidamente, Manuel Faustino, «Os residentes…», pp. 136 ss.
60
Cf. Portugal, Relatório do Grupo…, pp. 310 ss.
17
2.7. Residência e domicílio fiscal
Há, ainda, que referir que determinados sujeitos passivos deste imposto (v.g., os que,
exercendo uma atividade empresarial, estejam abrangidos pelo regime normal de tributação em IVA)
61
Desenvolvidamente, Gustavo Lopes Courinha, A Residência…, pp. 70 ss.
62
Daí o poder-dever da administração de retificar o domicílio fiscal quando constate ele ser outro que
não o que figura no respetivo registo (artº 19º, nº 11, da LGT).
A bondade desta regra é, nos dias de hoje, muito discutível. Sendo o objetivo da designação de
um domicílio fiscal facilitar os contactos com a administração tributária, compreende-se que muitos
contribuintes prefiram indicar não o local onde residam (onde pernoitam…), mas sim um outro, como
seja o local de trabalho. Prática que, ao menos aparentemente, é ilegal.
Mais, a presunção legal de que o domicílio fiscal corresponde à habitação própria e
permanente do sujeito passivo (n.º 12 do art.º 13.º) tem-se revelado problemática, p. ex., quando está
em causa a aplicação do regime de isenção da tributação de mais-valias obtidas na venda um prédio que
constituía habitação própria e permanente do sujeito passivo.
63
A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal.
Aquele que efetivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado
residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como
domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária
alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de
residência. Já não assim quanto à residência nas regiões autónomas: à residência de facto tem que se
cumular o domicílio fiscal nessa região, como resulta do nº 2 do artº 17º.
64
47 Cf. artº 10º, nº 2, e artº 12º do CPPT. A principal exceção é a das questões relativas a imóveis: a
competência dos órgãos da administração fiscal e a dos tribunais afere-se, então, em função da
localização de tais bens
18
são obrigados a possuir uma caixa postal eletrónica, que, legalmente, integra o seu domicílio fiscal,
através da qual se processa a maioria das notificações e comunicações feitas pela AT.
2.8. Não-residentes
A ideia de fonte não é tão simples de concretizar como pode parecer: o critério
físico ou da fonte económica nem sempre pode ser utilizado, uma vez que,
frequentemente, não é fácil ou mesmo possível determinar onde foi exercida a
atividade ou onde se deve ter por situado o bem gerador do rendimento. Daí que o
local da fonte do rendimento se apure, em muitos casos, através do critério da fonte
financeira, ficcionando-se que o rendimento foi produzido no local onde se situa a
sede ou estabelecimento da entidade remuneradora.
A reforma de 2015, para além da alteração estrutural que consistiu o acolhimento do conceito
de residência parcial, procurou harmonizar as taxas liberatórias/especiais de tributação dos
rendimentos auferidos por não residentes, quer relativamente aos mesmos tipos de taxas
aplicáveis aos residentes /sendo o caso), quer relativamente às previstas no CIRC.
Porém, há que não esquecer que um dos objetivos das convenções sobre dupla
tributação é proceder à partilha do direito ao imposto entre os Estados contratantes.
65
J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pp. 218 ss.
66
Portugal, Relatório do Grupo…, pp. 194 ss. 52.
67
Rendimentos obtidos”, um conceito mais abrangente que os de “rendimentos produzidos” ou
“rendimentos realizados” antes utilizados pela nossa lei. Cf., J. L. Saldanha Sanches, «Política tributária e
investimento estrangeiro: alguns aspectos da tributação de não-residentes».
19
Partilha que, normalmente, não resulta na atribuição de tal direito a apenas um desses
Estados, mas a ambos (um cúmulo de pretensões, portanto), com limitações ao
imposto a ser cobrado pelo Estado da fonte e a obrigação do Estado da residência
eliminar ou, pelo menos, atenuar a dupla tributação daí resultante.
Estabelecimento estável é uma estrutura, uma realidade física, capaz de indiciar uma atividade
com um grau mínimo de permanência no país em causa, como, por exemplo, uma exploração
agrícola, uma fábrica, uma loja, um escritório, etc71.
68
Ainda que não seja aqui o lugar para desenvolver o tema, diremos que os limites ao direito à
tributação de cada Estado contratante, resultantes de uma determinada Convenção, não podem
resultar subvertidos por normas hierarquicamente inferiores (pela lei interna desse Estado),
nomeadamente pela exigência do cumprimento prévio de determinadas obrigações de índole
burocrática como condição de redução do imposto a ser cobrado no país da fonte.
69
Será o caso da pretensão de sujeitar a imposto no nosso país rendimentos de natureza empresarial
profissional obtidos por um não residente sem estabelecimento estável no nosso país [art.º 18.º, n.º1,
al. f)
70
Desenvolvidamente, José Carlos Abreu, A Tributação dos Estabelecimentos Estáveis.
71
Artº 18º, nº 2. Por todos, Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pp. 306 ss.
20
Na presença de um estabelecimento estável temos que existe, nesse país, uma unidade
económica, uma empresa; mas não existe um sujeito passivo residente, pois que o titular de tal
empresa é um não-residente. Nesse caso a realidade económica prevalece sobre a jurídica: o
estabelecimento estável, ainda que só quanto aos rendimentos imputáveis à sua atividade 73, será
tratado, no país onde se localiza, como um residente: o cálculo dos lucros que lhe devam ser
imputados é feito por aplicação das regras a que estão obrigados os residentes, ficando sujeitos à
mesma tributação.
Daí que o projeto BEPS74 tenha dedicado, em duas das suas «ações», especial
atenção à economia digital e à elisão do estabelecimento estável 75. No mesmo
sentido se tem orientado labor da Comissão Europeia76
2.8.4. Haveria, ainda, que ter presentes as normas do Direito da União Europeia
(direito secundário) quando o sujeito passivo que obtenha rendimentos em Portugal
seja residente noutro Estado-membro.
21
Assumem relevo, por abrangerem também os sujeitos passivos individuais, a diretiva relativa à
cooperação administrativa no domínio da fiscalidade79 e a diretiva relativa à assistência mútua em
matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas80
3. A unidade fiscal
79
João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Almedina, 2019, pp 195 ss.
80
Ibidem, pp. 227 ss.
81
Salvo se os rendimentos estiverem, na totalidade, sujeitos a taxas liberatórias, pois então o sujeito
passivo será o substituto.
82
Miguel Primaz, «Da representação fiscal e do gestor de bens ou direitos»; Filipe Regêncio Figueiredo,
«Representante fiscal, o verdadeiro não residente na doutrina e na jurisprudência».
83
A reforma de 2015 consagrou legislativamente estas ideias, nomeadamente através da revogação do
nº 3 do art.º 27.º da LGT, o qual continha a presunção legal de o representante fiscal ser, em certas
circunstâncias, “gestor de bens ou direitos” do não residente, e como tal, responsável pelas dívidas
fiscais deste.
22
Esta é, antes de tudo o mais, uma questão de justiça na tributação: saber se a
realidade “família” deve ou não relevar em termos de valoração da capacidade
contributiva que se pretende tributar. Opção básica que, como veremos, condiciona
toda a estrutura do imposto.
Esta opção legislativa foi condicionada pelo facto de, à época da elaboração do Código, certa
doutrina, com destaque para Teixeira Ribeiro 87, entender que a Constituição – hoje, o artº 104º, nº 1 –
impunha a tributação conjunta, com base no argumento de que só assim se poderiam ter em conta as
necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
84
Veja-se, entre outros, IFA, Le Régime Fiscal des Unités Familiales (revenus, fortune et successions);
OCDE, La Situation des Unités Familiales au Regard de l’Impôt et des Transferts Sociaux dans les Pays
Membres de l’OCDE Transferts Sociaux dans les Pays Membres de l’OCDE; Jónatas Machado / Paulo
Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, pp. 184 ss.
85
João Menezes Leitão, «Tributação separada da família e relevância das uniões de facto nos sistemas
fiscais da Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido».
86
Com Casalta Nabais, O Dever Fundamental …, 1998, pp. 526 ss., diremos que essas decisões, quando
concluíram pela inconstitucionalidade, não excluíram ou rejeitaram a tributação conjunta enquanto
modalidade abstrata de tributação da família, mas tão só aquela específica tributação conjunta que cada
uma delas foi chamada a apreciar e a testar face à imposição constitucional de não-discriminação (fiscal)
da família.
87
J. Teixeira Ribeiro, «A unidade fiscal na Constituição» e «A unidade fiscal».
88
.Casalta Nabais, O Dever Fundamental…, p. 531; Joaquim Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição
…, pág. 1100, retiram, mesmo, da referência feita pelo preceito constitucional à tributação do
rendimento pessoal a ideia de uma “preferência” por sistemas de tributação separada. Vd., tb., Manuel
Pires, «Tributação relativa à família (revisitação)».
89
Por exemplo, em que a tributação conjunta só acontece a partir de um certo nível de rendimento ou
em que certos rendimentos (p. ex., os do trabalho) são tributados separadamente e outros (p. ex., os de
capital) são tributados conjuntamente.
23
O sistema de tributação conjunta obrigatória havia sofrido uma dupla erosão: por um lado, os
casados pretendiam a opção pela tributação separada; por outro, famílias não fundadas no
casamento reclamavam o direito a uma tributação conjunta.
Quanto aos primeiros, havia um argumento que não poderia deixar de impressionar: a exigência de
uma tributação conjunta desconhecia em absoluto os regimes de bens adotáveis no casamento,
violentando frontalmente as regras inerentes ao regime de separação de bens90.
Neste regime não há bens comuns (pode é haver bens em compropriedade), não há rendimentos
comuns, cada cônjuge conserva, inatingidas pelo casamento, a propriedade e administração dos
respetivos bens e rendimentos. Ora, esta exclusividade na administração dos bens era posta em
causa pela lei fiscal, ao obrigar os cônjuges a uma declaração conjunta.
Neste regime, não existem, também, dívidas comuns, o que o IRS ignorava, pois a dívida de
imposto dos casados era solidária.
Por seu lado, as uniões de facto reclamavam o direito à tributação conjunta – ou seja, o acesso
ao regime tributário a que estavam sujeitos os casados – por razões de princípio (o reconhecimento,
no plano fiscal, da igualdade de todas as famílias, independentemente de serem ou não fundadas no
casamento) e de conveniência (por, em certas circunstâncias, uma tributação conjunta resultar em
menos imposto a pagar).
Tal pretensão fora aceite pelo legislador, pelo que os unidos de facto já podiam optar pela
tributação conjunta, caso tivessem um mesmo domicílio fiscal e entregassem uma única declaração.
O direito de opção pelos unidos de facto originou uma nova discriminação, porventura
inconstitucional, uma vez que enquanto as famílias não fundadas no casamento podiam optar pela
tributação conjunta ou separada (escolhendo aquela forma que, no concreto, lhes resultar mais
favorável), os casados estão obrigatoriamente sujeitos ao regime da tributação conjunta.
Este regime surge na lei atual como supletivo: quando exista agregado
familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de
facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja
exercida a opção pela tributação conjunta (art. 13.º, n.º 1).
90
Carlos Pamplona Corte-Real, «Família, dívida de imposto e regime de bens».
91
Em termos de simplicidade administrativa, a consagração da tributação separada como “regime
único” seria totalmente justificada (veja-se Rui Duarte Morais, «Tributação separada dos cônjuges e o
desafio da simplicidade»). Porém, tal implicaria um substancial aumento do imposto a pagar por muitas
famílias, beneficiárias do “desagravamento” operado pelo sistema do quociente conjugal, razão pela
qual a obrigatoriedade da tributação separada não foi considerada opção viável.
24
esteja de tal dispensado, apresenta uma declaração da qual constam os rendimentos
de que é titular e 50 % dos rendimentos dos dependentes que integram o agregado 92.
Tal não significa que a tributação separada tenha passado a ser dominante,
pois, como era previsível, a esmagadora maioria dos casados e dos unidos de facto
exerce a opção pela tributação conjunta dadas as vantagens daí decorrentes (em razão
do mecanismo do quociente conjugal que, adiante, desenvolveremos).
A opção pela tributação conjunta, pese embora as vantagens que, por regra,
apresenta ao nível do imposto a pagar, implica, como decorrência lógica da escolha da
unidade económica relevante para efeitos de tributação, a responsabilidade de ambos
os cônjuges pela dívida de imposto. Assim, a responsabilidade será sempre solidária
(art.º 102.º-C, n.º 1), mesmo no caso de o regime de bens do casamento ser o da
separação.
92
O legislador, ao referir-se à titularidade dos rendimentos (art.º 59.º, n.º 1), afastou, intencionalmente,
a consideração do facto de, nos regimes de comunhão, determinados rendimentos dos cônjuges serem
bens comuns. Na tributação separada cada um dos cônjuges declarará os rendimentos “processados”
em seu nome, independentemente da sua natureza de bem comum à luz das normas do direito civil.
Se esta solução se mostra de aplicação simples relativamente à maioria dos rendimentos (do
trabalho, pensões, de bens próprios, etc.), já quanto aos rendimentos de bens adquiridos em comum (p.
ex., rendas e mais-valias relativas a imóveis adquiridos na constância do casamento, juros relativos a
contas bancárias de que ambos sejam titulares, frutos de investimentos mobiliários feitos em conjunto -
nestes últimos dois casos havendo opção pelo englobamento), poderá revestir alguma complexidade,
nomeadamente quando as entidades pagadoras os “processem” apenas no nome de um dos sujeitos
passivos.
Numa crítica ao sistema, propondo, de iure condendo, uma definição legal dos rendimentos de
que cada cônjuge deve ser havido como titular para efeitos deste imposto, Manuel Faustino, ,«IRS,
Reforma Fiscal, Incidência subjetiva», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VIII,n.º1p. 122 ss.
93
Pense-se, por exemplo, nos casados em situação de separação de facto.
94
Pensamos que a remissão para a lei civil deve ser entendida como abrangendo quer a definição da
responsabilidade (se individual, se comum), quer as regras relativas à sua efetivação, nomeadamente as
relativas à ordem de afetação dos bens, comuns e próprios.
25
- no caso de o regime de bens ser de comunhão (geral ou de adquiridos,) pela
dívida responderão ambos os cônjuges, pois estará em causa uma obrigação contraída
em proveito comum do casal, o que a lei presume (n.º 2 do art.º102.-C) 95.
95
Presunção naturalmente ilidível. Assim, a responsabilidade será individual, p. ex., no caso de
separação de facto.
26
3.4.1. Dependente é um conceito jurídico próprio deste imposto (art.
13.º, n.º 5)
96
Figura criada pela Lei nº 103/2009, de 11 de setembro, que instituiu uma “solução intermédia” entre
as figuras da tutela e da adoção restrita, a qual visa promover a desinstitucionalização de crianças e
jovens através da constituição de uma relação para-familiar, tendencialmente permanente.
97
Cf. artº 1927º ss. do Código Civil.
98
Existe ainda a obrigação de identificação, pelo respetivo NIF, dos dependentes, medida que se revelou
necessária, entre outras razões, pela deteção de casos de declaração de dependentes que, na realidade,
não existiam.
99
Indefinidamente, no caso dos inaptos, por deficiência, para angariar meios de subsistência e que não
possuam rendimentos próprios.
27
Os rendimentos do conjunto dos dependentes somam-se aos dos (ou do)
sujeitos passivos (por simplicidade, os pais). As deduções à coleta serão efetuadas no
quadro desse agregado.
Em coerência com este sistema, a lei afirma que, em princípio, ninguém pode,
simultaneamente, fazer parte de mais do que um agregado familiar (artº 13º, nº 6) 100 .
Assim:
- Tal não obsta a que, neste caso, havendo exercício em comum das
responsabilidades parentais, os dependentes possam figurar nas declarações
de ambos os progenitores (ou dos seus agregados familiares), (n.º 10 do art.
13.º).
Então, cada um dos sujeitos passivos declarará metade dos rendimentos dos
dependentes e usufruirá de 50% das deduções à coleta a eles relativas, com o
limite, relativamente a cada uma delas, correspondente a metade do valor
máximo previsto na lei103 (art. 78.º, n.º 9).
28
deverá considerar as devidas percentagens constantes do referido acordo (art.º
78.º, n.º 10)104 105 .
Porém, o artº 63º, nº 1, abre uma exceção a esta regra, uma vez que,
relativamente ao ano em que um dos cônjuges haja falecido, a tributação poderá ainda
ser conjunta, por opção do sobrevivente, salvo se este casar de novo nesse mesmo
ano.
4. Rendimento tributável
4.1. Conceito
Pareceria lógica a existência de uma definição legal de rendimento tributável. Tal não
acontece, o que é resultado da conceção cedular em que assenta o IRS: não há um
rendimento tributável, mas sim várias categorias de rendimento tributável; o
rendimento tributável em IRS é o conjunto dos rendimentos que sejam integráveis nas
várias categorias, tal como definidas pela lei.
104
Tal supõe o cumprimento de determinadas obrigações burocráticas (n.º 11 do art.º 78º). Não sendo
cumpridas tais formalidades ou delas resultando que a soma das percentagens indicadas para um
dependente é superior a 100%, aplica-se a regra geral (o valor das deduções à coleta é dividido em
partes iguais - n.º 12 do art.º 78º).
105
Este sistema de repartição dos rendimentos (e deduções) dos dependentes pode conduzir a situações
de elevada complexidade administrativa. Imaginemos, p. ex., um menor, filho de pais divorciados, cuja
regulação das responsabilidades parentais preveja o seu exercício em comum por ambos os
progenitores, os quais casaram novamente, tendo, em ambos os casos, os novos casais “aceite” a
tributação separada. Os rendimentos do menor (e as deduções à coleta) relevarão em quatro diferentes
declarações de imposto.
106
Desenvolvidamente, J. G. Xavier de Basto, IRS…, pp. 39 ss.
29
Em termos práticos, a principal diferença entre as duas conceções reside
precisamente no tratamento fiscal das mais-valias que, não sendo ganhos decorrentes
da participação na atividade produtiva, são pela primeira excluídos da incidência do
imposto107.
Ao legislador caberá sempre definir o que é rendimento tributável, para o que dispõe de uma
ampla margem de liberdade, podendo excluir da tributação determinados rendimentos (p. ex., em
espécie, algumas mais-valias, aquisições a título gratuito, etc.) 109. A conceção de rendimento-
acréscimo é, pois, um mero arquétipo ou modelo ideal, a ser, para efeitos tributários, objeto de uma
concretização moderadora que restrinja algumas das suas consequências menos desejáveis, mas que
leve a atender a todos os fatores a considerar para se conseguir uma tributação fundamentalmente
de acordo com a capacidade contributiva110.
4.1.3. Questão diferente é a da forma como o legislador constrói os tipos legais de imposto:
se, como é tradicional entre nós, pela consagração de tipos estruturais, nos quais enumera os atos
ou negócios jurídicos cujo resultado económico é tributado; se através de tipos funcionais, nos quais
a definição do que se pretende tributar parte do resultado económico obtido, com indiferença
relativamente à forma jurídica utilizada para o lograr111. A orientação atual caminha para uma
progressiva consagração de tipos funcionais (cláusulas gerais de incidência112) a par de uma
enumeração exemplificativa dos negócios jurídicos de que, normalmente, decorrem os rendimentos
tributáveis (ou seja, de tipos estruturais). Isto porquanto a excessiva atomização do tipo legal de
imposto abre as portas à elisão fiscal, concretizada no uso de formas jurídicas anómalas (como tal,
não incluídas na enumeração a que procede o tipo legal de imposto) para a obtenção de um
determinado resultado económico que, por regra, seria logrado pelo recurso a meios que o
legislador expressamente previu na norma de incidência113.
107
Paulo Pitta e Cunha, «Bases da reforma…».
108
Denominação infeliz, uma vez que todos os rendimentos revestem a natureza de “incrementos
patrimoniais”.
109
Desenvolvidamente, Casalta Nabais, O Dever Fundamental…, pp. 512 ss.
110
J. L. Saldanha Sanches, «Conceito de rendimento do IRS».
111
Alberto Xavier, Manual …, pp. 175 ss.
112
ANA PAULA
113
Rui Duarte Morais, A Imputação…, pp. 199 ss. Cláusulas anti abuso
30
confiança do contribuinte) para as “contra-normas” que reduzem a tributação, as quais, entre nós,
têm assento, nos vários Códigos, no capítulo “isenções”114.
O artº 10º da LGT consagra o princípio de que o caráter lícito ou ilícito da obtenção de
rendimentos ou disposição de bens é indiferente à tributação. Esta é valorativamente
neutra, reportando-se unicamente às circunstâncias (reveladoras de capacidade
contributiva) do facto ou do ato. Trata-se de um princípio clássico entre nós 115, há
muito aceite pela jurisprudência. Porém, não é fácil determinar o seu concreto âmbito
de aplicação116.
Como dissemos, para haver tributação terá que ter havido enriquecimento do sujeito passivo.
Se o negócio, apesar de ilegal, tiver produzido os seus efeitos económicos, deve haver lugar a
tributação118.
114
J. L. Saldanha Sanches, «Conceito de rendimento …».
115
Nuno Sá Gomes, «Notas sobre o problema da legitimidade da tributação das actividades ilícitas e dos
impostos proibitivos, sancionatórios e confiscatórios».
116
O TJUE tem sido chamado a pronunciar-se sobre esta questão no quadro do IVA (cuja base de
incidência se encontra uniformizada), entendendo que o princípio da neutralidade fiscal se opõe a uma
diferenciação generalizada entre as transações lícitas e as transações ilícitas. Donde resulta que a
qualificação de um comportamento como repreensível não determina, por si só, uma exceção à
tributação (a exceção só ocorrerá em situações específicas nas quais, em razão das características
particulares de certas mercadorias ou de certas prestações, está excluída qualquer concorrência entre
um setor económico lícito e um setor ilícito).
117
M. Joaquim Freitas da Rocha, «As modernas exigências do princípio da capacidade contributiva –
sujeição a imposto de rendimentos provenientes de actos ilícitos», em especial pp. 162-192.
118
Coerentemente, não pode ser requalificada, por ser ilegal, uma operação cuja realidade se aceita.
Assim, p. ex., um mútuo feito por uma sociedade a um seu sócio e administrador, apesar de proibido
pelas leis societárias, não poderá ser requalificado em “adiantamento por conta de lucros”.
31
Se o facto corresponder a um ilícito penal, a questão da tributação, em princípio, não se
colocará, uma vez que a lei prevê, em regra, como sanção acessória, a perda dos benefícios
económicos obtidos pelo agente, sejam eles o produto do crime, coisas ou direitos obtidos pela
transação deste ou recompensas pela sua prática (cf. artº 109º ss. do Código Penal). Ou seja, o
normal funcionamento dos mecanismos da lei penal levará, supostamente, a que não haja
enriquecimento do agente, pelo que a questão da tributação ficaria excluída120.
Podemos imaginar, porém, situações em que os mecanismos reparadores previstos na lei penal
não possam funcionar (p. ex., em razão de uma amnistia) e em que a possibilidade de liquidação
oficiosa do imposto ainda não tenha caducado. Se o rendimento obtido cai na previsão da lei fiscal
(por não estarmos perante uma conduta absolutamente proibida, mas que é criminalmente ilícita
nas circunstâncias em que foi praticada – p. ex., a importação ou exportação não autorizada de
certas mercadorias), pensamos que a tributação deverá ter lugar.
No que aqui diretamente interessa, concluímos que o artº 10º da LGT não
procede a um alargamento do conceito de rendimento tributável em IRS, não procede
à consagração de uma nova categoria (a dos rendimentos de atos ilícitos). Limita-se a
clarificar o alcance da incidência das categorias existentes, não sendo tributável um
rendimento ilícito que não seja suscetível de ser integrado numa qualquer delas 122.
5. As fases do imposto
119
Sendo que o montante da coima não é considerado no apuramento do rendimento tributável, pois
não é um custo indispensável ao prosseguimento da sua atividade, mas uma sanção pelo ilícito
cometido. De outra forma, haveria uma “comparticipação” fiscal no pagamento da coima.
120
Algo diferente é o pensamento de J. L. Saldanha Sanches, Manual…, pp. 308 ss., que coloca a
pertinente questão do diferente grau de exigência de prova necessária para a condenação penal e para
a presunção da existência de rendimentos tributáveis, concluindo que “ainda que a apreensão do
rendimento ilícito seja a solução mais correta para o bom funcionamento de uma sociedade
juridicamente organizada, a experiência demonstra que a solução possível é a tributação de tais ganhos.
Em especial se for acompanhada pelas sanções legais ligadas ao incumprimento dos deveres
declarativos”.
121
Será o caso do furto pois, mesmo que possa ser materialmente equiparado a uma “transação”
forçada, como alguns pretendem, tal não implica a sua tributação em IRS por falta da necessária
previsão legal.
122
Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária…, p. 82.
32
O modelo de imposto único123 não implica um sistema absolutamente unitário.
A existência de momentos de consideração individual de cada tipo de rendimento –
nomeadamente, de regras próprias de aferição da respetiva matéria coletável – é uma
exigência inevitável, decorrente da sua diferente natureza. A esta inevitabilidade
poderá acrescer, ainda, o desejo do legislador de criar distinções entre os vários tipos
de rendimentos, por razões de ordem social e/ou económica.
O IRS tem um elevado grau de cedularização, sendo que, como vimos, a própria
definição do que é rendimento tributável é feita a partir do prévio enquadramento
numa determinada categoria de rendimentos124.
123
Por maioria de razão um imposto semidual, como é hoje o IRS.
124
J. L. Saldanha Sanches, Princípios Estruturantes…,pp. 45 ss.
125
Em 2001, o legislador procedeu à “fusão” de algumas categorias, tendo sido eliminadas as categorias
C, D e I, mas conservou as letras identificativas das várias categorias (apesar do “salto” na ordem
alfabética que assim se gera), certamente para não suscitar dificuldades de identificação aos
contribuintes, já familiarizados com as “letras” identificativas dos diferentes tipos de rendimento.
126
Em certos casos a lei permite, com o intuito de “proteger” certos rendimentos, a dedução de um
montante superior ao dos custos efetivamente suportados para a sua obtenção. Assim acontece, p. ex.,
ainda que de forma limitada, relativamente ao rendimento do trabalho.
127
No sentido de que o princípio da capacidade contributiva implica, para o imposto sobre o
rendimento, o chamado princípio do rendimento líquido (Nettoprinzip) Casalta Nabais, O Dever
Fundamental…, pp. 520 ss.
33
Por tal apuramento acontecer categoria a categoria, utiliza-se a expressão
deduções específicas para identificar os valores que, em cada caso, a lei permite que
sejam subtraídos ao rendimento bruto para se apurar o rendimento líquido tributável.
