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049 Margaret Rome - O Castelo Dos Sete Suspiros (Bianca 49)

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O Castelo dos Sete Suspiros

Miss high and mighty (1980)

Margaret Rome

Aquele belo castelo árabe, no sul de Portugal, parecia o cenário


de um conto de fadas, mas era a prisão de uma mulher apaixonada!

"Ele é como um bandoleiro, ou um "beduíno, um dos aristocratas do deserto, que


vivem ao relento e se sentem tão seguros que só precisam das estrelas como companhia",
pensou Jade ao ver Diogo, fidalgo português, ao seu lado no aeroporto de Lisboa. E ela se
casou com esse homem, dono de um castelo mouro no Algarve... O Castelo dos Sete Suspiros!
E foi no quarto nupcial desse castelo que Jade viu o belo rosto de seu marido se transformar
numa máscara de pedra. O fidalgo português, descendente dos árabes, queria ser amado
com o fogo da paixão, e, em troca, daria agonia e sofrimento!

Digitalização e Revisão: Tinna

PROJETO REVISORAS
Copyright: MARGARET ROME

Título original: "MISS HIGH AND MIGHTY"


Publicado originalmente em 1980 pela
Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: WILLIAM GRAHAM CLARK

Copyright para a língua portuguesa: 1981


EDITORA EDIBOLSO LTDA. — São Paulo
Uma empresa do GRUPO ABRIL

Composto e impresso nas oficinas da


ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL

Foto da capa: KEYSTONE


O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

CAPÍTULO I
— Pensem nisso, meninas, só mais uma semana para eu sair em
férias! Só mais cinco dias de trabalho, para eu dizer adeus aos pudins de
creme e "olá" a Torremolinos!
Doze cabeças se ergueram, enquanto a voz que falava sobre os
prazeres futuros se misturava com o barulho das máquinas e alcançava a
extremidade oposta de uma correia transportadora carregada de biscoitos.
Embaladoras de dedos ágeis juntava- os e empilhava- os nas latas.
— Tenho que esperar ainda um mês — disse outra moça, chamada
Kath, suspirando —, mas este ano vamos a Majorca. Ted está farto de
Torremolinos. Ele diz que lá só tem peixes com batatas fritas e jogo de
tômbola. — Kath estava visivelmente orgulhosa. — Como ele diz, Majorca
tem um pouco mais de classe.
Vaias e risos zombeteiros saudaram essa declaração.
— Oh, meu Deus! — falou ruidosamente uma de suas companheiras.
— Vocês conseguem imaginar o Ted pedindo coq ou vin para o jantar, em vez
de entrar na fila para comprar batatinhas fritas?
— Desistindo de seu trabalho como cantador de tômbola e jogando
xadrez?
— Deixe disso, Kath — disse uma voz irreverente do extremo oposto
da correia que transportava os biscoitos —, você sabe tão bem quanto nós
que, vinte e quatro horas depois de chegar, o seu Ted estará tão bêbado que
não saberá se está em Majorca ou Blackpool!
Totalmente esmagada, a moça de grandes aspirações caiu num
silêncio mal-humorado. Mas o clima de chacota estava formado, o interesse
tinha sido despertado e, faltando apenas meia hora para a campainha tocar,
anunciando o fim de uma semana de trabalho e o início de um fim de
semana de liberdade, as moças relutavam em encerrar o assunto até que
este perdesse totalmente a graça.
O coração de Jade bateu descompassadamente quando sentiu um par
de olhos malévolos observando -a.
— E quanto a você, Senhorita Arrogante? — Jade estremeceu com a
zombaria. — Que local exótico de férias você vai se dignar a honrar?
Reprimindo o rubor, Jade, conseguiu dar uma resposta polida.
— Ainda não me decidi.
Seria esperar demais que Lynne, uma moça que demonstrava uma
antipatia imediata e embaraçosa desde que se conheceram, permitisse que
ela ficasse no anonimato que desejava e sempre procurava. Como era de se
esperar, ela aproveitava a oportunidade para pôr em prática o seu talento
de zombeteira.
— Oh, vejam só, meninas! "Ainda não me decidi!" — ela parodiou,
contorcendo suas feições numa expressão de afetado desdém. — Sabem, é

Projeto Revisoras 3
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

tão difícil quando se tem que escolher entre as Ilhas Canárias, as Bahamas
ou o Sul da França!
Jade se preparou para enfrentar uma esperada inundação de
comentários maldosos, mas, pela primeira vez, as companheiras de trabalho
não pareciam dispostas a levar adiante a brincadeira de Lynne. Talvez fosse
por causa do olhar fulminante que Jade não conseguia disfarçar; ou talvez
fosse o seu lábio inferior, trêmulo e mordido com impaciência, que
demonstrava que ela não estava assim tão calma quanto procurava
aparentar. Fosse o que fosse, o resultado foi um silêncio embaraçoso e um
resmungo impaciente.
— Pare com isso, Lynne, a menina não tem culpa de ter maneiras
afetadas.
— É isso mesmo, Lynne! — Uma voz áspera e zangada lançou o
desafio por detrás de Jade. — Pare ou escolha alguém do seu tamanho!
Reconhecendo a voz de sua amiga, Jade virou-se para protestar.
— Eu estou bem, Di, não precisa se envolver. — Mas seu coração
sucumbiu ao ver os olhos faiscantes de Di; seu temperamento explosivo fora
despertado, mesmo os seus cabelos ruivos pareciam mais vibrantes que de
costume, ativados pela fúria interior.
Por um segundo, Lynne pareceu satisfeita com o olhar furioso e,
então, atiçada pelos risos furtivos de suas companheiras, acusou:
— Provocando novamente para proteger sua amiga? Por que não a
deixa resolver seus próprios problemas, em vez de ficar ajudando -a? Por que
ei» deve ter um tratamento especial? Ela não é melhor do que nós, e você
também não! Aliás — ela hesitou antes de atacar atrevidamente —, não sei
por que vocês duas se acham tão boas, considerando as suas origens. Pelo
menos, nós — ela indicou as suas companheiras boquiabertas, acenando
com a cabeça — temos famílias que se preocupam conosco; ao contrário de
vocês, não fomos jogadas num orfanato!
Doze pares de olhos assustados caíram sobre Di que, embora lutasse
para manter a dignidade, parecia pronta a agarrar os cabelos esparsos e
alourados de Lynne. Então, para alívio de Jade, o bom senso de Di
prevaleceu. Ela se acalmou visivelmente e, então, com um sorriso afetado
que enfureceu Lynne muito mais do que se tivesse perdido a paciência, ela
replicou com ar de desprezo:
— Talvez a nossa presunção tenha origem no fato de que, tendo sido
crianças necessitadas, estejamos determinadas a jamais permitir que nos
tornemos adultas necessitadas. Jade e eu não tivemos direito a nenhuma
escolha quando fomos recebidas e criadas num orfanato, mas você, Lynne,
mora num imóvel do governo por escolha própria!
— Meu marido ganha pouco — Lynne falou, enraivecida. — Com o
salário dele não poderíamos nos dar ao luxo de morar em outro lugar!
— Mas você se casou com ele assim mesmo. — O tom de voz de Di era
suave, embora Jade soubesse por experiência que ela estava se divertindo
imensamente.
— Sua... sua... convencida! — A raiva de Lynne aumentava.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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— Suponho que você e a Senhorita Arrogante esperam conseguir


coisa melhor!
— Mas é claro, quem não espera? — O tom de voz de Di denotava
muita ironia. Um pouco mais, ela teria parecido maliciosa; um pouco menos,
todo o impacto se perderia. Do modo como disse, ela deixou suas ouvintes
sem nenhuma dúvida quanto ao seu desprezo pelo modo de vida de Lynne.
— Algumas de nós damos mais importância ao amor que ao dinheiro
— uma companheira de trabalho defendeu Lynne.
— E outras são suficientemente sensatas para amar quando e onde
existe o dinheiro — Di replicou suavemente.
— Quer dizer que ambas decidiram se casar por dinheiro? — Lynne
zombou. — Neste caso, seria melhor deixarem seus empregos, ou se
conformarem em ficar solteironas, pois vocês nunca acharão maridos ricos
numa fábrica!
Houve um suspiro geral de alívio quando os biscoitos começaram a se
esgotar, e as moças puderam debandar e preparar-se para a corrida em
direção à saída quando o sinal tocasse.
Jade era a última fila para marcar o cartão e, como Di muitas vezes
se atrasava por problemas de última hora, esperou até que pudessem ir para
casa juntas. Enquanto esperava, refletia sobre o apartamento que
compartilhavam. Quando, depois de viverem em buracos durante cinco anos,
resolveram juntar seus rendimentos e investir num lar delas mesmas, Jade
tinha em mente algo modesto, mas Di, não.
— Como este provavelmente será o investimento mais importante que
faremos em nossas vidas, façamos com que o esforço valha a pena — ela
argumentara, rejeitando a escolha de Jade por um bairro meio arruinado.
— É disto que precisamos! — Ela apontava com o dedo, indicando um
anúncio no jornal.
De olhos arregalados, Jade lera:
Luxuoso apartamento para alugar. Dois dormitórios; sala de estar
espaçosa; boa cozinha; aquecimento central em toda parte; garagem e uma
pequena área de jardim.
— Não podemos nos dar a esse luxo! — ela disse com voz entre-
cortada. — E além disso, para que precisamos de uma garagem?
— Nós podemos nos dar a esse luxo. — Com uma franqueza que lhe
era típica, Di pusera de lado o argumento de Jade. — Já calculei tudo; minha
promoção chegou no momento certo. Com o dinheiro extra, temos o
bastante para pagar o aluguel pedido. Quanto à garagem — ela encolhera os
ombros —, talvez possamos sublocá-la ou, melhor ainda, quando tivermos
nos estabelecido, pode ser que compremos um carro de segunda mão.
— Mas... mas o apartamento é no Scaur! — Jade insistira.
— E daí? — Teimosamente, Di se recusara a admitir o contra-senso de
duas moças de fábrica desejarem viver na zona mais seleta da cidade. — O
nosso dinheiro é tão bom quanto o de qualquer pessoa.
— Sim, mas... — tomando cuidado para não ferir o orgulho irritadiço
de Di, Jade procurara escolher bem as palavras — talvez o proprietário não

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nos ache convenientes. Afinal, é provável que ele ache que tem o dever de
não melindrar os moradores dos apartamentos vizinhos que, com toda
probabilidade, são extremamente esnobes...
— ... Motivo pelo qual todas as negociações devem ser feitas por você
— Di sorrira maliciosamente. — Mesmo que ele não se mostre sensível a um
rosto bonito, é impossível que encontre alguma falha em suas boas maneiras
e modo de falar. Pelo menos uma vez — Di suspirava alegremente —, o seu
ar refinado pode vir a ser vantajoso.
Como sempre, ela estava certa.
Quando Di finalmente apareceu, vestindo o seu casaco enquanto
caminhava em sua direção, Jade notou inconscientemente, como o tinha
feito antes, que o ar de vivacidade de sua amiga parecia forçado. Por fora,
ela parecia alegre como sempre, seu sorriso sempre pronto, o seu jeito de
gracejar igual ao de sempre. No entanto, os sentidos intuitivos de Jade
estavam alertas pelo fato de que, ultimamente, o bom humor de Di não
aparecia em seus olhos e, às vezes, quando ela achava que não estava
sendo observada, em sua testa se formavam sulcos profundos de
preocupação. Jade vinha resistindo ao impulso de se intrometer, não porque
receasse o temperamento irritadiço de Di, mas porque sabia que ela lhe
confidenciaria as suas preocupações quando quisesse.
Contudo, apesar de conhecer a natureza impetuosa da amiga, ficou
chocada quando, após deixarem a fábrica e se apressarem em direção a um
supermercado próximo, Di disse subitamente:
— Vamos fazer uma extravagância para variar! Que tal comprarmos
uns bifes para o jantar, salada... e uma garrafa de vinho?
Os olhos de Jade se arregalaram.
— Os bifes estão tão caros! E quanto ao vinho, o que é que temos
para comemorar?
— Somos jovens, saudáveis e relativamente felizes, não somos? — Di
disse isso de maneira tão irritada que Jade achou que seria sensato
concordar com ela.
— É claro que somos — ela sorriu, aliviando a consciência culpada de
Di com um sorriso. — Que tipo de bife você prefere, alcatra ou filé?
Di optou por bifes grossos e de aparência suculenta de filé, a um
preço que provocou um estremecimento de aflição em Jade. Então,
compraram ingredientes para salada, um pão francês grande, e passaram
dez minutos escolhendo um vinho nas prateleiras do supermercado.
Encorajada pelo que estavam fazendo, Di optou por um Asti, mas Jade
simulou um estremecimento e abanou negativamente a cabeça.
— Eu não vou estragar minha refeição com isso!
Di objetou, vendo a mão de Jade sobre uma garrafa de Moselle.
— Oh, está bem — Jade suspirou —, encerremos o assunto e
cheguemos a um acordo quanto a um Mateus Rosé.
Com o bom humor de Di completamente restaurado, elas retomaram
alegremente a caminhada de três quilômetros para casa, um exercício feito
duas vezes todos os dias, sob chuva, granizo ou neve, pretensamente para

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manter a boa forma, mas principalmente porque o custo das passagens de


ônibus pesava muito no orçamento.
— A propósito — Jade falou arquejando, enquanto se esforçavam para
subir a ladeira que levava ao Scaur — você vai sair com Gordon esta noite?
A despreocupação de Di pareceu sumir.
— Não, hoje não — respondeu bruscamente. — Achei que, depois do
jantar, você poderia lavar e arrumar os meus cabelos.
— Certamente — o tom de voz de Jade demonstrava uma certa
surpresa. — Mas você sempre sai com Gordon nas noites de sexta-feira...
— Só para variar, esta noite vou ficar em casa! — Di se virou para
olhá-la fixamente. — Nada me aborrece mais que a repetição, fazer as
mesmas coisas, da mesma maneira, no mesmo dia de cada semana! Você às
vezes não tem vontade de fazer alguma coisa diferente, em vez de ficar
sempre na mesma rotina, fazendo tudo o que se espera de você, vivendo
como se cada dia tivesse um número: dia um, ver Gordon; dia dois, ir à aula
de judô; dia três, limpar o apartamento.
Ela ainda estava resmungando, enquanto enfiava a chave na
fechadura, abria a porta e ia imediatamente para a cozinha, deixando de
ver, em sua pressa, uma carta que se encontrava na entrada.
Jade a recolheu do tapete e a colocou sobre a mesa, com os olhos
muito perturbados e vagos para perceber apenas que o envelope parecia
oficial. Ela se sentiu fria e de algum modo ameaçada. Di sempre fora de
natureza inconstante, alegre um dia e fechada no outro, mas nunca antes
revelara frustração tão profunda, tal ressentimento com a rotina que tinham,
da qual a própria Jade gostava e que, até agora, ela considerara ideal.
Preocupada e indecisa, ela foi até a cozinha onde,
surpreendentemente, Di se virou para lhe dar um grande sorriso.
— Eu preparo a salada enquanto você grelha os bifes — alegremente,
ela abanou uma folha de alface em direção à geladeira — e também é bom
pôr o vinho lá para gelar!
Jade suspirou e começou a seguir as suas instruções. Com a
velocidade da luz, o humor de Di tinha mudado mais uma vez; quantidade
alguma de perguntas lhe extrairia mais informações. Portanto, ela sabia que
teria que esperar por outra virada.
— Por que aquela gata da Lynne a estava provocando novamente,
hoje? — Di perguntou, parecendo determinada a manter a conversa leve e
impessoal.
— Lynne...? Oh, eu não sei. — Jade sentia dificuldade em fazer a
mente voltar ao assunto de sua companheira de trabalho. — A atitude dela
sempre foi pouco amável. Por alguma razão desconhecida, ela sempre
demonstrou antipatia desde a primeira vez que nos vimos.
Di deu um risinho.
— Bem, você certamente sempre as deixou perturbadas.
— É mesmo? Como...?

Projeto Revisoras 7
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Bianca 49

— Não se lembra? — Di olhou para trás com as sobrancelhas erguidas.


— Não, eu suponho que não — seu suspiro exasperado deixou Jade ainda
mais confusa. — Ser meticulosa e formal é tão natural para você quanto
respirar. Contudo, você não pode culpar as meninas por acharem que estão
sendo tratadas com ar de superioridade, quando uma moça magrinha, saída
diretamente da escola, responde a uma pergunta amistosa: "Meu nome é
srta. Jade Iris Mighty", de maneira tão impassível e polida, que elas se
sentiram como se estivessem sendo avisadas para não tomarem liberdades.
Não é de se estranhar — concluiu secamente — que nossas espertas
companheiras de trabalho logo a apelidassem de "Senhorita Arrogante".
— O que foi muito injusto — Jade objetou, enrubescendo. — Eu estava
simplesmente me apresentando da maneira que aprendi.
— Eu sei disso — Di concordou animadamente —, mas elas não. No
que diz respeito a elas, você estava tentando ser diferente; e diferente, aos
olhos de alguém como Lynne, significa presunçosa!
Rapidamente, Jade conteve as lágrimas e procurou se recompor
enquanto arrumava dois lugares na mesa coberta com uma alegre toalha
axadrezada.
— Há quatro anos venho me esforçando para ser aceita, mas as
meninas ainda me tratam como uma estranha. Eu tenho que agüentar esse
apelido detestável.
— Não ligue para isso — Di a consolou, colocando uma travessa de
salada no centro da mesa —, você não é a culpada. Sua mãe não lhe fez
nenhum favor quando resolveu mandá-la para uma escola particular e
mantê-la isolada de amigos, insistindo para que todo o seu tempo livre fosse
passado no seu salão de beleza.
A salada parecia fresca e colorida, e os bifes estavam preparados ao
ponto, embora o apetite de Jade tivesse sumido com a menção de sua mãe,
que constituíra toda a família que ela jamais conhecera. Engolindo com
força um pedaço que estava preso à garganta, ela se defendeu firmemente:
— A doença de minha mãe veio inesperadamente; ela nunca tinha
adoecido antes. Assim, como poderia prever sua morte prematura?
Com um suspiro desanimado, Di pousou o seu garfo.
— Eu não tive a intenção de estar censurando alguma coisa...
— Não — Jade interrompeu —, você queria dar a entender, como
outras antes de você, que foi egoísmo e falta de consideração o fato de ela
não ter tomado providências quanto ao meu futuro. Nada poderia estar mais
longe da verdade — insistiu furiosamente. — Não deve ter sido fácil para ela
criar uma filha e tentar manter um negócio bem-sucedido, ao mesmo tempo.
Se teve uma falha, foi a de ter sido ambiciosa demais quanto ao meu futuro.
Tudo o que mamãe fez, tudo o que ela planejou, tinha a finalidade de me
proporcionar uma vida melhor que a dela mesma. Ela não gastava quase
nada consigo mesma. A maior parte dos lucros do salão era destinada às
taxas escolares, aulas de dança, etiqueta, tênis e equitação, e todo tempo
de que ela podia dispor era passado ensinando -me a arte da beleza. Seu
principal objetivo consistia em transformar-me em uma dama. Graças a Deus
— Jade ficou com a voz embargada —, ela morreu sem saber que sua filha
foi para um orfanato.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

Di empurrou seu prato para o lado, deixando a refeição intata. Jade,


pondo em prática o seu talento de criar uma atmosfera perfeita, tinha feito
um arranjo de flores em torno de uma vela vermelha solitária que restara do
Natal, e enquanto Di olhava a amiga do outro lado da chama brilhante, teve
uma sensação de raiva impotente, arrependimento e tristeza por ver tal
beleza desperdiçada. Mesmo sem se utilizar dos benefícios dos
ensinamentos de sua mãe, os encantos de Jade eram inegáveis. Seu
pequeno rosto em forma de coração tinha uma graça excitante:
sobrancelhas delicadamente arqueadas, escurecidas primorosamente com
uma pena; cílios longos com as pontas douradas; um leve tom esverdeado
ao longo das pálpebras inferiores; pele pálida e pura como creme; lábios
delicados, cheios e rosados.
— Desculpe-me por ter sido tão sem tato — Di pigarreou e olhou
ansiosamente para a cabeça abaixada de Jade. — Não foi minha intenção
fazer reviver lembranças dolorosas.
Quando Jade levantou a cabeça e puxou uma mecha de cabelos louros
como linho que estava sobre o seu rosto, o perdão vinha como que irradiado
do fundo de seus olhos verdes.
— Está desculpada — ela deu um sorriso meio embaraçado e meio
provocador —, mas com uma condição.
— E qual é...? — Di encorajou-a.
— Que você pare de me dar alfinetadas e me diga logo o que a está
perturbando!
Por um segundo, Di pareceu se rebelar contra a idéia, mas depois de
pensar um pouco sua boca obstinada se retorceu num movimento esquisito e
sem humor.
— Eu nunca fui capaz de esconder qualquer coisa de você, Jade; não
sei nem por que me dou ao trabalho de tentar. — Incentivada pelo sorriso
encorajador de Jade, ela deixou escapar: — É Gordon...
— Vocês brigaram de novo! — Jade sentiu um grande alívio. — Mas
vocês fazem isso regularmente, pelo menos uma vez por semana, e depois
fazem as pazes com a mesma regularidade.
Mas Di parecia incapaz de encará-la. Ela virou a cabeça para o lado e,
quando o fez, a luz da vela iluminou sua sobrancelha, realçando um brilho
de lágrimas ocultas, Jade percebeu uma respiração brusca. Di nunca foi vista
chorando. No orfanato, o seu estoicismo era apontado como um exemplo às
demais; entre as suas companheiras órfãs, ela era reverenciada como uma
"durona". Obviamente, alguma coisa muito ruim devia ter acontecido.
Como que envergonhada por mostrar fraqueza, Di piscou
rapidamente. Depois, partiu para uma explicação, com uma alegre
demonstração de indiferença que não enganou Jade nem um momento.
— Desta vez não é tão simples; receio que a barreira entre mim e
Gordon seja grande demais para ser rompida. Ele recebeu a oferta de uma
promoção. Nada mais justo, porque é ambicioso e estudou com afinco.
Todavia, o banco insiste em que ele se mude para uma filial em outra
cidade, e o idiota presunçoso imaginou que eu estaria pronta a casar com
ele e acompanhá-lo quando se mudasse. Teve até a audácia... — ela
engasgou — de acenar com uma licença especial debaixo do meu nariz.

Projeto Revisoras 9
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

Muito tempo depois, Jade pôde se lembrar daquele momento como


uma hora de maturidade. Ela nunca tinha se considerado particularmente
perspicaz, arguta ou perita em artifícios, mas um súbito lampejo de
discernimento permitiu que ela se tornasse imediatamente versada nos três.
Só uma coisa impedia Di de se casar com o homem que amava. Não o
orgulho ferido, como ela tentara dar a entender, nem o pesar por deixar um
emprego que detestava, mas a lealdade a uma amiga que ela achava
demasiadamente tímida e insegura para enfrentar a vida sozinha.
— Oh, é uma pena! — Jade mal conseguia acreditar que aquela voz
ponderada e desinteressada era dela mesma. — Se você deixar Gordon, isso
significa que os meus próprios planos terão que ser alterados.
— Seus planos...? — O sussurro de Di foi uma prova de que os seus
motivos haviam sido avaliados corretamente.
— Sim. — Procurando fazer com que suas palavras parecessem uma
confissão, Jade continuou, surpresa com ela mesma. — Considerando,
erroneamente como se vê agora, que você e Gordon haveriam de pensar em
se casar mais cedo ou mais tarde, achei justo fazer planos quanto ao meu
próprio futuro. Sabe, Di — ela saiu um pouco do campo do faz-de-conta e
procurou manter seu tom de voz sereno —, já há algum tempo resolvi que
não fui talhada para ser operária. Também senti que estava sendo desleal
com minha mãe, não aproveitando tudo aquilo que ela me ensinou. Assim
sendo, compreendendo que ainda tenho muita coisa para aprender no ramo
de beleza, comecei a indagar sobre como terminar o meu treino, e tive a
sorte de entrar em contato com um antigo colega de minha mãe, que me
ofereceu um emprego em seu salão, em Londres.
— E você ia desistir dele por minha causa? — Di ficou tão emocionada
que começou a balbuciar. — Oh, não, Jade, você não deve... não há
necessidade... eu quero me casar com Gordon... quero mesmo! — Rindo de
prazer, ela se levantou depressa de seu lugar à mesa para ir abraçar Jade. —
Oh, Jade, a vida não é maravilhosa, não é simplesmente estupendo quando
os sonhos começam a se realizar?

Projeto Revisoras 10
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

CAPÍTULO II
Quando a asa do avião se inclinou para um lado, Jade olhou para
baixo e viu vagamente os telhados e torres da cidade de Lisboa, que se
estendiam ao longo das colinas baixas, caídas suavemente em direção ao
belo rio Tejo. Portugal! Ela suspirou, perguntando a si mesma quantas
pessoas escolheriam um lugar para passar as férias, baseando -se no rótulo
de uma garrafa de vinho, como ela o fizera!
Extasiada, ela ficou observando o solo que se aproximava. Faltavam
cinco minutos para o avião pousar, e então, pela primeira vez na vida, ela
pisaria em solo estrangeiro e se separaria dos demais passageiros que,
embora lhe fossem estranhos, pelo menos falavam a sua própria língua.
Por que se entregara ao súbito impulso de se aventurar no exterior?
De fato, ela tinha sido forçada a se afastar de Di, romper completamente os
laços de dependência que existiam entre elas, mas poderia ter ido, da
mesma forma, a qualquer uma das ilhas britânicas, em vez de procurar um
país que, de acordo com os folhetos de viagem, era repleto de vinhedos,
madeira de balsa, quintas e castelos mouros.
Fora a sua sorte que lhe permitira tomar essa decisão. Horas depois
de sua conversa com Di, quando os planos do casamento foram discutidos e
a data marcada, ela se lembrara da carta deixada sobre a mesa da entrada.
Com a sua mente ainda agitada, com o coração apertado diante da
perspectiva de um futuro solitário, ela abrira o envelope e lera a carta sem
entender a sua mixórdia de palavras e números.
— Di — ela perguntara —, o que quer dizer isso?
Di tinha espiado por cima de seu ombro.
— Jade! — ela gritara de alegria. — É aquele bilhete que você
comprou. Ele foi premiado... você ganhou cinco mil libras!
Muitas vezes, desde que sua mãe morreu, Jade rezara para que não
tivesse que passar por situações difíceis, mas dessa vez, sem que tivesse
tido tempo para orar, a ajuda chegara quando era mais necessária, na forma
de dinheiro suficiente para comprar para Gordon e Di o presente de
casamento que mereciam; suficiente para mudar o seu guarda-roupa; para
que pudesse deixar o seu emprego e, finalmente, para dar o maior passo de
todos: o de passar suas férias no exterior, antes de resolver onde viveria,
onde recomeçaria sua vida.
— Passaporte, senhorita, por favor.
— O quê? — Os olhos deslumbrados de Jade se fixaram num homem
vestido de uniforme.
O avião havia pousado, e sem que se tivesse dado conta, ela se
encaminhara, juntamente com os demais passageiros, à alfândega.
— Oh, sim... um momento... — Assustada com o olhar carrancudo do
funcionário, ela começou a remexer a sua bolsa.

Projeto Revisoras 11
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

— Não se apresse, senhorita, sou o último da fila e não me incomodo


em esperar. — Isso foi dito por uma voz masculina que parecia estar se
divertindo. Alarmada, ela se virou para trás e, desastradamente, a bolsa
escorregou de suas mãos nervosas e todo o seu conteúdo se espalhou em
volta dos pés do estranho.
— Oh, não...! — ela falou de modo ofegante, abaixando -se para
recolher os seus pertences.
O estranho também se abaixou e as duas cabeças, uma de cabelos
louros e a outra de cabelos negros, se chocaram no ar. Jade sentiu uma dor
aguda à altura do supercílio e viu um monte de estrelinhas brilhando diante
de seus olhos. Enquanto cambaleava para trás, uma mão agarrou o seu
braço e, muito distante, ela ouviu uma inconfundível imprecação seguida
imediatamente por estranhas palavras murmuradas num tom de pesar.
— Sinto muito. Que pena! Sinto muito, mesmo, menina!
Quando a dor atroz começou a passar, Jade abriu os olhos e viu o
rosto de um homem próximo ao seu, e então, durante longos segundos, ela
se sentiu magnetizada pelos olhos de um azul intenso que jamais vira antes.
Respirou profundamente à medida que ia se recuperando do impacto. Sentia-
se incapaz de se mover, incapaz de falar, na presença daquele homem
vestido impecavelmente com um temo ligeiramente mais escuro que a
camisa de seda, adornada por uma gravata discreta. Suas mãos eram fortes
e sua pele, moldada em cada lado de narinas dilatadas, maçãs altas e
queixo forte, era bronzeada e flexível como couro. Ela pensou, com os olhos
arregalados: "Ele é como imagino que seja um bandoleiro, ou um beduíno:
um dos aristocratas do deserto, que descansam ao relento e se sentem tão
seguros que só precisam das estrelas como companhia."
— Parece-me atordoada, senhorita. Sente-se bem?
De fato, ela se sentia atordoada. Era como se a terra tivesse
explodido, lançando -a ao universo num turbilhão, depois depositando -a aos
pés de um fascinante habitante de algum planeta estranho e desconhecido.
— Chamem um táxi! — ele falou alto. — E procurem saber em que
hotel a menina vai ficar.
Pouco depois, ela foi erguida por um par de braços fortes e levada
por entre a aglomeração, até a parte externa do aeroporto, onde um táxi
esperava.
— Hotel Grande Vastelo! — ele disse ao motorista, que abriu a porta
de trás, e ficou indeciso até que ela se acomodou no banco. — Não se
preocupe com sua bagagem, senhorita — o seu protetor a tranqüilizou —,
ela está sendo enviada diretamente ao seu hotel. Minha preocupação
imediata é a de que receba os cuidados de um médico.
O bom senso de Jade veio à superfície.
— Não, senhor. Realmente, não há necessidade. Já estou me sentindo
melhor. Desculpe-me por ter-lhe causado tantos problemas, eu... eu... — ela
falou de modo hesitante, então corou, imaginando qual seria a reação dele
se ela tentasse explicar que estava sofrendo, não tanto pela pancada na
cabeça, mas pelo impacto de sua personalidade forte. — Fiquei atordoada
por um momento, mas estou perfeitamente bem agora.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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Ele sorriu, e uma fileira de dentes brancos em contraste com a sua


pele encantou-a mais ainda.
— Estou tão aliviado por ouvi-la dizer isso. — Ele segurou-lhe as mãos
trêmulas entre as suas. — Estou tão envergonhado com a minha falta de
jeito — resmungou —, mas devo confessar que me sinto feliz em conhecê-la,
embora a nossa apresentação tenha sido um tanto fora do comum.
Jade notou um ligeiro tom divertido em sua voz, mas manteve os
olhos fixos num anel de sinete, uma peça em ouro maciço que ele usava no
dedo médio, tendo gravado na superfície uma fina lua crescente. Seu
coração batia tão forte que ela precisou se esforçar para ouvir as palavras
doces, ditas com tanta sinceridade.
— Sentei-me perto de você no avião — ele admitiu. — Você parecia
tão solitária e amedrontada que tive, muitas vezes, que refrear o impulso de
conversar, de oferecer os meus préstimos ou de simplesmente procurar
acalmá-la; mas você estava tão absorta que achei inconveniente. Mesmo
depois que aterrissamos, você saiu do avião como se estivesse sonhando,
motivo pelo qual resolvi agir como uma sombra, caso precisasse de
proteção. Estou perdoado? — ele perguntou cortesmente. — Entre o meu
próprio povo, seria imperdoável um homem impor sua presença a uma moça
que se encontra sozinha, mas nenhuma moça portuguesa, jovem como você,
viajaria sozinha.
— Então o senhor é português... — Jade falou apressadamente.
— Sim, sou. — Ele inclinou a cabeça. — Meu nome é Diogo da Luz
Pereira da Silva, mas, por favor, chame-me de Diogo. E como, senhorita,
posso chamá-la?
— Meu nome é... — Em tempo, ela se lembrou do efeito que a sua
apresentação afetada tinha causado às suas companheiras de trabalho —
Jade — ela disse apressadamente. — Srta. Mighty me parece tão formal.
— E tão errado — ele contraiu os lábios. — Mighty dá a entender
poder; você, minha cara, possui o poder de uma pétala voando ao vento. —
Ele levou a mão dela aos lábios, deixando -a desconcertada, e beijou
delicadamente a ponta de cada dedo. Depois, inclinou a cabeça e hesitou a
poucos centímetros de sua boca jovem e vulnerável. — Jade, por causa da
cor de seus lindos olhos, é claro — ele murmurou num só fôlego —, mas, em
minha mente, eu já a batizei há horas: Princesa da Neve. Para mim, você
será sempre uma adorável princesa da neve.
Assim que o táxi parou diante do hotel, os seus modos mudaram.
Polidamente, mas demonstrando muita formalidade, ele a ajudou a descer
do táxi e a conduziu, com um leve toque em seu cotovelo, através do
vestíbulo em direção ao balcão de recepção.
— Queira acompanhar a srta. Mighty até seu apartamento — ele disse
ao funcionário —, e cuide para que ela não seja perturbada pelo menos por
duas horas. Ela precisa descansar.
Uma vez feito isso, ele se voltou para Jade e lhe fez uma mesura
cerimoniosa.
— Também estou hospedado neste hotel, junto com minha mãe e
minha irmã mais nova, Jacinta. Daria a honra de jantar conosco esta noite?

