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recomeço
para o CEO
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Todos os direitos reservados.
Ricardo Lima e Assumpção é viúvo e CEO de uma empresa que administra franquias. Aos
vinte e oito anos perdeu a esposa em um acidente de carro. Vivia preso às lembranças do
casamento que acabou precocemente.
Tudo mudou quando ele foi despertado para quem estava em sua vida fazia alguns anos.
Chloe de Corse foi levada para a França aos cinco anos, quando perdeu a mãe, tendo sido
criada pela família do pai. Os irmãos e a madrasta sempre demonstraram o descontentamento
com os transtornos que sua chegada trouxe.
Os caminhos de Ricardo e Chloe foram traçados quando eles não faziam ideia que poderiam
se envolver.
Ele relutou, mas se entregou ao amor pela irmã da sua ex-mulher.
Ela não fazia ideia do que lhe esperava, mas se tornou o amor proibido do viúvo.
Capítulo 1
Ricardo
Escolhi uma mesinha de frente para o canal San Martin, em uma cafeteria sossegada e
ignorada pela avalanche de turistas que chegavam diariamente em Paris. Frequentei a cidade por
tantos anos, mas demorei a conhecer este pequeno paraíso.
O estabelecimento é charmoso e com café e lanches de qualidade, mas bem pequeno. O café
coado é espetacular, sem firulas, o puro, forte e bom café que aprecio. Mas ela prefere o
cappuccino, que também é de boa qualidade, embora o julgue doce demais para o meu paladar.
Frequentado pelos parisienses nativos, que gostam de sossego e fogem daqueles que estão
visitando seu país e se deslumbram com cada árvore que encontram pelo caminho, ou com as
janelas dos prédios antigos, tiram fotos e apontam dizendo o quão são fofas.
Os proprietários também parecem não fazer questão dos convidados, ou intrusos, como
costumam nomear os turistas. Porém, souberam dar vida como ninguém a um dos meus lugares
preferidos na cidade.
Pedi uma água mineral, decidido a tomar o café com financiers, o tal mini bolinho de
amêndoas que ela me apresentou, quando Chloe chegasse.
Vinte minutos de atraso para quem sempre chegava adiantada em qualquer compromisso.
Não precisava daquilo. Na verdade, nada que Chloe fizesse mudaria minha decisão e
determinação em convencê-la.
Eu compreendia todos os seus motivos e estava disposto a ouvir aqueles que ela guardava
para si.
A verdade era que Chloe estava sozinha no mundo. Não totalmente, pois eu nunca a deixaria
desamparada. Mas em relação à família, ela estava sim. A mãe faleceu quando ainda era uma
menina de cinco anos, idade que foi morar com o pai. Acontece que o pai era casado, ela nasceu
em uma época que ele esteve separado da esposa, e tinha dois filhos já crescidos. Um dos filhos
era Charlotte, minha falecida esposa.
Essa era a história que conheci quando entrei para a família, através da Charlotte.
E havia tia Flora, irmã do meu ex-sogro, mas ela vivia em seu próprio mundo, parecendo
desligada da realidade que todos os mortais precisavam para uma convivência diária.
Eu tinha consciência que a vida da Chloe não foi fácil. Blanche, a madrasta, nunca aceitou
que o marido tivesse se relacionado com outra pessoa, ainda que tenha sido durante uma
separação, muito menos que desse relacionamento tenha nascido uma criança, e, que, para
coroar, a pequena fosse criada por eles.
Através dos relatos de Charlotte, eu enxergava certa mágoa, pois era evidente a ligação que
a filha caçula tinha com o pai. Porém, ela reconhecia ter sido um tanto envenenada pela mãe e
nunca permitido uma real aproximação com Chloe.
Fechei os olhos para muitas características negativas da minha esposa e tive sorte dela ter
sido uma pessoa melhor nos últimos anos. Eu, ao menos, vi amadurecimento e evolução da sua
parte.
Charlote e eu nos conhecemos assim que finalizei a faculdade no Brasil e cheguei a Paris
para uma especialização. Namoramos e noivamos durante os meses em que estive na França e,
após o nosso casamento, ela foi comigo para Curitiba.
Mirei novamente o relógio e quando fiz sinal para o único garçom que atendia na cafeteria, a
pequena rebelde apontou na estreita rua onde eu estava sentado.
Uma mulher miúda e despretensiosa com a aparência, Chloe aparentava menos dos seus
vinte e dois anos. Vestia uma saia jeans curtinha, blusinha preta, e nos pés, all star tradicional, e
para o meu gosto, bastante surrado. Certamente, ela e sua turma diriam que era cool. Também
usava um casaquinho leve e com botões de pérola, uma verdadeira contradição entre a rebeldia
que a acusavam e a doçura que meu ex-sogro e eu enxergávamos.
— Não foi proposital, Rick. — Ela me abraçou e ficou na ponta do pé para deixar um beijo
leve em meu rosto. O cabelo fino e liso estava um pouco mais curto que da última vez que nos
vimos, deixando-a com a aparência ainda mais jovem.
— Ah, mas com certeza não foi! — respondi sério e puxei a cadeira para que ela se
acomodasse.
— Mamãe não está bem. — Chloe chamava Blanche de mãe, ainda que não tenha recebido
afeto da madrasta. Sua feição era um misto de preocupação e tristeza.
— No hospital? — perguntei, não tinha contato com minha ex-sogra.
— Em casa — ela suspirou, parecendo cansada. Seu olhar vagou pelo canal de águas,
ficando um longo minuto preso à nossa vista. — Faz dois meses que Maurice não aparece. —
Uma grande ironia do destino. Blanche teve dois filhos biológicos, Charlotte e Maurice. Minha
esposa faleceu quatro anos atrás e Maurice vivia sua vida sem interferências, deixando para
Chloe o trabalho de cuidar da madrasta, que parecia não gostar dela.
— Ainda sem enfermeira?
— Precisei contratar, estava apertada com as provas finais da faculdade. Mas Rick, ainda
acho que são os filhos quem devem cuidar dos pais.
— E é você quem está certa. — Trocamos um sorriso e foi a bandeira branca levantada. Eu
estava um pouco bravo com Chloe, mas a compreendia.
— Divino, como sempre. — De olhos fechados, ela degustava com calma seu cappuccino,
seguido dos financiers. Após seu pequeno momento de êxtase e descontração, Chloe abriu os
olhos e me encarou. — Acho que você já pode jogar a bomba.
Foi a minha vez de suspirar fundo. Ela até podia ser um doce de pessoa, mas era muito
decidida e geniosa. Não ia me retribuir com sorrisinhos.
— Você sabe o que vim fazer aqui. — Pousei a xícara de café sobre a mesa e levantei o
olhar para encará-la de frente.
— E você sabe minha resposta. É a mesma das últimas vezes que conversamos.
— Você disse que ia pensar, Chloe.
— Não, você disse que me daria um tempo, pois achava que eu precisava pensar.
— Então...
— Lembro de ter dito que não era necessário.
— Qual o problema? Você aceitar seria uma forma de ressignificar a relação de vocês duas.
— Que papo é esse, Rick? Não tem como ressignificar relação com quem já morreu. Preciso
que você entenda, de uma vez por todas, que não tenho mágoa da Charlotte. Gostaria que a gente
tivesse tido tempo para uma conversa franca. Mas sua esposa não gostava de mim, não fez
questão, nunca me protegeu da Blanche, e sim, eu tenho consciência da forma como sempre fui
tratada pela minha mãe. Por esses e muitos outros motivos, que nem fazem sentido serem
discutidos, ainda mais sem que ela esteja aqui para dar sua versão, não aceito o dinheiro dela.
Ainda que eu precisasse, Rick, eu não aceitaria.
— É uma forma de seguir em frente, Chloe.
— Mas eu segui, Rick. Você é quem está preso no inventário da sua esposa.
— E por culpa de quem?
— Pega o dinheiro e faz o que quiser com ele... Já poderia ter resolvido esse problema há
tempos, inclusive.
— Não é bem assim e eu te expliquei.
— E eu também disse que assinaria minha renúncia à herança.
Um silêncio constrangedor nos tomou. Chloe não precisava do dinheiro, também era
herdeira de Laurent de Corse, meu ex-sogro e seu pai, e vivia muito bem. Mas eu não queria o
dinheiro que Charlotte deixou para ela.
Nós dois não desviávamos o olhar, mas, no fundo, eu enxergava um ponto de indecisão. A
batalha parecia perdida, porém ainda não estava.
— Fico pensando em quantas obras ou pessoas você poderia ajudar com o dinheiro. —
Joguei baixo e me questionei mentalmente o motivo de não ter feito antes. Chloe era filantrópica
por natureza, vivia enfiada em orfanatos ou asilos de Paris. Não apenas ajudava financeiramente,
mas sempre estava presente, dando carinho e atenção.
Ponto para mim. Seus olhos arregalaram levemente e ela pareceu querer contar algo.
— Tem um mês que estou indo em um novo orfanato que descobri, fica na saída da cidade,
abrigam crianças órfãs estrangeiras. — Ela fez uma pausa, o semblante fechado e brincando com
a garrafinha de água. — Eu poderia ser uma daquelas crianças. — Lentamente, Chloe levantou o
rosto e os olhos estavam marejados. — Liguei para tia Flora e fizemos uma boa doação para o
lugar, mas com um contrato de melhorias que eles devem realizar. — Ela fez outra pausa, e
quando me olhou, havia um brilho em seus olhos. — Eu quero que eles invistam em publicidade.
As crianças estrangeiras ficam ali esquecidas e têm menos chances de adoção. Muitos casais não
as querem por, talvez, serem muito diferentes na aparência.
— E você já sabe qual o valor necessário? — perguntei como quem não quer nada e a
resposta dela foi um biquinho.
— Não... Tia Flora deu a ideia de procurar alguém que trabalhe com publicidade e montar
um plano de ação com o profissional. Ainda não fiz, mas irei correr atrás. — De imediato veio
em minha mente que Nina e seu ex-marido mala teriam que ajudá-la. Eu ia falar com eles a
respeito assim que retornasse ao Brasil. A minha amiga talvez fosse querer me matar por
envolver Antônio na empreitada e os obrigar a fazer algo juntos, mas era por uma boa causa.
— Não vou ficar de rodeios, mas acho que você tem algo para pensar melhor. Com esse
dinheiro você pode mudar vidas, Chloe. — Pela primeira vez ela não me rebateu. O olhar ainda
continha o brilho de minutos atrás e eu sabia que algo estava mudando dentro dela. Porém, Chloe
ia precisar do seu tempo.
Finalizamos nosso lanche e saímos da cafeteria, caminhando lado a lado ao longo do canal,
até uma praça próxima. De lá, fui para o apartamento que ainda mantinha na cidade — quatro
anos de viuvez e ainda não havia conseguido me desfazer dos imóveis que adquirimos durante o
casamento — e Chloe voltou para casa, disse querer chegar a tempo para a próxima medicação
de Blanche.
Passei o restante do dia refletindo sobre os acontecimentos dos últimos anos.
Charlotte faleceu em um acidente de carro. Uma morte estúpida, como eu costumava
classificar. Estávamos esquiando em Mont Blanc, hospedados em uma propriedade que sua
família mantinha na cidade e Charlotte insistiu que queria voltar para Paris.
O motivo era ainda mais estúpido que o acidente. Encontramos com um antigo desafeto
dela, que por coincidência havia estudado comigo quando fiz a especialização na França.
Charlotte era geniosa ao extremo, não gostou da mulher ter vindo me cumprimentar e logo
deu um jeito de ser grosseira. O que era para ser um simples reencontro de pessoas que
estudaram juntas, tornou-se uma troca de farpas. Não tardou para ela dizer que queria ir para
casa. Eu aceitei, pois não havia mais clima para a nossa noite, porém estava enganado quanto ao
destino, Charlotte referia-se a Paris.
Ela foi insistente, entre lágrimas — que até hoje eu não entendo o motivo — e acusações de
nunca ser compreendida, jogou nossas roupas nas malas e implorou que eu a acompanhasse.
Eu não deveria ir, seria uma viagem de quase seis horas, já era noite e havíamos passado o
dia na estação de esqui. Mas eu fui.
E foram nossas últimas horas juntos antes que tudo acontecesse.
Capítulo 2
Ricardo
Tirei o dia seguinte para encontrar alguns amigos na cidade, entre almoço e jantar, além de
tentar descobrir qual o era o tal orfanato que Chloe disse ter conhecido. Não foi uma missão
difícil, em menos de dez minutos de pesquisa na internet eu já tinha todos os dados do lugar.
Esperei que ela fosse me procurar, mas não o fez e ficou para o meu último dia em Paris,
pois retornaria ao Brasil, a missão de convencê-la em definitivo.
Poderia parecer uma insistência boba da minha parte, mas não era. Eu sentia muito por
Charlotte e Chloe não terem tido a chance de se acertarem. Minha esposa não foi uma boa irmã,
na verdade, não aceitava Chloe como tal. Porém, quando chegamos ao Brasil, após o nosso
casamento, e ela ficou um bom tempo longe da influência de Blanche, passou a repensar muitas
coisas em sua vida. Até mesmo quis um trabalho.
Charlotte sempre me dizia que o pai não havia sido um bom marido, que a mãe por muitas
vezes lamentou a vida que levava ao lado dele e que nunca gostaria de passar pelo desgosto de
criar um filho fora do casamento. Blanche a fez acreditar piamente que Laurent teve um
relacionamento duradouro com a mãe de Chloe e que não foi algo passageiro no período em que
se separaram.
Nunca me interessei pela história e não rendia as loucuras da minha ex-sogra. E, talvez, esse
fosse um dos motivos por Blanche nunca ter ido com a minha cara. O principal era eu não ser
rico o suficiente para o seu gosto. Ela nunca escondeu o desgosto com o nosso casamento, dizia
abertamente ter planos para Charlotte na família de Mônaco, ou qualquer outra família real na
Europa.
No Brasil, eu comandava a Lima e Assumpção, exercendo o cargo de CEO do império
construído pelo meu pai. Após eu assumir a direção, ele me entregou a empresa e acabei por
ganhar um sócio, João Medeiros.
De forma sucinta, poderia definir que a Lima e Assumpção era um grupo que administrava
franquias, de naturezas diversas, por todo o país. Porém, meu sócio e eu estávamos em processo
de expansão e adentrando outras áreas comerciais e negociais, até mesmo o mercado financeiro.
Enfim, cá estava eu de volta a cidade onde tudo começou. E terminou. Quatro anos se
passaram e eu me sentia preso àquela noite, onde nosso sonho de casal começou a ruir. Charlotte
faleceu em Paris, dois dias depois do acidente.
Ela esteve lúcida durante os dois dias de internação e foi neste período que tentou acertar as
pendências.
— Conseguiu falar com a Chloe? — A voz saiu fraca, e as palavras, arrastadas. Eu mal
pude compreender o que ela dizia. A irmã caçula ainda não havia chegado a Paris e ela insistia
que precisava vê-la.
— Ela está tentando chegar, meu amor. — Meus dedos percorreram o contorno do seu rosto
machucado, com todo o cuidado do mundo, pois ela sentia dor. E eu sentia um aperto no peito,
pois embora estivesse lúcida, os médicos não deixavam de nos alertar para a extensão dos
danos.
— Ali, amor. — Charlotte apontou para uma caixa sobre a mesinha de apoio. — É da
Chloe. — Fiquei sem entender, mas peguei o objeto e levei até ela. Naquele dia, precisei ficar
algum tempo fora, tomando providências relacionadas ao acidente. Pensei em mudá-la de
hospital e nesse tempo conversei com um amigo nosso que era médico. Minha esposa ficou na
companhia da mãe e provavelmente havia sido ela quem levou aquela caixa para o hospital.
— O que você quer que eu faça? — A pergunta saiu incerta e carregada de medo. Charlotte
teve inúmeras oportunidades de se acertar com a irmã, mas tentava fazê-lo no leito de hospital.
Havia um único motivo para isso. Ela sentia que ia morrer.
No dia seguinte, Chloe me ligou e avisou que estava na cidade, consegui com o médico
responsável por Charlotte que ela recebesse a visita fora do horário limitado na CTI. Uma hora
depois, meu telefone tocava incessante no bolso da calça que eu usava.
Mas não ousei pegá-lo. Na verdade, sequer ouvi sua vibração contra o meu corpo. Apenas o
horário das chamadas perdidas me fizeram saber que Chloe chegou à recepção do hospital no
instante em que a Charlotte sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e não suportou.
Minha mulher tinha morrido e deixado comigo a difícil missão de ser perdoada pela irmã.
Eu não quis cuidar de mais nada. Nem falar com ninguém. Liguei para minha família e para
Laura, minha amiga e advogada. Em tempo recorde, todos estavam reunidos em Paris.
A caixinha que Charlotte pediu para ser entregue à Chloe ficou sobre a cômoda do nosso
quarto. Por dias, semanas e não sei quantos meses. Mas ficou lá. Logo após a cerimônia fúnebre,
minha cunhada se refugiou em Annecy, cidadezinha onde a tia Flora mantinha uma casa e
passava quase o ano todo se escondendo dos delírios de Blanche.
Todas as pendências referentes ao inventário foram resolvidas por Laura. Ou quase todas.
Pois, bastou que eu aceitasse conversar com ela, depois de muito tempo evitando tudo e todos,
para minha amiga soltar a bomba sobre o que Charlotte havia deixado para Chloe.
Além da caixinha misteriosa, havia uma conta particular no Brasil, com um valor vultoso,
era a herança destinada à irmã.
Fazia quatro anos que Chloe se recusava a tocar em um centavo que fosse do dinheiro. Há
dois anos eu consegui convencê-la de receber a caixinha que a irmã também lhe deixou, mas não
fazia ideia do seu conteúdo e se ela havia mexido.
Eu sentia muito por Chloe não ter superado a rejeição que sofreu.
Eram onze horas da manhã e o meu telefone tocou no instante que coloquei o pé na rua.
Ótimo momento escolhido por Laura para falar comigo.
— Você anda muito ansiosa! — atendi, zombando da cara dela, pois não havia justificativa
para as inúmeras ligações que minha amiga me fazia.
— E então, o que ela disse? — E como quem me conhecia há mais de vinte anos, ela apenas
me ignorou.
— Uma boa mistura do que falou nos últimos quatro anos — suspirei, cansado, e parei
diante da vitrine de uma loja de croissants, tentado a entrar e consumir o máximo que pudesse de
gordura e açúcar.
— Essa garota não facilita minha vida — murmurou.
— Mulher.
— Como? — Era óbvio que ela perguntaria, confusa, nem eu entendi o porquê da minha
intervenção.
— Chloe é uma mulher de vinte e dois anos.
— Tá. Você volta hoje para o Brasil, Rick — ela me lembrou, como se fosse necessário.
— Acho que consegui um jeito de convencê-la. — Percebi que minha voz saiu um pouco
mais baixa e havia um motivo. Nem eu botava fé no que havia dito.
— Um pouco atrasado, não?
— Laura, você tá chata.
— Não, não estou.
— Está sim. Problemas no paraíso?
— No paraíso não existem problemas.
— Então talvez seja este o problema.
— Irritante.
— Tente uma discussão com André, pode fazer bem. — Minha amiga tinha um casamento
duradouro e bem-sucedido com André. Da nossa turma, foi ela quem teve a melhor sorte na área
amorosa.
— Tá me sugerindo brigar com meu marido? — Ela finamente soou ofendida.
— Quero que você bote para fora o que está sentindo. Às vezes parece uma boneca, sempre
bem penteada e polida. Mas a realidade é que está uma pilha de nervos, com alguma coisa presa
na garganta, porém continua fingindo que no paraíso não tem problema. É impossível tratar o
que não se enxerga.
Fomos tomados por um enorme silêncio e eu sabia que tinha ido longe demais. Mas iria
quantas vezes fossem necessárias. Laura e Marina eram minhas amigas, irmãs, que me
acompanharam durante uma vida. E por elas eu faria o que fosse necessário para que estivessem
bem.
— Mais um negativo. — A voz sussurrada delatava o que tirava minha amiga do prumo.
Mais um negativo significava mais uma tentativa falha de ser mãe. E eu já havia perdido a conta
de quantas vezes havia sido negado a ela tal oportunidade.
— Amanhã eu estarei aí.
— Eu te amo, Rick.
— Eu também.
Era difícil não me lembrar dos nossos anos no colégio, um dos melhores de Curitiba. Três
crianças, que viraram adolescentes, passando os dias juntos. As descobertas; as brincadeiras; o
primeiro beijo; as paixões avassaladoras, que não duravam mais que dois meses; os corações
partidos, que foram curados com intercâmbio nos Estados Unidos, que nós três fizemos juntos.
As horas escondidos no telefone de casa, pois não tínhamos telefone celular e, quando ganhamos
o aparelho, não se falava em internet no celular.
Laura, Marina e eu éramos inseparáveis e vivemos da melhor forma que pudemos quando
crianças e adolescentes. Não contávamos com qualquer dificuldade que fosse. O garoto alto e
desengonçado que fui, embora elas falassem que eu arrasava corações no colégio, não poderia
prever nossas perdas, e muito menos que ficaria viúvo aos vinte e oito anos.
A ligação foi encerrada. Guardei o celular no bolso e me virei para a vitrine chamativa da
pequena loja de croissants. Me perguntava se ela era nova por ali. Um pouco de calorias em
meio à minha regrada rotina de alimentação talvez me encorajasse na conversa que teria com
Chloe antes de partir.
Quando ia entrar, meu telefone tocou novamente, e era o tipo de ligação que se atende até
mesmo se estiver no banho.
Enquanto Laura era a pessoa que fazia contato o tempo todo e não tinha o menor pudor em
telefonar para os amigos, a outra ponta do trio só o fazia quando um incêndio alastrava.
— Oi, chefe — cumprimentei-a, debochado.
— Quantos dias, Rick? — A voz soou firme do outro lado. Segurei o riso, pois podia apostar
que ela batia o salto fino, que sempre usava, no piso de onde estivesse.
— Tia Rosa já foi melhor como educadora, Nina.
— Estou aguardando, Ricardo.
— Amanhã.
— Muito bem. Amanhã te espero para uma reunião.
— Eu chego à noite.
— Melhor ainda, vai pagar o jantar. E eu escolho o restaurante.
— Te pago muito bem para não ter problemas.
— E eu já te entreguei meu cargo infinitas vezes.
— Você é irritante.
— Até amanhã à noite, Rick.
Desliguei brusco. Marina nunca era calmaria, embora fosse meu braço direito há cerca de
dois anos e minha liberdade para surtar e fazer o que quisesse depois que perdi minha esposa. Ela
não dava a mínima por eu ser o CEO da Lima e Assumpção, seu interesse era que o grupo
comandado por mim sempre estivesse nos eixos.
Decidi guardar o telefone e entrei de uma vez na lojinha.
O seu interior era ainda mais atraente. O ambiente poderia ser descrito como uma miríade de
cheiros. As duas caixinhas de som que localizei ao fundo tocavam uma melodia que acalmava, e
no balcão, uma senhora rechonchuda e com olhar acolhedor, me saudou.
Porém, nada mais poderia prender minha atenção senão a garota franzina que estava na
última mesinha do pequeno estabelecimento. Os cabelos curtos, um pouco bagunçados. Seu
corpo pequeno parecia sacudir na medida em que lágrimas escorriam, ensopando o papel em
suas mãos.
Capítulo 3
Chloe
Caminhei para a mesinha próxima à vitrola que dona Berenice mantinha no fundo da loja.
Um cantinho nostálgico, com o aparelho antigo sobre uma mesa de rodas, ladeado com alguns
discos e livros.
Depositei a caixa branca — e com a tampa coberta por renda e um tecido branco e macio —
sobre a mesa e deixei que meus olhos e minha mente se acostumassem com a sua presença.
Era um objeto relativamente pequeno, mas que pesava sobremaneira em minhas mãos. Dois
anos que a caixa me atormentava.
Dois anos antes, em uma manhã chuvosa, o telefone da casa de Blanche tocou, e logo a
governanta estava me chamando no quarto para passar a ligação.
— Chloe. — Suspirei desanimada. Eu gostava do Ricardo, o achava um cara bacana e até
mesmo divertido. Na verdade, era gente boa e bem-humorado demais, ao menos comigo, para
ter sido casado com Charlotte. Os dois me pareciam ser opostos. O problema do Ricardo era
querer me enfiar goela abaixo lembranças da minha irmã. Como se não fossem suficientes as
que eu tinha dos anos que dividimos a mesma casa e família. — Alguém aí?
— Estou aqui, Ricardo.
— Por um instante achei que você tivesse desligado. — Ele não achou nada, sabia que eu o
estava escutando. Mas Rick sabia ser inconveniente quando queria.
— Eu não desligaria.
— Volto para o Brasil amanhã. — A voz mudou e as palavras saíram firmes.
— Boa viagem?
Talvez tenha sido eu a conseguir irritá-lo, pois ele fez um longo silêncio, antes de despejar
sobre mim seu desabafo.
— Acho que você está sendo egoísta comigo. Entendo você não querer nada que restou da
sua irmã, mas quando faz isso, me obriga a guardar ainda mais lembranças. E não está sendo
fácil, Chloe.
— Eu já disse que não quero o dinheiro da Charlotte e você tem que respeitar minha
decisão.
— Fique com a caixa.
Respirei fundo e tentei contar até que a velocidade do sangue correndo em minhas veias
diminuísse.
— Apenas a caixa, Rick.
— Vou deixar na portaria da sua casa.
— Não precisa vir até aqui. Após o almoço irei à uma livraria próxima ao seu apartamento,
pode me encontrar por lá.
Naquele dia nos encontramos e Rick se ofereceu para me acompanhar até a cafeteria, onde
contei que faziam o melhor cappuccino da cidade.
— Peço desculpas pela insistência. — Após tomar um gole do café puro que pediu, retornou
a xícara para a mesa, deixando-a pousada sobre o pires.
— Eu tento te entender. — Eu também deixei minha xícara sobre a mesa e o encarei. Por
pouco tempo, pois logo voltei meu olhar para minha bebida. Mas estava sendo sincera.
— Mas estou passando dos limites...
— Na verdade, você não reconhece o meu. — Nossos olhares se cruzaram e pela primeira
vez vi um relance do que seria sua determinação falhar. Já estava na hora do Rick aceitar que
não poderia me convencer a fazer o que queria, que nada mais era do que uma ordem pós-morte
da Charlotte.
— Como eu disse, volto para o Brasil amanhã.
Nos dois anos seguintes ao nosso encontro, me dividi entre estudar, cuidar da Blanche em
Paris e aproveitar feriados e qualquer folga para ficar com tia Flora em Annecy.
Quase não tive notícias do Rick.
Até ele retornar dias atrás e, mais uma vez, tirar meu sossego com o assunto “herança da
minha irmã”. Minha vida estava muito boa e calma para ser realidade, claro que algo chato
precisava acontecer. E tinha que ser o viúvo da minha irmã.
Quatro anos da morte de Charlotte. E não foi por acaso que meu ex-cunhado estava em
Paris. Certamente foi visitar o túmulo da esposa. Quanto a mim, quatro anos sem compreender o
motivo dela ter me deixado um legado.
Uma caixa, que ainda não havia sido aberta, contendo algum objeto que lembrasse sua
memória e uma poupança milionária em uma conta bancária. Foi o que restou do vínculo de
irmãs que não vivemos.
Deixei de remoer a total falta de vontade que Charlotte demonstrava para conviver comigo
quando ainda estava viva. Foram anos tentando chamar sua atenção, querendo ser parecida com a
irmã mais velha, achando que tudo nela era lindo e que certamente era a mulher mais bonita que
havia conhecido. Anos tentando ser amada por Charlotte. Ou, pelo menos, que fosse uma amiga,
já que irmã mais velha ela não queria ser.
Sim, eu me recusava a acessar o que Charlotte havia deixado para mim, e não era por pirraça
ou ressentimento. Eu aprendi a viver sem o seu afeto quando ainda estávamos na mesma casa. E
se eu fugia do que ela me deixou, era para me proteger.
Pensar em Charlotte não me fazia bem. Lembrava-me rejeição.
Recordo-me quando cheguei diante do imenso portão da propriedade do meu pai. Os
olhinhos vermelhos e irritados pelas infinitas lágrimas que desciam pelo meu rosto infantil.
Cinco anos era a minha idade quando perdi mamãe.
Papai me segurava em uma mão e na outra eu carregava a última boneca que mamãe havia
me dado de presente. Uma simples boneca de pano e cabelo de lã rosa, mas que nunca saiu do
meu lado.
Ele me prometeu que eu teria uma família. Falou dos meus irmãos, que eram mais velhos
que eu, Charlotte tinha quinze anos e Maurice dezoito, mas sempre me protegeriam e cuidariam
de mim. E que Blanche não resistiria.
— Você é uma menininha muito linda e inteligente, Chloe. Ela não vai resistir a você.
Laurent não poderia ter se enganado mais. E eu sei que papai lamentou até sua morte por
isso.
Para Blanche, eu era a prova de uma traição do meu pai, ainda que, segundo ele, eu tivesse
sido concebida quando eles estavam separados. Charlotte me via como a garotinha que roubava a
atenção do seu pai e fazia sua mãe sofrer. E para Maurice eu apenas não existia.
Suspirei fundo, encarando a caixa.
Odiava relembrar, remoer memórias ruins e sentir ainda mais saudades do papai.
Dentro das suas possibilidades, Laurent foi incrível como pai e amigo. E perdê-lo foi ainda
mais difícil do que quando mamãe se foi. Pois, com a sua partida, eu me senti, de fato,
completamente sozinha e perdida na vida.
Diante da mesa na loja da Berenice, meus dedos correram pelo tecido, senti a maciez em
contato com a minha pele e um arrepio tomou conta do meu corpo.
Era só uma caixa, por que me abalava tanto?
Engoli em seco, era a hora. Eu não esperaria mais nenhum segundo para descobrir o que
havia dentro dela. Já havia passado tempo demais e por algum motivo eu me sentia encorajada a
dar um passo para me libertar do passado. De fato, eu ainda estava presa às lembranças não tão
boas em relação à Charlotte e talvez até as mágoas. Eu precisava de uma vez por todas entender
o que minha irmã quis me falar.
Retirei o laço bem feito, nem os anos foram capazes de atrapalhá-lo, e com as mãos
trêmulas, puxei a tampa. O interior da caixa também era branco, havia um envelope no fundo,
um caderno pequeno e de capa dura e um saquinho de veludo preto.
O saquinho era típico para guardar pequenas joias e tinha bordado em dourado as iniciais de
Charlotte. O afastei dentro da caixa, o suficiente para acessar o pequeno caderno. E quando o tive
em mãos, percebi que era um diário. Tinha uma capa bonita, em rosa e com desenhos florais, e o
nome dela em alto relevo.
Deixei o diário sobre a mesa, já atordoada com o que Charlotte queria me contar que
precisou me entregar seu diário e, finalmente, alcancei o envelope.
Peguei-o como se fosse um tesouro. Era definitivo para mim que não sentia raiva da minha
irmã, mas eu não precisava fingir que ela nunca me aceitou e que tivemos uma relação de
distanciamento. Contudo, a amei e isso não havia mudado. Eu sentia que aquele envelope era a
verdadeira herança que Charlotte havia me deixado.
Passei alguns minutos avaliando o papel rosa, talvez sua cor original tivesse desbotado com
o tempo. Ele estava lacrado com um adesivo, que continha as iniciais do nome dela. Minha irmã.
Meu coração dizia que era a hora, e com cuidado tirei o adesivo e peguei o papel que havia
dentro do envelope. Era uma folha decorada e dobrada em quatro partes. Abri-a com cuidado e
logo nas primeiras linhas desmoronei.
“Minha irmãzinha,
Escrevo essa carta em meio a mais um surto de consciência e saudades. Tudo misturado. E
confesso que o meu maior medo é não ter coragem suficiente para lhe entregá-la, pois, a
coragem de lhe encarar frente a frente e falar tudo o que carrega essa carta, infelizmente ainda
não tive.
Não espero te comover ou fazer com que você saia correndo para me encontrar.
Sinceramente, não sei o que espero Chloe.
Mas sei do que me arrependo.
De nunca ter lhe chamado de irmã, nunca ter sido a irmã mais velha que você tanto tentou
que eu fosse, de não ter cuidado e dado o amor que você merecia... Ou tantas outras coisas que
nem consigo contar.
Quando vou me deitar, me pergunto por que não vivi com você o que sentia em meu
coração. Para mim, você sempre foi minha irmãzinha. De longe, eu cuidei e torci para que você
se tornasse uma mulher íntegra e realizada.
Nunca te deixei de lado, Chloe. Eu estive nas suas formaturas e nas apresentações de ballet,
e talvez só eu tenha percebido que você preferia as olimpíadas de matemática e artes que o seu
colégio promovia. Eu assisti todas as entregas dos troféus e a cara de desânimo dos
competidores quando viam que você estava na final. Você sempre estava. E sempre ficava em
primeiro lugar.
Ajudei o papai a escolher os presentes que ele lhe dava. Lembra das telas com os cavaletes?
Eu sugeri quando encontrei seu caderno de desenhos no escritório dele. Mamãe não deixava que
você brincasse fora do quarto, mas o papai sentia que você queria e precisava de companhia.
Então você vivia no escritório dele. E quando achei seu caderno de desenhos, imaginei que
pudesse gostar de pintar também.
Eu disse que te protegi.
E o fiz, Chloe.
Prometi para minha mãe que, se ela te deixasse em paz, eu não sairia de casa. Eu ainda não
conhecia Ricardo e cumpri minha promessa até sair para casar com ele.
Porém, nunca soube lidar com a briga que o nosso pai comprou com Blanche para que você
não ficasse desamparada. Eu sei do segredo que vocês carregam e disse ao papai que o
guardaria comigo. Mas minha família acabou por ele sustentar esse segredo.
Eu teria te protegido. Ele poderia ter dito a verdade.
Te peço perdão, Chloe.
Te amo com todas as minhas limitações e sem te deixar saber. Você sempre será minha
irmãzinha.
P.S.: Depois de muito pensar, decidi deixar com você um diário que me acompanhou
durante muito tempo. Espero que através dele, você possa compreender o tamanho que sempre
teve em minha vida.
E também deixo com você uma joia que sempre carreguei comigo. Nosso pai se foi, ele
sempre cuidou de você, então quero que fique com esse pingente e o carregue consigo por onde
estiver.”
Capítulo 4
Chloe
Meu corpo convulsionava, o peito doía e eu chorava de um jeito que nunca me ocorreu
antes. Sentia que fosse desfalecer em algum momento. Meu Deus, por que tivemos que passar
por isso?
Doía tanto, que eu já não sabia o motivo. Sentia um mister de sentimentos, e todos faziam
meu coração partir em vários pedacinhos.
Saudade, remorso, revolta.
Saudade da Charlotte. Quando eu estava na sala de TV, a via chegar em casa e sempre
percebi que corria o olhar pelo andar térreo, como se procurasse algo ou alguém. Agora eu sabia
que era a mim que ela buscava.
Remorso por não tê-la enfrentado e a feito conversar comigo. Eu sei que ela era vários anos
mais velha, mas eu poderia ter insistido mais.
E revolta por não termos tido tempo de nos resolver.
O tempo não voltava.
Eu ainda segurava o papel em minhas mãos, não conseguia largá-lo. Era como uma tábua de
salvação. Sentia que minha dor não era por algo estar sendo quebrado dentro de mim, mas sim
sendo curado.
Uma ferida de anos estava sendo fechada.
Deixei que as lágrimas caíssem e não fiz nada para contê-las. Eu queria colocar para fora,
desabafar os anos de solidão e rejeição, quando, na verdade, havia sido vítima da minha própria
história. A mesma que me protegeu.
Charlotte e eu fomos vítimas.
E eu tinha razão. A carta era a verdadeira herança que minha irmã me deixou.
Enquanto permitia que o choro aliviasse minha alma e exorcizava antigos demônios que me
perseguiram por tantos anos, senti duas mãos me segurando pelos ombros.
Mãos fortes me contiveram na cadeira dentro da loja de croissants. A pessoa nada disse, mas
eu sabia quem era. Tinha o mesmo perfume de anos. Aguardei o meu tempo para me acalmar e
me recompor, enquanto ele permanecia de pé, em silêncio, atrás de mim. Eu não enxergava nada
ao meu redor. A carta estava em minhas mãos e quando me senti pronta, virei calmamente para
trás, encarei Rick e lhe entreguei o papel.
Ele merecia ler cada palavra que estava ali. Talvez servisse para apaziguar um pouco da
saudade de Charlotte.
Rick suspirou fundo e ergueu as sobrancelhas. Ainda não tinha dito nada, mas me pareceu
que avaliava se ia ou não lê-la. Alguns minutos passaram e ele então sentou diante de mim.
— Tem certeza? — perguntou.
— Tenho.
Ele afirmou, balançando a cabeça, e foi minha vez de vê-lo se emocionar. Rick se segurava,
mas as lágrimas pareciam inundar seus olhos.
Eu podia ler junto com ele cada linha escrita no papel, de tão fresca que as palavras estavam
em minha mente e pela surpresa que ele exalava na medida em que avançava na carta.
Não me passou despercebido quando ele finalizou a leitura. Afastou um pouco o papel da
sua vista e encarou o teto, pensativo.
— Eu sinto muito por vocês duas — ele disse polido, quase sem qualquer emoção. O que me
entristeceu, pois não lhe dei a carta com o intuito que ficasse mal, mas sim para compartilhar um
lado que eu mesma não conhecia da minha irmã.
— Nós duas fomos vítimas — falei com a voz firme. Ele ergueu a sobrancelha, me
encarando. Sustentei seu olhar, até que ele desistiu.
— Pode ser. — Foi a minha vez de desafiá-lo, mas Rick não era um rapazinho que fugia de
uma briga. Ele ia até o fim. — Qual é o segredo?
— Rick... — Que tola eu fui! Devia saber que ele não iria embora sem saber o motivo que
afastava Charlotte de mim.
— Estou esperando, Chloe. E você sabe que sou paciente. Você me fez esperar tempo
demais para abrir essa caixa, para no final descobrir que sua irmã também sofria com a situação
de vocês duas. Conto com a sua delicadeza para ser mais ágil dessa vez. — O encarei, ofendida e
surpresa. Suas palavras me machucaram, pois provavam que mais uma vez eu havia perdido
tempo. Mas ele não precisava ter falado naquele momento.
— É assunto de família.
Ele fez uma longa pausa.
— Você tem razão. — Ele afastou a cadeira e colocou-se de pé. Fechei os olhos, porque
queria chorar novamente. Não era para ser daquele jeito. Eu não teria problema em contar para
Rick a verdade. Confiava nele. Mas me sentia em um vulcão de sentimentos. — Imagino que
agora irá finalmente aceitar o que Charlotte lhe deixou. Já te passei o contato da minha
advogada, mas irei lhe enviar novamente. — Ele digitava algo no celular enquanto falava.
Quando levantou o olhar e me encarou, eu vi dor em seus olhos. — Adeus, Chloe.
Tão rápido quanto apareceu na Rêve de Croissant, a pequena lojinha da dona Berenice, Rick
foi embora.
Demorei alguns instantes para compreender o que estava acontecendo, até que juntei as
minhas coisas e, apressada, saí em direção à porta.
Eu magoei a pessoa que fez chegar até mim a melhor memória que minha irmã poderia ter
me deixado. E ainda insistiu de forma incansável para que eu a recebesse. Não poderia ser injusta
com ele.
Charlotte e eu pagamos um preço alto demais por termos nos achado cheias da razão e
pensar que éramos donas do tempo.
Parei de ímpeto na entrada da loja, dona Berenice tinha um olhar preocupado para mim.
— Eu volto para acertar a conta, Berê.
— Vá, menina! Corra!
E foi assim que saí correndo pela rua elegante onde estava localizada a loja, atraindo olhares
reprovadores, embora as minhas preocupações fossem alcançar Ricardo e não tropeçar nas
minhas próprias pernas, podendo cair e até mesmo perder minha caixa entre os vários
transeuntes.
Com tal pensamento, segurei a caixa firme junto do meu corpo e tentei me concentrar nas
passadas.
O caminho parecia infinito e eu não o encontrava. Onde ele teria se metido?
Longos minutos passaram até que eu desistisse, me sentindo derrotada.
Não queria que Rick retornasse ao Brasil com uma pendência comigo. Tínhamos que
conversar antes. O fôlego pareceu voltar para o meu corpo quando pisei na grama da praça onde
cheguei. Parecia saber que teria o descanso que clamava.
Procurei um banco próximo, sentei-me e saquei o telefone celular. O número estava nos
registros das ultimas ligações, porém a chamada foi direto para a caixa postal.
Respirei fundo e pensei nas possibilidades que tinha.
Teria que dar certo.
Lembrei que ele havia me enviado o contato da advogada que cuidava do inventário de
Charlotte.
Laura. Não era minha pessoa preferida no mundo, dada a quantidade de vezes que insistiu
que eu aceitasse o dinheiro que minha irmã havia me deixado. Ela não me conhecia e tampouco
sabia quais eram os meus motivos. E o julgamento que achei ter encontrado em sua voz e
palavras me irritou.
Mas eu não tinha outra opção, teria que ligar para a advogada amiga do Rick.
Voltei caminhando para casa, pediria ao motorista que fosse até a Rêve de Croissant pagar a
conta. Sentia uma ansiedade que não conseguia explicar e preguiça do falatório de Blanche,
quando me visse chegar suada e despenteada.
Por anos eu fui a boneca dela.
Embora Blanche não ligasse para me dar atenção, sempre me mantinha impecável, com
roupas bonitas e bem cortadas, o cabelo sempre arrumado. Ela insistia que eles tinham que ser
longos. O laço combinando com a cor da roupa, que combinava com o sapato e por aí ela ia
longe.
Alguns anos atrás resolvi mudar e cortei o cabelo, mantendo até hoje ele curto. Foi o meu
pequeno grito de liberdade.
Desacelerei as passadas, tentando reorganizar os pensamentos e acalmar meu coração. Eu
contaria a Ricardo um segredo de anos e que foi escondido a sete chaves da minha família.
Fiquei surpresa que Charlotte não o tenha contado, embora devesse ter desconfiado que
papai o confidenciasse a ela.
E novamente fui tomada pela agonia de não ter tido tempo com minha irmã e de conhecê-la
tão pouco.
A caixinha já não pesava em minha mão, ao contrário, ela aliviava meu coração e eu estava
gostando de tê-la pertinho de mim.
Quando cheguei próximo à minha casa, parei e guardei a caixa dentro de uma sacola de
papel escuro, que eu havia colocado dentro da bolsa. Não queria correr o risco de Blanche avistá-
la.
— Onde esteve, Chloe? — Passei distraída pela sala e me assustei quando ela me
surpreendeu na escada. Nos últimos dias, Blanche estava debilitada e pouco ia ao andar inferior
da casa.
— Quem te ajudou na escada? — Não vi ninguém por perto e me recusava a acreditar que
ela havia descido sozinha.
— Eu fiz uma pergunta — retrucou, me encarando.
— Eu também — devolvi e não desviei o olhar.
— A enfermeira, Chloe. Afinal, você sumiu por horas — ela suspirou profundo e desci de
volta as escadas, indo ajudá-la a chegar na sala mais próxima.
— Não fiquei fora nem duas horas. Fui andar pela cidade e fazer um lanche. — Blanche se
acomodou no sofá e fixou o olhar em mim, investigando algo que eu não sabia o que era. — O
que foi?
— Você tem ficado muito na rua — respondeu, ainda me encarando.
— Isso nunca te incomodou. Na verdade... — Ela fez um sinal, me interrompendo.
— Eu sei o que já disse a você. Mas não acho que seja seguro ficar tanto tempo fora.
— Mesmo? — Ergui a sobrancelha, Blanche era mesmo absurda.
— Você pode achar que não, mas me preocupo.
— Vou para o meu quarto descansar um pouco, mas desço na hora do remédio. — Deixei
um beijo em sua testa e saí em direção à porta.
— Temos uma enfermeira para isso.
— Não era você quem estava reclamando da minha ausência? — Ela revirou os olhos para o
meu comentário, me fazendo segurar o riso. — A propósito, tenho um compromisso mais tarde.
— E não vai me contar para onde vai.
— Até daqui a pouco.
O tempo parecia ter sido paralisado, ou o relógio que ficava em minha mesa de cabeceira
estava com defeito, pois ele simplesmente não passava.
Andei pelo quarto, escondi a caixinha de Charlotte em vários lugares, sempre achando que
não era o suficiente, tomei um banho e coloquei uma roupa quentinha, visto que a temperatura
havia caído drasticamente.
Desistir de contar os minutos e, sem esperar, caí em um cochilo.
Capítulo 5
Ricardo
Era a frase mais difícil de pronunciar. Até porque, no meu coração, soava como uma grande
mentira. Laurent era sim meu pai. O único que conheci, que me amou e cuidou de mim.
Doía a falta que papai fazia em minha vida. Eu sentia todos os dias.
Mas a realidade que eu queria contar a Ricardo era essa. Ao menos no que dizia a biologia,
Laurent não era meu pai.
— Como? — O susto com a minha declaração foi grande e ele sentou no sofá próximo de
mim.
— Biologicamente, ele é meu tio — suspirei, sentindo também naquele momento uma falta
absurda de mamãe. — Minha mãe era dançarina e fazia parte de uma grande companhia de
dança. Rodava o mundo fazendo apresentações. Em uma das viagens ela conheceu o irmão do
Laurent. Segundo ela, foi amor à primeira vista. Apaixonaram-se e viveram um romance tórrido.
Ele ia atrás da minha mãe onde ela estivesse, rodava os países para assisti-la. Praticamente,
mudou para a Suíça. Você lembra que nasci na Suíça, né? — Levantei o olhar e ele assentiu em
concordância. — Pois bem, o romance esfriou quando mamãe contou da gravidez. Ela queria
contar pessoalmente, havia uns dois ou três meses que não se viam, e quando se encontraram a
barriga já estava aparecendo. Meu pai biológico surtou, Rick.
— Tem certeza que quer continuar? Tá, eu sei que fui bem estúpido, mas essa história é sua,
não precisa contá-la.
— Está tudo bem... Bom, meu pai voltou para a França, não nos assumiu, e antes de eu
nascer, minha mãe recebeu a notícia da sua morte.
— Hey, eu lembro de Laurent ter contado sobre um irmão que morreu muito jovem.
— Sim. E adivinha? Acidente de carro, também voltando de uma temporada nas estações de
esqui.
— Que tragédia! Nem sei o que dizer. Mas acho que já entendi o que Laurent fez.
— Ele e meu pai, além de irmãos, eram amigos e confidentes. Laurent sabia sobre minha
mãe, e antes do meu pai morrer, ele contou sobre mim. Disse que eu já devia estar para nascer e
que planejava ir para a Suíça no dia seguinte. Laurent encontrou vários presentes que meu pai
comprou para mim. Tinha até uma toquinha que veio de Mont Blanc. — Me esforcei para
segurar a enxurrada de lágrimas que insistia em escapar pelos meus olhos. Uma dor imensa em
meu coração, que sempre surgia quando eu pensava em mamãe e no pai que não conheci. Como
teria sido minha vida? Eu amava Laurent, amava muito, foi um pai incrível para mim, mas minha
vida não foi nada fácil no papel de sua filha. — Laurent foi até a Suíça para nos conhecer logo
que eu nasci. Explicou para minha mãe sobre os vícios que meu pai tinha com jogos. Seu
patrimônio havia sido perdido. Mas garantiu que não ia deixar que faltasse nada. Até a morte da
mamãe, Laurent ajudou com os meus gastos, nos permitiu ter uma vida confortável e também me
dava muito carinho. Ele telefonava, quando podia ia me visitar e pediu que mamãe deixasse o
contato dele como o de segurança. Então, quando ela faleceu, uma vizinha que estava cuidando
de mim entrou em contato com Laurent.
— E ele te assumiu como filha para cuidar de você.
— Sim... Quando eu nasci, minha mãe ainda não o conhecia pessoalmente, havia
conversando poucas vezes pelo telefone e minha mãe me registrou sem o nome do meu pai. —
Levantei o olhar para Rick. Era estranho contar minha história, foram muitos anos guardando-a
em um cantinho da minha mente. E de tão bem guardada, eu quase que me esquecia dela e vivia
a história que Laurent me deu. — Eles não tiveram tempo de se resolverem quanto à minha
paternidade. Enfim... Me lembro do Laurent chegando na casa que eu estava. Ele me pegou no
colo e chorei por muito tempo com a cabeça deitada em seu ombro.
Fechei os olhos e suspirei fundo. Era assim, com a escuridão de quem não quer enxergar
mais nada ao redor, que eu conseguia ter boas lembranças das pessoas que mais me amaram na
vida.
Eu me esforçava para não ficar pensando na mamãe e em Laurent, pois doía absurdamente
lembrar que não os tinha mais. E com a dor, vinha uma sensação de solidão e insegurança. E eu
não gostava de sentir medo e ser sozinha no mundo.
Rick saiu do sofá onde estava e sentou-se ao meu lado. Eu tentei, mas já não conseguia
conter as lágrimas. Ele sinalizou para que eu deitasse em seu ombro e deixou que eu chorasse.
Não lembrava qual havia sido a última vez que chorei de saudades dos meus pais, mas
naquela hora a dor parecia estar sendo aliviada. Era como se a sensação de não ter mais ninguém
tivesse sido diminuída até quase não existir.
— Hey, você não está sozinha... — Rick correu a mão pelo meu braço e deixou um beijo em
meus cabelos. — Acho que falar sobre essa história, colocar para fora seus sentimentos, pode ser
bom. Mas continue somente se estiver à vontade, Chloe.
— Eu quero e preciso, Rick. Pouco tempo depois eu cheguei aqui na França,
especificamente na casa do Laurent. Ele me explicou que assim ele poderia cuidar de mim.
Depois que eu cresci entendi o que ele fez. Laurent comprou uma briga para me proteger.
Quando morreu, meu pai biológico estava falido. Vivia com alguns poucos rendimentos que tia
Flora e Laurent cederam a ele. Mas ele mesmo não tinha mais nada. Como filha de Laurent, eu
teria segurança financeira, pois cuidar de mim ele já fazia. Antes de morrer, conversamos sobre
muitas coisas, e ele disse lamentar pelo egoísmo de Blanche. Ainda que meus irmãos tivessem
mais uma pessoa para dividir a herança do pai, era um patrimônio tão vultoso, que eles nem
poderiam contar.
— Uma história e tanto.
— Um segredo e tanto. — Encaramo-nos e rimos juntos. — Não podia imaginar que
Charlotte sabia de tudo.
— Às vezes, a vida não é mesmo justa.
— Não é, mas eu não gosto de pensar somente nas coisas tristes. Eu não sou uma pessoa
triste, Rick. Tenho motivos, mas me recuso a ser — afirmei para ele, mas era um lembrete para
mim mesma.
— E não é mesmo. — Ele levantou do sofá e pegou o celular, olhando algo na tela. Da porta
aberta que separava a varanda, eu enxergava o céu escurecendo, a noite chegara. — Tenho uma
ideia, vamos comer alguma coisa em um restaurante aqui perto? Não gosto da comida de avião.
— Acho ótimo! Eu apaguei quando cheguei em casa e estou faminta. — Aceitei o convite,
também levantando do sofá e indo em busca da minha bolsa, e a encontrei sobre um aparador,
um dos vários que havia pela sala enorme e bem decorada do apartamento.
— Blanche pode ter um colapso se escutar você falando desse jeito — Rick debochou e
segurou a porta para que eu passasse.
— Mamãe sobrevive.
***
Sentamos em um restaurante pequeno e simples, localizado perto do apartamento. O tempo
que Rick tinha até ir para o aeroporto era curto, e no caminho fui pensando no que poderia pedir,
com base no que ele contou sobre o cardápio. A ideia era ganhar tempo.
Para minha surpresa, ele me seguiu na escolha da sopa de cebola gratinada, acompanhada de
uma cestinha de pães. Mas talvez eu tenha sido ainda mais surpreendida com o restaurante. O
Rick que eu estava acostumada a conviver gostava de luxos e estabelecimentos carimbados pelos
críticos. Não que ele fosse esnobe, não o via dessa forma, mas era elegante e exigente demais
para sentar em qualquer lugar.
As poucas vezes em que o vi em lugares mais modestos, como o café em frente ao canal San
Martin, foi porque eu escolhi.
— Uma taça de vinho? — ele ofereceu e questionou se podia escolher.
— Para mim está ótimo. — Rick fez o pedido ao garçom e este prometeu pedir agilidade na
cozinha. O bônus dos restaurantes pequenos.
— Eu estive pensando sobre o orfanato — contei enquanto petiscava uma pequena tábua de
queijos que o restaurante ofereceu de entrada e tomava um gole do vinho. — Ainda não me sinto
confortável.
— Como eu disse em nossa última conversa, muitas vidas podem ser beneficiadas. — Seu
comentário soou sério. Diferente do nosso encontro no café, agora ele parecia interessado no que
eu podia fazer pelas crianças do orfanato.
— Estive pensando justamente sobre isso, Rick.
— E então?
— Marquei de ir até lá amanhã. A diretora vai me passar tudo o que já está sendo feito e
vamos traçar um plano para o que ainda é necessário. Inclusive, a longo prazo. Acho que é
importante ter uma poupança. Lembra que contei da doação que fiz com tia Flora?
— Claro que lembro. Bom, vou colocar a equipe que precisar à sua disposição.