Será aqui que mais relevará - no nosso entender - a atual natureza semidual do
imposto.
É a este valor que – no nosso entender, pelas razões que já indicámos 131,-
deverão ser feitas as deduções à coleta (algumas das quais são importantes elementos
de pessoalização do imposto), obtendo-se o valor do imposto a pagar.
34
COLETA – DEDUÇÕES À COLETA = IMPOSTO A PAGAR (c)
Note-se:
a) A soma dos rendimentos das várias categorias não inclui as parcelas sujeitas a
taxas liberatórias, uma vez que, relativamente a elas, o sujeito passivo de
imposto não é o seu titular mas o substituto.
O rendimento líquido é o resultado da subtração ao rendimento bruto de
cada categoria das deduções específicas admitidas por lei.
O rendimento tributável de cada categoria poderá ser inferior ao valor
do respetivo rendimento líquido em resultado da dedução de perdas ocorridas
em períodos anteriores, quando a lei tal admita.
35
INCIDÊNCIA REAL
CATEGORIA A
Tal acontece por variadas razões, como o desejo da entidade patronal de elidir a aplicação de
normas do direito do trabalho (p. ex., no tocante a remunerações mínimas e outras regalias sociais,
restrições ao despedimento sem justa causa, etc.) e de serem menores os encargos para a segurança
social suportados pelos trabalhadores independentes. Na própria administração pública tal prática é
132
Pagos ou postos à disposição”, o que significa que estarão sujeitos a tributação mesmo quando não
recebidos por facto imputável ao trabalhador.
133
111 Em geral, Luís Menezes Leitão, «A tributação dos rendimentos de trabalho dependente em IRS».
36
corrente, muitas vezes com o objetivo de contornar as limitações legais à admissão de novos
funcionários.
Por seu lado, o trabalhador pode estar, também ele, interessado em aparecer formalmente
qualificado como prestador de serviços independente. Para além de eventuais razões extrafiscais, a
inclusão na categoria B do IRS permite-lhe a dedução dos gastos relacionados com o exercício da sua
atividade profissional, possibilidade essa que, como veremos, não acontece na categoria A.
Saber se ocorre autoridade e direção de outrem é algo que só poderá ser apreciado em face
dos dados de um caso concreto (p. ex., se o trabalhador presta os seus serviços nas instalações
da empresa, se está sujeito aos horários e à disciplina comum à generalidade dos seus
trabalhadores, qual o grau de autonomia que goza no exercício das suas funções, etc.).
São ainda de incluir nesta alínea situações em que, rigorosamente, não existe
um contrato de trabalho ou de prestação de serviços com as características apontadas
(serão contratos de idêntica natureza, expressamente previstos na norma). Exemplo,
as importâncias pagas aos sacerdotes católicos, pelas dioceses ou outras entidades
canónicas, em razão do exercício do munus espiritual.
6.1.2.1. A lei veio permitir que, quando a prestação de serviços seja feita a uma
única entidade, o sujeito passivo possa optar, anualmente, pela tributação de acordo
com as regras da categoria A, (artº 28º, nº 8)., o que a identidade económica das
situações justifica. Os sujeitos passivos que exerçam tal opção passarão a ter direito às
deduções específicas previstas na categoria A, mas ficarão sujeitos às retenções na
fonte nela aplicáveis.
Duvidosa é a questão da “repercussão” de tal opção ao nível do IVA, i. e., saber se o sujeito
passivo deve ser havido como tendo deixado de exercer a sua atividade de modo independente, o
que é pressuposto da incidência pessoal deste imposto134.
6.1.3. Exercício de função, serviço ou cargo públicos (artº 2º, nº 1, al. c)).
37
Estão também aqui compreendidos os rendimentos obtidos por pessoas que
não podem ser havidas como trabalhadores por conta de outrem, como é o caso dos
titulares dos órgãos de soberania ou das autarquias. A equivalência económica destas
situações à resultante de um contrato laboral é evidente, pelo que se justifica a
equiparação das regras de tributação.
6.1.5. Membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas (artº 2º, nº 3,
al. a))135.
135
Entendemos que esta norma está sistematicamente mal colocada, pois deveria figurar no nº 1 do
artº 2º do IRS. Está aqui em causa uma situação geradora de rendimentos desta categoria (a integração
de corpos sociais de pessoas coletivas).
38
como laboral. Não cabe aqui discutir o tema. Diremos, apenas, que, por serem estas
pessoas quem contribui para a formação da vontade social, dificilmente se poderá
entender que possam ser havidas como trabalhadores dependentes dessa sociedade
ou pessoa coletiva.
6.2. Remuneração
Há que salientar, desde logo, que o conceito fiscal de remuneração é mais lato
que o acolhido pelo direito laboral e, eventualmente, que o relevante para efeitos de
incidência das contribuições para a segurança social.
Sob esta designação, o n.º 3 do art.º 2 enumera uma série de hipóteses, definidas
como correspondendo a direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração
136
Por imposição legal (cf. o artº 53º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas).
39
principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta
e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.
137
Não ocorrendo tais “excessos” (como será normal acontecer), estaremos perante situações de
delimitação negativa da incidência, “paralelas” às que constam do art.º 2.º-A.
138
Prestação em dinheiro atribuída pelo Estado, mensalmente, com o objetivo de apoiar os encargos
familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens. A sua concessão e montante
dependem, entre outros requisitos, do rendimento do agregado familiar em que se inserem.
139
O subsídio de alimentação destina-se a compensar os trabalhadores pelas despesas de refeição nos
dias em que prestam serviço efetivo. A obrigatoriedade do seu pagamento não decorre da lei, mas do
Instrumento de Regulamentação Coletiva aplicável ou do contrato de trabalho.
O seu pagamento pode ser feito em dinheiro ou em vales de refeição (títulos emitidos por
empresas especializadas, às quais a entidade patronal os adquire). É muito discutível a opção legal de
majorar o valor isento quando o pagamento aconteça por esta última forma.
140
O abono para falhas caracteriza-se e justifica-se como um subsídio destinado a indemnizar quem dele
beneficiou das despesas e riscos decorrentes do exercício de funções particularmente suscetíveis de
gerar falhas contabilísticas em operações de recebimentos e pagamentos como as que se processam em
serviços de tesouraria (Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 51/80, de 28.8.1980: BMJ, 304.º
- 185).
141
Vasco Guimarães, «As componentes não tributadas das remunerações e outras formas de obtenção
de rendimento líquido».
40
Estamos perante situações de reembolso (ou adiantamentos) de valores
correspondentes a despesas suportadas no interesse da entidade patronal, com são os
casos das ajudas de custo142 e das despesas de deslocação, viagens ou representação.
O regime fiscal destas despesas e outras semelhantes (como as relativas a deslocações, viagens,
etc.) tem, assim, que dar guarida a dois interesses conflituantes: permitir a integral dedutibilidade
fiscal daquelas que são instrumento necessário à obtenção de ganhos empresariais e evitar situações
de (“dupla”) evasão fiscal144. Isto sem prejuízo de estas despesas, mesmo quando realizadas com um
propósito predominantemente empresarial, serem sujeiras a tributação autónoma na esfera da
empresa, o que corresponde, de algum modo, por via indireta, tributar o rendimento que assim
possa ter sido obtido pelo trabalhador ou por terceiros.
142
As ajudas de custo visam compensar os colaboradores pelas despesas com deslocações e alojamento,
em território nacional ou no estrangeiro, por motivos de trabalho. Trata-se de uma compensação em
valor fixo, alternativa ao pagamento das despesas efetivamente suportadas.
Os respetivos valores estão definidos na lei apenas para a administração pública, mas servem
de referência para o setor privado, desde logo em razão da sua não tributação, na esfera do
trabalhador, quando não excedam o previsto quanto à administração pública.
.João Ricardo Catarino, «Ainda a propósito do regime substantivo e fiscal das ajudas de custo» e «Ajudas
de custo – algumas notas sobre o regime substantivo e fiscal».
Sugerindo alterações ao regime legal vigente, visando facilitar a mobilidade internacional dos
trabalhadores, Sérgio Pereira / Henrique Barbosa, «Ajudas de Custo de e para o estrangeiro», O Novo
IRS, Almedina, 2014, pp. 70 ss.
143
Tomás Cantista Tavares, «Regime jurídico das despesas de representação», salientando a divergência
sobre este conceito, tal como é acolhido nos Códigos dos impostos sobre o rendimento e no CIVA.
144
“Dupla” na medida em que tais despesas sejam dedutíveis para efeitos do cálculo do rendimento
tributável da entidade que as suportou (no caso, a entidade patronal) e, sendo dirigidas à satisfação de
interesses pessoais, não constituam rendimento tributável na esfera do trabalhador.
41
É difícil definir com exatidão o que sejam vantagens acessórias (fringe benefits, na
expressão internacionalmente consagrada)145.
As razões para esta prática são várias, desde logo fiscais, traduzidas na inexistência de
obrigação de pagamento de contribuições para a segurança social (incluindo as a cargo da entidade
empregadora), tentativa de não sujeição a IRS, etc. Mas podem estar presentes outras motivações,
quer da parte da empresa (p. ex., procurar a fidelização dos trabalhadores, maior paz social, reforço
do espírito de empresa; evitar que o valor total das remunerações pagas transpareça dos custos com
pessoal revelados pela contabilidade), quer da parte dos trabalhadores (para muitos, em termos
práticos, a utilidade de tais vantagens acessórias superará a do seu equivalente em dinheiro).
Poderemos incluir aqui (muito embora uma opinião final deva ser sempre tomada perante cada
caso concreto) a disponibilidade de uma viatura de serviço, o pagamento do telefone ou telemóvel,
etc., quando o respetivo uso seja exclusiva ou essencialmente para o exercício da atividade
profissional. Mas também outras vantagens de caráter seletivo que, indiscutivelmente, se ligam ao
exercício de determinadas funções, como o pagamento das quotas de associações ou clubes de
negócios e outras situações similares.
Haverá ainda que distinguir os fringe benefits das regalias sociais ou realizações
de utilidade social, que adiante referiremos, cujo elemento caraterizador essencial é o
de a elas terem acesso a totalidade dos trabalhadores da empresa ou, pelo menos, os
de certas categorias profissionais: será o caso das cantinas, de serviços médicos e de
enfermagem, dos infantários, do uso de instalações desportivas, etc.
145
Maria dos Prazeres Rito Lousa, «Aspectos gerais relativos à tributação das vantagens acessórias».
146
Vejam-se alguns exemplos em Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 70 ss.
42
Como vimos, a lei sentiu necessidade de enumerar, ainda que de forma
exemplificativa, vantagens acessórias tributáveis como rendimento desta categoria.
Assim:
6.3.1.1. Habitação
Está em causa a disponibilização ou o pagamento por outrem (que, contrariamente ao que diz a
lei, não tem necessariamente que ser uma entidade patronal) da residência do trabalhador. Porém,
tal não implica, em todos os casos, a existência de uma vantagem acessória. Assim acontece, p. ex.,
com algumas das chamadas casas de função, nas quais certos trabalhadores devem residir em razão
da sua atividade, situação esta que também acontece nas empresas privadas; o fornecimento de
habitação a custos reduzidos quando tal objetivamente se justifique (p. ex., em complexos mineiros
situados em zonas ermas, trabalhadores temporariamente deslocados, etc.).
6.3.1.2. Mútuos
Trata-se de uma vantagem corrente no setor bancário, em que o “pacote salarial” inclui a
possibilidade de utilização pelo trabalhador de um determinado plafond de crédito com condições
excecionais. Como resulta da lei, existe aqui uma situação de não tributação, ainda que limitada,
relativamente à concessão de crédito para habitação.
6.3.1.3 Viaturas
43
Atualmente, a lei só considera tributável em IRS esta vantagem, resultante da utilização pessoal
de viatura automóvel que gere encargos fiscalmente dedutíveis para a entidade patronal, quando
exista um acordo escrito entre o trabalhador (ou membro do órgão social) e aquela relativo ao uso
privado por este de tal automóvel. Mais que quaisquer outras razões, terá sido determinante a
constatação que só nestes casos é possível fazer a destrinça entre a sua utilização privada e a
profissional. Porém, como seria de esperar, estes acordos – que, ao tempo da entrada em vigor da
alteração da lei, eram relativamente correntes – “desapareceram” na maior parte dos casos. Serão,
assim, relativamente raros os casos em que tal vantagem acessória será tributada a título de
rendimento do trabalho dependente147.
A lei procurou “contornar” o problema através de uma tributação autónoma dos encargos com
viaturas automóveis, na esfera da entidade empregadora, a qual não tem lugar existindo o acordo
escrito acimas referido.
Ao preço pago pelo trabalhador acrescerá a soma dos valores pelos quais, anteriormente, haja
sido tributado a título de rendimento decorrente do uso privado da (supostamente essa) viatura da
empresa. Ou seja, a lei considera esta tributação – quando tenha lugar – como que um “pagamento
por conta” do imposto devido pelo ganho decorrente da aquisição.
44
O caso mais simples será o trabalhador receber ações como parte da sua remuneração (p. ex., a
título de prémio de desempenho). Nenhuma dificuldade se levanta: estamos perante uma
remuneração em espécie, em montante correspondente ao valor de mercado de tais títulos.
Nas stock options, a empresa empregadora compromete-se a, durante certo prazo, vender
determinado número de ações, por dado preço, a cada um dos trabalhadores abrangidos pelo plano.
O trabalhador é livre de exercer ou não a opção, tendo, obviamente, interesse em o fazer quando a
cotação das ações seja superior (ou ele preveja que venha a ser superior) ao preço estipulado para o
exercício da sua opção.
Este direito, porque consiste numa mera possibilidade de, no futuro, o trabalhador concretizar
uma aquisição, não constituirá, por princípio, um acréscimo patrimonial suscetível de tributação151.
Situemo-nos, agora, no momento em que o trabalhador decide exercer a opção, sendo que,
então, a cotação das ações é superior ao preço estabelecido no plano para a sua aquisição. O
trabalhador tem um ganho, um incremento patrimonial, correspondente à diferença entre o que vai
pagar e o valor de mercado dos títulos (ganho esse que é resultado direto do exercício da opção que
lhe foi concedida pela entidade patronal como contrapartida da prestação laboral). Algo de
semelhante acontece com os planos de aquisição/subscrição de ações com cláusula de recompra.
Nestes casos, o trabalhador pode, no imediato, adquirir determinado número de ações,
normalmente pelo seu preço de mercado. Mas a empresa assume, durante certo prazo, o risco da
desvalorização desses títulos (eventualmente, da sua insuficiente valorização), obrigando-se a
recomprá-los a um preço pré-fixado. Se o trabalhador revende as ações à empresa pelo “preço
garantido” e este é superior ao que lograria, nesse momento, obter no mercado, parece que,
também aqui, obtém um ganho (ou evita uma perda), o que acontece em razão da garantia prestada
pela sua entidade patronal, ou seja, é uma “vantagem” decorrente da relação laboral.
Durante muito tempo este tipo de incrementos patrimoniais não foi sujeito a
imposto. Entendia-se que a questão da tributação apenas se colocava no momento
da alienação dos títulos pelo trabalhador, em sede de mais-valias. De forma
simples, se o trabalhador, no exercício da opção, adquiria ações por um valor
inferior à respetiva cotação e, depois, as lograva vender por preço superior, o seu
ganho (a sua mais-valia) seria mais elevado do que se as tivesse adquirido a preços
de mercado e, portanto, seria maior o imposto a pagar em resultado da alienação.
151
Salvo nos casos em que o próprio direito de opção seja objeto de transação, liquidação, ou renúncia
onerosa. Então, existirá um incremento patrimonial, tributável como rendimento desta categoria ((7) da
al. b) do nº 3 do artº 2º), no valor correspondente à diferença positiva entre o preço recebido e o valor
que, eventualmente, haja sido pago para aquisição do direito de opção em causa (artº 24º, nº 4, al. c)).
152
Em virtude de uma previsão legal de “não sujeição” antes existente.
45
Ao distinguir o ganho resultante do exercício da opção da mais-valia gerada,
posteriormente, durante o período de detenção dos títulos pelo trabalhador e ao
considerar o primeiro como rendimento desta categoria 153, a lei fiscal fez com que a
utilização deste tipo de “remunerações” perdesse grande parte do seu interesse154.
46
artº 2º); disponibilização gratuita de estacionamento para a viatura particular do
trabalhador.
Entendemos que, para este efeito, devem ser considerados rendimentos em espécie as
componentes remuneratórias que não consistam em entregas de dinheiro (físico ou escritural) ao
sujeito passivo. Assim, p. ex., devem ser havidos como rendimento em espécie os valores
despendidos pela entidade patronal em PPR constituídos a favor de alguns trabalhadores, não
obstante tal implicar um pagamento (em dinheiro) à entidade emitente (do qual o trabalhador é o
beneficiário).
157
Diogo Feio, «Retenção na fonte e rendimentos em espécie».
47
6.4.1. Comecemos por notar que a al. e) do nº 3 do artº 2º expressamente
qualifica como rendimentos do trabalho dependente, incluindo-as nesta categoria, as
importâncias recebidas, a qualquer título, pelo trabalhador em razão da celebração de
um contrato cujos rendimentos sejam inseríveis nesta categoria (será exemplo o
“prémio” pago a um jogador aquando da celebração de um contrato com o seu novo
clube), pela alteração das condições da prestação de trabalho (p. ex., aceitação de
outras tarefas ou de obrigações suplementares), pela mudança de local de trabalho ou
em razão de incumprimento contratual pela outra parte. Subjacente a estes
pagamentos está, pois, uma obrigação contratual.
O limite da não sujeição é o valor médio das remunerações regulares 159 com
caráter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado
pelo número de anos ou fração de antiguidade160 ou de exercício de funções na
entidade devedora (nº 4, al. b), do artº 2º).
48
Este regime não é aplicável às importâncias relativas a direitos vencidos
durante os referidos contratos ou situações, designadamente salários e subsídios de
férias e de Natal (nº 6 do artº 2º), as quais serão sempre tributadas pela sua
totalidade, não concorrendo para o cálculo do valor não sujeito a imposto.
Ou seja, não tem suporte legal a prática de se atribuir ao trabalhador uma indemnização global,
na qual aparece incluído o valor de retribuições já vencidas ou cujo respetivo facto gerador já
aconteceu, e apurar em função desse valor global se existe um “excesso” tributável.
Interessa-nos apenas focar a equiparação que é feita entre a (atual) entidade patronal e (sendo
esta uma sociedade ou entidade equivalente) as sociedades e/ou outras entidades que com ela
estejam em relação de grupo, independentemente do local onde estejam sedeadas ou estabelecidas.
No essencial, a lei prevê a relevância, para efeitos de IRS, do que poderemos designar como relação
laboral com um grupo de sociedades (indo além do vínculo estabelecido com aquela sociedade que
assume, num dado momento, a condição de empregadora162).
Assim, fará cessar a situação de não tributação da indemnização (ou de uma sua parte),
recebida em razão da extinção de um contrato de trabalho com uma sociedade sedeada em
Portugal, o facto de esse trabalhador, dentro de determinado prazo, estabelecer um vínculo laboral
ou profissional com outra sociedade em relação de grupo com a primeira, mesmo que esta esteja
sedeada e/ou estabelecida no estrangeiro (e mesmo que a prestação de trabalho deva ter lugar fora
do nosso país). Inversamente, na determinação da antiguidade relevante para o cálculo do valor da
indemnização não sujeito a imposto, ter-se-á que contabilizar o (anterior) tempo de prestação de
serviço a outras sociedades do grupo, mesmo que não estabelecidas em Portugal. Assim, poderemos
ter situações em que um trabalhador cessa o seu vínculo com um empregador residente e tem
direito a não ser tributado num valor calculado em função de uma antiguidade obtida, na sua maior
parte, ao serviço de entidades não-residentes. Tal não é, porém, paradoxal: nestes casos, o valor
efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares é a vigente em cada um dos anos em que
houve recebimentos em cumprimento de tal acordo (Ac. do STA rec. nº 032/10 de 27-06-2012), o que
traduz o facto de o elemento temporal da tributação ser, nesta categoria, o pagamento ou colocação à
disposição do rendimento.
162
Tema que começa a ser objeto da atenção dos juslaboristas. Entre nós, Catarina Carvalho , Da
Mobilidade dos Trabalhadores no Âmbito dos Grupos de Empresas Nacionais.
49
indemnizatório atribuído ou acordado com o trabalhador terá sido, normalmente, estabelecido
tendo em conta o tempo total de trabalho para o grupo de sociedades e não apenas o tempo ao
serviço da entidade que vai proceder ao respetivo pagamento.
A questão colocou-se, com maior evidência, relativamente a empregados dos casinos, pois as
gratificações deixadas pelos jogadores (“tradicionalmente”, uma percentagem dos ganhos) atingem
montantes muito significativos, constituindo uma das principais componentes da remuneração dos
trabalhadores das salas de jogo; acresce que é fácil ao Fisco apurar da existência e montante de tais
gorjetas, uma vez que é o próprio casino que procede à respetiva contabilização e distribuição. A
pretensão da administração fiscal de tributar tais montantes, inquestionavelmente fundada na lei,
originou sucessivos litígios judiciais164. No que consideramos ter sido uma tentativa de compromisso,
o legislador passou a sujeitar tais remunerações a uma taxa especial (artº 72º, nº 3). Ou seja, muito
embora devendo constar da declaração do sujeito passivo, tais rendimentos escapam à
progressividade do imposto.
Recentemente, a lei veio equiparar a “gorjetas” as compensações e subsídios atribuídos 165 aos
bombeiros voluntários, até determinado limite (art. 72.º, n.º 13), no que consideramos ter sido uma
solução política razoável, uma vez que estão em causa “trabalhadores voluntários”166
163
Ver infra “incrementos patrimoniais”.
164
Mário Patinha Antão, «Tributação das gratificações a profissionais de banca dos casinos»; Sérgio
Vasques, «O jogo, o fisco e o Tribunal Constitucional»; Rogério Fernandes Fer reira /Sérgio Vasques, «A
tributação das gratificações em sede de IRS: a propósito do acórdão nº 497/97, do Tribunal
Constitucional».
165
Numa interpretação extensiva desta norma, cfr. o ofício-circulado da DSISRS n.º 20197, de 24-10-
2017.
166
Estranhamente, mantem-se em vigor o n.º 7 do art.º 12.º que exclui da incidência do imposto o
mesmo tipo de subsídios quando atribuídos em determinada zona do país (Serra da Estrela).
50
6.6. Rendimentos não sujeitos a tributação
Por seu lado, o artº 2º-A 167 exclui da incidência do imposto determinadas
importâncias ou vantagens auferidas pelo trabalhador em razão do seu trabalho,
procedendo àquilo que se designa por desagravamentos estruturais168.
Salientamos:
- o valor das contribuições que as entidades patronais estão obrigadas a efetuar para
sistemas de segurança social, visando assegurar exclusivamente benefícios em caso de
reforma, invalidez ou sobrevivência;
A norma remete para o art.º 43.º do CIRC a definição do que são as realizações de utilidade
social. Segundo este, são creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas e
outras como tal reconhecidas pela administração fiscal.
Algumas notas:
(i) As regalias em causa têm que ser acessíveis a todos os funcionários da empresa e,
eventualmente, a reformados e familiares;
(ii) O reconhecimento pela AT não significa o exercício de um poder discricionário, pelo
que, em última análise, sempre caberá aos tribunais saber se determinada regalia se insere neste
conceito indeterminado de “realizações de utilidade social”;
(iii) O CIRC não refere a expressão “realizações de lazer”, muito embora entendamos que
estas cabem no conceito “realizações de utilidade social”.
Estarão em causa, p. ex., piscinas, ginásios, grupos desportivos e similares.
(iv) Fica a interrogação sobre uma possível interpretação atualística da palavra
manutenção [de tais realizações].
A realidade, ao tempo da feitura do CIRC e que subjaz ainda ao teor do seu art.º 43.º, era o de
as entidades empregadoras (v.g. grandes unidades industriais) oferecerem, elas próprias, estes
tipos de serviços.
Tal situação alterou-se, sendo muitas as empresas que externalizaram a oferta de tais
regalias, pagando ou comparticipando, diretamente ao prestador, nas despesas relativas a
creches, jardins-de-infância, ginásios, etc.
Pensamos ser defensável afirmar que tais pagamentos e comparticipações cabem no âmbito
do art.º 2.º-A (e, também do art,º 43.º do CIRC)169.
167
Num esforço de melhor sistematização, o art.º 2 foi, em 2015, desdobrado, passando a constar do
art.º 2.º as normas de incidência e do art. 2.º-A(2.º-A) as suas principais delimitações negativas.
168
Cf. o artº 3º, nº 1 e 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
169
Constatando o facto de grande número de empresas ter deixado de manter infantários, preferindo
contratualizar com terceiros a prestação desses serviços aos filhos dos trabalhadores, a lei (DL nº 26/99,
51
- As importâncias suportadas pelas entidades patronais com a aquisição de passes
sociais a favor dos seus trabalhadores, desde que a atribuição dos mesmos tenha
carácter geral170;
O preenchimento do conceito formação profissional é difícil, sendo que, em nossa opinião, terá
sempre que ser feito em função do caso concreto.
Existem várias definições, em diferentes diplomas legislativos, as quais, em nossa opinião, não
podem ser aqui utilizadas acriticamente, dado ser outra a teleologia de tais normas.
Em nosso entender, formação profissional será aquilo que, traduzindo-se em ensino ministrado
por entidade reconhecida, seja do interesse objetivo da empresa em razão da melhoria da
produtividade do seu trabalhador que se pretende alcançar (o que, obviamente, não exclui o
interesse pessoal do próprio trabalhador), Assim p. ex., não nos parece correto o entendimento
generalizado de que terá que estar em causa ensino técnico-profissional. A progressão universitária
dos trabalhadores pode ser uma valorização a que subjaz um autêntico propósito empresarial,
atentas as funções em causa. Entendemos, também, que a formação profissional não se pode
circunscrever à atividade exercida. A empresa pode ter interesse em formar trabalhadores seus para
o exercício de outras funções, totalmente diversas das atuais. Essencial é que existam regras para a
concessão de tais apoios que permitam concluir não estar em causa um benefício individualizado.
de 28 de janeiro) veio criar o vale social de infância, benefício este que não é considerado como
rendimento tributável na esfera do beneficiário (art.º 2.º-A, n.º 1, al.b)).
A situação é diferente das que referimos em texto: não está em causa a entrega ao trabalhador
de um “título” de pagamento, mas sim casos em que a entidade patronal assegura a prestação de tais
serviços, ainda que através de terceiros.
