FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE SÃO PAULO
A SABEDORIA NA TEOLOGIA DE PROVÉRBIOS
Davi C. Cardoso
SÃO PAULO
2023
Davi C. Cardoso
A SABEDORIA NA TEOLOGIA DE PROVÉRBIOS
Trabalho apresentado à disciplina de
Teologia do Antigo Testamento: Livros
Poéticos, Sapienciais e Proféticos como
requisito para avaliação semestral no curso
de Bacharel em Teologia da Faculdade
Teológica Batista de São Paulo.
Prof. Dr. Jonas Machado
SÃO PAULO
2023
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1
2 A SABEDORIA NA TEOLOGIA DE PROVÉRBIOS ...................................................... 1
2.1 SUA ESSÊNCIA ......................................................................................................... 2
2.2 SUAS EXPRESSÕES.................................................................................................. 2
2.3 SUAS FUNÇÕES ........................................................................................................ 3
2.4 SUAS MANIFESTAÇÕES ......................................................................................... 3
2.5 SUA ACESSIBILIDADE ............................................................................................ 4
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 6
1
1 INTRODUÇÃO
Em virtude da falta de estrutura explícita na organização de seu material — ao menos
não como aquela encontrada em textos narrativos — o livro de Provérbios poderia ser
considerado uma mera coleção de ditos perspicazes e contundentes sobre a diversidade de
experiências humanas. No entanto, o texto foi incorporado ao cânon não por ocasião de um
caráter utilitarista, mas por fornecer importantes instruções em harmonia com as declarações
presentes nos escritos fundantes do Antigo Testamento sobre a maneira correta de se portar no
mundo criado e sustentado pelo SENHOR. House (2005, p. 564) declara que “Provérbios
definitivamente é um manual para o viver apropriado sob o comando de Deus”. Com isso
concorda Merrill (2009, p. 602), que considera que Provérbios “é um manual do cidadão do
Reino”.
O papel e a importância da sabedoria recebem destaque no texto de Provérbios, sendo
ela “o meio fundamental de acesso a Deus e [...] o segredo de viver de forma a agradá-lo” (ibid.,
p. 602). Por essa razão, este trabalho busca avaliar a função da sabedoria como elemento
articulador das verdades teológicas apresentadas em Provérbios, bem como as categorias
amplas pelas quais ela se apresenta, a saber, sua essência, expressões, funções, manifestações
e acessibilidade.
2 A SABEDORIA NA TEOLOGIA DE PROVÉRBIOS
A sabedoria é o tema central do livro de Provérbios. Em vista disso, seu objetivo
teológico é prover orientação sobre como um membro do povo de Deus deve organizar sua vida
diante do SENHOR, dos demais membros da comunidade e do rei (MERRILL, 2009, p. 593).
Portanto, circunstâncias comuns da vida são abordadas com a finalidade de conduzir o povo de
Deus à maturidade (HOUSE, 2005, p. 562).
É necessário enfatizar que a sabedoria em Provérbios não é produto de reflexão
filosófica ou meditativa, mas se ancora na Lei e na observação de tudo o que pode ser conhecido
de Deus a partir das maneiras em que ele propõe revelar-se, tanto na natureza e na experiência
humana quanto na intersecção de todos esses elementos (MERRILL, 2009, p. 593-594). Isso
implica na compreensão de que “os seres humanos não podem tornar-se sábios somente pela
própria vontade” (HOUSE, 2005, p. 562).
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Em virtude da grande atenção dada à sabedoria em Provérbios, torna-se importante
compreender como seus atributos são distinguidos no livro e de que modo se relacionam com
Deus e com a vida humana.
2.1 SUA ESSÊNCIA
Provérbios não demora a afirmar que a sabedoria está fundamentada no temor do
SENHOR (1.7; v. tb. 9.10; 15.33). Além disso, a expressão ocorre outras sete vezes no livro,
o que demonstra sua relevância como elemento unificador do texto, indicando o meio que
viabiliza a sabedoria genuína. House (2005, p. 565) propõe que o temor do SENHOR é “a
força motriz da sabedoria”. A implicação basilar dessa declaração é que a sabedoria não é
obtida “pela educação, observação, filosofia nem pela introspecção, mas pelo
reconhecimento da soberania de Deus em todas as áreas da vida e a submissão a ela”
(MERRILL, 2009, p. 594). Por conseguinte, o âmago da sabedoria é relacionar-se pessoal
e intimamente com Deus, pois só ele é capaz de concedê-la (2.6).