— Rick, eu fiquei feliz por poder ajudá-los, mas acho que ainda é pouco. — Nós dois
descansamos os garfinhos que usávamos e nos olhamos. — Quero que esse orfanato se
autopromova. Ele tem que conseguir patrocinadores. Não acho que seja interessante que eu
invista todo o dinheiro em um só lugar, quando posso ajudar tantos outros que cuidam de
crianças órfãs.
— Você está certíssima! Procure saber quais são as necessidades mais urgentes deste
orfanato e de todos os outros que você quiser apadrinhar. Eu vou te ajudar com a logística.
— Certo. Eu quero abrir uma conta bancária nova, só para gerir o dinheiro que Charlotte me
deixou.
— Então, estamos resolvidos quanto a isso?
— Nunca fui rancorosa, Rick. Eu amei minha irmã e sua partida deixou um buraco em meu
coração. Um vazio pelo que não vivemos juntas. Eu não me sinto à vontade para gastar essa
herança comigo mesma, até pelo drama familiar que ela viveu com a minha chegada. Mas eu
posso ressignificar nossa relação, você tinha razão.
O clima melhorou. Ainda não entendia o sentido de Rick me fazer aceitar a herança que
minha irmã deixou para mim, mas gostei do sorriso que brotou em seus lábios e a satisfação que
não o abandonou após eu contar sobre a minha decisão.
Jantamos entre conversas, boas risadas e uma vontade imensa de partir para a segunda taça
de vinho. Quando menos nos demos conta, já estava na hora de Rick ir para o aeroporto e
iniciava meu tempo de tirar do papel um projeto só meu.
Capítulo 7
Ricardo
Fazia um mês desde minha última estadia em Paris, quando finalmente consegui chegar a
um denominador comum com Chloe. Eu estava certo que o mais importante não era apenas ela
ter aceitado a herança que Charlotte lhe deixou, mas sim o que estava criando com o dinheiro.
Saí distraído do elevador na sede da minha empresa em Curitiba, admirando pelo celular o
que o dinheiro, quando em mãos sábias, pode promover. O imóvel que abrigava o orfanato havia
sido inteiramente pintado, nem parecia o mesmo. Os cômodos destinados ao entretenimento das
crianças ganharam cores vibrantes e decoração infantil.
Uma ala com três quartos, sala e banheiro foi inaugurada. Assim, o orfanato estava pronto
para receber com dignidade, ao menos uma parte da imensa fila de crianças que estavam nas
mãos da justiça francesa.
Chloe conseguiu!
— Ah, esse sorrisinho. Eu ia esbravejar por você estar atrasado para a reunião criada por si
mesmo, mas vou deixar passar. — Marina me recepcionou antes que eu chegasse à minha sala.
— Vai ficar quietinha, porque ainda sou seu chefe — respondi, ainda passando as fotos que
havia recebido naquela manhã.
— Não me tente, Ricardo Lima e Assumpção! — Levantei os olhos e encontrei a
administradora da minha empresa com a sobrancelha erguida. Nina não tinha mesmo nenhum
limite.
— Já começaram? — Mudei o assunto, pois na nossa loucura, Marina ganhava disparado de
mim.
— Não querido, estávamos te esperando. — Cumprimentei minha secretária e ao entrar em
minha sala, deixei a valise sobre a cadeira, diante da mesa, e bloqueei a tela do celular.
— Almoça comigo? — Precisava conversar com Nina sobre os planos que tinha para
promover o orfanato. Não estava a fim de encarar Antônio sozinho, mas era justo admitir que o
cara era o melhor na área dele.
— Aqui perto? Hoje estou atolada de serviço. E a tarde ainda tenho reunião com a minha
equipe.
— Pode ser, eu também estou com muita coisa e não posso ir embora tarde.
— Certo.
Marina me entregou uma pasta com os documentos e eu passei o olho rapidamente,
enquanto caminhávamos para a sala de reunião.
A manhã passou lenta. Analisei relatórios, respondi e-mails e assisti dois vídeos da Chloe
suja de tinta, pintando os banquinhos de jardim que, segundo ela, precisavam de uma cor alegre.
Ao meio-dia em ponto passei na sala da Nina e a busquei para o nosso almoço. Fomos
caminhando até um restaurante que ficava na rua da empresa.
— O que você tá me pedindo é muito difícil, Rick. — Minha amiga descansou o talher sobre
o prato e me encarou.
— Ajudar crianças órfãs e estrangeiras, qual a dificuldade? — Estava disposto a usar todos
os argumentos possíveis para convencê-la a me ajudar.
— Envolver meu ex-marido na sua causa humanitária. Faz dois anos que não nos falamos,
Rick. Qual a chance de dar certo?
— Não é você quem sempre diz que ele tem um bom coração?
— Rick, me deixa pensar nesse assunto. Ainda acho que você deve procurar Antônio. Ele
não vai negar o projeto. Pelo contrário, tenho certeza que ele vai se empolgar. Mas querer que eu
faça essa ponte é muito para mim... — Os olhos marejaram e a tristeza em seu semblante quase
me fez bater em mim mesmo. Não era para fazer Nina ficar mal. Ao contrário, até passou pela
minha cabeça que poderia ser um bom cupido colocando o ex-casal em um projeto como o da
Chloe. Mas talvez eu estivesse enganado.
— Não deviam ter se separado — concluí e me arrependi no minuto seguinte. Eu estava
mesmo com um péssimo timing.
— Ah, não. O que deu em você, hein?
— Preocupado com a minha amiga — confessei, sincero.
— Pois não é necessário, eu estou bem.
— Mesmo? Não pode nem conversar com o ex.
— A questão não é se posso ou não conversar. É sobre ter juízo. — Deixei a taça com água
sobre a mesa, para poder rir com gosto. — E esse assunto está encerrado, Ricardo.
Revirei os olhos, pois não havia nenhum assunto finalizado, eu apenas daria um tempo para
Marina.
A minha intenção estava longe de ser apenas interesse nos conhecimentos publicitários do
ex-marido da minha amiga. A questão era que, em quatro anos, era a primeira vez que eu sentia
como se de fato houvesse vida em mim. Ainda sentia a viuvez, sentia falta e, até mesmo, certa
melancolia pelo o que me ocorreu, mas eu podia afirmar que estava bem. Era como se a ferida
estivesse ali diante de mim, mas não doesse. E por estar me sentindo bem, de ter o peito aliviado,
eu queria que Marina também experimentasse essa sensação. Pois a mim ela não enganava e,
assim como eu, minha amiga apenas sobrevivia nos dois anos após sua separação.
Ao retornar do encontro com Chloe em Paris e pousar em Curitiba, liguei para Laura e a
instruí para que colocasse à venda os imóveis, o de Paris e todos os outros que adquiri durante
meu casamento. A sua única pergunta foi se o apartamento em que morava também estava
incluso.
E eu não sabia se estava pronto para essa ruptura.
Não era apenas o lugar onde construí um lar com Charlotte. Confesso que muitas vezes
achei que vendê-lo era descartar as memórias da minha mulher. Lá tornou-se o meu lugar
durante os últimos quatro anos. Aquelas paredes ouviram e viram mais do que qualquer outra
pessoa que conviveu comigo desde minha viuvez.
Quatro anos em que sobrevivi. E quando perdi o controle e me joguei no inconformismo de
quem perdeu o amor da vida aos vinte e oito anos, foi dentro daquele apartamento.
Em inúmeras vezes eu prometi a mim mesmo que ia superar e seguir em frente.
E, pela primeira vez, eu sentia vontade de ficar bem. Bem comigo mesmo e não a imagem
bem construída que exibia para a minha família e amigos. Eu me sentia vivo.
O dia foi longo e cansativo. Após ter passado a manhã enrolando o trabalho e almoçar com
Marina, me tranquei em minha sala e só saí de lá muitas horas depois, quando finalizei um
projeto para o novo negócio que a empresa ia apresentar a alguns investidores. Eu tinha um
compromisso e estava atrasado. Mal entrei no hall da minha cobertura quando uma chamada de
vídeo soou em meu celular.
— Preparado? — A figura com cabelos curtos vestia uma camiseta branca e calça jeans. Já
não estava suja de tinta, mas os cabelos levemente bagunçados e o sorriso estampado no rosto,
provavam que as crianças faziam o que queriam com ela.
— Claro. É agora? — Passei rápido pela sala, deixei minha valise pelo caminho, e ao
mesmo tempo afrouxei o nó da gravata.
— Eles estão prontinhos aqui, Rick. Só te esperando. — Havia tanto amor nas palavras dela,
que o meu cansaço foi dissipado e fiquei interessado em descobrir o que viria pela frente.
— Eu estou curioso para saber o que vocês vão aprontar.
Chloe apenas sorriu. Enquanto me acomodava em uma das poltronas da minha sala, pude
ouvi-la organizar as crianças. Gentil e delicada, ela mostrava algo para eles, talvez fosse o celular
por onde era feita a transmissão. De repente, fui saudado por várias mãozinhas dando tchau.
— Vai começar! — ela me avisou e virou para eles. — É com vocês, meus amores! —
Chloe saiu do meu campo de visão e então passei os próximos minutos assistindo as crianças
cantando uma canção infantil em francês e balançando o corpinho de um lado para o outro.
Fofos. E todo o conjunto mexeu comigo sobremaneira.
Não vi quando a apresentação acabou. Entendi que havia finalizado no momento em que
Chloe surgiu atrás das crianças, me encarando e esperando que eu reagisse.
Estava emocionado e impactado demais. Eu devia mais gratidão aos pequenos que
apresentaram para mim algo que era grande para eles, que se prepararam para aquele momento,
mas meu coração estava apertado no peito.
Saí da minha inércia para parabenizá-los e logo a chamada de vídeo estava finalizada.
Eram crianças que não escolheram estar ali. Eram vítimas de famílias desestruturadas ou de
tragédias, que as fizeram perder quem deveria cuidar e protegê-las. Não eram vistas, suas dores
não eram sentidas e o pranto não era ouvido. Eram crianças invisíveis para a cidade luz. Paris
não as enxergava. E, de repente, veio a minha mente que não era exclusividade de Paris, em todo
o mundo havia tal invisibilidade. No Brasil, inclusive.
Mas elas estavam ali, bem diante dos olhos de quem as quisesse ver, e Chloe as enxergou.
estava indo além do que o seu dinheiro podia pagar.
Chloe doava seu tempo, sua atenção, beijos e abraços que muitos só receberam de
assistentes sociais, se é que experimentaram e, talvez, esperavam das pessoas que iam até lá ver o
que o dinheiro das doações estava pagando.
Eu quis tanto um filho. Passei todo o meu casamento tentando convencer Charlotte. E ela
apresentou todas as desculpas possíveis para negar meu pedido. Desde “gosto de acordar tarde”,
“não estou preparada para engordar e passar noites acordadas” até “nem sabemos se vamos criar
as crianças no Brasil ou na França”.
Tantas negativas, que eu compreendia e não chegou a ser uma questão para atrapalhar a
nossa relação, embora em alguns momentos tenha me sentido frustrado, para meses antes da sua
morte ela baixar a guarda e contar que podíamos tentar no ano seguinte.
Não tivemos tempo.
Entrei e saí do banho com um gosto amargo na boca. As crianças invisíveis me enxergaram
e, em meio à dor do abandono, dentro delas havia amor e esperança suficientes para quererem
me fazer sorrir.
Suspirei profundo e tentei afastar a repentina melancolia que me alcançou.
Que bom que tínhamos como ajudá-las.
Que bom que havia Chloe para enxergá-las.
Já era tarde da noite quando fui para a cozinha preparar algo. Ri sozinho, pensando que, na
verdade, só ia pegar o que estava pronto na geladeira, graças ao trabalho da minha funcionária.
Ah, sim! O peixe teria que ser colocado no forno. O difícil trabalho de pegar a travessa na
geladeira e levar ao eletrodoméstico. Acomodei a salada sobre um prato e sentei na banqueta que
ficava no balcão da cozinha, aguardando o sinal do forno.
Peguei novamente o celular e não resisti a olhar todos os registros que recebi das crianças.
Queria novamente assistir o vídeo que eles ajudavam Chloe a pintar os banquinhos do jardim.
Olhei o relógio, eram quase dez horas da noite e, portanto, perto das duas da madrugada em
Paris.
Abri o aplicativo de mensagens. Chloe já devia estar dormindo. Eu menti para mim mesmo
que precisava abrir nossa conversa para assistir o vídeo que ela havia enviado pela manhã,
ignorando que ele estava salvo na memória do meu aparelho de telefone.
Entrei em nossa conversa e fiquei surpreso quando a vi on-line. Até conferi novamente o
horário.
Coloquei o vídeo para rodar e resolvi chamá-la.
“Não é tarde para uma mocinha está acordada?”
Enviei a mensagem e fiquei rindo sozinho, imaginando o bico que Chloe fez ao lê-la.
Segundos depois ela estava digitando e não demorou a aparecer a reposta.
Eu ri com gosto, pois não havia nada além de carinhas revirando os olhos.
Esperei que ela falasse mais alguma coisa e logo chegou outra mensagem.
“Estou pensativa... O sono foi embora.”
“Algum problema?”, questionei.
“Problema não. São as crianças.”
“Acredita que vou assistir novamente o vídeo delas?”
“São tão sozinhas, Rick. Passo o tempo todo pensando no que posso fazer para melhorar a
vida deles.”
“Você faz muito...”
“Mas ainda é pouco. Estou com algumas ideias. Posso te ligar amanhã?”
“Quando quiser...”
“Ok. Como foi seu dia?”
“Chato e cansativo. Muito trabalho. Agora vou jantar e descansar.”
“Posso imaginar. Vou tentar dormir, Rick. Nos falamos amanhã.”
Despedi-me de Chloe e depois de assistir mais uma vez o vídeo das crianças no jardim,
pintando o banquinho, dediquei-me ao jantar.
Capítulo 8
Chloe
Tomei café com mamãe. Conferi o horário, se não corresse, chegaria atrasada à faculdade. E
eu detestava me atrasar. Fui até o meu quarto buscar a bolsa e alguns pertences da faculdade e
voltei correndo.
— Pierre vai te levar, Chloe — mamãe me falou da sala onde descansava. Seu olhar
ostentava a indignação que tornou-se usual. A locomoção limitada estava enlouquecendo-a.
— Não é necessário, melhor ele ficar por aqui.
— Ele vai te levar. — Blanche me olhou séria. — Não vou precisar dele.
— Tá. — Continuamos nos encarando. — Eu chego a tempo para sua consulta.
— Eu já disse milhões de vezes que posso ir sozinha, mas não vou mais discutir.
— Melhor assim. Na verdade, o melhor seria você aceitar que as consultas podem ser aqui
em casa.
— Não podem! Ainda não cheguei a esse ponto. Vou sair de casa com o motorista e ir até o
consultório. Agora vá, Chloe.
Trocamos um aceno e desci as escadas em direção ao jardim, onde Pierre me aguardava com
o carro.
Durante o caminho, repassei mentalmente o projeto que apresentaria na banca de
professores. Minha última obrigação na faculdade de desenho industrial.
O curso foi escolhido na aleatoriedade de quem sempre gostou de desenhar e não sabia o que
fazer da vida. Nova demais para decidir qual profissão ia seguir, optei por uma das coisas que
mais gostava de fazer.
O conglomerado do meu pai era administrado por um conselho eleito por ele quando ainda
era vivo. Um ato inteligente da sua parte, quando deve ter percebido que seus filhos não
tomariam a frente das empresas.
Durante o curso, despertei para uma vertente nunca antes imaginada: a criação de objetos na
construção e sedimentação de marcas. Era uma possibilidade do desenho industrial no mercado
publicitário.
O interesse surgiu ao estagiar em uma agência de publicidade. Foi um dos melhores
momentos da minha formação, quando finalmente achei ter me encontrado na área profissional.
Teria sido perfeito se não fosse descobrir que um cara com quem tive um rápido affair, após
nos conhecermos em uma festa da faculdade, era um dos donos. E que ele estava obcecado por
mim.
Encontramo-nos pelos corredores da empresa. Eu quase tive uma síncope e ele ofereceu toda
sorte de benefícios caso aceitasse namorá-lo. Ali, percebi que minha melhor experiência
profissional tinha chegado ao fim. E foi o que ocorreu no dia seguinte, quando meu coordenador,
visivelmente constrangido e contrariado, me dispensou sob o argumento que eu não atendia às
expectativas da agência.
Eu sorri e agradeci.
Com toda a certeza não poderia atender às expectativas de uma empresa em que o plantel era
escolhido com base em quem aceitava frequentar a cama do dono.
Revirei os olhos só por lembrar o acontecido. E olhando as ruas de Paris pela janela do carro
elegante da minha mãe, pensei na urgência de conseguir um trabalho.
Não gostava do ócio.
Ao mesmo tempo, era bom ter tempo livre para paparicar meus bebês. A cada dia que
passava, conseguia aumentar meu vínculo com as crianças do orfanato e a confiança deles em
mim.
Eu achava que estava ajudando-os, mas salvava a mim mesma a cada oportunidade de
arrancar um sorriso deles. Paz em meio ao caos que era a realidade de ser órfão em um país
estrangeiro. Eu prometi que faria muito mais do que injetar dinheiro, e traçava metas e o melhor
caminho para cumprir esse objetivo.
Estava próxima aos portões da universidade quando meu telefone apitou a chegada de uma
mensagem. Rapidamente, desbloqueei a tela do aparelho e abri o aplicativo. Era ele, provando o
quão cedo estava acordando nos últimos dias. Ou talvez nem tivesse ido dormir.
O que atormentava Rick?
Enviei uma mensagem, o cumprimentando, enquanto descia do carro. Em seguida, despedi-
me do Pierre, e o motorista disse que voltaria para me buscar. Não discuti, eram ordens de
Blanche. Eu tinha meu próprio carro, mas gostava mesmo era de andar a pé ou de bicicleta pelas
ruas da cidade. Deixava o automóvel para deslocamentos maiores ou viagens.
Minha mãe se indignava. Dizia que era perigoso e não caía bem para quem pertencia a uma
família tão tradicional no país quanto a nossa. E sempre que podia, colocava seu motorista em
meu encalço.
Olhei novamente o aplicativo de mensagens, Rick havia enviado uma foto da varanda do seu
apartamento. O dia estava começando a amanhecer, o céu ainda escuro, mas com uma rajada de
luz cortando-o, ainda tímida, porém, buscando seu espaço.
“Perdi o sono... Aproveitei para adiantar o trabalho.”
Ele respondeu e balancei a cabeça em negação. Não sabia o que estava perturbando-o, mas
sim, havia algo de errado.
“É a terceira vez essa semana...”
Comentei, na esperança que ele se abrisse comigo.
“Sim.”
Revirei os olhos com sua resposta. Rick não falaria nada. Enviei uma foto do jardim da
universidade e fui para a aula. As horas correram e nem percebi que chegava ao fim meu último
dia com obrigações pedagógicas.
Havia apresentado o projeto e a nota sairia no fim do dia. Os demais dias até o fechamento
do calendário escolar seriam apenas para apurar as notas. O que não me preocupava, pois tirando
o projeto final, que era avaliação única, havia passado em todas as matérias.
Poderia ficar uns dias em Annecy. Seria bom gozar da tranquilidade e da paz que somente a
cidade e a casa da tia Flora tinham. Eu amava aquele lugar.
Contudo, não queria deixar mamãe sozinha com os empregados e a enfermeira. Uma hora ia
acontecer, mas eu tentava postergar ao máximo.
Assim, depois de acompanhá-la na consulta médica e, felizmente receber bons prognósticos
quanto à sua recuperação, fui para o segundo lugar que mais gostava de estar.
***
As crianças me receberam eufóricas. Graças às minhas vultosas doações, a direção do
orfanato permitia que eu os visitasse em qualquer horário. Claro que eu sempre respeitava as
programações e regras, mas não me fazia de rogada e aproveitava a oportunidade de ir até lá
quando quisesse e pudesse.
Equilibrei minha bolsa no ombro e com o braço livre tentei abraçar a todos. Ao menos fazer
um carinho onde minhas mãos alcançassem. Em uníssono, eles contavam o que haviam feito até
àquela hora, impedindo que eu compreendesse qualquer um dos relatos.
Com calma, caminhamos pelo jardim e conseguimos chegar até o refeitório.
— Chegou em boa hora, Chloe. — Fui saudada pela responsável da cozinha. Suas ajudantes
organizavam na enorme mesa, com o tampo pintado de amarelo, o lanche da tarde.
Levantei o olhar para ela e sorri. Estava mesmo faminta. Acomodei-me em uma das cadeiras
e logo Beatrice, a diretora da instituição, estava ao meu lado, pedindo que as crianças me
deixassem provar do lanche.
— Chloe, preparei o relatório que pediu. E fiz uma lista do que pode ser explorado na
campanha. Acho que vai facilitar a vida de quem assumir a nossa publicidade. — Ela puxou uma
cadeira ao meu lado e sentou-se. — Passa na minha sala antes de ir embora? — Acenei em
confirmação.
— Obrigada, Bea. Tenho um projeto grande em mente e quero testar com vocês. Ricardo
quer que um amigo do Brasil assuma a campanha, mas ainda acho que é mais fácil contratar uma
agência aqui em Paris. — Servi uma xícara de café e involuntariamente lembrei-me que Ricardo
sempre torce o nariz para o meu cappuccino da cafeteria no canal San Martin.
— Estou ansiosa, Chloe. Você é um anjo que chegou para nós em um momento tão
complicado. Seja qual for sua decisão, estarei aqui para colocá-la em prática. Também acho que
seja mais fácil escolher uma agência local, mas vejo que seu amigo tem se envolvido com a
nossa causa, talvez ele queira se sentir perto, e o jeito que encontrou é colocando os amigos para
ajudar.
— Acha que seja isso? — Eu sentia que Rick achava que tinha uma dívida comigo, pela
longa insistência com a herança que Charlotte havia me deixado. Como aceitei e deixei claro que
todo o dinheiro seria destinado a causas filantrópicas, ele devia se sentir na obrigação de tentar
me ajudar.
— Sim... Na verdade, acho que tenha algo mais, porém não vou encher sua cabeça com
meus achismos. — Bea deixou sua xícara sobre o pires e me deu um olhar acolhedor. Não
entendi o que ela quis dizer, mas estremeci internamente.
— Não seja má, Bea. — Fiz um bico e tentei descontrair, mas a verdade era que eu preferia
não saber sobre o que ela falava exatamente.
— Estou sendo muito boa, acredite.
Trocamos um sorriso. Após o lanche e brincar um pouco com as crianças, me reuni com Bea
em sua sala.
As reformas no imóvel já estavam na fase final. O advogado voluntário atuava perante o
governo local em busca de autorização para acolher mais crianças. Tia Flora colocou seu
administrador à disposição do projeto, e com o relatório feito por Bea, ele ia montar um dossiê
financeiro do orfanato. Era dada a largada para que o lugar fosse promovido e alcançasse
padrinhos.
Se o meu plano de autopromoção e busca de apadrinhamento desse certo, eu o aperfeiçoaria
e o aplicaria em muitas outras instituições da cidade. Era um sonho grande, mas eu ia correr atrás
até vê-lo funcionando.
Capítulo 9
Ricardo
— Estive pensando, Rick, pela logística é melhor contratarmos uma agência de publicidade
aqui em Paris. — As palavras saíram incertas, embora eu soubesse que em meio à sua
insegurança, havia determinação para fazer as coisas do jeito que queria.
— É o que você quer? Se sim, tudo bem por mim. — Não ia render o assunto. Eu estava
longe, muito longe. Estava difícil me conectar com os projetos que Chloe tinha para as crianças,
e sua decisão me tirava a única coisa que poderia acompanhar de perto.
— Rick... — Era a parte ruim das chamadas de vídeo. Não dava para escapar das reações.
Um telefonema tradicional talvez fosse melhor. Porém, Chloe justificou sua chamada de vídeo
dizendo que tinha algo importante para conversar comigo, e que se estivéssemos na mesma
cidade, o faria pessoalmente.
— Tá tudo bem, Chloe.
— Eu queria muito que fossem seus amigos. — Eu acreditava nela. Poderia estar sendo
egoísta ou, até mesmo, exagerado, mas me sentia sendo distanciado dos planos. Precisava
confessar já ter me envolvido demais com os pequenos.
— Eu queria fazer parte.
— Eu sei. Mas acho necessária uma proximidade grande com a agência. Presença, sabe? —
Eu entendia, mas não queria entender. — E mais, estive pensando também que o responsável
pela campanha precisa conhecer o espírito do público. Você sempre brinca que os franceses são
peculiares. É uma brincadeira sua, mas que tem muita razão.
— Você ganhou. — Era para soar sério, mas não segurei o riso com a carinha dela. Sim, ela
tinha ganhado, como somente ela sabia ganhar todas as discussões.
— Mas quero que você também fique satisfeito.
— Eu estou muito feliz com os rumos do projeto... Ele está saindo do papel e o principal,
que é alcançar ainda mais crianças, vai acontecer. — Chloe gastou uns segundos me analisando,
até que se deu por vencida.
— Os candidatos à prefeitura estão em campanha política. Hoje cedo conversei com o
secretário de campanha do atual prefeito. Ele vai tentar a reeleição. — Fez uma pausa e me
perguntei onde ela queria chegar. — Eu sugeri que uma aparição com crianças órfãs estrangeiras
seria muito interessante — ela complementou, sapeca.
— Espertinha.
— Sou, né? As crianças vão fazer uma apresentação e o prefeito ficou responsável por
apresentar o orfanato para empresários. Estou contando com a presença de várias socialites. —
Chloe era pura empolgação. Como eu poderia roubar sua alegria com o meu ego não domado?
Eu não faria isso, em definitivo.
— Publicitários para quê, quando se tem Chloe promovendo a causa? — Ela deu um sorriso
orgulhoso. Mas não era qualquer sorriso, era um enorme e cheio de magnetismo. Ela nem se
dava conta do que poderia causar quando sorria daquele jeito.
— É sobre isso, Rick... Eu faço muita questão de me envolver em todas as etapas, estar
perto, sabe? — comentou, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.
— E te apoio, ok? — Me ajeitei na poltrona da minha sala, erguendo o corpo e tentando
passar segurança para ela, na vã tentativa de me enganar. Chloe era suficiente para si mesma.
Não precisava da aprovação de ninguém. Ela era força.
— Agradeço! Bom, ainda não fechamos uma data, mas seria uma boa oportunidade para
você vir assisti-las e conhecer as pessoas que podem nos ajudar. — Novamente estava lá a
insegurança nas palavras, e em concomitância, uma certeza que eu iria enfrentar as doze horas de
voo.
— Eu vou. Só me passar a data.
— Alguma sugestão? Por aqui estamos com a agenda livre e o prefeito está empolgado com
a aparição positiva, com certeza irá se adequar a nós. — Ela balançou um bloco de notas em sua
mão, fazendo soar engraçado que uma garota aparentemente tão moderna usasse um bloco de
papel para suas anotações. Mais uma vez segurei o riso e segui a conversa.
— Tenho que olhar a agenda com minha secretária, mas em instantes te envio algumas datas
mais tranquilas para mim. — Ela acenou em confirmação, sem esconder a satisfação por tudo
sair da forma como planejou.
— Certo. Obrigada, Rick.
— Por?
— Pela insistência. Eu não sabia que precisava tanto desses pequenos. — Os olhos
marejaram e os lábios finos estavam trêmulos, formando um biquinho de quem quer chorar, mas
está se esforçando para não desabar.
— Às ordens para lidar com esse seu geniozinho teimoso. — Tentei arrancar um sorriso e
saí vitorioso. As lágrimas não sumiram, mas o olhar melancólico sim.
— Não abusa, Rick. Bom, vou te deixar trabalhar.
Finalizamos a chamada. Me levantei da poltrona e saí da sala em busca da minha secretária.
Após acertar com ela uma data viável para passar uns dias fora, procurei Marina.
— Saudades de quando você não me abandonava na empresa — Nina comentou sem se dar
ao trabalho de desviar o olhar do computador.
— Mentira. Eu sei que você adora mandar nos meus funcionários quando não estou aqui —
falei com a sobrancelha erguida, já aguardando sua resposta peculiar. Nina era assim.
— Gosto ainda mais de não ficar de babá do meu chefe que, por acaso, é o CEO da empresa.
Ah, e preciso te contar, eles se afeiçoaram muito a mim. Isso é falta do pai, ouviu?
Explodi em uma gargalhada. Como que as pessoas ainda ficavam acanhadas diante dela? Ter
Marina na empresa significava nunca morrer de tédio. Ela, finalmente, resolveu me dar atenção e
levantou o olhar para mim.
— Eu suplico, Rick. Suplico que você faça a gentileza de me informar o dia da viagem
quando ainda estiver em Curitiba. De preferência, em horário comercial. No mais, curta Paris por
mim. Inclusive, saudades de Paris.
Despedi-me, rindo da melhor aquisição que fiz para a Lima e Assumpção. Marina era o
coração da empresa. Em pouco tempo ela soube assimilar o que eu precisava com a sua
contratação e me fazer dispensável dentro do grupo, embora gritasse para os quatro cantos que a
direção executiva ainda era minha.
***
O longo dia encerrou para mim perto das nove da noite, quando acionei o elevador para a
minha cobertura. Estava exausto, clamando por comida pronta e cama macia.
Segui o ritual de sempre. Deixei a valise na sala e fui até a cozinha tomar um copo de água,
enquanto checava as mensagens não lidas do dia. A lista era grande, basicamente havia
respondido tempestivamente apenas meus pais e Chloe. Além da Marina, que tinha a mania de
me enviar mensagens pedindo que eu lesse os e-mails que estavam há mais de dez minutos sem
resposta.
Mensagens lidas e respondidas, fui para o banho, demorando mais que o usual. Poderia
dormir sob a ducha, tamanho o cansaço. Coloquei uma cueca samba-canção e aguardava o filé de
frango que assava quando fui verificar se Chloe havia dado alguma resposta para as datas que
enviei. Nada. Ela não havia sequer visualizado a mensagem enviada horas antes.
Estava saindo do aplicativo quando a foto de Fernanda surgiu no topo das conversas,
acompanhada do sinal que ela havia me enviado mensagens.
Dei mais uma olhada na carne, peguei a taça de vinho, que acabara de encher, e sentei no
balcão da cozinha.
“Enfim, em Curitiba! Está na cidade?”
Suspirei e pensei na resposta que daria, pois sabia bem onde íamos chegar. Fernanda, além
de linda, era a mulher mais interessante com quem me relacionei depois da morte de Charlotte.
Demorei a me envolver com outra mulher e, mesmo depois de quatro anos, com nenhuma delas
passei de encontros sem compromisso. Exceto Fernanda. Ainda não havia um compromisso
formal entre nós dois, mas era evidente que foi o mais longe que cheguei.
Conhecemo-nos há cerca de um ano. Ficamos juntos desde o primeiro encontro, no
aniversário de um amigo em comum. Ela foi a única a frequentar meu apartamento e que me
convenceu a fazer uma viagem a dois. O papo era bom, nossos gostos batiam e a intimidade
sexual era indescritível. Mas faltava algo, na verdade, faltava muito. Eu ainda não me sentia
pronto para pertencer à outra mulher. E precisava ter essa conversa com Fernanda.
Nunca lhe escondi minhas limitações e, mesmo com elas, Fernanda quis ficar. Deu certo por
um tempo, mas ela queria mais. Nunca pediu nada além do que eu já ofereci, contudo, estava no
seu olhar, em seu toque e em suas reações que, o que eu tinha, era insuficiente. E eu não fingiria
que podia ir além. Era o mínimo que devia a ela, sinceridade e caráter.
Não queria ter esse tipo de conversa naquele dia. Cansaço físico e mental me dominavam.
Ainda ansiava pela minha cama.
Olhei novamente para a mensagem aberta e decidi dizer a verdade. Sim, eu estava em
Curitiba. E lidaria com o que viesse.
“Que coisa boa, como foi de viagem? Sim, em casa, acabei de chegar da empresa.”
O forno apitou e olhei satisfeito para o objeto que, feito mágica, deixava minha comida
pronta. Coisa de homem solteiro que havia se acostumado a ser rodeado de cuidados. Primeiro,
minha mãe e sua estrutura de funcionários; depois, Charlotte. Ela não fazia, mas também contava
com uma equipe para servir nossa casa. Lembrar de Charlotte era o suficiente para afastar
qualquer tesão por outra mulher.
Quatro anos... Isso tinha que passar. Pela minha sanidade mental, tinha que passar.
Servi a salada, completei o vinho na taça e, na primeira garfada do frango, surgiu a pergunta
que eu já esperava.
“Posso ir até aí? Tantos dias fora, não quero dormir sozinha.”
Uma das características que mais admirava em Fernanda era também a que me deixava em
apuros. Ela era direta, não fazia joguinhos. Se queria algo, ela simplesmente falava.
Fernanda queria passar a noite comigo e, direta como era, nada a faria me esconder suas
intenções, deixar de me contar o que desejava. Eu que lidasse com a informação.
“Estou te esperando.”
A resposta madura de quem havia desaprendido a se relacionar com outra mulher.
Capítulo 10
Chloe
Descemos do carro e ofereci o braço para que Chloe se apoiasse. A chuva fina deixou a
superfície do solo escorregadia. Ela abriu um guarda-chuva transparente e entregou para que eu o
segurasse e nos protegesse da água que caía incessantemente. Soltei-nos e puxei seu corpo para
junto do meu, segurando-a com o braço livre. Seu perfume suave me atingiu, floral, um pouco
cítrico, gostoso de sentir.
Na recepção da prefeitura, nos identificamos, e depois de todo o procedimento de segurança,
fomos encaminhados à sala onde seríamos recepcionados para a reunião.
Chloe explicou que a conversa daquele dia era apenas com o secretário do prefeito e sua
equipe.
Caminhamos lado a lado, ela ainda insegura sobre escorregar e novamente apoiada em meu
braço. Quem nos visse, não estranharia que fôssemos um casal. E eu não me importei que o
pensassem. Acho que ela também não.
Uma mulher alta e com os cabelos longos e alinhados nos recebeu. Ofereceu água e café e,
após servi-nos, informou que logo seríamos atendidos e sentou-se de volta atrás da sua mesa.
Não demorou mais do que dez minutos para que a recepcionista levantasse do seu lugar e
nos chamasse para a reunião. Auxiliei Chloe a levantar e, novamente, de braços dados, seguimos
para a sala indicada.
Uma porta foi aberta, permitindo a passagem de dois homens. O mais velho aparentava ter
cerca de cinquenta anos, tinha estatura média, o cabelo na altura do queixo era ondulado e foi
penteado para trás. Não disfarçou a surpresa por me encontrar ao lado da Chloe.
O mais novo, certamente, tinha a idade próxima a dela. Alto e muito parecido com o mais
velho. Seriam pai e filho? Aproximamo-nos e não demorou para que ela fosse cumprimentada.
Sim, apenas Chloe.
— Bonjour, Chloe! — disseram em uníssono, porém, o mais novo tomou a dianteira e
deixou um beijo em seu rosto. Um ato simples, que para nós brasileiros soaria como corriqueiro,
mas estávamos na França, um país onde não se beija o rosto de quem não se possui muita
intimidade. Eu podia apostar, e ganhar, que Chloe ficou desconfortável com o gesto. Que coisa
feia! Fechei os punhos e meus lábios estavam cerrados em uma linha fina.
— Bonjour. — Não precisei de muito para perceber que ela retesou o corpo. Sim, o maldito
havia deixado-a incomodada.
— Quanto tempo, querida. Como vai? — Ele ainda impunha uma proximidade absurda com
ela, olhando-a nos olhos durante a interação.
— Eu estou ótima, Oliver — Chloe o respondeu polida e, talvez eu estivesse enganado, mas
deu ênfase ao chamá-lo pelo nome. Contudo, também não passou despercebido que eles, de
alguma forma, já se conheciam. — Secretário. — Com um aceno de cabeça ela também
cumprimentou o homem mais velho. Ela virou levemente para trás, onde eu estava, e me
convidou para me aproximar. — Conheçam meu parceiro no projeto do orfanato, Ricardo Lima e
Assumpção.
Trocamos cumprimentos. Eu, muito puto com a situação e, ao mesmo tempo, segurando o
riso diante do desgosto que ambos esboçavam. Aproveitei seu convite e aproximei o suficiente
para que ficassem em dúvida sobre o nosso vínculo. Gostaria de não ter feito, que não fosse
necessário, mas acreditem, ainda existe esse grupo de homens, no qual eles se encaixavam.
Eu já podia imaginar como seria desconfortável para Chloe estar ali sozinha. O que eles
estavam pensando? Não me agradei com as conclusões que minha mente formulava.
Passamos a hora seguinte negociando as ações que o prefeito faria em favor do orfanato. E
congratulei-me por ter atravessado o oceano e ir até Paris. Chloe fazia muito mais do que dava
conta. Sua entrega era total ao projeto iniciado com as crianças. Além disso, ela conseguiu que
algumas de suas imposições fossem aceitas, mas naquela reunião ficou claro que a aquiescência
do prefeito seria passageira.
No entanto, para mim também estava claro que não aconteceria do jeito que eles queriam. Se
necessário fosse, chutaríamos a porta e a Lima e Assumpção assumiria o patrocínio total.
Quando me dei conta que não precisávamos do prefeito, fiquei confortável na cadeira
acolchoada. A sala exalava luxo, e o secretário, seguido do seu filho, vínculo que confirmei
durante a reunião, pareciam gostar de estar ali. Eles apreciavam a vida pública, e o pseudopoder
que conseguiam parecia agradá-los ainda mais.
— Creio que as nossas condições foram bem expostas. — Cruzei a perna e troquei um olhar
com Chloe. Minha intenção não era tirar sua autoridade ou me impor, mas gostaria que ela
entendesse que eu estava ali. Chloe não estava sozinha.
— Como havia explicado, Chloe e eu avançamos bem. Não vejo porque mudarmos a essa
altura. — O tom de voz era ameno, mas sua expressão demonstrava o tremendo incômodo com o
rumo das negociações. Eles tentariam encurralá-la. Mas parecia óbvio que não conheciam Chloe.
Ela empertigou na cadeira, a face estava rubra, e a vi apertar os dedos delicados na ponta da
cadeira. Eu tinha uma boa resposta na ponta da língua. Porém, de soslaio também vi que Chloe
precisava falar, e a palavra seria toda dela.
— Certamente equivocou-se, secretário. — Aprumou o corpo e levantou o nariz em sua
direção, sustentando um olhar duro e frio.
— Silvius, por gentileza. — Ele teve a ousadia de interrompê-la, se achando na liberdade de
decidir a forma como ela se direcionaria à sua pessoa. Que circo armado. Mas Chloe provava que
não precisava de defesa, era valente e não se acovardava. O covarde era o secretário do prefeito e
seu filho inútil.
— Como eu dizia, não há nada novo no que foi apresentado pelo Ricardo. Peço que avaliem
e nos retornem o quanto antes. Não abrimos mão de ampla aparição na TV. Eu quero publicidade
do nosso trabalho, secretário. Tenho certeza que o prefeito vai conseguir. — A fala saiu pausada,
mas também firme, como se expusesse em caixa alta cada palavra pronunciada, sem permitir que
houvesse dúvida quanto ao que dizia. — A apresentação será nos próximos dias e temos um
cronograma com a equipe de publicidade. Não vamos fazer campanha de graça. Talvez eu
também tenha me equivocado quanto à boa vontade do prefeito em relação às necessidades das
crianças.
Eu não tinha dúvidas que Silvius, como secretário do prefeito, possuía a habilidade de
enfrentar situações constrangedoras, mas certamente não estava preparado para Chloe. Ela o
deixou sem palavras.
Com sua elegância habitual, ela levantou-se, acompanhada por mim, apanhou a bolsa que
havia colocado sobre uma mesinha de apoio e virou-se para os dois homens ainda mudos.
— Precisamos ir, temos outros compromissos. Inclusive, com as crianças. — Eles pareceram
despertar e Silvius tomou à frente, tentando tocá-la na mão.
— Temos um trato, Chloe. O prefeito não irá desfazê-lo. — Chloe olhou para as próprias
mãos já envoltas nas luvas e aceitou o cumprimento.
— Não vamos abrir mão da campanha televisionada — disse calmamente, como se o
desafiasse.
— Considere feito. — Silvius havia jogado a toalha e respondeu com um revirar de olhos.
Troquei um aceno de cabeça com os dois e saí da sala acompanhando Chloe, com a mão na
base da sua coluna. Eu sentia dois pares de olhos queimarem em minhas costas, mas poupei-os
da vergonha de serem surpreendidos e não olhei para trás.
Quando chegamos à rua, Chloe estava em silêncio e com a feição fechada. A garota era pura
luz, irradiava alegria, mas não naquele momento. Passei o braço pelo seu ombro e beijei seus
cabelos. Caminhamos assim até onde o carro estava estacionado.
— Não esperava passar por isso — disse quando já estávamos novamente dentro do seu
carro. Me ofereci para dirigir. Argumentei estar com saudades de guiar pelas ruas de Paris. E ela
fingiu acreditar. A verdade era que só queria que ela entrasse no carro e desligasse do mundo.
— E eu sinto muito pelo o que aconteceu. — Toquei de leve seu ombro e trocamos um
olhar, logo voltei a atenção para a direção do carro.
Ainda tínhamos um tempo vago até irmos para o ensaio no orfanato. Tentei pensar
rapidamente em alguma programação para deixá-la alegrinha. Eu não era bom com surpresas,
sempre tive uma enorme dificuldade em fazer coisas fofas que agradam o outro, principalmente o
sexo feminino. Era prático demais. Mas Chloe precisava que fizesse por ela.
Passávamos pela avenida lateral à Torre e não teve jeito. Procurei uma vaga na rua mais
próxima, o que significou uma pequena caminhada até o destino inicial. A guiei para uma
cafeteria e pedi chocolate quente para a viagem. Chloe apenas me observava, sem nada dizer.
Paguei o pedido e sinalizei que íamos para o gramado em volta da Torre.
Finalmente consegui um sorriso dela quando ainda estávamos saindo da cafeteria. Ela
arrumou alguns fios do cabelo que balançavam conforme o vento os tocava e sacudiu a cabeça,
sorrindo.
— Não creio. — Chloe comentou e ofereci meu braço para que ela se apoiasse e
atravessamos a rua em direção ao nosso destino.
— Eles gostam — ela afirmou e me encarou, me fazendo acompanhá-la na risada. Ufa! Ao
menos o olhar triste estava sumindo.
Os turistas adoravam ir para perto da Torre e fazer um lanche no gramado. E os nativos
gostavam ainda mais de se divertirem com os passeios clichês que eles faziam.
Escolhemos um ponto na grama. Chloe tirou uma pashmina da bolsa e forrou para
sentarmos. Entreguei a ela seu copo com a bebida quente e cremosa, ali ficamos no conforto do
nosso silêncio. A chuva havia cedido, mas ventava, e o clima da cidade ainda estava bem frio.
Chloe encostou em mim e deitou a cabeça em meu ombro. Se eu pudesse, tiraria sua decepção
com as minhas mãos, mas não podia, a puxei para ainda mais perto e a abracei.
— Não queria ter que me sentir assim, decepcionada. Era o esperado, certo? — Ela não
olhava para lado algum, apenas divagava.
— Sim, era.
— Mas era o Oliver. Poxa! Quando foi que tudo mudou? — Chloe ganhou toda minha
atenção. Eu imaginei que se conheciam, mas estava curioso para saber o quanto.
— Hum, você o conhecia?
— Tivemos um rápido envolvimento no início da faculdade. Nada relevante. Mas, por muito
tempo, também mantivemos uma boa amizade. — Fui surpreendido. Dei-me conta que o
almofadinha francês não estava naquela reunião por acaso. Muita água ia rolar. Silvius não
pareceu ser um homem que cede fácil, e convenhamos, ele foi rápido em voltar atrás nas suas
imposições.
Capítulo 12
Chloe
Laura era impecável na administração dos meus bens, nenhum detalhe lhe passava
despercebido. Ela contratava empresas de limpeza e conservação para a manutenção dos imóveis
que eu não utilizava com frequência, por exemplo, o apartamento de Paris. Quando eu avisava
que iria para a cidade, até a dispensa e geladeira eles abasteciam.
Saí do banho e Chloe estava jogada no sofá. Os pés calçados com meias, livres dos sapatos.
Havia retirado o casaco sobretudo que usou durante todo o dia.
Pareceu-me desconfortável a posição que escolheu para adormecer no sofá, meio de lado, a
boca entreaberta formava um biquinho, a malha de frio havia subido levemente, deixando a vista
uma faixa fina da sua barriga.
Chloe era tão menina.
O celular, com o fone de ouvido acoplado, estava caído em seu peito, demonstrando que ela
assistia algo quando pegou no sono.
Com cuidado, peguei o aparelho e coloquei um travesseiro sob a sua cabeça. O dia foi
pesado, deixaria que ela descansasse.
Eu também estava moído.
Deixei a iluminação baixa, acendi a luminária ao lado da poltrona e peguei um livro que
iniciei no voo para Paris. Não sei o tempo exato que passei quieto entre ler o livro e observar
Chloe.
Ela ressonava baixinho, já havia encontrado uma posição que lhe deixasse confortável e até
encolhido as pernas, quase ficando como um caramujo.
Eu podia narrar com detalhes até sua respiração, pois não conseguia desviar o olhar dela,
como se observá-la fosse uma terapia. Talvez fosse, pois teve o poder de me relaxar e acalmar
meus sentimentos internos. Se pensasse bem, desde a nossa efetiva reaproximação, quando ela
finalmente aceitou a herança da irmã, eu sentia que a voz interna que tanto me atormentava
estava silenciada.
Era a voz do vazio. E não estava mais ali.
Por um momento pensei ser o fato de poder encerrar o inventário de Charlotte, ou que a
saudade estava sendo aplacada. Cheguei até mesmo a pensar que não sentia mais sua ausência.
Mas ali, naquele momento, eu entendia que nada do que imaginei fazia sentido, mas sim que
havia um espaço em meu peito sendo preenchido, um que nunca foi ocupado por mais ninguém,
embora ainda não soubesse me explicar.
Fui para a varanda do apartamento, com uma xícara de chá na mão, gostava de observar o
movimento na cidade.
Ouvi um ruído atrás de mim e olhei assustado para onde Chloe estava. Não era nada demais,
apenas meu telefone vibrando sobre a mesinha, entre o sofá em que ela dormia e a poltrona que
eu usava para leitura.
Estava decidido a não pegá-lo, mas ele não parava de vibrar e ia acordá-la.
Aproximei-me e o nome na tela não me animou.
Fernanda tentava de forma incessante fazer contato desde a última vez que estivemos juntos.
Não gostei da forma como ela quis aparecer na chamada de vídeo que fazia com Chloe.
Pior, tentando mostrar a qualquer custo a intimidade que tivemos.
Foi constrangedor.
A verdade é que eu não deveria ter atendido a chamada quando Fernanda estava em minha
casa e só me dei conta depois de tê-lo feito. Poderia ter explicado a situação para Chloe no dia
seguinte, pois éramos amigos. Chloe não fez nenhum comentário sobre o constrangedor
ocorrido, mas ficou claro o clima ruim instaurado no momento.
Ela sentiu como se invadisse minha vida, quando era o contrário. Foi Fernanda quem quis
nos expor.
A noite estava boa, o sexo foi satisfatório, mas perdi todo o tesão depois que Chloe finalizou
a chamada, horrorizada por ter me ligado quando havia uma mulher de toalha em minha casa.
A sua reação despertou algo em mim. Eu senti que não foi apenas constrangimento, sendo
bem real, enxerguei certo ciúme. E se fosse o contrário, percebi que teria ficado puto da vida se
tivesse um cara na casa dela. De toalha. Eu não a queria com outro homem e pensar isso causou
uma confusão em minha cabeça.
Da varanda, olhei novamente para o local onde o celular ainda tocava. Suspirei e fui até lá
pegá-lo. Ela não ia parar.
— Algo sério aconteceu, não é Fernanda? — Minha voz saiu áspera, fiquei mesmo irritado
com a sua insistência.
— Quanto mau humor, Ricardo. Só estou com saudades. — Ela tentou parecer ofendida,
mas não conseguiu. Fernanda faria de novo, se necessário fosse.
— Estou em Paris.
— Hum. Não sabia que você ia viajar. — Revirei os olhos, pois se estava ligando através do
aplicativo de mensagens, foi por não ter conseguido completar a ligação convencional. Fernanda
sabia sim que eu não estava no Brasil.
— Então, o que aconteceu para as tantas ligações?
— Nada demais, Rick. É saudade, mas você está longe, não vou te incomodar.
Encerramos a chamada e fiquei um instante mudo, parado no mesmo lugar, com o telefone
nas mãos. Quando foi que Fernanda deixou de ser uma amiga e companhia agradável para se
transformar na mulher que tentava me controlar? Nós dois havíamos mesmo ido longe demais.
Passei as mãos pelo cabelo, bagunçando-o, e quando olhei em direção ao sofá, havia dois
pares de olhos me observando.
— Tudo bem? — Ela ergueu o corpo, preguiçosa, como se avaliasse se valia a pena sair do
sofá macio. Mas não deixava de procurar em mim algo errado.
— Sim... — Assenti e sentei na pontinha da mesa de centro, de frente para ela. — Que
dorminhoca. — Corri os dedos pelo seu cabelo levemente bagunçado e podia jurar que ela
fechou os olhos, aproveitando o carinho. Guardei o telefone no bolso da calça e aguardei que ela
reagisse, segurando o riso para sua tentativa de despertar.
— Muitas horas? — Os olhos pesados das horas de sono estavam puxadinhos. Ela parecia
uma boneca. Foi sua vez de passar os dedos pelos fios curtos, cortados em um corte Chanel,
tentando deixá-los no lugar.
— O suficiente para conseguir assistir um filme sem cochilar. — Desviei a atenção, nós dois
sem graça pelo contexto que estávamos. Chloe também ajeitou a roupa no corpo e finalmente
sentou-se.
— Ah, não, Rick! Você sabe que dormir durante o filme não tem nada a ver com sono. —
Fingiu indignação e arrancou um sorriso meu. Dias atrás conversávamos tarde da noite, eu estava
com insônia e ela sugeriu assistirmos um filme e comentá-lo pelo aplicativo de mensagens, já
que cada um estava em seu país. Eu escolhi um que gostava muito e o entretenimento durou
pouco, pois Chloe apagou.
— Isso chama descaso com as minhas escolhas. — Levantei da mesinha e estiquei o corpo.
Queria mesmo era deitar na cama e ficar sob o edredom, mas Chloe estava comigo e ficar na sala
também seria ótimo.
— Você me deixa escolher hoje. — Estreitou os olhinhos na minha direção e eu bufei. Ela
sabia ganhar.
— Todo seu. — Entreguei-lhe o controle e fui até a porta de vidro que separava a varanda. A
noite estava realmente fria e teria que ligar o aquecedor.
— A noite está linda. — Ela me acompanhou e também admirou o céu. Eu assenti, amava as
noites de Paris.
— Está sim. Com fome? — Sabia a resposta, mas virei para olhá-la afirmar com um sorriso
no rosto, sem qualquer receio de demonstrar o que queria ou sentia.
— Gostei da comida daquele restaurante que jantamos na última vez que estive aqui —
contei enquanto procurava na internet do celular qual era o telefone para fazer o pedido.
— Eu também gostei muito. Vou repetir aquela sopa de cebola.
— Algo mais?
— Filé com fritas. — Ergui a sobrancelha, divertido, para ela. Chloe respondeu fazendo um
bico.
— Muitas horas sem me alimentar, Rick. — Dei uma gargalhada e acabei pedindo o mesmo
para mim.
Chloe escolheu um filme, decidimos tomar um vinho que comprei no próprio restaurante
onde encomendei o jantar.
Eu a observava enquanto arrumava a mesa para nós dois.
Ao mesmo tempo em que era tão moleca e livre, se importava com os detalhes do dia a dia,
era cuidadosa. Chloe sempre perguntava em nossas conversas se eu havia me alimentado ou
dormido bem. Reclamava que eu não fazia nada para melhorar as insônias e que vivia para o
trabalho. Tentou marcar meu médico, depois que contei estar há anos sem fazer qualquer check-
up e sempre tinha uma lista de coisas que eu precisava fazer para ter uma vida longa e boa.
E isso estranhamente não me incomodava. Eu não a achava invasiva, tampouco que forçava
alguma situação. Ela era cuidadosa com todos ao seu redor. Era assim que Chloe demonstrava
seu afeto, cuidando. E há muitos anos eu não sabia o que era ser alvo dos cuidados de alguém
que não fosse minha secretária ou ajudante em casa.
O interfone tocou e era o sinal de que a nossa comida havia chegado.
— Eba! — Ela saiu da cozinha em direção à sala, terminando de colocar um par de taças
para água sobre a mesa de refeição.
— Acabei de lembrar, não pedimos sobremesa.
— Ah, não, Rick. Não acredito que esquecemos. — O olhar animado entristeceu de
imediato.
— Vou lá buscar o jantar. — Entrei no elevador pensando no que poderia providenciar. O
entregador teria que me ajudar, eu daria a gorjeta que fosse necessária.
***
Jantamos ao som de uma música baixinha e depois fomos para o sofá, com as nossas taças
de vinho. O filme ficou no esquecimento, a gente estava preferindo manter a conversa que
iniciamos durante o jantar.