170
A norma, introduzida pela reforma de 2015, visou dar um primeiro passo no sentido da relevância
fiscal das despesas relativas às deslocações casa-emprego, ainda que só quando suportadas pela
entidade patronal.
171
A norma, introduzida pela reforma de 2015, visou estimular a mobilidade dos trabalhadores,
nomeadamente a sua deslocação para zonas do interior do país
52
O artº 25º prevê as seguintes deduções específicas aos rendimentos da
categoria A:
Temos, em primeiro lugar, uma dedução em valor fixo172 (atualmente 4.104 euros),
cuja consagração traduz um tratamento preferencial dos rendimentos do trabalho 173.
Porém, tal dedução fixa só aproveita aos trabalhadores com salários pouco
elevados, sendo que o seu efeito útil diminui à medida que a remuneração cresce. Isto
porque neste montante dedutível se abrangem as contribuições para a segurança
social a cargo do trabalhador.
172
Antes de 2015, o montante da dedução era calculado por referência ao valor vigente do IAS,
Indexante dos Apoios Sociais, referencial determinante na fixação e atualização das contribuições, das
pensões e outras prestações sociais.
Tal solução tinha desvantagem de tornar pouco percetível o valor da dedução, mas tinha a
vantagem de esta resultar automaticamente atualizada sempre que ocorressem alterações no seu
referencial (IAS).
173
Cf. o número 8 do Preâmbulo do CIRS. Este tratamento preferencial é, como já referido, contrariado
por muitas outras disposições do código, desde logo pela sujeição obrigatória a taxas progressivas dos
rendimentos desta categoria.
174
Entendidas, por nós, como significando as devidas [em certos casos, cabe ao beneficiário definir,
acima de um mínimo, o valor das suas contribuições, em função do nível de proteção – p. ex., do
montante de pensão de reforma – por ele desejado] em razão de quaisquer regimes legais de proteção
social ou subsistemas legais de saúde (sirva de exemplo a Caixa de Previdência da Ordem dos
Advogados). Neste sentido parece ter ido, também, o Ac. do STA de 16-10-2002, rec. nº 026829, ao
afirmar que “a expressão “contribuições obrigatórias para regimes de protecção social” (…) deve
entender-se no sentido de contribuições não integrantes dos esquemas de prestações complementares
da iniciativa dos particulares”.
175
Que, hoje, alguns entendem revestir a natureza de contribuições financeiras (Sérgio Vasques
::::::::::::::::::
176
Sobre o seu regime, Casalta Nabais, Direito Fiscal, pp. :::::;
53
A existência de um imposto autónomo para financiamento da segurança social resulta,
essencialmente, de razões históricas de que não cabe aqui cuidar. Diremos, apenas, que os atuais
sistemas de segurança social mergulham as suas origens em organizações privadas de solidariedade,
muitas vezes de natureza corporativa e datando da Idade Média, ou em formas de associativismo.
Num segundo momento de evolução, o Estado veio impor a obrigatoriedade de tais contribuições
(aos trabalhadores e, também, às entidades patronais), configurando-se então uma situação
qualificada por muitos como sendo de um seguro público obrigatório 177. Mas manteve-se o princípio
de que só teriam acesso aos (diversos) sistemas de segurança social os que para ele houvessem
contribuído.
Este princípio alterou-se radicalmente com a Constituição de 1976, uma vez que, nos termos do
seu atual artº 63º, nº 1, a segurança social passou a ser concebida como um direito de todos os
cidadãos, abrangendo aqueles que, por alguma razão, não contribuíram para o respetivo
financiamento178. Daí que possamos concluir que a segurança social é, hoje, um “bem público” por
imposição constitucional, que, assim, tem que ser financeiramente suportada por tributos 179. O que
torna compreensível o debate sobre se a segurança social, enquanto tarefa normal do Estado, deve
ser financiada (ainda que só parcialmente) por tributos especiais ou se tal deve ser logrado através
da receita dos impostos gerais.
177
Alberto Xavier, Manual…, pp. 66 ss. Vd., tb., J. G. Xavier de Basto, «Para uma análise fiscal das
contribuições para a segurança social».
178
Casalta Nabais, O Dever Fundamental …, p. 200.
179
Tal evolução traduziu-se, também, na passagem de um sistema de capitalização (em que o montante
das contribuições recebidas é investido, gerando-se assim as receitas necessárias ao pagamento das
prestações sociais – lógica esta que é caraterística de uma atividade seguradora) para um sistema de
redistribuição, segundo o qual as receitas resultantes das contribuições dos trabalhadores no ativo são,
imediatamente, afetas ao pagamento de prestações sociais. Tal sistema, se permitiu uma maior e
melhor segurança social, conhece, hoje, uma crise de sustentabilidade, desde logo porque a evolução
demográfica alterou profundamente o rácio entre trabalhadores ativos e inativos.
180
OCDE, Pensions at a Glance, 2007; Ana Sofia Carvalho, «A reforma das pensões na União Europeia»,
Revista Electrónica de Direito, Fevereiro (2014); analisando a situação no nosso país, o interessante
estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Sustentabilidade do sistema de pensões
português, coord. Amílcar Moreira, 2019.
54
6.7.3. Quotizações sindicais
Assim sendo, não se compreende que as despesas suportadas por um trabalhador dependente
com a sua formação não sejam tidas em conta na determinação do rendimento tributável, num país
onde um dos maiores problemas é, assumidamente, a falta de qualificação profissional. A opção
legislativa de abolir a possibilidade (que, na prática, era insignificante) de dedução destas despesas –
cuja única motivação terá sido a de obtenção de um pequeno aumento de receita – foi em sentido
contrário ao preconizado por uma comissão na altura incumbida de refletir sobre este imposto, a
qual recomendou a autonomização, como dedução específica nesta categoria, das despesas de
formação profissional184.
181
No mesmo sentido, Portugal, Relatório do Grupo…., p. 222
182
O teor da lei é infeliz (a exigir uma interpretação extensiva), uma vez que as entidades em questão
não têm necessariamente que ter a designação de Ordens. Sirva de exemplo a Câmara dos Solicitadores.
183
Abordámos anteriormente a questão de saber se devem ser incluídos no conceito «remuneração» os
valores despendidos pela entidade patronal com a formação/ valorização profissional do trabalhador.
Aqui questiona-se a não dedutibilidade dos gastos por este suportados.
184
Portugal, Relatório do Grupo…, p. 222.
55
será razoável um advogado avençado de um banco poder obter uma comparticipação fiscal em
razão da sua participação numa determinada ação de formação e tal não ser acessível a um seu
colega, funcionário desse banco, que exerça o mesmo tipo de funções?
Por último, temos que esta questão contende com princípios estruturantes do
imposto: na medida em que sejam desconsiderados gastos que realmente existem e
que são “indispensáveis” à manutenção da fonte produtora (à continuidade e
progresso na prestação de trabalho), a tributação incide sobre um valor que não
corresponde o rendimento real (rendimento líquido) do sujeito passivo.
O artº 27º, observadas que sejam as condições aí previstas, permite aos trabalhadores que
exerçam as chamadas profissões de desgaste rápido deduzir ao seu rendimento as importâncias
despendidas na constituição de seguros de doença, de acidentes pessoais e de seguros de vida que
garantam exclusivamente os riscos de morte, invalidez ou reforma por velhice185.
Tais profissões são apenas aquelas que o nº 2 de tal norma enumera: praticantes desportivos,
mineiros e pescadores186. Ou seja, muitas outras profissões com caraterísticas idênticas não
beneficiam deste regime especial.
As razões desta norma excecional assentam no facto de serem profissões que, normalmente,
exigem um esforço físico elevado; existir um risco de “doença profissional” superior à média; um
período de vida na profissão incerto mas, normalmente, curto. Relativamente aos desportistas 187,
poder-se-á referir, ainda, que existe, em muitos casos, uma fortíssima concentração de rendimentos
num período correspondente a uma pequena parte da sua vida ativa, com posterior queda
significativa da sua capacidade contributiva188.
185
José Gomes dos Santos, «Profissões de desgaste rápido».
186
A enumeração das profissões de desgaste rápido relevantes para efeitos deste imposto é muito mais
estrita que a considerada para, p. ex., a antecipação da idade normal de reforma.
187
Em geral, Leonardo Marques dos Santos, «Tributação de desportistas: enquadramento dos
rendimentos derivados da exploração de direitos de imagens em sede de IRS», Fiscalidade, n.º 48,
(2011) p. 33-56; Ricardo da Palma Borges / Pedro Ribeiro de Sousa) «Portugal: Tax planning for incoming
individual sportspersons», Global Sports Law and Taxation Reports, n.º1 (2016) pp. 24-30.
A tributação de rendimentos associados à prática desportiva individual tem levantado
numerosas questões, nomeadamente quanto à distinção entre remunerações decorrentes do trabalho e
as resultantes da cedência de direitos de imagem e/ou dos chamados “direitos económicos” .
Em contexto internacional, tal distinção é relevante porquanto, sendo os direitos de imagem
e/ou os direitos económicas titulados por pessoas coletivas não residentes sem estabelecimento estável
no nosso país, se coloca a questão da legitimidade tributação por Portugal, enquanto país da fonte, para
tributar tais rendimentos, à luz das CDT’ aplicáveis.
A jurisprudência (recente) do CAAD sobre estas questões é numerosa
188
Manuel Faustino, «A tributação dos rendimentos derivados da prática de uma modalidade
desportiva»; Casalta Nabais, «O regime fiscal do desporto profissional».
56
lhes sejam atribuídas e prémios por classificações relevantes obtidas em provas desportivas de
elevado prestígio e nível competitivo.
Há, ainda, que ter em atenção as normas do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as
quais isentam de imposto certos rendimentos do trabalho dependente. É o caso, entre
outros, das remunerações auferidas pelo pessoal ao serviço das missões diplomáticas e
consulares ou de organizações internacionais desde que haja reciprocidade (artº 37º
do EBF) e por militares e elementos das forças de segurança em missão de paz ou
humanitárias no estrangeiro (artº 38º do EBF)189.
189
O benefício fiscal traduz-se numa isenção com progressividade: tal rendimento não é tributado, mas
o seu valor é tido em atenção para a determinação da taxa aplicável aos demais rendimentos
englobados.
57
CATEGORIA B
Subjacente a uma tal divisão esteve, desde logo, uma razão “histórica”: anteriormente, a
tributação dos rendimentos obtidos em cada uma dessas atividades era feita por diferentes
impostos (Imposto Profissional, Contribuição Industrial e Imposto sobre a Indústria Agrícola).
190
Cf. o nº 9 do Preâmbulo do Código.
191
Vasco Guimarães, «Tributação das profissões liberais»; J. Gomes dos Santos, «A tributação dos
profissionais liberais: uma proposta de mudança».
192
O trabalho é, certamente, uma componente substancial do lucro de (também) muitas atividades
comerciais e industriais exercidas a título individual. Porém, existem empresas individuais – incluindo
algumas que tenham por objeto o exercício de uma atividade profissional – em que o fator capital
assumirá relevância decisiva. Daí que nos pareça correta a superação da dicotomia tradicional entre
atividades profissionais, por um lado, e atividades comerciais e industriais, por outro. O relevante, em
termos tributários, deve ser a dimensão da empresa (aferida, p. ex., pelo respetivo volume de negócios),
a determinar uma tributação segundo o regime simplificado ou as regras gerais (apuramento do lucro a
partir do resultado contabilístico) previstas no IRC. No mesmo sentido, J. L. Saldanha Sanches, «Conceito
…».
193
Recordemos o ensinamento de Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, pp. 56 ss sobre os atos
assim qualificáveis.
58
compra para revenda e os de transformação (física ou jurídica) de um bem com o
intuito de o vender por melhor preço.
Por vezes, será necessário estabelecer – sendo que o ónus da prova caberá à AT
– a intencionalidade que presidiu à operação em causa para se poder concluir se se
está ou não perante um rendimento de natureza empresarial. Sirva o seguinte
exemplo: alguém adquire e remodela um imóvel com intenção de aí estabelecer a sua
residência ou habitação de férias, mas, por uma qualquer razão (p. ex., dificuldades
financeiras) decide vendê-lo. Não estaremos, então, em presença de um rendimento
da categoria B.
Só que tal unificação – ainda que por muitos tida como um passo importante
no sentido da unidade tendencial que deve caraterizar o IRS194 – foi limitada195.
194
Fernando Castro Silva, «Reforma Fiscal: âmbito e motivações».
195
O aspeto mais significativo de tal unificação foi o facto de as mais-valias obtidas por empresários em
nome individual, no contexto das respetivas atividades, passarem a ser havidas como rendimentos desta
categoria (e não da dos incrementos patrimoniais) ficando, assim, sujeitas a um tratamento fiscal mais
gravoso.
196
Na realidade, há que continuar a distinguir o que sejam rendimentos da indústria agrícola,
nomeadamente para efeitos da aplicação da “exclusão de tributação” prevista no nº 4 do artº 3º e,
ainda, para efeitos de aplicação das regras especiais de quantificação do rendimento das empresas
deste setor de atividade constantes dos artº 34º, 35º, 36º e 36º-A do CIRS.
59
só estão sujeitos a essa forma de pagamento do imposto os rendimentos profissionais
(aqueles que sejam de incluir na previsão da al. b) do nº 1 do artº 3º).
Uma vez que tal tabela não constitui uma enumeração exaustiva das atividades
que se consideram como geradoras de rendimentos profissionais, a lei define, de
forma geral (al. b) do nº 1 do artº 3º), o que são profissionais para efeitos deste
imposto: todos aqueles que desenvolvem trabalho independente, fundado na
existência de um contrato de prestação de serviços199 200.
7.2.1. O exercício de muitas das atividades que, para efeitos deste imposto, são consideradas
como profissionais implica a necessidade de o sujeito passivo suportar avultados custos. Nestes
casos, só uma pequena parte dos valores recebidos dos clientes corresponde ao rendimento do
sujeito passivo.
Assim acontece, p. ex., nas prestações de serviços conexas com uma atividade industrial (sirva
de exemplo a chamada “confeção a feitio”), cujo rendimento é havido, para efeitos fiscais, como
rendimento profissional (cf. a parte final da al. b) do nº 1 do artº 3º). E ocorre também, cada vez
mais, em todas as profissões independentes: vão rareando os casos em que o respetivo exercício não
197
Tabela essa que é a mesma que, antes da unificação das categorias, constituía um dos principais
critérios de inclusão na antiga categoria B.
198
Problema que sempre esteve presente no IRS. Veja-se J. Gomes dos Santos, «Evolução do regime de
tributação das actividades por conta própria e eventual alargamento do âmbito da tabela de actividades
de carácter científico, artístico ou técnico anexa ao Código do IRS».
199
Para maiores desenvolvimentos, Vasco Guimarães, «Tributação das profissões liberais».
200
A referência expressa às atividades de caráter científico, artístico ou técnico, que vem das redações
anteriores do preceito, redunda, atualmente, num elemento de confusão. É que, antes da unificação das
categorias, apenas eram havidas por tendo estas caraterísticas as atividades constantes da tabela anexa
ao Código.
60
envolva a necessidade de uma verdadeira estrutura empresarial. Pensemos, p. ex., numa profissão
tradicional como a medicina, cujo exercício exige, hoje, a utilização de equipamentos de preço
elevado, manejados por técnicos especializados ao serviço do médico. Algo de semelhante se verifica
com a generalidade das chamadas “profissões liberais”.
Uma vez que os rendimentos obtidos por tais contribuintes são havidos como profissionais,
poderão estar sujeitos a retenção na fonte, a qual é calculada com base no rendimento bruto. É fácil
imaginar situações em que o montante retido supere o imposto devido e, até, o próprio rendimento
tributável (aquilo que o profissional, efetivamente, aufere do exercício da sua atividade).
Classicamente, as obras protegidas seriam criações nos domínios literário, artístico e científico.
Hoje, avultam, em termos de importância económica, outras criações – cuja proteção se procura
lograr dentro dos quadros do direito de autor –, em especial no domínio da informática (software) e,
também, os chamados direitos conexos (direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos
produtores fonográficos e videográficos e dos organismos de radiodifusão sonora ou visual).
201
J. L. Saldanha Sanches, «Retenções na fonte no IRS: uma interpretação conforme à Constituição», e
«Conceito de rendimento …».
202
Quando tais direitos sejam detidos por outrem que não o respetivo titular originário (autor), os
rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a sua cessão ou utilização temporária
são havidos por rendimentos de capitais (artº 5º, nº 2, al. m)) e os ganhos obtidos com a sua alienação
são qualificados como mais-valias (artº 10º, nº 1, al. c)).
61
capacidade criativa e o saber-fazer são o traço distintivo essencial da competitividade de cada
economia.
Há, ainda, que notar a tendência para, cada vez mais, a lei atribuir à empresa (por regra, uma
pessoa coletiva), a titularidade destes direitos quando a criação é lograda por um seu trabalhador 203.
O mesmo é dizer que este tipo de rendimentos assume, cada vez mais, a natureza de ganhos de
pessoas coletivas (assim havidas como seu titular originário), sujeitas a imposto a tal título.
Valem aqui, porventura por maioria de razão, as considerações, que deixámos expressas
quanto à crescente importância que estes rendimentos assumem nas sociedades economicamente
desenvolvidas, bem como quanto ao facto de, cada vez mais, a titularidade de tais tipos de direitos e
rendimentos pertencer, mesmo a título originário, a pessoas coletivas.
Também estão abrangidos por esta categoria os rendimentos obtidos pela prestação de
informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico
(know how), mesmo se o objeto de uma tal transmissão não estiver protegido por registo que confira
ao respetivo titular direitos exclusivos.
De forma simples, diremos que num contrato de cedência de know how uma das partes obriga-
se a comunicar à outra conhecimentos ou experiências específicos, não revelados ao público nem de
outra forma acessíveis (p. ex., através do exame de um dado produto), os quais a outra passa a
poder utilizar por contra própria. Ou seja, o cedente não tem que intervir na aplicação das fórmulas
cedidas nem garantir os resultados204.
203
Maria Victória Rocha, «A titularidade das criações intelectuais no âmbito da relação de trabalho».
204
XXXXXXXXXX
205
Excluem-se os rendimentos provenientes de obras escritas sem caráter literário, artístico ou
científico, obras de arquitetura e obras publicitárias (artº 58, nº 2, do EBF). Veja-se, a propósito, o
despacho do SEAF de 20/01/90, e o Parecer a ele subjacente, relativos aos conceitos de “pintor”,
“escultor” e “escritor”, para efeitos deste benefício fiscal (publicados em Ciência e Técnica Fiscal, nº 358,
(1990) 351 ss.) e, ainda, o Ac. do STJ de 28-11-2012, rec. nº 0649/12, que recusou a qualificação de
obras literárias a crónicas publicadas num jornal.
62
7.3. Rendimentos “atraídos” por esta categoria
Exemplificando:
–rendimentos de capitais: os juros obtidos por um advogado em razão dos saldos das contas
bancárias onde movimenta as quantias recebidas dos clientes206;
63
empresa de um sujeito passivo individual208. Daí que a sua transferência do ativo da
empresa para o património particular desse empresário ou profissional possa originar
um rendimento (melhor, a ficção legal da realização de um rendimento) tributável (cf.
artº 3º, nº 2, al. c))..
Um exemplo: um advogado tem um automóvel afeto ao uso da sua atividade profissional, o qual
está parcialmente amortizado, tendo um valor contabilístico de 10.000 euros. Decide retirar esse
automóvel do ativo da sua empresa, uma vez que passará a ser utilizado por um filho seu. O valor do
de mercado do automóvel é de 15.000 euros. Há, então, a ficção de um ganho de 5.000 euros, que
integrará – em termos que agora não interessa considerar – rendimento tributável na categoria B.
Por último, notaremos que os rendimentos a incluir nesta categoria não serão
apenas os resultantes do prosseguimento da atividade profissional, ao contrário do
que poderá resultar da menção da al. b) do nº 1 do artº 3º a rendimentos “auferidos
no exercício (…) de qualquer atividade”.
Assim, a título de mero exemplo, entendemos ser rendimento desta categoria o montante
recebido por um advogado por consentir que o seu nome continue a figurar na firma de uma
sociedade de advogados após ter deixado de exercer a sua atividade profissional.
208
Veja-se, desde logo, o artº 29º, nº 1: na determinação do rendimento (empresarial e profissional) só
são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do ativo da empresa
individual do sujeito passivo ou que estejam afetos às atividades empresariais e profissionais por ele
desenvolvidas.
209
Note-se que a cessão de exploração do estabelecimento, em casos que correntemente acontecem
(cedência feita por sociedades com um pequeno número de sócios, cujo único ativo é o estabelecimento
cedido), poderá determinar a tributação de cada um dos sócios da sociedade em IRS, nesta categoria,
pela sua quota-parte na “renda” recebida. Isto porque, numa tal situação, a sociedade cedente passou a
ter como única atividade uma “simples administração de bens”, ficando sujeita ao regime de
transparência fiscal.
64
7.4. Determinação do rendimento tributável
210
Tomás Cantista Tavares, Da relação parcial de dependência entre a contabilidade e o direito fiscal na
determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos» e
IRC e Contabilidade – Da Realização ao Justo Valor.
211
São obrigados a possuir contabilidade organizada e, portanto, a apurar o seu rendimento tributável
com base nesta, os empresários em nome individual que não preencham os requisitos que tornam
possível a sua integração no regime simplificado. São, também, apurados com base na contabilidade os
rendimentos tributáveis em IRS por força do regime da transparência fiscal, que adiante referiremos,
uma vez que, nestes casos, a quantificação do lucro é feita ao nível da própria sociedade, ou seja, de
harmonia com as prescrições do CIRC.
212
Existiam várias limitações à dedutibilidade de custos pelos empresários individuais,
comparativamente ao que aconteceria caso prosseguissem a sua atividade sob forma societária, o que, a
nosso ver, era incompreensível, como demos nota em edições anteriores desta obra.
Tais limitações foram eliminadas pela reforma de 2015, apenas subsistindo, com maior
relevância, a constante do n.º 1 do artº 33.º, a qual, mais que uma limitação, é uma norma que visa
prevenir abusos: obstar a que o empresário em nome individual atribua a si próprio remunerações
enquadráveis na categoria A, de forma a aproveitar das deduções específicas aplicáveis nesta categoria.
65
ficam sujeitos ao chamado regime simplificado, salvo se optarem pelo regime da
contabilidade organizada (artº 28º, nº 2 e 3).
Acresce que a tributação feita com base no lucro apurado pela contabilidade é, muitas vezes,
um “convite” à evasão fiscal. Isto porque, gozando o resultado contabilístico de uma presunção legal
de verdade, recai sobre a administração fiscal o ónus da prova da sua não correspondência à
realidade. Prova extremamente difícil de lograr quando a contabilidade se encontra em boa ordem e
é, intrinsecamente, coerente. Mais ainda, a administração fiscal, numa razoável opção de afetação
dos seus recursos materiais e humanos (naturalmente sempre escassos), privilegia a fiscalização dos
grandes contribuintes, renunciando, por impossibilidade, a efetuar inspeções periódicas aos demais.
Até porque o custo de uma inspeção às pequenas empresas dificilmente resultará compensado pelo
“benefício” resultante da cobrança de um montante adicional de imposto. A situação vulgar é a de a
maioria das pequenas e médias empresas nunca ser objeto de fiscalização. Tal constitui, obviamente,
um estímulo à evasão, dado o risco relativamente baixo da sua deteção.
66
possibilidade de o contribuinte produzir prova em contrário, demonstrando que não
teve o rendimento normal que a administração tributária lhe imputa ou, até, que nem
obteve lucros, mas sim prejuízos217.
a) ser supletivo
A lei veio permitir a mudança de regime em cada ano, o que, para além de dar
tradução ao interesse de muitos sujeitos passivos, pôs termo a muitos litígios que a
obrigatoriedade de permanência durante vários exercícios havia suscitado.
É fácil de ver a fragilidade essencial que daqui resulta para o sistema. No setor do retalho, onde
se situa a maioria dos contribuintes potencialmente abrangidos, é, em muitos casos, praticamente
impossível controlar o valor das vendas pela simples razão de que os clientes (consumidores finais)
não exigem qualquer documento comprovativo da aquisição.
217
Casalta Nabais, «Alguns aspectos …», (2002), p. 26.. O STA, no Ac. de 04-11-2009, rec. nº 0553/09,
seguido pela jurisprudência posterior, entendeu que, não se demonstrando a obtenção de rendimentos
pelo sujeito passivo, não há lugar à determinação do lucro tributável por aplicação do regime
simplificado, pois que não se verifica o pressuposto do imposto (inexiste o facto tributário).
218
A Administração Fiscal continua a poder corrigir os valores declarados pelos contribuintes (que, neste
caso, serão os proveitos), com recurso a métodos indiretos (indiciários), como resulta do artº 39º.
67
• 85% do rendimento bruto dos comerciantes (vendas de
mercadorias e produtos) e dos empresários de hotelaria, restauração e similares
(coeficiente aplicável: 0,15);
Estão em causa, por regra, rendimentos passivos, ou seja, cuja obtenção não implica custos
diretos significativos, ou porque são subsídios (al. e) e f) do n.º 1 do art.º 31.º) ou porque são
rendimentos passivos atraídos à tributação nesta categoria, ou seja, rendimentos que não são, na
sua natureza, empresariais (rendimentos de capitais, prediais e mais-valias (al. d)).
A existência de deduções, ainda que correspondentes a percentagens menores do rendimento
bruto, justificar-se-á pelo facto de tais ganhos constituírem parte do rendimento global da atividade
empresarial, cujo exercício supõe gastos gerais que, por alguma forma, devem ser imputados a todos
os tipos de proveitos obtidos.
O coeficiente especial previsto para os rendimentos prediais é aplicado não ao rendimento
bruto – como é regra no regime simplificado –, mas ao rendimento líquido, apurado nos termos da
categoria F. Tal compreende-se em razão da lógica subjacente à opção, que agora a lei prevê, de
inclusão dos rendimentos prediais na categoria B. Não existindo esta dedução “adicional”, aplicando-
se o regime simplificado não seriam considerados, todos os tipos de gastos222.
219
Veja-se o art.º 55.º, n.º 4, relativo ao reporte de prejuízos de exercícios anteriores nos quais o
rendimento tributável tenha sido apurado com recurso à contabilidade.
220
Relatório comissão
221
Visa-se prevenir que haja lugar a tributação nos casos de o rendimento resultar negativo (ou quase
negativo) em razão do valor de tais contribuições, as quais, em muitos casos, dependerão do “escalão
de rendimento” escolhido pelo sujeito passivo para servir de base ao respetivo cálculo.
