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Uma Análise Da Trajetória Social e Política Da Dinastia Qing e Das Guerras Do Ópio (1839-1860)

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS

Thiago Sousa Silveira


Yago Capellini Camara

Uma análise da trajetória social e política da Dinastia Qing e das Guerras do Ópio
(1839-1860)

Santos
2021
Thiago Sousa Silveira
Yago Capellini Camara

UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA SOCIAL E POLÍTICA DA DINASTIA QING E


DAS GUERRAS DO ÓPIO (1839-1860)

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado para a obtenção do grau de
educador no Curso de graduação de
Licenciatura em História, da Universidade
Católica de Santos.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Rei Coronato.

Santos
2021
Agradecimentos

Antes de mais nada, gostaríamos de agradecer aos nossos respectivos pais,


que se esforçaram por toda nossa vida e nos ofereceram o alicerce necessário para
que pudéssemos estar aqui nesse momento crucial de nossas vidas, e que eles
fazem questão de estar nos observando orgulhosos e ainda sim protetores.

Gostaríamos de agradecer aos nossos amigos e parentes, principalmente aos


membros da “Ordem”, como gostamos de nos chamar, pelo apoio e pela amizade
sincera e duradoura.

Ao nosso orientador, Prof. Dr. Daniel Rei Coronato, que nos instruiu com
paciência e maestria, e acreditou que poderíamos alcançar nosso real potencial
neste projeto, mesmo sendo tão desafiador. Graças ao Professor Coronato,
pudemos adquirir tamanha responsabilidade e valorização da busca por fontes onde
nem sequer imaginaríamos que poderia ter. Agradecemos também ao seu
companheirismo para com a nossa dupla, nunca deixando de ser lembrado, fazendo
questão de imortalizar nessa monografia.

E para a pessoa que provavelmente mais no auxiliou nessa empreitada…


aquela que não apenas nos ajudou em toda a formatação, que modéstia parte ficou
impecável, mas sendo uma das pessoas mais importantes na vida do integrante
Thiago. Damos aqui os nossos mais sinceros agradecimentos para Jennifer Guedes.
Resumo

A China já nem sempre foi uma república, a menos de dois séculos seus
territórios eram conhecidos como Império do Meio, esta monografia tem como
objetivo abordar sobre a última dinastia chinesa, Qing, de sua origem até seus
momentos finais durante a intromissão e tomada por parte dos europeus, em
especial os britânicos com o tráfico de ópio. Uma a análise da trajetória social e
política da Dinastia Qing/Manchu e das Guerras do Ópio. Essa pesquisa pretende
ser sujeita de fontes documentais examinadas em sites de cunho acadêmico e nas
áreas digitais de dissertações e teses de outras universidades. De tal modo, a
pesquisa será qualitativa e bibliográfica. Será qualitativa uma vez que priorizará a
compreensão dos dados de forma qualitativa.

Palavras- Chave: Império; Ópio; Qing.


Abstract

China was not always a republic, less than two centuries ago its territories
were known as the Middle Kingdom, this monograph aims to address the last
Chinese dynasty, Qing, from its origin to its final moments during intromission and
taken by part of the Europeans, especially the British with the opium trade. One
Analysis of the social and political trajectory of the Qing/Manchu Dynasty and the
Opium Wars. This research intends to be the subject of documentary sources
examined on academic websites and in the digital areas of dissertations and theses
from other universities. In such a way, the research will be qualitative and
bibliographical. It will be qualitative as it will prioritize the understanding of the data in
a qualitative way.

Keywords: Empire; Opium; Qing.


Sumário
Introdução 1
Capítulo 1 - Ásia nos séculos XIX-XX. 2
1.1 Imperialismo europeu na Ásia. 2
1.2 O Imperialismo britânico na Índia. 8
1.3 Japão: O Imperialismo do Sol Nascente 14
1.4 As ilhas do Sudeste Asiático. 19
1.5 Cemitério de Impérios: Uma análise da cultura do Ópio no Afeganistão. 22
Capítulo 2 – Qing/Manchu: De conquistadores a imperadores de uma dinastia. 24
2.1 As Revoltas Populares e Rebeldes. 25
2.2 As Origens e Consolidação. 25
2.3 O Mandato do Céu no conceito de dinastia. 29
2.4 Os aspectos culturais e filosóficos da China Qing. 31
2.5 A Era de Ouro dos Imperadores: Kangxi, Yongzheng e Qianlong. 34
2.6 O Rendimento Econômico do meio Imperial. 37
2.7 A Hierarquia Vivente. 39
2.8 O Tratado de Nerchinsk: O Conflito Cultural. 41
Capítulo 3 – De tempos turbulentos a um novo horizonte. 42
3.1 Ópio e a China. 42
3.2 A Comissão Macartney. 50
3.3 A Relação Comercial e Guerra contra as Drogas. 54
3.5 O Tratado de Nanquim. 68
3.6 A Segunda Guerra do Ópio (1856-1860). 70
3.7 A Reforma dos Cem Dias e a Revolta dos Boxes. 72
3.8 A queda do império do meio. 77
Considerações Finais 84
Referências Bibliográficas 85
Lista de Figuras

Figura 1 - Imperialismo na Ásia ................................................................................... 6


Figura 2 - Charge sobre o Imperialismo na China, 1898 ............................................. 7
Figura 3 - Vasco da Gama perante o zamorim de Calicute, 1498 ............................. 10
Figura 4 - Mapa da Conquista Britânica na Índia em 1753-1858 ............................... 13
Figura 5 - A chegada do Comodoro Perry no Japão em 1853 .................................. 15
Figura 6 - O Imperialismo japonês 1870-1942........................................................... 17
Figura 7 - As Índias Orientais Holandesas em 1818.................................................. 20
Figura 8 - As Filipinas sob a dominação espanhola (1521–1898) ............................. 21
Figura 9 - Mapa do Império Qing ............................................................................... 24
Figura 10 - Estreito de Anián ..................................................................................... 26
Figura 11 - Mapa da China, 1636 .............................................................................. 27
Figura 12 - Chineses fumando ópio........................................................................... 48
Figura 13 - Funcionários e Mandarins fumando ópio ................................................ 48
Figura 14 - Kit de ferramentas para fumar ópio ......................................................... 49
Figura 15 - Cachimbo chinês de ópio ........................................................................ 49
Figura 16 - Lâmpada de ópio .................................................................................... 50
Figura 17 - Mapa da rota feita pela Comissão Macartney em 1793 .......................... 51
Figura 18 - Esboço do primeiro encontro de Macartney com Qianlong, por William
Alexander. O menino à direita é George Staunton, de onze anos, que impressionou
o imperador pela fluência em chinês. ........................................................................ 53
Figura 19 - A Alfândega de Guangdong .................................................................... 54
Figura 20 - As Treze Hongs em Guangzhou ............................................................. 57
Figura 21 - Anúncio de Chá Inglês. ........................................................................... 58
Figura 22 - Vendas inglesas de ópio para China ....................................................... 60
Figura 23 - A Destruição de ópio em Humen, supervisionada por Lin Zexu .............. 62
Figura 24 - Retrato de Lin Zexu, autor desconhecido, óleo sobre a tela (Esquerda) e
Decreto Imperial nomeando Lin Zexu como comissário imperial para liderar a
Marinha de Guangdong e suprimir o comércio de ópio (Direita)................................ 63
Figura 25 - O navio a vapor Nemesis da Companhia das Índias Orientais (fundo à
direita) destruindo juncos de guerra chineses durante a Segunda Batalha de
Chuenpi, 7 de janeiro de 1841................................................................................... 67
Figura 26 - Navios britânicos atacando uma bateria chinesa no Rio das Pérolas
durante a primeira Guerra do Ópio, 1841 .................................................................. 68
Figura 27 - Rescaldo da Batalha do Forte Taku, 21 de agosto de 1860 .................... 71
Figura 28 - Revolta dos Boxes .................................................................................. 76
Figura 29 - Sun Yat-sen, proclamador da república e primeiro presidente da China.
................................................................................................................................. 80
Figura 30 - Chiang Kai-shek, Presidente da República da China, de forma
intermitente, de 1928 e 1949, e depois de Taiwan de 1950 a 1975 .......................... 82
Figura 31 - Mao Tse-tung proclamando a fundação da República Popular da China
em 1 de outubro de 1949 em Pequim........................................................................ 83
1

Introdução

No primeiro capítulo será introduzido como eram os cenários e territórios da


Ásia Oriental durante os séculos XVIII-XIX, mas não deixaremos de abordar sobre
suas fundações que remetem desde o século XVI. O intuito deste capítulo é fazer
uma breve análise de o quão rica a História da Ásia pode, que embora trazemos
alguns detalhes, não será tão profundamente explorado como a China Qing nesta
monografia. Viajaremos desde as Índias Britânicas até as ilhas indonésias sobre
domínio da coroa espanhola.

No segundo capítulo, contaremos como a Dinastia Qing/Manchu se


concretizou de um povo estrangeiro aos olhos dos conservadores confucionistas
para um dos impérios, mais prósperos e eficazes da história da China e do mundo
nos séculos 17-18. Veremos também neste capítulo o surgimento da ideia de
“Dinastia” na China avaliando o famigerado “Mandato do Céu” as margens do Rio
Amarelo e Yangtzé e avaliaremos os aspectos culturais chineses que hoje são
conhecidos e admirados por inúmeras pessoas ao redor do globo como o
nascimento da escrita, das correntes filosóficas do Confucionismo e do Taoísmo e
da rota da seda.

No capítulo final entraremos na culminância do embate entre a China


dinástica com o Império Ocidental Britânico da discordância cerimonial e tradicional
entre a corte imperial e o diplomata britânico, Lord MacCartney e seus
representantes que se recusam a se prostrarem no chão (Kowtow) com a premissa
que o único no qual se deve lealdade é Vossa Majestade, O Rei Jorge III. Após
décadas comerciais conflitantes, o Império de Sua Majestade decide reagir ao
utilizar o tráfico de ópio dentro do território chinês o que acarretaria as duas Guerras
do Ópio, demonstrando assim, a primeira crise social e diplomática durante a
Dinastia Qing/Manchu.

Estudar História da Ásia tem se mostrado uma tarefa com grandes


dificuldades, por conta da escassez de material acadêmico de origem nacional e por
conta de nossas raízes culturais europeias (ocidentais). Um dos princípios para a
escolha do tema para essa monografia, se deve pelo sumo interesse e pela
2

valorização da historiografia asiática, focando especificamente na história da última


dinastia chinesa, devido ao período conturbado que nos encontramos.

Capítulo 1 - Ásia nos séculos XIX-XX.

No presente capítulo, o leitor será levado por uma viagem pela história
riquíssima do continente asiático, desde a base do que foi o imperialismo e o
neocolonialismo presentes e seus diferentes impactos nos impérios que ali
abrigavam. Desde a Índia como um farol pela busca de especiarias, seguindo do
Japão que mudará a balança do poder de submisso para imperialista e se avançara
para os territórios além do mar do sol nascente e iremos também incluir a parte
envolvendo as ilhas do sudeste asiático, que embora pouco estudadas, possuem
uma narrativa histórica digna de ser analisada e compreendida.

1.1 Imperialismo europeu na Ásia.

O continente asiático sempre foi um alvo de fascinação para os olhos dos


reinos pertencentes a Europa. Durante incontáveis anos, histórias eram narradas em
torno deste ambiente totalmente mistificado, repleto de temas envoltos de mistérios
acerca da busca para desbravar o paraíso ou o enriquecimento comercial e
territorial.

As coroas europeias tinham suas próprias ambições para as explorações


ultramarinas. Um exemplo era o reino de Portugal, que ansiava pelas especiarias,
marfim e pedras preciosas no Oriente. Mitos e lendas foram criados, como o lendário
Reino de Preste João, uma terra abastada e poderosa na Etiópia, habitada por seres
nunca vistos e lendários. (GOMES, p.2, 2011)

Narrativas sobre este e outros lugares além do horizonte eram trazidas para a
Europa por viajantes, peregrinos e comerciantes, um dos pilares para o
planejamento de viagens e empreitadas realizadas pelas cortes europeias.

A cultura europeia se encontrava nessa ocasião envoltas de evocações


orientais. Estas evocações contribuíram para a instituição de um corpo de ideias
imposto que se denomina Orientalismo. Segundo o crítico Edward Said (1935-2003),
3

o Orientalismo segue sendo um dos temas mais polêmicos mesmo atualmente com
relação ao continente asiático, que se resume a distinção discriminatória e
epistemológica entre Oriente e Ocidente.

O termo orientalismo é utilizado para definir teoricamente a produção histórica


e cultural de todas as sociedades que não se encontram no contexto da cultura
europeia. Foi popularizado no século XVIII através de movimentos intelectuais como
o Iluminista. Nele se difundiu a ideia do Islã como uma crença de despotismo e
crueldade. O pensador Voltaire, por exemplo, associou Maomé ao fanatismo. Mas,
foi durante o século XIX que o Orientalismo se institucionalizou e serviu como
ferramenta legitimadora da dominação ocidental baseado no discurso da ‘missão
civilizadora’ e redenção dos povos primitivos. (GOMES, p.3, 2011)

Said (2007), assim como a Sinologia e a Indologia, colaborou para a revisão


da fala sobre o Oriente e, de como o Ocidente modelou um espectro distorcido do
Oriente como um outro diferente. Entretanto, políticas unilaterais do governo norte-
americano, acontecimentos como o 11 de Setembro e a mídia global, reforçam uma
visão preconceituosa sobre o Oriente como um todo e especificamente sobre o
Oriente Médio.

Mas, como seria esta visão acerca de temas que tratam da Ásia como, por
exemplo, o Neocolonialismo e Imperialismo? Haveria um tom orientalista e
eurocêntrico sobre o estudo os povos do Oriente? (GOMES, p.3, 2011)

Houve vários debates historiográficos sob o Imperialismo e Neocolonialismo,


o Capitalismo, principalmente focado na chamada Segunda Revolução Industrial,
são apresentadas como contexto para abranger esse processo de dominação no
século XIX. Bruit (1994, p. 5), determina o Imperialismo como “um conjunto de
processos que levou os países industrializados a penetrar, controlar e dominar
vastas regiões do mundo”. O autor parte da definição clássica de Lênin sobre
Imperialismo, exibida em seu livro publicado em 1916, “O imperialismo, etapa
superior do capitalismo”. Nessa obra, segundo Lênin o imperialismo é:

Um capitalismo na fase de desenvolvimento, quando tomou


corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro,
quando ganhou significativa importância a exportação de
capitais, quando se iniciou a partilha do mundo pelos trustes
4

internacionais e terminou a repartição de toda a terra entre os


países capitalistas mais importantes. (LÊNIN, 1994, p.5)

Esta extensão econômica oferecida ao processo de dominação europeia no


século XIX, adquiriu forças e se solidificou depois de diversos debates entre os
estudiosos que, segundo Hobsbawn (1998), denominou-os de observadores
ortodoxos e heterodoxos.

Os observadores ortodoxos pensavam discernir, em termos


gerais, uma nova era de expansão nacional na qual os
elementos políticos e econômicos já eram claramente
separáveis e o Estado desempenhava cada vez mais ativo e
crucial tanto a nível interno como externo. Os observadores
heterodoxos analisaram o período mais especificamente
como uma nova fase de desenvolvimento capitalista,
decorrente de várias tendências nele discerníveis.
(HOBSBAWN, 1998, p. 91-92)

Hobsbawn afirma que em meio os observadores mais heterodoxos a análise


mais atuou e que mais contribuiu foi a de Lênin em 1916 em seu livro
“Imperialismo”. O autor então reforça que o colonialismo mesmo sendo uma das
características mais comum das questões mundiais, foi, sem dúvida, o mais
significativo para o final do século XIX.

Ele consistiu o ponto de partida de análises mais amplas, pois


não há dúvida de que a palavra “imperialismo” passou a fazer
parte do vocabulário político e jornalístico dos anos 1890, no
decorrer das discussões sobre a conquista colonial... Eis por
que são inúteis as referências às antigas formas de expansão
política e militar em que o termo é baseado. Os imperadores
e impérios eram antigos, mas o imperialismo era novíssimo.
(HOBSBAWN, 1998, p. 92)

O Imperialismo, segundo Bruit (1994, p. 14), amalgamou elementos


econômicos, políticos, racistas e sociais do século XIX, entretanto, em todos os
casos, o fator responsável foi a expansão em escala mundial das relações
capitalistas de produção. A ideia de Imperialismo e Neocolonialismo são, muitas
5

vezes, associados ou diferenciados, mas tratando do mesmo processo, tornando-se


meios de expansão e conquista, que assumem formas diversificadas conforme a
região e a potência dominadora. Segundo Mesgravis:

Os dois termos são geralmente usados para designar uma


política sistemática de obtenção de colônias e ampliação de
riqueza, poder e influência sobre outros povos. Para alguns
estudiosos o termo imperialismo deve ser usado somente
para a fase final do colonialismo, quando o principal objetivo
é, sobretudo, o de exportação de capitais sob a forma de
empréstimos financeiros. (MESGRAVIS, 1994, p.4)

O historiador indiano, Panikkar (1977), que estudou os 450 anos das


atividades europeias na Ásia, em seu livro “A dominação ocidental na Ásia”, defende
o conceito que exista uma unidade fundamental no procedimento de dominação
sobre a Ásia, que não surge devido a grande quantidade de obras para a história de
cada país. A unidade desse processo também é disfarçada pela situação da Grã-
Bretanha na Índia. Assim, “isolar de tal modo a questão da Índia inglesa do conjunto
das questões asiáticas significava estar condenado desde logo a nada compreender
da Ásia”. (PANIKKAR, 1977, p. 27),

As primeiras motivações comerciais dos ibéricos eram a criação de uma nova


rota para o leste, que iria substituir a Rota da Seda, dividida pelo expansionismo islã,
que passou a controlar o Mediterrâneo e os estreitos que conduzem ao Mar Negro.
Logo se encontra outras justificações econômicas, nas fartas e atrativas riquezas do
Novo Mundo (América), nas mais conhecidas especiarias do continente africano e
na costa do Sul da Ásia. Traçando um paralelo, os anseios de expansão territorial.
6

Figura 1 - Imperialismo na Ásia

Fonte: PARKER, Geoffrey, 1997.

Do mesmo modo, as antigas culturas da Índia e da China foram submetidas a


processos que percorreram mais de um século. Grande parte da Ásia sucumbiu
perante o domínio predominantemente europeu, embora os Estados Unidos
adotassem ações expansionistas pelo mar, enquanto a Rússia czarista continuava
seu expansionismo continental secular, propagando sua influência em um raio
descomunal de suas fronteiras na Europa Oriental, os Bálcãs, sendo os limites do
decadente Império Otomano, Ásia Central, regiões que fazem fronteira com a China
e territórios insulares vizinhos do Japão.
7

Figura 2 - Charge sobre o Imperialismo na China, 1898

Fonte: MEYER, Henri, Le Petit Journal, 1898.

Essa divisão do mundo está representada na charge de Henri Meyer,


publicada no Le Petir Journal (1898). Nessa inconografia clássica do período, a
imagem demonstra as principais potências imperialistas partilhando fatias do que
parece ser uma torta ou uma pizza, onde se lê em inglês "China". Sentados à mesa,
da esquerda para a direita, vemos a rainha Vitória (representando a Inglaterra), o
kaiser Guilherme II (Alemanha), o czar Nicolau II (Rússia) e o imperador Mutsuhito
(Japão). Os três primeiros seguram facas, enquanto o imperador japonês, sem
possuir uma faca, apenas observa a partilha com um olhar apreensivo. Mutsuhito
parece aguardar "pelas sobras" da torta/pizza. Atrás do czar Nicolau II, a França é
representada por uma mulher que usa na cabeça o "barrete frígio" - símbolo criado
na época da Revolução Francesa -, e que também parece aguardar o processo de
divisão da China. Ao fundo, a China é representada por um velho que ergue os
braços em desespero e impotente diante da ação das potências imperialistas.
8

Pode-se afirmar, categoricamente que o neocolonialismo era “uma pedra


amarrada ao pescoço das nações desenvolvidas que o praticam” (N’KRUMAH,
1967) Se não conseguissem subjugá-lo, eram assolados.

Ademais, anteriormente, as potências desenvolvidas poderiam burlar as


contestações do neocolonialismo, oferecendo lugar para o colonialismo direto.
Tamanha solução não era mais possível e suas razões foram bem exploradas por
Mr. Owen Lattimore, o perito dos Estados Unidos no Extremo Oriente e conselheiro
de Chiang Kai-Shek no período imediatamente posterior à guerra. Owen havia
escrito:

A Ásia, que foi tão fácil e rapidamente subjugada por


conquistadores nos séculos XVIII E XIX, demonstra uma
impressionante capacidade para resistir aos exércitos
modernos, equipados com aeroplanos, tanques, veículos
motorizados e artilharia móvel. Antigamente, grandes
territórios eram conquistados, na Índia, com pequenos
contingentes. Os rendimentos, inicialmente pelo saque,
depois por impostos diretos e finalmente através do comércio,
inversão de capitais e exploração ao longo prazo, cobriam
com incrível rapidez os gastos com operações militares. Essa
aritmética representava uma grande tentação para as nações
fortes. Agora têm pela frente uma nova aritmética, que os
desencoraja. (N’KRUMAH, 1967)

1.2 O Imperialismo britânico na Índia.

O oceano Índico ao longo da história sempre foi uma área marítima de


intenso comércio. Desde épocas longevas, as embarcações indianas cortavam o
mar da Arábia até os portos do Mar Vermelho, além do fato que mantinham estreitas
relações comerciais e culturais com o Egito, Israel e demais nações do Oriente.
(PANIKKAR, p.41, 1954)

Muito antes de Hipalo1 revelar aos romanos o segredo das monções, os


indianos já souberam utilizá-las para chegarem ao estreito de Bab al-Mandab Strait2.