— Estou com saudades de Annecy, pensei em aproveitar um fim de semana por lá. — Ela se
arrumou sobre o sofá, dobrando as pernas, e enfiou os dedos entre os fios do cabelo, jogando-o
para o lado. Tão despretensioso e, ao mesmo tempo, tão sensual. E ela nem se deu conta.
— Faz anos que não vou lá — comentei e balancei a cabeça, tentando afastar o rumo dos
meus pensamentos.
— Tia Flora ia gostar de te ver. — Ela ia era me esfolar vivo se sonhasse que achava Chloe
sensual. Mas, tudo bem, ninguém precisava saber. Éramos amigos e eu a respeitava. Nada além
disso.
— Se você quiser, podemos ir. — Eu gostava de sofrer, por isso dava corda. Não tinha outra
explicação. Mas também gostaria de rever Flora, que era uma mulher agradável e divertida.
— Por agora estamos apertados com a apresentação no orfanato, mas podemos marcar.
— Na minha próxima vinda, iremos. Pode se programar. — Nós dois nos calamos diante do
que eu disse. Eu voltaria muito em breve para Paris e nem havia ido embora.
Suspirei e o som do interfone nos tirou do momento constrangedor, mais um da nossa noite.
Chloe franziu o cenho, me interrogando sobre quem poderia ser.
— Vamos ver quem é. — Eu sabia quem me aguardava na portaria do prédio, mas fingi bem
para que continuasse sendo uma surpresa. Finalizei a chamada e virei-me para ela. — Preciso ir
até a portaria, é rápido.
Fechei a porta do apartamento sem lhe dar chances para perguntas, tão rápido que nem me
lembrei de pegar um casaco. O entregador passou para as minhas mãos uma bandeja bem
embalada e não demorei a estar de volta na sala, onde Chloe me aguardava intrigada.
Ela saiu do sofá e os olhos grudaram na embalagem que eu carregava.
— O que é? — perguntou em meu encalço.
— Vem ver! — Fomos para a mesa onde jantamos e, com cuidado, abri a embalagem,
deixando aparecer uma travessa com pequenas unidades de sobremesas: mil folhas, éclaire,
profiteroles, macarons e mais algumas coisas que eu nem sabia o nome.
— Rick! — Surpresa, ela levou a mão à boca e, na sequência, jogou-se em meus braços.
Capítulo 14
Chloe
Ele havia feito uma surpresa para mim e comprado a sobremesa. Rick quis me agradar e
minha única reação foi correr para os seus braços.
Abracei meu amigo, emocionada com sua atitude e sem esperar que de encontro ao seu
corpo grande, uma mão entraria em meu cabelo, elevando meu rosto o suficiente para que ele me
encarasse.
Certamente duraram apenas alguns segundos, mas para mim foi como uma eternidade em
que ele pareceu sugar tudo de mim. Seus olhos grudaram nos meus, um olhar intenso que só
Ricardo Lima de Assumpção sabia ter.
Ele me encarou com tudo o que tinha, me desafiando a afastá-lo. Seus olhos me invadiram e
então sua boca grudou na minha.
Ricardo poderia me tirar do chão com apenas uma das mãos, caso quisesse, de tão derretida
que fiquei. Mas ele preferiu colar o meu corpo junto ao seu. Eu podia sentir cada centímetro dele
em mim. Trocamos beijos quentes e molhados, sua boca tomando posse da minha e, ao mesmo
tempo, eu sentia o subir e descer do seu abdômen, de tão acelerada que estava sua respiração.
A mão saiu do meio dos meus cabelos e ele me agarrou firme, os braços ao redor da minha
cintura, sem em nenhum instante desgrudar sua boca da minha.
Eu precisava respirar. Mas também não podia ficar longe dele. Busquei o ar da forma que
deu e, talvez, ao receber o oxigênio, meu cérebro voltou a funcionar e tive um resquício de razão.
Era errado demais o que fazíamos.
Senti um nó na garganta e no lugar do hálito gostoso do Rick, senti um amargor na boca.
Tentei empurrá-lo, mas era pequena e magra demais para conseguir forçá-lo a algo e ele precisou
de alguns segundos para entender que eu queria encerrar nossos beijos.
Eu estava confusa. E com uma vontade de sair correndo.
Foi o que fiz.
De meia no pé e sem um agasalho adequado, saí pela porta sem rumo.
— Chloe... Chloe, não faz assim. Espera, eu vou te deixar em casa — Rick me chamava,
mas eu já estava entrando no elevador. Não tinha como ir para o meu carro, pois a chave estava
no apartamento dele. Fechei os olhos enquanto descia para a portaria do prédio, ainda sem saber
para onde ir.
Eu tinha beijado o marido da Charlotte. E tinha gostado. Gostado demais, inclusive. Eu
queria chorar.
Antes de chegar à portaria, apertei o botão que ia para a garagem. As lágrimas queimavam
meus olhos. Eu nem sabia o motivo de toda a angústia que me tomou. Na verdade, sabia, mas
não queria encarar.
Saí tremula de dentro do elevador e escorei em uma pilastra. Quem me visse poderia se
assustar. Amassada, encolhida e com meia nos pés.
Puxei o ar com toda a força que encontrei e mentalmente tentava me compreender. Por que
beijei Rick? E por que queria mais dele? Éramos amigos e funcionávamos bem assim. As coisas
entre nós mudaram e nem me dei conta?
Não tive tempo para os meus questionamentos, não consegui alinhar nada na minha cabeça,
pois ele chegou com toda a sua imponência e me tomou nos braços.
Ricardo me abraçou forte e deixou seu queixo sobre a minha cabeça.
— Hey, nós dois queríamos, não precisa ficar desse jeito — ele disse baixinho, porém firme,
em meu ouvido. Suspirei fundo.
— Isso aqui — me afastei o máximo que consegui e apontei para nós dois — é muito errado.
— Não é. Somos dois adultos solteiros, que se dão bem e sentiram atração suficiente para se
beijarem. O que há de errado? — Seus olhos faiscavam de emoção a cada palavra dita, como se
tivesse descoberto algo muito importante. Era tão óbvio para mim, o que Rick não queria
compreender?
— Você é marido da Charlotte. E eu estava na casa dela. — Era isso, o choque de realidade
que ele precisava. Rick tentou disfarçar, mas sentiu o baque das minhas palavras. E quando
pensei que ele fosse concordar comigo, me puxou novamente para os seus braços.
— Charlotte morreu. Há quatro anos sou viúvo. Se quer me dar um estado civil, esse é o
mais adequado. E aquele apartamento não é dela. Não estou desrespeitando minha ex-mulher. O
apartamento deixou de ser dela quando ela partiu, Chloe. Eu sei que é horrível de se pensar, mas
essa é a realidade. Não levamos nada dessa vida. Mas estou vivo e você também. E não há nada
que me impeça do que vou fazer agora.
Ele me beijou mais uma vez. Ainda mais forte e mais entregue que na primeira vez, em que
fui pega de surpresa. Por um instante eu quis me desligar do mundo e, na ponta dos pés, enlacei
seu pescoço.
Rick largou meus lábios e deixou um rastro de beijos pela lateral do meu pescoço até minha
nuca. Rocei o nariz na sua pele, sentindo seu cheiro bom. Isso eu sempre senti, seu cheiro
masculino, forte e marcante.
— Vamos subir — ele sussurrou em meu ouvido e deixou um beijo no topo da minha
cabeça, ainda abraçado comigo.
— Rick...
— Vamos, linda. Eu vou te deixar em casa. — Ele me soltou e me olhou nos olhos. Intenso
demais, arrancando um suspiro de mim.
— Estou com meu carro, esqueceu?
— Eu quero te levar, Chloe. Deixa ele comigo. Amanhã vou te buscar cedo, quero passar o
dia ao seu lado. — Cada palavra pronunciada com calma, muita calma, e em sua voz firme.
Foi estranho voltar ao apartamento. O clima estava gélido para nós dois. Quando passamos
pela sala ele pegou minha mão, um pedido mudo para que eu me aproximasse, e deixou um
selinho em meus lábios. Em seguida, Rick me deu espaço para pegar minhas coisas.
Minutos depois eu estava pronta e de pé diante da varanda, olhando Paris. Sorri sozinha, era
mesmo a cidade luz. Iluminada e absolutamente linda.
Eu não queria pensar em nada e, mesmo que quisesse, duvido que conseguisse. Minha
cabeça era uma montanha-russa de emoções.
Senti seu cheiro quando colocou os pés na sala. Rick havia ido ao quarto pegar um
sobretudo e quando retornou colou seu corpo junto ao meu. Ele não me abraçou nem me tocou,
mas estava ali.
— Não estamos fazendo nada errado. Eu não sabia, mas quero você.
Mordi meu lábio e fechei os olhos. Eu o queria? Meu coração, intrometido, tentava
responder antes de mim. Não dei bola e, virando para ele, apenas o encarei. Não sabia o que
dizer.
Saímos de mãos dadas e em silêncio. Assim, seguimos por todo o trajeto até minha casa.
Não estava desconfortável. Rick era mais observador do que falante. E eu apenas não tinha nada
para dizer. O silêncio era mesmo nossa melhor opção.
Contudo, sua mão esteve em minha perna. A cada parada necessária, ele me comia com os
olhos. Me lendo e desvendando, dando a coragem que eu precisava.
Parou diante do portão da minha casa e o porteiro de imediato o abriu. Rick entrou com o
carro, porém pedi que não parasse diante da entrada principal. E ele então estacionou na
alameda.
Virei para o banco traseiro na intenção de pegar minha bolsa, mas sua mão novamente
estava em minha nuca, me guiando para ele.
Ele parou meu rosto diante do seu, me observou por um longo minuto. Nossos olhares não
se desviaram e depois de suspirarmos em conjunto, ele deixou um beijo em meus lábios.
— Amanhã quero tomar café com você. Vamos ao orfanato, almoçar, vou te beijar muito,
Chloe. — Ele parou nossa programação para mais beijos, e entre um e outro, tentou continuar. —
Tomar um chocolate quente agarradinho com você e jantar. Vamos sair para jantar.
Eu apenas recobrei o fôlego, dei boa noite e quando subia a escadaria diante da entrada da
minha casa, vi ele retornando com o carro para o portão.
Já sabia que não ia pregar o olho.
Entrei em casa e fui direto para meu quarto. Tirei o sobretudo, a bota e parei diante do
enorme espelho do closet. Gostava de me arrumar e cuidar de mim, mas nunca me achei atraente.
Não tinha muito das mulheres europeias, embora também fosse uma. Eu sempre me sentia
uma mistura estranha.
Não acharia ruim de ter alguns centímetros a mais ou massa corporal melhor distribuída.
Revirei os olhos para mim mesma. O que eu queria era um pouco de peito, bunda e um
pouquinho de carne aqui ou ali.
Suspirei enquanto encarava meu reflexo.
O que ele viu em mim?
Passei as mãos pelos cabelos, que depois do ataque sofrido pela mão enorme e pesada do
Rick, parecia que nunca mais ficaria arrumadinho no lugar.
Os fios lisos e finos eram o que eu mais gostava em mim. Corte curto estilo chanel, idêntico
ao que mamãe usava quando faleceu.
A pele clara exibia as sardinhas acima da maçã do rosto. Blanche me ensinou como escondê-
las com maquiagem, mas eu gostava que ficassem aparentes e ao natural.
Corri os dedos por toda extensão do meu rosto, sentindo minha pele, algumas imperfeições,
a sua maciez, me reconhecendo.
Vinte e dois anos era a idade da mulher diante do espelho. E pela primeira vez eu me
enxergava como uma mulher. Era o que eu era. Uma mulher.
Ele me apertou tanto em seus braços, queria sentir seu cheiro pela última vez antes de
dormir. Tentei me desligar para qualquer outro sentido e rocei o nariz pela pele do meu braço.
E lá estava. O cheiro do Ricardo estava impregnado em mim.
Capítulo 15
Ricardo
Como não me dei conta antes? Tudo na Chloe me atraía. Além da beleza, a inteligência, o
bom humor, a simplicidade, o cheiro bom, a forma como sem querer tocava em mim e sua
timidez.
Seu corpo miúdo era proporcional, gostoso de tocar e lindo de ver.
O jeitinho que ela mordia os lábios ou revirava os olhos quando era contrariada...
A verdade era que nem eu havia percebido o quanto estava atraído por ela.
Não ia ser fácil dormir. Poderia ter sugerido que ela passasse a noite em meu apartamento,
mas não faria isso com ela. Primeiro, ia devagar e, segundo, não ficaria com ela em um lugar que
lhe causava desconforto.
O que eu disse a Chloe sobre o apartamento não ser da Charlotte era a grande verdade. Eu
amei e respeitei minha mulher enquanto éramos casados, mas nunca acreditei em vida após a
morte, não seria para me martirizar que passaria a crer.
Eu devia ter percebido. Ao lado da Chloe eu não pensava em minha ex-mulher. E isso era
inédito em meus quatro anos de viuvez. Em cada mulher que me relacionei, eu enxergava o rosto
de Charlotte. Sentia o cheiro, ouvia a voz, queria que fizessem as mesmas coisas.
Mas nunca com Chloe.
Não tinha mesmo como ser outra. O que íamos fazer com os nossos beijos e com a
intimidade que só aumentaria, eu não tinha como saber, mas queria descobrir até onde iríamos.
Demorou para amanhecer e tudo o que eu queria era ir logo buscá-la. Senti falta do seu
corpo pequeno colado ao meu e de sua boca na minha.
Seu cheiro estava impregnado em meu apartamento.
Saí da cama assim que amanheceu. Tomei um banho e verifiquei que seria mais um dia frio,
e ainda tinha chuva. Vesti uma calça confortável, suéter, e, por cima, um sobretudo preto. Peguei
uma bolsa de viagem e coloquei roupas, sapato e alguns itens pessoais.
— Já está pronta, linda? — perguntei para Chloe pelo telefone, enquanto levava a bolsa para
a sala. Voltei ao quarto para pegar o carregador que havia esquecido na mesinha ao lado da cama
e um livro. Duvidava que teria tempo para ler, mas não custava levar.
— Hum, quase. — A voz soou desconcertante e eu sentia que sabia o motivo.
— Posso te pegar em vinte minutos? — perguntei, ansioso para encontrá-la logo.
— É que ainda não tomei meu café da manhã.
— Não íamos tomar juntos?
— Sim, íamos.
— Algum problema, Chloe?
— Posso ligar daqui a pouco?
— Ok, te aguardo — suspirei e recolhi toda a minha paciência. O dia mal havia iniciado e
Blanche já devia estar tirando a paz de Chloe.
Aproveitei para resolver algumas pendências na rua e quase uma hora depois, ela entrava no
carro. Linda demais com um casaco sobretudo rosa clarinho, que a deixou quase como uma
boneca.
— Aqui não — ela suplicou quando viu minha mão ir de encontro à sua nuca. Eu queria
provar dos seus lábios. Seus beijos pela manhã. Dei um sorriso de lado e ela também sorriu
tímida. Saí com o carro pela alameda dentro da propriedade dos de Corse e o estacionei na rua,
próximo a entrada.
— Que saudade, devia ter dormido comigo. — Eu queria beijá-la, beijá-la muito, mas
aproveitei o pouco de juízo que me restava e com uma mão segurei sua nuca, já com a outra corri
os dedos pela extensão do seu rosto.
Passei pela sua pele, descendo pelo seu pescoço. Ela também me tocou, nós dois nos
reconhecendo. Chloe era carinhosa.
— Não devia não. — Ela riu e respondeu após eu lhe dar um selinho, que fiz questão de
prolongar. — Sabe que não vai ser fácil, não é?
A puxei para mais um selinho, desta vez abraçando seu corpo. Passei o nariz pela pele do
seu pescoço e aspirei seu cheiro. Depois de soltá-la, dei a partida em seu carro.
— Como você está? — perguntei, com a mão em sua perna.
— Estou bem. Acordei assustada, demorei para dormir e achei que tivesse perdido a hora.
— Ansiosa para me ver? — questionei e ela negou tímida, fazendo com que nós dois
ríssemos. Com o seu jeitinho, arrumou o cabelo, que não estava desarrumado.
— Minha mãe foi ao meu quarto quando você ligou.
— Ela sabe que veio se encontrar comigo?
— Sabe e não gostou. Ah, Rick... Não quero ser repetitiva, mas me sinto sim errada. —
Chloe estava agoniada, não parava de torcer as mãos sobre o colo.
— Nós vamos conversar muito sobre esse assunto. Não vou ignorar o que você sente ou
acha, ok? — parados em um pequeno engarrafamento eu virei em sua direção para deixar um
beijo em sua testa.
— Tá.
— Ainda quer tomar café? — Tentei mudar o assunto.
— Quero. — Ela olhou para mim com um sorriso no rosto. Chloe gostava de comer e não
fazia questão de disfarçar. Era linda demais e natural demais, eu estava muito ferrado. — Eu
tomei um suco em casa — contou, sussurrando.
— Só um suco? — Ergui a sobrancelha e ela revirou os olhos.
— E comi um croissanzinho. — Continuei com a sobrancelha erguida, segurando o riso. —
Pequeno, Rick. Ela não deixou que eu saísse sem comer nada. — Deixei outro beijo em seus
lábios, um dos muitos que pretendia dar nela e seguimos o caminho
— Então vamos para o nosso super café da manhã.
Parei o carro na porta do Plaza Athenée, desci, entreguei a chave ao manobrista e fiz sinal
para que me ajudasse com o guarda-chuva. Eu mesmo quem iria abrir a porta para Chloe.
Auxiliei-a na saída do carro e entramos juntos no hotel.
Caminhamos para o elevador e ela me encarou com o cenho franzido.
— Calma, você já vai saber.
Saímos no corredor e eu sentia sua mão trêmula na minha. Chloe era expressiva e sentia
tudo. Desejava que a respeito de nós dois, fossem só coisas boas.
Abri a porta da suíte que reservei e dei espaço para que ela entrasse. A antessala possuía
grandes janelas, com a melhor vista da cidade, que impressionava até mesmo quem foi criada por
ali. Sobre um dos sofás estava minha bolsa de viagens e, na mesinha, um ou outro item pessoal
que deixei jogado.
Chloe estava muda. Seus olhos, arregalados, passeavam por cada cantinho do ambiente.
Quando nossos olhares se encontraram, a convidei para ir adiante. Seguimos para a ala
reservada, de novo ela ficou boquiaberta com os detalhes e me olhava admirada.
— No meu último aniversário com o papai, ele me trouxe aqui. Passamos o dia e foi tão
bom. Mas acho que mudaram um pouco a decoração, deram uma repaginada. — Ela girou
calmamente pelo quarto. Era mesmo impressionante.
— É possível. Estão sempre atualizando.
— O que significa isso? — Chloe foi até onde eu estava parado e próxima demais,
perguntou, me olhando nos olhos. Ela só queria que eu falasse, era esperta o suficiente para saber
que eu havia saído do meu apartamento para ficar em um hotel.
— Significa que vamos tomar café da manhã no melhor hotel da sua cidade. E enquanto eu
estiver em Paris, teremos um lugar para ficarmos juntos — respondi sem desgrudar os olhos
dela, colhendo cada reação.
— Não precisava, Rick — disse com os olhos marejados.
— Precisava sim. Vem cá! — Beijei sua boca e a puxei pela mão.
Voltamos para a antessala e a levei até a varanda. Chloe ainda não tinha visto que montaram
nosso café na varanda, de frente para a Torre. Era clichê? Sim, com toda a certeza, mas não sou
nativo e tenho licença para curtir todos os clichês de Paris, ainda mais depois de descobrir que
tudo o que queria era estar grudado em Chloe. E a tinha para curtir comigo.
Ela ficou parada, diante da porta de vidro, que coberta com uma cortina, separava o quarto
da varanda, dando privacidade. Parei atrás dela. Enlacei-a pela cintura e ela colocou seu corpo no
meu. Abaixei o tronco para falar em seu ouvido:
— O que formos viver pertence apenas a nós dois, Chloe, a mais ninguém. Como eu te disse
ontem, não sabia o quanto queria você. Era apenas uma amiga. Mas eu quero e quero demais ter
você ao meu lado. Te beijar, te abraçar, ficar agarrado com você por horas, fazendo nada. Eu não
vou fugir, linda. E gostaria muito que você arriscasse comigo. Vamos no nosso tempo.
— Estou tão confusa, Rick.
— Tem que ser bom para você. Se não quiser, a gente vai seguir como amigos, como já
somos. Mas quero muito que você pense e arrisque.
— Eu quero, Rick. Pensei muito durante a noite, sobre o que aconteceu em seu apartamento
ontem. Foi tão inesperado e, ao mesmo tempo, depois de ocorrido, me pareceu tão óbvio. Mas
não sei se estou preparada.
— Preparada para o quê?
— Para os julgamentos. Vão ter muitos comentários, Rick.
— Provavelmente sim, mas nós sabemos da nossa verdade, Chloe. Eu quero tentar.
— Tá.
— Tá no seu dicionário significa: “eu também quero tentar, Rick”?
— Significa que quero um beijo e tomar esse café maravilhoso que você pediu para nós
dois.
Virei-a para mim e beijei sua boca, como se fosse o nosso primeiro beijo. Queria sentir cada
cantinho da sua boca macia e gostosa. E ela correspondeu, dessa vez bagunçando meu cabelo,
tomando tudo de mim.
Chloe havia dito sim.
Capítulo 16
Chloe
Eu não conseguia concentrar em nada que não fosse o homem lindo sentado diante de mim.
Ou na Torre ao fundo, atrás dele. Meus dedos congelaram ao redor do copo de suco e não
consegui sequer erguê-lo.
Devo ter ficado com uma expressão divertida, pois Rick nem disfarçava mais que ria da
minha cara.
Ele me encarava, me deixando tonta. A luz do dia, ainda que estivesse chuvoso, contrastava
em seu cabelo, deixando-o ainda mais claro. E mais uma vez ele vestia uma roupa casual. Lindo
demais dentro da sua roupa normal e fora da fantasia de CEO.
— Perdeu a fome? — Ele, pelo visto, poderia devorar todo o buffet que nos serviram, comia
uma delícia atrás da outra.
— Vai deixar para mim? — Ergui a sobrancelha e ele fingiu indignação com a minha
pergunta.
— Ficou emocionada, linda? Não se preocupa, faço mais vezes.
— Engraçadinho. — Finalmente consegui tomar do suco e me forcei a ficar tranquila. Tinha
que aproveitar a surpresa que Rick me preparou. Com calma, observei os detalhes. A varanda era
um charme, o gradil ornamentado foi coberto por guirlandas de flores e folhagens.
— Que hora vamos sair?
— Pensei em ir ao orfanato depois do almoço, mas não quero ficar muito tempo por lá, para
não atrapalhar a rotina.
Rick assentiu e depois do café da manhã voltamos para o quarto. Foi difícil permanecer em
pé quando o vi tirando o suéter. Ele deu um sorrisinho de lado, pegou uma calça de moletom e
foi para o banheiro. Aproveitei para também tirar o sobretudo e os sapatos.
— Vem cá, linda. — Me chamou, quando já estava de volta e deitado na cama e com o
controle da TV em mãos. Ainda parecia tudo tão confuso na minha mente. Por mais que tentasse
com afinco, custava a enxergá-lo como o homem que eu poderia me relacionar. A gente podia,
mas a minha mente lutava contra. E, ao longe, ou não tão longe assim, eu conseguia ouvir as
várias acusações que minha mãe faria quando soubesse que, na verdade, estávamos nos
relacionando, que não se tratava de um mero encontro casual entre duas pessoas que se
conhecem há anos e até fizeram parte da mesma família. — Tente não pensar tanto.
Deitei ao seu lado e, gentilmente, ele me arrastou para seu peito, passando o braço ao redor
do meu corpo. Descobri nas horas seguintes que esse lugarzinho havia se tornado o meu
preferido na vida.
Meus dedos correram pelo seu peito, descendo pelos gominhos do seu abdômen. Era gostoso
tocá-lo, a pele macia e a musculatura firme. Meu corpo reagia a ele, embora uma vozinha dentro
de mim dissesse que precisava ir com calma. Ele suspirou e retribuiu o carinho, passando os
dedos pelo meu cabelo.
— Olha que eu durmo, hein?! — Levantei os olhos para ele, erguendo o pescoço em sua
direção. Ele riu e continuou o que fazia.
— Você é muito dorminhoca, Chloe.
— Estava cansada ontem. — Continuei olhando para ele. Outra coisa que era muita boa de
se fazer: ficar olhando aquele rosto lindo.
— Percebi, até roncou e babou. — Antes que eu pudesse lhe bater, ele segurou meus braços
e me puxou para junto do seu corpo, beijando minha boca.
— Que horror, eu não faço isso não — retruquei quando ele me libertou por poucos
segundos.
— Faz sim, linda. — Me beijou novamente e minha definição de ficar fazendo vários nadas
havia sido atualizada. Era muito melhor ao lado dele, recebendo os melhores beijos e sendo
mimada.
Almoçamos no próprio hotel, mas optamos por descer até o restaurante.
De tarde, fomos ao orfanato. Pedi ao Rick que fôssemos discretos, mas ser sutil não era bem
uma qualidade sua, e na primeira oportunidade ele passou o braço pela minha cintura e beijou
meu pescoço. Ele jurou achar que ninguém estava vendo, mas Bea não deixou passar.
— Eu sabia, não era loucura da minha cabeça. — Ela me enfiou em sua sala e o fez ficar do
lado de fora, na recepção do orfanato.
— Não sei do que você está falando. — Ergui a sobrancelha em sua direção e Beatrice não
perdeu tempo comigo.
— Aproveitem, Chloe, vocês nasceram um para o outro. Fico feliz que não vão lutar contra.
— Suspirei e quando percebi já estava abraçada a ela, que vinha se tornando uma boa amiga.
— Agora preciso ir, ainda vamos sair para jantar.
Antes que virássemos as costas, Betina chegou correndo, havia fugido dos monitores e usava
um fofo pijama rosa de flanela. Os cabelos estavam soltos e a franjinha penteada. Olhando para
ela, eu lembrava de mim mesma quando pequena.
— Tia Chloe, estão falando que você e o tio Rick são um casal. É verdade? — Os bracinhos
agarraram minha cintura e ela ergueu a cabecinha, seu olhar me alcançando. Betina aparentava
ter alta estatura para sua idade e eu, bom, sempre fui uma nanica.
— Betina, não tinha que estar indo dormir? — Ela balançou a cabeça em afirmação e apertei
de leve suas bochechas, arrancando um sorriso dela.
— Tia, se vocês formam uma família... — Estremeci, não precisava pensar muito para saber
onde a pequena ia chegar. Abaixei para ficar na sua altura e olhar em seus olhos. — Olha, tia,
você também tem sardinhas, igual eu. — Com dois dedinhos, ela correu a extensão do meu rosto,
demorando na região perto dos olhos e nariz, onde havia maior concentração das marquinhas. —
O nosso cabelo, tia, é da mesma cor, né?
Desviei de Betina e procurei por Rick e Bea em busca de socorro. Eu não sabia o que dizer a
ela. Tinha plena consciência dos pensamentos que habitavam sua cabecinha infantil de cinco
anos. Cinco anos e órfã.
Os dois também estavam atônitos, Rick ainda mais.
Duas mãozinhas tocaram meus ombros, querendo atenção. Suspirei e encarei Betina.
— Sim, meu amor. O cabelo da tia tem a cor do seu. E também tenho sardinhas. Você gosta
delas? — Devolvi o carinho em seu rosto e ela continuava me olhando firme, aguardando mais.
— Acho que sim...
— Ah, você acha? — Agarrei seu corpinho e enchi sua bochecha de beijos. — Pois eu tenho
certeza que preciso te levar para a cama, mocinha.
Levantei e peguei Betina pela mão. Estava um silêncio total, até dos monitores que
chegaram à recepção em busca da pequena fujona. Atravessamos o corredor e caminhamos para
a ala dos dormitórios.
O lugar era bem cuidado, mas passava longe de ser familiar. Tinha cheiro de provisoriedade.
E clima. E de fato era um lar provisório. Ainda que o conceito de provisório para aquelas
crianças fosse diferente do nosso. Betina estava ali há dois anos.
Entramos em um quarto espaçoso e ela me apontou uma das sete caminhas que haviam no
cômodo. Em uma parede avistei uma prateleira com vários brinquedos. Ursos, bonecas, carrinhos
e duas bolas. Perto das camas não havia nenhum, pois nada ali pertencia às crianças. Elas
usavam os brinquedos e depois devolviam. Assim como as roupas ou livros.
O quarto era grande, arejado e limpo, mas eu me sentia claustrofóbica dentro dele. Um
aperto no peito e uma enorme dificuldade para respirar. No entanto, pela pequena que ainda
segurava minha mão e me olhava com uma cara engraçada, eu precisava fingir que estava tudo
bem. Esperava que ela acreditasse.
Puxei o pequeno edredom e ela tirou o chinelinho, sentando na cama.
— Vai me colocar para dormir, tia Chloe?
Havia tanta expectativa em seus olhinhos. Tanta espera. Aquilo me matava um pouquinho
por dentro e, ao mesmo tempo, me dava força.
— Vou sim, vem cá. — Apalpei o travesseiro e ela se esgueirou sob o edredom. — Boa
noite, meu amorzinho.
— Tia Chloe, se você casar com o tio Rick, eu posso ficar uns dias com vocês? — Meus
olhos arregalaram. Como Betina conseguiu evoluir tanto minha curta relação com o Rick?
— Pequena, nós dois somos bons amigos. Mas sempre estaremos aqui para cuidar de você,
tudo bem? — Isso eu podia prometer a ela. Betina suspirou e puxou o edredom sobre o seu
corpo.
— Boa noite, tia Chloe.
***
Entramos no carro e lá estava eu, perdida em meus pensamentos.
— Linda? — Só o escutei porque tirou a mão que estava sobre a minha perna, senão teria
ficado em outro mundo por mais tempo.
— Oi... Não te escutei, né? — Envergonhada, indaguei.
— Perguntei se você vai querer passar em casa antes de irmos jantar. — O olhar que ele me
dirigiu era de preocupado.
Apenas dei um sorriso amarelo e o respondi:
— Ah, vou sim. Quero trocar essa roupa, tomar um banho. Posso ir com o carro e te pego no
hotel.
— E eu posso te deixar em casa e buscar novamente. Vai precisar do carro? Eu pego um no
hotel, lá eles alugam. — Rick pegou minha mão e deu um beijo demorado no dorso, depois fez
um carinho em meu rosto e me beijou.
— É todo seu, não vou precisar.
Entrar em casa não foi fácil, não queria encontrar ninguém, muito menos minha mãe. Mais
uma vez entrei silenciosa. E foi em vão. Dona Blanche parecia pronta para me encontrar, como
em uma emboscada.
Parada próxima do hall de entrada de casa, e com a enfermeira em seu encalço, ela me
avaliou inteira quando passei pela porta.
— Posso saber onde passou o dia, Chloe? Você sumiu e não deu notícias.
— Boa noite, mamãe. Foi um dia longo, tinha muitos compromissos na rua. Mas estou bem,
agora à tarde estava no orfanato.
Tentei soar o mais casual possível. Nunca foi fácil enrolá-la, não que eu tentasse, na
verdade, era obediente demais, mas presenciei as tentativas malsucedidas de Charlotte. Péssimo
momento para pensar nela. Meu peito apertou, porque ali dentro da casa em que vivemos, não
dava para esquecer que fomos criadas como irmãs. Não importava que não fosse minha irmã de
sangue ou que eu tivesse passado uma vida sendo afastada por ela.
Para mim, Charlotte sempre foi minha irmã.
Meus olhos encheram de água e Blanche pareceu ter tido um pouco de discernimento, pois
deixou que eu fosse para o meu quarto, cessando os questionamentos.
Tirei a roupa no automático e corri para o chuveiro. A água quente caía sobre a minha pele e
levava com ela minhas lágrimas.
Chorei até quase perder o fôlego quando me dei conta de que estava apaixonada. Eu me
apaixonei por Ricardo. Minha primeira paixão verdadeira. Assim como ele, eu não sabia quando
foi que aconteceu, mas era real. E naquele momento tudo o que eu desejava era que ele não
tivesse sido o marido da minha irmã.
Chorei ao lembrar de Betina e da sua forma infantil de me pedir para ser sua família. E
lembrar de família levava meus pensamentos, em automático, para Laurent. O homem que
arriscou tanto para me dar um lar e proteção.
Não sei quanto tempo passei embaixo d’água, mas quando saí do banheiro dei de cara com
mamãe sentada na poltrona em frente à minha cama. Dessa vez estava sozinha.
— Mamãe? — Apertei ainda mais o nó do roupão, procurando em que me segurar enquanto
tinha que enfrentá-la.
— Quero saber o que está acontecendo, Chloe. Você chegou e seu carro não está em casa.
Ontem à noite ele também não estava. — Ela utilizou o usual tom firme para falar comigo,
contudo, sem alterar a voz. Era assim que Blanche conseguia tudo o que queria, com inteligência
e perspicácia.
— Ah, sobre isso. Hum, bom, eu quase não uso meu carro, tenho a opção de sair com o
Pierre... Ricardo está sem carro na cidade, para ele não ter que alugar, eu deixei que usasse o
meu. — Tentei não torcer os dedos das mãos e disfarçar meu nervosismo, o que, obviamente,
não consegui, atraindo ainda mais a atenção da minha mãe.
— Que bondosa. — As palavras pareciam dançar em sua boca, tamanha a naturalidade com
que falava. Ela não deixava de me avaliar. — Compromisso para hoje à noite? Vou pedir o jantar
para nós duas na cozinha.
— Sim, na verdade, tenho sim. — Ela olhou fundo em meus olhos e não desviei o olhar.
— E posso saber o que vai fazer?
— Jantar. Com amigos.
— E suponho que seu novo amigo vá também. — Minha vontade era fechar os olhos, por
estar já sem paciência com mamãe, mas me mantive firme e até acho que elevei a voz ao
respondê-la.
— Ricardo não é meu novo amigo. Ele sempre foi.
— Eu não disse nomes. Mas já que estamos falando dele, não estou entendendo essa
aproximação de vocês dois. — Ela apalpou minha penteadeira, que estava em sua lateral,
sinalizando que ia levantar da poltrona.
— Nada demais, mamãe. Nos conhecemos há anos. E temos amigos em comum. — Saí de
onde estava e a ajudei a ficar de pé, ansiando que saísse do meu quarto e me deixasse sozinha.
Sozinha com os meus receios e dúvidas.
— Claro que se conhecem, afinal, ele foi casado com sua irmã. — Ela já estava parada
diante da porta. A enfermeira, certamente, estava do lado de fora, a esperando, mas mamãe fez
questão de virar em minha direção para me lembrar que Ricardo havia sido marido da Charlotte.
Como se eu pudesse esquecer.
— Isso — disse em um fio de voz e, mais uma vez, segurando firme as lágrimas.
— Espero que não esteja arrumando problema para sua vida, Chloe. Boa noite.
Assenti e joguei-me na cama depois que ela fechou a porta.
Capítulo 17
Ricardo
Chloe esteve calada durante todo o trajeto até o restaurante, de início imaginei que ainda
tivesse sensível pelo o ocorrido com Betina no orfanato, mas depois do jantar, enquanto provava
da sobremesa que pediu, contou que havia tido um embate com a mãe.
Eu não esperava compreensão ou gentileza de Blanche, mas me indignava que ela
conseguisse deixá-la mal.
Seguimos para o hotel e, querendo animá-la, pedi no serviço de quarto uma garrafa de
champanhe. Chloe disse que iria para o banho, depois que a bebida chegou, refleti se deveria ir
me juntar a ela.
Éramos adultos, se ela quisesse esperar um tempo para termos alguma intimidade sexual,
poderia verbalizar e estaria tudo certo. Tirei a roupa, ficando apenas com a cueca boxer, peguei o
balde de prata com a garrafa e as taças e segui para o banheiro, pensando em levá-la para um
banho de banheira.
Estava calmo até abrir a porta e vê-la pelo box. A água da ducha caía em seu corpo miúdo e
delicado, os olhos estavam fechados e as mãos afundadas entre os cabelos molhados.
Engoli em seco diante daquela visão, senti como se uma corrente elétrica tivesse invadido o
meu corpo, dominando todos os meus sentidos. Era o efeito que Chloe causava em mim.
Deixei as taças e a bebida sobre a bancada, cruzei os braços e a continuei observando-a.
Era a mulher mais linda que eu conhecia.
As pernas eram torneadas, o quadril estreito, a barriga plana e os seios pequenos e pontudos.
O conjunto parecia ter sido desenhado, de tão delicado e perfeito.
Minha respiração estava arfante e meu pau latejava de tão duro dentro da cueca, só por
imaginar as tantas coisas prazerosas que poderia fazer com Chloe e seu corpo delicioso. Em
algum momento devo ter deixado escapar qualquer ruído, pois ela retesou embaixo d’água, me
encarando com os olhos arregalados.
Sustentei seu olhar, em silêncio, aguardando que ela desse qualquer sinal de que estava
desconfortável com a minha presença, mas o que recebi foi algo totalmente diferente.
Chloe entreabriu os lábios algumas vezes e respirava ruidosamente, não falava nada, mas
não desviava os olhos de sobre mim. Meu corpo fervilhava, a minha única vontade era invadir o
box e tomá-la como minha.
Não sei dizer quantos minutos se passaram, ou se foram horas inteiras, até que ela o abriu,
me dando passagem, em um convite mudo para que me juntasse a ela.
— Tem certeza? — Me dignei a confirmar, com a voz rouca de tesão, gastando todas as
minhas forças para controlar o meu corpo e o desejo que sentia.
Ela deu um aceno de cabeça e foi o suficiente para que eu arrancasse fora a cueca e entrasse
embaixo d’água, puxando seu corpo para mim. O simples contato da sua pele na minha me fez
queimar.
Meus braços agarraram a sua cintura e a cobri quase que por inteiro com o meu corpo, tomei
a sua boca em um beijo quente, a água não fazendo qualquer efeito para aplacar o fogo que nos
consumia.
Duas mãos delicadas seguravam firme em meus ombros, Chloe na ponta dos pés se colocava
totalmente ao meu dispor.
Um gemido escapou dos seus lábios quando desci a boca pelo seu pescoço, beijando,
chupando e mordendo todo pedaço de pele possível, sua resposta foi ainda mais alta ao sentir a
ponta da minha língua alcançar a sua auréola.
Respirei fundo, estava a ponto de explodir e poderia facilmente gozar só por degustar seus
seios.
Sem pressa, levei-a ao limite chupando-os e instigando-os com uma mão, enquanto a outra
descia em direção a sua intimidade.
O nosso ritmo era como o de um automóvel sem freio descendo a ladeira, cheio de
adrenalina, mas perigoso demais, quase mortal. Era como eu me sentia, o sangue pulsando rápido
em minhas veias, extasiado pela endorfina e plenamente consciente que era um caminho sem
volta.
Seus gemidos aumentaram, deixei os seus seios e virei o seu corpo em direção à parede fria,
ali a encostando, de frente para mim. Coloquei-me aos seus pés, fiz uma trilha de beijos em suas
pernas e respirei fundo diante do cheiro da sua boceta.
Aquele cheiro nunca sairia da minha mente.
Lambi a sua intimidade, fazendo-a arfar alto, com uma mão segurei seu corpo contra a
parede e com a outra, ergui uma perna sobre o meu ombro, deixando-a exposta para mim.
Tão linda, quanto imaginei que fosse... A boceta era pequena e lisinha, contive um gemido
ao imaginar o quanto deveria ser apertadinha, senti toda a sua quentura e maciez ao lhe dar um
beijo íntimo. No entanto, bastou tocá-la, mesmo que com a boca, para perder todo o controle e
chupar forte o seu clitóris.
Chloe correspondia ao sexo oral que lhe fazia, com gemidos e puxadas em meu cabelo, seu
gozo veio rápido, mas não a libertei. Minha boca continuou a castigá-la, forte e intenso e quando
senti que ela seria atingida por um novo orgasmo, afastei seu corpo com cuidado, me ergui e a
carreguei no colo, queria que gozasse comigo dentro dela. Voltei para a suíte sem me importar
que estivéssemos molhados, meu corpo clamava por Chloe, seus olhos pegavam fogo e ela
estremecia em meus braços.
— Eu quero você, linda — disse em seu ouvido, depois de depositá-la sobre a cama.
Acarinhei seu rosto, mantendo a respiração controlada, beijei seu pescoço e mordi o seu queixo,
sem conseguir me afastar.
— Eu também — confirmou, com a voz rouca.
Trocamos um longo olhar e então tomei a sua boca, urgente e quente, me entregando ao
prazer de tê-la sob o meu corpo.
Desci os beijos pelo o seu colo, alcançando novamente os seios, quando a senti preparada,
corri até a minha carteira — que estava sobre a mesinha do quarto — e peguei uma camisinha.
Em uma estocada eu pisei no paraíso. Estar dentro de Chloe, sentindo a sua boceta apertar o
meu pau, sua carne quente e úmida, foi a sensação mais deliciosa que já experimentei em trinta e
dois anos.
Mais tarde, satisfeitos e ainda grudados, a levei para a banheira, entre taças de champanhe a
água morna, nos amamos.
***
Parei na varanda do meu quarto. Um quarto para uma princesa, como dizia papai, e fiquei
observando o jardim bem cuidado. Mamãe exigia que ele estivesse sempre impecável, assim
como todo e qualquer cantinho da imensa propriedade.
Uma mansão apenas para nós duas, um grande exagero.
Encostei-me batente da porta de vidro, o véu da cortina estava esvoaçante atrás de mim. Lá
embaixo, funcionários andavam de um lado para o outro, regando flores e aparando-as,
controlando o sistema de irrigação do gramado. Ao fundo era possível ver alguém passando,
saindo da lavanderia, nos braços uma pilha de roupas passadas, indo em direção à entrada de
serviço da casa.
Papai disse que queria me dar um lar. E o vazio que eu sentia com a ausência dele era por
nossa casa não passar mais de uma estrutura de engrenagens, com pessoas cuidando para que a
máquina não parasse.
Suspirei fundo.
Voltei para dentro do quarto, sobre a cama haviam roupas espalhadas, casacos, nécessaires...
Tudo o que podia lembrar-me, era que teria dias incríveis com o meu namorado. Isolados do
mundo e dos julgamentos. Não tão isolados, mas tia Flora nunca seria um entrave para termos
um pouquinho de paz e sossego. E romance.
Sentei na cama bagunçada, e em meio às peças espalhadas, estava a caixinha que Charlotte
deixou para mim. Ainda não tinha tido coragem de ler o pequeno diário, mas em algum momento
teria que fazê-lo. Por nós duas. Se ela o deixou era para que eu o lesse.
Peguei-a em minhas mãos e pensei se não era a hora. Talvez fosse melhor saber de uma vez
por todas o que havia ali. Mas não tive tempo de concluir meu pensamento.
A fechadura foi acionada por duas vezes e seguida por duras batidas na porta.
— Abra essa porta, Chloe! Eu sei que você está aí! — A voz da minha mãe soou firme pelo
quarto. De ímpeto, olhei para a caixinha e a escondi do jeito que deu sob as roupas. Levantei,
respirei e ajeitei a saia do vestido que usava. — Chloe, Chloe!
Ela berrava. Não era como se eu estivesse me escondendo dela. Estava em meu quarto, não
conseguia entender toda a histeria.
— Estou indo.
Em poucos segundos, ela passou como um touro pela porta. Reparei a pele clara um tanto
avermelhada na altura das bochechas e podia dizer que o cabelo, sempre impecável, estava
levemente bagunçado nas laterais do coque.
A sua enfermeira a encarou com os olhos arregalados. Eu lhe disse que ficaria tudo bem e
fechei a porta quando ela saiu.
— Posso saber o que significa isso? — O dedo em riste apontava para a cama e, claro, ela
sabia bem o que eram as roupas espalhadas e a mala de rodinhas sobre o tapete. Seu olhar
parecia querer entrar dentro de mim. Mamãe estava furiosa. Ela bufava. A respiração ofegante
fazia seu peito subir e descer sob a roupa e eu fechei os olhos. Não estava preparada para lidar
com Blanche.
— Vou viajar, mamãe. — Tentei me aproximar dela, minha voz saiu falha, meu coração
retumbava no peito. Por que tinha que ser tão difícil? Quando estava ao lado do Rick, as coisas
pareciam ser menos complicadas.
— Isso parece bem óbvio. — Ela me encarava duro. A respiração estava ainda mais
ofegante. Temia que mamãe tivesse um treco ali, diante de mim. — Anda, Chloe! Diga logo com
quem você vai viajar!
Ela berrou palavra por palavra. Então eu senti o ódio que exalava de Blanche. Estremeci por
inteiro. Já a vi brava, tive o desprazer de escutar algumas brigas suas com Laurent e até com os
meus irmãos, mas nunca a senti com ódio como naquele momento. Ao mesmo tempo em que me
assustou, também me entristeceu.
Eu era a única filha que estava com ela. Nunca conseguiria compreender todo aquele ódio.
Reorganizei os pensamentos o mais rápido que consegui e levantei o olhar para encará-la.
Ela sabia com quem eu ia viajar, mas queria ouvir da minha boca. Blanche queria o confronto.
Porém, antes de ser a menina órfã que ela ajudou criar, eu era a filha de Nora, a mulher que criou
a filha sozinha, que enfrentou o mundo e a solidão de ter perdido o grande amor da sua vida.
Mamãe era força, cuidado e proteção.
Eu não iria me acovardar.
— Vou viajar com o Ricardo, ficarei alguns dias fora.
— NÃO! Você não vai viajar com o marido da sua irmã! Não vai fazer isso com Charlotte!
— Você está certa. Não vou viajar com o marido da minha irmã e nem de qualquer outra
pessoa. Vou viajar com Ricardo e ele não tem nenhuma esposa. — A mão dela levantou firme
em minha direção e eu a parei na altura do meu rosto. Ela ia me bater. Mas não podia aceitar,
ainda mais por não ter feito nada que justificasse. — Não se atreva, mamãe!
— Não se atreva você, Chloe! Sempre quis tudo da Charlotte! As roupas, o quarto, o pai
dela! E agora o marido! Você nunca, nunca será a Charlotte! Pode ir para a cama com o marido
dela, mas ainda assim será a irmã bastarda! Você não tinha esse direito, Chloe!
Meu corpo inteiro tremia. Eu sentia como se pedacinho por pedacinho de mim estivesse
sendo quebrado. Meu coração doía. Minha garganta estava seca e meus olhos pegavam fogo,
pelas lágrimas que eu não queria derramar na frente dela.
Mantive-me firme da forma que deu. Primeiro, ela tentou me agredir fisicamente, depois ela
me quebrou com as suas palavras. Contra elas eu nada pude fazer. Por fora, eu não desviava o
olhar, como se nada estivesse acontecendo ao nosso redor.
— Enquanto eu estiver viva, essa casa será minha! E eu não vou admitir que você pise na
memória da minha filha aqui dentro!
Ela saiu batendo a porta.
Catei o que restava de mim e corri para o closet. Ali, sentada no chão frio e longe de
qualquer olhar ou ouvidos, chorei. Sentia meu corpo convulsionar, minhas costas batiam na
parede do cômodo e eu não conseguia raciocinar em meio às lágrimas. Apenas chorava.
Não sei por quanto tempo fiquei por ali, entregue, mas nenhuma contagem de tempo poderia
ser suficiente para afastar a dor que inundava meu peito.
Encolhida no canto do closet, sozinha e com os olhos inchados de tanto chorar, senti raiva
por ter me apaixonado por Ricardo. Por ele ter sido casado com Charlotte. Por mamãe ter
falecido e me deixado sozinha nesse mundo tão cruel. Por meu pai ter sido fraco e não nos
assumido. Por Laurent ter feito tudo do seu jeito.
As lágrimas voltaram e em minha cabeça eu fazia tantas suposições de como teria sido
minha vida, minha história, se isso ou aquilo não tivesse acontecido.
O sol foi embora e nasceu enquanto eu ainda estava jogada no mesmo lugar. Não tinha
forças para fazer algo diferente de chorar. Mas agora era por dentro. Já não sentia as lágrimas,
porém o peso do meu pranto permanecia.
Com dificuldade, levantei e caminhei de volta para o quarto. Estava do mesmo jeito que
deixei. Tudo podia não passar de um pesadelo, um sonho ruim e estar apenas acordando.
Mas eu sabia que não, foi real.
Encontrei meu telefone celular sobre a mesa de cabeceira. Peguei-o e estava descarregado.
Coloquei-o para carregar e verifiquei o relógio sobre a mesma mesinha. Já eram onze horas da
manhã do dia seguinte. De fato, havia anoitecido e amanhecido.
Quanto tempo para Blanche retornar e se dar conta que ainda não havia saído da sua casa?
Um banho. Era o que eu precisava para pensar melhor e tomar decisões.
***
Duas horas depois eu estava diante de um prédio familiar. Eu não precisava morar com
Blanche. Depois de alcançada a maioridade, o fazia porque não a deixaria sozinha. Não no
sentido exato da palavra, pois ela estava rodeada por funcionários, mas pela companhia. Eu me
sentia filha. Na obrigação de estar por perto, sempre estive. Mas agora tudo estava diferente.
O porteiro ajudou com as malas até que eu estivesse diante da porta do apartamento.
Agradeci e fiquei por alguns minutos parada diante da porta de madeira. O prédio ficava em um
bairro residencial, lugar tranquilo, com famílias caminhando pelas ruas. No quarteirão havia um
mercado, lojinha de flores, bistrôs pequenos e familiares. Era o meu lugar preferido em Paris.
Em frente havia uma praça, arborizada e com um parquinho. Simples, mas Laurent me trazia
aqui quando pequena. Não sei bem porque ele escolheu esse bairro para passearmos e passarmos
um tempo sozinhos, somente na companhia dos seguranças e motorista, que nos observavam de
longe. Mas lembro de ver famílias sorridentes entrarem e saírem do prédio. Nas pequenas
varandas dos apartamentos havia vasinhos de flores coloridas.
Um dia perguntei a Laurent o porquê de não morarmos naquele prédio, me parecia muito
mais interessante do que a enorme casa que tínhamos.
Pouco antes de morrer, ele me entregou as chaves. Havia me comprado um apartamento no
prédio em frente à pracinha da minha infância.
As lágrimas voltaram, eu me sentia terrivelmente sozinha. Mais uma vez ergui a cabeça e
tentei seguir em frente.
O apartamento estava vazio, nunca o mobiliei e nem tive coragem de alugar. Às vezes ia lá
para ficar sozinha e matar a saudade do meu pai. Mas era a primeira vez que o enxergava como o
meu lar.
Capítulo 21
Ricardo
— Preciso de um jato para hoje, destino Paris. E providencie para que as minhas coisas
sejam enviadas aqui para a empresa. O horário mais próximo que conseguir, Glória. — Afastei o
telefone da orelha para conversar com a minha secretária e logo voltei para a chamada. Blanche
havia passado de todos os limites. Eu sentia o pulsar das veias em meu pescoço e o meu rosto
queimar. Se pudesse, ia correndo até onde Chloe estivesse.
Uma noite inteira tentando falar com ela e a garota em prantos pelas coisas que ouviu da
mãe.
Mãe. Agora fazia muito sentido a indignação que eu sempre sentia quando ouvia Chloe se
referir à Blanche dessa forma.
— Amor. Amor, calma. Não precisa vim assim. Venha no voo que está agendado.
— Ainda de madrugada eu estarei com você, linda — disse, em definitivo.
Deixei minha valise sobre a mesa e fui até a parede envidraçada da minha sala, encarando a
rua e o seu movimento.
— Eu não queria que você tivesse passado por isso sozinha, Chloe. Sempre estaremos
juntos. Eu não demoro, meu amor.
— Obrigada, Rick. — Ela tentou disfarçar o embargo da voz, mas minha garota estava
chorando. Eu queria pode esganar Blanche. Não bastava ter ferrado de tantos modos com a
cabeça da Charlotte, envenenando a própria filha contra o pai e a irmã de criação, agora fazia
com Chloe também.
Encerramos a ligação e eu já não conseguia trabalhar. Meu sócio tinha razão, a Lima e
Assumpção precisava de um jato. Há tempos ele tentava me convencer. A grana nós tínhamos,
mas entendemos que seria mesmo apenas por um luxo. Porém, agora teríamos um jato.
— Fala, Murilão. — Meu amigo atendeu, precisava tirar um tempo para trocar uma ideia
com ele. E se tinha alguém que poderia me ajudar a adquirir um jato, seria Murilo.
— Qual a boa, Rick? Tá sumido, cara.
— Preciso comprar um jato.
— Não sei se você lembra, mas eu vendo carros. — Ele riu e fui junto. Estava um tanto
desesperado. Murilo era dono de uma das lojas mais famosas de Curitiba no ramo
automobilístico e comercializava carros importados de luxo. — Cara, quem é que liga do nada e
diz que precisa de um jato?
Suspirei, dobrei a manga da camisa social e afrouxei a gravata no pescoço. O blazer já
estava sobre a minha cadeira de trabalho.
— Eu tenho certeza que você vai me apresentar alguém que possa me vender um. — Murilo
ficou em silêncio. — É sério, irmão, tenho urgência.
— Eu vou te ajudar — ele respondeu por fim.
— Em breve vou até a loja, para colocarmos o papo em dia.
— Te aguardo, irmão.
Em definitivo, me tornei um cara patético.
