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Rui Duarte Morais - Sobre o IRS

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IRS

Rui Duarte Morais


Professor C a t e d r á t i c o da Universidade Católica (Porto)

1
INTRODUÇÃO

1. A Reforma Fiscal dos anos oitenta

A entrada em vigor do CIRS foi, pela importância nuclear da tributação das pessoas
singulares, o principal momento da Reforma Fiscal1 dos anos oitenta2.

Tal processo legislativo iniciou-se em 1986, com a entrada em vigor do IVA, em


decorrência do processo de adesão à CEE então em curso, teve o seu momento alto
em 1988, com a aprovação dos Códigos do IRS, IRC e CA [Contribuição Autárquica]
(vigentes desde 1 de Janeiro de 1989), e continuou, ainda em 1989, com a entrada em
vigor do Estatuto dos Benefícios Fiscais3.

1.1. A exigência de uma reforma fiscal

A necessidade de reforma da tributação das pessoas físicas impunha-se desde,


pelo menos, a aprovação da Constituição, uma vez que esta dispõe, no seu [atual] artº
104º, nº 1, que a tributação do rendimento se fará por um imposto único e
progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
Ora, o sistema anterior não era, manifestamente, conforme às normas
programáticas da nossa “constituição fiscal”.

O sistema resultante da Reforma Fiscal dos anos sessenta 4 – levada a cabo sob a orientação de
Teixeira Ribeiro5 – assentava num conjunto de impostos cedulares, cada um deles incidindo sobre

1
Porque de uma verdadeira reforma fiscal se tratou. Com Paulo Pitta e Cunha, «A reforma fiscal dos
anos 80», p. 43, diremos: “embora, em certa perspectiva, possa considerar-se a reforma fiscal como um
processo em constante evolução, em que, ao longo do tempo, se vão introduzindo aperfeiçoamentos e
adequações no esquema dos impostos, o certo é que se assiste, em determinados períodos, a um
esforço consciente no sentido de operar uma remodelação global do sistema, concebido como um todo
dotado de coerência e ajustado a certos critérios orientadores, e fala-se, então, de reforma fiscal
reportada a certa data ou certa época”.
2
J. G. Xavier de Basto, «O IRS na Reforma Fiscal de 1988/89», págs 74 ss.; Manuel Faustino «Tendências
recentes da evolução do imposto sobre o rendimento pessoal», págs. 56 ss. AA 15 Anos da Reforma
Fiscal de 1988/1989 – jornadas de homenagem ao Prof. Doutor Pitta e Cunha, Almedina, 2005.
3
O projeto desta reforma acabou por não ser totalmente cumprido quanto à tributação do património
imobiliário pois, ao contrário do previsto, não foi aprovado o respetivo Código de Avaliações. Tal só veio
a acontecer (e de forma limitada, pois que só foram revistas as regras de avaliação dos prédios urbanos)
em resultado da aprovação, em 2003, do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis), o qual
substituiu o CCA. Veja-se Rui Duarte Morais, «Do Código da Contribuição Predial ao Código do Imposto
Municipal sobre Imóveis». De assinalar, ainda, a posterior aprovação da Lei Geral Tributária (DL nº
398/98, de 17 de Dezembro) e as sucessivas remodelações (que não verdadeiras reformas) do processo
tributário, que conduziram à aprovação, em 1991, do Código de Processo Tributário e, em 1999, do
Código de Procedimento e Processo Tributário.
4
Para uma primeira informação sobre os nossos anteriores sistemas fiscais, Luís Menezes Leitão,
«Evolução e situação da reforma fiscal».
5
J. J. Teixeira Ribeiro, «Reforma dos anos sessenta»; Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, págs. 529 ss

2
um tipo de rendimento (profissional, industrial, de capitais, predial, etc.). Num segundo momento,
alguns desses rendimentos eram sujeitos a outro tributo, o Imposto Complementar, o qual
procurava realizar um certo grau de pessoalização da carga tributária através da dedutibilidade de
algumas despesas socialmente relevantes e da aplicação de taxas progressivas. Ou seja, o sistema
não era único, pois os diferentes rendimentos eram objeto de tributação em impostos autónomos.
Nem era racionalmente progressivo, pois nem todos os rendimentos sofriam a incidência do Imposto
Complementar, e os rendimentos profissionais eram sujeitos a dois impostos com taxas progressivas
(o próprio Imposto Profissional e o Imposto Complementar).

Acresce que tal sistema se encontrava, há muito, abalado em alguns dos seus
elementos estruturantes essenciais (tinha deixado de ser um verdadeiro sistema), o
que, só por si, implicava a necessidade de uma reforma global.

1.2. A tentativa de criação de um imposto “único”

A inovação central introduzida pelo IRS residiu na tentativa de adoção de um sistema


de tributação global, caraterizado pela sujeição da totalidade dos rendimentos
individuais a uma única tabela de taxas escalonadas em progressividade, o que era tido
por determinante para a justiça do imposto, para a sua consonância com a real
capacidade contributiva dos sujeitos passivos individuais ou das famílias6.

Este modelo, dito de imposto único, era então corrente nos países
desenvolvidos, dando tradução ao pensamento dominante na doutrina fiscal do pós-
guerra7, muito embora na altura – segunda metade da década de oitenta – já fossem
evidentes os sinais de crise de tais conceções8.

Na realidade, o IRS não logrou uma real concretização da perspetiva unitária da


tributação, uma vez que os residentes 9 nunca tiveram a totalidade dos seus
rendimentos sujeita a um esquema racional de progressividade, em consonância com
a respetiva capacidade contributiva10. Segmentos importantes dos rendimentos de
capitais e das mais-valias ficaram excluídos do englobamento, sujeitos a taxas fixas,
proporcionais (taxas liberatórias ou taxas especiais), gozando, em alguns casos, de
benefícios fiscais que determinam a sua não tributação na maior parte dos casos. Se
6
Paulo Pitta e Cunha, «A unicidade do imposto no cerne da reforma fiscal».
7
Richard Musgrave, «A situação actual da teoria da tributação».
8
J. L. Saldanha Sanches, Princípios Estruturantes da Reforma Fiscal, págs 19 ss. Na década de oitenta do
século passado haviam acontecido, em vários países, importantes reformas fiscais (desde logo a do
sistema americano, a reforma Reagan) tendo como traços comuns uma significativa redução da
progressividade e o procurar compensar a perda de receitas daí resultante com um alargamento da base
tributável. Ou seja, quando a nossa lei procurou dar concretização ao modelo de tributação preconizado
pelo legislador constituinte uma dúzia de anos antes, este estava já em vias de abandono.
9
Como veremos adiante, o IRS só pretende ser um imposto pessoal relativamente aos residentes. Para
os não-residentes é um imposto real que incide, apenas, sobre os rendimentos que a lei considera
obtidos em Portugal.
10
Paulo Pitta e Cunha, «A unicidade…».

3
tivermos em atenção que tais rendimentos se concentram nos contribuintes de maior
capacidade contributiva e que as taxas liberatórias são, em geral, inferiores à taxa
marginal máxima a que estariam sujeitos se englobados, fácil é concluir que, na
realidade, o IRS é, em larga medida, regressivo (não garante uma autêntica equidade
horizontal da tributação), e conserva importantes caraterísticas dos sistemas
cedulares.

1.2.1. O facto de certas subcategorias de rendimentos continuarem sujeitas a


formas de tributação proporcional permite questionar se, realmente, foi cumprida a
exigência constitucional de um imposto único e progressivo 11. Não cabendo aqui
debater o tema da constitucionalidade do imposto – o qual tem que se considerar
como ultrapassado, ao menos no plano prático –, diremos que a realidade atual (cujos
traços essenciais se adivinhavam já em 1989) parece impor, como inevitável, que a
tributação dos rendimentos de capitais (incluindo algumas mais-valias) aconteça por
aplicação de taxas moderadas, fora do quadro de uma tributação progressiva, ou seja,
independentemente de uma consideração global da capacidade económica dos
respetivos titulares12.

1.2.2. A globalização, resultado do desenvolvimento tecnológico e, também, do


pensamento económico ora dominante, levou ao desmantelamento, pela maioria dos
Estados, das barreiras legais que antes limitavam a movimentação dos capitais,
gerando um mercado mundial sujeito a regras de concorrência quase perfeita. As
diferenças na tributação (tradução de decisões que permanecem, no essencial, na
esfera do legislador nacional) aparecem agora como o principal elemento
diferenciador da rendibilidade efetiva das aplicações de capital. Os impostos tornaram-
se, assim, elemento decisivo da capacidade de cada Estado para atrair investimento
externo e, mesmo, para conservar no seu território o capital aforrado pelos
residentes13. Importa reconhecer que as decisões sobre a tributação dos rendimentos
gerados pelos fatores de riqueza mais móveis acontecem sob um pesado défice de
soberania14.

11
Tal inconstitucionalidade foi afirmada, entre outros, por J. Teixeira Ribeiro, A Reforma Fiscal, e
Joaquim Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, pág. 1099. O Tribunal
Constitucional, chamado a pronunciar-se, não deu uma resposta conclusiva, invocando argumentos de
índole formal para se abster de conhecer o fundo da questão (Ac. nº 57/95, de 16 de fevereiro).
12
Veja-se a argumentação de Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, págs 594 ss., no
sentido de que toda e qualquer previsão de taxas liberatórias em sede de IRS não implica a sua
inconstitucionalidade.
13
Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades não Residentes Sujeitas a Um Regime Fiscal
Privilegiado, págs 17 ss.
14
J. L. Saldanha Sanches, «Soberania fiscal e constrangimentos externos».

4
1.2.3. Países que mais longe levaram a fórmula unitária do imposto (p. ex., do
norte da Europa) abandonaram tal sistema, consagrando, hoje, formas duais de
tributação em que coexistem um imposto progressivo sobre a generalidade dos
rendimentos com a tributação proporcional de certos rendimentos de capital (dual
income tax)15. O que foi saudado como constituindo uma verdadeira revolução fiscal 16.
Porém, tal não é, em muitos dos seus aspetos, mais do que o regresso a conceções
tributárias do passado, as quais, entre nós, nunca foram totalmente abandonadas.

1.2.4. Reconhecemos ser chocante o facto de titulares de elevados


rendimentos de capital serem tributados a taxas inferiores às aplicáveis aos que
auferem apenas modestos rendimentos de outra natureza, desde logo os resultantes
do trabalho.

Só que tal diferenciação é inevitável, sob pena de um quase total esvaziamento


da base tributária dos Estados que pretendam tributar os rendimentos de fatores
móveis a taxas mais elevadas que as praticadas pelos seus concorrentes fiscais (os
demais Estados) a nível internacional. A experiência portuguesa é elucidativa: em
2001, com invocação de [evidentes] razões de equidade, pretendeu-se proceder ao
englobamento das mais-valias resultantes da alienação de determinados valores
mobiliários (e, mesmo assim, através de um regime excecional em que apenas parte
do seu valor – variável em função do tempo de detenção dos respetivos títulos – era
sujeita a englobamento). A reação dos mercados foi de tal ordem que, mesmo antes
de ter acontecido uma mudança do quadro político, essa legislação foi alterada,
regressando-se, no essencial, ao anterior sistema de taxas liberatórias.

1.3. A “reforma” de 2015

Em 2014, foi elaborada uma proposta de revisão global17 do imposto, fruto do


trabalho de uma comissão independente nomeada para o efeito18.

15
Como bem assinala J. G. Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos
Líquidos, pág. 32, “quando os Estados enveredam por esta linha, com maior ou menor ênfase, terão já
ultrapassado as fronteiras do sistema de tributação de base alargada e a entrar num sistema de
tributação híbrido, que designamos por “sistema dual” na tipologia da OCDE, já que procede a um
tratamento dualístico entre rendimentos do capital e rendimentos do trabalho, que é típico desse
sistema”.
16
Sjbren Cnossen (org.), Towards a Dual Income Tax?
17
A expressão é do art.17.º da Lei n.º 82-E/2014.
18
Ver PORTUGAL, Projeto da Reforma do IRS – Uma reforma orientada para a simplificação, a família e
a mobilidade social, Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, setembro de 2014.

5
Embora o legislador não tenha feito suas todas as propostas da Comissão e
algumas das alterações aprovadas tenham sido posteriormente “revertidas” 19, facto é
que foram feitas modificações em dezenas de artigos, se procedeu a numerosas
adições e revogações, as quais, na sua esmagadora maioria, permanecem em vigor.

Tais alterações visaram, nomeadamente, reforçar a equidade na tributação, eliminando-se


diferenças injustificadas na imposição de rendimentos substancialmente idênticos, dar maior
tradução ao princípio da tributação do rendimento líquido, evitar que o imposto a pagar dependesse
da forma jurídica adotada (harmonização da tributação em IRS com a vigente em IRC 20) e reforçar
garantias dos sujeitos passivos21.

Centrando-nos nas alterações estruturais, porventura merecedoras do qualificativo de reforma


do imposto, que permanecem, há a salientar, em primeiro lugar, as relativas à unidade tributária,
nomeadamente a eliminação da obrigatoriedade de tributação conjunta dos casados e a profunda
revisão do conceito de residente, que analisaremos nos lugares próprios.

1.3.1 – Imposto semidual

A assunção do caráter semidual do imposto, que já era uma realidade 22, foi,
também, traço marcante da reforma de 2015.

Tal modelo aparece defendido como sendo uma resposta defensiva e


pragmática ao já referido problema da deslocalização dos fatores móveis de produção,
derivada da concorrência fiscal internacional.

Um imposto sobre o rendimento ser semidual significa, em primeiro lugar, que


nele coexistem, relativamente aos residentes, duas formas de tributação, as quais
apresentam como característica diferenciadora essencial o tipo de taxas a que estão
sujeitos determinados rendimentos: progressivas ou proporcionais23.

Assim, estão obrigatoriamente sujeitos ao primeiro tipo de tributação


(englobamento) os rendimentos do trabalho dependente (categoria A), os
rendimentos empresariais, incluindo os obtidos no exercício de atividades profissionais
por conta própria (categoria B), as pensões, (categoria H) e as mais-valias imobiliárias
(as incluídas na categoria G).

19
Caso do quociente familiar, que foi abolido no ano seguinte, tendo-se regressado ao modelo do
quociente conjugal.
20
Lembre-se que o IRC tinha sido objeto de reforma no ano anterior, pelo que a Comissão do IRS,
quanto a este tema, se limitou a um esforço de harmonização.
21
Mais desenvolvidamente, Rui Duarte MORAIS, «A reforma do IRS (2014: uma primeira reflexão»,
Cadernos de Justiça Tributária, n.º 7 (2015) pág. 3 ss.
22
Portugal, Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal – competitividade, eficiência e justiça do
sistema fiscal, pp. 196 ss.
23
Mais desenvolvidamente, Paula Rosado Pereira, Manual de IRS Almedina, 2018, p. 44 ss.

6
Relativamente aos rendimentos a que são aplicáveis taxas proporcionais,
cumpre distinguir entre os que estão sujeitos a taxas liberatórias e os que estão
sujeitos a taxas especiais. Elementos característicos da tributação feita através taxas
liberatórias são a incidência sobre rendimentos brutos e não haver lugar a obrigações
declarativas por parte dos contribuintes, uma vez que a cobrança é feita por
substituição fiscal total, por retenção na fonte, assumindo a entidade pagadora o papel
de sujeito passivo.

Já assim não acontece relativamente aos rendimentos sujeitos a taxas


especiais24, uma vez que a tributação incide sobre rendimentos líquidos e permanecem
as obrigações declarativas do contribuinte, que assume a condição de sujeito passivo.

A natureza semidual (e não dual, a qual corresponderia à coexistência de dois


regimes de tributação estanques entre si) do imposto resulta, desde logo, da
possibilidade, relativamente aos residentes, de opção pelo englobamento, ou seja, da
sujeição a taxas progressivas dos rendimentos que, de outro modo, estariam sujeitos a
taxas proporcionais.

Opção pelo englobamento que foi facilitada pela reforma de 2015, em mais
uma expressão da aceitação do carácter semidual do imposto: a opção passa a ser
feita por categoria de rendimentos e não, como antes sucedia, relativamente à
totalidade rendimentos (art.º 22.º, n.º 5)

1.3.2 As deduções à coleta num imposto semidual

Questão que não encontra resposta unânime é a de saber se as deduções à


coleta (art.º 78.º e ss) podem ser exercidas relativamente à originada por
rendimentos sujeitos a taxas especiais e, até, a taxas liberatórias.

Quanto a esta última situação, tal possibilidade parece resultar liminarmente excluída, uma vez
que não existe obrigação de declaração pelo contribuinte, melhor, da obtenção de tais rendimentos
não decorre uma relação jurídico-tributária em que seja parte o respetivo titular, aquele que teria o
direito a efetivar tais deduções. Ou seja, só optando pelo englobamento, pela exclusão do efeito
liberatório da retenção na fonte efetuada, é que será possível efetivar deduções à coleta.

Já não assim – pensamos – no caso das taxas especiais. Isto não obstante a generalidade dos
autores entender – mais implícita que explicitamente – que as deduções à coleta só são possíveis
relativamente à (fração) originada pelos rendimentos “englobados”.

Começaremos por notar que, relativamente aos rendimentos não sujeitos a taxas liberatórias,
não existem duas coletas de IRS, uma resultante da aplicação, a determinados rendimentos, de taxas
progressivas e outra resultante da aplicação, a outros, de taxas proporcionais. Só existe,
relativamente a um determinado sujeito passivo, uma coleta de IRS, ainda que a sua quantificação
possa envolver a aplicação de diferentes taxas consoante os diversos tipos de rendimento obtidos.

24
Referimo-nos genericamente, às taxas previstas nos art.º 72.º, pese embora as diferentes
designações com que surgem no corpo de tal norma e, ainda, algumas diferenças substanciais presentes
em alguns (poucos) casos.

7
Ora, é à coleta do IRS, estando em causa sujeitos passivos residentes que o art.º 78.º manda que seja
efetuadas as deduções em causa.

O entendimento de que as deduções à coleta podem ser feitas valer


relativamente ao imposto devido em razão da aplicação de taxas especiais parece o
mais conforme com o ditame constitucional do artº 104.º, n.º 1. Não sendo possível ou
desejável a sujeição de todos os rendimentos a taxas progressivas, tal não deve
significar que, por essa razão, deixem de ser tidas em conta, no possível, as
necessidades do agregado familiar, necessidades a que as deduções à coleta ora em
causa visam dar tradução. O legislador ordinário é livre de fixar as taxas de tributação
mas não pode ignorar as exigências de pessoalização que a Constituição impõe na
modelação deste tributo.

Este entendimento surge-nos reforçado pela natureza semidual do IRS que hoje
temos: não existem duas formas autónomas de tributação dos rendimentos
individuais, uma pessoal e outra real, como aconteceria num modelo dual; existem,
sim, elementos diferenciadores na tributação dos vários tipos de rendimento,
incluindo ao nível das taxas aplicáveis, mas tal deve ser feito com a derrogação mínima
possível do carácter de imposto único do IRS, ideal para que a nossa Constituição
inequivocamente aponta25.

2. Incidência pessoal

Como o seu próprio nome indica, os sujeitos passivos deste imposto são as pessoas
físicas. Há que começar por distinguir entre residentes e não-residentes, uma vez que,
para além de uma incidência diversa, a própria natureza do imposto é diferente em
cada um dos casos.

“”Residente e não residente estão sujeitos a regras fiscais perfeitamente


compartimentadas e distintas que modelam, inapelavelmente, toda a relação fiscal” 26.

Bastará, por ora, referir que os residentes são tributados numa base mundial
(pelos rendimentos auferidos em qualquer parte do mundo), a taxas progressivas
(ainda que só relativamente aos rendimentos englobados), têm direito a deduções que
traduzem elementos de pessoalização do imposto, enquanto os não residentes sofrem

25
No mesmo sentido, Rui Gonçalves, em conferência na Associação Fiscal Portuguesa/Porto,
deixou afirmado – bem, no nosso entender – que, nos termos da lei, não existe qualquer relação entre o
direito às deduções à coleta e a tributação às taxas gerais ou taxas especiais, sendo que a única
limitação está relacionada com a tributação dos não residentes; as deduções à coleta não podem ser
vistas como um “prémio” pela tributação às taxas gerais ou, a sua não consideração, como um “castigo”
pela tributação às taxas especiais.

26
Gustavo Lopes Courinha, A Residência…, p. 109,

8
uma tributação real limitada aos rendimentos que a lei considera terem fonte no
nosso país.

2.1. Residentes

A condição de residente supõe presença física, real ou presumida, no território de um


determinado Estado, a implicar uma ligação económica (mesmo que só ao nível do
consumo) e um certo grau de integração social (participação na vida da comunidade e,
portanto, o desfrute dos bens e serviços proporcionados por esse Estado).

A residência é, hoje, geralmente aceite como constituindo o elemento de


conexão que expressa a mais íntima ligação económica entre uma pessoa e um
Estado27. Tal legitima a tributação dos rendimentos dos residentes numa base mundial,
i. e., independentemente do local onde os mesmos sejam obtidos (worldwide income
principle).

Ser residente de um Estado implica, normalmente, ser aí sujeito a um imposto


sobre a globalidade do rendimento (incluindo o obtido fora das fronteiras), imposto
que, por regra, será pessoal (com taxas progressivas, deduções que procuram atender
às despesas socialmente relevantes efetuadas por essa pessoa e pelo seu agregado
familiar, etc.). Porque é estruturalmente diferente a situação tributária de um
residente e a de um não residente, compreende-se que lei possa associar
consequências fiscais à perda da condição de residente.

Assim, p. ex., perdendo o sócio a qualidade de residente, o artº 10º -A impõe o restabelecimento
do regime regra de tributação das mais-valias realizadas através de permutas de participações
sociais e outros negócios jurídicos semelhantes, tributação que se encontraria suspensa em razão do
regime de neutralidade fiscal de que, em geral, goza tal tipo de operações28.

2.1.1. A definição de residente é feita, unilateralmente, pela lei de cada Estado.

As convenções internacionais sobre dupla tributação aceitam tal competência


(reenviam para a lei interna dos Estados contratantes a definição de residente) 29,
27
A aceitação universal do princípio da residência, como elemento de conexão determinante na
delimitação do direito à tributação, expressa a crise do princípio da nacionalidade. Na verdade, a
nacionalidade dos sujeitos passivos, enquanto elemento de conexão pessoal, apenas assume relevo
significativo no ordenamento jurídico norte-americano. Este país sujeita a tributação os seus nacionais
não-residentes, mesmo quando não tenham rendimentos oriundos desse país (embora não haja,
normalmente, lugar a uma tributação efetiva significativa, apenas à obrigação de entrega de
declarações). No mais, a nacionalidade tem uma importância meramente secundária ao nível das
relações fiscais internacionais (cf. Rui Duarte Morais, A Imputação dos Lucros…, pp. 133 ss).

28
Para mais desenvolvimentos, Gustavo Lopes Courinha, A Residência no Direito Internacional Fiscal,
pág. 346 ss
29
Muito embora o nº 1 do artº 4º do MOCDE possa ser entendido como estabelecendo limites (de
natureza convencional, quando tal preceito figure na CDT aplicável) ao conceito de residência passível

9
limitando-se a estabelecer regras de “desempate” que permitem qualificar um
contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos
(por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal.

A aplicação das “regras de desempate” previstas numa determinada CDT apenas poderá ter
lugar perante uma situação de efetiva dupla tributação internacional, em casos em que os dois
Estados contratantes pretendem tributar alguém a título de residente. Tais regras não poderão ser
invocadas em situações em que, apesar de alguém poder ser considerado residente nos dois
Estados, à luz dos respetivos ordenamentos internos, um dos Estados se abstém de efetivar a
tributação a tal título. Veja-se o caso sobre que versou o Ac. do TCAN de 11-10-2012, rec. nº
103/06.8.

2.1.2. O CIRS considera residentes em Portugal (artº 16º, nº 1, al. a) e b)):

- os que hajam permanecido 30 no nossos país mais de 183 dias, seguidos ou


interpolados, num qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa
(critério da presença física);

- os que, tendo permanecido menos tempo, aqui disponham, num qualquer dia do
período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor a
intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual (critério da intenção de
residência)

O primeiro critério não parece oferecer dificuldades teóricas de monta, muito


embora haja que reconhecer as dificuldades práticas de num espaço de livre
circulação, como é o de Shengen, se conseguir controlar a presença física de alguém
em território nacional.

Maiores questões poderão suscitar-se na aplicação do segundo critério,


segundo o qual a condição de residente decorre da “intenção de residir“ 31, de manter e
ocupar determinado espaço como residência habitual.

Tal conceito “intenção” havia já sido dilucidado, no domínio da lei anterior, pela jurisprudência
do STA, que, em 24-02-2011, no rec. nº 0876/10 - louvando-se no pensamento de Manuel
Faustino32- considerou que “não podem ser havidos como residentes em Portugal aqueles,
nomeadamente os emigrantes, que dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como
sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião

de ser adotado pela lei interna de cada Estado, “impedindo a relevância internacional de critérios de
incidência subjetiva interna de cariz artificial”, como bem assinala Gustavo Lopes Courinha, A
Residência…, pág. 82.
30
A concretização deste conceito de permanência surge no n.º 2 do art. 16.º.
31
As “regras de desempate” previstas nas convenções consideram, também, um elemento de natureza
subjetivo no conceito de residência (não fazem derivar a qualidade de residente apenas da permanência
no território de um Estado durante a maior parte do período tributário em causa). A primeira de tais
regras, numa ordem de preferência na aplicação, é a do local da habitação permanente, o que parece
associar ao conceito de residente a vontade do sujeito passivo de residir em determinado Estado.
32
Manuel Faustino, «Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português».

10
das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. (…) A intenção que a lei exige não é uma
intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente (…)”.

A reforma de 2015 limitou-se, quanto a este ponto, a dar expressão legislativa a


tal entendimento jurisprudencial, acrescentando, no texto da norma, à palavra
intenção o qualificativo atual.

Porém, terá existido alguma infelicidade na menção a qualquer dia do período referido na
alínea anterior. Na realidade, a existência de uma habitação com vocação de residência habitual,
enquanto presunção de presença física continuada, implica intenção atual de residir, a qual deve ser
aferida relativamente ao momento em que haja que determinar a condição de residente,
normalmente o último dia do período em que ocorreu a obtenção dos rendimentos em causa.

Assim, por exemplo, aquele que, não preenchendo o critério da presença física, teve em
Portugal a sua residência habitual mas deixou de a ter antes do fim do período a que se referem os
rendimentos, porque decidiu deixar “definitivamente” o país, não pode - a nosso ver - ser
considerado residente, pois a sua intenção de residir não é atual mas sim do passado. Inversamente,
aquele que, também não preenchendo o critério da presença física, mantém e ocupa uma habitação
no fim do período a que se referem os rendimentos, deve ser considerado residente33.

Não iremos aqui desenvolver as outras hipóteses legais (al. c) e d) do nº 1 do


artº 16º), definidoras da condição de residente para efeitos fiscais, dado o âmbito
restrito dos respetivos campos de aplicação34.

Estão em causa presunções inilidíveis de residência relativas a tripulantes de navios ou


aeronaves e aos que desempenhem no estrangeiro funções ao serviço do Estado português (art.
16º, n.º 1, alíneas c) e d)) e uma presunção ilidível relativa àqueles que transfiram, sem razões
não fiscais relevantes, a sua residência para territórios de fiscalidade privilegiada (art. 16º, nº 6) 35,
os quais continuam a ser havidos por residentes no nosso país nesse ano e nos quatro seguintes,
salvo se, entretanto, transferirem a sua residência para um país com “normal” tributação do
rendimento.

Problemática é a equiparação dos deputados ao Parlamento Europeu a pessoas que


desempenhem, no estrangeiro, funções ou comissões de carácter público ao serviço do estado
português. Não sendo tais deputados representantes do estado português e não preenchendo, em
alguns casos, os requisitos substantivos que definem a qualidade de residente para efeitos fiscais

33
A lei anterior era clara em prever que a “habitação em condições que façam supor a intenção de a
manter e ocupar como residência habitual” tinha que existir no último dia do ano civil. Talvez para
prevenir consequências indesejáveis de tal norma, à no quadro da lei anterior (veja-se o ac. arbitral:::::)),
o legislador aboliu a referência uma concreta data. Só que se terá esquecido que o tipo de situações em
causa passou a ter um tratamento fiscal diferente em resultado da adoção do sistema da “residência
parcial”, que a seguir referiremos.
34
Sobre esses outros critérios, Manuel Faustino, «Os Residentes…», pp. 128-130; Susana Estêvão
Gonçalves, «Residência fiscal em IRS», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 8 (2015), p.23-31

Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.9 n.3 (Outono 2016), p.133-154
35
Rui Duarte Morais, A Imputação…, pp. 174 ss

11
(presença física, intenção de residir, referidas ao período em causa) é difícil descortinar a
legitimidade de Portugal para os considerar seus residentes36.

Note-se, por último, que a perda de condição de residente fiscal resulta do não
preenchimento das condições previstas na lei, não sendo necessária a prova da
aquisição de tal qualidade em outro país37.

2. 2 – A residência parcial38

Estão em causa os sujeitos passivos que, no decurso de determinado ano civil, passem
ou deixem de residir em Portugal, situações cada vez mais frequentes em razão da
crescente mobilidade internacional, nomeadamente dos colaboradores de grupos
internacionais.

Anteriormente à reforma de 2015, a condição de residente era,


necessariamente aferida relativamente à totalidade de um ano civil.

Assim, p. ex., aquele que deslocasse a sua residência para Portugal em outubro
de determinado ano seria havido como não residente relativamente aos rendimentos
auferidos ao longo de todo esse ano. Inversamente, aquele que deixasse de residir em
Portugal nesse mesmo mês de outubro seria havido como residente relativamente a
todo esse ano.

O fracionamento da residência (ou seja, a possibilidade de alguém, num mesmo


ano civil, ser havido como residente em dois estados, sendo tributado por cada um
deles, na condição de residente, relativamente aos rendimentos auferidos apenas
numa parte desse ano) estava já prevista em Convenções celebradas por Portugal, por
corresponder à solução preconizada pela OCDE39.

No atual regime legal, a condição de residente «adquire-se» no dia de chegada


a Portugal e «perde-se» no último dia de permanência. Porém, tal aquisição está
sujeita a condição resolutiva, pois apenas se efetivará se, nos doze meses seguintes ao
da chegada, se mostrarem preenchidas as condições, previstas no n.º 1 do art.º 16.º,
definidoras de residente. O mesmo acontecerá inversamente, relativamente à perda
de condição de residente no dia da “partida”,

36
Manuel Faustino, «IRS – Reforma Fiscal – incidência subjetiva». Revista de Finanças Públicas e Direito
Fiscal, ano VIII, n.º1, pp 140 ss.
37
José Calejo Guerra, «A (não) residência fiscal no código do IRS e os seus requisitos : do conceito legal à
distorção administrativa», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 6 (2014), p.16 ss.
38
Desenvolvidamente, Pedro ROMA, Residência fiscal parcial em IRS, Almedina, 2018.
39
Ver comentário 10 ao art.º 4º do MOCDE.

12
Assim sendo, a operacionalidade do sistema assentará, num primeiro
momento, nas declarações do sujeito passivo, o qual, nos termos do art.º 19.º, n.º 5 da
LGT, é obrigado a comunicar à AT, no prazo de 60 dias, as alterações no seu estatuto
de residência. O que nos parece perfeitamente coerente com o princípio da
declaração que hoje subjaz a todos os sistemas fiscais modernos.

Nas situações de “residência parcial”, o sujeito passivo, relativamente ao


período do ano em que é considerado residente em Portugal, deve declarar os
rendimentos obtidos quer no nosso país, quer no estrangeiro. Relativamente ao
período do ano em que é considerado não residente em Portugal, apenas deve
declarar os rendimentos que, para efeitos de IRS, sejam considerados obtidos em
território nacional, quando exista obrigatoriedade de declaração (rendimentos não
sujeitos a taxas liberatórias). Ou seja, haverá lugar, nestes casos, a duas diferentes
declarações.

O sistema da residência parcial tem sido alvo de críticas40, parte delas dirigidas às normas
preventivas de eventuais abusos que o legislador decidiu aditar ao texto proposto pela Comissão 41.
Reconhecemos que tais normas são, em alguns pontos, de difícil interpretação, por vezes
“repetindo” o que já resultaria de outras prescrições legais, para além de contrariarem a “filosofia”
subjacente ao sistema da residência parcial, pois permitem, com claro intuito de prevenir “perda” de
receita, como que a “reposição “ do sistema anterior (aferição da condição de residente
relativamente a um ano civil).

Independentemente da validade de tais críticas – que não cumpre aqui apreciar, até
pela natural falta de elementos jurisprudenciais –, temos por seguro que o atual sistema
resulta mais coerente com a legitimidade que aos estados é reconhecida relativamente à
tributação, numa base mundial, dos seus residentes. Tal legitimidade só existe relativamente
ao período de tempo em que aconteça a ligação, essencialmente física, a um determinado
estado subjacente ao conceito de residente.

2.3 – Abolição do princípio da atração da unidade familiar

A reforma de 2015 pôs fim ao chamado princípio da atração da unidade familiar,


segundo o qual bastava a residência em Portugal de um dos cônjuges para se
presumirem residentes no nosso país todos os membros do agregado familiar. Estão
em causa situações frequentes: bastará pensar nos casos em que o marido emigra,
permanecendo a mulher e os filhos no nosso país.

Tal regra, contraditória com o texto das convenções sobre dupla tributação celebradas por
Portugal, havia dado origem a vasta polémica, doutrinal e jurisprudencial, uma vez que originava
frequentes situações de “dupla residência”: a pessoa em causa era considerada residente no estado
onde estava presente durante a maioria do ano em causa, mas era também considerada residente
em Portugal em razão da permanência no nosso país do respetivo agregado familiar.

40
Nomeadamente de Manuel Faustino, «IRS – Reforma Fiscal – incidência subjetiva», p 136 ss.
41
Está em causa o constante dos n.º 14 a 16 do art.º 16.º.

13
Impunha-se assim a abolição de tal presunção, o que foi feito pelo atual n.º 5 do art.º 16.º: a
residência é aferida em relação a cada membro do agregado familiar.

2.4. Residentes não habituais

Os nº 8 a 12 do artº 16º consagram um regime fiscal especial para os designados


residentes não habituais42.

Com este regime – semelhante aos que existem em vários outros países 43 –
procura-se atrair a Portugal indivíduos de elevados recursos económicos, que,
precisamente por essa razão, têm grande mobilidade internacional e são
particularmente sensíveis à tributação que suportam no país onde residem 44 e,
também, determinados trabalhadores (dependentes e independentes) que pretendam
exercer, mesmo que por tempo limitado, a sua atividade em Portugal.

Têm acesso a este regime, por um período máximo de dez anos, aqueles que
(independentemente da sua nacionalidade), não tendo sido, nos últimos cinco anos,
residentes no nosso país, optem por aqui estabelecer a sua residência (passem a
preencher os pressupostos de tal condição, tal como definidos no CIRS).

Os traços gerais do sistema são os seguintes: a) isenção de tributação de


rendimentos de fonte estrangeira45; b) tributação por aplicação de uma taxa
proporcional (mais baixa46) de alguns rendimentos auferidos em Portugal; c) tributação
segundo as regras gerais dos restantes rendimentos47.

A isenção de tributação por Portugal, enquanto país da residência, dos


rendimentos de origem estrangeira é condicionada ao facto de os mesmos serem
passíveis de tributação (subject to tax) no país da fonte (categorias A [artº 81º, n.º 4] e

42
Ricardo da Palma Borges / Pedro Ribeiro de Sousa, «O novo regime fiscal dos residentes não
habituais»; Rui Nascimento e outros, «O novo regime fiscal do residente não habitual»;
43
Tiago Cassiano Neves, «Apontamentos sobre o tratamento fiscal de expatriados em Portugal e na
Europa».
44
Rui Nascimento/Tiago Machado Graça/Marcos Ramos, «O novo regime fiscal do residente não
habitual : o contribuinte volátil e o headhunting fiscal na captação de investimento», Os 10 anos de
investigação do CIJE , Almedina, 2010, pp. 857-880.
45
Podendo, em geral, optar pelo método do crédito de imposto se, atento o montante de imposto pago
no país da fonte, tal lhes resultar mais favorável (art.º 81.º, n.º 8).
46
Uma vez que existe a opção pelo englobamento, só pretenderão ser tributados por aplicação da taxa
especial aqueles para quem tal resultar vantajoso
47
Uma descrição desenvolvida do sistema encontra-se em José de Campos Amorim, Valter Nuno Dias
Mendes, «As vantagens do regime fiscal do residente não habitual» Revista de Finanças Públicas e
Direito Fiscal, ano VIII, n.º 3 (2015), p. 109-136

14
H [artº 81º, nº 6)48 ou, nos demais casos, estarem aí efetivamente sujeitos a imposto
(liable to tax) (artº 81º, nº 5)49.

Porém, apenas gozam desta isenção os rendimentos da categoria B auferidos


no estrangeiro em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado
com carácter científico, artístico ou técnico, definidas em portaria 50, que sejam
provenientes de propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações
respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.

Quanto aos rendimentos que devam ser considerados como tendo sido obtidos
em território nacional, apenas serão tributados por aplicação da taxa especial já
referida (prevista no artº 72º, nº 6) os resultantes do exercício, por conta própria ou de
outrem, de atividades de “elevado valor acrescentado”, que são as que se encontram
elencadas na portaria atrás mencionada.

Os restantes rendimentos (ou seja, grosso modo51, os rendimentos de fonte


estrangeira relativamente aos quais não estejam reunidos os pressupostos da isenção
e os rendimentos de fonte portuguesa que não provenham do exercício de atividades
de “elevado valor acrescentado”) serão tributados segundo as regras gerais, mas por
aplicação de taxas em cuja determinação se terá em conta o montante dos
rendimentos de fonte estrangeira52.

Este regime – que suscita, da parte de muitos, objeções a nível constitucional (violação do
princípio da igualdade)53 –, em vigor há já alguns anos, parece ter demonstrado a sua eficácia na
atração de novos residentes, os quais têm dado um importante contributo para a economia do país,
nomeadamente ao nível da recuperação urbana a que a sua presença deu origem. Porém, grande
parte destes “novos residentes” são pensionistas, não sendo pessoas de elevados rendimentos ou
que exerçam atividades de alto valor acrescentado, ou seja, não correspondem exatamente ao
“público-alvo” previsto quanto da criação do sistema.

A vantagem que os pensionistas retiram pode ser dupla, em resultado da CDT aplicável. Em
muitas das convenções celebradas por Portugal é reconhecida ao estado da residência a
competência (legitimidade) exclusiva para tributar determinadas pensões. Nestes casos, o

48
Relativamente aos rendimentos de trabalho dependente, a generalidade das convenções baseadas no
MOCDE atribui o direito primário à tributação ao Estado onde a atividade tem lugar (artº 15 do MOCDE).
Mas já não assim relativamente às pensões, em que a legitimidade para a tributação é atribuída, em
exclusivo, ao Estado de residência do beneficiário. Sobre as dificuldades que esta última regra suscita,
Maria Margarida Mesquita, As Convenções Sobre Dupla Tributação, pp. 253 ss.
49
Sobre estas cláusulas, John Avery Jones, «Weiser v HMRC: why do we need «liable to tax» and
«subject to tax» clauses?».
50
Portaria nº n.º 230/2019, de 23 de Julho
51
Desenvolvidamente, Ricardo da Palma Borges / Pedro Ribeiro de Sousa, «O novo regime fiscal…», pp.
25 e ss.
52
O chamado método da isenção com progressividade. Por todos, Alberto Xavier, Direito Tributário
Internacional, pp. 289 ss.
53
Lígia Carvalho Abreu, «Análise do regime fiscal do residente não habitual à luz do princípio da não
discriminação no Direito Europeu»; cf. tb. João Sérgio Ribeiro, «O conceito de residente no direito fiscal
internacional e europeu: articulação com o conceito de residente no direito interno».

15
pensionista que transfira a sua residência para o nosso país deixa de pagar impostos, quer no país de
origem (estado da fonte) quer em Portugal (em virtude da isenção de que gozarão).
Tal situação, porque havida por alguns países como constituindo uma concorrência fiscal
desleal, obrigou à renegociação de convenções (nomeadamente com a Finlândia e a Suécia), no
sentido de estes países adquirirem, convencionalmente, legitimidade para tributar as pensões deles
oriundas recebidas por RNH em Portugal.
Este regime é havido como sendo um benefício fiscal, sendo, por tal razão, contabilizada a
despesa fiscal associada, i.e., a diferença entre o imposto devido pelos RNH e o que lhes seria
exigível se sujeitos ao regime normal de tributação. Porém, tal despesa (perda de receita) será, na
maioria dos casos, meramente teórica, uma vez que, não existindo este regime, tais pessoas não
optariam por residir no nosso país. Por outro lado, não é contabilizado o acréscimo de receita de
impostos (sobre o consumo, sobre o património, etc.) que os RNH originam.
Da reforma de 2015 não resultou qualquer alteração deste regime, apesar de a Comissão ter
proposto o alargamento dos tipos de rendimento, obtidos no estrangeiro, passíveis de dele
usufruírem (rendimentos com fonte em aplicações de capital e em mais-valias mobiliárias) e a
inclusão de mais algumas profissões na lista das atividades de alto valor acrescentado54.

A portaria n.º 230/2019, de 23 de Julho veio alterar, para futuro, a lista das
profissões consideradas de alto valor acrescentado, traduzindo aquilo que foi
considerado corresponder às atuais necessidades do mercado de trabalho55.

O regime fiscal dos residentes não habituais não se confunde com o regime de autorização de
residência para atividade de investimento. Este possibilita a concessão de autorização de residência
em Portugal56 – o chamado golden visa – a nacionais de países terceiros que realizem no nosso país
determinados investimentos57.

Tal autorização de residência não supõe uma permanência regular em Portugal, pelo que não
implica o preenchimento dos pressupostos definidores de residente para efeitos fiscais.

2.5. Residência nas Regiões Autónomas

Existe hoje, também, a necessidade de determinar se uma pessoa (ou um agregado


familiar, sendo o caso) reside, para efeitos fiscais, no território do continente ou no de

54
Portugal, Projeto…, p. 55.
55
Sobre «questões que esta revisão não terá solucionado», RPBA, Advogados, newsletter de 12 de
novembro de 2019.
56
Concretamente, o golden visa permite: entrar, residir e trabalhar em Portugal (caso tal se pretenda);
circular livremente pelo espaço Schengen (será esta uma das suas grandes vantagens para a maioria dos
interessados); obter autorização de residência permanente e, até, a nacionalidade portuguesa, após 5
anos, havendo manutenção do investimento.
A concessão de tal visto é extensível a familiares diretos (reagrupamento familiar).
57
Os investimentos possíveis são vários: aquisição de imóveis, transferência de capitais para o nosso
país, pequenas e médias empresas, criação de postos de trabalho, apoio à investigação científica ou
produção artística, preservação ou conservação do patrimônio cultural.

A maioria tem optado pela aquisição de imóveis, o que geralmente é interpretado como sendo
uma das principais razões do dinamismo que o setor presentemente conhece.

16
uma região autónoma. Isto porque, em razão do poder que estas têm de adaptar o
sistema fiscal às especificidades regionais (artº 227º, nº 1, al. i) da CRP), as regras
aplicáveis ao IRS a ser pago pelos respetivos residentes podem ser diferentes das que
se aplicam aos contribuintes que residem no Continente.

Também aqui o critério a seguir prioritariamente é o da presença física (artº


17º, nº 1), presumindo a lei que um dado contribuinte permaneceu a maior parte do
ano numa região autónoma se aí tiver a sua residência habitual e o seu domicílio fiscal.
Na impossibilidade de estabelecer o local onde o contribuinte permanece
habitualmente, segue-se o critério do “principal centro de interesses”, o qual a lei
manda aferir numa perspetiva económica, em função do local ou locais onde se deve
considerar como tendo sido gerada a maior parte do rendimento. Para tal a lei
enumera, nas diferentes alíneas do nº 3 do artº 17º, qual o local que, para cada tipo de
rendimentos, deverá ser tido em conta.

2.6. “Residentes virtuais”

O artº 17º-A prevê um regime de equiparação a sujeitos passivos residentes, de que


poderão aproveitar os residentes em outro Estado-membro da União Europeia ou em
país membro do Espaço Económico Europeu58 que obtenham em Portugal
rendimentos que representem, pelo menos, 90% do seu rendimento global – são os
chamados residentes virtuais.

O regime é optativo, sendo-lhe aplicáveis as regras dos “não casados” ou, verificados
determinados requisitos, e também por opção, as dos “casados”, com algumas adaptações (nº 2 e 3
do artº 17º-A)59. Trata-se de uma equiparação a residentes, relevante apenas para determinação do
montante de imposto a pagar em Portugal, ou seja, os contribuintes em causa continuarão a ser
havidos como residindo no outro Estado, continuando o montante de IRS por eles pago a ser
considerado “imposto pago no estrangeiro”, a ser tido em conta pelo país de residência de acordo
com o disposto na convenção sobre dupla tributação aplicável.

Esta solução legislativa, complexa e de duvidosa vantagem na maior parte dos casos, foi
imposta pela jurisprudência do TJUE, o qual, em vários acórdãos, considerou não conforme a
princípios essenciais da União o facto de os sujeitos passivos em tais circunstâncias (essencialmente,
os chamados trabalhadores transfronteiriços) sofrerem, no país onde se situa o centro dos seus
interesses económicos, uma tributação diferente da suportada pelos respetivos residentes (p. ex.,
estarem, relativamente aos seus salários, sujeitos a retenções na fonte em valor percentual superior,
dada a sua condição “formal” de não-residentes)60.

58
O Espaço Económico Europeu resultou de um acordo celebrado entre a CEE e os países membros da
EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio), visando alargar a estes últimos as vantagens do mercado
comum europeu. Com a posterior adesão à EU da maioria destes últimos países, são poucos os Estados
em causa, sendo o mais relevante a Noruega. A Suíça não aderiu ao EEE, mas tem em vigor tratados
bilaterais com vários países da EU que lhe asseguram tratamento similar.
59
Desenvolvidamente, Manuel Faustino, «Os residentes…», pp. 136 ss.
60
Cf. Portugal, Relatório do Grupo…, pp. 310 ss.

17
2.7. Residência e domicílio fiscal

Retomemos, por último, uma questão já aflorada, a diferença entre residência e


domicílio fiscal61, ainda que, relativamente aos residentes em Portugal, o local do
domicílio fiscal deva coincidir com o da sua residência habitual (artº 19º, nº 1, al. a) da
Lei Geral Tributária)62.

Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias


substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a
questão do domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais63.

O domicílio fiscal do contribuinte, por aí se considerar situado o seu centro de interesses,


determina, como regra geral, a competência em razão do território dos órgãos da administração
fiscal e dos tribunais tributários64. É, também, nesse local que o contribuinte se deve ter por
contactável pela administração fiscal. É, em princípio, inoponível a mudança de domicílio não
comunicada atempadamente à administração fiscal.

Assim, p. ex., as citações e notificações regularmente enviadas para a morada correspondente


ao domicílio fiscal de um determinado sujeito passivo que sejam devolvidas por não rececionadas
consideram-se validamente efetuadas. Ou seja, ao não cumprir o dever de comunicar à
administração fiscal a mudança do seu domicílio fiscal, o sujeito passivo corre o risco de, p. ex.,
estando em causa a notificação da liquidação de um imposto, incorrer na obrigação de pagamento
de juros e ver caducar o seu direito a reagir, graciosa ou contenciosamente (cf., p. ex., Ac. do STA de
13-04-2011, rec. nº 546/10).

Há, ainda, que referir que determinados sujeitos passivos deste imposto (v.g., os que,
exercendo uma atividade empresarial, estejam abrangidos pelo regime normal de tributação em IVA)

61
Desenvolvidamente, Gustavo Lopes Courinha, A Residência…, pp. 70 ss.
62
Daí o poder-dever da administração de retificar o domicílio fiscal quando constate ele ser outro que
não o que figura no respetivo registo (artº 19º, nº 11, da LGT).
A bondade desta regra é, nos dias de hoje, muito discutível. Sendo o objetivo da designação de
um domicílio fiscal facilitar os contactos com a administração tributária, compreende-se que muitos
contribuintes prefiram indicar não o local onde residam (onde pernoitam…), mas sim um outro, como
seja o local de trabalho. Prática que, ao menos aparentemente, é ilegal.
Mais, a presunção legal de que o domicílio fiscal corresponde à habitação própria e
permanente do sujeito passivo (n.º 12 do art.º 13.º) tem-se revelado problemática, p. ex., quando está
em causa a aplicação do regime de isenção da tributação de mais-valias obtidas na venda um prédio que
constituía habitação própria e permanente do sujeito passivo.
63
A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal.
Aquele que efetivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado
residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como
domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária
alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de
residência. Já não assim quanto à residência nas regiões autónomas: à residência de facto tem que se
cumular o domicílio fiscal nessa região, como resulta do nº 2 do artº 17º.
64
47 Cf. artº 10º, nº 2, e artº 12º do CPPT. A principal exceção é a das questões relativas a imóveis: a
competência dos órgãos da administração fiscal e a dos tribunais afere-se, então, em função da
localização de tais bens

18
são obrigados a possuir uma caixa postal eletrónica, que, legalmente, integra o seu domicílio fiscal,
através da qual se processa a maioria das notificações e comunicações feitas pela AT.

2.8. Não-residentes

A noção de não-residente apura-se a contrario. Todos os Estados pretendem


tributar os rendimentos de não-residentes que consideram ter sido obtidos – terem a
fonte – no seu território.

2.8.1. É afirmação corrente o reconhecimento do direito primário à tributação


ao país da fonte, o que se compreende porquanto esta ideia exprime, melhor do que
qualquer outra, a ligação entre um rendimento e um espaço. Na conceção clássica do
princípio da territorialidade, as leis fiscais nacionais aplicavam-se só aos factos
ocorridos no respetivo território, apurando-se tal ligação apenas a partir de elementos
de conexão reais ou objetivos65.

A ideia de fonte não é tão simples de concretizar como pode parecer: o critério
físico ou da fonte económica nem sempre pode ser utilizado, uma vez que,
frequentemente, não é fácil ou mesmo possível determinar onde foi exercida a
atividade ou onde se deve ter por situado o bem gerador do rendimento. Daí que o
local da fonte do rendimento se apure, em muitos casos, através do critério da fonte
financeira, ficcionando-se que o rendimento foi produzido no local onde se situa a
sede ou estabelecimento da entidade remuneradora.

A importância do normativo relativo às pessoas singulares não-residentes é


manifesta dada a crescente generalização de situações tributárias de dimensão
internacional num mundo cada vez mais globalizado. Os regimes legais nacionais têm,
também, conhecido uma erosão profunda por força de exigências comunitárias (em
larga medida, em razão da jurisprudência do TJCE), às quais se foi procurando ajustar
através de “remendos” pontuais, que os descaracterizam como um todo sistemático 66.

A reforma de 2015, para além da alteração estrutural que consistiu o acolhimento do conceito
de residência parcial, procurou harmonizar as taxas liberatórias/especiais de tributação dos
rendimentos auferidos por não residentes, quer relativamente aos mesmos tipos de taxas
aplicáveis aos residentes /sendo o caso), quer relativamente às previstas no CIRC.

2.8.2. O artº 18º enumera quais os rendimentos que, por considerados


obtidos67 em território português, estão sujeitos a imposto, sendo o respetivo titular
um não-residente no nosso país (cf. artº 15º, nº 2).

Porém, há que não esquecer que um dos objetivos das convenções sobre dupla
tributação é proceder à partilha do direito ao imposto entre os Estados contratantes.
65
J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pp. 218 ss.
66
Portugal, Relatório do Grupo…, pp. 194 ss. 52.
67
Rendimentos obtidos”, um conceito mais abrangente que os de “rendimentos produzidos” ou
“rendimentos realizados” antes utilizados pela nossa lei. Cf., J. L. Saldanha Sanches, «Política tributária e
investimento estrangeiro: alguns aspectos da tributação de não-residentes».

19
Partilha que, normalmente, não resulta na atribuição de tal direito a apenas um desses
Estados, mas a ambos (um cúmulo de pretensões, portanto), com limitações ao
imposto a ser cobrado pelo Estado da fonte e a obrigação do Estado da residência
eliminar ou, pelo menos, atenuar a dupla tributação daí resultante.

Significa isto que, quando se coloque uma questão de tributação de um


rendimento obtido por um não-residente no nosso país, há que apurar, primeiro, se
entre Portugal e o país da residência da pessoa em questão existe uma convenção
sobre dupla tributação. Em caso afirmativo, há que verificar se a pretensão tributária
portuguesa, tal como resulta do artº 18º, é ou não legítima face ao texto convencional.
Se o não for, não poderá haver lugar a tributação, pela prioridade que têm as normas
jurídicas de fonte internacional68

Na generalidade das suas previsões, o artº 18º é compatível com as convenções


subscritas pelo nosso país, uma vez que, por regra, estão abrangidos por tal norma
rendimentos relativamente aos quais aquelas reconhecem a legitimidade da
tributação pelo Estado da fonte. Porém, nem sempre é assim69.