Projeto Revisoras 13
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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Ele falou calmamente, mantendo o rosto sem expressão, mas Jade


sentiu o impacto de seus olhos brilhantes, insistindo para que ela aceitasse
o convite, e assim não pôde resistir.
— Obr... obrigada — ela falou gaguejando e corando —, eu gostaria
muito.
— Então, boa tarde, Princesa da Neve — ele piscou discretamente —,
até a noite.
Jade acompanhou o carregador que deveria conduzi-la a seu
apartamento sentindo -se como se estivesse flutuando. Entrou no elevador,
seguiu por um corredor e finalmente chegou ao quarto, cujas portas haviam
sido abertas. Deu apressadamente uma gorjeta, e fechou a porta, ansiosa
por estar sozinha e saborear ao máximo a emoção de seu encontro com um
estrangeiro encantador, um homem claramente rico, orgulhoso, altivo e,
como seu nome indicava, alguém da aristocracia, um verdadeiro fidalgo
português.
Fascinada com seus encantos viris, ela se deitou na cama e ficou
olhando o quarto com os olhos brilhando.
— Obrigada, Di — ela murmurou—, por me convencer de que valia a
pena a extravagância de um hotel de cinco estrelas! Seja o que for que o
futuro me reservar, terei isto para me lembrar para o resto da vida; duas
semanas de luxo, uma fuga, embora curta, para um mundo completamente
diferente. Como você adoraria este apartamento! Lentamente, os seus olhos
sonolentos foram avaliando tudo em volta: armários embutidos com portas
deslizantes de madeira clara; uma penteadeira, combinando, feita para se
ajustar exatamente no ângulo de duas paredes; o brilho do piso ladrilhado
para garantir o máximo frescor; o telefone sobre a mesa de cabeceira, ao
lado de uma pasta com uma imponente coroa impressa na capa, contendo os
detalhes dos muitos serviços oferecidos aos hóspedes dia e noite, além de
uma lista dos respectivos números para discar. Observou as janelas
entreabertas, deixando a brisa balançar suavemente as cortinas de filo,
notando que davam para uma sacada mobiliada com cadeiras e uma mesa
trabalhada de ferro, onde, já decidira, tomaria um longo e despreocupado
café da manhã todos os dias.
— Luxo pecaminoso! — Ela bocejou e se aconchegou mais ao
travesseiro. — Acho que o avião me levou diretamente para o céu e se
esqueceu de me trazer de volta para baixo! — Como era de se esperar,
levando -se em consideração os traumáticos últimos dias, ela caiu num sono
profundo e sem sonhos, embora cheio de contentamento, que deixou um
sorriso em sua boca enquanto dormia.
Duas horas tinham-se passado, quando uma batida discreta na porta
a despertou.
— Um momento! — ela disse em pânico. E então, lembrando -se de
onde estava, procurou se lembrar de uma resposta que decorara de um livro
de frases em português. — Entre, por favor!
Quando ia se levantando, a porta se abriu e uma camareira entrou,
seguida por um carregador com sua bagagem.
— Boa tarde, senhorita! — Estendendo uma bandeja contendo um
pacote embrulhado para presente, ela continuou dizendo:

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— Mandaram-me entregar-lhe isto. A senhorita quer que eu desfaça


as malas agora?
Jade estava estudando o pacote que pegara da bandeja, imaginando o
que seria, e ficou momentaneamente sem perceber que a moça esperava
uma resposta. Quando se deu conta disso, ela corou e recusou
apressadamente:
— Não, obrigada, posso cuidar disso eu mesma.
Quando as sobrancelhas da moça se ergueram, Jade percebeu o seu
erro. Antes de sair de casa lera tantos livros quantos pôde encontrar na
biblioteca pública, a respeito do país que estava para visitar, e um deles
não tinha sido nada elogioso a respeito do modo de ser dos portugueses,
especialmente aqueles que viviam em Lisboa: A maioria acha que é indigno
carregar pacotes ou fazer trabalhos servis de qualquer espécie.
Com o rosto vermelho, Jade vasculhou sua bolsa à procura de uma
gorjeta que fosse suficientemente grande para suavizar o desdém da
camareira e do carregador indeciso. E então, fazendo força para aparentar
dignidade, ela dispensou os dois. Quando a porta se fechou, deitou-se
novamente, deprimida pela sua insegurança. Quem era ela para jantar com
um aristocrata e sua família, quando era incapaz de se portar à altura
mesmo diante do pessoal do hotel? Depois de conhecê-la melhor, Diogo da
Silva concluiria certamente que ela não era o que aparentava ser.
Telefonaria à portaria e pediria que apresentassem as suas desculpas por
sua ausência, pois jantar com ele e sua família seria simplesmente um
convite à humilhação.
Enquanto ponderava, seus dedos brincavam com o laço de fita
colorida que decorava o pacote. O nó se desfez e o embrulho foi aberto,
revelando uma caixa com tampa de celofane e uma base de seda verde-jade,
contendo uma perfeita rosa branca como neve. Durante longo tempo ela
ficou imóvel olhando para o presente. Então, com os dedos trêmulos, tirou
do envelope um cartão escrito com uma caligrafia fluente e forte como o seu
autor. Lentamente, ela leu:
As palavras não podem descrever minha solidão. Considere esta flor
como apelo de um coração ansioso e, se sua mensagem lhe der prazer,
Princesa da Neve, deixe que eu saiba, usando a rosa esta noite. Que as
horas passem depressa. Respeitosamente, Diogo.
O cartão escorregou de sua mão e caiu no chão, com o lado escrito
para cima, e aquelas palavras audaciosas pareciam zombar de sua
ingenuidade e de seu embaraço.
Que mensagem ele estaria querendo transmitir? Seria ele, no fundo,
um galanteador? O amor poderia atingir dois corações como um raio,
fundindo - os em um só? Seria possível dois estranhos se encontrarem, se
olharem e então se apaixonarem logo em seguida?
Ela não sabia, e não havia ninguém para aconselhá-la. Mas de uma
coisa ela estava certa: precisava ver mais uma vez aqueles olhos azuis, Usar
a sua rosa, confiar em sua sinceridade e esperar que não estivesse
enganada.
Enquanto tomava banho no banheiro azul, com ladrilhos da mesmo
cor e desenhos de peixes coloridos, sua mente se ocupava com a roupa que
deveria usar essa noite.

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— Com um guarda-roupa adequado — sua mãe muitas vezes afirmara


—, você poderia assumir o seu lugar na alta sociedade com tanta facilidade
quanto alguém que já nasceu nela.
Mas Jade não tinha tanta certeza. Ela seguira as instruções de sua
mãe ao pé da letra, investindo em roupas bem simples e bem talhadas e nos
acessórios, como lenços de pescoço de seda pura, cintos, bolsas e sapatos
de camurça e couro genuínos. Dois vestidos de noite bastariam, ela decidira,
para suas noites solitárias, nas quais esperava jantar sozinha e então se
recolher imediatamente ao seu quarto. Mas Di a persuadira:
— Leve pelo menos mais uns dois! E não se atreva a sair correndo
para o quarto assim que terminar a sua refeição; para que esse investimento
valha a pena, você precisa circular, usando os seus dotes como uma isca
para atrair o maior peixe que estiver por lá.
Um pouco do choque que as palavras de Di causaram ainda persistia.
— Eu jamais sonharia em fazer tal coisa! — Jade abrira a boca com
assombro. — E nem acredito que você seja tão mercenária quanto quer fazer
parecer. Eu não descreveria Gordon como um homem rico, e no entanto,
você parece muito feliz em se casar com ele.
— Você está certa, ele não é rico — Di concordara —, mas com sua
ambição e energia nós estaremos muito bem.
— Você se casaria com ele quaisquer que fossem as suas
perspectivas! — Jade zombara, mas tivera essa convicção abalada pela
resposta decidida de Di.
— Não, não casaria. Você nunca levou realmente a sério a minha
promessa de jamais me casar com um homem pobre, não Jade? Mas, ao
contrário de mim, você não teve uma vida de pobreza e rejeição. Oh, sim, eu
sei que você teve seus maus momentos — ela disse erguendo a mão quando
Jade tentara interromper —, mas até os quatorze anos também teve uma
mãe para mimá-la, enquanto que eu fui rejeitada desde o meu nascimento,
de modo que eu nunca soube o que era viver num lar decente ou vestir
roupas compradas especialmente para mim, em vez de roupas usadas de
algum outro infeliz que crescera demais. Muito bem — seu queixo sobressaía
desafiadoramente —, sua alma sensível está revoltada com a idéia de
colocar um preço no amor, mas se tiver bom senso e começar a encarar os
fatos verá que vivemos num mundo cruel e sem piedade. E se quiser
sobreviver, você pode começar a mudar de opinião e seguir o meu exemplo.
Pensativamente, Jade saiu do banho e se envolveu numa toalha
macia, com seu corpo sedoso recendendo a perfume de lilases na primavera.
Não havia meio de concordar com as opiniões de Di, embora uma voz
interior dissesse:
"Que mal poderia haver em desfrutar das atenções de um homem
atraente, uma vez que essa amizade não deve durar mais do que duas
curtas semanas? Será apenas um caso que ficará na lembrança, um oásis
memorável para mantê-la durante toda a vida, que promete ser árida e
solitária como qualquer deserto. Você não tem nada a perder, desde que não
procure tirar proveito disso!"
Com os dedos trêmulos, tirou os grampos dos cabelos e estes caíram
sobre os seus ombros, e então viu vagamente o seu rosto pálido e assustado
refletido no espelho embaçado.

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— Coelho tímido e assustado! — disse a si mesma, olhando para o


espelho. — Diogo da Silva é um cavalheiro; é bondoso, atencioso e
escrupulosamente correto em sua atitude com relação ao que ele considera,
tenho certeza, o sexo fraco. Você é uma tola até em pensar que ele poderia
ser um lobo preparando -se para devorá-la no jantar!

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CAPÍTULO III
Duas horas depois, Jade se aproximou da imponente escadaria que ia
dar no salão de entrada do hotel, sentindo o coração bater mais depressa.
Parou no topo da escada, dominada por um desejo de sair correndo de
volta ao seu quarto, em lugar de bancar a intrusa entre aquela multidão de
pessoas confiantes e ricamente vestidas que se encontrava lá embaixo. Ela
já ia se virando, quando os seus olhos amedrontados focalizaram o olhar fixo
de Diogo da Silva, que a esperava, afável e «legante, no pé da escada,
Atraída por uma força que reduziu sua vontade a nada, ela desceu, um
degrau de cada vez, em direção ao homem cujos olhos brilhantes, sorriso
ligeiramente enviesado, feições aquilinas e mãos fortes pareciam ter
assumido um controle absoluto sobre o seu destino.
Ao pé da escada, eles se aproximaram e, embora as mãos de Diogo
permanecessem imóveis, ela imaginou sentir a pressão delas abraçando -a, e
sentiu, pela intensidade do olhar dele sobre os seus lábios trêmulos, que ele
compartilhava de seu intenso desejo de beijar e ser beijada. Após uma
pausa que pareceu uma eternidade, ele quebrou o encanto pegando -lhe a
mão e levando -a aos lábios. Quando sua boca tocou levemente em seus
dedos, ela estremeceu. Ele sorriu e disse num tom de voz suave:
— Sua pele tem o perfume da primavera inglesa, minha cara. — Pelo
bem do decoro, ele permanecia a uma distância respeitosa, embora, em
espírito, não pudessem estar mais próximos, tão próximos que bastava ele
sussurrar para que as palavras chegassem aos seus ouvidos agudamente
sintonizados. — Durante toda a tarde, estive dizendo a mim mesmo que a
minha imaginação estava me pregando peças, que ninguém poderia ser tão
bela quanto a imagem que levava comigo, que nesta época moderna não era
possível uma moça permanecer tão desapegada às coisas mundanas, tão
graciosa e tão cheia de tocante inocência. Preparei-me para ter um
desapontamento, certo de que um cabelo tão louro quanto aquele de que me
lembrava deveria ser imaginação minha, causada pela luz ofuscante do sol,
de que os seus olhos só poderiam ter essa cor de jade por causa de algum
tipo de jogo de luzes, e que essa pele e essa graça de movimentos seriam
um sonho impossível. No entanto você está aqui, Princesa da Neve, prova
viva de que as minhas suspeitas eram infundadas.
Jade se sentiu sufocada. Seu olhar de pânico pareceu traze-lo de
volta à razão. Uma sombra anuviou os seus olhos e estes se tornaram
impenetráveis.
— Perdoe-me se a assustei, minha cara — ele disse, sério. — Minha
mãe lhe dirá que a impaciência é um de meus maiores defeitos; tudo o que
quero, quero imediatamente, e a espera é uma agonia insuportável para
mim. Mas venha — ele disse com um sorriso —, uma vez que tiver conhecido
a minha família, não precisarei mais enumerar os meus defeitos; minha mãe
e minha irmã terão prazer em lhe apresentar uma análise mais franca e
completa.
Enquanto ele a acompanhava por entre uma multidão de hóspedes
que tomava aperitivos antes de ir jantar, ela respirou profundamente e

Projeto Revisoras 18
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procurou se acalmar para que parecesse tão segura quanto aqueles que
estavam em sua volta. Ela sabia que a sua aparência não a atrairia; seu
vestido branco e justo não parecera grande coisa enquanto esteve
pendurado no cabide da loja, o que explica como fora passado adiante
tantas vezes, tendo o preço reduzido de tal modo que ficara ao alcance de
suas posses. Mas assim que o vestiu, ele pareceu se tornar parte dela,
envolvendo elegantemente os seus seios voluptuosamente arredondados, a
sua cintura, e depois descendo pelo quadril esbelto até a barra repousar
sobre os pés delicados.
Mas por ter achado o decote um tanto revelador, ela colocara a rosa
de Diogo na cavidade formada por seus seios sedosos e pusera sobre os
ombros uma pelerine transparente, entretecida com um fio prateado, que
tinha a aparência de uma teia de aranha brilhante. Somente a inexperiência
e a timidez poderiam traí-la, pensou nervosamente enquanto Diogo a
conduzia em direção a duas mulheres que estavam sentadas à mesa
observando -a com interesse.
Reprimindo uma agitação que ameaçava transtornar a sua serenidade
ela parou ao lado de Diogo e forçou um sorriso enquanto ele a apresentava.
— Mãe — ele se dirigiu à mulher mais velha, cujo austero vestido
preto só era suavizado por um broche de brilhantes — quero que conheça
Jade, a srta. Mighty, a moça inglesa de quem lhe falei e que foi vítima de
minha inépcia assim que chegou a Portugal. Jade, esta é minha mãe, dona
Amélia da Luz Pereira da Silva, que, tenho certeza, deseja reparar o
procedimento de seu filho, insistindo para que você a trate informalmente
como dona Amélia.
Jade disse a si mesma que estava nervosa, quando imaginou ter
percebido uma certa frieza em seu tom de voz, mas a suspeita de que a mãe
dele não estava cheia de alegria em conhecê-la foi confirmada por seu
sorriso forçado e aperto de mão sem entusiasmo.
— E esta jovem — Diogo se afastou de sua mãe — é minha irmã mais
nova, Jacinta, que, dizendo muitas inverdades, lhe contará tudo o que há
para saber sobre mim.
O alívio de Jade foi enorme quando o seu sorriso tímido foi retribuído
por um sorriso de orelha a orelha por uma moça morena de olhos alegres,
que ela julgava ser três anos mais nova que ela própria.
— Estava tão curiosa para conhecê-la, Jade — ela falou, dispensando
logo o protocolo —, jamais vi meu irmão tão ansioso por rever uma pessoa!
Por todo Portugal, ele tem sido perseguido por mães ambiciosas e mulheres
astuciosas, mas sempre fugiu delas. Qual é o seu segredo, eu fico
imaginando? — Ela inclinou a cabeça para um lado, como se estivesse
estudando o rosto embaraçado de Jade. — Você é encantadora, é claro, mas
Diogo já se fartou de mulheres lindas. Você é bem loura, mas não é
incomum, como um estrangeiro possa imaginar, pois o nosso país foi
formado durante os séculos, por gente da mais variada procedência, que,
através de casamentos, criaram uma extraordinária mistura de raças,
costumes e características físicas, como está provado — ela acenou com a
cabeça em direção a Diogo — pelos olhos azuis de meu irmão. Não — ela
concluiu maliciosamente — penso que é o seu ar desinteressado que ele
acha tão interessante; é o seu jeito tranqüilo de "não -me-toques" que deve
atraí-lo, assim como uma chama atrai uma mariposa.

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— Para a sua conseqüente destruição — dona Amélia falou


asperamente, inflamada pelo rumo que a conversa tomara.
— Vocês duas parecem que se esqueceram de seus bons modos! —
Desta vez não restavam dúvidas quanto à frieza do tom de voz de Diogo. Os
olhos assustados de Jade se voltaram para ele, e ela viu o seu queixo firme,
os lábios afinados pela ira, e os olhos com uma expressão dura que ela
achou assustadora. Sua atitude era austera, muito semelhante a de um
fidalgo cuja honra tivesse sido ultrajada. Formalmente, ele pediu:
— Por favor, queira desculpar a indelicadeza momentânea de minha
mãe. Ela se cansa quando viaja. Ainda não teve tempo para se recuperar da
viagem e, portanto, está se sentindo menos consciente de seus deveres. E
quanto à minha irmã — Jacinta pareceu murchar quando os olhos de Diogo
se voltaram em sua direção — há meses que ela vem tentando me convencer
de que já está suficientemente madura para se unir a suas amigas em sua
mania mais recente: brincar de dirigir uma boutique aqui em Lisboa. Minhas
dúvidas foram agora justificadas por sua demonstração de uma imperdoável
franqueza rude.
Perdendo todo interesse pela irmã, ele voltou os olhos brilhantes para
Jade, que assistia, fascinada, enquanto o gelo derretia lentamente,
revelando os seus olhos meigos.
— Perdoe o nosso bate-boca de família — ele pediu, delicadamente. —
Se estiver achando que não é bem-vinda, ponha de lado essa idéia, pois
nada poderia estar mais longe da verdade.
Jade sentiu uma leve simpatia por dona Amélia quando, numa
tentativa óbvia de acalmar a dignidade ofendida de seu filho, ela engoliu o
seu orgulho o suficiente para dizer:
— Sim. Por favor, desculpe o nosso deslize infeliz, senhorita. Venha,
sente-se ao meu lado. E, enquanto Diogo vai lhe buscar uma bebida, conte-
me tudo a seu respeito.
Quando ela indicou um lugar ao seu lado, de um modo imperioso, que
contrastava com o seu tom de conciliação, a timidez de Jade forçou-a a
obedecer àquilo que equivalia a uma ordem.
O rosto de Diogo anuviou-se, mas encolhendo os ombros, um pouco
em sinal de impaciência e um pouco em sinal de desespero masculino,
procurou alegrar Jade com um sorriso, antes de perguntar:
— O que deseja beber?
A mente de Jade pareceu vazia. Obviamente, se tivesse tido tempo
suficiente, sua mãe teria preenchido essa lacuna em sua educação; mas ela
não fazia idéia das bebidas que seriam consideradas como aperitivos
apropriados. Então se lembrou da garrafa de vinho que ela e Di compraram
no supermercado, a garrafa cujo rótulo a ajudara e escolher onde passaria
as férias. Nervosamente, ela procurou se lembrar de seu nome, que veio
num estalo, e disse sem pensar:
— Uma taça de Mateus Rosé, por favor.
Vendo dona Amélia empertigar-se, ela percebeu que tinha feito uma
escolha infeliz.

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— Mateus é um vinho de mesa, senhorita — ela disse maldosamente.


— Você certamente deve saber disso!
Para o alívio de Jade, Jacinta zombou prontamente.
— Oh, mãe, você está tão desatualizada! Todo mundo sabe que os
vinhos de mesa entraram recentemente em moda como aperitivos, como
uma bebida para todas as horas. E, além disso, os jovens da sociedade
inglesa não querem ser influenciados pela tradição; eles sentem orgulho de
um individualismo que, às vezes, dá origem a conseqüências bem
desagradáveis. Não é verdade, Jade?
Lembrando -se de Di que, embora jovem e inglesa, não poderia ser
classificada como membro da alta sociedade, Jade cruzou os dedos para se
proteger dos possíveis efeitos do fato de distorcer um pouco verdade, e
respondeu da forma mais natural que pôde:
— Sim, de fato. Tenho uma amiga em particular que adora se opor às
convenções. Não tenho dúvida, dona Amélia, de que a senhora acharia
algumas atitudes dela, e a maioria de seus pontos de vista, bastante
chocantes.
— Os pais ingleses são brandos demais em suas atitudes para com os
filhos — dona Amélia torceu o nariz. — Na minha opinião, as moças, como
você, recebem dinheiro e liberdade demais para satisfazerem seus
caprichos. Se fosse sua mãe, eu não teria descanso enquanto você estivesse
passeando sozinha num país estranho. E quanto ao seu pai? Tenho certeza
de que ele deve fazer objeções.
— Eu não tenho pais — Jade disse calmamente, — Nunca conheci o
meu pai e mamãe morreu há seis anos.
— Sinto muito, minha filha — dona Amélia pareceu ficar embaraçada
—, não sabia que você era órfã. Ainda assim — ela procurou se tornar
agradável —, você certamente foi deixada em boa situação, o que deve
ajudar a compensar.
Foi nesse momento que Jade deveria ter corrigido a falsa impressão
que dona Amélia obviamente formara sobre ela. Hesitou, prestes a fazer
uma confissão, mas deixou-se seduzir por uma insidiosa voz interior que
insistia: "Que bom ser considerada gente da alta, mesmo que seja por pouco
tempo! Tornar-se parte dos sonhos impossíveis que você tinha cada vez que
lia uma coluna de mexericos ou folhava as páginas de uma revista. Esse
logro inofensivo não pode fazer mal a ninguém, contanto que guarde o
segredo só para você!"
"Aquele que hesita está perdido", era um adágio que nunca tivera um
significado especial para ela, até o momento em que Diogo retornou com
sua bebida. Ele era o homem mais atraente que jamais encontrará, ou que
jamais poderia encontrar, um príncipe adequado para qualquer Cinderela.
Assim, ela resolveu, não sem um estremecimento interior, que continuaria
com o jogo!
A avaliação de dona Amélia prosseguiu durante todo o jantar, e Jade
abençoou o fato de que sua educação, interrompida tão dramaticamente,
incluíra lições de comportamento social, durante as quais aprendera coisas
frívolas como comer alcachofras e aspargos desembaraçadamente, como
mergulhar os dedos delicadamente no lava-dedos com pétalas de rosa

Projeto Revisoras 21
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flutuando em sua superfície e como jamais fazer comentários sobre uma


refeição antes que esta estivesse terminada.
Diogo refletira cuidadosamente a respeito de cada prato, antes de
escolher aqueles que seriam mais adequados ao paladar inglês de Jade.
— Espero — ele sorriu — que você não seja uma daquelas moças que
precisam passar fome para manter a boa aparência!
O seu tom de voz era natural, mas não o seu olhar. Enrubescendo,
Jade disse gaguejando:
— Não, nisso eu tenho sorte. Posso comer tudo o que quiser.
— Ótimo! — Ele voltou os seus olhos provocadores para a irmã. —
Fico tão entediado comendo com gente como Jacinta, que belisca como um
passarinho e que sai correndo para medir os quadris cada vez que acha que
comeu demais.
— Eu não faço nada disso! — A resposta sorridente de Jacinta traía a
sua afeição pelo irmão, cuja ira a amedrontara tão recentemente. — Não
podemos todas ter corpos esbeltos e a constituição de um camelo, que, se
for preciso, pode passar vários dias sem qualquer tipo de alimento. Meu
irmão é um nômade por natureza — ela garantiu a Jade. — Ele muitas vezes
cruza o oceano de avião para visitar seus amigos árabes, e desaparece
durante semanas no deserto, e ainda permanece irritantemente evasivo
sobre as suas atividades.
— O que há para falar sobre o deserto? — sua mãe interveio. —
Exceto que é árido, poeirento e despovoado. E quanto aos próprios árabes,
há muito pouco sobre a cultura deles que seja atraente. Não vejo por que,
Diogo, você deva cultivar amizade com esse povo.
Ele franziu as sobrancelhas, mas se manteve calado enquanto um
garçom servia o hors d'oeuvre, porções de chouriço, fatias bem finas de um
presunto que, Diogo contou a Jade, era curado habilmente ao ar frio da
montanha ensolarada da Serra Morena, e que se constituía num famoso
regalo português.
Sem pressa, ele pegou o garfo antes de censurar a mãe brandamente:
— Você está sendo injusta. Sabe tão bem quanto eu que, mesmo há
muitos séculos, os mouros eram um povo sofisticado e culto, que trouxe
muitos benefícios ao nosso país. Peritos em irrigação, eles nos ensinaram a
cultivar arroz, introduziram os figos e as frutas cítricas, pêssegos, bananas e
muitos de seus condimentos preferidos. Também temos que lhes agradecer
pelos imensos bosques de amendoeiras que eles plantaram originalmente.
— Sim, mãe — Jacinta se intrometeu maliciosamente —, e você não
pode negar que é viciada em bolinhos feitos com amêndoas e mel, assim
como nos doces de nozes, que também fazem parte de nossa herança do
Oriente.
A tez pálida de dona Amélia foi ficando ligeiramente rosada, uma Vez
que ela interpretou as palavras da sua filha como uma acusação de
gulodice. Ela se empertigou e disse firmemente:
— Minha preferência é pela boa comida portuguesa, que é simples,
sóbria e conservadora. O seu sabor não é disfarçado com molhos e só
depende da simples excelência do produto natural. Nada pode ajudar a

Projeto Revisoras 22
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

aumentar mais o apetite do que a visão de pimentões vermelhos e verdes,


do arroz amarelado com açafrão, da carne rosada dos peixes e da carne
branca das aves. Temos um ditado neste país, senhorita — seus olhos
escuros perscrutavam as feições inocentes de Jade — "Metade do prazer de
comer está nos olhos; metade do valor de uma mulher está em sua face."
"O que não depõe muito a meu favor!", Jade pensou tristemente,
percebendo nas palavras de dona Amélia um ataque pessoal. Por algum
motivo, a mulher sentia antipatia por ela. Será que considerava qualquer
moça como um possível obstáculo entre ela própria e seu filho adorado?
Nesse caso, ela suspirou interiormente, era pena que tivesse esses temores;
eles deixariam de existir se descobrisse que a moça que ela encarava como
rival nas afeições de seu filho era totalmente desprovida de dinheiro e
posição social!
O jantar, que começara às dez e meia, era uma refeição
tradicionalmente prolongada, interrompida por extensos intervalos entre os
pratos e pela conversação despreocupada que parecia destinada a continuar
noite adentro. Por volta da meia-noite, contudo, as pálpebras de Jade
começaram a ficar pesadas. Parecia que já tinham se passado dias desde
que se despedira de Di e Gordon antes de sair para o aeroporto. Entretanto,
por incrível que parecesse, só se passaram poucas horas desde o início do
dia mais memorável de sua vida. Mas nem mesmo as suas maneiras
requintadas puderam impedir que um bocejo escapasse por detrás de sua
mão, um sinal de fadiga que os olhos penetrantes de Diogo perceberam
logo.
Apagando o charuto pela metade, que vinha fumando junto com o
café ele se levantou e colocou as mãos sobre o encosto da cadeira de Jade.
— Você teve um dia longo e cansativo, minha cara. Permita-me
acompanhá-la até seu quarto.
Jade pediu licença a dona Amélia e Jacinta, que não fizeram menção
de seguir o seu exemplo, e tomou o braço oferecido por Diogo, saindo do
salão de jantar que se encontrava apinhado de gente e quente demais.
— Os portugueses sempre ficam acordados até altas horas? — ela
perguntou, quando finalmente pararam perto da porta de seu quarto.
— Quando a noite cai, parece que ficamos mais ativos — ele admitiu
com um sorriso, passando o braço em volta de sua cintura e puxando -a em
sua direção, aninhando a sua cabeça sobre o seu peito.
Durante toda a noite, ela ansiara por esse momento, consciente de
que o jantar fora simplesmente um prelúdio para um relacionamento mais
íntimo. E, por mais impaciente que estivesse para que a experiência
emocionante começasse, a sua timidez a fazia estremecer.
Falando de maneira suave e tranqüilizadora, Diogo disse:
— Não, querida, não pretendo beijá-la. Por mais que eu o deseje, por
mais que eu sinta o seu próprio anseio, não vou permitir que isso aconteça
num corredor melancólico e com uma garota que está quase adormecida em
meus braços. Amanhã será diferente — ele disse ao seu ouvido —, amanhã,
depois de amanhã e no dia seguinte... O tempo não tem nenhum significado
para nós. Determinaram que nos encontrássemos, determinaram que nos
amássemos há uma eternidade, encantadora Princesa da Neve. Desde o
princípio da própria vida, você esteve entremeada em meu destino!

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CAPÍTULO IV
Durante os dias seguintes, Jade foi envolvida por um turbilhão de
jantares, bailes e recepções da alta sociedade. Com Diogo sempre ao seu
lado, ela se acostumou a tomar coquetéis, a conversar com pessoas
interessantes e inteligentes, a ter relações amigáveis com a aristocracia
portuguesa, a comer em restaurantes exclusivos e, eventualmente, por
causa do notório interesse demonstrado por Diogo, a ser apresentada como
sua namorada, uma jovem personagem da alta sociedade inglesa que fazia
uma visita.
Graças às orientações que sua mãe lhe dera desde pequena, a
respeito de moda, maquilagem e etiqueta, ela desempenhou o seu papel
com perfeição, dominando o nervosismo inicial, lembrando -se de sugestões
como "procure parecer descontraída", "mantenha-se calma" e "deixe que um
sorriso faça o trabalho de uma hora de conversação".
As pessoas ricas e famosas, ela percebeu logo, achavam agradável
poderem conversar com uma pessoa amável e interessada.
Conseqüentemente, as celebridades de Lisboa passaram a procurá-la,
cercando -a, assim que ela aparecia, para conversas que abrangiam desde a
política e a navegação a vela, até a última moda e sua opinião sobre as
músicas de discothèque.
Diogo, todavia, não estava vendo com bons olhos a sua espantosa
conquista da alta sociedade. Após uma festa muito alegre, na qual ela
dançara com vários pares, experimentara diversas taças de excelentes
vinhos gelados e comera um delicioso jantar, ele a acompanhou de volta ao
hotel, às primeiras horas da manhã, e fez, desapontado, o seguinte
comentário:
— Durante toda a noite, parece que você mal tomou conhecimento de
minha existência! — Ele a apertou fortemente em seus braços e censurou
seus velhos amigos. — Tenho raiva da intromissão de estranhos em nossas
vidas, com seus convites para isso e para aquilo! Além disso, estou cansado
de conversas fiadas e de lugares quentes t abafados. Amanhã... hoje — ele
corrigiu —, quero você só para mim, só nós dois sozinhos, para que eu possa
levá-la a todos os meus lugares preferidos.
Jade vibrou com a idéia. Desejava dizer-lhe que ela também se
ressentia das pessoas que os mantinham separados. Que embora risse,
dançasse e conversasse noites inteiras, permanecia constantemente alerta,
à procura de seus cabelos escuros acima da multidão, esperava ouvir sua
voz entre a confusão de sons à sua volta e aguardava ansiosamente pelo
momento de sentir a pressão de sua mão em seu braço. Desejava passar os
braços em torno de seu pescoço e lhe dizer tudo o que estava sentindo. Mas
se sentia insegura diante de um homem cuja atitude era possessiva, cuja
voz fazia seu coração bater mais depressa, mas que ainda não fizera a
menor tentativa de beijá-la...
Sendo abraçada fortemente por ele e sentindo o seu hálito morno
próximo ao seu rosto, ela achou difícil aparentar calma e perguntou:

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— E quanto a sua mãe e Jacinta? Elas podem querer... Dedos fortes


selaram os seus lábios, silenciando o tímido protesto.
Ela estava para dizer que a sua família poderia precisar dele, porque
nem sua mãe e nem Jacinta pareciam ser capazes de pôr o pé fora do hotel
sem que recorressem a ele para escoltá-las. Mas ele tirou uma conclusão
precipitada e errada.
— Pelo menos uma vez, deixe que as minhas necessidades tenham
prioridade! — disse friamente. — Qualquer outro plano precisa ser
cancelado. Recuso -me a passar mais um dia dançando como um fantoche e
sem que você tome conhecimento de mim.
Ela ficou alarmada com a rapidez com que ele a largou e se afastou.
Seus traços ficaram duros e ele cerrou os punhos, sentindo -se frustrado.
Isso ficou evidenciado quando ele disse subitamente:
— Virei buscá-la às dez. Esteja pronta, pois não gosto de ficar
esperando!
Ela estava cansada demais para ficar acordada pensando sobre
aquela atitude enigmática, mas os pensamentos sobre ele ocuparam o seu
subconsciente a tal ponto que, às nove em ponto dessa manhã, uma espécie
de campainha de alarme tocou em sua mente, despertando -a
imediatamente. Ela pulou da cama, tomou uma ducha rápida e então,
quando uma criada chegou com o café da manhã, conseguiu dar algumas
mordidas num pão com manteiga e tomar uns goles de café, enquanto
remexia o guarda-roupa à procura de algo para vestir.
As suas opções não eram muitas, embora, por ter escolhido trajes
básicos que pudessem ser combinados, ela conseguisse, com a ajuda de
acessórios inteligentes, tal versatilidade que Jacinta, às vezes, tinha
vontade de bater no irmão.
— Você relutou tanto em me trazer nessa viagem para fazer compras
em Lisboa. Mas agora, tendo Jade como exemplo, você pode ver como eu
tinha razão quando dizia que o meu guarda-roupa era tanto inadequado
como fora de moda. Jade tem usado três trajes diferentes por dia. Eu até
fico com vergonha cada vez que ela aparece com um conjunto ainda mais
chique e sofisticado.
Se Jacinta visse uma grande parte de seu guarda-roupa vazia, Jade
ficou pensando, com tantos cabides sem nada pendurado! Enquanto
procurava inspiração, sua mão hesitou e então pousou sobre um conjunto de
fino bouclé cor-de chocolate, com uma saia justa e um casaco, de feitio
simples, com os punhos e gola de um veludo de cor mais escura. Ela o olhou
pensativamente e concluiu que era a solução ideal para usar numa ocasião
em que ela não sabia aonde ia e também ignorava o que as outras pessoas
estariam usando. Uma vez que Diogo dissera que começariam o dia fazendo
uma excursão pela cidade, ela escolheu uma blusa branca e fresca para usar
com o conjunto, e enfiou um suéter de cashmere numa bolsa espaçosa. E,
caso o dia se prolongasse até a noite, ela levava uma blusa bordada,
dobrada cuidadosamente, um colar dourado e um perfume caro. Estava
acabando de dar uns toques finais em seus cabelos, quando o telefone tocou
e o recepcionista do hotel informou:
— Dom Diogo da Luz Pereira da Silva envia os seus cumprimentos,
senhorita, e pede-lhe o obséquio de encontrá-lo no salão de entrada do
hotel assim que puder.

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Com as mãos trêmulas, ela colocou o telefone no gancho, apanhou a


bolsa e saiu rapidamente para encontrá-lo, sem ao menos dar uma última
olhada no espelho.
Ele estava de costas para as escadas enquanto ela descia, mas,
demonstrando uma aguda percepção de sua presença, se voltou com um
sorriso de boas-vindas assim que ela foi se aproximando do último degrau.
Como era usual cada vez que se encontravam, foram logo atraídos um para
o outro. Suas mãos se apertaram e seus olhos se encontraram.
— Não consegui dormir pensando neste momento — ele admitiu
simplesmente. — Mas você, insensível Princesa da Neve, obviamente teve
boas horas de sono embelezador e despertou com uma linda cor em suas
faces, com os olhos brilhantes e com o resplendor do sol da manhã em seus
cabelos.
— Diogo — ela murmurou —, você diz coisas tão lindas...
— Não me olhe assim — ele pediu, sorridente —, senão serei forçado
a beijá-la aqui mesmo, no vestíbulo. — De maneira um tanto brusca, ele
segurou seu braço e a conduziu em direção à saída. — Vamos sair daqui,
depressa! Sinto olhos curiosos voltados em nossa direção, e já vou logo
avisando, minha cara, que pretendo ser grosseiro com qualquer um que
tente retardar aquilo que promete ser o início de um dia maravilhoso!
Eles saíram rindo como crianças, pela cidade construída sobre
colinas, com avenidas íngremes e largas ladeadas por clubes noturnos,
cinemas, lojas, restaurantes e teatros, onde circulavam velhos bondes
amarelos, que iam até o castelo situado na parte mais alta de Lisboa, de
onde desciam até a margem do rio Tejo.
— Podemos andar de bonde? — Jade perguntou impulsivamente,
enquanto ele a conduzia para um carro grande e lustroso.
— De bonde...? — Parecia que a idéia de andar de bonde era
totalmente nova para ele. Então ele sorriu. — Que idéia inspirada! Um carro
é certamente mais confortável, mas limita a visão. E eu não gostaria que
você se lembrasse de Lisboa como uma simples sucessão de andares
térreos, calçadas, degraus de portas de entrada e pedestais de
monumentos. Mas devo preveni-la, minha cara: prepare-se para ser
amassada!
Ela estava bastante feliz sendo amassada nos braços protetores de
Diogo, que a defendia dos puxões e empurrões dos outros passageiros cada
vez que o bonde parava. Desciam menos passageiros do que aqueles que
subiam, e assim foram sendo empurrados para frente, até que as costas de
Diogo ficaram apoiadas num balaústre, com as costas de Jade pressionadas
de encontro ao seu tórax forte e musculoso.
Uma vez que o interior do bonde ficava cada vez mais quente e
abafado, ele tirou o paletó e conseguiu, pouco a pouco, desabotoar e enrolar
as mangas de sua camisa até acima dos cotovelos. Depois, arrancou a
gravata e desabotoou parcialmente a camisa, revelando um pescoço forte e
o brilho de uma corrente de ouro com um medalhão. Enquanto o bonde ia
aos solavancos, Jade se virou em seus braços e, consciente dos olhos
sorridentes acima de sua cabeça, tentou decifrar a inscrição gravada no
medalhão, que tinha estampada em sua superfície uma lua crescente, o
mesmo corpo celeste que ela notara em seu anel. Mas os símbolos estavam
escritos em árabe.