Mas um patético que cumpria promessas e ainda na madrugada eu estava com minha
namorada nos braços. Chloe parecia uma criança acuada quando me viu na porta do seu prédio.
Correu para os meus braços e tudo o que minha garota queria — e precisava — era colo.
— Você não está sozinha, linda... — Beijei sua boca e a apertei em meus braços. Estávamos
na pequena varanda do apartamento.
— Preciso comprar tanta coisa para deixá-lo com cara de casa, Rick.
— Eu te ajudo. — A abracei e ficamos um tempo em silêncio, os dois perdidos nos próprios
pensamentos. Eu tinha uma boa ideia, mas não sabia se ela ia aceitar. Contudo, em algum
momento teria que contar a ela. — Por hora, vamos seguir com a nossa programação? Passamos
uns dias em Annecy, nos distraímos um pouco e quando voltarmos vamos arrumar esse
apartamento. Acho que além de móveis, cabe uma ou outra reforma.
— Não sei, Rick. Não estou com clima para viajar...
— Vai nos fazer bem, linda. Mas você decide.
— Tá, acho que você tem razão.
***
Chegamos a Annecy no fim do dia. A cidade era mesmo mágica, conhecida pelos turistas
como a Veneza dos alpes franceses, em razão dos canais que cortavam a cidade. A cidade
também fazia divisa com a Suíça e Chloe dizia que aproveitava as visitas para ir ao seu país.
Flora nos recebeu com o típico café francês. Sentamos no jardim da sua casa, que parecia ter
saído de algum filme medieval, e passamos algumas horas conversando e tentando distrair a
minha namorada.
Ela buscou alguns álbuns de fotos, que nem Chloe sabia que a tia guardava, e foi
interessante ver minha namorada na versão criança. Linda, sempre de franjinha e um laço no
cabelo, combinando com o vestido. Analisando seus registros de criança, eu via que Betina tinha
razão, as duas se pareciam muito.
Balancei a cabeça ao lembrar-me da pequena falante do orfanato.
— Essa foto eu tirei na primeira vez que Chloe esteve aqui. Ela achou que fosse mesmo um
castelo. — Flora correu os dedos com carinho sobre a fotografia.
— Ainda acho, tia Flora. — As duas trocaram um sorriso caloroso e Chloe estendeu a mão
para pegar a da tia.
— Sabe, Rick, acho que estou um pouco nostálgica com essas fotos. Às vezes fazíamos
piquenique nesse jardim. — Flora me entregou outra fotografia, essa mostrava um pano xadrez
estendido sobre a grama e sobre ele uma cesta e vários itens de lanche. Chloe e Flora, ambas com
chapéu na cabeça, posavam para a foto. — Bons momentos...
O clima esfriou com o anoitecer. Tia Flora disse que preferia jantar em seu quarto, pois
sentia dor de cabeça. Era mentira, ela apenas estava nos dando espaço. A mesa foi montada em
uma varanda da casa, comida quentinha e vinho da região nos foram servidos. Conversamos,
trocamos beijos e carinho e depois deitamos juntos em um sofá balanço, nos cobrindo com a
manta que já estava sobre o assento.
— Você me faz feliz, linda. De um jeito que eu não imaginava que um dia seria novamente.
Ela me olhou e continuei acariciando seus braços.
— Não quero ser uma substituta em seu coração ou na sua vida, Rick. Quero ter minha
própria história. A nossa história.
— E nunca será uma substituta. Você é única para mim. O que quero viver com você e o que
já estamos vivendo, é só nosso, Chloe.
— Não quero desistir da gente, Rick.
— Nós dois vamos lutar juntos, construir juntos. Eu quero uma vida ao seu lado. Pode achar
rápido, linda, mas eu sei o que sinto. As sensações que tenho quando estou com você, quando
nos falamos, a saudade...
— E tem a distância...
— Sim, tem a distância. — Segurei seu rosto e beijei sua boca, profundo, gostoso,
saboreando cada cantinho. Suas mãos foram para o meu rosto e desceram pelo meu pescoço.
Intercalamos com vários selinhos e eu podia passar a noite beijando sua boca. — Sobre isso,
quero conversar com você.
— Diga... — Ela se ajeitou no balanço, aprumou o corpo e me encarou.
— Podemos passar mais tempo juntos, enquanto isso, a poeira dessa confusão com Blanche
vai abaixar. Fica uma temporada comigo no Brasil?
— Mudar para o Brasil? Minha vida está aqui, Rick. Minha mãe também.
— Eu sei, linda — suspirei e beijei seu cabelo. — Foi uma ideia. Meu trabalho é complexo,
estou sobrecarregando Marina. Além disso, você acabou de formar na faculdade, pode passar por
uma experiência de morar um tempo fora sem que lhe cause maiores prejuízos. Não estou
dizendo para mudar de país em definitivo, mas uma temporada. Vai ser bom para nós dois e
tenho certeza que também será para sua relação com Blanche.
Não dava para me afastar por muito tempo da Lima e Assumpção, pois embora tivesse um
sócio, João Medeiros não morava no Brasil e sua participação na gestão executiva da empresa
era quase que figurativa. Claro que, quando tratava-se de grandes decisões, eu o colocava a par,
mas no dia a dia, o grupo estava em minhas mãos. João e eu já havíamos pensado se valia a pena
manter a sociedade, visto que ele tinha outros projetos de vida. Ocorre que algumas décadas
antes, quando meu pai iniciou a Lima e Assumpção, o pai de João, que era um dos melhores
amigos do meu, foi quem financiou boa parte do empreendimento que se iniciava. O pai de João
nunca fez questão de aparecer na gestão da empresa, mas a Lima e Assumpção também era dele,
e em seu leito de morte, pediu ao filho que assumisse um cargo na empresa. Era esse pedido que
tocava fundo em João e ainda o mantinha em nossa sociedade.
— Preciso pensar. É muita informação. — A puxei de volta para o meu colo e decidi que
retornaria ao assunto depois, com mais calma. Se ela não topasse meu convite, a gente daria um
jeito na ponte aérea de doze horas.
Senti seu corpo molinho de encontro ao meu e quando olhei, ela havia adormecido em meus
braços. Era melhor ir para a cama.
***
Na manhã seguinte acordamos bem cedinho. O toque na porta e a voz de tia Flora do outro
lado, nos despertou e assustou na mesma medida.
— Chloe, já acordou?
Ela coçou os olhos e bocejou. Ao buscar meu olhar, a incentivei que saísse logo da cama. E
foi o que fiz também. Ela vestiu um robe sobre o corpo nu e eu também peguei o que estava ao
lado. Para que ficasse à vontade para falar com a tia, fui direto para o banheiro e deixei que
abrisse a porta sozinha.
Não escutei a conversa, mas me assustei com uma Chloe lívida que surgiu na porta do
banheiro, poucos minutos depois.
— Minha mãe está no hospital, preciso voltar para Paris.
As mãos estavam na frente do corpo e ela torcia os dedos, os olhos arregalados, marejados e
os lábios levemente trêmulos.
— Eu não posso perder mais ninguém, Rick. Não posso. — A puxei para os meus braços e a
abracei. Os braços finos me agarraram e as lágrimas, que então saltaram dos seus olhos,
molharam a blusa que havia colocado para dormir e ainda usava.
— E não vai, minha linda. Tome um banho e troque de roupa, nós vamos voltar para Paris.
— Beijei sua testa e a deixei para se arrumar.
***
Saímos de Annecy após o café da manhã, que Flora e eu forçamos Chloe a provar.
— Vai ficar tudo bem... — disse enquanto pegava a estrada, com uma mão em sua perna.
Ela apenas mordeu os lábios e passou a viagem pensativa.
Ao chegar ao hospital indicado pela enfermeira que cuidava de Blanche, como sendo o lugar
da sua internação, nos identificamos e pedimos para falar com o médico responsável.
Ficamos na sala de recepção no andar de internação. Minutos depois fomos recebidos pelo
médico. Chloe já o conhecia, pois ele era o responsável por cuidar da sua mãe.
— O estado clínico dela está controlado. A pressão subiu além da conta e após uma
conversa com a enfermeira que você contratou, achei melhor que ela fosse trazida para cá.
Chloe
Alguns anos atrás, mamãe havia sido diagnosticada como portadora de cardiomiopatia,
condição em que o músculo cardíaco fica inchado e inflamado, tornando-se fraco. Desde então
era acompanhada de perto por uma equipe médica e na maior parte do tempo esteve bem, com a
doença controlada. Mas, nos últimos meses, voltou a sofrer com os sintomas, como fadiga,
inchaço e fraqueza.
Além disso, mamãe também sofria com os picos de aumento da pressão arterial.
— Ela está consciente, doutor?
— Está sim. Quando chegou, pedi que fosse aplicado um leve sedativo, pois sua mãe estava
agitada. Mas o efeito já passou e ela está consciente. Talvez dormindo. Já vou liberar a visita e
você pode vê-la.
— Obrigada, doutor. Eu estava em viagem, vim assim que soube.
— Está tudo bem, Chloe.
O médico acenou. Minutos depois, retornou e nos chamou para ir até o quarto onde Blanche
estava.
— Ela não pode passar por aborrecimentos ou mudanças bruscas nas emoções. Sua mãe
precisa de estabilidade neste momento.
— Obrigada, doutor.
Capítulo 22
Chloe
Dei um toque na porta e abri. Sobre a cama estava minha mãe, deitada, e ao lado, sentada em
uma poltrona, a enfermeira.
Era tudo o que eu não desejava para Blanche, que em um momento de enfermidade tivesse
apenas a companhia de um empregado, ainda que fosse um profissional da área da saúde. Filhos
cuidam dos pais. Era o que eu acreditava e desejava que Maurice tivesse o mesmo pensamento,
mas duvidava que ele fosse aparecer. Talvez, se um dia acontecesse algo mais grave, ele
atendesse ao meu chamado.
Deixei minha bolsa em uma mesinha perto da porta e fui até a cama. Ela estava acordada,
mas não me olhava diretamente.
— Vim o mais rápido que consegui, como você está?
Mamãe ainda mirava o nada, qualquer lugar que a permitisse não me encarar. E não me
respondeu.
— Tudo bem, estarei aqui se precisar.
Acenei para a enfermeira e me acomodei no sofá. Puxei um puff para perto de mim, estiquei
as pernas, peguei meu telefone no bolso da calça e enviei uma mensagem para Rick. Naquele
momento, eu precisava ficar com Blanche, ainda que ela tentasse me fazer crer que não queria
minha presença.
Cerca de uma hora depois, o médico foi vê-la e, após examiná-la, decidiu por um
eletrocardiograma. Com o resultado em mãos, ele determinou alguns outros exames, o que me
deixou preocupada. Enquanto ela esteve fora do quarto, dispensei a enfermeira para que
descansasse um pouco e fiquei com Rick.
Ele foi para um hotel quando o informei que passaria a noite no hospital. Blanche ainda não
havia falado comigo, mas permaneci firme ao seu lado. No dia seguinte, o médico assinou sua
alta. Contudo, informou que ela ia precisar de mais cuidados, repouso e tomar a nova medicação
prescrita.
Queria aproveitar Rick na cidade, mas ainda estava preocupada com a saúde da minha mãe,
então acabei me dividindo entre o hotel e a casa dela na semana que se seguiu após sua alta. Com
toda a confusão de voltar às pressas de Annecy e a recuperação da minha mãe, nem tive tempo
de tomar qualquer providência para cuidar do meu apartamento.
Em seu último dia completo em Paris — na manhã seguinte meu namorado voltaria ao
Brasil —, convidei Rick para um almoço. Fomos a um restaurante em frente ao rio Sena. Um
lugar gostoso e aconchegante, com paredes envidraçadas, que permitiam uma perfeita vista do
rio e do verde em suas margens. Os raios solares resplandeciam sobre a água e a nossa visão era
mesmo linda.
Aproveitamos nossa tarde sem pressa, comemos, conversamos e eu sabia que ele estava
louco para tocar no assunto da minha temporada em seu país.
Rick estava certo quanto à logística. Era bem mais fácil que eu fosse para lá. Mas eu estava
insegura quanto a ter uma relação tão intensa em um curto espaço de tempo. No Brasil,
levaríamos vida de casados. E também por deixar Blanche. Minha mãe ficaria sozinha.
Suspirei e decidi que eu mesma o abordaria.
— Eu não esqueci da nossa conversa, amor. Ainda não tenho uma resposta sobre passar um
tempo no Brasil, mas quero que saiba que estou pensando a respeito. — Havia acabado de tomar
um gole do vinho rosé que escolhemos, pousei a taça sobre a mesa e aguardei sua resposta.
— Isso é bom, por enquanto não tenho um não. — Meu namorado era bom em negociar. E
sabia disso. Sorrimos juntos e ele pegou minha mão sobre a mesa, deixando um beijo nela. —
Mas preciso saber o que ainda te impede de me dar um sim.
Suspirei e organizei meus pensamentos antes de respondê-lo.
— Vamos ter uma vida de casados. — Eu precisava expor o que sentia, somente assim
avançaria em nosso relacionamento.
— Isso te assusta? — Ergui a sobrancelha em sua direção e ele me avaliou. — Você está
certa, não estou te convidando para morar sozinha no Brasil. Somos adultos, Chloe.
— Adultos que namoram há pouquíssimo tempo.
— Uma chance, Chloe. Pense que está nos dando uma chance. Você é nova, entendo que
ainda queira viver outras coisas, mas namora com um homem experiente e que sabe o que quer
da vida.
Sua colocação me irritou e o encarei indignada. Eu não gastava tempo pensando em nossa
diferença de idade, dez anos não parecia ser tanta coisa dentro do nosso relacionamento.
Tampouco, nas diferenças das experiências vividas. E ele chamar a atenção para isso me irritou e
entristeceu na mesma medida.
— Eu sei exatamente o que quero da vida, Rick. — A resposta saiu com a voz elevada, mas
logo me acalmei, após respirar fundo e, discretamente, olhar ao redor. Não queria chamar a
atenção. — Mas tenho receio que ao atropelar etapas, estrague algo entre a gente, o que seria
evitado se fôssemos com calma.
— Então você já tem uma resposta. — Ele soltou minha mão e ergueu sua taça, também
tomando um gole do vinho.
— Não tenho, não. — Ergui o queixo e o encarei. Rick o sustentou e por um tempo nos
desafiamos pelo olhar, até que nos rendemos juntos. Eu bufei. — Embora esteja receosa, óbvio
que quero estar junto. Mas também quero que as coisas sejam resolvidas com calma, preciso de
um tempo para organizar meus pensamentos e me planejar.
— Há algo mais.
— Há minha mãe. Que mora sozinha e no momento está se recuperando. — Esse assunto o
deixava bravo. Rick não reconhecia Blanche como minha mãe e não conseguia compreender o
vínculo que eu tinha com ela.
— Você não é filha única.
— E você está sendo intransigente. — Mais uma vez me alterei. Que diabos! Era para ser
um almoço agradável e ele estava estragando tudo. — Rick, ela continua sendo a mulher que me
criou, do jeito dela, mas é uma referência materna para mim. E Maurice não dá a mínima para o
fato dela estar doente. Enfim, o estado de saúde da Blanche é sim um empecilho para que eu
fique um tempo fora de Paris, semanas, meses, não sabemos quanto tempo.
Despejei tudo de uma vez. Sentia meu rosto queimar, brava por ele não se esforçar para me
compreender e um tanto triste com a minha própria insegurança. Medo de não estar fazendo o
melhor para mim, para nós dois.
Quando finalizei, fechei os olhos e levantei um pouco a cabeça, aliviando a tensão que sentia
internamente.
— Eu vou te esperar, linda.
Eu não respondi, mas abri os olhos e o olhei, observando sua feição e reações. Rick
balançou a cabeça em negação e, tendo levantado, arrastou a cadeira estofada para o meu lado.
Passou o braço pelo encosto da cadeira que eu estava sentada e aproximou-se de mim.
— Eu te amo, Chloe... Desculpa se não estou sendo compreensivo. Me desculpa? — Ele me
desmontou com sua declaração e na sequência arrastou o nariz pela extensão do meu, em um
carinho gostoso e íntimo. Então se afastou um pouco, mas ainda me olhando nos olhos. — Estou
ansioso para viver tantas coisas com você e só de imaginar estar na mesma cidade, na mesma
casa todos os dias, não consigo pensar em qualquer coisa que nos impeça. Mas você tem razão,
vamos com calma e te darei o tempo que precisar para se organizar. — Ele deixou um beijo na
ponta do meu nariz e depois selou nossos lábios.
— Eu também te amo, Rick. Muito! — disse, ainda com os nossos lábios colados.
Ele desfez o nosso contato e deitei a cabeça em seu ombro. Sua mão já estava em minha
cintura, acariciando-a. No centro do restaurante havia um trio tocando flauta, saxofone e violino.
Uma mistura musical que deu certo e deixava o ambiente ainda mais gostoso.
— Já estou com saudades, linda.
— Eu também.
***
Após a partida de Rick, fiquei no hotel por mais uns dias, até conseguir mobiliar o
apartamento com o básico para habitá-lo. Visitava mamãe todos os dias, trocávamos poucas
palavras e a enfermeira me atualizava da sua recuperação. A pressão arterial foi normalizada e os
sintomas da cardiomiopatia estabilizados na medida do possível, mas o seu estado clínico ainda
ensejava muitos cuidados. Dessa vez senti que estava mais lenta. Ela fazia leves caminhadas pelo
jardim, nada além disso. Até as refeições ainda estavam sendo servidas em seu quarto. Um pouco
que ela saía da rotina, já se cansava.
Dois meses que meu namorado havia voltado ao Brasil. Segundo ele, uma próxima visita
seria complicada, pois Marina, administradora da empresa e seu braço direito, estava grávida. Ele
nunca que a sobrecarregaria ficando vários dias fora nesse momento.
Eu sentia tanto a falta dele. No fim do dia, que normalmente passava ajudando no orfanato,
tudo o que eu queria era poder fazer uma comidinha para nós dois, contar as novidades e escutá-
lo falar sobre as dele, ou apenas uma massagem após correr pela cidade. Um jantar e uma noite
romântica, dormindo agarradinhos. Por que tínhamos que estar tão distantes?
Em certa manhã, acordei com uma mensagem da enfermeira que cuidava da minha mãe.
Blanche havia avançado em sua recuperação, já estava tomando somente os remédios usuais para
a cardiomiopatia e até conseguia descer as escadas.
Decidi que ia almoçar com ela, era a hora da gente se acertar. Até então, não havia forçado a
barra para uma conversa, pois não iria atrapalhar sua recuperação. Mas nós duas não podíamos
ficar naquela situação para sempre.
Organizei meu apartamento, combinei com Beatrice que iria ao orfanato no fim do dia, pois
Betina não parava de perguntar por mim, outro assunto que me tirava o sono, e parti para casa da
Blanche próximo ao horário que serviam o almoço.
Subi a alameda e antes de alcançar o topo e adentrar o jardim, avistei um carro esportivo
estacionado diante da entrada. De longe, me pareceu uma Ferrari, o que confirmei quando
também estacionei o meu carro.
Só conhecia uma pessoa que dirigia uma Ferrari e poderia estar visitando Blanche. Suspirei
fundo. Até pensei em dar meia volta e deixar nosso almoço para outro dia, mas fiquei, pois tinha
certeza que Blanche já havia sido avisada da minha chegada.
Ajeitei a blusinha e o casaquinho que vestia, guardei a chave do carro na bolsa e subi as
escadas. A governanta me recebeu e, como esperado, mamãe me aguardava no hall da casa.
Estava sentada em uma das poltronas próximas à porta. Ao seu lado, na outra poltrona, Maurice
me fitava. Olhar tedioso e ao mesmo tempo irônico. Eu revirei os olhos de preguiça de ter que
lidar com ele. Segurava um copo com drinque, certamente o uísque que sempre tomava.
Aproximei-me, dei um beijo no rosto de Blanche e antes que eu o cumprimentasse, chamou
minha atenção:
— Eu não ganho beijo, irmãzinha? — Ele pousou o copo sobre a mesinha próxima e ergueu
as mãos. Outra revirada de olho. Que dia fui escolher para conversar com minha mãe!
— Olá, Maurice. Quanto tempo... Um ano? Acho que sim, faz um ano que não nos vemos.
— Eu não era de enfrentar as pessoas, mas Maurice merecia. Meu comentário não os agradou e,
de imediato, ambos fecharam o semblante para mim.
— O que lhe trás aqui? — Blanche, empertigada na poltrona, me indagou.
— Vim almoçar com a senhora, fazer companhia. — Não gostei do tom, tampouco da
pergunta. Era como se eu precisasse de um bom motivo para visitar minha mãe. Ora, era eu
quem estava ao seu lado o tempo todo.
— Um bom dia escolhido então, irmãzinha. — Maurice me encarou e eu não desviei o olhar.
— Ah, com toda certeza.
Capítulo 23
Ricardo
O dia estava repleto de reuniões. Segundo Glorinha, eu teria uma pausa de trinta minutos
para o almoço. E ela me passou essa informação como se tivesse conseguido um grande favor
para mim. Quase um luxo. Não que ela estivesse errada. Com as tantas atribuições que eu vinha
acumulando na empresa, me preparando para a futura licença-maternidade da Marina, fazer uma
pausa para o almoço era mesmo um luxo.
— Aqui, doutor. Cinco minutos para a reunião com a doutora Laura. — Minha secretária
colocou sobre minha mesa uma xícara com café.
— Obrigado. Ela já chegou? — Aspirei o cheiro bom da bebida. Quente, forte e sem
qualquer artifício para adoçá-lo. Agora sim meu dia estava iniciando.
— Ainda não. — Glória pegou alguns papéis que eu havia deixado sobre o sofá da sala e,
após organizá-los, os deixou em minha mesa.
— Espero que ela não se atrase. — Entre um gole e outro do café, repassei o que precisava
tratar com Laura.
— O senhor tem, no máximo, quarenta minutos com a doutora Laura. Já vou deixar a sala de
conferências preparada para a próxima reunião. — Deixei escapar uma gargalhada e recebi uma
revirada de olhos. Ela finalizou a arrumação. Glória era sempre impecável em seu trabalho, e
maníaca por organização, nada ficava fora do lugar em minha sala.
— Nossa, que CEO divertido! — Laura surgiu na porta entreaberta. Ainda usava os óculos
de sol e devia estar brava por eu ter marcado nossa reunião no primeiro horário. Ainda não eram
oito da manhã.
— Ah, você não imagina o quanto, doutora Laura. — Laura deu passagem e minha
secretária se dirigiu à saída da sala.
— Bom dia, Glorinha! Quanto tempo eu tenho?
— Meia hora. — Ergui a sobrancelha em sua direção e ela riu sem graça. — Margem de
erro, doutor.
Laura prometeu que faria com que a cobertura de Curitiba fosse vendida com o máximo de
agilidade após o meu pedido para que cuidasse das burocracias — era a primeira vez que
conversávamos sobre eu me desfazer da cobertura onde morava — e informou que havia dois
interessados no apartamento de Paris. Minha vida estava sendo colocada nos eixos, em todos os
sentidos. Os demais imóveis eu não tinha tanta pressa, a prioridade eram os que ela dava
andamento. E o passado seria deixado no passado.
— Qual é a melhor proposta? — Ela me entregou dois arquivos impressos e grampeados.
— Analisei todos os detalhes e as duas são atrativas. Esse valor foi oferecido pelo
interessado número um. — Apontou o que estava destacado com marca-texto e depois indicou o
outro papel que eu também segurava. — E este aqui fez uma oferta para ficar com os móveis e
artigos de decoração. Tem algum objeto que você faz questão de guardar?
— Pretendo ficar com as obras de arte e tenho objetos pessoais que precisam ser retirados,
como roupas e afins. O resto pode ser entregue. Prefiro essa proposta de entregar o apartamento
fechado. — Era isso, o fim de uma era em minha vida. Um ciclo fechado. Devolvi-lhe as duas
propostas e Laura fez algumas anotações na agenda.
— Algo mais? Porta-retratos, pinturas?
— Somente as obras de artes e meus pertences. Consegue resolver tudo?
— Não volta mais lá? — Ela então levantou o olhar e me encarou. Eu sabia o que passava
em sua cabeça. Mas não, eu não guardaria nenhuma recordação de Charlotte. O que precisava
guardar dela, estava em meu coração. Foram os bons momentos que tivemos juntos, as
descobertas, os anos de relacionamento. Mas eu não guardaria nada além disso. Era o meu passo
para me libertar.
— Não vejo necessidade. As fotos em que ela está sozinha e alguns pertences dela que ainda
estão lá, pode enviar para Blanche.
— Vai ficar na cobertura até a venda? — Minha amiga estava se segurando para não fazer
perguntas invasivas e, enquanto isso, fingia estar tudo bem. Mas ali havia algo para pensar. Eu
amava minha cobertura, mas se queria Chloe ao meu lado no Brasil, também precisava dar esse
passo o mais rápido possível.
— Arrume um apartamento, de preferência mobiliado e na mesma região. Pode ser um flat
também. Vou me mudar enquanto você procura outra cobertura para comprar. Pode acertar a
mudança com a Glorinha e a Fátima.
Foi o suficiente para ela jogar tudo no alto. Laura colocou a agenda e o telefone celular
sobre a mesa e apoiou as duas mãos no tampo.
— Você está namorando — disse, me olhando nos olhos.
— Acertou — respondi sério, sustentando seu olhar.
— Estou falando sério, Rick.
— Eu também.
— E quando ia me contar? Marina já sabe? — Eu adorava que em meio à sua curiosidade e
euforia, Laura ainda conseguia espaço para o ciúme.
— Ninguém sabe. Você é muito esperta e descobriu sozinha. E ainda não vou contar quem é
a felizarda.
— Rick, você é ridículo de tantos modos.
— Para que não tenha dúvidas, não vou ficar com nada de Charlotte. O que for pessoal, você
envia para a mãe dela.
— Fala que não é um sonho. — Minha amiga tinha um olhar amoroso. Ela era a pessoa que
sempre torceu por mim e me deu tantos conselhos na vida. Laura, de fato, se alegrava com a
minha felicidade.
— Não é. Depois, com calma, vamos conversar melhor.
— Eu vou conhecê-la?
— Óbvio.
— Doutor Ricardo. — Glória apareceu na porta da sala e Laura colocou-se de pé, juntando
seus pertences.
— Já sei, meu tempo acabou. Eu te amo, meu amigo. Você sabe, né? — Ela me abraçou
apertado e depois eu a levei até o elevador.
— Eu também!
***
O dia passou e só me dei conta do quanto estava exausto quando entrei na quinta reunião do
dia, esta com os diretores de duas multinacionais. Fizemos uma pausa, era fim do dia, e Glória
entrou na sala para servir os drinques que eles pediram. Eu nunca bebia em trabalho. Fingia bem,
mas meu copo permanecia intacto.
Enquanto eles aproveitavam para verificar seus telefones ou irem ao banheiro, eu peguei
meu aparelho e achei estranho não ter nenhum registro da Chloe. Nem mensagem e nem ligação.
Enviei uma mensagem e aguardei por uma resposta, que não veio.
Da reunião estendemos no restaurante de um hotel. Na cobertura, vários figurões da cidade
se encontravam, para um drinque, reuniões informais ou flertes. E foi para lá que os diretores
quiseram ir.
Chloe tinha a vida dela. Se não respondeu, era por estar ocupada com seus afazeres.
Quando pudesse, entraria em contato. Esse era o Ricardo racional falando, era o que deveria
levar adiante, pois com um relacionamento à distância, e considerando, inclusive, que estávamos
em continentes diferentes, desejar contato em tempo real era loucura.
No entanto, o Ricardo comum, que estava com saudades da namorada e preocupado com o
seu sumiço, não parava de enviar mensagens perguntando se estava tudo bem, e ficava cada vez
mais preocupado por ela nem recebê-las no aplicativo.
Tomamos mais alguns drinques e eu fiz o que pude para entreter os empresários que me
acompanhavam. Eles não eram de Curitiba, estavam na cidade apenas para fazer negócio com a
Lima e Assumpção e cabia a mim fazer com que a noite fosse agradável. Embora eu não quisesse
estendê-la mais, pois no dia seguinte também teríamos reuniões, e mais uma vez eu ficaria de
babá.
Consegui encerrar a noite pouco depois das onze horas. Para o meu bem, eles colocavam o
trabalho em primeiro lugar. O carro alugado com motorista os deixaria no hotel e eu pude ir para
casa e insistir no contato com a minha namorada.
Eu continuava sem conseguir contato com Chloe, minhas ligações caíam direto na caixa
postal.
Não era como se fosse possível eu pegar o carro e ir até a porta do seu prédio verificar o que
estava ocorrendo. Eu simplesmente não podia. Dependia da tecnologia, tão inútil naquele
momento.
***
Ao chegar em casa, fui direto para o banho. O telefone me acompanhou para dentro do box e
ficou sobre a pequena bancada que abrigava os artigos de banho. Mas eu saí e nada, ela não tinha
feito contato.
Vesti uma calça de moletom e fui até a cozinha pegar água. Virei uma garrafinha de uma
vez. Havia ingerido mais álcool do que costumava fazer durante a semana, ainda que não tenha
sido nada exagerado. Parado no centro da cozinha, pensei no que faria na sequência. As
possibilidades não eram animadoras, pois nenhuma delas me faria ter notícias de Chloe. E
embora fosse tarde, não sentia um pingo de sono.
Olhei para a sala de TV, bem equipada e com móveis planejados, e não senti o aconchego
esperado desse cômodo. Suspirei, era o que tinha. Me joguei no sofá e coloquei uma série, que
tentava a muito custo finalizar.
Adormeci sei lá em qual episódio.
No dia seguinte, sentia como se um caminhão tivesse me atropelado. O sofá até podia ser
caro e incrível, mas era apenas um sofá e nunca substituiria uma cama. Saí em busca de um café,
decidido que se Chloe não tivesse feito contato, eu estrearia o jato recém-adquirido pela Lima e
Assumpção e iria até Paris.
Mas lá estava uma mensagem dela, enviada durante a madrugada. Disse que estava tudo
bem e que em breve telefonaria. Que diabos! Tentei ligar e o telefone deu novamente desligado.
Bufei e joguei o aparelho sobre minha cama.
Menos de uma hora depois, entrei no andar da presidência da Lima e Assumpção. Tudo
parecia como em todos os dias. Glória estava sentada atrás da sua mesa e, assim que a
cumprimentei, ela levantou e saiu em direção à copa. Ia buscar meu café e, quando retornasse,
passaríamos a agenda.
Entrei em minha sala e, novamente, tudo igual.
Capítulo 24
Chloe
Minha cabeça estava em Paris. Avisei ao meu sócio que provavelmente iria usar o jato ainda
naquele dia. Mas antes tinha uma reunião importante com os empresários do dia anterior e, na
sequência, outra com chefes de equipes da Lima e Assumpção.
Sentado na ponta da mesa, expus alguns pontos de uma negociação que se arrastava há
meses, porém que se concretizada, seria boa não apenas para os cofres da Lima e Assumpção,
mas também para minha cidade, tendo em vista que o número de lojas franqueadas abertas
significaria muitos empregos gerados.
Chegar a esse pensamento me deu o gás que precisava para fechar o negócio. Apresentei os
relatórios elaborados por Marina e esperei que reagissem. Glória era experiente e tinha um bom
feeling, escolheu aquele momento para servir novamente café e água aos empresários.
Olhei para Marina, que apesar do aparente cansaço, engatou comigo na negociação e estava
renovada. Era visível que nós dois aguentaríamos ainda boas horas de reunião e não fecharíamos
o dia sem que o negócio desse certo.
Ela aproveitou a pausa para ir ao banheiro. Os empresários conversavam descontraídos, mas
fazia parte da cena, ainda era trabalho pesado. Já tinha me segurado bastante e resolvi verificar se
havia alguma mensagem no aplicativo de mensagens. Me assustei com a última enviada por
Chloe.
“Estou no hall do prédio.”
Como assim? Enviei seguidas mensagens, questionando o que ela quis dizer, mas já não as
recebia. Talvez Chloe tivesse enviado a mensagem para a pessoa errada.
Eu olhava do celular para as pessoas que estavam ao redor da imensa mesa de reunião.
Homens engravatados que, reunidos, decidiam muito dos rumos econômicos e sociais da cidade
onde resolvessem fechar negócio. Naquele momento, nós fazíamos mais por Curitiba do que o
prefeito. E por tantas outras cidades do país.
Voltei meus pensamentos para a minha namorada. Ela disse que estava no hall do prédio. A
sua mensagem ressoava em minha mente. Chloe passou horas sem fazer qualquer contato. No
meio da madrugada, enviou uma mensagem dizendo que estava tudo bem e não apareceu mais.
As chamadas que fiz caíram na caixa postal e seu telefone estava fora de área. E então ela
apareceu dizendo que estava no hall...
Eu estava alucinando. Tornou-se óbvio que já não tinha idade e nem psicológico para ter
uma namorada morando em outro país. Por que eu achei que daria certo?
Marina retornou para a sala de reunião e os demais presentes se organizavam com o fim da
pausa. “Estou no hall do prédio.” Era loucura, muita loucura, mas eu não ia conseguir prosseguir
sem tirar a dúvida. Nem poderia. Afastei a cadeira e levantei de ímpeto, atraindo todos os olhares
em minha direção. Informei que em breve estaria de volta e pedi que Marina os conduzisse no
próximo turno da reunião.
— Precisa de algo, doutor? — Glória ainda estava na sala de reunião quando eu saí, então
caminhou em meu encalço e questionou, de cenho franzido e em alerta.
— Ligue na portaria e veja se alguém me procurou.
Ela não fez perguntas e correu até sua mesa. Vi quando pegou o telefone, mas eu encarava o
elevador, que parecia não ter saído do lugar desde que o acionei. A ansiedade crescendo dentro
de mim. Era loucura, eu repetia para mim mesmo.
A porta do elevador abriu diante de mim no exato momento que uma Glória confusa disse
que havia sim uma garota no hall, mas não tinha nenhum horário marcado comigo.
Eu estava pronto para colocar para correr quem havia deixado Chloe no hall da minha
empresa, sem sequer tentar ajudá-la a falar comigo. Chloe estava no Brasil. Andei de um lado
para o outro dentro da caixa metálica, coração disparado e questionando o porquê de ser tão
lento. Pareceu uma eternidade até que ele parou na portaria do prédio.
Saí do elevador sem olhar para os lados, nada mais importava senão a garota sentada no
sofá. Ela parecia perdida, com o olhar desolado para o aparelho de telefone. Certeza que estava
sem carga, problema fácil de resolver, pois no hall havia vários pontos para carregadores. Ao seu
lado, duas malas. Meu coração até palpitou. Linda, toda linda como ela sempre era. Mas em
Curitiba e dentro da minha empresa, ela estava espetacular.
Distraída em pensamentos, ela não me viu chegar. Eu praticamente parei em sua frente até
que levantasse o olhar e me enxergasse.
— Isso é sério? — A puxei pela mão e abracei forte minha mulher. Minha Chloe. Não liguei
para o fato dos funcionários certamente estarem nos olhando, talvez um tanto chocados, pois a
beijei na frente de quem estivesse por perto e não pretendia parar. Enquanto nossas bocas
estavam coladas e nossas línguas se encontravam, aspirei seu cheiro. Como eu senti a falta dela!
— Amor, que saudade! — Chloe enlaçou meu pescoço e parecia também não querer cessar
o contato dos nossos lábios. Mas ali ainda era a sede da Lima e Assumpção. Depois de alguns
selinhos, me afastei um pouco, sem tirar os olhos dela. Queria olhá-la por inteiro.
— O que foi isso? — Eu tinha uma reunião com várias pessoas me esperando, inclusive uma
Marina grávida que deveria estar querendo me esganar. E também tinha Chloe, toda linda, me
olhando, bem diante de mim. Eu a queria beijar mais e fazer muitas outras coisas.
— Não gostou da surpresa? — Com o olhar assustado, me questionou. Não era possível que
ainda havia espaço para tal insegurança.
— Sabe que não vou te deixar mais sair de perto, não é? — Passei o braço pela sua cintura e
dei o aviso mirando sua boca.
— Eu não quero sair de perto. — Chloe olhou fundo em meus olhos e a beijei novamente. O
telefone em meu bolso vibrou forte, fazendo com o que eu a soltasse. O nome da minha
secretária apareceu na tela do aparelho e suspirei.
— Vamos para minha sala, linda. Saí de uma reunião e estão me esperando. — Chloe
arregalou os olhos, eu amava suas reações. Fiz sinal para o rapaz que ficava na portaria e pedi
que levasse as malas para o meu carro. Eu queria muito ir até as recepcionistas e tirar todas as
satisfações possíveis, mas ficaria para depois. Na verdade, eu não queria mais vê-las, a Lima e
Assumpção não comportava funcionários tão limitados. Deixaria esse problema para o setor de
RH resolver.
Lancei um olhar duro em direção a elas, que me olhavam em pânico e, de mãos dadas com
Chloe, caminhei para o elevador.
Ela parou em minha frente, tímida e encabulada. Seus olhinhos percorriam todo o ambiente.
Passei o braço pelo seu corpo, aproximando-nos, e beijei seus cabelos. Não sabia quantas horas
ela passou fora até chegar a Curitiba, mas continuava linda e cheirosa.
— Te amo — sussurrei em seu ouvido e ela apertou meu braço contra seu corpo.
Suspirei, feliz demais, sem saber mensurar quando foi a última vez que me senti assim.
Chegamos ao andar da presidência e nos deparamos com uma Glória lívida e que nos olhava
com os olhos arregalados. Ela abriu e fechou a boca umas três vezes e pareceu desistir de falar
algo. Encarei-a com a sobrancelha erguida, segurando o riso.
— Linda, essa é Glória, minha secretária. — Chloe esticou a mão e a mulher retribuiu. — E
Chloe, minha namorada. — Com o susto, minha funcionária até tossiu. E desisti de não rir da
cara dela. — Não seja ridícula.
— Seja bem-vinda, Chloe! É um prazer te conhecer — Glória a cumprimentou em
português. Estava tão atordoada, que não percebeu que eu iniciei a conversa em inglês. Não dava
tempo para desfazer o mal-entendido, depois elas iam se conhecer melhor.
— Me espera em minha sala? Preciso ir lá finalizar a reunião, deixei Marina sozinha. —
Abri a porta para que ela entrasse e liguei o ar-condicionado. — É toda sua, amor. — Beijei sua
boca e saí da sala. — Veja se ela precisa de alguma coisa, Glória. Talvez esteja com fome.
Minha secretária ainda estava atônita e eu não podia mais perder tempo. Ela descobriria
sozinha que ia precisar do inglês para se comunicar com Chloe.
Cheguei à sala de reunião e vários pares de olhos me encararam. Alguns irritados, outros só
esperavam uma explicação. Marina poderia me comer vivo, se tivesse a oportunidade.
— Senhores, Marina, agradeço por terem seguido sem mim e peço desculpas pela minha
saída repentina. Mas recebi uma mensagem da minha mulher, dizendo que estava no hall do
prédio. Ela veio da França, não fala português e eu não conseguia contato além da mensagem.
Enfim, ela chegou de surpresa no Brasil e eu precisava ao menos ajudá-la a subir. Com tantos
cavalheiros e pais de família nessa sala, tenho certeza que irão me entender.
— Então Ricardo Lima e Assumpção está comprometido! Meu amigo, agora você tem
licença para fazer o que quiser. — Paulo, que era um amigo pessoal e com quem eu sempre fazia
negócio, me cumprimentou. Ele conhecia minha história e os anos de solidão após ficar viúvo.
Sua fala, embora fosse para descontrair, era verdadeira. Trocamos um aceno e meus olhos
encontraram Marina. Minha amiga me encarou, pálida e com os olhos arregalados. Eu ri
discretamente e retomamos a reunião.
Quase uma hora e meia depois estávamos de pé. Marina e eu com a sensação de dever
cumprido, pois conseguimos a exploração e a administração de mais uma rede de franquias.
Dessa vez se tratava de uma lanchonete que havia virado febre no estado do Paraná e já chegava
a outros estados.
Quando ficamos sozinhos na sala de reunião, ela me interpelou:
— Você vai me explicar o que está acontecendo, certo? — Pegou um copo e despejou a
água que estava dentro da jarra sobre a mesa, tomando-a em seguida.
— Estou namorando — respondi e esperei a reação.
— Disse que sua mulher chegou da França. — Sua expressão era de susto. Marina ainda
estava com uma cara engraçada.
— Sim, ela chegou da França.
— Não brinca comigo, Ricardo.
— Minha namorada é suíça e mora na França — contei, ainda achando-a engraçada.
— Problemas com brasileiras? — questionou e eu ri. Que mulher absurda!
— Se continuar chata, não vai lá conhecê-la.
— Ah, mas eu vou sim, senhor! Onde ela está?
— Olha para mim. — A encarei sério, precisava contar antes, para que Marina não fizesse
essa cara de susto na frente de Chloe. —Você já a conhece.
— Não conheço nenhuma mulher suíça.
— Conhece sim. A conheceu há alguns anos. Ela era bem mais nova.
— Ricardo, acho que você enlouqueceu.
— Em um aniversário da Charlotte.
— Sabe que até lembrei que conheço sim uma garota suíça. Linda, por sinal. Mas é a única.
Então, não. Não conheço sua namorada. — Ela tentou parecer calma e coerente, mas estava
nervosa. Eu conhecia minha amiga, consegui deixá-la pilhada.
Marina me encarou, as duas mãos sobre a mesa, e eu sustentei, sem desviar o olhar nem por
um segundo. Ela teria que entender.
— Você não pode estar falando sério. — Continuei encarando-a, até que Marina se rendesse.
— Jura, Rick?
— Sim.
— Onde está a Chloe?
— Na minha sala.
— Você tem certeza disso? — Assenti e ela suspirou. — Então vamos lá, quero rever a
garota.
Antes que passássemos pela porta, Marina parou e me encarou, seu olhar me analisando.
— Por que não contou antes? Esse namoro não iniciou ontem.
— Você há de convir que é uma situação um tanto delicada, foi necessário um tempo só para
nós dois.
Ficamos um instante em silêncio. Ela compreendia o que eu estava dizendo. Quando
resolveu retomar o casamento com Antônio também optou por guardar um tempo só para eles,
sem que ninguém soubesse.
— Só quero que você seja muito feliz, Rick! — Marina passou o braço pela minha cintura e
eu deixei um beijo em seus cabelos.
— Estou sendo feliz de novo, Nina!
Capítulo 26
Chloe
— Chloe? — Eu enxugava as mãos quando ouvi a voz do Rick me chamando e saí depressa
do banheiro do seu escritório. Acabei lambuzando os dedos com um molho que me deram para
colocar no sanduíche. Glória disse ser um sanduíche natural, achei o molho bem gostoso,
diferente de tudo que já experimentei.
— Aqui, amor. — Coloquei a toalha no suporte e abri a porta. Era tudo tão bonito e bem
decorado, ele tinha muito bom gosto. — Estava lavando as mãos, acabei de fazer um lanche.
Saí animada por ele ter retornado, mas retesei quando vi que não estava sozinho. Ao seu
lado havia uma Marina impecável de tão bem-vestida. Tentei agir naturalmente, não era uma
total desconhecida para mim, embora não nos encontrássemos há anos, mas não consegui.
Tomada pela timidez, fiquei muda e sem reação.
— Achou a lanchonete? — Ele já sabia lidar com o meu jeito, pois com um sorriso no rosto
foi até onde eu parei, beijou meus lábios e ficou ao meu lado.
— Glória me acompanhou. Por causa do inglês.
— Chloe, quanto tempo! Como está? — Marina foi simpática, me cumprimentou com um
beijinho no rosto e, embora estivesse surpresa com a minha presença, não me pareceu
incomodada.
— Estou bem, que bom revê-la! E parabéns pelo bebê! Rick sempre fala sobre vocês. —
Tentei retribuir da melhor forma possível, mas sentia minhas bochechas queimarem a cada
palavra que pronunciava.
— Rick e meu marido estão me enlouquecendo.
— Posso imaginar.
— Só vim mesmo dar um oi, mas quero reunir todos em minha casa para colocarmos o papo
em dia. Agora entendi porque meu chefe estava com todas as atenções na França. — Nós três
sorrimos e me senti mais à vontade na presença dela.
— Obrigada, Marina!
— Vou remarcar a reunião com os líderes de equipe. Para qual data? — Ela se dirigiu ao
Rick e eu aguardei em silêncio.
— Por enquanto, apenas cancele. — Ela assentiu e nos deu as costas, indo em direção à
saída.
— Aproveitem! Tchau, Chloe, e seja bem-vinda! — Quando chegou à porta, ela virou em
nossa direção. Eu sentia verdade na Marina e fiquei feliz por isso.
Assim que ficamos sozinhos, Rick me tomou em seus braços e me beijou. Beijo profundo,
gostoso, com gosto de café e hortelã. Era uma mania sua chupar bala logo após tomar café. A
mistura de sabores era incrivelmente sexy e com a cara dele. Seus dedos embrenharam entre os
fios do meu cabelo e com a mão livre ele colou ainda mais nossos corpos, ao enlaçar minha
cintura.
— Tá difícil acreditar que você está aqui comigo. — Ele levou as duas mãos para o meu
rosto e segurou pelas laterais. Nossas testas coladas.
Amava tanto aquele homem.
— Estou tão feliz, Rick. Não tive dúvidas que era aqui que queria estar.
— No Brasil?
— Onde você estivesse.
Ele então me beijou novamente, até que eu sentisse os lábios dormentes e inchados. Mas não
queria parar. Eu queria mais dele, aplacar a imensa falta que senti. Ele pediu que eu o esperasse e
me sentei no sofá. Finalmente, consegui carregar a bateria do meu telefone e vi que ele juntava
suas coisas. Pegou documentos e alguns itens que estavam sobre a mesa e guardou em uma
valise. Fez ligações e, antes de sairmos, pediu que a secretária fosse até a sala.
Gostei da Glória, foi educada e querida comigo. Pouco tempo depois que Rick saiu para a
reunião, ela foi até a sala para falar comigo. Eu não entendi nada e somente então ela se deu
conta que eu não era brasileira.
Ela me levou a uma lanchonete que ficava dentro do prédio, eles também serviam refeições,
mas optei pelo sanduíche natural. Na volta, Glória me mostrou um pouco de alguns ambientes e
quando chegamos ao andar da presidência, eu disse que ficaria na sala do Rick. Não ia mais
atrapalhar o trabalho dela.
Os dois conversaram o tempo todo em português e o que me restou foi mexer no telefone.
Quando finalizaram, Rick me chamou para irmos embora.
Eu me sentia especial e ao mesmo tempo constrangida por caminhar de mãos dadas com ele
dentro da sua empresa — um local que sei que ele amava —, pois tive a sensação que todos que
passavam por nós me olhavam curiosos. O elevador parou em uma garagem subterrânea e Rick
desarmou o alarme de um luxuoso carro SUV. Ele abriu a porta para mim e depois de já estar
acomodada, o percebi parado ao lado da sua porta. O que ocorria com ele? Esperei paciente. Se
fosse algo comigo, ele certamente falaria. Uns poucos minutos depois ele abriu a porta e tomou
seu lugar.
— Tem algo que preciso falar com você. — Ele fez uma pausa e assenti para que
continuasse. — Ainda moro na antiga cobertura. Ontem eu acertei a venda com a Laura e pedi
que providenciasse um lugar para eu ficar até comprar outro apartamento. Mas, foi tudo ontem.
Acho que ela nem teve tempo de olhar um flat. Podemos ir para um hotel e peço para ela agilizar
com a Glorinha. De toda forma, tenho que ir até lá para pegar algumas peças de roupas e coisas
pessoais.
Eu queria abraçar Ricardo. E foi o que fiz. Abracei-o, beijei seus lábios e depois tentei me
explicar. O que me importava naquele momento era Ricardo querer uma vida nova ao meu lado.
— Hey, calma. Fico feliz pelo passo que está dando, sei que é importante para você, para
nós dois. Mas não precisa dessa correria toda. Podemos ir para a cobertura e se você não se
importar, ajudo Laura na busca de um lugar para ficarmos provisoriamente. O que me importa é
você estar cem por cento comigo, que seu coração seja meu. O resto a gente ajeita.
Passamos uns instantes nos olhando, seríamos parceiros e cúmplices. Era o que sempre
esperei de um relacionamento e tinha encontrado.
— Minha linda, só minha. Eu te amo. Estou muito feliz por você estar aqui comigo. E vou
fazer de tudo para que se sinta à vontade ao meu lado. Nunca tenha dúvidas, meu coração é todo
seu. — Rick correu os dedos pelo meu rosto e eu avancei em sua boca, pois era difícil estar tão
perto e não beijá-lo.
— Eu te amo, Rick!
***
Nossa primeira noite na cobertura foi um misto de alegria — por estarmos juntos — e
acanhamento. Tentamos, meu discurso no carro foi bem maduro, mas estava claro que nenhum
de nós nos sentimos à vontade.
À noite, saímos para jantar perto de casa, nos curtimos. No café da manhã do dia seguinte,
conheci Fátima, a funcionária que trabalhava com o Rick em sua casa. Conversamos, e juntos,
tomamos a decisão de nós mesmos procurarmos outro lugar para ficarmos, sem precisar que
Laura tivesse mais esse trabalho.
***
— Esse foi o que mais gostei, amor. — Já passava das três da tarde e havíamos visitado
alguns flats na região em que ele morava. O que me agradou era duplex e tinha uma vista
incrível através de uma parede envidraçada. O térreo era composto por cozinha conjugada com
sala, ambientes com tamanhos confortáveis, lavabo e um cômodo onde ele poderia montar um
escritório provisório. No andar superior, estava a suíte.
— Então é esse que vamos fechar. — Ele me abraçou, e com os braços ao redor da minha
cintura, deixou beijos em meu pescoço. O corretor que nos acompanhava fingiu não nos enxergar
e senti minhas bochechas queimarem. — Vida nova, meu amor! Está preparada?
— Estou ansiosa, com frio na barriga, mas quero ser muito feliz ao seu lado!
— Já somos, Chloe.
Mal chegamos à cobertura e corremos para fazer as malas dele. As minhas ainda nem
haviam sido desfeitas. Fátima nos ajudou e à noite já tínhamos tudo pronto para a mudança, que
realizamos no dia seguinte pela manhã. Vida nova.
Era isso, vida nova.
***
Já acomodados no flat que escolhemos, ele foi para o banho e eu deitei na poltrona, que
ficava de frente para a parede envidraçada. Um filme passava em minha cabeça. Pouquíssimo
tempo antes eu estava em minha casa em Paris, lamentava a nossa distância e não enxergava uma
solução para estarmos pertinho um do outro. Não gostaria que minha saída de Paris tivesse sido
após romper com a minha família. Porém, foi assim que as coisas aconteceram.
Suspirei, porque ainda teria que contar toda a história para Rick. No dia anterior ele me
poupou, percebeu que eu estava chateada e combinamos de conversar depois. E o depois havia
chegado.
— O que tanto essa cabecinha está pensando? — Ele beijou minha testa e fez um carinho em
meus cabelos. Em meio aos meus pensamentos, não o vi chegar. Usava uma samba-canção e
ergui a sobrancelha em sua direção. Como era lindo. E tão homem.
— Quero te contar tudo, Rick. Eu rompi com a minha família.
Capítulo 27
Ricardo
Bastou que ela anunciasse em voz alta ter rompido com a família, para que os olhos fossem
inundados por lágrimas. Os lábios formaram um biquinho em sua força para segurar o choro. Eu
já havia sentado no sofá e ela saiu da poltrona para ficar ao meu lado. Puxei-a para o meu colo,
Chloe escondeu o rosto em meu peito. Depois de alguns minutos se acalmando, Chloe contou
sobre o encontro com Maurice na casa de Blanche e a forma como se desentendeu com sua
família.
Nada novo tratando-se de Blanche e Maurice, mas se eu pudesse, não teria permitido que
eles a atingissem.
Apertei-a forte contra o meu corpo e ficamos um tempo em silêncio. Chloe esperou por
muitas horas para desabafar o que a afligia.
— Eu nunca quis o lugar da minha irmã, Rick. Eu quis sim a atenção dela, que fôssemos
amigas, mas nunca o lugar dela. A minha relação com papai nunca teve nada a ver com os meus
irmãos. Eu basicamente só tinha a ele. E Laurent fazia o que dava para cuidar de mim.
— Eu sei, minha linda. Não pense nas acusações de Blanche. Ela falou essas coisas na hora
da raiva.
— Mas não é a primeira vez que ela me acusa de ter desejado a vida da Charlotte.
— Então eu só posso lamentar por ela pensar assim. O tempo passa rápido, Chloe. Se
Blanche quer gastá-lo pensando o pior de você, vai ser mais uma a ter o tempo perdido.
Tínhamos tanto para arrumar no flat. Eu via que Chloe gostaria de deixar tudo com a sua
cara, até me pediu para levá-la a algum lugar onde vendesse flores, mas passamos aquele dia
enrolados no sofá.
Foram horas nos beijando, tocando, olhando nos olhos e dizendo para o outro o quanto
havíamos nos apaixonado e que era real o nosso sentimento. E era o que importava.
— Eu te amo absurdamente, coisa linda! — Chloe estava com a cabeça deitada em meu
peito, nossas pernas entrelaçadas e a mão acarinhando meu rosto. Suspirei e beijei seus cabelos.