2.8.3. Há que salientar a importância do conceito de estabelecimento estável


quando esteja em causa a tributação de rendimentos empresariais (incluindo os de
profissionais independentes). Porque este é um tema que releva essencialmente em
IRC70, diremos apenas que é princípio aceite no Direito Fiscal Internacional que os
lucros (os rendimentos de uma atividade empresarial ou profissional) obtidos por um
não-residente apenas podem ser tributados pelo país da fonte quando ali se situar um
estabelecimento estável ao qual devam ser imputados.

Estabelecimento estável é uma estrutura, uma realidade física, capaz de indiciar uma atividade
com um grau mínimo de permanência no país em causa, como, por exemplo, uma exploração
agrícola, uma fábrica, uma loja, um escritório, etc71.

A condição da existência de um estabelecimento estável compreende-se, desde logo, por


razões de praticabilidade: o comércio mundial ficaria, pura e simplesmente, bloqueado se todo
aquele que teve negócios num determinado país, ainda que de forma meramente acidental, ficasse
aí sujeito ao pagamento de impostos e ao cumprimento das inerentes formalidades declarativas. Isto
sem esquecer que os requisitos definidores do que constitui um estabelecimento estável são
mínimos72 (o que, muitas vezes, tornará praticamente impossível detetar a sua existência).

68
Ainda que não seja aqui o lugar para desenvolver o tema, diremos que os limites ao direito à
tributação de cada Estado contratante, resultantes de uma determinada Convenção, não podem
resultar subvertidos por normas hierarquicamente inferiores (pela lei interna desse Estado),
nomeadamente pela exigência do cumprimento prévio de determinadas obrigações de índole
burocrática como condição de redução do imposto a ser cobrado no país da fonte.
69
Será o caso da pretensão de sujeitar a imposto no nosso país rendimentos de natureza empresarial
profissional obtidos por um não residente sem estabelecimento estável no nosso país [art.º 18.º, n.º1,
al. f)
70
Desenvolvidamente, José Carlos Abreu, A Tributação dos Estabelecimentos Estáveis.
71
Artº 18º, nº 2. Por todos, Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pp. 306 ss.

20
Na presença de um estabelecimento estável temos que existe, nesse país, uma unidade
económica, uma empresa; mas não existe um sujeito passivo residente, pois que o titular de tal
empresa é um não-residente. Nesse caso a realidade económica prevalece sobre a jurídica: o
estabelecimento estável, ainda que só quanto aos rendimentos imputáveis à sua atividade 73, será
tratado, no país onde se localiza, como um residente: o cálculo dos lucros que lhe devam ser
imputados é feito por aplicação das regras a que estão obrigados os residentes, ficando sujeitos à
mesma tributação.

O tradicional conceito de estabelecimento estável está profundamente


ultrapassado em razão da evolução tecnológica, a qual permite a um não residente
ter uma presença económica significativa noutro país sem aí ter qualquer instalação
física.

Daí que o projeto BEPS74 tenha dedicado, em duas das suas «ações», especial
atenção à economia digital e à elisão do estabelecimento estável 75. No mesmo
sentido se tem orientado labor da Comissão Europeia76

2.8.4. Haveria, ainda, que ter presentes as normas do Direito da União Europeia
(direito secundário) quando o sujeito passivo que obtenha rendimentos em Portugal
seja residente noutro Estado-membro.

Porém, contrariamente ao que acontece em outras áreas do direito tributário


(como os impostos aduaneiros e certos impostos indiretos, desde logo o IVA) é muito
reduzida a harmonização, feita pela via legislativa, ao nível comunitário. Os poucos
instrumentos legais existentes referem-se, essencialmente, à tributação das
sociedades, pelo que não cabe aqui fazer-lhes referência.

Fenómeno significativo, que já referimos, mesmo no domínio da tributação das


pessoas singulares, é o de uma aproximação “forçada” dos sistemas fiscais nacionais
em resultado da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a qual que, em numerosas
ocasiões, tem considerado normas de diferentes legislações fiscais nacionais como
violadoras de princípios fundamentais da União77. Uma harmonização fiscal pela
negativa, portanto78.
72
O que é do interesse óbvio dos países menos desenvolvidos, tendencialmente países da fonte, pois
que o seu direito à tributação dos rendimentos de natureza empresarial obtidos por não-residentes será
tanto maior quanto forem menores os requisitos factuais necessários ao preenchimento do conceito de
estabelecimento estável.
73
Cf. artº 3º, nº 3, do CIRC. A nossa lei consagra o princípio da força atrativa do estabelecimento estável,
do qual resulta a imputação à sua atividade dos rendimentos obtidos em Portugal por esse não-
residente não conexos com o estabelecimento, desde que tenham natureza similar aos decorrentes das
atividades prosseguidas pelo estabelecimento.
74
::::::::::::::::::::::::::::::::
75
Ana Paula Dourado, Governação Fiscal Global, Almedina, 2017, pp. 62 ss
76
:::::::::::::::::::
77
:::::::::::::::::::::::
78
Em geral, Garcia Prats, Impósicion Direta, no Discriminación y Derecho Comunitário.

21
Assumem relevo, por abrangerem também os sujeitos passivos individuais, a diretiva relativa à
cooperação administrativa no domínio da fiscalidade79 e a diretiva relativa à assistência mútua em
matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas80

2.8.5. Os não-residentes que obtenham rendimentos em Portugal 81devem, por


regra, escolher um domicílio fiscal no nosso país, que será o do seu representante
fiscal (artº 130º, nº 1). A falta de tal designação implica, para além de eventuais
sanções, que não sejam feitas as notificações previstas no Código.

O representante fiscal é apenas responsável pelo cumprimento das obrigações


acessórias do sujeito passivo do imposto, não sendo garante do cumprimento da
obrigação de imposto (diferente poderá ser a sua situação se for, também, gestor dos
negócios do não-residente). Por estar em causa um mandato, o mandatário (o
representante) pode renunciar a ele a todo o tempo82 83.

Esta obrigação deixou de existir relativamente aos residentes em Portugal que


se ausentem temporariamente para um país da União Europeia ou do Espaço
Económico Europeu e aos residentes num desses países que obtenham rendimentos
em Portugal. A alteração legislativa (introdução do nº 2 do artº 130º) foi consequência
direta de decisão do TJUE, que, por Acórdão de 5 de Maio de 2011, C-267/09,
considerou que a aplicação do disposto no nº 1 do artº 130º do CIRC, no âmbito
comunitário, violava o princípio da livre circulação de capitais.

3. A unidade fiscal

Ao configurar-se um imposto pessoal sobre o rendimento surge uma opção


fundamental: a quem deve ser referida a capacidade económica que se pretende
tributar, à família ou ao indivíduo?

Estamos colocados perante o problema da escolha da “unidade fiscal”, em


relação à qual acontecerá a pessoalização do imposto.

79
João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Almedina, 2019, pp 195 ss.
80
Ibidem, pp. 227 ss.
81
Salvo se os rendimentos estiverem, na totalidade, sujeitos a taxas liberatórias, pois então o sujeito
passivo será o substituto.
82
Miguel Primaz, «Da representação fiscal e do gestor de bens ou direitos»; Filipe Regêncio Figueiredo,
«Representante fiscal, o verdadeiro não residente na doutrina e na jurisprudência».
83
A reforma de 2015 consagrou legislativamente estas ideias, nomeadamente através da revogação do
nº 3 do art.º 27.º da LGT, o qual continha a presunção legal de o representante fiscal ser, em certas
circunstâncias, “gestor de bens ou direitos” do não residente, e como tal, responsável pelas dívidas
fiscais deste.

22
Esta é, antes de tudo o mais, uma questão de justiça na tributação: saber se a
realidade “família” deve ou não relevar em termos de valoração da capacidade
contributiva que se pretende tributar. Opção básica que, como veremos, condiciona
toda a estrutura do imposto.

O tema foi objeto de largo debate a nível internacional, especialmente nas


décadas de 70 e 80 do século passado 84. Debate para o qual foram trazidas muitas
considerações de caráter ideológico relativas ao papel da família como “célula
fundamental da sociedade”, “instituição natural”, etc.

Na generalidade dos países desenvolvidos, a evolução foi no sentido da tributação


separada85, tendo mesmo acontecido que sistemas de imposição conjunta praticados
em alguns países foram declarados inconstitucionais86.

3.1. O modelo da tributação conjunta obrigatória

Entre nós, vigorou até 2015, a obrigatoriedade da tributação conjunta:


existindo casamento, o imposto era apurado relativamente à totalidade dos
rendimentos das pessoas que constituíam o agregado familiar, considerando-se
sujeitos passivos aqueles a quem incumbia a sua direção.

Esta opção legislativa foi condicionada pelo facto de, à época da elaboração do Código, certa
doutrina, com destaque para Teixeira Ribeiro 87, entender que a Constituição – hoje, o artº 104º, nº 1 –
impunha a tributação conjunta, com base no argumento de que só assim se poderiam ter em conta as
necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

O entendimento de que a Constituição impõe uma determinada técnica de tributação fora,


entretanto, posto decisivamente em causa pela doutrina88, que passou a defender que a
consideração dos rendimentos e necessidades da família pode ser igualmente lograda em sistemas
de tributação separada (ou em sistemas mistos89), como mostra a experiência de muitos países.

84
Veja-se, entre outros, IFA, Le Régime Fiscal des Unités Familiales (revenus, fortune et successions);
OCDE, La Situation des Unités Familiales au Regard de l’Impôt et des Transferts Sociaux dans les Pays
Membres de l’OCDE Transferts Sociaux dans les Pays Membres de l’OCDE; Jónatas Machado / Paulo
Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, pp. 184 ss.
85
João Menezes Leitão, «Tributação separada da família e relevância das uniões de facto nos sistemas
fiscais da Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido».
86
Com Casalta Nabais, O Dever Fundamental …, 1998, pp. 526 ss., diremos que essas decisões, quando
concluíram pela inconstitucionalidade, não excluíram ou rejeitaram a tributação conjunta enquanto
modalidade abstrata de tributação da família, mas tão só aquela específica tributação conjunta que cada
uma delas foi chamada a apreciar e a testar face à imposição constitucional de não-discriminação (fiscal)
da família.
87
J. Teixeira Ribeiro, «A unidade fiscal na Constituição» e «A unidade fiscal».
88
.Casalta Nabais, O Dever Fundamental…, p. 531; Joaquim Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição
…, pág. 1100, retiram, mesmo, da referência feita pelo preceito constitucional à tributação do
rendimento pessoal a ideia de uma “preferência” por sistemas de tributação separada. Vd., tb., Manuel
Pires, «Tributação relativa à família (revisitação)».
89
Por exemplo, em que a tributação conjunta só acontece a partir de um certo nível de rendimento ou
em que certos rendimentos (p. ex., os do trabalho) são tributados separadamente e outros (p. ex., os de
capital) são tributados conjuntamente.

23
O sistema de tributação conjunta obrigatória havia sofrido uma dupla erosão: por um lado, os
casados pretendiam a opção pela tributação separada; por outro, famílias não fundadas no
casamento reclamavam o direito a uma tributação conjunta.

Quanto aos primeiros, havia um argumento que não poderia deixar de impressionar: a exigência de
uma tributação conjunta desconhecia em absoluto os regimes de bens adotáveis no casamento,
violentando frontalmente as regras inerentes ao regime de separação de bens90.

Neste regime não há bens comuns (pode é haver bens em compropriedade), não há rendimentos
comuns, cada cônjuge conserva, inatingidas pelo casamento, a propriedade e administração dos
respetivos bens e rendimentos. Ora, esta exclusividade na administração dos bens era posta em
causa pela lei fiscal, ao obrigar os cônjuges a uma declaração conjunta.

Neste regime, não existem, também, dívidas comuns, o que o IRS ignorava, pois a dívida de
imposto dos casados era solidária.

Por seu lado, as uniões de facto reclamavam o direito à tributação conjunta – ou seja, o acesso
ao regime tributário a que estavam sujeitos os casados – por razões de princípio (o reconhecimento,
no plano fiscal, da igualdade de todas as famílias, independentemente de serem ou não fundadas no
casamento) e de conveniência (por, em certas circunstâncias, uma tributação conjunta resultar em
menos imposto a pagar).

Tal pretensão fora aceite pelo legislador, pelo que os unidos de facto já podiam optar pela
tributação conjunta, caso tivessem um mesmo domicílio fiscal e entregassem uma única declaração.
O direito de opção pelos unidos de facto originou uma nova discriminação, porventura
inconstitucional, uma vez que enquanto as famílias não fundadas no casamento podiam optar pela
tributação conjunta ou separada (escolhendo aquela forma que, no concreto, lhes resultar mais
favorável), os casados estão obrigatoriamente sujeitos ao regime da tributação conjunta.

3.2 – Consagração da tributação separada

No contexto descrito, é fácil compreender a consagração, pela reforma de


2015, da possibilidade de tributação separada dos cônjuges (casados e não casados) 91.

Este regime surge na lei atual como supletivo: quando exista agregado
familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de
facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja
exercida a opção pela tributação conjunta (art. 13.º, n.º 1).

Este preceito é “completado” pelo disposto no n.º 1 do art.º 59.º, segundo o


qual “na tributação separada cada um dos cônjuges ou dos unidos de facto, caso não

90
Carlos Pamplona Corte-Real, «Família, dívida de imposto e regime de bens».
91
Em termos de simplicidade administrativa, a consagração da tributação separada como “regime
único” seria totalmente justificada (veja-se Rui Duarte Morais, «Tributação separada dos cônjuges e o
desafio da simplicidade»). Porém, tal implicaria um substancial aumento do imposto a pagar por muitas
famílias, beneficiárias do “desagravamento” operado pelo sistema do quociente conjugal, razão pela
qual a obrigatoriedade da tributação separada não foi considerada opção viável.

24
esteja de tal dispensado, apresenta uma declaração da qual constam os rendimentos
de que é titular e 50 % dos rendimentos dos dependentes que integram o agregado 92.

Tal não significa que a tributação separada tenha passado a ser dominante,
pois, como era previsível, a esmagadora maioria dos casados e dos unidos de facto
exerce a opção pela tributação conjunta dadas as vantagens daí decorrentes (em razão
do mecanismo do quociente conjugal que, adiante, desenvolveremos).

A solução inversa (ser a tributação conjunta o regime supletivo) resultaria


aparentemente mais lógica, dada a preferência da maioria. Só que este modelo de
tributação, desde logo pelas consequências que implica ao nível da responsabilidade
pelo pagamento do imposto, supõe acordo expresso dos dois cônjuges. Na falta de
acordo93, o carácter supletivo da tributação separada permite a cada sujeito passivo o
cumprimento independente das suas obrigações fiscais.

3.3- Responsabilidade pelo pagamento do imposto

A opção pela tributação conjunta, pese embora as vantagens que, por regra,
apresenta ao nível do imposto a pagar, implica, como decorrência lógica da escolha da
unidade económica relevante para efeitos de tributação, a responsabilidade de ambos
os cônjuges pela dívida de imposto. Assim, a responsabilidade será sempre solidária
(art.º 102.º-C, n.º 1), mesmo no caso de o regime de bens do casamento ser o da
separação.

Na tributação separada, relativamente aos casados, aplicar-se-á, quanto à


comunicabilidade das dívidas de imposto, o regime da lei civil94. Significa isto que:

92
O legislador, ao referir-se à titularidade dos rendimentos (art.º 59.º, n.º 1), afastou, intencionalmente,
a consideração do facto de, nos regimes de comunhão, determinados rendimentos dos cônjuges serem
bens comuns. Na tributação separada cada um dos cônjuges declarará os rendimentos “processados”
em seu nome, independentemente da sua natureza de bem comum à luz das normas do direito civil.
Se esta solução se mostra de aplicação simples relativamente à maioria dos rendimentos (do
trabalho, pensões, de bens próprios, etc.), já quanto aos rendimentos de bens adquiridos em comum (p.
ex., rendas e mais-valias relativas a imóveis adquiridos na constância do casamento, juros relativos a
contas bancárias de que ambos sejam titulares, frutos de investimentos mobiliários feitos em conjunto -
nestes últimos dois casos havendo opção pelo englobamento), poderá revestir alguma complexidade,
nomeadamente quando as entidades pagadoras os “processem” apenas no nome de um dos sujeitos
passivos.
Numa crítica ao sistema, propondo, de iure condendo, uma definição legal dos rendimentos de
que cada cônjuge deve ser havido como titular para efeitos deste imposto, Manuel Faustino, ,«IRS,
Reforma Fiscal, Incidência subjetiva», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VIII,n.º1p. 122 ss.
93
Pense-se, por exemplo, nos casados em situação de separação de facto.
94
Pensamos que a remissão para a lei civil deve ser entendida como abrangendo quer a definição da
responsabilidade (se individual, se comum), quer as regras relativas à sua efetivação, nomeadamente as
relativas à ordem de afetação dos bens, comuns e próprios.

25
- no caso de o regime de bens ser de comunhão (geral ou de adquiridos,) pela
dívida responderão ambos os cônjuges, pois estará em causa uma obrigação contraída
em proveito comum do casal, o que a lei presume (n.º 2 do art.º102.-C) 95.

- no regime de separação de bens, em que não há bens ou rendimentos


comuns, a lei fiscal passou a ser coerente com a lei civil: a responsabilidade pelo
pagamento de imposto e cumprimento das demais obrigações relativas a este imposto
é individual.

Relativamente à responsabilidade pelo pagamento de imposto, a reforma de 2015 supriu ainda


uma lacuna existente quanto aos dependentes. De tal lacuna resultava que os bens destes nunca
poderiam responder pelas dívidas de imposto resultantes dos seus rendimentos.
Tal responsabilidade passou a estar consagrada, ainda que a título subsidiário relativamente
ao(s) sujeito(s) passivo(s) a quem incumbe a administração de tais bens (normalmente ambos ou um
dos progenitores) – nº 3 do art.º 102.º-C.
A mesma norma, no seu n.º 4, resolveu ainda algumas questões de natureza processual que se
colocavam quanto à efetivação da responsabilidade do outro cônjuge que não aquele em nome de
quem a liquidação foi processada e da dos dependentes.

3.4. Composição do agregado familiar

O agregado familiar, para efeitos fiscais, é constituído: no caso das famílias


biparentais, baseadas ou não no casamento, pelos cônjuges (que são os sujeitos
passivos) e seus dependentes; no caso das famílias monoparentais (solteiros, viúvos,
divorciados, separados judicialmente de pessoas e bens, etc.), pelo sujeito passivo e
dependentes a seu cargo (artº 13º, nº 4). Temos, pois, que a nossa lei acolhe um
conceito restrito de agregado familiar, no essencial reduzido ao progenitor ou
progenitores e filhos em relação aos quais existem deveres parentais.

O conceito de agregado familiar é, pois, independente de a tributação ser


separada ou conjunta. Estas diferentes modalidades de tributação apenas relevam
quanto à repartição de rendimentos e deduções a figurarem em cada uma das
declarações a serem apresentadas no primeiro caso.

O conceito restrito de agregado familiar acolhido para efeitos deste imposto


não obsta à consideração fiscal (em termos de deduções a coleta) dos ascendentes que
vivam em comunhão de habitação com o sujeito passivo, desde que não tenham
rendimentos superiores à pensão mínima do regime geral (art.º 78.º-A, n.º1, al. c) e n.º
2, al. b)).

95
Presunção naturalmente ilidível. Assim, a responsabilidade será individual, p. ex., no caso de
separação de facto.

26
3.4.1. Dependente é um conceito jurídico próprio deste imposto (art.
13.º, n.º 5)

Os dependentes podem ser filhos, adotados, enteados, os afilhados civis 96 e os


sujeitos à tutela de um ou de ambos os sujeitos passivos97.

Não basta pois uma situação de mera dependência económica relativamente


ao(s) sujeito(s) passivo(s) (p. ex., um filho, na situação de desemprego, que é
sustentado pelos pais). Não podem ser havidos como dependentes, para efeitos
fiscais, aqueles cuja situação não for enquadrável numa das hipóteses da definição
legal98.

O conceito fiscal de dependente tem como ponto de partida a incapacidade do


exercício de direitos resultante da menoridade, mas abrange, também, alguns casos de
mera dependência económica.

Assim, a situação de dependente, para efeitos fiscais, termina, em princípio,


com a maioridade ou emancipação, salvo quando a pessoa em causa não tenha
rendimentos superiores ao salário mínimo mais elevado.

Os dependentes que hajam atingido a maioridade continuam a ser havidos


como tal, para efeitos deste imposto, até à idade de 25 anos 99, caso não tenham
rendimentos superiores ao salário mínimo nacional.

O objetivo deste alargamento da idade até à qual que se mantém a condição de


dependente para efeitos fiscais é o de permitir aos sujeitos passivos (por simplicidade,
aos pais) continuarem a usufruir, no cálculo do seu imposto, das deduções à coleta
motivadas pela existência de despesas realizadas com esses dependentes.

A constatação de que a dependência económica do agregado familiar se


prolonga hoje no tempo, levou o legislador de 2015 a incluir no conceito de
dependentes os maiores até aos 25 anos sem dependência dos requisitos antes
previstos, salvo o relativo à (não) existência de rendimentos próprios “suficientes”.

3.4.2. A tributação dos dependentes menores no quadro do agregado familiar a


que pertencem é, em princípio, obrigatória (artº 13º, nº 6).

96
Figura criada pela Lei nº 103/2009, de 11 de setembro, que instituiu uma “solução intermédia” entre
as figuras da tutela e da adoção restrita, a qual visa promover a desinstitucionalização de crianças e
jovens através da constituição de uma relação para-familiar, tendencialmente permanente.
97
Cf. artº 1927º ss. do Código Civil.
98
Existe ainda a obrigação de identificação, pelo respetivo NIF, dos dependentes, medida que se revelou
necessária, entre outras razões, pela deteção de casos de declaração de dependentes que, na realidade,
não existiam.
99
Indefinidamente, no caso dos inaptos, por deficiência, para angariar meios de subsistência e que não
possuam rendimentos próprios.

27
Os rendimentos do conjunto dos dependentes somam-se aos dos (ou do)
sujeitos passivos (por simplicidade, os pais). As deduções à coleta serão efetuadas no
quadro desse agregado.

Em coerência com este sistema, a lei afirma que, em princípio, ninguém pode,
simultaneamente, fazer parte de mais do que um agregado familiar (artº 13º, nº 6) 100 .

A consagração do regime de tributação separada e as situações, cada vez mais


frequentes, do exercício em comum das responsabilidades parentais por ambos os
progenitores, ainda que não integrados num mesmo agregado familiar (p. ex., em
situações de divórcio), implicou uma regulação detalhada.

Assim:

- existindo tributação separada, cada um dos cônjuges ou unidos de facto


incluirá na sua declaração metade dos rendimentos dos dependentes do
agregado familiar101 (art.º 59.º, n.º 1) e das deduções a eles referentes, sem
prejuízo do que se segue.

- manteve-se o princípio de que os dependentes integram apenas um


agregado familiar102, definindo-se, no n.º 9 do art.º 13, qual é esse agregado
quando não seja integrado pelos dois progenitores.

- Tal não obsta a que, neste caso, havendo exercício em comum das
responsabilidades parentais, os dependentes possam figurar nas declarações
de ambos os progenitores (ou dos seus agregados familiares), (n.º 10 do art.
13.º).

Então, cada um dos sujeitos passivos declarará metade dos rendimentos dos
dependentes e usufruirá de 50% das deduções à coleta a eles relativas, com o
limite, relativamente a cada uma delas, correspondente a metade do valor
máximo previsto na lei103 (art. 78.º, n.º 9).

Caso o acordo de regulação do exercício em comum das responsabilidades


parentais estabelecer uma partilha de despesas que não seja igualitária e fixar a
percentagem relativa a cada sujeito passivo, o cálculo das deduções à coleta
100
Ou, simultaneamente, integrar um agregado familiar e ser tributado autonomamente. Esta precisão
torna-se necessária uma vez que, após a maioridade, mesmo aqueles que continuam a preencher o
conceito de dependente podem optar por ser tributados autonomamente (artº 13º, nº 6).
101
Regra que se aplica também aos enteados ou adotados de um só dos cônjuges, qualificados pela lei
como dependentes, tal qual os filhos biológicos.
102
A integração em outro agregado pode resultar, p. ex., de uma alteração na regulamentação do
exercício das responsabilidades parentais (p. ex., tais responsabilidades deixarem de ser exercidas por
um progenitor, passando a sê-lo pelo outro) ou da constituição, por esse dependente, de novo agregado
familiar (em resultado do casamento, do nascimento de um filho, etc.).
103
Salvo havendo lugar ao pagamento de pensão de alimentos por esse progenitor (art.º 78.º,n.º 13),
uma vez que, então, ele usufruirá da correspondente dedução à coleta, prevista no art. 83.º-A .

28
deverá considerar as devidas percentagens constantes do referido acordo (art.º
78.º, n.º 10)104 105 .

3.4.3. Relativamente a alterações no agregado familiar, o nº 8 do artº 13º


estabelece que a situação pessoal e familiar relevante para efeitos de tributação é
aquela que se verificar no último dia do ano (rigorosamente, do período) a que o
imposto respeite.

Assim, p. ex., poderá haver tributação conjunta do agregado familiar no ano em


que o casamento ocorre; haverá tributação individual no ano em que o divórcio foi
decretado; a constituição do agregado familiar (p. ex., número de filhos, a idade destes
relevante para a manutenção da condição de dependente, etc.) será aferida
relativamente a tal data.

Porém, o artº 63º, nº 1, abre uma exceção a esta regra, uma vez que,
relativamente ao ano em que um dos cônjuges haja falecido, a tributação poderá ainda
ser conjunta, por opção do sobrevivente, salvo se este casar de novo nesse mesmo
ano.

4. Rendimento tributável

4.1. Conceito

Pareceria lógica a existência de uma definição legal de rendimento tributável. Tal não
acontece, o que é resultado da conceção cedular em que assenta o IRS: não há um
rendimento tributável, mas sim várias categorias de rendimento tributável; o
rendimento tributável em IRS é o conjunto dos rendimentos que sejam integráveis nas
várias categorias, tal como definidas pela lei.

4.1.1. Existem, essencialmente, duas conceções doutrinárias de rendimento


tributável: a da fonte, que leva a tributar o fluxo regular de rendimentos ligado às
diversas categorias tradicionais de remuneração dos fatores de produção (rendimento-
produto), e a do acréscimo patrimonial, que alarga a base de incidência a todo o
aumento do poder aquisitivo, incluindo nele as mais-valias e, de um modo geral, as
receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo)106.

104
Tal supõe o cumprimento de determinadas obrigações burocráticas (n.º 11 do art.º 78º). Não sendo
cumpridas tais formalidades ou delas resultando que a soma das percentagens indicadas para um
dependente é superior a 100%, aplica-se a regra geral (o valor das deduções à coleta é dividido em
partes iguais - n.º 12 do art.º 78º).
105
Este sistema de repartição dos rendimentos (e deduções) dos dependentes pode conduzir a situações
de elevada complexidade administrativa. Imaginemos, p. ex., um menor, filho de pais divorciados, cuja
regulação das responsabilidades parentais preveja o seu exercício em comum por ambos os
progenitores, os quais casaram novamente, tendo, em ambos os casos, os novos casais “aceite” a
tributação separada. Os rendimentos do menor (e as deduções à coleta) relevarão em quatro diferentes
declarações de imposto.
106
Desenvolvidamente, J. G. Xavier de Basto, IRS…, pp. 39 ss.

29
Em termos práticos, a principal diferença entre as duas conceções reside
precisamente no tratamento fiscal das mais-valias que, não sendo ganhos decorrentes
da participação na atividade produtiva, são pela primeira excluídos da incidência do
imposto107.

O IRS tem subjacente uma conceção ampla de rendimento, procurando, ainda


que só tendencialmente, fazer coincidir rendimento tributável e rendimento-
acréscimo. Assim, e sempre no quadro da base cedular subjacente ao imposto, as
mais-valias e determinados outros ganhos fortuitos, como os resultantes do jogo,
integram uma categoria própria (categoria G – incrementos patrimoniais108).

4.1.2. A noção de rendimento tributável nunca poderá ser reduzida a “todo o


rendimento”. A tal se opõe a exigência constitucional de tipificação da incidência do
imposto, a implicar, dentro dos limites inerentes ao princípio da praticabilidade, uma
caraterização, tanto quanto possível segura, da respetiva incidência.

Ao legislador caberá sempre definir o que é rendimento tributável, para o que dispõe de uma
ampla margem de liberdade, podendo excluir da tributação determinados rendimentos (p. ex., em
espécie, algumas mais-valias, aquisições a título gratuito, etc.) 109. A conceção de rendimento-
acréscimo é, pois, um mero arquétipo ou modelo ideal, a ser, para efeitos tributários, objeto de uma
concretização moderadora que restrinja algumas das suas consequências menos desejáveis, mas que
leve a atender a todos os fatores a considerar para se conseguir uma tributação fundamentalmente
de acordo com a capacidade contributiva110.

4.1.3. Questão diferente é a da forma como o legislador constrói os tipos legais de imposto:
se, como é tradicional entre nós, pela consagração de tipos estruturais, nos quais enumera os atos
ou negócios jurídicos cujo resultado económico é tributado; se através de tipos funcionais, nos quais
a definição do que se pretende tributar parte do resultado económico obtido, com indiferença
relativamente à forma jurídica utilizada para o lograr111. A orientação atual caminha para uma
progressiva consagração de tipos funcionais (cláusulas gerais de incidência112) a par de uma
enumeração exemplificativa dos negócios jurídicos de que, normalmente, decorrem os rendimentos
tributáveis (ou seja, de tipos estruturais). Isto porquanto a excessiva atomização do tipo legal de
imposto abre as portas à elisão fiscal, concretizada no uso de formas jurídicas anómalas (como tal,
não incluídas na enumeração a que procede o tipo legal de imposto) para a obtenção de um
determinado resultado económico que, por regra, seria logrado pelo recurso a meios que o
legislador expressamente previu na norma de incidência113.

Nesta medida, rendimento tributável tende a coincidir com rendimento-acréscimo, salvo


quando da lei resultar ser outra a vontade do legislador. O mesmo é dizer que o recurso a tipos
funcionais desloca a questão da densificação normativa (e consequente tutela da segurança e

107
Paulo Pitta e Cunha, «Bases da reforma…».
108
Denominação infeliz, uma vez que todos os rendimentos revestem a natureza de “incrementos
patrimoniais”.
109
Desenvolvidamente, Casalta Nabais, O Dever Fundamental…, pp. 512 ss.
110
J. L. Saldanha Sanches, «Conceito de rendimento do IRS».
111
Alberto Xavier, Manual …, pp. 175 ss.
112
ANA PAULA
113
Rui Duarte Morais, A Imputação…, pp. 199 ss. Cláusulas anti abuso

30
confiança do contribuinte) para as “contra-normas” que reduzem a tributação, as quais, entre nós,
têm assento, nos vários Códigos, no capítulo “isenções”114.

4.2. Rendimentos de atos ilícitos

O artº 10º da LGT consagra o princípio de que o caráter lícito ou ilícito da obtenção de
rendimentos ou disposição de bens é indiferente à tributação. Esta é valorativamente
neutra, reportando-se unicamente às circunstâncias (reveladoras de capacidade
contributiva) do facto ou do ato. Trata-se de um princípio clássico entre nós 115, há
muito aceite pela jurisprudência. Porém, não é fácil determinar o seu concreto âmbito
de aplicação116.

Não cabendo aqui desenvolver o tema 117, diremos que a existência de


tributação implicará a verificação, cumulativa, de duas condições: a) um efetivo
acréscimo patrimonial do infrator; b) que o facto gerador de tal acréscimo preencha a
previsão de um tipo legal de imposto.

A ilicitude do facto gerador do rendimento pode resultar da violação de prescrições de


diferentes ramos do ordenamento jurídico. Podemos estar perante ilícitos civis (p. ex., negócio ou
contrato ferido de nulidade absoluta); ilícitos criminais (p. ex., furto ou tráfico de droga); ilícitos
contraordenacionais (p. ex., atividade comercial não licenciada). Podemos, ainda, estar perante a
prática de atos simplesmente não conformes à moral ou aos bons costumes (o caso da prática da
prostituição), sendo que aqui o problema verdadeiramente não se coloca, pois não são, legalmente,
havidos como ilícitos.

Como dissemos, para haver tributação terá que ter havido enriquecimento do sujeito passivo.
Se o negócio, apesar de ilegal, tiver produzido os seus efeitos económicos, deve haver lugar a
tributação118.

Se o ato revestir a natureza de ilícito contraordenacional, a sua sanção consistirá no pagamento


de uma coima pelo infrator. Muito embora a lei, por regra, mande que na sua fixação se atenda ao
benefício económico obtido, o certo é que não é função nem resultado normal da coima privar
totalmente o infrator dos ganhos. Ou seja, sendo a situação tributável – como normalmente
acontecerá –, haverá lugar a imposto sobre o rendimento assim obtido119.

114
J. L. Saldanha Sanches, «Conceito de rendimento …».
115
Nuno Sá Gomes, «Notas sobre o problema da legitimidade da tributação das actividades ilícitas e dos
impostos proibitivos, sancionatórios e confiscatórios».
116
O TJUE tem sido chamado a pronunciar-se sobre esta questão no quadro do IVA (cuja base de
incidência se encontra uniformizada), entendendo que o princípio da neutralidade fiscal se opõe a uma
diferenciação generalizada entre as transações lícitas e as transações ilícitas. Donde resulta que a
qualificação de um comportamento como repreensível não determina, por si só, uma exceção à
tributação (a exceção só ocorrerá em situações específicas nas quais, em razão das características
particulares de certas mercadorias ou de certas prestações, está excluída qualquer concorrência entre
um setor económico lícito e um setor ilícito).
117
M. Joaquim Freitas da Rocha, «As modernas exigências do princípio da capacidade contributiva –
sujeição a imposto de rendimentos provenientes de actos ilícitos», em especial pp. 162-192.
118
Coerentemente, não pode ser requalificada, por ser ilegal, uma operação cuja realidade se aceita.
Assim, p. ex., um mútuo feito por uma sociedade a um seu sócio e administrador, apesar de proibido
pelas leis societárias, não poderá ser requalificado em “adiantamento por conta de lucros”.

31
Se o facto corresponder a um ilícito penal, a questão da tributação, em princípio, não se
colocará, uma vez que a lei prevê, em regra, como sanção acessória, a perda dos benefícios
económicos obtidos pelo agente, sejam eles o produto do crime, coisas ou direitos obtidos pela
transação deste ou recompensas pela sua prática (cf. artº 109º ss. do Código Penal). Ou seja, o
normal funcionamento dos mecanismos da lei penal levará, supostamente, a que não haja
enriquecimento do agente, pelo que a questão da tributação ficaria excluída120.

Perante a constatação de indícios da prática de um crime (que, normalmente, revestirá a


natureza de crime público), o comportamento da administração fiscal deve ser o de efetuar a
correspondente participação à autoridade competente, no cumprimento do dever de denúncia a que
está obrigada (cf. artº 242º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal).

Podemos imaginar, porém, situações em que os mecanismos reparadores previstos na lei penal
não possam funcionar (p. ex., em razão de uma amnistia) e em que a possibilidade de liquidação
oficiosa do imposto ainda não tenha caducado. Se o rendimento obtido cai na previsão da lei fiscal
(por não estarmos perante uma conduta absolutamente proibida, mas que é criminalmente ilícita
nas circunstâncias em que foi praticada – p. ex., a importação ou exportação não autorizada de
certas mercadorias), pensamos que a tributação deverá ter lugar.

Mais complicada será a situação em que o comportamento em causa é absolutamente proibido


e, portanto, não cai na previsão de qualquer norma de incidência de imposto 121. Nestes casos,
parece-nos que o princípio da tipicidade fiscal exclui a possibilidade de tributação, uma vez que não
existe uma verdadeira “norma residual de incidência”.

No que aqui diretamente interessa, concluímos que o artº 10º da LGT não
procede a um alargamento do conceito de rendimento tributável em IRS, não procede
à consagração de uma nova categoria (a dos rendimentos de atos ilícitos). Limita-se a
clarificar o alcance da incidência das categorias existentes, não sendo tributável um
rendimento ilícito que não seja suscetível de ser integrado numa qualquer delas 122.

5. As fases do imposto

5.1. A fase analítica

119
Sendo que o montante da coima não é considerado no apuramento do rendimento tributável, pois
não é um custo indispensável ao prosseguimento da sua atividade, mas uma sanção pelo ilícito
cometido. De outra forma, haveria uma “comparticipação” fiscal no pagamento da coima.
120
Algo diferente é o pensamento de J. L. Saldanha Sanches, Manual…, pp. 308 ss., que coloca a
pertinente questão do diferente grau de exigência de prova necessária para a condenação penal e para
a presunção da existência de rendimentos tributáveis, concluindo que “ainda que a apreensão do
rendimento ilícito seja a solução mais correta para o bom funcionamento de uma sociedade
juridicamente organizada, a experiência demonstra que a solução possível é a tributação de tais ganhos.
Em especial se for acompanhada pelas sanções legais ligadas ao incumprimento dos deveres
declarativos”.
121
Será o caso do furto pois, mesmo que possa ser materialmente equiparado a uma “transação”
forçada, como alguns pretendem, tal não implica a sua tributação em IRS por falta da necessária
previsão legal.
122
Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária…, p. 82.

32
O modelo de imposto único123 não implica um sistema absolutamente unitário.
A existência de momentos de consideração individual de cada tipo de rendimento –
nomeadamente, de regras próprias de aferição da respetiva matéria coletável – é uma
exigência inevitável, decorrente da sua diferente natureza. A esta inevitabilidade
poderá acrescer, ainda, o desejo do legislador de criar distinções entre os vários tipos
de rendimentos, por razões de ordem social e/ou económica.

O IRS tem um elevado grau de cedularização, sendo que, como vimos, a própria
definição do que é rendimento tributável é feita a partir do prévio enquadramento
numa determinada categoria de rendimentos124.

Temos, assim, num primeiro momento, a fase analítica do imposto: perante um


determinado rendimento, haverá que o qualificar como integrando uma das categorias
(categorias essas que, presentemente, são: categoria A – rendimentos do trabalho
dependente; categoria B – rendimentos empresariais e profissionais; categoria E –
rendimentos de capitais; categoria F – rendimentos prediais; categoria G –
incrementos patrimoniais; categoria H – pensões125).

5.1.1. Feito tal enquadramento, haverá que determinar, face às normas de


incidência real da respetiva categoria, se o rendimento em causa é ou não tributado.
Depois, há que quantificar qual o rendimento coletável, que, em muitos casos, não
corresponderá ao total obtido. Assim acontecerá, necessariamente, quando a
obtenção de um determinado rendimento implique que o contribuinte suporte gastos
(custos).

Também aqui vigora o princípio da tipicidade da lei tributária, ou seja, só são


dedutíveis os gastos ou outros valores126 expressamente previstos na lei, a qual – como
veremos adiante, a propósito da análise das várias categorias – não permite sempre a
integral dedutibilidade de todos os encargos suportados pelos contribuintes para a
obtenção de alguns rendimentos, o que põe em causa o princípio constitucional da
tributação segundo a efetiva capacidade contributiva127.

123
Por maioria de razão um imposto semidual, como é hoje o IRS.
124
J. L. Saldanha Sanches, Princípios Estruturantes…,pp. 45 ss.
125
Em 2001, o legislador procedeu à “fusão” de algumas categorias, tendo sido eliminadas as categorias
C, D e I, mas conservou as letras identificativas das várias categorias (apesar do “salto” na ordem
alfabética que assim se gera), certamente para não suscitar dificuldades de identificação aos
contribuintes, já familiarizados com as “letras” identificativas dos diferentes tipos de rendimento.
126
Em certos casos a lei permite, com o intuito de “proteger” certos rendimentos, a dedução de um
montante superior ao dos custos efetivamente suportados para a sua obtenção. Assim acontece, p. ex.,
ainda que de forma limitada, relativamente ao rendimento do trabalho.
127
No sentido de que o princípio da capacidade contributiva implica, para o imposto sobre o
rendimento, o chamado princípio do rendimento líquido (Nettoprinzip) Casalta Nabais, O Dever
Fundamental…, pp. 520 ss.

33
Por tal apuramento acontecer categoria a categoria, utiliza-se a expressão
deduções específicas para identificar os valores que, em cada caso, a lei permite que
sejam subtraídos ao rendimento bruto para se apurar o rendimento líquido tributável.

5.2. A fase sintética

Será aqui que mais relevará - no nosso entender - a atual natureza semidual do
imposto.

Apurado o rendimento líquido tributável de cada categoria, entramos na fase


sintética. Os rendimentos das várias categorias são, então, considerados na sua
globalidade128.

Só que, diferentemente do que aconteceria num modelo compreensivo de


imposto129, alguns tipos de rendimentos deixaram de estar sujeitos a taxas
progressivas (ou nunca o estiveram), determinadas em função do valor total auferido.

A coleta do imposto é hoje o somatório do resultado da aplicação de dois


diferentes tipos de taxas: (i) taxas progressivas, obrigatoriamente aplicáveis ao
conjunto dos rendimentos das categorias A (trabalho dependente), B (rendimentos
empresariais), H (pensões130) e ainda às mais valias-imobiliárias e a determinados
“incrementos patrimoniais” e, por opção, a rendimentos inseríveis em outras
categorias; (ii) taxas proporcionais (especiais), aplicáveis nos demais casos.

É a este valor que – no nosso entender, pelas razões que já indicámos 131,-
deverão ser feitas as deduções à coleta (algumas das quais são importantes elementos
de pessoalização do imposto), obtendo-se o valor do imposto a pagar.

Tudo conforme o esquema seguinte:

RENDIMENTO COLETÁVEL = soma dos rendimentos líquidos tributáveis (a)

RENDIMENTO COLETÁVEL x TAXAS (gerais ou especiais (b) ) = COLETA


128
Com exceção dos rendimentos sujeitos a taxas liberatórias (não sendo exercida a opção pelo
englobamento), uma vez que, relativamente a eles, a tributação incide sobre o rendimento bruto e já
aconteceu, em definitivo, por retenção na fonte.
129
O “ideal” de um imposto único para que aponta o art. 104.º, n.º 1, da CRP, que, como vimos, nunca
foi atingido.
Criticando o abandono desse modelo de imposto, Paulo Pitta e Cunha, « :::::::::::::::::
130
Exceto as de alimentos.
131
Como vimos quando abordámos a questão da natureza semidual que hoje o imposto reveste, não é
este o entendimento tradicional. Num modelo mais próximo de “imposto único”, a regra era a de que as
deduções seriam dedutíveis (apenas) à coleta resultante do englobamento (da aplicação de taxas
progressivas, as quais incidiam, então, sobre os rendimentos integrantes da maioria das categorias).

34
COLETA – DEDUÇÕES À COLETA = IMPOSTO A PAGAR (c)

Note-se:

a) A soma dos rendimentos das várias categorias não inclui as parcelas sujeitas a
taxas liberatórias, uma vez que, relativamente a elas, o sujeito passivo de
imposto não é o seu titular mas o substituto.
O rendimento líquido é o resultado da subtração ao rendimento bruto de
cada categoria das deduções específicas admitidas por lei.
O rendimento tributável de cada categoria poderá ser inferior ao valor
do respetivo rendimento líquido em resultado da dedução de perdas ocorridas
em períodos anteriores, quando a lei tal admita.

b) Não são consideradas as taxas liberatórias pela razão atrás mencionada.

c) O montante do imposto a pagar não corresponde ao valor total do imposto,


mas sim ao valor ainda em falta, apurado através da liquidação, uma vez que
entre as deduções à coleta figuram as correspondentes aos valores já pagos em
resultado de retenções na fonte e/ou pagamentos por conta (art.º 78.º, n.º 2).
Caso tais pagamentos se mostrem excessivos, não haverá lugar a
imposto a pagar mas sim ao reembolso da diferença (art. 78.º, n.º 3)

35
INCIDÊNCIA REAL

CATEGORIA A

6. Rendimentos do trabalho dependente

Abrange os rendimentos obtidos132 no quadro de relações de trabalho subordinado ou


em situações equivalentes133. Equivalência que assenta em considerações de natureza
económica mas, também, na possibilidade de aplicação das técnicas de lançamento
(v.g., obrigações declarativas) e de pagamento (v.g., retenções na fonte) previstas para
esta categoria.

6.1. Situações que originam rendimentos da categoria A

6.1.1. Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual


de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado (artº 2º, nº 1, al. a)).

A determinação destas situações remete-nos para o Direito do Trabalho, para


as relações contratuais por ele reguladas. A sua delimitação não suscitará aqui
dificuldades de maior, uma vez que os “casos de fronteira” – relativamente aos quais
se podem colocar dúvidas quanto à qualificação como de trabalho dependente (sirva
de exemplo o contrato de aprendizagem) – cairão, por regra, na previsão de outras
alíneas do nº 1 do artº 2º.

6.1.2. Trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou


outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direção da pessoa ou entidade que
ocupa a posição de sujeito ativo na relação jurídica dele resultante (artº 2º, nº 1, al. b)).

É sabido que existem numerosos trabalhadores por conta de outrem que,


formalmente, prestam o seu trabalho ao abrigo de contratos de prestação de serviços
(estão a “recibo verde”, segundo se diz correntemente).

Tal acontece por variadas razões, como o desejo da entidade patronal de elidir a aplicação de
normas do direito do trabalho (p. ex., no tocante a remunerações mínimas e outras regalias sociais,
restrições ao despedimento sem justa causa, etc.) e de serem menores os encargos para a segurança
social suportados pelos trabalhadores independentes. Na própria administração pública tal prática é

132
Pagos ou postos à disposição”, o que significa que estarão sujeitos a tributação mesmo quando não
recebidos por facto imputável ao trabalhador.
133
111 Em geral, Luís Menezes Leitão, «A tributação dos rendimentos de trabalho dependente em IRS».

36
corrente, muitas vezes com o objetivo de contornar as limitações legais à admissão de novos
funcionários.

Por seu lado, o trabalhador pode estar, também ele, interessado em aparecer formalmente
qualificado como prestador de serviços independente. Para além de eventuais razões extrafiscais, a
inclusão na categoria B do IRS permite-lhe a dedução dos gastos relacionados com o exercício da sua
atividade profissional, possibilidade essa que, como veremos, não acontece na categoria A.

A lei fiscal consagra o primado da substância sobre a forma. Sendo o trabalho


efetivamente prestado sob a autoridade e direção de outrem, os rendimentos
auferidos são de integrar na categoria A, ficando a outra parte obrigada ao
cumprimento das obrigações acessórias que a lei fiscal coloca a cargo do empregador.

Saber se ocorre autoridade e direção de outrem é algo que só poderá ser apreciado em face
dos dados de um caso concreto (p. ex., se o trabalhador presta os seus serviços nas instalações
da empresa, se está sujeito aos horários e à disciplina comum à generalidade dos seus
trabalhadores, qual o grau de autonomia que goza no exercício das suas funções, etc.).

São ainda de incluir nesta alínea situações em que, rigorosamente, não existe
um contrato de trabalho ou de prestação de serviços com as características apontadas
(serão contratos de idêntica natureza, expressamente previstos na norma). Exemplo,
as importâncias pagas aos sacerdotes católicos, pelas dioceses ou outras entidades
canónicas, em razão do exercício do munus espiritual.

6.1.2.1. A lei veio permitir que, quando a prestação de serviços seja feita a uma
única entidade, o sujeito passivo possa optar, anualmente, pela tributação de acordo
com as regras da categoria A, (artº 28º, nº 8)., o que a identidade económica das
situações justifica. Os sujeitos passivos que exerçam tal opção passarão a ter direito às
deduções específicas previstas na categoria A, mas ficarão sujeitos às retenções na
fonte nela aplicáveis.

Duvidosa é a questão da “repercussão” de tal opção ao nível do IVA, i. e., saber se o sujeito
passivo deve ser havido como tendo deixado de exercer a sua atividade de modo independente, o
que é pressuposto da incidência pessoal deste imposto134.

6.1.3. Exercício de função, serviço ou cargo públicos (artº 2º, nº 1, al. c)).

Abrange os rendimentos do trabalho obtidos por aqueles que, normalmente,


são designados por funcionários públicos, sem haver que cuidar da natureza do
respetivo vínculo ou de qual o órgão da administração pública empregador (Estado,
autarquias, etc.). Aliás, os funcionários públicos [considerando o termo em sentido
estrito] são, juridicamente, verdadeiros trabalhadores por conta de outrem, só que os
respetivos contratos regem-se por legislação especial.
134
J. G. Xavier de Basto, IRS…, p. 58, nota (48).

37
Estão também aqui compreendidos os rendimentos obtidos por pessoas que
não podem ser havidas como trabalhadores por conta de outrem, como é o caso dos
titulares dos órgãos de soberania ou das autarquias. A equivalência económica destas
situações à resultante de um contrato laboral é evidente, pelo que se justifica a
equiparação das regras de tributação.

Poderá parecer estranha a sujeição a imposto dos rendimentos quando a entidade


remuneradora é o próprio Estado. Isto porque a receita assim arrecadada não é efetiva (o Estado
cobra a título de imposto parte do que paga a título de remuneração). Na vigência do antigo
Imposto Profissional, os salários dos funcionários públicos não eram sujeitos a esse imposto. A
atual situação impôs-se, para além de outras razões (v.g., orçamentais, uma vez que do imposto
resulta uma transferência de recursos entre entes públicos; de comparabilidade entre as
remunerações no setor público e privado, etc.), pelo caráter pessoal do IRS, que implica a
tributação destes rendimentos a taxas progressivas.

6.1.4. Situações de pré-reforma, pré-aposentação ou reserva e outras


equivalentes (artº 2º, nº 1, al. d)).

A pré-reforma resulta de um acordo entre o trabalhador, maior de determinada


idade, e a respetiva entidade patronal, segundo o qual aquele vê reduzida ou suspensa
a prestação de trabalho, recebendo um montante mensal enquanto tal situação se
mantiver. Trata-se de um instrumento que visa permitir o rejuvenescimento dos
quadros das empresas sem recurso a despedimentos.

A pré-aposentação e a reserva são institutos semelhantes, com a diferença que acontecem


necessariamente quando o funcionário atinge determinada idade. Aplicam-se, respetivamente,
aos elementos da PSP e das Forças Armadas (incluindo a GNR).

Para além destas situações, incluem-se na previsão desta norma outros


rendimentos pagos pela entidade patronal ou por terceiros no interesse desta (p. ex.,
fundos de pensões) em resultado de acordos celebrados com o trabalhador que
prevejam a cessão ou a redução da prestação de trabalho antes de se verificarem os
condicionalismos legais para a passagem à reforma. O objetivo deste segmento da
norma é clarificar a tributação deste tipo de rendimentos, os quais não são inseríveis
na categoria H (rendimentos de pensões).

6.1.5. Membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas (artº 2º, nº 3,

al. a))135.

Entende-se, maioritariamente, que a relação contratual subjacente à pertença


a um órgão social de uma pessoa coletiva ou entidade equiparada não é de qualificar

135
Entendemos que esta norma está sistematicamente mal colocada, pois deveria figurar no nº 1 do
artº 2º do IRS. Está aqui em causa uma situação geradora de rendimentos desta categoria (a integração
de corpos sociais de pessoas coletivas).

38
como laboral. Não cabe aqui discutir o tema. Diremos, apenas, que, por serem estas
pessoas quem contribui para a formação da vontade social, dificilmente se poderá
entender que possam ser havidas como trabalhadores dependentes dessa sociedade
ou pessoa coletiva.

A similitude económica das situações explica a inclusão nesta categoria dos


rendimentos obtidos a tal título.

Ficam excluídos por esta previsão os Revisores Oficiais de Contas, na medida


em que são profissionais independentes136, quando, nessa qualidade, integrem (na
maioria dos casos em obediência a normas legais) os órgãos estatutários (conselho
fiscal) de certas sociedades e outras pessoas coletivas.

6.2. Remuneração

A lei tipifica de forma muito ampla o âmbito desta categoria. Há o propósito de


uma inclusão esgotante, na incidência do imposto, de todos os rendimentos de alguma
forma advindos do trabalho dependente. Daí que, para prevenir formas de
planeamento fiscal abusivo, a enumeração legal do que constitui «remuneração» não
possa ser considerada exaustiva

Há que salientar, desde logo, que o conceito fiscal de remuneração é mais lato
que o acolhido pelo direito laboral e, eventualmente, que o relevante para efeitos de
incidência das contribuições para a segurança social.

É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do


seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens,
salvo o expressamente excetuado pela lei.

A remuneração poderá resultar quer do cumprimento de obrigações


contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra
legalmente obrigada (p. ex., a concessão de prémios). Poderá decorrer, ainda, de
prestações feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente (p. ex. gorjetas).

A remuneração poderá corresponder à soma de duas componentes: a


remuneração base, que a lei fiscal não define, apenas elencando, no n.º 2, as
designações mais usuais, e as remunerações acessórias

6.2.1. Remunerações acessórias

Sob esta designação, o n.º 3 do art.º 2 enumera uma série de hipóteses, definidas
como correspondendo a direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração

136
Por imposição legal (cf. o artº 53º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas).

39
principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta
e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.