222
O que acontece, como veremos, no apuramento do rendimento tributável segundo as regras da
categoria F. Tal facto foi, como oportunamente veremos, determinante da opção legislativa de permitir
a inserção dos rendimentos prediais na categoria B, por opção do sujeito passivo.
68
Na alínea g) do n.º 1 do art.º 31.º estão previstas situações em que o coeficiente aplicável é 1,
ou seja, em que não é considerada qualquer dedução ao rendimento bruto. Tal explica-se como
medida para prevenir abusos, prováveis dadas as relações especiais existentes entre o prestador de
serviços e a entidade a quem tais serviços são prestados.
Essencial neste regime é o facto de o sujeito passivo não ser obrigado a dispor
de contabilidade organizada, cuja elaboração teria de ser confiada a um contabilista
certificado (cf. artº 116º).
Acresce que, sem registos contabilísticos, não se vê como é que poderão ser
identificados e quantificados outros rendimentos (que não os resultantes das vendas
que constituem objeto da atividade em causa) a incluir nesta categoria. É o caso das
mais-valias.
223
::::::::::::::::::::::::::
224
:::::::::::::::::::::::::
225
::::::::::::::::::::::::::::
69
A reforma do IRC de 2014 optou por reintroduzir o regime simplificado para (alguns) sujeitos
passivos deste imposto, ainda que com substanciais alterações relativamente ao sistema antes
vigente. Tais alterações refletiram-se diretamente na atual disciplina deste regime em IRS, o que
bem se compreende pois, estando em causa sistema de determinação da matéria coletável comum a
empresas tituladas por pessoas singulares e coletivas, não seria compreensível a existência de
divergências profundas.
O certo é que com esta alteração legislativa, relativamente aos contribuintes por ela abrangidos
(que serão em número muito significativo, no universo em causa), o regime simplificado como que
ficou reduzido à não obrigação de existência de contabilidade organizada.
Abriram-se assim amplos campos de litígio, quer relativos à dedutibilidade das despesas
apresentadas (à sua natureza de gastos inerentes à atividade) - ou seja, perdeu-se uma das maiores
vantagens justificativa da existência de regimes simplificados -, quer quanto á inserção da atividade
de determinados contribuintes numa das especificamente previstas na tabela anexa ao Código227.
226
Num exemplo: um advogado, recebendo de 100.000 euros de honorários, tinha, em resultado do
coeficiente aplicável, um rendimento tributável de 75.000, mesmo que a totalidade dos gastos
suportados fosse apenas de 15.000.
227
A referência a «atividades especificamente previstas na tabela» (art.º 31, n.º 1, al. b) ) é entendida
como excluindo as «outras atividades exclusivamente de prestação de serviços» a que se refere o n. º
15 de tal tabela. Ora, em resultado da alteração legislativa que estamos a analisar, os outros prestadores
de serviços (aqueles que não exerçam, ao menos em parte, uma das atividades expressamente
elencadas) gozam de apreciáveis vantagens, pois o coeficiente aplicável é 0,35 e não têm o ónus de
comprovar quaisquer despesas. Assim, muitos serão os que pretenderão agora ser qualificados como
prestadores de «outros serviços». No nosso entender, a enumeração das atividades expressamente
elencadas tem de ser entendida de forma restritiva, desde logo em homenagem à sua “tipicidade
fechada”. Veja-se, ainda que a propósito de uma questão diferente (sujeição ao regime da transparência
70
Por último, surge como discriminatório o facto de os comerciantes e os que exercem atividades
nos sectores da hotelaria, restauração e similares (ou seja, os abrangidos pela al. a) do n.º 1 do art,º
31.º) não terem ficado sujeitos ao novo regime228.
A delimitação do conceito de atos isolados (que, a nosso ver, não corresponde a “ato
229
único” ) é hoje menos relevante, uma vez que deixaram de existir regras especiais para o
apuramento do rendimento tributável deles decorrentes, o qual será feito segundo as regras
do regime simplificado ou da contabilidade organizada, consoante o seu valor permita ou não
a inserção no primeiro dos referidos regimes (artº 30º)230.
71
7.6. Exigibilidade do imposto
231
Referimo-nos, p. ex., às situações decorrentes de créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa.
72
CATEGORIA E
8. Rendimentos de capitais
232
J. L. Saldanha Sanches, Manual…, p. 314. 201
233
Cf. o Ac. do Tribunal Constitucional nº 756/95, de 20 de dezembro.
234
Frutos civis, ou seja, rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação
jurídica (artº 212º, nº 2, do Código Civil).
73
Temos, assim, que há rendimentos de capitais, tributáveis nesta categoria 235,
quando um bem deva ser havido por capital (património, bens, direitos ou situações
jurídicas de natureza mobiliária) e produza vantagens económicas sem que tal
implique para o respetivo titular a perda dessa fonte. Havendo alienação da fonte, o
ganho obtido constituirá, em princípio, uma mais-valia 236. Os rendimentos de capitais
(como, também, as mais-valias) assumem natureza passiva, resultam da titularidade
de um bem mobiliário que, por regra, é cedido temporariamente a outrem, ou seja, a
sua obtenção não implica uma “real” atividade do respetivo beneficiário.
A reforma de 2015 atendeu a este facto 237, “deslocando” para a categoria G rendimentos de
alguns negócios jurídicos antes considerados, no art.º 5.º, como originando rendimentos de
capitais238. A razão para tal aparece explicitada pela Comissão como se segue: ”Esta circunstância,
para além de encerrar um desajustamento entre a natureza dos rendimentos e a norma de
incidência aplicável, conduz a que apenas seja dada relevância fiscal aos rendimentos positivos (aos
ganhos), desconsiderando-se os resultados negativos (as perdas), com prejuízo de princípios
enformadores do IRS, como sejam o da tributação pelo rendimento real efetivo e o da capacidade
contributiva”239.
A lei, em homenagem a uma maior segurança (e, até, porque é mais que duvidoso que
a definição geral atrás referida se mostre idónea para, só por si, permitir qualificar com
segurança um determinado rendimento como pertença desta categoria), continua a
proceder a uma listagem de atos ou contratos geradores de rendimentos de capitais.
Enumeração que resulta meramente exemplificativa em virtude da existência de uma
definição económica. Vejamos algumas situações expressamente previstas240:
235
Salvo se, por força do sistema, devam ser considerados rendimentos de outras categorias. Assim, p.
ex., os rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e
profissionais (artº 3º, nº 2, al. b).
236
Ou seja, parece que deveriam ser rendimentos de capital apenas os ganhos resultantes de operações
que não impliquem a renúncia a ganhos futuros pela alienação da fonte produtiva.
237
Já constatado pela doutrina, nomeadamente por Saldanha Sanches, «Conceito …,» p. 61.
238
Reembolso de obrigações e outros títulos de dívida; resgate de unidades de participação em fundos
de investimento e da liquidação destes fundos; cessão de créditos.
239
Portugal, Relatório da Comissão…, pp. 42 ss.
240
Para maiores desenvolvimentos, Paula Rosado Pereira, Estudos sobre IRS.
74
8.2.1. Remuneração do investimento a crédito (artº 5º, nº 2, al. a) a g))
241
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível,
ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artº 1142º do Código
Civil). Sendo oneroso, vence juros.
242
O contrato de depósito bancário reveste a natureza de um verdadeiro contrato de mútuo. Tal como
no contrato de mútuo, a propriedade da quantia entregue transfere-se para o banco (mutuário),
podendo este livremente utilizá-la. O motivo que leva o cliente a depositar uma quantia no banco é não
só obter a segurança do seu dinheiro (tal como aconteceria num genuíno contrato de depósito), mas
também investir tal quantia, tal como o mutuante num contrato de mútuo oneroso. Paula Camanho, Do
Contrato de Depósito Bancário, 2005, pp. 208 ss.
243
Sendo que o rendimento assim obtido pelas instituições financeiras (os juros pagos pelos mutuários)
é rendimento destas, sujeito, portanto, a IRC.
244
Cf. o artº 243º do Código das Sociedades Comerciais. Em geral, Alexandre da Mota Pinto, Do
Contrato de Suprimento.
245
O legislador adotou medidas visando eliminar, em certos casos, as vantagens fiscais decorrentes do
financiamento das sociedades pelos seus sócios através da realização de suprimentos
(comparativamente à realização de novas entradas de capital), ou seja, combater o fenómeno da
subcapitalização das sociedades. Este é, porém, um tema a ser estudado em sede de IRC.
246
Um contrato atípico (não expressamente regulado por lei) mas de uso corrente. O mutuário,
normalmente um banco, concede à outra parte um crédito até determinado limite. Porém, esta
decidirá, consoante as suas necessidades da utilização do valor disponibilizado: se, quando, em que
montantes e durante quanto tempo.
247
Art. 344.º do Código Comercial
75
Assim, p. ex., temos os títulos de dívida pública (são muito conhecidos os
chamados “certificados de aforro” e as “obrigações do tesouro”), as obrigações
emitidas por sociedades248e outras entidades, etc.249.
O STA pronunciou-se sobre uma das exceções que a lei prevê à consideração dos juros de mora
como rendimento tributável (juros atribuídos no âmbito de uma indemnização – parte final da al.
g) do nº 2 do artº 5º): “os juros de mora não são tributáveis em sede de IRS quando forem
atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na
medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária
ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta. Todavia, tais juros de
mora já serão tributáveis em sede de IRS, se o valor da indemnização foi corrigido
monetariamente” (Ac. do STA de 09-05-2012, rec. nº 0245/12).
Outro caso é o dos dividendos, a remuneração que um investidor aufere pela sua
participação no capital de uma sociedade (remuneração do capital investido através da
subscrição ou aquisição de quotas ou ações) (artº 5º, nº 2, al. h)).
248
Cf. artº 348º do Código das Sociedades Comerciais.
249
Alguns desses instrumentos revestem natureza mista, uma vez que a remuneração do montante
disponibilizado tem uma componente fixa e outra variável, a calcular em função dos resultados do
mutuário. Assim, p. ex., os títulos de participação, os quais documentam empréstimos feitos por
particulares a empresas públicas ou a sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos.
76
sua situação económica o permitir e, dentro dos limites da lei, na medida do
determinado pela assembleia geral dos sócios 250. Há, pois, uma incerteza jurídica
quanto à existência e montante da remuneração.
Quando obtidos por outra pessoa singular (p. ex., os herdeiros do autor de uma
obra literária ou do titular de uma patente ou alguém que os tenha adquirido a título
oneroso), são considerados como rendimentos de capital e, portanto, tributáveis nesta
categoria. Isto se o adquirente não proceder à respetiva exploração no quadro de uma
atividade empresarial, pois que, em tal hipótese, serão de enquadrar na categoria B.
250
Cfr. art.º :::::::::::::::::::::::
251
Cf. art.º 75.º do CIRC
252
Contrato pelo qual alguém associa outra pessoa à sua atividade económica, ficando esta com direito
a participar nos respetivos lucros (ou nos lucros e nas perdas).
253
Contrato atípico, pelo qual o sócio de uma sociedade, como contrapartida de determinada prestação
feita por outrem, se compromete a entregar a este a totalidade ou parte dos lucros resultantes de tal
participação.
254
Cf. artº 12º do Modelo de Convenção da OCDE e respetivos Comentários; Alberto Xavier, Direito
Tributário Internacional, pp. 687 ss
255
Maria Teresa Barbot Veiga de Faria, «O regime fiscal de instrumentos financeiros derivados nos
impostos sobre o rendimento». Em geral, Boletím de Ciências Económicas, (2017), pp.307-358; Helder
M. Mourato, O contrato de Swap de taxa de juro Almedina, 2014. ; Mafalda Miranda Barbosa, «Entre a
gestão do risco e a especulação : reflexões a propósito de certos contratos de derivados de crédito»,
Boletím de Ciências Económicas, (2017), pp.307-358.
77
quanto à qualificação como rendimentos de capital dos ganhos obtidos com os contratos de
swap 256, passou a qualifica-los como mais-valias257, exceção feita aos relativos a taxas de juro.
A preocupação da lei é distinguir estas situações: em caso de morte, não há lugar a tributação
do montante recebido pelos herdeiros, nos termos do art.º 12.º; o montante recebido a título de
pensão fica sujeito às regras da categoria H; havendo lugar a reembolso de capital, haverá que
atender ao valor dos prémios pagos e ao intervalo temporal entre a data de entrada em vigor do
contrato e aquela em que ocorre o reembolso da totalidade ou parte do capital investido. Para se
quantificar o valor tributável nesta categoria.
8.3. Presunções
Visando facilitar o ónus da prova da existência do facto tributário por parte da administração, a
lei estabelece, no artº 6º, diversas presunções legais, quer quanto à existência do facto gerador de
imposto (p. ex., que as letras e livranças titulam contratos de mútuo, quando o credor originário não
for comerciante259; que, não estando documentada ser outra a respetiva natureza, os créditos dos
sócios sobre as sociedades resultam de lucros), quer quanto à existência de rendimento (p. ex., que
os contratos de mútuo são remunerados), quer quanto ao montante do rendimento tributável (que
a taxa de juro é a legal, se outra mais elevada não constar do título constitutivo ou tiver sido
declarada – artº 40, nº 1). Estas presunções são ilidíveis – de acordo com a regra geral constante do
artº 73º da LGT – nos termos do nº 5 do artº 6º.
256
Paula Rosado Pereira, Estudos …, pp. 34 ss.
257
Cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. e).
258
Para maiores desenvolvimentos, Luis Poças, «A tributação dos rendimentos de capitais nos seguros e
operações do ramo "vida" e fundos de pensões», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 9 (2015), p.26-45;
António MARTINS, «Aspetos do tratamento fiscal dos seguros Unit Linked em sede de IRS»,Boletim da
Faculdade de Direito, n.º 2 (2013), p.801-824
259
As letras (e as livranças) surgiram como instrumento do comércio, visando garantir obrigações dele
decorrentes, ser um meio de pagamento e um instrumento de crédito (Ferrer Correia, Lições de Direito
Comercial, III, 1975, pp. 29 ss). Neste âmbito, não traduzem, em princípio, a existência de outra relação
(outro facto gerador de imposto) que não a relação comercial subjacente (p. ex., à emissão da letra
subjaz a dívida do preço de uma venda). Já não assim quando “titulam” um contrato (de mútuo), o que,
por regra, acontecerá quando a sua emissão aconteça no quadro de relações entre não comerciantes.
Daí a presunção legal de que não existe uma aplicação de capital quando o sacador for um comerciante
78
8.4. Momento de sujeição a imposto
Complexa é a questão que se coloca quando é transmitido um título de crédito que confere
direito a juros.
Uma vez que o direito aos juros se forma ao longo do tempo, há que considerar que no preço
da alienação estará incluído o valor correspondente aos juros contratuais que se formaram durante
o tempo em que tal título foi propriedade do alienante (ou desde o último pagamento). Ou seja, dito
de outra forma – intencionalmente simplificada – o preço de alienação resultará de diferentes
componentes: preço de aquisição do título, juros “incorporados” e eventual mais-valia.
260
Sobre estes momentos, Paula Rosado Pereira, Estudos …, pp. 44 ss.
261
Por colocação à disposição deve entender-se o montante a partir do qual o sócio tem o poder de
facto de receber os lucros que lhe hajam sido atribuídos.
79
Uma vez que a qualificação de um rendimento não é neutra (no caso, por as regras de
tributação serem diferentes consoante o ganho deva ser havido como juro ou mais-valia), haverá
que distinguir estas duas componentes do preço (o cálculo da componente juros decorrerá do
previsto no contrato subjacente à emissão de tal título).
Falando apenas de juros, poderíamos ser levados a concluir que, na data do respetivo
vencimento, quem for detentor do título em causa (porque terá direito a recebê-los relativamente a
todo o período contratual então findo), teria, também, a obrigação de pagamento de imposto
relativo a todo esse período (ou seja, independentemente de se terem sucedido vários detentores
desse título). Do que não resultaria qualquer prejuízo, uma vez que esses factos (obtenção futura de
um dado rendimento e pagamento do imposto inerente) não deixariam de ser considerados na
fixação do preço da alienação do título ao adquirente.
Só que um tal regime revelou-se propiciador dos maiores abusos: aproveitamento de situações
de isenção de imposto ou similares, celebrando-se acordos de venda com recompra de títulos de
dívida com entidades que, beneficiando de regimes fiscais excecionais, recebiam o rendimento sem
imposto, assim auferindo, consoante o caso, o rendimento total gerado pelo título (quando o
comprador gozasse de isenção) ou, pelo menos, a vantagem financeira de diferir o pagamento do
imposto do momento em que a retenção na fonte deveria ser aplicada para o momento do
pagamento final262.
Daí que, hoje, a lei considere que ocorre a obtenção de juro no momento da transmissão: fica
sujeito a imposto, a este título, o quantitativo que corresponder, em função da respetiva
remuneração, ao período decorrido desde a data do último vencimento ou da emissão, primeira
colocação ou endosso, se ainda não tiver ocorrido qualquer venci mento, até à data da transmissão
(juros contáveis ou decorridos) – artº 5º, nº 5 – chamado juro decorrido.
Ou seja, nestes casos existe juro tributável, apesar de não ter ocorrido um pagamento ou
colocação à disposição de qualquer quantia.
A lei não prevê quaisquer deduções específicas por entender que a obtenção dos
rendimentos inseríveis nesta categoria, pelo seu caráter passivo, não envolve a
necessidade de o contribuinte suportar quaisquer custos. O rendimento tributável
corresponde, assim, ao rendimento bruto263.
8.6.1. O problema
O lucro das sociedades (bem como o rendimento global das demais pessoas coletivas)
está, por regra, sujeito a tributação em IRC. Deduzido o valor deste imposto, terá um
de dois destinos: permanecer no património da sociedade, porque assim o
determinam as necessidades ou interesses desta (p. ex., a existência de prejuízos
262
Fernando Castro SILVA / João Espanha, «Sobre o regime fiscal do juro decorrido».
263
Existem vários benefícios fiscais relativos a rendimentos de capitais, como sejam os constantes dos
artigos 20.º e 21.º do EBF (benefícios fiscais à poupança) e 23.º e ss (benefícios fiscais ao sistema
financeiro e mercado de capitais).
80
acumulados; propósito de autofinanciamento, etc.) ou ser distribuído aos sócios. Uma
tal decisão cabe à assembleia geral, nos limites fixados pela lei.
Os lucros distribuídos aos sócios – pessoas singulares, no que nos interessa aqui
considerar – constituem rendimentos de capital destes (dividendos) 264, ficando, como
tal, sujeitos a tributação em IRS265.
Tal suscita a questão de saber se deve haver lugar a uma tributação separada das sociedades e
outras pessoas coletivas, se estas têm uma capacidade contributiva autónoma ou se este é um
conceito que apenas pode ser referido a pessoas singulares267. Admitindo que existe autonomia
económica entre as sociedades (especialmente aquelas em que avulta o elemento capital) e os
respetivos sócios capaz de justificar a existência de dois impostos, fica a questão de saber se tal
dupla tributação deve ser eliminada ou, pelo menos, atenuada, quer por razões de equidade, quer
por considerações económicas (não penalizar a participação em sociedades relativamente a outras
formas de investimento). Existe um consenso geral no sentido de que tal dupla tributação deve ser,
no mínimo, atenuada.
As técnicas legislativas a que se pode recorrer para tal fim são várias, não sendo aqui o
lugar para proceder a uma análise dos seus méritos relativos268.
81
71º, nº 1, al. a))269, salvo opção (por parte de sujeitos passivos residentes) pelo
englobamento – nº 8.
269
Ou a uma taxa especial de igual montante quando, em razão da entidade pagadora, não for possível
a retenção na fonte (art.º 72.º, n.º 1, al. d)).
270
O que, para os sujeitos passivos abrangidos pelos escalões mais altos do imposto, conduzirá, em
regra, a uma carga fiscal idêntica à resultante da aplicação da taxa liberatória, pelo que muitos não
optarão pelo englobamento e, consequentemente, não usufruirão desta atenuação.
271
E demais situações (economicamente equivalentes) previstas no nº 3 do artº 40º-A.
82
CATEGORIA F
9. Rendimentos prediais
Há, pois, que começar por clarificar o que seja prédio, até porque o conceito
jurídico não corresponde, necessariamente, ao significado corrente da palavra (de
casa, edifício).
Temos assim subjacente a esta noção de prédio – entre outros, de que não
cuidaremos273 – um elemento físico, o qual pode corresponder a diferentes realidades:
uma fração de terreno; uma fração de terreno e os edifícios ou outras construções
nele implantados; outros (p. ex., águas); edifícios, construções e outras realidades
juridicamente distintas do terreno onde estão situadas (p. ex., em razão da existência
de um direito de superfície274).
O CIRS não define o que é prédio 275, pelo que, numa interpretação sistemática,
entendemos dever socorrer-nos da noção contida no CIMI.
272
Prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios ou construções de
qualquer natureza nela incorporados ou assentes, desde que faça parte do património de uma pessoa
singular ou coletiva, e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas,
plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica
em relação ao terreno em que se encontrem implantados, embora situados numa fração de território
que constituam parte integrante de um património diverso ou que não tenha natureza patrimonial.
273
Nuno de Sá Gomes, «Os conceitos fiscais de prédio».
274
O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente,
uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.
275
Muito embora o nº 3 defina o que são prédios rústicos, urbanos e mistos. Na versão inicial do Código,
esta precisão era relevante, uma vez que o regime das deduções específicas era diferente em cada um
dos casos, o que não acontece mais.
83
O CIRS (nº 4 do artº 8º) considera, ainda, como prédio (constituindo uma
construção) todo o bem móvel assente no mesmo local por período superior a 12
meses. Uma tal disposição está em consonância com o nº 3 do artº 2º do CIMI,
segundo o qual os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são
havidos como elementos integrantes do prédio em que estão assentes ou
incorporados quando tal aconteça com caráter de permanência, i. e., quando estejam
afetos a fins não transitórios (o que se presume se estiverem assentes no mesmo local
por período superior a um ano).
Assim, p. ex., uma casa pré-fabricada, uma caravana, uma tenda destinada a
espetáculos ou a banquetes, uma carruagem de comboio utilizada como bar, etc.
Note-se que, por vezes, um tal móvel constituirá, só por si, um prédio, p. ex.,
por estar assente em bens do domínio público (ou seja, numa realidade que,
juridicamente, não é um prédio): p. ex., um barco, permanentemente ancorado num
rio ou num porto, destinado a hotel, restaurante, etc.
Em segundo lugar, há que notar que as rendas podem ser pagas em dinheiro ou
em espécie278, pese embora a lei se refira sempre a “importâncias” recebidas.
276
Discordando, Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 135.
277
Cf. nº 11 do Preâmbulo do Código.
278
Ainda são correntes os contratos de locação de prédios rústicos cuja renda se traduz na entrega ao
proprietário de parte das colheitas.
84
exercício de uma atividade empresarial) ou da disponibilidade de bens móveis
existentes no locado (será o caso do arrendamento de casas mobiladas).
A cedência do uso do prédio poderá ser total ou parcial (assim será, desde logo,
o caso de arrendamento de um andar de um edifício não sujeito ao regime de
propriedade horizontal), podendo revestir formas que não ponham em causa a
continuação do normal uso do prédio pelo seu titular ou por outrem (p. ex., a
instalação num terreno ou no telhado de um edifício de painéis publicitários; a
utilização da imagem da fachada de um edifício como cenário de um filme, a cedência
do uso de partes comuns na propriedade horizontal279, etc.).
Existem casos em que o titular das rendas pode ter apenas um direito
obrigacional sobre o prédio: assim o sublocador, sendo que a sua renda corresponderá
à diferença entre o que recebe do sublocatário e aquilo que paga ao senhorio281.
Por último, temos que podem ser tributados nesta categoria os rendimentos
resultantes de alojamento local, nas modalidades de moradia ou apartamento, Tal
opção pode ser exercida anualmente e tem apenas implicações na liquidação de IRS 282.
Terá sido quanto a esta categoria que a “reforma” de 2015 operou mudanças mais
substanciais, ditadas não apenas pelo intuito de aprimorar o normativo existente mas,
279
A. Lima Guerreiro, «Tributação da cedência de uso das partes comuns na propriedade horizontal».
280
É evidente que se chega a resultados, no essencial, economicamente equivalentes pela celebração de
um contrato de arrendamento por x anos ou pela constituição de um direito de usufruto ou de uso pelo
mesmo período.
281
Sendo a sublocação parcial, deveria ser tida em conta a parte proporcional da renda paga ao
senhorio. Numa crítica ao regime legal, J. G. Xavier de Basto, IRS…, 2007, p. 345 ss e «Breve nota sobre
uma eventual incoerência no tratamento, em IRS, das rendas da sublocação».
O rendimento tributável do sublocador não conhece deduções uma vez que os gastos relativos ao
prédio serão, em regra, suportados pelo senhorio (proprietário).
282
Entendemos que o titular de rendimentos decorrentes de alojamento local continua, no mais,
obrigado às regras da categoria B e do código do IVA, como sejam a emissão de fatura a todos os
clientes, a liquidação de IVA, não tendo que dar cumprimento às obrigações acessórias própria desta
categoria.
85
também, por, no possível, procurar estimular fiscalmente o arrendamento, em especial
o habitacional.
Uma tal opção justificou-se pela insuficiência da oferta neste mercado e pelo
entendimento de que a solução do problema habitacional não pode passar
primordialmente pela aquisição de casa própria, a qual normalmente implica o recurso
a um financiamento bancário a ser pago ao longo de toda uma vida.
Por último, sendo a aquisição de prédios para arrendamento uma das formas
mais procuradas pelas famílias para aplicarem as suas poupanças (dada a segurança
que é associada ao investimento em imóveis), haverá que apoiar uma tal opção,
porque socialmente interessante não só pelo contributo que dá para a resolução do
problema habitacional e para a economia em geral, mas também em razão da
previsível incapacidade do Estado de no futuro, assegurar o pagamento de pensões de
reforma ao nível atual.
Daí que a tributação incidisse sobre um valor próximo do rendimento bruto, uma vez que
apenas eram dedutíveis, para além do IMI, as despesas de conservação e manutenção, entendidas
de forma restrita.
283
Portugal, Projeto…, p. 26.
284
Daí que, antes da reforma de 1988, as rendas estivessem sujeiras a um imposto parcelar próprio, a
Contribuição Predial.
86
causa, nomeadamente, a depreciação dos imóveis e os encargos financeiros
implicados pela sua aquisição, os quais, pelas razões expostas, não relevavam (e
continuam a não relevar) para efeitos da determinação do rendimento líquido desta
categoria.
