Reflexões sobre a Bossa Nova, um Estilo Musical Eterno
By Welson Tremura
Resumo
O Brasil teve uma história singular de miscigenação, que levou o povo brasileiro a
uma jornada incessante em busca de uma identidade cultural e musical comum.
Esse é um processo onde as experiências culturais e a assimilação social prosperam,
reforçando a noção de que, através da diversidade regional, a música e as pessoas
se juntam em uma interseção efetiva de práticas musicais e ideologias. A bossa nova
na segunda metade da década de 1950 e início da década de 1960 veio expressar e
responder algumas dessas novas questões ideológicas, rompendo com os módulos
musicais anteriores e formulando uma nova estética. Este trabalho de pesquisa
apresenta as características musicais que conferem à bossa nova seu estilo
sofisticado e distinto. Explora ainda uma nova estética no Brasil e como a voz e o
violão formularam uma nova levada de violão ou batida diferente que transformaria
a música brasileira e pavimentaria o caminho para a inserção da bossa nova na
comunidade musical global. Como Irna Priore discute em seu artigo "Authenticity
and Performance Practice: Bossa Nova and João Gilberto" de 2008, "music cannot
be studied in a vacuum . . . music is a cultural and human product" ("a música não
pode ser estudada em um vácuo [...] a música é um produto cultural e humano").
Nesse contexto, a bossa nova é um marcador crucial e um novo símbolo para a
classe média, abraçando um momento histórico de modernização e visão de futuro,
uma transformação de uma perspectiva cosmopolita em aplicações conceituais e
uso de uma nova estética na música brasileira.
Introdução
Faz pouco mais de 50 anos que a "Bossa Nova" foi notada e reconhecida
como música brasileira. Enquanto há muitas discussões sobre como o Brasil se
apropriou desse estilo musical, todos concordam que o mesmo causou grande
impacto na comunidade global. Não mais vista como um estilo musical estritamente
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local, a bossa nova revelou uma linguagem musical temperada com elementos do
jazz norte-americano com um toque das tomadas conceituais do samba, tornando-
a parte de um cenário musical muito maior.
Conforme afirmado no artigo de Irna Priore "Authenticity and Performance
Practice: Bossa Nova and João Gilberto" de 2008, "bossa nova was considered elitist
(as it was produced by the upper middle class)" — "a bossa nova foi considerada
elitista (pois era produzida pela classe média alta)". De fato, essa nova trajetória
musical se desenrolou na zona sul do Rio de Janeiro, em contraste com o samba
existente que estava sendo criado nas favelas da cidade. Mais importante, a nova
música também respondia às necessidades de modernização do Brasil, um processo
criativo já em andamento. Mas a bossa nova não surgiu sem críticas. O estilo foi
rotulado de "falso fenômeno musical" pelo renomado bandolinista e compositor Jacó
do Bandolim e pela "velha guarda", por mudar a estética existente na época e
substituir e questionar a representação nacional já estabelecida pelo samba e pelo
choro. A nova estética era uma "reviravolta", um produto musical sofisticado de um
ambiente urbano.
Em um diálogo cronologicamente distante do início do movimento, o cantor
e compositor Carlos Lyra, cofundador do movimento bossa nova, declarou:
"A Bossa Nova estava destinada a viver pouco tempo. Era apenas uma forma
musicalmente nova de repetir as mesmas coisas românticas e inconsequentes
que vinham sendo ditas há muito tempo. Não alterou o conteúdo das letras.
O único caminho é o nacionalismo. Nacionalismo em música não é
bairrismo".
(Castro 1989:344)
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Sob a presidência de Juscelino Kubitschek, o Brasil de 1955 experimentou
um rápido crescimento econômico e uma mudança nas relações de classe das
décadas anteriores. Seu governo foi uma época fervilhante na história brasileira ao
levar adiante seus ideais de modernidade, incluindo a construção da nova capital
do Brasil, Brasília, com seu desenho arquitetônico moderno. Compelida por novos
princípios, uma sociedade multifacetada começou a emergir, rompendo com o
individualismo autoconsciente, inspirada pelo movimento avant-garde europeu.
Durante o governo de Kubitscheck, as oportunidades de emprego aumentaram
consideravelmente, e os cidadãos migraram das áreas rurais do Brasil para os
grandes centros urbanos. Na música, os compositores e os músicos estavam
experimentando, questionando e transformando a forma como a harmonia seria
utilizada, procurando formas de se adaptar aos sons do cool jazz, além de combiná-
lo com novas expressões musicais e variações do samba.