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— O Homem é uma lua; tem seu lado escuro oculto. — Ele traduziu
para ela, aproveitando -se do aperto para segurar a sua cintura com mais
força.
— Estou certa de que isso não se aplica a você — ela caçoou,
sentindo -se suficientemente confiante para brincar um pouco. — Isso pode
acontecer com os inescrutáveis homens do Oriente, mas você não é
nenhuma raposa do deserto, nenhum filho de Satã. Ao contrário, você é um
cavalheiro português muito distinto e atencioso.
O fato de o bonde ter mergulhado na sombra formada por um paredão
poderia explicar o súbito obscurecimento nos olhos dele, mas, com uma
ponta de inquietação, ela notou que o seu perfil tinha se tornado ainda mais
aquilino e sua boca, geralmente bem-humorada, estava estreitada num
sorriso irônico.
— Portugal tem as costas voltadas para a Europa e a face voltada
para o Oriente — ele lhe falou tão sobriamente que ela sentiu um
momentâneo calafrio de medo.
Jade o fitava com os olhos arregalados, tendo em sua mente a
imagem de um homem forte e bronzeado, cavalgando um garanhão árabe
através de quilômetros de deserto, inebriado pela liberdade de espaço,
dominando perfeitamente sua fogosa montaria; um homem se livrando das
frustrações impostas por uma sociedade ultracivilizada, um homem cujos
olhos encobertos, boca cruel e feições de falcão, mal poderia ser
reconhecido como Diogo!
Um forte sacolejo do bonde trouxe-a de volta à realidade e seus olhos
assustados focalizaram mais uma vez a sua boca zombeteira e seus olhos
preocupados, profundamente azuis e profundamente meigos.
— Esta viagem de bonde não foi uma idéia muito boa, minha cara;
você parece que ficou bastante abalada com a experiência. Felizmente,
parece que o congestionamento está diminuindo. A maioria dos passageiros
descerá na próxima parada, que é o ponto final. Sim... já há lugares para se
sentar!
— Nesse caso, poderíamos ficar para a viagem de volta? — ela pediu,
com os joelhos trêmulos e quase sem forças nas pernas.
— Certamente, se é isso que você quer. — Ele pareceu se divertir com
a idéia. — Pelo menos, sentados, teremos um conforto relativo durante a
descida.
Ao contrário da primeira parte da viagem, o bonde estava quase vazio
e levava, além deles, uma família de camponeses que, obviamente, tiraram
o dia para ver as paisagens. Eles se vestiam de maneira um tanto
inadequada, com trajes tradicionais muito bordados e pesados, que devem
ter passado por muitas gerações.
Para o divertimento de Jade, um deles, que tinha nas mãos uma
antiga máquina fotográfica para registrar sua visita histórica à capital,
distraía-se com as exortações dos demais, para que fotografasse o casal de
turistas, que devia parecer aos seus olhos seres de um outro mundo, usando
roupas da última moda que, a seu modo de ver, eram tão estranhas quanto
as deles. As mulheres turistas, cujos cabelos eram muitas vezes mais curtos
que os de seus acompanhantes masculinos, tinham para eles um aspecto
confuso que fazia com que caíssem na risada, seguida por um coro de "Pois,

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pois", que Jade não teve dificuldade para interpretar como: "O que será que
falta para eles inventarem...?"
— Eles parecem tão alegres — ela disse sorrindo, esquecendo -se de
sua inquietação anterior quanto ao homem que estava ao seu lado.
— A riqueza não é necessariamente um componente indispensável
para a felicidade — Diogo falou com um leve tom de censura. — Essa gente
sente satisfação em viver e trabalhar no campo. O analfabetismo ainda é um
grande problema, e o luxo é para eles uma palavra sem sentido. Mas eles se
contentam com um dia de folga ocasional e um suprimento abundante de
vinho. Se os habitantes da cidade desistissem de seus hábitos luxuosos e
vivessem de maneira simples como os camponeses, não tenho dúvida de que
seriam muito mais saudáveis e muito mais felizes.
Jade reprimiu o impulso de contradizê-lo, de perguntar-lhe
furiosamente o que ele sabia sobre a pobreza, sobre as horas fatigantes e
intermináveis de trabalho monótono, que esgotavam gradualmente a força
física e deixavam a pessoa incapaz de fazer outra coisa que não arrastar o
corpo cansado para casa, de modo a recuperar energia suficiente para
enfrentar um dia seguinte idêntico. Mas conseguiu se conter a tempo,
dizendo a si mesma que não devia permitir que o passado interferisse
naquele momento breve e encantado, que a fábrica ficara para trás e que
mesmo quando as férias terminassem, nada a faria voltar ao antigo
trabalho.
Da maneira mais suave que pôde, ela contestou:
— Você me surpreende, Diogo. Não esperava que um dedicado
freqüentador do mundo social expusesse tal teoria.
— E eu também não esperava que uma borboleta da sociedade
simpatizasse com essa idéia — ele sorriu, levando a mão dela aos lábios e
beijou cuidadosamente a ponta rosada de cada dedo, o que lhe causava
reações fortes. — Você, Princesa da Neve, foi criada com atenções e carinho,
embora tenha, surpreendentemente, todas as virtudes de bondade e a
abnegação geralmente atribuídas aos pobres. Uma das conseqüências disso
é que todos desejam lhe dar presentes caros para recompensá-la por sua
doçura, e, portanto, jamais saberemos como você reagiria diante da
adversidade.
— Ninguém me compra presentes caros! — ela negou, indignada,
pensando no que ele diria se descobrisse que ela não era a herdeira que a
mãe dele achava que era.
— Alguém o fará, doce princesa — ele disse brincando, com um
charme que ela achou irresistível —, e muito em breve, eu lhe prometo!
Quando desceram do bonde, ele a levou para almoçar num
restaurante famoso por seu churrasco de frango — frango assado na brasa,
regado com molho de pimenta, e de sobremesa saborosos figos verdes,
deliciosos demais para que Jade pudesse resistir, embora Diogo risse de
seus constantes esforços para impedir que o seu caldo pegajoso escorresse
pelo queixo.
— Quando o ar está impregnado com o perfume doce das figueiras, o
aroma é tão sedutor que os camponeses juram que ele é capaz de acalmar
até um touro furioso.

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— Então devo levar alguns comigo — ela gracejou —, no caso de eu o


deixar zangado por algum motivo.
Preguiçosamente, ele olhou para ela corando.
— Duvido que isso pudesse acontecer, Princesa da Neve.
— Por que fica me chamando assim? — ela perguntou bruscamente. —
Eu não me considero nem um pouco fria e distante, como esse nome dá a
entender. Sou afetuosa, cordial e procuro sempre fazer amizades!
— Só amizades...? — ele perguntou manhosamente, erguendo as
sobrancelhas. .
Amizade era tudo o que ela ousava desejar! Toda a sua tímida
incerteza voltou, fazendo com que seu sorriso fosse desaparecendo
lentamente dos lábios.
—Viu...? — ele franziu as sobrancelhas. — De vez em quando algum
pensamento parece assustá-la, e durante algum tempo você se retrai como
se estivesse só, desejando ver lugares e rostos familiares, como ocorria com
sua xará, a Princesa da Neve, a princesa norueguesa que se casou com um
rei do Algarve. Naquela terra ressecada pelo sol, o seu coração ansiava
pelos picos cobertos de neve de seu país. Durante todo o inverno ela parecia
definhar, de modo que, finalmente, o rei, por causa do grande amor que lhe
dedicava, foi forçado a permitir que ela voltasse para casa. Mas, certa
manhã de primavera, ela olhou pela janela do castelo e gritou de alegria,
pois todas as colinas estavam brancas como a neve. "Não, minha querida", o
marido explicou, "são amendoeiras que floriram", e as flores das
amendoeiras do Algarve consolaram-na tanto que ela pôde ficar lá, feliz pelo
resto de sua vida. Você acha — ele mudou um pouco de assunto, enquanto
se concentrava no vinho branco gelado que fazia girar em sua taça — que
um marido devotado poderia compensar a perda do lar e de todos os amigos
de uma pessoa?
— Eu.. eu... — a garganta de Jade estava tão apertada que ela mal
conseguia falar. Ele estaria simplesmente tentando comentar um fato, ou
será que ele quis dizer...? Oh, não!, ela engoliu seco; ele não poderia estar
de modo algum lhe pedindo...
— Vamos sair daqui! — Com um movimento de impaciência, ele
empurrou a cadeira para trás e quase a arrastou para fora da dela, mal lhe
dando tempo para apanhar a bolsa antes de saírem do restaurante.
Segurando -a firmemente pela mão, ele caminhava tão depressa e tão
aprofundado em seus pensamentos que parecia não perceber que ela era
obrigada a correr para acompanhá-lo. Jade estava ofegante e transpirando
quando finalmente chegaram à margem do rio e ela se deixou cair sentada
na grama, arquejando.
Ela mal acabara de recobrar o fôlego, quando ele sentou-se ao seu
lado, perguntando -lhe concisamente:
— Bem, Jade, quanto tempo vou ter que esperar por uma resposta?
Diga-me, querida, você está se esforçando para encontrar palavras para
rejeitar a minha proposta, ou — o seu tom de voz se tornou mais suave —
você resolveu se casar comigo?

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CAPÍTULO V
Jade olhou-se no espelho e respirou profundamente antes de apertar
os dedos trêmulos em torno do batom e de tentar delinear a curva de seu
lábio inferior, que também tremia. Sentia-se física e mentalmente exausta,
abatida pelos persistentes argumentos que Diogo lhe expusera em sua
determinação de fazê-la mudar de idéia.
Eles caminharam a tarde toda, supostamente numa excursão aos
lugares interessantes da cidade, mas as praças movimentadas, o palácio, a
catedral, as lojas e os jardins pareciam todos miragens indistintas diante de
seus olhos deslumbrados. Implacavelmente, ele empregara todas as armas à
sua disposição, explorando o menor sinal de fraqueza com um pesado
bombardeio de lisonja, persuasão e um charme irresistível. E no entanto,
embora não soubesse como, ela conseguira conservar serenidade suficiente
para continuar repetindo a sua recusa original.
— Sinto muito, Diogo, eu não posso me casar com você de jeito
nenhum...
— Por quê? — ele perguntara, com um brilho de ferocidade em seus
olhos azuis. — Por favor, não me venha com o argumento tolo de que mal
nos conhecemos, porque você deve acreditar, como eu, que o nosso
encontro no aeroporto não foi o primeiro, e sim um reencontro de duas
almas que se separaram em alguma existência anterior! De que outra forma
poderiam ocorrer o reconhecimento imediato, a atração instantânea e o
anseio de dois supostos estranhos de se abraçarem e se beijarem como as
pessoas que se amam?
Jade ficara comovida e abalada quando ele revelou sombriamente um
fatalismo herdado de seus ancestrais mouros, declarando:
— Não temos segredos um para o outro, pois já nos amamos e já
fomos como um só. Às vezes, em meus sonhos, fico como que em êxtase,
sinto o estremecimento de seu corpo sedoso contra o meu, ouço os seus
pequenos suspiros de prazer, sinto o gosto salgado de suas lágrimas
inocentes em meus lábios. Entretanto, quando o meu sonho está a ponto de
atingir sua realização, você sempre desaparece de meus braços, e eu
desperto selvagemente frustrado e passo todo o resto da noite rolando na
cama. Esse tormento não pode continuar! — ele descarregou subitamente. —
O casamento seria uma mera formalidade, pois sinto que você já me
pertence!
Com os olhos em lágrimas pela verdade das palavras que acabara de
ouvir, ela lhe suplicara para que a levasse de volta ao hotel, mas ele se
recusara.
— Não, Jade, não permitirei que fuja para o meio de um bando de
estranhos que só desejam nos separar cada vez que têm uma oportunidade.
Vou conservá-la ao meu lado pelo tempo que for necessário, até descobrir a
razão de sua recusa em aceitar o inevitável.
— A senhorita não está se sentindo bem? — A pergunta feita
suavemente assustou-a. Ela se virou e viu a servente do toalete, cuja

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expressão revelava um misto de desculpa e preocupação. — Desculpe-me se


estiver me intrometendo, mas seu rosto parece tão pálido, e a senhorita
está aí sentada em silêncio há tanto tempo...
— Oh, eu estou muito bem, obrigada. — Jade fez um esforço enorme
para se recompor. — Tive um dia bem cansativo, visitando muitos lugares.
Por isso entrei aqui para me refrescar, trocar a blusa e refazer minha
maquilagem, antes de voltar com um amigo que está encomendando o
jantar.
O rosto da mulher se iluminou.
— Esses homens...! — exclamou, levantando as mãos num gesto de
desespero. — Quando compreenderão que nós mulheres só possuímos a
metade da energia deles? Gostaria de lhe pedir que descansasse mais,
senhorita, mas resta pouco tempo para apreciar o seu jantar antes que a
fadista comece a sua apresentação.
— Fadista...? — Jade perguntou.
— Sim —ela acenou com a cabeça. — Este restaurante é famoso pelos
seus cantores de fado. O fado é considerado por alguns como uma tradição
nacional, mas na verdade ele pertence principalmente a Lisboa. Estou certa
de que gostará das canções, senhorita, mas não deve cometer o erro *de
conversar depois que a música começar, senão se tornará muito antipática,
porque o fado é sempre levado a sério tanto pelo público como pelos
artistas.
Diogo a esperava no lado de fora da entrada do salão de jantar, e
assim que o localizou, ela percebeu que ele estava nervoso.
— Onde, diabo, você esteve? — ele perguntou bruscamente. Então,
contendo o seu temperamento genioso, pediu desculpas. — Perdoe-me, mas
você esteve ausente durante tanto tempo que comecei a suspeitar de que
havia ido embora. Contudo — ele colocou a mão dela no ângulo de seu braço
e sorriu de modo aprovador —, o resultado compensou a espera; você está
linda, meu amor.
O restaurante estava cheio, mas eles foram conduzidos em direção a
uma mesa, como se tivesse sido reservada especialmente para eles,
arrumada num recanto isolado que permitia mais intimidade e, ao mesmo
tempo, a visão do espaço circular, apinhado de casais dançando. Todas as
luzes principais tinham sido apagadas para permitir o efeito das velas
acesas dentro de globos de vidro colorido, que projetavam uma luz suave e
íntima em cima de cada mesa. Em algum lugar, uma orquestra tocava
músicas apropriadas para um ambiente luxuoso e sedutor: garçons servindo
pratos ricamente aromáticos em salvas de prata, cadeiras recobertas de
veludo, arranjos florais primorosos, toalhas imaculadas de linho e uma
clientela usando trajes caros, mas informais — um fator que evidentemente
influíra na escolha de Diogo.
— Este restaurante se tornou o preferido dos homens de negócios que
desejam entreter clientes estrangeiros recém-chegados a Lisboa — ele
explicou, como se lesse os pensamentos de Jade. — Tanto a comida como os
espetáculos apresentados são tipicamente portugueses, e o ambiente é bom
tanto para as conversas sobre negócios como para o prazer. Motivo pelo
qual o escolhi — seu tom de voz ficou subitamente incisivo. — Antes de mais
nada, conversaremos. Então, mais tarde...!

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A sua pausa significativa e a ênfase que ele colocou em suas palavras


causaram um rebuliço dentro dela. Não pode haver nenhum mais tarde! De
algum modo, ela precisava convencê-lo de que para eles não poderia haver
nenhum futuro juntos, que, uma vez que as suas férias terminassem, seus
caminhos se desviariam em direções completamente opostas. Mas a hora da
verdade já tinha se passado; ela não podia ofender a sua dignidade
contando -lhe que ele propusera casamento a uma moça cuja posição social
era equivalente a de uma camponesa, alguém que, após duas semanas de
boa vida, só teria dinheiro suficiente para as indispensáveis gorjetas.
Ele esperou até que o garçom dos vinhos tivesse servido o
champanha que ele pedira. Então, quando a garrafa foi recolocada em seu
balde de gelo, com um sorriso nos lábios, ele propôs um brinde:
— A um sonho e que ele logo possa se tornar realidade!
Ao erguer a taça, a luz da vela brilhou entre as suas pálpebras
semicerradas, revelando olhos que riam internamente. Uma dor feriu Jade
como um punhal, fazendo em pedaços toda a confiança em si mesma. Foi
quando as dúvidas, que sempre espreitavam próximas à superfície de sua
mente, vieram à tona com força, o que fortaleceu a sua suspeita de que ele
se divertia com a sua ingenuidade, que se entrelinha com a timidez confusa
e desajeitada que mantinha sua língua presa e a deixava incapaz de olhá-lo
diretamente nos olhos. Que tola tinha sido por levá-lo a sério! Como poderia
ter imaginado que esse homem —, essa mistura de demônio e de santo, de
nômade e de fidalgo —, levasse em consideração ter como esposa uma
pessoa sem importância como ela? O fidalgo arrogante, entediado pelos
cuidados que era obrigado a dispensar à sua família, tinha estado à procura
de diversão e encontrara para si um brinquedo simples e divertido!
O orgulho a fez erguer sua cabeça e seu tom de voz se tornou frio.
— Dizem — ela falou nervosamente — que se pode julgar o caráter de
um homem pelo modo que ele trata os menos afortunados. Antigamente, a
aristocracia empregava palhaços para melhorar o seu humor e aliviar o
tédio. Parece-me, senhor, que com o mesmo propósito, sou quem deveria
estar usando um barrete de bobo!
Ela teria se levantado e saído correndo da mesa, mas seus olhos
estavam cheios de lágrimas.
— De que está me acusando, Jade?
Sua alma sensível reagiu com um gesto de desamparo à pergunta
feita do outro lado da mesa. Ela quase gritou por causa da mágoa infligida
por sua duplicidade, mas conseguiu se controlar, ocultando os sentimentos
atrás de uma máscara de orgulho ofendido.
— Estou acusando - o de insinceridade cruel — ela se sentiu sufocar —
e de fingimento. Suponho — disse tremendo — que deve ter-lhe parecido um
jogo limpo fazer-me acreditar nos contos de fadas que inventou sobre o
nosso assim chamado romance, procurando cobrir-me de lisonja e mentiras
melífluas. Pensei que você fosse um cavalheiro, um homem de honra... — Ela
teve que conter as lágrimas antes de prosseguir. — Embora eu deva admitir
que é suficientemente inteligente e experiente para evitar qualquer
acusação concreta que lhe façam, você só me seduziu com palavras, com
olhares e com leves carinhos ocasionais. Sinto -me desonrada — o seu tom
de voz M tornou um sussurro enquanto os seus olhos verdes, magoados pela

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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descrença, acusavam o seu torturador — e no entanto, na verdade, você não


chegou nem ao ponto de beijar-me...
Por causa da fraca iluminação, para qualquer pessoa que os
observasse, eles deviam se parecer com um homem e uma mulher felizes
por estarem juntos, empenhados numa conversação normal. Mas nem M
sombras que pairavam do outro lado da luz de vela poderiam suavizar a
dureza das feições de Diogo, ou ocultar o brilho ardente de fúria de seus
olhos azuis.
Jade estremeceu com a sua atitude de desagrado e abaixou os olhos,
com os punhos cerrados firmemente sobre seu colo, parecendo uma triste e
meiga criança.
— Se fosse desprezível e dissoluto como você deu a entender, acha
que a pediria em casamento?
Suas palavras frias atingiram-na, deixando -a ofegante. Ele possuía
duas entidades separadas — uma que ela conhecia e outra que só conhecia
por suposição. O dom Diogo cortês e afável havia desaparecido, deixando
em seu lugar um estranho de traços duros e olhos penetrantes. Jade se
sentia amedrontada como uma escrava que tivesse causado um
descontentamento ao seu senhor, embora reunisse coragem suficiente para
exprimir sua opinião sincera.
— Se eu tivesse sido bastante ingênua, se o bom senso não me
tivesse feito ver a verdade, sua proposta teria sido motivo suficiente para
encorajar-me a ir para a cama com você!
Ela jamais deveria saber qual teria sido a sua resposta. Tudo o que
sentiu foi a sua respiração profunda antes de ouvirem um forte clamor em
volta deles: o aplauso entusiástico de um público que saudava o
aparecimento de uma mulher vestida de preto, focalizada pelos refletores no
centro da pista de dança, e que se curvava e acenava para os seus
admiradores. Quando os guitarristas que a acompanhavam começaram a
tocar, Jade se sentiu grata pelo pesado silêncio que impedia até mesmo um
murmúrio de Diogo, de cuja sombra opressiva emanava a indignação.
Durante quase uma hora, a mulher cantou versos incompreensíveis
para Jade, mas as melodias nostálgicas e tristes ficariam associadas para
sempre em sua mente, com o desespero e a mágoa. Consciente de que suas
mãos estavam apertadas firmemente e o seu corpo tenso, ela procurou se
relaxar à medida que a música tocava, começando como um rio de águas
plácidas, depois a fluir numa descida, em seguida rápido como um
redemoinho, e então se aquietando e ocultando as suas profundezas. Era a
música de Portugal, um retrato vocal de seu povo. Jade ficou refletindo,
pensando em Jacinta, que ora parecia fatalista e ora rebelde; apática, e logo
cheia de energia. Depois, no irmão. No início, ele parecera gentil, mas agora
ela sabia que podia ser áspero e arrogante; podia ser amável, místico e
poético, e logo revelar sarcasmo e traços de crueldade, sem dúvida
herdados de seus ancestrais mouros, que pensavam apenas em tirar de suas
mulheres todo o prazer que desejavam, oferecendo -as, depois, em leilão, a
quem fizesse a maior oferta.
As boas maneiras os mantiveram presos em seus lugares durante o
longo recital, mas mesmo quando a cantora se curvava pela primeira vez
para agradecer os aplausos, Diogo já se mostrava impaciente por se
levantar e conduzir Jade para fora do restaurante. O público se preparava
para apreciar o primeiro número bisado da cantora, quando ele, indiferente

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aos olhares espantados, segurou-a energicamente pelo braço e a conduziu


através do labirinto de mesas.
Lá fora, o ar estava perfumado. Na cidade encoberta pela noite, as
luzes brilhavam e as ruas fervilhavam de pessoas à procura de prazer. Mas
Jade sabia que não havia nenhum prazer reservado para ela, apenas uma
batalha entre os elementos, como se podia julgar pela ira estampada nas
feições de Diogo. O orgulhoso fidalgo se sentia insultado. Indubitavelmente,
não estava acostumado a uma conversa franca, a ter seus motivos
questionados e suas propostas recusadas. Sendo um mestre do fingimento,
sem dúvida protestaria dizendo que tinha sido mal compreendido; Jade
pensava, enquanto caminhava apressadamente, forçada a acompanhar os
passos dele. Mas ela se recusaria a ouvir, repeliria cada investida,
protegendo -se com a recém-adquirida armadura do bom senso.
Sua coragem vacilou quando, sem uma palavra de explicação, ele a
puxou na direção da entrada de um jardim público. Chegando a um ponto
mais escuro, ele a fez parar e a virou de modo que pudesse encará-lo. Ela
respirou longa e profundamente, preparando -se para expor seus
argumentos, quando sentiu-se apertada por braços que a puxavam
rudemente para frente num abraço esmagador, enquanto uma boca dura e
zangada reduzia ao silêncio as perguntas que vacilavam em seus lábios.
O inesperado da investida foi chocante, embora não fosse tão
devastador quanto as emoções despertadas quando Jade sentiu a boca de
um homem de encontro à sua pela primeira vez. Se Diogo tivesse certeza da
sua inocência, talvez, mesmo com raiva, teria sido um pouco mais delicado.
Mas foi impiedoso, brandindo a sua habilidade de sedução como um açoite,
trazendo à tona as suas emoções, punindo -a com paixão, até que ela se
prostrou sobre ele como uma prisioneira trêmula e soluçante.
— Agora você compreende por que nunca a beijei; por que nunca me
atrevi a beijá-la — ele falou roucamente, enterrando o seu rosto nos cabelos
sedosos de Jade. — Tive que me obrigar a esperar, querida, porque sabia
que uma vez que a beijasse, jamais seria capaz de deixá-la partir. Você
estava certa a respeito de uma coisa, Jade: eu de fato quero... — Ela tremia
enquanto a boca dele procurava a curva suave de seu pescoço. — Quero ser
civilizado, mas sou no fundo um selvagem e, como um selvagem, lutarei sem
tréguas para conservar aquilo que é meu! Tentei convencê-la de meu amor,
estive até disposto a esperar que sua timidez passasse, mas — seus dedos
se afundaram em sua cintura — você foi longe demais quando me acusou de
falsidade, um defeito que me é repugnante. Ponha um fim nesse pesadelo,
eu lhe suplico: prometa que se casará comigo imediatamente!
Mas o apelo conciso e quase zangado surtiu pouco efeito na mente
confusa de Jade. Se tivesse sido lançada inesperadamente num redemoinho,
ela não poderia ter ficado mais desorientada, não teria se sentido mais
esgotada, mais desesperadamente necessitada de um salva-vidas que a
levasse de volta à terra firme da sensatez.
Ele não podia estar falando sério! Embora seus lábios tivessem sido
insistentes, tornados ásperos pelo desejo, suas carícias íntimas até o ponto
da possessão, isso devia ser parte de um estratagema, as armas do sedutor
que tem em mente uma conquista. O tipo do homem a que Di obviamente
queria se referir quando, ao se despedirem, ela erguera o dedo e lhe
prevenira:

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— Não vá perder a cabeça por causa de um daqueles machões do


Mediterrâneo, dos quais ouvimos falar tanto, que adoram ter casos
passageiros durante toda a temporada turística! As garotas inglesas são
especialmente atraentes para eles por causa de sua tez clara e moral
supostamente duvidosa. Pelo que contam, eles podem ser apaixonados, sutis
e enganosamente atenciosos, até conseguirem o que querem. Mas depois,
eles são rápidos em dizer: "Adeus, senhorita, vejo -a de novo no ano que
vem, talvez!"
Mas Diogo não era assim! Até pensar nisso seria um insulto ao
orgulhoso fidalgo que colocava a honra acima de todas as coisas, cuja
sinceridade era tal, que até lhe pedira em casamento...
— Querida — delicadamente, ele a tirou de seu torpor —, estou
esperando pela sua resposta.
Quando a sua cabeça morena ia se abaixando, ameaçando repetir a
turbulência causada pelo seu primeiro beijo ávido, ela se afastou e esboçou
um protesto.
— Não, por favor, não, Diogo. Preciso conversar com você!
— Para quê? — ele suspirou. — Nós nos comunicamos muito melhor
sem palavras. — Mas ele fez o que ela queria e se contentou em roçar o
rosto nos cabelos sedosos de Jade, murmurando suavemente: — Você já me
disse tudo o que eu precisava saber, minha doce Jade, no momento em que
nossos lábios se encontraram e eu senti sua paixão aumentando para ir de
encontro à minha. A força dessa paixão a surpreendeu, minha querida, não?
Senti um choque percorrendo o seu corpo, e depois um tremor que começou
quando você achou que poderia ser devorada. Não há o que temer de mim,
querida — ele murmurou, com os lábios carinhosos encostados em sua
têmpora, o que a deixava como enlouquecida. — Posso ser selvagem com
aqueles que merecem a selvageria; impiedoso com aqueles que são cruéis e
indômitos. Mas, com um animalzinho órfão, eu seria sempre bondoso, gentil
e cheio de compaixão.
Jade pressionou o queixo de encontro ao tórax de Diogo, como que
para recolher forças de suas fortes batidas do coração.
— Você me faz parecer um animal abandonado — ela protestou
fracamente.
— E você não é? — ele brincou, mas com certa solenidade. — As
vezes você tem um olhar perdido que nunca deixa de apertar o meu
coração; o olhar de uma alma solitária desejando ansiosamente amar e ser
amada. Dinheiro e posição não bastam, não é, minha cara? — ele disse
suavemente. — Quero preencher o vazio no seu coração. Por que você não
me deixa fazê-lo?
Ele deve ter sentido o seu súbito enrijecimento, mas nada comentou.
Ao invés disso, puxou-a para mais perto de si e esperou, sentindo que ela
tinha dificuldade em encontrar palavras para explicar.
Jade achava quase impossível pensar com as batidas do coração dele
em seus ouvidos e o calor de seu corpo envolvendo -a, um estado
semelhante a um transe, que quase a fazia convencer-se de que não haveria
nenhum mal numa rendição incondicional, de que ela não devia pôr em
perigo a perspectiva de um futuro gloriosamente feliz tentando explicar

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desajeitadamente aquilo que, afinal, seria um logro muito pequeno. No final


da batalha, contudo, a consciência foi vencedora.
— Diogo — ela engoliu seco.
— Sim, querida? — Ele permanecia muito quieto e tenso, como se
estivesse para enfrentar um choque.
— Eu... eu não sou tão rica quanto sua mãe parece pensar que sou.
— Pelo amor de Deus! Isso é tudo? — E explodiu numa gargalhada tão
sem graça que Jade sentiu que ele estava entre divertido e furioso.
— Além disso — ela continuou falando de modo hesitante, ansiosa por
confessar tudo —, não possuo nenhuma posição social.
Sua confissão foi silenciada por um beijo cheio de raiva, o que
demonstrava a impaciência e o enorme alívio de Diogo.
— A sua posição social é o que menos importa, visto que se encontra
tão imaculada como no dia em que nasceu — ele falou asperamente. —
Como ousa me atormentar com trivialidades, como pôde mesmo suspeitar de
que eu permitiria que detalhes insignificantes como esses pudessem influir
em minha decisão de tomá-la minha esposa, de levá-la comigo ao Castelo de
Seteais como minha linda noiva! Eu pensei que houvesse um rival, alguém
com quem você já estivesse comprometida! — Ele olhou com alívio para os
seus olhos confusos. — Você deveria ser castigada por causa disso — ele a
repreendeu e então a apertou com força contra seu coração —, mas eu a
perdoarei com a condição de que repita comigo: "Sim, Diogo, eu o amo! Por
favor, Diogo, deixe-me ser sua mulher".

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CAPÍTULO VI
— Espera-se que toda moça esteja linda no dia de seu casamento —
Jacinta suspirou encantada —, mas você está lindíssima, Jade! De fato,
nestas duas últimas semanas, você pôs todas as mulheres de Lisboa no
chinelo! Há uma luminosidade em sua volta... — ela fez uma pausa, à
procura de palavras —, é como se meu irmão tivesse acendido uma luz de
amor dentro de você, e que esta emitisse raios de felicidade. Você o ama
tanto assim...? — ela perguntou ansiosamente.
Jade se afastou do espelho e colocou o véu de noiva cuidadosamente
sobre a cama.
— É claro que sim — ela respondeu, com um ligeiro rubor subindo às
faces. — Eu nem preciso lhe dizer como ele é adorável.
— Às vezes ele pode ser — Jacinta admitiu pensativamente. — Mas
por outro lado, há ocasiões em que "adorável" seria a última palavra que
alguém usaria para descrevê-lo.
Os lábios de Jade se contraíram. Os desejos de Jacinta jamais
pareciam estar de acordo com a vontade do irmão e, por causa disso,
sempre havia altercações, embora de menor importância, nas quais a
menina parecia levar sempre a pior.
— Infelizmente — Jade sorriu para suavizar a intensidade da censura
— você parece ter uma tendência de despertar nele uma veia dominadora,
mas, no fundo, ele sempre leva em conta os seus interesses. Acho que ele
tenta assumir o lugar de um pai justo, mas não muito indulgente.
Ainda aborrecida por causa de uma discussão em que perdera para
seu irmão na noite anterior, Jacinta zombou:
— Hum! Existe tanta semelhança entre meu irmão e um pai
indulgente quanto aquela que existe entre um árabe e um berbere!
Jade ficou intrigada com a comparação.
— Eles são da mesma raça, não são?
— Diogo afirma que não — ela respondeu rapidamente. — Embora os
árabes e berberes tenham se unido por casamento ao longo de milhares de
anos, ainda sobrevivem tribos de berberes puros nas regiões montanhosas
remotas, e essas pessoas, que são amigas de meu irmão, têm a verdade em
alta conta. A reputação deles quanto à honestidade é bem conhecida, ao
passo que os árabes, de acordo com os berberes que os vêem com desprezo,
são os maiores mentirosos e tapeadores do mundo. Às vezes — sua
indignação transbordou —, sou capaz de jurar que Diogo é mais berbere do
que português. Imagine que ontem à noite ele ameaçou me proibir de ir ao
seu casamento, simplesmente porque me pegou numa mentirinha
insignificante! Não fosse o fato de eu ter conseguido persuadi-lo de que
você ficaria aborrecida com a minha ausência, eu estaria agora confinada
em meu quarto!

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Jade virou-se para esconder um sorriso. Jacinta era bem conhecida


pelos vôos de sua imaginação, e a comparação que fizera entre os berberes
de vontade de ferro e o seu irmão ultracivilizado era ridícula. Não obstante,
depois de pensar um pouco, franziu as sobrancelhas quando as dúvidas
começaram a importuná-la. Ela teria sido bastante explícita quando tentara
explicar quem era? Deveria ter se esforçado mais, nas duas últimas
semanas, durante as quais ele estivera tão maravilhosamente de bom
humor, para garantir que seu passado não lançasse nenhuma sombra sobre
seu futuro? Mas Jade consolou-se com o pensamento de que ele ficava muito
impaciente cada vez que ela tentava tocar no assunto; houveram tantas
coisas a serem feitas, tantas providências a serem tomadas, que cada
momento precioso de folga havia sido preenchido com beijos...
Uma batida seca na porta atraiu a atenção de Jacinta e, quando ela
correu para abri-la, Jade ficou tensa, antecipando a chegada de dona
Amélia, a única mulher a lançar uma sombra sobre a sua felicidade. Seu
coração apertou quando a mãe de Diogo entrou ruidosamente no quarto,
parecendo tão perturbada, agitada e descontente quanto estivera desde que
fora informada do casamento iminente de seu filho.
— O quê? Ainda não está vestida? — ralhou assim que viu Jade, que,
por causa das constantes interrupções de Jacinta, só tinha conseguido vestir
as roupas de baixo.
— Só faltam o vestido e o véu — ela respondeu rapidamente —, e não
leva mais que um minuto para vesti-los.
— Muito bem — dona Amélia falou rispidamente. — Diogo já saiu para
a igreja. Oh, que confusão! — ela se lamentou, levantando as mãos. — Será
um milagre se tudo sair bem. Jamais vi tanta precipitação, uma precipitação
tão indecorosa, ela enfatizou, olhando para Jade com um olhar de quase
antipatia. — Se estivessem dispostos a esperar por mais algumas semanas,
o casamento poderia ter acontecido no Castelo e seria assistido por todos os
nossos amigos. Mas não! — Ela olhou Jade de modo penetrante. — Meu filho
está tão embevecido que precisa se casar o mais breve possível, mesmo que
isso signifique que a cerimônia deva ocorrer numa igreja estranha, na
presença de convidados que não são mais do que simples conhecidos. Ainda
afirmo — seus olhos desconfiados desafiavam Jade —, que se tivesse mais
algumas semanas, você poderia ter providenciado a vinda de alguém da
Inglaterra para assisti-la neste dia tão importante. Você deve ter algum
parente, Jade, ou, se não, pelo menos algum amigo mais chegado.
Vendo o olhar de embaraço de Jade, Jacinta se lembrou de seu papel
de dama de honra principal e logo foi em seu auxílio.
— Jade não pode fazer seus parentes aparecerem num passe de
mágica, nem mesmo para agradá-la, mãe, e já explicou que sua melhor
amiga, ela própria casada há pouco tempo, está muito ocupada com a nova
casa e não pode vir. Creio que ela lhe prometeu vir fazer uma visita assim
que puder, não é, Jade?
Jade concordou com um aceno de cabeça, e então virou as costas
para esconder algumas lágrimas que surgiam. Se ao menos Di estivesse lá
para apoiá-la!, pensou saudosamente. Ouvindo Jacinta, alguém poderia
pensar que Di e Gordon estavam em vias de se mudar para uma mansão, ao
invés de para um modesto apartamento de dois cômodos que tinham
alugado recentemente. Ela conseguira entrar em contato com Gordon por
telefone em seu banco. A primeira reação dele à notícia de seu casamento

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tinha sido de silêncio e surpresa, seguidos por felicitações cautelosas. Sua


resposta ao convite para virem, entretanto, fora bem incisiva.
— Nada me daria mais prazer do que poder dizer que sim, Jade. Mas a
verdade é que estamos totalmente "quebrados", pois cada centavo
disponível foi gasto para mobiliar o apartamento. Eu não conseguiria juntar
dinheiro suficiente nem mesmo para a passagem de Di, apenas; quanto mais
para nós dois...
A carta de Di, que ela recebera nessa mesma manhã, confirmava tudo
o que Gordon dissera, mas numa efusão de palavras extravagantemente
contraditórias como o seu temperamento, expressando alegria e dúvida,
entusiasmo e cautela em cada frase.
Cuidadosamente, Jade dobrara as folhas de papel fino e as guardara
junto ao seu coração, esperando que a carta a ajudasse a se sentir menos
desamparada, menos solitária, quando caminhasse em direção ao altar para
encontrar Diogo.
— Se estiver pronta, Jade, eu ajudarei com o vestido. — Com as faces
tão rosadas quanto o vestido de noiva de tule que ela escolhera, Jacinta se
aproximou com uma faixa de cetim branco pendurada no braço.
Obedientemente, Jade abaixou a cabeça e sentiu o coração bater mais forte,
enquanto o cetim fresco acariciava sua pele cálida, deslizando pela cintura
até alcançar os pés, onde ficou sem rugas ou pregas, pouco acima do chão.
— Acho que o comprimento está perfeito — Jacinta aprovou com a
cabeça inclinada para um lado —, mas lembre-se de levantar um pouco a
saia sempre que precisar, senão a barra pode se sujar.
Para consternação das duas, enquanto estavam ocupadas abotoando
uma fileira de pequenos botões forrados de cetim, que ia do decole até
abaixo da cintura, dona Amélia começou a chorar.
— Qual é o problema? — Jacinta perguntou entre mal-humorada e
divertida.
Sua mãe balançou a cabeça com tanto vigar que quase deslocava a
elegante pluma do chapéu.
— Não é nada — respondeu com a voz entrecortada. — É
simplesmente que estou emocionada com as lembranças do dia de meu
próprio casamento com o seu querido e falecido pai. O destino é tão cruel —
ela soluçou. — Por causa de um cavalo fogoso, perdi meu marido; pelo fato
de Diogo ter resolvido fazer uma viagem à Inglaterra, enquanto ficamos aqui
em Lisboa, perdi um filho.
— Como pode dizer uma coisa dessas a Jade? — Jacinta rebateu
furiosamente.
Ela parecia disposta a continuar, quando Jade a interrompeu
calmamente:
— Por favor, Jacinta, poderia nos deixar a sós por um momento,
enquanto converso em particular com sua mãe?
O seu tom inusitado de autoridade pegou Jacinta de surpresa. A
menina concordou com um aceno de cabeça e saiu do quarto sem discutir.
Dona Amélia ainda chorava ruidosamente quando Jade pousou a mão sobre o
seu ombro.

