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Ideologia e Dominação em Marx e Engels

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I n tro du ç ão à s Ciênc ia s So c ia is

Seção 23 — A ideologia como instrumento de


dominação de classe21

Teoria social e vida material


Nas sessões anteriores refletimos sobre diferentes aspectos do capitalismo:
sua importância no desenvolvimento do individualismo, a forma como
alterou as relações de trabalho, sua influência sobre a formação de uma
cultura pautada no cálculo racional. Agora veremos como Marx e Engels
articularam uma análise crítica sobre o sistema capitalista com o intuito de
propor, através da teoria social, estratégias de ação transformadora sobre a
sociedade em que viviam.
Escrito em 1846, A ideologia alemã é considerada uma das mais impor-
tantes obras de Marx e Engels. Apesar de publicado somente após a morte de
Marx (a primeira edição é de 1932), o escrito é um valioso registro da guina-
da dos autores rumo a uma perspectiva transformadora da sociedade, ou de
sua passagem do idealismo ao materialismo, como será exposto mais adiante.

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Texto de referência: Marx e Engels (1982).

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O texto se articula como um ataque aos “jovens hegelianos”, um


grupo de estudantes e jovens professores da Universidade Humboldt de
Berlim que partiam da filosofia de Hegel para refletir, de forma crítica,
sobre os rumos da sociedade prussiana. O grupo se opunha, sobretudo,
à influência de doutrinas religiosas sobre o Estado, vendo na religião a
forma suprema de alienação do ser humano e, portanto, um mal a ser
combatido. Ainda que Marx compartilhasse das críticas dos jovens hege-
lianos à religião (que ele próprio, mais tarde, descreveria como “o ópio
do povo”), ele e Engels deixam muito claro seu desarcordo com o grupo
de filósofos, baseando seus argumentos em duas frentes: a distância entre
seus escritos e a realidade social, e o foco na religião como cerne do pro-
cesso de alienação.
O ponto de partida da crítica feita por Marx e Engels aos jovens hege-
lianos era o fato de que o grupo de filósofos via no espírito humano, e não
na ação humana, o sujeito da história. Segundo os autores de A ideologia
alemã, tal postura levava os jovens hegelianos a combater apenas “as frases
deste mundo”, abstendo-se de qualquer contato com o mundo social. O
que faltava a esses filósofos era, assim, “perguntar pela interconexão da filo-
sofia alemã com a realidade efetiva alemã, pela interconexão da crítica deles
com a própria circunstância material deles” (Marx e Engels, 1982:186).
Mais do que uma crítica a um grupo específico de pensadores, Marx
e Engels articulavam ali uma nova proposta de teoria social, que tinha
na compreensão dos indivíduos efetivos em suas ações concretas seu objeto
de análise. Em uma das passagens mais conhecidas do texto, os autores
afirmam que “não é a consciência que determina a vida, é a vida que deter-
mina a consciência” (Marx e Engels, 1982:23). Ao inverterem a lógica do
pensamento filosófico, defendiam que as ideias não determinam a realida-
de social, e sim o contrário.
Esses pressupostos tinham, segundo os autores, qualidades inquestio-
náveis ante os postulados filosóficos:

São pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imagina-
ção. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto
aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua própria ação.

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Estes pressupostos são, pois, verificáveis por via puramente empírica [Marx e
Engels, 1982:26-27].

Mas como conduzir tal verificação? Entre os tantos aspectos da vida


social, qual o enfoque adequado a uma análise pautada naqueles pressu-
postos? A resposta a estas perguntas aparece na insistência com que Marx
e Engels remetem àquilo que chamam de as “condições materiais de vida”,
argumentando que ali estaria a chave para uma análise verdadeiramente
transformadora da realidade:

Somos forçados a começar constatando que o primeiro pressuposto de toda a


existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem es-
tar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver, é preciso
antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O
primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a sa-
tisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este
é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda
hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as
horas, simplesmente para manter os homens vivos [Marx e Engels, 1982:21].

Marx e Engels explicitam assim a centralidade da vida material em sua


análise, enfatizando a relevância das ações mais básicas, mais cotidianas,
à compreensão da realidade social. Mas os autores deixam claro também
que a vida material não tem importância por si só, e sim como resultado
da produção que, em todo e qualquer tempo, marca a experiência humana
na busca por satisfazer suas necessidades. Afinal, o homem deve produzir
sua comida, sua moradia e suas roupas, além das ferramentas adequadas à
produção de cada um deles. A realidade social seria, deste modo, marcada
por um processo produtivo ininterrupto, através do qual os homens pro-
duziriam não apenas os elementos de sua vida material como também as
relações sociais que a constituem.
Voltando sua análise para o contexto do mundo capitalista, no qual os
meios de produção (terras, indústrias etc.) são controlados por uma classe
determinada (a burguesia), Marx e Engels concluem que, diferentemente