O Conceito
Nos estágios iniciais de desenvolvimento, os praticantes da bossa nova ainda
estavam conectados ao passado recente. Ao executar mais e mais essa nova música,
eles conseguiram construir uma fórmula musical baseada na adaptação e re-
contextualização desses novos valores sociais e musicais. A bossa nova não era
apenas um conceito baseado na reinterpretação do melancólico samba-canção, mas
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um avanço inovador e uma nova receita estética. Albrecht Moreno, em seu artigo
"The Significance of Bossa Nova as a Brazilian Popular Music" de 1982, afirma:
"Its innovative harmonic structure included dissonant tones and frequent key
changes; its melodies and bass lines were enriched with chromatic notes; its
rhythms were complicated, unexpected and yet typically Brazilian; the
interpretations were soft and intimate, definitely in an antimacho style; the
orchestras were small, frequently just a guitar, constituting a "less is more" or
"small is beautiful" simplicity; and the lyrics attempted a directness and a
sincerity that, despite their inherent sentimentality, escaped the mawkishness
that so frequently characterized the popular music of Latin America."
("Sua estrutura harmônica inovadora incluía sons dissonantes e frequentes
mudanças de tom; suas melodias e linhas do baixo eram enriquecidas com
notas cromáticas; seus ritmos eram complicados, inesperados e ainda assim
tipicamente brasileiros; as interpretações eram suaves e intimistas,
definitivamente em um estilo antimacho; as orquestras eram pequenas,
frequentemente apenas um violão, constituindo uma simplicidade do tipo
"menos é mais" ou "pequeno é belo"; e as letras tentavam uma franqueza e
uma sinceridade que, apesar de seu sentimentalismo inerente, escapavam da
pieguice que tão frequentemente caracterizava a música popular da América
Latina.")
Ao contrário do jazz, com seu estilo essencialmente harmônico, a bossa nova
era provocativa e enfatizava a melodia. Como resultado, o ritmo e o
acompanhamento harmônico tinham que acomodar a voz e produzir um som
intimista, destinado a mostrar uma organização perfeita e sem esforço de canto
espontâneo. Os cantores não mais precisavam de voz forte para interpretar as letras
da bossa nova. Era necessária uma voz mais calma e suave para realçar as palavras
e a poesia. O termo bossa nova surgiu pela primeira vez na letra da música
"Desafinado" de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça, gravada pela primeira
vez em 1958 por João Gilberto para o selo Odeon. Isso veio a ser reconhecido como
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a "new way" ("nova forma") ou o "new knack" ("novo jeito") que revolucionou a
música brasileira da época (Moreno 1982:130).
Além disso, a bossa nova alterou vários parâmetros estilísticos com sua
integração dinâmica de melodia, harmonia e ritmo enquanto desenfatizava o
vocalista como centro da atenção. Em vez de utilizar o tempo binário tradicional do
samba, uma sincopa diversificada e criativa foi colocada junto com o canto suave e
uma preferência pela doçura do violão de pinho. O acompanhamento da linha do
baixo servia para conectar ou mover a harmonia cromaticamente de forma que não
se notasse, ou para resolver as cadências musicais da forma tradicional, dando a
impressão de que a melodia estava sempre em busca de um final alternativo ou de
uma cadência surpreendente. O conjunto de bateria padrão era utilizado para o
acompanhamento, embora deixando de fora o bumbo e utilizando-se uma
vassourinha na caixa e no aro e tocando um padrão semelhante ao padrão das claves
encontrado em toda a América Latina. Para os ouvintes, mais acostumados com o
impulso rítmico do samba urbano ou o tom emocional do anterior samba-canção, a
bossa nova definitivamente proporcionou uma nova estrutura estética. De certa
forma, a bossa nova era um tipo de protesto indireto e um sinal de oposição às
gravações mais agressivas que dominavam as paradas de sucesso e as estações de
rádio da época.
Outras Características
Os cantores das décadas anteriores considerados "bons cantores" tinham que
projetar a voz e utilizar métodos semelhantes aos do "Bel canto", com técnica
impecável, pureza de vogais e grande extensão vocal. Esses cantores abordavam as
melodias com voz e vibrato muito sustentados comumente encontrados nas formas
musicais clássicas. O "cantar de peito" ou cantar com voz plena era um conceito
aplicado a cantores do período anterior ou "Era do Rádio". Da década de 1930 até a
década de 1950, as estações de rádio cobriam grandes áreas geográficas e eram a
única fonte de informações sobre a agenda política e cultural do governo.