— Mas é sua família, quando quiser ir conversar com eles, dar um passo para se entender com
eles, saiba que não estará sozinha. Eu sempre estarei ao seu lado.
— Não está chateado por eu ter vindo para cá após me desentender com eles? Porque, se
nada tivesse acontecido, talvez eu ainda estivesse em Paris.
— Talvez não, Linda. Você, com toda certeza, ainda estaria lá. — Beijei a ponta do seu
nariz e ela sorriu. — E para mim está tudo bem. Eu nunca iria te pressionar para sair do seu país.
Nunca! Então estou feliz por você estar aqui comigo, por ter nos dado uma chance e por ter sido
muito corajosa de tomar a decisão de tentar fazer dar certo aqui no Brasil.
— Será que eu te mereço?
— Você merece muito mais e eu vou tentar te corresponder.
***
No fim do dia, minha mãe ligou, reclamou que eu havia esquecido ela e meu pai. Depois de
todos os seus dramas, decidi dar o último passo para que minha vida estivesse nos trilhos em
definitivo. Minha relação com Chloe não seria mais segredo para ninguém.
— Me recebe para jantar hoje? — perguntei e segurei o riso para a pausa dela. Eu não tinha
o costume de me oferecer para ir encontrá-los. Amava os meus pais e a família que me deram,
mas tínhamos as nossas diferenças. Eu os achava distantes. Meu pai passou a vida dedicando
toda sua energia ao trabalho, e mamãe à vida na alta sociedade curitibana. Eu colhi os frutos de
ambos, mas preferia que tivessem sido presentes. Minha vida foi boa. Nas férias, conhecia outros
países, usufruí de tudo o que o dinheiro podia comprar e fui bem cuidado pelo time de
funcionários que eles pagavam. E era isso, uma vida cara e a meu ver um tanto distante
afetivamente. Em algum momento essa distância me fez rebelar.
— Está falando sério, Ricardo? O que aconteceu?
— Nada. Apenas quero encontrar meus pais.
— Filho, sabemos que não é bem assim que as coisas funcionam com você. — Até fechei os
olhos, para me acalmar e não responder da forma como gostaria.
— Vou levar uma pessoa. Uma pessoa especial. — Um silêncio foi instaurado. Eu ia mesmo
apresentar Chloe aos meus pais. Na verdade, não era bem apresentar Chloe, mas sim minha
namorada, a mulher que escolhi. — E preciso que vocês dois entendam que estou feliz e
seguindo em frente.
— Você está estranho.
— Eu estou feliz, mamãe. Foque nisso. E avise o papai.
— Estamos te esperando, filho. Esperando vocês.
***
Chloe estava desconfortável. Ficou em silêncio durante todo o trajeto até o condomínio onde
meus pais moravam, em uma região residencial de Curitiba, próximo dos pais da Marina e do
Antônio.
Não era difícil encontrar todos juntos, mas hoje seríamos nós dois e minha família. Antes de
mostrar oficialmente Chloe aos meus amigos, precisava dar esse passo com meus pais. Eles iam
sobreviver, não era o fim do mundo.
Ao abrir a porta, mamãe nos encarou petrificada. Coube ao meu pai quebrar o gelo até que
nos explicássemos. Contei a real, que nos reencontramos, ficamos amigos e descobrimos que
queríamos algo mais.
A nossa história cabia a nós dois. E Chloe e eu sabíamos o que sentíamos um pelo outro. Eu
queria uma vida ao lado da minha mulher. Depois de anos, me sentia completo, feliz e vivendo
novamente. Não era só carne e pele e, tampouco, apenas satisfação sexual. Não era vazio no dia
seguinte. E nunca mais foi uma sombra do passado e do que vivi com minha ex-esposa.
O que eu tinha com Chloe era único e pertencia a nós dois.
— Eu quero que você seja feliz, Rick. E se com a Chloe você está feliz, terá todo o nosso
apoio. — Minha namorada havia saído da sala para ir ao banheiro e mamãe aproveitou o
momento a sós para falar comigo.
— Nós dois estamos felizes, mamãe.
— E Blanche? Aceitou bem?
— Blanche fez duras acusações à Chloe.
— Mas é a Blanche. Vão morar aqui em Curitiba?
— Vamos viver um dia de cada vez. Hoje ela está aqui, acabamos de alugar um flat, mas
quero tudo ao lado dela, construir uma família, mamãe.
— Você merece, meu filho. Eu te amo muito, Rick. — Ela esticou o braço em minha
direção, alcançando minha mão. Estávamos sentados em duas poltronas, entre elas uma mesa
esculpida em pedra maciça. Trocamos um longo olhar.
— Eu também, mamãe.
***
O segundo amanhecer no pequeno espaço que já chamávamos de casa foi especial. Acordei
e ao olhar para o lado, lá estava a mulher mais linda do mundo inteiro. E toda minha. A pele
branquinha e o lençol claro destacavam seus cabelos escuros. Fios curtos e esparramados pelo
travesseiro, a franjinha um pouco desarrumada. O corpo pequeno estava encolhido, o lençol
abaixo dos seus braços. Absolutamente linda e sensual. Não precisava de nenhuma produção
para me fazer sentir vivo e atraído. Aproximei-me do seu rosto, ouvi sua respiração e aspirei seu
cheiro bom.
Peguei o controle de automação sobre a mesinha e acionei a cortina, abrindo-a o suficiente
para que um pouco de luz entrasse no quarto e eu pudesse ver Curitiba pela parede envidraçada.
Sem que planejasse, eu sempre estava diante da cidade que escolhia. Fosse no apartamento de
Paris, em meu escritório, na antiga cobertura e agora no flat onde recomeçava minha vida.
Suspirei e saí da cama. Chloe seguia apagada. Adormeceu em meus braços, eu tentando tirar
toda sua insegurança e o receio pelo novo que íamos viver juntos.
Passei o café, encomendei algumas coisas que ela gostava de comer em uma padaria
próxima, a mesma onde eu costumava pedir o meu café, separei morangos e uvas — Fátima
havia abastecido a geladeira a meu pedido — e montei uma bandeja para levar o café da manhã
até Chloe.
Subi as escadas devagar, o coração batendo forte, a cabeça à mil e na mente uma
determinação sem igual para recomeçar. Eu dei um passo grande para mudar minha trajetória.
Não viveria mais à sombra de qualquer lembrança. Para sempre eu seria grato à mulher incrível
que estava sobre a minha cama, pois foi por ela que eu quis uma vida nova. Por ela, eu dei um
ponto final ao meu passado.
Estava ansioso para o sorriso dela. O sorriso da minha mulher.
Cheguei ao nosso quarto e Chloe despertava. Os olhinhos entreabertos arregalaram quando
me viu entrar com a bandeja nas mãos. Ela ergueu o corpo, sonolenta e linda. Passou os dedos
pelos cabelos na tentativa de ajeitá-los e arrumou a camisola preta que usava, tentando tirar o
amassado.
Incrivelmente e naturalmente sensual.
Aproximei e ergui a sobrancelha para ela. Queria tudo de Chloe.
— Café na cama, Ricardo Lima e Assumpção?
— Estou na expectativa da recompensa, Chloe de Corse.
Pisquei e acomodei a bandeja sobre a cama, ela logo atacou os morangos, mas antes que
pudesse levar o primeiro à boca, a sequência de mensagens que chegou no aplicativo do seu
telefone chamou a nossa atenção.
— Pega para mim, amor? — Estendi o braço, apanhei o aparelho em cima da mesa de
cabeceira e lhe entreguei. Ela pareceu ler algo na tela e me olhou com os olhos arregalados. — É
a Beatrice. Oh, não, Betina está com febre e não para de me chamar! Bea acha que estou em
Paris, quer saber se posso ir até o orfanato.
Chloe me encarou tristonha, havia criado um vínculo especial com Betina. Ela talvez não se
desse conta, mas uma já fazia parte da vida da outra.
— Peça que ela avise à Betina que você precisou viajar, para a pequena não ficar angustiada
na espera.
— Vou fazer isso.
Chloe não voltou ao normal, mesmo horas depois de Beatrice informar que a pequena já
estava bem e que não precisou ir ao hospital. Várias coisas passavam em minha cabeça e uma
delas se mostrava inevitável. Eu não queria assustar Chloe, mas em algum momento teríamos
que conversar a respeito.
Capítulo 28
Chloe
Ricardo informou que precisava ir à empresa, me convidou para acompanhá-lo, mas preferi
ficar no flat e terminar de organizar as nossas coisas. Além disso, também aproveitei o tempo
livre e liguei para Bea. Estava ansiosa para saber melhor o que havia acontecido com Betina.
— Fica tranquila, minha querida. Não acharam o motivo da febre. Após os exames e das
conversas que teve com ela, a médica supôs ser emocional. Estamos monitorando. Qualquer
alteração, vamos levá-la ao hospital.
— Ela está dormindo? — perguntei um tanto insegura. Eu sabia que não era sábio o que ia
pedir, mas não estava raciocinando bem.
— Acordou agora a pouco. — O tom de voz da minha amiga até mudou, ela respondeu
séria.
— Posso falar com ela? — Eu queria ouvir a vozinha da minha pequena falante, matar a
saudade e ter certeza que ela estava bem, mas Bea fez uma pausa e suspirou antes de me
responder. Já podia adivinhar o que viria.
— Chloe, tem algo que preciso conversar com você. E peço que me entenda. As crianças te
amam, gostam da sua presença aqui no orfanato, ficam eufóricas quando te veem, mas então
você vai embora e a vida delas segue o curso normal. Menos com a Betina. Eu nunca a vi tão
ligada a alguém como aconteceu com você. Ela desenvolveu um amor de filha com você, Chloe.
Ela sente sua falta, faz planos para quando te encontrar e, na cabecinha dela, você e Ricardo vão
tirá-la daqui. Em meio à febre, ela chamava seu nome. Dizia estar com saudades. Então, para o
bem dela, pois o bem-estar das crianças sempre virá em primeiro lugar, eu não vou permitir que
você fale com ela. — Cada palavra dita doeu dentro de mim. E eu não podia me revoltar, pois
Bea estava certa. Eu era apenas uma pessoa que apadrinhava o orfanato. Nada além disso. E não
podia corresponder às expectativas da Betina. Não podia, certo?
— Entendo. — Minha voz embargada denunciou que os meus olhos estavam a ponto de não
mais segurar as lágrimas.
— Oh, minha amiga! Também estou pensando em você, Chloe. Vocês criaram um vínculo
muito forte e talvez seja a hora de cortá-lo. Infelizmente, você e Betina não são mãe e filha. E é
assim que ela te enxerga. — Beatrice tinha razão. E talvez, lá no fundo, era assim também que eu
a via.
— Tudo bem. Preciso desligar, Bea. Quando retornar a Paris, te aviso para nos
encontrarmos.
— Eu vou adorar, garota.
Encolhi-me sobre a cama e chorei baixinho, de saudades da pequena e por lembrar de
quando eu também me senti sozinha no mundo. Mas eu tive Laurent para pegar em minha mão e
dizer que eu tinha a ele. Mesmo do seu jeito torto e com todas as consequências que vieram em
seguida, Laurent nunca me deixou.
E era inevitável pensar em Betina e não lembrar da pequena criança órfã que um dia eu fui.
O dia passou lento e perto do horário que Rick disse que ia me buscar para irmos jantar fora,
fui me arrumar, me sentindo desanimada. Jantamos em um restaurante japonês animado,
parecido com um que eu gostava de frequentar em Paris, e depois andamos um pouco de carro
pela cidade. Eu via sua ansiedade para me mostrar tudo o que achava importante na cidade onde
nasceu e cresceu.
Mais uma vez acordei em seus braços, sentindo seu cheiro e vendo o homem lindo por quem
eu havia me apaixonado. E queria uma vida ao lado. Mas eu também queria minha vida
resolvida. Em Paris eu havia deixado projetos sociais que gostaria de desenvolver. Beatrice
mencionou que o secretário do prefeito entrou em contato. Estava com raiva, perguntou por mim
e disse que não foi certo termos nos envolvido na relação deles com os empresários.
***
Eu estava há poucos dias no Brasil e ainda não sabia qual rumo dar para minha vida. E ela
não podia se resumir a um relacionamento amoroso.
Em algum momento teria que voltar a Paris e acertar as minhas coisas por lá. Além disso,
havia meu apartamento, muitos pertences pessoais, conta bancária e até mesmo o diploma que
precisava pegar na universidade.
Suspirei e desci para o andar de baixo. Rick novamente estava na empresa e eu cuidei de
fazer algo para almoçar. O telefone soou alto enquanto eu finalizava uma salada no prato. Corri
para atender e senti o coração bater forte. Era essa a sensação que um dia eu sonhei sentir. O
coração disparar na expectativa de falar ou encontrar o homem que escolhi estar junto.
Atendi, tentando conter a euforia. Ele disse que tínhamos um compromisso. Marina nos
convidou para um jantar em sua casa. Ela e o marido haviam retomado o casamento e queriam
comemorar com a família e amigos. Rick me contou a história deles. Depois de dois anos
separados, se reencontraram, quando Marina sofreu um acidente de carro e ele era o contato de
emergência no telefone dela. Desde então eles voltaram a se falar, foi inevitável não reviverem o
amor que não deixaram de sentir um pelo outro. E coroando o reencontro que tiveram, estavam
grávidos.
— Não está um pouco tarde para o almoço, linda? — Verifiquei as horas e já estávamos no
meio da tarde.
— Ainda me adaptando ao fuso. — Ele soltou uma risada gostosa, essa era a minha frase
padrão para todas as tentativas de adaptação. — O jantar na Marina será muito formal?
— Não, será apenas uma reunião para família e alguns amigos.
— Você vem em casa antes? — Um pouco que fiquei sozinha e já sentia a falta dele, mas
não podia e nem iria atrapalhar Rick em sua rotina.
— Acho que não entendi, linda — falou sério. Ah, eu já imaginava a cara de safado que só
ele sabia fazer e continuar lindo.
— Entendeu sim. Mas não custa repetir. — Fiz uma pausa e nós dois rimos. — Você vem
em casa, na nossa casa?
— Vou embora agora, não devia, pois o meu braço direito decidiu passar o dia com o
marido, mas estou louco de saudades da minha mulher.
— Acredita que também estou com saudades?
***
À noite, escolhi um vestido preto, modelo curto e rodado da Chanel, bem cortado e elegante,
sandália de salto fino e uma bolsa pequena com pedrinhas incrustadas. A produção, como um
todo, ficou discreta, mas achei que seria pertinente para o evento. Fiz uma maquiagem leve,
deixei as bochechas rosadas e iluminei os olhos.
— Gosto dele assim. — Rick me abraçou, encaixou o queixo em meu pescoço, após
distribuir vários beijos, e apontou para o meu cabelo. Tão alto e forte, que eu sumia perto dele.
— Lisinho? — O olhei pelo espelho do banheiro, seus braços ainda em volta da minha
cintura.
— Sim, combina com você, com o seu rosto. — Rick beijou-me mais uma vez e também
ficou me olhando através do reflexo.
— Uma vida achando ele sem graça, liso demais — respondi, tímida.
— Uma vida não se enxergando direito, minha linda. — Ele demonstrava estar estava
ansioso para chegar à casa dos amigos, me apressou para ficar pronta e estávamos com tempo
sobrando. Mas agora me apertava em seus braços e deixava beijos molhados e pequenas
mordidas em minha nuca.
— Não estamos atrasados?
— Quero a minha mulher... Que se dane o horário!
Em um único movimento, Ricardo me pegou no colo e me assentou sobre a bancada do
banheiro, suas mãos ágeis abriram o meu vestido o fizeram descer pelo meu corpo.
Eu reagia rápido demais a qualquer estímulo dele, se tivesse com a cabeça no lugar, tentaria
impedi-lo, já estava arrumada e com a maquiagem feira, mas bastou sentir suas mãos em mim e
sua ereção potente, para desejar que me invadisse logo.
Nunca fiz tanto sexo na vida quanto nos últimos dias, não imaginava ser capaz de sentir
tantas sensações prazerosas, o que só descobri ao lado dele.
Sua boca alcançou a minha, em um beijo cálido, uma mão ele me segurava pela nuca, a
outra ele desceu até a minha intimidade. Rick afastou a pequena calcinha de renda e gemeu em
meus lábios ao sentir a minha lubrificação. Eu já estava completamente molhada.
— Será rápido, linda, mas quando voltarmos, terei a noite inteira para te comer e te fazer
gozar!
Suas palavras eram como gatilhos, que me deixavam ainda mais excitada. Agarrei-me em
seu pescoço, deixando os nossos corpos colados, enquanto esfregava o meu clitóris e me
penetrava com dois dedos.
Os meus fluídos faziam com que deslizassem fácil dentro de mim, Rick mordeu meu ombro
no mesmo instante em que apertou o meu ponto de prazer sensível, me fazendo gozar. Meus
gemidos ecoavam pelo banheiro, sem me dar qualquer chance de recuperar ele logo vestiu uma
camisinha e me invadiu.
Rick me puxou para a beira da bancada e sentir seu membro me preencher por inteira. Cada
estocada me levava do céu ao inferno, estava quente, excitada, querendo mais, me sentindo a
mulher mais desejada e amada do universo. Era esse o poder que ele tinha sobre mim e o meu
corpo.
Seu gozo não demorou, em um urro ele se derramou dentro de mim, mesmo com a proteção
conseguir sentir o jato quente, e, ofegante, deixou que as nossas testas se encostassem.
— Eu te amo, Chloe!
— Não mais do que eu!
Saímos de casa em silêncio, confesso que estava ansiosa para saber como seria recebida. Só
tinha encontrado Marina, ele não contou se os demais sabiam de nós dois, então tudo poderia
acontecer naquela noite.
O prédio deles ficava no bairro vizinho ao flat onde estávamos hospedados, chegamos com
menos de dez minutos. Ele estacionou o carro e antes descer ficou um tempo em silêncio, de
mãos dadas comigo.
— Desde que fiquei viúvo, não apresentei ninguém a eles. Será uma grande novidade chegar
acompanhado. — Ele me olhou nos olhos, a voz que era sempre tempestade, estava calma.
— E chegar comigo — completei e ele riu.
— Também. Mas eles são meus amigos. Laura e Marina estão em minha vida desde sempre,
são como irmãs para mim. Então, elas vão apoiar minha decisão. Laura ainda não sabe que é
você minha namorada, amor. — Ele me deu um sorriso cúmplice e eu retribuí.
— E levar um sustinho. — Eu precisava descontrair, por mim e por ele.
— Sobre isso, Laura é bem mais expressiva que Marina, talvez ela demonstre um susto
grande. — Nós dois rimos, pois a reação da Marina foi hilária, embora ela tenha disfarçado bem.
— Eu sei que você veio com as próprias pernas para o Brasil, mas para mim foi eu quem te
trouxe, pois eu chamei e insisti que viesse. Eu sei que se não fosse por isso, agora você estaria
em Paris, mesmo estando brigada com a sua família. Quero que se sinta à vontade entre os meus
amigos, você ainda vai conhecer outros também.
— Eu também quero me dar bem com eles, amor. Quero que gostem de mim.
— Eles vão gostar. É impossível não se apaixonar por Chloe de Corse. — Ele segurou
minha nuca e guiou minha boca para a sua, me beijando forte. Era bom sempre estar com os
cabelos lisos e com pouca maquiagem, ou ficaria completamente desarrumada a cada pegada do
Rick.
— Lindo! — Foi a única palavra que consegui pronunciar após ele finalizar o beijo. Ele riu e
era boa a sensação de conseguir fazer Rick sorrir.
— Te amo! Muito! Vamos? — Assenti e ele saiu do carro, dando a volta e abrindo a minha
porta na sequência. — Com um pouco de sorte seremos os primeiros a chegar e será mais
confortável receber os cumprimentos do que passar de convidado em convidado.
Capítulo 29
Ricardo
— Acredita, Rick, que por um instante tive a impressão que você e Chloe formavam um
casal? — Laura falou baixinho, no instante que Marina puxou minha namorada para mostrar algo
a ela. Era engraçado, logo a Marina, uma das pessoas mais tímidas que conheço, tentando
enturmar minha mulher. Mais do que enturmar, fazendo parte do meu recomeço.
— Pois sua impressão está certíssima. — Ergui uma sobrancelha e levei a taça de vinho à
boca, tomando um gole da bebida e saboreando a reação da minha amiga.
— Você não pode tá falando sério! — Laura não se rendia e me encarava, demonstrando
toda a sua incredulidade. E eu retribuí sustentando seu olhar. — Você está falando sério! Ela é a
mulher que fez você querer vender os imóveis?
— Ela é a mulher que me faz feliz.
— Ah, meu amigo, estou feliz por você! — Laura deixou sua taça sobre um aparador
próximo e me abraçou. Suspiramos juntos. Muitos momentos foram compartilhados entre nós,
entre eles a dor de perder minha esposa e os anos seguintes, cheios de angústia e vazio. Tempos
sombrios que ficaram para trás.
— Menos dedos encostando na minha mulher, Ricardo. — André se aproximou, sorriso no
rosto e seu jeito jocoso de sempre.
— Quer um abraço também, André?
— Rick está namorado a Chloe, amor — Laura interrompeu nossa implicância, passando o
braço pela cintura do marido.
— Sim, ele nos apresentou ela.
— Todo mundo entendeu que eram um casal? — André e eu nos entreolhamos, segurando o
riso, e ela balançou a cabeça em negação. — Que você seja muito feliz, meu amigo. Muito
mesmo!
Chloe nos observava, disfarçando a timidez, e eu fiz sinal para que se aproximasse.
— Já fiquei com saudade — sussurrei em seu ouvido, apenas para ver sua bochecha corar.
Coloquei-a em minha frente e enlacei sua cintura fina. — A Chloe vai olhar com você as opções
de imóveis. Fechamos um flat, mas como eu havia lhe dito, é provisório, até conseguir um
imóvel — disse para Laura.
— Podemos iniciar na segunda-feira! Alguma preferência? — O tom de satisfação da minha
amiga era a prova de que eu estava rodeado pelas pessoas certas. Não exporia Chloe a um lugar
onde ela não fosse muito bem recebida, ou com julgamentos. Ninguém tinha nada a ver com a
nossa vida.
— Ainda não pensamos em nada específico, né amor? — Linda, com a vozinha que me
enlouquecia, a apertei mais contra o meu corpo e beijei seus cabelos. Podia apostar que estava
tímida, mas também não deixaria de abraçar e beijar minha mulher em público.
— Vamos conversar melhor a respeito, mas gostaria que fosse na mesma região.
Curtimos a noite entre os meus amigos. Não demorou muito para que Chloe estivesse à
vontade entre eles. Ainda bem que a maioria dos presentes falava bem o inglês e fizeram a
gentileza de conversar na língua, não deixando que ela se sentisse excluída. Eu também sempre
estava ao seu lado e, quando necessário, fazia uma tradução ou outra para o francês, como o
discurso dos noivos. O resumo é que a noite foi incrível e todos ficaram encantados com a minha
garota linda.
— É impressão minha ou Antônio tem uma implicância com você, amor? — Chloe
perguntou quando voltávamos para casa.
— Ele tem. Coisa boba, nunca superou que Marina e eu tivemos um lance antes deles se
conhecerem. — Claro que em algum momento eu contaria do envolvimento que tive com
Marina, embora na maior parte do tempo eu até esquecesse que um dia fomos namorados. E
apostava que ela também.
— Vocês namoraram? — Chloe arregalou os olhos ao perguntar.
— Sim, foi algo rápido e faz muitos anos. Éramos adolescentes, não levamos a sério, tanto
que terminamos e continuamos fazendo as mesmas coisas que fazíamos como amigos, mas
Antônio nunca superou — expliquei e ela ouviu atenta a cada detalhe. Mulheres.
— Entendi.
— Ainda bem que a minha namorada não é ciumenta. — Paramos em um semáforo. Segurei
sua nuca, aproximei nossos rostos e beijei sua boca.
— É, não sou. — Ela tentou disfarçar, mas o biquinho estava lá, formado em seus lábios.
— Coisa linda. — Eu ri e a beijei novamente.
Chloe
De mãos dadas, Rick e eu entramos em uma elegante loja de carros. O lugar era espelhado,
piso preto e brilhante, com recepcionistas que pareciam modelos. Sobre tablados, também
espelhados, carros importados estavam expostos.
Do teto, com um imenso pé direito, pendiam modernos lustres. E uma música eletrônica
tocava em som ambiente. A atmosfera era mesmo impressionante.
— Gostou? — A loja era imponente, mas não mais que o meu namorado. Rick parecia se
sentir em casa, vestindo um terno cinza impecável e óculos escuros, ele chamava a atenção e eu
podia ver nos olhos das funcionárias o esforço que faziam para não serem indiscretas. Mas já
haviam sido.
— Incrível! — Ele era meu. E eu era a única que podia agarrá-lo. Não tinha o costume de
expor nossas intimidades em público, mas não hesitei em enlaçar o seu pescoço e deixar um
beijo em sua boca. Rick ergueu a sobrancelha, com um sorrisinho no rosto. — Calado! — Ele
beijou novamente meus lábios e minha mão.
— Pode avisar ao Murilo que Ricardo Lima e Assumpção está aqui? — Rick pediu a uma
funcionária que nos recepcionou. Em cima de um elegante par de saltos altos, ela nos direcionou
a um lounge com sofá, aparador com café e, ao lado, um carrinho com bebidas.
— Fiquem à vontade, o doutor Murilo não demora!
— Vai mesmo querer um modelo SUV? — Sempre preferi carros compactos, mas gostei
tanto do modelo que Rick usava. Achava incrível um ser tão pequeno como eu, dentro daquele
carro enorme.
— Sim, me senti um gnominho motorizado! — A gargalhada dele ecoou pela loja e eu ri
junto. Já mencionei o quanto amava ele sorrindo, ainda mais quando eu era a responsável pela
sua alegria?
— Você existe mesmo? — Nós dois sentamos no sofá. Ele pegou novamente minha mão e a
beijou, um gesto que Rick parecia não cansar de repetir.
— Amor, experiências que quem passa de um metro e oitenta nunca terá.
Nossa interação foi quebrada pela chegada de um homem loiro e alto. Ele caminhou em
nossa direção com um sorriso no rosto.
— Fala, irmão, bom te ver! — cumprimentou meu namorado e Rick fez as apresentações.
— Essa é Chloe, minha namorada. E esse é Murilo, um amigo e dono da loja. — Já não
ficava tão acanhada quando me abraçavam ou cumprimentavam com um beijinho. — Viemos
olhar um carro para ela.
— Menos mal, irmão. Carro eu posso providenciar fácil. Na última vez, ele ligou pedindo
um jato. — Era mesmo a cara do Rick fazer um pedido desse. — Mas então, você já tem alguma
preferência?
O dono da loja não questionou o fato do Rick ter iniciado a nossa conversa em inglês e
apenas seguiu o meu namorado na comunicação.
— Um SUV... Gosto muito do modelo do Ricardo. — Rick me incentivou a responder e eu
deixei a timidez de lado. Comprar um carro podia até parecer algo bobo, mas era um passo para
firmar minha vida ao lado dele no Brasil.
— O carro dele é mesmo bem completo. Tenho uma sugestão, venham comigo. — A
satisfação no olhar do Rick não tinha preço. Estávamos os dois radiantes e com muitas
expectativas para o novo que nos esperava.
Não havia dúvida que o carro apresentado por Murilo era exatamente o que eu queria. Um
SUV da Audi, branco, com bancos de couro na cor pérola e rodas enormes e prateadas.
— Agora só precisamos contratar um motorista — Rick disse, enquanto um funcionário da
loja realizava alguns trâmites administrativos para formalizar a compra. Mas eu tinha a resposta.
— Amor, eu quero dirigir meu próprio carro. — Ele fechou a cara, não rendendo o assunto.
Ia insistir e usar uma série de argumentos que eu já conhecia. Entendia seu receio que eu andasse
sozinha pelas ruas de uma cidade que não conhecia bem. Na verdade, eu não sabia chegar a lugar
nenhum de Curitiba. Mas ainda bem que uma alma boa e inteligente criou o GPS. E sobre
segurança, bem, apenas uma minoria, muito minoria, tinha o privilégio de andar com segurança
ou motorista. Minha sogra estava dentro dessa exceção. Eu, por anos, andei com um a tiracolo, e
detestei a experiência. Não era negociável, eu não teria um motorista.
— Não vai adiantar insistir, estou vendo. Vamos apenas blindar, então.
Precisamos de alguns dias para resolver as burocracias do carro e logo ele estava comigo. Eu
me sentia realizada. Algo meu, que escolhi e adquiri, na cidade que também escolhi que me daria
uma chance. A mim e ao amor da minha vida.
A cada passo que eu dava em diante, lembrava que precisava retornar a Paris. Eu deixei uma
vida para trás e alguns ciclos tinham que ser fechados. Rick insistiu para me acompanhar até lá,
mas eu sabia o quanto que vários dias fora atrapalhavam sua rotina na empresa. Ainda mais com
a saída da Marina, que decidiu voltar para a agência que fundou ao lado do marido.
Inclusive, Marina estava sendo mais do que importante na minha adaptação em Curitiba, eu
já a via como uma amiga. Ela telefonava sempre, me convidava para almoços ou uma simples
volta no shopping, me levou ao salão de beleza que frequentava com a mãe e a sogra, me indicou
os restaurantes que mais gostava na cidade e me ofereceu um emprego na InFoco.
No início, não compreendi bem o porquê estava sendo tão querida, talvez porque poucas
pessoas em minha vida haviam se importado de verdade comigo. Mas ela demonstrou que queria
mesmo me ver com a vida bem resolvida na nova cidade.
Decidi que quando retornasse de Paris, e após regularizar as burocracias para ter um trabalho
formal no Brasil, aceitaria a vaga na InFoco. O desafio seria muito além do combo de iniciar um
trabalho novo e conviver com pessoas que não conhecia. No meu caso, eu sequer falava o idioma
do país. Na verdade, antes eu iria conversar com Antônio e Marina a respeito. Ela me adiantou
que, se eu aceitasse, lidaria direto com ele. Ambos me conheciam e sabiam da minha condição
com o idioma, se a vaga foi oferecida, era porque de alguma forma poderíamos fazer dar certo.
***
— Uma ligação, linda. — Estávamos diante do jato da Lima e Assumpção. Depois de muita
insistência dele, aceitei viajar na aeronave particular. Rick segurou meu rosto com as mãos e
beijou minha boca. Nós dois já estávamos sentindo saudades pelos dias que ficaríamos
separados. — Apenas uma ligação e estarei em Paris. Por favor, não passe por apuros sozinha.
— Está tudo bem, amor. — Com os dedos, fiz um carinho em seu rosto. Não segurei a
vontade de me pendurar em seu pescoço e agarrar meu namorado. Não importava se todos ao
redor nos olhavam. — Vou resolver tudo por lá o mais rápido possível. Em breve, estarei de
volta! — prometi, com a boca próxima a dele.
— E se tudo der certo, já estaremos na casa nova.
— Eu te amo muito e amo tudo o que estamos construindo juntos! Eu não demoro!
Capítulo 30
Chloe
Da varanda do apartamento, observei a sala onde vivi um tempo diferente em minha vida.
Aquele lugar foi um lar para mim por tão pouco tempo, mas foi o marco de quando morei
sozinha. Depois de muito pensar, decidi que não o colocaria para alugar, pois Paris era uma parte
importante em minha história e eu pretendia retornar muitas vezes à cidade. Conversei com a
Laura — que estava me ajudando bastante com as providências que precisava tomar na cidade —
e ela disse que a mesma equipe que cuidou do apartamento do Rick, poderia cuidar do meu.
No centro da sala estavam as malas com todos os meus pertences. Roupas, sapatos, joias,
fotos, alguns objetos de decoração que comprei na cidade para colocar na casa nova no Brasil e
documentos.
Suspirei e corri os dedos pelo tricô que usava. O vento frio tocou meu rosto e pele por baixo
do tecido, um clima que talvez eu não encontrasse em nenhum outro lugar. Como Rick brincava,
era o ar de Paris.
Virei de frente para a rua e por um longo tempo observei a cidade onde cresci. Em
específico, guardei cada detalhe da pracinha em frente ao prédio. Tantas lembranças. E lá
estavam duas ou três famílias brincando ou fazendo piquenique. Famílias ainda iam ali passar
tempo, assim como nas memórias da minha infância.
Cada lugar que visitei durante os meus dias em Paris foram nostálgicos. Enquanto aguardava
meu diploma, passei algumas horas sentada no jardim da universidade. Observei o vai e vem dos
estudantes, professores e demais funcionários. Alguns, velhos conhecidos meus. Outros, no
início dos sonhos. Eu me vi ali em tantos da minha trajetória no curso e lembrei das tantas vezes
que sentei sozinha naquele mesmo gramado. Ali eu deixava um pouquinho de mim.
Meu telefone celular tocou e entrei na sala para pegá-lo, o nome da Beatrice piscava na tela.
— Bea? — Depois da nossa última conversa, quando Beatrice disse que não me deixaria
falar com Betina, tivemos curtas e rápidas conversas por mensagem. Eu entendia o lado dela e
até ficava feliz por pensar no bem-estar da pequena, mas aquilo partiu meu coração. Ela e nem
ninguém poderia supor a falta que Betina me fazia. Eu sentia saudades de brincar, pentear seu
cabelo e arrumar a franjinha na testa, de contar histórias e encher seu rostinho de beijos. Sentia
falta de abraçar e do seu cheirinho infantil. Eu havia ido muito longe em meu envolvimento com
Betina, e podia imaginar a bagunça que estava na cabecinha dela.
— Oi, Chloe! Fiquei na dúvida se você ainda estava em Paris. — A voz da minha amiga
soou receosa e em meio a minha saudade e angústia por não ver e nem falar com Betina, não
soube como dissipar o clima ruim entre nós duas.
— Estou sim! Embarco amanhã cedo para o Brasil. — Novamente, a pedido do Rick, eu
voaria no jato da Lima e Assumpção, que havia retornado ao Brasil horas depois do meu
desembarque na França.
— Podemos almoçar? — Ela levantou a bandeira branca e me deu a deixa. Eu voltaria ao
Brasil sem pendências. Não tinha motivo real para não estar bem com Bea. Ela fez o certo.
— Me encontra em uma hora? — Também baixei a guarda com a minha amiga.
— Combinado, vou te mandar uma opção de restaurante por mensagem.
No horário marcado, encontrei Bea. Um restaurante que eu gostava, simples, com mesas na
calçada rodeadas por jardineiras de flores coloridas. Quando cheguei, Bea já estava lá e nos
abraçamos forte. Estava tudo bem. Nos acomodamos e pedimos algumas entradinhas.
— Acredite, doeu em mim, Chloe. — Ela pegou minha mão sobre a mesa e seu olhar era
melancólico. — Mas eu precisava fazer.
— Eu sei. Como ela está?
— Nada bem. Só se alimenta depois que os monitores chamam a atenção, quase não brinca e
pergunta por você todos os dias.
— Eu sinto tanto a falta dela.
— E eu sinto que errei, Chloe. Eu via o quanto estavam se apegando e não fiz nada para
impedir. Furei os protocolos do orfanato e agora não sei o que fazer com a Betina. Somos adultas
e podemos lidar com os nossos sentimentos, mas ela é uma criança.
— Eu fui uma tola. Não podia ter agido assim com ela. Em minha defesa, eu não conseguia
me afastar. Mas tá aí a prova que não sirvo para esse trabalho. O negócio é fazer as doações e
deixar a operação para quem consegue não se envolver com as crianças.
— Discordo de você. Acho que é perfeita na sua causa, com as ideias, a criatividade e a
busca incansável por mais pessoas que também olhem para as crianças, que as patrocinem. Você
conviveu com todas elas, brincou dentro do horário permitido, respeitou as regras, não criou
situações íntimas. Exceto com Betina. E foi tão natural, que até para mim que estava de fora, só
me dei conta quando vocês já estavam envolvidas. Outras pessoas também frequentam o orfanato
como voluntárias, e Betina não se apegou a nenhuma outra. — Nem pisquei enquanto Bea
falava, pois cada palavra me tocava profundo. Eu fugia, mas entendia o significado da sua fala.
— Eu amo aquela garotinha, Bea. Não sei explicar. Não é pena pela situação dela. É um
amor tão grande. Você está certa, tenho que me manter afastada.
— Você foi a criança que precisou sair do país natal por não ter mais os pais. Aqui teve
alguém para te adotar e mudar sua história. Chloe, você não veio para Paris à toa, eu acredito em
propósitos e todo mundo tem o seu.
— Bea! Não, Bea. Eu tenho vinte e dois anos, mal sei cuidar de mim. Acabei de sair da casa
da minha mãe e estou de mudança para o Brasil. Eu não posso adotar uma criança, Bea. Seria
uma irresponsabilidade minha.
— Ah, minha amiga, eu discordo, mas aceito! Agora me conta esse tanto de novidade!
Brasil, Chloe?
— Sim! Que frio na barriga, Bea!
A despedida foi difícil, ia sentir falta de Beatrice, ela havia se tornado uma amiga tão
especial. Porém, nada foi pior do que não poder me despedir da Betina. Eu respeitei a decisão da
Bea, afinal, ela era a responsável pela pequena, mas doeu.
Além de Betina, me sentia frustrada por não me despedir da minha mãe. A forma como nos
desentendemos e, eu ousava falar até em um rompimento, me abalou. Eu não consegui procurá-
la. Em meu íntimo, fiz muitos planos para abordá-la, mas estava indo para o Brasil sem me
acertar com minha mãe. E sem saber lidar com esse ciclo que seguia em aberto.
Ricardo
— Tenho que ir embora, foi ótimo encontrar vocês. — Fiz um último brinde e após esvaziar
a taça de vinho, a deixei sobre a mesa de centro, na casa do Antônio e Marina. Nos encontramos
para um drinque, foi uma noite agradável ao lado deles e de André e Laura.
Conversamos sobre as várias novidades que estavam acontecendo em nossas vidas, inclusive
sobre como estava indo a empresa de Marina e Antônio. Ela havia me comunicado, um tempo
atrás, que sairia da Lima e Assumpção, para reassumir a InFoco, a agência de publicidade que
fundou ao lado do marido.
Não posso dizer que fui surpreendido quando ela me deu a notícia, pois em meu íntimo,
desde que eles voltaram, eu já imaginava que isso aconteceria. Mas sim, ter a certeza que
perderia Marina na Lima e Assumpção, me baqueou. Fomos uma boa dupla na empresa e muito
do crescimento que tivemos nos dois últimos anos foi em razão de poder confiar de olhos
fechados no trabalho que ela desenvolvia.
Ri sozinho, lembrando da nossa última conversa na Lima e Assumpção. Marina já havia
dado a notícia e se preparava para ir embora, então, lhe questionei se havia alguém em sua
equipe preparado para ocupar a vaga.
— Alguém na sua equipe que queira indicar para a vaga ou devo procurar no mercado?
— Marcos merece uma chance, Rick. Mas não seja bonzinho com ele.
Ela era terrível!
— Está cedo, Rick... — Laura reclamou e estava certa. Ainda não era meia-noite, mas eu
não queria viajar virado.
— Antes de amanhecer, embarco para Paris. Preciso dormir ao menos algumas horinhas. —
Eles fingiram entender e eu fui para casa. A nossa mudança já estava na cobertura que comprei,
mas quase nada no lugar. Chloe disse que gostaria de ela mesma decorar os espaços. Escolhemos
um imóvel que não ia demandar reformas, então minha mulher que deixasse o apartamento com
a nossa cara. E eu sabia que ela ia fazer o melhor.
Não precisei de despertador, pois rolei de um lado para o outro na cama, ansioso para
reencontrá-la depois de quinze dias longe.
O voo saiu no horário previsto e conseguimos chegar a Paris sem atrasos.
Na área reservada para jatos particulares, aguardamos que um dos tripulantes fosse buscar
Chloe e a auxiliasse com a bagagem.
Eu mal conseguia lidar com a minha ansiedade. Ela surgiu linda, o rostinho apreensivo.
Ainda não sabia que eu estaria ali para encontrá-la, que não passaríamos nem mais um minuto
separados. Caminhava ao lado do funcionário e comentou algo com ele.
Quando estavam se aproximando da escada, pedi que os tripulantes nos dessem privacidade
e assim fizeram. O que carregava as malas pediu que ela entrasse na frente. Tímida, ela subiu as
escadas, olhando de soslaio para os lados.
Meu coração batia forte no peito, parecia que a qualquer momento ia explodir.
Quando chegou à metade dos degraus, nossos olhares finalmente se encontraram. Eu estava
encostado à porta de entrada. Ela parou de súbito, com os olhos arregalados. Ficamos os dois
imóveis, nos encarando.
Em minha mão descansava a caixinha azul e, ao vê-la, Chloe arregalou ainda mais os olhos.
Ainda parada no meio da escada, ela olhava da caixinha para mim.
— Não gostou da surpresa, linda?
Ao me ouvir pronunciar as palavras, vi que soltou o ar lentamente. Primeiro, balançou a
cabeça, depois um sorriso lindo brotou em seus lábios e logo estava correndo escada acima em
minha direção.
Ela agarrou meu pescoço e enlacei sua cintura com a mão livre. Colei nossos corpos e a
beijei como se fosse a última coisa que poderia fazer enquanto vivo estivesse. Não queria soltar
minha mulher, e para minha sorte, ela também queria o nosso contato. Chloe me agarrou e
pousou as mãos em meu rosto, acariciando e tocando cada detalhe.
— Senti tanta saudade! — A calmaria veio e trocamos beijos leves, macios, em meio aos
nossos olhares que tanto diziam sobre o nosso amor. — Nem acredito que está aqui.
— Eu não ia esperar mais para te ver! — Beijei sua boca e ao nos soltarmos, lembrei que
tinha algo para falar. — E também porque queria garantir que você só sairia de Paris depois de
aceitar ser minha para sempre.
— Achei que havia aceitado quando decidi morar no Brasil...
— Quero mais, meu amor. — A afastei um pouco, o suficiente para conseguir ajoelhar no
assoalho do jato.
Estiquei a mão contendo a caixinha, e até enxergar um anel dentro dela, Chloe parecia não
ter entendido o que estava acontecendo.
— Quer casar comigo? — O pedido saiu fácil, traduzindo uma das maiores certezas que
tinha na vida naquele momento. Eu queria ter Chloe em minha vida para sempre.
— Amor... Meu Deus! É claro que eu aceito! Oh, amor... — Com lágrimas nos olhos e um
sorriso radiante, ela segurou meu rosto com as mãos e beijou minha boca! Quando me soltou, eu
beijei sua mão e coloquei o anel, escolhido no dia seguinte após ela partir para Paris. Levantei e a
tomei nos braços, abraçando forte minha futura esposa.
— Eu te amo, minha linda. E nós seremos muito felizes juntos.
— Eu vou casar! Amor, nós vamos casar. Não estou acreditando!
— Sim, nós vamos casar! E agora a está tudo em suas mãos, linda! Nosso casamento vai ser
do jeito que você quiser! Eu só quero comemorar logo com a minha mulher!
Abri a garrafa de champanhe e enchi as duas taças que algum dos tripulantes deixou
próximo a entrada do jato. Brindamos e caminhamos pela cabine até um par de poltronas.
Sentamos e tomamos da bebida.
Eu não conseguia deixar de tocá-la ou beijá-la.
Capítulo 31
Chloe
Encontrei Marina no hall do prédio onde ficava a InFoco. Quando cheguei de Paris, a
procurei e tivemos uma boa conversa, da qual Antônio também participou. Eu iria trabalhar
diretamente com ele no setor de criação da agência. A língua, inicialmente, não seria um
problema tão grande. Eu disse a eles que estava empenhada em aprender o português e era uma
verdade. Assim, aceitei o convite para trabalhar na agência. Em um mês já estava dentro de uma
conta, atuando ao lado do Antônio e completamente apaixonada com a minha função. A minha
primeira missão era criar a identidade visual e comunicação gráfica de uma rede de lanchonete, a
mesma que Rick havia conseguido o direito de explorar o franqueamento.
A escolha deles pela InFoco nada teve a ver com o meu noivo. A empresa já estava em
contato com o Antônio e meu novo chefe fez a gentileza de me levar para a reunião. Fiquei em
êxtase e essa era minha nova ocupação.
O trabalho tomava conta do meu dia, e eu não podia estar mais satisfeita. Sentia que
finalmente tinha uma vida normal ao lado do Rick. De manhã, nós dois saíamos juntos para o
trabalho, cada um em seu carro, para desgosto dele. Às vezes, nos encontrávamos para almoçar,
e à noite nos curtíamos em nossa casa ou com os amigos. Uma vida totalmente real.
Naquele dia havia marcado de almoçar com Laura e Marina. Desde que Rick e eu decidimos
a data do casamento, olhar todos os detalhes era minha atividade preferida junto das meninas, as
amigas que ganhei em Curitiba.
A gente aproveitava e também organizava a cerimônia da Marina e Antônio, que seria
realizada na casa que mantinham na Serra, em uma cidade próxima a Curitiba.
Era engraçado encontrar Marina fora da agência, porque a mulher carinhosa e que me
arrancava muitas risadas não parecia em nada com a diretora executiva da InFoco, ainda que
dissesse está sendo mais leve no trabalho do que nos anos anteriores em que esteve por lá.
— Ah, a titia está tão ansiosa para te ver, meu amor. — Era automático brincar com o
bebezinho que minha amiga carregava na barriga antes de qualquer outra coisa. Eu, literalmente,
estava contando os minutos para que nascesse. — Nina, acho que ele cresceu um pouquinho —
comentei depois de encerrar a interação com a sua barriga.
— Oi, Chloe. Engraçado que de você eu sempre espero que primeiro me veja. — Ela aceitou
meu abraço e ergui a sobrancelha para o seu comentário.
— Ciúme do próprio filho, Nina?
— Tinha mesmo que ser mulher do Ricardo. Está ficando idêntica a ele. — Ela balançou a
cabeça em negação e saímos rindo do prédio. — Ele cresceu sim, inclusive engordei mais um
quilo. — Até o olhar dela mudava quando falava do filho. Ela fez um carinho na barriga.
— Continua uma mamãe linda, Nina!
— Animada?
— Muito! E você? — Trocamos um olhar e sorrimos juntas, era o nosso ano, nós duas íamos
casar, ela pela segunda vez com o mesmo homem.
— Ansiosa, confesso!
***
Escolhemos uma mesa e Laura chegou ao restaurante pouco tempo depois. Almoçamos,
conversamos brevemente e finalmente entramos no assunto do momento: os casamentos. Ainda
era difícil acreditar que estava conseguindo estruturar minha vida fora de Paris. Até tinha
amigas! Além de um noivo bem gato que fazia com que as minhas noites — e todos os
momentos que estávamos juntos — fossem incrivelmente especiais.
— Eu gosto deste estilo aqui para a cerimônia. Acho que combina com o espaço. — Laura
estendeu sobre a mesa o seu tablet e nos mostrou algumas inspirações que havia separado. Fiquei
emocionada com todos os detalhes, que eram do jeito que eu pensei, e com o carinho dela em
gastar seu tempo corrido para me auxiliar.
— Eu também, achei minha cara! Mas tem que ter a tenda.
— Mas a tenda no formato de pergolado, certo? Com tecidos e flores... — Marina também
deu sua opinião.
— É isso! Ah, meninas... Não vejo a hora! — Se eu pudesse me enxergar naquele momento,
certamente veria meus olhos brilhando. Brilho de alegria e amor demais pelo homem que se
tornaria meu marido.
— A gente também! — Laura pegou minha mão sobre a mesa e nós três trocamos um olhar
cheio de significados.
— Nina, vai ser tranquilo para você viajar? — questionei, tentando quebrar um pouco da
emoção do momento.
— Sim. Pode ficar tranquila, que sua madrinha estará lá!
***
No final do dia, cheguei em casa e esquentei a refeição que Fátima havia deixado pronta.
Não era do time que comia apenas salada e proteína à noite, como meu noivo, gostava mesmo
era de uma boa comidinha de verdade.
Rick chegaria mais tarde, após o expediente na empresa ia jantar com dois empresários.
Uma rotina que eu estava aprendendo a entender. Eu ia me casar com o CEO de uma empresa
enorme, que estava em processo de expansão para outras áreas de atuação, inclusive entrando no
mercado financeiro e, além da intensa rotina de trabalho, haviam jantares e viagens das quais ele
não escaparia. O único jeito era me adaptar e não esquecer que eu também tinha meu trabalho.
Depois de um banho e devidamente alimentada, desci para a sala de TV, pois lá tinha meu
sofá preferido, e peguei um livro para ler. Meu momento de leitura não durou cinco minutos e o
telefone apitou a chegada de mensagens no aplicativo.
Era Beatrice. Abri logo as mensagens. Depois de perguntar como eu estava, quis saber se
podia me ligar. Não respondi e fui direto para a chamada, tomando a dianteira e realizando, eu
mesma, a ligação.
A cada vez que conversava com Bea, sentia uma agonia em meu peito. Ela era o meu elo
com Betina, a menininha que ocupou meu coração e me fazia uma enorme falta.
— Oi, garota! Saudades de você! — Uma Bea sorridente surgiu na tela do meu telefone, mas
não a enxerguei tão empolgada como normalmente era.
— Eu também, Bea! Como você está? — Me acomodei melhor no sofá, pronta para passar
um tempo matando a saudade da minha amiga.
— Estou bem... Trabalhando muito, inclusive ainda estou no orfanato. — Eu não errei, Bea
estava estranha, embora tentasse disfarçar.
— Mas aí está bem tarde, Bea.
— Para você ver... Mas me diz, tudo bem? E os preparativos para o casamento?
— Tudo ótimo! Estou me adaptando à nova rotina. E amando a correria para preparar tudo
do casamento.
— Estou tão feliz por você, Chloe!
— O que você tem, amiga? Está esquisita.
— Tenho uma notícia. E queria te contar o quanto antes. Na verdade, pensei muito se
deveria te contar, mas meu coração diz que sim, que você precisa saber.
— O que está acontecendo Bea?
— Não tem outro jeito de contar. Vamos lá... Uma família está interessada na Betina. Já
fizeram visitas, vão entrar com o pedido de convivência e a assistente social e a psicóloga estão
elaborando os pareceres. — Ela mal parou de falar e meu corpo tremia por inteiro.
— Não, Bea! Isso não! — Praticamente gritei, embora sentisse um nó na garganta. Não
podia ser real.
— Ela precisa de uma família, Chloe! Uma casa, com pai, mãe, brinquedos e a vida normal
de uma criança. Ninguém merece passar uma infância dentro de um orfanato! — A voz saiu
firme, esmurrando meu peito. Mas a expressão de Bea era compassiva. Eu não sabia o que
pensar.
— Ela nem os conhece direito. Bea, ela não vai aceitar isso. — Eu já podia imaginar o
desespero de Betina. Minha menina devia estar me odiando se já soubesse. — Meu Deus... Eu
preciso desligar, Bea.
— O processo está no início, Chloe. Quando estiver mais calma, me ligue.
O telefone ficou caído em algum canto do sofá e eu chorei, encolhida. Eu sempre soube o
que precisava fazer, por que fui tão covarde? Betina era a minha menina. Eu sentia sua falta
todos os dias. Insisti tanto com Bea, até que ela aceitasse me dar notícias dela. Mas não me
contou da aproximação desse casal.
O que eu ia fazer?
Chorei porque minha menina havia sido vítima da minha imaturidade. Um dia me salvaram
de ir para um orfanato, mas não fiz o mesmo por ela. Eu só pensei em mim mesma. A única
coisa que levei em consideração era ter vinte e dois anos e nenhuma maturidade para adotar uma
criança. E agora, por minha culpa, essa criança poderia ir para uma família que não sabia nada
sobre ela. Betina acreditou que em algum momento Rick e eu a tiraríamos de lá.
Os meus soluços eram audíveis, assim como era cortante a dor que eu sentia. Raiva de mim
mesma, medo de não conseguir fazer nada para mudar a nossa situação e um amor enorme pela
pequena. Eu não tinha dúvidas sobre o que sentia por Betina, mas ainda não sabia bem o que
fazer.
Continuei encolhida no sofá, deixando que todas as lágrimas lavassem meus olhos. Era o
meu tempo de desabafar. Não sei quanto tempo passou, talvez em meio ao pranto eu tenha
cochilado, mas assustei quando Rick chegou na porta da sala.
— Chloe? O que aconteceu, meu amor? — Ao ouvir sua voz, despertei, e em um salto, saí
do sofá e corri para os seus braços. Abracei forte meu noivo, as lágrimas voltaram e ele me
segurou até que me acalmasse. — O que foi, Chloe?
Rick me deu um tempo e me levou de volta para o sofá. Deixou sua valise pelo tapete e me
colocou em seu colo. Ele correu os dedos pelos meus olhos, tentando enxugar minhas lágrimas.
— Falei com a Beatrice... — Minha voz estava embargada e só de lembrar da nossa
conversa, eu queria chorar novamente.
— E?
— Betina vai ser adotada, Rick. Eu vou perder minha menina. — Foi o máximo de tempo
que consegui segurar as lágrimas, até verbalizar o que estava acontecendo.
— Calma, Chloe. Nós vamos resolver isso. — Ele beijou minha testa e deixou que eu
chorasse agarrada ao seu corpo. — Amanhã é um novo dia e nós dois sabemos o que precisamos
fazer.