1 Hipalo ou Hippalus foi um navegador, cartógrafo, geógrafo e meteorologista que viveu no séculos II
e III aC. Mais conhecido por suas viagens na Arábia e na Índia, além de ser um pioneiro na
meteorologia. Suas viagens ajudaram muito o Império Romano a expandir seu comércio com o
mundo oriental. Embora ele seja mencionado nas obras de Ptolomeu, Estrabão e Plínio, a posição de
Hipalo na história não é totalmente apreciada.
2 Estreito entre a Arábia (nordeste) e a África (sudoeste) que conecta o Mar Vermelho (noroeste) com
o Golfo de Aden e o Oceano Índico (sudeste). O estreito tem 20 milhas (32 km) de largura e é dividido
9

Em direção ao leste já haviam ido até Bornéu; possuíam, havia mais de dois mil
anos, colônias prósperas em Malaca, nas ilhas da Indonésia, no Camboja, em
Champá e em outras regiões costeiras. Em conclusão: a herança marítima era um
fator constante da história hindu. Nem sequer as especiarias, tão cobiçadas na
Europa e que tanto despertaram a atenção dos ocidentais, eram produzidas na
Índia; entretanto, é correto definir que sempre partiam dos portos indianos para
tomar rumo através do mar Vermelho. (PANIKKAR, p.41, 1954)

A Índia era essencialmente o país da pimenta e do cardamomo; o cravo, a


moscada e outras populares especiarias eram oriundas das ilhas da Indonésia.
Assim permaneceu desde a aurora da era cristã, como o sustenta em uma
passagem do poema épico de Kalidasa, Raghuvamsa, onde é lido sobre
embarcações repletas de especiarias aromáticas zarparem das ilhas da Indonésia
para cruzar os mares. (PANIKKAR, p.41, 1954)

A supremacia da índia nos mares que banhavam suas costas


foi inconteste até a época da expansão marítima dos árabes,
sob os primeiros califas. Mas os árabes e os indianos faziam
concorrência aberta, e a ideia de um domínio dos mares não
tinha qualquer sentido na Ásia, salvo talvez em alguns pontos
bem limitados. O Império srivijaya deteve durante dois
séculos os estreitos de Malaca. Porém jamais qualquer
potência asiática teve a pretensão de controlar o tráfego
marítimo em alto mar. (K. M. PANIKKAR, p. 42)

Em 20 de maio de 1498, após atracar em Calicute (Kozhikode), o explorador-


navegante português Vasco da Gama e seus homens não possuíam sequer a
compreensão de que todo aquele território do subcontinente indiano, e outras áreas
na Ásia, seria o chafariz aos propósitos dos comerciantes, missionários,
exploradores, políticos e aventureiros europeus.

Utilizando de um intérprete muçulmano tunisiano, Vasco da Gama conseguiu


uma audiência com o líder local, o zamorim de Calicute, resultando na aquisição de
um porto para lhe servir de base para campanhas futuras. A estadia posterior dos
lusitanos em solo indiano só foi definitivamente encerrada com a partida deles da
cidade de Goa em 1961. (MACEDO, 2016, p.9)

em dois canais pela Ilha de Perim; o canal oeste tem 16 milhas (26 km) de diâmetro e o canal leste
tem 2 milhas (3 km) de largura. Com a construção do Canal de Suez , o estreito assumiu grande
importância estratégica e econômica, fazendo parte da ligação entre o Mar Mediterrâneo e o Leste
Asiático.
10

Figura 3 - Vasco da Gama perante o zamorim de Calicute, 1498

Fonte: Veloso, Lisbon Geographic Society, 1898

Em teoria, os reinos europeus desejaram encurtar uma rota marítima com


finalidade de comerciar as valiosas especiarias que a Índia transportava como:
cravo, canela, pimenta, anis, cardamomo, baunilha, gengibre, além de uma rica
variedade de corantes, elegantes tecidos, gemas e outros metais preciosos. A
cobiça pela Índia por parte do mercado europeu é aludida a insetos sendo atraídos
por uma fonte de luz. Portanto, os portugueses, planejando desarticular o
antecedente monopólio de comerciantes genoveses e venezianos em aliança com
turcos otomanos e persas, se tornaram pioneiros em executar uma rota marítima de
longa distância a impulsionar o lucrativo comércio do Oceano Índico para a Europa.
As expedições lusitanas obtiveram total atenção por parte da Holanda, França e
Inglaterra nos séculos posteriores. (MACEDO, p.10, 2016)

Sobre a óptica do povo indiano, o século XVI apresentou a consolidação


gradual da dominação de regentes mulçumanos por parte da dinastia dos Mogóis
(Mughals), oriundos da Ásia central e sendo assim denominados por afirmarem
serem descendentes dos mongóis de Genghis Khan (Temudjin) e de Tamerlão
11

(Timur Lang)3. Em 1526, o imperador Mongol Babur iniciou a partir do norte-noroeste


da Índia, um extenso planejamento de unificação política, incomum desde Asoka 4.
Os herdeiros de Babur nos séculos XVII e XVIII trariam convosco a influência
muçulmana com nuances pérsicas, eternizados no estilo do mausoléu de Tamerlão
(Gur-e Amir) em Samarcanda (Localizado onde é hoje no Uzbequistão). Um grande
exemplo desse legado artístico-cultural é o conjunto do Taj Mahal, construído a
mando de Shah Jahan para sua falecida amada, Mumtaz Mahal, em 1653. (Macedo,
p.10, 2016)

Em décadas subsequentes, após conceber uma estratégia decisiva pela sua


dominância, os britânicos, estabelecidos em Bombaim (Mumbai) desde 1661,
usurparam em 1690 Calcutá (kolkata), chegando à baía de Bengala, aspirando os
mares a leste da Índia, tornando-se logo após essa cidade a própria capital de sua
posse imperial, iria ser conhecido como “Raj Britânico", por volta de 1858.

Na fronteira leste, a Birmânia (hoje Mianmar) obteve sua unificação sob a


dinastia de Taungú, com a coroação do rei Tabinshweti em 1514 na capital Pegú,
mesmo com a pluralidade étnica e dificuldade topográfica de integração para todo o
território. Foi tal reino que serviria como núcleo para a integração nacional
birmanesa no futuro. Ao longo do século 16, o reino da Birmânia sofreu incontáveis
invasões de portugueses e siameses (tailandeses) pelo Sul e ao leste. O próprio
reino conseguiu, entretanto, em 1614 reagrupa-se em elementos menores,
envolvendo a região da Baixa Birmânia (região onde se encontra os vales dos rios
Irauádi, Chindwin e Salween), a Alta Birmânia e o vasto território montanhoso dos
Shans e Lanna ao norte e nordeste e Tenassarim. Dessa forma, é criado a base
para reinos que viriam a ver a luz na região e, ademais, já se demonstrava o
problema de exclusão política de inúmeras minorias étnicas não birmanesas como
shans, rakhines, karens, paus, chins, mons, was, palaungs e padaungs, entre
outros. (Macedo, p.11, 2016)

3 O último imperador mongol importante foi Timur Lang, ou Tamerlão, que morreu em 1405. Suas
conquistas abrangeram desde a Índia e a Rússia até o mar Mediterrâneo. Mas o império de Tamerlão
acabou em 1506. Por fim, o vasto Império Mongol ficou reduzido à terra original dos mongóis e a
pequenos reinos esparsos.
4 Asoka é considerado o primeiro imperador da Índia, pois foi o primeiro a reinar sobre grande parte

do subcontinente indiano, com exceção das regiões do sul. O rei Asoka, filho do rei Bindusara, foi o
terceiro da dinastia Maurya.
12

Por volta do século 19, iniciou-se o confronto entre birmaneses e tropas


britânicas chegadas do Oeste, do território indiano de Assam, sob a cooperação com
minorias étnicas, karens e chins, agora convertidas para a religião do cristianismo. A
conclusão se deu nas condenáveis Três Guerras Anglo-Birmanesas (1824–1826,
1852 e 1885), com os esforços do Império Britânico de desconjuntar a dinastia dos
Konbaungs (1752–1885) na Alta Birmânia, sucessora dos Taungús. (Macedo, p.12,
2016)

Panikkar (1977) investiga como é possível, em 50 anos, a Inglaterra adquirir


um poderio bélico e político sobre a Índia e quais fatores políticos, econômicos e
sociais de uma campanha tão radical efetivada pelos ingleses. Bruit (1994), do
mesmo modo como Panikkar, comprova que o império inglês na Ásia se consolidou
graças às atividades exercidas pela Companhia das Índias Orientais. (Gomes, p.5,
2011)

O aumento de informações a respeito da vida dos hindus despertava o


interesse e a admiração de uma cultura ancestral, do outro lado, uma relutância e
desprezo por essa cultura quando se deparavam com algumas práticas políticas,
como a crueldade e despotismo dos príncipes, práticas sociorreligiosas como as
dissensões religiosas e o sistema de castas. Essa realidade gerava uma enorme
repulsa pelos europeus, permitindo que os especializados em assuntos indianos na
Inglaterra teorizassem sobre esse chamados problemas indianos e lhes garantissem
a ideia de dominar para educá-los e libertá-los dessa condição, contribuindo assim
para o que Said (2007) denomina de Orientalismo. (Gomes, p.5, 2011)

A partir de 1818, a dominação britânica na Índia foi se aprofundando e


efetuada em 1858. Os ingleses mandaram cada vez mais funcionários para a Índia,
destruíram e alteraram o sistema econômico hindu consolidado na produção de
algodão, agora em mãos britânicas. Por outro lado, houve alguns enriquecimentos
nos transportes com as estradas de rodagem e de ferro, mas os projetos de
irrigação não melhoraram a vida dos campestres, pelo contrário, deixando-os cada
vez mais endividados. (Gomes, p.6, 2011)

Muitos hindus foram adotando consciência da ocupação, especialmente


teóricos e intelectuais, como, por exemplo, o historiador indiano Dutt (1848-1909)
que, segundo Mesgravis (1994), denunciou criteriosamente os dados sobre a fome
13

durante o momento de dominação britânica na Índia. Existia incompreensões e


tensões entre indianos e ingleses, desprezo inglês por um lado, e inconformismo
hindu por outro.

Foi em 1858, segundo Bruit (1994), o governo despótico, o banditismo


administrativo e a exploração sem escrúpulos originaram a primeira grande rebelião
hindu, a Revolta dos Cipaios (1857-1859), que foi o agente para o governo britânico
tomar em mãos o governo da colônia. O regresso da Europa dos filhos das famílias
hindus ricas, os problemas sociais da Europa e a ação administrativa colonial e o
desprezo contra o colonizador deram início a resistência. (Gomes, p.6, 2011)

Nasceu em 1885 o Congresso Nacional Indiano, movimento esse que em seu


começo não se propunha a expulsão imediata dos britânicos, mas buscavam
alcançar os direitos de cidadãos ingleses. O processo de resistência acende no final
do século XIX, aparecem facções mais radicais, como a de Tilak, que visava
reafirmar a tradição cultural hindu, o que não agradava os mais “modernizados”. Por
volta do século XX este artifício de resistência e combate se dispara com Mahatma
G andhi que levaria a luta pela Independência às massas, unindo diversos grupos.

Figura 4 - Mapa da Conquista Britânica na Índia em 1753-1858.


14

Disponível em: <https://commons.princeton.edu/mg/wp-content/uploads/2017/04/MG-


British_Conquest_of_India_1753_to_1890.jpg>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.

1.3 Japão: O Imperialismo do Sol Nascente

Por volta dos séculos XII e XIX, dominou-segue no país insular o xogunato. A
figura de seu líder, o Xogum, detinha total domínio sobre os poderes políticos e
militares. Em 1600, Tokugawa Ieyasu (1453-1616) apoderou-se da cidade de Edo
(Atual Tóquio) e de seu governo, e posteriormente, abraçou-lhe o título de Xogum. A
cidade de Edo se encontrava congruentemente remota ao norte da histórica Quioto 5,
no qual residia o Imperador e seus asseclas com os quais o Xogum Tokugawa
batalhou pelo poder.

A dinastia de Tokugawa, bakufu (徳川幕府), iria manter-se até 1868. No


decorrer de trezentos anos, as ilhas japonesas passariam por um rígido período de
unificação política interna com base na aliança entre os senhores latifundiários e
uma casta de guerreiros milenares, os samurais. Sobre assuntos relacionados a
ideias focadas do além-mar, por historicidade, o Japão já havia tido, em seu
passado remoto, tentativas de invasões através do mar, um exemplo a ser citado é
durante 1274 e 1281 com as desventuradas campanhas dos chineses da dinastia
Yuan por Kublai Khan, neto de Genghis Khan, derrotados por pertinentes tufões
fulminantes, encarados como “Ventos divinos”, Kamizaze no idioma japonês.
(Macedo, p.16, 2016)

A presença externa europeia já havia tomado consciência por parte dos


japoneses desde 1543. A visão caracterizada para os ocidentais era de extrema
desconfiança perante o seu firmamento político interno, a dinastia de Tokugawa de
fato limitou ao ínfimo a presença de estrangeiros, ou como denominavam, “bárbaros
do Sul” na ilha meridional de Deshima, próximo ao porto de Nagasaki, a mais de
dois séculos desde 1638. Os japoneses somente abriam uma exceção casual
perante os holandeses por prometerem alianças marítimas contra a monstruosa

5 Quioto foi a capital do Japão de 794 até 1868, sendo, hoje em dia, o coração histórico e cultural do
país. Se você busca, em um mesmo lugar, visitar templos budistas e santuários xintoístas, passear
em meio à típicas construções japonesas, conhecer uma casa de chá e, quem sabe, ver com seus
próprios olhos uma gueixa ou maiko (aprendiz), Quioto é a cidade que não pode faltar em seu roteiro
pelo Japão.
15

presença da coroa de Portugal e Espanha em mares próximos. (Macedo, p.16,


2016)

Os tempos de isolamento insular do Japão chegaram ao fim, em julho de


1853, com a vinda de embarcações norte-americanas na baía de Edo sob as ordens
do Comodoro Matthew Perry. Meses após, avistando setes navios canhoneiros
mirados para a cidade, os japoneses não tiveram alternativa senão firmarem a
Tratado de Kanagawa (1854)6, primeiro grande passo para a entrada dos governos
ocidentais em terras japonesas. Esse humilhante ato de submissão provocará uma
tempestuosa guerra civil no país que culminará na restauração do poder pelas mãos
do Imperador e seus aliados em 1868, a denominada Era Meiji, conhecida como a
época em que a nação insular irá reexaminar como adequar toda a sua herança
sociocultural com a integração de técnicas gerenciais, militares e tecnologias vindas
diretamente do Ocidente.

Figura 5 - A chegada do Comodoro Perry no Japão em 1853.

Fonte: Google Imagens, 2021.

6 Foi um tratado assinado entre os Estados Unidos e o Xogunato Tokugawa em 31 de março de


1854. Assinado sob ameaça de força, significou efetivamente o fim da política japonesa de reclusão
nacional de 220 anos (sakoku) ao abrir os portos de Shimoda e Hakodate aos navios americanos.
Também garantiu a segurança dos náufragos americanos e estabeleceu a posição de cônsul
americano no Japão. O tratado precipitou a assinatura de tratados semelhantes estabelecendo
relações diplomáticas com outras potências ocidentais.
16

O imperador Mutsuhito Meiji (1852-1912) deu início a uma abundância de


reformas cujo intuito era modernizar o país, dentre essas pode-se destacar três: O
poder dos senhores de terras foi substituído por um sistema de prefeituras,
controlado por uma burocracia central, reformas tributárias que garantissem boas
fontes de renda para o Estado, o investimentos do governo (E estrangeiros) na
indústria, nos transportes e na construção naval e o envio de jovens japoneses para
estudar no Ocidente. Ao regressarem, esses jovens impulsionaram a
industrialização no país.

Com o desenvolvimento dos meios de produção e a evocação dos valores


militares, o Japão, se encontrava próximo de abraçar uma política de expansão
imperialista. O evento inaugural do imperialismo japonês é a Restauração Meiji, que
de forma prática, no mês de janeiro de 1868, Tokugawa Yoshinobu (1837-1913)
abdicou do título de shogun transferindo o poder para o imperador Mutsuhito (1852-
1912) restaurando o mikado (governo imperial). Contudo, eram os guerreiros que
derrubaram o regime Tokugawa (1600-1868) que realmente regiam o Japão.
Embora tenham obtido o controle governamental eles deveriam agir dentro de um
contexto sancionado pela tradição e aparentemente nos limites da lei. Assim, as
lideranças políticas Meiji, mesmo que parecessem leais e servis, manipulavam o
imperador, não passando de uma figura emblemática usada como símbolo vivo para
representar a autoridade do Estado japonês perante a população. (Silva, p.2, 2010)

Arquitetar a Restauração Meiji como uma contrarrevolução é no sentido de


que as lideranças não permitiram espaços para a representatividade política das
classes populares, e de que as transformações socioeconômicas do país,
promovidas pelas forças políticas hegemônicas, tinham como objetivos a
implementação de reformas nos meios de produção técnico-industrial, burocrático,
financeiro e militar sem que estas alterassem as hierarquias sócio-políticas
estabelecidas. A sociedade japonesa se manteve altamente hierarquizada e, a partir
dessa estrutura social, foi costurado um sistema de legitimação como contrapeso
para compensar a falta de um envolvimento real do povo japonês na implantação do
regime que substituiu o xogunato Tokugawa (Silva, p.2, 2010)
17

O autodesenvolvimento industrial japonês durante esse período se responde


por três embasamentos: Maquinário moderno; subsídios fiscais e salários baixos. A
conjugação esses fatores viriam ser definitiva para promover as exportações. A
remuneração dos trabalhadores das tecelagens era fraca. Entretanto com o aumento
da produção advindo da utilização de maquinário e do aumento do parque industrial
esses fatores levariam em superprodução, porém, o mercado nacional se via com
dificuldades em absorver a oferta, por conta do subconsumo decorrente
principalmente dos salários de baixa renda.

Como alternativa para desviar as limitações internas a economia japonesa


direcionou suas estratégias na aquisição de mercados externos, sendo que seus
dois parceiros eram os Estados Unidos e a China. No primeiro caso seria o
estreitamento dos vínculos comerciais e no segundo caso a determinação de
tratados desiguais. A China também foi alvo das ambições expansionistas japonesas
e ao longo do primeiro ciclo as lideranças políticas e militares japonesas
implementaram várias operações almejando alcançar vantagens territoriais e
financeiras. (Silva, p.5, 2010)

Figura 6 - O Imperialismo japonês 1870-1942.

Disponível em: <https://apjjf.org/-James-Orr/2692/article.html>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.