Compositores da época incluem Carlos Braga (João de Barro), Lamartine Babo, Noel
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Rosa, Lupicínio Rodrigues, e cantores incluem Araci de Almeida, Linda Batista,
Ângela Maria, Carmem Costa, Emilinha Borba, Carmem Miranda, Aurora Miranda,
Heleninha Costa, Carmélia Alves, Ademilde Fonseca, Zezé Gonzaga, Dolores
Duran, Lenita Bruno, Jorge Fernandes, Orlando Silva, Francisco Alves, Silvio Caldas,
Ataulfo Alves, Nelson Gonçalves, entre outros (McCann 2004).
A "Enciclopédia da Música Brasileira" de 1998 define bossa nova como "uma
expressão que designa genericamente novo jeito de fazer alguma coisa". Também
lista Carlos Lira, Roberto Menescal, Silvia Teles, Alaíde Costa, Baden Powel, Ronaldo
Boscoli, Nara Leão, Luis Eça, e os irmãos Castro Neves como os criadores dessa
música. Alguns desses músicos tinham curiosidade de saber como soavam os
músicos de jazz norte-americanos e aprenderam ouvindo a guitarra de Barney Kessel
ou o trompete e os arranjos de jazz de Shorty Rogers. Muitas conjecturas envolvem
o significado de Johnny Alf como um dos criadores do estilo. De fato, devido à sua
suposta timidez, Alf passava a maior parte do tempo ouvindo discos (a música do
Nat "King" Cole Trio e do pianista inglês com fortes influências clássicas George
Shearing) e praticando novas habilidades técnicas em seu piano. No entanto,
algumas de suas primeiras gravações como "Rapaz de Bem" já misturam música
tradicional brasileira e são fortemente influenciadas pelos estilos e improvisações do
jazz americano do final da década de 1940 e início da década de 1950.
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Além disso, o guitarrista e violista Charlie Byrd excursionou no Brasil em 1961
e convenceu Stan Getz a gravar "Desafinado" no ano seguinte, apresentando assim
a "nova fase" da música brasileira aos Estados Unidos. De fato, em sua maioria, os
artistas internacionais não estavam familiarizados com a música e a cultura do Brasil,
mas ficaram fascinados por essa nova forma de fazer música. Note-se que os músicos
e compositores americanos nem sequer estavam tocando as versões brasileiras das
canções. Em vez disso, eles as estavam transformando em um novo estilo de bossa-
jazz, que misturava os elementos observados na bossa nova e os colocava no cool
jazz. Enquanto essa forma híbrida estava se desenvolvendo nos Estados Unidos, três
indivíduos no Brasil são creditados como líderes do estilo: Antônio Carlos
“Brasileiro” Jobim ou apenas Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto.
Embora esses artistas não tenham protestado abertamente contra os padrões musicais
anteriores, João Gilberto é identificado como a pessoa-chave que realmente criou a
bossa nova e a tornou famosa, indiretamente se afastando das normas anteriores. O
artigo de Irna Priore "Authenticity and Performance Practice: Bossa Nova and João
Gilberto" analisa ainda algumas das primeiras gravações da bossa nova e explora
como Gilberto atrasava seus ritmos de violão e dissonância métrica deslocando o
canto no sentido agógico e seu uso da melodia e da letra, uma acomodação que lhe
permitia realizar uma versão elástica-métrica dessa delicada textura musical.
O violão e a voz de João Gilberto
Talvez a maior contribuição de João Gilberto para o estilo tenha sido as
divisões rítmicas e melódicas que ele criou, entrelaçado com sua voz suave e quase
sussurrante, criando uma textura única com seu acompanhamento de violão. Suas
interpretações nunca eram clichês, sempre combinando e trocando diferentes
estruturas rítmicas. Ele cantava simultaneamente a frase melódica com base em um
contorno diferente ou uma figura rítmica da linha vocal, enquanto também utilizava
um violão sincopado. Essa prática, mais tarde chamada de "violão gago", tornou-se
padrão na forma como ele se acompanhava, um estilo que outros músicos tentaram
copiar. A técnica de violão de Gilberto destinava-se a colocar o acompanhamento
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de acordes entre as sincopas da melodia, sem nunca repetir o mesmo
acompanhamento, uma nova ideia que iria alterar o tradicional padrão constante do
samba. O acompanhamento da mão direita do violão está principalmente imitando
ou "repensando" os instrumentos de percussão do samba, como o tamborim ou o
surdo implícito, em uma linha de tempo imaginária e constante. Sua abordagem
vocal é leve e mais suave, com uma textura quase de instrumento do cool jazz. De
certa forma, a melodia estava utilizando o acompanhamento percussivo do violão
para sugerir um samba mais delicado.