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— Por favor, pare de chorar e ouça-me apenas por um instante; dona


Amélia. — Estremecendo por dentro, ela procurou acalmar o tom de voz e
defender-se com brandura. — Grande parte da infelicidade do mundo é
causada pelas coisas que deixam de ser ditas. Portanto, espero que não me
considere presunçosa quando digo que sei exatamente como a senhora está
se sentindo. Eu também conheci a solidão de se estar separada de um ente
querido. Mas, enquanto a minha perda foi definitiva, a sua não precisa ser,
se a senhora passar e me ver, não como um a estranha que roubou seu filho,
mas como uma filha ansiosa por se tornar de novo parte de uma família. Se
a senhora pudesse fazer isso, dona Amélia, poderíamos caminhar não
simplesmente lado a lado, mas juntas.
Quando um longo silêncio caiu sobre elas, Jade ficou certa de que
estava prestes a ser repelida pela orgulhosa mulher, cuja mágoa a reduzira
às lágrimas. Porém, quando dona Amélia finalmente olhou para cima, Jade
viu com alívio que sua expressão tinha se suavizado, que seus olhos
estavam cheios de esperança e um começo de respeito.
— Você é muito generosa — ela disse pigarreando —, embora não
precise ser, na sua posição.
— Não precisamos ser rivais — Jade falou gravemente. — Estou certa
de que Diogo tem amor suficiente para nós duas.
Por um momento, dona Amélia estudou o rosto sério de Jade e então,
aparentemente tranqüilizada, levantou-se e admitiu, envergonhada:
— Desde o começo, nutri dúvidas a seu respeito. Mesmo em Portugal,
esse ar de inocência é raro, motivo pelo qual achei difícil acreditar que o
seu desinteresse pelas coisas materiais fosse genuíno. Mas agora acredito —
ela disse, estendendo a mão trêmula para acariciar o rosto de Jade. — Agora
posso sentir-me feliz tanto por mim mesma como pelo meu filho. — Como se
a confissão a tivesse embaraçado, ela se pôs ereta e adotou um tom
animado. — Mas agora você precisa acabar de se vestir. Eu a detive por
tempo demais. Até logo, minha filha; nos encontraremos na igreja.
Com o último obstáculo para a sua felicidade tendo sido removido,
Jade se submeteu à ajuda de Jacinta num estado de alegre euforia. O dia
agora prometia ser perfeito., Em menos de uma hora, ela se tornaria a
Senhora Diogo Pereira da Silva, um maravilhoso título novo para começar o
capítulo mais glorioso de sua vida!
Depois que Jacinta colocou-lhe o véu e grinalda, ela deu um passo
atrás com um suspiro de satisfação mesclada com medo. Da grinalda de
flores de laranjeira, presa firmemente a uma mecha de cabelos louros e
brilhantes, caía um véu de tule, uma nuvem imaculadamente branca que se
mexia e esvoaçava ao menor movimento de Jade, e então se assentava em
torno dela como uma suave moldura de pureza. Quando viu a sua imagem no
espelho, Jade se sentiu feliz por ter ignorado os conselhos bem-
intencionados de Jacinta, e insistido na simplicidade, tendo escolhido um
vestido totalmente sem babados, ornamentos ou bordados. Ele
impressionava unicamente pelas linhas suaves e pelo magnífico cetim, que
destacava a sua jovem esbelteza.
Ela ficou muito emocionada quando Jacinta lhe entregou o buquê que
Diogo encomendara especialmente para transmitir um mensagem secreta à
sua noiva. Eram lírios, um tributo à sua pureza, flores de laranjeira, o
símbolo da virgindade, e rosas, que davam a entender que ele a considerava
incorruptível. O buquê estava amarrado com tiras de palma, a folha que, ele

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lhe contara com um brilho travesso nos olhos, era sempre associada com a
vitória...
Ela deveria ter se sentido tranqüila com essa mensagem de alta
estima, mas, ao invés disso, sentiu medo, medo do que poderia acontecer se
por acaso escorregasse de seu elevado pedestal.
— Meu Deus! O seu rosto está branco como mármore, Jade! Se estiver
tendo dúvidas de ultimo minuto, ponha-as de lado — Jacinta brincou —, e,
pelo amor de Deus, tente sorrir, senão meu irmão pensará que está a ponto
de se casar com uma freira penitente!
Lentamente, o carro nupcial desceu uma ladeira ladeada por calçadas
de mosaicos brancos e pretos e passou por uma linda fonte com seis
repuxos, os quais, segundo Diogo, antigamente eram reservados, nesta
ordem, para a nobreza, as mulheres, os soldados, os marinheiros, os criados
e os escravos das galés. Passaram em frente de imponentes edifícios, por
entre os quais Jade via de relance, vez ou outra, o movimentado porto de
pesca, onde mulheres vestidas com saias rodadas, andavam depressa,
carregando na cabeça cestos de vime cheios de peixes.
Quando o carro saiu das ruas movimentadas e entrou numa praça
calma, a emoção tomou conta de Jade, ao ver uma torre semelhante às de
contos de fadas, que parecia feita de marfim, tendo ao lado a? paredes cor
de mel de uma igreja construída no local exato onde os navegantes
levantavam velas e saíam à procura de novas terras. A torre e a igreja,
segundo se dizia, deviam sua existência aos lucros obtidos com as pedras
preciosas e especiarias trazidas do Oriente. Segurando o braço de um amigo
idoso de dona Amélia, que oferecera cortesmente os seus préstimos, Jade foi
introduzida numa igreja de teto abobadado e alto, paredes com painéis de
madeira e aquecida pelo brilho colorido de um magnífico vitral. Ela ouviu o
órgão que tocava baixo, percebeu vagamente que Jacinta estava agitada
arrumando a cauda de seu vestido, e então, encorajada pelo acompanhante,
deu o primeiro passo indeciso no momento exato em que o coro com vozes
de crianças iniciava um hino.
Os passos lentos e cheios de dignidade em direção a Diogo pareceram
durar uma eternidade, dando -lhe bastante tempo para sentir pânico,
arrependimento, dúvidas e, o pior de tudo, um anseio angustiante pela
ausência de algum rosto amigo, entre a multidão de estranhos, que
estivesse sorrindo apenas para ela.
Seu acompanhante apertou-lhe ainda mais o braço quando sentiu um
estremecimento nervoso nela. Mas logo, com alívio, percebeu que a tensão
desaparecia, enquanto a entregava aos cuidados de seu noivo, cujos olhos,
emocionados, se apresentavam azuis como o rio Tejo.
Diogo deu as suas respostas com voz firme e cheia de autoridade,
mas as dela mal eram ouvidas pelas pessoas do primeiro banco. Todavia,
quando chegou a hora de ele colocar a aliança em seu dedo, a mão dela
estava perfeitamente firme. Ela jamais se lembraria exatamente do
momento em que seu casamento terminou, mas quando Diogo inclinou a
cabeça para lhe dar um beijo terno e tocante em seus lábios, ela percebeu
que acabara de receber o primeiro beijo de seu marido.
O seu coração batia mais depressa, seus passos eram leves como se
estivesse pisando nas nuvens, quando Diogo, levando -a pelo braço, a
conduziu ao longo do corredor da igreja, enquanto o órgão tocava, o coro de
vozes atingia o seu ponto máximo e os sinos começavam a soar,

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transmitindo uma mensagem de esperança que ela guardaria na lembrança


pela resto da vida.
Tiveram pouco tempo para conversar durante a curta viagem de volta
ao hotel, onde seria oferecida a recepção. Também não tiveram nem a
oportunidade de trocar um beijo enquanto o carro nupcial seguia o seu
caminho. Era um carro lustroso e ornado de fitas, com grandes janelas de
vidro, que os deixavam expostos como peixes dourados num aquário, aos
olhos curiosos das pessoas que sorriam e acenavam das calçadas.
Diogo segurava fortemente a mão dela e lutava para apagar de seu
rosto todos os vestígios da impaciência que estava sentindo para ter a sua
linda noiva só para si. Mas sua frustração foi traduzida em palavras assim
que o carro foi chegando ao hotel.
— Quem quer que tenha dito que a "vida é apenas um longo e doce
tormento", deve ter tido em mente um momento como este! Ele respirou
profundamente quando Jade se virou e lhe deu um sorriso doce e reprovador.
— Seja paciente, querido! Dentro de poucas horas veremos o
verdadeiro início de nossas vidas.
Uma multidão se juntara do lado de fora do hotel para ver a chegada
dos recém-casados. Pessoas bem vestidas que desejavam ver a chegada de
um membro de sua aristocracia, se acotovelavam juntamente com turistas
de olhos espantados, curiosos de ver a garota inglesa que, como se
comentava, ao chegar em férias poucas semanas antes, conseguira
conquistar o coração de um dos solteiros mais ricos e desejados de Portugal.
Um grande suspiro de encantamento partiu da multidão quando Jade
desceu do carro, fazendo lembrar, com seu vestido brilhante e véu
flutuante, uma pérola de valor inestimável contra um fundo de nuvem
virginal. Sorrindo de prazer, com os seus olhos brilhando de felicidade, ela
acenou em agradecimento para a multidão. De repente, porém, parou diante
das escadas do hotel, pasmada por ter visto de relance um rosto familiar
entre um mar de rostos desconhecidos. Ela já estava quase convencida de
que se enganara, tinha até dado um passo à frente, quando uma voz
excitada e aguda se sobressaiu à fala ininteligível da multidão, confirmando
as suas piores suspeitas.
— É a Senhorita Arrogante, Ted! Eu lhe disse que era! É a Jade! Uma
mão frenética se agitava no ar. — Sou eu, Kath!
Diogo deve ter sentido a sua tensão, deve ter percebido que por
alguma razão ela ficara completamente imobilizada. Então, para encanto da
multidão, ele a pegou em seus braços e a carregou através da porta de
entrada do hotel.
Mal teve tempo para colocá-la no chão, quando Jacinta e sua mãe
chegaram com o resto dos convidados. Durante quase uma hora, Jade ficou
em pé ao lado de Diogo, agradecendo mecanicamente as felicitações e votos
de boa sorte dos convidados que passavam por eles e se dirigiam à enorme
sala de recepções, onde um almoço esperava para ser servido.
Ela deve ter parecido normal, porque embora tivesse um sorriso frio
nos lábios, sua testa não estava contraída e não fizera nenhum comentário
desfavorável. Entretanto, percebeu pelos olhares intrigados de Diogo, que
ele estava ciente da sua aflição e que isso o preocupava. Com a chegada de
sua mãe e de sua irmã, ele saíra de seu lado para dizer alguma coisa ao

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gerente do hotel e, quando o último convidado passou por eles, a razão de


sua breve ausência ficou súbita e arrasadoramente clara. Foi quando Jade
viu o gerente levando à presença dele um casal de aparência perturbada,
com roupas típicas de turistas, que contrastavam inconvenientemente com
os trajes superelegantes usados pela nata da sociedade de Lisboa.
As palavras de Diogo, seu sorriso contente, demonstravam o pouco
conhecimento que tinha sobre a ameaça que pairava sobre a sua felicidade.
— Como essas pessoas são obviamente conhecidas suas — ele
murmurou antes que se aproximassem —, enviei-lhes um recado, pedindo -
lhes que comparecessem à recepção. Estou encantado por seus amigos
terem aparecido tão inesperadamente, e numa hora tão apropriada.
Apropriada!, Jade pensou furiosamente, enterrando suas unhas
compridas nas palmas da mão. Inoportuna, maléfica e catastrófica! Eram
termos muito mais adequados! Kath, sua ex-companheira de trabalho,
embora não fosse mal-intencionada, havia merecido uma reputação de
esnobe pretensiosa. Dar apelidos e fazer insinuações dissimuladas de que
freqüentava círculos sociais mais altos que as demais, eram sua principal
vaidade — isso, e mais uma tendência para deixar escapar observações
inconvenientes.
Jade esperou pelo desastre, que ocorreria ainda mais depressa do que
ela esperava.
— Puxa, Senhorita Arrogante! — Kath se aproximou correndo para
falar. — Você certamente está vivendo à altura de seu nome! As meninas
jamais acreditarão no que tenho para contar quando eu voltar ao trabalho.
Parabéns! — ela disse sorrindo, e então voltou seus olhos intrigantes na
direção de Diogo, que estava ligeiramente espantado. — Você sempre jurou
que se casaria por dinheiro, querida, e parece que conseguiu cumprir a
promessa!
De algum modo, Jade conseguiu ocultar seus sentimentos torturados
atrás de uma resposta tranqüila, e até conseguiu não revelar a Kath que
suas palavras impensadas haviam transformado a sua festa de casamento
num velório. Diogo reagira aos comentários de Kath apenas com a contração
de um músculo, embora uma olhada assustada em sua direção confirmasse
que os seus olhos azuis já não brilhavam de alegria, mas estavam
inescrutáveis.
O último fio de esperança que ela nutria desapareceu quando ele fez
uma mesura para Kath e então falou suavemente com seu marido
embaraçado e suado:
— Com a sua permissão, senhor, gostaria de conhecer melhor a sua
esposa, tomando uma taça de champanha. Talvez — os seus olhos frios se
dirigiram ao rosto pálido de Jade —, queira me dar a honra de fazer
companhia à minha esposa e entretê-la com as lembranças da feliz
existência de que ela desfrutou... até agora.

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CAPÍTULO VII
Diogo tomou a direção do sul, para o Algarve, escolhendo o caminho
mais direto possível para casa, o Castelo dos Seteais, o Castelo dos Sete
Suspiros, que haviam preparado para passarem a lua-de-mel.
Jade vestira um vestido cinzento -pálido, a cor da penitência, e com os
cabelos prateados presos atrás por uma fita verde-claro, parecia pouca coisa
mais velha que uma criança. Mas, sentada ao lado de Diogo, pálida e
subjugada, observando primeiro o hotel e então os arredores de Lisboa,
desaparecendo de vista, ele a olhou somente de relance.
Ele também vestira uma camisa escura aberta no pescoço e calças
simples que lhe davam um ar descontraído. Mas não havia nada de
descontraído quanto ao perfil que ela estudava com o canto dos olhos:
mandíbulas fortes que terminavam num queixo projetado duramente para
frente. Ela mordeu o lábio e virou para o outro lado, esperando que o seu
tormento pudesse ser aliviado apreciando uma zona rural cheia de novas
vistas e sons estranhos; cantos cheios de sombras profundas e frescas, ruas
vazias de aldeias que escaldavam sob o sol do meio -dia.
Ela imaginara essa viagem tão diferente! Pensara numa excursão
despreocupada, em que parariam numa das muitas enseadas que Diogo lhe
contara que eram cheias de cavernas e grutas; que ele identificaria para ela
as árvores de cortiça, amendoeiras, oliveiras, alfarrobeiras, ciprestes e
eucaliptos, e até que lhe explicasse o que eram aqueles minérios pretos e
cobertos de fuligem que se encontravam por perto.
Mas os moinhos no topo das colinas, os rolos de cortiça recém-
descascados, os fortes e chaminés mouros com o formato de faróis em
miniatura passavam todos sem nenhum comentário durante toda a viagem
silenciosa.
Quando finalmente a atmosfera se tornou demasiadamente opressiva
para ser suportada, Jade reuniu coragem suficiente para se defender:
— Sei que está zangado comigo, Diogo. Mas, por favor, não me julgue
muito severamente até que eu tenha uma chance de me explicar.
— Sua amiga explicou tudo o que era preciso. — O tom áspero de sua
voz mostrou-lhe a intensidade de sua desilusão. — Como você deve estar
amaldiçoando o destino por ele a ter revelado como uma aventureira barata
e calculista, que saiu por aí deliberadamente à procura de um marido rico!
— Não foi nada disso! — ela exclamou, amedrontada com seu impulso
de crueldade.
— Não? Está dizendo que sua amiga inventou todas as confidências
que você trocou com ela e suas outras companheiras de trabalho? Acho
difícil acreditar, especialmente depois de você ter se esforçado tanto para
pintar um retrato completamente diferente de sua vida. Não teria feito a
menor diferença se você tivesse admitido ter tido um passado de pobreza.
Aliás, tal infortúnio só poderia ter deposto a seu favor; é a rede de mentiras
e falsidades que você teceu que eu acho imperdoável.

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Uma vez começado, ele pareceu incapaz de conter o fluxo de suas


recriminações. Sentindo -se arrasada com tantas acusações, Jade ficou
torcendo os dedos sobre o colo, com a cabeça abaixada, enquanto lutava
para conter as lágrimas.
— A Espanha, o nosso país vizinho, é famosa pela atração que exerce
em mulheres como você. — Sua voz fria continuou: — Por que escolheu
Portugal como sua zona de caça? É porque a Espanha está tão saturada de
moças inglesas calculistas à procura de marido, que os espanhóis estão
mais precavidos? Será que as matilhas de predadoras femininas resolveram
voltar a sua atenção para Portugal, porque esperam encontrar menos
concorrência e um provável excesso de homens disponíveis? — Ela levantou
a cabeça para protestar, mas emudeceu por causa de sua expressão de
cinismo, causando -lhe uma ferida que nem a eternidade poderia curar. —
Nesse caso — ele continuou, indiferente à sua dor —, uma vez que a notícia
de sua fácil conquista tiver circulado, poderemos esperar uma invasão de
donzelas mercenárias em nosso litoral!
— Pare com isso, Diogo! Pare de se torturar, e a mim também, com
suspeitas infundadas. Eu imaginei que, embora nos conhecêssemos há pouco
tempo, você me conhecia o suficiente para não me incluir entre as mulheres
interesseiras. E verdade que não tenho nenhuma família e nenhum emprego.
Mas não vim para Portugal esperando sanar essas deficiências; vim
simplesmente para passar as férias.
— E de onde — ele sibilou, mostrando que não estava convencido —
você conseguiu dinheiro suficiente para se registrar no hotel mais caro de
Lisboa e para comprar um guarda-roupa que causou inveja até em minha
irmã mimada e conhecedora?
— Eu... eu ganhei algum dinheiro numa espécie de loteria — ela
gaguejou, imaginando que a verdade não pareceria convincente — e minha
amiga Di convenceu-me a investi-lo numas férias.
Assim que a expressão de Diogo se anuviou, ela percebeu que usara a
palavra errada — investir especular com dinheiro na esperança de se obter
lucros! Obviamente, isso não passara despercebido para ele.
— Sentia-me tão desorganizada, tão incerta de que o que eu estava
fazendo era correto — ela falou desesperadamente — que não tinha nem
mesmo a mais vaga noção de que país visitar. Foi um puro acaso, um olhar
de relance para uma garrafa de vinho vazia, que me ajudou a escolher.
— Acaso! Especulação! — O seu pé se afundou no acelerador, fazendo
o carro disparar pela estrada a uma velocidade terrificante. — Parece-me
que a sua vida sempre foi regida por uma loteria; tendo a mim como o idiota
do prêmio!
Enquanto ele continuava a dirigir a uma velocidade diabólica, a
paisagem rica e luxuriante passava celeremente pela janela do carro: lindos
arvoredos de oliveiras, ora suavemente verdes, ora embranquecendo como
um veludo a cada golpe de vento; terras alaranjadas pelo sol; pequenas
casas de quintas e vinhedos que se estendiam como um manto de seda
verde-azulado pelas colinas, tendo mais acima campos cobertos de urze e
bosques.
Dentro do carro a atmosfera estava carregada, convencendo -a a não
dizer mais nada que pudesse exacerbar o humor de um homem cujas
emoções tinham sido devastadas, um arrogante fidalgo que se ressentia de

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seu orgulho ferido. Assim ela permaneceu em silêncio, tentando se ajustar a


um sonho que se transformara em pesadelo, um sonho que poderia ter-se
tornado uma feliz realidade, caso o destino não tivesse decidido intervir na
forma de hotéis superlotados em Majorca, o que resultou na resolução de
Kath e seu marido, de irem passar as férias em Portugal. Um único ardil da
providência destruíra a sua vida, transformara o deus que ela venerava em
um demônio, e ela própria num brinquedo nas mãos do acaso!
Bem antes de chegarem, o Castelo dos Seteais já era visto no
horizonte, uma estranha fortaleza moura, cujas paredes variavam do
dourado para o ocre, situado no alto de um outeiro. Jade permaneceu imóvel
enquanto o carro passou por uma imponente arcada e parou num pátio
ladrilhado. No centro do pátio, um pequeno lago ladeado por uma sebe de
murta, que projetava um reflexo verde sobre a sua superfície lisa. Viam-se
também os reflexos de seis colunas de mármore, delgadas como paus de
barraca, que sustentavam arcos brancos e delicados como renda em seus
capiteis esculpidos. Havia uma aparência de tenra virgindade no pátio
aconchegante, como uma noiva necessitada de proteção sob as muralhas em
volta.
Ela estivera demasiadamente apaixonada para refletir a respeito da
posição daquele homem, que se misturava à sociedade de Lisboa com a
facilidade de alguém que sentia prazer no que fazia. Mas, sob a sombra
aterradora do castelo construído pelos senhores mouros, Jade começou a
suspeitar, com uma ponta de medo, de que ele era um homem que mantinha
a sua vida em dois compartimentos. Num deles, adotava os modos cultos de
seus corteses ancestrais portugueses. No outro, tinha a certeza de que
havia alguma ligação com cimitarras brandidas ao ar por guerreiros ferozes;
pescoços arqueados dos garanhões árabes que lutam impacientemente
contra o puxar das rédeas; o estrépito dos arreios e armas usados por
cavaleiros saqueadores que retornaram através da mesma arcada por onde
ela e Diogo entraram.
Quando ele bateu a porta do carro, ela estremeceu, esperando ver
escravos virem correndo. Mas quem veio foi um criado, que abriu a metade
de uma enorme porta trabalhada em bronze, ficando no topo de um lance de
escadas para saudá-los. Tinha os ombros inclinados, era idoso e obviamente
português.
— Esta, Afonso, é dona Jade, sua nova... patroa — Diogo hesitou. —
Quer fazer o favor de mostrar-lhe o seu quarto e cuidar da bagagem mais
tarde?
Afonso não disse nada, mas saudou a sua presença com uma mesura
antes de indicar que ela deveria segui-lo. Jade dirigiu um olhar suplicante a
Diogo; por alguma razão, ela se sentia relutante em entrar sozinha no
Castelo dos Seteais, o Castelo dos Sete Suspiros. Suspiro de quem? E por
que suspiravam? Instintivamente, sentiu que estava para ingressar no rol
das mulheres que se lamentavam da falta de liberdade, que ansiava pela
libertação do cativeiro; mulheres que tinham sido solitárias, assustadas, e
das quais quase não se tomava conhecimento, que amavam de todo coração,
mas só recebiam desprezo em troca.
— Você não vem...? — ela falou, engolindo seco.
— Não, Senhorita Arrogante, eu não vou — ele zombou, com seus
olhos azuis impenetráveis. — "A pressa é coisa do diabo", Maomé escreveu.

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Você precisa ensinar o seu coração a ter paciência, ó Noiva Impetuosa, até
que seu senhor esteja pronto!
A saudação moura, a estranha escolha das expressões, tinham sido
usadas deliberadamente para alarmá-la, Jade disse para si mesma, enquanto
seguia Afonso através das arcadas arredondadas e portais largos e
pontudos, caminhando sobre pisos de mármore.
O quarto que Afonso lhe indicou era cheio da claridade que vinha
através de janelas estreitas e arqueadas, emolduradas em estuque moldado
na forma de flores e conchas marinhas. De algum lugar à distância, vinha
um som de água pingando suavemente como chuva numa fonte, e quando
foi até a janela para admirar a planície cultivada, um bando de pombos
levantou vôo e começou a circular em volta de dois minaretes de topo
dourado.
Sentindo que tinha saído da realidade e entrado nas Mil e Uma
Noites, ela caminhou pelo seu magnífico quarto, com teto entalhado,
paredes trabalhadas e armários com portas de madeira espessa esculpida
por dentro e por fora com motivo de folhas delicadas e flores abundantes.
Dentro de um nicho, havia uma penteadeira cujo espelho tinha a moldura
dourada, pendurada nos braços de ninfas despidas e de cabelos
encaracolados. Sobre uma plataforma elevada, havia um enorme diva
forrado com um brocado branco e prateado, com almofadas de seda verde,
dourada, azul e cor-de-rosa, e tendo acima uma cortina de filo branco que ia
até o chão.
Quando Afonso fechou silenciosamente a porta depois de sair, ela se
deitou no diva, atordoada demais com seu sofrimento para tentar conter as
lágrimas ardentes que lhe escorriam pela face.
"O homem é uma lua, tendo o seu lado escuro oculto!" Diogo era
agora todo escuridão. Seus olhos alegres e sorriso provocador tinham
desaparecido, dando lugar a um misto de ira e desconfiança, que começara
com uma ponta de suspeita, e aumentara em intensidade até se transformar
numa nuvem ameaçadora e tempestuosa. Mas, embora Jade sofresse com
seu próprio turbilhão de idéias, suas lágrimas não eram de medo, e sim de
pesar; este deveria ter sido o dia mais feliz de sua vida, o dia em que ela
estaria nos braços de seu marido. E o homem que a dispensara de sua
presença com tanto desprezo já não era um noivo adorável, ansioso para dar
prazer, mas antes uma chita, um animal que só ataca quando provocado,
mas que, quando ferido, é mais perigoso que um leopardo.
Suas lágrimas já haviam secado quando Afonso apareceu com sua
bagagem, despertando -a de seu estupor.
— Se me permite, senhora, chamarei uma criada para desfazer as
suas malas.
— Agora não, Afonso — ela acenou com a mão, escondendo o rosto
manchado pelas lágrimas.
— Como quiser, senhora — ele disse, preparando -se para se retirar. —
Há uma campainha ao lado da cabeceira de sua cama, com a qual pode
chamar uma criada caso precise de alguma coisa.
— Obrigada — ela agradeceu tensamente, sentindo -se pouco à
vontade com a suavidade enervante do homem. — A que... a que hora é o
jantar?

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— As refeições são servidas de acordo com os desejos de meu patrão.


Ele ainda não disse quando estará preparado para comer, mas posso
providenciar para que lhe sirvam uma refeição leve aqui no quarto, caso
esteja com fome.
— Não, obrigada — ela declinou apressadamente, não querendo nem
pensar em comida —, estava simplesmente tentando estabelecer um horário
para começar a me vestir.
— Geralmente, o senhor prefere jantar tarde. — Ela percebeu o seu
encolher de ombros depreciativo, e detestou a suave familiaridade com que
ele concluiu. — Mas há sempre a possibilidade de que ele queira se recolher
mais cedo, de modo que seria bom começar os seus preparativos agora, ao
invés de ser forçada a deixá-lo esperando.
Sentindo -se como uma odalisca sendo aconselhada a não incorrei na
ira de seu senhor, Jade reuniu dignidade suficiente para dispensá-lo
friamente.
— Muito bem, pode ir agora.
Seu banheiro era uma sinfonia em cor de creme e dourado, com sais
de banho perfumados em jarros de cristal, e pilhas de toalhas grossas e
vermelhas. Todavia, ela não estava disposta a se demorar; sua preocupação
se concentrava no próximo encontro com Diogo e na vital importância de
chegarem a alguma espécie de acordo. Tendo isso em mente, preparou-se
cuidadosamente. Escolheu um vestido azul no tom que ele mais apreciava e
deixou os cabelos soltos sobre os ombros, porque ele gostava de sentir a
maciez deles entre seus dedos, e adorava enterrar os lábios em sua
cabeleira perfumada.
Pelo fato de sua mãe ter sempre insistido em que a cor da face era
tão essencial à beleza quanto um perfume sedutor, cabelos lustrosos e
hálito perfumado, escolheu sua maquilagem com o mesmo cuidado,
rejeitando a habitual base colorida, e usando, em vez dela, um líquido
incolor que, por não conter óleo, não derreteria sob a película de pó facial,
que ela passou com uma escova macia. Aplicou a sombra em cada pálpebra,
num tom que, variava entre o azul e o verde e que combinava tanto com o
azul de seu vestido, como com o verde intenso de seus olhos. Um brilho
rosado nos lábios e um borrifo de colônia leve era o que faltava antes de pôr
seu lindo vestido. Este era de chiffon, e cobria um ombro deixando o outro
completamente à mostra, modelo ousado que revelava e ocultava ao mesmo
tempo. Escolha perfeita para uma noiva tímida demais para tomar
iniciativas, embora ansiosa por cooperar.
Quando se curvou para calçar uma sandália de salto alto com tiras
prateadas e azuis, que se entrelaçavam sobre os dedos do pé e depois
subiam dando, três voltas no tornozelo, percebeu que a carta de Di havia
caído no chão. Sem lhe dar muita atenção, ela a pegou e a pôs na bolsa,
antes de ir até um espelho para examinar a sua aparência.
O vestido parecia perfeito, os cabelos brilhavam como que prateados
pelo luar, a pele estava maravilhosa e a expressão calma: só os olhos
refletiam sua apreensão.
— "Nenhuma mulher tão bonita pode ser falsa!" Como você contradiz
esta teoria, minha cara! Neste momento, você me faz lembrar uma vela azul
e fina com uma chama prateada. — Tão furtivamente como entrou, Diogo se

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aproximou por detrás dela e curvou-se para beijar a pele clara de seu ombro
descoberto.
O choque de seu aparecimento inesperado foi superado pelo medo do
brilho em seus olhos, que ameaçava se transformar em paixão ardente. Ela
teve um estremecimento com a idéia de ser tomada por mãos que
deslizavam com descuidada intimidade ao longo de seus quadris e uma
parte de sua coxa.
— Por favor, não, Diogo — ela se sentiu sufocada, tirando o ombro
para fora do alcance de sua boca ávida.
A reação dele foi rápida. Selvagemente, ele a virou de frente e
zombou:
— Por favor, não, Diogo...! — ele arremedou, puxando -a para mais
perto e resmungando: — Não precisa mais fingir que é uma criança simples
que se encontra desprotegida num mundo de estranhos. Não precisa agir
como uma puritana sensível e frágil ou procurar demonstrar sinceridade
quando conta as suas mentiras. Pois nós dois sabemos, Jade, que você é
uma mercenária calculista, que sonhou alto e conseguiu tudo o que queria!
— Maldosamente, agarrou os seus cabelos e puxou-a mais para perto de seu
rosto. — Você procurou riqueza, posição e a segurança do casamento. Agora
que as tem, prepare-se para pagar!
Presa de encontro ao seu peito por braços de aço e com a garganta
obstruída pelo medo, ela viu, com os olhos arregalados, a boca dura que se
aproximava dela, e então fechou os olhos, sentindo -se incapaz de suportar a
visão que transformara as feições de Diogo numa máscara de pedra. Ela deu
um suspiro enquanto se preparava para pagar o preço da dor que lhe
causara. Com os ouvidos latejando, só ficou vagamente ciente da leve
batida na porta de seu quarto e da voz educada de Afonso, que perguntava
se podia entrar. Ela sentiu que Diogo relaxava o abraço, notou sua ligeira
hesitação e, recuperando a consciência, aproveitou a oportunidade e gritou:
— Entre, Afonso, por favor!...
Ela ouviu o sibilo de frustração de Diogo, mas não sentiu nenhuma
resistência quando se afastou a um metro de distância. Ele se virou para o
outro lado quando Afonso entrou, mas este ignorou Jade e se dirigiu ao
patrão.
— Desculpe-me, senhor, eu não estava ciente de sua presença — ele
fez uma pausa, sentindo -se pouco à vontade. E então, como se estivesse
ansioso por ser absolvido de uma repreensão, continuou. — A pedido da
senhora, vim para informá-la de que o jantar já está pronto para ser servido.
— Obrigada, Afonso — ela aproveitou a deixa —, o senhor e eu
estamos prontos. Queira nos mostrar o caminho, e nós o seguiremos.

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CAPÍTULO VIII
O estilo mourisco do exterior do Castelo era realçado, na sala de
jantar pela luz suave das lâmpadas de cobre penduradas bem baixo, para
criar uma espécie de oásis de luz em torno da mesa, deixando o resto do
ambiente mergulhado em sombras misteriosas como o deserto. Através
delas, Jade viu vagamente as tapeçarias nas paredes e plantas e flores
arranjadas em vasos árabes.
Dois lugares haviam sido postos, um na cabeceira e outro no lado
oposto de uma mesa tão longa que Jade percebeu que ela e Diogo teriam
quase que gritar para poderem conversar. Diogo, contudo, parecia bastante
despreocupado com seu isolamento e, deixando Afonso ajudá-la a se sentar,
tomou o seu próprio lugar na cabeceira da mesa.
Com certo receio, ela ficou olhando para os talheres de prata.
Obviamente, deveria ser uma refeição de muitos pratos, uma daquelas que
os portugueses gostavam tanto, quando podiam ter uma conversa
inteligente e interessante. Olhou a longa toalha de mesa branca, tendo em
seu centro flores arranjadas como um lago em torno de um brilhante cisne
de prata. Viu as bandejas com frutas, as louças com condimentos e a grande
variedade de copos de cristal, e tentou avaliar o humor de Diogo. Ela
desviou logo os olhos quando viu o olhar pensativo e calculista de alguém
que, embora tivesse sido manobrado com perícia, estava confiante na
vitória.
Ele não percebeu, oo então não estava suficientemente interessado
em comentar, que ela simplesmente beliscava cada prato, mal tocando na
comida colocada diante dela por Afonso, que andava de lá para cá entre os
dois, e que parecia um espectro silencioso e sem expressão. Diogo, todavia,
parecia estar com excelente apetite, começando com um gaspacho e indo
até um queijo de azeitão, um queijo de leite de ovelha que, quando Jade
experimentou um pedacinho, achou surpreendentemente agradável. Ela
acabara de chegar à conclusão de que aquela refeição longa e silenciosa
tinha sido planejada como parte de sua punição, quando Diogo, para seu
infinito alívio, acenando afirmativamente para Afonso que oferecia frutas,
afastou a cadeira da mesa e se levantou.
— Sirva o café na sala de estar, por favor, Afonso. — Ele pegou um
prato e escolheu da fruteira um cacho de frutas de aparência estranha,
pequenas bolas amarelas, presas em cachos em talos de casca grossa. —
Nêsperas — ele disse, em resposta ao olhar inquiridor de Jade —, maçãs de
Eva! Dizem que eram as maçãs originais do jardim do Éden, uma das quais
Eva usou para induzir Adão a perder o direito ao paraíso. Como uma
verdadeira filha de Eva, você só pode gostar delas.
Um sorriso zombeteiro brincava em seus lábios enquanto a conduziu
para uma sala pequena e íntima, onde havia divas com almo -fadas ao longo
de três paredes. Um tapete tecido a mão cobria a maior parte do piso
ladrilhado, e havia bancos e mesas baixas com tampos de bronze. Uma
lâmpada filigranada com vidro colorido espalhava feixes de luz de diversas
cores, envolvendo - os num arco -íris de suave esplendor. De algum lugar
ouvia-se música, uma combinação de guitarra e citara tocando uma melodia

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tão palpitante e sentimental que parecia agir como uma advertência aos
seus nervos esgotados.
Ficou bem claro que Diogo desejava que fossem deixados a sós
quando ele dispensou Afonso, que arrumava as xícaras de café sobre uma
das mesas baixas.
— Obrigado, Afonso, nós mesmos nos serviremos. Você pode se
recolher, se assim o desejar; não precisaremos mais de você esta noite.
Impassivelmente, Afonso fez uma mesura e se retirou, e Jade sentiu
um calafrio ao ver seu rosto sem expressão.
— Ele nunca sorri? — Jade explodiu impulsivamente assim que a porta
se fechou.
Diogo deu uma risadinha.
— Penso que ele não dá sinais de ter recebido a sua parte da
herança, presumivelmente deixada para todos os meus compatriotas: os três
dons do riso, da canção e do sol.
Nervosa por causa do ambiente sufocante que se formava na sala, ela
resolveu prolongar o assunto.
— E quanto à mulheres portuguesas; elas não receberam nenhum dom
como herança?
Ele se sentou perto dela no diva, parecendo descontraído e elegante
com o seu traje de noite muito bem talhado e sua camisa imaculada, com
abotoaduras de diamantes, que brilhavam cada vez que ele estendia a mão
para pegar a xícara de café, e refletiam nos seus olhos.
— Sim, certamente. Elas recebem os seus dons de acordo com a
idade. Do nascimento até os doze anos: a inocência; dos doze aos vinte e
cinco: uma natureza carinhosa; dos vinte e cinco aos trinta: a falsidade de
Judas. Qual é sua idade? — ele perguntou tão naturalmente que ela caiu na
cilada.
— Vinte anos — respondeu distraidamente, mas logo ficou tensa
quando ele colocou o braço sobre seus ombros.
— Então vejamos, doce Judas — ele murmurou com os olhos fixos nos
lábios trêmulos de Jade — se você foi ou não agraciada com o mesmo dom
de suas contemporâneas portuguesas, que são carinhosas.
O beijo dele foi rápido como a picada de uma cobra, mas o antídoto
foi a disposição com que ela o recebeu, a tímida vivacidade com que ela
retribuiu o seu veneno com doçura. O anseio pelo retorno do amor que
dedicavam um ao outro em Lisboa, pela volta daqueles momentos breves de
êxtase, durante os quais juraram amor profundo e duradouro, forçou-a a
uma reação que o pegou de surpresa. Ele havia se preparado para encontrar
resistência, mas foi enlaçado por um par de braços amorosos.
— Diogo — ela sussurrou, com o vestido esvoaçando como as asas de
uma borboleta azul, enquanto abraçava o seu corpo imóvel —, eu o amo
tanto. Por favor, por favor, ouça o que eu tenho a dizer para esclarecer o
nosso mal-entendido.
Ela fechou os olhos e rezou para que o corpo tenso dele se relaxasse,
que suas mãos contraídas se afrouxassem e acariciassem o seu rosto.