Estamos perante uma norma clarificadora, que, em homenagem ao princípio da


tipicidade, mais não faz que exemplificar ou concretizar o que se deveria já ter como
resultante dos números anteriores do preceito. Ou seja, a não previsão expressa por
este número de uma determinada regalia como sendo tributável não pode ser
entendida como significando que o não é; a solução será a que resultar da correta
interpretação das regres gerais (dos números anteriores deste artigo) que definem
quais os rendimentos que se devem considerar abrangidos por esta categoria.

6.2.1.1. Temos, em primeiro lugar, realidades que apenas são tributáveis na


parte que a lei considera ser de “montante excessivo” ou quando não verificados os
condicionalismos legais determinantes da não tributação137:

-regalias sociais, como é o caso dos abonos de família138, dos subsídios de


refeição139, das contribuições da entidade patronal para seguros de vida, fundos de
pensões, regimes complementares de segurança social, dos abonos para falhas140 (1),
2), 3) e 11 c) da al. b) do nº 3)141.

A leitura das pertinentes normas revela uma preocupação extrema do


legislador em prevenir práticas abusivas: consagração de limites aos valores excluídos
de tributação (cf., p. ex., 1 e 2 da al. b) do nº 3); exigência que as prestações não
constituam um benefício individualizado e não sejam objeto de qualquer forma de
antecipação da sua disponibilidade (cf., p. ex., 3) e 11) da al. b) do nº 3).

- pagamentos que, em princípio, não corresponderão a rendimento do sujeito


passivo.

137
Não ocorrendo tais “excessos” (como será normal acontecer), estaremos perante situações de
delimitação negativa da incidência, “paralelas” às que constam do art.º 2.º-A.

138
Prestação em dinheiro atribuída pelo Estado, mensalmente, com o objetivo de apoiar os encargos
familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens. A sua concessão e montante
dependem, entre outros requisitos, do rendimento do agregado familiar em que se inserem.

139
O subsídio de alimentação destina-se a compensar os trabalhadores pelas despesas de refeição nos
dias em que prestam serviço efetivo. A obrigatoriedade do seu pagamento não decorre da lei, mas do
Instrumento de Regulamentação Coletiva aplicável ou do contrato de trabalho.
O seu pagamento pode ser feito em dinheiro ou em vales de refeição (títulos emitidos por
empresas especializadas, às quais a entidade patronal os adquire). É muito discutível a opção legal de
majorar o valor isento quando o pagamento aconteça por esta última forma.
140
O abono para falhas caracteriza-se e justifica-se como um subsídio destinado a indemnizar quem dele
beneficiou das despesas e riscos decorrentes do exercício de funções particularmente suscetíveis de
gerar falhas contabilísticas em operações de recebimentos e pagamentos como as que se processam em
serviços de tesouraria (Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 51/80, de 28.8.1980: BMJ, 304.º
- 185).
141
Vasco Guimarães, «As componentes não tributadas das remunerações e outras formas de obtenção
de rendimento líquido».

40
Estamos perante situações de reembolso (ou adiantamentos) de valores
correspondentes a despesas suportadas no interesse da entidade patronal, com são os
casos das ajudas de custo142 e das despesas de deslocação, viagens ou representação.

Em qualquer destas hipóteses, para além da verificação da existência e


necessidade empresarial do pagamento, a não tributação é condicionada (cf. al. d) do
nº 3 do artº 2º), de forma a evitar práticas abusivas.

Só há rendimento tributável na medida em que os valores em causa excedam


os limites que a lei fixa ou quando não se verifiquem os pressupostos da exclusão de
tributação (p. ex., viagens não conexas com a atividade empresarial, despesas de
deslocação e outras de que não foram prestadas contas, etc.)

As despesas de representação correspondem a gastos em alojamento, restauração, receções,


espetáculos, etc. de que são beneficiários diretos terceiros (p. ex., fornecedores e/ou clientes, atuais
ou potenciais)143.

O regime fiscal destas despesas e outras semelhantes (como as relativas a deslocações, viagens,
etc.) tem, assim, que dar guarida a dois interesses conflituantes: permitir a integral dedutibilidade
fiscal daquelas que são instrumento necessário à obtenção de ganhos empresariais e evitar situações
de (“dupla”) evasão fiscal144. Isto sem prejuízo de estas despesas, mesmo quando realizadas com um
propósito predominantemente empresarial, serem sujeiras a tributação autónoma na esfera da
empresa, o que corresponde, de algum modo, por via indireta, tributar o rendimento que assim
possa ter sido obtido pelo trabalhador ou por terceiros.

Analisemos, de seguida, com maior detalhe, outras componentes tributáveis da


remuneração.

6.3 - As vantagens acessórias

142
As ajudas de custo visam compensar os colaboradores pelas despesas com deslocações e alojamento,
em território nacional ou no estrangeiro, por motivos de trabalho. Trata-se de uma compensação em
valor fixo, alternativa ao pagamento das despesas efetivamente suportadas.
Os respetivos valores estão definidos na lei apenas para a administração pública, mas servem
de referência para o setor privado, desde logo em razão da sua não tributação, na esfera do
trabalhador, quando não excedam o previsto quanto à administração pública.
.João Ricardo Catarino, «Ainda a propósito do regime substantivo e fiscal das ajudas de custo» e «Ajudas
de custo – algumas notas sobre o regime substantivo e fiscal».
Sugerindo alterações ao regime legal vigente, visando facilitar a mobilidade internacional dos
trabalhadores, Sérgio Pereira / Henrique Barbosa, «Ajudas de Custo de e para o estrangeiro», O Novo
IRS, Almedina, 2014, pp. 70 ss.
143
Tomás Cantista Tavares, «Regime jurídico das despesas de representação», salientando a divergência
sobre este conceito, tal como é acolhido nos Códigos dos impostos sobre o rendimento e no CIVA.
144
“Dupla” na medida em que tais despesas sejam dedutíveis para efeitos do cálculo do rendimento
tributável da entidade que as suportou (no caso, a entidade patronal) e, sendo dirigidas à satisfação de
interesses pessoais, não constituam rendimento tributável na esfera do trabalhador.

41
É difícil definir com exatidão o que sejam vantagens acessórias (fringe benefits, na
expressão internacionalmente consagrada)145.

São numerosos os trabalhadores, especialmente quadros exercendo funções elevadas, que


conseguem negociar pacotes salariais envolvendo uma substituição e/ou acréscimo da retribuição
principal por vantagens deste tipo. Daí que esta componente remuneratória assuma relevo
significativo para os contribuintes situados nos escalões mais elevados de rendimento.

As razões para esta prática são várias, desde logo fiscais, traduzidas na inexistência de
obrigação de pagamento de contribuições para a segurança social (incluindo as a cargo da entidade
empregadora), tentativa de não sujeição a IRS, etc. Mas podem estar presentes outras motivações,
quer da parte da empresa (p. ex., procurar a fidelização dos trabalhadores, maior paz social, reforço
do espírito de empresa; evitar que o valor total das remunerações pagas transpareça dos custos com
pessoal revelados pela contabilidade), quer da parte dos trabalhadores (para muitos, em termos
práticos, a utilidade de tais vantagens acessórias superará a do seu equivalente em dinheiro).

A dificuldade em definir com rigor o que sejam as vantagens acessórias que


devem ser equiparadas à remuneração e como tal tributadas na esfera do trabalhador
– constituindo, por regra, um custo para a respetiva entidade patronal – resulta,
também, da necessidade de as distinguir das vantagens inerentes às condições de
trabalho e das regalias sociais atribuídas pela entidade patronal (as quais não são
objeto de tributação na esfera do trabalhador)146.

As primeiras destinam-se, principalmente, a otimizar as condições de trabalho, ou seja,


os seus resultados acabam por se projetar em primeira linha na entidade patronal. O
principal elemento diferenciador deverá assentar, pois, na comparação das vantagens que
representam para a empresa e para o trabalhador.

Poderemos incluir aqui (muito embora uma opinião final deva ser sempre tomada perante cada
caso concreto) a disponibilidade de uma viatura de serviço, o pagamento do telefone ou telemóvel,
etc., quando o respetivo uso seja exclusiva ou essencialmente para o exercício da atividade
profissional. Mas também outras vantagens de caráter seletivo que, indiscutivelmente, se ligam ao
exercício de determinadas funções, como o pagamento das quotas de associações ou clubes de
negócios e outras situações similares.

Haverá ainda que distinguir os fringe benefits das regalias sociais ou realizações
de utilidade social, que adiante referiremos, cujo elemento caraterizador essencial é o
de a elas terem acesso a totalidade dos trabalhadores da empresa ou, pelo menos, os
de certas categorias profissionais: será o caso das cantinas, de serviços médicos e de
enfermagem, dos infantários, do uso de instalações desportivas, etc.

6.3.1. Vantagens acessórias tipificadas

145
Maria dos Prazeres Rito Lousa, «Aspectos gerais relativos à tributação das vantagens acessórias».

146
Vejam-se alguns exemplos em Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 70 ss.

42
Como vimos, a lei sentiu necessidade de enumerar, ainda que de forma
exemplificativa, vantagens acessórias tributáveis como rendimento desta categoria.
Assim:

6.3.1.1. Habitação

São tributáveis os subsídios de residência ou equivalentes e o ganho decorrente da


utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal (ponto 4 da al. b) do
nº 3 do artº 2º).

Está em causa a disponibilização ou o pagamento por outrem (que, contrariamente ao que diz a
lei, não tem necessariamente que ser uma entidade patronal) da residência do trabalhador. Porém,
tal não implica, em todos os casos, a existência de uma vantagem acessória. Assim acontece, p. ex.,
com algumas das chamadas casas de função, nas quais certos trabalhadores devem residir em razão
da sua atividade, situação esta que também acontece nas empresas privadas; o fornecimento de
habitação a custos reduzidos quando tal objetivamente se justifique (p. ex., em complexos mineiros
situados em zonas ermas, trabalhadores temporariamente deslocados, etc.).

As regras de quantificação desta vantagem acessória constam do n.º 2 do art.º


24º. Em resumo, temos que sendo, uma casa arrendada, a componente remuneratória
corresponderá ao montante de renda suportado pela entidade empregadora; não
havendo renda, ao valor correspondente à renda condicionada, determinada nos
termos da respetiva legislação.

6.3.1.2. Mútuos

É tributável o ganho decorrente da contração pelo trabalhador de empréstimos,


concedidos ou suportados pela entidade patronal, sem juros ou com taxa de juro
inferior à de referência para o tipo de operação em causa (ponto 5 da al. b) do nº 3 do
artº 2º).

Trata-se de uma vantagem corrente no setor bancário, em que o “pacote salarial” inclui a
possibilidade de utilização pelo trabalhador de um determinado plafond de crédito com condições
excecionais. Como resulta da lei, existe aqui uma situação de não tributação, ainda que limitada,
relativamente à concessão de crédito para habitação.

As regras de quantificação da desta vantagem acessória constam do n.º 3 do


art.º 24º.

6.3.1.3 Viaturas

É passível de tributação o ganho resultante da utilização para fins privados de uma


viatura de serviço (ponto 9 da al. b) do nº 3 do artº 2º), bem como da sua aquisição
pelo trabalhador ou membro do órgão social a preço inferior ao do mercado (ponto 10
da al. b) do nº 3 do artº 2º).

43
Atualmente, a lei só considera tributável em IRS esta vantagem, resultante da utilização pessoal
de viatura automóvel que gere encargos fiscalmente dedutíveis para a entidade patronal, quando
exista um acordo escrito entre o trabalhador (ou membro do órgão social) e aquela relativo ao uso
privado por este de tal automóvel. Mais que quaisquer outras razões, terá sido determinante a
constatação que só nestes casos é possível fazer a destrinça entre a sua utilização privada e a
profissional. Porém, como seria de esperar, estes acordos – que, ao tempo da entrada em vigor da
alteração da lei, eram relativamente correntes – “desapareceram” na maior parte dos casos. Serão,
assim, relativamente raros os casos em que tal vantagem acessória será tributada a título de
rendimento do trabalho dependente147.

A lei procurou “contornar” o problema através de uma tributação autónoma dos encargos com
viaturas automóveis, na esfera da entidade empregadora, a qual não tem lugar existindo o acordo
escrito acimas referido.

As regras de quantificação da vantagem acessória resultante do direito ao uso privado de uma


viatura da empresa constam do n.º 5 do art.º 24º, as quais assentam na aplicação de um
determinado coeficiente ao “valor fiscal” do veículo 148 (que a lei designa por valor de mercado, para
distinguir do valor de aquisição, anteriormente o relevante) no início do ano em causa, valor a ser
multiplicado pelo número de meses de utilização.

Na aquisição de uma viatura que tenha originado custos fiscalmente dedutíveis


para a entidade patronal, o ganho tributável do trabalhador corresponderá à diferença
entre o valor “fiscal” do veículo à data e o montante pago pela sua compra.

Ao preço pago pelo trabalhador acrescerá a soma dos valores pelos quais, anteriormente, haja
sido tributado a título de rendimento decorrente do uso privado da (supostamente essa) viatura da
empresa. Ou seja, a lei considera esta tributação – quando tenha lugar – como que um “pagamento
por conta” do imposto devido pelo ganho decorrente da aquisição.

6.3.1.4. Stock options

Os pontos 7 e 8 da al. b) do nº 3 do artº 2º tratam dos chamados planos de


aquisição/subscrição de ações e de opção de aquisição ou subscrição (stock
options)149. A problemática fiscal que aqui se coloca é complexa150.

Trata-se de vantagens remuneratórias que, normalmente, são encaradas como um estímulo à


produtividade dos trabalhadores: estes, como sócios (detendo ou podendo vir a deter ações ou
outros direitos de efeito equivalente) da sociedade para que trabalham ou de outras que integram
esse grupo de sociedades, passarão a ter interesse direto nos respetivos resultados – na apreciação
que o mercado faça da situação de tais sociedades – uma vez que, para além dos eventuais
dividendos, poderão obter um rendimento adicional (uma mais-valia) aquando da alienação dos
títulos.
147
Muito embora existência de um tal contrato possa resultar, hoje, mais económica em termos globais,
dado o aumento da tributação autónoma a cargo da entidade empregadora, cujo montante pode
superar o acréscimo de imposto do trabalhador.
148
A regra de cálculo de tal valor consta do n.º 7 do art.24.º.
149
Sobre o conteúdo destes planos, nas suas diferentes modalidades, Jorge Figueiredo, «Da tributação
dos planos de opção de compra e subscrição de acções pelos trabalhadores. Uma abordagem
integrada». Ver tb. Angela Barros Chaves, Stock Option Plans no Âmbito do Trabalhador, (tese de
mestrado), UCP, Lisboa, 2012.
150
J. G. Xavier de Basto, IRS…, pp. 90 ss.

44
O caso mais simples será o trabalhador receber ações como parte da sua remuneração (p. ex., a
título de prémio de desempenho). Nenhuma dificuldade se levanta: estamos perante uma
remuneração em espécie, em montante correspondente ao valor de mercado de tais títulos.

Nas stock options, a empresa empregadora compromete-se a, durante certo prazo, vender
determinado número de ações, por dado preço, a cada um dos trabalhadores abrangidos pelo plano.
O trabalhador é livre de exercer ou não a opção, tendo, obviamente, interesse em o fazer quando a
cotação das ações seja superior (ou ele preveja que venha a ser superior) ao preço estipulado para o
exercício da sua opção.

Este direito, porque consiste numa mera possibilidade de, no futuro, o trabalhador concretizar
uma aquisição, não constituirá, por princípio, um acréscimo patrimonial suscetível de tributação151.

Situemo-nos, agora, no momento em que o trabalhador decide exercer a opção, sendo que,
então, a cotação das ações é superior ao preço estabelecido no plano para a sua aquisição. O
trabalhador tem um ganho, um incremento patrimonial, correspondente à diferença entre o que vai
pagar e o valor de mercado dos títulos (ganho esse que é resultado direto do exercício da opção que
lhe foi concedida pela entidade patronal como contrapartida da prestação laboral). Algo de
semelhante acontece com os planos de aquisição/subscrição de ações com cláusula de recompra.
Nestes casos, o trabalhador pode, no imediato, adquirir determinado número de ações,
normalmente pelo seu preço de mercado. Mas a empresa assume, durante certo prazo, o risco da
desvalorização desses títulos (eventualmente, da sua insuficiente valorização), obrigando-se a
recomprá-los a um preço pré-fixado. Se o trabalhador revende as ações à empresa pelo “preço
garantido” e este é superior ao que lograria, nesse momento, obter no mercado, parece que,
também aqui, obtém um ganho (ou evita uma perda), o que acontece em razão da garantia prestada
pela sua entidade patronal, ou seja, é uma “vantagem” decorrente da relação laboral.

Durante muito tempo este tipo de incrementos patrimoniais não foi sujeito a
imposto. Entendia-se que a questão da tributação apenas se colocava no momento
da alienação dos títulos pelo trabalhador, em sede de mais-valias. De forma
simples, se o trabalhador, no exercício da opção, adquiria ações por um valor
inferior à respetiva cotação e, depois, as lograva vender por preço superior, o seu
ganho (a sua mais-valia) seria mais elevado do que se as tivesse adquirido a preços
de mercado e, portanto, seria maior o imposto a pagar em resultado da alienação.

Num tal quadro legal, compreende-se que se tivessem generalizado as stock


options, especialmente em favor dos membros dos órgãos sociais e dos quadros das
grandes empresas, uma vez que possibilitavam a compra de ações a preços muito
abaixo dos de mercado e, com a revenda dos títulos, a obtenção de ganhos, por vezes
fabulosos, não sujeitos a imposto152 a uma tributação reduzida em razão da
aplicabilidade de taxas especiais.

151
Salvo nos casos em que o próprio direito de opção seja objeto de transação, liquidação, ou renúncia
onerosa. Então, existirá um incremento patrimonial, tributável como rendimento desta categoria ((7) da
al. b) do nº 3 do artº 2º), no valor correspondente à diferença positiva entre o preço recebido e o valor
que, eventualmente, haja sido pago para aquisição do direito de opção em causa (artº 24º, nº 4, al. c)).

152
Em virtude de uma previsão legal de “não sujeição” antes existente.

45
Ao distinguir o ganho resultante do exercício da opção da mais-valia gerada,
posteriormente, durante o período de detenção dos títulos pelo trabalhador e ao
considerar o primeiro como rendimento desta categoria 153, a lei fiscal fez com que a
utilização deste tipo de “remunerações” perdesse grande parte do seu interesse154.

Hoje, os ganhos derivados de planos de opções, de subscrição e outros, relativos


a quaisquer valores mobiliários, criados em benefício de trabalhadores ou membros de
órgãos sociais, desde que revistam caráter remuneratório 155, constituem rendimento
desta categoria, mesmo que se materializem apenas após a cessação da relação de
trabalho ou de mandato social156. As regras de quantificação de tais rendimentos
encontram-se previstas no nº 4 do artº 24º.

Assiste-se a um renascimento do interesse pelas stock options, nomeadamente


nas stratups tecnológicas, como forma de atrair trabalhadores altamente qualificados,
aos quais a empresa não pode pagar salários competitivos, sendo que tais
trabalhadores, pela natureza da sua formação e atividades que desempenham, terão
elevada propensão para “apostar” no sucesso do projeto empresarial.

Daí a recente criação do benefício fiscal (isenção da tributação destes ganhos,


em determinadas condições e até certo valor) previsto no art.º 43.º-C do Estatuto dos
Benefícios Fiscais.

6.3.2. Outras vantagens acessórias

A enumeração legal é, repete-se, meramente exemplificativa. Facilmente podemos


imaginar outras vantagens acessórias não tipificadas pela lei (p. ex., fornecimento ao
trabalhador, a preço reduzido, de bens ou serviços produzidos pela entidade
empregadora; possibilidade de o trabalhador adquirir bens ou serviços a terceiros em
condições excecionalmente vantajosas por ”intercessão” da entidade empregadora,
etc.), as quais, em princípio, estarão também sujeitas a tributação (cf. al. b) do nº 3 do
153
A tributação das mais-valias mobiliárias é feita, em regra, por aplicação de uma taxa especial
(proporcional), enquanto os rendimentos da categoria A estão sujeitos a englobamento, sendo,
portanto, sujeitos às taxas aplicáveis a esse conjunto de rendimentos do sujeito passivo.
154
L. Saldanha Sanches / Rui Barreira, «O regime actual das stock options»; Rosa Freitas / Ana Bento
Moucho, «O impacto da reforma fiscal na tributação das “stock options”».
155
O que parece excluir, p. ex., situações em que a entidade patronal adquire as ações pelo mesmo
preço que as havia vendido ao trabalhador, apesar de o respetivo valor de mercado ser, nesse
momento, inferior. Neste caso, o trabalhador não tem um incremento patrimonial, muito embora evite
a “perda” que aconteceria se não existisse a garantia de recompra.
156
São, também, integrados nesta categoria, nos termos do ponto 8 da al. b) do nº 3 do artº 2º, os
valores obtidos pelos trabalhadores e membros dos órgãos sociais a título de rendimento de valores
mobiliários abrangidos por um destes planos, durante a respetiva vigência. Será o caso, p. ex., de um
trabalhador, no quadro de um plano deste tipo, adquirir ações cujo pagamento será feito, a prazo, por
“retenção” dos dividendos a que elas darão direito.

46
artº 2º); disponibilização gratuita de estacionamento para a viatura particular do
trabalhador.

A lei prevê expressamente (nº 11 e nº 13 do artº 2º) que o beneficiário direto


de vantagens acessórias que devam ser qualificadas como rendimento tributável nesta
categoria poderá não ser o próprio trabalhador, mas alguém com ele diretamente
relacionado, sendo que, neste caso, tal vantagem acessória – quando deva ser
considerada como tributável – é tida como rendimento do próprio trabalhador.

6.3.3. Quantificação das vantagens acessórias

Dificuldade sempre presente na tributação das vantagens acessórias é a


quantificação do respetivo valor. As regras para tal, que temos vindo a referir, estão
contidas no artº 24º, sob a epígrafe rendimentos em espécie. Porém, tal norma refere-
se apenas às vantagens acessórias expressamente tipi ficadas na lei. Havendo outras
que devam ser tidas como rendimentos do trabalho, tais regras (mesmo que aplicadas
por analogia, o que é sempre questionável nesta matéria) poderão resultar
desajustadas.

6.3.4. Retenção na fonte

Sendo as vantagens acessórias uma forma de remuneração do trabalho, dir-se-


ia, numa primeira análise, que haveria lugar a retenção na fonte nos termos gerais
previstos para esta categoria. Porém, haverá que reconhecer que este mecanismo se
coaduna mal com tal tipo de remunerações: a retenção na fonte corresponde a uma
subtração de um determinado montante aquando de um pagamento, ou seja, parece
implicar a detenção de uma quantia em dinheiro157.

Atento este facto (e as divergências existentes) o legislador de 2015 excluiu os


rendimentos em espécie da obrigação de retenção na fonte (art.º 99, n.º1, al. a).

Entendemos que, para este efeito, devem ser considerados rendimentos em espécie as
componentes remuneratórias que não consistam em entregas de dinheiro (físico ou escritural) ao
sujeito passivo. Assim, p. ex., devem ser havidos como rendimento em espécie os valores
despendidos pela entidade patronal em PPR constituídos a favor de alguns trabalhadores, não
obstante tal implicar um pagamento (em dinheiro) à entidade emitente (do qual o trabalhador é o
beneficiário).

6.4. Indemnização por extinção do contrato

157
Diogo Feio, «Retenção na fonte e rendimentos em espécie».

47
6.4.1. Comecemos por notar que a al. e) do nº 3 do artº 2º expressamente
qualifica como rendimentos do trabalho dependente, incluindo-as nesta categoria, as
importâncias recebidas, a qualquer título, pelo trabalhador em razão da celebração de
um contrato cujos rendimentos sejam inseríveis nesta categoria (será exemplo o
“prémio” pago a um jogador aquando da celebração de um contrato com o seu novo
clube), pela alteração das condições da prestação de trabalho (p. ex., aceitação de
outras tarefas ou de obrigações suplementares), pela mudança de local de trabalho ou
em razão de incumprimento contratual pela outra parte. Subjacente a estes
pagamentos está, pois, uma obrigação contratual.

6.4.2. Para os casos de recebimento de indemnizações por extinção do contrato


de trabalho ou outros contratos que originem rendimentos tributáveis nesta categoria,
a lei estabelece uma não sujeição, ainda que com um limite máximo. Isto
independentemente de a cessação ter resultado de uma decisão unilateral (v.g.,
despedimento) ou de mútuo acordo158.

A razão é dupla: em primeiro lugar, há que atender ao facto de que o montante


indemnizatório será necessário ao trabalhador para ajudar a assegurar a sua
subsistência durante o período de desemprego que, na maioria dos casos, se seguirá;
depois, há que ter em conta que o recebimento de tal soma, em geral relativamente
avultada, terá um efeito disparador sobre a taxa do imposto: o rendimento obtido
nesse ano será excecionalmente elevado, pelo que resultará tributado a taxas elevadas
dada a progressividade do tributo.

Não aproveitam desta não sujeição, relativamente ao recebido a este título, os


gestores públicos, os gerentes e administradores e outros a eles equiparados (al. a) do
nº 4 do artº 2º), embora os rendimentos que auferem pelo exercício de tais funções
sejam de incluir na categoria A.

O limite da não sujeição é o valor médio das remunerações regulares 159 com
caráter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado
pelo número de anos ou fração de antiguidade160 ou de exercício de funções na
entidade devedora (nº 4, al. b), do artº 2º).

O excedente será tributado segundo as regras gerais161.


158
Manuel Faustino, «Sobre o sentido e alcance da nova redacção do artigo 2º, nº 4, do Código do IRS: a
tributação das importâncias recebidas por cessação do vínculo contratual com a entidade patronal».
159
Ou seja, neste cálculo não são tidas em consideração remunerações ocasionais como, p. ex., prémios
de produtividade, mas são consideradas as remunerações correntes ainda que de montante variável (p.
ex. comissões).
160
Vieira de Almeida & Associados, «Compensação pela cessação do contrato de trabalho: conceito de
antiguidade – análise de jurisprudência».
161
Acordada entre o contribuinte e a sua entidade patronal a cessação do contrato de trabalho entre
ambos, obrigando-se ela a pagar-lhe determinadas quantias ao longo de vários anos, a lei a aplicar para

48
Este regime não é aplicável às importâncias relativas a direitos vencidos
durante os referidos contratos ou situações, designadamente salários e subsídios de
férias e de Natal (nº 6 do artº 2º), as quais serão sempre tributadas pela sua
totalidade, não concorrendo para o cálculo do valor não sujeito a imposto.

Ou seja, não tem suporte legal a prática de se atribuir ao trabalhador uma indemnização global,
na qual aparece incluído o valor de retribuições já vencidas ou cujo respetivo facto gerador já
aconteceu, e apurar em função desse valor global se existe um “excesso” tributável.

Esta não sujeição das indemnizações recebidas pelo trabalhador aquando da


cessação do vínculo laboral (ou em outros casos legalmente equiparados) revelou-se
propiciadora de numerosos abusos: trabalhadores que aceitavam rescindir os seus
contratos a troco de uma indemnização (não sujeita a tributação) e, depois, passavam
a ser – como “independentes” – prestadores de serviços da sua antiga entidade
patronal; trabalhadores que recebiam um salário mais reduzido e que no fim do
contrato (já sabido que temporário) recebiam a “diferença” a título de indemnização
por “despedimento”; ou, então, que se despediam ao fim de certo tempo, recebendo
uma indemnização não tributável, e, posterior mente, celebravam novo contrato com
uma outra sociedade de um mesmo grupo. Daí a necessidade da previsão das normas
“antiabuso” constantes da parte final da al. b) do nº 4, dos nº 5, 7 e 10 do artº 2º.

O nº 10 é uma norma que suscita várias questões.

Interessa-nos apenas focar a equiparação que é feita entre a (atual) entidade patronal e (sendo
esta uma sociedade ou entidade equivalente) as sociedades e/ou outras entidades que com ela
estejam em relação de grupo, independentemente do local onde estejam sedeadas ou estabelecidas.
No essencial, a lei prevê a relevância, para efeitos de IRS, do que poderemos designar como relação
laboral com um grupo de sociedades (indo além do vínculo estabelecido com aquela sociedade que
assume, num dado momento, a condição de empregadora162).

Assim, fará cessar a situação de não tributação da indemnização (ou de uma sua parte),
recebida em razão da extinção de um contrato de trabalho com uma sociedade sedeada em
Portugal, o facto de esse trabalhador, dentro de determinado prazo, estabelecer um vínculo laboral
ou profissional com outra sociedade em relação de grupo com a primeira, mesmo que esta esteja
sedeada e/ou estabelecida no estrangeiro (e mesmo que a prestação de trabalho deva ter lugar fora
do nosso país). Inversamente, na determinação da antiguidade relevante para o cálculo do valor da
indemnização não sujeito a imposto, ter-se-á que contabilizar o (anterior) tempo de prestação de
serviço a outras sociedades do grupo, mesmo que não estabelecidas em Portugal. Assim, poderemos
ter situações em que um trabalhador cessa o seu vínculo com um empregador residente e tem
direito a não ser tributado num valor calculado em função de uma antiguidade obtida, na sua maior
parte, ao serviço de entidades não-residentes. Tal não é, porém, paradoxal: nestes casos, o valor

efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares é a vigente em cada um dos anos em que
houve recebimentos em cumprimento de tal acordo (Ac. do STA rec. nº 032/10 de 27-06-2012), o que
traduz o facto de o elemento temporal da tributação ser, nesta categoria, o pagamento ou colocação à
disposição do rendimento.

162
Tema que começa a ser objeto da atenção dos juslaboristas. Entre nós, Catarina Carvalho , Da
Mobilidade dos Trabalhadores no Âmbito dos Grupos de Empresas Nacionais.

49
indemnizatório atribuído ou acordado com o trabalhador terá sido, normalmente, estabelecido
tendo em conta o tempo total de trabalho para o grupo de sociedades e não apenas o tempo ao
serviço da entidade que vai proceder ao respetivo pagamento.

6.4.3. As indemnizações diretamente relacionadas com a prestação de trabalho


(p. ex., as implicadas pela mudança de local de trabalho [salvo os casos previstos no
art. 2.º-A], as decorrentes da violação, pelo empregador, das condições contratuais
serão, por regra, de qualificar como rendimentos desta categoria (al. e) do nº 3 do artº
2º).

Porém, no decurso da relação de trabalho poderão ocorrer factos dos quais


decorra o pagamento de indemnizações a outros títulos, quer pelo empregador, quer
por um terceiro, como uma seguradora. Serão, p. ex., os casos de indemnizações por
acidentes de trabalho, por ofensa de entidade patronal à honra do trabalhador, etc. Os
montantes assim recebidos não cabem na previsão desta norma163.

6.5. Rendimentos sujeitos a taxas especiais

A al. g) do nº 3 do artº 2º considera como rendimentos tributáveis nesta categoria as


gratificações auferidas pela ou em razão da prestação de trabalho, quando não
atribuídas pela respetiva entidade patronal. Está em causa, pois, tributar aquilo que
vulgarmente se designa por gorjetas.

A questão colocou-se, com maior evidência, relativamente a empregados dos casinos, pois as
gratificações deixadas pelos jogadores (“tradicionalmente”, uma percentagem dos ganhos) atingem
montantes muito significativos, constituindo uma das principais componentes da remuneração dos
trabalhadores das salas de jogo; acresce que é fácil ao Fisco apurar da existência e montante de tais
gorjetas, uma vez que é o próprio casino que procede à respetiva contabilização e distribuição. A
pretensão da administração fiscal de tributar tais montantes, inquestionavelmente fundada na lei,
originou sucessivos litígios judiciais164. No que consideramos ter sido uma tentativa de compromisso,
o legislador passou a sujeitar tais remunerações a uma taxa especial (artº 72º, nº 3). Ou seja, muito
embora devendo constar da declaração do sujeito passivo, tais rendimentos escapam à
progressividade do imposto.

Recentemente, a lei veio equiparar a “gorjetas” as compensações e subsídios atribuídos 165 aos
bombeiros voluntários, até determinado limite (art. 72.º, n.º 13), no que consideramos ter sido uma
solução política razoável, uma vez que estão em causa “trabalhadores voluntários”166

163
Ver infra “incrementos patrimoniais”.
164
Mário Patinha Antão, «Tributação das gratificações a profissionais de banca dos casinos»; Sérgio
Vasques, «O jogo, o fisco e o Tribunal Constitucional»; Rogério Fernandes Fer reira /Sérgio Vasques, «A
tributação das gratificações em sede de IRS: a propósito do acórdão nº 497/97, do Tribunal
Constitucional».
165
Numa interpretação extensiva desta norma, cfr. o ofício-circulado da DSISRS n.º 20197, de 24-10-
2017.
166
Estranhamente, mantem-se em vigor o n.º 7 do art.º 12.º que exclui da incidência do imposto o
mesmo tipo de subsídios quando atribuídos em determinada zona do país (Serra da Estrela).

50
6.6. Rendimentos não sujeitos a tributação

Por seu lado, o artº 2º-A 167 exclui da incidência do imposto determinadas
importâncias ou vantagens auferidas pelo trabalhador em razão do seu trabalho,
procedendo àquilo que se designa por desagravamentos estruturais168.

Salientamos:

- o valor das contribuições que as entidades patronais estão obrigadas a efetuar para
sistemas de segurança social, visando assegurar exclusivamente benefícios em caso de
reforma, invalidez ou sobrevivência;

- as importâncias suportadas pelas entidades patronais com seguros de saúde ou


doença em benefício dos seus trabalhadores ou respetivos familiares;

- benefícios imputáveis à utilização e fruição de realizações de utilidade social e de


lazer mantidas pela entidade patronal;

A norma remete para o art.º 43.º do CIRC a definição do que são as realizações de utilidade
social. Segundo este, são creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas e
outras como tal reconhecidas pela administração fiscal.

Algumas notas:

(i) As regalias em causa têm que ser acessíveis a todos os funcionários da empresa e,
eventualmente, a reformados e familiares;
(ii) O reconhecimento pela AT não significa o exercício de um poder discricionário, pelo
que, em última análise, sempre caberá aos tribunais saber se determinada regalia se insere neste
conceito indeterminado de “realizações de utilidade social”;
(iii) O CIRC não refere a expressão “realizações de lazer”, muito embora entendamos que
estas cabem no conceito “realizações de utilidade social”.
Estarão em causa, p. ex., piscinas, ginásios, grupos desportivos e similares.
(iv) Fica a interrogação sobre uma possível interpretação atualística da palavra
manutenção [de tais realizações].
A realidade, ao tempo da feitura do CIRC e que subjaz ainda ao teor do seu art.º 43.º, era o de
as entidades empregadoras (v.g. grandes unidades industriais) oferecerem, elas próprias, estes
tipos de serviços.
Tal situação alterou-se, sendo muitas as empresas que externalizaram a oferta de tais
regalias, pagando ou comparticipando, diretamente ao prestador, nas despesas relativas a
creches, jardins-de-infância, ginásios, etc.
Pensamos ser defensável afirmar que tais pagamentos e comparticipações cabem no âmbito
do art.º 2.º-A (e, também do art,º 43.º do CIRC)169.

167
Num esforço de melhor sistematização, o art.º 2 foi, em 2015, desdobrado, passando a constar do
art.º 2.º as normas de incidência e do art. 2.º-A(2.º-A) as suas principais delimitações negativas.
168
Cf. o artº 3º, nº 1 e 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
169
Constatando o facto de grande número de empresas ter deixado de manter infantários, preferindo
contratualizar com terceiros a prestação desses serviços aos filhos dos trabalhadores, a lei (DL nº 26/99,

51
- As importâncias suportadas pelas entidades patronais com a aquisição de passes
sociais a favor dos seus trabalhadores, desde que a atribuição dos mesmos tenha
carácter geral170;

- as importâncias suportadas pelas entidades patronais em razão da mudança do local


de trabalho, quando este passe a situar-se a uma distância superior a 100 km do
anterior, até determinados limites171.

- As prestações relacionadas exclusivamente com ações de formação profissional dos


trabalhadores.

O preenchimento do conceito formação profissional é difícil, sendo que, em nossa opinião, terá
sempre que ser feito em função do caso concreto.

Existem várias definições, em diferentes diplomas legislativos, as quais, em nossa opinião, não
podem ser aqui utilizadas acriticamente, dado ser outra a teleologia de tais normas.

Em nosso entender, formação profissional será aquilo que, traduzindo-se em ensino ministrado
por entidade reconhecida, seja do interesse objetivo da empresa em razão da melhoria da
produtividade do seu trabalhador que se pretende alcançar (o que, obviamente, não exclui o
interesse pessoal do próprio trabalhador), Assim p. ex., não nos parece correto o entendimento
generalizado de que terá que estar em causa ensino técnico-profissional. A progressão universitária
dos trabalhadores pode ser uma valorização a que subjaz um autêntico propósito empresarial,
atentas as funções em causa. Entendemos, também, que a formação profissional não se pode
circunscrever à atividade exercida. A empresa pode ter interesse em formar trabalhadores seus para
o exercício de outras funções, totalmente diversas das atuais. Essencial é que existam regras para a
concessão de tais apoios que permitam concluir não estar em causa um benefício individualizado.

6.7. Deduções Específicas

Deduções específicas é, como vimos, a expressão utilizada neste imposto para


designar os gastos, fiscalmente relevantes, suportados pelo sujeito passivo em ordem
à obtenção do rendimento.

Relativamente à categoria A, o ponto de partida da lei é o de que os custos do


exercício, de forma dependente, de uma atividade profissional são integralmente
suportados pela entidade patronal. O que nem sempre, há que o reconhecer,
corresponde à realidade.

de 28 de janeiro) veio criar o vale social de infância, benefício este que não é considerado como
rendimento tributável na esfera do beneficiário (art.º 2.º-A, n.º 1, al.b)).
A situação é diferente das que referimos em texto: não está em causa a entrega ao trabalhador
de um “título” de pagamento, mas sim casos em que a entidade patronal assegura a prestação de tais
serviços, ainda que através de terceiros.
170
A norma, introduzida pela reforma de 2015, visou dar um primeiro passo no sentido da relevância
fiscal das despesas relativas às deslocações casa-emprego, ainda que só quando suportadas pela
entidade patronal.
171
A norma, introduzida pela reforma de 2015, visou estimular a mobilidade dos trabalhadores,
nomeadamente a sua deslocação para zonas do interior do país

52
O artº 25º prevê as seguintes deduções específicas aos rendimentos da
categoria A:

6.7.1. Dedução fixa ou dedução das contribuições suportadas

Temos, em primeiro lugar, uma dedução em valor fixo172 (atualmente 4.104 euros),
cuja consagração traduz um tratamento preferencial dos rendimentos do trabalho 173.

Porém, tal dedução fixa só aproveita aos trabalhadores com salários pouco
elevados, sendo que o seu efeito útil diminui à medida que a remuneração cresce. Isto
porque neste montante dedutível se abrangem as contribuições para a segurança
social a cargo do trabalhador.

Ou seja, a partir de determinado nível salarial, as contribuições obrigatórias


pagas pelo trabalhador para regimes legais de segurança social 174 excederão o valor
desta dedução. Neste caso, o trabalhador pode deduzir o montante total de tais
contribuições (artº 25º, nº 2), em lugar da dedução fixa.

Então – para além de outras consequências, que a seguir iremos referir –


desaparece esta proteção fiscal aos rendimentos do trabalho, a possibilidade de
deduzir mais que aquilo que efetivamente foi pago a título de contribuições para a
segurança social.

Esta questão é uma das expressões de um problema mais profundo, o da existência de um


tributo autónomo175 incidente sobre o fator trabalho (a atualmente designada Taxa Social Única 176),
destinado a financiar a segurança social. Tais contribuições, muito embora formalmente suportadas
numa parte pela entidade patronal e noutra pelo trabalhador, são, economicamente, uma forma de
tributação do fator trabalho, na maior parte dos casos o imposto mais elevado que sobre ele incide.

172
Antes de 2015, o montante da dedução era calculado por referência ao valor vigente do IAS,
Indexante dos Apoios Sociais, referencial determinante na fixação e atualização das contribuições, das
pensões e outras prestações sociais.
Tal solução tinha desvantagem de tornar pouco percetível o valor da dedução, mas tinha a
vantagem de esta resultar automaticamente atualizada sempre que ocorressem alterações no seu
referencial (IAS).
173
Cf. o número 8 do Preâmbulo do CIRS. Este tratamento preferencial é, como já referido, contrariado
por muitas outras disposições do código, desde logo pela sujeição obrigatória a taxas progressivas dos
rendimentos desta categoria.
174
Entendidas, por nós, como significando as devidas [em certos casos, cabe ao beneficiário definir,
acima de um mínimo, o valor das suas contribuições, em função do nível de proteção – p. ex., do
montante de pensão de reforma – por ele desejado] em razão de quaisquer regimes legais de proteção
social ou subsistemas legais de saúde (sirva de exemplo a Caixa de Previdência da Ordem dos
Advogados). Neste sentido parece ter ido, também, o Ac. do STA de 16-10-2002, rec. nº 026829, ao
afirmar que “a expressão “contribuições obrigatórias para regimes de protecção social” (…) deve
entender-se no sentido de contribuições não integrantes dos esquemas de prestações complementares
da iniciativa dos particulares”.
175
Que, hoje, alguns entendem revestir a natureza de contribuições financeiras (Sérgio Vasques
::::::::::::::::::
176
Sobre o seu regime, Casalta Nabais, Direito Fiscal, pp. :::::;

53
A existência de um imposto autónomo para financiamento da segurança social resulta,
essencialmente, de razões históricas de que não cabe aqui cuidar. Diremos, apenas, que os atuais
sistemas de segurança social mergulham as suas origens em organizações privadas de solidariedade,
muitas vezes de natureza corporativa e datando da Idade Média, ou em formas de associativismo.
Num segundo momento de evolução, o Estado veio impor a obrigatoriedade de tais contribuições
(aos trabalhadores e, também, às entidades patronais), configurando-se então uma situação
qualificada por muitos como sendo de um seguro público obrigatório 177. Mas manteve-se o princípio
de que só teriam acesso aos (diversos) sistemas de segurança social os que para ele houvessem
contribuído.

Este princípio alterou-se radicalmente com a Constituição de 1976, uma vez que, nos termos do
seu atual artº 63º, nº 1, a segurança social passou a ser concebida como um direito de todos os
cidadãos, abrangendo aqueles que, por alguma razão, não contribuíram para o respetivo
financiamento178. Daí que possamos concluir que a segurança social é, hoje, um “bem público” por
imposição constitucional, que, assim, tem que ser financeiramente suportada por tributos 179. O que
torna compreensível o debate sobre se a segurança social, enquanto tarefa normal do Estado, deve
ser financiada (ainda que só parcialmente) por tributos especiais ou se tal deve ser logrado através
da receita dos impostos gerais.

A experiência europeia é diversificada180. Julgamos que a manutenção das contribuições para a


segurança social acontecerá em razão do efeito de anestesia fiscal que lhes aparece associado: os
trabalhadores encaram tais “descontos” não como um verdadeiro imposto, mas como um
pagamento de que beneficiarão individualmente em razão das regalias sociais (p. ex., subsídios de
doença, desemprego, maternidade, invalidez e reforma) a que têm acesso. Isto sem que uma tal
conclusão exclua a necessidade de parte do financiamento ser obtido através da consignação da
receita de parte de outros impostos.

6.7.2. Indemnizações pagas pelo trabalhador à sua entidade patronal por


rescisão unilateral do contrato de trabalho sem aviso prévio

Muito embora subjacente a tais indemnizações esteja um ilícito contratual praticado


pelo trabalhador, o certo é que o seu pagamento reduz a capacidade contributiva
deste. Daí a aceitação de tais valores, ainda que com limitações, como constituindo
dedução específica ao rendimento desta categoria.

177
Alberto Xavier, Manual…, pp. 66 ss. Vd., tb., J. G. Xavier de Basto, «Para uma análise fiscal das
contribuições para a segurança social».
178
Casalta Nabais, O Dever Fundamental …, p. 200.
179
Tal evolução traduziu-se, também, na passagem de um sistema de capitalização (em que o montante
das contribuições recebidas é investido, gerando-se assim as receitas necessárias ao pagamento das
prestações sociais – lógica esta que é caraterística de uma atividade seguradora) para um sistema de
redistribuição, segundo o qual as receitas resultantes das contribuições dos trabalhadores no ativo são,
imediatamente, afetas ao pagamento de prestações sociais. Tal sistema, se permitiu uma maior e
melhor segurança social, conhece, hoje, uma crise de sustentabilidade, desde logo porque a evolução
demográfica alterou profundamente o rácio entre trabalhadores ativos e inativos.
180
OCDE, Pensions at a Glance, 2007; Ana Sofia Carvalho, «A reforma das pensões na União Europeia»,
Revista Electrónica de Direito, Fevereiro (2014); analisando a situação no nosso país, o interessante
estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Sustentabilidade do sistema de pensões
português, coord. Amílcar Moreira, 2019.

54
6.7.3. Quotizações sindicais

São dedutíveis, dentro do condicionalismo previsto na al. c) do nº 1 do artº 25º. Existe


aqui um estímulo fiscal à sindicalização, uma vez que o valor dedutível é o montante
efetivamente pago, até ao limite que a lei fixa, acrescido de 50%.

6.7.4. Quotizações para Ordens Profissionais

Deixámos afirmado, em edições anteriores desta obra, ser incompreensível que as


quotizações para Ordens profissionais, verdadeiros tributos, cujo pagamento é
condição legal para o exercício de determinadas profissões, não sejam dedutíveis para
efeitos de IRS181. O atual nº 4 do artº 25º é uma falsa resposta a esta questão, pois a
maioria dos trabalhadores que exercem uma atividade, por conta de outrem, que os
obriga a serem membros de uma Ordem Profissional182 terá níveis remuneratórios que
– pelas razões atrás expostas – excluem a aplicabilidade do disposto na al. a) do nº 1
de tal norma.

6.7.5. Valorização profissional

Como deixámos já referido, a lei parte do princípio que a entidade empregadora


suporta a totalidade dos custos inerentes à prestação de trabalho. Tal não
corresponde à realidade, desde logo porque raramente aceitará suportar todos os
encargos relativos à valorização profissional do trabalhador183.

Assim sendo, não se compreende que as despesas suportadas por um trabalhador dependente
com a sua formação não sejam tidas em conta na determinação do rendimento tributável, num país
onde um dos maiores problemas é, assumidamente, a falta de qualificação profissional. A opção
legislativa de abolir a possibilidade (que, na prática, era insignificante) de dedução destas despesas –
cuja única motivação terá sido a de obtenção de um pequeno aumento de receita – foi em sentido
contrário ao preconizado por uma comissão na altura incumbida de refletir sobre este imposto, a
qual recomendou a autonomização, como dedução específica nesta categoria, das despesas de
formação profissional184.

A lei criou uma situação de manifesta desigualdade relativamente aos profissionais


independentes (aos quais, como veremos, é aberta a possibilidade de dedução deste tipo de
despesas), sendo que os trabalhadores podem estar em situações substancialmente idênticas. P. ex.,

181
No mesmo sentido, Portugal, Relatório do Grupo…., p. 222
182
O teor da lei é infeliz (a exigir uma interpretação extensiva), uma vez que as entidades em questão
não têm necessariamente que ter a designação de Ordens. Sirva de exemplo a Câmara dos Solicitadores.
183
Abordámos anteriormente a questão de saber se devem ser incluídos no conceito «remuneração» os
valores despendidos pela entidade patronal com a formação/ valorização profissional do trabalhador.
Aqui questiona-se a não dedutibilidade dos gastos por este suportados.
184
Portugal, Relatório do Grupo…, p. 222.

55
será razoável um advogado avençado de um banco poder obter uma comparticipação fiscal em
razão da sua participação numa determinada ação de formação e tal não ser acessível a um seu
colega, funcionário desse banco, que exerça o mesmo tipo de funções?

Por último, temos que esta questão contende com princípios estruturantes do
imposto: na medida em que sejam desconsiderados gastos que realmente existem e
que são “indispensáveis” à manutenção da fonte produtora (à continuidade e
progresso na prestação de trabalho), a tributação incide sobre um valor que não
corresponde o rendimento real (rendimento líquido) do sujeito passivo.

6.8. Benefícios fiscais

6.8.1. Profissões de desgaste rápido

O artº 27º, observadas que sejam as condições aí previstas, permite aos trabalhadores que
exerçam as chamadas profissões de desgaste rápido deduzir ao seu rendimento as importâncias
despendidas na constituição de seguros de doença, de acidentes pessoais e de seguros de vida que
garantam exclusivamente os riscos de morte, invalidez ou reforma por velhice185.

Tais profissões são apenas aquelas que o nº 2 de tal norma enumera: praticantes desportivos,
mineiros e pescadores186. Ou seja, muitas outras profissões com caraterísticas idênticas não
beneficiam deste regime especial.

As razões desta norma excecional assentam no facto de serem profissões que, normalmente,
exigem um esforço físico elevado; existir um risco de “doença profissional” superior à média; um
período de vida na profissão incerto mas, normalmente, curto. Relativamente aos desportistas 187,
poder-se-á referir, ainda, que existe, em muitos casos, uma fortíssima concentração de rendimentos
num período correspondente a uma pequena parte da sua vida ativa, com posterior queda
significativa da sua capacidade contributiva188.

O artº 12º, nº 5, exclui ainda da incidência do imposto (rigorosamente, estaremos perante


benefícios fiscais) determinados rendimentos dos desportistas de “alta competição” (e, em certos
casos, os de outros intervenientes nas competições, como treinadores), como sejam “bolsas” que

185
José Gomes dos Santos, «Profissões de desgaste rápido».
186
A enumeração das profissões de desgaste rápido relevantes para efeitos deste imposto é muito mais
estrita que a considerada para, p. ex., a antecipação da idade normal de reforma.
187
Em geral, Leonardo Marques dos Santos, «Tributação de desportistas: enquadramento dos
rendimentos derivados da exploração de direitos de imagens em sede de IRS», Fiscalidade, n.º 48,
(2011) p. 33-56; Ricardo da Palma Borges / Pedro Ribeiro de Sousa) «Portugal: Tax planning for incoming
individual sportspersons», Global Sports Law and Taxation Reports, n.º1 (2016) pp. 24-30.
A tributação de rendimentos associados à prática desportiva individual tem levantado
numerosas questões, nomeadamente quanto à distinção entre remunerações decorrentes do trabalho e
as resultantes da cedência de direitos de imagem e/ou dos chamados “direitos económicos” .
Em contexto internacional, tal distinção é relevante porquanto, sendo os direitos de imagem
e/ou os direitos económicas titulados por pessoas coletivas não residentes sem estabelecimento estável
no nosso país, se coloca a questão da legitimidade tributação por Portugal, enquanto país da fonte, para
tributar tais rendimentos, à luz das CDT’ aplicáveis.
A jurisprudência (recente) do CAAD sobre estas questões é numerosa

188
Manuel Faustino, «A tributação dos rendimentos derivados da prática de uma modalidade
desportiva»; Casalta Nabais, «O regime fiscal do desporto profissional».

56
lhes sejam atribuídas e prémios por classificações relevantes obtidas em provas desportivas de
elevado prestígio e nível competitivo.

6.8.2. Outros benefícios

Há, ainda, que ter em atenção as normas do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as
quais isentam de imposto certos rendimentos do trabalho dependente. É o caso, entre
outros, das remunerações auferidas pelo pessoal ao serviço das missões diplomáticas e
consulares ou de organizações internacionais desde que haja reciprocidade (artº 37º
do EBF) e por militares e elementos das forças de segurança em missão de paz ou
humanitárias no estrangeiro (artº 38º do EBF)189.

6.9. – Momento da tributação

Os rendimentos inseríveis na categoria A são considerados rendimento


tributável do período em que hajam sido pagos ou efetivamente colocados à
disposição (art.º 2.º, n.º 1). A obrigação de pagamento supõe, pois, a obtenção prévia
da liquidez necessária. Assim, p. ex., um trabalhador que, no fim de determinado ano,
tenha salários em atraso só fica sujeito à obrigação de pagamento do imposto
correspondente quando, no futuro, os receber.

189
O benefício fiscal traduz-se numa isenção com progressividade: tal rendimento não é tributado, mas
o seu valor é tido em atenção para a determinação da taxa aplicável aos demais rendimentos
englobados.

57
CATEGORIA B

7. Rendimentos empresariais e profissionais

Na versão inicial do CIRS, estes rendimentos estavam repartidos por três


categorias: B (rendimentos do trabalho independente), C (rendimentos comerciais e
industriais) e D (rendimentos agrícolas).

Subjacente a uma tal divisão esteve, desde logo, uma razão “histórica”: anteriormente, a
tributação dos rendimentos obtidos em cada uma dessas atividades era feita por diferentes
impostos (Imposto Profissional, Contribuição Industrial e Imposto sobre a Indústria Agrícola).