Além disso, a bossa nova no jazz criou um subgênero permanente. Paul
Winter, jovem saxofonista da época, disse que, ao contrário do som pesado do
bebop, a bossa nova oferecia algo refrescante: uma voz suave, um som delicado e
uma bela harmonia. Mas também importante, Winter declarou, "The guitar was not
something that was part of our universe, and here was someone doing all this magic
in the classical guitar. João Gilberto was a kind of prophet" — "O violão não era algo
que fazia parte do nosso universo, e aí estava alguém fazendo toda essa magia no
violão clássico. João Gilberto era uma espécie de profeta" — (McGowan, Chris e
Pessanha 2009:69). Assim, talvez a influência mais forte da bossa nova no jazz seja
o uso do violão, que também foi utilizado por Winter e Luiz Bonfá, o aclamado
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violonista brasileiro nos Estados Unidos. O acréscimo do violão a esses novos
repertórios foi inovador em toda parte. Nesse período, ele era visto como um
instrumento das ruas e nem sempre foi aceito como instrumento musical "legítimo".
Além disso, o violão nos Estados Unidos simplesmente não fazia parte dos grupos
de jazz e seria impensável incluí-lo como o fez João Gilberto. Novamente, é evidente
que Gilberto foi realmente revolucionário ao promover esse novo desenvolvimento
com o violão.
Características da Bossa Nova
Em referência ao artigo de Priore e à contextualização da "bossa nova e João
Gilberto" e seu argumento de que os cantores anteriores à bossa nova estavam
principalmente preocupados com articulações pesadas e frases rubato, este autor
sugere que cantar bossa nova também exigia um novo estado de espírito,
relacionado aos aspectos improvisatórios e livres do jazz. Algumas das práticas
musicais ligadas à bossa nova eram sobre uma nova estética e o manejo de conceitos
e teoria musicais. Em alguns círculos jazzísticos, compor uma melodia de jazz
significava criar uma estrutura harmônica capaz de infinitas variações melódicas, o
que não é visto da mesma forma na bossa nova.
"Desafinado" é o título de uma canção da bossa nova composta por Antônio
Carlos Jobim, com letra de Newton Mendonça. Essa canção rendeu a Stan Getz o
Grammy de Melhor Performance de Jazz em 1963. A melodia é estática e a harmonia
serve para enriquecer a experiência. Também utiliza uma "nota triste" alternada em
sua linha melódica para criar uma quarta aumentada (trítono). A harmonia original
de Tom Jobim está mais próxima do jazz em sua morfologia, mas não em sua função
harmônica.
Os músicos de jazz frequentemente acham que é muito desafiador improvisar
na bossa nova; a melodia é autossuficiente, complexa e não precisa de nenhum
material melódico adicional. Além disso, re-harmonizá-la ou rearranjá-la pode ser
redundante. Não se pode dizer que a voz de João Gilberto é apoiada pela harmonia
do acompanhamento. Muitas vezes, é o contrário; o acompanhamento seguindo a
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mensagem da voz que expressa essas melodias sem vibrato vocal e sem detalhes
excessivos sobre o que foi dito ou sobre a mensagem da canção. Costuma-se ouvir
a voz atrasando sua entrada melódica e o violão antecipando a harmonia para
sugerir e criar uma sincopa, produzindo assim uma frase ou sensação musical que
poderia ser chamada de disjuntiva.
A bossa nova também utiliza a língua "portuguesa falada" no texto como ela
é utilizada no Brasil em conversas sensuais e declarações de amor, "mansa e
suavemente". A relação do fluxo do texto com a melodia, harmonia e ritmo é criada
para, ao mesmo tempo, explorar e provocar uma rica levada rítmica. Ao criar novos
repertórios, os compositores também prestam atenção a certas tonalidades e ao uso
da melodia combinada com o acompanhamento harmônico para criar uma
dissonância "desejada". Como examinamos anteriormente, o violão frequentemente
toma seu acompanhamento emprestado da seção rítmica do samba. O polegar da
mão direita é utilizado como linha do tempo e para insinuar o "surdo", com os outros
dedos reproduzindo a movimentação rítmica dos instrumentos de percussão do
samba (Moreno 1982:134).