18

A primeira intervenção imperialista no território chinês aconteceu por volta de


1873 e 1874, quando o imperador Qing abdicou de sua soberania sobre a ilha de
Formosa (atual República da China ou Taiwan). Acompanhado dessa renúncia uma
operação militar japonesa à ilha. A missão trazia o objetivo de combater contra os
aborígenes taiwaneses com o fim de garantir a segurança dos empresários
estrangeiros, inclusive japoneses, e de seus bens, e clamando a sua anexação
territorial ao Império do Japão. Por conta da invasão em Formosa, o Japão receberia
da China, a título de reparação pela sua incursão militar àquela ilha, receberia cerca
de 500 mil liang-prata e incorporou informalmente a ilha à sua área de influência.
(Silva, p.6, 2010)

Em 1876, dois anos depois, o Japão e a China tiveram uma nova desavença,
agora voltado para a península coreana. Em 27 de fevereiro do mesmo ano foi
consolidado o Tratado de Amizade Japão-Coréia, e nele se estabeleceu a abertura
dos portos coreanos perante a marinha mercante e aos produtos japoneses. A
postura da Coreia era extremamente delicada, era politicamente unida à China e
economicamente frágil. No ano de 1882 o reino Coreano foi vítima de uma seca,
diminuindo drasticamente as atividades nas lavouras, sua fragilidade econômica se
agravou, fazendo o governo atrasar o pagamento dos funcionários civis e militares.
O aborrecimento da população e dos militares resultaram em uma revolta:

Os revoltosos saquearam os armazéns e celeiros públicos em


Seul e, no dia seguinte, o palácio real e os quartéis da cidade
foram invadidos. As hostilidades também atingiram a
delegação japonesa na cidade, fazendo algumas vítimas e
tendo os sobreviventes que abandonar a cidade. Usando por
justificativa esse episódio e por motivo a necessidade de
assegurar os interesses japoneses na península coreana,
foram enviados quatro navios de guerra e uma brigada mista
com 4.500 soldados. Normalizado o motim, firmou-se o
Tratado de Chemulpo, em 30 de agosto daquele ano, nele foi
especificado que o Reino da Coréia repararia em 50 mil yens
os familiares das vítimas japonesas e indenizaria em 500 mil
yens o governo japonês. (Silva, P.6, 2010)

A eclosão de uma nova rebelião no Reino da Coréia, em 1894, colocaria o


Japão e a China em posição de conflito direito, pois a China considerava o reino
coreano um estado secundário de seu império. Ambos os países incumbiram trocas
para domar a revolta e, após suprimir os grupos rebeldes, as tropas japonesas e
19

chinesas permaneceram na península. A rivalidade pelos direitos de “proteger” a


Coréia se fundava pelo temor, por parte das lideranças políticas e militares
japonesas, utilizando a mensagem que a península cairia nas garras de uma
potência estrangeira. Caso isso acontecesse a sua proximidade do arquipélago
japônico – cerca de 200 quilômetros os separavam – colocaria em risco a segurança
nacional de forma alarmante. Quando a diplomacia não era mais útil, foi cedido
espaço para o conflito armado com a Primeira Guerra Sino-japonesa (1894-1895).
(Silva, p.7, 2010)

1.4 As ilhas do Sudeste Asiático.

Ao contrário dos demais territórios ao norte, as ilhas do Sudeste Asiático


receberam intensa influência islâmica desde o século XVI. Entretanto, o Islã adquiriu
traços específicos, misturando-se com as crenças populares anteriores, criadas pelo
hinduísmo e budismo, podendo destacar o santo islâmico javanês, Pangeran
Panggung, sendo representado como um eremítico do Deus Shiva, um dos
principais deuses da trindade hindu, segundo informes chineses do século XVI.
(Macedo, p.21, 2016)

O aparecimento da religião Islã na região foi resultante da forte presença


mercantil de navegadores originários do Golfo Pérsico e das regiões indianas
ocidentais do Sind e Gujarate. Muito anteriormente a vinda das naus portuguesas no
território, o regente de Malaca já estava convertido ao Islã por volta do século XV e
devido a isso a expansão muçulmana moveu-se para regiões costeiras próximas,
mais precisamente nas ilhas de Java e Sumatra, mais adiante da península malaia.
(Macedo, p.22, 2016)

Determinada ação resultou no controle do desejo português perante aos


muçulmanos da região. Por volta de 1511, o vice-rei português Afonso de
Albuquerque7, se apossou do porto de Malaca - Um porto asiático de valor
estratégico, pois se localiza na península malaia no estreito que conecta o Oceano

7 Afonso de Albuquerque (1453-1515) era um soldado português, conquistador de Goa (1510) na


Índia e de Melaka (1511) na Península Malaia . Seu programa de controle sobre todas as principais
rotas marítimas do Oriente e de construção de fortalezas permanentes com populações assentadas
lançou as bases da hegemonia portuguesa no Oriente.
20

Índico ao Mar Meridional da China e ao Oceano Pacífico - acompanhado de tropas


armadas e jurou solenemente acabar com a fé muçulmana na região, almejando
levar o Cairo (Egito) e Meca (Árabia Saudita) para as suas ruínas e impor os
venezianos de comprarem especiarias em Lisboa. Entretanto, o efeito esperado
gerou o contrário, uma abrangente aliança e desconfiança dos islamitas da região
em frente aos cristãos. Durante 50 anos da conquista lusitana de Malaca, o
Sultanato de Achém8, proveniente da área norte de Sumatra, teria vencido a
dominação portuguesa no ramo comercial de especiarias naquela região. (Macedo,
p.22, 2016)

Na ilha de Java, a mais produtiva e populosa das ilhas indonésias, os


europeus certificaram uma duradoura safra e tráfego de mercadorias desde a vinda
do explorador marítimo holandês Cornelis de Houtman 9 em meados de 1596.
Estenderam logo em seguida a sua aparição na ilha com a fusão de empresas
comerciais interessadas na criação da Companhia Holandesa das Índias Orientais.

Figura 7 - As Índias Orientais Holandesas em 1818.

Fonte: MACEDO, E. U. 2016

8 O Sultanato de Achém (1496-1903) foi um sultanato centrado no moderno-dia da Indonésia,


província de Aceh . Foi uma grande potência regional nos séculos XVI e XVII, antes de passar por um
longo período de declínio. Sua capital era Kutaraja , a atual Banda Aceh.
9 Cornelis de Houtman (1565-1599) foi um explorador marítimo dos Países Baixos que descobriu uma
nova rota da Europa até à Indonésia. Foi um pioneiro da exploração marítima holandesa e comandou
a primeira expedição holandesa à atual Indonésia.
21

Em direção ao leste, das Filipinas, a coroa espanhola organizou uma


perceptível estratégia de conversão da população total para a religião cristã mesmo
notando as dificuldades iniciais de colonização sob a direção do português Fernão
de Magalhães em 1521. Em 1571 fundaram sua capital em Manila, na ilha de Luzon,
e a partir daí vieram a controlar a colônia por mais de 300 anos. (Macedo, p.23,
2016)

O império espanhol realizou uma intensa exploração de múltiplas etnias nas


Filipinas compostas por aproximadamente mais de cem idiomas e dialéticos
dispersos por cerca de sete mil ilhas. Além disto, a esgotável influência cultural da
Índia e da China conflagrou na fadiga dos missionários católicos espanhóis na
conversão dos habitantes filipinos, com a crença maometista atraindo seguidores
somente nas ilhas mais meridionais, em Mindanao. (Macedo, p.23, 2016)

Figura 8 - As Filipinas sob a dominação espanhola (1521–1898)

Fonte: MACEDO, E. U. 2016


22

1.5 Cemitério de Impérios: Uma análise da cultura do Ópio no Afeganistão.

Registros históricos indicam evidências de produção e consumo de ópio no


Afeganistão desde o século XVIII. A produção em escala, porém, começa a partir de
1955, ano em que o então xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi, proibiu o cultivo de
papoula e a posse de ópio em seu país, que faz fronteira com o território afegão e
era um dos principais produtores mundiais da droga na época. Isso transferiu parte
da demanda mundial pelo ópio para o Afeganistão, cuja ancestral dificuldade de
formar um governo capaz de controlar todas as regiões do país e a fraca identidade
nacional favorecem esse tipo de atividade, segundo analistas. (Rowlatt, BBC NEW,
2021)

“A produção de ópio no Afeganistão ocorre em função de um estado falido e


da incapacidade do governo central em estabilizar as províncias”, afirmou Stuenkel,
explicando que o último rei afegão, Mohammed Zahir Shah, que governava o país
quando o ópio começou a se disseminar em escala em seu território, não detinha
poder suficiente para impedir a produção e o tráfico da droga. Zahir havia proibido o
ópio em 1945 no Afeganistão, mas isso não impediu a produção da papoula e seus
derivados. Além de ser montanhoso e abranger regiões separadas entre si por
acidentes geográficos, o Afeganistão é lar de pelo menos 14 tribos e etnias, com
diferentes culturas, línguas e lideranças. (Rowlatt, BBC NEW, 2021)

A economia do ópio tem sustentado movimentos de resistência contra


governos frágeis e ocupações estrangeiras desde a época do rei Mohammed Zahir
Shah, o último de uma dinastia pashtun de 226 anos, que foi deposto em 1973 pelo
cunhado, Mohammed Daoud Khan. Toledo lembrou que o golpe de Khan também
contou com apoio de comunistas afegãos e da União Soviética, que ocupou o
Afeganistão em 1979 com suas forças militares para ajudar o governo comunista a
combater insurgentes de diferentes regiões afegãs e dominar o país. (Rowlatt, BBC
NEW, 2021)

A produção de papoula foi fundamental, segundo analistas, para financiar o


combate dos líderes locais afegãos, chamados de “senhores da guerra” (“warlords”),
contra os soviéticos, num conflito que durou até 1989, quando a URSS se retirou do
23

Afeganistão. De acordo com o Toledo, nesse contexto de Guerra Fria, os EUA


estimulavam o cultivo de ópio no Afeganistão, numa tentativa de enfraquecer os
inimigos viciando-os na droga e auxiliar, com a economia da droga, o financiamento
da resistência anticomunista. (Rowlatt, BBC NEW, 2021)

Após a derrota da URSS, os afegãos travaram uma guerra civil vencida pelo
Talibã, grupo fundado em 1994 que conquistou Cabul em 1996 e impôs seu regime
fundamentalista islâmico sobre aproximadamente três quartos do Afeganistão até
2001, quando foi deposto pela invasão americana.

Antes da proibição do cultivo da papoula imposta pelo Talibã em 2000, o


Afeganistão testemunhou um aumento expressivo da área cultivada. De acordo com
os registros do UNDOC, os campos de papoula ocupavam 57 mil hectares do
Afeganistão em 1996, quando o Talibã assumiu o poder. Em 1999, os cultivos
cobriam 91 mil hectares — uma elevação de quase 60% em três anos. Analistas
observam que, apesar de seu fundamentalismo islâmico, o Talibã trata o ópio de
maneira pragmática, sem nenhum tipo de dilema ético ou religioso. (Rowlatt, BBC
NEW, 2021)

Para Toledo, a ênfase do Talibã em perseguir minorias e mulheres, proibidas


de estudar e trabalhar durante seu regime, entre outras restrições, e as punições
que seu governo impunha a criminosos servem para compensar diante da opinião
pública o fato de se beneficiar da economia do ópio. Além disso, “matar infiéis” é um
dos ideais principais do Talibã e a droga ajudaria nesse propósito; o outro ideal é ir
para o céu. (Rowlatt, BBC NEW, 2021)

Stuenkel e Toledo ressaltam que, além de ser pago para garantir a segurança
de cultivos de papoula, de instalações de processamento de ópio e do tráfico da
heroína dentro de suas fronteiras, há indícios de que o Talibã também mantenha
suas próprias plantações, unidades de refino e logística de transporte.

Interesses geopolíticos e econômicos da China e da Rússia sobre o


Afeganistão poderiam se traduzir em um financiamento internacional que substitua,
pelo menos em parte, a economia do ópio no financiamento ao grupo. Os chineses
têm a pretensão de construir estradas no território afegão, no contexto da Iniciativa
do Cinturão e Rota, estratégia de desenvolvimento da China que envolve
24

investimento em infraestrutura de transporte em outros países, especialmente os da


ancestral Rota da Seda. (Rowlatt, BBC NEW, 2021)

Capítulo 2 – Qing/Manchu: De conquistadores a imperadores de uma dinastia.

Neste capítulo, será descrito como a Dinastia Qing/Manchu se concretizou de


um povo estrangeiro aos olhos dos conservadores confucionistas para um dos
impérios, mais prósperos e eficazes da história da China, e do mundo nos séculos
17-18. Veremos também neste capítulo o surgimento da ideia de “Dinastia” na China
avaliando o famigerado “Mandato do Céu” as margens do Rio Amarelo e Yangtzé e
também os aspectos culturais chineses que hoje são conhecidos e admirados por
inúmeras pessoas ao redor do globo como o nascimento da escrita, das correntes
filosóficas do Confucionismo e do Taoísmo e da rota da seda.

Figura 9 - Mapa do Império Qing.

Fonte: Google Imagens, 2021


25

2.1 As Revoltas Populares e Rebeldes.

O surgimento dos Manchus como dinastia se iniciaria durante a queda da


dinastia anterior (Dinastia Ming 1368-1644). Durante uma revolta iniciada por
camponeses – movida por desastres naturais, como inundações e fome causando
escassez de alimentos em Xianxim, que se alastrou a Shanxi, Hebei, Henan e
Anhui. Os rebeldes eram liderados e organizados por Li Zicheng (1606-1647) e
Zhang Xianzhong (1606-1647). Após a tomada da cidade de Pequim pelas tropas
insurgentes de Li Zicheng em 1644, o general Ming, Wu Sanguin, apelou por ajuda
de um grupo militarizado denominado Manchus, originários da Manchúria (Nordeste
da China). (BEJA, p. 206, 2010)

Uma ação conjunta entre os hostes Ming e as cavalarias Manchus expulsaram Li


e seus asseclas de Pequim, Li Zicheng vencido, fugiu para província de Hubei, no
Sul, onde teoriza-se que tenha sido executado por camponeses locais. Zhang
Xianzhong havia se firmado em Sichuan, falecendo em 1647, em um ataque
causado por forças Manchus. Com o suicídio do último imperador Ming, o trono do
dragão, se encontrava vazio e foi ocupado pelos Manchus e iniciando, assim, a
Dinastia Qing. (BEJA, p. 206, 2010)

2.2 As Origens e Consolidação.

Os Manchus eram um grupo étnico que se estabeleceu no norte e noroeste


da China a mais de 2.000 anos (atualmente a Manchúria e as províncias
administrativas de Hebei e Shanxi). Esse grupo, de origem agrícola, era dividido em
diversos “clãs” conhecidos pelas dinastias anteriores como Jurchen (ruzhen) e eram
extremamente reconhecidos por sua desenvoltura no combate montado e na caçada
com arco e flecha, os manchus foram os fundadores da Dinastia Jin (1115-1234). Se
difundiram ao serem derrotados pelos Mongóis, se firmando no sul da Manchúria e
da península de Liaodong na região fronteiriça com a Coréia, nessa região, onde
passariam a serem visto como um povo “bárbaro” aos olhos do povo Han. (BEJA, p.
207, 2010)
26

Figura 10 - Estreito de Anián.

Fonte: Google Imagens, 2021.

A figura 1 mostra O Estreito de Anián, um estreito semi mítico, que seria


documentado por volta de 1560, no qual os primeiros cartógrafos modernos
acreditavam marcar a fronteira entre a América do Norte e a Ásia e permitir o acesso
a uma passagem noroeste do Oceano Ártico para o Pacífico. O verdadeiro estreito
só seria descoberto em 1728 e ficou conhecido popularmente como Estreito de
Bering. O estreito de Anián comumente ficava próximo, mas às vezes aparecia tão
ao sul quanto a Califórnia.

Por terem se tornados próximos ao Império do Meio 10, adotaram a cultura


agronômica e se volveram de um sistema tribal para um quase feudal, onde os
senhores possuíam vastas regiões de terras, serviçais e escravos. Os imperadores
Ming cultivavam com os manchus uma aliança de guarnição de fronteira, mas ao
perder seu vigor, foram anexados ao sistema tributário chinês11 e mantinha relações

10 O termo Império do Meio (zhongguo) sofreu diversas mutações ao longo dos anos. Mas acima de
tudo se refere à grandeza centralizadora dos impérios que perpetuaram pela China. Sendo a China o
centro do mundo, enquanto os reinos e países vizinhos seriam chamados de “Reinos Tributários”.

11 O Sistema Tributário Chinês se alterou muito conforme o tempo. De forma geral, a fonte mais
importante de receita do estado era o imposto sobre a agricultura, ou imposto sobre a terra. Em
27

de trocas de casamento e doação de presentes, em que, favoreciam uma tribo, e


conseguiam manter os clãs separados.

Figura 11 - Mapa da China, 1636.

Fonte: Stock Imagens, 2021.

Mas essas relações iriam ser abaladas pelo acidente em que pereceram os
chefes do clã Aisin Gioro perante um grupo rival. O neto do chefe do clã, Nurhachi
(1559-1629), firmou uma empreitada militar impelida de vingança que o torna uma
figura de liderança imparável para uma confederação de diversas tribos que se
unificam, e em 1601, divide a população em quatro unidades administrativas e
militares que foram denominadas como Qing (Chinês para Estandartes).

Cada estandarte foi caracterizado por ter como símbolo uma bandeira de uma
cor diferente, e por sua vez foi subdividido em unidades niru12, de trezentos
soldados, com suas famílias sendo constituídas por artesãos, escribas, servos e

algumas dinastias, o governo também impôs monopólios estatais que se tornaram importantes fontes
de receita para o governo. O monopólio do sal era especialmente lucrativo e estável. Os impostos
comerciais eram geralmente muito baixos, exceto em tempos de guerra. Outros meios de receita do
estado consistiam em inflação, trabalho forçado (o corvee) e expropriação de ricos comerciantes e
proprietários de terras.
12 O termo “Niru” (Chinês: 佐 領 ; pinyin: zuǒlǐng) foi utilizado pelos Oitos Estandartes para denominar

uma pequena quantidade de exércitos de estandartes, muitas vezes composta nominalmente por 300
soldados e suas famílias. Niru significa "flecha" no idioma manchu e era originalmente o nome
manchu para um grupo de caça, que estaria armado com arcos e flechas.
28

escravos que assim se transformaram em um estado militarizado com características


feudais. Em 1616, influenciado pela grandeza tradicionalista chinesa, O líder do
Império Jin Posterior (1616-1636), agora com heranças chinesas, que o ruzhen
fundou no século XII. (BEJA, p. 208, 2010)

Até o momento, Nurhachi atuava como vassalo fiel dos Ming, mas logo, iniciou
uma série de ataques e conquistas parciais na China. Em 1621 tomou a província de
Liaodong, no qual expulsou os chineses, e em 1625, pouco antes de sua morte,
firmou sua capital em Mukden (atual Shenyang). O herdeiro de Nurhachi, Hong Tiji
(1626-1643), foi um estrategista capacitado e um diplomata habilidoso. Tendo
substituído o feudalismo pelo patrimonialismo, cessou o compartilhamento do poder
com os aristocratas das tribos e burocratas que cuidavam da administração. (BEJA,
p. 208, 2010)

Auxiliado por servos chineses, Hong Taiji alcançou a conquista da China e fez o
uso de seu poderio bélico, cuja utilidade fez-se instruir com os Ming. Em 1635 ele
alterou o nome de sua cidade para Manchu, e em meados de 1638 abraça o nome
dinástico Qing (puro), e se autoproclama imperador com direito a cerimônia Han.

O irmão mais novo do imperador, Dorgon (1612-1650), governou como regente


em nome de seu sobrinho, o futuro imperador Shunzhi (1644-1661), utilizando de
desertores chineses para promover a conquista final da China. Quando o líder
rebelde Li Zicheng tomou a cidade de Pequim, suas tropas difundiram o terror e o
caos perante a população. Finalmente, em 1644, vários generais eunucos de
Chongzhen (Reinado: 1627-1644) o traíram, e Li Zicheng , um dos líderes rebeldes,
capturou a capital, Pequim. Em 25 de abril de 1644, quando as armadas de Li se
aproximaram da cidade, o imperador Chongzhen tocou um sino, sinalizando para
seus ministros comparecerem a uma conferência.

Quando ninguém apareceu, ele subiu ao topo do Meishan (Coal Hill), uma
pequena colina no atual Jingshan Park, próximo ao seu palácio, e enforcou-se em
uma árvore ou estrangulou-se com uma faixa. Segundo alguns relatos, o monarca
deixou uma nota de suicídio que dizia: "Eu morro incapaz de enfrentar meus
ancestrais no submundo, abatido e envergonhado. Que os rebeldes desmembrem
meu cadáver e massacrem meus oficiais, mas não os deixe espoliar as tumbas
29

imperiais nem prejudicar um único de nosso povo." Seu nome póstumo,


Zhuangliemindi, foi concedido durante a dinastia Qing seguinte.

Desde o momento que o imperador Ming cometeu suicídio, os residentes da


cidade capital convocaram a ajuda do general Wu Sangui, que defendia um caminho
da Grande Muralha. Como o exército de Wu Sangui não tinha a capacidade para
enfrentar as forças de Li Zicheng, escolheu aceitar o auxílio de Dorgon.

Juntos eles derrotaram Li Zicheng e Dorgon adentrou na


capital em 1644 para libertar o povo dos abusos de Li Zicheng
e, no início, suas forças foram confundidas com os de Wu
Sangui. Dorgon se esforçou em ganhar a confiança do povo,
ele zelou pela disciplina de seu exército, realizou os ritos
apropriados para o falecido imperador Ming e ofereceu cargos
importantes para os acadêmicos chineses. A conquista de
Manchu não encontrou muita resistência, exceto no
Sudoeste, por conta de um descendente Ming, mas o grupo
no qual liderou foi logo derrotado. O último foco de resistência
estava localizado na ilha de Taiwan (Ou formosa como era
chamado por exploradores portugueses), que durante séculos
era um esconderijo de piratas e tinha uma grande população
chinesa. Ali se refugiou o pirata conhecido como Coxinga,
que declarou sua lealdade aos Ming e resistiu por vinte anos
até 1683, sendo derrotado pelas forças dos Qing, que
dominaram a ilha e a incorporam ao império chinês. (BEJA, p.
210)

2.3 O Mandato do Céu no conceito de dinastia.

Para quem está observando casualmente, o cargo de Imperador deve ser


empolgante de certa forma, com milhares de posses, vários palácios, concubinas,
escravos e ser reverenciado por todos os habitantes a sua vista e além dela, mas
por trás do mito estereótipo, a realidade por trás das cortinas é muito diferente.

Não apenas pelo trabalho excessivo, pois o dia comum de um imperador Qing
consistia em inúmeras tarefas, tais como: audiências, leituras de memorandos
intermináveis. Sem mencionar o senso de dever público praticamente obrigatório do
ocupante do Trono do Dragão. (Menezes Jr, p. 164, 2014)

Não era para menos que tal sistema tornasse imperadores em poetas,
legisladores, juízes, comandantes militares brilhantes, arquitetos-chefe de obras
colossais. Esse sistema remete a eras antes dos romanos tomarem o controle do
Mediterrâneo, antes mesmo da existência das forças cristãs e do islamismo, que
ainda sim tomariam de base para formas maneiras similares de justificativas para
30

seus governos tirânicos, em nome de suas respectivas divindades. Durante o


primeiro milênio antes de Cristo, o estatismo chinês começou a se formar. O mito da
primeira Dinastia Zhou estabelecia a crença de que os imperadores reinavam sob o
mítico Mandato do Céu.