Capítulo 32
Ricardo
— Entra em contato com o advogado, preciso encontrá-lo assim que pisar em Paris. Já avisa
que é para levar toda a documentação necessária para o casamento civil e a adoção. E nada de
falar coisas negativas na frente da Chloe. — Eu andava agitado na pista de decolagem. Não
dormimos e o tempo que esperamos para embarcar foi o necessário para o piloto ter o plano de
voo aprovado. Uma viagem às pressas e que significava o maior passo que daríamos juntos.
Íamos buscar Betina, ainda sem ter a mínima ideia de quando ela seria oficialmente nossa filha.
— Como ela está? — O tom de voz da Laura demonstrava toda a sua preocupação. Em
pouco tempo, ela e Marina haviam se apegado à Chloe, tornando-se também amigas da minha
mulher.
— Chorando — suspirei. Pela primeira vez desde que chegamos ao aeroporto, eu parei.
Observei o céu, ainda não havia clareado totalmente, o que significava ainda estarmos na
madrugada. Chloe havia acabado de entrar na aeronave e uma das tripulantes correu para cuidar
dela, oferecendo água e algo mais que não compreendi por estar na pista.
— Rick... — Laura fez uma longa pausa, nós dois nos comunicando no silêncio do
momento. — Rick, vocês estão certos disso? — Estávamos? Eu sentia um puta medo, mas
Betina merecia mais do que pais covardes. Já havíamos deixado passar tempo demais, muito
tempo além do que a pequena tinha.
— Laura, a Betina vai ser nossa filha... Nós seremos os pais delas. Vamos aprender, vamos
dar conta. Então cuide de tudo para que minha filha não vá para outra família — disse firme,
assimilando cada palavra e sentindo pulsar cada vez mais forte dentro de mim o sentimento de
ser pai.
— Eu vou fazer tudo o que eu puder, Rick. Ainda estou atordoada, mas vou agilizar tudo
com o advogado em Paris e estou na torcida por vocês. Ah, Rick... — ela suspirou e eu a
acompanhei. — Estou tão feliz. Vou organizar sua vida aqui no Brasil e o quanto antes encontro
vocês na França.
— Obrigado, pequena.
— Eu amo vocês, Rick. E amo a família que estão construindo. — As palavras da minha
amiga encheram meu peito e por muito pouco não chorei de emoção. Havia algo forte demais
dentro de mim, algo bom, que me fazia querer lutar. E dali em diante haveria muita luta.
— Nós também amamos vocês.
Passei a maior parte do voo de mãos dadas com Chloe. Ela não me soltou nem durante os
cochilos, que não passavam de meia hora. Então ela acordava agitada e sem norte. Depois
percebia que ainda estávamos dentro da aeronave e tentava dormir novamente. Foi assim até
pousarmos em Paris. Conforme havia planejado, fomos direto para o escritório do advogado
contratado por Laura. Era o mesmo que a auxiliou quando Charlotte morreu e que continuava
fazendo um serviço ou outro na administração dos bens que eu mantinha na França.
***
— Doutor Mathieu, como vai? — cumprimentei o advogado assim que ele chegou à
recepção do escritório. Bem localizado, ocupava um andar inteiro em um prédio comercial.
Fachada antiga, discreto e elegante. Nada diferente do que se espera de uma autêntica firma
francesa. — Obrigado por nos receber.
— Eu quem agradeço pela confiança, Ricardo. Mais uma vez espero ser útil. — Trocamos
um aperto de mão e eu virei para Chloe, fazendo as apresentações.
— Chloe de Corse, minha noiva.
— Prazer em conhecê-la e seja bem-vinda. Venham comigo.
Caminhamos por um longo corredor. O piso era coberto por um tapete que lembrava as
tramas persas, talvez fosse. Nas paredes, várias obras de arte, e do teto pendia um lustre cheio de
detalhes. E era apenas um corredor. Passamos por duas salas que aparentavam ser coletivas e, ao
fundo, subimos uma pequena escadaria e chegamos a uma antessala com sofás, banheiro e
aparador com café. Tudo muito luxuoso. Mathieu abriu uma porta e nos deu a passagem. Assim
que entramos, eu sem largar a mão de Chloe, uma mulher levantou do sofá que havia na sala e
veio nos cumprimentar.
— Celine, minha esposa — Mathieu a apresentou. — Pedi que viesse atendê-los ao meu
lado, pois Celine é especialista em causas familiares, lida diariamente com adoções, não há outra
pessoa melhor para trabalhar conosco.
— Doutora Celine, desde já, agradecemos o auxílio. Contamos com vocês.
— Primeiro, peço que fiquem tranquilos e confiem em nosso trabalho. Vamos fazer o
possível e o impossível para que consigam adotar a menina, mas saibam que há um longo
caminho pela frente. Já analisei algumas informações. Chloe é suíça e possui cidadania francesa.
Ricardo é brasileiro e também possui cidadania. E não são casados. — Nos acomodamos nos
sofás, percebi que escolheram sentar por ali na tentativa de descontrair a reunião, dada à nossa
tensão. Mas ambos eram sérios e bastou iniciarmos a conversa oficial para que assumissem a
austeridade da profissão. Interrompi a doutora Celine, pois havia uma informação importante que
ela pareceu não ter conhecimento.
— Sobre isso, peço desculpas pela interrupção, mas talvez seja importante lembrar meu
pedido para que seja dada a entrada em nosso casamento civil.
— Foi tudo muito em cima da hora, amor. Não te avisei sobre isso. — A advogada encarou
o marido e ele defendeu-se. De fato, eles já estavam fazendo muito por nós, tendo reunido
informações em tempo recorde e nos atendido.
— Aqui na França, Rick? — A pergunta da Chloe me chamou a atenção. Desorientado,
tomei o máximo de decisões que consegui antes de embarcar. E a mais importante não a
informei. A vozinha ainda estava embargada, com muito custo ela conseguiu conter o choro para
ouvir os advogados.
— Sim, aqui na França. — Peguei sua mão e deixei um beijo no dorso, sem desviar nossos
olhares. — Se a nossa residência for um empecilho para a adoção da Betina, já estamos
resolvidos. Nosso casamento será aqui, também temos lugar para morar. Enfim, onde estivermos
seremos felizes e uma família completa.
— Obrigada, Rick. — Os olhinhos estavam novamente cheios de lágrimas. Trocamos um
longo olhar e voltamos a atenção para a doutora Celine.
— Informações importantes. Casamento no país e residência fixa também. — A advogada
passou a próxima hora explicando em detalhes como funcionava o sistema de adoção francês.
Embora Betina fosse inglesa, possuía cidadania francesa em razão do seu pai ser francês. Ele
também havia falecido, pouco antes da mãe.
Os primeiros passos a serem tomados foram desenhados pelo casal. No dia seguinte, uma
equipe de advogadas escolhida por eles iria dar entrada em nosso casamento e iniciar os trâmites
para a adoção.
Várias providências teriam que ser tomadas, dentre elas a colheita de provas a respeito do
vínculo que já possuímos com a Betina. Essa era a única parte fácil do processo. Mostramos
fotos, vídeos e conversas com a diretora do orfanato, psicóloga e assistente social. Embora fosse
de forma informal, todas as profissionais enxergavam em Chloe uma referência em relação à
Betina. Ao ler o sobrenome de Chloe nos documentos, Celine lembrou que os de Corse faziam
parte de uma parcela privilegiada e influente de Paris. Com toda certeza, Blanche conhecia
pessoas que poderiam facilitar nosso processo de adoção, mas recusamos de imediato.
***
Horas depois de finalizada a reunião com os advogados, Chloe e eu andávamos pelas ruas de
Paris. Ansiosos, decidimos por caminhar até o seu apartamento. Também estávamos
esperançosos, os advogados nos deram motivos para acreditar que daria certo, mas sempre nos
mostrando os riscos.
Consegui convencer Chloe que somente no dia seguinte íamos entrar em contato com
Beatrice. Eu entendi o que a diretora do orfanato fez, deu um chocalhão em Chloe, tão forte que
chegou até mim. De outro modo, não teríamos sido despertados para o que já estava em nosso
coração. Betina seria nossa filha. Beatrice teria que ser o mais profissional possível, ela já havia
nos dado uma informação que não deveria sair da sua sala.
— Não conversamos sobre filhos. — Chloe estava apoiada na balaustrada da varanda do seu
apartamento. Pensativa, ficou em silêncio lá por um bom tempo, até perceber minha
aproximação e puxar o assunto.
— E aqui estamos justamente para nos tornarmos pais. — Parei atrás dela, também me
apoiei sobre a balaustrada, minhas mãos ao lado das dela. Beijei seus cabelos e apertei meu
corpo sobre o dela.
— É uma decisão séria. — De súbito, ela virou o corpo para me olhar nos olhos. — Eu vou
entender se você achar que é cedo demais.
— Eu vou entender que você está nervosa com toda a situação e, por isso, está falando
besteira. — Nos encaramos e suspirei, segurando seu rosto com as mãos. — Eu quero
absolutamente tudo ao seu lado. Quero uma família, filhos, seja aqui na França ou no Brasil. Eu
vim com você, Chloe. Não te trouxe ou lhe fiz um favor. Nós viemos juntos e como um casal
vamos em busca de adotar nossa menina. Não conversamos antes, mas preciso saber se agora fui
claro sobre as minhas intenções.
— Eu te amo, Ricardo. Não sou tão boa com as palavras, mas nunca tenha dúvida sobre a
intensidade do meu amor por você. E espero dar a família que tanto deseja. E a primeira filha
será Betina.
— Linda, eu te amo. Tem noção que já é quase mãe? — Ergui a sobrancelha e ela riu. Ela
levantou a mão esquerda e correu os dedos pelo meu rosto, fazendo um carinho.
— E você, quase pai!
***
Acordamos cedo, na verdade, mal dormimos. Chloe saiu da cama por diversas vezes e
caminhou pelo quarto. Antes mesmo do sol invadir o cômodo pela janela, ela pediu que eu
acordasse. Preparei um café e comprei em uma padaria na rua do seu apartamento algumas
coisas que Chloe gostava de comer pela manhã, o que foi inútil, pois ela mal tomou alguns
poucos goles do café. Quando entendemos ser um horário razoável, fomos até o orfanato.
Minha mulher até tremia de tanta ansiedade, medo e saudade. Ela não verbalizava, mas o
olhar perdido às vezes encontrava o meu. Nossas mãos não se soltaram nem por um instante e
era como se eu pudesse traduzir cada pensamento seu.
Descemos do carro e antes de nos anunciarmos, a abracei. Meus braços enlaçaram seu corpo
pequeno e eu senti seu tremor, seguido pelas lágrimas.
— Hey, meu amor. Estamos juntos nessa, vai dar tudo certo.
— Estou com tanto medo, Rick. — Beijei seus olhos molhados e sua boca. A abracei
novamente e dei seu tempo para se acalmar.
— Podemos ir?
Ela assentiu e fomos recebidos pela Beatrice.
— Estava agora a pouco me perguntando quanto tempo demoraria para que chegassem a
Paris.
As duas se abraçaram e demoraram a se soltar. Beatrice pousou as duas mãos nos ombros de
Chloe e trocaram um longo olhar. Silenciosas, emocionadas e demonstrando força uma para a
outra.
Quando se desgrudaram, Bea nos guiou para sua sala. Chloe olhava para cada cantinho,
sabíamos quem ela procurava, mas nada disse e seguiu a diretora.
— Eu quero entregá-la para vocês dois.
Capítulo 33
Chloe
Mais uma longa conversa antecedendo o processo de adoção. Explicamos para Beatrice tudo
o que íamos precisar de material que demonstrasse nosso vínculo com Betina. Ela nos ouviu
apenas para nos encorajar, pois já havia providenciado boa parte da documentação. Bea revelou
que tinha certeza que em algum momento nós íamos aparecer. Um ou outro relatório faltante ela
ia entregar até o dia seguinte. E se dispôs, assim como outros profissionais que trabalhavam no
orfanato, a testemunhar a nosso favor.
A cada palavra dita, cada plano, cada passo planejado, meu coração parecia explodir,
transbordando amor.
Em vinte e dois anos eu ainda não havia me visto como mãe. A maternidade, inclusive,
sempre havia despertado em mim sentimentos controversos. Nora e Blanche, as mães com quem
convivi, eram tão diferentes entre si, mulheres com as suas falhas e que me impactaram cada
uma a seu jeito.
Eu amava Blanche, procurava não gastar meu tempo com ressentimentos e até tentava
entender o motivo dela ser como era, mas algo eu tinha certeza: quando fosse mãe, seria
diferente. Isso eu podia afirmar. Não me inspirava na maternidade de Blanche.
No entanto, também não gostaria de repetir a maternidade de Nora.
Não tínhamos estabilidade, a cada hora estávamos em um lugar diferente e eu rodeada por
“tias”, que normalmente eram colegas de profissão da minha mãe e passavam o olho em mim
enquanto ela estava nos palcos ou nas inúmeras confraternizações com os artistas que conviviam
com ela. Eu queria um pai, uma rotina comum, uma família em volta da mesa para jantar.
Não tinha nada a ver com amor ou afeto. As duas mulheres que foram minhas referências de
maternidade, me faziam querer ser diferente para os meus filhos e me faziam sentir medo, pois,
mesmo me amando — e eu não tinha dúvidas sobre seus sentimentos —, deixaram alguns
buracos em mim.
Todo filho já falou, ao menos uma vez na vida, ou pensou, que faria diferente dos pais, e
agora eu caminhava para assumir uma criança, uma menininha que talvez um dia fosse também
apontar as minhas falhas.
E pela primeira vez eu não tive medo de ser mãe.
Todos os meus pensamentos fluíram, como se fosse um filme em minha cabeça, de poucos
segundos, pois foi o tempo que Beatrice gastou para guardar uma pasta no armário da sua sala.
Em seguida íamos fazer um lanche e eu já estava trêmula de ansiedade por poder encontrar
Betina. Porém, com muita certeza do papel que queria exercer na vida dela.
Bea deu a volta em sua mesa e sorriu cúmplice para nós dois. Um conforto em meio à
batalha que iniciávamos. A família interessada em Betina havia iniciado o processo de adoção
em sua forma tradicional. Ao visitarem o orfanato, se encantaram por ela e voltaram algumas
vezes para construírem laços. A garotinha, esperta como era, logo percebeu o interesse do casal e
fugia deles. Bea narrou como Betina recuava quando os via, embora os dois não houvessem feito
nada além de dar carinho a ela.
“Tia Beatrice, eu não posso ficar com eles, a tia Chloe e o tio Ricardo ainda vão vim me
buscar.”
A pequena não deixou de confiar em nós dois nem por um instante, mesmo quando poderia
ser escolhida por uma família, o que era seu sonho. Ela confiou quando nós dois não sabíamos o
que fazer. Meus olhos enchiam de lágrimas só por pensar o que se passava na cabecinha de
Betina.
Bea abriu a porta da sua sala e nos deu passagem. Eu saí primeiro. Mal pisei na recepção do
orfanato e um corpinho chocou-se contra o meu. Meu corpo tremeu por inteiro e me forcei a
continuar de pé, pois poderia facilmente ter caído ali mesmo.
— Eu sabia, eu sabia que você não ia me deixar aqui! — Betina agarrou minhas pernas e
lágrimas espessas desceram pelo seu rostinho. Eu busquei Rick com o olhar e ele me encarava,
mudo. Voltei para Betina e com as mãos a afastei um pouco, para poder olhar seu rostinho.
Nossos olhares se encontraram, eu queria acalmá-la, mas estava tão ansiosa quanto. Nós duas
mordemos os lábios e não deixamos de nos encarar. Eu me reconhecia em Betina, a menininha
que eu queria como minha filha.
— Eu estou aqui, minha linda. Não precisa chorar. — Corri os dedos pelos seus olhos,
tentando enxugar as lágrimas que desciam, sem me dar conta que meu rosto também estava
ensopado por minhas próprias lágrimas. Abracei-a e ela chorou ainda mais. Eu também.
— Eu senti tanto a sua falta, tia Chloe.
— Eu também, meu amor. — Quando fui abaixar para ficar na sua altura, ela ergueu os
bracinhos e pediu colo, ainda chorando e me fazendo estremecer inteira por dentro. Eu sentia
forte dentro de mim o instinto de querer proteger Betina de tudo e todos. A peguei com um
pouco de dificuldade, ela já era grandinha e um tanto pesada. E eu, bem, uma mulher bem
pequena, mas grande o suficiente para pegá-la no colo e acalmar seu coração. — Eu estou aqui,
estou aqui com você.
Minha voz saiu embargada. Eu lutava entre me controlar, ficar firme de pé com Betina no
colo e, ao mesmo tempo, com a avalanche de sentimentos que estavam dentro de mim.
— Você é minha mãe, eu não quero outra. — A vozinha, embora tremida pelo choro, saiu
firme o suficiente para que, quem estava ao nosso redor, conseguisse compreender o que Betina
disse.
Ela me chamou de mãe.
Era como se apenas nós duas estivéssemos ali. Apertei-a mais forte em meu colo, lágrimas
espessas desceram pelo meu rosto, não tentei mais impedi-las e descobri naquele instante o quão
era difícil se fazer de forte por um filho. Eu não queria deixar Betina mais ansiosa com a
situação, mas ao mesmo tempo não conseguia lidar com os meus sentimentos. Suspirei fundo,
em uma busca incansável para me acalmar. Acarinhei as costas dela, que molhava meu pescoço
com as suas lágrimas, e aos poucos fui me acalmando. Eu queria ser consolada, mas fui eu quem
fez o papel de acolher e ser o porto seguro de alguém.
Os bracinhos apertaram meu pescoço e ela estava com o rostinho em meu ombro. Ninguém
se mexia, todos nos olhavam assustados, emocionados: Rick, Bea, uma monitora e a
recepcionista.
Busquei novamente meu noivo, nossos olhares se encontraram e havia tanto amor naquele
homem. Silenciosos, firmamos o quanto estávamos certos em nossa decisão. Meu peito ardia de
amor pela filha que me escolheu, e de temor por saber que a sua adoção já não dependia apenas
de nós dois.
— Vamos fazer um lanche? — Bea tentou quebrar o momento, tínhamos ido longe demais,
não podíamos dar tal esperança para Betina, não quando a decisão final cabia a outras pessoas.
— Vem comigo? — Rick rapidamente aproximou-se de nós duas e se ofereceu para carregar
a pequena. Ela aceitou e assim que passou para o colo dele, enlaçou seu pescoço e também
deitou a cabecinha em seu ombro.
Um silêncio cortante. Ninguém se atrevia a fazer qualquer comentário que fosse.
Caminhamos até o pátio atrás da construção, as crianças lanchavam na enorme mesa de madeira.
Olhinhos espertos não desgrudavam de uma Betina que não saiu do colo do Rick. Sentamos na
ponta da mesa, onde tinham os únicos lugares vagos. Ela aceitou comer depois que ele insistiu.
Com um pedaço de bolo na mão e o copo de suco, ele levou à boca dela.
— Não quer ficar com os seus amiguinhos, Betina? — Beatrice questionou quando
havíamos finalizado o lanche. As crianças teriam um momento de recreação e eu percebi que ela
queria novamente falar com a gente. Estávamos quebrando os protocolos, não podíamos
atrapalhar a rotina das crianças e do orfanato como um todo. Bea abria uma grande exceção para
nós, um cuidado e empatia que eu nunca conseguiria agradecer à altura.
— Quero ficar aqui com o meu pai. — Pai, ela chamou Rick de pai, e meu noivo arregalou
os olhos de imediato. Se estivesse mastigando, certamente teria engasgado. Mais uma vez,
ficamos os três sem reação. Ninguém conseguia negar ou explicar que ainda não éramos os pais
dela e, que, inclusive, todo o processo poderia dar errado e ela ir para outra família. Essa era a
realidade, mas nada falamos e nem reagimos. Fingimos que era absolutamente normal Betina se
referir a nós dois como seus pais.
Eu fui a garotinha que precisou eleger novos pais, que de uma hora para outra já não tinha
minha referência de mãe. Eu precisei me apegar e confiar que Laurent ia suprir a ausência da
minha mãe, que ia cuidar de mim, que eu não estaria sozinha. Tive que me apegar a uma nova
mulher, pois na minha cabeça infantil, eu precisava de uma mãe.
Então, eu compreendia Betina.
— Vocês vão voltar? — Tentávamos nos despedir, mas a pequena fazia o que podia para
nos segurar no orfanato, mal sabendo que deixá-la lá doía em dobro em nós. Ela estava agarrada
às pernas do Rick e ele abaixou, ficando próximo à sua altura.
— Vamos. Nós temos que resolver várias coisas, bonequinha. — Rick brincou de apertar o
narizinho dela, arrancando um sorriso tímido. Betina era pura ansiedade.
— Papai, promete que vai me buscar? — Eu estava de pé e sem tocar em meu noivo, mas
imaginei como estremeceu por dentro. Quem poderia ficar intacto com Betina encaixando papai
e mamãe a cada frase? Dessa vez, consegui segurar as lágrimas, fazendo meus olhos arderem.
— Eu prometo que, se for preciso, movimento esse país inteiro para te buscar, mas você
precisa ter calma e confiar, tudo bem? — Eu segurei o riso, foi engraçado Rick falando como se
Betina fosse uma pequena adulta. Mas, ao mesmo tempo, quis chorar de emoção, pois ele falava
sério, faria sim o impossível para termos ela conosco. E ela também pareceu compreender, pois
com os olhinhos cheios de lágrimas, balançou a cabeça em confirmação e abraçou o pai.
— A tia Bea vai continuar cuidando de você, os monitores também. Você gosta deles, não
é? — Eu também abaixei na sua altura e toquei seu bracinho, para que me olhasse. — Agora nós
precisamos ir resolver coisas de adulto.
— Não demora de novo, mamãe. — Abracei forte minha menina. Minha Betina. Minha
filha.
Em seguida, estávamos entrando no carro e passamos longos minutos em silêncio. Nada que
disséssemos seria suficiente para descrever a confusão de sentimentos que tomou conta de nós
dois.
Ricardo
Nos dias que seguiram, ficamos atrás do dr. Mathieu e da dra. Celine. Já tínhamos data para
o nosso casamento civil e eles haviam dado entrada no processo de adoção. Os documentos
entregues pelo orfanato comprovavam o vínculo que mantínhamos com Betina e, que, por
inúmeras vezes, ela mencionou aos funcionários a vontade de ser adotada por nós.
Os advogados tentavam urgência, contudo, a fila de adotantes era enorme e nós estávamos
no final dela. O fato dela ser uma criança de cinco anos e, portanto, fora da rota de preferência da
maioria esmagadora de pessoas que procuravam a adoção, poderia ser um facilitador, se não
houvesse o casal que a queria.
Com todos os novos acontecimentos, decidimos suspender, por hora, a celebração religiosa
do nosso casamento, que já estava sendo organizado por Chloe.
Ela não estava mais envolta com os detalhes do casamento, mas decidiu arrumar o quarto
vago do apartamento para receber Betina. Não gastei tempo a chamando para a realidade, pois a
adoção da Betina ainda era apenas um sonho. A verdade é que não tive coragem de tirar do seu
rosto o sorriso que surgiu desde o instante que começou a escolher itens infantis e cor-de-rosa
para o cômodo. Chloe conseguiu com o porteiro do prédio o contato de uma empresa que fazia
reformas e eles estavam encarregados por alguns ajustes e pintura. A decoração estava sendo
planejada por ela mesma.
Na confusão de poeira, tinta e muito barulho pelo imóvel, decidimos nos hospedar por um
tempo no Plaza Athenee.
Acordei em uma sexta-feira e deixei Chloe dormindo no quarto. Tinha uma reunião
importante da Lima e Assumpção, compromisso que não poderia adiar nem mesmo estando em
outro continente.
Liguei na recepção do hotel e consegui fazer a reserva de uma das salas de convenções. A
funcionária que atendeu se comprometeu a providenciar a organização do local com os aparelhos
de tecnologia que ia precisar e, no horário agendado, eu saí do quarto.
Chloe e eu estávamos pilhados, mas era o trabalho, o que conseguíamos fazer à distância,
que nos mantinha no eixo. Ela até chegou a colocar à disposição seu cargo na InFoco, mas
Antônio e Marina foram unânimes em mantê-la na agência. E eu só podia agradecê-los por isso.
A sala de convenção foi arrumada, conforme prometido pela funcionária do hotel, o mesmo
que já nos hospedamos. Sobre a mesa de reunião havia uma bandeja com café, água e algumas
guloseimas. Os equipamentos para a transmissão da reunião e projeção de conteúdos também
foram disponibilizados, e ao me guiar até a sala, outro funcionário fez o teste de funcionamento.
A reunião se estendeu muito além do que eu havia programado. A distância do dia a dia da
empresa fez com que algumas decisões ficassem nas mãos dos diretores e chefes de setor. E eles
estavam lotados de assuntos para tratar comigo.
Quando finalmente consegui encerrar a reunião, peguei meu aparelho de telefone e
verifiquei que haviam chamadas não atendidas da doutora Celine e também da Chloe. Estranhei,
pois minha noiva sabia que eu estaria em um compromisso da empresa e eu a deixei dormindo. O
que poderia ter acontecido para que me ligasse? Por prioridade, retornei primeiro a ligação de
Chloe, mas ela não atendeu. Então, parti para Celine.
— Ricardo? — A voz firme da advogada soou do outro lado da linha.
— Sou eu, doutora Celine. Estou retornando a ligação. Como vai?
— Estou bem e trago boas notícias. O juiz sorteado para conduzir o processo da adoção
despachou designando uma audiência para amanhã.
— Maravilha, doutora. Que bom ele ter mudado de ideia.
— Também acho. Até ontem ele estava bastante reticente em analisar o nosso caso em
caráter de urgência, e olha que passei a tarde inteira no Fórum. Mas agora a pouco a escrivã me
telefonou. Como a audiência foi designada para amanhã, ela fez a intimação por telefone.
— Muito obrigado, doutora. — Eu havia levantado para falar com ela, mas a notícia trouxe
um enorme alívio, que sentei novamente diante da mesa na sala de convenções.
— Não precisa agradecer, Ricardo. Eu disse a vocês que daria o meu melhor. Preciso
encontrá-los ainda hoje. Conseguem ir até o escritório após o almoço?
— Mas é claro! Estaremos lá.
Finalizei a chamada com a doutora Celine e mais uma vez tentei falar com Chloe, sem
sucesso. Guardei o notebook na mochila e os demais itens que usei na reunião. Logo após, liguei
na recepção e avisei que a sala e os equipamentos estavam liberados. Um funcionário iria até lá
para fazer a conferência e pegar a chave.
Saí em direção ao hall de entrada do hotel, onde ficavam os elevadores, distraído, mexendo
no celular. Chloe não estava on-line no aplicativo de mensagens.
— Rick. — Sua voz soou pelo saguão, quase um grito estrangulado, fazendo com que eu
parasse de súbito e virasse para a entrada.
Chloe
Na noite anterior, eu havia ficado até tarde resolvendo as pendências da InFoco. Para o meu
bem, não faltava trabalho. Assim, em conjunto com a pequena reforma no apartamento, eu
conseguia ocupar a mente e segurar a ansiedade para lidar com o processo de adoção da Betina.
Já era quase madrugada quando enviei o último e-mail aos cuidados do Antônio. O cliente
havia aprovado os croquis iniciais, mas o meu chefe perfeccionista, tão ou mais do que eu,
sugeriu algumas alterações. E ele estava coberto de razão, o resultado final havia ficado muito
mais interessante.
Rick dormia quando fechei o notebook e, no dia seguinte, era eu quem estava apagada
quando ele saiu para uma reunião. Eu estava com a manhã livre. Todas as demandas que
chegavam eu dava um jeito de resolver logo, na expectativa de que a qualquer momento
precisaria de tempo livre para lidar com os compromissos judiciais.
Bastou ficar sozinha e sem ocupação por poucos minutos, para começar a pirar. Meus
pensamentos voavam longe, para um lugar onde todos os prognósticos nos traíam e tornavam
impossível a adoção da nossa menina. Eu queria ficar longe de qualquer negatividade.
Tomei um banho, me arrumei e saí em direção à Rêve de Croissant. Uniria o útil ao
agradável, rever dona Berenice e comer o melhor croissant de Paris.
A dona da lojinha me recebeu com um abraço apertado. Conversamos um pouquinho no
balcão, ela perguntou pelo Rick e preferi omitir que em todos os dias que estivemos em Paris,
quando saíamos para um lanche, escolhíamos a cafeteria em frente ao canal San Martin.
Memórias afetivas. Aquela cafeteria era um lugar que nos fazia colocar a cabeça no lugar.
Quando alguns clientes entraram na lojinha, fui para uma mesa. Não era a que ficava
próxima à vitrola, essa já estava ocupada. Me sentei e não demorou para ela servir o que eu havia
pedido.
Estava sentada de costas para a porta e concentrada demais no croissant de avelã com
chocolate branco e cookies. As combinações de Berê. Desliguei-me do mundo.
— Ora, ora, veja quem está aqui. — Um corpo masculino surgiu diante da mesa que eu
ocupava, e com agilidade afastou uma cadeira. Astuto e aparentemente gentil, sentou-se. As
palavras pareciam ter sido cantadas, dada a cadência em cada pronúncia. Engoli em seco. Como
havia me encontrado na lojinha da Berê?
— Silvius. Olá, como vai? — Aprumei o corpo e tentei passar uma segurança que não tinha.
Coisa boa ele não poderia querer ao ir me encontrar.
— Eu estou maravilhosamente bem, Chloe. — Fez uma pausa e afastou um pouco a cadeira,
cruzando as pernas e me encarando de forma intensa. — Já você, eu não sei. Mas me diz, como
está? — Senti um calafrio, uma vontade de sair correndo ou que, por um milagre, Ricardo fosse
me encontrar. Discretamente, olhei para o balcão, dona Berenice me encarava. Não queria
chamar a atenção, então fiz que estava tudo bem e voltei minha atenção para o secretário do
prefeito.
— Bem, Silvius. Que surpresa! — Tentei reorganizar as ideias e não transparecer a tensão e,
pelo divertimento estampado na cara dele, não havia dado certo.
— Então resolveu voltar ao seu país.
— Sim, tenho alguns assuntos para resolver na cidade.
— Posso imaginar. Casar e adotar uma criança são assuntos deveras importantes e que
exigem sua presença. — Quase caí da cadeira. Meu corpo tremia e eu sentia todo o ambiente
girar. Segurei a ponta da mesa e encarei Silvius.
— Como?
— Achou mesmo que ia ferrar com o meu trabalho e ficar impune, Chloe de Corse? — O
tom de voz era baixo, quem estava ao nosso redor não percebia, mas a ameaça estava diante de
mim, em cada palavra. O olhar cortante me encarava firme.
— Eu não ferrei com o seu trabalho.
— Teve tudo o que foi prometido pelo prefeito, mas achou ser inteligente deixar seu amante
se meter em nossos negócios. Toda ação gera uma consequência, Chloe. Espero que esteja
preparada para a sua.
— O dinheiro não iria para o orfanato, você sabe. Não fizemos nada de errado. Foi uma
escolha dos empresários.
— O combinado foi cumprido, Chloe. Mas agora passou, só restaram mesmo as
consequências.
— Silvius, você não pode fazer isso. — Cansei de fingir ser forte e as lágrimas encheram
meus olhos. Eu poderia desmoronar ali mesmo, diante dele.
— Se ainda não o fez, se despeça de Betina. Ela não será de vocês. Passar bem, Chloe. —
Ele levantou e me deu um sorriso. Cínico, ameaçador, como se sugasse minha alma. Silvius
aproximou-se e deixou um beijo no topo da minha cabeça. Eu permaneci inerte na cadeira. —
Até logo, querida.
Não sei quanto tempo permaneci por ali, as lágrimas descendo pelo meu rosto, as mãos
trêmulas em meu colo, uma sensação de vazio no peito.
Dona Berenice foi até a mesa para saber como eu estava, disfarcei como pude e disse que era
apenas uma má notícia. Paguei a conta que ela não queria receber e saí para a rua, tentando falar
com Rick pelo telefone.
Capítulo 35
Chloe
O telefone chamou até cair na caixa postal. Eu andava pela rua e a cada passo olhava para os
lados. Estava claro que Silvius havia me seguido e, pior, não havia sido apenas naquele dia.
Silvius estava em nosso encalço e sabe-se lá como, tinha ciência dos nossos mais importantes
planos.
Insegura demais, resolvi pegar um táxi e em menos de dez minutos entrei no saguão do
Plaza Athenee. Eu ainda estava trêmula, ainda chorava, o desespero havia tomado conta de mim.
Porém, desabei de verdade apenas quando o encontrei.
Rick surgiu distraído pelo hall, caminhava sozinho em direção aos elevadores. Meu peito
apertou quando o vi, e na mesma medida senti que o ar voltou para os meus pulmões e eu não
estava mais sozinha.
— Rick... — A voz saiu esganiçada, mas ele me ouviu e virou de súbito na minha direção.
Eu corri, desesperada demais para alcançá-lo e em seus braços chorei forte.
— O que foi, meu amor? — Ele correu os dedos pelas minhas costas, tentando me acalmar.
— A Betina, ele ameaçou a Betina — disse entre as lágrimas. Doía só de relembrar o que o
imundo do Silvius estava fazendo por vingança, por não aceitar que errou.
— Ele quem, Chloe? — Ricardo me afastou com as mãos e me segurou pelos ombros. Sua
feição estava endurecida, visivelmente preocupado com a nossa menina. Ali era ela a nossa
prioridade.
— O Silvius. Ele disse que não vamos adotar a Betina. — Pensar que Betina estava em
perigo, vai saber o que ele estava planejando, além de estar nos vigiando, me fez forte. Sequei os
olhos com a manga do casaquinho que usava e encarei Rick. Chorar não ia resolver nada e,
tampouco, colocar Betina em segurança.
— Ele não manda em nada e não vai chegar perto da nossa filha. Betina é nossa filha e o juiz
vai ter que compreender isso. Agora coloque Beatrice na linha, preciso conversar com ela.
Eu segurei as lágrimas e mentalizei que Betina merecia uma mãe forte, enquanto Rick
conversava com Bea, depois com os advogados e, por último, com a equipe de segurança que
conseguiu contratar na cidade, auxiliado pelo doutor Mathieu.
Rick organizava cada passo que daríamos dali em diante, me passava segurança e eu só
podia agradecer a Deus por termos nos permitido viver o sentimento que brotou dentro de nós.
Era especial, era único e estava em nossas mãos fazermos dar certo. Nosso amor, nosso
relacionamento, nossa família.
***
Troquei a roupa informal por uma mais arrumada, poderia ser besteira, mas queria estar mais
arrumadinha no encontro com os advogados, já que doutora Celine era incrivelmente impecável.
Íamos almoçar e na sequência encontrá-los no escritório. Me comprometi comigo mesma não
deixar passar nenhum detalhe das orientações para a audiência do dia seguinte. Por nós, pela
Betina.
Ficamos por duas horas inteiras ouvindo do doutor Mathieu e da doutora Celine qual seria o
foco do juiz durante a audiência, as possíveis pegadinhas, os pontos negativos da nossa situação
perante o processo e, o mais importante, os pontos positivos que deveriam ser explorados.
Ao nos despedirmos do casal, doutora Celine pediu para falar comigo e me deu uma aula
sobre o que eu deveria vestir no dia da audiência. Desde o modelo das peças até a cor, o estilo do
sapato, bolsa e acessórios. Era besteira ignorar que existe sim a comunicação visual e segui todas
as suas orientações.
***
Acordamos cedo no dia seguinte. Fingimos tomar o café da manhã na varandinha do quarto,
mas até água causou um bolo na garganta, nada descia. Com muita antecedência fomos nos
arrumar.
Rick e eu não tivemos psicológico para ficarmos dentro do quarto do hotel, então decidimos
ir para o Fórum e, se tínhamos que esperar o tempo passar, que fosse em frente ao gabinete do
juiz. Meu noivo estava impecável dentro de um terno cinza e gravata azul, o combo que o
deixava ainda mais perfeito. Eu escolhi um vestido cor creme, comprimento midi e por cima
coloquei um sobretudo clarinho.
Descemos do carro e saímos do estacionamento de mãos dadas. Exatas duas horas
adiantados. Consultamos o relógio no pulso ao mesmo tempo e rimos cúmplices um para o outro.
— Vamos tomar pelo menos um cafezinho? — Ele convidou e entramos em uma cafeteria
pequena na rua do Fórum.
O clima pré-audiência era de pura tensão, ao menos da nossa parte, já que os advogados
pareciam plenos e tranquilos, até vídeos no celular mostravam um para o outro. Já eu, quase não
conseguia permanecer sentada na sala de espera.
No horário marcado, fomos chamados ao gabinete do juiz. Ele falou sobre a documentação
que apresentamos, fez um longo interrogatório, leu os laudos elaborados pela psicóloga e
assistente social do orfanato e pareceu avaliar até a nossa respiração.
Nunca em minha vida me senti tão sugada e avaliada. E pensem que fui criada por Blanche.
Antes que a audiência fosse finalizada, doutora Celine requereu o direito de convivência
entre Betina e nós, para que pudéssemos tirá-la do orfanato. Eu o senti reticente, afinal, cometi a
gafe de soltar que ela havia me chamado de mãe. Tentei contornar, e ao invés de dizer que fiquei
emocionada, disse ter explicado para a pequena que eu era apenas a tia Chloe. O juiz não fez
questão de disfarçar que não acreditou na minha mentira e me senti frustrada.
— Até amanhã darei um despacho sobre o direito de convivência — ele disse por fim.
Fomos liberados e após agradecermos por toda a atenção, saímos do gabinete. Os advogados
tinham outro compromisso. Rick e eu fomos almoçar. No restaurante, ele soltou a bomba, ia
procurar Silvius e, se necessário fosse, procuraria o prefeito também.
“Essa ameaça não vai passar incólume, Chloe.”
Eu insisti para ir junto. E não foi fácil, pois Rick estava certo que deveria ir à visita sozinho,
e eu determinada a não permitir.
Saímos do almoço direto para o prédio da prefeitura.
Chegar a Silvius foi uma batalha, mas, por algum motivo, depois de ser recusada nossa
entrada por não termos horário marcado, alguém entrou em contato na recepção e permitiram que
subíssemos.
Rick e eu cruzamos os olhares e subimos em silêncio pelo elevador. Chegamos ao andar
onde Silvius ficava, fomos recebidos pela mesma recepcionista da última vez que lá estivemos,
porém, dessa vez não precisamos aguardá-lo. Silvius surgiu no corredor onde ficava sua sala
assim que colocamos os pés no andar.
— É sempre um prazer recebê-los — ele disse galante, me fazendo sentir enojada com sua
voz, seus trejeitos e a ironia que tomava conta do seu rosto.
— Você é inteligente o suficiente para saber que essa não é uma visita de cortesia — Rick
respondeu duro, sem soltar minha mão e tampouco se importando que a funcionária o ouvia.
Silvius endureceu o cenho e fez sinal para que seguíssemos pelo corredor. Chegamos à porta
da sua sala e, após abri-la, ele nos deu passagem.
— Viemos pessoalmente, mas o recado é bem simples, Silvius. Não cometa novamente a
tolice de ameaçar minha mulher e a criança que iremos adotar. Você não me conhece e não sabe
do que sou capaz. Recolha a sua insignificância e agora me leve até o prefeito.
— A recíproca é verdadeira, Ricardo. Não foi uma ameaça, mas sim um recado. E você
também não me conhece.
— Me leve até o prefeito, Silvius. Nossa conversa já encerrou.
— Está achando que está onde, Ricardo? No Brasil?
— Você deveria agradecer, mas agradecer muito, por estar na França. Posso te garantir que
na minha terra a nossa conversa seria outra.
— É uma ameaça?
— Inteligente não posso negar que você é. Agora mexa-se, Silvius. Quero falar com o
prefeito.
— Ele não pode recebê-los.
— Eu tenho certeza que o prefeito vai preferir me receber, e acho que você também sabe
disso.
Permaneci imóvel, assustada e um tanto acuada. Foi por isso que Ricardo não me queria por
perto. Eu não conhecia aquele lado dele, me pareceu sombrio, destoante do Ricardo que cuidava
e fazia tudo para me agradar. Contudo, se avaliasse a situação, ele enfrentou Silvius em razão do
secretário ter me ameaçado. Suspirei baixinho e apertei mais forte a mão do Rick.
Meu noivo me olhou, não estava feliz, os olhos faiscavam, eu podia sentir a tensão dos
músculos em seu rosto e, ao me aproximar do seu corpo, tocando-o, vi o quanto, de fato, estava
tenso. Por inteiro.
Silvius andava de um lado para o outro, ainda elegante, passadas contadas uma a uma, mas
também estava nervoso. Ele teve absoluta certeza que havia nos acuado e não conseguia lidar
com o próprio engano.
— Eu já entendi, Ricardo. Não vou me meter nessa história.
— O prefeito, Silvius.
Vencido, ele pegou o telefone e após conversar rapidamente com a pessoa que atendeu do
outro lado da linha, o que pareceu ser a secretária do prefeito, informou que ele estava recebendo
alguém, mas nos encaixaria logo que a visita saísse. Tínhamos exatos dez minutos. “É mais do
que o necessário”, foi o que Rick respondeu.
Silvius saiu na frente e fomos até uma construção vizinha, mas que possuía acesso pelo
prédio da prefeitura. Toda a estrutura do imóvel era destinada ao uso do político. Havia luxo por
todos os cantos.
Chegamos a uma recepção com balcão de mármore, jogos de sofás cor creme e uma parede
de vidro que permitia a vista da principal avenida de Paris. Todo o conjunto da decoração era de
extremo bom gosto, porém ali dentro havia algo ruim, não conseguia explicar, mas não me sentia
bem dentro daquele prédio.
A recepcionista falou algo com Silvius, conversaram em cochichos. Ele nos orientou a
aguardar nos sofás e continuou de pé, mexendo em seu aparelho de telefone.
Rick e eu não trocamos uma palavra, ele apenas não soltou minha mão e deixou um beijo em
meu cabelo. Era o suficiente. Nós dois estávamos juntos.
Cerca de vinte minutos depois, ouvimos passos no corredor, o piso de pedra fazia com que o
tilintar de um salto soasse alto. O barulho cessou e Silvius acenou para que nos preparássemos.
Quando ficamos de pé, o barulho do salto soou novamente, perto demais de onde estávamos
e deparei-me com a última pessoa que imaginei encontrar na companhia do prefeito de Paris.
— Tia Flora?
Capítulo 36
Ricardo
Flora era mesmo uma figura. Quando lhe contei sobre a ameaça que Silvius fez à Chloe, não
imaginava que a mulher fosse movimentar seus contatos. Na verdade, ela sequer me contou que
tinha intimidade suficiente com o prefeito da cidade a ponto de fazê-lo recebê-la com tanta
agilidade. Se tinha alguém que carregava bons segredos, era Flora.
Na noite anterior, aproveitei um momento em que Chloe entrou para o banho e telefonei
para Flora. Ela estava em Annecy, contei sobre o ocorrido do dia e ela pediu que eu não me
preocupasse. Até que Flora atendesse a ligação eu não sabia bem o motivo de entrar em contato
com ela, mas bastou que ela pedisse calma, para eu compreender o que a minha mente me guiou
a fazer. Eu tinha esperanças de, que de algum modo, ela pudesse nos ajudar.
Minha mulher tremia ao meu lado, sua mão praticamente resvalava sobre a minha, tamanho
o susto com a presença inusitada da tia, que, por sua vez, me lançou um olhar divertido. Tentei
disfarçar ao máximo minha satisfação pelo enquadro que certamente deu no político, e também
pela demonstração do quanto estimava Chloe, pois em menos de vinte e quatro horas ela chegou
a Paris e já havia tido alguma conversa com o prefeito da cidade.
— O que faz aqui, tia? — Flora aproximou-se de onde estávamos e ignorou a pergunta de
Chloe, tocando seu rosto com as mãos, e depois as colocou em seus ombros.
— Oi, minha querida. Como foi a audiência?
— Tia. — Chloe insistia em uma resposta e o que ganhou foi uma revirada de olhos da tia.
— O que você faz aqui, Chloe? — As duas se encararam, a conversa era em tom baixo e eu
duvidava que os demais presentes conseguissem acompanhar o embate das de Corse. Mas eu
estava bem ao lado delas e ainda segurava o riso. Uma Chloe brava me divertia e foi bom para
afastar um pouco da tensão que nos tomava.
— Bom dia, Flora. Como vai? — Cumprimentei-a com um abraço e um beijo no rosto.
— Ricardo, pode me explicar?
— Viemos ter uma conversa com o prefeito, uma rápida conversa. — A encarei e falei com
firmeza, não deixando dúvidas que aquele encontro ia acontecer, não importava o teor da
conversa que tiveram anteriormente.
— Acho que não é necessário — ela respondeu, também altiva, mas não mais determinada
do que eu. O secretário do prefeito havia mexido com a minha mulher e filha, não era um assunto
que se resolveria através de terceiros.
— Não abro mão. — Olhou de mim para Chloe e suspirou, vencida.
O prefeito também estava parado na recepção. Quando o olhei, capturei uma dura troca de
olhares entre ele e Silvius. Flora virou em sua direção e fez sinal para que ele se aproximasse.
— Alexander, minha sobrinha e o noivo precisam falar com você, não vão atrapalhar sua
agenda e acho que você entende a necessidade deste breve encontro — ela disse baixinho.
— Flora... — Ele ia contestar, mas desistiu quando Flora ergueu-lhe as sobrancelhas. —
Tudo bem, me acompanhem.
Alexander fez sinal para que o secretário e qualquer outro funcionário da sua equipe
esperassem na recepção e nós quatro caminhamos lado a lado até sua sala oficial.
Ao entrarmos no local, ele nos direcionou por uma porta e chegamos a uma sala menor.
— Aqui teremos mais privacidade. Prazer em revê-los, Ricardo e Chloe.
— Seremos breves — respondi seco. Não havia qualquer prazer da nossa parte em estar ali,
muito pelo contrário.
— Estive conversando com Flora nesta manhã, já estou sabendo dos infortúnios cometidos
por Silvius. — Alexander afastou sua cadeira de detrás da mesa e sentou-se, não desviando sua
atenção de mim.
— Não consigo classificar ameaça como um mero infortúnio, Alexander. — Permaneci
parado de frente para ele, com os braços cruzados na altura do peito e olhando-o nos olhos.
— Silvius não irá incomodar vocês, nunca mais. Só peço que esqueçam essa história. Dou
minha palavra que da parte dele já foi esquecida.
— Está em suas mãos, Alexander. Ele é da sua equipe, seu homem de confiança. Imagino
que não soe bem ele desviar doações feitas para criancinhas, ameaçar uma mulher e a criança que
ela pretende adotar. — Se havia qualquer cordialidade por parte do prefeito, que fosse para
agradar Flora, se esvaiu naquele instante.
— Entendido, Ricardo — ele disse seco, a raiva evidente em sua feição.
— Acho que já podemos ir — Flora interrompeu nosso diálogo e virou em direção a
Alexander. — Querido, obrigada por me receber e, se possível, me avise quando estiver tudo
acertado. — Quase engasguei com o querido e imaginava o que naquele momento passava na
cabeça de Chloe.
— Flora, Flora... Você não me deu uma resposta. — O olhar colérico já havia sumido e até o
tom de voz foi abrandado. O prefeito sequer esperou que Chloe e eu saíssemos da sala.
— Amanhã, Alexander. Hoje quero passar um tempo com essa pequena mulher que vai se
tornar mãe.
Que papo estranho! De cenho franzido, peguei pela mão uma Chloe que estava mortificada
com a enxurrada de informações que chegou até nós e saí da sala, deixando que Flora tivesse um
pouco de privacidade. Que loucura!
Caminhamos pelo corredor. Minha mulher estava séria, os lábios cerrados em uma linha
fina, e pensativa. Uma ruguinha formou-se entre seus olhos e sua testa franzida.
Chegamos à recepção e logo Flora nos alcançou. O prefeito não havia a acompanhado até lá.
Ela falou algo para Silvius e ele se despediu da recepcionista, nos levando de volta para o prédio
da prefeitura, de onde iríamos embora.
Saímos em silêncio e ao chegarmos à entrada principal, o secretário acenou em despedida e
retornou à residência oficial do prefeito.
— Tia Flora, acho que a senhora tem muitas coisas para me explicar.
— Estou aqui pensando que você ainda é uma menininha bem da atrevida, mas como
sempre foi fofa, eu relevei. Vou te explicar sim, Chloe, mas não agora. Vá aproveitar seu noivo,
descansem e se curtam, pois em breve terão uma criança para cuidar. Jantamos hoje à noite?
— Promete que não vai me esconder nada?
— Vou contar tudo o que você precisa saber, minha querida.
Flora despediu-se de nós dois e caminhou em direção ao carro elegante, que então vimos
estacionado próximo de onde estávamos, tendo sido recebida pelo motorista uniformizado.
— O que foi isso, amor? — Chloe me questionou.
— Vou morrer sem compreender os mistérios da sua tia Flora. — Deixei um beijo em sua
testa e fomos em direção ao nosso carro.
***
O tempo parecia não querer passar. Chegamos ao hotel e tentamos cochilar, ler um livro,
conversar ou qualquer outra coisa que nos distraísse da ansiedade, mas nada ajudava. Chloe
estava deitada ao meu lado, também virava de um lado para o outro, inquieta. Puxei seu corpo
para junto do meu e ficamos de conchinha.
— Calma... — sussurrei em seu ouvido, aproveitando para deixar beijos atrás da sua orelha.
Quando percebi o arrepio na sua pele, ri baixinho e beijei seu pescoço, apertando-a ainda mais
contra o meu corpo.
— Já não sei nem o que pensar, Rick. — A voz saiu rouca, gostosa de ouvir. Seus dedos
entrelaçaram os meus e guiaram minha mão pelo seu corpo.
— Agora não vamos pensar em nada, só aproveitar esse tempinho juntos. — Soltei nossas
mãos e a virei de frente para mim. Com os dedos embrenhados em seus cabelos, beijei sua boca
macia e quente.
Eu me perdia em seu cheiro gostoso, seu corpo firme, seus carinhos, a maciez dos seus
dedos quando corriam pela minha pele e as sensações que causavam em mim. Sua voz rouca
pedindo em meu ouvido o que apenas eu poderia lhe dar e ser o responsável pelo seu êxtase era
demais, chegando a ser melhor do que alcançar o meu próprio ápice.
No fim da tarde, fui acordado com o telefone tocando alto pelo quarto. Saí da cama
sonolento, achei o aparelho celular jogado no tapete, sobre a camisa que usava quando cheguei
ao quarto. O nome que piscava na tela me fez atender rápido.
— Doutor Mathieu?
— Ricardo, tenho boas notícias. — Advogado não costuma estar de brincadeira quando diz
que tem boas notícias. Caminhei rápido até a antessala e me acomodei em uma poltrona,
tentando não acordar Chloe.
— Então diga, doutor.
— O juiz deferiu o direito de convivência com a criança. Olha, eu realmente não consigo
explicar o que está acontecendo, mas o juiz parece ter gostado de vocês ou até mesmo há alguma
força superior disposta a ajudá-los. — Ele riu do que disse, era engraçado um advogado acreditar
no sobrenatural. — Mas o que importa é termos conseguido.
— Eu nem sei o que dizer... Obrigado? — suspirei, sem saber lidar com a informação
recebida. Betina ia morar com a gente. Era isso mesmo? — Bom, e o que fazemos agora?
— Já pedi a um advogado do escritório que fosse ao Fórum buscar o alvará assinado pelo
juiz. Amanhã de manhã iremos até o orfanato. Como vocês têm contato com a diretora, podem
deixá-la avisada. Nós vamos buscar a criança, Ricardo.
— Muito obrigado, doutor. — Segurei firme o embargo na voz. O advogado, ao colocar em
palavras, conseguiu me tirar do torpor. Íamos buscar Betina.
— Ainda temos um longo caminho, Ricardo. Mas o direito de convivência foi uma vitória
enorme. É um passo importante. E também estou ligando para avisar que já temos a data do
casamento de vocês. Tem certeza que irão casar sob a lei francesa?
— Quero facilitar ao máximo a adoção, doutor.
— Está certo. Quando o alvará estiver em minhas mãos, lhe aviso.
Finalizamos a chamada e permaneci inerte por um longo tempo. Um filme passava na minha
cabeça. O que havia sido a confusão de sentimentos nos últimos meses. Onde eu havia chegado.
O que estava prestes a fazer.
Concluí que estava muito certo do que queria para minha vida. Queria minha mulher, nosso
casamento, nossa filha. A família que nós dois íamos construir. Não havia nem uma vírgula de
dúvida.
O tempo estava esfriando, vesti uma calça e sentei na varanda do quarto. Sozinho, observei a
cidade, fiz planos, sorri feito bobo admirando Chloe que ainda dormia... Imaginei sua carinha e o
brilho nos olhos quando saísse com Betina do orfanato.
Tudo estava sendo colocado em seu devido lugar.
Capítulo 37
Chloe
— Preparada? — Beatrice perguntou. Eu estava sentada no sofá da sua sala, ela havia
acabado de assinar os documentos referentes à liberação da Betina e, teoricamente, já estávamos
aptos a sair com ela. Contudo, ainda havia um caminho a ser percorrido. A pequena não sabia
nem que estávamos no orfanato, tampouco que sua espera por uma família havia acabado.
Passamos a noite em claro. Eu chorava tanto, com uma emoção que não cabia em meu peito,
que foi Rick quem precisou avisar a tia Flora que o jantar precisaria ser adiado.