A necessidade de autonomização da categoria dos rendimentos agrícolas ficou, de resto,


expressamente afirmada no Código190, com fundamento na indispensabilidade de regras próprias de
determinação da respetiva matéria coletável, desde logo por o ciclo de obtenção de alguns desses
rendimentos (p. ex., no caso da silvicultura) ter caráter plurianual.

Muitos foram os que, aquando da Reforma de 1988/89, defenderam que os rendimentos


auferidos no exercício de atividades profissionais deveriam estar sujeitos às mesmas regras de
apuramento que os obtidos em razão de atividades comerciais e industriais, até porque seria sempre
difícil delimitar com rigor cada uma dessas categorias 191. Não entendeu assim o legislador, para
alguns em razão da pretensão de conceder um tratamento mais favorável aos rendimentos
profissionais do que ao lucro do empresário individual, pela sua natureza essencial de remuneração
do trabalho192. Se tal pretensão alguma vez existiu, o certo é que a inclusão na antiga categoria B se
veio a revelar, em muitos aspetos, desfavorável para os sujeitos passivos.

Os rendimentos empresariais serão, normalmente, obtidos no quadro do


exercício com caráter de habitualidade de atividades de natureza comercial, industrial,
agrícola ou de prestação de serviços. Mas não é necessariamente assim: existem atos
que, embora isolados, são objetivamente comerciais 193. Serão, p. ex., os casos de

190
Cf. o nº 9 do Preâmbulo do Código.
191
Vasco Guimarães, «Tributação das profissões liberais»; J. Gomes dos Santos, «A tributação dos
profissionais liberais: uma proposta de mudança».
192
O trabalho é, certamente, uma componente substancial do lucro de (também) muitas atividades
comerciais e industriais exercidas a título individual. Porém, existem empresas individuais – incluindo
algumas que tenham por objeto o exercício de uma atividade profissional – em que o fator capital
assumirá relevância decisiva. Daí que nos pareça correta a superação da dicotomia tradicional entre
atividades profissionais, por um lado, e atividades comerciais e industriais, por outro. O relevante, em
termos tributários, deve ser a dimensão da empresa (aferida, p. ex., pelo respetivo volume de negócios),
a determinar uma tributação segundo o regime simplificado ou as regras gerais (apuramento do lucro a
partir do resultado contabilístico) previstas no IRC. No mesmo sentido, J. L. Saldanha Sanches, «Conceito
…».
193
Recordemos o ensinamento de Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, pp. 56 ss sobre os atos
assim qualificáveis.

58
compra para revenda e os de transformação (física ou jurídica) de um bem com o
intuito de o vender por melhor preço.

Casos que frequentemente chegam aos tribunais referem-se a operações de loteamento,


efetuadas por não empresários, de imóveis adquiridos sem tal finalidade (p. ex., obtidos por
herança). A jurisprudência é pacífica – cremos que bem – em classificar como rendimentos da
categoria B os ganhos obtidos com a posterior venda dos lotes.

Por vezes, será necessário estabelecer – sendo que o ónus da prova caberá à AT
– a intencionalidade que presidiu à operação em causa para se poder concluir se se
está ou não perante um rendimento de natureza empresarial. Sirva o seguinte
exemplo: alguém adquire e remodela um imóvel com intenção de aí estabelecer a sua
residência ou habitação de férias, mas, por uma qualquer razão (p. ex., dificuldades
financeiras) decide vendê-lo. Não estaremos, então, em presença de um rendimento
da categoria B.

7.1. A unificação de categorias

Como referimos, o legislador decidiu unificar três categorias, passando a


categoria B a integrar os rendimentos empresariais e profissionais, tendo sido
suprimidas as categorias C e D.

Só que tal unificação – ainda que por muitos tida como um passo importante
no sentido da unidade tendencial que deve caraterizar o IRS194 – foi limitada195.

Na realidade, o artº 3º passou a prever a tributação nesta categoria, por um


lado, dos rendimentos decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial,
industrial, agrícola, silvícola ou pecuária (nº 1, al. a)) e, por outro, dos auferidos no
exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo
as de caráter científico, artístico ou técnico (nº 1, al. b)). Ou seja, a diferenciação que,
antes, justificava a existência de duas categorias (B e C) manteve-se, só que agora
referida às situações previstas nas duas primeiras alíneas do nº 1 do artº 3º196.

7.1.1 As “subcategorias” dos rendimentos empresariais e dos rendimentos


profissionais

A inclusão numa destas “subcategorias” determina diferentes consequências


tributárias, nomeadamente quanto às retenções na fonte, uma vez que, como regra,

194
Fernando Castro Silva, «Reforma Fiscal: âmbito e motivações».
195
O aspeto mais significativo de tal unificação foi o facto de as mais-valias obtidas por empresários em
nome individual, no contexto das respetivas atividades, passarem a ser havidas como rendimentos desta
categoria (e não da dos incrementos patrimoniais) ficando, assim, sujeitas a um tratamento fiscal mais
gravoso.
196
Na realidade, há que continuar a distinguir o que sejam rendimentos da indústria agrícola,
nomeadamente para efeitos da aplicação da “exclusão de tributação” prevista no nº 4 do artº 3º e,
ainda, para efeitos de aplicação das regras especiais de quantificação do rendimento das empresas
deste setor de atividade constantes dos artº 34º, 35º, 36º e 36º-A do CIRS.

59
só estão sujeitos a essa forma de pagamento do imposto os rendimentos profissionais
(aqueles que sejam de incluir na previsão da al. b) do nº 1 do artº 3º).

Daí a necessidade de estabelecer a delimitação entre rendimentos


empresariais, em sentido estrito, e rendimentos profissionais.

O artº 4º enumera – ainda que de forma meramente exemplificativa – quais as


atividades que, para efeitos deste imposto, são consideradas como geradoras de
rendimentos empresarias (comercias, industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias).

Existe, também uma tabela de atividades197 (prestações de serviços), cujo


exercício dá origem a rendimentos profissionais (cf. artº 151º e Portaria nº 1011/2001,
de 21 de agosto).

Porém, muitas outras prestações de serviços, traduzidas no exercício de


atividades não constantes de tal tabela, originam, também, rendimentos profissionais.

O facto de uma atividade estar ou não expressamente prevista na referida


tabela gera, como vimos, uma diferente obrigação de retenção na fonte. Tal origina
uma injustiça relativa, resultado de um elemento meramente formal, a inclusão ou não
de determinada profissão numa listagem198.

Uma vez que tal tabela não constitui uma enumeração exaustiva das atividades
que se consideram como geradoras de rendimentos profissionais, a lei define, de
forma geral (al. b) do nº 1 do artº 3º), o que são profissionais para efeitos deste
imposto: todos aqueles que desenvolvem trabalho independente, fundado na
existência de um contrato de prestação de serviços199 200.

7.2.1. O exercício de muitas das atividades que, para efeitos deste imposto, são consideradas
como profissionais implica a necessidade de o sujeito passivo suportar avultados custos. Nestes
casos, só uma pequena parte dos valores recebidos dos clientes corresponde ao rendimento do
sujeito passivo.

Assim acontece, p. ex., nas prestações de serviços conexas com uma atividade industrial (sirva
de exemplo a chamada “confeção a feitio”), cujo rendimento é havido, para efeitos fiscais, como
rendimento profissional (cf. a parte final da al. b) do nº 1 do artº 3º). E ocorre também, cada vez
mais, em todas as profissões independentes: vão rareando os casos em que o respetivo exercício não
197
Tabela essa que é a mesma que, antes da unificação das categorias, constituía um dos principais
critérios de inclusão na antiga categoria B.
198
Problema que sempre esteve presente no IRS. Veja-se J. Gomes dos Santos, «Evolução do regime de
tributação das actividades por conta própria e eventual alargamento do âmbito da tabela de actividades
de carácter científico, artístico ou técnico anexa ao Código do IRS».
199
Para maiores desenvolvimentos, Vasco Guimarães, «Tributação das profissões liberais».
200
A referência expressa às atividades de caráter científico, artístico ou técnico, que vem das redações
anteriores do preceito, redunda, atualmente, num elemento de confusão. É que, antes da unificação das
categorias, apenas eram havidas por tendo estas caraterísticas as atividades constantes da tabela anexa
ao Código.

60
envolva a necessidade de uma verdadeira estrutura empresarial. Pensemos, p. ex., numa profissão
tradicional como a medicina, cujo exercício exige, hoje, a utilização de equipamentos de preço
elevado, manejados por técnicos especializados ao serviço do médico. Algo de semelhante se verifica
com a generalidade das chamadas “profissões liberais”.

Uma vez que os rendimentos obtidos por tais contribuintes são havidos como profissionais,
poderão estar sujeitos a retenção na fonte, a qual é calculada com base no rendimento bruto. É fácil
imaginar situações em que o montante retido supere o imposto devido e, até, o próprio rendimento
tributável (aquilo que o profissional, efetivamente, aufere do exercício da sua atividade).

O que coloca a questão da constitucionalidade das retenções na fonte relativas aos


rendimentos profissionais, uma vez que poderão redundar numa tributação, ainda que “provisória”,
sem qualquer correspondência com a capacidade contributiva do sujeito passivo 201. E explica, em
muito, a vulgarização das sociedades de profissionais, uma vez que os proveitos resultantes das
respetivas prestações de serviços não estão, em regra, sujeitos a retenção na fonte.

7.2. Outros rendimentos

Estão também incluídos na categoria B os rendimentos provenientes da


propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a
uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando
auferidos pelo seu titular originário (artº 3º, nº 1, al. c)).

Estes tipos de rendimento apenas são de incluir nesta categoria quando


auferidos pelo respetivo titular originário (o autor, o inventor, etc.) 202. Na realidade,
podemos então considerar estar em causa a remuneração do trabalho que conduziu a
tal obra, invento ou conhecimento.

Temos, em primeiro lugar, os rendimentos resultantes da cedência de direitos de autor e direitos


conexos. A eles se pretende referir o legislador fiscal com a expressão, porventura menos feliz,
“propriedade intelectual”. Internacionalmente, é corrente o uso da expressão copyright para os
designar.

Classicamente, as obras protegidas seriam criações nos domínios literário, artístico e científico.
Hoje, avultam, em termos de importância económica, outras criações – cuja proteção se procura
lograr dentro dos quadros do direito de autor –, em especial no domínio da informática (software) e,
também, os chamados direitos conexos (direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos
produtores fonográficos e videográficos e dos organismos de radiodifusão sonora ou visual).

Importa ter presente a extraordinária importância que estes rendimentos assumem,


representando, nas economias desenvolvidas, percentagens cada vez mais significativas do PIB,
tradução da progressiva desmaterialização das principais fontes de riqueza. Na realidade, a

201
J. L. Saldanha Sanches, «Retenções na fonte no IRS: uma interpretação conforme à Constituição», e
«Conceito de rendimento …».
202
Quando tais direitos sejam detidos por outrem que não o respetivo titular originário (autor), os
rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a sua cessão ou utilização temporária
são havidos por rendimentos de capitais (artº 5º, nº 2, al. m)) e os ganhos obtidos com a sua alienação
são qualificados como mais-valias (artº 10º, nº 1, al. c)).

61
capacidade criativa e o saber-fazer são o traço distintivo essencial da competitividade de cada
economia.

Há, ainda, que notar a tendência para, cada vez mais, a lei atribuir à empresa (por regra, uma
pessoa coletiva), a titularidade destes direitos quando a criação é lograda por um seu trabalhador 203.
O mesmo é dizer que este tipo de rendimentos assume, cada vez mais, a natureza de ganhos de
pessoas coletivas (assim havidas como seu titular originário), sujeitas a imposto a tal título.

Os direitos de propriedade industrial tutelam, entre outros, as invenções (através de patentes e


modelos de utilidade), as marcas (que identificam produtos e serviços), o design (modelos e
desenhos industriais), os sinais distintivos do comércio (p. ex. nomes e insígnias de estabelecimento,
logótipos), as denominações de origem, etc.

A sua proteção é, em regra, lograda através da obtenção de um registo que confere ao


respetivo titular direitos de exploração exclusiva e, ainda, pela repressão da concorrência desleal
(mesmo quando estejam em causa direitos não protegidos por registo).

Valem aqui, porventura por maioria de razão, as considerações, que deixámos expressas
quanto à crescente importância que estes rendimentos assumem nas sociedades economicamente
desenvolvidas, bem como quanto ao facto de, cada vez mais, a titularidade de tais tipos de direitos e
rendimentos pertencer, mesmo a título originário, a pessoas coletivas.

Também estão abrangidos por esta categoria os rendimentos obtidos pela prestação de
informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico
(know how), mesmo se o objeto de uma tal transmissão não estiver protegido por registo que confira
ao respetivo titular direitos exclusivos.

De forma simples, diremos que num contrato de cedência de know how uma das partes obriga-
se a comunicar à outra conhecimentos ou experiências específicos, não revelados ao público nem de
outra forma acessíveis (p. ex., através do exame de um dado produto), os quais a outra passa a
poder utilizar por contra própria. Ou seja, o cedente não tem que intervir na aplicação das fórmulas
cedidas nem garantir os resultados204.

A distinção entre rendimentos da propriedade intelectual e os demais referidos


é fiscalmente relevante em razão do constante do artº 58º do Estatuto dos Benefícios
Fiscais, segundo o qual (apenas) aqueles, com algumas exclusões205, quando auferidos
por residentes, seus titulares originários, apenas são considerados, até determinado
limite, em 50% do respetivo valor, para efeitos de englobamento.

203
Maria Victória Rocha, «A titularidade das criações intelectuais no âmbito da relação de trabalho».
204
XXXXXXXXXX
205
Excluem-se os rendimentos provenientes de obras escritas sem caráter literário, artístico ou
científico, obras de arquitetura e obras publicitárias (artº 58, nº 2, do EBF). Veja-se, a propósito, o
despacho do SEAF de 20/01/90, e o Parecer a ele subjacente, relativos aos conceitos de “pintor”,
“escultor” e “escritor”, para efeitos deste benefício fiscal (publicados em Ciência e Técnica Fiscal, nº 358,
(1990) 351 ss.) e, ainda, o Ac. do STJ de 28-11-2012, rec. nº 0649/12, que recusou a qualificação de
obras literárias a crónicas publicadas num jornal.

62
7.3. Rendimentos “atraídos” por esta categoria

A lei acentua a lógica de tributação do lucro das atividades empresariais


(incluindo as profissionais) prosseguidas por sujeitos passivos individuais.

A noção de lucro, entendido como o resultado global de uma atividade


empresarial, implica, efetivamente, a perda de autonomia de cada um dos tipos de
ganhos que contribuem para a respetiva formação.

Nesta orientação, a lei considera tributáveis nesta categoria rendimentos de


diferente natureza – os quais, se considerados autonomamente, seriam inseríveis
noutras categorias – obtidos em conexão com o exercício de uma atividade
empresarial ou profissional.

Estão em causa, entre outros, rendimentos prediais, de capitais e mais-valias,


quando obtidos em conexão com atividades de natureza empresarial ou profissional
(artº 3º, nº 2).

Exemplificando:

– rendimentos prediais: o valor recebido por um advogado em razão do arrendamento, a um


colega, de um gabinete do seu escritório;

–rendimentos de capitais: os juros obtidos por um advogado em razão dos saldos das contas
bancárias onde movimenta as quantias recebidas dos clientes206;

– mais-valias: as obtidas por um advogado com a venda do seu escritório.

É relativamente às mais-valias que o facto de a tributação acontecer segundo as


regras da categoria B tem maiores consequências práticas. São considerados como
rendimentos desta categoria as mais-valias obtidas pelo sujeito passivo com a
alienação de bens do ativo da sua empresa (artº 46º, nº 1, al a) do CIRC, aplicável por
força da al. c) do nº 2 do artº 3º). Ou seja, as mais-valias que concorrem para a
formação de rendimentos desta categoria poderão resultar de outras situações que
não apenas aquelas que resultam tributáveis na categoria G. Relativamente às mais-
valias imobiliárias, será considerado rendimento tributável a totalidade do respetivo
valor (ou seja, deixará de se aplicar o disposto na categoria G, em que só é tributável o
montante correspondente a 50% da mais-valia realizada)207

7.3.1 São, portanto, diferentes as consequências, contabilísticas e fiscais,


resultantes do facto de um bem estar ou não afeto ao património que constitui a
206
Conta bancária cuja existência é obrigatória para os sujeitos passivos cujo rendimento tributável seja
calculado segundo o regime da contabilidade organizada (art.º 63º-C, n.º 1, da LGT).
207
Mas, por outro lado, será considerado gasto fiscalmente dedutível o valor correspondente à quota de
depreciação anual do bem em causa (edifício ou construção) enquanto tiver estado afeto à atividade
empresarial do seu titular.

63
empresa de um sujeito passivo individual208. Daí que a sua transferência do ativo da
empresa para o património particular desse empresário ou profissional possa originar
um rendimento (melhor, a ficção legal da realização de um rendimento) tributável (cf.
artº 3º, nº 2, al. c))..

Um exemplo: um advogado tem um automóvel afeto ao uso da sua atividade profissional, o qual
está parcialmente amortizado, tendo um valor contabilístico de 10.000 euros. Decide retirar esse
automóvel do ativo da sua empresa, uma vez que passará a ser utilizado por um filho seu. O valor do
de mercado do automóvel é de 15.000 euros. Há, então, a ficção de um ganho de 5.000 euros, que
integrará – em termos que agora não interessa considerar – rendimento tributável na categoria B.

Voltaremos a esta questão adiante, a propósito da tributação dos rendimentos


decorrentes do alojamento local.

7.3.2. São, ainda, considerados como rendimentos desta categoria, entre


outros, os provenientes da cessão temporária de um estabelecimento e as
importâncias recebidas a título de indemnização, conexas com a atividade exercida
(artº 3º, nº 2, al. d) e e)).

As importâncias recebidas pela cessão temporária de um estabelecimento comercial eram,


anteriormente, qualificadas como rendas e, como tal, inseridas na categoria F. Parece-nos mais
correta a atual qualificação, pois permite a resolução de algumas questões que, anteriormente, eram
suscitadas209.

No tocante às indemnizações, só serão aqui tributáveis as que sejam sucedâneo


de rendimentos que não se obtiveram ou que, potencialmente, deixaram de se obter
(assim, a lei, enumera, na al. d) do nº 2 do artº 3º, a título de exemplo, as
indemnizações pagas em razão de uma redução, suspensão ou cessação da atividade
ou pela mudança do local do respetivo exercício).

Por último, notaremos que os rendimentos a incluir nesta categoria não serão
apenas os resultantes do prosseguimento da atividade profissional, ao contrário do
que poderá resultar da menção da al. b) do nº 1 do artº 3º a rendimentos “auferidos
no exercício (…) de qualquer atividade”.

Assim, a título de mero exemplo, entendemos ser rendimento desta categoria o montante
recebido por um advogado por consentir que o seu nome continue a figurar na firma de uma
sociedade de advogados após ter deixado de exercer a sua atividade profissional.

208
Veja-se, desde logo, o artº 29º, nº 1: na determinação do rendimento (empresarial e profissional) só
são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do ativo da empresa
individual do sujeito passivo ou que estejam afetos às atividades empresariais e profissionais por ele
desenvolvidas.
209
Note-se que a cessão de exploração do estabelecimento, em casos que correntemente acontecem
(cedência feita por sociedades com um pequeno número de sócios, cujo único ativo é o estabelecimento
cedido), poderá determinar a tributação de cada um dos sócios da sociedade em IRS, nesta categoria,
pela sua quota-parte na “renda” recebida. Isto porque, numa tal situação, a sociedade cedente passou a
ter como única atividade uma “simples administração de bens”, ficando sujeita ao regime de
transparência fiscal.

64
7.4. Determinação do rendimento tributável

7.4.1. Com base na contabilidade

Nesta categoria, está em causa a tributação do lucro de atividades empresariais


(entendida aqui a expressão em sentido amplo, abrangendo as atividades
profissionais).

A regra do nosso sistema fiscal é o lucro ser apurado com base na


contabilidade. A matéria coletável do imposto corresponderá então ao resultado
contabilístico depois de “corrigido” segundo as prescrições da lei fiscal 210. Estas normas
constam do Código do IRC, o que se compreende por ser a forma societária a mais
corrente para titular empresas e, também, pelo facto de todas as sociedades,
independentemente da sua dimensão, serem obrigadas a possuir uma contabilidade
organizada segundo as normas legais aplicáveis.

Relativamente aos empresários em nome individual com contabilidade


organizada211, o artº 32º remete, no essencial, para o CIRC. O que também se
compreende, pois a determinação do lucro deve, sempre que possível, seguir as
mesmas regras, qualquer que seja a forma jurídica da empresa (p. ex., empresário em
nome individual ou sociedade comercial). Ou seja, a tributação deve ser neutra
relativamente à forma jurídica escolhida para a empresa212.

7.4.1.1.– Caso o sujeito passivo exerça a sua atividade na sua habitação,


consideram-se dedutíveis apenas 25% dos encargos com esta conexos, como sejam
rendas ou amortizações, energia, água e telefone fixo (nº 5 do art.º 33.º).

7.4.2. O regime simplificado

Os sujeitos passivos residentes que obtenham rendimentos da categoria B que não


excedam determinado limite (vendas e outros ganhos), atualmente 200.000 euros,

210
Tomás Cantista Tavares, Da relação parcial de dependência entre a contabilidade e o direito fiscal na
determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos» e
IRC e Contabilidade – Da Realização ao Justo Valor.
211
São obrigados a possuir contabilidade organizada e, portanto, a apurar o seu rendimento tributável
com base nesta, os empresários em nome individual que não preencham os requisitos que tornam
possível a sua integração no regime simplificado. São, também, apurados com base na contabilidade os
rendimentos tributáveis em IRS por força do regime da transparência fiscal, que adiante referiremos,
uma vez que, nestes casos, a quantificação do lucro é feita ao nível da própria sociedade, ou seja, de
harmonia com as prescrições do CIRC.
212
Existiam várias limitações à dedutibilidade de custos pelos empresários individuais,
comparativamente ao que aconteceria caso prosseguissem a sua atividade sob forma societária, o que, a
nosso ver, era incompreensível, como demos nota em edições anteriores desta obra.
Tais limitações foram eliminadas pela reforma de 2015, apenas subsistindo, com maior
relevância, a constante do n.º 1 do artº 33.º, a qual, mais que uma limitação, é uma norma que visa
prevenir abusos: obstar a que o empresário em nome individual atribua a si próprio remunerações
enquadráveis na categoria A, de forma a aproveitar das deduções específicas aplicáveis nesta categoria.

65
ficam sujeitos ao chamado regime simplificado, salvo se optarem pelo regime da
contabilidade organizada (artº 28º, nº 2 e 3).

7.4.2.1. Somos confessos defensores deste tipo de regimes de apuramento do


lucro, especialmente no tocante às pessoas singulares213.

A obrigatoriedade de as pequenas empresas possuírem contabilidade organizada implica um


encargo relativamente desmesurado, de que muitos desses agentes económicos prescindiriam não
fossem as exigências fiscais.

Acresce que a tributação feita com base no lucro apurado pela contabilidade é, muitas vezes,
um “convite” à evasão fiscal. Isto porque, gozando o resultado contabilístico de uma presunção legal
de verdade, recai sobre a administração fiscal o ónus da prova da sua não correspondência à
realidade. Prova extremamente difícil de lograr quando a contabilidade se encontra em boa ordem e
é, intrinsecamente, coerente. Mais ainda, a administração fiscal, numa razoável opção de afetação
dos seus recursos materiais e humanos (naturalmente sempre escassos), privilegia a fiscalização dos
grandes contribuintes, renunciando, por impossibilidade, a efetuar inspeções periódicas aos demais.
Até porque o custo de uma inspeção às pequenas empresas dificilmente resultará compensado pelo
“benefício” resultante da cobrança de um montante adicional de imposto. A situação vulgar é a de a
maioria das pequenas e médias empresas nunca ser objeto de fiscalização. Tal constitui, obviamente,
um estímulo à evasão, dado o risco relativamente baixo da sua deteção.

É corrente em outros países o recurso a sistemas simplificados de determinação do


lucro tributável214.

O tema dos regimes simplificados de determinação do lucro tributável não é


simples, reconheça-se215. Em primeiro lugar, há que ponderar o significado da
exigência constitucional de que a tributação das empresas incida, fundamentalmente,
sobre o rendimento real (artº 104º, nº 2 da CRP). Não cabendo aqui analisar esta
questão216, diremos apenas que regimes de quantificação do lucro com base em
“indicadores objetivos” poderão conduzir a que a tributação incida sobre o rendimento
normal das empresas, o rendimento que elas poderiam obter operando em condições
normais de mercado, o que, enquanto regra de tributação, poderá resultar
inconstitucional.

Acresce a grande dificuldade de definir regras que permitam, de forma


fundamentada e válida, ao menos para a generalidade das situações, determinar, sem
auxílio da contabilidade e com o recurso a elementos fácil e seguramente controláveis,
qual o lucro que uma empresa, supostamente, terá tido. Dizemos supostamente, pois
tais sistemas terão sempre, sob pena de inconstitucionalidade, que admitir uma ampla
213
Relativamente às pessoas coletivas (sociedades), a questão não será tanto a da conveniência de um
regime simplificado, mas sim a de saber se o mesmo resulta coerente com a obrigação de disporem de
contabilidade organizada.
214
Portugal, Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, pp. 340 ss;
Desenvolvidamente, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, pp. 349-368.
215
J. L. Saldanha Sanches, «Conceito …», (2001).
216
Casalta Nabais, «Alguns aspectos do quadro constitucional da tributação das empresas»; J. G. Xavier
de Basto, «O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária».

66
possibilidade de o contribuinte produzir prova em contrário, demonstrando que não
teve o rendimento normal que a administração tributária lhe imputa ou, até, que nem
obteve lucros, mas sim prejuízos217.

7.4.2.2. Num breve resumo, diremos que o atual regime simplificado se


carateriza por:

a) ser supletivo

Os contribuintes potencialmente abrangidos podem escolher apurar o seu lucro


segundo o regime normal da contabilidade organizada (artº 28º, nº 3). Tal opção pode
ser feita aquando do início da atividade e, depois, em cada ano (nº 4 e 5 do artº 28º).
Ou seja, verificados os respetivos pressupostos, o regime simplificado é o supletivo.

A lei veio permitir a mudança de regime em cada ano, o que, para além de dar
tradução ao interesse de muitos sujeitos passivos, pôs termo a muitos litígios que a
obrigatoriedade de permanência durante vários exercícios havia suscitado.

O sujeito passivo é obrigatoriamente excluído do regime simplificado –


passando a estar sujeito ao regime normal da contabilidade – se, em dois exercícios
consecutivos, ultrapassar o limite de rendimentos previsto no artº 28º, nº 2 ou se, num
único exercício, ultrapassar em mais de 25% esse limite (artº 28º, nº 6). A tributação
pelo regime de contabilidade organizada acontecerá a partir do período de tributação
seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.

b) implicar uma presunção dos gastos

Apenas são presumidos os gastos (custos), aceitando-se, em princípio, como


reais os ganhos (proveitos) declarados pelo contribuinte218.

É fácil de ver a fragilidade essencial que daqui resulta para o sistema. No setor do retalho, onde
se situa a maioria dos contribuintes potencialmente abrangidos, é, em muitos casos, praticamente
impossível controlar o valor das vendas pela simples razão de que os clientes (consumidores finais)
não exigem qualquer documento comprovativo da aquisição.

O rendimento coletável é o resultante da aplicação de determinados coeficientes aos


proveitos (artº 31º, nº 2). A lei presume que os gastos fiscalmente relevantes
correspondem, atualmente, a

217
Casalta Nabais, «Alguns aspectos …», (2002), p. 26.. O STA, no Ac. de 04-11-2009, rec. nº 0553/09,
seguido pela jurisprudência posterior, entendeu que, não se demonstrando a obtenção de rendimentos
pelo sujeito passivo, não há lugar à determinação do lucro tributável por aplicação do regime
simplificado, pois que não se verifica o pressuposto do imposto (inexiste o facto tributário).

218
A Administração Fiscal continua a poder corrigir os valores declarados pelos contribuintes (que, neste
caso, serão os proveitos), com recurso a métodos indiretos (indiciários), como resulta do artº 39º.

67
• 85% do rendimento bruto dos comerciantes (vendas de
mercadorias e produtos) e dos empresários de hotelaria, restauração e similares
(coeficiente aplicável: 0,15);

• 25% do rendimento bruto dos profissionais das atividades constantes da tabela


a que se refere o artigo 151º - os chamados “profissionais liberais” – (coeficiente
aplicável: 0,75);

• 65% do rendimento bruto dos restantes prestadores de serviços


(coeficiente aplicável 0,35).

Ou seja, no regime simplificado nunca haverá resultados negativos219.

A previsão, quanto às prestações de serviços, de dois diferentes coeficientes


(0,25 e 0,35) teve subjacente a existência de realidades distintas, a das prestações de
serviços de natureza profissional (cujos gastos são, em regra, menos expressivos) e a
dos serviços de carácter empresarial (nas quais os gastos, por regra, assumem valores
mais significativos)220.
Os prestadores de serviços, em ambos os casos, poderão ainda deduzir ao
montante do seu rendimento líquido presumido (i. e., ao resultado da multiplicação do
rendimento bruto pelo coeficiente aplicável) a parte do valor pago para regimes de
segurança social que exceda 10% do rendimento bruto221.

Existem coeficientes especiais, aplicáveis a determinados rendimentos.

Estão em causa, por regra, rendimentos passivos, ou seja, cuja obtenção não implica custos
diretos significativos, ou porque são subsídios (al. e) e f) do n.º 1 do art.º 31.º) ou porque são
rendimentos passivos atraídos à tributação nesta categoria, ou seja, rendimentos que não são, na
sua natureza, empresariais (rendimentos de capitais, prediais e mais-valias (al. d)).
A existência de deduções, ainda que correspondentes a percentagens menores do rendimento
bruto, justificar-se-á pelo facto de tais ganhos constituírem parte do rendimento global da atividade
empresarial, cujo exercício supõe gastos gerais que, por alguma forma, devem ser imputados a todos
os tipos de proveitos obtidos.
O coeficiente especial previsto para os rendimentos prediais é aplicado não ao rendimento
bruto – como é regra no regime simplificado –, mas ao rendimento líquido, apurado nos termos da
categoria F. Tal compreende-se em razão da lógica subjacente à opção, que agora a lei prevê, de
inclusão dos rendimentos prediais na categoria B. Não existindo esta dedução “adicional”, aplicando-
se o regime simplificado não seriam considerados, todos os tipos de gastos222.

219
Veja-se o art.º 55.º, n.º 4, relativo ao reporte de prejuízos de exercícios anteriores nos quais o
rendimento tributável tenha sido apurado com recurso à contabilidade.
220
Relatório comissão
221
Visa-se prevenir que haja lugar a tributação nos casos de o rendimento resultar negativo (ou quase
negativo) em razão do valor de tais contribuições, as quais, em muitos casos, dependerão do “escalão
de rendimento” escolhido pelo sujeito passivo para servir de base ao respetivo cálculo.
222
O que acontece, como veremos, no apuramento do rendimento tributável segundo as regras da
categoria F. Tal facto foi, como oportunamente veremos, determinante da opção legislativa de permitir
a inserção dos rendimentos prediais na categoria B, por opção do sujeito passivo.

68
Na alínea g) do n.º 1 do art.º 31.º estão previstas situações em que o coeficiente aplicável é 1,
ou seja, em que não é considerada qualquer dedução ao rendimento bruto. Tal explica-se como
medida para prevenir abusos, prováveis dadas as relações especiais existentes entre o prestador de
serviços e a entidade a quem tais serviços são prestados.

Do número restrito de coeficientes, aplicáveis a atividades tão diversas e,


muitas vezes, exercidas em condições muito díspares, resulta, necessariamente, em
situações de profunda injustiça, tão diferente será a relação entre o rendimento bruto
e o ganho lucro líquido. O sistema só é tolerável (só é constitucional) porque pode ser
afastado através da opção pelo cálculo do rendimento com base em contabilidade
organizada.

Os coeficientes aplicáveis são aos “profissionais liberais” e restantes prestadores de


serviços objeto de redução nos dois primeiros anos de atividade, quando os sujeitos
passivos não obtenham rendimentos subsumíveis às categorias A e H (n.º 10.ºdo art.º 31.º).
Trata-se de um (pequeno) estímulo fiscal ao “auto-emprego”.

d) dispensa de algumas obrigações acessórias

Essencial neste regime é o facto de o sujeito passivo não ser obrigado a dispor
de contabilidade organizada, cuja elaboração teria de ser confiada a um contabilista
certificado (cf. artº 116º).

Na realidade, grande parte dos sujeitos passivos abrangidos pelo regime


simplificado sempre terá que ter registos contabilísticos, porque necessários ao
cumprimento das suas obrigações em IVA, como sejam, p. ex., a documentação
comprovativa das aquisições (que, grosso modo, correspondem a custos) que
conferem direito a crédito de (deste) imposto223.

Acresce que, sem registos contabilísticos, não se vê como é que poderão ser
identificados e quantificados outros rendimentos (que não os resultantes das vendas
que constituem objeto da atividade em causa) a incluir nesta categoria. É o caso das
mais-valias.

7.4.2.3. Conhecidas as vantagens da existência de regimes simplificados de determinação da


matéria coletável mas, também, as fragilidades do sistema vigente, coloca-se, obviamente, a questão
da sua remodelação ou, eventualmente, da sua abolição. Num Relatório já referido 224, entendeu-se
que o atual regime, pese embora todos os seus reconhecidos defeitos, tem tido, quando aplicado a
pessoas singulares, uma aceitação generalizada, pelo que se recomendou a sua manutenção
relativamente aos contribuintes individuais que se encontrem em situação que não os obrigue a ter
contabilidade organizada, opção esta reafirmada pela Comissão que elaborou o anteprojeto da
reforma de 2015225

223
::::::::::::::::::::::::::
224
:::::::::::::::::::::::::
225
::::::::::::::::::::::::::::

69
A reforma do IRC de 2014 optou por reintroduzir o regime simplificado para (alguns) sujeitos
passivos deste imposto, ainda que com substanciais alterações relativamente ao sistema antes
vigente. Tais alterações refletiram-se diretamente na atual disciplina deste regime em IRS, o que
bem se compreende pois, estando em causa sistema de determinação da matéria coletável comum a
empresas tituladas por pessoas singulares e coletivas, não seria compreensível a existência de
divergências profundas.

7.4.2.4 O regime simplificado sofreu recentemente uma profunda


descaracterização, no tocante aos “profissionais liberais” e outros prestadores de
serviços.

Passou a existir como que um sistema híbrido, segundo o qual, para


aproveitarem integralmente da dedução ao rendimento bruto resultante dos
coeficientes aplicáveis, os sujeitos passivos em causa têm que comprovar a realização
de despesas (gastos conexos com a atividade), das enumeradas no n.º 13 do art.º 31.º,
correspondentes, no mínimo, a 15% do rendimento bruto.

Se não o lograrem, a diferença entre os dois valores (15% do rendimento bruto e


o somatório das despesas) acrescerá ao rendimento coletável resultante da aplicação
dos coeficientes.

É inquestionável que esta alteração legislativa produziu um impacto significativo em termos de


aumento da receita, o que obriga a concluir que o regime simplificado resultava excessivamente
benéfico para muitos contribuintes (que o rendimento líquido presumido era claramente inferior ao
real) 226.

O certo é que com esta alteração legislativa, relativamente aos contribuintes por ela abrangidos
(que serão em número muito significativo, no universo em causa), o regime simplificado como que
ficou reduzido à não obrigação de existência de contabilidade organizada.

Abriram-se assim amplos campos de litígio, quer relativos à dedutibilidade das despesas
apresentadas (à sua natureza de gastos inerentes à atividade) - ou seja, perdeu-se uma das maiores
vantagens justificativa da existência de regimes simplificados -, quer quanto á inserção da atividade
de determinados contribuintes numa das especificamente previstas na tabela anexa ao Código227.

226
Num exemplo: um advogado, recebendo de 100.000 euros de honorários, tinha, em resultado do
coeficiente aplicável, um rendimento tributável de 75.000, mesmo que a totalidade dos gastos
suportados fosse apenas de 15.000.

227
A referência a «atividades especificamente previstas na tabela» (art.º 31, n.º 1, al. b) ) é entendida
como excluindo as «outras atividades exclusivamente de prestação de serviços» a que se refere o n. º
15 de tal tabela. Ora, em resultado da alteração legislativa que estamos a analisar, os outros prestadores
de serviços (aqueles que não exerçam, ao menos em parte, uma das atividades expressamente
elencadas) gozam de apreciáveis vantagens, pois o coeficiente aplicável é 0,35 e não têm o ónus de
comprovar quaisquer despesas. Assim, muitos serão os que pretenderão agora ser qualificados como
prestadores de «outros serviços». No nosso entender, a enumeração das atividades expressamente
elencadas tem de ser entendida de forma restritiva, desde logo em homenagem à sua “tipicidade
fechada”. Veja-se, ainda que a propósito de uma questão diferente (sujeição ao regime da transparência

70
Por último, surge como discriminatório o facto de os comerciantes e os que exercem atividades
nos sectores da hotelaria, restauração e similares (ou seja, os abrangidos pela al. a) do n.º 1 do art,º
31.º) não terem ficado sujeitos ao novo regime228.

7.5. Atos isolados

É frequente a obtenção de forma meramente episódica de rendimentos desta


categoria. Ou porque tais sujeitos exercem outro tipo de atividade (p. ex., um
funcionário público que colabora, como monitor, em atividades de formação) ou
porque não têm, regularmente, qualquer atividade remunerada (p. ex., um estudante
que presta determinados serviços durante umas férias escolares).

Estes rendimentos, ainda que esporádicos, estão sujeitos a tributação, por


inclusão nesta categoria, como reafirmam as al. h) e i) do nº 2 do artº 3º.

Nestas circunstâncias, compreende-se a dispensa de algumas das obrigações


acessórias a que, por regra, estão obrigados aqueles que têm rendimentos inseríveis
nesta categoria.

Se apenas praticarem “atos isolados” geradores de rendimentos desta categoria, os sujeitos


passivos estão dispensados do cumprimento das obrigações acessórias previstas nos artº 112º e
seguintes, nomeadamente de efetuar as declarações de início e cessação de atividade e de possuir
livros de registo das operações que efetuam (artº 116º, nº 5).

A delimitação do conceito de atos isolados (que, a nosso ver, não corresponde a “ato
229
único” ) é hoje menos relevante, uma vez que deixaram de existir regras especiais para o
apuramento do rendimento tributável deles decorrentes, o qual será feito segundo as regras
do regime simplificado ou da contabilidade organizada, consoante o seu valor permita ou não
a inserção no primeiro dos referidos regimes (artº 30º)230.

fiscal), o Ac. do CAAD


228
Estamos cientes das dificuldades de aplicação deste novo regime a tais sectores, pois, na prática,
obrigaria ao controlo das aquisições declaradas, geralmente mais numerosas e diversificadas que as dos
prestadores de serviços (estarão em causa produtos adquiridos para revenda e matérias primas, como
p. ex., as destinadas a culinária nas atividades de restauração). Porém, tais ´dificuldades não nos
parecem suficientes para justificar uma tão significativa diferença nas regras de tributação aplicáveis.
229
A questão surge em razão das divergências entre os normativos do IRS e do IVA quanto a estas
situações. De forma simples, temos que o CIVA apenas prevê um sistema especial (que não obriga a
prévia inclusão no cadastro dos sujeitos passivos desse imposto e, consequentemente, à entrega
periódica de declarações) de liquidação e pagamento para, anualmente, um só ato.
230
A Comissão de Reforma do IRS, de 2015, assumiu que poderiam estar em causa vários atos, como
resulta do seguinte passo do seu Relatório, a p. 12: “A Comissão, motivada essencialmente pelo desejo
de promover a progressiva integração de jovens do mercado de trabalho, a qual muitas vezes acontece
pela realização (nomeadamente por estudantes), de tarefas pontuais remuneradas, propõe que o
rendimento obtido pela prática do que a lei designa por “atos isolados”, quando não exceda anualmente
o valor correspondente a quatro vezes o montante do Indexante de Apoios Sociais (IAS), fique isento de
IRS, sem exigência do cumprimento de quaisquer obrigações declarativas por parte dos beneficiários.
Esta proposta encontrou concretização, nomeadamente, no art.º 58.º, n.º 2, b).

71
7.6. Exigibilidade do imposto

Na redação inicial do Código, os rendimentos da Categoria B só ficavam sujeitos


a imposto a partir do momento do pagamento ou colocação à disposição dos
respetivos titulares.

Atualmente (nº 6 do artº 3º), a exigibilidade do imposto acontece, por regra, no


momento em que, para efeitos de IVA, seja obrigatória a emissão de fatura ou
documento equivalente. Não existindo tal obrigação, o facto gerador ocorre com ao
pagamento ou colocação à disposição do titular do rendimento em causa.

Temos, assim, que o imposto pode ser devido independentemente do facto de o


sujeito passivo ter recebido o rendimento em causa. Para além das dificuldades que
pode provocar aos empresários com menores recursos financeiros, suscita questões
complexas relativamente aos contribuintes abrangidos pelo regime simplificado231.

231
Referimo-nos, p. ex., às situações decorrentes de créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa.

72
CATEGORIA E

8. Rendimentos de capitais

8.1. Definição económica

Como vimos, normalmente a lei procede à tipificação dos rendimentos sujeitos a


imposto através do recurso a tipos estruturais, através de previsões normativas que
procuram, por meio de sucessivas formulações, abranger todas as modalidades
contratuais que possam ter como consequência a perceção de um dado rendimento.

Esta técnica de tipificação encontra dificuldades evidentes quando os


rendimentos em causa podem advir de uma infinita variedade de contratos,
especialmente em áreas onde, constantemente, se criam novas formas negociais.
Assim acontece, em particular, no domínio dos rendimentos de capitais, muitos dos
quais são obtidos, hoje, através dos mais variados e sofisticados “produtos
financeiros”.

Daí que o legislador tenha procurado começar por descrever os factos


geradores de rendimentos de capitais atendendo sobretudo ao resultado económico
produzido, independentemente, portanto, do tipo estrutural de negócio que lhes
esteja subjacente232. Técnica que resultará, é certo, numa menor densidade de
tipificação e, portanto, num menor grau de segurança, mas que não tem sido, no caso
concreto, objeto de juízos de inconstitucionalidade233.

8.1.1. Seguindo esta orientação, o legislador consagrou uma “definição geral”


de rendimentos de capitais: os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que
seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes,
direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações
jurídicas de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou
cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias
(artº 5º, nº 1).

Esta noção parte da consideração de que se pretendem tributar todos os frutos


do capital. Fruto é, juridicamente, tudo o que a coisa produz, periodicamente, sem
prejuízo da sua substância234.

232
J. L. Saldanha Sanches, Manual…, p. 314. 201
233
Cf. o Ac. do Tribunal Constitucional nº 756/95, de 20 de dezembro.

234
Frutos civis, ou seja, rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação
jurídica (artº 212º, nº 2, do Código Civil).

73
Temos, assim, que há rendimentos de capitais, tributáveis nesta categoria 235,
quando um bem deva ser havido por capital (património, bens, direitos ou situações
jurídicas de natureza mobiliária) e produza vantagens económicas sem que tal
implique para o respetivo titular a perda dessa fonte. Havendo alienação da fonte, o
ganho obtido constituirá, em princípio, uma mais-valia 236. Os rendimentos de capitais
(como, também, as mais-valias) assumem natureza passiva, resultam da titularidade
de um bem mobiliário que, por regra, é cedido temporariamente a outrem, ou seja, a
sua obtenção não implica uma “real” atividade do respetivo beneficiário.

8.1.2 – Pese embora a aparente clareza dos critérios distintivos de rendimentos


de capitais e mais-valias, a sua concretização não é isenta de dificuldades. Existem, p.
ex., negócios jurídicos que, embora não implicando a alienação da fonte produtora,
determinam a sua extinção.

A reforma de 2015 atendeu a este facto 237, “deslocando” para a categoria G rendimentos de
alguns negócios jurídicos antes considerados, no art.º 5.º, como originando rendimentos de
capitais238. A razão para tal aparece explicitada pela Comissão como se segue: ”Esta circunstância,
para além de encerrar um desajustamento entre a natureza dos rendimentos e a norma de
incidência aplicável, conduz a que apenas seja dada relevância fiscal aos rendimentos positivos (aos
ganhos), desconsiderando-se os resultados negativos (as perdas), com prejuízo de princípios
enformadores do IRS, como sejam o da tributação pelo rendimento real efetivo e o da capacidade
contributiva”239.

Na realidade, a extinção da fonte produtora confere ao rendimento então obtido natureza


esporádica, própria do rendimento-acréscimo que são as mais-valias.

Ao serem incluídos na categoria G, permite-se, relativamente a estes rendimentos, a


consideração de perdas ocorridas em anos anteriores, de gastos inerentes à sua obtenção, etc., o
que não acontece na categoria E pois que esta incide sobre rendimentos brutos.

8.2. Enumeração legal

A lei, em homenagem a uma maior segurança (e, até, porque é mais que duvidoso que
a definição geral atrás referida se mostre idónea para, só por si, permitir qualificar com
segurança um determinado rendimento como pertença desta categoria), continua a
proceder a uma listagem de atos ou contratos geradores de rendimentos de capitais.
Enumeração que resulta meramente exemplificativa em virtude da existência de uma
definição económica. Vejamos algumas situações expressamente previstas240:
235
Salvo se, por força do sistema, devam ser considerados rendimentos de outras categorias. Assim, p.
ex., os rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e
profissionais (artº 3º, nº 2, al. b).
236
Ou seja, parece que deveriam ser rendimentos de capital apenas os ganhos resultantes de operações
que não impliquem a renúncia a ganhos futuros pela alienação da fonte produtiva.
237
Já constatado pela doutrina, nomeadamente por Saldanha Sanches, «Conceito …,» p. 61.
238
Reembolso de obrigações e outros títulos de dívida; resgate de unidades de participação em fundos
de investimento e da liquidação destes fundos; cessão de créditos.
239
Portugal, Relatório da Comissão…, pp. 42 ss.
240
Para maiores desenvolvimentos, Paula Rosado Pereira, Estudos sobre IRS.

74
8.2.1. Remuneração do investimento a crédito (artº 5º, nº 2, al. a) a g))

O paradigma será o dos juros ou quaisquer outras formas de remuneração devidas em


razão de um contrato de mútuo ou outros de efeito económico equivalente241.

O mútuo entre particulares é relativamente raro. Acontece, as mais das vezes,


através de instituições financeiras, quer sob a forma de depósitos242, à ordem ou a
prazo (em que o depositante é o que dá de mútuo), quer através de empréstimos por
aquelas concedidos243. Vulgares são, também, os suprimentos – empréstimos feitos às
sociedades pelos respetivos sócios244 –, até pelas vantagens fiscais e outras que lhes
podem estar associadas245.

Na prática, mormente a comercial, existem muitos outros contratos que,


economicamente, equivalem a um mútuo: daí que os respetivos rendimentos sejam,
também, aqui tributados. É o caso, p. ex., da abertura de crédito246, da conta-
corrente247 e muitos outros.

É normal muitas entidades (organizações internacionais, Estados, sociedades,


incluindo bancos) dirigirem-se diretamente ao mercado visando obter o mútuo de
determinada quantia. Tal importância aparece dividida em “títulos”, o que permite a
cada investidor subscrever uma fração de tal empréstimo, através da subscrição de
“títulos” no valor correspondente ao valor que pretenda investir.

241
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível,
ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artº 1142º do Código
Civil). Sendo oneroso, vence juros.
242
O contrato de depósito bancário reveste a natureza de um verdadeiro contrato de mútuo. Tal como
no contrato de mútuo, a propriedade da quantia entregue transfere-se para o banco (mutuário),
podendo este livremente utilizá-la. O motivo que leva o cliente a depositar uma quantia no banco é não
só obter a segurança do seu dinheiro (tal como aconteceria num genuíno contrato de depósito), mas
também investir tal quantia, tal como o mutuante num contrato de mútuo oneroso. Paula Camanho, Do
Contrato de Depósito Bancário, 2005, pp. 208 ss.
243
Sendo que o rendimento assim obtido pelas instituições financeiras (os juros pagos pelos mutuários)
é rendimento destas, sujeito, portanto, a IRC.
244
Cf. o artº 243º do Código das Sociedades Comerciais. Em geral, Alexandre da Mota Pinto, Do
Contrato de Suprimento.
245
O legislador adotou medidas visando eliminar, em certos casos, as vantagens fiscais decorrentes do
financiamento das sociedades pelos seus sócios através da realização de suprimentos
(comparativamente à realização de novas entradas de capital), ou seja, combater o fenómeno da
subcapitalização das sociedades. Este é, porém, um tema a ser estudado em sede de IRC.
246
Um contrato atípico (não expressamente regulado por lei) mas de uso corrente. O mutuário,
normalmente um banco, concede à outra parte um crédito até determinado limite. Porém, esta
decidirá, consoante as suas necessidades da utilização do valor disponibilizado: se, quando, em que
montantes e durante quanto tempo.
247
Art. 344.º do Código Comercial

75
Assim, p. ex., temos os títulos de dívida pública (são muito conhecidos os
chamados “certificados de aforro” e as “obrigações do tesouro”), as obrigações
emitidas por sociedades248e outras entidades, etc.249.

Temos, também, situações em que alguém se vê privado de uma determinada


quantia por mora do devedor no respetivo pagamento. A lei – até para prevenir fáceis
estratégias de elisão – considera tributáveis os juros de mora ou outros acréscimos
patrimoniais daí decorrentes (ou seja, como que faz equivaler tais situações a um
“empréstimo forçado”), mesmo que calculados à taxa legal supletiva.

Tal parece pressupor um determinado entendimento sobre a natureza dos


juros de mora, aos quais, mais do que uma natureza indemnizatória (visarem, apenas,
recolocar o credor na situação em que se encontraria se não tivesse existido atraso no
pagamento, pelo que da sua receção não decorreria um qualquer acréscimo
patrimonial para o credor), é atribuído, para fins fiscais, caráter remuneratório.

O STA pronunciou-se sobre uma das exceções que a lei prevê à consideração dos juros de mora
como rendimento tributável (juros atribuídos no âmbito de uma indemnização – parte final da al.
g) do nº 2 do artº 5º): “os juros de mora não são tributáveis em sede de IRS quando forem
atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na
medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária
ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta. Todavia, tais juros de
mora já serão tributáveis em sede de IRS, se o valor da indemnização foi corrigido
monetariamente” (Ac. do STA de 09-05-2012, rec. nº 0245/12).

8.2.2. Remuneração do investimento a risco

Outro caso é o dos dividendos, a remuneração que um investidor aufere pela sua
participação no capital de uma sociedade (remuneração do capital investido através da
subscrição ou aquisição de quotas ou ações) (artº 5º, nº 2, al. h)).

O montante de proveito de uma sociedade diretamente depositado na conta bancária pessoal de


um seu gerente, que o não fez relevar na sociedade, tem de se entender que o foi a título de
adiantamento por conta de lucros e que constitui um rendimento deste, a tributar em sede de
IRS, categoria E, como rendimento de capitais (…) (Ac. do TCAS de 22-02-2011, rec. nº 04487/1,).

Diferentemente do que ocorre nas situações exemplificadas no ponto anterior,


não existe aqui obrigação legal de pagamento de uma remuneração (como não existe
obrigação de reembolso da quantia investida): a sociedade só distribuirá lucros se a

248
Cf. artº 348º do Código das Sociedades Comerciais.
249
Alguns desses instrumentos revestem natureza mista, uma vez que a remuneração do montante
disponibilizado tem uma componente fixa e outra variável, a calcular em função dos resultados do
mutuário. Assim, p. ex., os títulos de participação, os quais documentam empréstimos feitos por
particulares a empresas públicas ou a sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos.

76
sua situação económica o permitir e, dentro dos limites da lei, na medida do
determinado pela assembleia geral dos sócios 250. Há, pois, uma incerteza jurídica
quanto à existência e montante da remuneração.

Situações economicamente equivalentes são, p. ex., as resultantes do


pagamento de um “excesso”, relativamente ao capital investido, p. ex., em caso de
dissolução de uma sociedade251 (artº 5º, nº 2, al. i)), os rendimentos auferidos pelo
associado na associação em participação252 e na associação à quota253 (artº 5º, nº 2, al.
l)), etc.

8.2.3. Rendimentos provenientes da cessão ou utilização temporária de direitos


de propriedade intelectual ou industrial, de know how, de equipamento agrícola e
industrial, comercial ou científico (artº 5º, nº 2, al. m) e n))

Já abordámos, a propósito da categoria B, a questão da tributação destes rendimentos


(que, no âmbito fiscal, são normalmente designados por royalties254) quando auferidos
pelo respetivo titular originário.

Quando obtidos por outra pessoa singular (p. ex., os herdeiros do autor de uma
obra literária ou do titular de uma patente ou alguém que os tenha adquirido a título
oneroso), são considerados como rendimentos de capital e, portanto, tributáveis nesta
categoria. Isto se o adquirente não proceder à respetiva exploração no quadro de uma
atividade empresarial, pois que, em tal hipótese, serão de enquadrar na categoria B.