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Ela pensou que tinha perdido, quando ele a soltou e ficou olhando -a
com o rosto grave e sombrio.
— Se estiver pronta para cavar outro buraco para eu cair dentro —
ele a acusou com aspereza —, lembre-se de que foi você quem caiu dentro
do último!
— Eu sempre fui sincera com você — ela engoliu seco, olhando - o
fixamente. — Se abrandei um pouco a verdade, foi apenas para torná-la um
pouco mais suportável para mim mesma. Eu certamente não planejei
enganá-lo, mas quando sua mãe começou a tirar as suas próprias
conclusões, eu não quis contradizê-la porque, por mim, as minhas férias de
conto de fada deveriam terminar com minha volta à Inglaterra. Nunca me
atrevi a' esperar mais do que isso! Foi por isso que fiquei tão chocada
quando você me pediu em casamento; caso você se lembre, eu tentei
recusar — ela se sentiu sufocar —, mas você não queria aceitar um não
como resposta! Caso eu fosse a aventureira de que me acusa, acha que eu
teria recusado tantas vezes a sua proposta? — ela perguntou
desesperadamente.
— Talvez, se você estivesse agindo com a convicção de que a rejeição
deixa um homem ainda mais apaixonado — ele replicou secamente, embora
sem aspereza, o que ela achou encorajador. — Os árabes têm um ditado:
"Um fio de cabelo, talvez, separa o que é falso do que é verdadeiro" — ele
admitiu sobriamente. — Motivo pelo qual você deveria começar desde o
princípio. Mas lembre-se, Jade, de que para se desviar da verdade é preciso
que se tenha uma memória excepcionalmente boa!
Sentindo -se como se tivesse sido posta definitivamente em
julgamento, ela começou a contar hesitantemente a história de sua vida,
falando de uma infância tornada feliz pela determinação de sua mãe de
conseguir para sua filha única todos os privilégios que o dinheiro podia
comprar. Suavemente, ela falou sobre as horas que passava no salão de
beleza de sua mãe, aprendendo a arte de cultivar a beleza, hesitando
apenas quando começou a relatar as circunstâncias da morte da mãe e da
conseqüente mudança em seu modo de viver.
— Foi só depois da morte de minha mãe que descobri que os seus
entusiásticos planos quanto ao meu futuro lhe custara uma segunda
hipoteca sobre nossa casa e o salão. Naturalmente — ela suspirou,
entristecida pelas lembranças —, uma vez pagas todas a5 dívidas, não
restara um centavo sequer e, como eu não tinha nenhum parente no mundo,
o Estado teve que cuidar de mim.
Ela se retesou e começou a sentir uma agitação interior quando
sentiu o contato da mão de Diogo sobre seu ombro, uma carícia delicada
sobre a pele suave que sua boca castigara antes. Ela teve que respirar
profundamente antes de poder continuar.
— As autoridades foram bondosas à sua maneira, mas, com tantas
crianças aos seus cuidados, tinham que ser imparciais, tratando -me
exatamente como as demais; motivo pelo qual, conquanto tivesse algum
conhecimento sobre assuntos de beleza, encontraram para mim um emprego
numa fábrica.
— Você podia ter recusado o emprego, poderia ter arranjado um por
sua conta...? — ele sugeriu calmamente.

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— É isso que eu provavelmente teria feito — ela concordou — se não


fosse por Di.
— Ah! A amiga com quem você dividia um apartamento; aquela de
quem você sentiu tanta falta em nosso casamento?
— Sim — ela disse contendo as lágrimas —, aquela que me persuadiu
a passar as férias em Portugal, e que deve portanto assumir a
responsabilidade por nos jogar um nos braços do outro, para começar. —
Tentando parecer alegre, mas não conseguindo, ela disse: — Agora você
sabe da origem de meu detestável apelido, Senhorita Arrogante, também
sobre as circunstâncias da alusão jocosa de Kath, quanto o fato de eu me
casar por dinheiro.
— Isso foi tudo; somente uma brincadeira? — ele insistiu, ainda com
receio de ser enganado.
— Apenas isso e nada mais — ela lhe assegurou simplesmente,
suplicando com os olhos para que ele acreditasse.
Não houve nenhuma mudança súbita para uma disposição de
reconciliação. Por um momento, a certeza de Diogo pareceu abalada, uma
vez que o orgulho e a dúvida lutavam contra o desejo de ser convencido de
que aquela moça, cujo rosto encantador, inocente e tímido lhe havia
roubado o coração, não era uma aventureira calculista que tinha manipulado
as suas emoções em proveito próprio.
Devido ao seu poder de atração, o homem que herdara toda a
intolerância orgulhosa dos orgulhosos senhores mouros não reagiu
imediatamente com escárnio, mas hesitou, estudando o seu rosto pálido e
sério com um brilho de dúvida nos olhos.
Tão calmamente quanto pôde, ela enfrentou a sua inquisição
silenciosa, desejando o retorno da confiança, da devoção, do desejo ardente
que, nas duas semanas anteriores ao seu casamento, ameaçava deixá-los
em extática insanidade. Como que em harmonia com os sentimentos dos
dois, a música de fundo mudou para um fado triste e melancólico que
refletia a sua inquietação, quando ela murmurou suavemente:
— Por que está achando tão difícil acreditar que eu o amo, Diogo? Os
seus olhos devem lhe dizer que não estou usando nenhuma máscara, o seu
coração deve saber que a minha devoção é permanente como o rochedo
sobre o qual o seu castelo foi construído, e não fluente e mutável como o
oceano. Continue me julgando se quiser — as lágrimas brilhavam em seus
olhos —, mas quando proferir a sentença, tente se lembrar de que o meu
crime foi antes uma tolice, e não um ato imoral.
— Não chore, minha querida! — Delicadamente, ele limpou com o
dedo as lágrimas que tremiam em seus cílios. — As lágrimas deixam
cicatrizes num coração magoado; quero que minha esposa permaneça
perfeita.
Os olhos de Jade se voltaram para cima, procurando em suas feições
tristes sinais de disposição para perdoar.
— Oh, meu amor — ela disse tremulamente — como eu lamento
profundamente ter estragado o nosso dia de núpcias.
Através de uma névoa de lágrimas, ela viu a boca severa de Diogo se
abrandar com ternura.

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— A culpa não é só sua, querida. — Suavemente, ele a puxou para


perto, até que a cabeça de Jade ficou aninhada sobre o seu peito e seus
lábios ficaram acariciando a têmpora palpitante. — Alguns afirmam que para
se alcançar a alegria suprema é preciso que se suporte primeiro a dor; assim
como uma pausa nas sombras confere duas vezes mais calor ao sol.
Abalados pela luta contra o infortúnio, eles se contentaram em
caminhar lentamente em direção à felicidade que quase tinham perdido.
Com a música como um bálsamo e com a iluminação fraca para ocultar
qualquer vestígio de apreensão, eles ficaram um nos braços do outro, felizes
em acalmar a paixão crescente com uma troca de beijos ternos, carícias
ocasionais e palavras murmuradas suavemente, serenamente conscientes de
que o calor que compartilhavam estava destinado a se transformar numa
chama de paixão.
Porém, mais cedo do que imaginara, Jade descobriu que só a ternura
não bastava. Assim sendo, para aliviar a sua agitação interior, ela começou
a afrouxar lentamente a gravata de Diogo e a desabotoar a camisa, até que
pôde colocar a mão sobre o seu coração. Consciente de sua aquiescência
divertida, ela enrubesceu, mas continuou a acariciar a sua pele tépida até
que sentiu uma leve aspereza sob as pontas dos dedos. Curiosa, ela abriu a
camisa, à procura do motivo, e descobriu uma tatuagem, uma fina lua
crescente que pulsava em compasso com as batidas de seu coração.
— Oh...! — Ela exclamou surpresa. — Eu jamais pensaria que você
concordasse em ter o seu corpo ornamentado com símbolos bárbaros.
— Isso, minha pombinha atrevida — ele zombou ao ver que ela corava
— não é um simples ornamento, mas foi suportado como um sinal em seu
próprio benefício.
— Em meu benefício...?
— Para que você pudesse reconhecer-me imediatamente quando
ficássemos juntos no futuro — ele confirmou com uma sinceridade A que ela
achou surpreendente.
— Mas certamente — ela lutou contra o impulso de recuar diante da
marca primitiva —, a tatuagem é um privilégio de gosto duvidoso dos
bárbaros, algo que a maioria das pessoas civilizadas considera de mau
gosto.
— Os mouros faziam parte de uma sociedade culta bem antes dos
europeus — ele lhe disse suavemente, mas com os olhos atentos por detrás
das pálpebras semicerradas. — Eles preservaram muita coisa da delicada
magia da vida e, tendo orgulho de sua raça, identificam cada pessoa de sua
tribo pelas marcas do corpo, que indicam alta casta. Para eles, um homem
sem tatuagem é um pária e não tem nenhuma importância na tribo, seja
neste mundo ou no próximo.
— Mas você não é um mouro! — ela protestou veementemente, com
seus olhos arregalados revelando o brilho de um temor indescritível.
A gargalhada de Diogo pode ter sido um estratagema deliberado para
tranqüilizar os seus receios, mas não houve nenhuma simulação quanto à
impetuosidade com que ele a puxou para perto, nem quanto à ânsia de seus
lábios quando estes pressionaram os dela com força, impedindo que ela
fizesse mais perguntas.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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Sua investida foi tão rápida e violenta que a pequena bolsa de noite
de Jade escapou de sua mão e se abriu, e o batom caiu sobre a parte
ladrilhada do piso. O ruído interrompeu a sua concentração e, com um
sorriso amarelo de desculpa, ele a soltou e inclinou-se para pegá-lo. Mas,
quando o recolocava dentro da bolsa, hesitou quando sentiu um papel
dobrado em seu interior.
— Disseram-me que você recebeu uma carta da Inglaterra esta manhã
— ele falou, retirando as páginas. — Suponho que foi enviada por sua amiga
Di. Posso lê-la?
— Não! — Jade protestou de modo conclusivo. — É... é pessoal — ela
gaguejou em resposta diante de seu olhar de surpresa.
— Pessoal demais até para um marido? — ele perguntou. Diante da
frieza de seu tom de voz, ela sentiu um peso no coração.
Essa era uma amostra do que seria a sua futura existência: calma na
superfície, mas com uma subcorrente de suspeita sempre se movimentando
embaixo.
— Normalmente, eu não faria nenhuma objeção a que você lesse as
minhas cartas — ela lhe assegurou desesperadamente, levando a mão à
garganta que doía —, mas antes que leia as de Di, prefiro que você a
conheça em pessoa, para que possa compreender os seus pontos fracos e
reconhecer os preconceitos que são resultantes do modo cruel como a vida a
tratou. Ela é uma pessoa adorável e maravilhosa, mas você jamais a
reconheceria como tal pelas suas cartas apressadas e impensadas. Portanto,
por favor. Diogo... — ela estendeu uma mão trêmula — devolva-me a carta.
Ele a fitou longa e duramente e então, para o assombro angustiado
de Jade, começou a desdobrar lenta e deliberadamente as páginas
incriminadoras.
Sentindo -se derrotada, Jade se recostou no divã com os olhos
fechados, desanimada demais até para se sentir amargurada quanto a um
destino que lhe roubara mais uma vez a felicidade quando ela estava
prestes a alcançá-la. Desta vez, ela sabia que não haveria nenhuma
esperança de absolvição, nenhuma segunda oportunidade de desfazer o mal
causado por referências casuais e brincalhonas que, ao lê-la pela primeira
vez, ela passara por cima, mas que agora voltavam à sua mente.
Querida e esperta Jade... estou feliz por saber que você aceitou os
meus conselhos e pescou o que parece ser realmente um peixe muito
grande... Se por acaso o seu dom Diogo vier a ser um desapontamento — e
encaremos essa possibilidade, pois há muitos casos que indicam que muitos
estrangeiros o são — procure se garantir financeiramente bem antes de uma
eventual separação... Não foi inteligente de minha parte, sugerir que você
fosse para um hotel de primeira classe?... Se por acaso se sentir
arrependida pelo estremecimento do idealismo romântico, tenha em mente
que, embora as flores sejam mais perfumadas, as verduras e legumes fazem
sopas melhores!
— Que diabo! — Diogo sibilou as palavras através dos dentes
cerrados.
Embora fosse esperada, a ferocidade da imprecação fez os olhos de
Jade se escancararem. Os olhos dele estavam sombrios, como que
prenunciando uma tempestade; sua expressão era de um homicida!

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Involuntariamente, ela se encolheu à espera de uma tempestade de palavras


ameaçadoras, mas elas não vieram. Zangado demais para falar, ele a puxou
do divã e a levou a passos largos para fora da sala, caminhando na direção
de seu quarto.
Um terror como ela nunca havia experimentado antes bloqueou a sua
garganta, impedindo -a de gritar; o que, em todo caso, seria inútil dentro de
um castelo mourisco rodeado de muralhas e cheio de criados
propositadamente surdos.
O máximo que ela conseguiu dizer foi um lamento de protesto
quando, na intimidade do quarto, ele rasgou em pedaços o seu vestido e a
jogou, nua, sobre o diva.
O que aconteceu depois foi o começo de um pesadelo que ela tivera
muitas vezes, em que as garras de um falcão vingativo se aterravam
profundamente em sua pele macia, para levantá-la e levá-la às alturas
sombrias e aterradoras de emoções tempestuosas, antes de soltá-la com
uma rapidez que abalava o seu corpo dolorido.
Então veio a dor de sua desdenhosa rejeição final.
— A descoberta de que você é virgem é uma surpresa inesperada —
ele disse asperamente. — Espero, todavia, que tenha experiência suficiente
para tomar todas as precauções necessárias, para evitar que jamais conceba
um filho meu!
A seguir, foi deixada sozinha, chorando pela agonia de um ataque que
lhe fora feito de um modo mais maldoso do que aquele que lhe roubara a
virgindade...

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CAPÍTULO IX
No dia seguinte, o café da manhã de Jade foi servido no quarto,
levado numa bandeja pelo inescrutável Afonso, que o deixou ao lado de sua
cama e se retirou silenciosamente.
Ela mal dormira a noite toda, durante a qual procurara encontrar
desculpas para o comportamento de Diogo.
Se, ao se conhecerem, ela tivesse sido sincera quanto à sua posição
obscura, será que tudo isso teria acontecido? Se ela tivesse mostrado logo a
carta de Di, será que eles teriam rido juntos por causa dos curiosos
preconceitos de sua amiga?
Mas, por mais que tentasse eximi-lo de culpa, não conseguia perdoá-
lo. O que ele tinha feito fora cruel, egoísta e totalmente destituído de amor
— ele a tomara como um senhor tomaria sua escrava, demonstrando tão
pouca preocupação pelo seu corpo, que era usado, e por suas emoções, que
eram esmagadas, como qualquer bárbaro saqueador. Ontem, o fogo tinha
sido intenso; hoje, ela estava sozinha entre as cinzas!
Cansada, sentou-se e recostou no travesseiro, procurando aliviar sua
garganta ressecada com um pouco de café, cujo aroma se podia sentir vindo
de uma cafeteira pequena. Contudo, quando estendeu a mão na direção da
bandeja, seus olhos entorpecidos se fixaram numa travessa de prata cheia
de caviar, em cujo centro se encontrava uma grande pérola branca. Antes
mesmo de pegar o bilhete que estava encostado na travessa, ela já sabia
que o seu conteúdo seria maldoso, embora não calculasse que magoasse
tanto o seu coração quando o leu aturdida:
Aceite esta pérola como o preço da pureza — e como um lembrete
das lágrimas que precisam ser derramadas na busca da riqueza.
Sem bater, Diogo entrou em seu quarto uma hora mais tarde, e
encontrou-a sentada, imóvel, perto da janela, olhando a viçosa planície
verde. Por um momento, ele permaneceu em pé, despercebido, estudando a
imobilidade tão completa que nem um fio de cabelo se mexia perto de sua
nuca. Nenhum tremor perturbava a simetria dos lábios que, poucas horas
antes, haviam sido esmagados por sua ira impetuosa. Mesmo o corpete de
seu vestido verde-escuro permanecia imóvel, como se seu coração tivesse
ficado petrificado.
— Querida! — ele falou lentamente. — Como está se sentindo esta
manhã?
O começo confuso, a ruborização que ele sempre associara à
inocência, não ocorreram. Ao invés disso, ela voltou seu rosto pálido, mas
composto em sua direção, e até conseguiu dar um ligeiro sorriso trêmulo.
— Muito bem, obrigada, Diogo — ela respondeu, olhando quase
bondosamente para o marido, que parecia descontraído e sem consciência.
Ele estava com as mãos nos bolsos de suas calças folgadas, de algodão, a
pele bronzeada contrastando com a camiseta branca de mangas curtas, e
com seus cabelos pretos úmidos após uma ducha recente.

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Ele franziu as sobrancelhas, perplexo com a ausência de condenação


em seus olhos, incapaz de perceber como ela ficara serena ao refletir que,
depois de ter sido forçada ao máximo da humilhação, nada que ele viesse a
fazer poderia ser pior.
— Achei — ele a olhou atentamente —, que podíamos dar um passeio
de carro. Um pouco de ar marinho deve trazer a cor de volta a suas faces.
— Isso seria ótimo — ela concordou polidamente, levantando -se e
esperando obedientemente, com os dedos das mãos entrelaçados
frouxamente diante de si.
— Não precisa adotar essa atitude de menina de colégio — ele falou
irritado, com as maçãs do rosto ficando cada vez mais vermelhas, o que, em
qualquer outra pessoa que não fosse Dom Diogo da Luz Pereira da Silva, ela
poderia ter suspeitado que se tratava de uma preocupação. — Só lhe
ensinaram a submissão no seu colégio de freiras?
— Eles me ensinaram sobre o diabo — Jade respondeu calmamente —,
e agora sei que tudo o que falaram sobre ele é verdade.
Era uma sensação inusitada estar indo em direção à praia no carro de
Diogo, sabendo que de algum modo as coisas tinham mudado, que o homem
ao seu lado estava se sentindo tão desconcertado quanto ela se sentira
muitas vezes, antes que uma couraça de gelo se formasse em torno de seu
coração, deixando -lhe o sangue frio, a mente vazia, e tornando as suas
emoções inexistentes.
Imune, pela primeira vez, às reações do carrancudo fidalgo, ela pôde
apreciar as paisagens da região campestre no verão, de todos os cantos,
todas as colinas, todas as rachaduras nas paredes, todos os jardins
cultivados, fileiras de vasos que decoravam as sacadas e as escadas cheias
de flores coloridas e vistosas.
Ao ver uma faixa de areia firme e limpa, e o brilhante mar azul, ela
perguntou com curiosidade:
— Por que tão poucos turistas visitam o seu país, quando vocês têm
em abundância tudo o que os turistas procuram? Por que as estradas estão
vazias e as enseadas desertas como oásis?
— Porque gostamos das coisas como estão — ele lhe disse, parecendo
surpreso com o seu interesse pelo assunto. — Ao contrário dos espanhóis,
estamos decididos e evitar a exploração de nosso país pelos estrangeiros.
Embora, em certos locais apropriados, tenhamos permitido a construção de
alguns hotéis de luxo e lugares de lazer — ele admitiu —, basicamente,
muitas das pequenas aldeias de pesca permanecem inalteradas, e seus
habitantes só se preocupam com o enlatamento e a exportação da sardinha
e do atum. Como os turistas não são comestíveis e não vale a pena enlatá-
los, eles despertam muito pouco interesse.
Ele estacionou o carro no centro de uma linda e estranha cidade,
dividida em duas metades, com a parte inferior abrigando um pequeno porto
abarrotado de barcos de pesca altos e pequenos, e a parte superior no topo
de um penhasco, podendo se ver das janelas de suas casas a terra, o mar e
o céu.
Segurando a mão de Jade, Diogo conduziu-a em direção a um
atarefado abrigo de pesca, onde, numa praia íngreme e pedregosa, quatro
juntas de bois puxavam um barco para a praia. Quilômetros de redes de

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pesca se encontravam estendidos sobre a areia, onde haviam sido deixadas


para secar ao sol e ao vento.
— Está sentindo frio? — ele lhe perguntou, parecendo solícito, como
se se importasse. — Este vento, embora quente, é responsável pelos mares
permanentemente bravios, o que torna esta parte do litoral perigosa para os
pescadores. Como você pode ver — ele balançou a cabeça em direção a um
grupo de mulheres vestidas de preto, obviamente esposas de pescadores —,
nesta região, as mulheres raramente não estão de luto.
— Não, não estou com frio — ela respondeu com franqueza. — Na
verdade, estou gostando de sentir o vento no meu rosto. Parece que faz
tanto tempo desde que...
— ... você veio do seu país? — ele concluiu por ela. — Como a
princesa norueguesa, você já está com saudades da sua terra natal?
— Talvez... — delicadamente, ela soltou sua mão da dele. — Posso
fazer uma visita a Di em breve? — Vendo - o franzir as sobrancelhas, ela
emendou: — Não agora, mas talvez daqui a uma semana, mais ou menos.
Afinal — ela o fez lembrar friamente —, seria tolice, diante das
circunstâncias, fingirmos que não gostaríamos de um descanso da
companhia um do outro.
Diogo parou subitamente e virou-a para que pudesse encará-lo.
— O lugar de uma esposa é ao lado de seu marido! — ele a
recriminou, furioso como as ondas que arrebentavam na praia. — Pode
esquecer-se de quaisquer planos que você e sua amiga tenham feito para a
eventualidade de uma separação, e aprenda a viver com o seu...
desapontamento! Para onde eu for, você vai, e eu certamente não gostaria
de visitar a Inglaterra!
Na praia cheia de peixes, pequenos e grandes, roliços e delgados,
redondos e compridos, todos arrumados em tinas com suas cabeças
voltadas para cima, para que o rosado de suas bocas abertas pudesse provar
que estavam frescos. Jade resolveu fazer uma pergunta da maior
importância quanto ao seu futuro. Com os olhos isentos do menor brilho de
interesse, com os lábios sem o menor sinal de hesitação, ela perguntou:
— Você quer dizer que, mesmo sem a menor chance de encontrarmos
a felicidade juntos, você pretende continuar com este casamento sem
sentido?
— Quero dizer exatamente isso — ele assentiu, com os olhos sombrios
refletindo uma arrogância que, no passado, teria transformado a já fraca
autoconfiança de Jade numa confusão completa, mas que desta vez foi
enfrentada com uma serenidade que o derrotou. — Mas não se preocupe —
ele disse irritado, inflamado pela tranqüilidade enigmática de Jade. —
Embora eu não soubesse, por ocasião de nosso casamento, que você faria
disso um negócio vantajoso, cuidarei para que todas as suas ambições sejam
concretizadas. Você terá casacos de pele, jóias e tudo o que for caro; e em
troca... — ele hesitou, com os olhos anuviados por uma lembrança que
parecia lhe infligir uma espécie de dor.
— Sim, Diogo...? — ela incitou suavemente. — O que você receberá
em troca: uma mulher sem coração, alguém incapaz até de sentir ódio ou
desprezo? Mesmo o seu lendário rei do Algarve ficou tão frustrado com a
donzela do gelo, que teve que concordar em deixá-la partir. E além disso —

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ela o fez lembrar delicadamente —, estamos no século XX e, se eu


resolvesse partir, não há nada que você poderia fazer para me impedir.
Uma rajada de vento passou pelos cabelos de Diogo, fazendo cair
uma mecha escura sobre sua testa, dando -lhe a aparência de um pirata
temerário, um daqueles que navegaram do Marrocos até essa mesma costa,
para pilhar, saquear e violentar. Do mesmo modo que os olhos de Diogo, os
deles devem ter refletido o antegozo da caçada, a determinação de
conquistar, a calejada indiferença em causar sofrimento.
— Quanto a isso, eu não tenho receio algum, doce Judas — ele
zombou, dando -lhe um sorriso que a gelaria, se os seus sentimentos já não
estivessem congelados. — No primeiro caso, o gelo deve ter derretido
inevitavelmente; e no segundo — ele a deixou confusa —, mesmo os animais
capturados ficam preparados para fugir em território desconhecido.
Como se realmente quisesse que ela apreciasse o passeio, ele
resolveu mudar de assunto e procurou demonstrar aquela simpatia da qual
Jade gostara por ser natural, mas que dessa vez a deixou emocionalmente
fria. Ela se lembrara de trazer a sua máquina fotográfica, e assim ele
começou a lhe indicar os vários locais de interesse e, quando se
aproximaram do cais de pesca, escolheu as atarefadas vendedoras de peixe
como um tema colorido para as suas fotografias.
— Dizem que essas mulheres são de origem fenícia — ele lhe contou.
— Pelo fato de terem elas e seus homens se mantido segregados, sendo o
casamento com outras raças muito raro, conservaram as mesmas
características físicas de seus ancestrais: membros longos e musculosos,
embora tenham os corpos muito bem proporcionados, e olhos escuros e
ardentes.
Jade observou uma das moças pegar no ar uma pesada cesta de
peixes que fora jogada em sua direção. Ela esvaziou o seu conteúdo numa
bandeja plana, e depois arremessou de volta o cesto pesado com a mesma
facilidade que o faria se estivesse jogando uma partida de tênis. Ao lado do
cais, outras mulheres usavam na cabeça uma espécie de coroa, que parecia
ser feita de palha entrelaçada, e andavam em várias direções, cada qual
com uma pesada caixa de sardinha equilibrada sobre a cabeça.
Jade fotografava tudo, com Diogo como um espectador divertido,
quando dois meninos de olhos alegres se plantaram diante dela.
— Senhora — uma voz inocente se dirigiu a ela —, gostaria de tirar
nossos retratos?
— Gostaria — ela sorriu, dando um passo atrás para poder focalizar
os dois.
— Nesse caso — houve silêncio por um momento, enquanto eles
sorriam e posavam —, dê-nos alguns escudos para comprarmos sorvete!
Diogo pareceu ficar indignado com a ruidosa chantagem, mas Jade
achou o atrevimento deles irresistível.
— Por favor, Diogo — ela riu de sua cara carrancuda —, sei que essa
atitude não deve ser encorajada, mas eles são tão pequenos! Então, só
desta vez...?

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— Meu Deus! — ele encolheu os ombros desesperadamente. — Você


os está estimulando a levarem uma vida de corrupção! — Mesmo enquanto
ralhava, sua mão foi remexendo o bolso.
As relações entre os dois estavam amigáveis quando eles deixaram o
cais e começaram a subir a estrada íngreme que levava à parte superior da
cidade.
— Conheço um restaurante que serve um excelente espadarte. Você
está com fome?
Surpreendentemente, Jade descobriu que estava. Apenas poucas
horas antes, teria sido capaz de jurar que jamais tomaria uma refeição, mas
a combinação dos exercícios e da brisa revigorante do mar deixou-a
consciente de um vazio que tinha a sua origem na fome.
Estavam quase chegando ao restaurante de sua escolha, quando ela
parou com uma exclamação de admiração, fascinada com os objetos
desconhecidos na vitrina de uma loja.
— Você nunca ouviu falar nas figas de Portugal? — Diogo perguntou.
— Figos? — Ela se virou, com os olhos arregalados. — Esses não
podem ser comestíveis!
— Não são figos, são figas — ele riu, olhando para ela —, amuletos
que servem para espantar os maus- olhados. Quase todas as moças em
Portugal usam esta figa em algum lugar. Por falar nisso, não consigo pensar
em outra moça que precise de um talismã contra o infortúnio, mais do que
você. Venha — ele a segurou pelo cotovelo e entraram na loja —,
obviamente, para alguém que encara a vida como uma loteria, precisamos
comprar um pouco de sorte.
Jade procurou não ligar para esse comentário, enquanto o joalheiro
colocava sobre o balcão fileiras após fileiras de amuletos em forma de figa:
mãos lindamente talhadas em ébano, adornadas com unhas de ouro, uma
aliança e uma pulseira de ouro em torno de um pulso delgado e gracioso.
Havia tal variedade de tamanho e qualidade que ela não conseguia escolher,
mas finalmente optou pela menor de todas, perfeita em cada detalhe, feita
para ser usada no pescoço presa a uma correntinha fina de ouro.
Foi só quando ela viu de relance o brilho de satisfação nos olhos do
joalheiro, que percebeu ter escolhido o item mais caro de sua coleção, mas
então já era tarde demais para mudar de idéia.
— Não precisa embrulhar — Diogo falou quando o homem ia
arrumando o amuleto numa caixinha —, minha esposa vai usá-la agora.
O toque de seus dedos era cálido contra a sua nuca quando ele
ajustou o fecho da correntinha, embora ela tremesse, desanimada com a
resposta seca dele ao seu protesto involuntário de que não queria escolher o
mais caro. Conquanto, para ele, o custo obviamente não importasse. Diogo
foi incapaz de resistir a um comentário sarcástico:
— Acredito em você, minha cara, como acreditaria num fazendeiro
que insistisse em sua honestidade, mesmo com carrapatos nadando dentro
de seu balde de leite.
Entretanto, ele não permitiu que o incidente empanasse o brilho de
sua refeição. Manteve uma conversa banal enquanto apreciavam uma

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deliciosa sopa gelada, e provocou nela um suspiro de indignação quando,


depois de comer com apetite uma porção de espadarte, a especialidade do
restaurante, ele lhe informou calmamente:
— Você acabou de experimentar um peixe-espada defumado, pela
primeira vez, Jade. Que tal achou?
Quando imaginou o peixe enorme e feio que ela vira no mercado, com
seu bico perverso e afiado apontado para o ar, seu estômago se revoltou.
— Oh, não! Por que não me avisou? — perguntou ofegante, pegando o
seu copo e tomando um grande gole de vinho rosé, que ela insistira em
escolher, ainda que Diogo tivesse zombado, dizendo que era uma bebida
para meninas de colégio em sua primeira festa. Ela, todavia, achou- o
assustadoramente forte, um fato ao qual atribuiu o seu aturdimento quando
viu os olhos brilhantes de Diogo no outro lado da mesa.
— Devo me lembrar de que você não gosta de comer coisas
desconhecidas e exóticas, caso sejamos convidados para alguma festa de
meus amigos árabes — ele sorriu maliciosamente. — Basicamente, as
refeições deles são preparadas à base de carne de carneiro, e os convidados
de honra recebem invariavelmente os olhos do animal.
Jade arregalou os olhos, horrizada.
— Você está tentando me provocar náusea deliberadamente? — ela o
acusou, tendo que recorrer a um segundo gole de vinho.
— Talvez tenha sido um tanto maldoso de minha parte — ele admitiu,
percebendo a sua aflição. — Na verdade, jamais lhe pedirão para que prove
olhos de carneiro, pois, longe de serem tratadas como convidadas de honra,
as mulheres raramente têm permissão para comer em companhias
masculinas, entre os árabes. Aliás, a única concessão que fazem, no sentido
de tomarem conhecimento de uma mulher em seu meio, é a oferta de um
presente constituído de frutos colhidos dos arbustos que se encontram
espalhados pelos oásis, os quais, usados como amuletos, têm a fama de
preservar a castidade.
Ela estava pronta a acreditar que esse fora um verdadeiro deslize da
parte dele, que não quisera fazê-la lembrar-se dos acontecimentos da noite
anterior, mas era impossível impedir as sombras que anuviavam os seus
olhos, e era impossível também, por causa do aperto que sentia na
garganta, comer mais uma garfada de comida, ou mesmo tomar mais um
gole de vinho.
Jade percebeu que Diogo estava arrependido com a sua própria falta
de jeito quando, sem dizer mais nada, pagou a conta e a conduziu para fora.
E, embora o orgulhoso fidalgo não se esforçasse por se desculpar, o seu
silêncio era uma indicação de seu aborrecimento, enquanto eles saíam da
cidade e se encaminhavam mais uma vez para o campo aberto. Diogo pegou
uma estrada principal, a cerca de dois quilômetros na direção do interior,
para evitar as curvas da estrada que ia pelo litoral. Mas quando passava por
um caminho secundário, onde havia pomares e campos cheios de flores e
morangos selvagens, ele parou diante da porteira de um deles, para comprar
para Jade um presente de paz — um pote de vidro cheio de pêssegos em
conserva.
Jade aceitou o presente com polidez, mas de um modo um tanto
afetado — o seu perdão não poderia ser conseguido, fosse com pêssegos ou

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com pérolas. Assim, com uma carranca obscurecendo mais uma vez o seu
semblante, ele voltou para o carro e prosseguiram.
Talvez não fosse nenhuma surpresa que ele tentasse puni-la, quando,
ao passarem por um pequeno bosque de sobreiros, ele parou o carro e
desceram novamente. Os homens haviam arrancado as cascas das árvores, e
estas apresentavam seus troncos delgados e brancos como leite, sob uma
pequena copa de folhas. As árvores de aparência sinuosa tinham uma
estranha semelhança com uma fileira de nudistas vestindo saias verdes e
rodadas por sobre as cabeças.
— Não seria bom, para um homem inibido, perder-se num bosque
como esse ao anoitecer — ele murmurou, com seus olhos travessos se
divertindo à medida que ela ia ficando ruborizada. Então, sentindo um pouco
de pena pelo embaraço de Jade, ele explicou: — Durante quatro meses
depois de lhe tirarem a casca, os troncos permanecem brancos. Depois, dos
quatro aos oito meses, eles ficam vermelhos e, dos oito meses a um ano,
eles adquirem os tons escuros de uma mulher negra. Eu próprio — ele
retornou à sua crueldade original —, prefiro uma encantadora pele sedosa
com a ternura do marfim, que se associa a uma donzela saxônia despida.
As faces de Jade ainda estavam pegando fogo quando passaram por
um lindo vale com chalés coloridos, que se destacavam entre os arvoredos
de figueiras, amendoeiras e oliveiras. Ela sentia uma forte dor de cabeça,
talvez causada pelo tenso embaraço, ou então pelo pesado aroma que
pairava na atmosfera, o cheiro de uvas espremidas recentemente,
fermentando quase que imediatamente com o calor, que vinha numa nuvem
intoxicante, de um estabelecimento vinícola próximo.
Quando a estrada começou a descer em direção a uma praia orlada
por um mar azul cintilante, a dor se tornou quase insuportável. Assim que
Diogo parou o carro, ela tirou as sandálias, correu pela areia firme da praia
deserta, e foi chapinhar descalça na água do mar. Mais uma vez, a presença
dele começava a perturbá-la. Os sentimentos, que ela sabia estarem
arraigados para sempre, pareciam readquirir vida, transmitindo sinais
insistentes diante da vista, da voz e da proximidade dele. As ondas em volta
de seus pés não fizeram nada para acalmar a febre de sua mente agitada
por lembranças revividas, lembranças de uma boca opressora, um toque
sensual e palavras mordazes e pungentes.
Havia algo de ameaçador no modo como Diogo, ao alcançá-la,
segurou-lhe fortemente o pulso para mantê-la ao seu lado, enquanto
caminhavam lentamente pela praia com os pés na água.
— Há uma gruta naqueles penhascos — ele apontou com um aceno de
cabeça. — Gostaria de vê-la por dentro?
Desconfiando do tom casual demais de sua voz, ela esboçou uma
resposta trêmula.
— Não, obrigada. Se não se importa, gostaria de voltar para casa
agora, pois tomei sol demais para um só dia.
— Mas você deve — ele insistiu suavemente, fazendo -a parar diante
de uma pequena abertura no penhasco. — Não leva mais do que um minuto,
e lá dentro é fresco e agradável. Venha — os seus olhos sombrios pareciam
faiscar —, é uma experiência que você não deve perder.