Quando Rick recebeu a notícia do advogado, eu estava dormindo, mas depois ele me
acordou eufórico. Minha primeira reação foi entrar em choque. Não esbocei nada além de ficar
imóvel no meio da cama. Não conseguia sequer pronunciar alguma palavra. Depois de um
tempo, talvez até tendo frustrado as expectativas do meu noivo quanto à minha reação, saí da
cama e encostei na porta de vidro que separava a varanda do quarto.
“Agora sou mãe”, eu disse e as lágrimas me dominaram. Chorei compulsivamente, como se
um peso de anos saísse de mim. Rick me acolheu até que eu me acalmasse e, finalmente, um
sorriso brotasse em meu rosto.
Éramos pais.
Difícil não lembrar da criança que chegou à França, recém-órfã da mãe, tendo que confiar
no “tio” que, de repente, tornou-se pai, em uma casa estranha, com pessoas que não lhe
acolheram.
Eu não remoía o passado. Passado fica no passado foi um dos grandes ensinamentos
deixados por Laurent. Mas fugir das lembranças era quase que uma missão impossível, quando
pareciam fervilhar em minha mente.
Rick e eu seríamos diferentes no trato com Betina. Ela teria uma família de verdade e
faríamos o possível para minimizar os traumas que podia ter passado com a morte prematura da
mãe e os anos no orfanato.
Suspirei e olhei para minha amiga. Bea seguia firme, segurando as lágrimas, seus olhos já
estavam até irritados. Sorrimos juntas. Ela viu nosso amor nascer, nosso vínculo, a cumplicidade,
o carinho que desenvolvemos uma pela outra.
Eu queria ser mãe tão nova? A pergunta deveria ser: Betina me queria como mãe? Se minha
filha quisesse, eu seria a melhor que ela poderia ter e todos os dias reafirmaria tal compromisso.
Então sim, eu estava pronta. Por ela, eu sempre estaria.
Levantei do sofá e arrumei e passei a mão pela saia, tirando um amassado que não existia.
Também ajeitei uns fios de cabelos que não estavam fora do lugar e entreguei o copo vazio para
Bea — ela havia me oferecido água na tentativa de me acalmar, pois me emocionei muito
quando chegamos ao orfanato, munidos com a documentação que permitia a saída da Betina.
— Estou! — Bea me abraçou e foi minha vez de segurar as lágrimas.
— Eu torci muito por esse dia. Quando a outra família demonstrou interesse por ela, meu
coração se apertou. Por ela, por você. Betina ficou desesperada, se escondia deles. Graças a
Deus, mesmo com a esposa insistindo por ela, o marido achou melhor desistir do pedido de
convivência. Eu tinha no meu coração que entregaria Betina para vocês e agora estou em paz.
— Obrigada por ter cuidado dela, por nos encorajar também. Você foi essencial, Bea!
— O processo de vocês foi um tanto peculiar, correu muito rápido, nunca vi nada parecido,
mas o que importa é terem conseguido. — Bea era, acima de tudo, uma profissional séria. Eu não
entendia nada de leis, mas pelo pouco que tive conhecimento sobre adoção, ela tinha total razão,
nosso processo foi mesmo peculiar. Eu também não sabia explicar, pois o que fizemos foi
contratar bons advogados e deixar nas mãos deles.
— Talvez seja pela idade dela — disse, um pouco sem graça pelo olhar avaliador de Bea.
— É, pode ser. Como eu disse, estou muito feliz por ter dado certo. — Nos abraçamos
novamente, mas minha amiga ainda não havia sido convencida da normalidade do nosso
processo. Paciência.
— Aqui está, senhorita Beatrice. A documentação assinada. — Doutor Mathieu aproximou-
se de nós duas, anteriormente ocupava com Rick a mesa da Beatrice, onde conferiam novamente
os documentos. Entregou e ela uma pasta preta. Bea agradeceu e a arquivou, já havia assinado o
que lhe cabia.
— É agora, linda. — Rick parou atrás de mim, enlaçou minha cintura e falou em meu
ouvido. Não era o lugar, tampouco o momento, mas lá estava eu arrepiada com o seu toque. O
safado riu e revirei os olhos.
— Posso trazê-la?
Acenamos em confirmação e Bea saiu da sala. Quando retornasse, nossa filha estaria com
ela. Senti um frio na espinha, mas logo me endireitei. Prometi que por ela eu seria forte e não iria
descumprir.
— Vou deixá-los sozinhos para terem privacidade com a garotinha. Estarei na recepção.
Aguardo-os para o caso de terem alguma dúvida.
— Doutor Mathieu, mais uma vez, muito obrigado. Chloe e eu não temos palavras
suficientes para agradecê-los.
— Mande nossas lembranças à doutora Celine, ela foi muito importante — pedi e o
advogado sorriu em confirmação.
— Não precisam agradecer, foi um prazer trabalhar ao lado de vocês e fazer parte deste
momento tão especial. Falo também por Celine, foi um processo que tivemos o prazer de
atuarmos em conjunto.
Ele acenou e saiu da sala.
Aproveitei a rápida privacidade que tivemos para agarrar o pescoço do meu noivo e beijar
sua boca. Ele riu com o susto da minha investida, não esperava que o fizesse ali, na sala da Bea,
no entanto, não se fez de rogado e retribuiu o beijo. Mas do jeito Rick. Com a mão enorme ele
me prendeu junto de si e invadiu minha boca, sua língua chicoteou a minha e com a mão livre ele
guiou minha cabeça para a sua. Dominador. Gostoso. E todo meu.
— Chega, amor. Agora temos uma criança. — Desacelerei nosso beijo e o segurei pelos
ombros, o afastando o suficiente para que me olhasse nos olhos.
— Chloe, Chloe... Vai ter que se comportar de agora em diante. — Ele me abraçou
novamente e disse com a boca colada em meu ouvido.
— Eu, Rick? Tem certeza? — Ele riu e nossa interação encerrou com uma batida na porta.
Nos recompomos e aderimos à máscara de pais sérios que seríamos para a nossa filha.
— Olha quem está aqui, Betina! — Bea espiou a sala e virou para trás, onde estava a
pequena que, por sua vez, escapou e passou por baixo do braço dela. Betina estava eufórica, mas
parou de súbito no meio da sala. Seus olhinhos arregalaram e suas bochechas logo estavam
coradas. Então ela pareceu se controlar e seu olhar endureceu. Betina nos encarava brava.
Ninguém se movia. Ela cruzou os bracinhos e continuava nos encarando. Rick e eu trocamos
um olhar, e juntos, buscamos Bea, pedindo um socorro silencioso.
— Não está feliz por encontrar a Chloe e o Rick? — Beatrice se aproximou e parou atrás de
Betina, tocando em seus ombros.
— Eles não voltaram para me ver — ela respondeu sem desviar o olhar e nos ensinou uma
importante lição: Betina lutava pelos próprios sentimentos. Aos cinco anos, era uma menininha
valente e segura. E eu meu enchi de orgulho da minha filha.
Sem saber como reagir, eu olhei para Bea e ela me encorajou a aproximar. Bea se afastou e
deixou que nos entendêssemos. Caminhei devagar até onde Betina estava, me abaixei, e quando
fiquei ao seu alcance, falei olhando em seus olhos:
— Eu não podia vim antes. Lembra que falamos com você que tínhamos coisas de adulto
para resolver, mas prometemos que voltaríamos?
Ela não respondeu, mas balançou a cabecinha em confirmação. Uma garotinha geniosa. Tia
Flora ia amar conhecê-la. Dei um sorriso com o pensamento e voltei minha atenção para ela.
— Então, conseguimos resolver tudo e voltamos com uma notícia. Quer saber o que é?
Novamente, ela apenas balançou a cabecinha. Quando dei por mim, Rick estava ao meu
lado. Ele também abaixou na altura dela.
— Não vai me cumprimentar, bonequinha? — A voz amorosa não deixou de ser firme e
gostei de saber que seríamos um equilíbrio na criação dela.
— Oi. — Ela queria se render, a vozinha gostosa de ouvir chegou até nós, mas ainda se
manteve parada e com a carinha fechada.
— Eu disse que te buscaria, não disse? — Rick falou um pouco mais sério, demonstrando
que birras não teriam espaço em nossa casa. E eu gostei disso. Nunca permitiria que Betina
usasse da própria história para vitimizar-se ou para chantagens. Ela aprenderia que todo mundo
passa por momentos difíceis.
— Disse. — Fez efeito, pois ela já havia soltado os bracinhos e a carranca estava desfeita.
— E sabe o que viemos fazer aqui hoje? — Ela negou com o seu novo meio de comunicação
preferido, que era balançar a cabeça. Mas os olhinhos já estavam cheios de lágrimas. Ela sabia
sobre o que Rick lhe falava. — Viemos te buscar, filha.
Foi o suficiente. Betina arregalou os olhinhos e olhava de um para o outro. Eu sorria,
emocionada, os olhos cheios de lágrimas.
— Eu vou morar com vocês?
— Você quer morar com a gente? — Toquei suas mãozinhas e ela afirmou. As primeiras
lágrimas descendo pelo rosto infantil e delicado.
— Você é minha mamãe. — Ela agarrou forte meu pescoço e eu a apertei contra mim. — Eu
senti saudades, mamãe. Chorei, fiquei muito triste e depois fiquei com raiva de vocês.
— A mamãe também sentiu saudades, meu amor. Mas agora nós três vamos ficar juntos.
Olha aqui para a mamãe. — A afastei um pouco e beijei seus olhos. — Entende que até hoje
estava morando em um orfanato? A mamãe e o papai não podiam tirá-la daqui sem autorização.
— Ela endireitou o corpo e não desviou o olhar. Betina tinha apenas cinco, mas uma maturidade
assustadora.
— E agora eu posso ir? — perguntou e foi a vez do pai receber seu carinho.
— Agora você pode estar com a gente onde estivermos, bonequinha. — Ela também agarrou
o pescoço do Rick.
— Papai, podemos ir agora?
— Podemos, meu amor. — Rick levantou e a pegou no colo.
— Ah, assim tão rápido? Não vai se despedir de mim? Dos monitores? Dos coleguinhas? —
Bea perguntou e ela riu, pedindo para ser colocada no chão.
— Vou, tia, mas tem que ser rápido, porque tem muita coisa para fazer com os meus pais.
— Vem cá, sua linda! A tia vai sentir sua falta, mas quero que seja muito feliz, tudo bem? E
se precisar de qualquer coisa, estarei aqui por você, Betina.
— Tia, a senhora é amiga da minha mamãe, pode ir me visitar.
— Fofura, é claro que eu vou te visitar.
— Agora me leva para despedir, tia? — Betina pediu, puxando Bea pela mão.
— Vamos lá, apressadinha, mas chama seus pais para irem juntos.
Capítulo 38
Ricardo
Chegamos ao hotel de mãos dadas com Betina e carregando uma bolsa pequena de viagem,
onde estavam todos os seus pertences. Era triste, se pensássemos bem. Cinco anos de história
resumidos em uma pequena bolsa.
Com a mão livre, Chloe carregava uma bonequinha pequena da Betina — uma das poucas
lembranças que tinha da mãe biológica — e depois me confidenciou o quão nostálgico foi, pois
anos atrás era ela chegando à casa de Laurent com uma bonequinha nas mãos. Se tinha alguém
que compreendia cada sentimento de Betina, era Chloe.
Fomos pegos de surpresa com a rápida decisão do juiz e o apartamento ainda não estava
pronto, pois minha mulher inventou muitas outras intervenções no imóvel.
Pedimos o almoço no quarto. A pequena ficou encantada pela varandinha que tinha vista
para a Torre Eiffel e o tempo todo comentava o quanto eram lindas as florzinhas que ornavam o
espaço.
Pai de menina linda, fofa, carismática e com um gênio forte.
Suspirei profundo e observei Chloe arrumar Betina para nossa ida às compras. Ela penteava
seus cabelinhos e a pequena corria os dedinhos pelo rosto da mãe. O encantamento das duas foi
espontâneo. Se reconheceram, se amaram e a verdade era que Chloe foi a grande responsável
pela adoção de Betina. A protagonista, como as mães costumam ser.
Passamos a tarde comprando roupas, sapatos, brinquedos e tudo o mais que Betina ia
precisar para uma vida normal. Chloe talvez tenha achado que estava brincando de boneca e
Betina pareceu ter gostado. Uma boa dupla que somente encerrou a brincadeira de passar o meu
cartão quando já não tínhamos condições de segurar as sacolas.
— Aquele vestido é muito lindo, mamãe. — Enquanto eu tentava trabalhar no computador,
Betina tirava suas compras das sacolas, com a ajuda da mãe. Meu novo hobbie, ao que parecia,
era observá-las.
— Você pode usar ele hoje à noite. — Chloe pegou o vestido preto de veludo e mangas
compridas e o estendeu sobre a cama. Íamos jantar no apartamento que Flora mantinha em Paris.
Era para ter acontecido no dia anterior, mas quando recebemos a notícia dos advogados que
poderíamos buscar Betina no orfanato, pedimos a ela que adiasse, para que a pequena também
pudesse ir.
— A tia Flora vai gostar de mim?
— Impossível não gostar de você, meu amor.
— Você também vai usar um vestido preto?
— Hum... Deixa eu pensar... — Chloe sentou sobre a cama e puxou Betina para o seu colo.
— Sim, vamos nós duas de preto.
— Laço também? Eu quero usar aquele de quadradinho. — A pequena apontou para um laço
enorme xadrez, preto e branco, e depois o pegou na mão, levando até a lateral da cabeça. Chloe
tirou um espelho da bolsa e o colocou diante de Betina.
— Laço a mamãe não vai usar... Mas olha, a mamãe também tem franjinha.
— É, nós duas temos franjinha. — Betina passou os dedinhos pela franja de Chloe e as duas
entraram novamente no mundinho delas. Minhas duas mulheres.
Que belo recomeço eu estava tendo a oportunidade de viver! Não deixaria que nada tirasse a
paz e a alegria da nossa família.
***
Quando íamos sair do quarto, Chloe vestiu Betina com um sobretudo. A pequena ainda
usava meia-calça preta, parecendo ao final uma verdadeira miniatura da mãe.
O caminho até o apartamento de Flora foi rápido e quando chegamos ao prédio elegante,
minha filha pediu colo.
— O que foi, bonequinha? — A ergui nos braços e ela enlaçou meu pescoço.
— Só quero ir no colo, papai. — Beijei seu rostinho e entramos no elevador. Chloe e eu
trocamos um olhar. Betina estava insegura em encontrar Flora, uma pessoa da família e que era
importante para a mãe. Aquilo fez meu coração arder com a responsabilidade que ali entendi ter.
Ela confiava em mim.
Peguei a mão da minha mulher quando as portas do elevador abriram no hall do apartamento
de Flora. A senhora estava lá de pé, pronta para nos receber.
— Vamos descer? — disse baixinho para Betina, a colocando no chão. Segurei sua
mãozinha e então Flora aproximou-se.
— Oh, minha querida, você tinha uma filha perdida por aí e nunca me contou? — A mulher
ficou pálida. Já tinha visto Betina no orfanato, mas estava claro que não havia a percebido na
oportunidade. Já a pequena, arregalou os olhos e virou em direção à mãe, enquanto era alvo do
olhar assustado de Flora.
— Tia Flora... — Chloe tentou repreender a tia, mas desistiu e voltou-se para a filha. — Ela
quer dizer que você é muito parecida com a mamãe.
— Ah, eu sou mesmo, tia Flora. — A pequena levantou o olhar para a senhora e lhe
estendeu a mãozinha. — Betina.
— E eu sou a tia Flora. Já tenho muitos planos para nós duas, Betina. — Minha filha estava
atenta a cada palavra e balançava a cabecinha em confirmação. Chloe e eu nos olhamos,
apaixonados pela pequena falante que agora era nossa maior reponsabilidade. O amor das nossas
vidas.
— O papai disse que sua casa parece com um castelo e fica em... Como chama, papai?
— Annecy.
— Isso, tia Flora.
— Ah, mas parece mesmo. Às vezes lá aparecem princesas, príncipes, fadas... — Flora a
pegou pela mãozinha e saiu andando pela enorme sala do seu apartamento. As duas pararam
diante de uma mesinha que ficava na divisa da varanda. Lá haviam porta-retratos e Flora pegou o
que tinha a fotografia do jardim de Annecy, ao fundo estava sua casa. Era mesmo um castelo.
— Eu posso conhecer, tia? — Betina passava os dedinhos, admirada com a beleza do lugar.
Não desviava os olhinhos e Flora parecia só enxergar ela.
— Mas é claro. Será o castelo encantado de Betina.
— Eu gosto de ter um castelo.
Ah, mas é claro que gostava. Gostava também de roupas, muitas roupas, laços, sapatos de
todos os modelos e cores. E olha que, segundo Chloe, só havíamos comprado o básico, pois
ainda estávamos hospedados em um hotel.
— Ah, o seu pai e sua mãe vão adorar te dar um castelo, Betina.
— Eu posso ter um só pra mim? — Olhei chocado para Chloe e ela pareceu não se abalar.
— Você pode brincar com o da tia Flora — Chloe disse a ela e o assunto foi encerrado.
***
Jantamos e quando fomos à sala íntima para tomar um licor, Betina estava sonolenta. Ela
lutou contra o sono, mas dormiu em meu colo. Logo Flora pediu que a colocássemos em seu
quarto. Não no de visitas, mas no seu. Achamos um tanto engraçado, pois Flora era discreta e
pouco acessível. Suas residências eram como fortalezas.
Eu a levei no colo e Chloe arrumou um cantinho na cama, colocando travesseiros ao seu
redor.
— Ela não é exatamente um bebê. Pesada, inclusive — disse enquanto Chloe terminava a
arrumação. Tirou os sapatinhos, o laço do cabelo e cobriu suas perninhas com uma manta que
estava sobre a cama.
— Mas pode rolar e cair no chão. Está em um lugar que não conhece — ela finalizou e virou
para mim. A puxei para beijar sua boca.
— A melhor mãe que eu poderia escolher para meus filhos — falei entre os beijos, minha
mão passeando pelas suas costas.
— Filhos? — Nos afastamos e ela abraçou meu pescoço.
— Acha que vamos parar em Betina?
— Não... — Chloe deixou beijos em meu pescoço e subiu para minha orelha. Eu a apertei
ainda mais contra meu corpo, já sentindo o desconforto.
— Mais tarde — sussurrei em seu ouvido e ela deu um sorrisinho safado, se afastando.
Retornamos à sala e Flora nos aguardava sentada em uma poltrona de couro na cor
caramelo. Lembrava a que Marina e Antônio tinham em seu apartamento. Ela havia trocado o
licor pelo vinho e acendido um charuto. Recusamos e depois nos acomodamos em um dos sofás.
Ela nos entregou uma fotografia antiga.
O registro em preto e branco mostrava uma turma de seis pessoas, reunidas ao redor de uma
mesa, no que parecia ser uma cobertura de algum apartamento. Havia taças espalhadas sobre a
mesa e garrafas de vinho, água e alguma outra bebida, talvez uísque.
Duas mulheres e quatro homens. Chloe analisava a fotografia com o cenho franzido, atenta
aos detalhes.
— Papai?
— Seus dois pais, minha querida. Laurent e Vincent, meus irmãos.
— Aqui é a senhora, tia Flora. — Chloe apontou para a jovem que usava um penteado
imponente e muitas joias. Entre os dedos estava um charuto. Ela sorria, uma mulher alegre, com
uma beleza estonteante.
— E aqui é Carla, uma grande amiga. — Flora apontou para a outra mulher, igualmente
bonita e elegante.
— Quem a senhora quer nos mostrar, tia?
Bobo é quem não colocava fé na inteligência de Chloe. Ela era tímida e de poucas palavras,
mas extremamente observadora.
— Isso é uma das coisas que mais gosto em você, minha querida. Sua perspicácia.
— É mesmo, tia?
— Esse era o meu grupo da juventude. Carla, meus irmãos, Nicolas e Alexander.
— O prefeito e o juiz? — Chloe praticamente gritou, os olhos arregalados com o susto. — O
que a senhora fez, tia?
— Reparei um erro de muitos anos atrás — Flora suspirou e nos olhou longamente. —
Passamos a juventude juntos, Chloe. Viajávamos, dávamos as melhores festas, tínhamos muitos
planos. Eu ainda tinha meus dois irmãos ao meu lado. Nicolas estudou com Vincent desde a
infância, eram inseparáveis. Quando seu pai teve o acidente, Nicolas estava estudando em
Londres, sofreu muito. Ele e Carla haviam acabado de se casar e ele se preparava para ser juiz.
Alexander e eu namoramos por bastante tempo e eu, provavelmente, seria a primeira-dama de
Paris, se não tivesse descoberto suas escapulidas. Separamos, ele casou com outra mulher e ficou
viúvo há alguns anos. Alexander e Laurent eram melhores amigos, também estudaram juntos.
Carla e eu fomos agregadas ao grupo, pois eu vivia colada em meus irmãos e obviamente levei
minha amiga comigo.
— E o que isso tudo tem a ver com a adoção da minha filha, tia?
— Eu disse a você que se soubesse os planos de Laurent, teria intervindo. E sim, eu pedi
ajuda aos meus amigos, e não sinto o menor remorso por isso. Vocês serão incríveis para Betina,
não tenho dúvidas, mas dificilmente conseguiriam essa adoção. E se conseguissem, seria após
anos de luta. Idade, estado civil, nacionalidade, moradia. Não se enganem, seriam muitas visitas
de assistentes sociais e muita boa vontade do juiz responsável. Por obra divina, caiu nas mãos do
Nicolas.
— A senhora estava no gabinete do prefeito.
— Sobre isso, Alexander não sabia que Silvius foi atrás de você, dou a minha palavra.
Inclusive, Silvius já nem ocupa mais o cargo.
— Nós agradecemos, Flora. O que importa é nossa filha estar com a gente.
— Chloe?
— Ah, tia... Eu amo muito a senhora. Tenho certeza que será a tia preferida da minha filha.
— Me perdoa, Chloe. Tentei me redimir, confesso, pelo o que não fiz por você enquanto
criança. Que você seja muito feliz com a sua família.
Capítulo 39
Chloe
Dois dias no hotel e estávamos enlouquecidos para retornarmos ao meu apartamento. Com
exceção de Betina, que estava achando tudo divertido demais, inclusive tomar café da manhã na
varandinha do quarto, brincar na antessala ao lado do pai, enquanto ele trabalhava, e almoçar e
jantar no restaurante do hotel. Uma vida perfeita para a sua maturidade de cinco anos.
O meu apartamento já estava quase pronto. A fase atual era a entrega e montagem das
mobílias novas, inclusive do quarto da Betina. O imóvel que Rick mantinha na cidade não estava
disponível, pois uma família estava prestes a fechar a compra.
No dia que jantamos com tia Flora, ela colocou o seu à disposição, enquanto o nosso não
ficava pronto.
— Eu faço questão, esse apartamento enorme fica fechado praticamente o ano todo. Vocês
sabem que gosto mesmo é de ficar quietinha em Annecy. O apartamento é todo de vocês.
Eu finalizava as malas que levaríamos para o apartamento da tia Flora e Betina estava com
Rick. Ele a sentou em seu colo e penteava seus cabelinhos. A pequena ainda estava dentro de um
roupão cor-de-rosa que ia quase até os seus pés e calçava um par de pantufas de unicórnios. Um
pacotinho fofo demais e que em pouquíssimo tempo tornou-se nosso universo.
Parei o que estava fazendo para assistir Betina ensinar o pai o jeito certo de prender o seu
laço. Meus olhos marejaram com o amor de pai e filha, com a cumplicidade que estavam criando
e a segurança que ela demonstrava buscar nele. Suspirei e voltei para a minha atividade, não
tendo sido notada pelos dois.
Também estava ansiosa pelo encontro que teria logo mais. Na verdade, já estava quase na
hora, era só o tempo de Betina ficar pronta. Larguei as malas que estavam em cima da cama e fui
até o espelho que ficava dentro do closet.
Passei um longo minuto apenas a me observar.
Engraçado que haviam certos momentos em minha vida que eu tinha a necessidade de me
olhar, como se me redescobrisse e afirmasse a mim mesma quem eu era.
Era um dia que precisava ser segura, por mim e pela minha filha.
Pela manhã recebi o telefonema da enfermeira que cuidava da minha mãe. Estávamos
tomando o café e quando vi o nome na tela do meu celular, dei um pulo e corri para a antessala.
Eu tremia de nervoso e custei a atender a chamada. O que poderia ter acontecido para ela entrar
em contato? Imaginei que se quisesse apenas me dar notícias de Blanche, teria enviado uma
mensagem, como estava acostumada a fazer.
O alô saiu estremecido e o que a enfermeira tinha para me falar não melhorou minha
situação.
Blanche queria me ver. E queria conhecer minha filha.
Foi ingenuidade achar que tal informação não chegaria rápido aos seus ouvidos. Fazíamos
parte da família de Corse, e se tia Flora tinha bons contatos em nosso país, Blanche não ficava
para trás. Não importava como ela ficou sabendo sobre a adoção de Betina, mas sabia e queria
conhecê-la.
Rick não gostou nada de saber que eu queria aceitar o encontro. Deixei claro no telefonema
que eu iria sim vê-la, mas quanto à Betina, dependeria de uma conversa com o pai dela. Não
tomaria sozinha decisões sobre a vida dela.
Meu noivo não gostou, óbvio, e ele até tinha razão de não querer que Betina tivesse contato
com minha mãe. Mas ela já havia perdido o bastante e me achei na obrigação de dar a ela a
chance de ter a avó materna.
Blanche não faria nenhum mal a ela, pois eu não deixaria.
Percebi que mamãe talvez quisesse levantar a bandeira branca dias atrás, quando telefonou.
Na total falta de assunto, ela perguntou se eu estava passando alguns dias em Paris ou se havia
voltado para minha cidade.
Fiquei sem entender o contato, pois mamãe fingiu ter esquecido tudo o que havia ocorrido
entre nós, inclusive o último encontro em sua casa.
No entanto, aceitei que fosse aquele o seu jeito de tentar consertar as coisas, mas por ainda
estar chateada com ela, não forcei e nem facilitei nenhuma situação. Se ela quisesse, que me
procurasse novamente. Eu me daria um tempo para assimilar tudo. E, quem sabe no futuro, eu a
procurasse para nos acertarmos.
Fui surpreendida por ter sido ela a tomar iniciativa de nos encontrarmos, embora estivesse
receosa de incluir Betina.
Ricardo tentou negociar para ir junto, mas barrei, o encontro seria apenas com nós três e, ao
final, ficou combinado que ele nos levaria e esperaria no carro. Um arranjo que precisava dar
certo.
A mulher que eu enxergava no reflexo do espelho seria forte para brigar pela filha e
defendê-la de qualquer pessoa. E iria reencontrar a mulher que lhe criou.
Passei os olhos pela roupa que vestia, no mesmo tom de rosa do vestido que Betina
escolheu, e soltei um suspiro. Chega de enrolação. Quando virei de costas para sair do closet,
avistei Rick. Ele estava encostado na parede da entrada do pequeno cômodo e me olhava.
Trocamos um longo olhar e caminhei para os seus braços, nervosa, buscando seu abrigo e
força.
— Eu confio em você. É uma ótima mãe e não vai deixar que nada aconteça com Betina. E,
sinceramente, não acho que Blanche vá fazer algo ruim, nem com ela e nem com você. Então
tente ficar tranquila, é um momento importante para vocês três.
Era com se ele soubesse cada palavra que eu precisava ouvir.
***
Rick estacionou o carro diante da enorme escadaria e Betina estava boquiaberta. Em uma
velocidade inigualável, comentava tudo o que via no jardim de Blanche, desde à fonte, às
esculturas, à grama verdinha e as várias palmeiras, flores e árvores. Era mesmo impressionante e
Betina ficou maravilhada com tudo o que via ainda dentro do carro.
Ele abriu a porta para mim e na sequência abriu a porta traseira, tirando a filha da
cadeirinha.
— O papai vai ficar aqui no carro, esperando você e a mamãe. Comporte-se, tudo bem? Faça
tudo o que a mamãe pedir. — Rick abaixou na altura dela e segurou seu queixo, firmando o olhar
dos dois.
— Por que não vai com a gente?
— É um encontro só de mulheres — ele respondeu e ela assentiu.
— Vamos? — chamei Betina e ela esticou o bracinho para que eu pegasse sua mão.
— Vamos, mamãe.
— Eu estarei aqui, linda. — Rick passou o braço ao redor da minha cintura e deixou um
beijo em meus lábios.
— Eu sei. Te amo e obrigada por ter concordado. — Trocamos um olhar que significou
nossa cumplicidade. Ele cedeu por mim.
Ainda estávamos nos primeiros degraus quando a porta da entrada foi aberta pela
governanta, que usava o alinhado e usual uniforme. Mamãe surgiu logo em seguida e após falar
algo com a funcionária, esta a deixou sozinha para nos receber.
Senti um calafrio na espinha, mas não desviei o olhar dela. Contudo, Blanche sequer deve
ter me enxergado, pois seus olhos estavam grudados em Betina.
Minha menina passou a mãozinha livre, pois a outra estava colada na minha, pelo vestido, e
depois no cabelinho, no lado oposto ao laço. Ela me buscou com os olhinhos.
— Está linda, meu amor.
Ela me deu um sorrisinho inseguro e seguimos de mãos dadas até chegarmos à Blanche.
— Boa tarde — mamãe nos saudou quando chegamos ao topo da escada. O clima entre nós
era frio. Mamãe e eu não estávamos à vontade na frente da outra, mas senti que ela buscava que
nos acertássemos e decidi que faria minha parte. Não seria da noite para o dia, mas o primeiro
passo foi dado.
— Blanche — a cumprimentei, um tanto fria, mas olhei em seus olhos. Era o que eu
conseguia para o momento.
— Chloe, como vai? E essa pequena princesa? Estava ansiosa para conhecê-la. — Se
comigo as coisas não fluíam tão naturalmente, dona Blanche não disfarçou que em relação à
minha filha seria diferente. Ela estava encantada por Betina.
— Eu sou Betina e a mamãe disse que a senhora é minha vovó. — A pequena, que não
dispensava atenção, esticou o bracinho para que a avó a cumprimentasse.
— Sim, eu sou sua vovó. — Eu estava atrás da Betina e diante da minha mãe. Procurei os
olhos dela, estavam marejados, com uma emoção que em todos os anos de convivência eu ainda
não havia visto. — Por que não me dá um abraço? — Betina soltou minha mão e enlaçou o
pescoço da minha mãe, abraçando-a forte. Blanche abaixou um pouco para recebê-la e nossos
olhares se cruzaram. Ali foi como se já tivéssemos nos resolvido. Olhos marejados, corações
palpitando, emocionadas.
— Venham, vamos entrar. — Depois de um longo abraço, ela afastou um pouco Betina e lhe
analisou, conhecendo minha filha, que em nenhum momento desviou o olhar. Então deixou um
beijo em seu rosto e com dificuldade colocou-se de pé. — Mandei preparar um lanche para nós.
— Obrigada, vovó. — A pequena também estava encantada com Blanche, que pegou sua
mão para entrar na casa.
Passamos pelo hall e chegamos à sala de jantar. Blanche queria mesmo impressionar a neta.
Betina não disfarçava seu deslumbre com o tamanho e a beleza da casa da avó. Ela não deixava
nenhum detalhe passar e seus olhinhos se arregalavam cada vez mais.
A mesa estava posta. A louça era delicada, com pequenas flores pintadas; a roupa de mesa
era cor-de-rosa e azul, tudo muito gracioso e feminino.
— Fiquem à vontade.
— Que mesa linda, vovó. — Betina continuava reparando em tudo. Quando me descuidei, lá
estava ela passando um dedinho pelo guardanapo impecavelmente dobrado e pela flor de
porcelana posta sobre ele.
— Sua mãe também gostava muito dessa louça, lembra Chloe? — Blanche parou ao meu
lado e de Betina, tocou no cabelinho dela, fazendo um carinho.
— Lembro. Usamos em um ou dois aniversários meus. — Sim, a louça era uma das minhas
preferidas e Blanche deixou que eu a escolhesse em algumas ocasiões.
— E quando recebeu um grupo de amiguinhas do colégio.
— Sim... me lembro. — Eu estava atordoada com as lembranças da minha infância e
adolescência, por ter minha filha dentro da casa onde cresci e em contato com a minha mãe e por
Blanche lembrar de detalhes corriqueiros atinentes a mim, como a louça que eu gostava e ela
pareceu nunca importar. Eu não conseguia encarar Blanche, meus olhos ardiam e eu sentia meu
rosto queimar. O nosso encontro iniciou muito diferente de qualquer cenário que eu tenha
imaginado e nada me preparou para a forma como estava acontecendo.
— Eu também vou poder receber minhas amiguinhas, mamãe? — Betina desviou a atenção
da mesa bem-arrumada para mim, me tirando dos meus pensamentos e da melancolia que insistia
em permanecer em mim.
— Claro, meu amor. Podemos fazer um chá com as bonecas de vocês. — Fiz um carinho em
seu rosto e ela balançou a cabecinha, concordando.
— Com todas as bonecas que o papai comprou — acrescentou.
— Pode usar a casa da vovó. — Blanche fez sinal para que nos sentássemos e eu ajudei
Betina.
— O jardim também? — A pequena já se sentia íntima da avó, mais uma vez me causando
um aperto no peito. Eu não estava preparada para toda aquela avalanche de acontecimentos e
emoções.
— O que você quiser, Betina — ela respondeu para minha filha, mas o olhar foi direcionado
a mim. O que Blanche queria?
— Vou querer essa... Como chama, vovó? — Ela olhou para a avó e apontou o pratinho
onde eu havia lhe servido uma fatia de bolo.
— Louça.
— Isso aí. E esses paninhos também. — Minha filha acenou orgulhosa, apontando para os
guardanapos e o forro de renda que cobria a mesa.
— Combinado. — Mais uma vez o olhar da minha mãe queimava em minha direção, me
parecendo indecifrável e me deixando confusa.
Capítulo 40
Chloe
O lanche rendeu. Blanche e eu conseguimos conversar o suficiente para não deixar um clima
gélido em nossa tarde, mas estava claro para nós duas que Betina era a estrela do encontro e, se
não fosse sua presença, ele não teria passado de dez minutos.
A pequena já havia comido tudo o que podia. Mentalmente, calculei que não renderíamos
tanto. Era hora de nos despedirmos.
Blanche deve ter tido o mesmo pensamento, pois chamou a governanta e quando ela
aproximou-se, pediu que levasse Betina ao meu antigo quarto.
— Leve minha neta ao quarto que era da Chloe e lhe mostre as bonecas que estão sobre a
cama, são todas para ela.
— Mamãe. — Betina me olhou assustada e colocou uma mãozinha sobre a minha perna.
Respirei fundo e quando ia intervir, Blanche me fez um sinal, um balançar de cabeça sutil.
Entendi que ela queria ficar sozinha comigo.
— Pode ir com a Lou, não demoro a ir lá te encontrar. — Segurei seu rosto e deixei um beijo
em sua bochecha.
Assim que as duas saíram da sala de jantar, Blanche me chamou para sua sala íntima, a
mesma em que nos desentendemos na última vez que estive em sua casa. Mal havíamos nos
acomodado e uma funcionária nos trouxe uma jarra com água. Pouco tempo longe do universo
de Blanche e eu me sentia desacostumada com a estrutura da sua casa.
— A senhora me parece bem melhor. — Tentei quebrar o gelo, totalmente sem assunto com
a minha mãe.
— Me sinto bem agora — ela respondeu e me avaliou. — Lembro do dia que chegou em
casa, estava de mãos dadas com o seu pai e segurava uma bonequinha. Não foi um dia fácil para
mim. E os dias seguintes também não foram. Meu casamento nunca mais foi o mesmo.
— Hoje eu tenho a convicção que para ter evitado tantos problemas, preferia que ele não
tivesse me trazido da Suíça. — Cada palavra doía ao ser pronunciada e eu lutava bravamente
para não chorar, já sentindo o ardor em meus olhos pelas lágrimas que segurava.
— Seu pai fez o certo. Independentemente das circunstâncias, você era uma criança. Eu
tinha que ter me apegado a isso, Chloe. — O tom compassivo me deixou em alerta. Blanche não
era de abaixar a cabeça para situação alguma, tampouco reconhecia algum erro. De fato, eu
estava surpresa ao extremo.
Suspirei e Blanche também. Ela fez uma pausa, levantou, serviu um pouco de água e voltou
para a poltrona onde estava anteriormente.
— Eu pedi que viesse aqui para lhe pedir desculpas, Chloe. — Senti o baque. Torci os dedos
sobre o meu colo e fechei os olhos brevemente, antes de levantar o olhar em sua direção. —
Desculpas por desde o seu primeiro dia nesta casa. Chegou aqui com a mesma idade da sua filha,
assustada e com saudade da sua mãe. Foi tão desafiador. Eu tive que lidar com o ciúme que
sentia de Laurent e tantos outros sentimentos. Ao mesmo tempo, havia o vínculo que eu via
nascer entre nós duas. Depois de um tempo você começou a me chamar de mãe, talvez porque
ouvia seus irmãos me chamarem assim, eu queria te ensinar as coisas, que fizesse tudo do meu
jeito, como se tivesse algo meu em você. Eu nunca soube lidar com a nossa relação. Eu podia
passar horas narrando cada episódio que preciso me desculpar, mas sei que não seria o suficiente.
E por isso peço que, se você puder e conseguir, coloque uma pedra sobre tudo e se abra para
tentarmos recomeçar nossa relação, Chloe.
Levei um longo instante para dizer algo, digerindo cada palavra, lidando com a emoção e o
aperto em meu peito. Eu ainda não havia compreendido a real intenção da minha mãe, mas
jamais fingiria que nada aconteceu entre nós duas, não quando estava aprendendo a enfrentar
meus sentimentos e dores.
— Você me magoou muito, Blanche — disse firme, após endireitar o corpo e soltar um
suspiro.
— Mãe... Por favor, não deixe de me chamar de mãe — ela pediu e lhe lancei um olhar. Ela
sustentou, Blanche não fugia de um embate. — Você é minha filha, Chloe. Sempre foi. Eu sei
que errei de muitos modos com você, mas reconheço que sempre esteve ao meu lado, dando
atenção, cuidando, sendo minha companhia. Sempre ignorou o distanciamento que muitas vezes
impus entre nós duas e até mesmo as palavras rudes. Você esteve aqui em todos momentos e
confesso que sempre contei com você, tinha a segurança que você nunca me deixaria, embora
não lhe falasse isso.
Pela segunda vez naquele dia e de um jeito que nunca vi antes, Blanche estava emocionada.
Todos os sinais corporais demonstravam tal coisa, mas além disso, os olhos marejaram tanto que
ela precisou enxugar com o nó do dedo.
— O que mudou? — Por dentro eu tremia. No fundo, passei anos esperando pelo momento
que ela me reconheceria. Eu a enxergava como minha mãe, não a chamava assim da boca para
fora. Cuidei dela em todas as vezes que foi necessário e me perguntava o porquê de, na maior
parte do tempo, parecer invisível para ela.
— Você me fez sentir sua falta. — Ergui a sobrancelha e lhe dei um olhar enviesado. Ela
não se abalou, mais uma vez sustentou meu olhar e me levantei. Fui até a janela que dava para o
jardim da casa. A cortina estava fechada, mas parei próximo a ela, afastei um pouco o véu e
observei o imenso gramado. Anos de convivência com Blanche passavam como flash em minha
mente. Quando me dei conta, ela também havia levantado e estava ao meu lado. — Eu sei,
parece bobo, mas é isso. Naquela tarde em que saiu pela porta da frente e não voltou mais, eu
compreendi que até aquele momento, foi a única que sempre esteve ao meu lado. Eu senti sua
falta, Chloe. Falta de conversar, de me meter nas suas coisas e até das implicâncias. Queria sua
presença na minha casa. Mesmo que estivesse em seu quarto, eu sabia que estava sob os meus
olhos.
Não respondi. Meus olhos estavam fixos no gramado e no carro estacionado ao redor da
fonte esculpida em pedra. Eu não era obrigada a me acertar com Blanche. A nossa conturbada
relação me doía e nos últimos tempos passei a refletir sobre ela. Por outro lado, não me sentia no
direito de apontar os erros da minha mãe, pois jamais poderia me colocar a placa de quem nunca
erra. Ela estava tentando acertar. Os olhos não mentem, e os dela me passaram sinceridade.
Ademais, quem conhecia Blanche sabia que ela não fazia média para ninguém. Era orgulhosa. Se
me pediu desculpas foi por, em algum momento, ter refletido e se arrependido dos seus atos.
Suspirei novamente. Corri os dedos pela minha roupa e cruzei os braços. Confusa, emotiva,
melancólica.
— Eu continuo com o Ricardo — avisei e depois de um tempo virei para o lado, olhando-a.
Não encontrei qualquer resquício de raiva ou incômodo, então me voltei novamente para o
jardim.
— Vão casar, adotaram uma garotinha, eu sei de tudo. — Ergui a sobrancelha em sua
direção e ela revirou os olhos. — Passou anos ignorando a influência da nossa família, Chloe.
Sua tia me deixou de fora de tudo, mas esqueceu de lhe contar que eu também fazia parte da sua
turma na juventude e, igualmente, também era amiga de Carla, Vincent, Alexander e Nicolas. Foi
naquela época que me apaixonei por seu pai. Carla me contou sobre o processo da adoção e
procurei Flora, tivemos uma boa conversa.
— Ricardo está neste momento dentro do carro estacionado em seu jardim. É a última vez
que ele vai esperar lá fora, a não ser que não queira entrar. — Foi a minha resposta. Se Blanche
ergueu a bandeira branca em minha direção e da minha família, eu abri a porta para que entrasse.
Estava disposta a viver dias de paz.
— Sua família é bem-vinda em minha casa, Chloe. Mas saiba que Ricardo e eu nunca fomos
melhores amigos.
— Eu sei.
— Sobre a minha neta. — Betina, sem que eu percebesse, havia se tornado meu ponto frágil
e, ao mesmo tempo, o que me fortalecia. Bastou que minha mãe se referisse a ela para que eu
ficasse novamente ressabiada. Encarei-a, de braços cruzados na altura do peito e cenho
endurecido. — Quero ter acesso a ela, vê-la crescer, apresentá-la ao meu círculo de amigos,
participar de tudo que a envolva.
— E terá, desde que respeite os limites que colocarmos. O pai dela e eu. — Eu não tinha a
intenção de afastar Betina da própria família. Laços sempre foram importantes e ela nos teria ao
seu lado para nos certificarmos que teria em sua vida apenas pessoas que lhe queriam bem. — E
tem outras duas coisas que a senhora precisa saber e respeitar. Vamos para o Brasil, já até
montamos nossa casa lá, e Betina vai ter uma infância o mais próximo do normal.
Ela assentiu e me olhou nos olhos. Um olhar profundo, com uma emoção que me fazia
querer chorar, por não saber e nunca ter lidado com uma Blanche amorosa.
— Vem cá, Chloe. — Ela esticou os braços em minha direção. Estávamos as duas paradas
de frente para a outra. Não foi por carência ou pura ingenuidade que fechei os olhos para muitas
atitudes que teve comigo, mas sim por tentar enxergá-la fora da casca e ver que, no fundo, existia
afeto. Blanche errou muito, mas eu ainda não conseguia me ver no papel de julgá-la e apontar
seus erros. Se ela me pedia uma segunda chance, era óbvio que eu daria. Sempre com os olhos
abertos, ainda mais que agora eu tinha Betina e, para a minha filha, Blanche só poderia deixar
lembranças boas. Eu lhe abracei e minha mãe me segurou forte em seus braços. — Me perdoa,
Chloe? — ela pediu ainda abraçada comigo, com a voz embargada. Minhas lágrimas finalmente
foram libertas, correram livres pelo o meu rosto. Mamãe me afastou um pouco para que nos
olhássemos e esperou minha resposta.
— Sim, mamãe, estamos resolvidas. — Ela deixou um beijo em minha testa. Após me
avaliar novamente e depois de mais um longo abraço, me afastou gentilmente.
— Vamos encontrar Betina? Pensei em montar um quarto para ela aqui em casa, para
quando quiserem deixá-la comigo. — Ergui a sobrancelha para ela, nunca a imaginei tomando
conta de uma criança. — Minha neta não vai passar as férias comigo aqui em Paris?
— Vocês vão ter muitos momentos juntas, mamãe. Acho ótima a ideia do quarto, mas pelo o
que já conheço da minha filha, ela vai adorar usar o quarto que era meu.
Mamãe assentiu. Betina ia mesmo gostar de herdar algo meu.
— Você agora é mãe, Chloe. Minha garotinha é mãe. E será muito melhor do que eu fui para
os meus três filhos.
— Não pense nisso. E acho que é o momento de lhe contar algo. Venha, sente-se
novamente. — Nos acomodamos e depois de organizar mentalmente o que iria falar, contei a
minha mãe o grande segredo que guardei por uma vida.
Blanche fez um longo silêncio, estava lívida e parecia remoer lembranças. Ela levantou e
serviu mais um pouco de água. Depois foi sua vez de caminhar até a janela da sala e observar o
próprio jardim. Suspirei, ainda sem saber o que se passava em sua mente, até que mamãe
resolveu falar.
— Laurent não podia ter feito isso comigo, com a nossa família. As coisas podiam ter sido
tão diferentes, Chloe...
Eu não poderia discordar, não quando remoía a minha própria história e muitas vezes pensei
em como poderia ter sido diferente. Uma luta mental eterna, pois sabia reconhecer o que Laurent
fez por mim.
Ela retornou aos sofás e me coloquei de pé. Depois de me abraçar mais uma vez, nos guiou
para fora da sala íntima.
Seguimos juntas para o andar superior, onde Betina nos aguardava. Blanche passou o braço
pelo meu corpo, me levando para junto de si.
***
Retornamos ao hotel com uma Betina adormecida. Ela dormiu no carro e o pai a levou no
colo até o nosso quarto. As malas estavam prontas para nos despedirmos da nossa estadia no
Plaza Athenee e passarmos os próximos dias no apartamento de tia Flora. Ela havia voltado para
Annecy, muito mais para nos deixar à vontade em sua casa do que por sentir falta do refúgio no
interior do país. Tia Flora estava apaixonada por Betina e eu tinha certeza que muito em breve
estaria de volta em Paris.
Nossa transição foi concluída à noite. Os funcionários de tia Flora fizeram o jantar,
acenderam a lareira e nos receberam com dois quartos preparados. O de Betina estava repleto de
bonecas e ursinhos, era o meu preferido do apartamento. Por algumas vezes me hospedei nele
quando tia Flora estava na cidade e eu queria passar um tempo com ela.
O cômodo fora decorado com papel de parede floral dentro de boiseries, que são molduras
postas na parede, móveis brancos e no estilo provençal. A cortina era rosa-claro e o véu, florido.
Betina tocou em cada móvel. Na cama com dossel, na penteadeira e parou sobre o tapete
felpudo. Mal sabia ela que o quarto que preparei em meu apartamento era praticamente uma
cópia deste.
— Eu vou dormir aqui? — Ela ainda olhava encabulada para o cômodo, descobrindo a cada
instante um detalhe novo que lhe encantava.
— Você gostou? — Rick perguntou.
— É um quarto de princesa, papai.
— E você é a princesinha do papai. — Ele abaixou e ela correu para abraçá-lo.
— Se eu sentir saudades, posso ir no quarto de vocês? — Betina olhou do Rick para mim e
fez a pergunta que era a tradução da confusão de sentimentos dentro dela. Minha filha sentia
medo e insegurança, nos provando que ainda tínhamos um caminho para percorrer quanto a
integrá-la em nossas vidas.
— Sempre, meu amor. Mas acho que você vai gostar muito de ficar aqui. — Dei um beijo
em sua bochecha e a puxei pela mão, levando-a até a varanda do quarto. Assim como eu, Betina
se encantava com varandinhas.
— Também acho, mamãe.
— Vamos jantar, filha. E depois, cama. Precisa descansar, pois amanhã você vai conhecer
várias pessoas legais.
— Conhecer a vovó Ana e o vovô Elias.
— E a tia Laura e o tio André.
— Isso, papai. Então vamos logo jantar e dormir.
Capítulo 41
Ricardo
Betina, que estava adorando os cafés da manhã fartos e sempre com coisas que gostava de
comer, não havia tocado em nada que estava sobre a mesa. Após muita insistência da mãe,
tomou um gole do leite.
— O que foi, filha? — Eu imaginava o que estava deixando Betina apreensiva, mas
precisava que ela falasse. Sempre a incentivaria a expor seus sentimentos e enfrentá-los.
— As visitas já estão chegando? — Com receio na voz, ela questionou.
— Nós vamos buscá-las no aeroporto. — Pousei o garfo sobre o prato e tomei um gole do
café, não deixando de analisá-la.
— Eu também vou? — perguntou, remexendo a geleia sobre a fatia de pão em seu prato.
— Quer nos contar algo?
— Se as visitas não gostarem de mim, eu continuo com vocês? — Assim como eu já havia
feito, Betina colocou as duas mãozinhas sobre a mesa e me direcionou a pergunta, a expressão
séria. Às vezes nem parecia que tinha só cinco anos. Chloe olhou de mim para Betina e levantou
da mesa. Na noite anterior, quando a colocamos na cama, ela nos pareceu animada para conhecer
os avós e os tios André e Laura. Mas Betina nos provava ser uma caixinha de surpresa e
sentimentos.
— Vem cá, vocês dois. Reunião de família.
Minha mulher caminhou sem olhar para trás até uma das salas, seguida por Betina e eu.
Escolheu uma poltrona, fez sinal para que eu me acomodasse na outra que ficava ao lado da sua
e puxou a mesa de centro para perto de nós dois, sentando Betina sobre o tampo.
— O papai e a mamãe podem explicar sempre que necessário, mas gostaríamos que você
entendesse algo, filha. — Chloe pegou as duas mãozinhas de Betina e a olhou diretamente nos
olhos. — Nós dois escolhemos ser os seus pais, nós tomamos a decisão de te adotar, pois
gostamos muito de você desde o primeiro encontro no orfanato.
— Eu também gostei, mamãe. — Ela balançou a cabeça, confirmando. Betina, desde o
início, compreendeu a seriedade da conversa que teríamos, mas ao falar seus olhinhos nos
mostraram o quanto estava emocionada. Eu queria pegá-la no colo e protegê-la para sempre, mas
não podia. Tinha que dar a ela a chance de nos escutar, de plantar dentro dela a sementinha da
certeza sobre o nosso vínculo de pais e filha.
— Então entende que a nossa decisão não dependeu de mais ninguém? Tudo bem se não
entender agora, quando estiver maior, vai compreender. O quero dizer, é que não precisamos da
aprovação de ninguém para termos você como filha. Nós te escolhemos e nada pode tirar você de
nós dois — Chloe prosseguiu e ela assentia, sem desviar os olhinhos de nós dois.
— Tá bom — disse com os olhinhos cheios d’água.
— Filha, presta atenção no que o papai vai te falar. Seja sempre você, essa menininha linda
que encantou o papai e a mamãe. Você não precisa da aprovação de mais ninguém e nem ficar se
esforçando para agradar os outros. Não tem motivo para se preocupar se as pessoas vão gostar de
você. O papai e a mamãe amam você e isso basta, tudo bem?
Ela levantou da mesinha e foi até mim, passando os bracinhos ao redor do meu pescoço.
— Eu também amo — declarou com a vozinha embargada, libertando as lágrimas que foram
todas para a camisa que eu vestia. Segurei firme seu corpinho, acarinhando seus cabelos.
— Que bebê sentimental. — A afastei um pouco, enxuguei seus olhinhos e beijei sua testa.
Nem precisei olhar para o lado para saber que Chloe também chorava.
— Para, papai — ela pediu, algumas lágrimas ainda escorrendo pelo seu rostinho.
— Tá bom, parei. — Apertei seu nariz, uma brincadeira nossa, arrancando um sorriso
tímido. — Mas olha, não é por ser minha filha, mas acho impossível que as pessoas não gostem
de você. Pode ficar tranquila. — Beijei seu rosto e me levantei da poltrona.
— A mamãe também acha? — Betina colocou as mãozinhas sobre as pernas da Chloe e
ficou aguardando a resposta. Um dia essa insegurança ia passar e eu faria de tudo para ajudá-la.
— Eu acho que eles nem te viram pessoalmente e já te amam. — Chloe lhe assegurou e
Betina finalmente abriu um sorriso enorme.
— Posso escolher minha roupa? — perguntou para a mãe e colocou-se de pé. Escolher as
próprias roupas era uma ótima distração que a nossa filha gostava.
— Vai lá, bonequinha. Vou resolver algumas coisas do trabalho e em uma hora saímos para
o aeroporto. — Dei um beijo em Chloe e as duas saíram para o quarto de Betina.
Íamos viver um dia de cada vez.
***
O nosso casamento civil estava marcado para acontecer às onze horas da manhã em um
cartório da cidade. Na sequência teríamos uma pequena reunião em um restaurante de frente para
o rio Sena. Fazia uma semana que meus pais, Laura e André haviam chegado a Paris.
Eu andava de um lado para o outro na sala principal do apartamento. Mamãe estava no
quarto ajudando Betina a se vestir e Chloe se arrumava em nosso quarto. Do sofá, meu pai me
olhava com a sobrancelha erguida.