A solução encontrada foi a de permitir aos sujeitos passivos, em cada ano, a opção por
incluírem as suas rendas nos rendimentos abrangidos pela categoria B, podendo, nesta
categoria, ser aplicado, quanto à determinação do rendimento tributável, o regime
simplificado (se verificados os respetivos pressupostos) ou o da contabilidade
organizada.
A principal desvantagem desta opção é a sujeição do rendimento a
englobamento, ou seja, à aplicação de taxas progressivas, as quais, em geral, serão
superiores à taxa especial que vigora para os rendimentos da categoria F.
Para além da opção pela sujeição das rendas às regras da categoria B, a reforma
de 2015 veio alargar substancialmente o âmbito dos gastos dedutíveis, num claro
esforço de cumprimento do princípio da tributação do rendimento real, que é,
necessariamente, rendimento líquido.
87
outra utilização. Na realidade, as grandes obras deste tipo têm normalmente lugar
quando o prédio se encontra devoluto e são feitas na prespetiva de um futuro
arrendamento. Ora, a lei anterior só contemplava a dedução do valor das obras
realizadas na pendência do arrendamento.
Quando foi introduzido o IRS, ficou decidido que só deveriam ser considerados
rendimentos prediais as rendas, ou seja, que encontrando-se o prédio numa situação
de não-arrendamento, não haveria sujeição a este imposto. Assim terminou o sistema
tradicional, segundo o qual os titulares de imóveis não arrendados eram tributados por
um rendimento ficcionado, correspondente ao valor da renda que poderia ser obtida
em circunstâncias normais de mercado.
88
Se se pode entender que uma tal alteração é formalmente correta – os demais impostos pagos
em razão do exercício de uma atividade são considerados como gastos necessários à obtenção do
respetivo rendimento –, o certo é que tal resulta numa excessiva penalização fiscal da obtenção de
rendimentos prediais288. Mantém-se uma dupla tributação económica 289, ainda que em razão de
impostos de diferente natureza, cujos efeitos o senhorio tentará, naturalmente, repercutir para o
inquilino através do estabelecimento de rendas mais elevadas. Penaliza-se, assim, gravemente o
mercado de arrendamento, nomeadamente habitacional, cuja “ressurreição” tem sido, nos últimos
anos, apontada como objetivo político prioritário pela maioria dos governos. Esta penalização resulta
tanto mais preocupante com o substancial aumento do IMI relativo aos prédios urbanos em
resultado das novas regras de determinação do valor patrimonial introduzidas por este imposto e da
consequente reavaliação geral a que tais prédios urbanos foram sujeitos290.
Existe ainda mais uma condição, prevista no n.º 8 do artigo 55.º: o direito ao
reporte do reporte caduca se os prédios a em causa não gerarem rendas em, pelo
menos, 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em
que os gastos em causa aconteceram.
291
Este preceito é suscetível de causar grandes dificuldades na sua aplicação como argutamente
assinala Liliana Pereira, Alterações Fundamentais ao CIRS, OTOC, 2015, p.36 s.
89
9.8. Tributação por aplicação de uma taxa especial
Muito embora esta taxa fixe resulte, para a generalidade dos senhorios, inferior
à decorrente de tal opção, a questão da sobretributação dos rendimentos prediais,
comparativamente a formas alternativas de aplicação do aforro, permanece.
292
No caso de prédios destinados a habitação permanente, a taxa especial «normal» sofre reduções em
função da duração dos contratos de arrendamento (n.º 2 a 5 do art.º 72º), medida introduzida
recentemente, visando estimular a celebração de contratos capazes de conferir maior estabilidade ao
arrendatário.
293
Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não uma taxa liberatória), esta se aplica a
rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o
sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as deduções específicas que a lei prevê. Como manterá,
também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.
90
CATEGORIA G
10.1. Indemnizações
294
Como vimos ter acontecido relativamente às anteriores categorias B, C e D.
295
Salvo as prestações previstas no regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais.
296
Ac. do Tribunal Constitucional proc. nº 154/2004.
297
P. ex., estão isentas as indemnizações legalmente devidas pela denúncia de contratos de
arrendamento sem termo, relativos a imóveis que constituam habitação permanente do sujeito passivo
(art.º 9.º, al. e).
91
10.1.3. Não é, ao menos para nós, totalmente claro saber quando é que as
indemnizações devem ser inseridas na categoria G ou numa outra categoria. O que é
relevante, porquanto, sendo consideradas rendimentos de outra categoria, ficarão
sujeitas a regras diferentes das previstas para a determinação dos rendimentos
tributáveis na categoria G.
Como o terão as indemnizações por lucros cessantes, uma vez que, como diz a lei, se destinam
a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão e esses benefícios
sempre seriam de integrar em determinada (outra) categoria.
298
Cf., para a categoria A, o artº 2º, nº 3, al. e); para a categoria B, o artº 3º, nº 2, al. d); para a categoria
E, o artº 5º, nº 2, al. g); para a categoria F, a al. g) do art.º 8.º.
299
Esta adição legislativa visou resolver as “dúvidas” antes existentes sobre a sujeição a imposto.
Dúvidas que temos dificuldade em compreender, até porque, para efeitos de IVA, sempre foram havidas
como prestações de serviços, o que não acontece com as indemnizações meramente ressarcitórias.
300
P. ex., alguém sabendo que outrem vai iniciar uma atividade concorrencial com a sua, lhe paga para
que tal não aconteça. A nosso ver, estaríamos aqui perante um rendimento correspondente a um “ato
isolado” de natureza empresarial.
301
Entendendo que os rendimentos resultantes do não exercício de uma atividade não podem ser
equiparados aos dela decorrentes, J. G. Xavier de Basto, IRS…, p. 363.
92
10.2. Prémios de jogos, de sorteios e de concursos
Só que nos parece algo simplista a solução adotada, violadora de uma caraterística essencial do
IRS, a de ser um imposto único, (no sentido de que todos os rendimentos – desde que tributáveis –
estarão sujeitos a este imposto).
302
Inês Salema, «O premiado é…».
303
Cf. verba 11 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
304
Portugal, Estruturar o Sistema Fiscal do Portugal Desenvolvido, p. 232. Tal orientação havia já sido
defendida pela Comissão Silva Lopes (Portugal, Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da
Reforma Fiscal, p. 601).
93
Neste sentido, o artº 9º, nº 1, al. d), e nº 3, considera serem rendimentos da
categoria G (incrementos patrimoniais305) os acréscimos patrimoniais não justificados,
determinados nos artº 87º, 88º ou 89º-A da LGT.
10.3.1. Procurando ultrapassar as dificuldades que a articulação dos preceitos em causa pode
suscitar306, vejamos as diferentes situações a que estas remissões feitas para normas da LGT se
referem: o artº 87º da LGT estabelece as hipóteses em que a administração fiscal pode recorrer à
avaliação indireta da matéria coletável, ou seja, afastar-se dos valores declarados pelo contribuinte
(os quais gozam de uma presunção de verdade), fixando-a por métodos indiciários. Em duas dessas
hipóteses, a que adiante faremos maior referência (incongruência entre os rendimentos declarados
com manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo; acréscimos de património ou
despesas não justificados), a origem do rendimento presumido é desconhecida, pelo que se
compreende que a sua tributação seja feita nesta categoria.
Por seu lado, o artº 88º da LGT densifica uma outra hipótese que permite o recurso à avaliação
indireta, a da impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos
indispensáveis à correta determinação da matéria coletável.
Mesmo que se entenda que o grau de generalidade com que aparece consagrada a aplicação
de métodos indiretos é incompatível com a visão limitativa da sua aplicação a, apenas, certas
categorias de rendimentos ou operações308, o certo é que não está em causa um alargamento do
conceito de rendimento, mas tão só a consagração de uma forma excecional de quantificação,
tornada necessária por um cumprimento imperfeito por parte do sujeito passivo ou de terceiros dos
deveres de cooperação que sobre ele impendem. Da aplicação do disposto no artº 88º da LGT não
resultará, pois, a quantificação de um qualquer acréscimo patrimonial que não fosse já inserível
noutras categorias309, pelo que, verdadeiramente, da referência feita a tal norma pelo artº 9º não
decorre a existência de mais rendimentos a serem tributados na categoria dos incrementos
patrimoniais.
305
Inicialmente, previa-se que fosse a categoria I (outros rendimentos) a assumir a função de “categoria
residual”, o que seria lógico. A obsessão de reduzir o número de categorias, em ordem a conferir – ainda
que só formalmente – uma maior unicidade ao imposto, determinou a supressão da categoria I. Os
rendimentos que nela eram tributados passaram a figurar na categoria G, agora designada por
incrementos patrimoniais. Também aqui nada de substancial se alterou, na medida em que, agora no
seio de uma mesma categoria, permanecem regras diferentes consoante esteja em causa a tributação
de mais-valias (cf. artº10º) ou de outros rendimentos.
306
Resultado do facto de as normas da LGT para que remete serem produto de sucessivos acrescentos
ao texto inicial deste diploma.
307
Remetendo o seu estudo para o curso de Direito Fiscal das Empresas.
308
Lima Guerreiro, Lei Geral …, p. 369.
309
Num exemplo: a administração fiscal conclui, validamente, que a contabilidade de um empresário
em nome individual não permite a determinação exata da matéria coletável, pelo que procede à fixação
do rendimento coletável (do lucro) relativamente a um dado ano. Esse rendimento deve então ser
havido como integrando a categoria G? Julgamos que não. Esse lucro continua a ser rendimento da
categoria B (o nº 1 do artº 9º é explícito em considerar “incrementos patrimoniais” apenas os que não
constituam rendimentos de outras categorias).
94
10.3.2. O artº 89º-A da LGT refere-se às manifestações de fortuna.
Em 2000, o legislador introduziu uma primeira hipótese de fixação da matéria coletável por
avaliação indireta: se a declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte (ou na falta de
declaração) não evidenciar rendimentos310 capazes de justificar as manifestações de fortuna
tipificadas em tal norma, presume-se a existência de um rendimento mais elevado, o qual será fixado
em determinadas percentagens do valor de tais manifestações de fortuna.
Sirva o seguinte exemplo: A adquiriu um prédio por € 300.000 (entende-se que no valor de
aquisição haverá que incluir os encargos inerentes, como sejam o IMT e os emolumentos
notariais312). O “rendimento padrão” legalmente presumido é: 20% x € 300.000 = € 60.000. Se o
rendimento líquido declarado for inferior a € 18.000 (i.e, se existir uma desproporção superior a
30%, para menos, em relação ao rendimento padrão) haverá lugar à fixação indiciária.
É nossa convicção que o sistema das manifestações de fortuna é injusto e ineficaz. Injusto
porque as grandes manifestações de riqueza dos nossos dias se consubstanciam em outras
realidades que o legislador não tipificou pela evidente dificuldade da sua deteção (será, p. ex., o caso
das joias, das obras de arte). Ineficaz porque, embora baste a fruição de tais bens pelo sujeito
passivo ou membros do seu agregado familiar (artº 89º-A, nº 2, al. b) da LGT) – independentemente,
portanto, da respetiva titularidade –, o certo é que, na prática, estas situações serão, a maior parte
das vezes, de difícil conhecimento pela administração fiscal.
10.3.2.1. Esta presunção do valor do rendimento tributável é – como a lei, em geral, impõe –
ilidível, podendo o contribuinte provar factos que tornem compreensíveis as suas manifestações de
fortuna (nº 3 do artº 89º-A da LGT). Assim, o sujeito passivo tentará provar, p. ex., que obteve
rendimentos sujeitos a taxas liberatórias (como dividendos e prémios de jogo), que beneficiou de
uma herança; ou, simplesmente, que em anos anteriores obteve – e declarou – rendimentos
suscetíveis de gerar aforro suficiente para, agora, efetuar tais aquisições.
A invocação desta presunção legal e a sua ilisão colocam várias interrogações, as quais – até por
envolverem questões de natureza processual – não cabe aqui desenvolver313.
310
O nº 2 do artº 89º-A da LGT esclarece, agora, que o rendimento em causa é o “rendimento líquido”.
Numa crítica, que acompanhamos, a esta alteração legislativa, Manuel Faustino, «OE 2007 …».
311
Em 2012, foi aditada ao nº 2 do artº 89º-A da LGT uma nova alínea d), segundo a qual são acréscimos
patrimoniais não justificados a soma dos montantes transferidos de e para contas de depósito ou de
títulos abertas pelo sujeito passivo em instituições financeiras residentes em país, território ou região
sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do
Ministro das Finanças, cuja existência e identificação não seja mencionada nos termos previstos no
artigo 63º-A.
A nosso ver, trata-se de uma sanção pela omissão de deveres declarativos, a qual consideramos
de constitucionalidade duvidosa, desde logo por ofensa ao princípio da proporcionalidade.
312
Joaquim Fernando Ricardo, Direito Tributário, p. 63.
313
Nomeadamente, as questões que se colocam quando o sujeito passivo consegue provar, mas só em
parte, a origem dos rendimentos empregues na aquisição/realização da “manifestação de fortuna”. Para
mais desenvolvimentos, Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, pp. 147 ss.
95
Diremos apenas o seguinte: apesar de os factos suscetíveis de desencadear o funcionamento
desta presunção serem de simples aferição (comparação entre o rendimento declarado e o
“rendimento padrão”, quantificado no valor resultante da aplicação da “tabela” constante do nº 4 do
artº 89º-A da LGT), ou seja, apesar de estarmos perante uma decisão vinculada, a lei considera esta
fixação indiciária do rendimento tributável como sendo particularmente relevante, pelo que a
reserva aos Diretores de Finanças, sem possibilidade de delegação (nº 6 do artº 89º-A da LGT). Sendo
que, como é regra geral, tal decisão só poderá acontecer após audição prévia do sujeito passivo.
Concordamos com Saldanha Sanches315 quando afirmava que se concluíssemos pela existência,
no artº 89º-A da LGT, de uma total vinculação da administração fiscal, que só poderia utilizar os
métodos de avaliação indireta nos casos em que houvesse desproporção entre os sinais de fortuna
previstos na lei e os rendimentos declarados pelo contribuinte, o sistema de tributação do
rendimento continuaria a ser muito incompleto, e que a intenção de fornecer um quadro
estritamente vinculado para a administração fiscal não pode ir ao ponto de a impedir de calcular
rendimentos através da simples ponderação de outros “indícios fundados” que permitam à
administração tributária fixar um rendimento superior.
Só que esta forma de legislar, plena de conceitos indeterminados, corre o risco óbvio de um juízo
de inconstitucionalidade por violação clara do princípio da tipicidade.
Muito duvidoso é saber como conciliar estes dois sistemas (que em larga medida se sobrepõem),
pois que correspondem a dois diferentes modelos legislativos: por um lado, uma norma que procede
a uma tipificação rigorosa do que são manifestações de fortuna e estabelece critérios rígidos de
314
O Tribunal Constitucional, em vários acórdãos, nomeadamente o nº 24/2008, de 22 de janeiro,
declarou inconstitucional a parte final do nº 3 do artº 146º-B do CPPT, na medida em que exclui em
absoluto a produção de prova testemunhal, nos casos em que esta é, em geral, admissível.
315
J. L. Saldanha Sanches, «O conceito …».
96
quantificação do rendimento tributável assim presumido (artº 89º-A da LGT); por outro, uma norma
“aberta” (artº87º, al. f) da LGT).
Mais, parece-nos ser evidente o desequilíbrio que acontece na forma como a lei regula a
tributação presuntiva decorrente, por um lado, das “manifestações de fortuna” e, por outro, dos
acréscimos patrimoniais e de despesa injustificados. Em primeiro lugar, temos o grau de divergência
exigido, relativamente ao rendimento declarado. Quanto às primeiras, a lei impõe uma
desproporção de, pelo menos, 30%, como condição para a avaliação indireta poder ter lugar (artº
89º-A, nº 1, da LGT). No segundo caso, a lei não fixa um valor mínimo para a divergência ser
relevante (não acontecia assim anteriormente a 2009, pois que, então, a avaliação indireta só
poderia ter lugar existindo uma divergência de, pelo menos, um terço entre o rendimento declarado
e os acréscimos de património ou despesa).
A administração verificará a realidade de tais pagamentos, mas não pode retirar quaisquer
consequências “imediatas” se, p. ex., constatar que só o valor de tais despesas é superior ao do
rendimento declarado, ou seja, do facto de tais despesas indiciarem claramente a existência de
rendimentos muito mais elevados que os declarados.
O que conduz a resultados absurdos: p. ex., se alguém adquire um imóvel por € 300.000, e nada
justifica quanto à origem dos recursos utilizados, terá, nesse ano, um rendimento presumido de €
60.000, por aplicação do disposto no nº 4 do artº 89º-A da LGT. Mas se adquirir, nas mesmas
condições, um imóvel por € 150.000, terá um rendimento presumido desse valor, por aplicação do
disposto na al. f) do artº 87º da LGT316.
316
«No que diz respeito a imóveis, não existe qualquer incompatibilidade entre o disposto nas alíneas d)
e f), ambas do artº 87º da LGT. Com efeito, sendo o valor de aquisição superior a 250.000,00 euros a
Administração Tributária fica legitimada a realizar avaliação indireta ao abrigo da citada alínea d) e do
artº 89º-A da LGT; sendo o valor de aquisição inferior àquele montante e verificando-se a situação
prevista na alínea f) citada, a Administração Tributária pode realizar a avaliação indireta com
97
A Comissão de Reforma fiscal, em 2014, ciente das contradições e injustiças que a lei atual
gera317, propôs uma revisão geral dos normativos em causa318.
Tais sugestões não foram incluídas na proposta de lei que o governo apresentou à
Assembleia da República, certamente por razões de oportunidade política.
11. Mais-valias
Como traço geral, diremos que estão em causa ganhos resultantes da alienação de
um bem económico, na medida em que esta alienação não constitui objeto específico
de uma atividade empresarial320.
Há que começar por recordar que também as mais-valias podem ocorrer no contexto
de uma atividade empresarial (aqui, uma empresa individual) 321. Estão em causa os
ganhos obtidos na alienação de bens do ativo fixo (ativo não-corrente), quer tangíveis
[corpóreos] (como, p. ex., máquinas), quer intangíveis (como, p. ex., marcas), bens que
estão funcionalmente afetos à atividade produtiva dessa empresa e que, portanto,
tendencialmente permanecem de forma relativamente estável (por mais que um
exercício) no seu património322.
fundamento nesta norma» (Ac. do STA de 13-07-2011, rec. nº 0614/11). A nossa crítica não é ao aresto
(que aplicou a lei) mas ao absurdo que a lei gera.
317
O que, na altura, havia já sido assumido também pela AT, a qual havia elaborado um anteprojeto de
alterações legislativas, que serviu de base inicial para o trabalho da comissão.
318
Sobre este anteprojeto, Rui Duarte Morais
319
Em geral, Rogério Fernandes Ferreira, «A tributação das mais-valias»; Vasco Branco Guimarães,
«Sobre a Tributação das Mais-valias».
320
J. L. Saldanha Sanches, «Ainda sobre o conceito de mais-valia». Tradicionalmente (cf., por todos, J. J.
Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, pp. 303), aponta-se, ainda, o caráter inesperado de tais
rendimentos. Tal caraterística acaba, na nossa lei, por coincidir com a distinção entre as mais-valias que
integram esta categoria e as que são qualificadas como rendimentos empresarias, porquanto estas são,
supostamente, esperadas.
321
Ou em resultado de um ato objetivo de comércio, como seja a valorização de um bem comprado para
revenda.
322
M. H. de Freitas Pereira, «A periodização do lucro tributável», pp. 157 ss.
98
Ao serem alienados, realiza-se um ganho sempre que o valor realizado for superior
ao respetivo valor contabilístico. O valor obtido com a venda é, assim, um ganho que,
como tal, concorre para o cálculo do rendimento tributável.
Se percorrermos a lista das mais-valias tributáveis (artº 10º, nº 1), verificamos que
tais ganhos decorrem, p. ex., do desenvolvimento urbanístico, da construção de
infraestruturas públicas (como estradas, pontes), de que poderá resultar a valorização
de certos imóveis; da apreciação que o mercado faz, num determinado momento, do
comportamento ou das perspetivas futuras de uma empresa, podendo resultar a
valorização das respetivas partes sociais (p. ex., ações).
Como facilmente se constata da análise de tal norma (artº 10º, nº 1)), apenas são
tributadas algumas mais-valias. Ou seja, contrariamente ao que acontece em outras
categorias, o legislador não teve aqui o intuito de desenhar as normas de incidência de
uma forma esgotante: apenas pretendeu tributar as mais-valias que expressamente
enumerou.
As razões de uma tal opção são fáceis de explicar 324: a tributação de todas as mais-
valias é, na prática, impossível, pois implicaria uma intolerável devassa do património
323
Cf., relativamente ao regime simplificado, o nº 9 do artº 31º.
324
Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 23.
99
detido, em cada momento, pelos sujeitos passivos. O legislador teve, assim, que se
contentar em estabelecer a tributação das mais-valias geradas por alguns bens 325,
aqueles cuja existência e alienação sejam relativamente fáceis de controlar, seja por
existir um seu registo público (caso dos imóveis e das quotas), seja por a sua alienação
acontecer, as mais das vezes, com recurso a intermediários capazes de assegurar o
cumprimento das obrigações fiscais (caso das ações transacionadas em bolsa, dos
instrumentos financeiros derivados, etc.).
Muito embora estas sejam situações capazes de gerar, com alguma regularidade,
mais-valias de valor significativo, o certo é que ficam excluídos da tributação outros
importantes acréscimos patrimoniais, como, p. ex., os resultantes da valorização de
obras de arte, antiguidades, joias, etc., o que cria, desde logo, uma distorção favorável
ao investimento em tais bens, uma vez que a respetiva alienação não ficará sujeita a
imposto.
O princípio da realização não se confunde com o chamado regime de caixa do qual resulta, no
plano fiscal, que determinado rendimento só é tributável no momento em que é pago (ou colocado
à disposição do seu titular).
325
No seguimento daquela que era a orientação do (anterior) Código do Imposto de Mais-Valias. J. J.
Teixeira Ribeiro, «A reforma fiscal», pp. 29 ss.
326
O momento da realização será, grosso modo, o da alienação. A lei aplicável será, portanto, em
princípio, a vigente nesse momento.
A questão colocou-se a propósito da revogação do n.º 2 do art.º 10.º, ocorrida em meados de 2010.
Apesar de o IRS ser um imposto periódico (nele são tributados os rendimentos obtidos ao longo de um
ano civil), os nossos tribunais entenderam - e bem- ser de aplicar o disposto no art.º 12.º, n.º 2, da LGT,
ou seja, que a lei nova (que determinara a sujeição a tributação) só seria aplicável às transações
ocorridas após a sua entrada em vigor. Isto, importa frisar, porquanto - diferentemente do que acontece
relativamente a outros rendimentos, desde logo os sujeitos a englobamento obrigatório - não existem
razões de praticabilidade impeditivas da observância de tal comando legal.
327
Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 23.
100
Assim, se o pagamento acontecer em momento posterior ao da alienação, poderão ocorrer os
problemas de liquidez que deixámos referidos; mais grave, se se vier a constatar posteriormente a
incobrabilidade do crédito, a obrigação de imposto permanece (diferentemente do que acontece na
categoria B – contabilidade organizada - em que o valor do crédito incobrável é considerado gasto do
período em que tal situação é constatada).
Temos as maiores dúvidas quanto à bondade desta solução, até porque, no IRS, salvo no tocante
a rendimentos empresariais, a regra geral é que o imposto só é exigível no momento do pagamento
do rendimento.
Outra é o efeito de imobilização (lock in effect): sabendo que vão ser sujeitos a uma
tributação elevada no momento da realização (que o preço obtido, líquido de imposto,
resultará porventura inferior ao pretendido), os sujeitos passivos tendem a não alienar
os bens, mesmo que não lhes sejam úteis, com todo o desperdício que, em termos
económicos e sociais, assim se gera328.
328
Rui Barreira, «A reforma fiscal: exposição introdutória»; J.G. Xavier de Basto, «Imposto de mais-valias
e efeito de imobilização».
329
Em geral, Maria João Ganchinho Vidal, Tributação das mais- valias imobiliárias em sede de IRS tese de
mestrado), FDUL, 2017.
101
Constituem mais-valias tributáveis os ganhos resultantes da alienação onerosa,
independentemente da forma que revista330, de direitos reais sobre imóveis (artº 10º,
nº 1, al. a)).
Por tal razão, foi introduzida uma norma transitória 332, segundo a qual as alienações
de imóveis que antes da entrada em vigor do CIRS não estavam sujeitas a imposto de
mais-valias só dão origem a tributação quando o alienante os haja adquirido na
vigência do atual Código333.
Ou seja, continuam não sujeitos os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja
aquisição haja sido anterior a 1 de janeiro de 1989, excetuados os que, antes dessa
data, já revestiam a natureza de terrenos para construção334.
330
Existem, ainda, situações que a lei considera economicamente equivalentes a uma alienação ( a qual
pode revestir outras formas que não apenas a compra e venda, p. ex., permuta). É, p. ex., o caso da
celebração de um contrato promessa de compra e venda de um imóvel acompanhado da transmissão da
posse do bem para o promitente-comprador (cfr. art.º 10.º, n.º 3)
Sobre o caso da expropriação (entendida como uma forma de aquisição originária insuscetível
de gerar ganhos tributáveis nesta sede), Armando Faria Menezes, «A tributação em IRS das
indemnizações emergentes da expropriação por utilidade pública de bens imóveis». A questão é
complexa porquanto, a nosso ver, a expropriação não é uma forma de transmissão (não “caberá” na
norma de incidência), mas não é menos certo que o legislador pretender tributar os ganhos daí
decorrentes para o expropriado (cfr. art.º 44.º, al. b)).
331
Não consideramos aqui os ganhos resultantes da alienação de imóveis afetos ao exercício de
atividades empresariais, porque enquadráveis na categoria B, o que, por princípio, ditará um tratamento
fiscal menos favorável.
332
Artº 5º do DL nº 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o CIRS.
Segundo João Taborda da Gama, «Terrenos para construção e regime transitório das mais-
valias imobiliárias em IRS», “no regime transitório da categoria G do Código do IRS quanto às mais-valias
resultantes da alienação de imóveis, o legislador assumiu o claro objetivo de proteger as expetativas dos
proprietários dos bens imóveis. Este objetivo determina que o direito aplicável é o que consta das
normas vigentes no momento da aquisição do bem”. Este é, também, o entendimento que, no geral,
tem sido sufragado pelos nossos tribunais.
Veja-se, porém, o Ac. do STA de 18-01-2012, rec. Nº 0201/11, relativo à extinção do usufruto,
ocorrida no domínio da nova lei, e a anotação (desfavorável) ao mesmo feita por Manuel Faustino,
«Tributação; IRS; Mais-valias; Propriedade».