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A gruta, de fato, mostrou que valia a pena ser visitada. Embora fosse
pequena como um túmulo, suas paredes pareciam esculpidas pelo mar, em
formas semelhantes a cachos de frutas e maços de legumes na pedra
colorida. O solo de areia firme e limpa era fresco sob os pés de Jade. Uma
brisa refrescava a sua pele, quando os lábios ardentes de Diogo tocaram seu
pescoço num beijo cheio de desejo.
— Falsa Jade — ele murmurou roucamente, levantando -a em seus
braços antes de abaixá-la delicadamente sobre a areia. Ela viu os seus olhos
brilhantes de desejo se aproximando e, com um lamento plangente, fechou
os olhos tentando se desligar da realidade. Mas não pôde deixar de ouvir o
murmúrio gutural de Diogo:
— Esposa mentirosa, eu a desprezo, condeno e não acredito nem um
pouco em você; mas, por Deus, como a desejo loucamente!

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CAPÍTULO X
Jade estava sentada no pátio, protegida do sol por um caramanchão,
onde rosas trepadeiras formavam sombras e perfumavam o ar. Havia um
bloco de papel na mesa diante dela, mas seu olhar distraído focalizava o
lago cercado de árvores, onde peixes coloridos nadavam preguiçosamente
por entre as plantas aquáticas que formavam uma cobertura protetora sobre
a superfície da água. Com uma caneta presa entre os dedos hesitantes, ela
começou a rabiscar desenhos abstratos, que não tinham nenhuma relação
com os pensamentos provocados por uma semana monótona, durante a qual
ficara sozinha para fazer o que quisesse.
— Há muito trabalho atrasado para ser feito — Afonso lhe informara
quando ela lhe perguntara sobre a ausência de Diogo durante as refeições.
— A viagem do senhor a Lisboa deveria durar apenas alguns dias. Surgiram
problemas inesperados na quinta, e sua estada teve que ser prolongada.
Ela se sentira como se estivesse sendo censurada. Afonso lhe dera a
impressão de estar acusando -a de ser totalmente responsável pela longa
ausência de seu patrão e pelo acúmulo de trabalho que ocorrera por causa
disso.
— Mas o senhor certamente emprega um administrador, uma pessoa
responsável que possa se encarregar disso?
— Sim, senhora — ele parecia pesaroso —, mas há certas decisões
importantes que só dom Diogo pode tomar.
Naturalmente, Jade teve que concordar. Diogo era o pivô em torno do
qual tudo orbitava; a pedra fundamental sobre a qual o Castelo, suas
propriedades e as aldeias dependentes repousavam: um monarca a quem
todos os seus súditos juraram obediência!
Cansada, ela puxou para trás uma mecha de cabelos que estava sobre
a testa, e retesou seus ombros graciosos, que se ressentiam do peso da
desolação agravada dia a dia. Durante a primeira metade da semana, ela
passara explorando o Castelo e seus soberbos jardins entremeados com
lagos, onde havia magníficos cisnes negros, cuja arrogância orgulhosa
poderia muito bem ter sido herdada de seu proprietário. Ela caminhara
extasiada pelos jardins de pedras, cascatas, pontes ornamentais, arbustos
vistosos e árvores altas, que projetavam suas sombras sobre um tapete de
flores espalhadas sob elas. Dentro do Castelo, percorrera as salas repletas
de ouro e prata, tapetes de valores inestimáveis e porcelanas frágeis demais
para que se atrevesse a tocar. Contemplara as magníficas paisagens dos
campos, de cada uma das diversas janelas, vendo através de uma delas os
velhos pomares de pereiras, macieiras e cerejeiras.
A exploração a deixara intimidada, convencida, mais do que nunca,
de que jamais haveria um lugar dela mesma naquele meio. Seu lugar era em
casa onde, com a ajuda do emprego mais desagradável e exigente que
pudesse encontrar, poderia apagar da lembrança todos os vestígios do
Castelo dos Suspiros e do homem que os provocara. Desesperadamente, ela
apertou os dedos em torno da caneta e começou a escrever uma carta para
Di; uma efusão de palavras suplicando ajuda para escapar de uma

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infelicidade intolerável. Palavras que ela era capaz de escrever com


franqueza porque, enquanto o fazia, estava consciente de que era uma
virtual prisioneira dentro do Castelo, sem acesso a uma caixa de correio e
com a certeza de. que elas jamais seriam lidas.
Não obstante, sentiu um grande alívio enquanto dobrava a carta
terminada, fechava-a num envelope e escrevia o endereço de Di, guardado
cuidadosamente na memória. Mal tinha terminado, quando uma sombra se
projetou sobre a mesa, causando -lhe um reflexo nervoso que fez a caneta
cair de sua mão.
— Oh! — Ela olhou para cima com os olhos culpados, e então sentiu
alívio quando reconheceu o intruso. — Pedro, como você me assustou! — ela
falou ofegante e sorriu para o tímido filho do jardineiro, cujos olhos
castanhos, radiantes de muda admiração, a tinham confortado durante a sua
semana de confinamento solitário. Cada vez que ela se virava, ele parecia
ficar espreitando, ostensivamente varrendo folhas, limpando as veredas ou
arrancando matos dos canteiros de flores, mas sempre com os olhos
voltados em sua direção. Sentindo simpatia pelo rapaz, ela falou
delicadamente:
— Você parece que está com calor. Quer um pouco de limonada? — E
apontou para uma jarra cheia de gelo ao lado da mesa. — Sirva-se — ela
falou, desejando desesperadamente que pudessem se comunicar.
Olhando nervosamente por sobre o ombro, o rapaz foi se afastando.
— A senhora é muito amável, muito bondosa — murmurou. E então,
aparentemente assustado com sua própria temeridade, ele se virou e saiu
correndo.
— Espere um pouco! — Sentindo -se menos amável e menos bondosa
do que jamais se sentira antes, Jade agarrou-se a um fio de esperança.
Caminhando em direção ao garoto com o envelope na mão estendida, disse:
— Faça o favor de pôr esta carta no correio. — Por um segundo, ele
ficou com os olhos arregalados, como que aturdido com o pedido de Jade.
Mas, para a alegria dela, o garoto pegou a carta, enfiou-a no bolso e saiu
correndo.
Sentindo -se animada, ainda que amedrontada demais para pensar na
reação de Diogo caso ele descobrisse sua tentativa de conseguir a
liberdade, Jade dirigiu-se apressadamente ao seu quarto, calculando
furiosamente o tempo que levaria para a carta chegar ao seu destino e,
depois, para receber uma resposta de Di.
Mas mesmo este assunto importante se tornou secundário quando,
maravilhada, ela entrou no quarto e parou subitamente, vendo em sua
frente pilhas e mais pilhas de caixas de papelão preto, cada qual com uma
assinatura vistosa rabiscada em dourado sobre a tampa.
Lentamente, ela foi até a pilha mais próxima e começou a abrir a
caixa de cima. Uma folha de papel de seda cor de malva apareceu quando
ela levantou a tampa e, em seguida, o tecido ricamente brilhante de um
soberbo vestido de noite.
Durante as duas horas seguintes, ela esteve envolta na atmosfera das
Mil e Uma Noites da alta-costura à medida que ia abrindo caixa após caixa,
sentindo -se feminina demais para resistir à sedução das estolas de pele,
vestidos de baile de cetim brilhante e pesado, anáguas de tafetá, vestidos

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de veludo e organdi, alguns rodados, outros cortados enviesado e presos


sobre um só ombro. E ainda outros que modelavam os quadris, macios, e
que desciam rentes até os tornozelos e cortados até o joelho, revelando uma
parte da perna.
Sua visão tinha ficado embaçada, seu quarto tinha se transformado
numa caverna de Aladim, cheia de roupas justas, franzidas, lantejouladas e
bordadas, quando conseguiu chegar à última caixa, mais larga e muito mais
funda que as outras. No momento que sentiu o contato de uma pele em seus
dedos, soube que estava para receber a honra suprema que um marido rico
poderia conceder à sua esposa — ou sua amante —, um casaco de noite
comprido, confeccionado com pele de vison branco, ornado nos punhos, na
barra e no capuz que emoldurava o rosto, com uma faixa de pele de raposa.
Sem se dar ao trabalho de tentar vesti-lo, Ela voltou à realidade,
encantada com a generosidade de Diogo, mas, ao mesmo tempo, sentindo -se
repelida pelo homem que combinava a crueldade com a sensibilidade de
gosto, cujos presentes excitantes ocultavam insultos premeditados.
Inconscientemente, começou a pegar o monte de papel de seda que
se espalhava pelo chão, como se desejasse restaurar a ordem em sua mente
caótica. Poderia ter pedido a ajuda de uma criada, mas o trabalho de
pendurar cada uma das deslumbrantes criações era como um bálsamo para
as suas mãos inquietas. Uma vez feito isso e depois de colocar as caixas
vazias no corredor para que Afonso as levasse, deitou-se na cama com seus
cabelos louros espalhados sobre uma almofada verde-jade. Estava magoada
demais até para derramar uma lágrimas, mas um pouco animada por saber
que, naquele exato momento, a sua carta devia estar a caminho.
Despertou subitamente com o ruído de alguém ao seu lado. Por um
momento, os seus olhos tontos de sono não conseguiam focalizar direito,
mas a visão foi melhorando gradativamente, permitindo distinguir o perfil
bem-delineado de Diogo e seu sorriso sombrio. Ele estava sentado na beira
da cama, parecendo saudavelmente vigoroso, como se um dia de trabalho
pesado lhe tivesse feito bem. Obviamente, não tivera tempo de tomar banho
ou se trocar, antes de procurar saber da reação dela quanto ao seu mais
recente ato de vingança. Tinha as roupas amarrotadas, os cabelos
despenteados, a camisa um pouco manchada e exalava um odor pesado e
forte de uvas recém-amassadas. Seus músculos eram fortes como os de um
camponês sob a sua pele bronzeada, quando estendeu a mão para afastar a
mecha de cabelos caída sobre a testa de Jade.
— Você dorme como um bebê, querida. Está cansada com a excitação
de desembrulhar os seus presentes? Diga-me — seus olhos sombrios
espreitavam preguiçosamente por detrás das pálpebras semi-cerradas —
está contente com as bugigangas que escolhi para você?
— Eu deveria estar? — ela se sentiu sufocar, assustada com essa
nova imagem de camponês poderoso. — Não tente negar que o seu objetivo
era o de me humilhar, que o propósito de sua visita inesperada era o de
descobrir se tinha sido bem sucedido ou não!
A amargura que transparecia em seu tom de voz ao se referir à sua
visita horrorizou-a; ela parecera uma esposa repreendendo um marido
negligente!
O sorriso rápido e cínico de Diogo foi uma prova de que ele também
havia notado.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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— Sentiu falta de mim, querida? — ele perguntou suavemente,


aproximando -se tanto que a sua boca se sentiu ameaçada. Ele tinha a
aparência de um homem com disposição para diabruras, de alguém
agradavelmente cansado depois de um dia de labuta, mas preguiçosamente
disposto a se divertir.
Afastando -se do alcance das mãos de Diogo, Jade rolou na cama e se
levantou do outro lado. O riso dele foi de enfurecer, mas não tanto quanto a
sua atitude, quando esticou as pernas sobre a cama, apoiou a cabeça nos
travesseiros dela e ordenou incisivamente:
— Muito bem, uma vez que você parece duvidar de minha capacidade
de escolha, devo lhe pedir que experimente os vestidos, para que eu possa
ver por mim mesmo se meu julgamento é falho.
— O que, todos eles? — ela falou de modo ofegante.
— Por que não? — ele insistiu amável, complacente como um sultão
no conforto de seu harém. — Consegue imaginar uma maneira melhor de
passar uma hora ociosamente? Mas talvez — os seus olhos sarcásticos se
tornaram mais penetrantes — você tenha em mente algo ainda mais
divertido...?
O seu riso zombeteiro deve tê-la convencido, pois ela apanhou um
monte de roupas do guarda-roupa e saiu correndo para trás de um biombo.
Como ele pretendia, ela se sentia terrivelmente embaraçada, e
demonstrou isso pela maneira desajeitada com que, em resposta ao seu
comando começou a desfilar pelo quarto. Se tivesse planejado durante anos,
ele não poderia ter inventado uma forma mais degradante de punição, para
uma garota cujos sentimentos eram tão delicados. Entretanto, ele insistia
em continuar com a humilhação, obrigando -a à obediência com observações
sugestivas, que continham a ameaça da retaliação que pairava sobre sua
cabeça.
— Não estou certo quanto a esse — ele franziu a testa quando ela
saiu de trás do biombo, usando um vestido comprido cor de cravo, de saia
rodada e decote com os ombros descobertos. Seus joelhos começaram a
tremer quando ela caminhou em sua direção. A atmosfera dentro do quarto
estava carregada, e isso, além do esforço que dispendera desfilando como
um manequim durante quase uma hora, começava a refletir em Jade.
— Talvez se você usasse uma flor atrás da orelha e outra encaixada
na cintura...? — Ele a olhou de maneira crítica. Mas, de modo geral, eu
estou satisfeito com a minha escolha. Cada um dos vestidos que você usou
serviu para realçar sua beleza, exceto esse aí, que parece ter tirado toda a
cor de suas faces.
— Estou cansada, Diogo. Por favor, posso descansar agora?
Quando ele tirou as pernas da cama e se levantou, ela se afastou de
repente. Os lábios dele se apertaram, fazendo a sua resposta parecer
impiedosa.
— Ainda não. Não, até que você tenha usado o seu casaco de pele.
Com ele, eu imagino, você ficará soberba. A maioria das mulheres possui
algumas das características dos felinos, às vezes, ao ponto de sobrepujarem
as características de sua terra natal. As mulheres espanholas e turcas, por
exemplo, são irascíveis como os seus gatos. Os gatos ingleses, franceses e
alemães são animais de estimação amimalhados. Mas nós, portugueses —

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ele pegou delicadamente o queixo dela entre o polegar e o dedo indicador


para erguer a sua cabeça que estava baixa —, muito embora gostemos
bastante dos animais, os tratamos de maneira indiferente, deixando - os
procurar sua própria comida a fim de que tenham corpos esguios e
saudáveis.
Jade estremeceu ao seu contato, e comparou- o mentalmente ao
sinuoso gato preto que ela vira rondando pelos corredores do Castelo: seus
olhos oblíquos, a cauda delgada, os músculos sob os pêlos lustrosos, que
pareciam modelados por um escultor, quando ele se aproximava
silenciosamente como uma pantera dentro de seus domínios.
— Por que você está tremendo? — ele perguntou. — Não gosta de
gatos?
— Não muito — ela admitiu roucamente. — Não me incomodo com os
mansos gatos domésticos, mas tenho visto alguns por aí que me parecem
carrascos insensíveis. — Que não são diferentes de você, ela teria
acrescentado, mas não se atreveu.
— É exatamente assim que eles devem ser — ele concordou —,
considerando -se que foram trazidos da Arábia pelos mouros e têm a fama de
serem a reencarnação do antigo deus gato do Egito. Mas não precisa ter
medo deles, pardalzinho assustado, pois, ao contrário do que pensam os
ingleses, que o gato preto seja companheiro das bruxas, acreditamos que a
presença de um deles impeça a intrusão de maus espíritos.
Naquele momento, ela achou a superstição difícil de acreditar, pois o
ambiente, cheio de presságios, fazia-a sentir-se amedrontada como um
animal de circo sob a ameaça do chicote do domador. Inconscientemente,
Diogo procurou reforçar a semelhança.
— E agora, Jade, o casaco de pele branca. Deixe-me vê-la usando - o.
Diogo se virou e caminhou em direção à janela, enquanto ela
vasculhava o guarda-roupa, ressentida pela insistência dele, mas cansada
demais para discutir. Ela deveria regalar-se ao contato daquela carícia
sedosa contra a sua pele, se o presente tivesse sido motivado por uma
afeição, mesmo que pequena. Mas ele ainda representava uma chicotada em
suas costas, e portanto a sua expressão refletia a dor interior, quando Diogo
se voltou para encará-la.
Durante um longo tempo, ele não disse nada, mas ficou observando
silenciosamente as feições que pareciam ainda mais delicadas pela moldura
de pele suave e primitiva, e a forma esguia à qual as peles macias
emprestavam uma dignidade insuspeitada.
O som da respiração forte de Diogo espantou-a, mas ela não olhou
para cima, nem mesmo quando ele falou:
— Quem quer que tenha dito que você só serve para trabalhos servis
deve ser cego, carente de percepção emocional e física. — Subitamente, ele
se adiantou e abraçou-a com força. Levemente, ele roçou os lábios em sua
testa, foi descendo pela face e pelo pescoço delicado.
— Seus cabelos têm o perfume do mel — murmurou. Mas irritado com
a sua imobilidade fria, ele explodiu em palavras ferozes. — Não é certo que
alguém tão extraordinariamente linda não tenha uma moral indicadora de tal
beleza. Olhem para mim, olhos inocentes — ele a sacudiu grosseiramente. —

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Eu sei que você é falsa! Uma embusteira encantadora que consegue virar a
cabeça de um homem sem dizer uma palavra!
Os olhos dela se abriram mais de medo, medo do homem cuja ira
parecia ainda mais violenta porque não era dirigida apenas contra ela, mas
também contra ele próprio, medo do homem cujo corpo viril lutava para
conter uma frustração, um homem tão bárbaro quanto a tatuagem que ele
levava no peito.
— Por favor, Diogo — o desespero transformou os seus dedos em
garras — por favor, deixe-me em paz!
— Deixá-la em paz! — ele sibilou, atirando a cabeça para trás como
um garanhão enfurecido. — Por que deveria deixá-la em paz? Você é minha
esposa! Dei-lhe tudo o que você sempre desejou de nosso casamento. E
portanto, será que não tenho o direito de receber a minha mísera parte?
— Oh, Diogo — ela murmurou entrecortadamente, com os olhos
brilhantes de lágrimas —, será que você realmente acha que um casamento
pode sobreviver com presentes de pérolas e peles caras?
— Então, Donzela do Gelo, você ainda não está satisfeita? — ele
exclamou. — Diga-me o que mais preciso lhe dar, antes que seu coração
congelado comece a derreter?
— Afeição — ela engasgou — simpatia e, talvez o mais importante de
tudo, amizade, porque a amizade sobrevive à atração física. Sem ela,
nenhum casamento pode amadurecer da mera emoção para a afeição
profunda e a compreensão mútua. Os laços mais fortes, Diogo, podem ser
aqueles que são menos vibrantes.
A contração de um músculo em suas faces confirmou que ela
conseguira tocar num ponto fraco. Esperança, aquela coisa pequena e sem
vida que parecia condenada a uma vida de prisão dentro das paredes do
Castelo, surgiu novamente ao som de uma voz grave e estranhamente
gentil.
— Que pena que você seja tantas vezes julgada injustamente, doce
Jade. Mais pena ainda — ele enfiou a mão no bolso e retirou um envelope
branco — por causa de um rapaz sensível, cuja paixão o levou a pôr em risco
o seu lar, o seu emprego e o bem-estar da própria mãe, em troca de um
olhar de aprovação de seus olhos enganadora-mente sinceros!
A suavidade de seu tom de voz subitamente se revelou como uma
ameaça, uma nuvem serpejante que ameaçava matá-la asfixiada. Contudo, a
autoconservação não era a sua principal preocupação; ela pensava só em
Pedro, um rapaz cujo futuro poderia estar arruinado nessa terra onde as
condições feudais ainda prevaleciam.
— Não castigue Pedro por minha causa — suplicou, com os olhos bem
abertos e o rosto aflito. — Sinto muito quanto à carta, mas Pedro não teve
culpa alguma! Eu farei qualquer coisa! — Com a agonia do arrependimento,
ela agarrou fortemente os seus braços, numa tentativa de sacudir aquele
corpo firme como uma rocha. — Farei qualquer coisa que me pedir. Mas, por
favor, por favor, não se vingue em Pedro!
Diogo ficou saboreando longamente o seu triunfo, mantendo -a em
suspense por um tempo que pareceu uma eternidade, antes de falar.

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— Como você admite que a culpa é inteiramente sua, devemos pensar


num castigo que esteja à altura do crime — ele falou pausada-mente. Jade
esperava com a cabeça baixa e a mente entorpecida, lutando para assimilar
as suas palavras. — A sentença que mais me atrai não deve ser muito difícil
para alguém cujo talento para representar se torna mais óbvio a cada dia
que passa. Quero que você se entregue a mim! Estou cansado de beijos frios
e sem emoção, de um corpo que só reage pela força, nunca pela disposição.
Você tem condições de demonstrar toda a paixão de uma camponesa — ele
concluiu quase preguiçosamente. — Eu senti isso, mas, até agora, a
experiência permanece torturantemente fora de alcance.
Ela se afastou com aversão, lembrando -se mais uma vez do gato
semelhante a uma pantera que vagava pelo Castelo, com suas costas
arqueando a cada aproximação amistosa e demonstrando agressividade a
cada palavra de agrado. A razão da visita tornara-se subitamente clara: ele
viera, com a carta no bolso, para ficar em sua cama, para se divertir com
sua reação às ameaças dele, para sujeitá-la a um humilhante desfile,
sabendo o tempo todo que tinha o trunfo final nas mãos.
Um arrepio percorreu o seu corpo enquanto ela o olhava, encapuzada
como uma noviça, preparando -se para concordar com a exigência.
— Está bem, Diogo — ela murmurou —, mas primeiro quero a sua
promessa que Pedro não irá pagar pelo que fiz.
— Tem a minha palavra — ele assegurou, abrindo os braços.
Lentamente, Jade foi até ele, passou os braços em torno de seu pescoço e
puxou a cabeça em sua direção. Com um suspiro que soou mais como um
soluço, ela ficou na ponta dos pés para apertar os lábios macios de encontro
à sua boca dura. Tentava transmitir ternura, não criando nenhum obstáculo
e deixando de lado a sua capacidade de ficar indiferente. Procurava trancar
dentro de si todas as reações que pudessem frustrar o desejo dele de
possuí-la.
Mas embora demonstrasse todo o fervor que podia, Diogo
permaneceu estranhamente frio, com os braços segurando frouxamente a
sua cintura. Desesperadamente, ela tentou com mais empenho,
pressionando o seu corpo esbelto contra o dele, obrigando seus lábios a
transmitir uma mensagem de desejo aos lábios frios de Diogo.
Jade só percebeu que chorava, quando ele a repeliu.
— Pare com isso, Jade! — Diogo passou a mão nos lábios, como se
achasse amargas aquelas lágrimas. — A escolha que tenho é muito limitada:
ter relações sexuais com uma donzela de gelo já é bastante ruim, embora
seja infinitamente preferível a ser seduzido por uma freira como parte de
sua penitência!

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CAPÍTULO XI
Como de costume, Diogo entrou sem bater no quarto de Jade na
manhã seguinte. Ela acabara de se vestir e estava em pé ao lado da janela
contemplando a planície, imaginando como passaria o dia longo e enfadonho
que tinha pela frente.
— Tenho que fazer uma curta viagem de negócios — ele lhe disse,
olhando a sua beleza pálida quase que com desagrado. — E como não posso
confiar em você enquanto estou fora, não tenho outra alternativa senão
levá-la comigo. Arrume uma mala com coisas práticas: calças compridas e
blusas de mangas compridas para protegê-la do sol. — Como se tivesse
lembrado de algo que havia esquecido, ele disse quando ia saindo do
quarto. — Você também precisará de um casaco quente, pois o deserto fica
muito frio à noite.
O deserto! Jade abriu a boca para fazer uma dúzia de perguntas de
surpresa, mas antes que pudesse fazer a primeira, ele já havia saído e
fechado a porta.
Notando, pelos seus modos, que ele estava com um humor irritável e
impaciente, que não melhoraria nem um pouco se tivesse que esperar, ela
arrumou apressadamente uma mala com roupas que supunha adequadas.
Não tendo a menor idéia de quais as roupas que seriam apropriadas para um
deserto, deixou de lado a elegância em favor do conforto.
Se ele apenas tivesse sido mais explícito! Ela pousou a mão sobre um
vestido de noite azul e justo, e que não amarrotava, ideal para uma reunião
social imprevista. Mas ficariam numa tenda ou num dos muitos fortes que,
ele lhe contara, se espalhavam por todo o deserto? Se os amigos árabes
fizessem reuniões sociais, ela seria convidada ou seria segregada como as
outras mulheres? Como o vestido ocupava pouco espaço, ela finalmente
resolveu enfiá-lo na mala, junto com um frasco de seu perfume favorito,
antes de fechá-la.
Como o vestido que estava usando era de algodão leve e fresco, e
ideal para viajar, não se deu ao trabalho de mudá-lo e ficou sentada perto
da janela à espera de Diogo.
Passaram-se poucos minutos antes que ele aparecesse com pressa.
— Já está pronta? ótimo! — ele aprovou resolutamente. — Então
vamos.
Com os saltos dos sapatos batendo sobre o ladrilho azul, ela o seguiu
apressadamente, esperando ser conduzida para fora, onde haveria um carro
esperando. Mas ficava cada vez mais surpresa à medida que subiam escadas
e atravessavam galerias, e finalmente saíam num telhado plano, bem acima
do Castelo. A razão disso se tornou evidente assim que ela viu um
helicóptero.
— Ele é seu? — ela perguntou, espantada com mais essa prova de
riqueza. — Deve ter custado uma fortuna!

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— Apenas uma pequena fortuna. — Pela primeira vez, Diogo sorriu,


divertido com seus olhos arregalados. — Para dentro, pardalzinho dos
cortiços — apesar de suas palavras serem cruéis, o seu tom de voz era
delicado —, é hora de descobrir a verdadeira emoção de voar.
No começo ela se sentou tensa, achando o barulho e a vibração das
pás das hélices assustadores. Mas poucos minutos depois da decolagem, o
medo foi substituído pela emoção de uma experiência totalmente nova e
maravilhosa, à medida que ganhavam altura sobre o Castelo, vendo - o
diminuir lentamente até o tamanho de um castelo de brinquedo sobre um
monte em miniatura.
Diogo falava pouco, mas, com suas mãos capazes nos controles,
mostrou-lhe diversas cenas interessantes, enquanto ela esticava o pescoço
para contemplar a planície lá embaixo, encantada com os pomares, com
plantações de laranjas, toronjas, marmelos, maçãs, romãs, peras e figos;
ninhos de cegonhas espalhados entre as copas de árvores imensas;
arvoredos coloridos de azaléias e primaveras; montes de varas de ouro e
mimosas. Depois, súbita e inesperadamente, uma faixa de mar de um azul
maravilhoso.
Portugal tem as costas para a Espanha, mas face em direção a África!
Eles só tinham voado tempo suficiente para que Jade se ajustasse à visão
dos pequenos navios navegando no oceano calmo, quando Diogo lhe
apontou o litoral que se aproximava.
— Logo estaremos sobrevoando Tânger, em direção às montanhas de
Rif, onde pousaremos.
Ele pareceu compreender quando ela ficou emudecida, enquanto
sobrevoavam a lendária Tânger, onde se descortinava uma maravilhosa
paisagem pontilhada de palácios mouros, que brilhavam como pedras
preciosas sob o sol, dentro dos quais ela imaginava haver haréns repletos de
concubinas guardadas por escravos eunucos, e salas de tesouros cheias de
presas de elefantes, ornamentos de ouro e jóias trazidas através do deserto
do Saara, por caravanas de camelos.
A visão das colinas baixas com rochas trincadas pelo calor do sol
trouxe-a parcialmente de volta à realidade. Então o terreno começou a se
elevar em direção a uma variedade de montanhas negras sulca-das de
desfiladeiros, em cujas bordas havia arbustos rasteiros, ladeando leitos de
rios secos. Gradualmente, as cores das rochas começaram a mudar do
marrom para o verde, então um vale apareceu abaixo deles, onde havia
centenas de palmeiras cujas copas brilhavam com o mormaço.
— Vê aquele pico pouco acima do ponto onde os dois rios se
encontram? — Diogo interrompeu seus pensamentos.
— Quer dizer aquele com a fortaleza do Beau Geste em seu cume? —
ela perguntou, observando atentamente.
— Uma comparação muito boa — ele sorriu. — Ela era uma fortaleza
francesa, e o seu ex-comandante, a quem eu visito regularmente, ofereceu-
se gentilmente para nos hospedar por esta noite. Aconselho -a a aproveitar
muito bem a sua estada, minha cara, pois será a sua última experiência da
hospitalidade civilizada por algum tempo.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

O comandante esperava pelo pouso do helicóptero no telhado plano


do forte, e assim que as hélices pararam de rodar, ele caminhou
apressadamente até Jade para ajudá-la a descer.
— Comandante Ruinart à suas ordens, madame! — Ele fez uma
mesura e depois se pôs ereto com um sorriso encantador. — Mas, como seu
marido e eu temos uma amizade muito antiga, eu me sentiria honrado e
lisonjeado se a senhora me chamasse de Henri.
— Certamente, Henri — ela sorriu, animada com a cordialidade de sua
saudação — e obrigada pela sua hospitalidade. Meu... marido acabou de me
contar que devemos ficar aqui como seus convidados.
Aparentemente hipnotizado pelos seus olhos brilhantes e verdes, ele
a olhou fixamente enquanto levava sua mão aos lábios, mas não a soltou
após tê-la beijado. Como ele continuava olhando -a fixamente, e o rosto
pálido de Jade foi se ruborizando, Diogo interrompeu divertido.
— Eu bem que lhe avisei, mon ami, para estar preparado para
conhecer minha jovem e encantadora esposa. Todavia, eu devia ter esperado
que a sua natureza incuravelmente galanteadora não poupasse nenhuma
mulher do rol de suas vítimas. Não ligue para nada que ele disser, minha
cara — ele a advertiu. — Henri é um galanteador que só flerta com palavras,
não é verdade, meu amigo?
— Eu me esquivo de todas as que me perseguem e persigo todas
aquelas que se esquivam de mim — Henri admitiu com um sorriso jovial —,
mas essa é simplesmente a minha maneira de passar o tempo. Eu acredito
que a paixão deve criar raízes c criar forças antes que o casamento seja
enxertado; eu não desejaria a mão de nenhuma mulher a menos que
conquistasse também o seu coração. Ao contrário de seus robustos
conterrâneos, Diogo, penso que é tão injusto simplesmente possuir uma
mulher, como o é possuir uma escrava.
Diogo e Henri eram ambos morenos e aprumados, tinham ambos a
mesma altura, mas aí terminava a semelhança. Pois, quando Henri a
conduziu para dentro do forte, ela ficou encantada com a sua solicitude
cavalheiresca e pela cortesia, que ela tinha certeza de que se estenderia a
cada mulher, quer fosse idosa, débil, feia ou bonita.
O interior do forte foi uma revelação para Jade, que esperava
encontrar uma espécie de conforto espartano, que geralmente acompanha
um homem que vive sozinho. Mas quando desceram do telhado, havia um
criado árabe, vestido imaculadamente de branco, que recebeu ordens para
conduzi-la ao seu quarto, enquanto os dois homens continuaram a descer
para tomar uma bebida e conversar sobre as novidades de interesse mútuo.
O quarto de Jade era decorado luxuosamente, com grossos tapetes e
alegres pinturas modernas nas paredes lisas e brancas. Em cada lado de
uma confortável cama de casal, havia lâmpadas que só precisavam de um
leve toque no interruptor para inundá-la de luz. E atrás de uma porta de
ligação, ela descobriu um banheiro ladrilhado, com torneiras modernas que
jorravam quantidade ilimitada de água quente. Obviamente, Henri não era
nada devotado à vida rústica; o seu posto avançado do deserto era
confortavelmente mobiliado como qualquer hotel de primeira classe.
Sentindo -se estranhamente letárgica, ela se deitou na cama para tirar
um cochilo, sabendo que não sentiriam sua falta durante pelo menos duas
horas, uma vez que os dois amigos, que só se encontravam raramente,

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teriam muita coisa para conversar. As venezianas estavam fechadas para


impedir o calor do sol, de modo que o quarto era refrescado pelas sombras.
Jade caiu num sono leve e abençoou a sua precaução de ter trazido o
vestido de noite, o qual ela prometeu para si mesma usar depois de um
banho refrescante e bem antes do jantar.
Todavia, ela despertou com o som de torneiras jorrando e de
movimentos por detrás da porta fechada. Por um momento ficou confusa,
até que seus olhos caíram sobre um relógio de homem que se encontrava
numa das mesas de cabeceira, e uma camisa pendurada no braço de uma
cadeira e, embaixo dela, um par de sapatos muito familiar.
Diogo estava compartilhando de seu quarto!
Nesse preciso momento, a porta do banheiro se abriu e ele emergiu
como uma aparição de uma nuvem de vapor, com uma toalha amarrada na
cintura esbelta, e sua pele bronzeada, ainda úmida, brilhando.
— O que... o que é que está fazendo aqui? — Jade sentou-se
subitamente, com seus olhos verdes arregalados e espantados.
— Não precisa reagir como uma virgem ultrajada — ele respondeu
friamente, pegando o pente para pentear os cabelos rebeldes. — Sou seu
marido, se lembra? E Henri é um francês inclinado para o romantismo, que
associa recém-casados com camas de casal. Eu não teria coragem de
destruir suas ilusões pedindo quartos separados. Você teria...?
Não era tanto uma questão de desafio, e, quando se virou, ele viu
que Jade corava, sabendo que ela deveria escolher entre o constrangimento
de tentar explicar a Henri por que motivo preferia dormir sozinha, e o
dilema ainda pior de ter que compartilhar da proximidade de um homem
cujo magnetismo conseguia até descongelar seu coração.
— Eu suponho — ela admitiu relutantemente, olhando com
sobressalto os dedos que mexiam com o nó da toalha presa na cintura dele
— que posso sempre virar as costas — concluiu apressadamente, virando o
rosto vermelho para o outro lado.
— Para quê? — ele perguntou alegremente, divertindo -se muito com o
seu embaraço. — Afinal — ele falou de um modo um pouco mais delicado —,
já tivemos toda a intimidade que um homem e uma mulher poderiam ter.
Estas minhas mãos — a voz de Diogo pareceu estar mais perto, mas ela não
se atreveu a virar para ver a que distância acariciaram cada centímetro de
seu delicioso corpo de marfim. E certa vez — e agora ela sabia que os lábios
dele estavam perto de seu pescoço suave, e já sentia o hálito morno
mexendo suavemente com os seus nervos —, você até esqueceu o seu
ressentimento e correspondeu aos meus beijos, beijando -me bem aqui!
Ele passou o braço em volta de sua cintura para virá-la, mas ela
manteve os olhos fechados, não precisando olhar para o lugar que ele
estava indicando, lembrando -se muito bem da áspera tatuagem da lua
crescente, que ela sentira nos lábios quando os pressionara de encontro ao
seu coração, e de como a sua presença bárbara provocara emoções
tempestuosas em seu corpo tenso, tornando - o cheio de desejos.
A lembrança lhe provocou repugnância, um sentimento quase de ódio
contra um homem tão insensível, que se aproveitava dos momentos de
profunda intimidade para abalar a sua compostura, sua única defesa contra
a autoridade dele.