— Ansioso, filho? — Ele tomava uma xícara de café e a deixou sobre a mesinha lateral ao
sofá.
— O suficiente para convencer Chloe a se casar do jeito que está. Não acho que seja
necessária tanta demora para se arrumar.
— Estamos bem adiantados. — Ele consultou o relógio de pulso e voltou o olhar para mim.
— Como eu confirmei, ansioso.
Meu pai riu e balançou a cabeça em negação.
— Acredito que esteja no melhor momento da sua vida. Está feliz, realizado, tem até uma
filha. E apaixonado. Até demais. — O velho sorriu de novo, o que tomou toda minha atenção,
pois meu pai não era um homem de muitos sorrisos. — Aproveite cada momento da sua nova
vida, Ricardo. Curta seu casamento, a comemoração, curta sua filha. Aliás, lhe devo um muito
obrigado pela neta. É uma criança muito especial.
— Ela é sim. Queremos mais, pai. — Me acomodei ao seu lado e recebi um sorriso e olhar
de aprovação do meu pai.
— Vocês vão se sair bem. Não foi uma decisão fácil ter apenas um filho. Depois que você já
estava crescido, sua mãe e eu lamentamos por não termos lhe dado um irmão. Os filhos são
criados e passam por situações e experiências para serem melhores que os pais.
— E um dia meus filhos serão melhores pais do que eu fui.
— É esse o espírito da coisa, meu filho.
***
Chegamos ao cartório e era a vez de Betina demonstrar toda a sua ansiedade. A pequena
usava um vestido de manga comprida na cor pérola, a mesma cor do vestido que a mãe usava. O
tempo todo exibia o cabelo, que foi arrumado pela avó, e dizia que dona Ana sabia fazer os seus
penteados.
Uma família inteira rendida pela pequena falante, que já fazia o que bem queria com o
austero seu Elias.
Enquanto o juiz de paz conduzia a celebração cível, mantive um braço ao redor da cintura de
Chloe e o outro esteve sobre os ombros de Betina, que só saiu da nossa frente quando fomos
assinar o livro.
Laura e André foram as nossas testemunhas. Ao final da celebração ganhei um abraço
apertado da minha amiga de infância, que de tão emocionada, disse que só conseguia desejar que
eu fosse muito feliz. Era mais do que o suficiente.
Além dos nossos padrinhos, também participaram da celebração meus pais, Flora, que nos
encontrou no cartório, e Blanche, que chegou acompanhada do seu motorista. A sua aparição me
causou um mal-estar de imediato. Embora Chloe tivesse avisado que havia convidado a mãe, não
botei fé em sua presença.
Pela alegria da minha esposa, foi bom ter me enganado. Eu já havia desistido de tentar
entender a relação entre as duas. Desde que Blanche fosse impecável no tratamento com Chloe e
Betina, eu faria o possível para ter uma boa convivência com ela.
O sim que recebi de Chloe foi único.
Dias antes fiz uma reunião com o executivo de uma empresa da qual a Lima e Assumpção
detinha mais da metade das franquias. Tínhamos certa amizade pelos anos que já fazíamos
negócios e lhe contei sobre o meu casamento com Chloe. Ele também era viúvo, havia se casado
novamente e disse algo que ficou em minha mente: Nenhum sim é igual ao outro. Algo tão
simples, mas que somente o cara que perdeu uma esposa e se permitiu amar novamente, poderia
compreender.
— Eu vou com a vovó Blanche. — Betina, toda decidida, pegou a mão da avó materna e
caminharam juntas para o carro que as esperava na porta do cartório, após termos recebido os
cumprimentos.
Ao chegarmos ao restaurante, fomos surpreendidos com o que os nossos familiares e amigos
providenciaram. Eu devia ter desconfiado, pois Laura estava presente e ela não se contentaria
que tivéssemos apenas um almoço de comemoração. O espaço destinado aos nossos poucos
convidados foi decorado com muitas flores, nas cores branco e rosa. Sobre uma mesa de madeira
havia um bolo de casamento e vários doces, postos em peças de prata.
Chloe olhava admirada para a pequena mesa decorada. Sobre ela também havia duas taças e
um balde de prata com uma garrafa de champanhe dentro.
Parei atrás dela e enlacei sua cintura, correndo os lábios pelo seu pescoço macio.
— Minha esposa. Para sempre minha esposa! — A apertei contra o meu corpo e deixei mais
beijos em sua pele. — Eu te amo muito, minha linda!
— Meu marido! Eu casei, amor!
— Você é bem sortuda, Chloe de Corse Lima e Assumpção!
— Eu sou mesmo, não nego!
Brindamos, tiramos fotos e almoçamos ao som do violinista que Laura pediu ao restaurante.
Chloe e eu não cabíamos de felicidade. O sorriso parecia ter sido congelado em nossos rostos e
eu desejei aquele dia para sempre em minha mente. Que eu nunca esquecesse o dia que Chloe
tornou-se oficialmente minha mulher.
No meio da tarde, Betina já estava cansada. Ela sentou no colo da mãe, que conversava com
Laura, e demonstrava toda sua vontade de ir para casa. Ela ia ficar na companhia dos avós, para
que Chloe e eu pudéssemos ter uma noite só para nós dois.
De longe, vi quando Blanche se despediu dos meus pais. Passaram praticamente todo o
tempo conversando, embora nós dois tivéssemos nos evitado. Minha sogra me surpreendeu,
confesso. Foi agradável, participou das fotos e brindes, deu muita atenção à minha filha e
pareceu verdadeiramente feliz pelo momento da minha esposa.
Ela aproximou-se de onde Chloe estava, que no mesmo instante desceu Betina do colo, e as
duas ficaram de pé. Trocaram algumas palavras e juntas foram até mim.
— Eu já vou indo, fazia tempo que não ficava tanto fora de casa. Desejo que vocês sejam
felizes, Chloe e Ricardo. Que façam bem um ao outro e juntos possam escrever uma linda
história para minha neta.
— Obrigada, mamãe.
— Agradeço por ter vindo, Blanche.
— Se não se importarem, tenho um pedido para fazer. Ana comentou que irão passar a noite
fora, e sei que em breve vão para o Brasil, então gostaria que Betina ficasse comigo essa noite.
Chloe e eu nos entreolhamos. Era incrível que em tão pouco tempo criamos a cumplicidade
de nunca decidirmos sozinhos nada sobre a nossa filha. Mas era a mãe dela, então a incentivei
com o olhar.
— Betina ainda não passou a noite longe de nós dois, vamos perguntar a ela? — Blanche
assentiu e a pequena era puro entusiasmo pela noite que teria com a avó. Só mesmo Betina para
achar divertido estar na presença de Blanche, mas ela nunca seria contaminada pelos meus
pensamentos não tão bons em relação à minha sogra.
Ficou combinado que mais tarde o motorista de Blanche buscaria Betina no apartamento que
estávamos e a avó garantiu que ia junto.
Capítulo 42
Ricardo
Dois meses depois do nosso casamento civil chegou o momento de retornar ao Brasil com a
minha família ao lado. Chloe decidiu adiar a cerimônia do nosso casamento para quando Marina
já tivesse ganhado o bebê que carregava. Isso porque, a nossa cerimônia religiosa foi atrasada em
razão dos trâmites para a adoção da Betina, um excelente motivo, afinal e, quando finalmente
podíamos realiza-la, ela não achou justo fazer com que Marina enfrentasse horas de voo até a
França com a gravidez adiantada.
O que me interessava era já estar formalmente casado com minha mulher e pai da minha
filha. Qualquer outra comemoração podia esperar.
Estávamos retornando ao Brasil não apenas para iniciar um tempo em meu país, mas
também para participarmos da celebração onde Antônio e Marina iam se casar novamente.
Se eu não estivesse vivendo algo tão extraordinário em meu relacionamento com Chloe,
certamente acharia desnecessária uma nova cerimônia de casamento. A verdade era que eu já não
conseguia nem mais estranhar e torcer o nariz para as festas que André e Laura promoviam
anualmente para comemorar os aniversários de casamento.
— É seu papai? — Betina retesou na pista de pouso quando aproximamos da aeronave com
o Lima e Assumpção gravado em sua extensão e perguntou com o dedinho apontado para ela.
— É sim, bonequinha. — Parei ao seu lado e Chloe do outro.
— E meu também? — Betina levantou o olhar pra mim, os olhinhos franzidos pela claridade
do dia, a pergunta me soou séria. Eu segurei uma risada, mas procurei respondê-la com o
máximo de seriedade que consegui.
— De jeito nenhum, quando a senhorita crescer, trabalhar e ficar rica, poderá comprar um
avião para você. — A pequena arregalou os olhinhos e me encarou. Betina ia sim usufruir de
tudo o que o dinheiro dos pais podia comprar, mas nós nunca a deixaríamos esquecer que
precisava conquistar as próprias coisas.
— Não sei se assim é divertido, papai.
— Ah, mas com certeza não é.
— Amor... — Chloe tentou me repreender, mas ela também segurava o riso e sempre
reclamava que eu conversava com nossa filha como se ela fosse adulta. Não era, Betina era meu
bebê, mas eu gostava de entrar na onda quando ela queria ser tratada com mais maturidade do
que tinha para os seus cinco anos. Eu me divertia nesses momentos.
— Somente situando a nossa pequena gastadeira, linda. — Chamei Chloe para o meu lado e
passei o braço ao redor da sua cintura, deixando um beijo em seus cabelos.
— Vamos filha, não quer conhecer por dentro? — Perguntei e ela novamente levantou o
olhar para mim.
— Quero colo, papai.
Uma coisa que minha filha tinha o costume de fazer era pedir colo quando se sentia insegura
e, a cada vez que o fazia, meu coração quase perdia uma batida. Era incrivelmente bom para o
ego ser o porto seguro de alguém.
Subi as escadas da aeronave carregando Betina nos braços, Chloe nos seguia logo atrás
carregando sua bolsa e uma em menor tamanho e cor de rosa, com estrelas douradas, que era da
nossa pequena.
Já dentro da aeronave ela aceitou ir para o chão, mostramos-lhe cada espaço, os assentos,
sala, suíte, cabine do piloto e cozinha. Betina ficou encantada e até mesmo demonstrou não estar
mais receosa com o carro que voa, segundo a sua descrição para aeronaves.
— É bem lindo, papai. Eu vou poder brincar enquanto ele voa?
— Pode brincar, assistir filme...
— Comer também, ne?
— Comer também.
Pousamos em Curitiba e fomos recebidos pelos meus pais, que só gastaram tempo comigo e
Chloe perguntando como havia sido a viagem e depois a atenção foi toda direcionada para a neta,
que não os poupou dos detalhes.
Fomos para a nossa casa, que nem tivemos tempo de aproveitar, mas agora seria com a
família completa. Infinitamente mais especial do que havíamos planejado. Betina ficou mais uma
vez encantada com o quartinho que montamos para ela, este com mais espaço, decorado pela tia
Laura, que atendeu todos os pedidos feitos à distância por Chloe.
***
No dia seguinte subimos a serra em direção à casa que Antônio e Marina mantinham na
região, onde aconteceria a cerimônia de casamento deles.
Minha amiga convidou a mim e Chloe para sermos seus padrinhos e Betina para dama de
honra. Minha filha havia conquistado meus amigos, a apresentamos para Antônio e Marina em
uma chamada de vídeo e não demorou para que Betina se sentisse a vontade ao falar com eles.
Nas chamadas seguintes já perguntava por Arthur e foi convidada para ser a dama de honra.
Inicialmente ela não sabia do que se tratava, mas depois que Chloe explicou a função, Betina
gastava seu tempo ensaiando sua entrada no corredor de casa e revendo as fotos do vestido que
Marina escolheu para ela.
Eu estava orgulhoso da história que Antônio e Marina reconstruíam, depois de dois anos
separados eles se reencontraram e decidiram retomar o relacionamento. Um novo casamento, um
filho e o início de uma nova história.
Estar apaixonado e com sede de reconstruir minha vida, me fazia enxergar as coisas de outra
forma. A tal da sensibilidade.
Chegamos ao local da cerimônia próximo ao horário marcado, estacionei o carro e depois de
descer, ajudei minhas garotas. Betina estava engraçada evitando muitos movimentos, com receio
de amassar o vestido ou estragar o penteado feito pela mãe. Chloe a olhava orgulhosa, no jeitinho
que as duas tinham de se admirar e se entender.
Nos identificamos na entrada e, depois de liberados, caminhamos pelo jardim bem cuidado
da propriedade. Fazia anos que eu não ia até lá, era um lugar gostoso para descansar. Quem sabe
Chloe não toparia comprarmos uma casa na região, seria interessante passar os finais de semana
longe da correria de Curitiba. E um excelente lugar para Betina brincar livre e criar todos os
animaizinhos que ela já dizia querer.
Cumprimentamos Antônio e as famílias, revi e apresentei Chloe para alguns amigos antigos
e logo minha esposa e eu fomos encaminhados para o altar. Betina seguiu de mãos dadas com a
cerimonialista, ela entraria com as alianças.
Eu tentei me concentrar nas palavras do celebrante, mas estive concentrado em segurar o
riso, pois Chloe era só suspiros e lágrimas durante toda a cerimônia. Eu falava que ela e Betina
eram emocionadas demais e as duas sempre me repreendiam.
Minha atenção ficou presa e meu coração perdeu uma batida quando minha filha passou pelo
tapete. Linda, altiva e com os olhinhos brilhando ela caminhou carregando uma cestinha de palha
com flores no arco. Dentro dela estavam as alianças sobre uma almofadinha. Ao se aproximar do
altar ela mandou um beijo para Chloe e eu e foi minha vez de quase chorar de emoção. Um dia,
mas em um tempo muito distante, provável que fosse ela atravessando o tapete e eu estaria ao
seu lado.
Quando finalizada a cerimônia, escolhemos uma mesa, dividindo com André e Laura e mais
um casal de amigos. Eu senti que minha amiga queria falar algo comigo, tentaria em algum
momento conversar com ela.
O momento surgiu mais rápido do que imaginei. André havia saído da mesa para falar com
dois primos que moravam em outro Estado, estavam em Curitiba apenas para a cerimônia, em
uma rodinha com o noivo. O outro casal foi dançar e bastou que nós três, ela, Chloe e eu
ficássemos um segundo a sós, para iniciar o assunto.
— Sabe que já pensamos na adoção. — Ela disse olhando para onde Betina brincava com
mais duas menininhas, filhas de primos do Antônio.
— Mas decidiram tentar mais um pouco. — Respondi, pois conhecia bem a determinação de
Laura e André para terem filhos através de uma gravidez. E estava tudo certo, adoção não
deveria ser vista como um meio “tapa-buraco” para quem quer ter filhos.
Ela fez um longo silêncio e depois nos encarou.
— Não fomos totalmente seduzidos pela ideia.
— Acho que estão no caminho certo. Chloe e eu não programamos sermos pais tão rápido, a
adoção da Betina caiu em nosso colo. Na verdade, eu nunca havia pensado em adotar uma
criança. O que posso dizer através da nossa experiência é que a adoção não deveria ser enxergada
apenas como um meio de nos fazer pais. Adoção não é um bote salva-vidas que realiza sonhos.
Envolve muitas outras questões além da paternidade. Acredito que a criança destinada a vocês
será muito felizarda.
— Esperar cansa, Rick. — Ela suspirou e tomou um gole de água com calma, depois
devolveu a taça para a mesa e então me olhou. A agonia que eu enxergava em seus olhos me
machucava. Era difícil não poder fazer nada para ajuda Laura.
— Ah pequena, eu queria ter algo para te dizer e te acalmar, mas infelizmente não faço ideia
sobre o que vocês passam...
Ela assentiu e eu me senti derrotado. Chloe olhava de um para o outro. Então pegou a mão
de Laura sobre a mesa e lhe deu um olhar amoroso, compassivo, que pode ter acalmado, ao
menos um pouco, minha amiga por dentro.
— Eu quase perdi Betina, nós quase perdemos. Aos vinte e dois anos não passou pela minha
cabeça que poderia escolher ser mãe dela. Acredito que Deus tem um tempo diferente para cada
um. Você e André nos ensinam muito sobre casamento, parceria, paixão... Há um propósito no
relacionamento de vocês e na aparente “demora” para chegarem os filhos. Igualmente, também
teve um propósito para que, junto do Rick, eu adotasse Betina, mesmo tão nova e no início do
nosso casamento.
— Já te agradeci por ter me dado essa boneca de amiga? — Ela soltou a mão da Chloe e
enxugou algumas lágrimas que escorriam pelo rosto. — Eu amo muito vocês, obrigada pela
amizade, pelas palavras e por aquele serzinho que chegou para alegrar todos nós.
— Quero até ver quem vai ser mais mimado, Arthur ou Betina. — Chloe brincou,
emocionada com os olhinhos cheios de lágrimas.
— Vou mimar igual, ciumenta. — Laura lhe deu um tapinha na mão e se abanou.
— Assim espero.
Capítulo 43
Chloe
Viver no Brasil estava sendo desafiador. Fazia alguns meses que eu descobria e me adaptava
a uma cultura tão diferente da qual estava acostumada na Europa. Conhecia pessoas, lugares, me
situava na cidade nova e, ao mesmo tempo, tinha que fazer o mesmo por Betina, ser a guia dela.
Em nossa casa, Rick e eu tentávamos não mudar tanto sua rotina. Sempre falávamos sobre
os costumes do seu país e nas poucas vezes que ela vinha com lembranças, nós a incentivávamos
a expor tudo.
Estar no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo não implicaria em esquecermos nossas
origens.
Ainda não havíamos matriculado Betina em um colégio. Primeiro, porque nós gostaríamos
que ela estivesse mais adaptada aos costumes do país, e segundo, porque embora já entendesse
consideravelmente o português, era muito criança para estar horas em um local onde todos
falariam uma língua na qual não tinha fluência.
Inseguranças de pais de primeira viagem.
Contudo, ela fazia aulas particulares diariamente com a grade curricular brasileira, logo,
quando iniciasse no colégio formal, não estaria atrasada em relação aos demais colegas.
O processo de adoção havia sido finalizado no mês anterior, o que mais uma vez nos
surpreendeu, ante o curto espaço de tempo para a sua conclusão, e também nos deixou aliviados.
Em definitivo, Betina de Corse Lima e Assumpção era nossa filha.
Eu continuava trabalhando na InFoco, agora acumulando algumas funções, pois desde que
Marina saiu de licença-maternidade para ganhar Arthur, muitas das suas atividades foram
direcionadas ao Antônio e, consequentemente, ele me passou algumas das suas.
Naquele dia fui em casa almoçar com Betina e depois íamos visitar Marina no hospital.
Minha filha mal conseguiu se alimentar, tamanha a ansiedade para conhecer o bebezinho dos
tios.
— O presente, mamãe. — Estávamos diante do elevador e ela lembrou do embrulho que eu
havia esquecido sobre a poltrona do hall do nosso apartamento.
— Pega pra mamãe? — pedi e ela assentiu contente, como normalmente ficam as crianças
quando são lhe dadas pequenas missões.
— Será que o papai vai gostar? — Betina perguntou, já estávamos dentro do elevador.
Decidi fazer uma surpresa para o meu marido, ia até a empresa buscá-lo para nos acompanhar na
visita. Havia conversado mais cedo com Glorinha e ela informou que ele não tinha nenhuma
reunião naquele dia. A ocasião perfeita para levar Betina até o local de trabalho do pai, onde ela
amava ir.
— Vai sim, meu amor. — Ajeitei o casaquinho que ela escolheu para o dia. Embora
estivesse ensolarado, ventava bastante. Um dia com o clima típico de Curitiba.
Dentro do carro coloquei a playlist preferida da minha filha, um grupo musical infantil
francês. Eu também estava aprendendo o português e treinava a língua nova com Betina. Mas era
tão gostoso vê-la cantando as musiquinhas que gostava. Sentada na cadeirinha no banco traseiro
do carro, ela fazia uma dancinha infantil, balançando os bracinhos e perninhas e também
brincava com a boneca que sempre lhe acompanhava. A coisa mais linda e fofa que trouxe luz
para a minha vida.
Estacionei o carro e logo que desci um funcionário do prédio me abordou, pegou a chave do
carro e me ajudou com Betina. Eu já não precisava passar pela recepção. Depois que o RH
demitiu a recepcionista que não me ajudou na primeira vez que estive na Lima e Assumpção — o
que me incomodou, mas quando tomei conhecimento do ocorrido ela já não estava mais no
quadro de funcionários da empresa —, todos pareciam saber quem eu era e liberavam a
passagem.
Eu preferia assim pelo simples fato de não precisar tentar me comunicar com os
funcionários, pois ficávamos eles e eu constrangidos, já que a maioria só falava o português e eu
ainda não tinha tanta intimidade com o idioma.
Dentro do elevador, Betina me olhava ansiosa, totalmente rendida pelo pai e doida para
saber sua reação quando nos visse chegar de surpresa em seu trabalho.
Mais de uma vez, Rick me disse que gostava quando íamos até a empresa, embora fosse a
primeira vez que não o avisássemos.
Descemos no andar da presidência, Betina de mãos dadas comigo. Quando nos viu, Glorinha
logo levantou para nos cumprimentar, mas a achei tensa.
— Oi, tia Glorinha, eu vim ver o papai. — Minha filha soltou minha mão e correu para
abraçar a secretária do pai. Embora carinhosa com Betina e tenha abaixado para receber seu
abraço, Glorinha não desviava o olhar de mim. Estranha, muito estranha.
— Oi, meu amorzinho. Estava com saudades de você. — Ela deixou um beijo na bochecha
da pequena e colocou-se de pé.
— Eu também.
— Oi, Glorinha. Como vai? — cumprimentei-lhe e a mulher me pareceu ainda mais
esquisita, como se quisesse me falar algo. Por que então não falava?
— Tudo ótimo, Chloe. E vocês?
— Também estamos bem. Ricardo está na sala dele?
— Está sim, mas com visita. — Então era isso, havia alguém na sala do Ricardo e eu
certamente não ia gostar de saber quem era. Não era um compromisso profissional, Glorinha não
teria nenhum problema em me comunicar o surgimento de uma reunião de última hora.
— E quem é? — Ergui a sobrancelha em sua direção, a secretária sustentou meu olhar e
Betina deve ter sentido a tensão que pairava sobre o ar, pois aproximou-se de mim e segurou
minhas pernas.
— Ele já deve estar finalizando e poderá recebê-las. — Assenti e troquei mais um olhar com
Glorinha. Ela nunca falaria, mas estava claro o que eu devia fazer.
— Vem, filha, vamos ver o papai.
Segurei Betina pela mão e fui até a porta fechada do escritório do meu marido. Dei dois
toques e não esperei sua autorização para entrar. Abri a porta e surpreendi meu marido parado
próximo ao jogo de sofás.
Em sua companhia havia uma mulher alta. Cabelos longos, castanhos e cheios. Vestia uma
roupa justa, mas ainda estava elegante, salto alto e havia colocado os óculos de sol no decote da
camisa de seda. Uma bela e estonteante mulher.
Quando adentrei a sala ela segurava seu braço. Betina retesou assim como eu e não correu
para abraçar o pai, como normalmente fazia. Ela parou em minha frente e olhava na direção do
Rick e da sua visita.
Meu marido precisou de alguns segundos para despertar e desvencilhar da mulher que me
encarava. Ele foi até nós, beijou minha boca e a testa de Betina.
— Que surpresa boa! Meus dois amores no meu trabalho.
Não respondi e muito menos Betina. As duas com o olhar fixo na mulher parada na sala
dele, aguardando uma explicação.
— Essa é Fernanda, uma amiga — ele disse, apontando para ela. — Chloe, minha esposa, e
Betina, minha filha.
Ricardo
Tudo o que eu não precisava era receber a visita de Fernanda em meu local de trabalho.
Meses atrás achava ter sido claro com ela quanto à nossa relação. Não éramos namorados,
saímos algumas vezes e gostávamos da companhia do outro, nada além disso. Mas quando
percebi que ela insistia em algo que não existia entre nós dois, eu a chamei para conversar.
Expliquei que não íamos mais nos ver, que eu estava comprometido com Chloe e que não
poderia deixar que Fernanda criasse em sua cabeça situações envolvendo nós dois.
Foi o suficiente por um curto período, mas desde que retornei ao Brasil, ela voltou a insistir
em fazer contato. Telefonava, mandava mensagens e apareceu duas vezes em restaurantes onde
eu jantava com parceiros de negócios. Cheguei a contar para Chloe sobre ela, não tinha nada para
esconder. Eu só não esperava que ela fosse até a sede da Lima e Assumpção.
Nem quando estávamos saindo ela teve tal liberdade. Glória me avisou da sua presença na
recepção do prédio e pensei muito se deveria deixá-la subir. Acabei por decidir que talvez fosse
válido ter uma última conversa com ela.
Um erro enorme.
A única questão da Fernanda em relação a mim era não aceitar que não íamos mais nos
encontrar. Não havia sentimento, planos frustrados ou algo do tipo. Ela apenas não aceitava que
o nosso rolo havia acabado e que não foi ela a responsável por colocar um ponto final.
Fernanda passou cerca de dez minutos dissertando sobre um relacionamento que só existiu
na cabeça dela, sobre a quebra de um compromisso que nunca firmamos e chegou ao ápice de
dizer que poderíamos ter tido um filho juntos. Fernanda tinha a minha idade e às vezes soltava
que gostaria de ter um filho. Chegou até a mencionar que talvez tentasse produção independente.
Não sei em qual momento encontrou liberdade para me incluir em seus planos.
Eu dei nossa conversa por encerrada, estava claro que não havia mais nada para ser
acrescentado, não sairíamos mais. Pedi a ela que não fosse mais à empresa e que não ia atender
suas ligações ou responder suas mensagens. Levantei do sofá e pretendia ir para minha mesa de
trabalho, sinalizando a Fernanda que era a hora de ir embora.
Mas o tempo foi curto e a porta abriu justamente quando ela insistia que ainda tinha coisas
para falar.
Chloe entrou em minha sala seguida da nossa filha, as duas arregalaram os olhos quando
viram Fernanda, que, para completar a cena desconfortável, segurava meu braço com uma
intimidade que não tínhamos mais. E ela, por sua vez, as encarou com o olhar faiscante. Muito
audaciosa. Demorei alguns segundos para reagir, as cumprimentei e fiz as apresentações.
— Então era isso, bastava arrumar uma bastardinha para você, Ricardo? — Não tive tempo
de colocar Fernanda para correr, pois falando em francês, Chloe exigiu saber o que ela havia
dito. Tentei enrolar, não queria chatear minha esposa, mas ela não estava para brincadeira.
— Estou esperando, Ricardo. O que ela disse?
Suspirei fundo e respondi, também em francês. Uma coisa que eu havia aprendido, quando
estava brava, Chloe travava para qualquer outro idioma que tinha fluência.
— Glória... — ela chamou minha secretária. A porta ainda estava aberta e a mulher
rapidamente entrou na sala. — Fique um pouco com a Betina, por favor.
Minha filha, que adorava contestar, não disse nada e saiu com Glória. Boba Betina não era,
sabia a hora de ficar quietinha.
Chloe não me olhava, mas fuzilava Fernanda, e nem os vários centímetros de altura que as
separavam iam parar minha esposa. Enxerguei nos olhos dela o que ia fazer com Fernanda, na
postura também e então a abracei. Passei os braços ao redor do seu corpo e beijei sua cabeça.
Chloe tremia.
— Não precisa, linda — pedi baixinho. — Vou falar uma vez só, Fernanda. Não é bem-
vinda na minha vida e em qualquer lugar que eu estiver. Morda a língua antes de falar da minha
filha ou da minha mulher. Agora saia daqui. E não volte — disse firme e em inglês, único jeito
para que ela e Chloe me compreendessem.
Fernanda me encarou. Talvez tenha pensado que conseguiria me intimidar com o seu olhar
duro, mas só se não me conhecesse mesmo.
— Não chegue perto delas e não me teste. Eu acabo com você se apenas sonhar que tentou
se aproximar da minha mulher e da minha filha. Pode ir.
Apontei para a saída, ainda abraçado com Chloe. Fernanda saiu pisando alto, batendo a porta
na sequência.
Minha esposa me soltou, um bico havia se formado em sua boca linda, os olhos apertados.
Chloe estava enfurecida.
— Hey, volta aqui. — Tentei pegar sua mão, mas ela desvencilhou e foi até a parede
envidraçada da minha sala. Muda e muito puta, ficou observando a rua lá embaixo.
— Me deixa, Ricardo. Acho que a sua amiga não saiu daqui feliz, talvez deva falar com ela.
Revirei os olhos e colei meu corpo no seu. Uma mão apoiei na parede ao lado do corpo dela
e a outra passei pela sua cintura, prendendo-a junto a mim.
— Não deixo não e vou dizer apenas uma vez. Você é minha mulher, somente você. Não
tem espaço para mais ninguém. Antes de qualquer coisa, você precisa sempre me ouvir, é assim
que as coisas funcionam — falei em seu ouvido, sentindo um leve tremor em seu corpo gostoso.
— Agora vira aqui, quero beijar sua boca, estava com saudades.
Virei Chloe para mim e a beijei. Minha mulher, meu recomeço.
Epílogo 1
Chloe
Ricardo
Nunca fui daquelas pessoas que elegem determinada ocasião como a mais importante da
vida. Ou a mais especial. Me parecia ser injusto com os tantos outros momentos importantes,
mas que no calor da emoção, nos esquecemos deles.
Porém, quando me deparei com Chloe entrando pelo tapete espelhado posto sobre o jardim
de Flora, acompanhada da nossa filha, que caminhava na sua frente usando uma miniatura do seu
vestido e sabendo que ela carregava em seu ventre nossos dois outros filhos, elegi aquele como o
atual mais importante momento da minha vida.
Chloe usava um vestido leve, de alças finas, acinturado com um cinto e saia rodada. Quase
enlouqueci quando toquei suas costas e senti sua nudez. Um laço arrematava o cinto. Linda,
delicada e totalmente sexy. Minha, só minha.
Ela escolheu entrar somente na companhia da filha, mas bastou que desse poucos passos
pela passarela para que eu fosse buscá-la.
O celebrante disse coisas bonitas, mas o tempo todo eu tinha minha atenção desviada para a
mulher que não segurava as lágrimas ao meu lado. Não me arrependi de ter insistido na
cerimônia. Depois de devidamente estabelecidos no Brasil, ela até pensou em desistir, dizia que
tudo bem por já estarmos casados, mas pedi que ela seguisse em frente com os planos anteriores
e vi uma alegria enorme renascer em Chloe, em cada detalhe que ela fechava.
Só me dei conta que a cerimônia caminhava para o fim quando o celebrante chamou Betina
e pediu as alianças. Trocamos juramentos de nos respeitarmos e lutarmos até o fim pelo nosso
casamento, fizemos os votos e colocamos as alianças. Casados e com a bênção de Deus.
Minha família e amigos foram para Annecy, tornando ainda mais especial o nosso dia. A
nosso pedido, a cerimonialista organizou para que cumprimentássemos os convidados direto nas
mesas. Fomos direto para a mesa da família. Ao lado dos meus pais estava Blanche e Flora.
Minha sogra parecia decidida a participar da vida de Chloe e eu mantinha o combinado que fiz
comigo mesmo. Se ela fizesse bem para minha mulher, eu seria muito agradável. E assim a gente
seguia.
— Você está linda, filha! Parabéns de novo... — Blanche pegou as mãos de Chloe. As duas
trocaram um longo olhar e se abraçaram.
— Obrigada, mamãe. Por ter vindo, me ajudado a arrumar e por cuidar da Betina.
— Vou me divertir muito com essa pequena, estou até pensando em levá-la à Disney Paris.
E ansiosa por esses bebês. Muitos netos em pouco tempo, Chloe.
— Muitos filhos em pouco tempo. — Chloe sorriu e suspirou. — Leve a babá e o segurança,
mamãe. Betina é espoleta.
— Vamos nos entender, vocês podem viajar tranquilos.
Minha esposa foi cumprimentar Flora, seguindo a sequência que estavam acomodados à
mesa e me deixou com minha sogra.
— Parabéns, Ricardo! Vejo um novo tempo para todos nós. Seja muito feliz e faça minha
filha e netos felizes também.
— Obrigado, Blanche. Eles são a minha razão para acordar todos os dias. Que seja um
recomeço para todos nós! — Trocamos um rápido abraço e segui o lado oposto de Chloe.
— Filho, estou tão feliz por você, por vocês dois.
— Obrigado, mamãe. Viu a esposa linda que arrumei?
— Linda e uma bênção para nossa família. Obrigada pela Chloe.
— Parabéns, filho! Mas hoje tenho ainda mais a agradecer. Três netos! Você me deu três
netos, Ricardo. — Abracei forte meu pai. Eu já era um homem feito, pai de família, não dava
para ficar remoendo rusgas antigas, da minha parte, claro. Afinal, nunca cheguei a reclamar com
o seu Elias que preferia que ele tivesse tido mais tempo ao meu lado, enquanto eu crescia. O que
importava era o que ainda tínhamos para viver juntos. O passado ficou para trás.
— Ansioso para me ajudar com os três?
— Ansioso para ser o melhor avô que eles podem ter.
Quando abracei Flora, minha esposa foi até nós e compartilhou do nosso momento, após ter
cumprimentado os meus pais. Flora era minha pessoa preferida na família de Chloe. Torceu e
nos aceitou desde o início.
— A tia Flora sempre estará aqui por vocês e pelos sobrinhos-netos que estão me dando.
— Obrigado, por tudo, Flora!
— Não tem o que agradecer, apenas cuide dessa família linda que você está formando.
Seguimos cumprimentando nossos poucos convidados. Tocava uma música ambiente e os
garçons circulavam pelos jardins, servindo comidas e bebidas.
Betina saiu em disparada quando avistou Beatrice, ela estava na mesa junto com Marina,
Antônio, Laura, André e Murilo.
— Tia Bea! — A pequena se jogou nos braços dela, abraçando-a apertado.
— Que saudades, meu amor.
— Tia, sabia que vou ganhar irmãozinhos?
— É mesmo?
— Sim, tem dois bebezinhos na barriga da mamãe.
— Dois, hein? Parabéns, minha amiga! — Beatrice abraçou Chloe.
— Você faz parte de tudo isso, Bea!
Murilo aproximou-se e fiquei feliz por ele ter vindo. Quando fiz o convite, imaginei que
talvez declinasse, para não se sentir desconfortável ao lado do Antônio e Marina. Já nos
conhecíamos há alguns anos, desde a primeira vez que fui até sua loja para comprar um carro.
Mas então ele esteve envolvido no acidente que acometeu Marina e os dois se aproximaram,
quando ela ainda estava separada. Murilo se interessou por ela, tentou algo além da amizade, mas
a época do acidente foi justamente quando ela e Antônio se reencontraram. O clima entre eles
não era dos melhores, muito por ciúme masculino.
— Que bom você ter vindo, irmão.
— Estou muito feliz por você, Rick. Não perderia seu casamento.
— Quem sabe em breve não estaremos no seu. Está na hora de renovar o grupo dos solteiros
de Curitiba. — Ergui a sobrancelha e aguardei sua resposta. Assim como eu era antes de Chloe,
Murilo corria de relacionamento sério, Marina foi a sua única tentativa em anos.
— Você está casando de novo, Rick. Então já estou acreditando que a minha hora vai
chegar. — Ele riu e fui junto. Quando se está apaixonado e feliz, a ideia de casar e constituir
família era mesmo incrível. — Aliás, agora entendo porque você gosta de casar na França.
— É mesmo, Murilo?
— Gostei da Beatrice — ele disse baixinho, quase sussurrando. Os dois ficaram sozinhos na
mesa durante toda a cerimônia, já que os outros casais foram nossos padrinhos. Chloe pensou na
disposição das mesas de forma que os convidados pudessem assistir à cerimônia dos seus
lugares, e nas cadeiras diante do altar foram acomodados apenas nossos pais, Betina, Flora e os
padrinhos.
— É uma mulher séria e que foi essencial para o início da minha família — alertei. Não que
Murilo fosse irresponsável em suas relações. Até onde eu sabia, sempre deixou claro o tipo de
relacionamento que teria, mas não custava alertar.
— Uma mulher adulta e que se tudo der certo, vai passar uns dias viajando comigo por
algumas cidadezinhas próximas daqui. Talvez a gente dê um pulo em algum país vizinho. —
Arregalei os olhos. Fazia tempo que não via meu amigo em ação. Ele riu e balançou a cabeça em
negação. — Está enferrujado, Ricardo.
— Deixa de ser besta, Murilo.
— Fica tranquilo. Passamos a noite de ontem conversando, na festa de boas-vindas. Não é
como se ela não se sentisse livre para ficar uns dias comigo.
— Vou procurar minha mulher, Murilo.
— Boa sorte, meu amigo. Estarei sempre torcendo por você.
Saí à procura de Chloe. Ela havia acabado de cumprimentar duas amigas da faculdade.
Caminhei pelo jardim em seu encalço, com saudades de lhe abraçar e beijar. Consegui alcançá-la
e com cuidado lhe puxei para próximo de uma árvore. Ao redor havia a vista das montanhas de
Annecy. Lhe abracei por trás e enchi seu pescoço de beijos.
— Senti sua falta — sussurrei em seu ouvido.
— Eu também.
— Consegue acompanhar até onde vai o limite do céu? — perguntei, sabendo que após um
determinado ponto, era praticamente impossível mensurar o que era montanha e o que era céu,
dada à imensidão de ambos.
— Acho que não.
— São imensos, o céu é infinito. Quando estiver brava comigo, lembre-se do céu, pois o
meu amor por você é tão infinito quanto ele.
Epílogo 2
Betina
17 anos depois
Desci da aeronave da Lima e Assumpção e antes mesmo que saísse da pista de pouso,
mamãe correu em minha direção e me abraçou forte. A pequena mulher mais importante da
minha vida. Linda, especial, brava e a melhor mãe que eu poderia ter escolhido.
Sim, eu a escolhi.
Não tenho nenhuma lembrança de antes da minha chegada ao orfanato, o que sei sobre
minha mãe biológica foi contado pelos meus pais. Uma boneca velha que ainda guardo, duas
fotos e alguns documentos, era o que tinha do meu passado.
No entanto, lembro com detalhes da primeira vez que mamãe pisou no orfanato. Alguma
coleguinha que também morava lá, disse que ela parecia comigo e isso prendeu minha atenção.
Eu também achei que éramos parecidas e tentei me aproximar. Lembro de tudo. Quando
começamos a ficar próximas, da primeira vez que vi o papai, das indiretas que jogava sobre
querer fazer parte da família dela. Mas nada se compara ao dia que eles me buscaram e disseram
que eram os meus pais.
Dona Chloe fazia um carinho em meu rosto enquanto duas lágrimas escorriam dos meus
olhos, ela deve ter achado que era saudade. Eu senti, claro, mas eram as lembranças que
normalmente me deixavam fragilizada.
— Parece ter passado anos na França, meu amor. — Segurei seu rosto delicado e o beijei. Eu
era bem mais alta que mamãe, assim como meus irmãos. Ela ainda era tão menina, que as
pessoas custavam a acreditar que tinha três filhos crescidos.
— Um mês, mamãe.
— Não desdenhe da minha saudade, Betina.
— Jamais. — Nos soltamos e corri para os braços do meu pai, o homem que mais amava na
vida. — Ah, papai...
— Você está bem? — Foi a vez dele segurar meu rosto, me inspecionando sem qualquer
constrangimento.
— Bem e inteira, como pode perceber. — Ergui a sobrancelha e ele fez um bico.
— Betina, olha o atrevimento... — ameaçou, me envolvendo em um abraço apertado.
— Deixa eu ver os pirralhos — pedi e papai me soltou. Eu amava cada ida à França, mas
voltar para casa era sempre o melhor momento da viagem. Não conseguia ficar muito tempo
longe da minha família.
— Nós escutamos. — Abracei meus dois irmãos caçulas ao mesmo tempo. Os dois eram
seis anos mais novos que eu, porém fortes e com alta estatura, aparentavam ter, no mínimo, a
minha idade. Se eu era uma cópia de dona Chloe, eles eram meu pai todinho.
— Saudades, bebezinhos. — Apertei a bochecha de um e encostei a cabeça no ombro do
outro. Eu estava em casa.
— O Laurent dormiu na sua cama, Tina. — Vincent passou o braço pela minha cintura e
deixou um beijo em meu cabelo.
— Ah, é mesmo? — Olhei para Laurent e ele estava envergonhado. Vincent era parecido
comigo, fazia piada com tudo e todos. Laurent era a mamãe: tímido, discreto e amoroso ao
extremo. — Sabe o que significa, né? Sentiu minha falta.
— Vincent linguarudo. O ar-condicionado do seu quarto é melhor. — Vincent e eu demos
uma gargalhada e depois nos desculpamos.
— Amanhã vamos jantar nós três? Eu quero japa. — Dei a ideia e os olhinhos deles
brilharam. Duas coisas que nós três amávamos: programinha de irmãos e uma boa comida
japonesa.
— O do hotel, papai paga — Vicente disse e papai bagunçou o cabelo dele, loiro e liso como
o seu.
— Papai pode ficar pobre com os jantares de vocês — seu Ricardo disse, tirando do bolso a
chave do carro.
— Não pode não.
Saímos os cincos juntos do aeroporto. Deixei os meninos um pouco de lado e me voltei para
a mamãe.
— Como a vovó está? — ela perguntou, de braços dados comigo.
— Bem. A senti um pouco mais cansada que da última vez, mas saímos para almoçar. Ela
foi até o orfanato e até a Annecy.
— Filha, você não me contou que mamãe foi com você para Annecy.
— Porque a senhora ia ficar brava à distância e eu não tinha como impedi-la de ir.
— E a tia Flora?
— Tenho minhas teorias quanto à tia Flora. — Mamãe me repreendeu com o olhar antes que
eu concluísse meu pensamento. — Ela não envelhece, mamãe. — Ela ergueu a sobrancelha no
melhor jeito Chloe de chamar a atenção dos filhos, com uma fineza de causar inveja. — Tia
Flora está ótima.
Aos vinte e três anos eu precisava tomar uma decisão. Não me imaginava longe da minha
família, mas, por outro lado, não era segredo para ninguém que o meu coração pertencia à
França.
Eu amava aquele país de um jeito inexplicável. Amava as crianças que eu ajudava por lá.
Segui os passos dos meus pais e dei continuidade ao trabalho voluntário. A causa havia crescido
consideravelmente e a Fundação Chloe Lima e Assumpção era responsável por manter vários
orfanatos na França e no Brasil.
Eu voltava de mais uma temporada em meu país preferido e ainda não sabia o que decidir.
***
Chegamos à nossa casa e almocei com meus pais e irmãos. Desfiz as malas e quando
pretendia descansar, meu telefone tocou. Era ele, sempre ele. Meu primeiro grande amigo de
verdade no Brasil.
Arthur, filho do tio Antônio e da tia Marina, era cinco mais novo que eu, mas ainda assim
nos tornamos amigos ainda na infância e nunca mais nos largamos.
— Diga, meu amor. — Atendi o celular e deitei na cama, balançando as pernas no ar.
— Tenho que te contar uma coisa — ele disse solene, no melhor jeito Arthur de ser. Mas eu
estava com sono, precisava encurtar o assunto.
— Você terminou o namoro. — Um silêncio pairou e segurei o riso. A garota era chata, não
era como se fosse ruim que o namoro tivesse chegado ao fim. Pelo menos a família toda
concordava comigo. — Elas já me contaram — informei, referindo-se às nossas mães.
— Vamos para a serra? — ele suspirou e me convidou para o lugar que a gente amava no
Paraná. A casa que a sua família tinha na serra. Eu tinha tantas lembranças boas de lá...
— Tem que ser no fim de semana, hoje preciso ir ver o vovô Elias e a vovó Ana.
— Fechado. — Arthur estava rendendo o assunto porque, como bom amigo, sabia que eu
precisava falar, ainda que fugisse dele com a desculpa de querer dormir.
— Ainda não decidi... — disse, vencida.
— Vou sentir sua falta, mas acho que deveria tentar ao menos alguns meses. Você fica
inquieta quando está aqui. — Talvez ele fosse a única pessoa a me incentivar.
— E quando estou lá, fico louca para voltar. — Nós dois rimos. Essa era a grande verdade.
— Londres, Tina. Por que não?
— Porque não quero magoá-los.
— Falando assim, parece que não conhece seus pais.
— E se eu achar a família da minha mãe? E se eu gostar deles? — Eu nasci em Londres e
estava na França, país do meu pai biológico, quando mamãe morreu. Na verdade, os dois eram
falecidos. Por mais que eu tenha tentado esconder de mim mesma, eu queria saber quem eram
meus familiares em Londres. Minha mãe deve ter deixado alguém por lá. E essa vontade de saber
quem era minha família biológica me consumia.
— Não vai fazer a mínima diferença, você chama todo mundo de tia e tio.
— Arthur! Que horror!
— É o que falta para você seguir sua vida, Tina. Eles nem precisam saber.
— Está sugerindo que eu mude para a França e aproveite que estarei perto de Londres para
ir lá aos finais de semana e procurar a família da minha mãe? — Meu amigo era tão inteligente, o
plano até que era bom.
— Você poderia pedir ajuda ao papai milionário, mas minha ideia é ótima para quem quer
fingir que não vai vasculhar o passado. — Suspirei, já fazendo alguns planos mentais.
— Encontra comigo nas próximas férias?
— Óbvio, né. Vai precisar da minha perspicácia.
— Você está muito chato. Vou desligar, preciso dormir um pouco.
Nos despedimos e, após desligar o telefone, não dormi. Ao contrário, só conseguia pensar se
deveria mesmo ir atrás da minha história em Londres.
Ricardo
Abracei minha esposa e beijei sua boca. De mãos dadas, caminhamos pelo corredor em
direção ao nosso quarto. Para ela era um assunto sensível, mas passei dezoito anos tentando
prepará-la para o inevitável.
Era chegada a hora.
Entramos no cômodo, ela foi direto para a varanda e eu a acompanhei. Parei atrás dela,
enlacei sua cintura e aspirei seu cheiro, com a boca colada na pele do seu pescoço.
Ficamos um tempo em silêncio. Tamanha a nossa quietude, eu podia ouvir o som das batidas
do seu coração. Deixei vários beijos em seus cabelos e a virei para mim.
— Linda...
— Ela ainda é um bebê.
— Uma mulher de vinte e três anos. — Nós dois suspiramos. Em meu coração, minha filha
ainda era a menininha de cinco anos que chegou em minha vida e me ensinava como arrumar seu
cabelinho com os laços enormes que a mãe comprava. — Chegou a hora, amor.
— Você conta? — ela pediu. O olhar apertadinho, assim como devia estar seu coração. Os
olhos marejados.
— Nós dois vamos contar. — Peguei suas duas mãos e beijei o dorso de ambas.
Chloe voltou para a varanda e eu fui até o nosso closet. Do fundo de uma prateleira, peguei
uma pasta de couro preta. Por um longo instante, a observei em minhas mãos. Lembrei de
quando a peguei pela primeira vez.
Anos atrás, logo que cheguei ao Brasil com minha esposa e filha recém-adotada, fui almoçar
com Antônio e André. Conversamos bastante sobre a adoção. Na época, André e Laura
cogitavam adotar uma criança, ante as várias tentativas frustradas de engravidar. Acontece que
não era uma ideia que lhes enchia o coração e decidiram esperar pela gravidez. Fizeram bem,
pois anos depois nasceram Felipe e Olívia. Acontece que naquele dia André levantou uma
questão que me deixou em alerta. Algo que o desanimava na adoção era o passado da criança.
Criança cresce e se torna um adulto curioso, palavras dele.
Ele estava certo. Betina um dia ia crescer.
Contratei uma firma renomada em Paris, sob a fiscalização do doutor Mathieu, especialista
em investigações. Alguns meses depois, em uma ida a Paris, me entregaram a tal pasta. Toda a
história da família da Betina estava ali.
Chloe não aprovou o que fiz, ficou chateada, nunca esteve preparada para a curiosidade pela
família que era tão óbvia que Betina teria um dia. Eu não recuei, sempre tive absoluta segurança
que precisava ficar ao lado da minha filha quando chegasse a hora, e que apoiaria Chloe.
Saí do closet e chamei minha esposa. Passamos pelos quartos de Laurent e Vincent e os
chamamos para o meu escritório. Pedi que eles descessem e nos esperassem. Caminhamos até o
quarto da Betina. Bati na porta e um tempo depois ela abriu.
— Vamos te esperar no escritório, reunião de família.
— Aconteceu alguma coisa? — ela perguntou com o cenho franzido. Trocamos um longo
olhar e deixei um beijo em sua testa.
— Não demore.
***
Sentei em minha cadeira. Antes peguei uma das cadeiras estofadas que ficavam diante da
mesa e a levei para o meu lado, oferecendo o lugar à Chloe. Os gêmeos estavam empoleirados no
sofá, cochichavam e só pararam quando Betina passou pela porta.
Minha filha havia prendido o cabelo e trocado o pijama por uma calça de moletom e blusa
de malha. Entrou devagar, cenho franzido e olhos arregalados.
— Venha, filha — convidei.
— O que aconteceu, papai? — A pergunta foi direcionada a mim, mas seus olhos estavam
focados na mãe. Era sempre assim. Chloe parecia ser a resposta para todas as dúvidas dos filhos.
— Sente-se. — Apontei para a cadeira diante da mesa. Antes de sentar ela olhou na direção
dos irmãos, que deram de ombros. — Agora abra, é sua. — Empurrei a pasta em sua direção e
lhe encorajei com o olhar. Betina arregalou ainda mais os olhos.
— O que é isso?
— Abra.
Ela colocou as duas mãos sobre a pasta, temerosa, trêmula. Ela me conhecia e era bem
esperta. Betina já fazia ideia sobre o que estava por vir.
Chloe e eu nada mais falamos, deixamos que ela tomasse seu tempo para abrir a pasta e
mergulhar em seu passado desconhecido. Agora era com ela.
As lágrimas escorreram pelo seu rosto, chegando a molhar sua blusa, a cada papel que
tocava. Chloe chorava junto. Eu a segurava ao meu lado, com o braço ao redor do seu corpo.
Assustados, Laurent e Vincent colocaram-se de pé e ficaram atrás da irmã.
Não sei quanto tempo passou até que ela levantasse o rosto e enxugasse as lágrimas com o
lenço que lhe ofereci.
— E agora, papai?
— E agora que, quando você quiser, vamos todos junto até a Inglaterra.
FIM!!!!!!!
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiro a Deus, pelo dom da vida e por permitir que meus sonhos saiam do
campo imaginário para serem realizados.
Ao meu marido, pela paciência e compreensão com as horas que me dediquei ao livro, pelo
amor que transborda, por gostar de me agradar e sonhar junto comigo. Te amo!
À minha família, por acreditar em meus sonhos e me ensinar a correr atrás do que quero.
Aos meus amigos, por estarem na torcida e expectativa. Às minhas amigas, Stela e Mônica,
presentes que o mundo literário me deu! Além de talentosas, vocês são generosas. Fico feliz por
nossos caminhos terem cruzado.
Às minhas parceiras, que sonham junto comigo e me ajudam a realizá-los!
Às leitoras queridas que me acompanham, incentivam e estão sempre na torcida, espero que
vocês gostem! Um beijo especial para as queridas do grupo de leitoras!
E à Carol Lisboa, minha assessora, psicóloga, amiga e que faz meu trabalho acontecer! Você
é um presente em minha vida!
BIOGRAFIA
Meu nome é Raphaela Fagundes, nascida em 17/09/1990, em Belo Horizonte/MG.
Casada, advogada há 8 anos, professora em curso de noivos, líder de casais e mãe de uma
cachorrinha, a Valentina.
Comecei a escrever na adolescência, lotava meus cadernos com histórias. Em 2018 decidi
que gostaria de publicar meu trabalho, mas foi no final de 2019 que tomei coragem e tirei os
planos do papel.
IG: autoraraphaelafagundes
Face: autoraphaelafagundes
Wattpad: autoraraphafagundes
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
Amor e Recomeço
Alexia, após flagrar seu noivo com a amante, fez as malas e partiu para uma temporada em
São Francisco, na Califórnia. Nunca havia viajado sozinha, mas acreditava que se aventurar em
outro país iria lhe fazer bem. Ela tentava recuperar a autoestima e queria dedicar um tempo a si
mesma. Assim, mergulhou no trabalho de escritora e foi escrevendo que conquistou Álvaro.
Ele havia ido para São Francisco em uma fuga da depressão que enfrentava. Bastou colocar
os olhos na pequena ruiva, que ia todos os dias ao seu café favorito para escrever, e queria saber
tudo sobre ela.
Semanas se passaram até que eles foram fortemente envolvidos em um romance cheio de
desafios. Eles se tornaram o amor um do outro e ambos o recomeço.
Nosso Reencontro
Antônio e Marina se conheceram na faculdade e após cinco de casados, decidiriam
divorciar. Eles procuravam a felicidade e julgaram que sozinhos, poderiam encontrá-la. Acontece
que conseguiram colocar fim no compromisso, mas não no forte sentimento que nutriam pelo
outro.
Dois anos depois da separação, período em que não se falaram e, tampouco se encontraram,
foram colocados frente a frente. E em uma situação de emergência.
Será que o amor falará mais alto? Porém, eles já provaram para si mesmos que somente
amor, não é suficiente.
Vem, com Antônio e Marina, embarcar neste reencontro.