8.2.4. Ganhos decorrentes de operações de swaps de taxa de juro

Estão em causa instrumentos financeiros derivados, que correspondem a formas


originais da utilização de instrumentos clássicos de aplicação de capitais, dos quais
derivam. Definem-se por referência a um ativo subjacente de referência, pelo que a
sua valorização ou desvalorização acompanha as de tal ativo (no caso, determinada
taxa de juro).

Não cabendo aqui qualquer desenvolvimento do tema, aliás de grande complexidade,


diremos apenas o seguinte255: a reforma de 2015, em consonância com as críticas da doutrina

250
Cfr. art.º :::::::::::::::::::::::
251
Cf. art.º 75.º do CIRC
252
Contrato pelo qual alguém associa outra pessoa à sua atividade económica, ficando esta com direito
a participar nos respetivos lucros (ou nos lucros e nas perdas).
253
Contrato atípico, pelo qual o sócio de uma sociedade, como contrapartida de determinada prestação
feita por outrem, se compromete a entregar a este a totalidade ou parte dos lucros resultantes de tal
participação.
254
Cf. artº 12º do Modelo de Convenção da OCDE e respetivos Comentários; Alberto Xavier, Direito
Tributário Internacional, pp. 687 ss
255
Maria Teresa Barbot Veiga de Faria, «O regime fiscal de instrumentos financeiros derivados nos
impostos sobre o rendimento». Em geral, Boletím de Ciências Económicas, (2017), pp.307-358; Helder
M. Mourato, O contrato de Swap de taxa de juro Almedina, 2014. ; Mafalda Miranda Barbosa, «Entre a
gestão do risco e a especulação : reflexões a propósito de certos contratos de derivados de crédito»,
Boletím de Ciências Económicas, (2017), pp.307-358.

77
quanto à qualificação como rendimentos de capital dos ganhos obtidos com os contratos de
swap 256, passou a qualifica-los como mais-valias257, exceção feita aos relativos a taxas de juro.

8.2.5. Capitalização em seguros de vida e regimes complementares de


segurança social (artº 5º, nº 3)

Muitos destes “produtos” revestem um interesse duplo: por um lado, destinam-


se a acautelar determinadas situações como a morte, a velhice, a incapacidade, etc.;
por outro, podem ser utilizados como forma de investimento de capital, na medida
em que seja permitida a devolução, total ou parcial, dos prémios pagos, acrescida
de uma remuneração, independentemente da ocorrência do evento segurado.

A preocupação da lei é distinguir estas situações: em caso de morte, não há lugar a tributação
do montante recebido pelos herdeiros, nos termos do art.º 12.º; o montante recebido a título de
pensão fica sujeito às regras da categoria H; havendo lugar a reembolso de capital, haverá que
atender ao valor dos prémios pagos e ao intervalo temporal entre a data de entrada em vigor do
contrato e aquela em que ocorre o reembolso da totalidade ou parte do capital investido. Para se
quantificar o valor tributável nesta categoria.

Trata-se de um tema complexo, relativamente ao qual têm acontecido sucessivas alterações


legislativas (o que implica que a tributação seja diferente consoante a data da celebração do
contrato), de que não cabe aqui maior notícia258.

8.3. Presunções

Visando facilitar o ónus da prova da existência do facto tributário por parte da administração, a
lei estabelece, no artº 6º, diversas presunções legais, quer quanto à existência do facto gerador de
imposto (p. ex., que as letras e livranças titulam contratos de mútuo, quando o credor originário não
for comerciante259; que, não estando documentada ser outra a respetiva natureza, os créditos dos
sócios sobre as sociedades resultam de lucros), quer quanto à existência de rendimento (p. ex., que
os contratos de mútuo são remunerados), quer quanto ao montante do rendimento tributável (que
a taxa de juro é a legal, se outra mais elevada não constar do título constitutivo ou tiver sido
declarada – artº 40, nº 1). Estas presunções são ilidíveis – de acordo com a regra geral constante do
artº 73º da LGT – nos termos do nº 5 do artº 6º.

256
Paula Rosado Pereira, Estudos …, pp. 34 ss.
257
Cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. e).
258
Para maiores desenvolvimentos, Luis Poças, «A tributação dos rendimentos de capitais nos seguros e
operações do ramo "vida" e fundos de pensões», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 9 (2015), p.26-45;
António MARTINS, «Aspetos do tratamento fiscal dos seguros Unit Linked em sede de IRS»,Boletim da
Faculdade de Direito, n.º 2 (2013), p.801-824
259
As letras (e as livranças) surgiram como instrumento do comércio, visando garantir obrigações dele
decorrentes, ser um meio de pagamento e um instrumento de crédito (Ferrer Correia, Lições de Direito
Comercial, III, 1975, pp. 29 ss). Neste âmbito, não traduzem, em princípio, a existência de outra relação
(outro facto gerador de imposto) que não a relação comercial subjacente (p. ex., à emissão da letra
subjaz a dívida do preço de uma venda). Já não assim quando “titulam” um contrato (de mútuo), o que,
por regra, acontecerá quando a sua emissão aconteça no quadro de relações entre não comerciantes.
Daí a presunção legal de que não existe uma aplicação de capital quando o sacador for um comerciante

78
8.4. Momento de sujeição a imposto

Este tipo de rendimentos resulta da disponibilização de capital a outrem por um dado


período de tempo. O facto gerador do rendimento é, pois, continuado. A tributação
assume um caráter periódico, pelo que a lei tem de estabelecer os momentos em que
acontece a obrigação de imposto260.

Em princípio, a obrigação de imposto (e de, sendo o caso, a da entidade


pagadora proceder à respetiva retenção na fonte) ocorre com o vencimento (ou com a
presunção de vencimento) do direito ao rendimento. Porém, em determinados casos,
não se pode falar, propriamente, de uma data de vencimento do direito ao
rendimento. Assim, quando tal direito dependa de uma decisão unilateral do devedor.
É, p. ex., o caso do direito dos sócios a dividendos (remuneração do capital
investido na sociedade): só existirá se e na medida em que a assembleia geral decida
uma distribuição de lucros. Daí que se compreenda que, nestes casos, a obrigação só
exista a partir do momento em que o rendimento se encontre colocado à disposição
do seu titular261.

Noutros casos, haverá necessidade de um prévio apuramento do quantitativo


do rendimento. Só depois de feita esta operação é que se saberá qual o valor sobre
que incide o imposto, e só então este pode ser cobrado. A hipótese mais simples será,
porventura, a do pedido de reembolso antecipado de depósitos ou de certificados de
depósito: o mutuante pretende receber o valor entregue antes de ter decorrido o
prazo convencionado, o que é, contratualmente, admissível. Só que o pagamento de
juros implica, necessariamente, o cálculo prévio do montante a que, nestas
circunstâncias, o mutuante terá direito, segundo os termos contratuais.

Noutras situações, e porque a operação subjacente à obtenção do rendimento


tem um tempo de duração pré-fixado, o momento de vencimento do imposto
acontece aquando da liquidação da operação, salvo relativamente a juros já
anteriormente vencidos.

Complexa é a questão que se coloca quando é transmitido um título de crédito que confere
direito a juros.

Uma vez que o direito aos juros se forma ao longo do tempo, há que considerar que no preço
da alienação estará incluído o valor correspondente aos juros contratuais que se formaram durante
o tempo em que tal título foi propriedade do alienante (ou desde o último pagamento). Ou seja, dito
de outra forma – intencionalmente simplificada – o preço de alienação resultará de diferentes
componentes: preço de aquisição do título, juros “incorporados” e eventual mais-valia.

260
Sobre estes momentos, Paula Rosado Pereira, Estudos …, pp. 44 ss.
261
Por colocação à disposição deve entender-se o montante a partir do qual o sócio tem o poder de
facto de receber os lucros que lhe hajam sido atribuídos.

79
Uma vez que a qualificação de um rendimento não é neutra (no caso, por as regras de
tributação serem diferentes consoante o ganho deva ser havido como juro ou mais-valia), haverá
que distinguir estas duas componentes do preço (o cálculo da componente juros decorrerá do
previsto no contrato subjacente à emissão de tal título).

Falando apenas de juros, poderíamos ser levados a concluir que, na data do respetivo
vencimento, quem for detentor do título em causa (porque terá direito a recebê-los relativamente a
todo o período contratual então findo), teria, também, a obrigação de pagamento de imposto
relativo a todo esse período (ou seja, independentemente de se terem sucedido vários detentores
desse título). Do que não resultaria qualquer prejuízo, uma vez que esses factos (obtenção futura de
um dado rendimento e pagamento do imposto inerente) não deixariam de ser considerados na
fixação do preço da alienação do título ao adquirente.

Só que um tal regime revelou-se propiciador dos maiores abusos: aproveitamento de situações
de isenção de imposto ou similares, celebrando-se acordos de venda com recompra de títulos de
dívida com entidades que, beneficiando de regimes fiscais excecionais, recebiam o rendimento sem
imposto, assim auferindo, consoante o caso, o rendimento total gerado pelo título (quando o
comprador gozasse de isenção) ou, pelo menos, a vantagem financeira de diferir o pagamento do
imposto do momento em que a retenção na fonte deveria ser aplicada para o momento do
pagamento final262.

Daí que, hoje, a lei considere que ocorre a obtenção de juro no momento da transmissão: fica
sujeito a imposto, a este título, o quantitativo que corresponder, em função da respetiva
remuneração, ao período decorrido desde a data do último vencimento ou da emissão, primeira
colocação ou endosso, se ainda não tiver ocorrido qualquer venci mento, até à data da transmissão
(juros contáveis ou decorridos) – artº 5º, nº 5 – chamado juro decorrido.

Ou seja, nestes casos existe juro tributável, apesar de não ter ocorrido um pagamento ou
colocação à disposição de qualquer quantia.

8.5. Deduções específicas

A lei não prevê quaisquer deduções específicas por entender que a obtenção dos
rendimentos inseríveis nesta categoria, pelo seu caráter passivo, não envolve a
necessidade de o contribuinte suportar quaisquer custos. O rendimento tributável
corresponde, assim, ao rendimento bruto263.

8.6. A dupla tributação económica dos lucros distribuídos

8.6.1. O problema

O lucro das sociedades (bem como o rendimento global das demais pessoas coletivas)
está, por regra, sujeito a tributação em IRC. Deduzido o valor deste imposto, terá um
de dois destinos: permanecer no património da sociedade, porque assim o
determinam as necessidades ou interesses desta (p. ex., a existência de prejuízos

262
Fernando Castro SILVA / João Espanha, «Sobre o regime fiscal do juro decorrido».
263
Existem vários benefícios fiscais relativos a rendimentos de capitais, como sejam os constantes dos
artigos 20.º e 21.º do EBF (benefícios fiscais à poupança) e 23.º e ss (benefícios fiscais ao sistema
financeiro e mercado de capitais).

80
acumulados; propósito de autofinanciamento, etc.) ou ser distribuído aos sócios. Uma
tal decisão cabe à assembleia geral, nos limites fixados pela lei.

Os lucros distribuídos aos sócios – pessoas singulares, no que nos interessa aqui
considerar – constituem rendimentos de capital destes (dividendos) 264, ficando, como
tal, sujeitos a tributação em IRS265.

Gera-se assim uma dupla tributação económica do rendimento, em resultado


da sujeição a dois impostos266.

Tal suscita a questão de saber se deve haver lugar a uma tributação separada das sociedades e
outras pessoas coletivas, se estas têm uma capacidade contributiva autónoma ou se este é um
conceito que apenas pode ser referido a pessoas singulares267. Admitindo que existe autonomia
económica entre as sociedades (especialmente aquelas em que avulta o elemento capital) e os
respetivos sócios capaz de justificar a existência de dois impostos, fica a questão de saber se tal
dupla tributação deve ser eliminada ou, pelo menos, atenuada, quer por razões de equidade, quer
por considerações económicas (não penalizar a participação em sociedades relativamente a outras
formas de investimento). Existe um consenso geral no sentido de que tal dupla tributação deve ser,
no mínimo, atenuada.

8.6.2. A solução legal

As técnicas legislativas a que se pode recorrer para tal fim são várias, não sendo aqui o
lugar para proceder a uma análise dos seus méritos relativos268.

Em versões anteriores do CIRS seguia-se o método da dedução à coleta: uma determinada


percentagem do montante de IRC, pago pela sociedade, correspondente aos lucros distribuídos a um
dado sócio, seria dedutível à coleta do IRS deste. Ou seja, o sócio teria, em IRS, um crédito de
imposto num valor correspondente a parte do IRC que, antes, havia incidido sobre os lucros que lhe
foram distribuídos. O atual sistema, além de mais simples, é mais neutral. O benefício decorrente do
englobamento é igual para todos os sujeitos passivos (não constitui rendimento coletável uma
percentagem, fixa, dos dividendos auferidos), enquanto num sistema de crédito de imposto a
“vantagem” (o valor da dedução à coleta do IRS) depende do montante de imposto pago pela
sociedade que distribui os lucros.

Primeira questão é decidir se os dividendos, quando auferidos por residentes,


devem ou não ser obrigatoriamente sujeitos a englobamento. Entre nós, a resposta
legal tem oscilado. Atualmente, na linha da semidualização do imposto, a lei prevê que
os dividendos fiquem sujeitos a uma retenção na fonte, com caráter liberatório (artº
264
Salvo se a participação social do sujeito passivo acontecer no quadro de uma sua atividade
empresarial, caso em que tais dividendos serão considerados como rendimento inserível na categoria B.
265
O montante efetivamente recebido por cada sócio aparece reduzido por força da retenção na fonte
de IRS a que a sociedade, na qualidade de substituto fiscal, deve proceder.
266
Uma situação de dupla tributação económica (e não jurídica), uma vez que o mesmo rendimento é
tributado, por dois impostos, a diferentes sujeitos passivos. Alberto Xavier, Manual…, (1972), pp. 223 ss.
267
Desenvolvidamente, J. G. Xavier de Basto, «O imposto sobre as sociedades e o imposto pessoal sobre
o rendimento – separação ou integração».
268
Jorge Figueiredo, «Métodos de minimização da tributação dos accionistas».

81
71º, nº 1, al. a))269, salvo opção (por parte de sujeitos passivos residentes) pelo
englobamento – nº 8.

Sendo feita a opção pelo englobamento, a atenuação da dupla tributação


económica acontece ao nível da quantificação da matéria coletável do IRS: verificados
os condicionalismos previstos no artº 40º-A, os lucros distribuídos são considerados
apenas em 50% do seu valor, ou seja, há lugar a um englobamento parcial 270.

Esta disposição aplica-se também aos sócios residentes em Portugal que


recebam lucros271 de sociedades ou outras entidades sedeadas no nosso país ou em
outros Estados da União Europeia. Neste caso, há que atentar na definição de
“sociedade de um Estado-membro” tal como, para este efeito, resulta do artº 2º da
Diretiva nº 211/96/UE, de 30 de novembro, relativa ao regime fiscal comum aplicável
às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes.

269
Ou a uma taxa especial de igual montante quando, em razão da entidade pagadora, não for possível
a retenção na fonte (art.º 72.º, n.º 1, al. d)).
270
O que, para os sujeitos passivos abrangidos pelos escalões mais altos do imposto, conduzirá, em
regra, a uma carga fiscal idêntica à resultante da aplicação da taxa liberatória, pelo que muitos não
optarão pelo englobamento e, consequentemente, não usufruirão desta atenuação.
271
E demais situações (economicamente equivalentes) previstas no nº 3 do artº 40º-A.

82
CATEGORIA F

9. Rendimentos prediais

9.1. Conceito de prédio

São abrangidas por esta categoria as rendas dos prédios.

Há, pois, que começar por clarificar o que seja prédio, até porque o conceito
jurídico não corresponde, necessariamente, ao significado corrente da palavra (de
casa, edifício).

Na nossa lei fiscal, a noção de prédio aparece no artº 2º do CIMI (Código do


Imposto Municipal sobre Imóveis)272. Explicita o nº 4 de tal norma que cada fração
autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um
prédio.

Temos assim subjacente a esta noção de prédio – entre outros, de que não
cuidaremos273 – um elemento físico, o qual pode corresponder a diferentes realidades:
uma fração de terreno; uma fração de terreno e os edifícios ou outras construções
nele implantados; outros (p. ex., águas); edifícios, construções e outras realidades
juridicamente distintas do terreno onde estão situadas (p. ex., em razão da existência
de um direito de superfície274).

A realidade jurídica prédio é, pois, algo meramente convencional: p. ex., um


edifício constituirá um ou vários prédios consoante esteja ou não sujeito ao regime de
propriedade horizontal; um lugar de garagem poderá ser ou não um prédio consoante
tenha ou não inscrição registral autónoma; um terreno que era um único prédio pode
ser dividido (p. ex., através de uma operação de loteamento) em vários prédios.

O CIRS não define o que é prédio 275, pelo que, numa interpretação sistemática,
entendemos dever socorrer-nos da noção contida no CIMI.

272
Prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios ou construções de
qualquer natureza nela incorporados ou assentes, desde que faça parte do património de uma pessoa
singular ou coletiva, e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas,
plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica
em relação ao terreno em que se encontrem implantados, embora situados numa fração de território
que constituam parte integrante de um património diverso ou que não tenha natureza patrimonial.
273
Nuno de Sá Gomes, «Os conceitos fiscais de prédio».
274
O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente,
uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.
275
Muito embora o nº 3 defina o que são prédios rústicos, urbanos e mistos. Na versão inicial do Código,
esta precisão era relevante, uma vez que o regime das deduções específicas era diferente em cada um
dos casos, o que não acontece mais.

83
O CIRS (nº 4 do artº 8º) considera, ainda, como prédio (constituindo uma
construção) todo o bem móvel assente no mesmo local por período superior a 12
meses. Uma tal disposição está em consonância com o nº 3 do artº 2º do CIMI,
segundo o qual os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são
havidos como elementos integrantes do prédio em que estão assentes ou
incorporados quando tal aconteça com caráter de permanência, i. e., quando estejam
afetos a fins não transitórios (o que se presume se estiverem assentes no mesmo local
por período superior a um ano).

Assim, p. ex., uma casa pré-fabricada, uma caravana, uma tenda destinada a
espetáculos ou a banquetes, uma carruagem de comboio utilizada como bar, etc.
Note-se que, por vezes, um tal móvel constituirá, só por si, um prédio, p. ex.,
por estar assente em bens do domínio público (ou seja, numa realidade que,
juridicamente, não é um prédio): p. ex., um barco, permanentemente ancorado num
rio ou num porto, destinado a hotel, restaurante, etc.

Entendemos que esta exigência de afetação a fins não transitórios se pode


justificar para efeitos de incidência do IMI, mas já tal não acontece relativamente ao
IRS: se uma realidade deste tipo gerar renda, esta deve ser sempre tributada 276.

9.2. Noção de renda

A tributação em IRS incide sobre as rendas pagas ou colocadas à disposição dos


respetivos titulares (artº 8º, nº 1).

Há que frisar, em primeiro lugar, que só existe rendimento tributável existindo


renda. A tributação dos prédios não arrendados não acontece em IRS, porquanto neste
imposto só se tributam rendimentos efetivos277.

Em segundo lugar, há que notar que as rendas podem ser pagas em dinheiro ou
em espécie278, pese embora a lei se refira sempre a “importâncias” recebidas.

Por último, sublinhe-se que o titular de tais rendas não é necessariamente o


proprietário (p. ex, o usufrutuário tem o poder de dar de arrendamento o imóvel).

A lei fiscal, no nº 2 do artº 8º, acolhe um conceito amplo de renda, por


evidentes razões de prevenir formas de elisão fiscal, ou seja, a celebração de outros
negócios de efeito económico equivalente não tipificados na lei. Assim, é renda tudo o
que for devido ao proprietário pela cedência do uso de prédio, mesmo quando
acompanhada da prestação de alguns serviços (desde que estes não se enquadrem no

276
Discordando, Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 135.
277
Cf. nº 11 do Preâmbulo do Código.
278
Ainda são correntes os contratos de locação de prédios rústicos cuja renda se traduz na entrega ao
proprietário de parte das colheitas.

84
exercício de uma atividade empresarial) ou da disponibilidade de bens móveis
existentes no locado (será o caso do arrendamento de casas mobiladas).

A cedência do uso do prédio poderá ser total ou parcial (assim será, desde logo,
o caso de arrendamento de um andar de um edifício não sujeito ao regime de
propriedade horizontal), podendo revestir formas que não ponham em causa a
continuação do normal uso do prédio pelo seu titular ou por outrem (p. ex., a
instalação num terreno ou no telhado de um edifício de painéis publicitários; a
utilização da imagem da fachada de um edifício como cenário de um filme, a cedência
do uso de partes comuns na propriedade horizontal279, etc.).

Pela sua evidente equivalência económica, são consideradas rendas de imóveis


as importâncias recebidas pela constituição, a título oneroso, de direitos reais de gozo
temporário sobre um imóvel280.

Existem casos em que o titular das rendas pode ter apenas um direito
obrigacional sobre o prédio: assim o sublocador, sendo que a sua renda corresponderá
à diferença entre o que recebe do sublocatário e aquilo que paga ao senhorio281.

São ainda consideradas rendas as indemnizações que visem compensar perdas


de rendimentos desta categoria (al. g) do art.º 8.º).

Por último, temos que podem ser tributados nesta categoria os rendimentos
resultantes de alojamento local, nas modalidades de moradia ou apartamento, Tal
opção pode ser exercida anualmente e tem apenas implicações na liquidação de IRS 282.

Analisaremos, adiante, esta questão.

9.3. A “reforma” de 2015

Terá sido quanto a esta categoria que a “reforma” de 2015 operou mudanças mais
substanciais, ditadas não apenas pelo intuito de aprimorar o normativo existente mas,
279
A. Lima Guerreiro, «Tributação da cedência de uso das partes comuns na propriedade horizontal».
280
É evidente que se chega a resultados, no essencial, economicamente equivalentes pela celebração de
um contrato de arrendamento por x anos ou pela constituição de um direito de usufruto ou de uso pelo
mesmo período.
281
Sendo a sublocação parcial, deveria ser tida em conta a parte proporcional da renda paga ao
senhorio. Numa crítica ao regime legal, J. G. Xavier de Basto, IRS…, 2007, p. 345 ss e «Breve nota sobre
uma eventual incoerência no tratamento, em IRS, das rendas da sublocação».
O rendimento tributável do sublocador não conhece deduções uma vez que os gastos relativos ao
prédio serão, em regra, suportados pelo senhorio (proprietário).
282
Entendemos que o titular de rendimentos decorrentes de alojamento local continua, no mais,
obrigado às regras da categoria B e do código do IVA, como sejam a emissão de fatura a todos os
clientes, a liquidação de IVA, não tendo que dar cumprimento às obrigações acessórias própria desta
categoria.

85
também, por, no possível, procurar estimular fiscalmente o arrendamento, em especial
o habitacional.

Uma tal opção justificou-se pela insuficiência da oferta neste mercado e pelo
entendimento de que a solução do problema habitacional não pode passar
primordialmente pela aquisição de casa própria, a qual normalmente implica o recurso
a um financiamento bancário a ser pago ao longo de toda uma vida.

A aquisição de casa própria provoca um efeito de “ancoragem” das famílias em


determinado local, totalmente contraditório com a mobilidade no emprego
característica dos dias de hoje. Mais, em épocas de profunda crise económica (era a
situação em 2015), havendo diminuição dos rendimentos familiares, p ex., em razão de
desemprego, os compromissos bancários assumidos facilmente originam situações de
sobreendividamento que obrigam à venda do imóvel a preços reduzidos (ou à sua
entrega à banca como dação em pagamento de - muitas vezes, apenas parte - da
dívida contraída), perdendo-se assim o aforro de muitos anos283.

Por último, sendo a aquisição de prédios para arrendamento uma das formas
mais procuradas pelas famílias para aplicarem as suas poupanças (dada a segurança
que é associada ao investimento em imóveis), haverá que apoiar uma tal opção,
porque socialmente interessante não só pelo contributo que dá para a resolução do
problema habitacional e para a economia em geral, mas também em razão da
previsível incapacidade do Estado de no futuro, assegurar o pagamento de pensões de
reforma ao nível atual.

9.4- A opção pela empresarialidade

Tradicionalmente, o arrendamento era fiscalmente encarado como uma forma


quase passiva de obtenção de rendimentos, ou seja, não envolvendo uma estrutura
empresarial284.

Daí que a tributação incidisse sobre um valor próximo do rendimento bruto, uma vez que
apenas eram dedutíveis, para além do IMI, as despesas de conservação e manutenção, entendidas
de forma restrita.

Esta continua ser a realidade dominante no tocante aos senhorios pessoas


singulares.

Porém, existem senhorios individuais que encaram o dar de arrendamento


como uma atividade empresarial, pelo que pretendiam ser fiscalmente tratados em
igualdade de circunstâncias com os demais empresários, nomeadamente poderem
deduzir a totalidade dos gastos suportados para a obtenção das rendas. Estavam em

283
Portugal, Projeto…, p. 26.
284
Daí que, antes da reforma de 1988, as rendas estivessem sujeiras a um imposto parcelar próprio, a
Contribuição Predial.

86
causa, nomeadamente, a depreciação dos imóveis e os encargos financeiros
implicados pela sua aquisição, os quais, pelas razões expostas, não relevavam (e
continuam a não relevar) para efeitos da determinação do rendimento líquido desta
categoria.

A solução encontrada foi a de permitir aos sujeitos passivos, em cada ano, a opção por
incluírem as suas rendas nos rendimentos abrangidos pela categoria B, podendo, nesta
categoria, ser aplicado, quanto à determinação do rendimento tributável, o regime
simplificado (se verificados os respetivos pressupostos) ou o da contabilidade
organizada.
A principal desvantagem desta opção é a sujeição do rendimento a
englobamento, ou seja, à aplicação de taxas progressivas, as quais, em geral, serão
superiores à taxa especial que vigora para os rendimentos da categoria F.

9.5. Deduções específicas

Como vimos, dar de arrendamento impõe que o senhorio suporte gastos.

Para além da opção pela sujeição das rendas às regras da categoria B, a reforma
de 2015 veio alargar substancialmente o âmbito dos gastos dedutíveis, num claro
esforço de cumprimento do princípio da tributação do rendimento real, que é,
necessariamente, rendimento líquido.

Nos termos do art.º 41.º, a regra é, hoje, a dedutibilidade de todos os gastos


suportados, com exceção dos de natureza financeira (p. ex., juros de empréstimos
contraídos para a aquisição ou renovação do imóvel), depreciações e dos relativos a
mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração. Esta última exclusão
justifica-se pela dificuldade de controlo do destino de tais bens, se foram realmente
afetados a prédios dados de arrendamento.

As despesas dedutíveis têm que ser documentadas e comprovadamente


relativas a determinado prédio, exigência que, muito embora justificável em termos de
controlo, nomeadamente quando esteja em causa um reporte de prejuízos, é
suscetível de criar dificuldades de prova e, portanto, ser fonte de litígios.

No caso de prédios em propriedade horizontal, as despesas dedutíveis


corresponderão aos encargos normais do condomínio, na medida em que o senhorio
efetivamente os suporte (n.º 2).

Importante foi a adição do constante do n.º 4, segundo o qual podem ser


deduzidas as despesas com obras de conservação e manutenção realizadas nos 24
meses anteriores ao arrendamento, desde que entretanto o imóvel não tenha tido

87
outra utilização. Na realidade, as grandes obras deste tipo têm normalmente lugar
quando o prédio se encontra devoluto e são feitas na prespetiva de um futuro
arrendamento. Ora, a lei anterior só contemplava a dedução do valor das obras
realizadas na pendência do arrendamento.

9.6. A dedução do IMI

Problemática é a questão da dedutibilidade do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis)


pago pelo senhorio (proprietário ou usufrutuário) relativamente a um imóvel dado de
arrendamento.

Quando foi introduzido o IRS, ficou decidido que só deveriam ser considerados
rendimentos prediais as rendas, ou seja, que encontrando-se o prédio numa situação
de não-arrendamento, não haveria sujeição a este imposto. Assim terminou o sistema
tradicional, segundo o qual os titulares de imóveis não arrendados eram tributados por
um rendimento ficcionado, correspondente ao valor da renda que poderia ser obtida
em circunstâncias normais de mercado.

Paralelamente, foi criada a Contribuição Autárquica, imposto sobre o


património imobiliário, incidindo sobre o valor patrimonial (determinado por
avaliação) de todos os prédios, arrendados ou não 285. Esta opção foi mantida pelo IMI,
imposto que substituiu a Contribuição Autárquica286.

Gera-se, assim, um fenómeno de dupla tributação económica relativamente


aos imóveis dados de arrendamento: os respetivos titulares ficam sujeitos a um
imposto incidente sobre o valor do bem que dá origem ao rendimento (IMI) e a outro
imposto (no caso, IRS) incidente sobre o valor do rendimento efetivamente obtido.

Atento à questão, o legislador de 1989 decidiu-se pela eliminação total dessa


tributação quando o titular do prédio fosse uma pessoa singular: o montante da
Contribuição Autárquica podia ser deduzido à coleta do IRS gerada pelas rendas
obtidas pelo prédio em causa.

Esta solução veio a ser alterada posteriormente, passando o montante da


Contribuição Autárquica/IMI a ser uma dedução específica desta categoria de
rendimentos (artº 41º, nº 1), o que implica que a dupla tributação económica só
resulte parcialmente eliminada287.
285
Manuel Lopes Porto, «A reforma fiscal portuguesa e a tributação local» e «A tributação predial:
experiências e perspectivas».
286
Mantêm-se, no entanto, plenamente atuais as razões que, aquando da reforma de 1988-89, levaram
à criação de um imposto sobre o valor patrimonial dos imóveis, com a receita a reverter a favor dos
municípios (Preâmbulo do CIMI).
287
A consideração como dedução específica significa que a redução do IRS corresponde apenas ao valor
correspondente à multiplicação do montante de IMI pago pela taxa de IRS aplicável.

88
Se se pode entender que uma tal alteração é formalmente correta – os demais impostos pagos
em razão do exercício de uma atividade são considerados como gastos necessários à obtenção do
respetivo rendimento –, o certo é que tal resulta numa excessiva penalização fiscal da obtenção de
rendimentos prediais288. Mantém-se uma dupla tributação económica 289, ainda que em razão de
impostos de diferente natureza, cujos efeitos o senhorio tentará, naturalmente, repercutir para o
inquilino através do estabelecimento de rendas mais elevadas. Penaliza-se, assim, gravemente o
mercado de arrendamento, nomeadamente habitacional, cuja “ressurreição” tem sido, nos últimos
anos, apontada como objetivo político prioritário pela maioria dos governos. Esta penalização resulta
tanto mais preocupante com o substancial aumento do IMI relativo aos prédios urbanos em
resultado das novas regras de determinação do valor patrimonial introduzidas por este imposto e da
consequente reavaliação geral a que tais prédios urbanos foram sujeitos290.

9.7- Dedução de perdas

Se o valor das despesas dedutíveis for superior ao rendimento bruto (o que


acontecerá, p. ex., tendo sido realizadas obras de valor significativo), o saldo negativo
poderá ser deduzido aos rendimentos líquidos positivos futuros desta categoria, por
um período máximo de, atualmente, 6 anos (art. 55.º, n.º 1, al. b)).

O reporte é efetuado relativamente a cada titular de rendimentos (art.º 55.º,


n.º 1). Assim, por exemplo, se em determinado ano um cônjuge obteve rendimentos
positivos desta categoria e o outro rendimentos negativos não pode haver lugar a
“compensação”, mesmo havendo tributação conjunta.

Existe ainda mais uma condição, prevista no n.º 8 do artigo 55.º: o direito ao
reporte do reporte caduca se os prédios a em causa não gerarem rendas em, pelo
menos, 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em
que os gastos em causa aconteceram.

O objetivo do legislador terá sido assegurar que os prédios permaneçam no


mercado de arrendamento durante um período relativamente longo, evitando-se que
passem ter outra utilização logo que a dedução dos gastos concretize na íntegra 291.
288
Crítico primeiro de tal solução terá sido Nuno Sá Gomes, «Alguns aspectos jurídicos e económicos
controversos de sobretributação imobiliária»::::::
289
A dedução do IMI à matéria coletável do IRS apenas se traduz numa diminuição deste
correspondente ao valor da respetiva taxa multiplicado pela coleta daquele.
290
O adicional ao IMI (AIMI) (rigorosamente, um adicionamento) não é dedutível ao rendimento bruto
(art. 41.º, n.º 1, in fine), não origina uma dedução específica, antes sendo dedutível à parte da coleta de
IRS gerada por rendimentos prediais (art.º 135º-I do CMI). Assim, relativamente a este imposto
acessório, não existe a dupla tributação económica referida em texto.

291
Este preceito é suscetível de causar grandes dificuldades na sua aplicação como argutamente
assinala Liliana Pereira, Alterações Fundamentais ao CIRS, OTOC, 2015, p.36 s.

89
9.8. Tributação por aplicação de uma taxa especial

A lei prevê que os rendimentos prediais fiquem sujeitos a taxas especiais,


proporcionais, (al. e) do n.º nº 1, do artº 72º)292, salvo opção pelo englobamento293.

Trata-se de um significativo passo na concretização da semidualização do


imposto.

Muito embora esta taxa fixe resulte, para a generalidade dos senhorios, inferior
à decorrente de tal opção, a questão da sobretributação dos rendimentos prediais,
comparativamente a formas alternativas de aplicação do aforro, permanece.

292
No caso de prédios destinados a habitação permanente, a taxa especial «normal» sofre reduções em
função da duração dos contratos de arrendamento (n.º 2 a 5 do art.º 72º), medida introduzida
recentemente, visando estimular a celebração de contratos capazes de conferir maior estabilidade ao
arrendatário.
293
Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não uma taxa liberatória), esta se aplica a
rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o
sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as deduções específicas que a lei prevê. Como manterá,
também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.

90
CATEGORIA G

10. Incrementos patrimoniais

Esta categoria resultou da unificação das anteriores categorias G (mais-valias) e I


(outros rendimentos). Também aqui294, a alteração foi essencialmente formal, sem
prejuízo de se reconhecer ter sido alargado o leque dos rendimentos abrangidos.

10.1. Indemnizações

10.1.1. O artº 12º exclui da incidência deste imposto as indemnizações


atribuídas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, quando pagas por
entidades públicas295, mutualistas, ao abrigo de contrato de seguro e as fixadas por
decisão judicial ou em acordo homologado judicialmente. Não incidência que abrange,
também, os respetivos juros (artº 5º, nº 2, al. g)296.

Tendo tais indemnizações função meramente ressarcitória, sempre haveria que


concluir que delas não resulta um acréscimo patrimonial suscetível de ser qualificado
como rendimento.

10.1.2. A al. b) do nº 1 do artº 9º exclui da definição de “incrementos


patrimoniais” (rendimentos da categoria G) as indemnizações que visem a reparação
de danos não patrimoniais, quando fixadas por decisão judicial ou arbitral ou
resultantes de acordo homologado judicialmente.

A função de tais indemnizações, reparação da lesão de um bem de índole


“pessoal” (a honra, o bom-nome, a dor, etc.), leva a que não sejam havidas como
rendimento tributável.

Compreendem-se os condicionalismos de que a lei faz depender a sua não


tributação, a preocupação de evitar que, a título de recebimento de uma
indemnização, aconteça a obtenção de rendimentos com diferente natureza, sem
haver lugar a imposto.

As demais indemnizações constituirão, em regra 297, rendimento sujeito a


tributação.

294
Como vimos ter acontecido relativamente às anteriores categorias B, C e D.
295
Salvo as prestações previstas no regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais.
296
Ac. do Tribunal Constitucional proc. nº 154/2004.
297
P. ex., estão isentas as indemnizações legalmente devidas pela denúncia de contratos de
arrendamento sem termo, relativos a imóveis que constituam habitação permanente do sujeito passivo
(art.º 9.º, al. e).

91
10.1.3. Não é, ao menos para nós, totalmente claro saber quando é que as
indemnizações devem ser inseridas na categoria G ou numa outra categoria. O que é
relevante, porquanto, sendo consideradas rendimentos de outra categoria, ficarão
sujeitas a regras diferentes das previstas para a determinação dos rendimentos
tributáveis na categoria G.

O Código – no que entendemos constituir uma regra geral – prevê a tributação


como rendimento de uma determinada categoria das indemnizações “substitutivas”
dos proveitos ou rendimentos que as integram298.

Coerentemente, o corpo do nº 1 do artº 9º ressalva os incrementos


patrimoniais (os que tal norma elenca) que devam ser “considerados rendimentos de
outras categorias”.

Assim, a tributação das indemnizações na categoria G têm um âmbito de


aplicação residual.

Porém, algo contraditoriamente, a lei expressamente qualifica como rendimentos da categoria


G as importâncias auferidas em virtude da assunção de uma obrigação de não concorrência 299. Ora,
esta obrigação terá sempre subjacente uma atividade enquadrável noutras categorias (seja ela
presente, passada ou, até, meramente potencial 300). Daí que, no nosso entender, devesse ter o
tratamento fiscal dos rendimentos que, em razão desta obrigação de inação, deixaram de ser
obtidos301.

Como o terão as indemnizações por lucros cessantes, uma vez que, como diz a lei, se destinam
a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão e esses benefícios
sempre seriam de integrar em determinada (outra) categoria.

A questão do enquadramento das indemnizações recebidas por empresários ou profissionais


em nome individual é complexa, pela impossibilidade que existe, em muitos casos, de dissociar as
qualidades de pessoa e de agente económico. Assim, p. ex., se um médico for denegrido na sua
reputação profissional – facto este ofensivo da sua honra, mas também suscetível de originar uma
perda de clientela – e o autor de tal ofensa pagar uma indemnização, será que o respetivo valor
deverá ser considerado como rendimento da categoria B ou da categoria G? Para se compreender a
importância prática da questão, bastará atentar que, sendo tal indemnização fixada judicialmente,
não será sujeita a imposto no caso de ser qualificada como rendimento da categoria G, por força do
disposto na al. b) do nº 1 do artº 9º.

298
Cf., para a categoria A, o artº 2º, nº 3, al. e); para a categoria B, o artº 3º, nº 2, al. d); para a categoria
E, o artº 5º, nº 2, al. g); para a categoria F, a al. g) do art.º 8.º.
299
Esta adição legislativa visou resolver as “dúvidas” antes existentes sobre a sujeição a imposto.
Dúvidas que temos dificuldade em compreender, até porque, para efeitos de IVA, sempre foram havidas
como prestações de serviços, o que não acontece com as indemnizações meramente ressarcitórias.
300
P. ex., alguém sabendo que outrem vai iniciar uma atividade concorrencial com a sua, lhe paga para
que tal não aconteça. A nosso ver, estaríamos aqui perante um rendimento correspondente a um “ato
isolado” de natureza empresarial.
301
Entendendo que os rendimentos resultantes do não exercício de uma atividade não podem ser
equiparados aos dela decorrentes, J. G. Xavier de Basto, IRS…, p. 363.

92
10.2. Prémios de jogos, de sorteios e de concursos

Nenhuma questão parece suscitar o facto de estarem em causa rendimentos cujo


enquadramento deveria ser feito nesta categoria, porque “residual” 302 .

Porém, a lei deixou de os considerar como rendimentos, para efeitos deste


imposto (revogação do nº 2 do artº 9º do CIRS), passando a tributá-los em imposto de
selo303.

Reconhecemos que eram grandes as dificuldades práticas de lograr a tributação em IRS de


alguns destes rendimentos (seria o caso dos prémios do jogo e apostas online pagos por empresas
sem sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em Portugal). A sujeição a Imposto do Selo
permitiu resolver o problema (abdicando-se da pretensão de tributar esses rendimentos quando
oriundos do estrangeiro…), uma vez que ao IS preside o princípio da territorialidade estrita (só são
tributáveis os factos geradores que ocorram em Portugal), ou seja, não acontece a “tributação
mundial” dos residentes, caraterística do IRS.

Só que nos parece algo simplista a solução adotada, violadora de uma caraterística essencial do
IRS, a de ser um imposto único, (no sentido de que todos os rendimentos – desde que tributáveis –
estarão sujeitos a este imposto).

10.3. Acréscimos patrimoniais não justificados e incrementos patrimoniais

A base cedular do imposto, a implicar a prévia integração de cada ganho numa


categoria, suscita o problema da tributação de rendimentos não enquadráveis em
qualquer uma delas. Neste contexto, a lei deu passos no sentido de criar uma
verdadeira norma residual de incidência (ainda que circunscrita ao nela tipificado),
dando melhor concretização à teoria do rendimento-acréscimo subjacente a este
imposto304.

Na realidade, mais que um alargamento da definição legal de rendimento


tributável, está em causa a necessidade de enquadramento, numa categoria, de
rendimentos presumidos, cuja real natureza é desconhecida. Se o rendimento
tributável foi fixado a partir de sinais exteriores de riqueza ou outros indícios
semelhantes, é óbvio que não poderá ser enquadrado numa determinada categoria.
Daí a necessidade de uma categoria “residual”.

302
Inês Salema, «O premiado é…».
303
Cf. verba 11 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
304
Portugal, Estruturar o Sistema Fiscal do Portugal Desenvolvido, p. 232. Tal orientação havia já sido
defendida pela Comissão Silva Lopes (Portugal, Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da
Reforma Fiscal, p. 601).

93
Neste sentido, o artº 9º, nº 1, al. d), e nº 3, considera serem rendimentos da
categoria G (incrementos patrimoniais305) os acréscimos patrimoniais não justificados,
determinados nos artº 87º, 88º ou 89º-A da LGT.

10.3.1. Procurando ultrapassar as dificuldades que a articulação dos preceitos em causa pode
suscitar306, vejamos as diferentes situações a que estas remissões feitas para normas da LGT se
referem: o artº 87º da LGT estabelece as hipóteses em que a administração fiscal pode recorrer à
avaliação indireta da matéria coletável, ou seja, afastar-se dos valores declarados pelo contribuinte
(os quais gozam de uma presunção de verdade), fixando-a por métodos indiciários. Em duas dessas
hipóteses, a que adiante faremos maior referência (incongruência entre os rendimentos declarados
com manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo; acréscimos de património ou
despesas não justificados), a origem do rendimento presumido é desconhecida, pelo que se
compreende que a sua tributação seja feita nesta categoria.

Por seu lado, o artº 88º da LGT densifica uma outra hipótese que permite o recurso à avaliação
indireta, a da impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos
indispensáveis à correta determinação da matéria coletável.

Somos da opinião de que estas regras de determinação indiciária do rendimento estão


pensadas para o lucro (ou seja, no IRS, para os rendimentos da categoria B), pelo que não iremos
dela agora cuidar307

Mesmo que se entenda que o grau de generalidade com que aparece consagrada a aplicação
de métodos indiretos é incompatível com a visão limitativa da sua aplicação a, apenas, certas
categorias de rendimentos ou operações308, o certo é que não está em causa um alargamento do
conceito de rendimento, mas tão só a consagração de uma forma excecional de quantificação,
tornada necessária por um cumprimento imperfeito por parte do sujeito passivo ou de terceiros dos
deveres de cooperação que sobre ele impendem. Da aplicação do disposto no artº 88º da LGT não
resultará, pois, a quantificação de um qualquer acréscimo patrimonial que não fosse já inserível
noutras categorias309, pelo que, verdadeiramente, da referência feita a tal norma pelo artº 9º não
decorre a existência de mais rendimentos a serem tributados na categoria dos incrementos
patrimoniais.

305
Inicialmente, previa-se que fosse a categoria I (outros rendimentos) a assumir a função de “categoria
residual”, o que seria lógico. A obsessão de reduzir o número de categorias, em ordem a conferir – ainda
que só formalmente – uma maior unicidade ao imposto, determinou a supressão da categoria I. Os
rendimentos que nela eram tributados passaram a figurar na categoria G, agora designada por
incrementos patrimoniais. Também aqui nada de substancial se alterou, na medida em que, agora no
seio de uma mesma categoria, permanecem regras diferentes consoante esteja em causa a tributação
de mais-valias (cf. artº10º) ou de outros rendimentos.
306
Resultado do facto de as normas da LGT para que remete serem produto de sucessivos acrescentos
ao texto inicial deste diploma.
307
Remetendo o seu estudo para o curso de Direito Fiscal das Empresas.
308
Lima Guerreiro, Lei Geral …, p. 369.
309
Num exemplo: a administração fiscal conclui, validamente, que a contabilidade de um empresário
em nome individual não permite a determinação exata da matéria coletável, pelo que procede à fixação
do rendimento coletável (do lucro) relativamente a um dado ano. Esse rendimento deve então ser
havido como integrando a categoria G? Julgamos que não. Esse lucro continua a ser rendimento da
categoria B (o nº 1 do artº 9º é explícito em considerar “incrementos patrimoniais” apenas os que não
constituam rendimentos de outras categorias).

94
10.3.2. O artº 89º-A da LGT refere-se às manifestações de fortuna.

Em 2000, o legislador introduziu uma primeira hipótese de fixação da matéria coletável por
avaliação indireta: se a declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte (ou na falta de
declaração) não evidenciar rendimentos310 capazes de justificar as manifestações de fortuna
tipificadas em tal norma, presume-se a existência de um rendimento mais elevado, o qual será fixado
em determinadas percentagens do valor de tais manifestações de fortuna.

As manifestações de fortuna previstas na lei são a aquisição de imóveis, automóveis e


motociclos, barcos de recreio, aeronaves de turismo e suprimentos ou empréstimos em que o
sujeito passivo seja o mutuante, quando de valor superior ao estipulado em tal norma311.

Sirva o seguinte exemplo: A adquiriu um prédio por € 300.000 (entende-se que no valor de
aquisição haverá que incluir os encargos inerentes, como sejam o IMT e os emolumentos
notariais312). O “rendimento padrão” legalmente presumido é: 20% x € 300.000 = € 60.000. Se o
rendimento líquido declarado for inferior a € 18.000 (i.e, se existir uma desproporção superior a
30%, para menos, em relação ao rendimento padrão) haverá lugar à fixação indiciária.

É nossa convicção que o sistema das manifestações de fortuna é injusto e ineficaz. Injusto
porque as grandes manifestações de riqueza dos nossos dias se consubstanciam em outras
realidades que o legislador não tipificou pela evidente dificuldade da sua deteção (será, p. ex., o caso
das joias, das obras de arte). Ineficaz porque, embora baste a fruição de tais bens pelo sujeito
passivo ou membros do seu agregado familiar (artº 89º-A, nº 2, al. b) da LGT) – independentemente,
portanto, da respetiva titularidade –, o certo é que, na prática, estas situações serão, a maior parte
das vezes, de difícil conhecimento pela administração fiscal.

10.3.2.1. Esta presunção do valor do rendimento tributável é – como a lei, em geral, impõe –
ilidível, podendo o contribuinte provar factos que tornem compreensíveis as suas manifestações de
fortuna (nº 3 do artº 89º-A da LGT). Assim, o sujeito passivo tentará provar, p. ex., que obteve
rendimentos sujeitos a taxas liberatórias (como dividendos e prémios de jogo), que beneficiou de
uma herança; ou, simplesmente, que em anos anteriores obteve – e declarou – rendimentos
suscetíveis de gerar aforro suficiente para, agora, efetuar tais aquisições.

A invocação desta presunção legal e a sua ilisão colocam várias interrogações, as quais – até por
envolverem questões de natureza processual – não cabe aqui desenvolver313.

310
O nº 2 do artº 89º-A da LGT esclarece, agora, que o rendimento em causa é o “rendimento líquido”.
Numa crítica, que acompanhamos, a esta alteração legislativa, Manuel Faustino, «OE 2007 …».
311
Em 2012, foi aditada ao nº 2 do artº 89º-A da LGT uma nova alínea d), segundo a qual são acréscimos
patrimoniais não justificados a soma dos montantes transferidos de e para contas de depósito ou de
títulos abertas pelo sujeito passivo em instituições financeiras residentes em país, território ou região
sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do
Ministro das Finanças, cuja existência e identificação não seja mencionada nos termos previstos no
artigo 63º-A.

A nosso ver, trata-se de uma sanção pela omissão de deveres declarativos, a qual consideramos
de constitucionalidade duvidosa, desde logo por ofensa ao princípio da proporcionalidade.
312
Joaquim Fernando Ricardo, Direito Tributário, p. 63.
313
Nomeadamente, as questões que se colocam quando o sujeito passivo consegue provar, mas só em
parte, a origem dos rendimentos empregues na aquisição/realização da “manifestação de fortuna”. Para
mais desenvolvimentos, Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, pp. 147 ss.

95
Diremos apenas o seguinte: apesar de os factos suscetíveis de desencadear o funcionamento
desta presunção serem de simples aferição (comparação entre o rendimento declarado e o
“rendimento padrão”, quantificado no valor resultante da aplicação da “tabela” constante do nº 4 do
artº 89º-A da LGT), ou seja, apesar de estarmos perante uma decisão vinculada, a lei considera esta
fixação indiciária do rendimento tributável como sendo particularmente relevante, pelo que a
reserva aos Diretores de Finanças, sem possibilidade de delegação (nº 6 do artº 89º-A da LGT). Sendo
que, como é regra geral, tal decisão só poderá acontecer após audição prévia do sujeito passivo.

Da decisão de fixação do rendimento coletável com base na presunção legal resultante da


existência de manifestações de fortuna cabe recurso judicial, com efeito suspensivo (nº 7 do artº
89º-A da LGT). À tramitação deste recurso aplica-se o disposto no artº 146º-B do CPPT, sendo que,
em princípio, a prova a produzir será meramente documental 314. A fixação do rendimento coletável
no montante correspondente ao “rendimento padrão” legalmente presumido não exclui a
possibilidade de a administração fiscal justificar, através de uma avaliação indireta feita com base em
outros factos que não os que constituem os “indícios” desta presunção legal, fixar o rendimento
tributável num valor superior (nº 4 do artº 89º-A da LGT e nº 2 do artº 87º da LGT).

10.3.3. Atentas as já evidenciadas limitações do campo de aplicação do previsto no artº 89º-A


da LGT, a lei veio, posteriormente, permitir que a administração fiscal fixe presuntivamente o
rendimento tributável quando se verifique um acréscimo de património ou despesa efetuada,
incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, e a falta de declaração de rendimentos ou a
existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos
declarados (artº 87º, nº 1, al. f), da LGT). O rendimento assim fixado (no que exceda o declarado, se
bem entendemos) será havido como constituindo um incremento patrimonial tributável da categoria
G (artº 9º, nº 3).

Concordamos com Saldanha Sanches315 quando afirmava que se concluíssemos pela existência,
no artº 89º-A da LGT, de uma total vinculação da administração fiscal, que só poderia utilizar os
métodos de avaliação indireta nos casos em que houvesse desproporção entre os sinais de fortuna
previstos na lei e os rendimentos declarados pelo contribuinte, o sistema de tributação do
rendimento continuaria a ser muito incompleto, e que a intenção de fornecer um quadro
estritamente vinculado para a administração fiscal não pode ir ao ponto de a impedir de calcular
rendimentos através da simples ponderação de outros “indícios fundados” que permitam à
administração tributária fixar um rendimento superior.

Admitimos, pois, a razoabilidade da intenção legislativa subjacente à introdução da al. f) do artº


87º da LGT: permitir que a administração fiscal fixe indiretamente o rendimento coletável perante
outros “indícios fundados de riqueza” que não os previstos no seu artº 89º-A.

Só que esta forma de legislar, plena de conceitos indeterminados, corre o risco óbvio de um juízo
de inconstitucionalidade por violação clara do princípio da tipicidade.

Muito duvidoso é saber como conciliar estes dois sistemas (que em larga medida se sobrepõem),
pois que correspondem a dois diferentes modelos legislativos: por um lado, uma norma que procede
a uma tipificação rigorosa do que são manifestações de fortuna e estabelece critérios rígidos de

314
O Tribunal Constitucional, em vários acórdãos, nomeadamente o nº 24/2008, de 22 de janeiro,
declarou inconstitucional a parte final do nº 3 do artº 146º-B do CPPT, na medida em que exclui em
absoluto a produção de prova testemunhal, nos casos em que esta é, em geral, admissível.
315
J. L. Saldanha Sanches, «O conceito …».

96
quantificação do rendimento tributável assim presumido (artº 89º-A da LGT); por outro, uma norma
“aberta” (artº87º, al. f) da LGT).

A segurança que a tipicidade do nº 4 do artº 89º-A da LGT pretenderia garantir resulta


totalmente esvaziada pela “cláusula aberta” constante da al. f) do artº 87º.

Sirva o seguinte exemplo: segundo a primeira norma, pareceria que só os suprimentos ou


empréstimos de determinado valor poderiam ser considerados como “manifestações de
fortuna”; mas, por aplicação da segunda, são-no também os aumentos de capital em montante
superior a € 100.000, sempre na condição de o sujeito passivo não justificar a origem dos valores
utilizados (veja-se o Ac. do STA de 28-11-2012, rec. 01197/12).