De acordo com mito, o favor divino era ligado diretamente ao poder da dinastia
no trono. Se entrasse em declínio, significaria o desvio do caminho correto, e com
isso, sem a posse do apoio divino. Essa questão era avaliada através de sinais
como cataclismas, rebeliões, guerras civis, desastres naturais, entre outros. Dessa
forma, o poder deveria ser repassado para outro. Além do mais, esse mandato dava
o direito ao domínio de todos os seres vivos e de governo extenso em todo o mundo,
sendo eles governantes ou não, pois estariam eles apenas por clemência do
Tronado do Dragão e poderiam ser retirados quando fosse a vontade dele.
(Menezes Jr, p. 164, 2014)

De acordo com registros, praticamente todas as dinastias subsequentes, através


dos 2500 anos que se seguiram, foram abordadas e incluídas nessa forma de
governo estadista-teológica, inclusive aquelas com suas origens de fora da China,
como a Mongol Yuan13, por exemplo.

Essa maneira de governo afetou também as nações vizinhas, tal como a Coreia
Unida, que ao contrário de seus vizinhos, se diferenciaria se isolando dentro de seu
próprio território, ao invés da busca de um grande governo central, ou o Japão que
tomaria como base o Mandato do Céu, no qual o imperador era descendente de
Amaterasu, a Deusa do Sol, o que deixaria claro que apenas uma família teria o
direito de reinar sob a Terra do Sol Nascente, até meados de 1945.

Assim, como a grande parte dos governantes chineses antecessores a eles, os


Qing tomaram o controle do país através do poderio militar. Em 1644, os exércitos
de cavaleiros Manchu (divididos e disciplinados através das Oito Bandeiras)
atravessaram a fronteira nordeste chinesa, atravessando a Grande Muralha,
derrotando o vasto exército de rebeldes chineses que assolava o país, e assim
findando a sua própria dinastia em Pequim.

13 A Dinastia Yuan (1271-1368) também conhecida como Dinastia Mongol, foi um período na história
da China em que os Mongóis invadiram as terras Han e firmaram sua própria dinastia com base na
cultura chinesa. A criação da dinastia viria pela empreitada do conquistador Genghis Khan, mas sua
consolidação viria apenas pelo seu neto, Kublai Khan.
31

Em apenas 100 anos, os três maiores imperadores da era de ouro da Dinastia


Qing, Kangxi (1654–1722), Yongzheng (1678-1735) e Qianlong (1711–1799),
através de campanhas militares, mais do que triplicaram o tamanho do império,
forçadamente herdado de Ming.

Essa foi uma das maiores séries de conquistas desde Gengis Khan. Em mais
um século foi conquistado cerca de 11 milhões de quilômetros quadrados, quase
três vezes maior que o território imperial romano, conquistado quatro vezes mais
rápido. Porém, após tomar posse do poder, os Qing não se diferenciaram muito de
seus antecessores, assumindo o Mandato do Céu e a posição de Sábios
Imperadores. Dessa maneira, a linguagem adotada pelo imperador servia como
base para seu domínio sobre os homens, dentro e fora do império. (Menezes Jr, p.
165, 2014)

Agora, os aspectos negativos para o império, vieram na forma da falta de contato


com o "mundo externo" e uma soberba notória da corte para com os chineses e
estrangeiros. Como no caso da comitiva diplomática do Lord Macartney, que foi
obrigado pela corte a se curvar perante a figura do imperador.

2.4 Os aspectos culturais e filosóficos da China Qing.

Ainda que as escrituras clássicas do confucionismo compuseram a principal


fonte da ortodoxia, e foram estudadas por aqueles que buscavam se destacar-se
nos testes e obter acesso a cargos de prestígio burocráticos, não faltava grandes
pensadores intelectuais com senso crítico durante o século XVII e XVIII. Tais
intelectuais questionaram a tradição e se propuseram a analisar cada objeto de
estudo com um “espírito” científico. (BEJA, p. 223, 2010) Aqui se vale do
esclarecimento de que não foram as ciências naturais, mas pesquisando sobre o
passado, se instruído de assuntos como fonética, etimologia, crítica literária e
história. Eles se mostravam como pensadores que não estavam sequer satisfeitos
com o individualismo de alguns intelectuais Ming, nem com sua ortodoxia dogmática
e questionavam suas tradições filosóficas, educacionais e o sistema político. Em sua
empreitada pelos motivos do fracasso da Dinastia Ming (1368-1644), gerando sua
queda, começaram a se definirem como membros da mesma cultura, iniciando
32

assim uma espécie de “Nacionalismo chinês”. Quase todos pertenciam à "Sociedade


de Renovação”. (BEJA, p. 223, 2010)

Huang Zhongxi (1610-1695) criticou ferreamente o despotismo da Dinastia Ming


e a ausência de um sistema jurídico; solicitou reformas políticas e maior acesso à
educação para com o povo em geral. Wang Fuzhi (1619-1692), afirmou que o
processo histórico responde a uma evolução e transformação que obedece às
causas naturais e não devemos olhar para a antiguidade como um exemplo para o
futuro. Ele também notou a existência de diferenças culturais entre diferentes povos
e afirmou que a cultura chinesa deve ter de ser defendida e protegida de ameaças
externas, o que tornou Wang Fuzhi o pensador favorito dos nacionalistas chineses
do século XIX e começo do XX. (BEJA, p. 223, 2010)

Gu Yuanwu (1613-1682), que lutou contra os manchus, delatou a ideologia


neoconfucionista pelo fracasso dos imperadores Ming e argumentou que o
conhecimento deve ter um uso prático para a sociedade; fundou a escola de crítica
histórica e textual também chamada de “Escola de Estudos Han”, pois se baseava
pelas interpretações dos documentos clássicos da Dinastia Song (960-1279) e
buscavam por meio da fonética, da filosofia, da etimologia e da crítica textual com o
intuito de fundamentar o conhecimento em um passado mais remoto. (FONTE)

No campo dos estudos históricos destacou-se Zhang


Xuecheng (1783-1801), que insistiu que as evidências são
necessárias para chegar à verdade histórica; apontou que a
China é imensamente grande e se deve primeiro estudar a
história regional, fazer o uso de arquivos, de entrevistas,
investigar e fazer uso de pesquisas sobre lendas locais e é
preferível que a história seja a obra de um indivíduo e não
somente de uma equipe de historiadores, que era a forma de
como foi narrada e escrita as histórias dinásticas a partir da
Dinastia Tang (618-907). (BEJA, p. 224).

Os imperadores Manchus foram os patronos da cultura e deixaram para trás


evidências sobre isso. Durante o reinado de Kangxi, foi escrito o dicionário Kangxi
Zidian e o imperador Yongzheng ordenou a criação de diversas academias. O
imperador Qianlong, ele sendo um poeta e calígrafo, apesar de ter conduzido uma
das maiores inquisições literárias da história da China, também patrocinou uma
colossal obra enciclopédica, o Sikuquanshu14. Para realizar tamanha obra de

14 Textos completos acerca dos três tesouros: A história, a filosofia e a literatura


33

11.095 volumes, trabalharam pelo menos 15.000 pessoas e sua elaboração durou
cerca de vinte anos. No sentido geral foi uma época de intensa atividade
bibliográfica e muitas habitações possuíam importantes bibliotecas e colecionavam
tomos, escritas e representações em pinturas.

A literatura nacional sofreu um revés durante o século XVIII e escrever no idioma


falado era considerado um ato de mau gosto. É por esse motivo que as narrações e
romances foram escritos no estilo clássico por conta dessa abundância em alusões
literárias que são mais complexas de se entender. Entre as vastas coleções de
contos, os de maiores destaques foram os contos fantásticos de Pu Songling (1640-
1715), “Histórias estranhas de um estúdio chinês” (1740), Liaozhai Zhiyi, cuja
notoriedade pode ser equiparada aos contos das “As Mil e uma Noites”. (BEJA, p.
225, 2010)

Outro romance que também é popularizado da história da literatura chinesa, “O


Sonho da câmara vermelha”, Hongloumen, escrito por Cao Xueqin (1715-1763) que
narra a história de uma família cujo membros de várias gerações vivem sob o
mesmo teto, o maior destaque desse romance é o seu realismo e a sua
profundidade na apresentação das personagens. Outro conto de suma importância é
“História informal dos advogados”, Rulin Waishi, de Wu Jingzi (1701-1754), em que o
mundo dos advogados é denunciado e cheio de mediocridades, controvérsias e
hipocrisias. O poeta mais famoso da época era Yuan Mei (1716-1798), um homem
libertário e extravagante, que utilizava da poesia para expressar sentimentos e cuja
oficina contava com a participação de mulheres, o que gerou um grande escândalo
na sociedade contemporânea. (BEJA, p. 225, 2010)

As técnicas de pintura seguiram a tradição dos pintores Ming e se


distinguiram em duas tendências principais: a tradicionalista e a individualista. A
geração mais culta pertence à primeira tendência que pintavam as naturezas no
estilo artístico da Dinastia Song e Yuan, e na segunda tendência percebe-se uma
maior originalidade e às vezes um sentimento de insurreição e até de
excentricidade. Durante o século XVII, vários monges pintores se destacam, entre
eles Shiqi, que pintou a natureza como parte de uma experiência pessoal, Bata
Shanren, cujas pinturas de flores, peixes, pássaros e paisagem foram realizadas
com pinceladas escassas e potentes, e Shidao, afirmando que o melhor método é
34

não possuir um método. Nas demais artes, lacas, esmaltes e principalmente


porcelanas surgiram para ter grande perfeição estética. A porcelana chinesa azul e
branca era exportada em grande quantidade para a Europa e teve imensa influência
nos estilos de cerâmicas europeias como as produzidas em Delft ou Talavera.
(BEJA, p. 225, 2010)

2.5 A Era de Ouro dos Imperadores: Kangxi, Yongzheng e Qianlong.

Após a criação da Dinastia Qing, os esforços feitos pelos imperadores Kangxi,


Shunzhi, Yongzheng, e Qianlong levou a outra era de prosperidade para a China,
cujos livros históricos chamam de "A Era de Ouro dos Imperadores Kangxi e
Qianlong". Historiadores contemporâneos viram o reinado do Imperador Yongzheng
desempenhando um importante papel de transição, fornecendo continuidade entre
seu antecessor e seu sucessor. Muitas medidas foram tomadas para manter a
prosperidade do império e reforçar o sistema estabelecido pelo início dos anos da
dinastia Qing. Assim, deveria ser considerado errado ignorar a contribuição de
Yongzheng aos sucessos do início da dinastia Qing 15.

O Imperador Kangxi, com o nome completo de Aixin-JueluoXuanye, se


manteve de 1661-1722 ao trono, sendo assim o reinado mais longo da China. Seu
sucessor, o Imperador Yongzheng, reinou por um tempo relativamente pequeno, de
1722 até o ano de 1736, enquanto Qianlong, após um reinado de 60 anos, de 1736
até 1796, abdicando a favor do Imperador Jiaqing. Ostensivamente, a Era De Ouro
durou por mais de 130 anos. Mas na verdade, deve ser considerado como iniciado
em 1681 quando o imperador Kangxi obteve sucesso em suprimir a Revolta dos
Três Feudatários. (BEJA, p. 211, 2010)

Os três feudatários surgiram durante o período em que os Manchus entraram na


China propriamente dita. No momento em que as forças Ming e Qing estavam
travadas em um impasse em Liaodong, nordeste das províncias de Liaoning, três
dos subordinados do general Ming Mao Wenlong (1612-1678), Kong Youde (1602-
1652), Geng Zhongming (1604-1649), e Shang Kexi (1612-1678), assumiram
rendição ao governante Manchu Hong Taiji. E quando o exército Qing entrou na

15 “E seria mais apropriado referir-se ao "A Era de Ouro dos Imperadores: Kangxi, Yongzheng e
Qianlong"
35

propriamente dita China, o General do Passo de Shanhai, Eu Sangui (1612-1678),


capitulou para os Manchus. Desde então, sobre esses generais que haviam passado
para os Qing assumiram a liderança na campanha para pacificar o país,
especialmente a base de poder dos Ming remanescentes no sul. Dentro do império
de Shunzhi, o Tribunal Qing concedeu ao Kong Youde o título de Príncipe
Pacificador do Sul e o instalou na área de Guangxi, embora sua base tenha sido
destruída mais tarde por uma força Ming, comandada por Li Dingguo. Geng
Zhongming e Shang Kexi foram dados títulos semelhantes e instalados na área de
Guangdong. O primeiro mudou-se mais tarde para Fujian e seu título passou
sucessivamente para seu filho Geng Jimao e neto Geng Jingzhong. Seu Sangue foi
nomeado Príncipe Pacificador do Oeste e instalado na área de Yunnan. Quando o
imperador Kangxi tomou seu lugar no Trono do Dragão a ordem foi restaurada no
império.

Um sério declínio se estabeleceu durante os últimos anos do Imperador


Qianlong, que foram marcados pelo monopólio de poder desfrutado por Heshen, em
cerca de 1775, enquanto na eclosão da Rebelião do Lótus Branco 16 Em Sichuan,
Shaanxi e Hubei, as províncias anunciaram o fim da Idade de Ouro dos imperadores
Kangxi, Yongzheng, e Qianlong, que pode ser considerado como tendo durado um
pouco menos de cem anos.

Nos primeiros anos após a captura do exército Qing de Pequim, visando a


passagem de Shanghai, Qing fez grandes esforços para reverter a má administração
que havia se caracterizado no último período da dinastia Ming. Eles aboliram de
maneira imediata as caracterizadas as "Três Provisões do Exército", um termo geral
para as três formas de tributação imposta pelo governo Ming, liaoxiang, jiaoxiang e
lianxiang.

Contudo, a parte inicial do reinado do Imperador Shunzhin foi marcado pela


instabilidade política, devido a relativa hostilidade entre a etnia chinesa Han e seus
respectivos mestres, os Manchus. Entre tais razões, estavam inclusas: as políticas
de fechamento de terras e a severidade das medidas tomadas contra os
denominados "Tao Ren" ou "Fugitivos", que prejudicaram seriamente a estabilidade

16 A Rebelião do Lótus Branco (1796-1804),foi uma rebelião iniciado pelos seguidores do Lótus
Branco em grande escala nas regiões montanhosas da China central que contribuiu para o declínio
da dinastia Qing.
36

social do império. De acordo com a política de fechamento de terras, terras não


cultivadas sem proprietários seriam realocadas a generais e soldados dos Oito
Estandartes.

Os Oito Estandartes (Chinês: Pinyin, Qi ou Baqi), eram uma organização


militar utilizada pelas tribos Manchu da Manchúria (Nordeste da China) para a
conquista e controle da China no século XVII. O sistema de bandeiras foi
desenvolvido pelo líder manchu Nurhachi (1559–1626), que em 1601 organizou seus
guerreiros em quatro companhias de 300 homens cada. Os grupos se distinguiam
por estandartes de diferentes cores - amarelo, vermelho, branco e azul. Em 1615
foram acrescentadas mais quatro bandeiras, usando as mesmas cores bordadas em
vermelho, sendo a bandeira vermelha contornada em branco. À medida que os
manchus expandiram suas conquistas, o tamanho das companhias crescia até que
cada uma chegasse a um número de 7.500 homens divididos em cinco regimentos,
divididos, por sua vez, em cinco companhias.
Todos os seguidores de Nurhachi, com exceção de alguns príncipes
imperiais, foram organizados neste sistema de Estandartes, que também tinha uma
função administrativa. A tributação, o recrutamento e o cadastramento da população
eram feitos por meio da organização da bandeira. Os vassalos viviam, cultivavam e
trabalhavam com suas famílias em tempos de paz e, em tempos de guerra, cada
estandarte contribui com um certo número de guerreiros.

Na prática, além das vilas reais dos Ming, muitas regras agrícolas pertencentes
aos camponeses comuns foram confiscadas, e em particular, com a intenção de
segregar os Hans dos Manchus, a política de fechamento de terras foi seguida por
um movimento de troca de terras, em que os terrenos pertencentes aos Hans
adjuntos às terras de Manchus fossem trocados por terras sem proprietários, em
lugares isolados, garantindo assim a separação social das duas raças e evitando a
mistura. Isso causou uma angústia excessiva para os moradores do norte,
especialmente em Pequim e arredores. (BEJA, p. 212, 2010)

A Lei do Fugitivo ou "Tao Ren Fa" tinha como principal alvo os escravos
serventes nos Oito Após o exército Qing ter ganho o controle da Planície Central da
China, os Hans cativos eram levados e transformados em escravos, enquanto os
37

que voluntariamente se tornassem escravos eram chamados de touchong. Uma


severa carrasca era aplicada para aqueles que davam abrigo aos escravos fugitivos.

Depois que o exército Qing adentrou as planícies, diversos escravos Han


desertaram, então foi determinado pelo governo que qualquer um que os abrigasse,
seriam feitos de escravos do mestre original junto com toda a família, e seus
vizinhos seriam banidos de suas terras. Muitas famílias que deram refúgio para
fugitivos sofreram dessa forma. Além de casos de tentativa e ameaças de extorsão
de famílias ricas, se fazendo passar por fugitivos e ameaçando denunciar às
autoridades como abrigadoras. (BEJA, p. 214, 2010)

Outro problema, surgido devido a um certo favorecimento a cultura Han da


parte do Imperador Shunzhi, e sua tendência de colocar oficiais Han em posições
importantes, assim formulando um ressentimento da aristocracia das Oito Bandeiras.
Por outro lado, pessoas comuns e os literários do grupo étnico Han, especialmente
aqueles que vivem ao sul do Rio Yangtze, experimentou em primeira mão a
brutalidade com que o exército Qing reprimiu o regime Ming do Sul, ao entrar pela
primeira vez na China central, mantendo um forte senso de superioridade da cultura
Han sobre outras culturas, uma vez que estes se mantiveram fortes às regras
Manchus. O desafio de como resolver os conflitos entre o Povo Han e Manchu,
restaurar uma ordem política estável e, principalmente, ganhar o apoio das regiões
habitadas por Han em geral foi um dos legados que o imperador Shunzhi deixou
para seu sucessor, Kangxi. (BEJA, p. 214, 2010)

O Imperador Kangxi, que ascendeu ao Trono do Dragão muito jovem, foi


assistido por quatro regentes. Mas sua carreira como imperador apenas realmente
começou depois da posse das rédeas do poder e se livrar do regente Oboi, que
havia manipulado os assuntos de estado para seu próprio benefício. A primeira
decisão estratégica do imperador foi reprimir a Revolta dos Três Feudatários. Isso
lançou as bases sobre as quais a prosperidade dos anos seguintes foi construída.

2.6 O Rendimento Econômico do meio Imperial.

Na Dinastia Qing, a ascendência da agricultura foi mantida e ao mesmo tempo, a


dependência do estado dos impostos sobre a terra. O aumento demográfico foi
muito grande no período de cem anos, de 1740 a 1850, triplicou. Isso implicou na
38

necessidade de aumentar o rendimento da terra a fim de manter o nível de


consumo. Foram recuperados terrenos para a lavoura por meio de obras de
irrigação, dois ou mais colheitas de arroz foram alcançados no ano, foram cultivadas
novas safras naturais da América, como batata, amendoim, milho e métodos de
cultivo aperfeiçoados. (BEJA, p. 216, 2010)

Durante o século XVIII quase não existiam grandes latifúndios e a terra presente
estava em posses privadas, às vezes de pequenos proprietários. Na maioria dos
casos os camponeses eram inquilinos que deveriam pagar uma taxa do aluguel em
dinheiro ou em espécie. Os processamentos de produtos agrícolas, manufaturas
têxteis, metais, papel, cerâmica e outros constituíram a maioria das produções
industriais. A indústria de manufatura foi localizada nos centros urbanos, mas
também havia produções domésticas nas áreas rurais. (BEJA, p. 216, 2010)

Nos últimos anos, na historiografia da China, especialmente marxista, surgiu


uma controvérsia sobre a possibilidade de reconhecer em alguns aspectos da
economia a partir de Ming, e especialmente na Qing, as erupções do capitalismo.
Percebe-se que com o surgimento de pequenos proprietários, inquilinos e de mão de
obra assalariada modificaram as relações feudais tradicionais entre camponeses e
latifundiários. Ao mesmo tempo surge uma classe proletária que começou a
negociar o excedente da produção agrícola e em alguns casos a plantação e
produtos agronômicos destinados à venda. No entanto, na China a maioria dos
proprietários optou por alugar a terra em vez de explorá-la de outras maneiras e
tratavam para alcançar status de destaques em suas comunidades, o que limitou
suas atividades comerciais. Em relação à indústria, as manufaturas têxteis não
podem ser consideradas indústrias modernas e nem pareciam anunciar uma
revolução industrial.

O comércio interno na era Qing foi conduzida por milhares de pequenos


mercados para os quais os camponeses iam trocar seus produtos com o intuito de
adquirirem os itens necessários do cotidiano como óleo, linha, agulhas e utensílios
que os comerciantes vendiam enquanto viajavam para os grandes centros. Ali se
realizavam atividades mercantis importantes como a venda de grãos derivados de
leitos de terras alugadas, transações bancárias, etc. No entanto, o transporte caro, a
infinidade de procuradores, a variedade de moedas locais, impediu o
39

desenvolvimento de um verdadeiro mercado nacional. Em 1757, foi suspenso a


proibição do comércio com estrangeiros, mas apenas poucos comerciantes, um
grupo de nove empresários chamados Cohong, possuíam um monopólio dessa
atividade e foi através deles que o comércio com o continente europeu foi realizado.
(BEJA, p. 217, 2010)

O governo arrecadou impostos sobre a terra, agricultura e o comércio. O imposto


sobre a terra foi pago em parte em prata à parte em espécie e constituíam 73,5% da
renda do estado. Durante o reinado de Kangxi, a carga tributária não era muito
elevada, porém mais tarde eles foram adicionando impostos que foram somados aos
frequentes abusos de cobradores e extorsões, tornando a situação intolerável. Dos
tributos recebidos pelo governo do comércio, o mais formidável era o sal, que era
um monopólio estatal. Existiam também taxas alfandegárias sobre o comércio nas
áreas costeiras, nos rios e em certas posições de rotas terrestres.