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— Olhe para mim, Jade! — O seu tom de voz demonstrava


impaciência. — Há apenas poucas semanas, você declarava que me amava.
Assim sendo, como pode permanecer tão fria? Por que preciso sempre tomar
à força aquilo que uma esposa amorosa entrega de bom grado?
Ela olhou para ele e disse com seus olhos verdes refletindo uma
acusação.
— Jamais o amei — ela disse simplesmente, sem se queixar de que
ele estava apertando ainda mais o seu ombro. — Amei o homem carinhoso e
atencioso que achei que você era. Você me acusa de falsidade, Diogo, mas
será que você é tão inocente a esse respeito? O homem é uma lua que tem o
seu lado escuro oculto. Parece-me — ela concluiu com a voz trêmula — que
estou condenada a passar o resto de minha vida com seu lado escuro.
Graças à habilidade de Henri como anfitrião, o jantar dessa noite não
se transformou num fiasco silencioso. Aparentemente indiferente às
carrancas de Diogo, ele concentrou a sua atenção em Jade, em seu vestido
azul simples e em seus cabelos louros penteados para trás, e presos num
coque próximo da nuca, o que lhe fazia lembrar uma Madona pensativa.
Jade estava brincando com um copo de vinho, sem perceber que ele
estudava silenciosamente o seu perfil perfeito, quando Henri disse
subitamente.
— Acorde, linda sonhadora!
Ela ficou ereta, de repente, quase derramando o seu vinho.
— Desculpe-me, Henri. Você disse alguma coisa?
Ele riu alto.
— Eu estava simplesmente querendo que você deixasse de lado o seu
mundo de fantasia, chérie. Mas não precisa se sentir embaraçada; a culpa é
nossa se você achar que seus pensamentos são mais interessantes que a
nossa conversa. Ou a ausência dela — ele corrigiu, lançando um olhar
reprovador a Diogo.
— Desde criança — ela suspirou — venho sendo advertida quanto
minha tendência de fugir para um mundo imaginário. Desculpe...
— Não há o que desculpar — ele franziu as sobrancelhas. — Tentar
criar uma atmosfera em que as coisas desagradáveis e o sofrimento sejam
eliminados é realmente um ato de autoconservação. Obviamente, chérie,
você deve ter sido magoada profundamente em alguma época de sua vida.
— Talvez — ela respondeu superficialmente, sentindo a frieza dos as
de Diogo —, mas isso foi quando eu tinha um comportamento infantil e não
desejava crescer. Agora que estou mais amadurecida aprendi a não ser tão
ingênua.
Meu amigo! — Os olhos espantados de Henri se voltaram para Diogo
— Espero que você não tenha feito nada que tenha causado uma desilusão
tão grande a uma pessoa tão jovem. — Sem esperar por uma resposta, ele
voltou a sua atenção para Jade e continuou, indiferente à tensão que se
formava. — Como não está casada há bastante tempo para descobrir por
você mesma, sinto que é meu dever ajudá-la a compreender um pouco da
natureza complexa de seu marido. Diogo é no fundo um nômade cujo anseio
pela liberdade tem sido frustrado pela obrigação de ter que manter um lar

Projeto Revisoras 78
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permanente e pelas pesadas responsabilidades de família.


Conseqüentemente, ele se torna agressivo, sente uma ira interior que não se
acalma a menos que se empenhe numa atividade física intensa, para a qual
o seu corpo foi aparelhado. É por isso que, periodicamente, ele é obrigado a
voltar para o deserto, para aquilo que ele considera a sua terra natal, onde
pode descarregar seus ressentimentos, lutando contra a natureza e
suportando as adversidades de um ambiente que tem permanecido imutável
há séculos. Portanto, você não deve privá-lo de sua válvula de escape,
chérie. Pois você também será recompensada quando o deserto receber um
tigre e devolver um cordeiro.
Um olhar de relance para a boca cínica de Diogo, seu olhar
meditativo e seu perfil obstinado, tornava a comparação tão ridícula que ela
se viu forçada a sorrir.
— Ah! O arco -íris após a tempestade! — Henri pareceu ficar
encantado. — Venha comigo, chérie — ele se levantou e estendeu a mão
para ela. — Estou com vontade de dançar, e também estou com uma
vontade imensa de deixar o seu incompreensível marido com ciúmes.
Diogo se levantou, como mandava a cortesia, mas parecia
completamente indiferente quanto a ficar sozinho na sala de jantar,
enquanto Jade e Henri entravam numa sala vizinha em que não havia tapete,
para dançar.
Henri escolheu um álbum de melodias bonitas e românticas e, quando
se afastou do aparelho de som e estendeu os braços, ela se aproximou
agradecida, achando a sua solicitude uma maravilha, após um período de
fria indiferença. Eles estavam suficientemente distantes de Diogo para que
pudessem conversar sem serem ouvidos. Entretanto, depois de dançarem
durante algum tempo em silêncio, Henri puxou-a para perto e sussurrou em
seu ouvido.
— O que houve de errado com vocês dois, ma belle! Nunca vi meu
amigo Diogo tão macambúzio e calado. Quanto a você — ele encolheu os
ombros —, conheço -a há poucas horas, porém sei que está com essa
aparência triste, não por vontade própria, mas por causa de alguma coisa.
Se a causa disso não for mais do que um arrufo entre pessoas que se amam,
não me ofenderei se você me mandar cuidar de meu nariz, mas se for mais
sério e precisar de ajuda, só precisa dizer e a receberá.
— Obrigada, Henri — sua voz estava rouca por causa das lágrimas
contidas. — Aprecio o seu interesse. Mas sua lealdade deve ser com Diogo,
por quem eu sei que tem uma grande amizade.
— Uma grande amizade, de fato — ele admitiu, com seus olhos
alegres entristecidos. — Nós partilhamos de muitos perigos, Diogo e eu. E o
perigo torna os homens mais chegados que irmãos. Mas não sou cego quanto
aos seus defeitos; ele é orgulhoso como o diabo e não tolera a fraqueza. E,
como eu, viveu intensamente a sua vida de solteiro. A fome de amor não
produz a bondade, Jade. Aliás, pode-se dizer que todos os atos vis são
praticados apenas para satisfazer essa fome.
O estremecimento de dor de Jade mostrou a Henri tudo o que ele
precisava saber. Por um momento, ficaram dançando em silêncio, uma vez
que ele lhe dava tempo para resolver se devia confiar nele ou não. Mas ficou
desapontado, embora apreciasse a sua lealdade para com o seu marido,
quando ela finalmente falou:

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— Você é tão compreensivo, Henri. Por que nunca se casou?


Aceitando a sua decisão sem discutir, ele confessou estranhamente:
— Porque ainda não encontrei uma mulher disposta a compartilhar a
minha solidão. Quando o Marrocos conquistou a independência e o meu
trabalho terminou, eu devia ter voltado para a França. Mas como tinha
vivido neste país há tantos anos e me apeguei a esta terra e ao seu povo,
achei que era impossível partir. Assim sendo, vendi as minhas propriedades
na França e comprei este forte, que passei a considerar como o meu lar.
Infelizmente — ele suspirou —, não se pode comprar também uma esposa...
Repentinamente, ele parou de dançar e, com os braços segurando
levemente a sua cintura, inclinou a cabeça e disse pensativamente:
— Como eu invejo Diogo e sua boa sorte, ma belle! Se apenas a
tivesse conhecido primeiro...
O ruído da agulha da vitrola arranhando o disco os fez se separarem.
Diogo, tenso pela raiva controlada, se curvava sobre a vitrola estendendo a
mão para o botão de controle.
— Acalme-se, mon ami! — Henri protestou brandamente. — Por aqui,
os luxos são raros, e é por isso que temos o cuidado de tratá-los bem.
— Qualquer hora dessas, lembre-me — Diogo falava com Henri, seus
olhos zangados estavam sobre Jade — de lhe dar uma aula sobre a arte do
suborno. Dizem que os próprios deuses gostam presentes, e que o ouro
comove mais os homens que as palavras. Pessoalmente — ele falou irritado
—, descobri que as mulheres parecem preferir as pérolas.
Procurando se controlar, ele acenou imperiosamente para Jade.
— É tarde. Uma vez que teremos que partir pela madrugada, acho
aconselhável irmos dormir agora. — Seus olhos duros então se voltaram
para Henri que, longe de se sentir desconcertado, parecia extremamente
complacente.
— Adeus, comandante. — O seu tom de voz era cáustico. — Até que
nos vejamos de novo, farei força para me lembrar de que um dia vivemos
como irmãos.

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CAPÍTULO XII
Na manhã seguinte, logo ao nascer do sol, eles deixaram o forte em
um velho caminhão do exército emprestado por Henri. Latões, uns cheios de
água e outros cheios de gasolina, chocalhavam atrás, enquanto Diogo dirigia
por uma trilha irregular, que levava a uma série de colinas baixas e
desertas, formadas por rochas que projetavam sombras com o nascer do sol.
A atmosfera dentro da cabina era sufocante, embora uma brisa fresca
soprasse pelas janelas abertas. Jade estava desnorteada com a fúria fria de
Diogo. Nem uma palavra havia sido trocada desde a noite anterior, quando
deixaram Henri e subiram as escadas juntos. Uma vez dentro do quarto, a
ameaça de Diogo parecera estar presente em todos os cantos, fazendo -a
sentir-se tão nervosa que ela correra para o banheiro onde, atrapalhada por
seus dedos trêmulos, levara um tempo enorme para se despir.
Diogo estava com um humor vingativo, e as experiências do passado
haviam demonstrado o tipo de punição que ele gostava de influi-gir. Por
isso, foi com a boca seca e com o coração batendo depressa que ela
finalmente entrara no quarto escuro e ficara estupefata diante da visão de
seu corpo alto estendido no chão, coberto apenas com um lençol, e com um
travesseiro sob a cabeça.
Ela dormira leve e intermitentemente, pensando na sua espantosa
exibição de ciúme. Diogo não compreendera que Henri tinha feito tudo para
provocá-lo deliberadamente. Antes do nascer do sol, quando ele a acordara,
ela vira pelo seu rosto sério que seu humor não tinha melhorado.
À medida que o sol subia, formando longas sombras sobre a trilha
deserta, ela deu uma olhadela esperançosa, mas estremeceu e olhou para o
outro lado ao ver seu perfil austero.
Uma hora mais tarde, ao chegarem ao topo de um ponto mais
elevado, Diogo parou o caminhão e se descontraiu para contemplar
quilômetros e mais quilômetros do solitário deserto cor de sépia,
completamente destituído de vegetação, movimentos, sons ou odores —
vasto vazio impessoal cuja própria vacuidade era assustadora. Como que
percebendo a reação de Jade, ele zombou de sua timidez.
— Está se sentindo privada de sua presunção, Senhorita Arrogante?
Ela se assustou com a sua maneira de falar. Depois de respirar
profundamente, ele continuou. — Aqui no deserto, um homem reconhece a
sua própria insignificância. Aqui é fácil compreender por que os místicos
acham fácil meditar, superar a vaidade, subjugar as paixões e os desejos do
corpo. Aqui um homem é apenas um grão de areia solitário...
— Areia tostada — ela ousou lembrar-lhe, nervosa por causa de sua
nova aura de vitalidade. Era como se um sopro de ar do deserto houvesse
injetado fogo em suas veias, como se o resplendor do sol, o azul do céu,
estivessem refletidos em seus olhos assustadores. — Estou com sede. Posso
tomar um pouco de água?
— Faremos coisa melhor: vamos tomar o café da manhã. — O coração
de Jade bateu mais depressa quando ela viu de relance um sorriso

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inesperado, enquanto ele estendia a mão para a parte traseira do caminhão.


— Apenas café e sanduíches — ele se desculpou, desatarraxando a tampa de
uma garrafa térmica.
— Eu não me importo — ela lhe assegurou, pegando um pacote de
sanduíches.
— Eu também achei que você não se importaria — ele respondeu
secamente. — As crianças adoram piqueniques, e às vezes, Jade, você exibe
as bravatas despreocupadas de uma criança caprichosa.
Subjugada pela censura, ela mastigava em silêncio o alimento que
ficara subitamente sem gosto, e então rebateu inconscientemente a sua
reprovação:
— Você não precisa culpar Henri pelo que aconteceu ontem à noite.
Ele estava simplesmente brincando; a última coisa de que ele gostaria era
causar um obstáculo em sua amizade.
A frieza do olhar de Diogo, quando ele se virou para ela, foi como
uma ducha de água gelada sobre as suas faces aquecidas pelo sol.
— Minha amizade por Henri já suportou maiores pressões do que
qualquer uma que você pudesse causar. Como poderia culpar Henri por cair
na mesma armadilha em que eu caí? Como já falei, Jade, você é uma
perigosa combinação de mulher e criança, de fascinação e ingenuidade.
Nenhum homem é imune aos embustes que você praticou sobre a metade da
população masculina de Lisboa, sobre Henri e mesmo sobre Pedro, um
simplório filho de jardineiro.
Ele demonstrou sua satisfação selvagem jogando o resto de seu café
pela janela do caminhão. Por um momento, formou-se uma mancha sobre a
areia, depois a umidade foi se infiltrando lentamente até sumir.
Sob o sol abrasador e o céu sem nuvens, o caminhão foi sacolejando
pelo caminho, até que toda a noção do tempo desapareceu. Às vezes
aparecia uma pequena mancha ao longe que, ao se aproximarem, ela via
que era um homem montado em um camelo, imóvel como uma estátua, com
o olhar fixo no horizonte distante. Pensando que Diogo não o havia visto, ela
apontou.
— Olhe! Você acha que aquele homem nos viu?
— Sem dúvida — ele respondeu secamente. — Ele é uma sentinela
cujo dever é observar a aproximação de estranhos bem antes que estes o
vejam. Os habitantes do deserto têm o sentido da visão altamente
desenvolvido, bem como uma imobilidade absoluta que os tornam
imperceptíveis, uma habilidade de valor inestimável para os caçadores,
guerreiros e nômades.
Logo depois de passarem pela sentinela, o terreno formava um
declive, e num vale invisível e seguro, havia mulheres sentadas cozinhando
em fogueiras no centro de um círculo formado por tendas pretas, divididas
em duas por um tecido pendurado. Tendo sido obviamente prevenidos de sua
chegada, os homens começaram a sair das tendas, caminhando em sua
direção. E quando Diogo parou e desceu do caminhão, dúzias de vozes
gritaram numa saudação.
— Xeque Ana! Xeque Ana!

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Segundos mais tarde, eles foram rodeados por uma horda de árabes
sorridentes, homens altos e aristocráticos, de olhos ardentes e rostos
queimados pelo sol e pelo vento. As mulheres, Jade notou com inquietação,
permaneciam em segundo plano, grupos de moças graciosas com mãos
delicadas e bem formadas, pés pequenos e uma insinuação de membros
lindamente torneados sob suas vestimentas soltas e compridas.
Um árabe idoso se aproximou de Diogo.
— Que a paz esteja contigo — ele o abençoou, ignorando Jade
totalmente.
— E para ti que haja paz — Diogo respondeu solenemente.
— Estás bem?
— Estou bem, graças a Deus.
Com muitos tapinhas nas costas e conversas numa língua
ininteligível, Diogo foi escoltado ao acampamento pelos membros
masculinos da tribo, deixando Jade sozinha ao lado do caminhão. Se a
intenção de Diogo, de trazê-la para esse lugar, tivesse sido de humilhar,
então ele fora muito bem-sucedido, nem mesmo como órfã aos cuidados do
Estado, ela sofrerá do mesmo grau de insegurança, de uma carência de
importância que a fazia sentir-se menor do que uma partícula de poeira.
— Por favor, quer vir comigo...? — Limpando as lágrimas dos olhos,
Jade se virou à procura de quem falara, e viu uma linda moça árabe de olhos
escuros e comoventes. — Sou Mariam, quarta esposa do xeque Mamadou.
Xeque Ana pediu-me para cuidar de seu conforto.
— Quanta bondade dele! — Jade quase sufocou de indignação. E
então, percebendo que os conhecimentos de inglês da moça eram escassos,
ela sorriu agradecendo e pediu que lhe indicasse o caminho.
Com uma dignidade graciosa, a moça conduziu-a a uma tenda que se
destacava das demais por seu tamanho e disposição, o que indicava que
pertencia a um homem rico e de elevada posição social. Mariam apontou
para uns cobertores espalhados pelo chão, no seu interior.
— Faros — ela explicou orgulhosamente —, feitos de peles de
cordeiros recém-nascidos!
Uma criança acanhada entrou, trazendo uma jarra de leite e um prato
de tâmaras, seguida por uma mulher carregando uma bandeja com um bule
de chá e uma chaleira, pães doces e uma caixa de chá verde. Jade
observava fascinada, enquanto ela colocava uma mancheia de chá no bule,
despejava água fervente sobre ele e mexia a mistura. A seguir, ela arrancou
as folhas de um ramo de hortelã e as colocou, com hastes e tudo, no bule,
além de uma quantidade surpreendente de açúcar, antes de despejar mais
água fervente e deixar o chá em infusão. De vez em quando ela provava a
bebida, até que ficou satisfeita com o sabor, e então despejou o chá em dois
copos, um para Jade e outro para Mariam.
Educadamente, Mariam esperou até Jade tomar o primeiro gole, mas o
copo estava tão quente que ela mal conseguia segurá-lo, muito menos tomar
o chá escaldante.
— Deixe- o esfriar um pouco. — Para o alívio de Jade, Mariam pegou o
copo de seus dedos doloridos e colocou- o sobre uma mesa baixa de tampo

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de latão. — Ele é melhor quando é tomado quente, mas mesmo quando está
frio é muito refrescante.
Certa de que vagava dentro de algum pesadelo, do qual logo
despertaria, Jade testou a sua voz, esperando acelerar o processo.
— Onde... onde está meu marido?
— Xeque Ana, o nosso líder, está em conferência com os anciãos da
tribo — Manam lhe disse simplesmente. — Embora soubéssemos de seu
casamento recente, precisávamos urgentemente de seus conselhos, e por
isso tivemos que chamá-lo. Xeque Ana nunca deixa de vir quando é
chamado.
— Seu líder...! — O tom agudo da voz de Jade seria suficiente para
despertar o dorminhoco mais profundo.
— Certamente — Mariam acenou com a cabeça. — Ele é o membro
mais respeitado de nossa tribo. Só soubemos de seu casamento há poucas
semanas — suas pálpebras se fecharam sobre os olhos tímidos, embora
falasse com simplicidade natural. — Eu fui escolhida para ser a sua moussa
e, para compensar o meu desapontamento, xeque Mamadou me tomou como
sua quarta esposa.
— E o que — Jade perguntou francamente — é moussa?
— Uma esposa temporária — Mariam pareceu surpresa com a sua
ignorância —, um favor que é concedido a todos os visitantes masculinos ao
nosso acampamento.
A noite já tinha caído, quando Diogo se dignou procurar por ela. As
chamas das fogueiras brilhavam na noite escura, aquecendo panelas de
bronze onde se cozinhava carne de carneiro na manteiga, e caldeirões de
arroz para a festa que estava sendo preparada para dar as boas-vindas ao
seu líder.
O tecido que dividia a tenda em dois compartimentos foi empurrado
de lado e uma silhueta alta se curvou para entrar.
— Você vai ter uma grande honra — uma fala arrastada chegou aos
seus ouvidos. — Por uma grande concessão feita a mim, os homens
decidiram que você pode comer conosco.
— Diogo...? — Sua expressão era de pura indecisão. A voz era de
Diogo, mas o homem vestido com um longo seroual preto e com um turbante
que combinava, e que levava uma adaga dentro de uma bainha presa ao
cinto, era um berbere puro, um filho perverso de Satã!
— Ou Allahi, inti zeyne hatt! Por Alá, como você está linda!
Jade se levantou com um pulo, espantada e mais zangada do que
jamais se sentira antes.
Durante horas, ele a deixara sozinha num ambiente estranho e
assustador, cercada dos olhares curiosos das mulheres, algumas das quais
nunca tinham visto uma mulher branca antes. E, contentando -se com o que
viram, tinham-na deixado sozinha, sabendo que, em cada uma suas visitas,
Diogo gozava dos favores de uma moussa, uma mulher mais do que disposta
a fazer as vezes de uma esposa. Mas ela não dia deixar que ele soubesse
que a própria idéia de uma outra mulher braços dele a deixara com ciúmes,
com vontade de cravar as unhas na linda moça árabe que se atrevera a

Projeto Revisoras 84
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desejar tomar o seu lugar. Portanto, ela buscou refugio na altivez, numa
recusa obstinada de se submeter a cada um de seus caprichos.
— É muita bondade deles — ela falou duramente —, mas não tenho
vontade nenhuma de jantar.
Com um movimento rápido, Diogo se aproximou dela e a sacudiu m
força.
— Você fará o que eu mandar, ou sofrerá as conseqüências — ele
falou rispidamente, com toda a arrogância de um senhor berbere. No deserto
nós temos um rigoroso código de etiqueta em matéria presentes:
— "Nunca se deve recusar nada."
— "Nunca se deve parecer esperar pelo presente recebido."
— "Deve-se sempre agradecer a quem dá."
— "Nunca se deve esquecer de retribuir com algo que pareça valioso
aos olhos dos árabes."
— Caso você quebre uma dessas regras, isso se refletirá sobre mim,
eu perderei o respeito que conquistei como amigo e conselheiro. E agora —
ele estava em pé com os pés separados e os braços cruzados sobre o peito,
olhando carrancudo para o rosto vermelho e preocupado de Jade —, vai se
vestir sozinha, ou será que preciso ajudá-la?. Notando um brilho em seus
olhos, que lhe dizia que ele achava essa possibilidade muito agradável, Jade
resolveu não discutir mais.
— Posso me arranjar sozinha — respondeu firmemente. — Estarei
pronta em meia hora.
— Você estará pronta em dez minutos — ele corrigiu calmamente. —
Eu ficarei aqui até que você se apronte.
Para poupar o seu embaraço, ele se virou para o outro lado e abriu a
aba da tenda para observar as atividades do acampamento, enquanto ela
tirava o vestido que usara o dia todo, lavava o rosto e o pescoço com água
fresca, e vestia uma saia cinzento -prateada e uma blusa que combinava,
com mangas compridas e bufantes e apertadas nos punhos. Tinha um decote
em v suficientemente profundo para mostrar a figa que ela usava
constantemente, a delicada mão de marfim presa a uma corrente de ouro, e
que era a sua única defesa contra o demônio.
A cor suave do vestido, apenas uns tons mais escuros que seus
cabelos claros, emprestava-lhe uma aparência de maturidade que ele logo
notou.
— Seus lindos olhos irradiam uma tranqüilidade desconcertante,
querida — ele deixou escapar suavemente. — Está com o tipo de olhar com o
qual uma mãe carinhosa acalma uma criança agitada.
Suas palavras reviveram a pior dor de todas, uma dor tão profunda
que ela sepultara no fundo da mente: ela jamais teria filhos, visto que ele
ordenara que jamais concebesse um filho seu.
— Você já decidiu que esse é um privilégio que me é negado — ela
acusou tremulamente, com seus olhos grandes, entristecidos pela dor.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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Uma sombra anuviou o rosto de Diogo enquanto ele fitava aquela


moça que, embora a tivesse tornado sua esposa, ainda conseguia manter
uma ar de inocência virginal. O silêncio era tão intenso que sua voz parecia
áspera, enquanto uma garça, o pássaro noturno que tinha a reputação de
ser um mau espírito, passava voando na escuridão.
— Para que você quer um filho? Está achando que, como a maioria
dos animais ferozes, eu vou ficar abrandado diante da visão de meus filhos?
Não. — Os lábios de Diogo se apertaram quando ela se afastou. — A
maternidade deve ser maravilhosa, mas não desejo me tornar nem mesmo
parcialmente responsável por criar uma vida que possa se transformar num
monstro como você.
O festim estava servido na tenda do xeque Mamadou. Depois do
cerimonial do chá, de hortelã, dois homens apareceram como um jarro e
uma bacia para a lavagem cerimonial das mãos. Então, com todos sentados
no chão, foi servida uma enorme travessa contendo um guisado fumegante
de carne de carneiro, legumes e especiarias.
— Procure comer só com os três primeiros dedos da mão direita —
Diogo a instruiu, servindo -se da travessa comum. Mas Jade foi forçada a
usar as duas mãos para poder comer mesmo um pouco.
O primeiro guisado foi seguido por um segundo, preparado com a
mesma carne, mas com especiarias diferentes. Mas o cuscuz, feito de painço
cozido no vapor e enrolado na mão, e depois jogado na boca com o polegar,
derrotou-a completamente. Assim ela se limitou a comer frutas e a tomar
copos e mais copos de chá de hortelã.
Profundamente chocada pela ausência de maneiras ocidentais dos
homens à mesa, ela pediu em voz baixa:
— Por favor, Diogo, deixe-me voltar à tenda!
Indiferente à ameaça de náusea que ela sentia, ele contudo lhe disse:
— A qualquer momento os homens devem se retirar, para que as
mulheres possam vir comer.
Quando ele inclinou a cabeça em sua direção, o xeque Mamadou
levantou os olhos e falou alto:
— Você deve obrigar a sua esposa a comer mais, meu amigo. Ela tão
franzina!
— Ela engordará com a idade — Diogo respondeu calmamente, as com
um sorriso nos lábios que ela achou irritante.
— Ela também parece triste. Você não a satisfaz à noite?
Mal suportando a humilhação, ela ainda teve que agüentar o seu
olhar de avaliação e sentiu vontade de morrer quando ele respondeu lenta e
satiricamente.
— É possível que ela esteja se sentindo um pouco desapontada.
Os homens riram às gargalhadas dessa grande piada, e riram ainda
mais dos olhos escandalizados e das faces vermelhas da mulher que
comparada a suas esposas cheias de saúde, mais parecia uma aparição
prateada.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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— Oh, meu amigo brincalhão! — O xeque Mamadou falou finalmente,


segurando a cintura que doía de tanto rir. — Seria mais fácil acreditar que o
meu melhor garanhão fosse incapaz de cobrir uma égua!
Sentindo essa observação como um ultraje supremo, Jade se levantou
num pulo e saiu correndo da tenda, tapando os ouvidos com as mãos para
não ouvir o som das gargalhadas dos homens na noite silenciosa.
Passaram-se apenas cinco minutos, quando Diogo entrou na tenda.
Ela estava curvada sobre uma bacia jogando água nas faces vermelhas de
vergonha, quando sentiu uma pressão sobre o ombro. Ela se virou,
espantada, e caiu diretamente na armadilha dos braços abertos de Diogo.
— Jade — ele murmurou, sem arrependimento algum, com os lábios
ardentes procurando o canto da sua boca —, não se ofenda com o humor dos
árabes. Eles não são monstros, são apenas homens vigorosos e viris.
— Que ignoram a própria existência das mulheres até que estejam
com disposição para brincar! — ela reagiu, como uma gata, enterrando as
unhas nos braços de Diogo. — Seus amigos me enojam — ela falou
arquejante, a uma distância de um metro — e você também! Uma vez que
você também parece estar à procura de um brinquedo, sugiro que tire
vantagem de sua posição privilegiada aceitando os serviços de uma moussa!
Assim que terminou de dizer essas palavras, ela percebeu que tinha
ido longe demais. No instante em que Diogo pisara naquele mar de areia,
ele se tornara como que uno com o deserto e seus habitantes, com essa
terra onde as mulheres não ousavam falar com desprezo a homens que
caçavam ferozmente como tigres, que cavalgavam rápida e destemidamente
como o vento.
Como uma folha na tempestade, ela foi erguida e virada por um par
de braços selvagens, e então baixada e deitada sobre uma cama de peles.
— Um homem só precisa de uma moussa na ausência de sua esposa,
querida — ele murmurou roucamente, com os olhos flamejantes. — Pode me
odiar se quiser, porque antes que a noite termine, você terá tempo para se
tornar receptiva à minha paixão, para me abraçar, me desejar e me suplicar
para que eu a ame; e para se arrepender amargamente de sua tentativa de
seduzir Henri.

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CAPÍTULO XIII
Jade mancava dentro da tenda e caminhava com dificuldade em
direção a uma pilha de almofadas, aborrecida com sua própria negligência
ao andar descalça lá fora. Mariam lhe prevenira quanto ao initi, o capim
áspero de sementes com pontas agudas e venenosas, que penetravam na
pele ao menor contato, ocasionando uma inflamação desagradável e difícil
de curar.
Não querendo atrair as atenções para a sua tolice, ela resolveu se
medicar sozinha, e assim vasculhou a bolsa à procura de uma pinça,
sentindo -se aliviada quando também encontrou um curativo.
Cuidadosamente, procurou a farpa que estava enterrada profundamente na
sola do pé. E depois de alguns minutos de sofrimento, conseguiu retirar o
espinho.
Se todos os espinhos fossem retirados com a mesma facilidade! Ela
suspirou, seus pensamentos sobre Diogo pareciam se tornar cada vez mais
berberes a cada dia que passava. No dia anterior, fora forçada a observá-lo
dentro de uma arena cheia de homens vociferantes enquanto os peritos da
tribo avaliaram a habilidade dele na arte da esgrima. Tensa de horror, ela os
olhava rodopiando, esgrimando e estocando, com o ar cheio dos
horripilantes gritos de guerra e dos golpes cortantes das lâminas de espadas
damasquinas. Jade fechara os olhos, sentindo -se enjoada com o espetáculo
violento, rezando para que a esgrima de Diogo fosse suficientemente boa
para compensar a falta de um escudo protetor.
Depois de lavar cuidadosamente o pé e de colocar o curativo no
ferimento, levantou-se para experimentar o seu peso sobre o pé machucado
e descobriu que, embora ainda doesse, a sensação não era incômoda
demais. Acabara de arrumar suas coisas quando sem nenhuma razão
concreta, ficou tensa, sentindo a presença de um marido que era rápido em
cobrar as suas dívidas, embora depois precisasse de uns dois dias de solidão
para aliviar a consciência.
— Bom dia, minha cara! — Ela reagiu com estremecimento de medo à
sua saudação zombeteira. — Hoje é dia de feira num oásis próximo. Vim
buscá-la para fazer compras.
Ela se virou para protestar, mas ficou sem fala ao impacto de uns
olhos brilhantes, acima de uma faixa de pano que cobria a boca, à maneira
dos berberes, que acreditavam que o rosto deveria ficar coberto para
proteger a alma.
— Não! — ela disse com a voz trêmula. — Não quero os seus
presentes.
— Foi você quem introduziu um espírito mercantilista em nosso
relacionamento — ele lhe falou, ríspido, caminhando em sua direção. — Eu
nunca desejei um casamento baseado no comércio e na troca; um casamento
que transformasse marido e mulher em vendedor e comprador!
— Um comprador desonesto — ela se sentiu sufocar — que acha que
pérola vale um coração partido.

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Ela se encolheu quando ele se aproximou com os olhos frios,


faiscando.
— Os árabes têm um ditado: "Vivam juntos como irmãos, mas façam
negócios como estranhos!" Isso é tudo o que somos, Jade: estranhos unidos
pelos laços do casamento; uma esposa que cobra de seu marido um preço
pela posse.
O toque de suas mãos provocou uma reação de emoções revividas.
Diogo não era de repartir nada; queria tudo ou nada. Mas, por mais que
pilhasse, havia nela uma parte secreta que só podia ser dada — jamais
roubada.
— Existe uma diferença entre aquilo que se toma e aquilo que
realmente se possui — ela lhe disse gravemente. — Se tocar num passarinho
extraviado, você pode matá-lo; se ficar à distância, ele pode pousar em sua
mão.
— ... ou fugir — ele concluiu, olhando -a preguiçosamente. — Os
pardais, especialmente, não são fáceis de domesticar, minha cara. Portanto,
não resta outra alternativa senão aparar suas asas.
Ele preferiu viajar de camelo, segurando -a diante de si, enquanto o
enorme animal subia e descia pelas dunas de areia, com um movimento
muito semelhante ao de um navio balançando sobre as ondas. Pouco menos
de uma hora após deixarem o acampamento, começaram a descer em
direção a um amplo vale, um festival de verde escondido no meio do
deserto.
Seus ânimos melhoraram à medida que foram se aproximando das
árvores frutíferas, dos jardins e dos sons de água fresca vinda de nascentes
ocultas no meio de arvoredos de palmeiras. De todas as direções havia
gente que se encaminhava para o oásis: mulheres carregando cestos
repletos de pimentões verdes e vermelhos; vendedores de carvão arrastando
pesados sacos; um homem guiando um bando de perus, e mercadores mais
ricos com jumentos carregados de mercadorias. Jade começou a sentir o
cheiro de fumaça e de castanhas assadas, de incenso, de flores de jasmim e
de óleo para cozinhar. Depois, ouviu um som que começara como um
murmúrio à distância e que se transformou num barulho ensurdecedor de
martelos batendo, de rodas de oleiros girando, de carneiros balindo, de
serras cortando e, acima de tudo, de vozes de mascates apregoando as suas
mercadorias e os protestos obscenos de compradores enraivecidos
pechinchando.
Ela estremeceu quando Diogo a levantou de sua sela e a pôs em no
chão.
— O que há de errado? — ele perguntou, aguçando a vista.
— Nada — ela mentiu com uma calma forçada. — É apenas um pouco
de cãibra. Ela passa logo.
— Tem certeza? — ele franziu as sobrancelhas. — As pessoas que não
estão acostumadas ao deserto precisam tomar muito cuidado com a saúde.
Uma indisposição ligeira e um sintoma simples devem ser investigados e
tratados imediatamente.
Não ousando admitir que essa preleção repetida com freqüência fora
ignorada, Jade insistiu calmamente.

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— Não é nada. Posso lhe assegurar que estou perfeitamente bem.