Mais, parece-nos ser evidente o desequilíbrio que acontece na forma como a lei regula a
tributação presuntiva decorrente, por um lado, das “manifestações de fortuna” e, por outro, dos
acréscimos patrimoniais e de despesa injustificados. Em primeiro lugar, temos o grau de divergência
exigido, relativamente ao rendimento declarado. Quanto às primeiras, a lei impõe uma
desproporção de, pelo menos, 30%, como condição para a avaliação indireta poder ter lugar (artº
89º-A, nº 1, da LGT). No segundo caso, a lei não fixa um valor mínimo para a divergência ser
relevante (não acontecia assim anteriormente a 2009, pois que, então, a avaliação indireta só
poderia ter lugar existindo uma divergência de, pelo menos, um terço entre o rendimento declarado
e os acréscimos de património ou despesa).

Em segundo lugar, os acréscimos injustificados de património ou despesa só relevam quando


de valor superior a € 100.000. Significa isto que, na maior parte dos casos, os sinais exteriores de
riqueza não expressamente tipificados não terão qualquer relevância em termos de controlo da
veracidade das declarações, o que é difícil de compreender, desde logo em termos de justiça na
tributação. Assim – num exemplo que tem traços caricaturais – um contribuinte que tenha pago
propinas ao colégio que os filhos frequentam disponibilizará, em sede de controlo da sua declaração
de IRS, a documentação comprovativa de tais pagamentos, enquanto justificativos do direito à
dedução à coleta por despesas de educação.

A administração verificará a realidade de tais pagamentos, mas não pode retirar quaisquer
consequências “imediatas” se, p. ex., constatar que só o valor de tais despesas é superior ao do
rendimento declarado, ou seja, do facto de tais despesas indiciarem claramente a existência de
rendimentos muito mais elevados que os declarados.

Por último, os acréscimos patrimoniais e as despesas não justificadas, quando superiores ao


referido limite de €100.000, fazem presumir, legalmente, a obtenção de um rendimento de igual
valor (nº 5 do artº 89º-A da LGT), enquanto, relativamente às “manifestações de fortuna” tipificadas,
o rendimento que é, legalmente, presumido corresponde apenas a uma fração do seu valor (nº 4 do
artº 89º-A da LGT).

O que conduz a resultados absurdos: p. ex., se alguém adquire um imóvel por € 300.000, e nada
justifica quanto à origem dos recursos utilizados, terá, nesse ano, um rendimento presumido de €
60.000, por aplicação do disposto no nº 4 do artº 89º-A da LGT. Mas se adquirir, nas mesmas
condições, um imóvel por € 150.000, terá um rendimento presumido desse valor, por aplicação do
disposto na al. f) do artº 87º da LGT316.
316
«No que diz respeito a imóveis, não existe qualquer incompatibilidade entre o disposto nas alíneas d)
e f), ambas do artº 87º da LGT. Com efeito, sendo o valor de aquisição superior a 250.000,00 euros a
Administração Tributária fica legitimada a realizar avaliação indireta ao abrigo da citada alínea d) e do
artº 89º-A da LGT; sendo o valor de aquisição inferior àquele montante e verificando-se a situação
prevista na alínea f) citada, a Administração Tributária pode realizar a avaliação indireta com

97
A Comissão de Reforma fiscal, em 2014, ciente das contradições e injustiças que a lei atual
gera317, propôs uma revisão geral dos normativos em causa318.

Tais sugestões não foram incluídas na proposta de lei que o governo apresentou à
Assembleia da República, certamente por razões de oportunidade política.

Mantem-se assim em vigor um sistema reconhecidamente complexo, injusto e


relativamente ineficaz, que tem dado origem a inúmeros litígios, de difícil resolução, desde
logo por falta de clareza da lei.

11. Mais-valias

Muito embora as mais-valias constituam acréscimos patrimoniais significativos, não


é fácil a sua definição. Daí que a lei opte por uma enumeração casuística das sujeitas a
tributação319.

Como traço geral, diremos que estão em causa ganhos resultantes da alienação de
um bem económico, na medida em que esta alienação não constitui objeto específico
de uma atividade empresarial320.

11.1. Mais-valias que constituem rendimentos empresariais

Há que começar por recordar que também as mais-valias podem ocorrer no contexto
de uma atividade empresarial (aqui, uma empresa individual) 321. Estão em causa os
ganhos obtidos na alienação de bens do ativo fixo (ativo não-corrente), quer tangíveis
[corpóreos] (como, p. ex., máquinas), quer intangíveis (como, p. ex., marcas), bens que
estão funcionalmente afetos à atividade produtiva dessa empresa e que, portanto,
tendencialmente permanecem de forma relativamente estável (por mais que um
exercício) no seu património322.

fundamento nesta norma» (Ac. do STA de 13-07-2011, rec. nº 0614/11). A nossa crítica não é ao aresto
(que aplicou a lei) mas ao absurdo que a lei gera.
317
O que, na altura, havia já sido assumido também pela AT, a qual havia elaborado um anteprojeto de
alterações legislativas, que serviu de base inicial para o trabalho da comissão.
318
Sobre este anteprojeto, Rui Duarte Morais
319
Em geral, Rogério Fernandes Ferreira, «A tributação das mais-valias»; Vasco Branco Guimarães,
«Sobre a Tributação das Mais-valias».
320
J. L. Saldanha Sanches, «Ainda sobre o conceito de mais-valia». Tradicionalmente (cf., por todos, J. J.
Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, pp. 303), aponta-se, ainda, o caráter inesperado de tais
rendimentos. Tal caraterística acaba, na nossa lei, por coincidir com a distinção entre as mais-valias que
integram esta categoria e as que são qualificadas como rendimentos empresarias, porquanto estas são,
supostamente, esperadas.
321
Ou em resultado de um ato objetivo de comércio, como seja a valorização de um bem comprado para
revenda.
322
M. H. de Freitas Pereira, «A periodização do lucro tributável», pp. 157 ss.

98
Ao serem alienados, realiza-se um ganho sempre que o valor realizado for superior
ao respetivo valor contabilístico. O valor obtido com a venda é, assim, um ganho que,
como tal, concorre para o cálculo do rendimento tributável.

Temos, pois, que o conceito de mais-valias tributáveis na categoria B é mais


abrangente que o relevante para efeitos da categoria G, pois inclui todos os ganhos
obtidos pelo empresário com a venda de bens que integram o ativo fixo da sua
empresa e não apenas as decorrentes dos factos enumerados no artº 10º.

As regras aplicáveis ao cálculo das mais-valias a serem tidas em conta no


apuramento do lucro empresarial serão objeto de estudo a propósito do IRC. Por ora,
limitamo-nos a assinalar que tais regras são aplicáveis no cálculo das mais-valias que
constituem rendimento empresarial dos sujeitos passivos da categoria B (artº 3º, nº 2,
al. c)), com contabilidade organizada323.

11.2. Mais-valias que integram esta categoria

Os acréscimos patrimoniais que a lei considera como mais-valias tributáveis na


categoria G correspondem, essencialmente, a ganhos resultantes de uma valorização
de bens devida a circunstâncias exteriores, portanto, independentemente de uma
atividade produtiva do seu titular. São “ganhos trazidos pelo vento” (windfall gains). O
que, só por si, parece justificar a sua tributação.

Se percorrermos a lista das mais-valias tributáveis (artº 10º, nº 1), verificamos que
tais ganhos decorrem, p. ex., do desenvolvimento urbanístico, da construção de
infraestruturas públicas (como estradas, pontes), de que poderá resultar a valorização
de certos imóveis; da apreciação que o mercado faz, num determinado momento, do
comportamento ou das perspetivas futuras de uma empresa, podendo resultar a
valorização das respetivas partes sociais (p. ex., ações).

Como facilmente se constata da análise de tal norma (artº 10º, nº 1)), apenas são
tributadas algumas mais-valias. Ou seja, contrariamente ao que acontece em outras
categorias, o legislador não teve aqui o intuito de desenhar as normas de incidência de
uma forma esgotante: apenas pretendeu tributar as mais-valias que expressamente
enumerou.

Neste ponto, o legislador abdicou de tributar todo o rendimento-acréscimo, o que


naturalmente contribui para uma diminuição da igualdade na tributação, até porque as
mais-valias, por implicarem a existência de um património, tendem a concentrar-se
nos estratos dos contribuintes economicamente mais favorecidos.

As razões de uma tal opção são fáceis de explicar 324: a tributação de todas as mais-
valias é, na prática, impossível, pois implicaria uma intolerável devassa do património
323
Cf., relativamente ao regime simplificado, o nº 9 do artº 31º.
324
Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 23.

99
detido, em cada momento, pelos sujeitos passivos. O legislador teve, assim, que se
contentar em estabelecer a tributação das mais-valias geradas por alguns bens 325,
aqueles cuja existência e alienação sejam relativamente fáceis de controlar, seja por
existir um seu registo público (caso dos imóveis e das quotas), seja por a sua alienação
acontecer, as mais das vezes, com recurso a intermediários capazes de assegurar o
cumprimento das obrigações fiscais (caso das ações transacionadas em bolsa, dos
instrumentos financeiros derivados, etc.).

Muito embora estas sejam situações capazes de gerar, com alguma regularidade,
mais-valias de valor significativo, o certo é que ficam excluídos da tributação outros
importantes acréscimos patrimoniais, como, p. ex., os resultantes da valorização de
obras de arte, antiguidades, joias, etc., o que cria, desde logo, uma distorção favorável
ao investimento em tais bens, uma vez que a respetiva alienação não ficará sujeita a
imposto.

11.3. Realização da mais-valia

O Código segue a solução, tradicional, de que a tributação só aconteça no momento da


alienação do bem326, ou seja, só se tributam as mais-valias realizadas.

Se, teoricamente, se deve entender que o acréscimo patrimonial acontece no


momento (ou à medida em que ocorre) da valorização do bem, o certo é que razões
pragmáticas parecem excluir liminarmente a tributação das mais-valias latentes 327: tal
implicaria uma avaliação periódica dos bens dos contribuintes, havendo lugar a
imposto logo que tivesse ocorrido uma sua valorização (e, logicamente, reembolso do
imposto pago caso, subsequentemente, tais bens se desvalorizassem); graves seriam
então os problemas de liquidez com que os contribuintes se defrontariam, obrigados a
pagar imposto por um rendimento que, efetivamente, não teria sido auferido.

O princípio da realização não se confunde com o chamado regime de caixa do qual resulta, no
plano fiscal, que determinado rendimento só é tributável no momento em que é pago (ou colocado
à disposição do seu titular).

A realização ocorre com a alienação, independentemente do pagamento do preço.

325
No seguimento daquela que era a orientação do (anterior) Código do Imposto de Mais-Valias. J. J.
Teixeira Ribeiro, «A reforma fiscal», pp. 29 ss.
326
O momento da realização será, grosso modo, o da alienação. A lei aplicável será, portanto, em
princípio, a vigente nesse momento.
A questão colocou-se a propósito da revogação do n.º 2 do art.º 10.º, ocorrida em meados de 2010.
Apesar de o IRS ser um imposto periódico (nele são tributados os rendimentos obtidos ao longo de um
ano civil), os nossos tribunais entenderam - e bem- ser de aplicar o disposto no art.º 12.º, n.º 2, da LGT,
ou seja, que a lei nova (que determinara a sujeição a tributação) só seria aplicável às transações
ocorridas após a sua entrada em vigor. Isto, importa frisar, porquanto - diferentemente do que acontece
relativamente a outros rendimentos, desde logo os sujeitos a englobamento obrigatório - não existem
razões de praticabilidade impeditivas da observância de tal comando legal.

327
Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 23.

100
Assim, se o pagamento acontecer em momento posterior ao da alienação, poderão ocorrer os
problemas de liquidez que deixámos referidos; mais grave, se se vier a constatar posteriormente a
incobrabilidade do crédito, a obrigação de imposto permanece (diferentemente do que acontece na
categoria B – contabilidade organizada - em que o valor do crédito incobrável é considerado gasto do
período em que tal situação é constatada).

Tal diferença resultará de caráter esporádico da obtenção das mais-valias enquadráveis na


categoria G, em contraponto à continuidade que, normalmente, subjaz a uma atividade de natureza
empresarial.

Temos as maiores dúvidas quanto à bondade desta solução, até porque, no IRS, salvo no tocante
a rendimentos empresariais, a regra geral é que o imposto só é exigível no momento do pagamento
do rendimento.

O princípio da realização gera, porém, algumas consequências perversas. Uma é o


efeito de concentração (brunching effect): num imposto progressivo, a taxa, no ano em
que a realização acontece, tende a disparar (a ser, anormalmente, mais elevada); ou
seja, o sujeito passivo pagará mais imposto que aquele que pagaria se a tributação
acontecesse anualmente, à medida que a mais-valia foi gerada.

Outra é o efeito de imobilização (lock in effect): sabendo que vão ser sujeitos a uma
tributação elevada no momento da realização (que o preço obtido, líquido de imposto,
resultará porventura inferior ao pretendido), os sujeitos passivos tendem a não alienar
os bens, mesmo que não lhes sejam úteis, com todo o desperdício que, em termos
económicos e sociais, assim se gera328.

11.4. Mais-valias imobiliárias 329

11.4.1. Alienação de imóveis

328
Rui Barreira, «A reforma fiscal: exposição introdutória»; J.G. Xavier de Basto, «Imposto de mais-valias
e efeito de imobilização».
329
Em geral, Maria João Ganchinho Vidal, Tributação das mais- valias imobiliárias em sede de IRS tese de
mestrado), FDUL, 2017.

101
Constituem mais-valias tributáveis os ganhos resultantes da alienação onerosa,
independentemente da forma que revista330, de direitos reais sobre imóveis (artº 10º,
nº 1, al. a)).

O Código do IRS procedeu a um alargamento significativo das mais-valias


imobiliárias tributáveis, uma vez que antes apenas eram tributados os ganhos obtidos
na alienação de terrenos para construção331.

Por tal razão, foi introduzida uma norma transitória 332, segundo a qual as alienações
de imóveis que antes da entrada em vigor do CIRS não estavam sujeitas a imposto de
mais-valias só dão origem a tributação quando o alienante os haja adquirido na
vigência do atual Código333.

Ou seja, continuam não sujeitos os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja
aquisição haja sido anterior a 1 de janeiro de 1989, excetuados os que, antes dessa
data, já revestiam a natureza de terrenos para construção334.

330
Existem, ainda, situações que a lei considera economicamente equivalentes a uma alienação ( a qual
pode revestir outras formas que não apenas a compra e venda, p. ex., permuta). É, p. ex., o caso da
celebração de um contrato promessa de compra e venda de um imóvel acompanhado da transmissão da
posse do bem para o promitente-comprador (cfr. art.º 10.º, n.º 3)
Sobre o caso da expropriação (entendida como uma forma de aquisição originária insuscetível
de gerar ganhos tributáveis nesta sede), Armando Faria Menezes, «A tributação em IRS das
indemnizações emergentes da expropriação por utilidade pública de bens imóveis». A questão é
complexa porquanto, a nosso ver, a expropriação não é uma forma de transmissão (não “caberá” na
norma de incidência), mas não é menos certo que o legislador pretender tributar os ganhos daí
decorrentes para o expropriado (cfr. art.º 44.º, al. b)).
331
Não consideramos aqui os ganhos resultantes da alienação de imóveis afetos ao exercício de
atividades empresariais, porque enquadráveis na categoria B, o que, por princípio, ditará um tratamento
fiscal menos favorável.
332
Artº 5º do DL nº 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o CIRS.
Segundo João Taborda da Gama, «Terrenos para construção e regime transitório das mais-
valias imobiliárias em IRS», “no regime transitório da categoria G do Código do IRS quanto às mais-valias
resultantes da alienação de imóveis, o legislador assumiu o claro objetivo de proteger as expetativas dos
proprietários dos bens imóveis. Este objetivo determina que o direito aplicável é o que consta das
normas vigentes no momento da aquisição do bem”. Este é, também, o entendimento que, no geral,
tem sido sufragado pelos nossos tribunais.
Veja-se, porém, o Ac. do STA de 18-01-2012, rec. Nº 0201/11, relativo à extinção do usufruto,
ocorrida no domínio da nova lei, e a anotação (desfavorável) ao mesmo feita por Manuel Faustino,
«Tributação; IRS; Mais-valias; Propriedade».
Mais detalhadamente, numa visão crítica do entendimento que tem sido perfilhado pela nossa
jurisprudência, José Maria Pires ::::::::::::::::::::

333
A “tradição” da previsão deste tipo de normas transitórias, prevendo, nos casos de alargamento do
âmbito de tributação das mais-valias, a salvaguarda das expectativas dos titulares dos patrimónios em
causa (aqueles cujas mais-valias obtidas aquando da sua alienação não eram, antes, sujeitas a imposto),
foi quebrada, em 2010, quando da revogação do n.º 2 do art.º 10º do CIRS, segundo o qual não estavam
sujeitas a imposto as mais-valias obtidas com a alienação de ações e obrigações quando detidas, pelo
alienante, há mais de 12 meses.
A não previsão de norma transitória foi havida por muitos como equivalendo a uma aplicação
retroativa da lei nova, o que não é o caso. Veja-se, no entendimento que temos por correto, Manuel
Faustino:::::::::::::::::::

102
11.4.2. Cessão onerosa de posições contratuais relativas a imóveis

Rigorosamente, não estão aqui (artº 10º, nº 1, al. d)) em causa mais-valias
imobiliárias, uma vez que o ganho resulta da cedência onerosa de direitos de natureza
obrigacional. Mas porque o objeto mediato de tais direitos são imóveis, existe uma
identidade económica que leva a que o legislador preveja para tais situações um
regime de tributação idêntico ao aplicável aos ganhos resultantes da alienação de
direitos reais335.

Trata-se de situações relativamente frequentes como, p. ex., alguém celebrar um


contrato-promessa de aquisição de um andar em construção e, antes da celebração da
escritura, ceder a um terceiro a sua posição contratual em troca de um valor superior
ao das quantias já pagas ao vendedor a título de sinal.

11.4.3. Cálculo da mais-valia imobiliária

O ganho sujeito a imposto, é, por regra (cf. nº 2 do artº 43º), 50% do saldo apurado
entre as mais-valias e as menos-valias deste tipo 336 realizadas no ano em causa (artº
43º, nº 1), o que pode ser entendido como uma resposta aos efeitos de concentração
e imobilização que a tributação das mais-valias no momento da respetiva realização
provoca337.

Para o seu cálculo há que atender, por um lado, a:

– valor de realização,

o qual, por regra, corresponderá à contraprestação recebida pelo alienante (artº


44º, nº 1, al. f))338.
334
Sujeitos a tributação a este título desde a entrada em vigor do Código do Imposto de Mais-Valias (em
9 de julho de 1965). Em caso de alienação, só não haverá lugar a imposto se a aquisição for anterior a
esta data.
335
Só é tributável 50% da mais-valia obtida. Porém, as regras de cálculo do rendimento tributável são
diferentes das aplicáveis aos casos de alienação de imóveis (que, adiante, analisaremos), pois é
tributada a diferença entre o valor de realização e o valor de alienação de tais direitos, não havendo
lugar à consideração da desvalorização monetária (art.º 50, n.º 1, a contrario) nem das despesas
suportadas (art. 51.º, n.º 1, al. b), também a contrario.
336
No apuramento deste saldo entram também as mais e menos-valias a que se refere a al. c) do artº
10º.
337
O TJUE, no seu Ac. de 11/10/2007 (proc. nº C-443/06 – Hollmann), declarou incompatível com o artº
56º do Tratado CE – livre circulação dos capitais – a aplicação a residentes em outros Estados-membros
das regras previstas no CIRS para a tributação das mais-valias imobiliárias obtidas em Portugal por não-
residentes (ou seja, entendeu que os residentes em outros Estados-membros devem ficar sujeitos às
normas aplicáveis aos residentes no nosso país).
338
Prevendo a lei (artº 44º, al. a) e b)) regras para a determinação do valor da contraprestação quando a
alienação tenha acontecido por troca ou em resultado de uma expropriação.

103
No caso de alienação de direitos reais sobre imóveis, prevalecerá o valor
patrimonial do prédio relevante para efeitos de IMT 339, quando superior, mesmo que
não deva haver lugar à tributação neste imposto (artº 44º, nº 2), salvo se o interessado
lograr provar ter sido menor o valor de realização (art.º 44.º, n.º 5)340;

Por outro, (art.º 51.º, n.º 1), a

– encargos com a valorização do imóvel

Sendo a mais-valia um ganho não imputável à atividade do sujeito passivo, é óbvio


que não cabe neste conceito a valorização de um imóvel decorrente de investimentos
nele efetuados.

Assim sendo, são dedutíveis tais despesas, quando realizadas nos últimos 12 anos,
desde que devidamente comprovadas.

Esta limitação temporal, justificada por razões de praticabilidade 341, continua a originar a
tributação de ganhos não reais: pense-se no caso de alguém que adquiriu uma casa usada para
habitação, a reconstruiu ou beneficiou substancialmente (gastando um valor que pode ter sido
substancialmente superior ao de aquisição) e, vinte anos depois, a vende. A valorização do imóvel –
a “mais-valia” obtida - pode ser resultado, apenas, do investimento realizado.

A solução seria, a nosso ver, simples: o “ valor da aquisição” a considerar deveria ser o valor
patrimonial tributário fixado na sequência de tais obras. Lembramos que, nos termos dos artº 13º,
nº 1, al. d), do CIMI, o sujeito passivo tem a obrigação de declarar obras de melhoramento ou outras
alterações que possam determinar a variação do valor patrimonial tributário do prédio implicação
obrigação, de forma a impulsionar a reavaliação.

Também por razões de praticabilidade, a lei assume que a valorização do imóvel é, em termos
quantitativos, igual ao montante dos investimentos realizados.

- despesas inerentes à aquisição e alienação

Por exemplo, a comissão paga aos agentes imobiliários que intermediaram tais
transações, o IMT e custo dos registos implicados pela aquisição;

– indemnizações

339
Cf. artº 12º e 13º do CIMT. Sempre que deva haver lugar a avaliação, seguem-se as regras previstas
no CIMI (artº 14º do CIMT).
340
O n.º 7 do art.º 44.º veio resolver uma questão que antes se suscitava e obtinha respostas díspares: a
de o valor da venda (valor de realização) sofrer alterações futuras. Trata-se de situações algo vulgares, p.
ex., em contratos de venda de ações, nos quais é acordado que o valor final da alienação fica
dependente da obtenção de determinado volume de lucros pela sociedade nos exercícios seguintes,
sendo, em função destes, “corrigido” o montante estipulado no contrato, para mais ou para menos.
341
Sendo que o legislador de 2015 alargou substancialmente o prazo em que relevam tais despesas
(hoje, 12 anos; antes, 5 anos)

104
Será, p. ex., o caso de alguém indemnizar inquilinos para estes aceitarem resolver
os contratos de arrendamento, “libertando” assim o prédio para venda342.

- valor de aquisição, que será aquele que serviu ou deveria servir de base à
liquidação do imposto incidente sobre a transmissão do imóvel para o ora alienante (i.
e., o valor declarado ou o valor patrimonial tributário, se superior) – artº 46º.

Exceção relevante é o caso de imóveis adquiridos através do exercício do direito de opção de


compra no termo da vigência do contrato de locação financeira. Considera-se então como valor
de aquisição o somatório do capital incluído nas rendas pagas durante a vigência do contrato e o
valor pago para efeitos de exercício do direito de opção, com exclusão de quaisquer encargos
(artº 46º, nº 5). O que bem se compreende, dadas as especiais caraterísticas destes contratos343.

Se o imóvel foi adquirido a título gratuito, o valor de aquisição será o que serviu
ou serviria para liquidação de Imposto do Selo (anteriormente, Imposto sobre
Sucessões e Doações).

Tratando-se de imóvel construído pelo sujeito passivo, o “valor de aquisição”


corresponderá ao respetivo valor patrimonial, apurado segundo as regras do IMI ou à
soma do valor do terreno com o dos custos de construção, devidamente comprovados,
se superior (cf. artº 45º e 46º).

– correção monetária do valor de aquisição.

Uma vez que está em causa, fundamentalmente, comparar os valores de realização


e aquisição e entre estes dois momentos pode ter mediado um longo período de
tempo, há que atender à depreciação do valor real da moeda em resultado do
fenómeno da inflação, sob pena de se estarem a tributar ganhos meramente nominais.

Dito de outro modo, há que saber qual a quantia que, à data da alienação,
corresponde ao valor da aquisição. Para tal, sempre que entre a aquisição e a
alienação tenham decorrido mais de 24 meses, o valor de aquisição é atualizado
mediante a aplicação de coeficientes, legalmente aprovados por portaria, que
traduzem a depreciação monetária entretanto ocorrida (artº 50º).

Do exposto resulta ser a fórmula de cálculo de uma mais-valia imobiliária a


seguinte:

Mais-Valia = V. Realização – [(V. Aquisição x Coef. Atualização) + Encargos Valorização


+ Desp. Alienação + Desp. Aquisição].

342
Adição efetuada pela reforma de 2014.
343
Abílio Marques, «Enquadramento fiscal do contrato de locação financeira imobiliária».

105
11.5. Imóveis destinados a habitação permanente

O artº 10º, nº 5, exclui da tributação as mais-valias obtidas aquando da


alienação de habitação própria e permanente 344 do sujeito passivo ou do seu agregado
familiar345, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento 346 de
outro imóvel afeto à mesma finalidade347. O objetivo da lei é claro: eliminar obstáculos
fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.

Objetivo muito limitado, portanto. Julgamos que esta proteção deveria ser à aquisição de
habitação própria e permanente, o que implicaria que não ficassem sujeitas a imposto as mais-valias
obtidas na alienação de quaisquer imóveis desde que o respetivo produto fosse utilizado na
aquisição de um prédio com tal finalidade (eventualmente, quando este não excedesse determinado
valor).

A não tributação é proporcional ao reinvestimento, ou seja, na medida em que


o montante obtido na venda da primitiva habitação (deduzido – sendo o caso – do
valor utilizado para o reembolso de empréstimos contraídos para a sua aquisição 348)
tiver sido utilizado na aquisição da nova habitação. Significa isto que se o preço pago
pelo novo imóvel for financiado por outras vias (p. ex., por um novo empréstimo
bancário), o valor de reinvestimento a considerar será apenas a diferença entre o
preço pago e o do empréstimo bancário; se o novo imóvel for de preço inferior ao
alienado, haverá apenas um reinvestimento parcial.

344
Se um determinado prédio é habitação permanente do sujeito passivo ou do seu agregado é algo
que só pode ser apreciado em função das circunstâncias do caso concreto. Tal conceito implica um
elemento de habitualidade de tal afetação, em imóvel a tal fim destinado, cumulado com a qualidade de
proprietário, durante um período de tempo, que incluirá necessariamente a data da alienação, cuja
duração mínima a lei não fixa.
Significa isto, como já referimos, que a presunção legal (art.º ::: que o domicilio fiscal
corresponde à habitação permanente do sujeito passivo pode ser ilidida, quer por este, quer pela AT.
345
P. ex., alguém que emigrou, deixando de residir em Portugal, mas cuja família permaneceu em imóvel
sua propriedade.
346
Ou uma combinação destas diferentes formas, pois – segundo entendemos - apesar da falta de
clareza do elemento literal da norma, não esteve, certamente, no espírito do legislador distinguir, p. ex.,
entre quem opta por adquirir um imóvel novo e quem escolhe adquirir um usado e realizar, após a
compra, obras de beneficiação.
347
No seguimento do decidido pelo TJCE no Ac. de 26/10/2006 (proc. nº C-345/05), a lei passou a prever
que o imóvel em que se concretize o reinvestimento possa situar-se no território de qualquer outro
Estado-membro ou de um país que integre o Espaço Económico Europeu (casos da Islândia,
Liechtenstein e Noruega).
348
O STA (rec. n.º 774/14, de 18/01/2017, na sequência de outros arestos) tem vindo a considerar que o
disposto no nº 5, al. a,) do art.º 10.º (“empréstimo contraído para a aquisição do imóvel”) apenas
abrange os mútuos destinados a financiar a compra de um novo e imóvel (e não, também, os destinados
à construção de nova habitação). Esta interpretação, assente no elemento literal deste segmento da
norma, cria uma discriminação quanto à opção entre compra e construção, enquanto formas de
resolução do problema habitacional, a qual não nos parece conforme quer com a ratio, quer com uma
interpretação sistemática de todo o preceito, uma vez que, nele, o legislador assume, como quadro de
referência, a equivalência das duas hipóteses (neste sentido, Ana Pinto Moraes, Reinvestimento nas
Mais-Valias Imobiliárias, Almedina, 2019, p. 70 s).

106
Alguns exemplos349:

António vendeu, no ano passado, a sua casa de habitação permanente por 250.000 euros, que
havia adquirido por 200.000 euros. Pagou ao banco 100.000 euros, valor ainda em dívida relativo
ao empréstimo feito para a aquisição de tal imóvel.

Este ano, António adquiriu uma outra casa, para habitação permanente, por 300.000 euros.
Para o efeito, pediu um empréstimo bancário de 120.000 euros.

Temos: o valor de realização a ser considerado é 150.000 [250.000 (valor da venda) – 100.000
(amortização do empréstimo)]; o valor do reinvestimento a ser considerado é 180.000 [300.000
(preço de compra) – 120.000 (empréstimo)].

O valor do investimento é superior ao valor de realização, logo não há lugar a qualquer


tributação.

Consideremos agora a hipótese de António ter obtido um financiamento bancário de 200.000


euros para a aquisição da nova habitação. Neste caso, o valor de realização, 150.000, seria
superior ao do investimento, o qual seria de 100.000 [300.000 (preço de compra) – 200.000
(empréstimo)], pelo que a não sujeição seria apenas parcial, proporcional ao reinvestimento.

Proporção que é de 2/3 (100.000/150.000).

Uma vez que a mais-valia obtida na venda da primeira habitação foi de 50.000 [250.000 (preço
de venda) – 200.000 (preço de compra)], um terço deste valor estaria sujeito a tributação.
Porém, há que não esquecer que – como vimos – o imposto incide apenas sobre 50% do valor
do saldo positivo entre as mais e menos- valias imobiliárias realizadas nesse ano. O mesmo é
dizer (na hipótese de esta ser a única operação imobiliária realizada pelo sujeito passivo nesse
ano), o montante de rendimento tributável a ser considerado, em sede de englobamento,
corresponderia, apenas, a metade de tal valor.

Importa, ainda, ter em atenção os prazos em que o reinvestimento deve ter


lugar (artº10º, nº 5, al. b)): a nova habitação 350 deverá ser adquirida no prazo máximo
de 36 meses contados da alienação do primeiro; considera-se, também, ter havido
reinvestimento quando o novo imóvel tenha sido adquirido nos 24 meses anteriores à
alienação. Isto porque, como é sabido, é prática corrente as famílias adquirirem
primeiro a nova habitação e só depois procederem à venda da antiga351.

Existem outros requisitos a cumprir, quanto ao tempo em que a construção ou melhoramento


do novo imóvel devem estar concluídos, ao prazo máximo, nas diferentes situações, para ser
operada a transferência da habitação e, ainda, especiais obrigações acessórias (fazer constar da
declaração relativa ao ano da alienação a intenção de proceder ao reinvestimento e em que
montante, o que é condição para a suspensão da liquidação do imposto (cf. al. c) do nº 5 e n.º 6 do
artº 10º).
349
Exemplos intencionalmente simplificados, uma vez que não consideramos outros dados relevantes
como, p. ex., a correção monetária do preço de compra a que, eventualmente, devesse haver lugar nem
eventuais encargos com a aquisição e/ou a venda.
350
Ou terreno para a construção, construção ou obras de ampliação ou melhoramento de casa para
habitação permanente do sujeito passivo.
351
Sendo tal prática facilitada pela banca através da concessão dos chamados empréstimos intercalares.
Independentemente da origem do dinheiro empregue na aquisição da nova casa, a lei assume, para
estes casos, ter existido reinvestimento.

107
11.5.1 O reinvestimento

A não tributação destas mais-valias implica, como vimos, a obrigação de


reinvestimento em imóvel com idêntico destino352.

Assumindo que, para a maioria das famílias, a aquisição de um tal imóvel


corresponde ao investimento de uma vida e não ser opção do legislador a exclusão
incondicional da tributação facilmente se constatam debilidades na solução legal.

Em épocas de crise, como a que vivemos recentemente, deparamos


frequentemente com situações em que os sujeitos passivos se vêm obrigados a vender
a sua habitação por não terem condições para pagar os encargos bancários contraídos
e/ou não possuírem outros meios para obter a liquidez necessária à sua sobrevivência.
Não havendo reinvestimento, o imposto incide sobre toda a mais-valia obtida,
incluindo a correspondente ao valor utilizado para reembolsar a entidade bancária do
montante mutuado em ordem à aquisição do prédio.

Cientes deste facto, defendemos, em edição anterior desta obra, que, mesmo não havendo
reinvestimento, o valor de venda empregue na amortização do empréstimo bancário devia ser
abatido ao valor de realização a ser considerado no cálculo da mais-valia tributável. A comissão
da reforma de 2015 sufragou este entendimento, mas apenas enquanto “medida de
emergência”, válida apenas durante um período de cinco anos (até final de 2020, relativamente a
contratos anteriores a 31 de dezembro de 2014) 353.

Em situação com contornos algo semelhantes se encontram os sujeitos passivos


mais idosos que pretendem alienar as suas habitações por delas não mais
necessitarem, optando por outras formas de alojamento (que pode ser a aquisição de
outra habitação, de menor valor), realizando assim o investimento de uma vida.

Atenta esta realidade, o legislador, em 2019, decidiu que seria possível concretizar o
reinvestimento através de determinadas formas de aforro, o que, naturalmente,
merece aplauso. Assim, hoje, os sujeitos passivos que, eles próprios ou os seus
cônjuges, sejam reformados ou maiores de 65 anos, podem concretizar o
reinvestimento, exclusiva ou cumulativamente com a aquisição de outro imóvel para
habitação, através da aquisição de um contrato de seguro ou à adesão individual a um
fundo de pensões aberto, ou ainda à contribuição para o regime público de
capitalização, nos termos previstos nos n.º 7 e 8 do art.º 10º.

11.5.1.1. Têm suscitado dificuldades situações em que o bem alienado não é propriedade exclusiva
do alienante, muito embora seja a sua habitação permanente, e/ou o novo imóvel não é por ele
adquirido na totalidade.
352
Sobre o momento em que se concretiza o reinvestimento (p. ex., nos casos de celebração de
contrato promessa com tradição do imóvel, de construção, ampliação ou melhoramento do novo
imóvel), Ana Pinto Moraes, Reinvestimento…, p. 77.
353
Art.º 11.º da Lei 82-E/2014, de 31 de dezembro.

108
Exemplos:

- alguém (vg. solteiro ou divorciado) vende um prédio, sua habitação permanente, de que é
proprietário e adquire, em compropriedade, 50% de outro prédio, no qual passa a residir com o
seu cônjuge, o qual adquiriu igual quota. A nosso ver, as condições do reinvestimento estão
preenchidas, sendo o valor de reinvestimento a considerar o correspondente a 50% do valor de
aquisição do novo prédio.

- um casal, em fase de separação, vende um prédio, bem comum ou adquirido em


compropriedade, habitação permanente de ambos, tendo cada um deles feito sua metade do
preço recebido; este será o valor de realização a ser tido em conta no reinvestimento efetuado
ou a efetuar por cada um deles.

- diferentemente acontece, a nosso ver, na seguinte hipótese: alguém aliena um prédio, sua
propriedade (ou compropriedade), e adquire, em seu nome, mas já no estado de casado num
regime de comunhão, nova habitação. O valor do reinvestimento corresponde, a nosso ver, ao
preço da nova habitação.

Não sendo aqui lugar para desenvolver o tema, diremos que, neste caso, não se poderá
considerar, como entende a AT com apoio de alguma jurisprudência 354, que o sujeito passivo
(apenas) adquiriu 50% do novo prédio. A aquisição foi feita em seu nome. Existe uma confusão,
com que temos frequentemente deparado, entre compropriedade e comunhão de bens. Nos
regimes de comunhão, os cônjuges não são comproprietários de cada um dos bens que
constituem o património do casal, não são, no regime de comunhão de adquiridos, titulares de
50% de cada um dos bens adquiridos na pendência do casamento. São titulares de um direito
sobre uma universalidade, constituída por bens na titularidade de um ou ambos, o qual apenas
se concretizará em bens determinados aquando da dissolução do casamento.

11.6. Transferência de bens para e do património empresarial de uma pessoa


singular

A lei considera, ainda, que constituem mais-valias, tributáveis na categoria G, a


”afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e
profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário” (art.º 10.º, n.º 1, al. a),
parte final).

Já vimos que, por serem diferentes as regras de tributação das mais-valias


consoante um o bem em causa integre ou não o ativo de uma empresa individual. A
afetação de um bem ao património empresarial ou particular não é, pois, fiscalmente
neutra355.
354
Ana Pinto Moraes, Reinvestimento … p. 65.

355
P. ex: na categoria G apenas são consideradas tributáveis as mais-valias aí tipificadas, enquanto na
categoria B vale, na sua plenitude, o conceito de rendimento-acréscimo; na categoria G apenas é
considerado como rendimento tributável 50% da mais-valia realizada, enquanto na categoria B a mais-
valia releva na totalidade; nesta categoria, no cálculo da mais-valia é tida em conta a depreciação do
prédio, o que não acontece naquela.
Assim sendo, temos que, p. ex., na opção pela empresarialização do arrendamento (pela
sujeição das rendas às regras da categoria B) passa a existir um património autónomo, afeto a uma

109
Existindo contabilidade organizada, as datas e os valores a serem considerados, relativamente à
afetação e desafetação à atividade empresarial, não suscitarão dificuldades.

Mas tais datas e, consequentemente, o valor de mercado a ser tido em conta, poderão ser
difíceis de determinar no regime simplificado, dada a ausência de registos.

Como podem suscitar dificuldades os casos de afetação parcial (sendo que então a mais-valia
empresarial terá de ser calculada na proporção). Tais situações de são vulgares, p. ex. quando o
empresário ou profissional independente utiliza a habitação também como local de exercício da sua
atividade356.

O regime legal de tributação das mais-valias, nos casos de afetação de bens ao


ativo empresarial de um sujeito passivo individual e, mais ainda, havendo posterior
desafetação, é extremamente complexo, contraditório com princípios estruturantes da
tributação deste rendimento, suscitando numerosas questões de difícil resposta 357

Temos, em primeiro lugar, que a lei faz equivaler a alienação a “passagem” de um bem do
património particular para o empresarial, considerando como “preço” o respetivo valor de mercado
(artº 44º, nº 1, al. c))358.

Porém, a mais-valia assim “registada”359, quando abrangida pela incidência da categoria G 360,
não é tributada nesse momento, mas apenas posteriormente, quando “da ulterior alienação onerosa
dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em
condições análogas” (al .b) do n.º 3 do art.º 10.º)

Assim, se o bem for alienado enquanto integra o património empresarial do empresário


individual, havendo mais-valia, haverá lugar a tributação.

Tributação que, eventualmente, se repartirá por duas diferentes categorias: na G, será


tributada a mais-valia gerada entre o momento da aquisição do bem e o da sua afetação ao
património empresarial, ou seja, grosso modo, a diferença positiva entre o preço de aquisição e o
valor de mercado nesta última data, calculada segundo as regras próprias desta cédula. Isto no
pressuposto de que esta mais-valia é sujeita a tributação no âmbito da categoria G, como acontece
quanto aos bens imóveis.

Na categoria B, segundo as regras desta, será tributada a valorização de quaisquer bens,


integrados no ativo não corrente empresarial, ocorrida entre o momento da afetação e o da
alineação, ou seja, grosso modo, a diferença positiva entre o valor contabilístico do bem e preço pelo
qual foi feita a venda.

atividade empresarial, com as consequentes consequências ao nível da tributação das mais-valias.


356
Miguel Gonzales Amado, «O regime fiscal da afetação da habitação do advogado para a sua atividade
profissional», Boletim da Ordem dos Advogados, jan/fev 2019
357
Mónica
358
Desenvolvidamente, M. H. de Freitas Pereira, «Tratamento fiscal da transferência de bens imóveis
entre o património privado e o património empresarial de uma pessoa singular».
359
Não o podemos dizer realizada, uma vez que realização pressupõe, como vimos, alienação (a
outrem), o que não é o caso, pois o bem continua propriedade da mesma pessoa, ainda que com
diferente uso.
360
P. ex, se estiverem em causa bens móveis, em sentido estrito, não se coloca, nesse momento,
qualquer questão de tributação no âmbito do património pessoal do sujeito passivo, por inexistência de
norma de incidência.

110
Não sendo o bem alienado enquanto integre o ativo da empresa individual, há que saber o
significado da expressão, constante da já referida norma de incidência, “outro facto que determine o
apuramento de resultados em condições análogas”

É hoje entendimento generalizado que a desafetação de um bem da atividade empresarial (com


o seu “regresso” à “esfera particular” do sujeito passivo) constitui “outro facto que determine o
apuramento de resultados”361.

Na lógica subjacente à quantificação do lucro empresarial (ou seja, por simplicidade,


relativamente à tributação a ser feita no âmbito da categoria B – mais-valia gerada durante o tempo
de afetação a uma atividade empresarial), a equiparação a alienação da transferência para o
património particular faz sentido. O bem, ao integrar o ativo empresarial, passa a possibilitar a
dedução de gastos que, de outra forma, não seriam fiscalmente relevantes. Finda tal afetação, é
lógico que aconteça o apuramento de um eventual ganho, muitas vezes não mais que o resultante
do excesso de valor das depreciações permitidas relativamente à real desvalorização do bem.

Mas tal não exclui a interrogação sobre a bondade e praticabilidade deste regime, penalizante e
de difícil execução prática, em relação aos pequenos empresários individuais.

Porém, a norma em análise (art.º 10.º, n.º 3, al. b)) refere-se à categoria G e não à B.

Ou seja, se bem entendemos, a mais-valia aqui em causa (cuja realização, em caso de


desafetação, a lei também ficciona) é a gerada no período anterior à afetação do bem à atividade
empresarial, durante o tempo em que foi usado pelo sujeito passivo a “título particular”, sendo o
caso.

Temos assim que a desafetação de bens de uma atividade empresarial, por um empresário em
nome individual, é facto gerador da tributação, segundo regras diferentes, de “duas” mais-valias: a
gerada no período antes da afetação, à qual é tributada segundo as regras da categoria G e a gerada
durante o período de tal afetação, a qual é tributada segundo as regras da categoria B.

Só que – há que o assumir, estamos, em ambos os casos, a tributar mais-valias não realizadas,
meramente potenciais. Não realizadas porquanto, obviamente, a desafetação não equivale
economicamente, a uma alienação, nunca sendo geradora de liquidez 362; meramente potenciais
porquanto, sendo o bem alienado no futuro, o valor de realização então efetivamente logrado
poderá ser inferior ao de mercado à data da desafetação.

Mais, poderá haver lugar a nova tributação de mais-valias, segundo as regras da categoria G, se,
posteriormente à desafetação e até ao momento da efetiva alienação, o bem, se tiver valorizado, e
tal valorização preencher os pressupostos de incidência do imposto, nesta categoria. Então, o valor
de aquisição a considerar, no cálculo da mais-valia tributável, agora exigível segundo o princípio da
realização, será o valor de mercado à data de desafetação do património e não o valor pelo qual o
sujeito passivo adquiriu o bem, sob pela de se estar a tributar o mesmo ganho duplamente, ainda
que em momentos diferentes.

Estamos, pois, perante um regime legal manifestamente carente de profunda revisão, a qual não
terá sido analisada no quadro da reforma de 2015 por, na altura, não constituir questão relevante363.

361
Não sendo assim, o campo de aplicação da parte final da al .b) do n.º 3 do art.º 10.º resultaria
esvaziado.
362
Pense-se na dificuldade que terão muitos sujeitos passivos em pagar o imposto assim tornado
exigível, p. ex., nos casos de encerramento da atividade empresarial por falta de tentabilidade.
363
Concluindo no mesmo sentido, Paula Rosado Pereira, Manual…, pág. 197.

111
11.7– O alojamento local

A problemática das consequências fiscais da afetação/desafetação de um bem imóvel à esfera


empresarial de um empresário individual era uma questão “irrelevante” até a um passado recente. A
lei existia, mas os casos de efetiva aplicação eram raros, não sendo conhecidos litígios de relevo.

A situação alterou-se com a recente “explosão” da atividade de alojamento local, o que obrigou
a sucessivas intervenções legislativas, posteriores à reforma de 2015, as quais não se
circunscreveram às regras de tributação das mais-valias, abrangendo também a categoria F.

Aproveitaremos o ensejo para uma pequena exposição centrada neste tema, muito embora a
mesma questão se coloque em outras situações.

O alojamento local é, carateristicamente, uma atividade empresarial (uma forma de hotelaria)


pelo que, quando titulada por sujeitos passivos individuais, o lucro obtido estaria sujeito a tributação
no âmbito da categoria B. Porém, reveste diferentes modalidades: temos a modalidade hostel,
tipicamente uma atividade hoteleira de carácter empresarial, e outras, nomeadamente em moradia
ou andar. Nestes casos, está em causa, essencialmente, a locação de um prédio, ainda que por
curtos períodos, sendo mínimos os serviços prestados, muitas vezes sem contacto direto com o
cliente (vg. limpeza do prédio no fim de cada estadia).

Por tais razões, o legislador aceitou que os rendimentos obtidos no exercício destas
modalidades de alojamento local fossem tributados segundo as regras da categoria F, por opção do
titular364.

Pergunta-se: esta opção implica a mudança de qualificação fiscal de tais rendimentos? Com
Mónica Duque365, concluímos que não houve um alargamento do âmbito de incidência da categoria
F, mas tão só a possibilidade de rendimentos que são, pela sua natureza, empresariais, e, como tal,
integrantes da categoria B, serem determinados por aplicação das regras previstas para os
rendimentos prediais e tributados à taxa especial (proporcional) para estes prevista.

O que nos leva a concluir o seguinte: em todas as modalidades de alojamento local, se o


proprietário do prédio for o próprio empresário, há afetação desse imóvel a uma atividade
empresarial, independentemente das regras escolhidas para tributação do rendimento corrente 366
(proveitos da atividade), com as inerentes consequências ao nível da tributação das mais-valias.

Só que, em caso de desafetação, a tributação das mais-valias, incluindo as geradas antes da


afetação do prédio, é adiada, caso o prédio passe a estar afetado à atividade de arrendamento.
Só quando esta afetação terminar (ou em caso de alienação) é que se tornará exigível o
imposto correspondente às mais-valias até então obtidas.

Tributação que, eventualmente, ocorrerá por aplicação de dois diferentes regimes: o da


categoria G, relativamente à valorização do prédio desde o momento da sua aquisição até à data da
364
Art.º 28.º, n.º 14: os titulares de rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local
na modalidade de moradia ou apartamento podem, a cada ano, optar pela tributação de acordo com as
regras estabelecidas para a categoria F.
365
::::::::::::::
366
A opção pela tributação segundo as regras da categoria F dos rendimentos correntes da atividade de
alojamento local em moradia ou apartamento é anual. Tal opção não se pode refletir na existência de
regimes anuais de apuramento e tributação da mais-valia entretanto ocorrida, sob pena de evidente
impraticabilidade.

112
afetação à atividade empresarial; o da categoria B desde esta até à da desafetação, a qual, sendo o
caso, só ocorre no momento em que, deixe de ser colocado no mercado de arrendamento367.

11.8. Mais-valias mobiliárias

Já vimos que é no domínio das mais-valias mobiliárias que o CIRS mais se afasta do
objetivo da tributação do (de todo o) rendimento-acréscimo. Isto porque, pelas razões
então apontadas, apenas se tributam algumas dessas mais-valias.

As mais-valias mobiliárias sujeitas a tributação são ganhos resultantes da


alienação onerosa de partes sociais ou outros valores mobiliários 368 e situações
economicamente equivalentes369. (artº 10º, nº 1, al. b) a g)). Estão em causa, p. ex., os
obtidos com cessões de quotas, vendas de ações, vendas de obrigações, cessões de créditos.

Dadas as diferenças dos regimes fiscais aplicáveis, a reforma de 2015 procurou lograr uma mais
correta delimitação dos rendimentos que, pela suas caraterísticas devem ser qualificados como
mais-valias mobiliárias e não como rendimentos de capitais, com a sua consequente “transferência”
para esta categoria. É o caso de rendimentos obtidos não com alienação onerosa do “título”
representativo dos direitos em causa, mas com operações que envolvem a extinção de tais direitos,
como sejam o reembolso de obrigações e outros títulos de dívida e o resgate de unidades de
participação em fundos de investimento ou da liquidação de tais fundos.

Nos termos do artº 18º, al. i), consideram-se obtidas em Portugal (apenas) as
mais-valias resultantes da transmissão onerosa de partes de capital de entidades que
tenham no nosso país sede, direção efetiva, ou estabelecimento estável ao qual o
pagamento dos respetivos rendimentos deva ser imputado. Este elemento de conexão,
que também releva nos casos que a seguir referiremos, delimita a pretensão tributária
relativamente aos não-residentes. Porém, tal norma tem de ser conjugada com o artº
27º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que isenta de tributação, em numerosas
situações, este tipo de mais-valias quando obtidas por não-residentes.

367
Como estipula o n.º 9º do art. 31.º, “não configura uma transferência para o património particular do
empresário a afetação de bem imóvel habitacional à obtenção de rendimentos da categoria F”.
Ou seja, sendo dado de arrendamento após o termo da sua afetação a uma atividade comercial,
industrial, agrícola ou de prestação de serviços, o imóvel continua a ser considerado, para efeitos de IRS,
como afeto a uma atividade empresarial, ainda que o rendimento gerado seja tributado segundo as
regras da categoria F. Isto até ao momento em que cesse a atividade de arrendamento (a nosso ver,
cesse a disponibilização do imóvel no mercado de arrendamento e não a continuidade na obtenção de
rendas), momento em que ocorrerá a reintegração no “património particular” do sujeito passivo
O valor de realização a considerar será, assim, o valor de mercado do bem em tal data.
A intenção legislativa é, a nosso ver, de louvar, mas é fácil antecipar os problemas que a
aplicação deste novo regime irá suscitar.
368
ENGRACIA
369
Será o caso, p. ex., da alienação onerosa da propriedade intelectual, industrial, de know how, quando
o transmitente não seja o titular originário. Um exemplo será o dos ganhos obtidos pelos herdeiros de
um escritor pela venda a uma editora de direitos de autor que protegem as obras deste.

113
É fácil concluir que o cerne das mais-valias mobiliárias é constituído pelos ganhos resultantes da
alienação de ações e obrigações. Na realidade, em certos períodos, a compra e venda de ações (o
“jogo na bolsa”) é suscetível de produzir ganhos substanciais, muitos deles de natureza especulativa.
Considerações de justiça na tributação conduzem, inevitavelmente, à conclusão de que tais
ganhos devem ser tributados. A esta (evidente) conclusão podem opor-se argumentos de natureza
económica, relativos, nomeadamente, aos efeitos negativos que a tributação implica para a captação
do aforro através dos mercados de valores mobiliários370.

11.8.1 -A lei atual prevê, em resumo, que a tributação do saldo positivo


resultante de mais-valias mobiliárias – as tipificadas como rendimento tributável nas
alíneas b), e), f) e g) do artº 10º – seja feita por aplicação de uma taxa especial,
proporcional (artº 72º, nº 1, al. c)).

Além da compensação entre ganhos e perdas com estas operações, em cada


ano ou período de tributação (tributa-se o saldo positivo), passou a ser permitida a
correção monetária do valor de aquisição das partes sociais, quando esta tenha
ocorrido pelo menos 24 meses antes da alienação (art.º 50.º n.º 1) e a dedutibilidade,
este e em outros casos, das despesas e encaros suportados quer quando da aquisição,
quer quando da alienação (p. ex., comissões pagas a intermediários financeiros).

Mantém-se a possibilidade de opção pelo englobamento, a qual, por regra, não


resultará interessante para os sujeitos passivos, salvo existindo um saldo negativo, pois
o exercício de tal opção permite o seu reporte nos cinco anos seguintes (art. 55º, n.º 1,
al. d).

As demais mais-valias mobiliárias (as previstas nas alíneas c) e d) do artº 10º)


estão sujeitas a englobamento, mas o respetivo saldo – tal como acontece
relativamente às mais-valias imobiliárias – é considerado apenas em 50% do seu valor
(artº 43º, nº 2).

370
Estes argumentos mereceram, durante muito tempo, acolhimento do legislador, pois que
o nº 2 do artº 10º, até à sua revogação em 2010, excluía de tributação as mais-valias provenientes da
alienação de ações, se detidas pelo alienante durante determinado período.

114
O REGIME FISCAL DA AFETAÇÃO DA HABITAÇÃO DO ADVO
CATEGORIA H

12. Pensões

Enquadram-se nesta categoria as pensões de aposentação ou reforma, de invalidez,


de sobrevivência, e outras de idêntica natureza 371, pagas por entes públicos (v.g.,
segurança social) ou privados (v.g., companhias de seguros); as de alimentos; as rendas
temporárias ou vitalícias; outras de idêntica natureza; indemnizações que visem
compensar a perda de rendimentos desta categoria372 (artº 11º, nº 1).