Outra característica essencial da sabedoria é que ela está intimamente ligada à
conduta apropriada, uma vez que aqueles considerados sábios demonstram isso por meio
de um estilo de vida prudente (8.13; 10.27; 14.2,27).
Por fim, a sabedoria é retratada como o tesouro mais precioso que existe (3.13-15).
Ela deve ser objeto do mais alto esforço de um indivíduo, pois redunda em honra e glória
para aquele que a possui (4.7-9).
2.2 SUAS EXPRESSÕES
A sabedoria é expressa por meio da aceitação da instrução parental, do culto legítimo
e da ordem natural observada na criação (ibid., p. 595).
A instrução parental tem como objetivo levar um indivíduo a submeter-se à lei e,
como resultado disso, ter uma vida longeva, próspera e feliz (3.1-4; 28.19). É notável que
os termos hebraicos empregados em Provérbios para “lei” e “mandamento” são frequentes
em Deuteronômio, inclusive, algumas das orientações apresentadas no texto sapiencial
evocam diretamente instruções deuteronomistas (cp. Pv 6.21-22 com Dt 6.6-9; 11.18-20).
O culto genuíno também é uma área de expressão da sabedoria. Enquanto o SENHOR
ouve as orações do justo e atribui aceitação superior às suas obras do que a sacrifícios (21.3),
as ofertas apresentadas por perversos são tidas como espúrias, especialmente quando
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entregues dissimuladamente (15.8; 21.27). Portanto, assim como ocorre nos textos
proféticos canônicos, “também a sabedoria ensina que o mero ritual sem integridade interior
não tem valor [...]” (ibid., p. 595).
A ordem natural, isto é, a relevação geral, é outro veículo de expressão da sabedoria.
O preguiçoso, por exemplo, é aconselhado a considerar e aprender com o comportamento
da formiga (6.6-8). Outros animais, ainda que pequenos, são alvo de grande admiração nos
ditados de Agur (30.24-28). Merrill (ibid., p. 596) observa que esse tipo de sabedoria, isto
é, aquele coletado a partir da investigação do mundo criado, foi responsável por conferir
grande prestígio a Salomão (1Rs 4.31-34), pois seu exame das propriedades e
comportamentos que encontrou no mundo promoveu conclusões interessantes sobre a vida
comum.
2.3 SUAS FUNÇÕES
A sabedoria desempenha seu papel em duas dimensões: celestial e terrena (ibid. p.
596). Na dimensão celestial — ou divina — a sabedoria incorpora uma virtude facilitadora
da criação, vindo a ser um instrumento de que Deus lançou mão para organizar
estruturalmente a criação (3.19,20). Nesse quesito, Provérbios 8 apresenta uma sabedoria
personificada que afirma ter estado presente quando Deus criou tudo, e não somente na
qualidade de mera observadora.
Na dimensão terrena, a sabedoria promove e aprimora a vida. Aqueles que a obtém
são beneficiados com o favor divino, ao passo que os que a ignoram se apegam à morte
(8.35,36). Essa declaração demonstra de modo singular a origem divina da sabedoria.
2.4 SUAS MANIFESTAÇÕES
Na língua hebraica, “ideias e conceitos abstratos são comumente traduzidos no
gênero feminino” (ibid., p. 597). Por essa razão, o termo hebraico para “sabedoria” em
Provérbios (חָ כְ מָ ה, ḥāḵmā(h)) é feminino, tal como sua contraparte, a insensatez.
Logo no início do livro, a sabedoria se manifesta como aquela que clama nas ruas e
esquinas agitadas da cidade para que os inexperientes, zombadores e tolos passem a segui-
la e, vindo ao temor do SENHOR, encontrem paz, tornem-se prudentes, adquiram
entendimento, obtenham conselho e sejam capazes de julgar corretamente (1.20-33). Em
contexto distinto, ela se manifesta como uma anfitriã generosa que, após preparar uma
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refeição excelente em sua residência de aspecto régio, convida os inexperientes para
desfrutar de sua companhia e seu banquete livremente (9.1-6).
Outro modo de manifestação da sabedoria é por meio da fala adequada (ibid., p.
598). O sábio emprega corretamente as palavras; o insensato, por outro lado,
frequentemente articula colocações sem sentido ou que visam ao mal (11.9; 12.6). Portanto,
“a maneira de alguém falar e o assunto de que fala é um indicador acurado de sua sabedoria
ou falta dela e, portanto, de sua posição no Reino de Deus” (ibid., p. 599).