Para se conseguir o acompanhamento adequado, ambas as mãos produzem
o conceito do "violão gago", que é a marca registrada de João Gilberto. Além disso,
a música da bossa nova tem uma natural preferência por tonalidades mais baixas,
voz suave e sem vibrato, enfatizando notas diferentes e harmonia alternativas
tocadas no violão, como nonas aumentadas, décima terceira bemol, acordes meio-
diminutos e baixo alterado. A ideia de suspensão temporal também está presente à
medida que as frases melódicas avançam.
Na sempre popular "Garota de Ipanema" de Tom Jobim, na qual Stan Getz
sola após os vocais sussurrantes de Astrud Gilberto, que não era cantora profissional
na época e teve que ser convencida a interpretar a canção em inglês, a melodia é a
essência da palavra falada e segue seu significado e sentido. A letra da canção
começa falando sobre uma linda garota que caminha para a praia todos os dias (Olha
que coisa mais linda…). Na seção B (Ah, porque estou tão sozinho...), a melodia
muda suas emoções, passando da felicidade e do deslumbramento para a tristeza e
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o anseio. Cada um dos três versos da ponte modula para acrescentar ainda mais
anseio à canção. Ao retornar à seção A, o tema muda mais uma vez e volta à
intenção original. Esses tipos de modulações são característicos e demonstram como
Tom Jobim trabalhava com as modulações cromaticamente, o que distingue suas
composições de outros tipos de modulações encontradas no jazz norte-americano
(Murphy 2006: 36-46).
Conclusão
Essas características da bossa nova maravilharam e intrigaram o público
brasileiro e mundial ao transgredirem práticas anteriores além de introduzirem e
promoverem novas experiências sociais na cena musical nacional e internacional.
A bossa nova trouxe a sofisticação de uma classe despreocupada e privilegiada do
Rio de Janeiro que sonhava com "o amor, o sorriso e a flor", título do segundo álbum
de João Gilberto em 1960. Enquanto a bossa nova mudou a percepção mundial de
música, ela não refletiu nem mudou a realidade do Brasil, que incluía outras
tradições musicais de subculturas regionais, além da luta das classes sociais mais
baixas que viviam nas áreas de favela ao lado dos bairros de Copacabana e Ipanema
onde a bossa nova surgiu.
A relação especial que a bossa nova teve com o jazz norte-americano levou
à criação de um estilo musical que não é nem uma imitação do jazz nem uma
transformação do samba, mas uma interação de ambos em um nível diferente que
beneficia mutuamente a soma. No fim das contas, a bossa nova contribuiu
imensamente para o desenvolvimento de uma identidade brasileira sui generis,
sugerindo uma ligação mais próxima com o amor e a beleza de forma quase utópica.
A bossa nova foi fundamental na reconstrução da identidade brasileira não apenas
dentro das fronteiras do Brasil, mas também em termos da percepção geral do Brasil
em outros lugares. O estilo influenciou artistas no Brasil que mais tarde se tornaram
líderes da MPB e outros estilos musicais brasileiros subsequentes.
Após a grande popularidade da bossa-jazz nos anos sessenta, a música foi
canibalizada e reinterpretada por muitos artistas como Ella Fitzgerald, Elvis Presley,
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Coleman Hawkins, Curtis Fuller e Ray Charles. É curioso que o álbum "Big Band
Bossa Nova" de Quincy Jones produziu a canção "Soul Bossa Nova" que mais tarde
reapareceria como a canção-tema das populares comédias de Austin Powers com
Mike Myers. A verdadeira integração da bossa nova com a cultura popular
americana não apenas transformou os elementos musicais discutidos neste trabalho,
mas também absorveu culturalmente a mesma sofisticação que se iniciou no Brasil.
A bossa nova continua a reverberar nas mentes de seus ouvintes como uma resposta
objetiva a práticas anteriores, um verdadeiro e revolucionário estilo musical.
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Homem de Mello, Zuza. 2008. “Eis Aqui a Bossa Nova”. Editora WMF Martins
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