Mais detalhadamente, numa visão crítica do entendimento que tem sido perfilhado pela nossa
jurisprudência, José Maria Pires ::::::::::::::::::::
333
A “tradição” da previsão deste tipo de normas transitórias, prevendo, nos casos de alargamento do
âmbito de tributação das mais-valias, a salvaguarda das expectativas dos titulares dos patrimónios em
causa (aqueles cujas mais-valias obtidas aquando da sua alienação não eram, antes, sujeitas a imposto),
foi quebrada, em 2010, quando da revogação do n.º 2 do art.º 10º do CIRS, segundo o qual não estavam
sujeitas a imposto as mais-valias obtidas com a alienação de ações e obrigações quando detidas, pelo
alienante, há mais de 12 meses.
A não previsão de norma transitória foi havida por muitos como equivalendo a uma aplicação
retroativa da lei nova, o que não é o caso. Veja-se, no entendimento que temos por correto, Manuel
Faustino:::::::::::::::::::
102
11.4.2. Cessão onerosa de posições contratuais relativas a imóveis
Rigorosamente, não estão aqui (artº 10º, nº 1, al. d)) em causa mais-valias
imobiliárias, uma vez que o ganho resulta da cedência onerosa de direitos de natureza
obrigacional. Mas porque o objeto mediato de tais direitos são imóveis, existe uma
identidade económica que leva a que o legislador preveja para tais situações um
regime de tributação idêntico ao aplicável aos ganhos resultantes da alienação de
direitos reais335.
O ganho sujeito a imposto, é, por regra (cf. nº 2 do artº 43º), 50% do saldo apurado
entre as mais-valias e as menos-valias deste tipo 336 realizadas no ano em causa (artº
43º, nº 1), o que pode ser entendido como uma resposta aos efeitos de concentração
e imobilização que a tributação das mais-valias no momento da respetiva realização
provoca337.
– valor de realização,
103
No caso de alienação de direitos reais sobre imóveis, prevalecerá o valor
patrimonial do prédio relevante para efeitos de IMT 339, quando superior, mesmo que
não deva haver lugar à tributação neste imposto (artº 44º, nº 2), salvo se o interessado
lograr provar ter sido menor o valor de realização (art.º 44.º, n.º 5)340;
Assim sendo, são dedutíveis tais despesas, quando realizadas nos últimos 12 anos,
desde que devidamente comprovadas.
Esta limitação temporal, justificada por razões de praticabilidade 341, continua a originar a
tributação de ganhos não reais: pense-se no caso de alguém que adquiriu uma casa usada para
habitação, a reconstruiu ou beneficiou substancialmente (gastando um valor que pode ter sido
substancialmente superior ao de aquisição) e, vinte anos depois, a vende. A valorização do imóvel –
a “mais-valia” obtida - pode ser resultado, apenas, do investimento realizado.
A solução seria, a nosso ver, simples: o “ valor da aquisição” a considerar deveria ser o valor
patrimonial tributário fixado na sequência de tais obras. Lembramos que, nos termos dos artº 13º,
nº 1, al. d), do CIMI, o sujeito passivo tem a obrigação de declarar obras de melhoramento ou outras
alterações que possam determinar a variação do valor patrimonial tributário do prédio implicação
obrigação, de forma a impulsionar a reavaliação.
Também por razões de praticabilidade, a lei assume que a valorização do imóvel é, em termos
quantitativos, igual ao montante dos investimentos realizados.
Por exemplo, a comissão paga aos agentes imobiliários que intermediaram tais
transações, o IMT e custo dos registos implicados pela aquisição;
– indemnizações
339
Cf. artº 12º e 13º do CIMT. Sempre que deva haver lugar a avaliação, seguem-se as regras previstas
no CIMI (artº 14º do CIMT).
340
O n.º 7 do art.º 44.º veio resolver uma questão que antes se suscitava e obtinha respostas díspares: a
de o valor da venda (valor de realização) sofrer alterações futuras. Trata-se de situações algo vulgares, p.
ex., em contratos de venda de ações, nos quais é acordado que o valor final da alienação fica
dependente da obtenção de determinado volume de lucros pela sociedade nos exercícios seguintes,
sendo, em função destes, “corrigido” o montante estipulado no contrato, para mais ou para menos.
341
Sendo que o legislador de 2015 alargou substancialmente o prazo em que relevam tais despesas
(hoje, 12 anos; antes, 5 anos)
104
Será, p. ex., o caso de alguém indemnizar inquilinos para estes aceitarem resolver
os contratos de arrendamento, “libertando” assim o prédio para venda342.
- valor de aquisição, que será aquele que serviu ou deveria servir de base à
liquidação do imposto incidente sobre a transmissão do imóvel para o ora alienante (i.
e., o valor declarado ou o valor patrimonial tributário, se superior) – artº 46º.
Se o imóvel foi adquirido a título gratuito, o valor de aquisição será o que serviu
ou serviria para liquidação de Imposto do Selo (anteriormente, Imposto sobre
Sucessões e Doações).
Dito de outro modo, há que saber qual a quantia que, à data da alienação,
corresponde ao valor da aquisição. Para tal, sempre que entre a aquisição e a
alienação tenham decorrido mais de 24 meses, o valor de aquisição é atualizado
mediante a aplicação de coeficientes, legalmente aprovados por portaria, que
traduzem a depreciação monetária entretanto ocorrida (artº 50º).
342
Adição efetuada pela reforma de 2014.
343
Abílio Marques, «Enquadramento fiscal do contrato de locação financeira imobiliária».
105
11.5. Imóveis destinados a habitação permanente
Objetivo muito limitado, portanto. Julgamos que esta proteção deveria ser à aquisição de
habitação própria e permanente, o que implicaria que não ficassem sujeitas a imposto as mais-valias
obtidas na alienação de quaisquer imóveis desde que o respetivo produto fosse utilizado na
aquisição de um prédio com tal finalidade (eventualmente, quando este não excedesse determinado
valor).
344
Se um determinado prédio é habitação permanente do sujeito passivo ou do seu agregado é algo
que só pode ser apreciado em função das circunstâncias do caso concreto. Tal conceito implica um
elemento de habitualidade de tal afetação, em imóvel a tal fim destinado, cumulado com a qualidade de
proprietário, durante um período de tempo, que incluirá necessariamente a data da alienação, cuja
duração mínima a lei não fixa.
Significa isto, como já referimos, que a presunção legal (art.º ::: que o domicilio fiscal
corresponde à habitação permanente do sujeito passivo pode ser ilidida, quer por este, quer pela AT.
345
P. ex., alguém que emigrou, deixando de residir em Portugal, mas cuja família permaneceu em imóvel
sua propriedade.
346
Ou uma combinação destas diferentes formas, pois – segundo entendemos - apesar da falta de
clareza do elemento literal da norma, não esteve, certamente, no espírito do legislador distinguir, p. ex.,
entre quem opta por adquirir um imóvel novo e quem escolhe adquirir um usado e realizar, após a
compra, obras de beneficiação.
347
No seguimento do decidido pelo TJCE no Ac. de 26/10/2006 (proc. nº C-345/05), a lei passou a prever
que o imóvel em que se concretize o reinvestimento possa situar-se no território de qualquer outro
Estado-membro ou de um país que integre o Espaço Económico Europeu (casos da Islândia,
Liechtenstein e Noruega).
348
O STA (rec. n.º 774/14, de 18/01/2017, na sequência de outros arestos) tem vindo a considerar que o
disposto no nº 5, al. a,) do art.º 10.º (“empréstimo contraído para a aquisição do imóvel”) apenas
abrange os mútuos destinados a financiar a compra de um novo e imóvel (e não, também, os destinados
à construção de nova habitação). Esta interpretação, assente no elemento literal deste segmento da
norma, cria uma discriminação quanto à opção entre compra e construção, enquanto formas de
resolução do problema habitacional, a qual não nos parece conforme quer com a ratio, quer com uma
interpretação sistemática de todo o preceito, uma vez que, nele, o legislador assume, como quadro de
referência, a equivalência das duas hipóteses (neste sentido, Ana Pinto Moraes, Reinvestimento nas
Mais-Valias Imobiliárias, Almedina, 2019, p. 70 s).
106
Alguns exemplos349:
António vendeu, no ano passado, a sua casa de habitação permanente por 250.000 euros, que
havia adquirido por 200.000 euros. Pagou ao banco 100.000 euros, valor ainda em dívida relativo
ao empréstimo feito para a aquisição de tal imóvel.
Este ano, António adquiriu uma outra casa, para habitação permanente, por 300.000 euros.
Para o efeito, pediu um empréstimo bancário de 120.000 euros.
Temos: o valor de realização a ser considerado é 150.000 [250.000 (valor da venda) – 100.000
(amortização do empréstimo)]; o valor do reinvestimento a ser considerado é 180.000 [300.000
(preço de compra) – 120.000 (empréstimo)].
Uma vez que a mais-valia obtida na venda da primeira habitação foi de 50.000 [250.000 (preço
de venda) – 200.000 (preço de compra)], um terço deste valor estaria sujeito a tributação.
Porém, há que não esquecer que – como vimos – o imposto incide apenas sobre 50% do valor
do saldo positivo entre as mais e menos- valias imobiliárias realizadas nesse ano. O mesmo é
dizer (na hipótese de esta ser a única operação imobiliária realizada pelo sujeito passivo nesse
ano), o montante de rendimento tributável a ser considerado, em sede de englobamento,
corresponderia, apenas, a metade de tal valor.
107
11.5.1 O reinvestimento
Cientes deste facto, defendemos, em edição anterior desta obra, que, mesmo não havendo
reinvestimento, o valor de venda empregue na amortização do empréstimo bancário devia ser
abatido ao valor de realização a ser considerado no cálculo da mais-valia tributável. A comissão
da reforma de 2015 sufragou este entendimento, mas apenas enquanto “medida de
emergência”, válida apenas durante um período de cinco anos (até final de 2020, relativamente a
contratos anteriores a 31 de dezembro de 2014) 353.
Atenta esta realidade, o legislador, em 2019, decidiu que seria possível concretizar o
reinvestimento através de determinadas formas de aforro, o que, naturalmente,
merece aplauso. Assim, hoje, os sujeitos passivos que, eles próprios ou os seus
cônjuges, sejam reformados ou maiores de 65 anos, podem concretizar o
reinvestimento, exclusiva ou cumulativamente com a aquisição de outro imóvel para
habitação, através da aquisição de um contrato de seguro ou à adesão individual a um
fundo de pensões aberto, ou ainda à contribuição para o regime público de
capitalização, nos termos previstos nos n.º 7 e 8 do art.º 10º.
11.5.1.1. Têm suscitado dificuldades situações em que o bem alienado não é propriedade exclusiva
do alienante, muito embora seja a sua habitação permanente, e/ou o novo imóvel não é por ele
adquirido na totalidade.
352
Sobre o momento em que se concretiza o reinvestimento (p. ex., nos casos de celebração de
contrato promessa com tradição do imóvel, de construção, ampliação ou melhoramento do novo
imóvel), Ana Pinto Moraes, Reinvestimento…, p. 77.
353
Art.º 11.º da Lei 82-E/2014, de 31 de dezembro.
108
Exemplos:
- alguém (vg. solteiro ou divorciado) vende um prédio, sua habitação permanente, de que é
proprietário e adquire, em compropriedade, 50% de outro prédio, no qual passa a residir com o
seu cônjuge, o qual adquiriu igual quota. A nosso ver, as condições do reinvestimento estão
preenchidas, sendo o valor de reinvestimento a considerar o correspondente a 50% do valor de
aquisição do novo prédio.
- diferentemente acontece, a nosso ver, na seguinte hipótese: alguém aliena um prédio, sua
propriedade (ou compropriedade), e adquire, em seu nome, mas já no estado de casado num
regime de comunhão, nova habitação. O valor do reinvestimento corresponde, a nosso ver, ao
preço da nova habitação.
Não sendo aqui lugar para desenvolver o tema, diremos que, neste caso, não se poderá
considerar, como entende a AT com apoio de alguma jurisprudência 354, que o sujeito passivo
(apenas) adquiriu 50% do novo prédio. A aquisição foi feita em seu nome. Existe uma confusão,
com que temos frequentemente deparado, entre compropriedade e comunhão de bens. Nos
regimes de comunhão, os cônjuges não são comproprietários de cada um dos bens que
constituem o património do casal, não são, no regime de comunhão de adquiridos, titulares de
50% de cada um dos bens adquiridos na pendência do casamento. São titulares de um direito
sobre uma universalidade, constituída por bens na titularidade de um ou ambos, o qual apenas
se concretizará em bens determinados aquando da dissolução do casamento.
355
P. ex: na categoria G apenas são consideradas tributáveis as mais-valias aí tipificadas, enquanto na
categoria B vale, na sua plenitude, o conceito de rendimento-acréscimo; na categoria G apenas é
considerado como rendimento tributável 50% da mais-valia realizada, enquanto na categoria B a mais-
valia releva na totalidade; nesta categoria, no cálculo da mais-valia é tida em conta a depreciação do
prédio, o que não acontece naquela.
Assim sendo, temos que, p. ex., na opção pela empresarialização do arrendamento (pela
sujeição das rendas às regras da categoria B) passa a existir um património autónomo, afeto a uma
109
Existindo contabilidade organizada, as datas e os valores a serem considerados, relativamente à
afetação e desafetação à atividade empresarial, não suscitarão dificuldades.
Mas tais datas e, consequentemente, o valor de mercado a ser tido em conta, poderão ser
difíceis de determinar no regime simplificado, dada a ausência de registos.
Como podem suscitar dificuldades os casos de afetação parcial (sendo que então a mais-valia
empresarial terá de ser calculada na proporção). Tais situações de são vulgares, p. ex. quando o
empresário ou profissional independente utiliza a habitação também como local de exercício da sua
atividade356.
Temos, em primeiro lugar, que a lei faz equivaler a alienação a “passagem” de um bem do
património particular para o empresarial, considerando como “preço” o respetivo valor de mercado
(artº 44º, nº 1, al. c))358.
Porém, a mais-valia assim “registada”359, quando abrangida pela incidência da categoria G 360,
não é tributada nesse momento, mas apenas posteriormente, quando “da ulterior alienação onerosa
dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em
condições análogas” (al .b) do n.º 3 do art.º 10.º)
110
Não sendo o bem alienado enquanto integre o ativo da empresa individual, há que saber o
significado da expressão, constante da já referida norma de incidência, “outro facto que determine o
apuramento de resultados em condições análogas”
Mas tal não exclui a interrogação sobre a bondade e praticabilidade deste regime, penalizante e
de difícil execução prática, em relação aos pequenos empresários individuais.
Porém, a norma em análise (art.º 10.º, n.º 3, al. b)) refere-se à categoria G e não à B.
Temos assim que a desafetação de bens de uma atividade empresarial, por um empresário em
nome individual, é facto gerador da tributação, segundo regras diferentes, de “duas” mais-valias: a
gerada no período antes da afetação, à qual é tributada segundo as regras da categoria G e a gerada
durante o período de tal afetação, a qual é tributada segundo as regras da categoria B.
Só que – há que o assumir, estamos, em ambos os casos, a tributar mais-valias não realizadas,
meramente potenciais. Não realizadas porquanto, obviamente, a desafetação não equivale
economicamente, a uma alienação, nunca sendo geradora de liquidez 362; meramente potenciais
porquanto, sendo o bem alienado no futuro, o valor de realização então efetivamente logrado
poderá ser inferior ao de mercado à data da desafetação.
Mais, poderá haver lugar a nova tributação de mais-valias, segundo as regras da categoria G, se,
posteriormente à desafetação e até ao momento da efetiva alienação, o bem, se tiver valorizado, e
tal valorização preencher os pressupostos de incidência do imposto, nesta categoria. Então, o valor
de aquisição a considerar, no cálculo da mais-valia tributável, agora exigível segundo o princípio da
realização, será o valor de mercado à data de desafetação do património e não o valor pelo qual o
sujeito passivo adquiriu o bem, sob pela de se estar a tributar o mesmo ganho duplamente, ainda
que em momentos diferentes.
Estamos, pois, perante um regime legal manifestamente carente de profunda revisão, a qual não
terá sido analisada no quadro da reforma de 2015 por, na altura, não constituir questão relevante363.
361
Não sendo assim, o campo de aplicação da parte final da al .b) do n.º 3 do art.º 10.º resultaria
esvaziado.
362
Pense-se na dificuldade que terão muitos sujeitos passivos em pagar o imposto assim tornado
exigível, p. ex., nos casos de encerramento da atividade empresarial por falta de tentabilidade.
363
Concluindo no mesmo sentido, Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 197.
111
11.7– O alojamento local
A situação alterou-se com a recente “explosão” da atividade de alojamento local, o que obrigou
a sucessivas intervenções legislativas, posteriores à reforma de 2015, as quais não se
circunscreveram às regras de tributação das mais-valias, abrangendo também a categoria F.
Aproveitaremos o ensejo para uma pequena exposição centrada neste tema, muito embora a
mesma questão se coloque em outras situações.
Por tais razões, o legislador aceitou que os rendimentos obtidos no exercício destas
modalidades de alojamento local fossem tributados segundo as regras da categoria F, por opção do
titular364.
Pergunta-se: esta opção implica a mudança de qualificação fiscal de tais rendimentos? Com
Mónica Duque365, concluímos que não houve um alargamento do âmbito de incidência da categoria
F, mas tão só a possibilidade de rendimentos que são, pela sua natureza, empresariais, e, como tal,
integrantes da categoria B, serem determinados por aplicação das regras previstas para os
rendimentos prediais e tributados à taxa especial (proporcional) para estes prevista.
112
afetação à atividade empresarial; o da categoria B desde esta até à da desafetação, a qual, sendo o
caso, só ocorre no momento em que, deixe de ser colocado no mercado de arrendamento367.
Já vimos que é no domínio das mais-valias mobiliárias que o CIRS mais se afasta do
objetivo da tributação do (de todo o) rendimento-acréscimo. Isto porque, pelas razões
então apontadas, apenas se tributam algumas dessas mais-valias.
Dadas as diferenças dos regimes fiscais aplicáveis, a reforma de 2015 procurou lograr uma mais
correta delimitação dos rendimentos que, pela suas caraterísticas devem ser qualificados como
mais-valias mobiliárias e não como rendimentos de capitais, com a sua consequente “transferência”
para esta categoria. É o caso de rendimentos obtidos não com alienação onerosa do “título”
representativo dos direitos em causa, mas com operações que envolvem a extinção de tais direitos,
como sejam o reembolso de obrigações e outros títulos de dívida e o resgate de unidades de
participação em fundos de investimento ou da liquidação de tais fundos.
Nos termos do artº 18º, al. i), consideram-se obtidas em Portugal (apenas) as
mais-valias resultantes da transmissão onerosa de partes de capital de entidades que
tenham no nosso país sede, direção efetiva, ou estabelecimento estável ao qual o
pagamento dos respetivos rendimentos deva ser imputado. Este elemento de conexão,
que também releva nos casos que a seguir referiremos, delimita a pretensão tributária
relativamente aos não-residentes. Porém, tal norma tem de ser conjugada com o artº
27º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que isenta de tributação, em numerosas
situações, este tipo de mais-valias quando obtidas por não-residentes.
367
Como estipula o n.º 9º do art. 31.º, “não configura uma transferência para o património particular do
empresário a afetação de bem imóvel habitacional à obtenção de rendimentos da categoria F”.
Ou seja, sendo dado de arrendamento após o termo da sua afetação a uma atividade comercial,
industrial, agrícola ou de prestação de serviços, o imóvel continua a ser considerado, para efeitos de IRS,
como afeto a uma atividade empresarial, ainda que o rendimento gerado seja tributado segundo as
regras da categoria F. Isto até ao momento em que cesse a atividade de arrendamento (a nosso ver,
cesse a disponibilização do imóvel no mercado de arrendamento e não a continuidade na obtenção de
rendas), momento em que ocorrerá a reintegração no “património particular” do sujeito passivo
O valor de realização a considerar será, assim, o valor de mercado do bem em tal data.
A intenção legislativa é, a nosso ver, de louvar, mas é fácil antecipar os problemas que a
aplicação deste novo regime irá suscitar.
368
ENGRACIA
369
Será o caso, p. ex., da alienação onerosa da propriedade intelectual, industrial, de know how, quando
o transmitente não seja o titular originário. Um exemplo será o dos ganhos obtidos pelos herdeiros de
um escritor pela venda a uma editora de direitos de autor que protegem as obras deste.
113
É fácil concluir que o cerne das mais-valias mobiliárias é constituído pelos ganhos resultantes da
alienação de ações e obrigações. Na realidade, em certos períodos, a compra e venda de ações (o
“jogo na bolsa”) é suscetível de produzir ganhos substanciais, muitos deles de natureza especulativa.
Considerações de justiça na tributação conduzem, inevitavelmente, à conclusão de que tais
ganhos devem ser tributados. A esta (evidente) conclusão podem opor-se argumentos de natureza
económica, relativos, nomeadamente, aos efeitos negativos que a tributação implica para a captação
do aforro através dos mercados de valores mobiliários370.
370
Estes argumentos mereceram, durante muito tempo, acolhimento do legislador, pois que
o nº 2 do artº 10º, até à sua revogação em 2010, excluía de tributação as mais-valias provenientes da
alienação de ações, se detidas pelo alienante durante determinado período.
114
O REGIME FISCAL DA AFETAÇÃO DA HABITAÇÃO DO ADVO
CATEGORIA H
12. Pensões
Esta categoria abrange, pois, quer prestações que têm por base mediata uma
relação de trabalho dependente ou um vínculo a regimes de segurança públicos e
privados, quer prestações a que não subjaz este tipo de vínculos373.
374
Sendo que a maior parte das vezes os valores que deram origem às pensões (contribuições dos
beneficiários e, sendo o caso, das entidades empregadoras) foram deduzidos (considerados como um
gasto/ dedução específica), para efeitos de impostos sobre o rendimento, no momento do respetivo
pagamento.
375
Portugal
115
montante total anual dos diversos rendimentos recebidos que devem ser qualificados
como “pensões”), auferidos por cada titular376, deduz-se o valor previsto no artº 53º377.
Deduções das quais resultará a não sujeição a imposto de muitas pensões (tão
reduzido é o seu valor) e a sujeição apenas parcial das restantes.
Há que notar, ainda, que a proteção decorrente desta dedução específica só acontece
relativamente a rendas que se destinem a acautelar a velhice ou a sobrevivência (artº 53º, nº 7).
Assim, se subjacente ao pagamento da pensão ou renda vitalícia estiver outro motivo, o rendimento
será tributado pela sua totalidade. Poderá, pois, resultar penalizante a opção pelo recebimento sob a
forma de renda de rendimentos a que, substancialmente, há que atribuir outra natureza. Sirva de
exemplo a alienação de um prédio contra o pagamento de uma renda vitalícia. A totalidade das
rendas vitalícias seria tributada (ainda que de forma diferida no tempo), o que não aconteceria em
caso do recebimento de um preço, pois que, então, o imposto incidiria apenas sobre 50% da mais-
valia obtida.
376
Esta precisão é importante. Sirva o seguinte exemplo: em processo de regulação do poder parental é
acordado o pagamento, pelo pai, de pensões mensais de 200 euros a cada um dos seus quatro filhos,
que ficam confiados à guarda da mãe. Apesar de o rendimento inserível na categoria H exceder o valor
previsto no nº 1 do artº 53º, não há lugar a tributação, pois cada filho é titular do direito a uma pensão e
o respetivo valor não ultrapassa tal limite.
377
Igual à dedução específica fixa prevista para a categoria A.
378
Tal parece supor que o capital investido haja sido sujeito a tributação aquando da sua obtenção. Daí
a previsão dos nº 3 e 4 do artº 54º, segundo a qual se as contribuições constitutivas do direito à pensão
ou à renda tiverem sido suportadas por pessoa ou entidade diferente do respetivo beneficiário e não
tiverem sido tributadas na esfera deste, o total recebido será sujeito a imposto.
116
117
A FASE SINTÉTICA
13. O englobamento
Não temos mais um “imposto único”, mas sim um imposto semidual, como
repetidamente afirmado. Ou seja, poderá não existir rendimento global líquido sujeito a
englobamento, apesar de existirem rendimentos tributáveis significativos, ou, mais
vulgarmente, o rendimento englobável não corresponderá ao rendimento total do(s)
sujeito(s) passivo(s).
Aos rendimentos das várias categorias de que o sujeito passivo (ou, sendo o caso, os membros
do agregado familiar) é titular, há que acrescer, para efeitos de englobamento, rendimentos de que,
juridicamente, são titulares outras entidades ou de que o sujeito passivo é mero contitular. São três as
situações em causa: (i) lucro das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, tema este que,
pela sua importância, será objeto de análise posterior; (ii) a imputação de lucros de sociedades não-
379
O que resulta numa dupla injustiça quando o rendimento declarado – e não estamos a considerar
aqui a questão da evasão fiscal, cuja “oportunidade” está, também, desigualmente distribuída – serve
de critério aferidor da necessidade (e, portanto, do direito) a prestações sociais. Como diz Xavier de
Basto, IRS…, , p. 223, “houvesse englobamento dos rendimentos de capitais e porventura os críticos da
existência de propinas no ensino superior teriam perdido um dos seus argumentos mais recorrentes”.
118
residentes sujeitas a regime fiscal privilegiado (a, impropriamente, chamada “transparência fiscal
internacional”), questão que, pela sua complexidade e por relevar especialmente em sede de IRC, não
abordaremos380; os rendimentos de heranças indivisas. Apenas diremos, quanto a esta última situação,
que cada contitular (cf. artº 19º) deverá englobar a parte do referido rendimento proporcional à
respetiva quota hereditária (cf. os artº 57º, nº 2 e 22º, nº 2 al. b))381 382.
Compreende-se que tal prazo seja mais extenso nos casos em que a existência
de resultados negativos (p. ex., decorrentes de investimentos significativos) seja mais
frequente.
380
Analisámos este tema na nossa obra A Imputação de Lucros….
381
No caso de a herança indivisa gerar rendimentos da categoria B, determinados segundo o regime da
contabilidade organizada, cabe ao cabeça de casal o cumprimento das obrigações declarativas próprias
desta categoria, sem prejuízo da inclusão da sua quota-parte em tais rendimentos por cada um dos
herdeiros.
Diferentes são situações em que a herança foi partilhada, tendo sido atribuído a cada herdeiro
uma quota (uma determinada percentagem) de um estabelecimento empresarial integrante da herança,
cuja exploração continuam a prosseguir em comum. A partir do momento em que ocorreu a partilha,
não estamos mais perante uma herança indivisa, mas sim perante uma sociedade irregular (de que são
sócios os herdeiros, na proporção correspondente à respetiva quota). Assim, os rendimentos gerados
pelo prosseguimento da atividade empresarial serão tributados em IRC, segundo as regras da
contabilidade organizada (por estar em causa uma sociedade, ainda que irregular), sendo os sócios
tributados em IRS apenas quando e na medida em que ocorram distribuições de lucros.