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do que defendiam os jovens hegelianos, não era a religião, mas sim a posse
do capital que constituía a base do poder estabelecido. A religião seria, nes-
se sentido, apenas uma cortina de fumaça que obscurecia a verdadeira base
do poder estabelecido. Atuaria ainda como um amparo vital aos trabalha-
dores que, desprovidos da posse dos meios de produção, encontravam na
religião um dos poucos elementos de conforto em meio à opressão.
Com esses argumentos, Marx e Engels davam forma ao que, mais tar-
de, ficaria conhecido como materialismo histórico: uma perspectiva teórico-
metodológica que vê na vida material (ou, mais precisamente, nos modos de
produção), o eixo da análise social. Com foco na transformação das socie-
dades ao longo do tempo, essa abordagem parte da ideia de que o motor da
história seriam os sucessivos confrontos entre as diferentes classes sociais,
uma vez que o processo produtivo teria se dado sempre através da “explo-
ração do homem pelo homem”.
Percebemos assim que, para Marx e Engels, o mundo das ideias (que
constitui o mundo da política, da cultura, das instituições etc.) se erigiria
como uma decorrência das relações de produção que organizam a vida
material na sua dimensão mais concreta. Isso não significa, entretanto, que
os autores tenham deixado de lado a tarefa de refletir sobre o campo das
ideias, pelo contrário. Como veremos a seguir, esse é um dos pontos cen-
trais da elaboração de seu argumento, dando corpo ao princípio transfor-
mador que permeia toda A ideologia alemã.

Ideologia
“Ideologia” é uma palavra corrente em nossos cotidianos. Usada no con-
texto do senso comum, aparece como descrição de um conjunto de ideias,
valores ou crenças que orientam a percepção e o comportamento dos in-
divíduos sobre temas como política, economia, condições sociais etc. Mas,
para além desse uso corrente, “ideologia” carrega em si uma forte carga
conceitual, o que faz com que seu emprego nas Ciências Sociais seja sem-
pre cercado de referências.
O termo surgiu no início do século XIX, quando o pensador francês
Antoine Destutt de Tracy o usou para designar “o estudo científico das

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ideias” no livro Elementos de ideologia (1801). O autor propunha o uso


de métodos das ciências naturais (como a Física e a Biologia) para com-
preender o processo de formação das ideias (como razão, vontade e mo-
ral, entre outras) a partir da observação do indivíduo em interação com o
ambiente que o cercava. Contudo, não tardou para que o termo ganhasse
novos significados. Émile Durkheim, por exemplo, para quem o objeto da
Sociologia eram os fatos sociais (como vimos na seção 14), via na ideologia
um aspecto irrelevante, “pré-científico” e, portanto, impróprio ao estudo
da realidade social.
Como fica claro desde o título, o conceito de ideologia é central em
A ideologia alemã. Ali os autores desenvolvem uma definição própria do
termo, que acabaria por se tornar um elemento central em suas obras
futuras.
Retomando o argumento de que a produção das ideias não pode ser
analisada separadamente das condições materiais em que ocorre, Marx e
Engels veem na ideologia o resultado direto das relações de dominação
entre as classes sociais de determinado contexto. Desenvolvendo tal pres-
suposto, os autores definem a ideologia como um conjunto de proposi-
ções elaborado pela classe dominante com a finalidade de fazer com que
seus interesses pareçam ser o interesse coletivo. A ideologia seria, assim,
um instrumento de dominação a serviço da classe detentora dos meios de
produção. Transposto para o capitalismo do século XIX, a ideologia se de-
finia, portanto, como uma ferramenta da manutenção da ordem burguesa,
calcada no princípio da opressão da classe proletária. A ideologia seria, na
visão de Marx e Engels, uma “representação invertida” da realidade, como
uma “câmera escura”, um experimento precursor da fotografia que projeta-
va as imagens externas de forma invertida no interior da câmera.
Uma das mostras mais contundentes de tal mecanismo era, de acordo
com os autores, o princípio da propriedade privada. Base do sistema capi-
talista, a propriedade privada, bem como as diferenças entre proprietários
e não proprietários, aparece nas representações dos indivíduos como algo
que sempre existiu e que faz parte da “ordem natural” das coisas. Marx e
Engels procuram mostrar, contudo, que essas representações servem ape-
nas aos interesses da burguesia, classe que efetivamente tinha acesso à pro-

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priedade privada, controlando por meio desta os meios de produção. No


entanto, por meio da ideologia, a burguesia acaba por impor o princípio da
propriedade privada como algo que serve ao interesse de toda a sociedade,
e não apenas à sua classe, perpetuando-se assim como grupo dominante.
Ao fazer com que o proletariado acredite que a propriedade privada é
algo natural e que deve, portanto, ser seu objetivo maior, a burguesia aca-
ba por garantir que os trabalhadores permaneçam sob seu domínio, sem
questionar a opressão a que são submetidos. É nesse sentido que os autores
definem a ideologia como uma “falsa consciência”: uma crença mistificante
socialmente determinada que se presta a estabilizar a ordem social vigente
em benefício das classes dominantes.
Por essa perspectiva, a superação da ideologia seria a única forma de
transformar a ordem estabelecida, uma vez que é sobre ela que se sustenta
o poder da classe dominante. E o único caminho para o rompimento do
proletariado com ideologia burguesa seria, ainda de acordo com os autores,
a tomada de consciência de classe, ou seja, a percepção de que os interesses
da classe dominante são contrários aos seus próprios interesses.
“Até hoje os filósofos interpretaram o mundo; cabe a nós transformá-
lo”, afirmou Marx em um pequeno escrito chamado “Teses sobre
Feuer-bach”. Com base neste princípio publicaram, em 1848, o
Manifesto do Partido Comunista, buscando justamente agir sobre o
mundo social por meio da convocação dos trabalhadores à tomada de
consciência sobre sua condição de classe.

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