Eles atraíram muitos olhares curiosos enquanto percorriam as
passagens estreitas da souk: o árabe alto e cheio de dignidade, obviamente
um berbere, mas que demonstrava uma deferência enigmática para com a
sua delgada acompanhante de cultura e raça diferentes.
Embora o seu vestido de tecido de algodão resistente fosse simples e
a saia tivesse um comprimento respeitável, Jade estava consciente dos
olhares que se desviavam rapidamente de seus tornozelos e de suas pernas
bem formadas. Diogo, todavia, manteve-se indiferente à preocupação dela.
— Vocês ingleses dizem que estão chocados quando estão
simplesmente embaraçados — ele a repreendeu friamente. — Vocês devem
ser a raça mais fria do mundo.
Ela conteve o impulso de replicar quando percebeu que ele tentava
fazê-la admitir que tinha havido ocasiões em que ele a forçara a ter reações
tão desenfreadamente apaixonadas quanto as dele...
Foi um alívio quando Diogo a conduziu a uma passagem silenciosa,
longe do alcance de uma melodia de som metálico, tocada com entusiasmo,
mas muito mal, e que era produzida por uma flauta, tamborins, alaúde e
tambor, por um bando de falsos mendigos. Barracas pequenas se estendiam
ao longo da viela dos palheiros.
— O trabalho desses artesãos é apreciado há muitos séculos — ele
lhe informou, apontando para um menino acionando um fole sobre um
braseiro. Ao seu lado havia um homem trabalhando numa bigorna. — Mesmo
hoje em dia, essas são as únicas pessoas capazes de fabricar os famosos
dbailges, os braceletes de filigrana em ouro ou prata batidos. A habilidade
de forjar, rebitar e polir cada peça individual é transmitida de pai para filho.
Jade poderia ficar vendo esse trabalho durante horas. Mas assim que
o artesão percebeu o seu interesse, parou de trabalhar para destrancar uma
grande arca ferrada, de onde começou a tirar dúzias de peças de joalheria,
oferecendo -as para venda.
— Escolha qualquer uma que quiser — Diogo ofereceu.
— Não, obrigada — ela recusou firmemente —, já tenho jóias
suficiente.
— Esses homens são mal recompensados pela sua habilidade — ele a
repreendeu brandamente. — Você privaria a esposa de um joalheiro de um
vestido, e seus filhos, de sapatos.
Sentindo -se acuada e com os olhos esperançosos do joalheiro fitando -
a, não pôde recusar.
— Muito bem, já que insiste, eu fico com aquele! — Sua escolha
recaiu sobre um bracelete, uma argola de ouro simples e sem enfeites, que
ela passou a detestar assim que Diogo o colocou em seu pulso com um
comentário seco:
— Uma escolha surpreendente! Uma argola que representa a
servidão. Parece ser verdade que os escravos perdem tudo com o cativeiro,
até o desejo de fugir.
Almoçaram num restaurante de aparência espartana, compensada por
um jardim suspenso de onde se avistava, por sobre um cinturão de

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palmeiras, o deserto e, à distância, os picos indistintos de uma cadeia de


montanhas.
Jade estava com fome suficiente para apreciar os pães de cevada,
com manteiga fresca e mel, mas não conseguiu ingerir nada mais que um
copo do inevitável chá de hortelã, enquanto Diogo apreciava o cuscuz de
perdiz.
Notando a sua expressão pensativa e o seu ar de seriedade, ele
perguntou:
— Agora que você já teve tempo para julgar, qual a sua opinião sobre
o deserto e seu povo?
Ela levou algum tempo para considerar.
— Acho o deserto majestoso, austero e imponente, mas suspeito que,
como seus habitantes, ele pode ser muito cruel, especialmente para o que
chamam ridiculamente de sexo fraco. Pelo que tenho visto, a vida das
mulheres beduínas é uma labuta incessante; são elas que fabricam tecidos
para as tendas, que curam as peles de cabra para fazer baldes e bolsas de
água, que encontram combustível para as fogueiras, que cozinham as
refeições e ordenham as cabras. Mesmo quando se sentam, o seu tempo é
gasto fiando ou batendo leite para fazer manteiga. No entanto, os homens
da tribo parecem passar os seus dias vadiando, tomando café ou chá.
— As mulheres preferem assim — ele disse bruscamente. — Para uma
esposa beduína, um marido é como um xeque, senhor absoluto em seu lar.
Mas, ao contrário da impressão que você parece ter formado, esta regra não
é tão brutal. As mulheres não lutam para chamar a atenção, mas aceitam de
boa vontade o fato de que são seres inferiores e procuram compensar a falta
de interesse de seus maridos entregando -se a mexericos constantes e
cuidando de seus filhos; especialmente dos filhos homens, que são o orgulho
de suas vidas.
— E você acha isso justo? — Ela quase sufocou de indignação em
nome das esposas negligenciadas. — Serem condenadas a uma vida de
subserviência, um burro de carga que tem menos importância que um
camelo aos olhos de seu senhor e amo?
Sua indignação aumentou quando ela percebeu um leve sorriso
brincando nos lábios de Diogo, antes de censurá-la brandamente.
— Os homens não são totalmente sem consideração. Uma vez que o
trabalho de uma esposa é tão grande, ele alivia as suas obrigações
arranjando mais três.
Agora ele estava rindo abertamente, um grande sorriso que fazia suas
faces bronzeadas contrastarem com seus dentes surpreendentemente
brancos.
Mas ela não achou graça.
— Você está caçoando de mim — ela acusou de mau humor, afastando
o seu copo. — Suponho que, para você, sou apenas mais uma escrava de
cabeça oca, sem nenhum direito de formar uma opinião, muito menos de
expô -la! A sua ligação com os árabes por acaso mudou o seu modo de ver,
ao ponto de você também pensar em arranjar mais três esposas?

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Ele já não estava mais rindo; seus olhos azuis estavam sérios
enquanto ele a olhava fixamente do outro lado da mesa.
— Caso eu o fizesse, você se importaria?
Irritada por ter dado a entender que sentia ciúmes, ela falou sem
pensar:
— Céus, não! Eu ficaria agradecida pela oportunidade de me perder
no meio do bando.
Não valia mais a pena permanecerem no oásis; o clima de trégua, que
aumentara gradualmente durante o dia, desaparecera, deixando uma lacuna
entre eles.
Contudo, enquanto retomavam o caminho de volta através do
mercado apinhado, Jade sentiu um impulso de comprar um presente para
Diogo. Ela disse a si mesma que esse impulso era causado pelo orgulho, que
era simplesmente o desejo de pagar uma dívida que lhe havia sido imposta
pelos seus numerosos e caros presentes. Todavia, ela procurou
cuidadosamente antes de fazer sua escolha, deixando de lado artigos como
cintos de couro, bolsas, alfinetes de gravata, medalhões e esculturas em
madeira, até que encontrou exatamente o que queria — uma pequena
escultura de animais em marfim, com uma graciosa gazela saltando e
olhando assustada para trás, para uma pantera que a perseguia. A gazela
era primorosa, mas foi a pantera que lhe chamou a atenção, porque o artista
conseguira captar de alguma forma a graça felina do movimento, a
arremetida dominadora, o corpo flexível com seus músculos poderosos sob a
pele sedosa, o que sua mente associara com Diogo...
Enquanto ele estava distraído, ela aproveitou a oportunidade para
comprar a escultura de marfim e enfiá-la no bolso, assim que ele se voltou
para procurá-la.
— Você está com o olhar de uma criança culpada — ele franziu as
sobrancelhas. — Andou provando daqueles doces que eu lhe disse que não
devia?
— É claro que não! — Ela estremeceu só de pensar na sujeira da
barraca do vendedor de doces. Então, falando apressadamente, ela admitiu:
— Comprei um presente para você.
— Um presente para mim? — Ele parecia tão perplexo que ela desejou
ter pensado nisso antes. Ele tinha sido tão generoso e ela não lhe dera nem
ao menos um presente de casamento.
Diogo segurou-a pelo cotovelo e a conduziu para perto de umas
palmeiras, andando até que o som do mercado ficou para trás. Então, num
lugar à sombra, refrescado pelo som da água corrente, ele encarou-a e pediu
calmamente:
— Posso vê-lo?
Nervosamente, Jade enfiou a mão no bolso e lhe entregou a escultura
de marfim. Ele a segurou na palma da mão e observou-a longa e
silenciosamente. Ela foi corando enquanto imaginava se ele adivinharia a
linha de pensamento que inspirara a sua compra, mas se sentiu magoada
quando percebeu, por sua voz áspera, que ele dera uma interpretação
totalmente diferente à escultura.

Projeto Revisoras 92
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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— É assim que você se vê, Jade, uma pobre inocente perseguida por
um monstro? Você precisava anunciar a sua infelicidade através da única
coisa que me deu de vontade própria?
Quando, sem esperar por uma resposta, ele a puxava para fora do
bosque de palmeiras, caminhando em direção ao camelo amarrado, ela foi
dominada por uma sensação letárgica que não estava inteiramente ligada à
aflição que sentia pela interpretação errônea de Diogo. Seu pé tinha
começado a inchar, mas ela não ousava mancar, não ousava admitir que
havia ignorado todas as suas advertências.
Durante o percurso de volta ao acampamento, Jade teve que lutar
contra os acessos de náusea. De manhã, ela sentira o odor horrível do
camelo, mas na viagem de volta o cheiro de suor rançoso parecia aumentar
a cada minuto, até que atingiu um nível insuportável. O máximo que ela
conseguiu fazer foi não gritar, quando ele a ergueu da sela e a depositou no
chão. Ela sentiu uma dor aguda ao longo de toda a perna, que ficou então
latejando.
— Foi muita bondade sua levar-me ao oásis — ela agradeceu
educadamente como uma garota de colégio após um passeio.
— O sarcasmo não lhe fica bem, Jade! — O choque dessa resposta
áspera fez com que seus olhos ficassem cheios de lágrimas. Ao vê-las, Diogo
franziu as sobrancelhas sombriamente. Segurando o queixo dela com o
polegar e o indicador, ele levantou o seu rosto. — Mulher perversa! —
resmungou asperamente. — Tenho tentado cumprir as condições de nosso
acordo; tenho enchido você de presentes, mas tudo o que você sabe fazer é
chorar.
Foi um alívio relaxar sobre as almofadas no interior fresco de sua
tenda e tirar a sandália do pé, que inchara rapidamente. Haveria uma
cerimônia de casamento essa noite. Durante todo o dia, as mulheres da tribo
estiveram ocupadas preparando a noiva, pintando seus pés e mãos e
traçando linhas amarelas, parecidas com bigodes de gato, em suas faces e
ao longo do nariz. A tenda matrimonial já estava erguida. Jade sabia que
Diogo esperava que ela se reunisse a ele para observarem a procissão
nupcial circundando três vezes a tenda, antes que os homens corressem até
a entrada para romper a barreira das mulheres que cuidam da noiva.
— A noiva sai com seu chinelo na mão e tenta bater no noivo. E se
tiver sucesso, isso quer dizer que ela será o "homem da casa" — Diogo lhe
contara com um sorriso.
O ritual, como ele o descrevera, parecia tão emocionante e singular
que ela ficou curiosa por vê-lo. Mas quando deitou a cabeça latejante sobre
um travesseiro, percebeu que não haveria a menor possibilidade de ir.
Ela dormiu durante duas horas, mas quando despertou a dor de
cabeça estava pior, a dor no pé era terrível e sua roupa estava ensopada de
suor. Lá fora, a escuridão era pontilhada de fogueiras e a atmosfera
palpitava com o som surdo dos tambores. Mesmo quando Diogo entrou na
tenda, elegante como um mouro, com um imaculado seroual branco, ela não
se levantou e mal conseguiu reunir forças para responder à sua pergunta
ríspida:
— Não está pronta ainda?

Projeto Revisoras 93
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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— Eu não vou, Diogo. Estou tão cansada que sinto que preciso
descansar.
— É claro que vai! — ele discordou bruscamente. — O casamento foi
antecipado só por nossa causa, e os noivos ficarão muito ofendidos se não
formos.
— Vá você — ela protestou fracamente.
— Nós vamos juntos! — Furiosamente, ele se abaixou para tirá-la de
seu ninho de almofadas.
A dor, quando seu pé tocou no chão, a fez gritar como louca.
— Deixe-me em paz! Eu o odeio, Diogo — ela disse soluçando. — Por
que é que você não me deixa voltar para casa?
O pensamento sobre sua casa foi como uma ducha fresca depois de
um distúrbio mental violento e passageiro, um céu abençoado de
tranqüilidade depois de um inferno de tormenta. A imagem do rosto adorável
e tranqüilizador de Di foi a única coisa que ela viu, antes de cair desmaiada
nos braços de Diogo.

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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CAPÍTULO XIV
Ao recobrar a consciência, Jade ouviu o som de um passarinho
cantando docemente. Estava deitada com os olhos fechados, imaginando por
que os seus membros estavam tão fracos, por, que sua letargia era tão
intensa que não tinha vontade nem de abrir os olhos. Um perfume de jasmim
penetrou pelas suas narinas e, quando mexeu cautelosamente com os dedos
dos pés, sentiu o frescor dos lençóis sobre uma cama confortável.
A perplexidade brincava com a sua mente aturdida. Por que Mariam
trocara seu illiouich, seu cobertor de pele de carneiro, pelo de cetim que ela
conseguia sentir sob o queixo? Por que sua cama estava tão macia? E por
que sua boca estava tão seca, ressequida como o deserto quente e árido?
Ela passou a língua pelos lábios e sentiu que estavam secos e rachados pela
falta de umidade. Então, com o que lhe pareceu um tremendo esforço,
tentou chamar o nome de Mariam para pedir um pouco de água, de leite, ou
mesmo um pouco de seu refrescante chá de hortelã, mas o único som que
conseguiu emitir foi o de um fraco suspiro.
Ainda assim, houve uma resposta. Ela ouviu o rangido de uma
cadeira, um barulho de passos e então sentiu alguém curvado sobre ela.
— Jade...? — O tom de voz baixo e suplicante era irreconhecível; o
timbre era masculino, mas não podia ser de Diogo, pois sua voz era
tempestuosa, sarcástica, fria, jamais suplicante. Ela precisava ver, precisava
lutar para abrir as pálpebras embora estivessem pesadas.
A visão de um rosto curvado sobre ela provocou um fraco protesto de
seus lábios.
— Diogo! Você está horrível... você está doente?
Seus lânguidos olhos verdes ficaram ainda mais confusos com a
reação dele: Diogo, o senhor mouro, dono de uma perspicácia aguçada como
aço, parecia completamente destituído de palavras. Ele simplesmente
olhava com seus olhos agitados como o rio Tejo durante as enchentes, seu
rosto magro parecia sinistro por causa da barba que estava crescida.
— Não, meu amor, não estou — sua voz baixa parecia cansada —, mas
você esteve muito doente. Aliás, teve uma hora... — Quando ele interrompeu
para engolir seco, ela se lembrou subitamente.
— Oh, sim, tive uma dor de cabeça e meu pé estava machucado...!
— Mas você não me disse nada. — Ele falou como por acaso, mas ela
percebeu uma censura por detrás disso.
— Foi apenas um pequeno espinho, Diogo — ela procurou se
desculpar por sua negligência.
— Você é apenas um pequeno espinho, querida — ele parecia
surpreendentemente pálido e abalado —, e no entanto quase foi a minha
ruína. Não fale mais agora — ele umedeceu os lábios dela com algo
deliciosamente frio e refrescante —, volte a dormir. Quando tiver recuperado
as suas forças, voltaremos a conversar.

Projeto Revisoras 95
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

Havia tantas perguntas que ela queria fazer; por exemplo, por que ela
não estava mais no deserto? Como ela voltara ao seu quarto no Castelo?
Mas suas pálpebras começaram a pesar novamente e ela se sentiu
flutuando. Desta vez, porém, não sentiu medo, desta vez Diogo segurava
fortemente a sua mão.
Seu primeiro pensamento coerente, quando acordou horas depois, foi
o de que ele já não estava segurando as suas mãos. Isso provocou uma
sensação de desamparo, uma sensação de que um salva-vidas lhe havia sido
tirado, deixando -a ao léu. Abriu os olhos, à procura de seu rosto, mas havia
uma estranha ao lado da cama, uma jovem, obviamente portuguesa,
vestindo um uniforme branco de enfermeira.
— Bom dia, senhora — a moça sorriu, depois curvou-se para apoiar a
sua cabeça, encorajando -a a tomar um gole de uma xícara. Era evidente que
não sabia falar inglês, pois, enquanto atendia a paciente — lavando seu
rosto, pescoço e mãos com água fresca e perfumada — ela só transmitia
simpatia e compreensão com seus olhos escuros e sorriso fácil.
Jade se sentia fisicamente melhor, apesar de receosa, imaginando
aonde Diogo tinha ido, por que a deixara com essa estranha embora
agradável companhia.
— Onde está o senhor? — A debilidade de sua voz surpreendeu-a.
— Repouse, senhora — a jovem pediu, sacudindo um dedo
admoestador. Mas Jade achou que já tinha dormido o suficiente, sua cabeça
estava cada vez mais clara e o pé não doía mais. Só seu coração estava
pesado, seus olhos ansiavam pela visão do homem cuja presença poderosa
injetava força em suas veias.
Durante horas, ficou deitada esperando, calculando o tempo pela luz
do sol que entrava pelas venezianas e se projetava sobre a sua cama, e
depois, gradualmente pelo assoalho em direção às paredes, quando
percebeu que já era quase noite.
Afonso a tinha surpreendido com uma visita. Ele seguira a enfermeira
para dentro do quarto, trazendo uma bandeja com uma tigela de sopa e um
vaso cheio de lindas rosas amarelas. Solenemente, colocara a bandeja ao
lado de sua cama, mas, ao invés de se retirar impassivelmente, ele hesitara
e apontara para as flores.
— Estas foram enviadas pela criadagem do Castelo, senhora, como
uma prova de nossa estima e para transmitir os nossos votos sinceros de um
pronto restabelecimento.
— Oh, que lindas! — ela sussurrou, comovida quase até as lágrimas.
— Por favor, agradeça a eles por mim, Afonso, e diga-lhes o quanto apreciei
a lembrança... e obrigada a você também — ela acrescentou timidamente,
imaginando se o taciturno chefe da criadagem se incluía entre os demais.
Desde o começo, Afonso parecera desaprovar a sua presença, não dissera
nenhuma palavra de boas-vindas, e embora fosse sempre escrupulosamente
polido, suas maneiras obviamente careciam da espécie de deferência
geralmente dedicada a uma patroa.
Sua resposta simples a comovera.
— Temos todos rezado pela senhora; num curto espaço de tempo, a
senhora se tornou muito benquista por todos nós.

Projeto Revisoras 96
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
Bianca 49

Com a ajuda da enfermeira, ela conseguiu tomar um banho e depois,


sentindo -se muito reanimada, vestiu sua camisola mais bonita e um négligé
combinando, um esvoaçante conjunto cor de pêssego, enfeitado com laços
em um tom mais escuro, e amarrado no pescoço e nos punhos por fitas de
cetim cor de pêssego. A cama já não a atraía, por isso ela se sentou perto
da janela para olhar a planície que escurecia rapidamente, esperando ver
Diogo cavalgando o seu garanhão em direção ao lar, ou dirigindo o jipe
vindo do campo. Mas embora forçasse a vista até o anoitecer, não viu
nenhum sinal dele e se recostou na cadeira, desanimada demais até para
examinar a razão da necessidade desesperada que sentia do marido, cujas
investidas ela repelira continuamente.
Seu aparecimento foi silencioso e súbito. Um minuto ela estava
sozinha no quarto escurecido, e no outro ele se aproximava silencioso como
um gato.
— Você gosta de ficar sentada sozinha no escuro, minha cara? — Ele
apertou um interruptor e a luz fraca de um abajur de mesa de cabeceira
formou um pequeno círculo em volta deles, realçando seus cabelos
brilhantes e úmidos e um rosto bronzeado e bem barbeado, embora
parecesse bem mais magro. Ele estava vestido para o jantar e parecia
elegantemente à vontade, com a camisa contrastando com o paletó, o nó da
gravata atado impecavelmente e abotoaduras brilhando discretamente nos
punhos.
— A enfermeira me disse que você melhorou bastante — ele se curvou
para verificar e pareceu satisfeito ao ver que sua cor estava voltando
debaixo da pele cremosa. — Humm, ela tem razão — ele franziu as
sobrancelhas —, mas você ainda me parece tão frágil que dá a impressão de
que o toque de uma mão a partiria em duas.
Jade reprimiu o impulso de protestar. Durante todo o dia ela
aguardara, esperando ver sinais da mesma mudança de atitude por que ela
passara. Por alguma razão inexplicável, ela sentia que tinham passado por
uma experiência perturbadora, que os unira tanto que não havia mais lugar
para mal-entendidos. Mas a frieza nos modos de Diogo, seu tom de voz
quase desinteressado, a fizeram compreender que os braços carinhosos que
sentira em sua volta, os sussurros amorosos e ardentes, os dedos delicados
que alisaram os seus cabelos e acariciaram o seu rosto, tiveram origem na
imaginação febril, eram todos parte de seu próprio sonho solitário.
Ela teve que fechar as mãos com força e enterrar as unhas na palma
das mãos para permanecer calma, enquanto Diogo puxava uma cadeira para
se sentar ao seu lado. Ele jamais deveria saber quão perto ela estivera de se
atirar nos seus braços, jamais deveria adivinhar como ela começara a se
sentir subitamente deprimida e desamparada.
— Tenho algumas notícias que desanuviarão os seus olhos, querida —
ele quase sorriu quando se curvou em sua direção. Mas o sorriso foi breve.
Embora o tom de voz permanecesse suave, sua expressão era séria, quando
matou a última esperança que ela nutria. — Tenho estado em contato com
sua amiga, a ruiva Di, que certa vez tentou remover suas sardas com uma
escova. Ela deverá chegar logo para levá-la para casa.
O impacto de suas palavras foi chocante, embora ela lutasse para
conservar uma expressão de serenidade, atrás da qual só havia um
aturdimento vazio. O orgulho lutava para se manifestar, obrigando -a a dizer
qualquer coisa para desviar a atenção de seus lábios que ameaçavam tremer

Projeto Revisoras 97
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Bianca 49

incontrolavelmente. De propósito, ela se referiu a uma parte da informação


dada por ele, que nada tinha a ver com a sua aflição.
— Você e ela devem ter tido uma longa conversa — falou com a voz
trêmula. — Di normalmente não confessa seus casos de infância a
estranhos.
— Nossa conversa por telefone foi relativamente curta — ele
confessou bruscamente. — Ela não me disse nada; foi você quem disse.
— Eu disse...? — Seus olhos admirados pareciam enormes em
contraste com seu rosto pequeno e cansado.
Por um momento ele pareceu ansioso.
— Tem certeza de que está suficientemente forte para sair da cama?
— ele perguntou atenciosamente.
— Não brinque, Diogo — ela conseguiu dar um sorriso. — Não me
lembro de ter mencionado as sardas de Di, nem mesmo a cor de seus
cabelos; tem certeza de que fui eu quem lhe contou?
— Certeza absoluta, — Os nervos entorpecidos de Jade passaram a
reviver quando ele pegou a sua mão e segurou-a com seus dedos fortes e
bronzeados. Pouco olhando para a suas unhas rosadas e sem pintura, ele
decidiu sombriamente. — Acho que já é hora de você saber exatamente o
quanto esteve doente. Não é hora de eu censurá-la, de repreendê-la pela
tolice de ter deixado de contar sobre o pé machucado que provocou
conseqüências tão desastrosas. Assim me contentarei, por enquanto — seu
olhar severo prometia retribuição posterior — em lhe falar sobre o efeito de
sua negligência. Como era previsto, a ferida infeccionou — ele continuou,
com os maxilares contraídos e com os olhos concentrados na mão fina e
branca da figa que ele lhe comprara — e você teve febre alta. Durante o seu
delírio, você falou incessantemente sobre sua infância, sua adolescência e,
sobretudo, sua amiga Di, sua ruiva companheira de apartamento, cujas
opiniões francas muitas vezes a ofendiam, mas você se mantinha leal e
devotada. Não foi agradável ficar ouvindo você balbuciar seus segredos
inocentes, minha cara, mas estou feliz por isso porque agora sei tanto sobre
você quanto você mesma.
Jade se aprumou e soltou sua mão com um puxão. Segredos, ele
disse! Será que, em seu delírio, ela permitira que ele examinasse os seus
sentimentos mais íntimos? Será que a febre destrancara a porta do depósito
do amor que ela resolvera que jamais seria roubado se ela não pudesse dá-
lo livremente? Será que ele tinha descoberto o seu segredo e ficado
embaraçado com ele?
Jade teve a resposta que procurava quando ele se levantou e disse
friamente, bem acima de sua cabeça:
— O último pedido que você me fez, antes de perder a consciência,
foi para que eu a deixasse voltar para casa. O mínimo que posso fazer é
atender o seu pedido.
Muito depois de ele tê-la deixado sozinha, ela ainda permaneceu
sentada na cadeira, com os olhos secos e completamente derrotada. Em
seguida a enfermeira apareceu para pedir-lhe que voltasse para a cama sem
discutir. Ela esperava ficar rolando na cama a noite toda, mas, graças ao
cansaço, dormiu profundamente, despertando na manhã seguinte sentindo -
se quase normal, uma normalidade que incluía uma grande inquietação.

Projeto Revisoras 98
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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Como de costume, o dia estava gloriosamente ensolarado e, quando


olhou pela janela, a visão brilhante da água lhe deu inspiração.
— Ainda não vou tomar café, Afonso, obrigada — ela disse ao criado
que se aproximava. — Sirva- o ao lado da piscina daqui a mais ou menos
meia hora. Estou com vontade de nadar.
A longa piscina contornada por ladrilhos azuis estava deserta. Jade
mergulhou nas águas frescas e conseguiu nadar em toda a sua extensão,
antes das braçadas começarem a enfraquecer, avisando -a que o esforço
havia sido prematuro. Estava ofegante quando chegou aos degraus, e
agarrou agradecidamente os braços que lhe eram estendidos para ajudá-la a
sair da água.
— Enfant terrible! — Uma voz explodiu em seus ouvidos. — Será que
a sua insensatez não tem fim?
— Henri! — Ela se atirou nos braços do francês que sorria. — Estou
tão feliz em vê-lo, Henri! Ninguém me disse que você estava aqui.
— Ninguém se importa — ele deu de ombros, passando uma toalha em
volta dos ombros de Jade. — Eu só sou tolerado por ser útil. Mesmo que não
fosse por isso, eu não suportaria partir sem me assegurar de que você se
recuperou. Se você tivesse melhorado, eu já teria voltado ao meu forte há
dias. No momento, Diogo é inútil como companhia; cada vez que eu falo com
ele, ele ruge como um urso com a cabeça machucada. Mas chega de falar
nele; é melhor você se secar, chérie. Então, quando estiver vestida, talvez
possamos tomar café juntos.
Quando, depois de dez minutos, ela se reuniu a ele numa mesa
arrumada num terraço com vista para a piscina, reagiu à sua solicitude
como uma rosa que se abre ao calor do sol. Então, depois de ela protestar
sorridente, dizendo que ele estava fazendo uma tempestade num copo
d'água e garantindo -lhe que se sentia muito bem, ele pareceu satisfeito e
passou a apreciar o seu café da manhã.
— Hoje eu pretendia pedir permissão para visitá-la em seu quarto,
para ver por mim mesmo como você estava.
— Pedir permissão? — Ela parou com um pedaço de pão com manteiga
a meio caminho da boca e olhou- o incredulamente. — Você poderia ter me
visitado quando quisesse.
— Eu realmente não pude — ele falou indignado. — Durante a maior
parte da semana, ninguém teve permissão para ir ao seu quarto, nem
mesmo a enfermeira! Diogo insistiu em cuidar ele mesmo de você; ele
cuidou de você dia e noite, e quase não saiu do seu lado. Mas certamente,
chérie, ele deve ter lhe contado tudo isso — exclamou, sentindo -se confuso
com a palidez de espanto de Jade.
— Não, ele não me disse quase nada — ela admitiu murmurando. —
Ele só disse que tive febre e que delirei. Nada mais.
— Mon Dieu! — A xícara de Henri bateu no pires. — O que há de
errado com vocês dois? Como podem chegar à compreensão, se vocês não
conseguem, ou não querem, comunicar-se?
— Ajude-me você a compreender, Henri! — ela suplicou. — Por favor,
fale-me sobre tudo o que aconteceu!

Projeto Revisoras 99
O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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Sentindo pena de sua perplexidade, ele pôs os cotovelos sobre a


mesa e, com olhos perspicazes atentos, começou a relatar os
acontecimentos dos quais ela não tinha conhecimento.
— A primeira vez que soube de sua doença, foi quando Diogo retornou
ao forte, depois de atravessar o deserto de caminhão. De acordo com
Mariam, que cuidava de você na parte de trás do caminhão, Diogo parecia
um demente. Naturalmente, você estava inconsciente e com febre alta, mas,
mesmo assim, eu achei a reação dele estranha, embora satisfatória. Como
vê, chérie — ele desviou um pouco do assunto — embora a febre seja
desagradável, ela raramente é fatal, e Diogo devia estar perfeitamente
ciente de que você não estava em perigo por causa do pé.
Quando ela fez que ia discordar, ele acenou para que ela ficasse
quieta e prosseguiu implacavelmente:
— Cada tribo tem seu curandeiro, doutor-feiticeiro, se preferir, e há
anos que Diogo e eu temos testemunhado muitas curas milagrosas, às vezes
conseguidas simplesmente com o contato das mãos, e às vezes com a
utilização de poções feitas de ingredientes conhecidos apenas por eles. O
que eu quero dizer é que — ele chegou mais para perto, com o rosto muito
sério — esses tratamentos jamais falharam. Se Diogo ou eu mesmo
tivéssemos sofrido um acidente igual ao seu, nós não hesitaríamos em nos
colocar nas mãos de um curandeiro. No seu caso, porém, apesar de você ter
recebido esse tratamento, Diogo achava que isso não bastava. Ele teve que
tomar uma decisão difícil. Durante anos, ele viveu de um lado e de outro,
não sabendo exatamente a que povo pertencer. Mas, por acreditar que a sua
vida estava em perigo, não hesitou em rejeitar a cura do deserto e correr de
volta para a civilização, à procura dos cuidados de um médico especialista.
No que me diz respeito — ele concluiu alegremente — esse ato provou a
força do amor que tem por você. O mínimo que você pode fazer, chéríe, é
demonstrar que você também o ama.
Jade desejava acreditar nele desesperadamente, mas as dúvidas
pairavam em sua mente, deixando -a indecisa.
— Como posso, Henri...? — Seus olhos tristes suplicavam por uma
orientação.
— Você é uma mulher jovem e encantadora, Jade — ele disse
brincando. — Será que eu preciso realmente responder a essa pergunta?
Pensativamente, ela o deixou e subiu para o quarto, com a desculpa
de descansar, mas durante o resto da manhã e durante toda a tarde ficou
remoendo sobre tudo o que Henri dissera.
Diogo a amava! Será que ela poderia se atrever a acreditar que por
algum milagre o amor que ele certa vez lhe dedicara viera mais uma vez à
superfície, num oceano de dúvidas e suspeitas? Mas se ele a amava, por que
não falava? Por que tanta pressa em providenciar a sua partida? Henri tinha
dado a entender que cabia a ela descobrir, e seu instinto lhe dizia que ele
tinha razão, mesmo que isso resultasse num desgosto profundo e numa
decepção, ela não podia voltar à Inglaterra com tantas perguntas sem
respostas.
Tendo decidido sobre o que ia fazer, vestiu o vestido simples de noite
que usara quando ela, Diogo e Henri jantaram juntos no deserto. Embora se
sentisse muito melhor, ainda lhe faltava energia para prestar muita atenção

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O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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aos detalhes. Assim, aplicou um mínimo de maquilagem e, depois de escovar


os cabelos, prendeu- os com uma presilha na nuca.
A tensão aumentava dentro dela, enquanto esperava por um sinal da
volta de Diogo. Quando percebeu algum movimento no quarto contíguo,
começou a tremer tão violentamente, que teve que fazer uma pausa e
respirar profundamente antes de bater à porta.
— Pode entrar! — O seu tom de voz era tão inquisidor, que ela teve
que entrar imediatamente.
— Jade! — Ele caminhou em sua direção. — O que é que há? Você está
muito pálida.
— Não há nada errado — ela disse gaguejando, enquanto pensava o
que tinha dado nela para impor a sua presença diante do austero fidalgo,
que parecia demasiadamente controlado, demasiadamente distante para
entregar seu coração a qualquer mulher, muito menos a alguém tão
insignificante quanto ela. — Eu... queria falar com você.
As sobrancelhas de Diogo franziram.
— Você deveria estar repousando. Não estou convencido de que você
esteja suficientemente bem para conversar com quem quer que seja, por
enquanto. Mas, uma vez que parece tão perturbada, talvez seja melhor me
contar o que a está preocupando.
Ela se sentiu murchar quando a decisão cabia a ela; não conseguia
pensar em uma única palavra para dizer. Ele estava vestido para descer,
provavelmente pretendendo se reunir com Henri para uma bebida antes do
jantar. E enquanto buscava palavras, rezando para ter uma inspiração, o
olhar de impaciência de Diogo a fez corar.
— Henri parece achar... — ela começou. — Eu tinha esperança...
— Sim, Jade? — Ele a incentivou, como se sentisse forçado a animá-
la. — De que você tinha esperança?
— Diogo, eu preciso partir? — ela perguntou de uma só vez. — Você
quer realmente que eu vá embora?
Sua resposta dura a fez ficar branca.
— Sim, Jade — ele lhe voltou as costas e caminhou até a janela —, eu
quero que você volte para casa.
— Mas por quê? — ela falou ofegante, e então, tomada de uma súbita
determinação de descobrir a verdade, por mais dolorosa que fosse, ela
insistiu. — Há menos de uma semana, você jurou que ficaríamos juntos para
sempre; quando lhe pedi que me deixasse passar umas férias na Inglaterra
você insistiu para que eu ficasse, e agora... — ela balbuciou.
— Agora eu mudei de idéia — ele concluiu implacavelmente. — Eu
realmente queria isso antes, mas isso foi antes de você adoecer, antes de
compreender como a tinha julgado mal, antes de saber como a tinha feito
sofrer por causa de meu orgulho insuportável.
— Diogo — ela apelou, sentindo um leve raio de esperança —, sua
reação à minha aparente falsidade foi perfeitamente compreensível e, de
qualquer forma, a maior parte da culpa foi minha.

Projeto Revisoras 101


O Castelo dos Sete Suspiros – Margaret Rome
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— Como você pode ser culpada pela minha crueldade? — ele se virou
subitamente e perguntou desafiadoramente. — Foi estupidez levá-la a um
território para o qual você estava totalmente despreparada! Meu Deus, Jade
— ele falou abruptamente —, não percebe que foi por causa de minha
negligência que você quase morreu?
Ele estava tão cheio de ira interior, tão determinado a levar a cabo a
sua própria crucificação, que ela compreendeu que nada que dissesse ou
fizesse poderia fazê-lo mudar de idéia. Durante longos segundos
angustiantes, fitou os olhos torturados, e então, sentindo um desespero
absoluto, ela exclamou:
— Eu gostaria de ter morrido; eu preferia estar morta a não ter nada
por que viver, ninguém que se importe comigo! Eu acho, Diogo — ela
mordeu com força o lábio trêmulo —, que eu devo ter nascido para perder.
Todas as coisas e todas as pessoas das quais gostei sempre me foram
tiradas; minha mãe, meu lar, meus amigos, e agora você tirou o meu amor,
os meus sonhos, o meu coração, e me deixou sem nada. Não é de estranhar
que eu esteja farta desse jogo da vida, visto que sou sempre a perdedora. —
Incapaz de contei as lágrimas que sempre o deixavam furioso, ela saiu
correndo cegamente do quarto, passando por corredores, descendo escadas,
sem saber e nem se importar para onde ia.
O dia ainda era claro e os jardins estavam desertos quando ela correu
para fora, cega pelas lágrimas de dor que ardiam em seus olhos. Jade correu
para debaixo do caramanchão coberto de rosas, sentou-se numa cadeira e
com os braços sobre a mesa abaixou a cabeça e se abandonou à sua mágoa
profunda.
Perdida numa tormenta de lágrimas, ela não ouviu Diogo chamar o
seu nome, estava sem fala quando ele a levantou e a puxou para os seus
braços.
— Chega de lágrimas, meu amor — ele suplicou suavemente. — Não
suporto vê-la chorar. — Quando seus lábios se encontraram de surpresa, ele
os selou com um beijo que transmitia amor, desejo e paixão.
Embriagada de felicidade, ela correspondeu com uma paixão que o
forçou a apertá-la com tanta força que seu corpo esguio se fundiu com o
dela.
— Meu amor, eu a amo. Preciosa Jade, como eu poderia continuar
tentando ser nobre, quando a sua doçura estava me deixando louco?
Ela não teve tempo de protestar, não teve tempo de pensar sobre
esse milagre, antes de ser erguida do chão e carregada em seus braços.
— O que vai fazer, Diogo? — ela murmurou, inebriada demais para se
importar realmente.
— Vou fazer amor com minha esposa — ele prometeu roucamente,
enterrando os seus lábios nos cabelos dela —, e desta vez a minha esposa
vai fazer amor comigo... Ela não vai, Jade?
Ele esperou, com seus olhos intensamente azuis esperando por uma
resposta.
— Oh, sim, meu querido — ela aquiesceu solenemente, exibindo todo
o seu coração delicado e amoroso em seus olhos —, desta vez ela
certamente vai!

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FIM

Uma espetacular história de amor!

BIANCA 51: ESTOU LOUCA DE AMOR! - Charlotte Lamb


Caroline nunca havia sentido tanto amor e desejo em sua vida. A paixão por
James crescia a cada encontro, consumindo-a, e não existia argumento sensato que
pudesse impedi-la de se atirar nos braços dele. Quando James a acariciava, ela
delirava de intenso prazer, totalmente prisioneira do toque de suas mãos, de sua
boca, de seu corpo forte e viril. Quando ele a pedira em casamento, Caroline aceitou,
feliz com a perspectiva de passar dias e noites ao lado do homem adorado. Mas essa
felicidade durou pouco... Havia outra mulher na vida de James!

Você vai viver uma história emocionante!

BIANCA 52: UM SONHO DE VIAGEM - Betty Beaty


Varando lentamente a neblina que envolvia o rio Tâmisa, o Pallas Athene,
majestoso navio para milionários em férias, iniciou seu cruzeiro de sonho, navegando
em direção ao alto-mar... Debruçada sobre a amurada, Cristie via os contornos de sua
terra sumirem dentro da bruma, quando uma força estranha atraiu seu pensamento.
Voltou-se e, entre os passageiros, viu um homem fascinante sorrindo para ela. Foi
como amor à primeira vista! Cristie soube nesse momento que o desconhecido lhe
prometia todas as maravilhosas delícias do amor, mas também muito, muito perigo!

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