382
A tributação das heranças
119
pela sua caraterística de rendimentos esporádicos, não é de supor que a generalidade
dos sujeitos passivos obtenha, anualmente, mais-valias (ou menos-) valias383.
Estamos perante uma outra situação diferente da comunicabilidade “para a frente” que
deixámos analisada.
Aqui está em causa uma comunicabilidade horizontal, a dedução das perdas (rendimentos
negativos) de um cônjuge, em determinada categoria, como os rendimentos positivos, da mesma
categoria, obtidos pelo outro,
A Lei que consubstanciou esta reforma acolheu na, na integra, o teor das normas propostas para
concretização desta opção.
Na realidade, procurou-se uma mudança de paradigma, o que, mais que uma opção técnica,
correspondeu ao reconhecimento de uma realidade que temos por irrefutável: nos dias de hoje, faz
cada vez menos sentido pretender configurar o agregado familiar como uma unidade económica,
relativamente aos rendimentos obtidos por cada um dos seus membros.
Muito embora regime legal de bens do casamento continue a ser o de adquiridos (porventura
algo que também não dá correta tradução à realidade atual), os cônjuges, na sua esmagadora
maioria, consideram seus os rendimentos que obtêm, têm economias separadas, ainda que
contribuindo ambos para as despesas comuns da família.
Este é, claramente, o elemento histórico das normas em questão, devidamente plasmado nos
trabalhos preparatórios. Mas, até porque somos adeptos de uma interpretação objetivista,
reconhecemos que o elemento histórico não é, necessariamente, determinante na interpretação das
normas jurídicas.
383
Relativamente aos rendimentos prediais, o n.º 8 do art.º 55.º consagra a obrigação de continuidade
da atividade de arrendamento, durante determinado número de anos, como condição para que o
reporte possa ser efetuado.
Pretendeu-se evitar que alguém faça obras num imóvel, o coloque no mercado de
arrendamento apenas durante o tempo necessário para “compensar” as despesas efetuadas com as
rendas recebidas (não pagando, assim, imposto sobre estas) e, depois, passe, de imediato, a utilizar o
prédio para outros fins, nomeadamente uso pessoal.
384
Portugal
120
Porém, não se poderá olvidar que com a reforma de 2015 despareceram as limitações à
comunicabilidade horizontal antes existentes (por se entender que esta não era mais possível). Ou
seja, admitir tal comunicabilidade seria admiti-la de forma irrestrita, o que nem sempre seria
possível de qualificar como uma solução razoável.
14. Abatimentos
385
Salvo se a exigibilidade do imposto ocorrer antes do efetivo recebimento ou colocação à disposição,
como sucede relativamente às mais-valias.
121
apenas existe um abatimento, relativo aos sujeitos passivos com deficiência, tendo
sido os demais substituídos por deduções à coleta.
Diferentemente das deduções específicas - que, como vimos, são gastos inerentes à obtenção do
rendimento, considerados na quantificação do rendimento (líquido) tributável em determinadas
categorias -, os abatimentos correspondiam a despesas socialmente relevantes, cuja existência reduz
a capacidade contributiva do sujeito que as suporta.
O uso da técnica dos abatimentos ao rendimento coletável para dar tradução a tais despesas
resulta iníquo, pois introduz um forte elemento de regressividade, uma vez que o seu “efeito útil”,
em termos de economia de imposto, é tanto maior quanto mais elevada for a taxa média de
tributação do sujeito passivo.386.
14. Taxas
Num exemplo simplificado, imaginemos a seguinte tabela de taxas: 1º escalão – até 100 – taxa
0%; 2º escalão – de mais de 100 até 500 – taxa 10%; 3º escalão – de mais de 500 até 800 – taxa 20%;
4º escalão – superior a 800 – taxa 40%
O sujeito passivo A tem 1000 de rendimento tributável. Tem, portanto, 100 unidades tributáveis
por aplicação da taxa do 1º escalão (até 100); 400 unidades tributáveis pelo 2º escalão (de 100 a
500); 300 unidades tributáveis pelo 3º escalão (de 500 até 800); 200 unidades tributáveis pelo 4º
386
Num exemplo: A e B realizam operações cirúrgicas. A, uma pessoa de rendimentos modestos, é
tributado a uma taxa média de 11%. B, pessoa de rendimentos elevados, é tributado a uma taxa média
de 37,5%. As despesas de saúde suportadas por cada um deles, num determinado ano, foram de 1.000
euros. A sua consideração como abatimentos significaria uma economia de imposto de 110 euros para A
(o contribuinte “pobre”) e de 375 euros para B (o contribuinte “rico”).
387
Sobre a teoria do imposto progressivo, Teixeira Ribeiro, Lições…, pp. 280 ss.
122
escalão (de 800 até 1000). O imposto a pagar é o seguinte: (100 x 0%) + (400 x 10%) + (300 x 20%) +
(200 x 40%) = 180.
O número de escalões foi, recentemente (2018) aumentado. Tal alteração visou lograr algum
desagravamento dos sujeitos passivos com rendimentos não muito elevados, o que é de aplaudir.
Porém, relativamente aos contribuintes com rendimentos mais elevados não houve qualquer
desagravamento, salvo o resultante da eliminação da sobretaxa. Tudo estaria certo não fora o
facto de estarmos a falar de sujeitos passivos com rendimentos pouco superiores a 40.000 euros,
os quais não podem ser propriamente qualificados de “ricos” 388. Ou seja, não pelas taxas
aplicáveis mas sim pelos valores a que se aplicam, o IRS continua a ser, especialmente para os
trabalhadores e pensionistas, particularmente gravoso, o que dificilmente se compreende em
termos de justiça social.
388
Acresce que a progressividade não é o resultado, apenas, da “tabela” de taxas aplicável. Outras
medidas, como a limitação ou a exclusão de deduções à coleta (as quais beneficiavam de sobremaneira
os contribuintes de rendimentos mais elevados), contribuíram, em muito, para acentuar a
progressividade global do imposto.
389
Taxa média ponderada (i. e., que tem em conta o diferente intervalo de cada um dos escalões que
abrange).
390
Na nota demonstrativa da liquidação que a administração fiscal envia aos contribuintes, contendo o
apuramento do imposto ainda devido (ou do reembolso a ser efetuado), utiliza-se um outro método de
cálculo: aplicação de uma só taxa, deduzindo-se a esse resultado determinado valor (“parcela a abater”).
123
O princípio do mínimo de existência, inerente a um imposto pessoal, garante que
aqueles que apenas obtenham rendimentos iguais ou inferiores ao valor, fixado por lei,
tido por indispensável à sobrevivência, não os verão reduzidos por força deste
imposto.
Sob esta epígrafe, o artº 70º contempla duas situações, de contornos diversos:
Não será cobrado imposto, ou este será reduzido, de forma a garantir (a cada
titular) a disponibilidade de um rendimento, líquido de imposto, não inferior a
determinado montante.
b) Famílias numerosas (distinguindo a lei entre aquelas em que existem três ou quatro
dependentes e as em que estes são em número superior) com baixos rendimentos (nº
2 do artº 70º).
Aqui não releva a natureza dos rendimentos sujeitos a englobamento (se são
ou não originados em trabalho ou pensões). O que se compreende por estar em causa,
essencialmente, a proteção dos dependentes.
391
A opção pelo englobamento resulta, assim, vantajosa para aqueles que obtenham rendimentos,
inferiores ao “mínimo de existência”, que, em princípio, estariam sujeitos a taxas especiais ou
liberatórias. Assim, p. ex., alguém que apenas receba rendas prediais de valor reduzido.
392
Ou seja, quando o rendimento originado por trabalho e/ou em pensões represente mais de 50% do
rendimento total sujeito a englobamento, segundo o entendimento que, em geral, é feito, neste
contexto, da palavra predominantemente.
393
De salientar a extensão do mínimo de existência aos trabalhadores independentes (com algumas
exceções). Tal alteração deu resposta às críticas (entre as quais as por nós formuladas em edições
anteriores desta obra) relativas à sua aplicabilidade apenas aos rendimentos oriundos do trabalho
quando exercido de forma dependente.
É certo que, relativamente aos demais rendimentos (como os originados pelo capital), continua
a não existir uma tal proteção, salvo estando em causa famílias numerosas. O que se pode compreender
(em sentido diferente, Portugal, Relatório do Grupo…, pp. 237 ss), desde logo pelo caráter não fundado
dos rendimentos relativamente aos quais o mínimo de existência é garantido, pois, para além de
socialmente desejáveis, dependerem sempre de contingências exteriores, como a saúde e o acesso e
manutenção do posto de trabalho. No sentido da justiça (e da constitucionalidade) de uma tal distinção
se pronunciava J. J. Teixeira Ribeiro, «O imposto de rendimento e a discriminação do rendimento», p.
185
394
O que, como assinala Luís Filipe Esteves, Atualização fiscal em IRS - aspetos práticos, OCC,2019,p. 20,
origina uma (a nosso ver indesejável) falta de neutralidade na opção entre a tributação conjunta ou
separada.
124
14.1.5. Quociente conjugal
A tributação conjunta dos rendimentos dos cônjuges tem um efeito disparador sobre
as taxas aplicáveis.
Num exemplo: António e Maria são solteiros. Cada um deles obtém, anualmente, rendimentos
tributáveis sujeitos a englobamento de 37.500 euros. Cada um deles está sujeito a tributação a uma
taxa média de cerca de 29%. António e Maria casam. O rendimento do casal passa a ser de 75.000
euros. Este rendimento seria abrangido por mais escalões e, portanto, sujeito a uma tributação mais
gravosa, a uma taxa média mais elevada, rondando os 37%.
O sistema adotado pelo IRS (artº 69º) para evitar o agravamento da tributação
em resultado da opção pela tributação conjunta 396 foi o do quociente (splitting)
conjugal397: o rendimento coletável é dividido por dois; aplicam-se as correspondentes
taxas ao resultado dessa divisão; a coleta de imposto do agregado familiar é o dobro
do valor assim apurado.
395
Que passou a ocorrer frequentemente desde que, em resultado da generalização da presença da
mulher no mercado do trabalho, os dois cônjuges passaram, por regra, a ser titulares de rendimentos.
Pioneiro na consideração do tema foi, entre nós, Diogo Leite de Campos, «Da inconstitucionalidade do
Imposto Complementar» e «Tributação da família e inconstitucionalidade».
396
Recordamos que, até à reforma de 2014, a tributação conjunta era obrigatória para os casados.
397
Outros sistemas possíveis são a dupla taxa (uma tabela de taxas para a tributação conjunta e outra
para a separada) e o quociente familiar.
Neste método, para o cálculo da taxa de imposto, o rendimento é dividido segundo o número
de membros do agregado familiar (na quantificação desse quociente assumem diferente “peso” os
cônjuges e os dependentes). Tal resulta altamente vantajoso para as famílias numerosas, pelo que a sua
consagração (p. ex., em França, ainda que de forma limitada) é entendida como um estímulo fiscal ao
aumento da natalidade. A sua desvantagem é ser regressivo, aproveitar mais, em termos de economia
de imposto, às famílias de maiores rendimentos.
O sistema do quociente familiar foi adotado pela reforma de 2015, mas combinado com uma
série de alterações legislativas, relativas, nomeadamente, às deduções à coleta, que visavam diminuir os
efeitos da sua regressividade.
Até por a discussão em torno desta opção se ter deslocado do plano técnico (da ponderação
das suas vantagens e desvantagens) para o do combate político, não foi de estranhar que a nova maioria
parlamentar, resultante das eleições legislativas de 2015, o tenha revogado, regressando-se ao sistema
do quociente conjugal. Porém, não foram eliminadas as normas que visavam compensar a
regressividade do quociente familiar, o que originou um, porventura indesejável, acentuar da
progressividade do imposto.
398
Desconsideramos a hipótese de existirem dependentes titulares de rendimentos.
125
a um resultado mais favorável à família (menor coleta de imposto que a que resultaria
de um tributação separada) se os rendimentos dos cônjuges forem bastante díspares.
No exemplo de há pouco, António e Maria tinham, cada um, 37.500 euros de rendimento
coletável. Tributados separadamente, como solteiros, estavam sujeitos a uma taxa média de cerca
de 29%. Casando, a taxa média é a mesma, pois que é apurada em função de metade do rendimento
total do casal, metade que, no caso, coincide exatamente com o rendimento de cada um deles.
Imaginemos agora a hipótese de Maria não ter quaisquer rendimentos. António, enquanto solteiro,
era, como vimos, tributado a uma taxa média de cerca de 29%. Casando, o seu rendimento (que é o
rendimento total do casal) é dividido por 2. A este quociente (37.500: 2 = 18.750) é aplicável uma
taxa média que rondará os 20%. Ou seja, em virtude do casamento, os rendimentos de António
passam a ser tributados a uma taxa bastante mais reduzida.
Já nos referimos, por várias vezes, a estas taxas, à entorse que provocam num imposto
supostamente único e progressivo.
Mais uma vez, há que recordar que a aplicação das taxas de retenção na fonte previstas no artº
71º pode resultar afastada por disposições da convenção sobre dupla tributação que exista entre
Portugal e o país de residência beneficiário dos rendimentos. As disposições convencionais podem
399
A redução das taxas aplicar-se-ia, necessariamente a todos os sujeitos passivos, mesmo aos não
casados ou unidos de facto, pelo que a perda global de receita seria significativa.
400
Casalta Nabais, Direito Fiscal, p. :::::.
401
Cf. Ac. do TCAS nº 04827/11, de 28-02-2012.
126
ilegitimar a tributação por Portugal de alguns rendimentos ou – como será mais normal – determinar
que a taxa de retenção na fonte não exceda determinado valor. O mesmo é dizer que, em tal caso, a
retenção na fonte pela entidade residente que paga a remuneração será, normalmente, feita por
aplicação da taxa máxima prevista, para essa categoria de rendimentos, na convenção aplicável.
O TJUE pronunciou-se sobre a questão, por diversas vezes 402. Em conformidade com tais
pronúncias, a nossa lei foi alterada (nº 10 a 12 e 15 do artº 71º). Agora, os residentes em estados-
membros da EU e do Espaço Económico Europeu que obtenham, em território português,
rendimentos de determinados tipos, continuam a ser tributados por retenção na fonte (imposto que
incide sobre o valor bruto do rendimento), mas podem, depois, requerer, que o imposto devido em
Portugal seja calculado tendo por base o rendimento líquido auferido no nosso país e por aplicação
das taxas que seriam aplicáveis a residentes nas mesmas condições, obtendo o reembolso do
excesso pago.
Resta a questão de saber se o direito à tributação pelo rendimento líquido se deve considerar
extensível a outros rendimentos, que não os expressamente referidos na lei, obtidos por esses não-
residentes403. Sem prejuízo das vantagens do ponto de vista da coerência sistemática que daí
derivariam, o certo é que não é [ainda] totalmente evidente, do ponto de vista da jurisprudência
comunitária consolidada, que todo e qualquer custo incorrido por um não residente deva ser
dedutível, mesmo se diretamente relacionado com o desenvolvimento de uma atividade económica
exercida noutro país da União404.
402
NOTA 354
403
A questão não se coloca, ainda, relativamente a residentes em outros países, pois mesmo as CDT
continuam a admitir que o exercício do direito à tributação pelo Estado da fonte possa acontecer
através da aplicação de taxas liberatórias.
404
Ac. do STA nº 0694/12, de 28-11-2012.
127
Note-se, porém, que estes rendimentos são, em alguns casos, em larga medida
meramente nominais, não correspondem a um real acréscimo patrimonial do
respetivo titular405. Ou seja, a tributação redunda num verdadeiro imposto sobre o
capital, a taxa efetiva de tributação é, as mais das vezes, muito superior ao que a taxa
nominal aplicável deixa supor.
Muito embora em tais situações aconteça uma tributação por aplicação de uma
taxa fixa, não estamos perante verdadeiras taxas liberatórias, não só porquanto se
mantém a obrigação de o sujeito passivo fazer constar estes rendimentos da respetiva
declaração mas, especialmente, porque se aplicam a rendimentos quantificados
segundo as regras gerais, ou seja, não incidem sobre rendimentos brutos.
405
Sirva o seguinte exemplo: um depósito a prazo é remunerado à taxa anual de 3%. Uma vez que tais
juros são tributados por retenção na fonte à taxa de 28%, a taxa de remuneração, depois de imposto, é
2,16 (não considerando os custos associados como, p. ex., as comissões cobradas pelos bancos). Se a
inflação anual for de 2,5%, o rendimento realmente obtido é negativo.
128
sendo que é a essa coleta total que, salvo disposição expressa em contrário, deverão
ser feitas as deduções que a lei prevê.
Assim sendo, são gastos fiscalmente dedutíveis as quotas anuais de amortização de tal veículo
(até máximos legalmente fixados), as despesas com reparações, combustíveis e outros encargos,
como prémios de seguro e o imposto de circulação.
Ora pode presumir-se, segundo as regras de experiência, que o advogado usará o veículo não
apenas no exercício da sua profissão, mas também no âmbito da sua “vida privada”. Ou seja, o
empresário em nome individual estaria numa situação de vantagem relativamente aos demais
sujeitos passivos não empresários, os quais não podem deduzir tais gastos no cálculo da matéria
coletável deste imposto.
406
Os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado estarão sujeitos à tributação autónoma relativa
a pagamentos a não-residentes sujeitos a regime fiscal privilegiado (nº 8 do artº 73º). Porém, sem
embargo de se poder supor que tais situações serão raras, sempre se dirá que as obrigações
contabilísticas exigidas neste regime não permitirão, por regra, determinar a natureza das despesas
efetuadas pelo sujeito passivo.
407
Pese embora o labor académico sobre o tema. Entre muitos outros,
408
A tributação autónoma tem âmbito e motivações acrescidos em IRC, o que, obviamente, não iremos
aqui considerar. A diferença de situações explica, desde logo, o não serem coincidentes as taxas de
tributação autónoma previstas em cada um dos códigos.
409
Exceto as movidas exclusivamente a energia elétrica, o que constitui um estimo à aquisição e uso de
tais veículos pelas empresas. As taxas de tributação autónoma são reduzidas relativamente a viaturas
movidas a gás (n.º 11 do art.º 73.º).
129
Ou, sendo o veículo utilizado por um colaborador, que também o pode usar para fins privados,
temos que este obtém um rendimento do trabalho em espécie, dificilmente detetável e, portanto,
dificilmente tributável.
À coleta411 irão ser feitas várias deduções, enumeradas no artº 78º, segundo a ordem
nele prevista.
410
Salvo a prevista no n.º 6 do art.º 73.º, o que se compreende na medida em que esta tributação visa
mais que «compensar» a fruição individual de gastos dedutíveis no apuramento do lucro; está em causa
prevenir formas de evasão fiscal logradas pela utilização os chamados «paraísos fiscais».
411
Para nós, como já deixámos explicitado, à coleta resultante da aplicação quer das taxas gerais, quer
das taxas especiais.
412
O reembolso só acontece, por regra, quando o montante do imposto já pago, sob as formas de
retenção na fonte e/ou pagamentos por conta, é superior ao valor devido.
130
Não estão em causa benefícios fiscais, pois a existência destas deduções não é
motivada pelo prosseguimento de finalidades extra-fiscais, antes é expressão da
pessoalização, caraterística essencial deste imposto. A diferenciação tem
consequências práticas relevantes, nomeadamente por a lei associar a perda do direito
a benefícios fiscais a determinadas situações de incumprimento.
No plano da justiça tributária, a existência de uma dedução fixa resultaria “indiferente” para
muitos contribuintes, uma vez que, na realidade, para eles já existe um “valor fixo dedutível”, por
atingirem o máximo de dedução possível. Para os demais, tendencialmente os de menores recursos
económicos, tal significaria uma redução, em muitos casos significativa, do valor de imposto a pagar,
pois o valor dedutível seria superior ao resultante da aplicação das percentagens que a lei prevê às
despesas efetivamente suportadas.
Tal proposta da Comissão não foi aceite, cremos que em larga medida em razão da opção,
apenas posteriormente revelada, de criação do e-factura, cuja existência pouco sentido faria caso
fosse consagrada a proposta de dedução fixa.
Embora não integrando o agregado familiar, tal como definido pelo CIRS, são,
também, economicamente dependentes de um sujeito passivo. Esta dedução
constitui, também, um pequeno estímulo fiscal à coabitação solidária de diferentes
gerações.
131
As deduções são em valores fixos, havendo atualmente majorações
relativamente aos dependentes menores de três anos e quando esteja em causa
apenas um ascendente (n.º 2 do art.º 78º-A)413.
Esta dedução, prevista no art.º 78.º-B, criada pela reforma de 2015 (ainda que
não constante do projeto elaborado pela respetiva Comissão), substituiu as anteriores
deduções fixas relativas a cada sujeito passivo.
O que releva é, porém, o limite máximo de tal dedução, atualmente 250 euros
por sujeito passivo.
Assim, temos uma falácia: esta dedução não é, na prática, variável, como
aparenta ser, mas sim fixa, tal como o era anteriormente.
A ideia do legislador terá sido, tal como então proclamado, criar um poderoso instrumento de
combate à evasão fiscal, através do estímulo à exigência, pelos consumidores, de faturas, as quais
devem ser “lançadas”, pelo vendedor, no chamado sistema e-fatura.
Na realidade, tal estímulo quase não existe, pois o montante das faturas emitidas em nome dos
sujeitos passivos por “fornecedores institucionais” (água, luz, telecomunicações, seguradoras, etc.)
será suficiente, só por si para permitir à maioria dos sujeitos passivos atingir tal mínimo, sem
qualquer “esforço” da sua parte 415. Ou seja, não sendo emitidas faturas ou documentos equivalentes
413
Estando em causa ascendentes com um grau de deficiência elevado (o que é frequente,
relativamente a pessoas mais idosas), esta dedução é cumulável com a prevista na parte final do n.º 1
do art.º 87.º.
414
Estamos a falar de despesas num total mínimo de pouco mais de 700 euros /ano
415
Pensamos ser indiscutível o desinteresse revelado por muitos, após uma fase inicial, em exigirem,
como vulgarmente se diz, “faturas com o número de contribuinte”.
132
com identificação dos intervenientes na transação, a eficácia do controlo da evasão através do
sistema e-fatura é - dito muito generosamente - residual.
Acresce que o sistema e-factura tem custos de funcionamento elevadíssimos, quer para a
administração fiscal, quer para as empresas, muitos dos quais objetivamente inúteis 416, que não
foram sequer considerados quando foi tomada esta opção legislativa.
Sendo muito céticos quanto à eficácia do e-factura, não poderemos deixar de relevar que é um
importante elemento de simplificação das obrigações dos contribuintes, pois que deixaram de estar
obrigados a conservar e a exibir, quando para tal solicitados, as faturas relativas a despesas que
originam deduções à coleta deste imposto. Só que tal simplificação apenas obrigaria a inserção no
sistema dos prestadores dos serviços subjacentes às deduções que de seguida iremos referir e não
de todos e quaisquer fornecedores de bens e serviços integráveis no amplíssimo conceito de
despesas gerais familiares. Resta saber que outras utilizações poderão ser feitas dos dados
recolhidos através deste sistema…
Estas deduções estão previstas no art.º 78º-C. São originadas por despesas
efetivamente suportadas pelos sujeitos passivos, ou seja, excluem-se os valores
correspondentes a comparticipações de entidades públicas ou privadas.
Tal como no caso anterior, trata-se de uma dedução variável, calculada por
aplicação de uma percentagem ao valor das despesas elegíveis (15%), com um limite
máximo. A diferença, relativamente às anteriores, é que a maioria dos sujeitos
passivos não atingirá tal máximo, ou seja, não suportará despesas com saúde em
montantes relativamente elevados417.
É difícil concretizar o que sejam as despesas de saúde por este último conceito
ser equívoco.
Nestes casos, por regra, não é necessário existir prescrição médica para
acontecer o direito à dedução (é o caso, p. ex., dos medicamentos de venda livre).
416
Pense-se no caso dos organismos estaduais, obrigados a inserir no “sistema” as faturas
correspondentes aos serviços que prestam
417
Até porque muitos recorrerão, por opção ou necessidade, ao Serviço Nacional de Saúde e outros
terão seguros que cobrirão, em maior ou menor parte, esse tipo de despesas.
133
exercício da sua atividade por protésicos dentários; as transmissões de órgãos, sangue e leite
humanos; o transporte de doentes ou feridos em ambulâncias ou outros veículos apropriados
efetuados por organismos devidamente autorizados.
Na lista I anexa ao Código do IVA (bens e serviços sujeitos a taxa reduzida) encontramos, entre
outros, os produtos farmacêuticos, nomeadamente, medicamentos; aparelhos ortopédicos; cadeiras
de rodas; lentes de contacto; equipamentos e objetos especificamente concebidos para utilização
por pessoas com deficiência.
Tal implica um ónus de cumprimento acrescido para os sujeitos passivos que hajam
adquirido bens, compreendidos no âmbito de dedução, em estabelecimentos generalistas
como, p. ex., hipermercados, uma vez que terão que ser eles próprios a proceder à
“classificação” de tais faturas no sistema informático. O mesmo acontece relativamente a
despesas cuja dedutibilidade depende de específica prescrição médica.
Por último, assinalar que são considerados como despesas elegíveis, para este
efeito, os prémios pagos em razão de seguros de saúde e outros pagamentos feitos a
determinadas entidades visando o mesmo fim (art.º 78.º - C, n.º 1, al. b).
Estas deduções estão previstas no art.º 78.º-D. Trata-se também de uma dedução
variável, calculada por aplicação de uma percentagem ao valor das despesas elegíveis
(30%), com um limite máximo.
134
reconhecidos, bem como as despesas com manuais e livros escolares. À semelhança
do que acontece relativamente às despesas com saúde, a comunicação da existência
destas despesas será, em princípio, feita pelos prestadores de tais serviços através do
e-fatura.
A opção não é neutra, desde logo pela previsão de valores máximos para as deduções à coleta,
o que não acontece na categoria B quando a matéria coletável é quantificada com base em
contabilidade organizada. Para nós, a educação/formação ao longo de toda a vida é, nos dias de
hoje, uma evidente exigência empresarial, sendo que tal formação não pode ser vista de forma
restrita, ou seja, limitada a aprendizagem circunscrita à atividade económica que, em determinado
momento, o sujeito passivo exerce.