2.7 A Hierarquia Vivente.

Durante o final do século XVIII, a China possuía uma população de cerca de 300
milhões de habitantes, concentradas em sua maioria nas planícies do norte, no vale
de Yangtze, na costa sul e na província de Sichuan. 90% dessa população era rural
e vivia e habitavam povoados ou pequenas cidades e o restante residia nas grandes
cidades com cerca de 10.000 habitantes ou mais. As cidades eram protegidas por
muros, tinham uma guarnição militar treinada e normalmente eram sedes
administrativas onde se encontrava edifícios públicos e privados, salões para a
realização de exames e academias. (BEJA, p. 218, 2010)

Determinadas cidades também eram importantes núcleos comerciais onde


existiam mercados, bazares, guildas e bancos. As aldeias caseiras eram rodeadas
por campos e atividades coletivas, como a organização de milícias, controle das
águas correntes para o plantio e ações religiosas. A comunicação de uma aldeia
com a próxima fora baseada na pequena cidade mercantil mais próxima. Quando
pensamos sobre a China como modelo de governo centralizado, é esquecido que
para a maioria de seus habitantes, o mapa de referência era muito limitado e se
restringia à família, clã e um território não muito extenso. No entanto, as aldeias não
eram autossuficientes e necessitavam de um determinado nível de intercâmbio e de
40

suporte organizacional e militar. Pequenas unidades foram reconhecidas como parte


de regiões maiores, nas quais prevalecia uma determinada unidade de linguagem e
práticas religiosas e sociais.

Um grupo de notáveis, os Shensi, exerceram um papel importante na aquisição


da integração regional que começou nos povoados e ampliou-se para alcançar,
mesmo que indiretamente, os centros. Tais proprietários letrados e burocráticos era
os intermediários entre as sociedades locais e a economia, a política e a cultura
tanto regionais como nacional compreendiam como manter um equilíbrio de
interesses servindo como funcionários a serviço do estado chinês, e se prevenindo,
como uma elite local, de que o estado adentra-se em planos locais para realizar
mudanças na sociedade. (BEJA, p. 218, 2010)

Os negociantes sempre tiveram que batalhar contra os abusos dos quais os


empregados os submetiam e frequentemente apelavam para o suborno. Como de
costume, os camponeses eram a classe mais explorada; os inquilinos traziam o
fardo dos aluguéis e outros serviços e os pequenos proprietários cobravam impostos
extremamente altos. Além disso, se encontravam trabalhadores agrícolas sem-terra.

Como em estações passadas, a família chinesa era a unidade econômica básica


para a produção e distribuição; na família haveria a educação com os mais jovens e
o cuidado com os mais velhos. Todas as formas de abuso e subordinação da figura
da mulher cresceram durante a Dinastia Qing, quando pés enfaixados foram muito
populares, o infanticídio feminino era frequente, o concubinato prosperava. O
suicídio das viúvas era considerado como o teste máximo de castidade e virtude e
as famílias das “suicidas” eram honradas pelo estado. (BEJA, p. 219, 2010)

Os primeiros imperadores Manchus almejaram intervir para acabar com alguns


dos costumes mais opressores, mas se depararam com grande resistência por parte
dos confucionistas e tiveram que abandonar tal iniciativa. Todavia, não faltaram
autores que divulgassem seu apoio perante as mulheres pré-existentes,
representado em suas novelas personagens femininas com astúcia e valores
admiráveis.

Graças ao desenvolvimento de uma classe urbana economicamente alentada,


em alguns lares as mulheres tiveram a oportunidade de receber educação e
41

escreveram poesias e ensaios. Porém, pode-se assegurar que a opressão perante


as mulheres foi o último bastião do conservadorismo na China.

Qiu Jin (1875–1907), uma revolucionária, escreveu ativamente para jornais e


revistas revolucionárias, para que abraçassem a igualdade entre homens e mulheres
e a libertação feminina. A propagação do pensamento democrático e revolucionário
fez uma boa preparação para a vinda da revolução capitalista.

2.8 O Tratado de Nerchinsk: O Conflito Cultural.

Sendo o primeiro acordo subscrito pela China com uma potência europeia, o
Tratado de Nerchinsk foi assinado em 27 de agosto de 1689, junto com o Czarado
da Rússia. O tratado delimitava as fronteiras entre China e Rússia e finalizava uma
série de conflitos entre os exércitos chineses fixados na Manchúria e diversas
colônias russas como Albazin e Nerchinsk, povoadas em sua maioria por cossacos.
(Tratado de Nerchinsk – Site: Britannica.com)

O Tratado foi assinado por F. A. Golovin, I. O. Vlasov and S. Kornitzky,


representado o Império Russo, e Songgotu, Tung Gaughan e Lanthan,
representando a Dinastia Qing. Foram produzidas versões em russo, manchu e em
latim. Esse tratado foi precedido por um conflito militar iniciado na década de 1680,
no qual as duas potências disputaram a região do Rio Amur. Na época da assinatura
do Tratado, Nerchinsk estava sitiada por tropas da dinastia Qing. Por meio deste
tratado, o Império Russo deixou de exercer o controle sobre quase todas as terras
do curso superior do Rio Amur. Albazin foi abandonada pelos russos.

Por outro lado, a Dinastia Qing se comprometeu a não ocupar a região de


Albazin. O Tratado também permitiu o comércio mútuo entre os cidadãos do Império
Russo e súditos da dinastia Qing. O Tratado de Nerchinsk foi falho, pois tinha uma
série de imprecisões nas delimitações das fronteiras, pois, no momento da
assinatura, as partes não tinham nenhum mapa preciso da região. Além disso, as
versões em russo, em manchu, e em latim não eram idênticas. Por meio deste
tratado, Rússia renunciava a qualquer reclamação sobre a região do Rio Amur, que
até então fora a sua via de saída para o Mar de Okhotsk, e reconhecia os limites do
seu império na cordilheira de Stanovoi e o rio Argun.
42

Em consequência, Albazin, que ficava em território chinês, foi destruída e


abandonada. Pedro o Grande conseguia como contrapartida uma paz duradoura
com o Imperador Kangxi e os seus descendentes, ademais de privilegiadas relações
comerciais com o Império Qing. Na assinatura do tratado foram de vital importância
os missionários jesuítas da Corte de Kangxi, nomeadamente Jean-François
Gerbillon e Tomás Pereira, que serviram como tradutores do chinês para o latim,
idioma que os oficiais russos conheciam. As condições de Nerchinsk mantiveram-se
até à assinatura dos tratados de Aigun (1858) e Pequim (1860), quando Rússia
forçou a enfraquecida Dinastia Qing a ceder-lhe importantes territórios na zona do
rio Amur e Ásia Central em troca de praticamente nada. Estes últimos tratados
estabeleceram a maioria das atuais fronteiras da China e Mongólia.

Capítulo 3 – De tempos turbulentos a um novo horizonte.

Nesse capítulo, será realizado uma precisa e minuciosa apresentação sobre o


que foi o ópio e sua grande influencia na região chinesa, que antecede muito a
imposição feita pela Grã-Bretanha. A embaixada realizada por um estrajeiro em uma
terra milenar, A Missão Macartney, até as iniciativas de combate contra o
narcotráfico britânico comandados pelo Comissário Lin Zexu estarão presentes
nesse capítulo e toda essa apresentação culminara no momento mais importante
desta monografia: As duas Guerras do Ópio.

Será analisando como e porque a China sendo uma das maiores potenciais
autônomas (ou a maior) ignorava o fato de existirem povos e nações no Ocidente
que fariam intensas tentativas para fazerem parte de seu riquíssimo comercio e
revelará o quanto as terras de sua majestade (Inglaterra) não deixavam suas
ambições de lado, independente de um sucinto e direto “não”.

3.1 Ópio e a China.

A Papaver somniferum (papoula) tem se mostrado um extraordinário agente


em ambos os países que iniciariam uma guerra em seu nome no início da década de
1840. Na Grã-Bretanha e na China, começou como uma droga estrangeira (De
origem turca e indiana) que foi o primeiro narcótico naturalizado durante o século
XIX, no final daquele mesmo século, sendo duramente repatriado como uma
43

substância nociva e estrangeira. No decurso da maior parte do século, nem a


opinião médica popular ou especialista poderia sequer concordar em qualquer uso
relacionado ao ópio, com exceção de aliviar as dores. O ópio foi mais ou menos
prejudicial que o álcool? A droga bestializou seus usuários? Tais dúvidas e questão
debatidas dificilmente poderiam ser respondidas a respeito de sua gravidade com
total certeza. (Lovell, 2011, p.33) Como dito registrado por Lovell na citação abaixo:

“O desastre se espalhou por toda a parte enquanto o veneno


fluía para o interior... Aqueles que caíram nessa obsessão
sempre se perderão totalmente”, lamentou um fumante tardio
Qing, Zhang Changjia, antes de observar algumas páginas
seguintes, “Verdadeiramente, o ópio é algo que o mundo não
pode prescindir”. (Lovell, 2011, p.33)

A representação estereotipada de um usuário de ópio é de um consumidor


fadigado e com sonolência bastante excessiva; para os demais (incluindo Thomas
de Quincey, que caminhou pelas ruas de Londres noite adentro a base de
láudano)era uma espécie de estimulante. A população coolie 17 da China iria saciar
sua capacidade de trabalho árduo com o consumo de ópio ao meio-dia. No final do
século XIX, um eclesiástico advertiu que determinados grupos “Vivem literalmente
do ópio, isso é a carne e a bebida deles”. A situação se encontrava pouco diferente
na Londres vitoriana: “Um homem que está empenhado em um trabalho intenso,
toma sua pílula (de ópio) como preliminar”18, registrou um observante de meados
daquele século, “E muitos nunca bebem sua cerveja sem jogar um pedaço de ópio
nela”19. Para gerar ainda mais confusão sobre os efeitos do ópio, comandantes
britânicos presentes na China entre os anos 1840-1842 notaram que os guerreiros
do império Qing frequentemente se aprontavam para uma batalha ingerindo essa
substância: para uns o efeito era de tranquilidade, para outros era um efeito de
êxtase para o combate e em outros a sonolência se mostrava presente. (Lovell,
2011, p.33)
17Coolie é um termo usado historicamente para designar trabalhadores braçais oriundos da Ásia,
especialmente da China e da Índia, durante o século XIX e início do século XX. Atualmente, nos
países de língua inglesa, o termo é considerado como um apelido pejorativo e racista para as
pessoas de ascendência asiática.

18 Virginia Berridge, Opium and the People: Opiate Use and Drug Control Policy in Nineteenth and
Early Twentieth Century England (London: Free Association Books, 1999), 40. This is a highly
informative cultural, social and political history of modern English opium use.

19 Virginia Berridge, Opium and the People: Opiate Use and Drug Control Policy in Nineteenth and
Early Twentieth Century England (London: Free Association Books, 1999), 40. This is a highly
informative cultural, social and political history of modern English opium use.
44

Mesmo nos tempos atuais, após mais de um século de medicina moderna,


ainda se sabe pouco sobre a influência na construção humana. Seja comido, bebido
ou fumado, os resultados básicos da droga são os mesmos: é o ingrediente principal
da morfina, um alcaloide solúvel em lipídios que é absorvido pela corrente
sanguínea e (em segundos ou minutos, pendendo da força do preparo, a entrada de
administração e a sustentabilidade individual) pressiona botões – os receptores
opioides - nas células do usuário. Uma vez ativado, um desse botões – o receptor
M – diminui a liberação de transmissores químicos das terminações nervosas
envolvidas na sensação de dor. A analgesia produzida pela morfina e seus vários
análogos, como diamorfina (heroína), que pode parecer quase milagrosa, aliviando a
agonia em questão de minutos. O ópio será aproveitado para muito mais que um
simples analgésico. Quando começa a adentrar nossa corrente sanguínea, se dirige
até o intestino, causando assim um anulamento da diarreia e disenteria. Amenizando
a tosse, eliminado os núcleos cerebrais responsáveis pelo controle do impulso da
tosse. O efeito mais famoso, pode ser dito, é o efeito de estimular a liberação da
dopamina, o hormônio que comanda toda a atividade cerebral relacionada ao prazer.
Ou seja, o ópio deixa seus usuários extasiados. (Lovell, 2011, p.34)

Tal como todas as drogas, o ópio tem seus males colaterais. Um desses
males é sua capacidade para gerar náuseas (Um sinal provocado em 40% dos
pacientes aplicados pela morfina)20. Quando usado no alívio da dor, no lugar de
diarreia, pode acarretar uma incômoda constipação. Seu maior malefício é o hábito
de retardar, ou até mesmo entorpecer, as áreas do cérebro que controlam a
respiração. Em grandes quantidades, o ópio pode matar por causar hipoventilação,
redução da quantidade de ar que entra e sai dos pulmões durante a respiração, ao
usuário. Devido a quietação com que as overdoses de ópio na maioria dos casos
encontravam seu fim, o entorpecente tem sido um recurso milenar de suicidas e
assassinos. Na mesma proporção que a dopamina se intensifica sentimentos de
entusiasmo, também pode agravar outras, sensações menos agradáveis.
Estimulando e ampliando as percepções de medo e alerta, é um causador de
paranoia, e no pior dos casos suspeito de esquizofrenia. (Lovell, 2011, p.35)

20 H. P. Rang et al., Pharmacology (Edinburgh: Churchill Livingstone, 2000), 595.


45

Os disfarces históricos do ópio durante o último século acompanhados da


história da China têm sido quase tão diversificados quanto suas consequências
químicas. Para as potências europeias (que começaram a comercializar a droga no
início do século XVII), realizaram uma primeira oferta ao mercado chinês:

“as transações pareciam participar da natureza da droga”,


lembrou um contrabandista da aposentadoria, “eles
transmitiram um calmante estado de espírito com três por
cento de comissão sobre as vendas, um por cento sobre
retornos e sem dívidas incobráveis!” e em seguida, uma
justificativa ética para salvar a China de suas tendencias ruins
e viciantes “os chineses são todos mais ou menos
moralmente fracos” explicou um missionário britânico pós-
1842 “como você esperaria encontrar em qualquer nação
pagã; mas com o fumante de ópio é pior”. (Lovell, 2011, p.35)

Por volta do ano de 1870, o dissentimento ocidental da prática de ópio no


império do meio se inseriu a outros preconceitos mais arcaicos para no fim criar o
chamado “Perigo Amarelo”. A resposta cristã perante o opiómano chinês dizia-se na
lógica, que comprometia qualquer possibilidade de resposta humana normal: era
“uma forma de mania” ou um “potente necromante” que os deixavam completamente
imorais, um possível exército viciado compostos por xenófobos arquitetando uma
vingança contra o Ocidente, palavras vindas das potências europeias. No entanto,
para o povo Han, o ópio trouxe alguns benefícios (Assim como as ameaças do
vício): lucro, alívio de enfermidades menores ou crônicas e até mesmo prazer
estético. E mesmo após se transformar, no final do século, em um narcótico externo
precissionado à China por imperialistas conspiradores, não ficou assim por muito
tempo. O desprezo com o Ocidente rapidamente se reduziu a uma repulsa de si
mesmo:

Os britânicos podem ter nos trazido o ópio, foi o subtexto do


nacionalista pânico moral, mas nos permitimos ficar viciados.
Em 1839, na véspera da repreensão que desencadearia uma
guerra contra a Grã-Bretanha, os ativistas chineses anti-ópio
incluindo o intransigente Lin Zexu condenou-o com confiança
como uma praga “pior que as feras”; como uma “droga
destruidora de vidas que ameaça degradar todo o povo
chinês a um nível igual répteis, cães e suínos. Se ao menos
tivesse sido tão simples. (Lovell, 2011, p.36)

O ópio começou sua vida no império do dragão como uma importação de


regiões ocidentais (Grécia e Roma antiga, Turquia, Síria, Iraque, Pérsia e
Afeganistão); a primeira nota relacionado a China, em um compêndio médico, ocorre
46

na primeira metade do século VIII. Sendo comido ou ingerido na bebida, podendo


diferentes maneiras de preparação (moído, cozido, com mel, infundido, misturado
com gengibre, giseng, alcaçuz, vinagre, ameixas pretas, arroz moído, fungo de
lagarta), podia ser usado contra todos os tipos de doença como diarreia e disenteria,
artrite, diabetes, malária, tosse crônica, algum sintoma de constituição fraca.
Durante meados do século XI, era admitido pelo seu caráter jubiloso, assim como os
usos curativos. Um usuário satisfeito irá dizer “Faz bem à boca e a garganta” vários
outros vereditos de pacientes irão beneficiar o entorpecente (Ou medicamento na
região) tanto o sabor e composição quanto os efeitos afrodisíaco. (Lovell, 2011,
p.36)

O ópio chinês deveria em seu princípio ajudar no controle da ejaculação que,


como a teoria sexológica da época dizia, permitir que o esperma recuasse para
prolongar o prazer masculino. Afrodisíacos enriquecidos com ópio se tornaram uma
potente indústria em propagação na China Ming (1368-1644) provavelmente
responsável pela alta taxa de mortalidade dessa dinastia de imperadores (onze de
um total de dezesseis soberanos Ming não chegaram a terminar seu quadragésimo
aniversário). Por volta de 1958, como parte de um esforço final para erradicar o
narcótico na China, o recente governo comunista escavou a o túmulo de Wanli, um
imperador hipocondríaco (Embora tivesse tido uma vida longa) e ao analisarem os
restos mortais do falecido Ming, fora descoberto morfina impregnada em seus ossos.

Na área gastronômica, cozinheiros do período Ming realizaram tentativas de


fritar o entorpecente, metamorfoseando a papoula em coalhada como um
equivalente do tofu. É correto afirmar que o ópio era um dos principais ingredientes
(Tanto uma cura quanto não sendo) para tudo que se podia imaginar na dinastia
Ming, a chamada “Grande panaceia de ouro” no uso contra dor de dente, pé de
atleta e muitas causas na área sexual, a droga sendo assim, era combinada muitos
outros componentes com propriedades milagrosas - segundo pensamentos da
época – como bezoares, pérolas, almíscar, catechu, cinábrio, sândalo branco, âmbar
até mesmo chifres de rinocerontes e antílopes; porém antes deveria ser banhado a
ouro, depois triturado, se transformando em pellets com leite materno para
finalmente ser ingerido com suco de pera, sendo indicado tomar um de cada vez,
segundo os livros farmacológicos. (Lovell, 2011, p.37) No entanto, o que levou a
China ao fumo do ópio foi a importação do tabaco vindo do Novo mundo entre 1573
47

e 1627 (No mesmo período que o amendoim, a batata e o milho), na metade do


século XVII fumar tabaco já havia se tornado um costume rotineiro em todo o
império do meio.

Quando a dinastia Qing se sentou no trono do dragão como a nova


supremacia após 1644, foram efetivadas tentativas agressivas de abolir o produto
dito como sendo “um crime mais hediondo do que negligenciar o arco e flecha”, o
resultado era que que vendedores poderiam ser multados, chicoteados e no pior dos
casos punidos com decapitação21. Mas durante 1726, o regime tinha acabado
perdido à visão do vício do tabaco no império como um trabalho ruim, agora dotado
de extensas porções de terra para o produto além das paredes da capital. Durante o
início do século XVIII, uma interessante descoberta chegaria para China,
diretamente de Java, sendo trazido em embarcações chinesas: havia sido
descoberto que o tabaco era ainda melhor se primeiro o embebesse com xarope de
ópio (transportado principalmente em cargas portuguesas). A primeira vez que se
olharia para essa novidade foi com a anexação da ilha de Taiwan como conquista
Qing, onde havia passado como importante encosta marítima do continente, logo
depois do interior:

Fumar ópio era ser sociável, habilidoso e cheio de espírito


empresarial (ostentando seus cachimbos-tubos feitos de
materiais como jade, marfim e carapaça de tartaruga,
utilizando as suas lâmpadas de prata para aquecer a
temperatura do narcótico e acomodados em seus belos sofás
de sândalo vermelho sobre onde os consumidores reclinavam
para relaxar). Também havia menos chances de matar o seu
consumidor do que a versão ingerida ou bebida da droga:
cerca de 80-90 por cento de morfina pode ter sido perdida em
fumos do cachimbo ou exalada. Através do final do século
XVIII e início do século XIX, a China tornou o fumo de ópio
como seu próprio: um pós-prandial chique; um lubrificante
essencial da canção (prostituição); uma ferramenta de
hospitalidade obrigatória para todos os que respeitam a seus
convidados. (Lovell, 2011, p.37)

Além da citação acima, fumar o ópio era uma válvula de escape para os
problemas cotidianos da época, como a pressão da corte imperial fora o próprio
imperador e sua família. As casas de ópio podiam ser corporações em condições
higienizados e até mesmo luxuosas dignas da nobreza, fugindo muito da visão
estereotipada do autor Charles Dickens (1812-1870), como uma simples “Casa de

21 Howard, ‘Opium Suppression’, 70–71.


48

cerveja intima”. Em 1922, o autor francês W. Somerset Maugham (1878-1965)


realizou o seguinte pronunciamento: Uma fase de maturidade na praga da droga na
China), na qual grupos acompanhantes de amigos podem desfrutar de um ou dois
cachimbos civilizados sobre chá e dim-sum. (Lovell apud Maugham,1922, p.60–61)

Figura 12 - Chineses fumando ópio.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.