Esta categoria abrange, pois, quer prestações que têm por base mediata uma
relação de trabalho dependente ou um vínculo a regimes de segurança públicos e
privados, quer prestações a que não subjaz este tipo de vínculos373.

A integração destes rendimentos numa categoria autónoma obedeceu ao


intuito de lhes conceder um tratamento mais favorável. O que se pode aceitar, pois,
para além de os respetivos titulares estarem, na maioria dos casos, em situações de
especial vulnerabilidade, a passagem a uma situação determinante da obtenção deste
tipo de rendimentos implica, por regra, uma diminuição do rendimento relativamente
ao que até aí era auferido (p. ex., as “reformas” raramente correspondem ao total de
salário que era recebido no ativo; terminam as remunerações complementares, etc.).
Contra tal entendimento prevalece hoje (prevalência a que não são alheias as
preocupações de receita) a ideia de que sendo as pensões, maioritariamente,
rendimentos originados em trabalho prestado no passado 374, não devem ter
tratamento fiscal mais favorável que os rendimentos obtidos pelos trabalhadores
ativos (rendimentos da categoria A), ideia reafirmada pela reforma de 2015375.

12.1. Deduções específicas

A proteção a este tipo de rendimentos consiste na existência de uma dedução


específica, em valor fixado pela lei. Assim, aos rendimentos brutos desta categoria (ao
371
O Ac. do Tribunal Constitucional nº 308/2001, de 3 de julho, considerou inconstitucional a
interpretação desta norma no sentido de a sua previsão abranger as pensões de sangue.
372
A al. e) do art.º 11.º foi aditada pela reforma de 2015 como expressão pontual do princípio, já
referido, que as indemnizações devem ser tributadas da mesma forma que os rendimentos que
“substituem”, circunscrevendo-se assim o âmbito das que constituem “incrementos patrimoniais
(Categoria G) aos demais valores indemnizatórios, quando não expressamente excluídos de tributação.
373
Manuel Faustino, «A tributação do rendimento das pessoas singulares», p. 188.

374
Sendo que a maior parte das vezes os valores que deram origem às pensões (contribuições dos
beneficiários e, sendo o caso, das entidades empregadoras) foram deduzidos (considerados como um
gasto/ dedução específica), para efeitos de impostos sobre o rendimento, no momento do respetivo
pagamento.
375
Portugal

115
montante total anual dos diversos rendimentos recebidos que devem ser qualificados
como “pensões”), auferidos por cada titular376, deduz-se o valor previsto no artº 53º377.

Deduções das quais resultará a não sujeição a imposto de muitas pensões (tão
reduzido é o seu valor) e a sujeição apenas parcial das restantes.

São também dedutíveis as contribuições obrigatórias que os sujeitos passivos


continuem a efetuar para regimes de proteção social e subsistemas de saúde, na
medida em que o seu valor exceda o montante da dedução “fixa” a que cada sujeito
passivo se mostre com direito, e as quotizações sindicais, majoradas em 50%.

Se as rendas ou pensões compreenderem o reembolso de capital investido (p.


ex., dos “prémios” pagos), será deduzido o correspondente valor (o qual, se não puder
ser determinado, a lei presume corresponder a 85% do montante pago) – artº 54º, nº
1 e 2. O que se compreende, pois que rendimento é apenas o “fruto” desse
investimento de capital, ou seja, a diferença positiva entre o montante investido e o
recebido378.

Há que notar, ainda, que a proteção decorrente desta dedução específica só acontece
relativamente a rendas que se destinem a acautelar a velhice ou a sobrevivência (artº 53º, nº 7).
Assim, se subjacente ao pagamento da pensão ou renda vitalícia estiver outro motivo, o rendimento
será tributado pela sua totalidade. Poderá, pois, resultar penalizante a opção pelo recebimento sob a
forma de renda de rendimentos a que, substancialmente, há que atribuir outra natureza. Sirva de
exemplo a alienação de um prédio contra o pagamento de uma renda vitalícia. A totalidade das
rendas vitalícias seria tributada (ainda que de forma diferida no tempo), o que não aconteceria em
caso do recebimento de um preço, pois que, então, o imposto incidiria apenas sobre 50% da mais-
valia obtida.

As pensões estão sujeitas, obrigatoriamente, a englobamento, salvo as de


alimentos, que são tributadas à taxa especial de 20%, salvo havendo opção pelo
englobamento.

376
Esta precisão é importante. Sirva o seguinte exemplo: em processo de regulação do poder parental é
acordado o pagamento, pelo pai, de pensões mensais de 200 euros a cada um dos seus quatro filhos,
que ficam confiados à guarda da mãe. Apesar de o rendimento inserível na categoria H exceder o valor
previsto no nº 1 do artº 53º, não há lugar a tributação, pois cada filho é titular do direito a uma pensão e
o respetivo valor não ultrapassa tal limite.
377
Igual à dedução específica fixa prevista para a categoria A.
378
Tal parece supor que o capital investido haja sido sujeito a tributação aquando da sua obtenção. Daí
a previsão dos nº 3 e 4 do artº 54º, segundo a qual se as contribuições constitutivas do direito à pensão
ou à renda tiverem sido suportadas por pessoa ou entidade diferente do respetivo beneficiário e não
tiverem sido tributadas na esfera deste, o total recebido será sujeito a imposto.

116
117
A FASE SINTÉTICA

13. O englobamento

Analisámos, de forma necessariamente sumária, quais os rendimentos tributáveis


(rendimentos brutos) enquadráveis nas várias categorias e quais as deduções
específicas possíveis em algumas delas.

Tais rendimentos (líquidos, sendo o caso) deveriam, na lógica de um imposto


único, ser sujeitos a englobamento, o que nos daria o rendimento global do
contribuinte (ou agregado familiar). Rendimento global que seria o primeiro elemento
demonstrativo da real capacidade contributiva que é objetivo deste imposto tributar.
Só que, como já deixámos repetidamente dito, o IRS sofre de grandes
limitações na concretização do seu propósito de ser um imposto pessoal, uma vez que
parte significativa do rendimento está sujeita a uma tributação separada feita a taxas
proporcionais, por aplicação das taxas liberatórias e taxas especiais; noutros casos, há
lugar a englobamento de apenas parte do rendimento (p. ex., artº 40º-A, nº 1, e artº
43º, nº 2).

Não temos mais um “imposto único”, mas sim um imposto semidual, como
repetidamente afirmado. Ou seja, poderá não existir rendimento global líquido sujeito a
englobamento, apesar de existirem rendimentos tributáveis significativos, ou, mais
vulgarmente, o rendimento englobável não corresponderá ao rendimento total do(s)
sujeito(s) passivo(s).

O rendimento sujeito a englobamento deriva, essencialmente, do trabalho (por conta


de outrem ou obtido de forma independente através de atividades empresariais) e de
pensões. O mesmo é dizer que a divergência entre o rendimento sujeito a englobamento e
o rendimento total será tanto maior quanto mais elevados forem os rendimentos
originados pelo capital (incluindo aqui as mais-valias). Tendencialmente, o rendimento a
declarar traduzirá tanto menos a real situação económica do sujeito passivo quanto maior
capacidade económica este tiver379.

13.1. Imputação de rendimentos

Aos rendimentos das várias categorias de que o sujeito passivo (ou, sendo o caso, os membros
do agregado familiar) é titular, há que acrescer, para efeitos de englobamento, rendimentos de que,
juridicamente, são titulares outras entidades ou de que o sujeito passivo é mero contitular. São três as
situações em causa: (i) lucro das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, tema este que,
pela sua importância, será objeto de análise posterior; (ii) a imputação de lucros de sociedades não-

379
O que resulta numa dupla injustiça quando o rendimento declarado – e não estamos a considerar
aqui a questão da evasão fiscal, cuja “oportunidade” está, também, desigualmente distribuída – serve
de critério aferidor da necessidade (e, portanto, do direito) a prestações sociais. Como diz Xavier de
Basto, IRS…, , p. 223, “houvesse englobamento dos rendimentos de capitais e porventura os críticos da
existência de propinas no ensino superior teriam perdido um dos seus argumentos mais recorrentes”.

118
residentes sujeitas a regime fiscal privilegiado (a, impropriamente, chamada “transparência fiscal
internacional”), questão que, pela sua complexidade e por relevar especialmente em sede de IRC, não
abordaremos380; os rendimentos de heranças indivisas. Apenas diremos, quanto a esta última situação,
que cada contitular (cf. artº 19º) deverá englobar a parte do referido rendimento proporcional à
respetiva quota hereditária (cf. os artº 57º, nº 2 e 22º, nº 2 al. b))381 382.

13.2. Dedução de perdas

Se se pretende a tributação do rendimento real global, então este deveria


corresponder à soma algébrica dos rendimentos líquidos das várias categorias. Ou seja,
o rendimento negativo (o prejuízo) apurado numa dada categoria deveria subtrair-se
ao rendimento positivo das demais.

O princípio da comunicabilidade das perdas, numa lógica de imposto único, era


afirmado pelo nº 1 do artº 55º. Porém, as exceções eram tantas que podemos afirmar
que, em termos práticos, nenhum caso de comunicabilidade existia.

A frontal assunção, pela reforma de 2015, do caráter semidual do imposto


levou à alteração da norma, a qual passou a consagrar o que antes já era realidade: as
perdas incorridas em determinado ano só são dedutíveis aos ganhos da mesma
categoria obtidos nos anos seguintes.

O n.º 2 do art.º 55 estabelece os prazos máximos em que o reporte de perdas


pode acontecer, consoante a natureza dos rendimentos em causa.

Compreende-se que tal prazo seja mais extenso nos casos em que a existência
de resultados negativos (p. ex., decorrentes de investimentos significativos) seja mais
frequente.

É evidente que a efetivação de a efetivação desta “dedução para a frente”


supõe a continuidade da atividade, o que nem sempre acontece. Assim, desde logo

380
Analisámos este tema na nossa obra A Imputação de Lucros….
381
No caso de a herança indivisa gerar rendimentos da categoria B, determinados segundo o regime da
contabilidade organizada, cabe ao cabeça de casal o cumprimento das obrigações declarativas próprias
desta categoria, sem prejuízo da inclusão da sua quota-parte em tais rendimentos por cada um dos
herdeiros.
Diferentes são situações em que a herança foi partilhada, tendo sido atribuído a cada herdeiro
uma quota (uma determinada percentagem) de um estabelecimento empresarial integrante da herança,
cuja exploração continuam a prosseguir em comum. A partir do momento em que ocorreu a partilha,
não estamos mais perante uma herança indivisa, mas sim perante uma sociedade irregular (de que são
sócios os herdeiros, na proporção correspondente à respetiva quota). Assim, os rendimentos gerados
pelo prosseguimento da atividade empresarial serão tributados em IRC, segundo as regras da
contabilidade organizada (por estar em causa uma sociedade, ainda que irregular), sendo os sócios
tributados em IRS apenas quando e na medida em que ocorram distribuições de lucros.

382
A tributação das heranças

119
pela sua caraterística de rendimentos esporádicos, não é de supor que a generalidade
dos sujeitos passivos obtenha, anualmente, mais-valias (ou menos-) valias383.

13.2.1. Comunicabilidade de perdas na tributação conjunta


Uma questão que se tem suscitado, originando jurisprudência divergente no seio do CAAD (não
são conhecidas ainda decisões de tribunais estaduais superiores) é saber se se mantem a
comunicabilidade de perdas entre os cônjuges, quando exercida a opção pela tributação conjunta.

Estamos perante uma outra situação diferente da comunicabilidade “para a frente” que
deixámos analisada.

Aqui está em causa uma comunicabilidade horizontal, a dedução das perdas (rendimentos
negativos) de um cônjuge, em determinada categoria, como os rendimentos positivos, da mesma
categoria, obtidos pelo outro,

O entendimento da Comissão da Reforma, em 2014, ficou claramente expresso no Projeto que


apresentou: “A Comissão propõe (…) de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada,
se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se
comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges,
não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”384.

A Lei que consubstanciou esta reforma acolheu na, na integra, o teor das normas propostas para
concretização desta opção.

Na realidade, procurou-se uma mudança de paradigma, o que, mais que uma opção técnica,
correspondeu ao reconhecimento de uma realidade que temos por irrefutável: nos dias de hoje, faz
cada vez menos sentido pretender configurar o agregado familiar como uma unidade económica,
relativamente aos rendimentos obtidos por cada um dos seus membros.

Muito embora regime legal de bens do casamento continue a ser o de adquiridos (porventura
algo que também não dá correta tradução à realidade atual), os cônjuges, na sua esmagadora
maioria, consideram seus os rendimentos que obtêm, têm economias separadas, ainda que
contribuindo ambos para as despesas comuns da família.

A possibilidade de tributação conjunta (a manutenção desta forma de tributação) manteve-se,


não por corresponder a um modelo muito relevante de economia familiar, mas como forma de
proteger a família no tocante à determinação da taxa aplicável aos rendimentos englobados, ou seja,
dito de forma muito pragmática, para evitar as consequências que de outro modo aconteceria (um
significativo aumento da carga tributária para muitas famílias).

Este é, claramente, o elemento histórico das normas em questão, devidamente plasmado nos
trabalhos preparatórios. Mas, até porque somos adeptos de uma interpretação objetivista,
reconhecemos que o elemento histórico não é, necessariamente, determinante na interpretação das
normas jurídicas.

383
Relativamente aos rendimentos prediais, o n.º 8 do art.º 55.º consagra a obrigação de continuidade
da atividade de arrendamento, durante determinado número de anos, como condição para que o
reporte possa ser efetuado.
Pretendeu-se evitar que alguém faça obras num imóvel, o coloque no mercado de
arrendamento apenas durante o tempo necessário para “compensar” as despesas efetuadas com as
rendas recebidas (não pagando, assim, imposto sobre estas) e, depois, passe, de imediato, a utilizar o
prédio para outros fins, nomeadamente uso pessoal.
384
Portugal

120
Porém, não se poderá olvidar que com a reforma de 2015 despareceram as limitações à
comunicabilidade horizontal antes existentes (por se entender que esta não era mais possível). Ou
seja, admitir tal comunicabilidade seria admiti-la de forma irrestrita, o que nem sempre seria
possível de qualificar como uma solução razoável.

13.3. Rendimentos de períodos anteriores

É situação relativamente normal a de, num dado ano, serem obtidos


rendimentos cujo facto gerador aconteceu em anos anteriores.

Assim, p. ex., o caso de um trabalhador que, em consequência de


decisão judicial, recebe diferenças salariais que a entidade patronal se vinha recusando
a pagar-lhe; o reformado que, por demora na tramitação do respetivo processo,
recebe, de uma só vez, as pensões vencidas desde a data em que deixou de estar no
ativo; o autor literário que recebe do editor a remuneração relativa aos livros vendidos
durante vários anos; o senhorio que recebe rendas em mora, etc.

Neste tipo de situações verifica-se o efeito disparador da taxa que já


deixámos assinalado.

A lei procura dar resposta a este problema através do artº 74º.

Tais rendimentos são sujeitos a tributação apenas no ano em que foram


recebidos ou colocados à disposição385.

Havendo englobamento (obrigatório ou por opção), o valor recebido é dividido


pelo número de anos a que respeita. A taxa a aplicar (à totalidade do rendimento
recebido no ano em que ocorre a tributação) será a correspondente à soma desse
quociente mais os rendimentos gerados no ano em causa. Ou seja, poderá resultar
inferior à que aconteceria na ausência deste dispositivo legal, assim se minorando o
referido “efeito disparador da taxa”.

Em alternativa, ora constante do n.º 3 do art.º 73.º, quando seja possível


imputar os rendimentos tardiamente recebidos a ano ou anos anteriores (será o caso,
p. ex., do pagamento de salários em atraso), é possível apresentar declarações de
substituição, relativas, no máximo, aos cinco anos anteriores, nelas se incluindo os
rendimentos imputáveis ao ano a que se referem,

14. Abatimentos

Na versão originária do CIRS, ao rendimento líquido global (à soma dos


rendimentos sujeitos a englobamento) deduziam-se os chamados abatimentos. Hoje

385
Salvo se a exigibilidade do imposto ocorrer antes do efetivo recebimento ou colocação à disposição,
como sucede relativamente às mais-valias.

121
apenas existe um abatimento, relativo aos sujeitos passivos com deficiência, tendo
sido os demais substituídos por deduções à coleta.

Este abatimento, previsto no art.º 56.º-A, consiste na dedução à matéria


coletável de determinadas percentagens dos rendimentos brutos das categorias A, B e
H, com um limite máximo, por categoria.

Diferentemente das deduções específicas - que, como vimos, são gastos inerentes à obtenção do
rendimento, considerados na quantificação do rendimento (líquido) tributável em determinadas
categorias -, os abatimentos correspondiam a despesas socialmente relevantes, cuja existência reduz
a capacidade contributiva do sujeito que as suporta.

O uso da técnica dos abatimentos ao rendimento coletável para dar tradução a tais despesas
resulta iníquo, pois introduz um forte elemento de regressividade, uma vez que o seu “efeito útil”,
em termos de economia de imposto, é tanto maior quanto mais elevada for a taxa média de
tributação do sujeito passivo.386.

14. Taxas

Como temos vindo a afirmar, o IRS só formalmente é um imposto único, pois a


tributação a taxas progressivas dos rendimentos englobáveis coexiste com a tributação
a taxas proporcionais de outros rendimentos. Temos, assim, no IRS vários tipos de
taxas, correspondentes, substancialmente, à tributação em diferentes impostos.

14.1. Taxas gerais

São as constantes do artº 68º.

Estamos perante um sistema de progressividade por escalões 387: ao rendimento


situado no intervalo de cada escalão é aplicável a respetiva taxa. Ou seja, a obtenção
de novas unidades de rendimento – a implicar uma “mudança de escalão” – significará,
apenas, uma tributação mais pesada do montante que exceder o limite do escalão
anterior, não afetando o imposto pago relativo ao rendimento situado no intervalo dos
escalões inferiores.

Num exemplo simplificado, imaginemos a seguinte tabela de taxas: 1º escalão – até 100 – taxa
0%; 2º escalão – de mais de 100 até 500 – taxa 10%; 3º escalão – de mais de 500 até 800 – taxa 20%;
4º escalão – superior a 800 – taxa 40%

O sujeito passivo A tem 1000 de rendimento tributável. Tem, portanto, 100 unidades tributáveis
por aplicação da taxa do 1º escalão (até 100); 400 unidades tributáveis pelo 2º escalão (de 100 a
500); 300 unidades tributáveis pelo 3º escalão (de 500 até 800); 200 unidades tributáveis pelo 4º

386
Num exemplo: A e B realizam operações cirúrgicas. A, uma pessoa de rendimentos modestos, é
tributado a uma taxa média de 11%. B, pessoa de rendimentos elevados, é tributado a uma taxa média
de 37,5%. As despesas de saúde suportadas por cada um deles, num determinado ano, foram de 1.000
euros. A sua consideração como abatimentos significaria uma economia de imposto de 110 euros para A
(o contribuinte “pobre”) e de 375 euros para B (o contribuinte “rico”).
387
Sobre a teoria do imposto progressivo, Teixeira Ribeiro, Lições…, pp. 280 ss.

122
escalão (de 800 até 1000). O imposto a pagar é o seguinte: (100 x 0%) + (400 x 10%) + (300 x 20%) +
(200 x 40%) = 180.

O número de escalões foi, recentemente (2018) aumentado. Tal alteração visou lograr algum
desagravamento dos sujeitos passivos com rendimentos não muito elevados, o que é de aplaudir.
Porém, relativamente aos contribuintes com rendimentos mais elevados não houve qualquer
desagravamento, salvo o resultante da eliminação da sobretaxa. Tudo estaria certo não fora o
facto de estarmos a falar de sujeitos passivos com rendimentos pouco superiores a 40.000 euros,
os quais não podem ser propriamente qualificados de “ricos” 388. Ou seja, não pelas taxas
aplicáveis mas sim pelos valores a que se aplicam, o IRS continua a ser, especialmente para os
trabalhadores e pensionistas, particularmente gravoso, o que dificilmente se compreende em
termos de justiça social.

14.1.2. O artº 68º apresenta-nos um método simplificado do cálculo do


imposto, com recurso a duas taxas. O rendimento coletável, quando exceda o limite do
primeiro escalão, é dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior escalão que
nele couber, à qual se aplica a taxa média 389 (B); outra, igual ao excedente, à qual se
aplica a correspondente taxa marginal (A) (artº 68º, nº 2).

No nosso exemplo, teríamos: último escalão totalmente preenchido – 800 rendimento


excedente – 200

O imposto a pagar seria (800 x 12,50%342) + 200 x 40% = 180

Existem outros métodos simplificados para o cálculo de imposto num sistema


de progressividade por escalões, sendo que todos deverão, obviamente, conduzir a um
mesmo resultado390.

14.1.3 Permanece em vigor a taxa adicional de solidariedade, prevista no art.º


68º-A, supostamente uma medida transitória, que incide sobre os sujeitos passivos
com rendimentos abrangidos por escalões mais elevados. Tal taxa é, também,
progressiva por escalões, muito embora estes sejam apenas dois.

14.1.4. Mínimo de existência

388
Acresce que a progressividade não é o resultado, apenas, da “tabela” de taxas aplicável. Outras
medidas, como a limitação ou a exclusão de deduções à coleta (as quais beneficiavam de sobremaneira
os contribuintes de rendimentos mais elevados), contribuíram, em muito, para acentuar a
progressividade global do imposto.
389
Taxa média ponderada (i. e., que tem em conta o diferente intervalo de cada um dos escalões que
abrange).
390
Na nota demonstrativa da liquidação que a administração fiscal envia aos contribuintes, contendo o
apuramento do imposto ainda devido (ou do reembolso a ser efetuado), utiliza-se um outro método de
cálculo: aplicação de uma só taxa, deduzindo-se a esse resultado determinado valor (“parcela a abater”).

123
O princípio do mínimo de existência, inerente a um imposto pessoal, garante que
aqueles que apenas obtenham rendimentos iguais ou inferiores ao valor, fixado por lei,
tido por indispensável à sobrevivência, não os verão reduzidos por força deste
imposto.

O mínimo de existência só é aplicável aos rendimentos englobados391.

Sob esta epígrafe, o artº 70º contempla duas situações, de contornos diversos:

a) A dos sujeitos passivos ou agregados familiares com (baixos) rendimentos


originados, predominantemente392, por trabalho, dependente ou independente393,
e/ou pensões (nº 1).

Não será cobrado imposto, ou este será reduzido, de forma a garantir (a cada
titular) a disponibilidade de um rendimento, líquido de imposto, não inferior a
determinado montante.

Existindo a opção pela tributação conjunta, o valor do mínimo de existência, por


titular, é reduzido para metade, não podendo porém o rendimento líquido, por titular,
resultar inferior ao valor anual da retribuição mínima mensal394.

b) Famílias numerosas (distinguindo a lei entre aquelas em que existem três ou quatro
dependentes e as em que estes são em número superior) com baixos rendimentos (nº
2 do artº 70º).

Aqui não releva a natureza dos rendimentos sujeitos a englobamento (se são
ou não originados em trabalho ou pensões). O que se compreende por estar em causa,
essencialmente, a proteção dos dependentes.

391
A opção pelo englobamento resulta, assim, vantajosa para aqueles que obtenham rendimentos,
inferiores ao “mínimo de existência”, que, em princípio, estariam sujeitos a taxas especiais ou
liberatórias. Assim, p. ex., alguém que apenas receba rendas prediais de valor reduzido.
392
Ou seja, quando o rendimento originado por trabalho e/ou em pensões represente mais de 50% do
rendimento total sujeito a englobamento, segundo o entendimento que, em geral, é feito, neste
contexto, da palavra predominantemente.
393
De salientar a extensão do mínimo de existência aos trabalhadores independentes (com algumas
exceções). Tal alteração deu resposta às críticas (entre as quais as por nós formuladas em edições
anteriores desta obra) relativas à sua aplicabilidade apenas aos rendimentos oriundos do trabalho
quando exercido de forma dependente.
É certo que, relativamente aos demais rendimentos (como os originados pelo capital), continua
a não existir uma tal proteção, salvo estando em causa famílias numerosas. O que se pode compreender
(em sentido diferente, Portugal, Relatório do Grupo…, pp. 237 ss), desde logo pelo caráter não fundado
dos rendimentos relativamente aos quais o mínimo de existência é garantido, pois, para além de
socialmente desejáveis, dependerem sempre de contingências exteriores, como a saúde e o acesso e
manutenção do posto de trabalho. No sentido da justiça (e da constitucionalidade) de uma tal distinção
se pronunciava J. J. Teixeira Ribeiro, «O imposto de rendimento e a discriminação do rendimento», p.
185
394
O que, como assinala Luís Filipe Esteves, Atualização fiscal em IRS - aspetos práticos, OCC,2019,p. 20,
origina uma (a nosso ver indesejável) falta de neutralidade na opção entre a tributação conjunta ou
separada.

124
14.1.5. Quociente conjugal

A tributação conjunta dos rendimentos dos cônjuges tem um efeito disparador sobre
as taxas aplicáveis.

Num exemplo: António e Maria são solteiros. Cada um deles obtém, anualmente, rendimentos
tributáveis sujeitos a englobamento de 37.500 euros. Cada um deles está sujeito a tributação a uma
taxa média de cerca de 29%. António e Maria casam. O rendimento do casal passa a ser de 75.000
euros. Este rendimento seria abrangido por mais escalões e, portanto, sujeito a uma tributação mais
gravosa, a uma taxa média mais elevada, rondando os 37%.

Ou seja, a tributação conjunta, não existindo um mecanismo atenuador, implica


uma penalização fiscal395.

O sistema adotado pelo IRS (artº 69º) para evitar o agravamento da tributação
em resultado da opção pela tributação conjunta 396 foi o do quociente (splitting)
conjugal397: o rendimento coletável é dividido por dois; aplicam-se as correspondentes
taxas ao resultado dessa divisão; a coleta de imposto do agregado familiar é o dobro
do valor assim apurado.

O quociente conjugal conduz a um resultado económico equivalente à


tributação de cada um dos cônjuges por metade do rendimento total do agregado
familiar398. Ou seja, a um resultado tendencialmente igual ao de uma tributação
separada se os rendimentos de cada um dos cônjuges forem de montante aproximado;

395
Que passou a ocorrer frequentemente desde que, em resultado da generalização da presença da
mulher no mercado do trabalho, os dois cônjuges passaram, por regra, a ser titulares de rendimentos.
Pioneiro na consideração do tema foi, entre nós, Diogo Leite de Campos, «Da inconstitucionalidade do
Imposto Complementar» e «Tributação da família e inconstitucionalidade».
396
Recordamos que, até à reforma de 2014, a tributação conjunta era obrigatória para os casados.
397
Outros sistemas possíveis são a dupla taxa (uma tabela de taxas para a tributação conjunta e outra
para a separada) e o quociente familiar.
Neste método, para o cálculo da taxa de imposto, o rendimento é dividido segundo o número
de membros do agregado familiar (na quantificação desse quociente assumem diferente “peso” os
cônjuges e os dependentes). Tal resulta altamente vantajoso para as famílias numerosas, pelo que a sua
consagração (p. ex., em França, ainda que de forma limitada) é entendida como um estímulo fiscal ao
aumento da natalidade. A sua desvantagem é ser regressivo, aproveitar mais, em termos de economia
de imposto, às famílias de maiores rendimentos.
O sistema do quociente familiar foi adotado pela reforma de 2015, mas combinado com uma
série de alterações legislativas, relativas, nomeadamente, às deduções à coleta, que visavam diminuir os
efeitos da sua regressividade.
Até por a discussão em torno desta opção se ter deslocado do plano técnico (da ponderação
das suas vantagens e desvantagens) para o do combate político, não foi de estranhar que a nova maioria
parlamentar, resultante das eleições legislativas de 2015, o tenha revogado, regressando-se ao sistema
do quociente conjugal. Porém, não foram eliminadas as normas que visavam compensar a
regressividade do quociente familiar, o que originou um, porventura indesejável, acentuar da
progressividade do imposto.
398
Desconsideramos a hipótese de existirem dependentes titulares de rendimentos.

125
a um resultado mais favorável à família (menor coleta de imposto que a que resultaria
de um tributação separada) se os rendimentos dos cônjuges forem bastante díspares.

No exemplo de há pouco, António e Maria tinham, cada um, 37.500 euros de rendimento
coletável. Tributados separadamente, como solteiros, estavam sujeitos a uma taxa média de cerca
de 29%. Casando, a taxa média é a mesma, pois que é apurada em função de metade do rendimento
total do casal, metade que, no caso, coincide exatamente com o rendimento de cada um deles.
Imaginemos agora a hipótese de Maria não ter quaisquer rendimentos. António, enquanto solteiro,
era, como vimos, tributado a uma taxa média de cerca de 29%. Casando, o seu rendimento (que é o
rendimento total do casal) é dividido por 2. A este quociente (37.500: 2 = 18.750) é aplicável uma
taxa média que rondará os 20%. Ou seja, em virtude do casamento, os rendimentos de António
passam a ser tributados a uma taxa bastante mais reduzida.

Num sistema de tributação separada, obviamente, o problema não se coloca.

Foram as vantagens que muitos casais retiram do quociente conjugal (e a


impossibilidade de reduzir as taxas do imposto de forma a que não houvesse
significativo agravamento do montante total a pagar pelos casais que dele
beneficiam399), que determinou a manutenção da possibilidade de opção pela
tributação conjunta, ou seja, a existência de uma dualidade de “unidades económicas”
passíveis de serem consideradas, o que, desde logo, não é conforme com a
simplicidade (e redução dos custos implicados pela sua administração) do imposto

14.2. Taxas liberatórias

Já nos referimos, por várias vezes, a estas taxas, à entorse que provocam num imposto
supostamente único e progressivo.

Tais taxas dizem-se liberatórias porquanto liberam (libertam) das obrigações de


declaração, de englobamento e pagamento pelo contribuinte (a obrigação de imposto
considera-se cumprida com a retenção na fonte efetuada pela entidade pagadora).
Acontece, pois, uma substituição fiscal total400.

14.4.1. A tributação da generalidade dos rendimentos obtidos em território


português401 por não-residentes é, em regra, feita por aplicação de taxas liberatórias (o
imposto é, exclusivamente, cobrado por retenção na fonte). Não se coloca aqui um
qualquer problema de coerência do sistema, uma vez que nestes casos estamos,
assumidamente, perante uma tributação de tipo real (a tributação pessoal é apanágio
do país da residência).

Mais uma vez, há que recordar que a aplicação das taxas de retenção na fonte previstas no artº
71º pode resultar afastada por disposições da convenção sobre dupla tributação que exista entre
Portugal e o país de residência beneficiário dos rendimentos. As disposições convencionais podem

399
A redução das taxas aplicar-se-ia, necessariamente a todos os sujeitos passivos, mesmo aos não
casados ou unidos de facto, pelo que a perda global de receita seria significativa.
400
Casalta Nabais, Direito Fiscal, p. :::::.
401
Cf. Ac. do TCAS nº 04827/11, de 28-02-2012.

126
ilegitimar a tributação por Portugal de alguns rendimentos ou – como será mais normal – determinar
que a taxa de retenção na fonte não exceda determinado valor. O mesmo é dizer que, em tal caso, a
retenção na fonte pela entidade residente que paga a remuneração será, normalmente, feita por
aplicação da taxa máxima prevista, para essa categoria de rendimentos, na convenção aplicável.

14.4.1.1. As regras gerais de tributação dos sujeitos passivos não-residentes por


retenção na fonte, a taxas liberatórias, têm de ser confrontadas com as exigências
comunitárias. Coloca-se a questão da dedução dos custos diretamente relacionados
com a atividade desenvolvida pelos residentes em outros Estados-membros, quando
não tenham estabelecimento estável sito em Portugal a cuja atividade deva ser
imputada a obtenção de tais rendimentos.

O TJUE pronunciou-se sobre a questão, por diversas vezes 402. Em conformidade com tais
pronúncias, a nossa lei foi alterada (nº 10 a 12 e 15 do artº 71º). Agora, os residentes em estados-
membros da EU e do Espaço Económico Europeu que obtenham, em território português,
rendimentos de determinados tipos, continuam a ser tributados por retenção na fonte (imposto que
incide sobre o valor bruto do rendimento), mas podem, depois, requerer, que o imposto devido em
Portugal seja calculado tendo por base o rendimento líquido auferido no nosso país e por aplicação
das taxas que seriam aplicáveis a residentes nas mesmas condições, obtendo o reembolso do
excesso pago.

A importância desta alteração legislativa é evidente: um não residente pode exercer em


Portugal, mesmo que só pontualmente, uma atividade que implique gastos significativos, casos em
que a sujeição a uma taxa liberatória pode significar a existência de um imposto verdadeiramente
confiscatório.

Resta a questão de saber se o direito à tributação pelo rendimento líquido se deve considerar
extensível a outros rendimentos, que não os expressamente referidos na lei, obtidos por esses não-
residentes403. Sem prejuízo das vantagens do ponto de vista da coerência sistemática que daí
derivariam, o certo é que não é [ainda] totalmente evidente, do ponto de vista da jurisprudência
comunitária consolidada, que todo e qualquer custo incorrido por um não residente deva ser
dedutível, mesmo se diretamente relacionado com o desenvolvimento de uma atividade económica
exercida noutro país da União404.

14.4.2. No tocante aos residentes, a lei sujeita a taxas liberatórias a


generalidade dos rendimentos de capitais, nomeadamente os juros de depósitos à
ordem e a prazo, os rendimentos de títulos de dívida (obrigações) e os dividendos (artº
71º), ainda que com a possibilidade, como regra geral, de opção pelo englobamento
(nº 8).

402
NOTA 354
403
A questão não se coloca, ainda, relativamente a residentes em outros países, pois mesmo as CDT
continuam a admitir que o exercício do direito à tributação pelo Estado da fonte possa acontecer
através da aplicação de taxas liberatórias.
404
Ac. do STA nº 0694/12, de 28-11-2012.

127
Note-se, porém, que estes rendimentos são, em alguns casos, em larga medida
meramente nominais, não correspondem a um real acréscimo patrimonial do
respetivo titular405. Ou seja, a tributação redunda num verdadeiro imposto sobre o
capital, a taxa efetiva de tributação é, as mais das vezes, muito superior ao que a taxa
nominal aplicável deixa supor.

As taxas liberatórias aplicáveis são agravadas em situações consideradas como


sendo, potencialmente, de evasão fiscal (nº 16 do artº 71º).

O nº 8 do artº 71º consagra a possibilidade de opção pelo englobamento. Trata-


se, como já referido, de uma faculdade que raramente é exercida, porque só interessa
àqueles cuja taxa média aplicável aos rendimentos englobados (incluindo os que o
sejam por opção) seja inferior às taxas liberatórias aplicáveis, ou seja, a um leque
muito reduzido de pessoas. A consagração de tal opção pouco mais representa que
uma afirmação da possibilidade de, por iniciativa dos sujeitos passivos, ser reforçado o
caráter unitário do imposto.

14.3. Taxas especiais

Relativamente aos residentes, temos vários tipos de rendimentos sujeitos a


taxas, proporcionais, designadas de especiais (artº 72º): “gorjetas” e rendimentos
equiparados; rendimentos prediais; saldo positivo entre determinadas mais e menos-
valias mobiliárias (das quais cabe destacar as obtidas na venda de ações e/ou quotas);
determinados rendimentos obtidos por residentes não habituais; acréscimos
patrimoniais não justificados, etc.

Muito embora em tais situações aconteça uma tributação por aplicação de uma
taxa fixa, não estamos perante verdadeiras taxas liberatórias, não só porquanto se
mantém a obrigação de o sujeito passivo fazer constar estes rendimentos da respetiva
declaração mas, especialmente, porque se aplicam a rendimentos quantificados
segundo as regras gerais, ou seja, não incidem sobre rendimentos brutos.

Assim sendo, e como já deixámos dito, entendemos que, dada a natureza


semidual do IRS, a aplicação das taxas especiais dá origem a uma parte da coleta de IRS
não distinguível da originada pelos rendimentos sujeitos às taxas gerais (progressivas),

405
Sirva o seguinte exemplo: um depósito a prazo é remunerado à taxa anual de 3%. Uma vez que tais
juros são tributados por retenção na fonte à taxa de 28%, a taxa de remuneração, depois de imposto, é
2,16 (não considerando os custos associados como, p. ex., as comissões cobradas pelos bancos). Se a
inflação anual for de 2,5%, o rendimento realmente obtido é negativo.

A questão da tributação de rendimentos meramente nominais, decorrentes da desvalorização


monetária, coloca-se em muitas outras situações. Cf., em geral, Casalta Nabais, O Dever Fundamental…,
pp. 507 ss.

128
sendo que é a essa coleta total que, salvo disposição expressa em contrário, deverão
ser feitas as deduções que a lei prevê.

15. Tributações autónomas

Trata-se de uma forma de tributação que incide sobre determinados gastos,


enumerados no art.º 73, dos contribuintes da categoria B cujo rendimento tributável
deva ser apurado a partir de uma contabilidade organizada 406, encargos que, assim, são
transformados em factos tributários. A natureza desta tributação é difícil de
descortinar407.

As tributações autónomas são um instrumento pragmático – uma originalidade


do sistema fiscal português - que visa, em IRS 408, lograr, através da tributação de gastos
empresariais, o combate a formas de evasão a este imposto de que resulta um
acréscimo de rendimento não tributado.

Olhando ao elenco dos gastos sujeitos a esta forma de tributação, em


IRS, facilmente constatamos estarem em causa, fundamentalmente, os relacionados
com a aquisição e manutenção de viaturas ligeiras 409 e as despesas de representação
suportadas por empresários (incluindo profissionais independentes) em nome
individual.

Pensemos no caso de um advogado que adquire um automóvel e o considera, no regime de


contabilidade organizada, como afetado à sua atividade empresarial.

Assim sendo, são gastos fiscalmente dedutíveis as quotas anuais de amortização de tal veículo
(até máximos legalmente fixados), as despesas com reparações, combustíveis e outros encargos,
como prémios de seguro e o imposto de circulação.

Ora pode presumir-se, segundo as regras de experiência, que o advogado usará o veículo não
apenas no exercício da sua profissão, mas também no âmbito da sua “vida privada”. Ou seja, o
empresário em nome individual estaria numa situação de vantagem relativamente aos demais
sujeitos passivos não empresários, os quais não podem deduzir tais gastos no cálculo da matéria
coletável deste imposto.

406
Os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado estarão sujeitos à tributação autónoma relativa
a pagamentos a não-residentes sujeitos a regime fiscal privilegiado (nº 8 do artº 73º). Porém, sem
embargo de se poder supor que tais situações serão raras, sempre se dirá que as obrigações
contabilísticas exigidas neste regime não permitirão, por regra, determinar a natureza das despesas
efetuadas pelo sujeito passivo.
407
Pese embora o labor académico sobre o tema. Entre muitos outros,
408
A tributação autónoma tem âmbito e motivações acrescidos em IRC, o que, obviamente, não iremos
aqui considerar. A diferença de situações explica, desde logo, o não serem coincidentes as taxas de
tributação autónoma previstas em cada um dos códigos.
409
Exceto as movidas exclusivamente a energia elétrica, o que constitui um estimo à aquisição e uso de
tais veículos pelas empresas. As taxas de tributação autónoma são reduzidas relativamente a viaturas
movidas a gás (n.º 11 do art.º 73.º).

129
Ou, sendo o veículo utilizado por um colaborador, que também o pode usar para fins privados,
temos que este obtém um rendimento do trabalho em espécie, dificilmente detetável e, portanto,
dificilmente tributável.

O mesmo se diga, com as necessárias adaptações, relativamente a despesas de


representação, ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do
trabalhador ao serviço da entidade patronal.

A tributação autónoma assume assim, em IRS, um objetivo limitado: o de


compensar injustificadas perdas de receita neste imposto.

Estando os empresários ou profissionais independentes abrangidos pelo regime


simplificado, não há lugar a tributação autónoma de despesas 410, o que se compreende
na medida em que o coeficiente aplicável (a dedução de gastos estimados que a lei
prevê) engloba também estes custos.

16. Deduções à coleta

À coleta411 irão ser feitas várias deduções, enumeradas no artº 78º, segundo a ordem
nele prevista.

A possibilidade de efetuar tais deduções implica, pois, a existência de coleta


suficiente. Casos haverá em que o contribuinte tem direito a deduções mas não o
pode exercitar, não havendo sempre lugar ao reembolso da diferença (artº 78º, nº 3, a
contrario412. As deduções à coleta têm razões de ser diferentes: elementos de
pessoalização do imposto; benefícios fiscais; eliminação da dupla tributação
internacional; consideração dos montantes já antes pagos.

16.1. Deduções que visam a pessoalização do imposto

Estas deduções aproveitam apenas aos sujeitos passivos residentes em território


português (artº 78º, nº 5), – melhor, aos residentes e aos que devam ser tributados em
condições análogas (caso dos chamados residentes virtuais) – o que se compreende,
pois – como já referimos – só em relação a eles o IRS pretende assumir a natureza de
imposto.

410
Salvo a prevista no n.º 6 do art.º 73.º, o que se compreende na medida em que esta tributação visa
mais que «compensar» a fruição individual de gastos dedutíveis no apuramento do lucro; está em causa
prevenir formas de evasão fiscal logradas pela utilização os chamados «paraísos fiscais».
411
Para nós, como já deixámos explicitado, à coleta resultante da aplicação quer das taxas gerais, quer
das taxas especiais.
412
O reembolso só acontece, por regra, quando o montante do imposto já pago, sob as formas de
retenção na fonte e/ou pagamentos por conta, é superior ao valor devido.

130
Não estão em causa benefícios fiscais, pois a existência destas deduções não é
motivada pelo prosseguimento de finalidades extra-fiscais, antes é expressão da
pessoalização, caraterística essencial deste imposto. A diferenciação tem
consequências práticas relevantes, nomeadamente por a lei associar a perda do direito
a benefícios fiscais a determinadas situações de incumprimento.

A Comissão que elaborou o projeto da reforma de 2015 pronunciou-se no sentido de este


conjunto de deduções ser substituído por uma dedução global, de valor fixo.

Tal solução importaria uma radical simplificação da administração do imposto, pela


desnecessidade de comprovação destas despesas, com a consequente redução dos custos de
cumprimento, quer para os sujeitos passivos, quer para as administrações públicas envolvidas, a qual
se traduziria em economia muito significativa.

No plano da justiça tributária, a existência de uma dedução fixa resultaria “indiferente” para
muitos contribuintes, uma vez que, na realidade, para eles já existe um “valor fixo dedutível”, por
atingirem o máximo de dedução possível. Para os demais, tendencialmente os de menores recursos
económicos, tal significaria uma redução, em muitos casos significativa, do valor de imposto a pagar,
pois o valor dedutível seria superior ao resultante da aplicação das percentagens que a lei prevê às
despesas efetivamente suportadas.

Tal proposta da Comissão não foi aceite, cremos que em larga medida em razão da opção,
apenas posteriormente revelada, de criação do e-factura, cuja existência pouco sentido faria caso
fosse consagrada a proposta de dedução fixa.

Vejamos, agora, quais são as deduções que a lei vigente prevê:

16.1.1. Deduções relativas a dependentes e ascendentes

Estão previstas no art.º 78.º -A.

Já analisámos, a propósito da noção de agregado familiar, os pressupostos da condição


de dependente (impropriamente designados por descendentes na epígrafe da norma)
para efeitos deste imposto.

Os ascendentes em causa nesta norma são aqueles que vivam em comunhão


de habitação com o sujeito passivo e não aufiram rendimentos superiores à pensão
mínima do regime geral.

Embora não integrando o agregado familiar, tal como definido pelo CIRS, são,
também, economicamente dependentes de um sujeito passivo. Esta dedução
constitui, também, um pequeno estímulo fiscal à coabitação solidária de diferentes
gerações.

131
As deduções são em valores fixos, havendo atualmente majorações
relativamente aos dependentes menores de três anos e quando esteja em causa
apenas um ascendente (n.º 2 do art.º 78º-A)413.

Como já referimos, o exercício do direito a tais deduções pode resultar


repartido por declaração de vários sujeitos passivos, ainda que, como é óbvio, o valor
total dedutível deva ser igual ao previsto na lei. Assim, p. ex., no caso de um menor
cujo acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais estabeleça a
responsabilidade conjunta e a residência alternada, esta dedução será igualmente
dividida entre ambos os progenitores.

16.1.2. Despesas gerais familiares

Esta dedução, prevista no art.º 78.º-B, criada pela reforma de 2015 (ainda que
não constante do projeto elaborado pela respetiva Comissão), substituiu as anteriores
deduções fixas relativas a cada sujeito passivo.

É dedutível uma determinada percentagem das despesas efetuadas pelas


famílias, salvo, por regra, as que confiram direito a outras deduções.

O que releva é, porém, o limite máximo de tal dedução, atualmente 250 euros
por sujeito passivo.

Podemos assumir que todos os sujeitos passivos (a condição de sujeito passivo


implica, como vimos, a obtenção e um rendimento anual “razoável”), mesmo quando
não integrando um agregado familiar, efetuam despesas que permitem atingir o
máximo dedutível414.

Assim, temos uma falácia: esta dedução não é, na prática, variável, como
aparenta ser, mas sim fixa, tal como o era anteriormente.

A ideia do legislador terá sido, tal como então proclamado, criar um poderoso instrumento de
combate à evasão fiscal, através do estímulo à exigência, pelos consumidores, de faturas, as quais
devem ser “lançadas”, pelo vendedor, no chamado sistema e-fatura.

Na realidade, tal estímulo quase não existe, pois o montante das faturas emitidas em nome dos
sujeitos passivos por “fornecedores institucionais” (água, luz, telecomunicações, seguradoras, etc.)
será suficiente, só por si para permitir à maioria dos sujeitos passivos atingir tal mínimo, sem
qualquer “esforço” da sua parte 415. Ou seja, não sendo emitidas faturas ou documentos equivalentes

413
Estando em causa ascendentes com um grau de deficiência elevado (o que é frequente,
relativamente a pessoas mais idosas), esta dedução é cumulável com a prevista na parte final do n.º 1
do art.º 87.º.
414
Estamos a falar de despesas num total mínimo de pouco mais de 700 euros /ano
415
Pensamos ser indiscutível o desinteresse revelado por muitos, após uma fase inicial, em exigirem,
como vulgarmente se diz, “faturas com o número de contribuinte”.

132
com identificação dos intervenientes na transação, a eficácia do controlo da evasão através do
sistema e-fatura é - dito muito generosamente - residual.

Acresce que o sistema e-factura tem custos de funcionamento elevadíssimos, quer para a
administração fiscal, quer para as empresas, muitos dos quais objetivamente inúteis 416, que não
foram sequer considerados quando foi tomada esta opção legislativa.

Sendo muito céticos quanto à eficácia do e-factura, não poderemos deixar de relevar que é um
importante elemento de simplificação das obrigações dos contribuintes, pois que deixaram de estar
obrigados a conservar e a exibir, quando para tal solicitados, as faturas relativas a despesas que
originam deduções à coleta deste imposto. Só que tal simplificação apenas obrigaria a inserção no
sistema dos prestadores dos serviços subjacentes às deduções que de seguida iremos referir e não
de todos e quaisquer fornecedores de bens e serviços integráveis no amplíssimo conceito de
despesas gerais familiares. Resta saber que outras utilizações poderão ser feitas dos dados
recolhidos através deste sistema…

16.1.3. Despesas de saúde

Estas deduções estão previstas no art.º 78º-C. São originadas por despesas
efetivamente suportadas pelos sujeitos passivos, ou seja, excluem-se os valores
correspondentes a comparticipações de entidades públicas ou privadas.

Tal como no caso anterior, trata-se de uma dedução variável, calculada por
aplicação de uma percentagem ao valor das despesas elegíveis (15%), com um limite
máximo. A diferença, relativamente às anteriores, é que a maioria dos sujeitos
passivos não atingirá tal máximo, ou seja, não suportará despesas com saúde em
montantes relativamente elevados417.

É difícil concretizar o que sejam as despesas de saúde por este último conceito
ser equívoco.

O legislador optou, em primeiro lugar, por uma remissão para o disposto no


Código do IVA, considerando serem despesas de saúde as resultantes das aquisições
de bens e serviços que estejam, a tal título, isentas ou sujeitas a taxa reduzida neste
imposto artº 78.º-C, n.º 1, al. a))

Nestes casos, por regra, não é necessário existir prescrição médica para
acontecer o direito à dedução (é o caso, p. ex., dos medicamentos de venda livre).

O artº 9º, nº 1 a nº 6, do CIVA isenta as prestações de serviços efetuadas no exercício das


profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas; as
prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas efetuadas
por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares; as prestações efetuadas no

416
Pense-se no caso dos organismos estaduais, obrigados a inserir no “sistema” as faturas
correspondentes aos serviços que prestam
417
Até porque muitos recorrerão, por opção ou necessidade, ao Serviço Nacional de Saúde e outros
terão seguros que cobrirão, em maior ou menor parte, esse tipo de despesas.

133
exercício da sua atividade por protésicos dentários; as transmissões de órgãos, sangue e leite
humanos; o transporte de doentes ou feridos em ambulâncias ou outros veículos apropriados
efetuados por organismos devidamente autorizados.

Na lista I anexa ao Código do IVA (bens e serviços sujeitos a taxa reduzida) encontramos, entre
outros, os produtos farmacêuticos, nomeadamente, medicamentos; aparelhos ortopédicos; cadeiras
de rodas; lentes de contacto; equipamentos e objetos especificamente concebidos para utilização
por pessoas com deficiência.

Porém, também conferem direito a esta dedução as aquisições de bens e


serviços sujeitos à taxa normal de IVA, desde que devidamente justificadas por
prescrição médica (art.º 78.º-C, n, 1, al. d).

As exigências de automação implicadas pelo sistema de e-factura conduziram ao


estabelecimento de uma condição adicional: para conferirem direito à dedução, as faturas
têm que ser emitidas por empresas cujo CAE (Classificação Portuguesa das Atividades
Económicas) corresponda a um dos previstos na lei (art.º 78.º, n.º 1, al. a).

Tal implica um ónus de cumprimento acrescido para os sujeitos passivos que hajam
adquirido bens, compreendidos no âmbito de dedução, em estabelecimentos generalistas
como, p. ex., hipermercados, uma vez que terão que ser eles próprios a proceder à
“classificação” de tais faturas no sistema informático. O mesmo acontece relativamente a
despesas cuja dedutibilidade depende de específica prescrição médica.

A reforma de 2015 consagrou expressamente a dedutibilidade das despesas de


saúde incorridas no estrangeiro, a qual, relativamente à aquisição de bens e serviços
em outros estados-membros da EU, sempre resultaria dos princípios do direito
comunitário. Por, obviamente, tais faturas não serem inseridas pelos seus emitentes
no e-factura, cabe ao sujeito passivo o ónus de o fazer (e de conservar os respetivos
comprovativos, a serem exibidos à AT, quando solicitado).

Por último, assinalar que são considerados como despesas elegíveis, para este
efeito, os prémios pagos em razão de seguros de saúde e outros pagamentos feitos a
determinadas entidades visando o mesmo fim (art.º 78.º - C, n.º 1, al. b).

16.1.4. Despesas de educação

Estas deduções estão previstas no art.º 78.º-D. Trata-se também de uma dedução
variável, calculada por aplicação de uma percentagem ao valor das despesas elegíveis
(30%), com um limite máximo.

Estão em causa encargos com o pagamento de serviços de creches, jardins-de-


infância, lactários, escolas, estabelecimentos de ensino e outros serviços de educação,
incluindo neste conceito a formação profissional, prestados por entidades oficialmente

134
reconhecidos, bem como as despesas com manuais e livros escolares. À semelhança
do que acontece relativamente às despesas com saúde, a comunicação da existência
destas despesas será, em princípio, feita pelos prestadores de tais serviços através do
e-fatura.

A principal dificuldade de delimitação do conceito de despesas de educação e


formação prender-se-á, no caso de empresários em nome individual e profissionais
independentes, com saber se algumas despesas deste tipo devem ser consideradas
como dedução específica na categoria B ou nesta sede. Pensemos, p. ex., num
advogado que se inscreve num curso de mestrado ou doutoramento.

A opção não é neutra, desde logo pela previsão de valores máximos para as deduções à coleta,
o que não acontece na categoria B quando a matéria coletável é quantificada com base em
contabilidade organizada. Para nós, a educação/formação ao longo de toda a vida é, nos dias de
hoje, uma evidente exigência empresarial, sendo que tal formação não pode ser vista de forma
restrita, ou seja, limitada a aprendizagem circunscrita à atividade económica que, em determinado
momento, o sujeito passivo exerce.

Problemas se poderão também suscitar quanto ao enquadramento nesta dedução de despesas


não expressamente previstas (p. ex., a aquisição de um instrumento musical para quem frequente
estabelecimentos de ensino nesta área, de calculadoras científicas, computadores, uniformes
escolares). Cremos que aqui deverá relevar a essencialidade ou mesmo a obrigatoriedade de
aquisição de tais bens, considerado o estabelecimento de ensino em causa.