Por fim, a manifestação mais evidente de sabedoria está no caráter e no
comportamento. Ela pode ser sútil, tal como uma disposição interior (13.5), ou pública,
como uma atitude honrada perante a comunidade (11.11). As decisões do justo, expressas
em seu comportamento, são demonstrações de um estilo de vida em harmonia com a
vontade divina, resultando em bênção e estabilidade (4.18-19; 10.30; 12.3,7).
2.5 SUA ACESSIBILIDADE
Em Provérbios, a sabedoria está disponível por meio de três canais: a instrução
parental, a disciplina divina e a monarquia, que opera como extensão terrena do governo de
Deus sobre os homens (ibid., p. 600).
A família, sob liderança e tutela do pai e da mãe, corresponde à unidade mais básica
na hierarquia da administração divina, o que é enfatizado desde o início do texto de
Provérbios (1.8, 4.1-6). A sujeição respeitosa e o reconhecimento do papel divino dado aos
pais resulta em recompensa e bênção (23.24-25), no entanto, a recusa aos conselhos
parentais acarreta grande prejuízo pessoal (20.20; 30.17) e elevado grau de aflição aos
genitores (10.1; 17.21,25; 19.13,26; 28.7; 29.3,15).
A disciplina aplicada conforme os padrões divinos é outro veículo pelo qual a
sabedoria é promovida. Merrill (ibid., p. 600) afirma que “A raiz ysr e todas suas formas
[sic] cognatas têm que ver com orientação ou instrução e os meios de alcançá-la, incluindo
até mesmo a disciplina no sentido punitivo e também no sentido de correção [sic]”. Uma
vez que os insensatos desejam viver sem qualquer restrição ou limite (5.12; 12.1; 15.5), eles
desprezam a sabedoria e disciplina (1.7). Contudo, um estilo de vida desse tipo produz
desgosto (13.18; 15.32). Por essa razão, os filhos são exortados a obter sabedoria, disciplina
e discernimento (23.23, NVI), o que resulta em benção e deleite aos pais (29.17).
Finalmente, Provérbios dedica atenção à monarquia, apresentando-a como agente
do SENHOR para estabelecimento responsável, sábio e íntegro de seu governo na terra (ibid.,
5
p. 601). Os reis humanos são corregentes do Deus soberano e devem trabalhar em harmonia
com ele (24.21-22). Por isso, o membro da comunidade deve reconhecer o papel
divinamente atribuído aos reis, e estes devem estar cientes do limite de sua atuação,
discernindo seu papel sob a autoridade do SENHOR (ibid., p. 601).
O reino humano não pode ser caracterizado por autoritarismo, suborno, injustiça,
descontrole de pulsão sexual e inclinação à embriaguez (28.16; 29.4; 29.14; 31.3-4). Por
isso, aqueles que governam benevolentemente são capacitados por Deus para cumprir seu
papel real com excelência, reconhecendo as virtudes daqueles que os servem sabiamente
(14.35), aplicando a justiça com autoridade e discernimento (16.10; 20.8) e intuindo
impressionantemente (25.2,3).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sabedoria apresentada em Provérbios não é fruto da disposição humana em explorar
as potencialidades da realidade — física ou imaterial — ao seu redor, mas uma concessão divina
baseada em um relacionamento de obediência e submissão ao SENHOR.
Na esfera moral, ela capacita o ser humano a viver de modo agradável a Deus, à
comunidade humana geral e às autoridades divinamente constituídas, manifestando em suas
intenções, fala e comportamento uma ética orientada em torno da vontade de Deus para a vida.
Já na esfera do conhecimento geral, ela viabiliza a apreciação do poder divino revelado na
natureza e na organização do mundo como um todo constituído com finalidade de manifestar a
sabedoria e grandeza de Deus, mesmo nas peculiaridades da vida animal.
Igualmente, a sabedoria está fundamentada nas prescrições da Lei Mosaica e reconhece
a autoridade atribuída por Deus à família no que diz respeito à instrução e disciplina de filhos.
Seu apelo à observação das orientações e mandamentos parentais ecoa a ordem divina dada aos
israelitas ao final do período de peregrinação no deserto.
Além disso, a sabedoria qualifica líderes para o exercício justo da autoridade sob o
governo soberano de Deus, de modo que sejam hábeis na resolução dos dilemas inerentes à
administração pública e promovam a estabilidade do grupo sobre o qual estão encarregados.
Conclui-se, portanto, que a sabedoria bíblica é essencial para a conduta apropriada sob
o comando de Deus, pois ela credencia o indivíduo a tomar decisões sensatas, viver
virtuosamente e experimentar a bênção divina em todas as dimensões da existência humana.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA. Português. Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2000.
HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2005.
MERRILL, Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd Publicações, 2009.