Figura 13 - Funcionários e Mandarins fumando ópio.


49

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.
Figura 14 - Kit de ferramentas para fumar ópio.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.

Figura 15 - Cachimbo chinês de ópio.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021
50

Figura 16 - Lâmpada de ópio.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.

3.2 A Comissão Macartney.

No decorrer dos séculos, a relação mantida entre o império do meio com as


potências Ocidente foi marcada por uma intensa falta de contato entre si. Um
acontecimento que retrata efetivamente essa afirmação é a vinda do embaixador
britânico, lorde Macartney, á China em 1793. Lorde Macartney foi o primeiro homem
enviado a China afim de realizar um acordo comercial em nome da Grã-Bretanha,
liderando a primeira grande comitiva diplomática (Missão Macartney) composta por
soldados, mercadores, intelectuais, artistas e professores que detinham
conhecimento sobre o idioma chinês. Macartney trouxera junto de sua comitiva uma
extensa variedades de presentes entregues ao imperador Qianlong (1711-1799),
podendo ultrapassar de qualquer tipo de etiqueta para essa ocasião, claramente que
essa demonstração não seria para agradar o imperador de jade e sim encarnar a
monstruosa potência industrial e mercantil que o império Britânico era naquele
período. A comitiva de Macartney teve uma breve estadia em Cantão, de onde
51

percorreram pela costa do Rio das Pérolas para as provinciais do norte, atracando
em Tianjin. De lá, se dirigiram por terra, sendo escoltados, até que finalmente, após
longos nove meses, adentraram na cidade de Pequim, capital do império Qing.
(Senise, 2012, p.136)

Sobre Cantão, vale a pena mencionar brevemente a alfândega de


Guangdong: A Dinastia Qing implementou uma política de limitação alfandegária.
Em 1757, o imperador Qianlong ordenou o fechamento da alfândega de Jiangsu,
Zhejiang e Fujian, e Guangzhou foi a única cidade onde o comércio exterior era
permitido. A partir de então, a Alfândega de Guangdong tornou-se o importante
representante da Dinastia Qing no comércio exterior, responsável pela cobrança de
direitos fiscalizadores.

Figura 17 - Mapa da rota feita pela Comissão Macartney em 1793.

Disponível em: <https://brightonmuseums.org.uk/discover/2016/09/01/shaping-an-image-of-china-in-


the-west-william-alexander-1767-1816/>. Acesso em: 9 de novembro de 2021.

Entretanto, o cumprimento e respeito as normas de conduta de uma cultura


fora da realidade inglesa gerou uma embaraçosa situação em meio a corte imperial:
lorde Macartney se recusa com relutância a agir de acordo com o protocolo da Corte
chinesa e se negou fazer o kowtow, ritual que obrigava o visitante a realizar o ato de
52

se prostrar diante do imperador, tocando o chão com a testa por três vezes. É ciente
da existência de inúmeras versões diferentes para esse episódio, mas pode-se dizer
que mais aceita entre os historiadores é que:

Após negociações que levaram três meses, o britânico foi


recebido com cortesia pelo imperador, diante do qual apenas
curvou-se sobre um dos joelhos, tal como fazia frente a seu
próprio soberano europeu. Quianlong e seu ministro Henshen
finalmente se dispuseram a ouvir as reivindicações do
emissário ocidental: autorização para instalar um corpo
diplomático britânico em Pequim; fim do restritivo sistema do
porto único de Cantão e abertura de mais portos chineses ao
comércio ocidental; revisão do valor das tarifas alfandegárias,
consideradas abusivas pelos britânicos. (Senise, 2012, p.137)

O empenho do embaixador britânico, todavia, não lhe forneceu resultados


esperados: nenhuma das exigências chegaram ter a atenção do império da China.
Macartney regressou de mão vazias, mas trazendo uma mensagem do imperador
Quianlong ao rei Jorge III, cuja finalidade pode-se ser avaliada no trecho tirado:
“Nunca demos valor a artigos engenhosos, nem temos a menor necessidade das
manufaturas de seu país. Portanto, ó rei, no tocante à vossa solicitação de enviar
alguém para permanecer na capital, ao mesmo tempo que não estais em harmonia
com os regulamentos do Império Celestial, sentimos também que isso não trará
nenhuma vantagem para o vosso país.” (Spence, 1995, p.134)

É notado um forte cenário etnocêntrico presente aqui, do mesmo modo que


os britânicos vão questionar a etiqueta e cultura da China Qing por serem totalmente
diferentes dos impérios europeus. A China também ignorou o fato de o império
britânico ser uma das maiores forças (senão a maior) daquele período, essa
desinformação não se deve somente pela isolação continental com o Ocidente, mas
também porque a figura do imperador era vista como um ser divino oriundo de um
plano celestial e detinha poderes absolutistas, completamente diferente de qualquer
monarca da Europa.

Seu governo se deve pela existência do “Mandato do céu”, ou seja, o direito


divino de governar e o mandato do céu anunciavam a China como o único “Império
do Meio”, seus vassalos eram considerados como “cozidos” por estarem diante da
presença e servidão com o trono do dragão e os povos exteriores do Ocidente eram
vistos nada mais como meros bárbaros desprovidos de cultura, e a cena na corte
imperial demonstrou muito isso para povo Han. Sabe-se que Macartney viajou por
53

terra até Cantão, e de lá embarcar de volta a Grã-Bretanha. usufruiu dessa marcha


pelo interior da China para buscar melhores conhecimentos acerca do império e
seus habitantes, escrevendo anotações em seu diário com seus testemunhos. Os
manuscritos, mesmo demostrando seu respeito pela cultura chinesa, informa que é
inútil a persistência dos chineses perante expansão dos contatos com o Ocidente,
dado que não se pode “deter o progresso do conhecimento humano”. (Spence,
1995, p.134)

Nos próximos anos, a China permaneceu restringindo o comércio com os


ocidentais ao porto de Cantão, enquanto os britânicos começaram de tomar
caminhos mais agressivos no intuito de quebrar a resistência do Império do Meio ao
comércio com o Ocidente, um barril de pólvora estava prestes a ser acesso. (Senise,
2012, p.137).

Figura 18 - Esboço do primeiro encontro de Macartney com Qianlong, por William Alexander. O menino à direita
é George Staunton, de onze anos, que impressionou o imperador pela fluência em chinês.

Disponível em: <https://chinachannel.org/2018/05/18/macartney/> Acesso em: 9 de novembro de


2021.
54

Figura 19 - A Alfândega de Guangdong.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.

3.3 A Relação Comercial e Guerra contra as Drogas.

Na época presente, a influência de comerciantes europeus em águas


orientais se torna mais frequente, contudo, os imperadores Qing não demonstraram
sinais de interesse em estabelecer o comércio com o Ocidente, pois sua maior
prioridade no momento era resolver as questões internas de seus próprios domínios.
A taxa de crescimento da população chinesa havia aumentado gradativamente
durante os chamados anos de paz e já estava se aproximando da casa dos
quatrocentos milhões, às vésperas do século XIX. Desse modo, os abastecimentos
alimentares tornaram-se escassos, obrigando o governo a aumentar os impostos. A
corrupção se expande pelo império e os habitantes começaram a se deslocar pelas
províncias ou deixaram o país na tentativa de conseguir oportunidades de trabalho.
(Senise, 2012, p.143)

As condições pela qual a China Qing passava eram pertinentes para


manifestações de insatisfação contra a dinastia reinante – e de fato, não diminuíram.
As sociedades secretas nacionalistas, que possuíam ambições políticas, começaram
a hostilizar a dinastia Qing e a mobilizar rebeliões de camponeses que abalou todo o
território da China no meio de 1795 e 1804. Nesse entremeio, forasteiros
55

provenientes de várias partes do mundo miravam a costa chinesa, ansiando por


circunstâncias oportunas para expandir sua participação naquele rico mercado.

Produtos chineses como a seda, chá, as famosas cerâmicas e as lacas


tiveram sua demanda pelo Ocidente ao longo do século XVIII. Porém, mesmo
assegurando vultosos lucros, determinada relação comercial nunca foi tão simples
assim, devido a autonomia da China e da clássica insinuação de superioridade do
império do meio sobre os “bárbaros estrangeiros”. Havia constantes reclamações de
negociantes europeus, em especial os britânicos, em razão das limitações para
realizar o livre comércio além da negação do império chinês de constituir laços
oficiais com as potências ocidentais:

Diante da insistência, em 1720, o governo chinês resolveu


abrir Cantão ao comércio, e os mercadores chineses criaram
sua própria corporação, a Co-hong, que obteve o monopólio
sobre as transações com os estrangeiros. Os rendimentos do
império eram altos por conta dos impostos pagos pelos
mercadores locais e também pelos navios estrangeiros que
aportavam em Cantão. (Senise, 2012, p.143)

No ano de 1760, foram decretadas leis chinesas bastante rígidas para


regulamentar todas as atividades de comércio estrangeiros no seu porto e não eram
somente restritas à prática do comércio: (Senise, 2012, p.144)

● Os estrangeiros não poderiam comprar livros chineses nem aprender o idioma


chinês;
● Nenhum navio de guerra estrangeiro podia ancorar no porto de Cantão; Não
era permitido manter mulheres nem armas de fogo nas dependências do
complexo de armazéns reservado aos estrangeiros, dentro do porto de
Cantão;
● Navios estrangeiros não podiam estabelecer contato direto com a população
ou com mercadores chineses, a não ser com a supervisão de autoridades
locais;
● Cada nação estrangeira deveria ter seu próprio armazém e só poderia manter
a seu serviço oito funcionários chineses;
56

● Estrangeiros não podiam se comunicar com oficiais chineses, exceto por meio
de pessoas nomeadas pela Co-hong, escolhidas entre os comerciantes
nativos de Cantão;
● Os estrangeiros não tinham permissão para navegar livremente com seus
barcos no rio. Somente nas oitava, décima oitava e vigésima oitava lua todos
os barcos poderiam subir o rio, mas teriam que passar por inspeção, para
impedir que armas de fogo e armas brancas pudessem ser furtivamente
introduzidas em território chinês; nesses dias os bárbaros estrangeiros
poderiam visitar o Jardim das Flores e o templo de Honam, mas apenas por
cerca de uma hora e em grupos de não mais de dez pessoas. Caso os
estrangeiros ousassem entrar nas vilas, praças públicas ou bazares de
Cantão, severas punições deveriam ser aplicadas a seu acompanhante e
intérprete chinês;
● Os estrangeiros deveriam viver nas feitorias e não poderiam entrar e sair com
frequência desses locais; poderiam caminhar livremente dentro dos limites de
cerca de cem jardas de suas respectivas feitorias;
● Mercadores estrangeiros não deveriam permanecer em Cantão depois da
temporada de comércio, de outubro a maio. Eles deveriam voltar para seus
respectivos países ou ir para Macau, o enclave português situado na
embocadura do porto.

A conclusão, de fato tais normas eram muito restringidas, mas não se deve
afirmar que essas precauções eram meramente fruto da intolerância daquele povo,
como se pensava os estrangeiros vindo do Ocidente, em razão de haver registros
históricos de que eram presentes abordagens ignorantes, como brigas e desrespeito
perante as autoridades locais, especialmente vindos de britânicos que
comercializavam na região sob a mediação de Macau, anteriormente a abertura do
porto de Cantão. De qualquer forma, ficava claro que as forças imperiais chinesas
não cogitavam a ideia de facilitar a vida dos comerciantes europeus, mesmo porque
o império era extenso em tamanho e detinha meios de produção variados o bastante
para se privarem das artigos de consumo que qualquer nação da Europa, ou melhor,
do Ocidente tinha a oferecer.

Ainda que mesmo com tais dificuldades, os comerciantes estrangeiros afluíam


em grande número a Cantão: Os russos não eram admitidos em Cantão:
57

Os russos não eram admitidos em Cantão. Nesta cidade


existiam, porém, austríacos, prussianos, dinamarqueses,
suecos e espanhóis. O comércio mais importante era
efetuado pelos ingleses, holandeses e franceses. No dia 29
de setembro de 1765, [...] estavam fundeados em Cantão 34
navios, dos quais 21 ingleses, 4 holandeses, 4 franceses, 3
suecos, 2 dinamarqueses. A partir de 1784 surge um novo
concorrente, que se torna muito perigoso: os Estados Unidos.
[...] em 1790 entraram em Cantão 40 navios provenientes de
Nova York, Boston e Filadélfia. (Senise apud Mousnier, 1995,
p.423)

Os Treze Hongs eram a rua exclusiva de comércio com o exterior permitida


pelo governo de Guangzhou antes do início da “Guerra do Ópio”. Os Treze Hongs
eram responsáveis por fornecer seguro para mercadores estrangeiros, pagar
impostos sobre commodities, matérias-primas que não se diferem independente de
quem as produziu ou de sua origem, de navios mercantes estrangeiros, informar os
mercadores estrangeiros sobre questões governamentais e gerenciar mercadores
estrangeiros. A maioria dos comerciantes estrangeiros em Guangzhou vivia perto do
Rio das Pérolas, perto dos Treze Hongs.

Figura 20 - As Treze Hongs em Guangzhou.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro
de 2021.
58

Figura 21 - Anúncio de Chá Inglês.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.

No alvorecer do século XIX, o comércio entre o império britânico com a China


ainda era insuficiente, isso se mostrava através de dois fatores principais que
dificultaram a situação: o aumento crescente da demanda pelo chá chinês, pois seu
consumo foi propagado fortemente no cotidiano d sociedade inglesa, a hora do chá
por exemplo, e a ação de comerciantes do norte da China que estrearam a
distribuição do algodão no Sul, mercadoria que era produzida no interior do império,
disputando ao lado do algodão indiano que os ingleses ofereciam à China como
escambo pelo chá. A alternativa britânica então seria vender as lãs produzidas em
suas indústrias, no entanto, os chineses, já habituados milenarmente ao algodão e à
seda, rejeitaram a contraoferta. (Senise, 2012, p.145)

Os britânicos desesperados para garantir seu lugar no abundante mercado da


China, trataram de promover a circulação de outros produtos indianos, naquele
período uma colônia inglesa, ao povo Han, em especial um tipo de mercadoria que
há muito tempo era utilizado para propósitos medicinais: o ópio. Devido ao seu
descontentamento com as advertências do império chinês, os britânicos
59

aumentaram a oferta desse produto e passaram a distribui-lo como entorpecente.


Senise irá acrescentar que:

Para tanto, subornaram oficiais e organizaram redes de


contrabando que distribuíam amostras da droga pelo território
adentro. A droga, tradicionalmente empregada na medicina
chinesa para cortar vômitos e diarreia, começou a ser usada
para recreação, por pessoas das diversas camadas da
sociedade chinesa. Em 1800, o governo imperial proibiu sua
importação, mas, a despeito disso, o comércio do ópio
continuou a florescer e o contrabando passou a ser feito por
navios de vários países, Estados Unidos inclusive. (Senise,
2012, p.146)

Tendo conhecimento dos efeitos nocivos que o ópio poderia inflingir para a
população do império, o governo de Pequim realiza várias tentativas para bloquear o
contrabando dos ocidentais. Porém se encontrava um obstáculo para o chineses
que os deixava em desvantagem, A sua Marinha, composta por antigas
embarcações, não eram páreas em um confronto direto com as modernas naus
nascidas da Revolução Industrial. O desumano efetivo britânico alcançou resultados
(ou consequências). A droga criou um cenário em que a maior parte da população
se encontrava em estado de abatimento, calculasse que cerca de 12 milhões de
chineses se tornaram consumidores regulares de ópio.

Invertendo drasticamente a balança comercial da China, deixando para trás o


que era lembrado da potência nos anos anteriores, durante a década de 1830, o
comércio chinês estava se tornando cada vez mais escasso, dado que o valor das
tradicionais saídas de vendas chinesas não suprimia os altos gastos da população
com o vício. Nem ao menos a sua maior fonte de exportação, o chá, revelava bons
lucros, porque passou a ter concorrência com o chá indiano, que havia sido inserido
em manobra pelos britânicos na sua colônia com mudas chinesas. Essa
concentração de fatores determinantes obrigou o império do meio a tomar medidas
desesperadas como drenar suas reservas de prata para tampar esse débito
mercantil, infelizmente, tal execução apresentou desfechos desastrosos para a
economia imperial. (Senise, 2012, p.146)
60

Figura 22 - Vendas inglesas de ópio para China.

Fonte: Jonathan D. Spence, Em busca da China moderna. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 140. *
Cada caixa continha de 60 a 72 kg de ópio

O governo chinês, na altura da situação ponderou a legalização da droga e a


fundação de um monopólio estatal visando sua livre circulação, trocando-a por bens
chineses, da mesma maneira que era feito com o sal. Mas, por testemunho dos
males dos males que o vício havia causado nos seus habitantes, em 1838 o
imperador Daoguang22, envia para Cantão Lin Zexu23, um de seus oficiais mais
competentes, para tentar pôr um fim ao tráfico de ópio de uma vez por todas, uma
guerra contra as drogas.

No ano de 1839, Lin Zexu enviou um preciso registro denominado como


Memorial do trono (relatório com uma análise da situação de maneira a orientar a

22O imperador Daoguang (de 1782 a 1850) governou o Império Qing por 30 anos. Ele emitiu
decretos anti-ópio quase todos os anos durante seu reinado. Ele exigia que as supressões internas
e externas do ópio fossem importantes. Ele formulou Regulamentos sobre Supervisão na
Supressão do ópio e enviou Lin Zexu a Guangdong para suprimir o ópio. Obviamente, a campanha
anti-ópio lançada pelo imperador Daoguang foi muito influente, duradoura e rígida.

23 Lin Zexu (1785-1850) também chamado de Shao Mu, nasceu em Fujian Houguan (hoje
Fuzhou). Ele dirigiu a campanha anti-ópio. Ele alcançou resultados notáveis durante sua gestão
como vice-rei. Por um lado, tomou medidas rigorosas de prevenção do tabagismo e, por outro,
desenvolveu programas eficazes de tratamento para parar de fumar, que deram uma nova vida
a muitos viciados em ópio.
61

tomada de providências) para o imperador Jiaqing24, apresentando uma inspeção


realizada em Macau por ele mesmo que constava ali mesmo havia a presença de
entidades estrangeras não portuguesas que teriam fortes ligações com o
contrabando de ópio:

Um censo da população de Macau foi realizado sob suas


ordens, permitindo-lhe, entre outras coisas, saber que “os
ingleses que vivem sob regime de hospedagem nesta terra
somam 57 famílias” e que “um bárbaro inglês de nome
Yingyshi introduziu clandestinamente, a partir dum pontão
flutuante, oito caixas de ópio em Macau, depois interceptadas
pelo procurador de Xiyang [Reino do ‘mar do Oeste’, ou seja,
Portugal] e entregues a Canxun [Alexander Robert Johnston],
vice-cônsul da Inglaterra, a fim de serem apresentadas às
autoridades chinesas”. (Senise apud Saldanha e Ping Jin,
2000, p.76)

Com suas investigações alinhadas ao modos tradicionais da administração


Qing, Lin Zexu tentava obter permanência em sua ocupação, confiante que a ordem
poderia ser restaurada novamente. Ainda assim, por desgosto das limitações feitas
pela China, o tráfico ainda continuava a circular pelos bastidores, na maioria das
vezes com a colaboração de mandarins (funcionários do alto escalão) que haviam
sido comprados pelos negociantes britânicos. (Senise, 2012, p.148)

O Comissário Lin efetuou cerca de 1.600 prisões, confiscou mais de 20


toneladas de ópio e cerca de 70 mil cachimbos, tudo isso em torno de dois meses.
Além de que, determinou que os forasteiros entregassem os 20 mil caixotes de ópio
restantes que haviam sido mantidos ocultos das investigações de Lin Zexu em
balsas ne ilha de Lintin. No entanto, os britânicos não atenderam, aclamando que o
ópio de Cantão era propriedade da coroa britânica, as ordens do comissário e
somente cederam mil caixotes, despertando a ira de Lin, que sentenciou Lancelot
Dent, um dos maiores traficantes britânicos daquele período, a prisão. Mas esse
pedido foi recusado pela sociedade britânica, negando entregar Dent a justiça
chinesa.

Como resposta para essas atitudes, depois de auxiliar a retirada de todos os


trabalhadores chineses a mando dos estrangeiros. Lin forçou um cerco contra os

24O imperador Jiaqing (de 1760 a 1820) governou o Império Qing por 25 anos. Em 1796, logo depois
de ascender ao trono, ele emitiu um decreto imperial para interromper a cobrança de impostos de
ópio e proibir a importação de ópio. Na forma de legislação, foram emitidos os primeiros
regulamentos anti-ópio - Regulamentos sobre a Supressão do Ópio.
62

britânicos em seus respectivos locais de trabalho, depois de seis semanas de


bloqueio e com seus recursos e mantimentos começando a se tornarem escassos,
os traficantes britânicos se deram por vencidos e entregaram os 19 mil caixotes de
ópio que restavam, e que juntamente das apreensões já feitas, seriam destruídas a
mando das autoridades chinesas. Os negociantes britânicos contestaram
fervorosamente contra, acusando que o comissário Lin Zexu havia promovido
confisco de propriedade privada, mas a gratificação devido a carga destruída nunca
foi feita, recusada pelo governo imperial, e finalmente o comércio com o império
britânico foi decretado como proibido, a Grã-Bretanha então declara Guerra contra a
China Qing (Senise, 2012, p.148)

Figura 23 - A Destruição de ópio em Humen, supervisionada por Lin Zexu.