Originam também direito à dedução as rendas relativas a alojamento por


estudantes, menores de 25 anos, que integrem o agregado familiar, quando tal
alojamento diste mais de 50 km da habitação permanente. Esta dedução, de valor algo
inexpressivo (n.º 11, al. a), do art.º 78º-D), visará também o combate à evasão fiscal
generalizada que acontece no sector do arrendamento a estudantes.

16.1.5 Encargos com imóveis

Estas deduções estão previstas no art.º 78.º E. A sua «mecânica» é, no


essencial, idêntica, à das anteriormente referidas.

Estão em causa as rendas pagas pela habitação permanente do sujeito passivo


ou do seu agregado familiar.

Neste domínio aconteceu, já há alguns anos, uma significativa alteração da


política fiscal. O apoio, por via desta dedução, à resolução do problema habitacional
passou a centrar-se no arrendamento e não na aquisição do imóvel.

A fim de não frustar as expetativas daqueles que haviam adquirido habitação


com recurso a crédito no domínio da lei anterior, mantiveram-se as deduções antes

135
previstas, ainda que só relativamente a contratos celebrados até determinada data (al.
b) a d) do n.º 1), as quais, obviamente, não são cumuláveis com a relativa a rendas.

Há que notar que os limites máximos de dedução que a lei prevê são
aumentados, por aplicação de fórmulas algo complexas, quando estejam em causa
sujeitos passivos situados nos primeiros escalões de rendimento (n.º 4 e 5).

16.1.6. Encargos com lares

Estas deduções, previstas no art.º 84.º, decorrem de despesas com serviços de


apoio à terceira idade e/ou deficientes, nomeadamente lares e apoio domiciliário.

O direito a esta dedução não abrange apenas os membros do agregado


familiar, podendo resultar de despesas suportadas pelo sujeito passivo relativas a
ascendentes e colaterais até ao 3.º grau que não possuam rendimentos superiores à
retribuição mensal mínima garantida418.

A dedução corresponde, também, a uma percentagem de tais despesas, com


um limite máximo, sendo as obrigações acessórias, nomeadamente às relativas à
emissão de faturas (nas quais deve figurar o beneficiário de tais serviços) idênticas às
que já deixámos referidas.

16.1.7 Pessoas com deficiência

A proteção fiscal, neste imposto, às pessoas com deficiência 419 não se reduz à
dedução à coleta que acabámos de analisar.

De particular relevo o abatimento previsto no art.º 56.º-A, já referido.

No que aqui concerne, temos (art.º 87.º) que existem deduções fixas, relativas
aos sujeitos passivos, aos dependentes e aos ascendentes (estes quando vivendo em
economia comum com o sujeito passivo e sejam carenciados de recursos próprios).
Está ainda prevista, no número 7 desta norma, mais majorações, relativas a deficientes
profundos e deficientes das Forças Armadas.

É também dedutível, sem limites (em exceção ao previsto no art.º 78.º-D), uma
percentagem das despesas de educação e reabilitação dos sujeitos passivos e seus
dependentes deficientes, bem como uma percentagem dos prémios pagos por seguros

418
É patente uma incoerência que seria de reparar: existe este “apoio fiscal” às despesas decorrentes do
internamento em lares de familiares colaterais, mas não existe igual tratamento caso o sujeito passivo
coabite com tais parentes.
419
As que apresentem um grau de incapacidade permanente, devidamente atestado, igual ou superior a
60%

136
de vida ou contribuições pagas a associações mutualistas que garantam
exclusivamente os riscos de morte, invalidez ou reforma por velhice420, com limites.

16.1.8. Pensões de alimentos

Nos termos do art. 83.º-A, o pagamento de pensões de alimentos dá origem a


uma dedução correspondente a 20% do respetivo valor.

Não há lugar a dedução se o beneficiário for alguém que integre o agregado


familiar do sujeito passivo ou, não o integrando, origine outras deduções à coleta421.

Sendo o beneficiário filho, adotado, enteado ou afilhados civil, maior, do sujeito


passivo, esta dedução só é aplicável enquanto aquele reunir as condições que permitiriam a
sua consideração como dependente.

Compreende-se esta disposição, que visa prevenir “abusos” que ocorriam com alguma
frequência422: p. ex., filhos maiores de 25 anos, em situação de dependência económica, que
obtinham a condenação dos pais (com o “consentimento” destes) no pagamento de pensões de
alimentos, de forma a permitir a estes aproveitar desta dedução. Mas não podemos deixar de
apontar os resultados absurdos em que se pode projetar: p. ex., será dedutível uma pensão paga a
um irmão mas não a um filho com mais de 25 anos, igualmente carenciado.

Só são dedutíveis as pensões a cujo pagamento o sujeito passivo esteja obrigado


por força de decisão judicial, o que bem se entende.

O regime das pensões de alimentos gizado pela Comissão de Reforma, em 2014, acabou, em
resultado de vicissitudes próprias do processo legislativo, por resultar distorcido.

O princípio básico assumido pela Comissão423era a da neutralidade: na esfera do obrigado ao


pagamento, haveria sempre lugar a uma dedução correspondente a 20% do valor pago. Na esfera do
beneficiário, haveria lugar à tributação à mesma taxa de 20%. Ou seja, não haveria qualquer
vantagem fiscal resultante do pagamento de pensões (a situação, globalmente considerada, seria
neutra comparativamente às situações em que os progenitores suportam diretamente os encargos
implicados pelos seus dependentes).

Ora, como veremos adiante, por um lado, existem valores máximos dedutíveis para o conjunto
da maioria das deduções personalizantes, pelo que, em muitos casos esta (e outras deduções) não
poderão ser efetivadas, mesmo que apenas em parte. Por outro lado, na esfera do beneficiário, a
tributação poderá não acontecer, ou acontecer apenas parcialmente, em virtude do disposto no
art.º 53.º n.º 1, segundo o qual aos rendimentos brutos da categoria H de valor anual igual ou
inferior a (euro) 4 104 deduz-se, até à sua concorrência, a totalidade do seu quantitativo por cada
titular que os tenha auferido.

420
Os prémios de seguros ou determinados pagamentos equivalentes, relativos à saúde, são, como
vimos, dedutíveis nos termos do art.º 78:º-C.
Os prémios dos seguros de vida deixaram, em geral, de originar direito a dedução, salvo os
contraídos por deficientes ou profissionais de “desgaste rápido”.
421
P. ex., ascendentes carecidos que habitem com o sujeito passivo.
422
Ainda que num quadro legislativo diferente, mais propiciador de abusos.
423
:::::::::::::

137
Num exemplo: alguém, divorciado, com três filhos (que passaram a integrar o agregado do
outro ex-cônjuge, que exerce as correspondentes responsabilidades parentais), paga a cada um
deles uma pensão mensal de 800 euros. Teria, em teoria, direito a uma dedução à coleta de 5.760
euros (20% x [(800 x12) x 3]. Mas, na realidade, poderá não conseguir efetivar qualquer dedução,
como vimos. Também não terá direito a aproveitar de qualquer dedução relativa a dependentes,
uma vez que estes não integram o seu agregado familiar.

Por seu lado, aquele que tem a guarda dos filhos, será sujeito de uma obrigação de imposto de
3.2797,60 euros - 20%424 da diferença entre o total das pensões recebidas pelos seus dependentes
(9.600 x 3) e as deduções específicas a elas aplicáveis (4.104 x 3)425.

Isto quando, caso permanecessem casados, o sustento dos filhos não daria, obviamente, lugar a
qualquer facto gerador de imposto.

Haveria, pois, que rever este sistema, recuperando-se a ideia da neutralidade na tributação das
pensões proposta pela Comissão de 2014, ainda que, eventualmente, com alterações.

16.2. Dedução pela exigência de fatura

Prevista no art.º 78.º-F, consiste na dedutibilidade de uma percentagem do IVA


suportado pelos membros do agregado familiar na aquisição de bens e serviços em
determinados setores da atividade económica (despesas que serão, também, havidas
como despesas gerais familiares) caraterizados por uma ampla evasão fiscal. Mais que
um benefício fiscal, como era antes entendida, esta dedução é um estímulo
pragmático para os consumidores exigirem as correspondentes faturas e assim se
minorar a «economia subterrânea». Porém, o escasso valor de cada dedução e o limite
máximo dedutível tornam tal estímulo relativamente ineficaz, desde logo atenta a
redução do preço que o adquirente pode lograr com a não documentação das
transações em causa.

Esta dedução foi alargada (agora com a natureza de benefício fiscal) à aquisição
de passes para a utilização de transportes públicos (n.º 3).

O valor desta dedução pode ser consignado a determinadas entidades,


escolhidas pelo sujeito passivo, nos termos do n.º 2 da norma426.

16.3. Deduções com a natureza de benefícios fiscais

As deduções à coleta que vimos referindo são normas estruturantes de um imposto


pessoal, pois pretendem lograr a quantificação da capacidade contributiva dos sujeitos
passivos, critério essencial que deve determinar o imposto a ser pago. Porém, as

424
Taxa especial aplicável a estas pensões, nos termos do art.º 72.º, n.º 9.
425
Art.º 53.º, n.º 1.
426
Ver infra:::::::::::::

138
deduções à coleta são também uma forma (entre as muitas possíveis) de concretizar a
concessão de benefícios fiscais427.

Os benefícios fiscais são, na noção do nº 1 do artº 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais,


medidas de caráter excecional instituídas para a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes
que sejam superiores aos da própria tributação que impedem 428. A diminuição da carga fiscal deles
resultante aparece, normalmente, como um estímulo visando promover a adoção pelos
contribuintes de determinados comportamentos económicos e sociais.

As deduções à coleta com estas características que figuravam no Código


(aquisição de equipamentos de energias renováveis e outras deduções visando
estimular boas práticas ambientais) foram revogadas. No Estatuto dos Benefícios
Fiscais aparecem regulados os incentivos ao Mecenato, os quais se traduzem na
possibilidade de dedução à coleta de determinadas percentagens do valor dos
donativos feitos a certas entidades (cf. artº 63.º do EBF). No mesmo diploma
aparecem, também, regulados os benefícios fiscais à poupança, os quais, em alguns
casos, se traduzem na dedução à coleta de determinadas percentagens dos valores
investidos em cada ano. É o caso dos “fundos de poupança reforma /educação” (cf.
artº 21.º do EBF)429. Existem ainda outras deduções à coleta, previstas em legislação
avulsa430

16.4 – Limite global das deduções

As deduções atrás referidas, com exceção das relativas a dependentes, a encargos


gerais familiares e a pessoas com deficiência, conhecem limites globais (o qual acresce
aos limites previstos repara cada uma delas), nos termos dos 7, 8 e 14 do art.º 78.º.

O valor do limite global decresce à medida que seja mais elevado o rendimento
tributável dos sujeitos passivos.

Discordamos frontalmente da existência desta limitação global do valor dedutível à coleta do IRS
porquanto:

- a limitação da perda de receita resultante das deduções deveria ser assegurada (apenas) pelos
“máximos dedutíveis” que a lei fixa relativamente a cada um dos tipos destas despesas..

- esta outra limitação não visa a realização da justiça social (estão em causa despesas que, por
definição, são essenciais para todos), mas é sim uma forma encapotada (porque não refletida na
tabela das taxas gerais) de se lograr um significativo aumento da progressividade do imposto.

- a maior receita assim gerada tem como contraponto um aumento, muito mais significativo, da
despesa pública. Basta pensar que os sujeitos passivos mais afetados por estes limites são os que
têm maior possibilidade (os únicos que têm possibilidade, provavelmente) de satisfazer necessidades
427
Pelo que, a nosso ver, seria mais correta a sua previsão no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
428
Para maiores desenvolvimentos, Casalta Nabais, O Dever Fundamental…, pp. 633 ss.
429
Teresa Soares Gomes, «PPR, PPE e PPR/E».
430
Exemplo, Lei de Liberdade Religiosa (Lei nº 16/2001, de 22 de junho).

139
essenciais, como a saúde e a educação, com recurso a prestadores do sector privado.
Diminuída assim a comparticipação fiscal em tais despesas 431, serão obrigados (ou, pelo menos,
estimulados) a recorrer aos serviços públicos (vg. SNS, escola pública), originando uma despesa (que
é igual ou quase igual ao do custo do serviço) de valor muito superior à que resultaria possibilidade
de dedução à coleta do IRS de parte do valor pago a prestadores privados. Isto quando são
conhecidas as dificuldades do sector público, nomeadamente do SNS, em responder eficazmente à
procura, de cumprir com as exigências constitucionais que sobre ele impendem.

16.5. Eliminação a dupla tributação internacional

Como vimos, o IRS pretende ser, relativamente aos residentes em Portugal, um


imposto pessoal. Assim, estão sujeitos a tributação todos os rendimentos, incluindo os
de fonte estrangeira (cf. artº15º, nº 1).

Só que os rendimentos oriundos do estrangeiro terão, na maior parte dos


casos, sido sujeitos a uma tributação no país da fonte. Gera-se, assim, o fenómeno de
dupla tributação internacional do mesmo rendimento432.

A posição tradicional ia no sentido de o estado da residência não ter qualquer


dever de eliminar ou atenuar tal dupla tributação, salvo no caso de existir uma
convenção com o país da fonte, nos termos nela prescritos.

O que até se compreendia, porquanto um dos aspetos essenciais das convenções é a limitação da
pretensão tributária do país da fonte, que deixa de poder tributar os rendimentos aí auferidos por
residentes do outro Estado por aplicação integral da respetiva legislação, apenas o podendo
continuar a fazer nas condições e dentro dos limites (p. ex., as taxas máximas de retenção na fonte)
previstos, para cada tipo de rendimento, na Convenção aplicável ao caso.

Ora, a internacionalização das empresas é encarada como um passo indispensável ao seu


crescimento num mercado que é cada vez mais global e concorrencial, a não permitir mais que a sua
atividade se restrinja aos limites das fronteiras nacionais.

A facilidade de investimento no estrangeiro e de deslocação dos indivíduos – p. ex., para o


exercício de atividades profissionais – gera, também, elevado número de situações de dupla
tributação, cujas consequências importa eliminar. O facto de um residente obter rendimentos no
estrangeiro (mesmo que não empresariais ou profissionais) tem que ser encarado como uma
circunstância normal no mundo globalizado dos nossos dias. Coloca-se, de forma cada vez mais
premente, para o país de residência, uma questão de justiça fiscal (aquele que obteve determinado
rendimento no estrangeiro e sobre ele pagou imposto está em situação diferente; a sua capacidade
contributiva – que deve determinar o valor do imposto a ser pago – é menor) e, também, de política

431
Ou mesmo excluía relativamente a alguns tipos de despesas: pense-se num agregado familiar cujos
rendimentos só permitem deduções até um total 1.000 euros (al. c) do n.º 7 do art. 78.º) e que tenha
tido despesas de saúde que confiram o direito a uma dedução nesse mesmo valor (art. 78.º- C, n.º 1).
Para esta família, as demais deduções, nomeadamente as relativas a despesas de educação, “não
existem”.
432
Obra de referência, entre nós, continua a ser a de Manuel Pires, Da Dupla Tributação Jurídica
Internacional sobre o Rendimento. Mais recentemente, Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal
Internacional.

140
económica (o desejo de eliminar o obstáculo que a dupla tributação cria à legítima atividade dos
seus residentes no estrangeiro). Assume-se como objetivo a neutralidade fiscal na exportação, ou
seja, que o rendimento de um dado sujeito passivo ficará sujeito ao imposto do seu país de
residência ou sede, independentemente de ter sido obtido, total ou parcialmente, noutros países433.

Pelo que a posição dos países mais desenvolvidos tem evoluído no sentido de,
enquanto país da residência, procederem unilateralmente à eliminação da dupla
tributação internacional434.

Nesta orientação, o artº 81º consagra o método da imputação limitada ou


ordinária do imposto estrangeiro435, aplicável mesmo na ausência de convenção 436: o
imposto pago no país da fonte é dedutível à coleta que os rendimentos em causa
geram em IRS, quer tal coleta seja resultado da aplicação de taxas gerais ou de taxas
especiais.

Há que sublinhar, de novo, o seguinte: sendo aplicável uma Convenção sobre dupla tributação,
cessa a aplicação do disposto nas normas internas, em razão da prioridade de aplicação (da posição
superior que ocupam na hierarquia das normas) das regras constantes do direito internacional
convencional437. Para além de ser face ao texto convencional que se deverá, então, apreciar da
legitimidade de cada um dos Estados para tributar um determinado rendimento, o método a ser
utilizado pelo Estado da residência para a eliminação da dupla tributação internacional será o
consagrado nessa convenção.

Significa isto que caso esteja previsto o método de isenção ou o da imputação integral 438, não
haverá lugar à aplicação do disposto no artº 81º. No primeiro caso, os rendimentos obtidos no outro
país contratante estarão isentos de tributação em Portugal439; no segundo, o imposto pago no
estrangeiro será deduzido à coleta do IRS, sem limites.

O art. 81º disciplina, ainda, a tributação de rendimentos oriundos do estrangeiro obtidos


por residentes não habituais, tema que já abordámos (supra, 2.1.4)

433
Para maiores desenvolvimentos, Rui Duarte Morais, Imputação…, pp. 146 ss.
434
O que coloca em crise o interesse (especialmente por parte dos países menos desenvolvidos,
predominantemente “países da fonte”) das convenções sobre dupla tributação.
435
Sobre este método, Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pp. 748 ss.
436
O nº 2 do artº 81º estipula que quando existir uma convenção sobre dupla tributação entre Portugal
e o país de origem dos rendimentos, a dedução não pode ultrapassar o valor do imposto que, nos
termos de tal convenção, o país da fonte poderia cobrar. O que bem se compreende: um dos principais
efeitos das convenções é, como vimos, limitar a tributação pelo país da fonte, em “contra- partida” da
eliminação da dupla tributação pelo país de residência. Se, por alguma razão a tributação no país da
fonte excedeu o previsto na convenção, cessa a “disponibilidade” do nosso país para assumir o encargo
de deduzir ao seu próprio imposto o montante pago em excesso no estrangeiro. Sobre uma situação
deste tipo o Ac. CAAD::::::::::
437
Por todos, J. Casalta Nabais, Direito Fiscal, pp. ::: ss
438
Podendo ser considerados para determinação da taxa aplicável aos demais rendimentos no caso de o
método previsto na convenção ser o da isenção com progressividade. Cf. Alberto Xavier, Manual…, p.
229.
439
Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pp. 743 ss. Portugal, enquanto país de residência,
raramente aceitou a aplicação deste método nas convenções que celebrou. Veja-se Maria Margarida
Cordeiro Mesquita, As Convenções …, pp. 293 ss.

141
16.6. Deduções por pagamentos já efetuados

O nº 2 do artº 78º manda deduzir à coleta os pagamentos por conta do imposto e as


importâncias retidas na fonte que tenham aquela natureza, respeitantes ao mesmo
período de tributação. Temas estes que iremos abordar de seguida.

17. Pagamento

O pagamento do IRS acontece por diferentes vias, desde logo consoante as categorias
em que se insere cada um dos rendimentos do sujeito passivo.

A diversificação das formas e momentos em que se realiza o pagamento tem


vantagens óbvias: provoca um efeito de anestesia, uma vez que os montantes de cada
entrega correspondem apenas a prestações do total devido (anestesia esta que é
praticamente total nos casos de retenção na fonte, pois os contribuintes nem se
apercebem, na maior parte dos casos, dos montantes que em seu nome foram pagos
pelos seus substitutos fiscais); reduz a evasão fiscal, pois o valor de cada pagamento é
menor e a sua entrega é, em alguns casos, feita por terceiros; aproxima o momento da
ocorrência do facto gerador de imposto daquele em que a receita entra nos cofres do
Estado, com todas as vantagens que tal implica em termos de tesouraria.
Relativamente a determinados rendimentos, nomeadamente os sujeitos a
englobamento, o Estado, ao longo do ano, vai recebendo pagamentos por crédito de
uma dívida de imposto que só a final será apurada, sendo perfeitamente normal que
se venha a concluir que o total de tais entregas excede o montante da dívida de
imposto, pelo que haverá, então, lugar a reembolso.

17.1. Retenções na fonte

A retenção na fonte é, certamente, o sistema que proporciona maior comodidade (e,


também, maior anestesia fiscal), segurança e simplicidade na cobrança dos
impostos440. Basta pensar no volume de rendimentos pago por algumas entidades a
um número muito significativo de contribuintes (p. ex., um banco, relativamente aos
seus clientes e investidores; uma grande empresa relativamente aos seus
trabalhadores). Estas entidades podem dar cumprimento a uma infinidade de
obrigações fiscais relativas a terceiros – o que hoje resulta facilitado pelo uso de
poderosos recursos informáticos – que nem estes poderiam levar a cabo, nem a
administração fiscal estaria em condições de, ela própria, efetuar. Daí que o legislador
procure que a retenção na fonte aconteça em todos os casos possíveis.

Porém, porque a retenção na fonte implica a prática, por privados, de tarefas


de verdadeira “administração fiscal”, só pode ser exigida quando a entidade pagadora
440
Diogo Feyo, A Substituição Fiscal e a Retenção na Fonte: o caso específico dos impostos sobre o
rendimento, em especial pp. 121 ss.

142
tenha condições para tal. O que é suposto acontecer quando esta seja um sujeito
passivo com contabilidade organizada (p. ex., as sociedades; os empresários em nome
individual a partir de um determinado volume de negócios), uma vez que ela implica a
existência de uma estrutura com capacidade para dar cumprimento a tal tipo de
obrigações (desde logo, a feitura de uma contabilidade organizada tem de ser da
responsabilidade de um técnico oficial de contas). Ou seja, não é apenas a natureza
dos rendimentos, mas também as circunstâncias (fiscais) da entidade remuneradora
que determinarão se a retenção na fonte deve ou não ter lugar.

Sirvam os seguintes exemplos:

– se o arrendatário de um prédio for uma sociedade, esta deverá proceder a uma retenção na
fonte de parte do montante das rendas pagas ao senhorio; mas se o arrendatário for uma pessoa
que utiliza a casa para habitação, não haverá lugar a retenção;

– um advogado presta serviços a um arquiteto. Se esses serviços forem relativos à atividade


profissional deste (profissional independente, cujo rendimento é apurado com base em
contabilidade organizada), há lugar a retenção na fonte. Porém, se esse mesmo arquiteto consultar o
advogado num assunto pessoal (p. ex., para o representar em processo de divórcio), não haverá
lugar a retenção na fonte (o cliente não é mais o “arquiteto”, mas a “pessoa”).

Como sabemos, a substituição tributária concretiza-se, as mais das vezes, na


técnica de retenção na fonte. É usual441 distinguir-se entre substituição total e
substituição parcial, questão que já referimos a propósito dos diferentes tipos de
taxas.

Recordamos que no IRS temos estes dois tipos de situações:

17.1.1. Substituição tributária total (retenção na fonte a taxas liberatórias)

Nestes casos, o cumprimento da obrigação de imposto (incluindo o das


inerentes obrigações acessórias) cabe, em exclusivo, ao substituto, que é o sujeito
passivo da relação jurídico-fiscal, a título originário442.

O cumprimento esgota-se com a entrega do montante retido na fonte. Na falta de


pagamento voluntário, a cobrança coerciva será dirigida contra o substituto. O
substituído só será chamado à execução a título subsidiário (na falta de bens do
devedor originário, o substituto), e apenas se – e na medida em que – tiver recebido
mais do que aquilo que seria o valor dessa prestação líquida da retenção na fonte que
deveria ter tido lugar (cf. artº 28º da LGT).

Esta situação ocorre, no IRS, em dois tipos de casos (artº 71º):

441
Distinção usual mas não isenta de críticas. Veja-se Casalta Nabais, Direito Fiscal, pp. ::::::
442
O que não exclui a legitimidade do substituído para intervir num procedimento ou processo
tributário, sempre que provem ter para tal interesse legalmente protegido (cf. artº 65º da LGT e artº 9º,
nº 1, do CPPT). Será o caso, p. ex., de o substituto ter procedido (e entregue ao Estado) a uma retenção
na fonte (de caráter liberatório) excessiva.

143
– o da generalidade dos rendimentos auferidos em Portugal por não-
residentes, o que se mostra perfeitamente correto, uma vez que, para eles, o IRS não
pretende ser um imposto pessoal, antes se limitando a efetuar uma tributação de tipo
real (portanto, a taxas proporcionais, liberatórias) dos rendimentos cuja fonte se
considere situada no nosso país.

Nestas situações – relembramos – é preciso ter sempre presente a possibilidade da existência


de uma Convenção entre Portugal e o país da residência da pessoa em causa, caso em que só
haverá lugar a imposto no nosso país se a Convenção o permitir e, tendo lugar, deverá ser
praticada uma retenção na fonte até aos limites aí fixados443.

-os rendimentos obtidos por residentes sujeitos a taxas liberatórias (a maioria dos
rendimentos de capitais).

Tal constitui, como vimos, uma entorse fundamental na concretização dos


princípios subjacentes a um imposto pessoal.

17.1.2. Substituição tributária parcial

Nestes casos, o substituto, para além ter que dar cumprimento a algumas obrigações
acessórias, tem o dever de proceder à retenção na fonte, entregando tal importância
ao Estado, a qual passa a constituir um crédito relativo ao imposto devido por esse
contribuinte. Caso as retenções não tenham tido lugar ou tenham sido de montante
inferior ao que resultaria da correta aplicação da lei, cabe ao substituído a
responsabilidade originária pelo montante não retido 444 e ao substituto a
responsabilidade subsidiária. Porém, porque a infração fiscal foi cometida pelo
substituto, este será o responsável pelos juros compensatórios 445 e sanções a que deva
haver lugar.

A substituição fiscal parcial acontece aquando da obtenção de rendimentos


inseríveis em várias categorias. Porém, as regras para determinação do montante a

443
As Convenções reconhecem aos Estados contratantes a possibilidade de tributar determinados
rendimentos, mas não obrigam a que tal aconteça. A tributação será a prevista na lei interna de cada
Estado, não podendo, porém, relativamente ao Estado da fonte, exceder o limite máximo aplicável
fixado na Convenção relativo a esse tipo de rendimento. Como o Estado da fonte tende a tributar todos
os rendimentos aí gerados e a taxa prevista na sua lei interna é, normalmente, superior ao limite
previsto na Convenção, na prática a tributação dos rendimentos de residentes no outro Estado
contratante é feita pela taxa correspondente ao limite convencional. Tal gera o erro comum de se
pensar que as Convenções fixam as taxas do imposto a serem praticadas pelo Estado da fonte.

444
O que se compreende, pois nenhum prejuízo económico daí resulta para o substituído, que recebeu
mais do que devia. Note-se que a obrigação de imposto do substituído tem como limite o valor por ele
recebido em excesso.
445
São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a
liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar
antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária; são também devidos
quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido (cf. artº
35º da LGT).

144
reter são diversas. Relativamente aos rendimentos das categorias A e H (artº 99º), o
legislador assume que, na maioria dos casos, corresponderão à totalidade ou quase
totalidade dos rendimentos sujeitos a englobamento. Daí que o montante a reter, nos
casos – que são a generalidade – em que tal obrigação existe, resulte da aplicação de
várias tabelas, diferentes para as duas categorias e, relativamente a cada uma delas,
consoante a situação concreta do sujeito passivo, nomeadamente se pode optar pela
tributação conjunta (e, naquele caso, se ambos ou só um dos titulares aufere
rendimentos englobáveis), o número de dependentes, se é ou não deficiente, etc. 446
447
.

Tais tabelas são aprovadas, em cada ano, por despacho do Ministro das Finanças 448. Na sua
construção deverá ser tido em conta o rendimento anual esperável (e, portanto, a taxa média
aplicável), a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos, as deduções específicas e as deduções
à coleta a que, previsivelmente (numa análise “estatística”), haverá lugar449.
O objetivo é conseguir que, na maioria dos casos, o montante retido se aproxime do valor total
do imposto a pagar, de forma a evitar que o contribuinte seja onerado com novo pagamento
significativo e não haja, sistematicamente, lugar a reembolsos.

No tocante aos rendimentos de outras categorias, a retenção é feita por


aplicação ao rendimento bruto de (diversas) taxas fixas, previstas no artº 101º 450.

Os montantes retidos na fonte devem ser entregues ao Estado pelo substituto até ao dia 20 do
mês seguinte (artº 98º, nº 3). A retenção é dispensada relativamente a rendimentos de baixo

446
Cabendo ao beneficiário de tais rendimentos fornecer à entidade devedora os elementos necessários
sobre a sua situação pessoal e familiar. Trata-se de um ónus, pois se o beneficiário não fizer a
declaração, a retenção será feita segundo a tabela aplicável aos “não casados“ (“não casados sem
dependentes”, no caso de rendimentos da categoria A), ou seja, pela taxa mais gravosa aplicável a esse
quantitativo de rendimentos (Cf. artº 6º, nº 1, do DL nº 42/91, de 22 de janeiro).
Porém, existe obrigação de comunicação à entidade devedora de qualquer alteração da
situação pessoal ou familiar de que resulte que a retenção na fonte deva passar a ser feita a taxas
superiores (p. ex., divórcio, um filho deixar de ser, fiscalmente, considerado como dependente, etc.).
Muitos são os contribuintes que preferem que lhes seja efetuada uma retenção excessiva, por
saberem que, a final, terão um montante elevado de imposto a pagar (p. ex., serem titulares de mais
rendimentos da categoria A, pagos por outras entidades). Ou seja, contribuintes que preferem ir
pagando mensalmente mais do que aquilo a que estariam obrigados, de forma a evitarem que o
montante em dívida a final resulte demasiado elevado. A lei facilita esta prática, permitindo que os
sujeitos passivos possam solicitar às entidades devedoras a prática de retenções na fonte calculadas por
uma taxa por eles indicada (naturalmente, desde que superior à que resultaria legalmente aplicável) –
cf. artº 7º, nº 2, do mesmo diploma.
447
Cfr., ainda, o art.º 100.º relativo às retenções na fonte a efectuar em rendimentos do trabalho
dependente que compreendam montantes variáveis.
448
::::::::::::::
449
::::::::::::::::::
450
O que coloca a questão de um excesso de retenção sempre que, em resultado dos custos necessários
à atividade, haja uma grande discrepância entre rendimentos brutos e rendimentos líquidos, questão
esta que já deixámos aflorada. Precisamente por esta razão, a lei prevê alguns casos em que a retenção
poderá incidir apenas sobre 50% do valor dos rendimentos: médicos de patologia clínica, médicos
radiologistas e farmacêuticos analistas clínicos (artº 10º do DL nº 42/91, de 22 de janeiro).

145
valor451, a rendimentos isentos (na proporção da isenção, sendo esta parcial)452, e é reduzida
quando o credor goza de benefícios fiscais de natureza pessoal453.

17.2. Pagamentos por conta

O mecanismo de retenção na fonte não pode ser aplicado a todo o tipo de


rendimentos, nomeadamente os de natureza empresarial (comércio, indústria, etc.).
Isto porque, por um lado, existe uma grande divergência entre o valor das
quantias recebidas e o rendimento líquido do sujeito passivo (é o caso das vendas das
mercadorias em que a margem líquida do comerciante é extremamente variável de
setor para setor); por outro lado, as entidades pagadoras (os adquirentes dos bens ou
serviços) são, em muitos casos, consumidores finais, aos quais não pode ser exigido
que mantenham uma estrutura de “administração fiscal” para dar cumprimento a
exigências de retenção na fonte inerentes às compras que efetuam. Se tivermos em
conta que o pagamento final do imposto só ocorre, por regra, em agosto do ano
seguinte àquele a que o imposto respeita (artt.97.º, n.º 1), teríamos que estes sujeitos
passivos gozariam de uma apreciável vantagem financeira em resultado do
distanciamento que ocorreria entre o momento da perceção dos rendimentos e o do
pagamento ao Estado do respetivo imposto454.

Para minimizar esta desigualdade (maxime, em relação àqueles que veem os


seus rendimentos sujeitos a retenção na fonte e, portanto, nunca entram na posse da
totalidade do rendimento auferido) existem os pagamentos por conta. Os quais são,
também, do interesse do Estado pela antecipação, que possibilitam, do momento da
cobrança.

Este mecanismo (artº 102º) traduz-se na obrigação de os sujeitos passivos,


relativamente aos rendimentos da categoria B 455, efetuarem três pagamentos por
conta do imposto devido nesse mesmo ano.
451
Cf. os artº 9º do DL nº 42/91, de 22 de Janeiro
452
Caso da remuneração dos direitos de autor de obras literárias, artísticas ou científicas, que, por
aplicação do artº 58º do EBF, estão sujeitos a tributação apenas em metade do respetivo valor (até
determinado limite).
453
Caso dos deficientes com grau de invalidez permanente igual ou superior a 60%.
454
Assim, haveria um intervalo temporal de mais de ano e meio entre a perceção de rendimentos em
janeiro do ano X e o pagamento do imposto (que só ocorreria para além de meados do ano X+1). Tal
vantagem financeira seria a correspondente ao juro corrente que poderia ser obtido por aplicação da(s)
importância(s) correspondente(s) ao imposto a ser pago durante tal intervalo temporal.

Isto sem ignorar que nos impostos periódicos se tributa o rendimento obtido ao longo de um
ano, e que a determinação da dívida de imposto se faz – convencionalmente por referência ao último
dia do ano.

O mesmo é dizer que todas as entregas feitas ao longo desse período tributário (do ano “em
curso”) assumem um caráter provisório (de pagamentos a serem creditados numa presumível, mas
ainda não confirmada, dívida). Também as retenções na fonte que não correspondem a taxas
liberatórias) têm este mesmo caráter de “provisoriedade”.

146
O valor desses pagamentos é calculado com base nos últimos dados disponíveis
sobre a atividade do contribuinte, ou seja, os do penúltimo ano 456. O total dos
pagamentos por conta corresponderá a uma percentagem do valor que lhe serviu de
referência, e é entregue em três prestações iguais (que se vencem nos meses de julho,
setembro e dezembro).

É a administração fiscal quem procede ao cálculo do valor dos pagamentos por


conta a serem efetuados, notificando o sujeito passivo do respetivo valor.

O montante total dos pagamentos por conta apura-se pela seguinte fórmula (artº 102º, nº 2):

C x RLB – R RLT

sendo que [relativamente ao ano de referência (penúltimo)]: C = coleta (consideradas, já, a maioria
das deduções à coleta); R = total das retenções na fonte sobre os rendimentos da categoria B; RLB =
rendimento da categoria B; RTL = rendimento líquido total.

Ou seja, grosso modo, esta fórmula conduz-nos a apurar a percentagem que, na dívida total de
imposto desse contribuinte, é de imputar a rendimentos da categoria B; deduzido o montante pago
através de retenções na fonte relativas a esta categoria, temos o “remanescente” da dívida de
imposto. Os pagamentos por conta deverão corresponder, hoje, a 76,5% deste valor.

Indo para além do impacto financeiro positivo que, em termos de tesouraria


pública, provoca, temos que este sistema resultará justo (comparado, p. ex., com um
sistema de retenção na fonte) na medida em que os valores do rendimento que
serviram de base a tal cálculo e os relativos ao ano em curso (aquele em cuja
correspondente dívida de imposto serão imputados tais pagamentos por conta) não
apresentem divergências significativas. Nesta condição, os pagamentos por conta que
o contribuinte efetuar corresponderão ao pagamento parcial de uma dívida que se
confirmará existir.

Se a situação do sujeito passivo tiver evoluído positivamente (de forma simples,


se os rendimentos integráveis na categoria B forem, no ano em curso, mais elevados
do que no penúltimo ano), ele não resultará prejudicado (os pagamentos por conta a
que está obrigado resultarão inferiores ao necessário para perfazer 76,5% da dívida de
imposto relativa ao corrente ano).

A injustiça aconteceria na situação inversa, ou seja, se o valor dos rendimentos


da categoria B no ano em curso for substancialmente inferior ao dos do penúltimo
ano. Então os pagamentos por conta resultariam excessivos, corresponderiam a
entregas por conta de um imposto não devido.

455
E também os que obtenham rendimentos das categorias A e H, opcionalmente, quando as entidades
pagadoras não estejam sujeitas à obrigação de retenção na fonte (p. ex., entidades não residentes sem
estabelecimento estável em Portugal). Trata-se de uma possibilidade de fracionar o pagamento do
imposto, ainda que antecipando-o em parte.
456
:::::::::::::

147
Para obviar a estas situações, a lei permite que o sujeito passivo suspenda os
pagamentos por conta ou reduza o valor das respetivas prestações quando constate
que o montante das retenções na fonte que já lhe foram feitas (no ano em curso 457)
mais, eventualmente, as importâncias já entregues a título de pagamentos por conta
(as prestações já pagas) excedem o imposto total devido (ou o excederiam, caso
entregasse o montante total de nova prestação) –art.º 102.º, n.º 4 e 5.

Considerando que, por um lado, esta decisão de suspender ou reduzir os


pagamentos por conta será tomada quando o período tributário está ainda a decorrer
(ou seja, terá que se basear em meras previsões) e, por outro, há que responsabilizar
os sujeitos passivos por uma tal decisão (sob pena de a generalidade interromper tais
pagamentos a pretexto de “estimativas” pessimistas sobre a evolução dos seus
negócios que, a final, não resultarão confirmadas), a lei (nº 6 e 7 do artº 102º) estipula
que, por regra, haja lugar ao pagamento de juros compensatórios pelo período que
mediou entre o momento em que os pagamentos por conta deveriam ter sido
efetuados e o momento em que, em resultado da liquidação, foi apurado o
remanescente em dívida, sempre que se verifique que, em consequência da cessação
ou redução daqueles, se deixou de entregar uma importância superior a 20% da que,
de outro modo, deveria ter sido entregue.

Ou seja, em resumo: o sujeito passivo, quando a eles obrigado, tem de efetuar os


pagamentos por conta no valor que lhe foi notificado ou entregar 76,5% do imposto imputável
aos seus rendimentos da categoria B nesse ano, se de valor inferior. Se o sujeito passivo pagou
pontualmente o valor que lhe foi notificado, cumpriu com esta obrigação. Se decidiu entregar
menos e a diferença entre o que pagou no decurso desse ano (somatório das retenções na fonte
e dos pagamentos por conta) e o que o deveria ter pago (76,5% do imposto imputável aos seus
rendimentos da categoria B nesse ano) for superior a 20%, estará sujeito ao pagamento de juros
compensatórios, calculados sobre o montante em falta458.

17.3. Pagamento final

Em resultado da liquidação, a administração fiscal notificará o sujeito passivo do valor


remanescente a pagar ou, sendo o caso, do valor do reembolso a que tem direito.

457
Note-se que o valor total das retenções na fonte não depende apenas do montante recebido mas,
também, de quem o paga. Num exemplo, um advogado que no penúltimo ano faturou um determinado
valor, mas cujos clientes não eram obrigados a proceder a retenções na fonte (p. ex., “particulares”
envolvidos em processos não conexos com uma sua atividade empresarial) e que, no ano em curso,
faturou montante semelhante mas a sociedades comerciais, as quais retiveram parte do valor pago.

458
Por estarem em causa previsões, entendemos que o sujeito passivo que, em virtude de erro no
cálculo dos pagamentos por conta que efetuou, seja obrigado a pagar juros compensatórios (e por
maioria de razão aqueles cujo valor entregue se situe dentro da margem de erro que a lei prevê), não
incorreu (salvo situações manifestamente “abusivas) na prática de uma infração fiscal.

148
O valor ainda em dívida deve ser pago dentro do prazo indicado em tal
notificação, por regra nos 30 dias seguintes à data em que se presume recebida 459. Se
tal não acontecer, cabe à administração dar início ao respetivo processo executivo, em
ordem à cobrança coerciva.

17.4. Reembolso oficioso

Da liquidação460 poderá resultar a existência de um remanescente em dívida ou


constatar-se dever haver lugar a um reembolso em razão do «excesso» do valor
entregue sob a forma de retenções na fonte e pagamentos por conta.

É perfeitamente normal a existência do direito a reembolso, ou por existirem


significativas deduções à coleta (p. ex., despesas de saúde; resultantes do
aproveitamento de benefícios fiscais) e/ou por os pagamentos por conta e/ou
retenções na fonte terem sido excessivos.

Se houver lugar a reembolso, este deverá ser efetuado, oficiosamente, até ao


fim do terceiro mês seguinte ao termo do prazo em que, segundo a lei, o imposto deve
ser pago461. Ao reembolso acrescerá uma remuneração (o pagamento de juros)
sempre que tal valor exceder o “máximo” do imposto devido pelos rendimentos
englobados, remuneração essa que será calculada apenas sobre tal diferença462.

A mora da administração no cumprimento da obrigação de reembolso 463 gera o


dever do pagamento de juros indemnizatórios464 pelo período da respetiva duração.

18. Obrigações declarativas e liquidação do imposto


459
O Código indica, no artº 97º, os prazos em que deve ocorrer o pagamento do imposto. Porém,
cabendo à administração liquidar o imposto e notificar o sujeito passivo do montante a pagar (artº 65º,
66º e 149º), o vencimento da obrigação de pagamento dependa sempre da prévia interpelação do
credor.
460
Utilizando o termo – como faz a lei – abrangendo não só o cálculo da coleta (da dívida de imposto),
mas também o do imposto a pagar (i. é, a diferença resultante da subtração ao valor apurado para a
coleta das diferentes deduções à coleta a que deva haver lugar).
461
Ou seja, até ao fim do terceiro mês seguinte aos referidos no nº 1 do artº 97º
462
Por “máximo” do imposto devido entende-se a coleta (o resultado da multiplicação dos rendimentos
englobados pelas taxas aplicáveis) deduzida das deduções à coleta correspondentes às antes previstas
no artº 79º [norma para a qual o art.º 102.º-A continua a remeter, não obstante a sua revogação],
relativas à situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos. As regras de cálculo de tal “remuneração”
constam do artº 15º do DL nº 42/91, de 22 de janeiro. A respetiva taxa é fixada anualmente no
despacho do Ministro das Finanças que aprova as tabelas de retenção na fonte (rendimentos das
categorias A e H).
463
A mora da administração supõe que o sujeito passivo haja cumprido, pontual e corretamente, com as
suas obrigações declarativas (cf. artº 16º, nº 5 do DL nº 42/91, de 22 de janeiro).
464
O artº 43º, nº 4, da LGT veio estipular que os juros indemnizatórios são calculados à taxa dos juros
compensatórios. Ou seja, numa atitude de louvável fair play, a lei passou a obrigar que a administração
indemnize os contribuintes no caso de reembolso tardio que lhe seja imputável nos mesmos termos em
que tem direito a ser indemnizada em caso de atraso no pagamento dos impostos.

149
A liquidação do imposto é da competência da administração fiscal, sendo feita, por
regra, com base na declaração dos sujeitos passivos, a ser apresentada, quando
exigível465, no prazo previsto no art.º 60.º466.

Da declaração constarão, entre outros, os necessários elementos relativos à


situação pessoal do(s) sujeito(s) passivo(s) e respetivos dependentes, os valores dos
rendimentos brutos das várias categorias e deduções específicas, as retenções na
fonte sofridas, os pagamentos por conta realizados e os valores das despesas que
conferem direito a deduções à coleta.

As declarações não são acompanhadas de quaisquer documentos 467. A


administração pode, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação 468, notificar
os sujeitos passivos para apresentarem a documentação comprovativa dos valores e
demais elementos declarados469.

Com base nos dados constantes das declarações 470, a administração liquida o
imposto, notificando o contribuinte do respetivo resultado (do valor de imposto em
dívida471 e respetivo prazo de pagamento, ou do reembolso a ser, oficiosamente,
efetuado), o que faz através do envio da chamada nota demonstrativa da liquidação,
processada informaticamente.

A administração, caso venha a constatar posteriormente que a declaração não


deve ser aceite – quer seja por constatar existirem erros, de facto ou de direito, ou
omissões que possam ser diretamente corrigidos (p. ex., pelo confronto com outras
informações à disposição dos Serviços ou em decorrência de presunções legais), quer
seja por se verificarem os requisitos determinantes da fixação do rendimento por
métodos indiciários – fixará o rendimento coletável, procedendo a uma liquidação

465
Ver art.º 58.º, relativo à dispensa de entrega de declaração.
466
Cabendo à administração suprir o incumprimento de tal obrigação, liquidando oficiosamente o
imposto nos termos das alíneas b) e c) do artº 76º.
467
Até porque se generalizou a apresentação das declarações por via eletrónica, embora continue a ser
possível, em alguns casos, a utilização dos meios tradicionais (art.º 61.º)
468
O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte
no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (artº 45º, nº 1, da LGT).
469
Obrigação que se tornou residual, uma vez que a maioria das despesas são inseridas no sistema e-
fatura pelos vendedores de bens e prestadores de serviços.
470
Que, por princípio, gozam de presunção de verdade e de boa-fé (artº 75º da LGT), o que implica que a
liquidação seja efetuada com base nos dados delas constantes, salvo se tal presunção for ilidida pela
Administração Fiscal.
471
Acrescido dos respetivos juros compensatórios se a liquidação tiver acontecido para além do prazo
legal por facto imputável ao sujeito passivo (cf. artº 35º da LGT, em especial os seus nº 8 e 9).

150
adicional de imposto472, e notificará o sujeito passivo para proceder ao pagamento em
falta.

De tal notificação constarão, para além do montante a ser pago a título de imposto e
de juros compensatórios, a fundamentação da decisão de alteração do rendimento declarado,
os meios de defesa e o prazo para reagir contra o ato notificado, bem como a indicação da
entidade que praticou o ato e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências
(artº 36º, nº 2, do CPPT).

18.1 – Evolução recente

A evolução recente, ditada pelo intuito de simplificação do cumprimento das


obrigações declarativas dos sujeitos passivos, aparece marcada por dois aspetos: (i) a
desmaterialização das declarações e (ii) as chamadas declarações automáticas.

A desmaterialização consubstancia-se na obrigatoriedade do recurso à internet para a


apresentação das declarações, ou seja, com o fim, desde 2018, da possibilidade de
entrega em papel na maioria dos casos.

Na mesma altura foi instituída a declaração automática de rendimentos.

Nos termos do art.º 58º-A, a AT passou a disponibilizar aos sujeitos passivos


abrangidos473 uma declaração474 elaborada com base nos elementos informativos de
que dispõe. Tal declaração converte-se em definitiva, mesmo sem confirmação
expressa (possibilidade que existe), caso o sujeito passivo não entregue, outra
declaração, no prazo legal ou nos 30 dias subsequentes ao termo de tal prazo.

A existência de uma tal declaração automática permite, pois, relativamente a muitos


sujeitos passivos, uma verdadeira “dispensa” do cumprimento da obrigação de
declaração.

472
Como deverá proceder a uma anulação oficiosa (parcial) da liquidação operada com base nos dados
constantes da declaração do contribuinte, quando verifique que, por incorreção dos mesmos, resultou a
exigência de um tributo superior ao devido. Tal constituiu um dever da Administração Fiscal – o que
poderá resultar equívoco dado o uso da forma verbal pode no artº 78º da LGT (revisão dos atos
tributários) – porque decorrência direta do princípio da legalidade dos impostos.
473
Ver Decreto Regulamentar n.º 1/2018, de 10/01/2018. Estão em causa os residentes (exceto os não
habituais) que apenas obtenham, para além dos sujeitos a taxas liberatórias, rendimentos do trabalho e
de pensões (que não de alimentos) e cujo valor das deduções a que têm direito seja do conhecimento
da AT, os quais constituem a maioria dos sujeitos passivos. É de supor que, com a expansão da
informação comunicada à AT por terceiros, este universo conheça, pelo menos a médio prazo,
significativo alargamento.
474
Na realidade, duas, quando estejam em causa sujeitos passivos que reúnam as condições para
optarem pela tributação conjunta. A apresentação das declarações correspondentes aos dois regimes
(tributação separada e tributação conjunta) destina-se, obviamente, a facilitar uma escolha consciente.

151
152
Existe a possibilidade de os sujeitos passivos de IRS decidirem que o equivalente a
0,5% do imposto por eles pago seja entregue a determinadas entidades.
Incompreensivelmente, a previsão dos possíveis beneficiários desta consignação
encontra-se repartida por diferentes diplomas475.

Estão em causa igrejas e outras entidades religiosas, pessoas coletivas de


utilidade pública, como Instituições Particulares de Solidariedade Social, que prossigam
fins de beneficência ou de assistência ou humanitários e bem como outras que
desenvolvam atividades de natureza e interesse cultural e ambiental.

O seu número é expressivo476.

Trata-se de uma possibilidade que, pese embora a limitação dos valores em


causa, é de aplaudir, pois, nesta medida, passam a ser os contribuintes (e não o
próprio Estado) a decidir quais as entidades que pretendem que sejam financiadas
com dinheiro que, objetivamente, é público477.

Os sujeitos passivos, que assim o entenderem, identificarão, na respetiva


declaração de IRS, a entidade que pretendem beneficiar.

Esta consignação é cumulável, por opção, com a do valor correspondente à


dedução pela exigência de fatura prevista no art. 78.º-F.

*****

475
Art.º 32.º, n.º 4, da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (igrejas e instituições religiosas;) art.º 32.º, n.º 6,
da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas
de utilidade pública); art.º 14.º, n.ºs 5 e 7, da Lei n.º 35/98, de 18 de julho (pessoas coletivas de utilidade
pública de fins ambientais); art.º 152.º do CIRS (Instituições culturais com estatuto de utilidade pública).
476
Mais de 4.000 em 2019.
477
Parte destas entidades, nomeadamente a Igreja Católica e as IPSS poderão também beneficiar da
restituição, total ou parcial, do montante equivalente ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA)
suportado em determinadas aquisições de bens e serviços (Decretos-Leis n.os 20/90, de 13 de janeiro,
e 113/90, de 5 abril).

153
ÍNDICE

1. A Reforma Fiscal dos anos oitenta

1.1. A exigência de uma reforma fiscal

1.2. A tentativa de criação de um imposto “único”

1.3. A “reforma” de 2015

2. Incidência pessoal

2.1. Residentes

2.2. A residência parcial

2.3. Abolição do princípio da atração da unidade familiar

2.4. Residentes não habituais

2.5. Residência nas Regiões Autónomas

2.6. “Residentes virtuais”

2.7. Residência e domicílio fiscal

2.8. Não-residentes

3. A unidade fiscal

3.1. O modelo da tributação conjunta obrigatória

3.2 – Consagração da tributação separada

3.3- Responsabilidade pelo pagamento do imposto

3.4. Composição do agregado familiar

4. Rendimento tributável

4.1. Conceito

4.2. Rendimentos de atos ilícitos

5. As fases do imposto

5.1. A fase analítica

5.2. A fase sintética

6. Rendimentos do trabalho dependente

6.1. Situações que originam rendimentos da categoria A

6.2. Remuneração

6.3 - As vantagens acessórias

6.4. Indemnização por extinção do contrato

6.5. Rendimentos sujeitos a taxas especiais

154
6.6. Rendimentos não sujeitos a tributação

6.7. Deduções Específicas

6.8. Benefícios fiscais

6.9. – Momento da tributação

7. Rendimentos empresariais e profissionais

7.1. A unificação de categorias

7.2. Outros rendimentos

7.3. Rendimentos “atraídos” por esta categoria

7.4. Determinação do rendimento tributável

7.5. Atos isolados

8. Rendimentos de capitais

8.1. Definição económica

8.2. Enumeração legal

8.3. Presunções

8.4. Momento de sujeição a imposto

8.5. Deduções específicas

8.6. A dupla tributação económica dos lucros distribuídos

9. Rendimentos prediais

9.1. Conceito de prédio

9.2. Noção de renda

9.3. A “reforma” de 20159

9.4. A opção pela empresarialidade

9.5. Deduções específicas

9.6. A dedução do IMI

9.7- Dedução de perdas

9.8. Tributação por aplicação de uma taxa especial

11. Mais-valias

1.1. Mais-valias que constituem rendimentos empresariais

11.2. Mais-valias que integram esta categoria

11.3. Realização da mais-valia

11.4. Mais-valias imobiliárias

155
11.5. Imóveis destinados a habitação permanente

11.6. Transferência de bens para e do património empresarial de uma pessoa singular

11.7– O alojamento local

11.8. Mais-valias mobiliárias

12. Pensões

12.1. Deduções específicas

13. O englobamento

13.1. Imputação de rendimentos

13.2. Dedução de perdas

13.3. Rendimentos de períodos anteriores

14. Taxas

14.1. Taxas gerais

14.2. Taxas liberatórias

14.3. Taxas especiais

15. Tributações autónomas

16. Deduções à coleta

16.1. Deduções que visam a pessoalização do imposto

16.2. Dedução pela exigência de fatura

16.3. Deduções com a natureza de benefícios fiscais

16.4 – Limite global das deduções

16.5. Eliminação a dupla tributação internacional

16.6. Deduções por pagamentos já efetuados

17. Pagamento

17.1. Retenções na fonte

17.2. Pagamentos por conta

17.3. Pagamento final

17.4. Reembolso oficioso

18. Obrigações declarativas e liquidação do imposto

18.1 – Evolução recente

18.2. Consignação de parte da coleta

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