135
previstas, ainda que só relativamente a contratos celebrados até determinada data (al.
b) a d) do n.º 1), as quais, obviamente, não são cumuláveis com a relativa a rendas.
Há que notar que os limites máximos de dedução que a lei prevê são
aumentados, por aplicação de fórmulas algo complexas, quando estejam em causa
sujeitos passivos situados nos primeiros escalões de rendimento (n.º 4 e 5).
A proteção fiscal, neste imposto, às pessoas com deficiência 419 não se reduz à
dedução à coleta que acabámos de analisar.
No que aqui concerne, temos (art.º 87.º) que existem deduções fixas, relativas
aos sujeitos passivos, aos dependentes e aos ascendentes (estes quando vivendo em
economia comum com o sujeito passivo e sejam carenciados de recursos próprios).
Está ainda prevista, no número 7 desta norma, mais majorações, relativas a deficientes
profundos e deficientes das Forças Armadas.
É também dedutível, sem limites (em exceção ao previsto no art.º 78.º-D), uma
percentagem das despesas de educação e reabilitação dos sujeitos passivos e seus
dependentes deficientes, bem como uma percentagem dos prémios pagos por seguros
418
É patente uma incoerência que seria de reparar: existe este “apoio fiscal” às despesas decorrentes do
internamento em lares de familiares colaterais, mas não existe igual tratamento caso o sujeito passivo
coabite com tais parentes.
419
As que apresentem um grau de incapacidade permanente, devidamente atestado, igual ou superior a
60%
136
de vida ou contribuições pagas a associações mutualistas que garantam
exclusivamente os riscos de morte, invalidez ou reforma por velhice420, com limites.
Compreende-se esta disposição, que visa prevenir “abusos” que ocorriam com alguma
frequência422: p. ex., filhos maiores de 25 anos, em situação de dependência económica, que
obtinham a condenação dos pais (com o “consentimento” destes) no pagamento de pensões de
alimentos, de forma a permitir a estes aproveitar desta dedução. Mas não podemos deixar de
apontar os resultados absurdos em que se pode projetar: p. ex., será dedutível uma pensão paga a
um irmão mas não a um filho com mais de 25 anos, igualmente carenciado.
O regime das pensões de alimentos gizado pela Comissão de Reforma, em 2014, acabou, em
resultado de vicissitudes próprias do processo legislativo, por resultar distorcido.
Ora, como veremos adiante, por um lado, existem valores máximos dedutíveis para o conjunto
da maioria das deduções personalizantes, pelo que, em muitos casos esta (e outras deduções) não
poderão ser efetivadas, mesmo que apenas em parte. Por outro lado, na esfera do beneficiário, a
tributação poderá não acontecer, ou acontecer apenas parcialmente, em virtude do disposto no
art.º 53.º n.º 1, segundo o qual aos rendimentos brutos da categoria H de valor anual igual ou
inferior a (euro) 4 104 deduz-se, até à sua concorrência, a totalidade do seu quantitativo por cada
titular que os tenha auferido.
420
Os prémios de seguros ou determinados pagamentos equivalentes, relativos à saúde, são, como
vimos, dedutíveis nos termos do art.º 78:º-C.
Os prémios dos seguros de vida deixaram, em geral, de originar direito a dedução, salvo os
contraídos por deficientes ou profissionais de “desgaste rápido”.
421
P. ex., ascendentes carecidos que habitem com o sujeito passivo.
422
Ainda que num quadro legislativo diferente, mais propiciador de abusos.
423
:::::::::::::
137
Num exemplo: alguém, divorciado, com três filhos (que passaram a integrar o agregado do
outro ex-cônjuge, que exerce as correspondentes responsabilidades parentais), paga a cada um
deles uma pensão mensal de 800 euros. Teria, em teoria, direito a uma dedução à coleta de 5.760
euros (20% x [(800 x12) x 3]. Mas, na realidade, poderá não conseguir efetivar qualquer dedução,
como vimos. Também não terá direito a aproveitar de qualquer dedução relativa a dependentes,
uma vez que estes não integram o seu agregado familiar.
Por seu lado, aquele que tem a guarda dos filhos, será sujeito de uma obrigação de imposto de
3.2797,60 euros - 20%424 da diferença entre o total das pensões recebidas pelos seus dependentes
(9.600 x 3) e as deduções específicas a elas aplicáveis (4.104 x 3)425.
Isto quando, caso permanecessem casados, o sustento dos filhos não daria, obviamente, lugar a
qualquer facto gerador de imposto.
Haveria, pois, que rever este sistema, recuperando-se a ideia da neutralidade na tributação das
pensões proposta pela Comissão de 2014, ainda que, eventualmente, com alterações.
Esta dedução foi alargada (agora com a natureza de benefício fiscal) à aquisição
de passes para a utilização de transportes públicos (n.º 3).
424
Taxa especial aplicável a estas pensões, nos termos do art.º 72.º, n.º 9.
425
Art.º 53.º, n.º 1.
426
Ver infra:::::::::::::
138
deduções à coleta são também uma forma (entre as muitas possíveis) de concretizar a
concessão de benefícios fiscais427.
O valor do limite global decresce à medida que seja mais elevado o rendimento
tributável dos sujeitos passivos.
Discordamos frontalmente da existência desta limitação global do valor dedutível à coleta do IRS
porquanto:
- a limitação da perda de receita resultante das deduções deveria ser assegurada (apenas) pelos
“máximos dedutíveis” que a lei fixa relativamente a cada um dos tipos destas despesas..
- esta outra limitação não visa a realização da justiça social (estão em causa despesas que, por
definição, são essenciais para todos), mas é sim uma forma encapotada (porque não refletida na
tabela das taxas gerais) de se lograr um significativo aumento da progressividade do imposto.
- a maior receita assim gerada tem como contraponto um aumento, muito mais significativo, da
despesa pública. Basta pensar que os sujeitos passivos mais afetados por estes limites são os que
têm maior possibilidade (os únicos que têm possibilidade, provavelmente) de satisfazer necessidades
427
Pelo que, a nosso ver, seria mais correta a sua previsão no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
428
Para maiores desenvolvimentos, Casalta Nabais, O Dever Fundamental…, pp. 633 ss.
429
Teresa Soares Gomes, «PPR, PPE e PPR/E».
430
Exemplo, Lei de Liberdade Religiosa (Lei nº 16/2001, de 22 de junho).
139
essenciais, como a saúde e a educação, com recurso a prestadores do sector privado.
Diminuída assim a comparticipação fiscal em tais despesas 431, serão obrigados (ou, pelo menos,
estimulados) a recorrer aos serviços públicos (vg. SNS, escola pública), originando uma despesa (que
é igual ou quase igual ao do custo do serviço) de valor muito superior à que resultaria possibilidade
de dedução à coleta do IRS de parte do valor pago a prestadores privados. Isto quando são
conhecidas as dificuldades do sector público, nomeadamente do SNS, em responder eficazmente à
procura, de cumprir com as exigências constitucionais que sobre ele impendem.
O que até se compreendia, porquanto um dos aspetos essenciais das convenções é a limitação da
pretensão tributária do país da fonte, que deixa de poder tributar os rendimentos aí auferidos por
residentes do outro Estado por aplicação integral da respetiva legislação, apenas o podendo
continuar a fazer nas condições e dentro dos limites (p. ex., as taxas máximas de retenção na fonte)
previstos, para cada tipo de rendimento, na Convenção aplicável ao caso.
431
Ou mesmo excluía relativamente a alguns tipos de despesas: pense-se num agregado familiar cujos
rendimentos só permitem deduções até um total 1.000 euros (al. c) do n.º 7 do art. 78.º) e que tenha
tido despesas de saúde que confiram o direito a uma dedução nesse mesmo valor (art. 78.º- C, n.º 1).
Para esta família, as demais deduções, nomeadamente as relativas a despesas de educação, “não
existem”.
432
Obra de referência, entre nós, continua a ser a de Manuel Pires, Da Dupla Tributação Jurídica
Internacional sobre o Rendimento. Mais recentemente, Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal
Internacional.
140
económica (o desejo de eliminar o obstáculo que a dupla tributação cria à legítima atividade dos
seus residentes no estrangeiro). Assume-se como objetivo a neutralidade fiscal na exportação, ou
seja, que o rendimento de um dado sujeito passivo ficará sujeito ao imposto do seu país de
residência ou sede, independentemente de ter sido obtido, total ou parcialmente, noutros países433.
Pelo que a posição dos países mais desenvolvidos tem evoluído no sentido de,
enquanto país da residência, procederem unilateralmente à eliminação da dupla
tributação internacional434.
Há que sublinhar, de novo, o seguinte: sendo aplicável uma Convenção sobre dupla tributação,
cessa a aplicação do disposto nas normas internas, em razão da prioridade de aplicação (da posição
superior que ocupam na hierarquia das normas) das regras constantes do direito internacional
convencional437. Para além de ser face ao texto convencional que se deverá, então, apreciar da
legitimidade de cada um dos Estados para tributar um determinado rendimento, o método a ser
utilizado pelo Estado da residência para a eliminação da dupla tributação internacional será o
consagrado nessa convenção.
Significa isto que caso esteja previsto o método de isenção ou o da imputação integral 438, não
haverá lugar à aplicação do disposto no artº 81º. No primeiro caso, os rendimentos obtidos no outro
país contratante estarão isentos de tributação em Portugal439; no segundo, o imposto pago no
estrangeiro será deduzido à coleta do IRS, sem limites.
433
Para maiores desenvolvimentos, Rui Duarte Morais, Imputação…, pp. 146 ss.
434
O que coloca em crise o interesse (especialmente por parte dos países menos desenvolvidos,
predominantemente “países da fonte”) das convenções sobre dupla tributação.
435
Sobre este método, Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pp. 748 ss.
436
O nº 2 do artº 81º estipula que quando existir uma convenção sobre dupla tributação entre Portugal
e o país de origem dos rendimentos, a dedução não pode ultrapassar o valor do imposto que, nos
termos de tal convenção, o país da fonte poderia cobrar. O que bem se compreende: um dos principais
efeitos das convenções é, como vimos, limitar a tributação pelo país da fonte, em “contra- partida” da
eliminação da dupla tributação pelo país de residência. Se, por alguma razão a tributação no país da
fonte excedeu o previsto na convenção, cessa a “disponibilidade” do nosso país para assumir o encargo
de deduzir ao seu próprio imposto o montante pago em excesso no estrangeiro. Sobre uma situação
deste tipo o Ac. CAAD::::::::::
437
Por todos, J. Casalta Nabais, Direito Fiscal, pp. ::: ss
438
Podendo ser considerados para determinação da taxa aplicável aos demais rendimentos no caso de o
método previsto na convenção ser o da isenção com progressividade. Cf. Alberto Xavier, Manual…, p.
229.
439
Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pp. 743 ss. Portugal, enquanto país de residência,
raramente aceitou a aplicação deste método nas convenções que celebrou. Veja-se Maria Margarida
Cordeiro Mesquita, As Convenções …, pp. 293 ss.
141
16.6. Deduções por pagamentos já efetuados
17. Pagamento
O pagamento do IRS acontece por diferentes vias, desde logo consoante as categorias
em que se insere cada um dos rendimentos do sujeito passivo.
142
tenha condições para tal. O que é suposto acontecer quando esta seja um sujeito
passivo com contabilidade organizada (p. ex., as sociedades; os empresários em nome
individual a partir de um determinado volume de negócios), uma vez que ela implica a
existência de uma estrutura com capacidade para dar cumprimento a tal tipo de
obrigações (desde logo, a feitura de uma contabilidade organizada tem de ser da
responsabilidade de um técnico oficial de contas). Ou seja, não é apenas a natureza
dos rendimentos, mas também as circunstâncias (fiscais) da entidade remuneradora
que determinarão se a retenção na fonte deve ou não ter lugar.
– se o arrendatário de um prédio for uma sociedade, esta deverá proceder a uma retenção na
fonte de parte do montante das rendas pagas ao senhorio; mas se o arrendatário for uma pessoa
que utiliza a casa para habitação, não haverá lugar a retenção;
441
Distinção usual mas não isenta de críticas. Veja-se Casalta Nabais, Direito Fiscal, pp. ::::::
442
O que não exclui a legitimidade do substituído para intervir num procedimento ou processo
tributário, sempre que provem ter para tal interesse legalmente protegido (cf. artº 65º da LGT e artº 9º,
nº 1, do CPPT). Será o caso, p. ex., de o substituto ter procedido (e entregue ao Estado) a uma retenção
na fonte (de caráter liberatório) excessiva.
143
– o da generalidade dos rendimentos auferidos em Portugal por não-
residentes, o que se mostra perfeitamente correto, uma vez que, para eles, o IRS não
pretende ser um imposto pessoal, antes se limitando a efetuar uma tributação de tipo
real (portanto, a taxas proporcionais, liberatórias) dos rendimentos cuja fonte se
considere situada no nosso país.
-os rendimentos obtidos por residentes sujeitos a taxas liberatórias (a maioria dos
rendimentos de capitais).
Nestes casos, o substituto, para além ter que dar cumprimento a algumas obrigações
acessórias, tem o dever de proceder à retenção na fonte, entregando tal importância
ao Estado, a qual passa a constituir um crédito relativo ao imposto devido por esse
contribuinte. Caso as retenções não tenham tido lugar ou tenham sido de montante
inferior ao que resultaria da correta aplicação da lei, cabe ao substituído a
responsabilidade originária pelo montante não retido 444 e ao substituto a
responsabilidade subsidiária. Porém, porque a infração fiscal foi cometida pelo
substituto, este será o responsável pelos juros compensatórios 445 e sanções a que deva
haver lugar.
443
As Convenções reconhecem aos Estados contratantes a possibilidade de tributar determinados
rendimentos, mas não obrigam a que tal aconteça. A tributação será a prevista na lei interna de cada
Estado, não podendo, porém, relativamente ao Estado da fonte, exceder o limite máximo aplicável
fixado na Convenção relativo a esse tipo de rendimento. Como o Estado da fonte tende a tributar todos
os rendimentos aí gerados e a taxa prevista na sua lei interna é, normalmente, superior ao limite
previsto na Convenção, na prática a tributação dos rendimentos de residentes no outro Estado
contratante é feita pela taxa correspondente ao limite convencional. Tal gera o erro comum de se
pensar que as Convenções fixam as taxas do imposto a serem praticadas pelo Estado da fonte.
444
O que se compreende, pois nenhum prejuízo económico daí resulta para o substituído, que recebeu
mais do que devia. Note-se que a obrigação de imposto do substituído tem como limite o valor por ele
recebido em excesso.
445
São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a
liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar
antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária; são também devidos
quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido (cf. artº
35º da LGT).
144
reter são diversas. Relativamente aos rendimentos das categorias A e H (artº 99º), o
legislador assume que, na maioria dos casos, corresponderão à totalidade ou quase
totalidade dos rendimentos sujeitos a englobamento. Daí que o montante a reter, nos
casos – que são a generalidade – em que tal obrigação existe, resulte da aplicação de
várias tabelas, diferentes para as duas categorias e, relativamente a cada uma delas,
consoante a situação concreta do sujeito passivo, nomeadamente se pode optar pela
tributação conjunta (e, naquele caso, se ambos ou só um dos titulares aufere
rendimentos englobáveis), o número de dependentes, se é ou não deficiente, etc. 446
447
.
Tais tabelas são aprovadas, em cada ano, por despacho do Ministro das Finanças 448. Na sua
construção deverá ser tido em conta o rendimento anual esperável (e, portanto, a taxa média
aplicável), a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos, as deduções específicas e as deduções
à coleta a que, previsivelmente (numa análise “estatística”), haverá lugar449.
O objetivo é conseguir que, na maioria dos casos, o montante retido se aproxime do valor total
do imposto a pagar, de forma a evitar que o contribuinte seja onerado com novo pagamento
significativo e não haja, sistematicamente, lugar a reembolsos.
Os montantes retidos na fonte devem ser entregues ao Estado pelo substituto até ao dia 20 do
mês seguinte (artº 98º, nº 3). A retenção é dispensada relativamente a rendimentos de baixo
446
Cabendo ao beneficiário de tais rendimentos fornecer à entidade devedora os elementos necessários
sobre a sua situação pessoal e familiar. Trata-se de um ónus, pois se o beneficiário não fizer a
declaração, a retenção será feita segundo a tabela aplicável aos “não casados“ (“não casados sem
dependentes”, no caso de rendimentos da categoria A), ou seja, pela taxa mais gravosa aplicável a esse
quantitativo de rendimentos (Cf. artº 6º, nº 1, do DL nº 42/91, de 22 de janeiro).
Porém, existe obrigação de comunicação à entidade devedora de qualquer alteração da
situação pessoal ou familiar de que resulte que a retenção na fonte deva passar a ser feita a taxas
superiores (p. ex., divórcio, um filho deixar de ser, fiscalmente, considerado como dependente, etc.).
Muitos são os contribuintes que preferem que lhes seja efetuada uma retenção excessiva, por
saberem que, a final, terão um montante elevado de imposto a pagar (p. ex., serem titulares de mais
rendimentos da categoria A, pagos por outras entidades). Ou seja, contribuintes que preferem ir
pagando mensalmente mais do que aquilo a que estariam obrigados, de forma a evitarem que o
montante em dívida a final resulte demasiado elevado. A lei facilita esta prática, permitindo que os
sujeitos passivos possam solicitar às entidades devedoras a prática de retenções na fonte calculadas por
uma taxa por eles indicada (naturalmente, desde que superior à que resultaria legalmente aplicável) –
cf. artº 7º, nº 2, do mesmo diploma.
447
Cfr., ainda, o art.º 100.º relativo às retenções na fonte a efectuar em rendimentos do trabalho
dependente que compreendam montantes variáveis.
448
::::::::::::::
449
::::::::::::::::::
450
O que coloca a questão de um excesso de retenção sempre que, em resultado dos custos necessários
à atividade, haja uma grande discrepância entre rendimentos brutos e rendimentos líquidos, questão
esta que já deixámos aflorada. Precisamente por esta razão, a lei prevê alguns casos em que a retenção
poderá incidir apenas sobre 50% do valor dos rendimentos: médicos de patologia clínica, médicos
radiologistas e farmacêuticos analistas clínicos (artº 10º do DL nº 42/91, de 22 de janeiro).
145
valor451, a rendimentos isentos (na proporção da isenção, sendo esta parcial)452, e é reduzida
quando o credor goza de benefícios fiscais de natureza pessoal453.
Isto sem ignorar que nos impostos periódicos se tributa o rendimento obtido ao longo de um
ano, e que a determinação da dívida de imposto se faz – convencionalmente por referência ao último
dia do ano.
O mesmo é dizer que todas as entregas feitas ao longo desse período tributário (do ano “em
curso”) assumem um caráter provisório (de pagamentos a serem creditados numa presumível, mas
ainda não confirmada, dívida). Também as retenções na fonte que não correspondem a taxas
liberatórias) têm este mesmo caráter de “provisoriedade”.
146
O valor desses pagamentos é calculado com base nos últimos dados disponíveis
sobre a atividade do contribuinte, ou seja, os do penúltimo ano 456. O total dos
pagamentos por conta corresponderá a uma percentagem do valor que lhe serviu de
referência, e é entregue em três prestações iguais (que se vencem nos meses de julho,
setembro e dezembro).
O montante total dos pagamentos por conta apura-se pela seguinte fórmula (artº 102º, nº 2):
C x RLB – R RLT
sendo que [relativamente ao ano de referência (penúltimo)]: C = coleta (consideradas, já, a maioria
das deduções à coleta); R = total das retenções na fonte sobre os rendimentos da categoria B; RLB =
rendimento da categoria B; RTL = rendimento líquido total.
Ou seja, grosso modo, esta fórmula conduz-nos a apurar a percentagem que, na dívida total de
imposto desse contribuinte, é de imputar a rendimentos da categoria B; deduzido o montante pago
através de retenções na fonte relativas a esta categoria, temos o “remanescente” da dívida de
imposto. Os pagamentos por conta deverão corresponder, hoje, a 76,5% deste valor.
455
E também os que obtenham rendimentos das categorias A e H, opcionalmente, quando as entidades
pagadoras não estejam sujeitas à obrigação de retenção na fonte (p. ex., entidades não residentes sem
estabelecimento estável em Portugal). Trata-se de uma possibilidade de fracionar o pagamento do
imposto, ainda que antecipando-o em parte.
456
:::::::::::::
147
Para obviar a estas situações, a lei permite que o sujeito passivo suspenda os
pagamentos por conta ou reduza o valor das respetivas prestações quando constate
que o montante das retenções na fonte que já lhe foram feitas (no ano em curso 457)
mais, eventualmente, as importâncias já entregues a título de pagamentos por conta
(as prestações já pagas) excedem o imposto total devido (ou o excederiam, caso
entregasse o montante total de nova prestação) –art.º 102.º, n.º 4 e 5.
457
Note-se que o valor total das retenções na fonte não depende apenas do montante recebido mas,
também, de quem o paga. Num exemplo, um advogado que no penúltimo ano faturou um determinado
valor, mas cujos clientes não eram obrigados a proceder a retenções na fonte (p. ex., “particulares”
envolvidos em processos não conexos com uma sua atividade empresarial) e que, no ano em curso,
faturou montante semelhante mas a sociedades comerciais, as quais retiveram parte do valor pago.
458
Por estarem em causa previsões, entendemos que o sujeito passivo que, em virtude de erro no
cálculo dos pagamentos por conta que efetuou, seja obrigado a pagar juros compensatórios (e por
maioria de razão aqueles cujo valor entregue se situe dentro da margem de erro que a lei prevê), não
incorreu (salvo situações manifestamente “abusivas) na prática de uma infração fiscal.
148
O valor ainda em dívida deve ser pago dentro do prazo indicado em tal
notificação, por regra nos 30 dias seguintes à data em que se presume recebida 459. Se
tal não acontecer, cabe à administração dar início ao respetivo processo executivo, em
ordem à cobrança coerciva.
149
A liquidação do imposto é da competência da administração fiscal, sendo feita, por
regra, com base na declaração dos sujeitos passivos, a ser apresentada, quando
exigível465, no prazo previsto no art.º 60.º466.
Com base nos dados constantes das declarações 470, a administração liquida o
imposto, notificando o contribuinte do respetivo resultado (do valor de imposto em
dívida471 e respetivo prazo de pagamento, ou do reembolso a ser, oficiosamente,
efetuado), o que faz através do envio da chamada nota demonstrativa da liquidação,
processada informaticamente.
465
Ver art.º 58.º, relativo à dispensa de entrega de declaração.
466
Cabendo à administração suprir o incumprimento de tal obrigação, liquidando oficiosamente o
imposto nos termos das alíneas b) e c) do artº 76º.
467
Até porque se generalizou a apresentação das declarações por via eletrónica, embora continue a ser
possível, em alguns casos, a utilização dos meios tradicionais (art.º 61.º)
468
O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte
no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (artº 45º, nº 1, da LGT).
469
Obrigação que se tornou residual, uma vez que a maioria das despesas são inseridas no sistema e-
fatura pelos vendedores de bens e prestadores de serviços.
470
Que, por princípio, gozam de presunção de verdade e de boa-fé (artº 75º da LGT), o que implica que a
liquidação seja efetuada com base nos dados delas constantes, salvo se tal presunção for ilidida pela
Administração Fiscal.
471
Acrescido dos respetivos juros compensatórios se a liquidação tiver acontecido para além do prazo
legal por facto imputável ao sujeito passivo (cf. artº 35º da LGT, em especial os seus nº 8 e 9).
150
adicional de imposto472, e notificará o sujeito passivo para proceder ao pagamento em
falta.
De tal notificação constarão, para além do montante a ser pago a título de imposto e
de juros compensatórios, a fundamentação da decisão de alteração do rendimento declarado,
os meios de defesa e o prazo para reagir contra o ato notificado, bem como a indicação da
entidade que praticou o ato e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências
(artº 36º, nº 2, do CPPT).
472
Como deverá proceder a uma anulação oficiosa (parcial) da liquidação operada com base nos dados
constantes da declaração do contribuinte, quando verifique que, por incorreção dos mesmos, resultou a
exigência de um tributo superior ao devido. Tal constituiu um dever da Administração Fiscal – o que
poderá resultar equívoco dado o uso da forma verbal pode no artº 78º da LGT (revisão dos atos
tributários) – porque decorrência direta do princípio da legalidade dos impostos.
473
Ver Decreto Regulamentar n.º 1/2018, de 10/01/2018. Estão em causa os residentes (exceto os não
habituais) que apenas obtenham, para além dos sujeitos a taxas liberatórias, rendimentos do trabalho e
de pensões (que não de alimentos) e cujo valor das deduções a que têm direito seja do conhecimento
da AT, os quais constituem a maioria dos sujeitos passivos. É de supor que, com a expansão da
informação comunicada à AT por terceiros, este universo conheça, pelo menos a médio prazo,
significativo alargamento.
474
Na realidade, duas, quando estejam em causa sujeitos passivos que reúnam as condições para
optarem pela tributação conjunta. A apresentação das declarações correspondentes aos dois regimes
(tributação separada e tributação conjunta) destina-se, obviamente, a facilitar uma escolha consciente.
151
152
Existe a possibilidade de os sujeitos passivos de IRS decidirem que o equivalente a
0,5% do imposto por eles pago seja entregue a determinadas entidades.
Incompreensivelmente, a previsão dos possíveis beneficiários desta consignação
encontra-se repartida por diferentes diplomas475.
*****
475
Art.º 32.º, n.º 4, da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (igrejas e instituições religiosas;) art.º 32.º, n.º 6,
da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas
de utilidade pública); art.º 14.º, n.ºs 5 e 7, da Lei n.º 35/98, de 18 de julho (pessoas coletivas de utilidade
pública de fins ambientais); art.º 152.º do CIRS (Instituições culturais com estatuto de utilidade pública).
476
Mais de 4.000 em 2019.
477
Parte destas entidades, nomeadamente a Igreja Católica e as IPSS poderão também beneficiar da
restituição, total ou parcial, do montante equivalente ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA)
suportado em determinadas aquisições de bens e serviços (Decretos-Leis n.os 20/90, de 13 de janeiro,
e 113/90, de 5 abril).
153
ÍNDICE
2. Incidência pessoal
2.1. Residentes
2.8. Não-residentes
3. A unidade fiscal
4. Rendimento tributável
4.1. Conceito
5. As fases do imposto
6.2. Remuneração
154
6.6. Rendimentos não sujeitos a tributação
8. Rendimentos de capitais
8.3. Presunções
9. Rendimentos prediais
11. Mais-valias
155
11.5. Imóveis destinados a habitação permanente
12. Pensões
13. O englobamento
14. Taxas
17. Pagamento
156
157