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.
63

Figura 24 - Retrato de Lin Zexu, autor desconhecido, óleo sobre a tela (Esquerda) e Decreto Imperial nomeando
Lin Zexu como comissário imperial para liderar a Marinha de Guangdong e suprimir o comércio de ópio (Direita).

Acervo: The Opium War Museum Dongguan Shi, China, 1957 - Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/partner/opium-war-museum> Acesso em: 09 de novembro de
2021.

3.4 A Primeira Guerra do Ópio (1839-1842).

O principal pretexto pelo qual a Grã-Bretanha teria iniciado a Primeira Guerra


do Ópio seria relacionado a afronta feita pelo Comissário Lin Zexu, que ao confiscar
todos os recipientes de ópio encontrados em Macau e destrui-los diante da
população, teria cometido o maior dos insultos que seria a “tomada” da propriedade
britânica, propriedade essa pertencente a vossa majestade a rainha Vitória, gerando
assim a ocasião perfeita para iniciar uma guerra de viés oportunista contra China.
(Wright, 2001, p.105).

As tropas britânicas não chegaram até junho de 1840, quando suas


embarcações de guerra levaram a luta até às portas do imperador, ancorando na
costa de Tianjin, saída de Pequim para o mar. Quando governador-geral manchu da
região, Qishan, convenceu os britânicos a retornarem para o sul de Cantão para que
pudessem resolver essa situação de forma política, sem ao som de disparos de
canhoneiras, ele na verdade estava secretamente tentando arranjar um acordo com
os britânicos sem a permissão do imperador Daoguang. Quando as negociações
64

tiveram seu início, o governador Qishan estava assombrado com as exigências


ousadas feitas pelos oficiais ingleses, pedidos como o pagamento de uma
indemnização de seis milhões de moedas de prata pelo ópio destruído pelos
homens de Lin Zexu e o cedimento da ilha de Hong Kong. O imperador Daoguang,
ao tomar conhecimento da negociação e vendo que seria inútil negociar com os
britânicos e evitar suas ondas de hostilidades, condena Qishan a prisão e logo após
ao exílio ao Norte da Manchúria. (Wright, 2001, p.105)

No mês de novembro de 1839, embarcações britânicas bombardearam a


cidade portuária Cantão. O conflito armado que duraria até o ano de 1842 seria
denominado pela história como a Primeira Guerra do Ópio, que culminaria em
conclusões catastróficas para o império da China. Com um poderio bélico muito mais
modernizado por conta dos avanços da Primeira Revolução Industrial, fora o seu
número de tropas que se somava com as providências de suas colônias próximas,
contando com a Índia, suas maiores ferramentas ofensivas eram canhoneiras,
munição de artilharia pesada e mosquetes de repetição, sem falar de sua força naval
(a maior até então conhecida). No caso da China, era uma situação totalmente
oposta, sendo que o império do meio se encontrava despreparado e com menores
chances para se equiparar a tamanho poder de fogo do império britânico, uma
guerra totalmente desigual. (Senise, 2012, p.149)

Logo após do bombardeamento de Cantão, as infantarias britânicas se


dirigiram para a região norte e, no ano de 1842, conquistaram as cidades de
Shangai e Zhenjiang, obstruíram o Grande Canal25 e o Rio Yang Tsé, no qual fluía o
transporte de grãos muito valiosos devido ao árido clima no norte da China em torno
da capital imperial. As forças britânicas planejaram uma invasão a Nanquim, atual
capital da província de Jiangsu, localizada na China Central. Houve uma sólida
resistência contra os avanços dos invasores britânicos, ainda assim, o exército
chinês não estava pareô diante o arsenal bélico mesmo as tropas Qing tentando

25 Grande Canal , chinês (Pinyin) Da Yunhe ou (romanização de Wade-Giles) Ta Yün-ho , também


chamado de Jing-Hang Yunhe ("Canal Pequim-Hangzhou") , série de vias navegáveis no leste e norte
da China que ligam Hangzhou na província de Zhejiang com Pequim . Com cerca de 1.800 km (1.100
milhas) de comprimento, é a hidrovia construída mais longa do mundo, embora, estritamente falando,
nem tudo seja um canal . Foi construído para permitir que sucessivos regimes chineses
transportassem grãos excedentes das regiões agrícolas ricos de Yangtze (Chang) e os vales Huai
pelos rios para alimentar as capitais e grandes exércitos permanentes no norte da China. É
reconhecida como Patrimônio Mundial da UNESCO .
65

aprimorar constantemente seu espólio militar, durante o começo das ofensivas em


1839.

Posteriormente, uma frota naval britânica navegou pelo rio Yangtze até a
cidade de Nanjing e se posicionou para bombardeá-la se um tratado de paz
formalmente não fosse oferecido. Essa sugestão era demais para o governo Qing
suportar, e em agosto de 1841 foi assinado o dos primeiros chamados “tratados
desiguais”26 já feitos, que abriria os portões da China a séculos trancados para o
comércio e exploração das nações ocidentais, o Tratado de Nanquim a bordo de
uma nau britânica ancorada fora de Nanjing. (Wright, 2001, p.106)

O acadêmico americano David Curtis Wright irá proferir em sua obra intitulada
“The História of China” (2001):

Para os chineses, a Guerra do Ópio era precisamente


isso: o ópio. Eles não tinham pedido aos britânicos para
virem à China, afinal, e mesmo assim eles eram
dispostos a acomodar o apetite insaciável da Grã-
Bretanha pelo comércio desde que os britânicos
respeitassem os costumes chineses e deixassem de
vender perigosos e narcóticos viciantes. Os britânicos,
por outro lado, insistiram que a Guerra do Ópio foi
travada por causa da obstinação da China impedância
do comércio, indignidades oferecidas à Coroa, e recusa
a curvar-se às normas diplomáticas britânicas. Os
britânicos fingiam que o próprio ópio era um mero
epifenômeno em comparação com estes maiores e
ganharam o seu ponto de vista através de uma simples
força de armas. (Wright, 2001, p.106)

Não é surpresa alguma afirmar que a Guerra do Ópio não solucionou todos
os conflitos entre a Inglaterra e a China, e o Tratado de Nanquim não previa que o
governo britânico almejasse de imediato sua representação diplomática na capital de
Pequim. Ainda que tivesse tido a abertura das demais cidades costeiras ou
chamados “portos do tratado” ao comércio estrajeiro com direito a residência para
os ofícios, a cidade de Cantão negou-se firmemente a aceitar a presença britânica.
Houve várias tentativas de abri Cantão e expandir o comércio para outra cidades
chinesas, nenhuma alcançou sucesso, os britânicos já por volta de 1850 chegaram

26 Os chamados Tratados Desiguais ou Tratados Iníquos foram uma série de tratados firmados
entre a China durante a Dinastia Qing e o Japão Tokugawa com as potências industrializadas
ocidentais entre meados do século XIX e o início do século XX após sofrer derrotas militares pelas
potências estrangeiras ou na presença de uma ameaça de ação militar por essas po tências. O
termo também é aplicado aos tratados impostos durante a mesma época à Dinastia Joseon da
Coreia e pelo Império do Japão pós-Restauração Meiji.
66

novamente à conclusão de que somente a guerra poderia desmoralizar a China e


subjugá-la a suas ordens. (Wright, 2001, p.107)

Só era necessário um estopim, uma provocação justificar uma empreitada


militar. Isso ocorreu no dia 8 de outubro de 1856, dessa vez não como uma afronta
perante a coroa de sua majestade, mas para o estandarte. Um navio de
originalidade chinês, nomeado como A Flecha, o mais patenteado do Reino Unido,
com uma bandeira britânica, foi atracado perto do porto de Cantão por autoridades
do governo chinês que estavam à procura de um corsário.

Quando os comerciantes britânicos contestaram contra o embarque não


autorizado, os chineses friamente informaram-nos de que não era de seu devido
respeito: o navio era propriedade chinesa e foi aportado por chineses em águas
chinesas. Os navios bandeiras eram os maiores possessões dos britânicos, e como
resposta, eles bombardearam Cantão por cerca de cinco dias no final de outubro.
após o cessar fogo:

os britânicos encaminharam lord Elgin (que foi governador-


geral do Canadá de 1847 a 1854) à frente de outra força
expedicionária, desta vez acompanhada de tropas francesas,
a fim de castigar os chineses. Em dezembro de 1857, os
fuzileiros sob o comando de Elgin invadiram Cantão,
capturara, o desafiante e xenófobo governador-geral onde lá
residia, e o levou para a Índia britânica. A força de Elgin
navegou então para norte até Tianjin e no começo de 1858
ameaçou a cidade. O apavorado governo Qing enviou
negociadores para lidar com os britânicos, e Elgin pressionou-
os a assinar o Tratado de Tientsin em 26 de junho de 1858. O
tratado prevenia uma embaixada britânica em Pequim, a
abertura de vários novos portos, indemnizações para a Grã-
Bretanha e a França, e viagens sem restrições em todas as
partes da China para todos partes da China para todos os
estrangeiros, incluindo protestantes e missionários católicos.
(Anteriormente ao tratado, os missionários e outros
estrangeiros eram permitidos somente nos portos do Tratado
de Nanquim.) (Wright, 2001, p.107)

Mas o confronto ainda estava longe de terminar. No mês de março de 1859, o


governo Qing demostrou resistência mínima no momento em que o embaixador
britânico se dirigiu em direção a cidade de Pequim a função de assumir seu cargo
nobre na capital. Isso gerou grande aborrecimento a potência Bretanha, emendando
assim em mais outro efetivo de militares britânicos contra a China, novamente
67

liderados por lord Elgin. Mas agora, os exércitos britânicos e franceses alcançaram
todos as passagens para a capital e eventualmente atearam fogo no Palácio de
Verão, morada dos imperadores Qing (Yuanming Yuan) levando-o a sua mais
completa destruição. Este foi o primeiro episódio em que uma potência imperialista
moderna alguma vez invadiu uma capital chinesa, o local onde se encontram as
ruínas do Palácio de Verão é preservado nos dias de hoje como um patrimônio
nacionalista para o povo chinês. (Wright, 2001, p.107)

Em 24 de outubro de 1860, lord Elgin proclamou ao povo da China a


convenção de Pequim, que proporcionou ao Reino Unido definitivamente
estabelecer diplomatas residências em Pequim. Outras sistematizações incluídas
como mais restituições, a cedências de posses para a Grã-Bretanha vindas da
província de Kowloon diante á ilha de Hong Kong, e que os missionários católicos
franceses possuíssem propriedades no interior da China.

Figura 25 - O navio a vapor Nemesis da Companhia das Índias Orientais (fundo à direita) destruindo juncos de
guerra chineses durante a Segunda Batalha de Chuenpi, 7 de janeiro de 1841.

Fonte: MACEDO, E. U. 2016


68

Figura 26 - Navios britânicos atacando uma bateria chinesa no Rio das Pérolas durante a primeira Guerra do
Ópio, 1841.

Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/Opium-Wars>. Acesso em: 9 de novembro de 2021.

3.5 O Tratado de Nanquim.

Em 29 de agosto de 1842 foi assinado o Tratado de Nanquim entre a China


(dinastia Quing) e a Grã-Bretanha encerrando a Primeira Guerra do Ópio (haveria
uma segunda guerra em 1856-1860). A Guerra do Ópio foi desencadeada pela Grã-
Bretanha contra a tentativa da China de interromper o comércio de ópio que era feito
por contrabandistas ingleses da Índia Britânica para a China.O tratado de Nanquim
continha doze artigos, entre os quais destacam-se: Abertura de cinco portos
chineses de Cantão, Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Xangai para o livre comércio
britânico e imediata suspensão de todas as restrições até então existentes no
comércio de Cantão.

Fim da proibição aos ingleses em fixar moradia nos portos chineses. Os


súditos britânicos receberam o direito de residir nas cidades portuárias e em
estabelecer consulados nos portos abertos. Fim da obrigatoriedade de mediação de
oficiais da corte chinesa nos trâmites comerciais. Os britânicos poderiam, a partir de
então, se comunicarem diretamente com as autoridades locais e as casas de
comércio. Tarifa de importação fixada em 5% nos portos abertos, a menor taxa de
importação do mundo da época.

Pagamento pela China de 21 milhões de dólares de prata à Grã-Bretanha


como indenização pelas 20 mil caixas de ópio britânico destruídas em Cantão, como
69

reparação das despesas militares da Inglaterra e compensação das dívidas


britânicas junto aos comerciantes chineses. Libertação imediata de todos os
cidadãos britânicos detidos e anistia incondicional a todos os chineses que serviram
aos britânicos. Estabelecimento de uma nova diplomacia entre a China e a Grã-
Bretanha em que os dois estados passariam se comunicariam diretamente, frente a
frente. Pelo antigo sistema, os britânicos eram considerados como “bárbaros” (Yi) e
o contato com o governo Qing só era possível através de intermediários.

Hong Kong O Tratado de Nanquim, em seu artigo 3, concedia Hong Kong à


Grã-Bretanha como “propriedade perpétua”. A ilha se tornou uma colônia do Império
Britânico. Na época, era um local quase vazio, povoado por cerca de 3.000
habitantes, espalhados em uma dúzia de aldeias de pescadores. Hong Kong veio a
se tornar um dos principais portos de entrada do ópio vindo da Índia. É dessa época
a criação do banco HSBC, em 1865, cuja sigla significa “Hong Kong and Shanghai
Banking Corporation”.

O banco foi fundado por um comerciante escocês especializado na


importação de ópio que representava, então, 70% do frete marítimo de Hong Kong.
Consequências do Tratado de Nanquim O tratado de 1842 foi uma enorme
humilhação para a China, que até então considerava-se o centro do mundo, e muito
superior a todos os “bárbaros”, especialmente os ocidentais. O tratado foi visto pela
nobreza chinesa e também pela população em geral como a derrota e a perda de
prestígio da dinastia Qing. Estudiosos chineses alertaram contra um efeito dominó,
pois outros países europeus tentariam impor contratos semelhantes o que levaria a
perda da soberania sobre o comércio exterior e ao declínio econômico, agravando a
crise cambial causada pela escassez de prata.

Na historiografia chinesa, o Tratado de Nanquim é visto como o primeiro dos


chamados “tratados desiguais”, isto é, tratados que não foram negociados por
nações em igualdade de condições, mas impostos após uma guerra e que
atentavam à soberania da China. Cerca de vinte tratados desiguais foram assinados
entre a China e os Estados Unidos, a França, a Rússia, o Japão e a própria Grã-
Bretanha. Em muitos casos, a China foi forçada a pagar grandes quantias de
reparações financeiras, abrir portos para o comércio e a ceder territórios como a
Manchúria para a Rússia, Taiwan para o Japão e a Baía de Jiaozhou para a
70

Alemanha. O Tratado de Nanquim também abriu caminho para a imposição de


tratados desiguais a outras nações orientais como o Tratado de Bowring (1855)
entre o Sião e o Reino Unido, Tratado de Saigon (1862) entre o Vietnã e a França, e
o Tratado de Ganghwa (1876) entre a Coréia e o Japão.

A China desperta Após a Primeira Guerra Mundial, a consciência patriótica na


China se voltou contra os “tratados desiguais” – termo que se tornou, então,
amplamente conhecido. O Partido Nacionalista e o Partido Comunista levantaram a
bandeira pela anulação desses tratados. Em 1927, Chiang Kai-shek (líder da
República da China entre 1928 e 1975) declarou às grandes potências que a China
havia sido explorada por décadas sob tratados desiguais e que o tempo para tais
tratados havia terminado. Exigiu a renegociação de todos os tratados em termos
iguais. A maioria desses tratados foi revogada durante a Segunda Guerra Sino-
Japonesa, iniciada em 1937 e incorporada ao contexto mais amplo da Segunda
Guerra Mundial. Sobreviveu à Segunda Guerra Mundial os tratados referentes a
Hong Kong que permaneceram em vigor até a entrega de Hong Kong em 1997,
quando o Reino Unido encerrou a administração dessa colônia e devolveu o controle
do território à China. Hong Kong tornou-se, então, uma região administrativa
especial e continuou a manter os sistemas de governo e econômicos separados dos
da China continental.

3.6 A Segunda Guerra do Ópio (1856-1860).

A Segunda Guerra do Ópio, Segunda Guerra Anglo-Chinesa, Segunda


Guerra da China, Guerra do Arrow, ou a expedição anglo-francesa na China, foi uma
guerra do Império Britânico e do Segundo Império Francês contra a dinastia
Qing da China entre 1856-1860. Esta guerra pode ser vista como uma extensão
da Primeira Guerra do Ópio, daí o nome que lhe foi atribuído.

Em 1856, ocorreu uma inspeção chinesa no "Arrow" - um navio chinês


com bandeira britânica - , o que foi considerada pelo Império Britânico como uma
violação do Tratado de Nanquim. Nesse contexto, o incidente foi utilizado como
pretexto para dar início a mais um conflito armado.
71

No primeiro momento do conflito, forças britânicas tomaram Guangzhou e


os Fortes de Dagu, no norte do país, abrindo caminho para um ataque à Pequim.

Realizaram-se negociações que, em 1858, resultaram no Tratado de Tianjin,


que permitiu a abertura de uma embaixada permanente do Império Britânico em
Pequim e a navegação estrangeira pelo Rio Yangtzé, abrindo-se onze novos portos
ao comércio com países ocidentais. O tratado também garantia proteção aos
chineses convertidos ao cristianismo e à atividade de missionários cristãos. Tais
vantagens foram estendidas também aos franceses e aos norte-americanos, com
base na Cláusula de Nação Mais Favorecida. Além disso, a China renunciava ao
emprego do termo "bárbaro" para se referir aos ocidentais.

Figura 27 - Rescaldo da Batalha do Forte Taku, 21 de agosto de 1860.

Fonte: Google Imagens, 2021.

Em maio de 1859, o Império Britânico enviou Frederick Bruce para instalar a


embaixada em Pequim, no entanto encontrou o rio, em frente aos Fortes de Dagu,
bloqueado com correntes e estacas de ferro e foi atacado por forças chinesas
enquanto tentava remover os obstáculos. Bruce foi forçado a recuar, na batalha
vencida pelos chineses.

Como resposta, em 1860, o Lord Palmerston enviou o Lord Elgin para liderar
uma expedição conjunta de britânicos e franceses para tomar Pequim. Após tomar a
cidade, Elgin ordenou o incêndio do Palácio de Verão do Imperador Xianfeng, que
destruiu inestimáveis tesouros artísticos.
72

Naquela época, apenas o Império Russo contava com uma representação


permanente em Pequim, que, mais precisamente era uma missão eclesiástica,
instalada há cerca de 150 anos.

O Império Russo tinha interesse em anexar territórios que eram considerados


pela China como "domínios exteriores" (partes da Manchúria, Mongólia e Xinjiang), e
naquele contexto de fraqueza da China, enviou o Conde Nikolai Ignatieff a Pequim,
que conseguiu convencer a corte chinesa de que o Império Russo seria capaz de
assegurar a retirada das potências ocidentais de Pequim. Por outro lado, Nikolai
apresentou o Império Russo como elemento importante para assegurar que os
chineses cumpririam o tratado que permitia a instalação de embaixadas em Pequim.

Em troca da mediação, que, em 1860, resultou na assinatura da Convenção


de Pequim com o Reino Unido, a França e a Rússia, o Império Russo recebeu a
desistência chinesa em reclamar soberania sobre 900 mil Km 2 que eram objeto de
disputa na Manchúria Exterior, incluindo parte da costa do Oceano Pacífico que
inclui a cidade hoje conhecida como Vladivostok, além da permissão para abertura
de consulados e para praticar comercio em Ulan Bator, na época conhecida como
Urga, e em Kashgar, por sua vez, o Império Britânico também obteve mandato
sobre Kowloon, um território adjacente a Hong Kong.

Diante da humilhação, o Imperador da China se retirou de Pequim, e seu


meio-irmão, o Príncipe Gong assumiu o governo de fato.

3.7 A Reforma dos Cem Dias e a Revolta dos Boxes.

Os Punhos Justos e Harmoniosos (Yihetuan) surgiram nas seções do interior


da província costeira de Shandong, no norte, há muito conhecidos por agitação
social, seitas religiosas e sociedades marciais. Os missionários cristãos americanos
foram provavelmente os primeiros a se referirem aos jovens bem treinados como
boxeadores por causa das artes marciais que praticavam. A excitação e a força
moral dos rituais do grupo eram especialmente atraentes para os homens das
aldeias desempregadas e impotentes.

A tensão internacional e a agitação interna alimentaram a disseminação do


movimento Boxer. Uma seca seguida por inundações na província de Shandong em
73

1897-1898 forçou os agricultores a fugir para as cidades e procurar comida. Outra


grande causa de descontentamento no norte da China foi a atividade missionária
cristã. O assassinato de dois missionários alemães em 1897 levou a Alemanha a
ocupar a baía de Jiaozhou, o que provocou uma disputa por concessões pelas quais
a Grã-Bretanha, França, Rússia e Japão também asseguraram suas próprias
esferas de influência na China.

O crescimento inicial do movimento Boxer coincidiu com a Reforma dos Cem


Dias (11 de junho a 21 de setembro de 1898). As reformas progressistas do
imperador Guangxu alienaram muitos funcionários conservadores. A oposição de
autoridades conservadoras levou a Imperatriz Cixi a intervir e reverter as reformas. O
fracasso do movimento reformista desiludiu muitos chineses cultos e enfraqueceu
ainda mais o governo Qing.

Em janeiro de 1900, a Imperatriz Cixi emitiu éditos na defesa dos Boxers,


causando protestos de potências estrangeiras. O movimento Boxer se espalhou
rapidamente. Depois de vários meses de crescente violência contra a presença
estrangeira e cristã em Shandong e na planície do norte da China, em junho de
1900, os combatentes boxeadores convergiram para Pequim. Estrangeiros e
cristãos chineses buscaram refúgio no Quartel da Legação. A Aliança das Oito
Nações enviou a Expedição Seymour para aliviar o cerco. A expedição foi parada
pelos Boxers na Batalha de Langfang e forçada a recuar.

O ataque da Aliança às Fortalezas Dagu levou o governo Qing e a hesitante


Imperatriz Cixi a apoiar e apoiar os Boxeadores. Em 21 de junho de 1900, ela emitiu
um decreto imperial declarando oficialmente a guerra contra as potências
estrangeiras. A Aliança formou a segunda maior Expedição Gaselee e finalmente
chegou a Pequim. O governo Qing evacuou para Xi’an. O protocolo Boxer terminou
a guerra.

Como resultado da rebelião, as potências européias cessaram suas ambições


de colonizar a China. Concomitantemente, este período marca a cessão da
interferência das grandes potências européias nos assuntos chineses, com os
japoneses substituindo os europeus como a potência dominante. A imperatriz Cixi
relutantemente iniciou reformas conhecidas como as Novas Políticas, apesar de
74

suas opiniões anteriores. A questão da interpretação histórica da rebelião


permanece controversa.

A tensão internacional e a agitação interna alimentaram a disseminação do


movimento Boxer. Primeiro, uma seca seguida por inundações na província de
Shandong em 1897-1898 forçou os agricultores a fugir para as cidades e procurar
comida. Outra grande causa de descontentamento no norte da China foi a atividade
missionária. Os tratados assinados após a Segunda Guerra do Ópio concederam
aos missionários estrangeiros a liberdade de pregar em qualquer lugar da China e
comprar terras para construir igrejas. Em 1897, um bando de homens armados que
provavelmente eram membros da Big Swords Society, um grupo tradicional de
autodefesa de camponeses espalhado pelo norte da China, invadiu a residência de
um missionário alemão e matou dois padres. Este ataque é conhecido como o
incidente de Juye. Quando o Kaiser Wilhelm II recebeu notícias sobre esses
assassinatos, ele despachou o Esquadrão Alemão da Ásia Oriental para ocupar a
Baía de Jiaozhou, na costa sul da península de Shandong. A ação da Alemanha
desencadeou uma disputa por concessões pelas quais a Grã-Bretanha, a França, a
Rússia e o Japão também asseguraram suas próprias esferas de influência na
China.

Em 1898, um grupo de boxeadores atacou a comunidade cristã da aldeia de


Liyuantun, onde um templo do Imperador de Jade foi convertido em uma igreja
católica. Este incidente marcou a primeira vez que os Boxers usaram o slogan
“Apoie os Qing, destruam os estrangeiros” que mais tarde os caracterizariam. Os
boxeadores chamaram a si mesmos de milícia unida em justiça pela primeira vez na
Batalha de Senluo Temple (1899), um confronto entre os boxeadores e as tropas do
governo Qing. Usando a palavra milícia em vez de Boxers , eles se distanciaram de
seitas de artes marciais proibidas e tentaram dar a seus movimentos a legitimidade
de um grupo que defendia a ortodoxia.

O crescimento inicial do movimento Boxer coincidiu com a Reforma dos Cem


Dias (11 de junho a 21 de setembro de 1898). Oficiais chineses progressistas, com o
apoio de missionários protestantes, persuadiram o imperador Guangxu a instituir
reformas que alienaram muitos funcionários conservadores por sua natureza
arrebatadora. Tal oposição de autoridades conservadoras levou a Imperatriz Cixi a
75

intervir e reverter as reformas. O fracasso do movimento reformista desiludiu muitos


chineses cultos e enfraqueceu ainda mais o governo Qing. Depois que as reformas
terminaram, a conservadora Imperatriz Cixi tomou o poder e colocou o reformista
imperador Guangxu em prisão domiciliar.

Apesar das fraquezas internas óbvias, a crise nacional foi amplamente vista
como sendo causada por agressão estrangeira. As potências estrangeiras
derrotaram a China em várias guerras, reivindicaram o direito de promover o
cristianismo e impuseram tratados desiguais, sob os quais estrangeiros e empresas
estrangeiras na China recebiam privilégios especiais, direitos extraterritoriais e
imunidade da lei chinesa, causando ressentimento e reações xenófobas entre os
chineses. Chinês. Quando a França, o Japão, a Rússia e a Alemanha esculpiram
esferas de influência, parecia que a China seria desmembrada, com poderes
estrangeiros cada um governando uma parte do país. Em 1900, a dinastia Qing
estava desmoronando e a cultura chinesa estava sob ataque de religiões e culturas
seculares poderosas e desconhecidas.

Em janeiro de 1900, com a maioria dos conservadores da corte imperial, a


imperatriz Cixi mudou sua política de longa data de reprimir Boxers e emitiu decretos
em sua defesa, causando protestos de potências estrangeiras. O movimento Boxer
se espalhou rapidamente. Eles queimaram igrejas cristãs, mataram cristãos
chineses e intimidaram as autoridades chinesas que estavam em seu caminho. Após
vários meses de crescente violência contra a presença estrangeira e cristã em
Shandong e na planície do norte da China, em junho de 1900, os combatentes de
Boxer, convencidos de que eram invulneráveis a armas estrangeiras, convergiram
para Pequim. Estrangeiros e cristãos chineses buscaram refúgio no Quartel da
Legação.

A Aliança das Oito Nações enviou a Expedição Seymour de tropas japonesas,


russas, italianas, alemãs, francesas, americanas e austríacas para aliviar o cerco. A
expedição foi parada pelos Boxers na Batalha de Langfang e forçada a recuar.
Devido ao ataque da Aliança aos Fortes Dagu, o governo de Qing, em resposta,
aliou-se aos Boxeadores e a imperatriz inicialmente hesitante Cixi apoiou os Boxers.
Em 21 de junho de 1900, ela emitiu um decreto imperial declarando oficialmente a
guerra contra as potências estrangeiras. A Aliança formou a segunda maior
76

Expedição Gaselee e finalmente chegou a Pequim. O governo Qing evacuou para


Xi’an.

Figura 28 - Revolta dos Boxes27

Fonte: Google Imagens, 2021.

O Protocolo Boxer terminou a guerra, assinada em 7 de setembro de 1901,


entre o Império Qing da China e a Aliança das Oito Nações que fornecia forças
militares (Áustria-Hungria, França, Alemanha, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e
nos Estados Unidos) mais a Bélgica, a Espanha e os Países Baixos. Ele previa a
execução de funcionários do governo que apoiavam os Boxers, a colocação de
tropas estrangeiras em Pequim e 450 milhões de taéis de prata – mais do que a
receita anual do governo – a ser paga como indenização ao longo dos próximos 39
anos. anos para as oito nações envolvidas.

Uma grande parte das indenizações pagas aos Estados Unidos foi desviada
para pagar a educação de estudantes chineses nas universidades dos EUA sob o
Programa de Bolsas de Indenização de Boxer. Para preparar os alunos escolhidos

27 Um boxeador durante a revolta, Departamento do Exército, Gabinete do Chefe do Sinal,


1899/1900: oficialismo chinês foi dividido entre aqueles que apoiam os Boxers e aqueles que
favorecem a conciliação, liderada pelo príncipe Qing. O comandante supremo das forças chinesas, o
general Manchu Ronglu (Junglu), afirmou mais tarde que agia para proteger os estrangeiros sitiados.
77

para este programa, um instituto foi estabelecido para ensinar a língua inglesa e
servir como uma escola preparatória. Quando o primeiro desses estudantes retornou
à China, eles ensinaram os alunos subsequentes. Deste instituto nasceu a
Universidade de Tsinghua. Parte da reparação devida à Grã-Bretanha foi
posteriormente destinada a um programa semelhante.

3.8 A queda do império do meio.

As duas Guerras do Ópio e o tráfico daquela droga foram custosos para


a Dinastia Qing e o povo chinês. O tesouro imperial quebrou duas vezes, por conta
do pagamento de indenizações devidas às guerras e à grande evasão
de prata causada pelo tráfico de ópio. A China sofreu duas fomes extremas vinte
anos após cada uma das Guerras do Ópio nos anos 1860 e 1880, quando a Dinastia
Qing se mostrou incapaz de acudir a população. Tais eventos tiveram um profundo
impacto ao desafiar a hegemonia de que os chineses gozavam na Ásia há séculos e
mergulharam o país no caos.

Uma vasta revolta, a Rebelião Taiping, fez com que cerca de um-terço do
país passasse ao controle de um movimento religioso pseudo-cristão chefiado pelo
"Rei Celestial" Hong Xiuquan. Somente ao cabo de catorze anos é que as forças
qings lograram destruir o movimento, em 1864. Estima-se que a rebelião teria
causado entre vinte e cinquenta milhões de mortos.

Os líderes qing suspeitavam da modernidade e dos avanços sociais e


tecnológicos, que viam como ameaças ao seu controle absoluto sobre a China. Por
exemplo, a pólvora, que havia sido largamente empregada pelos exércitos
das Dinastias Sung e Ming, fora proibida pelos qings ao assumirem o controle do
país. Por este e outros motivos, a dinastia encontrava-se despreparada para lidar
com as invasões ocidentais. As potências ocidentais intervieram militarmente para
reprimir o caos doméstico, como nos casos da Rebelião Taiping e do Levante dos
Boxers.

Nos anos 1860, a Dinastia Qing logrou sufocar revoltas, com enorme custo e
perda de vidas. Isto minou a credibilidade do regime qing e contribuiu para o
surgimento de senhores da guerra locais. O Imperador Guangxu procurou lidar com
a necessidade de modernizar o país por meio do Movimento de Auto-
78

Fortalecimento. O objetivo era modernizar o império, com ênfase primordial no


fortalecimento das forças armadas. No entanto, a reforma foi minada por
funcionários corruptos, cinismo e brigas dentro da família imperial. A partir de 1898,
a Imperatriz regente Cixi manteve Guangxu preso sob a alegação de "deficiência
mental", após um golpe militar por ela orquestrado com o apoio da facção
conservadora, contrária às reformas. Guangxu faleceu um dia antes da imperatriz
regente (segundo alguns, por ela envenenado). Os "novos exércitos" qings
(treinados e equipados conforme o modelo ocidental) foram fragorosamente
derrotados na Guerra Sino-Francesa (1883–1885) e na Guerra Sino-
Japonesa (1894–1895).

No início do século XX, o Levante dos Boxers, um movimento conservador


antiimperialista que pretendia fazer o país regressar a um estilo de vida tradicional,
ameaçou o norte da China. A imperatriz regente, provavelmente com o fito de
garantir o seu controle sobre o governo, apoiou os boxers quando estes avançaram
sobre Pequim.

Em reação, a chamada Aliança dos Oito Estados invadiu a China. Composta


de tropas britânicas, japonesas, russas, italianas, alemãs, francesas, norte-
americanas e austro-húngaras, a aliança derrotou os boxers e exigiu mais
concessões do governo qing.

Muitos setores da "classe média" chinesa eram a favor de uma necessidade


de reformas políticas que permitissem à China conseguir o desenvolvimento
econômico e social que havia atingido as potências ocidentais e o Japão. O Japão
havia conseguido um desenvolvimento econômico destacado após a restauração
Meiji, e muitos intelectuais chineses defendiam a necessidade de que a dinastia
Qing, empreendesse também reformas necessárias para se atingir um modelo de
monarquia constitucional, mantendo-se assim a tradição imperial e, ao mesmo
tempo, adotando um sistema político moderno, imprescindível para que a China
pudesse acompanhar as revoluções industrial e tecnológica, saindo, dessa forma, de
seu estado relativamente atrasado. Frente à estas correntes, outros reformadores
mais radicais propunham, inclusive, a necessidade de destronar a dinastia Qing,
vista por muitos como uma dinastia "estrangeira", devido à sua origem manchu, e
proclamar uma república.
79

Frustrados com a resistência da corte qing em reformar o país e a fraqueza


da China, jovens funcionários, oficiais militares e estudantes - inspirados nas ideias
revolucionárias de Sun Yat-sen - começaram a defender a derrubada da Dinastia
Qing e a proclamação da república. Um levante militar, conhecido como Levante
Wuchang, iniciou-se em 10 de outubro de 1911 em Wuhan, e levou à formação de
um governo provisório da República da China em Nanquim, em 12 de
março de 1912. Sun Yat-sen foi o primeiro a assumir a presidência, mas viu-se
forçado a entregar o poder a Yuan Shikai, que comandara o Novo Exército (tropas
chinesas treinadas e equipadas à maneira ocidental) e fora primeiro-ministro durante
a era qing, como parte do acordo para a abdicação do último monarca da dinastia.

Nos anos seguintes, Shikai aboliu as assembleias nacional e Provinciais e


declarou-se imperador em 1915. Suas ambições imperiais encontraram forte
oposição por parte de seus subordinados, de modo que terminou por abdicar,
morrendo em 1916 e deixando um vácuo de poder na China. Com o governo
republicano em frangalhos, o país passou a ser administrado por coligações
variáveis de chefes militares provinciais.

Um evento pouco notado, ocorrido em 1919 - o Movimento do Quatro de


Maio -, haveria de ter repercussões a longo prazo para o restante da história da
China no século XX. O movimento teve início como uma resposta ao que teria sido
um insulto imposto à China pelo Tratado de Versalhes, que encerrara a Primeira
Guerra Mundial, mas tornou-se um movimento de protesto contra a situação interna
do país. Entre os intelectuais chineses, a adoção de ideias mais radicais seguiu-se
ao descrédito da filosofia liberal ocidental, o que resultaria no conflito irreconciliável
entre a esquerda e a direita na China que dominaria a história do país pelo restante
do século.

Nos anos 1920, Sun Yat-sen estabeleceu uma base revolucionária no sul da
China e lançou-se à unificação de seu fragmentado país. Com auxílio da União
Soviética (recém estabelecida por Vladimir Lenin), ele aliou-se ao Partido Comunista
da China (PCC). Após a sua morte por câncer em 1925, um de seus
protegidos, Chiang Kai-shek, assumiu o controle do direitista Kuomintang (Partido
Nacionalista, ou KMT) e logrou reunir sob seu governo a maior parte do sul e do
centro da China numa campanha militar conhecida como a Expedição do Norte.
80

Figura 29 - Sun Yat-sen, proclamador da república e primeiro presidente da China.

Fonte: Google Imagens, 2021.

Após derrotar os líderes militares daquelas regiões, Chiang obteve a


fidelidade nominal dos líderes do norte. Em 1927, voltou-se contra o PCC e expulsou
os exércitos comunistas e seus chefes de suas bases no sul e no leste da China.
Em 1934, as tropas do PCC empreenderam a Longa Marcha, através da região mais
inóspita da China a noroeste, onde estabeleceram uma base guerrilheira em Yan'an,
na província de Shanxi.Durante a Longa Marcha, os comunistas reorganizaram-se
sob um novo chefe, Mao Tse-tung.

Assim como Mao, Chiang Kai-shek é considerado uma figura controversa.


Seus apoiadores o creditam por ter desempenhado um grande papel durante a
vitória dos Aliados da Segunda Guerra Mundial e ter unificado a nação, sendo
também um símbolo nacional e uma figura importante na resistência contra os
japoneses, os soviéticos e comunistas. Detratores e críticos o denunciam como
81

um ditador, um autocrata autoritário que reprimiu e expurgou seus opositores a todo


o custo, com prisões arbitrárias, torturas e assassinatos a todos que não apoiavam o
Kuomintang e outros.

O conflito entre o KMT e o PCC continuou, aberta ou clandestinamente, ao


longo dos catorze anos da invasão japonesa, apesar da aliança nominal entre
ambos os partidos para opor-se aos japoneses em 1937. As forças japonesas
cometeram numerosas atrocidades de guerra contra a população civil, incluindo
guerra biológica (ver Unidade 731) e a Política dos Três Todos (Sankō Sakusen),
sendo os três todos: "Matem Todos, Queimem Todos e Saquem Todos". A guerra
civil chinesa continuou após a derrota do Japão na Segunda Guerra
Mundial em 1945, após tentativas fracassadas de reconciliação e de solução
negociada entre o KMT e o PCC. Em 1949, o PCC já ocupava a maior parte do país.

Westad diz que os comunistas venceram a Guerra Civil porque cometeram


menos erros militares do que Chiang, e porque em sua busca por um poderoso
governo centralizado, Chiang antagonizou muitos grupos de interesse na China.
Além disso, seu partido foi enfraquecido na guerra contra os japoneses. Enquanto
isso, os comunistas disseram a diferentes grupos, como os camponeses,
exatamente o que eles queriam ouvir, e se cobriram na capa do nacionalismo
chinês. Durante a guerra civil, tanto os nacionalistas quanto os comunistas
realizaram atrocidades em massa, com milhões de não-combatentes mortos por
ambos os lados.Estes incluíram mortes por recrutamento forçado e massacres.
82

Figura 30 - Chiang Kai-shek, Presidente da República da China, de forma intermitente, de 1928 e 1949, e depois
de Taiwan de 1950 a 1975.

Fonte: Google Imagens, 2021.

Chiang Kai-shek refugiou-se, com o resto de seu governo, em Taiwan, onde


declarou Taipé a capital provisória da República da China. O governo de Chiang em
Taiwan foi ditatorial, ele impôs a lei marcial e perseguiu todos os socialistas, críticos
e opositores do seu regime na ilha no que ficou conhecido como "Terror Branco".

Após evacuar para Taiwan, o governo de Chiang e seus apoiadores


continuaram a declarar sua intenção de, um dia, retomar a China dos comunistas.
Chiang Kai-shek faleceu em 1975 (um ano antes da morte de seu rival Mao) e foi
sucedido pelo filho, Chiang Ching-kuo, que iniciou uma política de liberalização. Em
1977, foi abolida a lei marcial (em vigor desde 1946) e autorizado o funcionamento
de outros partidos. A morte de Chiang Ching-kuo, em 1988, acelerou a abertura do
regime, sob o comando de Lee Teng-hui. O Kuomintang venceu as eleições de
1992, as primeiras com a participação da oposição. Taiwan é
uma democracia semipresidencialista e com sufrágio universal desde o final da
década de 1980.
83

A Era dos Senhores da Guerra e Guerra Civil acelerou o declínio da


economia chinesa, que rapidamente declinou em comparação com o produto interno
bruto mundial. Embora o padrão de vida dessa era fosse baixo, a taxa de
numeramento da população chinesa - um índice que mede as habilidades numéricas
de uma sociedade e mostra uma forte correlação com o desenvolvimento econômico
posterior - era comparável àquelas dos países do noroeste da Europa e, portanto,
entre o mais alto do mundo. A diferença entre o potencial do capital humano do povo
chinês e o comparativamente baixo padrão de vida enfatiza o impacto negativo
dessa era política e social instável sobre a economia chinesa e também fornece uma
explicação para o crescimento econômico explosivo que aparece sempre que a
China desfruta de um período de paz interior.

Figura 31 - Mao Tse-tung proclamando a fundação da República Popular da China em 1 de outubro de 1949 em
Pequim.

Fonte: Google Imagens, 2021.


84

Considerações Finais

Foi por meio desta monografia que podemos desenvolver a busca pelo
conhecimento do saber a respeito de uma matéria muito pouco abordada na área de
História: A História da Ásia. Pois sempre é ensinado uma visão da trajetória
historiográfica da perspectiva Ocidental.

Ao nos aprofundamos muito mais na trajetória chinesa, jamais poderíamos sequer


imaginar que tamanha narrativa seria tão vasto e com uma variedade de
personalidades interessantes que nos fizeram ter outros olhos com o continente
asiático até os dias de hoje, em especial a China. Nos dias atuais a China é uma das
maiores potências mundiais com a maior população do mundo e sua citação ainda é
mais cotidiana por conta de ser o país de origem do vírus COVID-19, mais
precisamente na cidade de Wuhan.

Desde então, a China tem sido mirado com indiferença por pessoas do
exterior e sua formação historiográfica, assim como a de outras nações da Ásia,
estão cada vez mais ofuscadas com risco de se perderem no esquecimento, são
iniciativas como essas que mantém a história e memoria em total vigor. A Grã-
Bretanha sempre foi conhecida como rainha das potenciais imperialistas do século
XVIII-XIX, nunca é desconhecido o seu poder exploratório, mas nessa monografia
fazemos questão de mostrar o quanto uma nação no auge de seu desenvolvimento
industrial pode tomar qualquer tipo de medida para impor o seu comércio com
aqueles que a rejeitam, como promover um narcotráfico afim de desestabilizar o
núcleo socio-comercial para todo um império.

Antes imaginávamos que seria quase impossível realizamos tamanho feito de


escrever nosso Trabalho de Conclusão de Curso abordando uma área que teríamos
que recorrer para fontes de fora, claro que foram possíveis achar em nosso idioma
como as interessantíssimas obras sobre História do Professor Emiliano Unzer
Macedo, mas o acesso pelo exterior é muito mais em peso. Mas agora tomamos
ciência que fizemos uma grande achado como formandos estudantes de
Licenciatura em História.
85

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olhar orientalista e eurocêntrico. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História –
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contemporânea. SED – Ufes, 2016.

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